FICOU COMO PARTE 1
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FICOU COMO PARTE 1
UnP – Universidade Potiguar Alquimy Art Curso de Especialização em Arteterapia PTME – PRÁTICA TERAPÊUTICA DO MOVIMENTO EXPRESSIVO saúde mental e artes do movimento na Arteterapia Teresinha de Jesus Rodrigues Ferreira Nome Artístico: Teka Salle Belém 2005 1 TERESINHA DE JESUS RODRIGUES FERREIRA PTME – PRÁTICA TERAPÊUTICA DO MOVIMENTO EXPRESSIVO saúde mental e artes do movimento na Arteterapia Monografia apresentada à Universidade Potiguar, RN e ao Alquimy Art, de São Paulo como parte dos requisitos para a obtenção do título de Especialista em Arteterapia. Orientadora: Profa. Msc. Irene Arcuri Belém 2005 2 UnP – Universidade Potiguar Alquimy Art Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação Lato Sensu PTME – PRÁTICA TERAPÊUTICA DO MOVIMENTO EXPRESSIVO saúde mental e artes do movimento na Arteterapia Monografia apresentada pela aluna Teresinha de Jesus Rodrigues Ferreira, nome artístico Teka Salle, ao curso de Especialização em Arteterapia em 02/04/05 e recebendo a avaliação da Banca Examinadora constituída pelos professores: ______________________________________ Profa. Msc. Irene Arcuri, Orientadora ______________________________________ Profa. Dra. Cristina Dias Allessandrini, Coordenadora da Especialização ______________________________________ Profª Esp. Eliane Souza de Deus Neto Almeida, Leitora Crítica 3 Para meus filhos, Gisele Roberto Diniz Dolores Teresa Rachid Diniz e ao amor maior que nos une. Ao meu pai Diniz Lopes Ferreira “in memorian”. 4 Agradecimentos Minha Gratidão: À Minha Mãe. Aos Meus Mestres, em especial para Irene Arcuri pelo encorajamento e confiança e Eliane Almeida pelo entusiasmo e carinho. À todos do Hospital Dia do Hospital das Clínicas Gaspar Vianna não só pela contribuição aos meus conhecimentos, mas também pelo respeito e amizade que me dedicaram. Aos meus colegas de profissão e aos meus alunos pelas trocas humanas na dança da vida. Para C. (cliente do Hospital) e sua mãe por cada momento em que estivemos juntos. „Ele nunca vai saber o bem que ele me fez‟ „Sei que não terei nunca a medida certa do que ocorreu nesse momento‟. 5 RESUMO PTME – PRÁTICA TERAPÊUTICA DO MOVIMENTO EXPRESSIVO saúde mental e artes do movimento na Arteterapia A PTME - Prática Terapêutica do Movimento Expressivo se constitui numa metodologia e fundamenta a adoção e aplicação das atividades sensório motoras e das artes do movimento na saúde mental e na Arteterapia. Apresentamos as bases teóricas, as técnicas adotadas, os conteúdos e a base de formatação das sessões. No decorrer do processo sua aplicabilidade se deu durante estágio supervisionado, no atendimento ao grupo de clientes com transtornos mentais do Hospital Dia, da Clínica Psiquiátrica do Hospital de Clínicas Gaspar Vianna do Estado do Pará. As conclusões e resultados obtidos são aqui expostos. Incluímos ainda o respectivo plano de trabalho, modelo de sessão e relatório, meta e indicadores de mudança. Os indícios de validação se mostraram favoráveis e esta metodologia pode ser uma excelente aliada no atelier terapêutico não só da Clínica Psiquiátrica, mas também em outras instituições, escolas, empresas e clínicas, podendo ser aplicada em atendimentos individuais ou em grupos. PALAVRAS-CHAVE: Arteterapia, Saúde mental, Atividade sensório motora. 6 ABSTRACT PTME – THERAPEUTIC PRACTICE OF THE EXPRESSIVE MOVEMENT mental health and arts of the movement in Arteterapia The PTME - Therapeutic Practice of the Expressive Movement is a methodology that provides foundation to the adoption and application of the sensorial-motor activities and of the arts of the movement in mental health and in Art therapy. We present the theoretical base, the techniques adopted, the content, and the formatting base of the sessions. Along the process, these concepts were applied during a supervised training which provided care to a group of patients with mental disorders at the Hospital do Dia of the Psychiatry Clinic of the Gaspar Vianna Hospital of Pará State, in Brazil. The conclusions and results obtained in the process are presented in this work. The work plan, models of sessions and reports, goals and indicators of change have also been included. The validity indications proved to be favorable and this methodology may be an excellent contribution to the therapeutic environment not only at the Psychiatry Clinic, but also at other institutions, schools, companies, and clinics. It may also be applied with individuals or groups. Keywords: Art therapy, Mental health, Sensorial-motor activities. 7 SUMÁRIO RESUMO ............................................................................................................. 5 ABSTRACT ......................................................................................................... 6 TRAJETÓRIA PESSOAL .................................................................................... 9 ENCONTRO COM A ARTETERAPIA ................................................................. 12 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 16 CAP. 1 - ARTETERAPIA COMO ARTE PARA A SAÚDE E QUALIDADE DE VIDA .................................................................................................................... 23 Corporeidade, ciência, arte e arteterapia ........................................................ 23 Arteterapia, saúde como arte e valor cultural ................................................ 28 O adulto saudável e capaz de viver uma experiência cultural, Winnicott ... 30 A cultura de saúde e a qualidade de vida na arteterapia .............................. 32 Recursos artísticos e aspectos pedagógicos e terapêuticos ....................... 34 CAP. 2 - PTME - PRÁTICA TERAPÊUTICA DO MOVIMENTO EXPRESSIVO. 37 2.1 BASES TEÓRICAS....................................................................................... 37 2.1.1 O expressive therapies continuun ......................................................... 37 2.1.2 A parceria psicossomática de Winnicott ............................................... 39 2.1.3 Movimento Humano realidade e simbolismo ........................................ 41 2.1.4 Consciência Corporal .............................................................................. 45 2.1.5 As Oficinas Criativas de Allessandrini ................................................... 49 2.1.6 As atividades sensório motoras e a arte da dança ............................... 52 2.2 TÉCNICAS .................................................................................................... 56 2.2.1 Respiração ................................................................................................ 57 2.2.2 Relaxamento ............................................................................................. 58 2.2.3 Alongamento ............................................................................................ 60 2.2.4 Jogos Interpretativos ............................................................................... 60 2.2.5 Improviso corporal e sonoro ................................................................... 61 2.2.6 Dança ......................................................................................................... 62 2.3 DOS CONTEÚDOS A APLICAR E BASE DE FORMATAÇÃO DAS SESSÕES ................................................................................................... 69 8 CAP. 3 - RESUMO DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO ..................................... 82 3.1 REFLEXÕES ................................................................................................. 82 3.2 OS GRUPOS, CARACTERÍSTICAS E QUESTÕES .................................... 84 3.3 A ATUAÇÃO, AS QUESTÕES PESSOAIS E CONDUTA ............................ 86 3.4 RUÍDOS ........................................................................................................ 88 3.5 FORMATO DO ESTÁGIO ............................................................................. 89 3.6 MODELO DA SESSÃO APLICADA .............................................................. 90 3.6.1 Relatório da Sessão ................................................................................. 92 3.6.2 Recorte: observação cliente C. – Esquizofrenia Indiferenciada .......... 94 3.7 OUTROS REGISTROS ................................................................................. 96 3.8 A META E OS INDICADORES DE MUDANÇA ............................................ 99 3.9 AS CONCLUSÕES E RESULTADOS ........................................................... 99 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 100 REFERÊNCIAS ................................................................................................... 105 ANEXO A – FICHA DE OBSERVAÇÃO INDIVIDUAL ....................................... 111 ANEXO B – PLANO DE TRABALHO ................................................................ 112 9 TRAJETÓRIA PESSOAL Eu sempre dancei. Sou um Ser Dançante! Ainda pequena dançava em todo lugar. Em casa, na rua, na escola. Minha qualidade energética flui e me permite vivenciar uma consciência organizadora. Minha imagem tornou-se pública pelas vivencias no palco e por uma postura a favor da dança e das manifestações expressivas como necessária nos diálogos das nossas comunidades acadêmicas. Minha área de conhecimento é a educação física, a dança, a corporeidade. As artes do movimento. Como fundadora da APAD - Associação Paraense de Dança e sua 1ª Presidente em 1990, mobilizei esforços com a categoria para desenvolver junto a Secretaria de Cultura do Estado uma política cultural voltada não só para os aspectos da produção de espetáculos, mas principalmente promover a circulação de bens intangíveis como a dança em espetáculos públicos gratuitos. Vejo o quanto a dança pode avançar a partir daí. Todo um movimento de grupos de dança, independentes das academias, com uma estética diferenciada, começou a surgir. Aproximando a dança da vida das pessoas também foi possível disseminar novos conceitos de saúde e bem estar. Sinto-me muito bem por ter feito isso. Belém do Pará, cidade fora dos grandes centros, me obrigava permanentemente a viajar e assim minha formação se deu em Rio, São Paulo, New York entre outros. Cursei as técnicas clássica, moderna, contemporânea, Jazz e dança-teatro ou teatro do movimento. Fiz cursos no Ballet Stagium, Cisne Negro, Ruth Rachou, Lennie Dale, Mercedes Batista (dança étnica), Eugenia Feodorova (clássico, escola russa), na PUC RJ Expressão Corporal com Maria Pompeu, e na Escola de Dança de Joshei Leão primeiro bailarino do Teatro Municipal de SP (onde 10 me formei em bailarina e professora de dança clássica). Em paralelo estudei os meios e métodos da preparação física. Ouvia falar nas grandes companhias do mundo da dança que revolucionavam os discursos corporais e por duas vezes fui estudar nos E.E.U.U. Em New York por três meses fui estudar o Grahan Tecnique com Martha Grahan no Contemporary Dance Center. Também estudei com Alwin Ailey, Mercê Cunnigham (movimento pelo movimento), Twila Tharp e Jô Jô Smith. Com formação superior em Educação Física pela Univ. do Estado do Pará e Especialização em Ciência do Treinamento Desportivo de Alto Rendimento na Universidade Gama Filho no Rio de Janeiro, trabalhei a maior parte de minha vida lotada no Centro de Educação, Departamento de Educação Física da Universidade Federal do Pará. Iniciei na universidade como bailarina aos 15 anos integrando o Grupo Coreográfico; eu já aprendia dança desde bem pequena. Depois lecionei para o Curso Superior de Educação Física e para as Escolas de Música, Teatro e Dança. Fui preparadora física, técnica, coreógrafa e diretora do grupo coreográfico e de expressão corporal. Trabalhava também com espetáculos de performance e paralelamente tinha um Studio de Dança onde me permitia experimentações e novas metodologias. Em 1980 já corria atrás de novas linguagens. O corpo expressivo e suas re-significações. Nas performances rompi com os códigos estéticos prontos. Comecei a colocar em cena a dança-teatro onde podemos na coreografia abrir mão da rigidez corporal técnica e investir na expressão corporal como recurso expressivo. Nas minhas composições coreográficas apareciam temas fortes e atuais diretamente ligados ao cotidiano, ao urbano de nossas cidades. No enfoque principal, o homem, sua poética e seu corpo consciente. Integrei a equipe acadêmica do estágio de Psicologia Organizacional no Hospital Bettina Ferro da Universidade Federal do Pará (2002-2003). Foi um contato 11 muito proveitoso. Num entrelaçamento de propostas posso dizer que nossos trabalhos foram “lindos”, enriquecedores. Com eles vivi o dia a dia das dinâmicas de grupo. Organizávamos-nos no preparo das sessões procurando colocar as intervenções corporais nos momentos precisos. Aprendi muito e vi que entre nós havia um consenso: a necessidade de um trabalho corporal mais constante e sistemático. Sentíamo-nos muito bem. Na mesma época eu também aplicava o Projeto de minha autoria aprovado pelo Pró-Reitoria de Extensão intitulado: “Cultura de Saúde – o lúdico e o cultural na intermediação da produtividade e qualidade de vida” (2000-2001). Nele já apareciam os saberes e vivências corporais como recurso pedagógico e a preocupação com a saúde física e mental. Este projeto foi trabalhado juntamente com a proposta do “Programa de Criação dos Espaços de Convivência” da administradora Gina Pazzianese da Prefeitura do Campus do Guamá e foi premiado entre os 10 melhores da administração pública em Brasília. Reflito que algo já me encaminhava para a compreensão da Arte como terapia. Ao encontrar o curso de pós-graduação em arteterapia vi que não estava só. Professora Adjunto 4 aposentada (2003) da Universidade Federal do Pará sou profissional reconhecida, com o nome artístico de Teka Sallé nas áreas da Artes Cênicas, Educação Física e Saúde. Hoje também estou concluindo a especialização em Saúde e qualidade de vida do trabalhador pela Universidade do Estado do Pará e trabalho como instrutora e facilitadora das técnicas de vivências corporais, psicocinética e laboratório das artes do movimento visando consciência corporal, criatividade, gerenciamento da emoção e enfrentamento do stress em Programas de Recursos Humanos, Desenvolvimento Pessoal e Produtividade, Saúde no Trabalho e Qualidade de Vida. Também ministro oficinas, cursos de dança, processos 12 criativos e composição poética coreográfica e monto coreografias. Tenho insistido em colocar nestas áreas e em meus trabalhos a Arteterapia. Recebi 3 prêmios nacionais, vários locais e homenagens inclusive do governo estadual por relevantes serviços prestados a arte e a cultura do nosso Estado. Em 4 de fevereiro recebi a homenagem que muito me sensibilizou: fui chamada para inaugurar no Campus de Castanhal da Universidade Federal do Pará (onde funciona o Curso Superior de Educação Física), uma sala com meu nome artístico Teka Sallé. Fiquei muito feliz por me perpetuar através dos meus estudos e de meus trabalhos dentro de uma área tão difícil e que hoje mais do que nunca, com as mudanças de paradigma e com os avanços da ciência se faz tão necessária. 13 ENCONTRO COM A ARTETERAPIA Fevereiro 2003. Quando um outdoor muda tudo. Tinha pedido minha aposentadoria da Universidade Federal do Pará há menos de 15 dias. Precisava de um novo caminho profissional. Um olhar novo ou um novo foco sobre velhas questões, mas sempre novas inquietações como é próprio de minha maneira de ser. Digo que o outdoor me encontrou sozinha, atrás da vidraça do carro parada num semáforo. Digo que encontrei no outdoor não só a oferta da pós-graduação em Arteterapia, mas o chamamento. Juntaram-se as duas dificílimas palavras em meu cérebro: Arte e Terapia e ampliaram-se possíveis dotações de sentido aos meus conhecimentos quer no campo do vivido quer no campo do pensado. Veio a reflexão: como fazer terapia com os recursos expressivos da arte se as artes são tão pouco valorizadas? Mesmo com a indagação pensei – tem valor para mim. Meu Ser inteiro respondeu: é comigo e isto muda tudo. A decisão de fazer o curso foi imediata. Ter dedicado minha vida à prática e aos estudos da arte da dança foi a responsável por esta atitude. No curso o encontro com algo sempre pressentido, mas que permanecia intocado, em potencial, latente: meu ser terapeuta. Hoje posso dizer isto. Havia uma clientela que sempre me procurava não pela performance, mas pela possibilidade de trabalhar o corpo com outros métodos. Já desenvolvia meu projeto de artes do movimento, o lúdico e o cultural na intermediação da qualidade de vida dentro do Hospital Bettina na UFPA e lidava com grupo de diabéticos e de mulheres com câncer de mama. Pude enxergar que também minha história de vida era condizente com a proposta e não só a vida profissional. É como uma parceria 14 silenciosa... Talvez uma conspiração para o “estar amoroso”, sentir-se bem, alegrarse consigo e com o outro, ir caminhando... Estabeleceu-se um elo que sempre me pareceu muito necessário entre o palco e a vida. Entre a artista, a dançarina e o público. Foi como transpor a distância entre palco e platéia, foi como dar a mão para o desconhecido na platéia e juntos dançarmos corporificando a consciência. Meu encontro com a Arteterapia foi à própria sobrevivência do meu pensar e fazer arte, a chance de re-encaminhar questões que, por serem extremamente pertinentes para mim não pude e não quis abandonar. A persistência e a determinação passaram a ser o indício de que pode ser válida certa forma pessoal de sentir, perceber, pensar e agir. Manifestou-se em mim a terapeuta ao lado da artista. Eu já fazia terapia familiar em Clínica Psiquiátrica e sentia falta de procedimentos com foco nos saberes corporais. Lembrei que na época do vestibular eu queria fazer medicina. Como não queria abandonar a dança, optei pela Faculdade de Educação Física. Corpo e mente inseparáveis e a dança continuou presente em mim. As disciplinas e as metodologias todas muito bem apoiadas em suportes teóricos científicos e práticas vivenciais me fundamentaram e sedimentaram meus conhecimentos. Foi-me dada a oportunidade de desenvolver uma metodologia a PTME - Prática Terapêutica do Movimento Expressivo, visando o resgate e o desenvolvimento da consciência corporal e que é o objeto deste trabalho. Dessa forma o curso me permitiu uma releitura do meu trabalho e abriu a possibilidade de re-organizar todo o conhecimento adquirido ao longo da minha carreira trabalhando com a corporeidade e suas múltiplas formas expressivas. 15 Este feliz encontro comigo mesma me fez ser corajosa o suficiente para propor fazer o Estágio Supervisionado no Hospital Dia da Clínica Psiquiátrica do Hospital de Clínicas Gaspar Vianna cujo recorte aqui também é relatado. Nestes 25 meses de curso, não só ordenaram-se e sistematizaram-se meus conhecimentos, mas os passos da minha vida. Ganhou sentido aquilo que eu ainda não sabia totalmente porque fazia e tudo o que já tinha feito ganhou um colorido especial. Minha consciência se ampliou. A dança é para mim a minha transcendência? Ou a dança para mim tem sido a grande gerenciadora do sistema? Ela me fez chegar até a Arteterapia. No meu encontro com a Arteterapia resgatei os valores nos quais me apoiei quando ainda bem jovem fiz a escolha de minha profissão: professora de educação física e dança. Na alquimia do meu coração com a ciência e a arte, emergiu meu Ser Terapeuta. Poder refletir sobre isso é uma vitória. 16 INTRODUÇÃO Este trabalho de monografia denomina-se PTME - Prática Terapêutica do Movimento Expressivo, se constitui numa metodologia, e se originou da necessidade de trabalhar a corporeidade e o movimento humano no atendimento ao grupo de clientes do Hospital Dia, da Clínica Psiquiátrica do Hospital de Clínicas Gaspar Vianna do Estado do Pará, quando do estágio supervisionado na pós-graduação em Arteterapia. Por ter me dado indícios de validação vi que esta metodologia pode ser uma excelente aliada no atelier terapêutico não só da Clínica Psiquiátrica, mas também em outras instituições, escolas, empresas e clínicas. Pode ser aplicada em atendimentos individuais ou em grupos. Refere-se o estudo a fundamentar a adoção e aplicação das atividades sensório motoras e das artes do movimento na Arteterapia. Adotamos o termo artes do movimento por ter uma ênfase no movimento expressivo humano e suas possibilidades terapêuticas e pedagógicas. Em Arte Terapia evocamos o valor e a abrangência que a arte tem sobre o Ser Humano: pensante, formador, construtor, sensível, consciente e intuitivo. Como técnica terapêutica damos importância aos aspectos não verbais assim como à estimulação dos processos cognitivos e expressivos (SAADE 1997/98, apud ALLESSANDRINI, 1999, p. 24). Segundo Dr. Liomar Andrade (2000) a palavra expressão compreende o sentir e o pensar - um fazer integrado; ela deve substituir a concepção que temos de arte que é do século XVII. Assim aceita a concepção, no nosso entendimento, a arte passa a ser expressão. Na Arteterapia temos o fazer arte enquanto expressão humana e o fazer terapia principalmente apoiada nos recursos não verbais e nos processos criativos. 17 A arte é a “coluna vertebral” da arteterapia e trabalha com a linguagem expressiva e simbólica, onde todo o processo é pautado numa relação humanizada que possa desvelar a afetividade e contribuir para o equilíbrio do eterno conflito entre as necessidades individuais e as pressões institucionais. Utiliza recursos das artes plásticas e visuais, grafismo, argila, toques, massagens, o movimento humano e ainda outros conforme diagnosticada a necessidade do cliente, promovendo o auto conhecimento e o desenvolvimento pessoal. A arteterapia não se focaliza no aprimoramento e exigências técnicas e sim numa produção espontânea e prazerosa que faça emergir o ser fazedor e seu trânsito entre o inconsciente e o consciente. Na arteterapia não se pratica a interpretação e sim se promove o desenvolvimento de trabalhos vivenciais expressivos numa proposta de ampliação da consciência, de encontro do ser consigo mesmo, com seus conteúdos e sua maneira particular de se colocar no mundo. A arteterapia parece estar reunindo e sistematizando campos do conhecimento que são imprescindíveis ao viver, ao Ser Humano. Gera energia organizada (corpo e mente), produz saúde e mais ainda permite ao ser humano trazer o histórico social da sua própria espécie no encontro com a ampliação da consciência. No contexto terapêutico da arteterapia a significação de valor dado aos aspectos não verbais e a criatividade ampliam as possibilidades das intervenções através do movimento não só como atividade motora, mas também como linguagem. A linguagem não verbal abre possibilidades para o criativo e motiva o homem a expressar sentimentos e desejos na tentativa de harmonizar-se individualmente ou grupalmente. 18 Falar em criatividade como recurso terapêutico requer ter vivido a experiência. Assim, descrevo abaixo meu encontro com o processo criativo e a ampliação da consciência. Como um processo que desvela relações significativas, poderia dizer que o criativo na minha vida é a capacidade da descoberta de probabilidades de transformação do potencial de um nível X de tensão interior em comunicação como o meio exterior através da ação e materialização. Esta descoberta de probabilidades implica em uma consciência onde o campo do vivido e o campo do pensado se articulam propiciando a linguagem onde as potencialidades encontram a saída para a materialidade, para meu encontro comigo mesmo e com o outro. Profissionalmente trabalhando com as artes do movimento meu criativo se encontra na percepção advinda da corporeidade com seus dados fisiológico e sócio culturais. Uma consciência corporal, um fazer com a operacionalidade conjugada dos campos afetivo, cognitivo e motor. Sei, por exemplo, que as elaborações mentais e mesmo as idéias consideradas brilhantes nada significarão se não forem executadas num tempo e num espaço que é próprio delas e que envolve uma disponibilidade corporal e o viver deste corpo. Assim posso atribuir a concretude do processo criativo também a uma inteligência do movimento. Às vezes penso na consciência como tensão e relaxamento. Como um processo de “correr atrás de si mesmo”. Uma consciência provocadora que sempre quer mais e quando me tensiona me joga de encontro a mim mesmo até X e quando me relaxa me torna receptivo ao mundo e as trocas comunicacionais acontecem. Penso que a tensão e o relaxamento também dizem respeito ao que os estudiosos denominam flexibilização do pensamento para que se instale o criativo. Se minha 19 comunicação exterior é sempre carregada de excessos de estímulos geradores de tensão e não me conscientizo disto, meu padrão de ação e comportamento fica alterado o que deforma minha expressividade e provavelmente há a sabotagem de meu processo criativo e, por conseguinte da minha ação. Eu não me recrio. Eu me repito. Eu sempre “vejo”, “sinto” como se o mundo estivesse todo em mim. Tudo pode caber em mim. Eu aceito o outro como real. Se o mundo está em mim eu posso “trocar” com o mundo e a qualidade da “troca” é superior. Um certo ir e vir que compreende um “tempo emocional” e me diz que é possível, que está chegando, que está se apresentando, tomando forma, gosto e cor... E quando percebo está lá. Eu tenho o mundo em mim e eu estou nele, habito-o. Eu me dou formas e sentidos através do movimento, do gesto, da ação. Meu corpo com o mundo dentro de si, não se contém, eu danço (é o Express), eu quero ocupar os meus tempoespaços. E também se meu corpo não me contém, no meu Express o mundo me recebe. A cada movimento, gesto, meu viver transborda de mim e volta para mim, lindo, poético, plácido e me agasalha e protege em mim. É meu ser criativo em ação. São corridas para dentro de mim, para encontros comigo e saltos para fora de mim. Criatividade. Como a gênese do movimento humano o eterno contrair e relaxar, aqui também coloco a questão do acaso e materialização na obra de Arte. Quando a materialização se conclui seria o acaso do acaso? Há um gatilho detonador no que dou a obra como acabada? Será que é aí nesse estágio que se instala uma 20 passividade contemplativa? – eu me abstraio diminuindo a tensão do processo criativo no momento conclusivo em que, parte dos meus conteúdos, prementes de comunicação, já elaborados e materializados na obra “pronta” não são mais só meus; encontraram eco e a partir daí, materializados me dão como retorno avalanches de respostas ou perguntas ainda sem respostas. Nessa gênese criativa passo pelo processo de equilibração majorante. Observo que no processo criativo a auto organização depois de materializada nos mostra incontáveis formas, modos de realizar a tarefa. Todos provavelmente certos. Assim me encontro no mundo, forma e conteúdos. Seria essa tensão uma forma do sujeito não só encontrar-se consigo mesmo através da tensão interior, mas também se reencontrar como parte do sistema maior homem mundo? Há a certeza do engajamento do seu viver neste encontro de materialidades exteriores e permissivas nas quais eu me completo e parto... Nesta eterna caminhada de ampliação da minha consciência preciso da parceria com meu corpo. O processo vivido e tudo que dele apreendi são norteadores da metodologia que proponho. Em minhas experiências, conforme dito anteriormente, nos grupos terapêuticos sempre se apresentava à necessidade de um trabalho corporal mais constante e sistemático. Estas constatações se fizeram sempre presentes nos vários grupos com os quais trabalhei. No capítulo 1, preocupei-me em fundamentar vida, corporeidade, saúde e cultura por entender que a arteterapia, na sua visão holística, me permite a 21 colocação destes conceitos bem como a articulação entre eles são dotadores de sentido no desenvolvimento de meu trabalho. Explicita-los, situa-los a luz de diversos autores, tem como propósito conduzir o pensamento e facilitar a compreensão da PTME e dos recursos apoiados nas artes do movimento. Trabalhar o movimento requer o “onde” se dá a perceber o fenômeno, interiormente e exteriormente, ou seja, o corpo. No capítulo 2 apresento a PTME - Prática Terapêutica do Movimento Expressivo onde abordo as bases teóricas que fundamentam o procedimento e cujo estudo e compreensão considero essenciais como a consciência corporal, as atividades sensório motoras, a dança e seus benefícios e aplicabilidades. No último capitulo faço um resumo do estagio supervisionado onde a PTME foi aplicada. Percebi a necessidade de me apoiar em vários autores estudados ao longo da pós-graduação em arteterapia e trazer contribuições também de minha área, Educação Física, Psicomotricidade e Dança. Temos então uma referência lúcida quanto aos objetivos e como se dá o suporte na aplicação do movimento na metodologia PTME - Prática Terapêutica do Movimento Expressivo dentro da Arteterapia. Penso que o alcance e os limites dos fazeres nas terapias precisam ser aclarados para que possa se estabelecer uma maior competência em lidar com cada um dos métodos e suas técnicas. O próprio profissional precisa fazer o exercício de reconhecer em si a capacidade e competência maior de atuar em uma ou outra das vertentes que se apresentam como válidas. Este é o motivo pelo qual escolhi as artes do movimento, conforme minha trajetória profissional. Através da revisão da 22 Literatura e subseqüente estágio em Clínica Psiquiátrica propomos uma metodologia mais ampliada. O trabalho contém sim uma especificidade técnica, mas com indícios para o todo. A intenção não é fragmentar o processo, mas ampliá-lo. Há uma confiança neste trabalho, mas uma humildade muito grande no seu intento. Quero trabalhar a favor de uma terapia pelo movimento aliada as outras técnicas do repertório da Arteterapia. A relevância do estudo se dá face a possibilidade de complementação dos trabalhos em arteterapia. Percebo que a faceta do movimento humano com olhar terapêutico ainda é pouco trabalhada e há pouca literatura no Brasil. Certamente as instituições e toda sociedade saem ganhando com um olhar diferenciado no trato com o corpo. 23 CAP. 1- ARTETERAPIA COMO ARTE PARA A SAÚDE E QUALIDADE DE VIDA Contexto e reflexões sucintas: Corporeidade, ciência, arte e arteterapia. No exercício pessoal da reflexão sobre entendermos as artes do movimento corporal expressivo na arteterapia como a Arte para a Saúde, bem estar e qualidade de vida, quero situar questões relativas a vida, corpo, saúde e cultura para repensar o trato com o corpo já que Vida implica em ter uma corporeidade. Vivenciar o seu corpo já que é nele e através dele que tudo se manifesta. Como falar em saúde, movimento e terapia sem falar em corporeidade e na sua ontogênese. Apresento aqui as reflexões da Dra. Silvana Venâncio (1988, p. 130) durante o I Congresso Latino Americano de Educação Motora que considero de suma importância para poder trabalhar com o corpo e o movimento humano. O corpo é a dimensão fundamental do homem, porque ele atesta a sua existência (eu existo em meu corpo), ter um corpo é inscrever-se na cena imperativa da vida e inaugurar-se como ser humano, inaugurar-se como espaço, no espaço e no tempo. Tempo, esse fio invisível com o qual tecemos nossa existência. Um – ser - aí – esta é a primeira contingência que define minha facticidade. Assim chegamos a primeira dimensão ontológica. [...] o próprio corpo é um sensível que se sente, um visto que se vê um tocado que se toca. Espécie de visibilidade do invisível. Assim sob esta ótica, posso viver uma intimidade invisível diante desta visibilidade que sou, onde o que sinto é inacessível em sua totalidade para o outro, só o sendo para mim mesma. [...] Esta é a ambigüidade original que faz do meu corpo, uma perspectiva dialética: ser sujeito/objeto. E mais, um e eu-outro, onde a sua consciência intencional que é toda uma motricidade originária estaria na raiz da relação eu-outro no momento que no outro me desdobro. Este mesmo outro que constante e, incessantemente, alimenta minha interioridade. Meu corpo um ser no mundo é a fonte inesgotável de minha possibilidade de relação com o mundo: assim, ele não é nunca um em si por ser esta constante abertura a essa possível relação. Neste sentido é que meu corpo não pode ser tratado como objeto no sentido de coisa; o objeto em si não traz esta intencionalidade, este apelo em direção à, um fora dele, mas minha corporeidade sim, e por isso, ter um corpo não é ser um objeto no mundo, mas ele é o mediador de minha comunicação com o mundo. [...] eu 24 sou para o outro: define-se desta forma, a segunda dimensão ontológica do ser do corpo. Apontar a condição de reflexibilidade e visibilidade do corpo-próprio é pontuar sua condição de sujeito objetos indivisíveis. Isto vem a ser a terceira dimensão ontológica do ser, significa para nós, buscar uma nova compreensão dele mesmo, do ser-homem. E mais, romper com tratamento do sujeito e/ou objeto enquanto ciência dicotomizada em fatos psíquicos internos e (in) compreensíveis por um lado e, por outro realidades físicas de um corpo objetivável à devassa de uma ciência mecanicista. Ser uma consciência ou, mais certamente, Ser uma Experiência, é comunicar-se interiormente com o mundo, o corpo e outros, estar com eles em vez de estar ao lado deles. De certo deixo claro que não me baseio na dicotomia corpo-mente e sim na sua integração e transcendência, mesmo que algumas vezes precise fazer abordagens em separado para melhor elucidar minha reflexão. A idéia de corpo reduzida a partículas de matéria nos faz colocá-lo no mesmo espaço no qual situamos objetos externos e impossibilita a plenitude necessária à corporeidade e Arteterapia. Falar sobre isso me faz pensar em dois pontos importantes sobre os quais sempre reflito: o distanciamento reflexivo exigido na ciência e ao mesmo tempo o mito da neutralidade científica. Todo o vigor de uma filosofia, de uma ciência e de uma civilização está na capacidade de se fazer perguntas e na abrangência delas, mais do que as respostas decorrentes. Desta maneira, a ciência, sobretudo na nossa contemporaneidade técnica, carrega-nos para este beco sem saída, de retórica, para a leitura via instrumentos que perfazem a ciência e permitem uma determinada interpretação da realidade, com um recorte que lhe vem dos seus próprios pressupostos e abandona no obscurecimento e na distância os sentidos experienciados (ANDRADE, 2000, p. 25). Arcuri (2004) em seu livro Memória Corporal fala desta visão fragmentada do homem que é muito presente e como estamos impregnados dessa visão mecanicista. Cita Capra (1997) admitindo o desafio da mudança do pensamento linear para o pensamento sistêmico e constatando a realidade “que de fato estamos 25 diante de uma dificuldade”. Enfatiza o aspecto da memória corporal e a importância de incorporar o trabalho corporal na Arteterapia. Na sua metodologia T.E.C.T.C. - Técnicas Expressivas Coligadas ao Trabalho Corporal ela investiga a memória corporal através das marcas do corpo e destaca a importância do conjunto das técnicas da Arteterapia estarem conjugadas ao trabalho corporal. Chamarei de técnicas expressivas coligadas a trabalho corporal – T.E.C.T.C. – a um conjunto de atividades: modelagem em argila, pintura, desenho, expressão corporal, dança, yoga, relaxamento, etc. Este procedimento possibilita uma nova reorganização psicofísica, pois a tomada de consciência ocorre quando experimentamos nós mesmos como criadores, como autores de nossa própria história. A produção advinda pelo T.E.C.T.C. torna-se um processo ininterrupto e sempre inacabado, pois a vida transborda o paciente (ARCURI, 2004, p. 31). Arcuri nos coloca a refletir sobre a re-organização psicofísica num estado vivido criativamente na corporeidade consciente. E “a vida transborda o paciente”, derrama-se em eternas novas formas, movimentos, gestos no tempo-espaço que a corporeidade atravessa ao estar fora, no mundo com o seu mundo. A corporeidade considera a natureza da experiência como consciência que habita o nosso corpo e essa experiência como vivida na constituição do corpo, uma vez que esse é o “momento crucial na gênese do mundo objetivo” [...] Como a gênese objetiva é apenas um momento na constituição do objeto, o corpo, ao retrair-se do mundo objetivo, levara consigo os fios intencionais que o ligam ao seu redor e, finalmente revelará o sujeito percebedor como sendo o mundo percebido. (VENÂNCIO, 1998, p. 131). Filosofando coloco aqui meu entendimento destes “fios intencionais” como o movimento, o gesto. Na realidade, segundo Merleau Ponty (1994), há uma intencionalidade comunicativa no corpo. As possibilidades simultâneas do tocar e ser tocado, ver e ser visto, estar fora estando dentro, comunicações intensas que se 26 impõe no estado do viver o próprio corpo, modelando e re-modelando consciente e inconscientemente as percepções do ser humano. Podem se tornar visíveis então, os fenômenos emocionais. Ao corpo “criador de afetos” como emissor e receptor simultâneo estão afeitas as expressões da motricidade humana e a elas vincula-se o comportamento motor e o movimento do homem no espaço e no tempo. Aqui o referencial para identificar a corporeidade passa a ser a vida. Uma arquitetura corporal que os estudiosos denominaram de “corporeidade biológico expressiva”, Santini (1998, p. 139): [...] Recupera-se assim e em parte, a imagem de um organismo vivo. O código genético é em resumo a arquitetura, ou a corporeidade de cada corpo. [...] O poder auto-organizacional do ser vivo não emana de forças físico químicas, mas da capacidade de emitir e receber mensagens. O ser vivo cria sua unidade por um processo de comunicação informacional. Assim, cada ser vivo é emissor/receptor, no dizer de Morin. Com passe nesta forma de pensar podemos, seguramente, concluir que a corporeidade biológica, já liberta do predomínio da física-mecânica, completa-se como corporeidade expressiva ou lingüística. Já a corporeidade simbólica, aquela em que o corpo além de uma entidade concreta é também produto do imaginário humano é a arquitetura cultural do corpo. Esta abordagem é muito importante na Arteterapia já que ela lança mão dos recursos expressivos e artísticos. É o campo da cultura. Dimensão do Ser no mundo. Nesta relação o corpo é o mediador; seus gestos e movimentos se apresentam simbolicamente sem perder sua dimensão expressiva, viva, criativa, única e singular. Temos então as expressões corporais, manifestações dançantes, a linguagem corporal. Ao abordarmos a corporeidade e a cultura Arcuri também chama atenção para a fala de Featherstone (1998, apud ARCURI, 2004, p. 39-40): 27 Ao mesmo tempo temos que estar conscientes do fato de que os corpos não operam no mundo social como as “coisas em si mesmas”; ao contrário sua capacidade de operar é mediada pela cultura. Com efeito, a cultura é escrita sobre os corpos e nós precisamos examinar os modos particulares de como isto acontece em diferentes sociedades, incluindo o papel das imagens sobre nossas percepções do corpo e os modos pelos quais à construção das identidades dependem das construções das imagens do corpo. Essa operacionalização do corpo mediada pela cultura implica não só na intencionalidade comunicativa exterior e seus estímulos, mas também na comunicação interna e na auto-organização que nos faz pensar nos saberes corporais como inteligência do movimento. Um saber articulado entre vida, corporeidade, saúde, e cultura. A arte é do campo da cultura, mas não existe sem a vida, sem o humano. O todo e as partes interdependentes. Ao misturar vida, saúde e arte o “suporte”, termo inadequado, é o corpo. Enquanto corpo/energia, saúde e movimento temos muitas questões. Penso no ritmo interno da própria vida, o ritmo e suas organizações manifestas pelo bater do coração, pela duração do processo do ar que entra e sai, pela contração e relaxamento, pela emoção que se instala... A duração entre os impulsos aferentes e eferentes e essa forma exterior que o movimento delineia e a corporeidade conspira e se submete, se flexibiliza ao espaço, se entrega e naquele instante vive expressivamente fora/dentro de si. Refletindo sobre todos esses processos vemos que a inserção das artes do movimento potencializa os benefícios da arteterapia e oferece recursos no campo da qualidade de vida. Esforço-me no estabelecimento destas relações com o objeto deste estudo, que é conduzir o processo de aproveitamento das potencialidades terapêuticas e pedagógicas das artes do movimento humano na PTME - Prática Terapêutica do Movimento Expressivo. Como intervenção terapêutica, particularmente, vejo as artes do movimento e as atividades sensório motoras na Arteterapia assim inseridas. 28 A arte, com sua característica capacidade de expressar concomitante mente uma multiplicidade de níveis de significado, mostra-se capaz de expressar a complexidade humana, em seus conteúdos conscientes, inconscientes e quase-conscientes, revelando-se um recurso poderoso e eficaz (CIORNAI, 1994, apud ALLESSANDRINI, 1996, p. 33). Arteterapia, saúde como arte e valor cultural. Preciso falar agora das possibilidades desse Ser encarnado vivenciar o próprio corpo com saúde e estar engajado social e culturalmente. Se é terapia estamos falando de saúde. Refiro-me as possibilidades ampliadas que a arteterapia tem para lidar com a saúde como arte e valor cultural por trabalhar com os recursos criativos e a articulação entre o verbal e o não verbal numa tomada de ampliação da consciência e desenvolvimento pessoal. Allessandrini (2000) diz que “criar é submeter nosso ser interior a um projeto criador de novos sentidos”. Enfatiza a “capacidade criativa como uma competência fundamental a ser desenvolvida” [...]. “Como experiência interna, a criação integra todos os níveis da ação humana, emergindo numa situação em que cada momento é sentido e vivido em sua totalidade.” O movimento humano tem toda uma dinâmica homem-mundo. São inúmeras as possibilidades de ordenações criativas. Os processos criativos da arteterapia tendo como recurso o movimento humano trazem o dado afetivo pessoal, o sujeito negocia consigo mesmo seu “saber fazer” cognitivo e simultaneamente conjuga as dimensões do viver, a dimensão de peso do seu corpo, equilíbrio, ritmo e fluência dada a abertura frente às possibilidades de conduzir a si mesmo, seu corpo, numa experimentação de solicitações e esforços musculares onde graus diferenciados de tensão e relaxamento são vividos e uma gama de sensações e percepções vão organizando a energia que se exterioriza na forma. Ganha qualidade a ação pela estimulação do processo intra comunicacional de manutenção da vida e da saúde. 29 Inauguram-se estilos de vida identificados ecologicamente. O gesto afetuoso e as atitudes ganham reciprocidade estabelecendo e ampliando a comunicação e as inter-relações. As artes do movimento inaugurando “pontes”, energia fluindo e significando o viver saudável, o encontrar-se, o re-significar-se gerando saúde e um dado de valor para os que dela buscam e usufruem. Nessa busca de ordenações e de significados reside a profunda motivação humana de criar. Impelido como ser consciente, a compreender a vida, o homem é impelido a forma. Ele precisa orientar-se, ordenando os fenômenos e avaliando o sentido das formas ordenadas, precisa comunicarse com outros seres humanos novamente através de formas ordenadas. Trata-se, pois, de possibilidades, potencialidades do homem que se convertem em necessidades existenciais. O homem cria, não apenas porque quer, ou porque gosta, e sim porque precisa: ele só pode crescer enquanto ser humano, coerentemente, ordenando, dando forma criando (OSTROWER, 1989, p. 9). O fazer criativo dá sentido aos projetos de vida. A arte entra aqui não no sentido de aplicação contemplativa, mas inserida no cotidiano. O cuidar de si, cuidar do outro e do planeta. O fazer bem feito já que arte e cognição andam juntas. Uma forma não só inteligente, mas bela de se viver. Caminhando nas reflexões sobre a saúde e o indivíduo saudável, temos hoje, após os avanços do novo paradigma, a saúde considerada como o equilíbrio dinâmico entre as forças pessoais internas (homeostase) e o meio externo. A estabilidade será alcançada por meio de processos físicos, mentais e espirituais. Visão Sistêmica. O que define o sistema é o processo, ou seja, a natureza das relações entre as partes. Piaget (1977) apresenta as três formas de interação possível dentro deste enfoque: o todo com o todo, a parte com a parte e a parte com o todo. O todo é aquilo que se constrói para ter uma unidade, uma forma. Enfim, no sistema, “o desafio é a abertura – pois deve ter o caráter de transformação – e o fechamento – porque tem a condição de virar um todo” (MACEDO, 1999, apud ALLESSANDRINI, 2002). Viver o seu corpo dá significado à saúde como processo consciente, constante e complexo de aprimoramento do desenvolvimento pessoal e todas as 30 suas potencialidades visando à realização plena do ser em todas as solicitações do seu viver. Isto é uma questão de valor que precisa ser cultivada para obtenção da autorealização cujos pilares são a auto-estima e a motivação que exigem como realidade o dado do gozo da saúde plena, o indivíduo de posse do seu corpo frente ao mundo no anseio de suas realizações. O adulto saudável e capaz de viver uma experiência cultural, Winnicott. Tomamos Winnicott (1989) que ao estudar o desenvolvimento humano coloca a dificuldade do indivíduo no processo de viver uma experiência cultural. Coloca-nos os vínculos entre saúde e maturação, do qual resulta maturidade. Para ele o desenvolvimento sadio pode ser considerado como um processo constante entre o indivíduo e o ambiente que o cerca e que caminha da dependência absoluta para uma dependência relativa, e dessa para a independência. Diz que os períodos de desenvolvimento ou amadurecimento dependem tanto das condições orgânicas, com seus aspectos herdados e constitucionais, como das condições ambientais e culturais. Considera as patologias como a expressão de um desencontro entre as necessidades do indivíduo e as ofertas do ambiente, provocando rupturas no continuar a existir e a necessidade de mecanismos que protejam o indivíduo de um sofrimento insuportável. Examinando cada estágio do desenvolvimento da personalidade nos coloca como condições básicas: o tema da integração e o processo de identificação primária – Eu sou – que dá sentido ao Eu Faço, a parceria psicossomática e a aquisição de um psique-soma que permite que a pessoa viva e trabalhe em harmonia consigo mesmo situando o prazer que pessoas saudáveis têm no uso do corpo e suas funções, e o estabelecimento de relações objetais de cuja qualidade 31 vem a depender o usufruto das relações interpessoais. No nosso entendimento a questão é como disponibilizo meu corpo para o viver institucional sem me cindir. A necessidade da inserção e engajamento sócio-cultural do corpo. Observa-se que na idade adulta as patologias se manifestam, principalmente, pela incapacidade em assumir responsabilidades próprias desse momento de vida e se mostram relacionadas a problemas na capacidade de realização. Pode haver baixa produtividade ou fuga para o trabalho por não haver as trocas satisfatórias nas relações interpessoais. A maturidade na vida adulta caracteriza-se pelo sentimento que o adulto tem de estar vivendo sua própria vida, a qual pode ser compartilhada, sente-se responsável por suas ações ou inatividade, torna-se capaz do auto controle, sem que esse venha acompanhado da perda do self ou de sua importância, torna-se capaz de responsabilizar-se por outrem sem que isso signifique apossar-se do outro, e na sua plenitude manifesta o exercício da cidadania. É importante lembrarmos aqui que há sociedades e culturas que favorecem a eclosão de patologias, seja pela exigência desmedida para com os indivíduos, ou ainda por uma carência na oferta de condições básicas necessárias ao desenvolvimento humano. Nessas sociedades há um aumento na manifestação de patologias de diferentes intensidades e gravidade. Muito importante é a colocação de Winnicott (1967, p. 28) acerca das “três vidas” que as pessoas saudáveis experienciam: 1. A vida no mundo, em que as relações interpessoais constituem a chave até mesmo para o uso do ambiente não humano. 2. A vida da realidade psíquica pessoal (às vezes chamada interna). É aqui que uma pessoa é mais rica que a outra, e mais profunda, e mais interessante quando criativa. Inclui sonhos (ou o que emerge a partir do material dos sonhos). Todos vocês estão familiarizados com essas duas vidas exploradas como defesa: o extrovertido precisa encontrar fantasia no ato de viver; o introvertido pode tornar-se auto-suficiente, invulnerável, isolado e 32 socialmente inútil. Mas há uma outra área para se usufruir a saúde, que não é possível abordar com facilidade em termos da teoria psicanalítica: 3. A área da experiência cultural. A experiência cultural começa como um jogo e conduz ao domínio da herança humana, incluindo as artes, os mitos da história, a lenta marcha do pensamento filosófico e os mistérios da matemática, da administração de grupos e da religião. Finaliza dizendo que a área da experiência cultural é a mais variável das três vidas. Não pode se situar na realidade psíquica interna, pois não é sonho é realidade compartilhada, mas enquanto realidade é dominada pelo sonho. É a parte que os animais não desenvolveram. Assim mostra que a saúde tem relação com o viver, com a saúde interior e, de modo diverso com a capacidade de se ter experiência cultural. A cultura de saúde e a qualidade de vida na arteterapia Cultura é a maneira própria pela qual os membros de uma sociedade vêem e compreendem o seu mundo e se constitui em um sistema de símbolos. A maior parte dos aspectos de uma cultura é transmitida simbolicamente. Assim as práticas na promoção da saúde a serem adotadas, devem levar em consideração o nível de aceitação, o modo como uma pessoa percebe a realidade, suas ações e pensamentos, sua maturidade emocional, autonomia e autodeterminação. Ao consideramos a saúde mais que a ausência de doenças, os hábitos e costumes do indivíduo e de uma população precisam ser investigados para que possamos entender de que forma estes fatores tem influência sobre sua saúde. É o caminho para o “promover” que é mais do que “prevenir”. O modelo de atendimento em saúde no Brasil ainda é moldado para o exercício da medicina curativa e reabilitativa. Os reflexos desta cultura tradicional é de só procurar atendimento em saúde quando o indivíduo se sente ameaçado, 33 quando acometido de algo que incomoda. Assim, podemos falar da necessidade de uma cultura de saúde, onde deve estar inserida a Arteterapia, em que é preciso dar ao individuo sadio o reconhecimento deste valor despertando e firmando o desejo de permanecer bem. Uma inserção saudável no mundo sócio-cultural. Só há viver nas construções culturais do homem se este habita seu próprio corpo de maneira saudável e criativa permitindo-lhe viver a experiência sóciocultural geradora das necessárias transformações. Permanecer bem traz embutido a solicitação de uma consciência corporal, o estar bem inserido no mundo exterior e no mundo do seu próprio corpo onde sua própria imagem corporal já faz parte de uma construção cultural. Corpo - mundo das construções culturais. Escola, trabalho, grupos sociais, inter-relações. Eu-outro “quando me desdobro...”. Na cultura corporal atual há um exagero de apelos simbólicos. Podemos dizer que há uma super valorização da aparência como imagem corporal. Martiriza-se o corpo impondo a ele padrões de comportamento, beleza e sucesso que cada vez mais excluem a consciência corporal, a saúde e o bem viver. O desenvolvimento da corporeidade consciente e da capacidade de transformação através da unicidade corpo e mente se fazem presentes nos trabalhos com as artes do movimento já que articulam o cognitivo, o afetivo e o motor. O corpo se disponibiliza a vivenciar-se. O movimento se recria e significa seu criador, que se apropria de si mesmo desenvolvendo novos padrões que o tornam apto nas relações sócio culturais. A arteterapia, também deve englobar a proposta do engajamento sócio cultural do corpo. Penso que assim caminhamos para a qualidade de vida. Roeder (2003, p. 32), diz que: 34 Em qualquer definição que se adote, é preciso compreender que os atributos do adulto mentalmente saudável não são suscetíveis à medição precisa, como ocorre com os índices da saúde física. São inferidos através do comportamento, incluindo o que a pessoa diz sobre si mesma e sobre os outros (seus sentimentos e suas atitudes). Em geral, o comportamento socialmente aceitável é considerado um indicador de saúde mental e, portanto, está intimamente associado à cultura. Recursos artísticos e aspectos pedagógicos e terapêuticos. Fazemos novos alinhavos entre vida, corporeidade, saúde e cultura. O engajamento sócio-cultural do corpo. A questão é: sentir, pensar, agir. Corporeidade, Consciência corporal, criatividade e aprendizagem. Os saberes corporais, as artes do movimento e as possibilidades pedagógicas que o educador, terapeuta tem de lidar com padrões de ação, imagens que limitam e modelam a maneiras habituais de agir e de pensar que influenciam diretamente no estilo de vida adotado por uma comunidade e que por muitas vezes são fatores de “adoecimento”. Tomemos como exemplo a cultura organizacional onde o excesso de metas e o desgaste das relações interpessoais advindos da pressão institucional e competitividade já são apontados como fatores de estresse e adoecimento no mundo do trabalho. Então falar de uma proposta de cultura de saúde requer falar de uma educação para saúde. Uma proposta terapêutica e pedagógica englobando diversas técnicas. Nosso olhar se volta agora para a aprendizagem através do recurso artístico que promove a transformação pela aquisição de forma criativa do conhecimento para além do que está sendo ensinado. Se trabalhamos com as artes do movimento se faz necessária esta reflexão. Apresentamos aqui um resumo baseado em Dutra (1996, p. 31-37) que se abre para a questão de como se dá a aquisição de conhecimentos em arte: como sendo conhecimento de natureza simbólica, a autora nos coloca a abordagem 35 Kantiana da arte como jogo, que teria então a liberdade da invenção, da descoberta, da fantasia e tudo mais como “ocupação que é agradável por si própria”. Por outro lado deveria ter “ao mesmo tempo, um compromisso com as coerências, com as leis, com os limites espaço-temporais próprio do novo sistema construído” (KANT, 1993, p. 150). Entendo que o compromisso a que Kant se refere seria a possibilidade do artista exercer sua função de criação e representação no campo de uma cultura. Se por um lado seria permitida toda fantasia, por outro deveria ficar contida e encontraria limites também na re-significação do olhar do outro. Já Cassirer (1960, p. 286) afirma que a arte é “conhecimento de gênero peculiar e específico”, pois na sua construção estaria presente uma tensão entre estabilização-conservação, evolução-transformação, onde o segundo prevalece sobre o primeiro, ou seja, a criatividade, que é inseparável do ato da criação artística, propicia a construção simbólica materializada que passa a ser a construtora do conhecimento. Segundo ele a capacidade de simbolizar caracteriza o comportamento humano. Nós seres humanos ao simbolizar recriamos a realidade de uma forma individual, particular e seria impossível conceber a construção de conhecimentos nas linguagens artísticas sem considerar a atividade de simbolizar. Segundo Langer (1989, p. 288-9) a necessidade de simbolizar é dar significado ao próprio mundo. Então o que é chamado de “emotivo ou irracional” a partir de um raciocínio lógico, se constituiria numa teoria da mente onde a função simbólica seria a busca de significados mais amplos, mais claros, mais flexíveis e mais articulados. Caracterizou o simbolismo como discursivo (próprio da linguagem verbal) e apresentativo, que está vinculado aos aspectos imagéticos, gestuais, corporais, não verbais da linguagem que tem sua forma de apreensão pelos órgãos do sentido como a visão, por exemplo. Langer (1989, p. 100) diz que “as formas 36 visuais – cores, linhas proporções, etc. – são tão capazes de articulação, isto é, de combinação tão complexa, quanto às palavras.” Esta forma de conhecimento desafia a “projeção” lingüística por se constituir de simbolismo fornecido pela apreciação puramente sensorial de formas. Por fim Goodman (1976, p. 25-6) procura estudar a arte como cognição e simbolização analisando o embricamento destes diferentes aspectos envolvidos na construção de conhecimentos artísticos. Ou seja, para além da aprendizagem a permanência de estados emocionais reconhecidos pelo corpo e registrados pelos movimentos podem guardar perspectivas terapêuticas, identificação de estados emocionais que formam a memória corporal. Os esforços, os limites, as resistências, os prazeres são todo tempo gerenciados pelo sistema proprioceptivo. As vivencias corporais e as artes do movimento permitindo o re-significar se configuram como recurso pedagógico e terapêutico. Há cerca de cem milhões de anos, o cérebro dos mamíferos deu um salto em crescimento. Por cima do tênue córtex de duas camadas – as regiões que planejam, compreendem o que é sentido, coordenam o movimento – acrescentaram-se novas camadas de células cerebrais, formando o neocórtex. Em contraste com o antigo córtex de duas camadas, o neocórtex oferecia uma extraordinária vantagem intelectual. O neocórtex do Homo Sapiens, muito maior que o de qualquer outra espécie, acrescentou tudo o que é distintamente humano. O neocórtex é a sede do pensamento; contém os centros que reúnem e compreendem o que os sentidos percebem. Acrescenta a um sentimento o que pensamos dele – e que nos permite ter sentimentos sobre idéias, arte, símbolos, imagens. Na evolução, o neocortex possibilitou um criterioso aprimoramento que sem dúvida trouxe enormes vantagens na capacidade de um organismo sobreviver à adversidade, tornando mais provável que sua progênie, por sua vez, passasse adiante os genes que contêm esses mesmos circuitos neurais. A vantagem para a sobrevivência deve-se ao dom do neocórtex de criar estratégias, planejar a longo prazo e outros artifícios mentais. Além disso, os triunfos da arte, civilização e cultura são todos frutos do neocórtex (GOLEMAN, 1995, p. 25). Assim vida, corpo, saúde, arte e cultura conduzem nossas reflexões para a Arteterapia como arte para a saúde, bem estar e qualidade de vida. 37 CAP. 2 – PTME - PRÁTICA TERAPÊUTICA DO MOVIMENTO EXPRESSIVO 2.1 BASES TEÓRICAS. A metodologia da Prática Terapêutica do Movimento Expressivo PTME, tece suas considerações e tem seus subsídios teóricos no modelo do ETC - Expressive Therapies Continuun (KAGIN & LUSEBRINK, 1978) e o enfoque sistêmico, no estudo do desenvolvimento humano de Winnicott, na psicopedagogia com a metodologia das “Oficinas Criativas” de Allessandrini (1996), em Roeder (2003) com estudos das atividades sensório motoras na saúde mental e em Nanni (2003) a dança, como arte do movimento. Neste capítulo também consideramos os estudos sobre a apreensão consciente do movimento e a importância da consciência corporal no processo. 2.1.1 O expressive therapies continuun Kagin & Lusebrink (1978) apresentam no ETC – Expressive Therapies Continuun seus estudos baseados em Piaget e Inhelder sobre o desenvolvimento das representações imagéticas para construir o modelo conceitual utilizado em terapias expressivas. Lusebrink (1990, cap. 2) nos seus estudos sobre a Imagética e Expressão Visual na terapia nos coloca que as imagens são consideradas modalidades do pensamento e do conhecimento. Uma imagem pode ser a representação mental interna ou externa de um sentimento ou disposição, um esquema, um conceito abstrato, ou a representação de um objeto, cena ou pessoa. Não importa sua origem interna ou externa, visual ou através de descrição verbal – as imagens são vivenciadas internamente. [...] Portanto as imagens têm uma origem interna e como são dinâmicas, entidades emergentes, expressam os diferentes níveis e aspectos do funcionamento interno de um indivíduo. 38 O ETC - Expressive Therapies Continuun propõe uma seqüência expressiva que reflete os diferentes estágios do desenvolvimento humano. O modelo é composto de quatro níveis e refletem diferentes modos de expressão humana através das funções dos sistemas de processamento de informações: sensóriomotora, perceptual-afetiva e cognitiva-simbólica. O quarto nível é o criativo que pode estar presente em cada um dos níveis bem como envolver a síntese de todos eles. Criativo CR C SB P A K S C – cognitivo SB – simbólico P – perceptual A – afetivo K – cinestésico S - sensorial FIGURA 1 - Representação Esquemática do ETC FONTE: Kagin & Lusebrink (1990, cap. 5). Com a ênfase no movimento expressivo humano queremos abrir a perspectiva do próprio corpo em movimento para a poética e a criatividade. Trabalhando o corpo como meio expressivo precisamos dos dados psicofisiológicos da imagética onde temos estudos eletroencefalográficos (EEG) que mostram que o imaginário é um processo predominantemente do hemisfério direito. Kagin & Lusebrink enfatizam a questão das imagens estarem mais intimamente ligadas à experiência individual e serem mais facilmente expressas visualmente do que verbalmente. Aqui se incluem o processamento de informações viso-espaciais, imagens e memórias visuais, os sonhos, as emoções fortes, a proeminência de objetos, espaço e ouvir música. O córtex frontal, na parte anterior do hemisfério direito parece ser o responsável pelas artes e ofícios e pela habilidade de formar imagens do corpo. A depressão prejudica o funcionamento e sua habilidade em 39 formar imagens. Na realidade os hemisférios são complementares. O esquerdo processa informações sequencialmente. O direito paralelamente. A interação entre esses dois modos de processamento aumenta a possibilidade de soluções criativas. No nível perceptual do ETC - Expressive Therapies Continuun há a possibilidade de treinamento da percepção. O meio pode funcionar como um agente simbólico de estabelecimento de limites próprios. De acordo com Kagin & Lusebrink (1978) a função integrativa do nível perceptual do ETC é o estabelecimento de uma ordem formal e estética, a qual, através dos princípios do isomorfismo, ressalta o equilíbrio funcional do comportamento. A função da expressão no nível afetivo é a dos sentimentos. Aqui pode ser enfatizada a expressão de sentimentos e disposições. Corpo “criador de afetos”. As técnicas ao nível perceptual afetivo trabalham para conjugar forma e conteúdo. O movimento como objeto transicional “funciona” pela qualidade de transitar em si mesmo, em sua corporeidade, e forma e conteúdo vem como energia ressurgida da experiência a cada momento da construção do corpo no espaço/ tempo. 2.1.2 A parceria psicossomática de Winnicott Estudando o desenvolvimento humano vemos que a parceria psicossomática desde a infância destina-se a facilitar a obtenção de um psique-soma que propicie o viver e trabalhar em harmonia consigo mesmo. Winnicott (1967, p. 23) deixa claro que na psiquiatria a parceria psicossomática é muito frágil. 40 É característica da esquizofrenia uma conexão muito frouxa entre a psique (ou seja, lá como se chame) o corpo e suas funções. Pode ser até que a psique se ausente do soma por um período considerável, ou que esteja projetada. Não houve nas primeiras fases do desenvolvimento a aquisição do psiquesoma. É importante observar os fenômenos da integração - Eu Sou - Eu faço, e da Desintegração que é uma característica que também se apresenta. Aqui ele coloca o medo da desintegração e a organização patológica de defesas destinadas a dar um alerta “É um arranjo sofisticado de defesas cujo objetivo é prevenir uma repetição da desintegração”. Ele continua: as defesas organizadas contra a desintegração roubam uma pré-condição para o impulso criativo e impedem, portanto, uma vida criativa. Reflito que a dor associada ao processo de desintegração traz embutida esta conexão frouxa do psique-soma. Na doença mental do adulto observou que o estabelecimento de relações objetais fracassa face a impossibilidade do ser de se relacionar com qualquer objeto fora do Self. Esta é uma dificuldade no sucesso da relação eu não eu, eu – ambiente. Se sentir real e promover relações e trocas saudáveis com o ambiente. Podemos observar aqui a organização do falso self e do verdadeiro self. No sofrimento mental o ser perde contato com o seu corpo negando seu viver, negando seu existir, desapropria-se de si, o “discurso” do corpo não caminha em direção a homeostase, fragmenta-se cada vez mais e a cognição não re-conhece o “sentimento” da ação a intencionalidade. Aqui colocamos desde o “herdado” até o comunicacional alienado. Reflito que muitas vezes as “denúncias do corpo” ajudam a encaminhar a seleção dos recursos a serem empregados na sessão de Arteterapia. Indo mais além pode até alterá-la por completo, devido ao nível de tensão e indisponibilidade corporal que se faz presente. 41 Os clientes precisam aprender a cuidar de si, serem responsáveis por sua saúde o que implica em uma postura transformadora que vem a ser geradora de uma re-construção gradativa de seu próprio repertório interno mental e sensorial. Percebo que há no desenvolvimento um “acordo” entre os fatores biológicos e sócio-comunicacionais no sentido de uma adequação de ritmos ordenadores da consciência. O ritmo pode propiciar uma integridade. Integração? O ritmo do coração e da respiração com os “ritmos” do progresso e relações sociais? Ao utilizarmos o ritmo nas intervenções refletíamos sobre essa possibilidade. Ao fazer a ponte entre corpo, o tempo e o espaço de “viver” me questiono sobre as formas delineando intenções comunicacionais (conteúdos): se a agressão é um impulso de vida, o que é agressão em uma forma no espaço? Qual forma assume? Qual ritmo? Podemos analisar pela exterioridade que o movimento apresenta? Na arteterapia ao atuarmos criativamente podemos encaminhar este cliente para um “viver criativo”, segundo a perspectiva de Winnicott. 2.1.3 Movimento Humano realidade e simbolismo Nosso foco é falar agora, numa abordagem sucinta, do movimento humano e sua apreensão consciente. Este ponto me parece interessante abordar, pois ele nos traz os dados de realidade e simbolismo do movimento. Vou buscar a reflexão de Canfield (1994), estudioso do movimento humano, sobre aprendizagem e consciência do movimento humano. Apoiado em Tamboer (1988), ele nos coloca duas abordagens de aprendizagem e controle do movimento: a teoria motora e a teoria de ação. A natureza dessas diferentes perspectivas nos traz duas maneiras de entendimento do corpo. A imagem de corpo substancial, onde o movimento humano é visto como deslocamento das partes e é considerado um 42 meio para atingir alguma outra coisa, em constrate com a imagem do corpo relacional reconhecida como: conhecendo-o-mundo-em-ação. No corpo relacional encontramos não a imagem de coisa, mas sim uma relação intrínseca – rede de significados - onde corpo e mundo não podem ser definidos independentemente um do outro. Então consciência, intencionalidade e significado não podem ser entendidos, nem explicados pela estreita visão do movimento físico. Canfield (1994, apud DANTAS, 1994, p. 83) situa de maneira especial realidade e simbolismo no movimento e ação: A amplitude de possibilidades do movimento humano proporciona uma variedade de experiências únicas, não porque o movimento represente um símbolo, mas porque o sentimento que pode ser experienciado durante o movimento não o pode ser de outra forma. [...] Com raras exceções e excluindo o simbolismo que é possível na dança, o movimento humano não simboliza a realidade, é realidade. Ponto crucial. Admitir o dado de realidade como aproveitamento de potencialidades dos saberes corporais que são considerados como resultantes de mundos aparentemente diferentes: o mundo dos fenômenos físicos e o mundo dos fenômenos mentais. Todo movimento humano é funcionalidade e expressividade. Mesmo que não saibamos ainda totalmente como de fato ocorre esta integração, sabemos que é impossível viver sem ela. Quando não há integração entre funcionalidade e expressividade, este ritmo todo próprio, único do ser humano de viver o seu espaço/tempo, apresentam-se as delicadas questões da saúde mental. Impõe-se nesse momento a ampliação da compreensão do corpo e do movimento humano. A apreciação consciente dos movimentos está apoiada nos pressupostos dos mecanismos efetores e receptores. 43 Colocamos aqui o fenômeno da propriocepção. O corpo deixa de ser o espectador passivo e passa a ser o grande vivenciador de experiências que o fazem entrar em contato consigo mesmo, enriquecendo assim o seu vocabulário corporal, que vem a oferecer uma maior disponibilidade corporal agilizando o aprendizado. O corpo percebe-se no espaço, informa-se a cerca de si mesmo, dos outros e do ambiente através dos receptores sensitivos dos músculos e articulações ao que se denominou propriocepção no domínio da aprendizagem motora e vem sendo estudado pela neuro-psico-fisiologia: Existem três tipos principais de proprioceptores, ou receptores sensoriais associados às juntas. Estes receptores, os órgãos Golgi-tendineos, os terminais de Ruffini e os corpúsculos de Pacini, são importantes para o controle do movimento voluntário por causa da informação que proporcionam em relação a movimento e posição dos membros. Os órgãos Golgi-tendineos são encontrados em dois lugares: nos tendões, perto da inserção dos tendões nos músculos e, mais importante para a informação do movimento, nos ligamentos que mantêm as articulações unidas. Os terminais de Ruffini e os corpúsculos de Pacini, são encontrados no tecido conjuntivo da própria cápsula da articulação. A função desses receptores no controle do movimento tem sido documentada mais extensivamente que os papéis dos receptores dos músculos. Um resumo desta documentação foi fornecida por Kelso e Stelmach (1976). Eles indicaram que sua revisão de pesquisas mostrou que os principais tipos de receptores e seu modo de operação são: 1. Os órgãos Golgi-tendineos nos ligamentos não afetados pelos músculos que se inserem nas juntas, podem sinalizar a posição exata da junta (articulação), assim como a direção. 2. Os terminais de Ruffini, altamente sensíveis indicam a velocidade e a direção do movimento. Como eles são afetados pela tensão muscular nas articulações, podem também sinalizar resistência ao movimento e talvez, discriminar entre o movimento ativo e passivo. 3. Os corpúsculos de Pacini podem ser capazes de detectar movimentos muito pequenos, assim como a aceleração do movimento. [...] Supõem-se que a informação recebida dos receptores das articulações pelo SNC (sistema nervoso central) constitui os dados armazenados na memória. A informação dos receptores das articulações é tida como sendo o que é codificado para armazenamento. Ainda tem que ser comprovado com mais segurança se os resultados dos experimentos de comportamento quanto à codificação de informação de movimento, podem ser explicados neurofisiológicamente em termos do papel dos receptores das articulações. Por enquanto, porém, esta conclusão em relação à interação comportamental e neuro-fisiológica parece acertada (MAGILL, 1984, p. 138-9). Quanto à natureza e a utilidade da informação gerada e proporcionada por cada um desses mecanismos há pouco consenso. Talvez aqui se coloque novamente a suposta separação angustiante entre consciência (mente) e a matéria 44 (corpo). Esse problema persiste e segundo Best (1978, apud CANFIELD 1994, p. 83), “a confusão sobre o problema mente e corpo é a maior fonte de erros de concepção na literatura do movimento humano”. Pesquisadores russos propõem que movimentos voluntários (pré- selecionados) são baseados em uma imagem. A imagem precursora do movimento terá que se apresentar em termos da ação completa. Então quando selecionamos conscientemente um movimento “de alguma forma estamos impondo o passado sobre o futuro”. Temos então dois dados no movimento humano, realidade e simbolismo; Arteterapia, por ser arte, trabalha o imagético e o simbólico. Parece-me que o aparecimento do dado de realidade e do simbólico podem ser facilitadores na condução do processo de real aproveitamento das possibilidades pedagógicas e terapêuticas e precisam ser tratados com bastante cuidado. Os dados de realidade nos apresentam a percepção corporal do todo e as partes com suas configurações espaciais, sua sincronia rítmica e com os outros corpos no espaço temporal. Já quando consideramos as subjetividades o sujeito fala de prazer e desprazer, de superação de dificuldades neste meio e de sua relação no grupo social e de suas próprias contradições e comportamentos. Espaço de reconstrução. Então estamos lidando com a representação que é a um só tempo a expressão de uma realidade e o exercício de reprodução desta mesma realidade. Presença viva do não verbal, lugar/espaço em que o terapeuta tem muitas chances de desenvolver propostas. Canfiel (1994, p. 84) continua: 45 Negar as experiências internas subjetivas é negar o agente, sem o qual não poderá haver movimento. Negar os critérios externamente observáveis é negar a experiência, uma vez que, sem critério, a experiência poderá não ser identificada. Assim a percepção do movimento (primeiro passo para uma aprendizagem) é necessária para identificar o significado da experiência. Mas sem experiência poderá não haver movimento humano algum a ser percebido. A apreensão consciente pode nos ajudar na condução das técnicas utilizadas no processo terapêutico e pedagógico. O fenômeno da apreensão consciente nos leva para a consciência corporal como competência a ser desenvolvida. Todo trabalho com arteterapia também tem este foco. A consciência corporal desenvolvida desperta a percepção dos fenômenos, detecta e sintoniza não só nossas experiências vividas decorrentes da capacidade de assimilar, aprender e reavaliar o meio ambiente ao nosso redor, mas também qual nossa capacidade sócia afetiva de harmonizar o mundo interior e exterior. 2.1.4 Consciência Corporal No racionalismo quem age e pensa é a mente, a razão, a consciência. O corpo é o “resto” e não tem nenhuma autonomia. Poderíamos começar a colocar o corpo como primeira realidade e única possível de estar no mundo. Começaríamos a ver o corpo como o responsável pela sustentação da consciência, da inteligência e da razão. Isto muda tudo. Teríamos então corpos falantes, pensantes, conscientes e inteligentes. Muito melhor aproveitamento das potencialidades do processo criativo humano. São muitos os saberes corporais “desprezados” quando colocamos o corpo no espaço da ignorância e a mente como detentora de um saber superior mesmo quando contrário ao saber vital. O corpo com seus saberes regula as funções vitais. Ele tem a capacidade de manter atualizado continuamente o conhecimento de si 46 próprio. Um saber vivo onde dialoga consigo mesmo através da respiração, freqüência cardíaca, temperatura, pressão sanguínea, necessidades, carências, saciedade, cansaço, dores e sensibilidade. São também manifestações de seu saber os instintos, os sentidos, emoções e sentimentos. As vivências com o movimento nos proporcionam este saber. As sensações cinestésicas vividas tornam consciente um movimento. A sensibilidade cinestésica é descrita por diversos autores como a sensibilidade dos movimentos. É a capacidade de percebemos tanto a direção do movimento quanto a velocidade do mesmo e nos permite modificar a posição de uma articulação sem qualquer controle visual. O limiar da percepção para a sensibilidade cinestésica depende do grau de modificação do ângulo assim como da velocidade com a qual esta modificação se processa. A percepção da sensibilidade postural e cinestésica está na dependência dos receptores das estruturas subcutâneas, compreendidas nas cápsulas articulares denominadas corpúsculos de Paccini e Ruffini (MAGILL,1984). Algumas pesquisas mostram que também a estimulação dos fusos musculares estaria envolvida no processo. Também para alguns estudiosos como Montagu (1988), as funções da pele, maior órgão dos sentidos do corpo humano, tem relevante importância para a percepção consciente, pois está relacionada à estimulação da consciência corporal e, consequentemente, à identidade pessoal e a auto-estima. A função tátil, seria uma função intermediária entre o corpo interno (esquema, imagem, ego corporal) gerada pela interiocepção e a exteriocepção ao nível do comportamento motor observável. A experiência tátil é importante no comportamento humano e a pele como limite da subjetividade humana, revestimento interno e externo, também pode ser 47 responsável pelo desenvolvimento da consciência corporal por informar e permitir o reconhecimento das necessidades, perigos, espaços de prazer, de culpa, de beleza, as sensações e percepções corporais e o equilíbrio homeostático e psicofisiológico. Mas não é só isso, precisamente pela integração do real e do simbólico! Do que é significativo para o indivíduo. Das experiências por ele vividas, da qualidade dos registros armazenados. No corpo que se movimenta há uma ação motora integrada de mecanismos neuropsicofisiológicos, sociológicos e histórico-culturais que além de atender as necessidades vitais, atende também as necessidades sociais, às referências individuais (percepção dos estados de tensão e relaxamento), da auto imagem (pela consciência corporal), do auto conceito (na busca da sua identidade do Eu existencial). No próprio corpo o ser humano registra sua história e esta é determinante para o autoconhecimento e para descoberta do mundo. Neste processo há uma estimulação intra e interpessoal onde o movimento é o agente possibilitador. Movimento interior e movimento exterior, as ações, os gestos, atitudes e comportamentos. Aqui cabe a qualidade do encontro com a qual o arteterapeuta vem a se colocar no processo e quais técnicas adotar visando o aprimoramento da consciência corporal. O corpo em movimento corresponde a dinâmica total do viver. São os saberes corporais atuando com a capacidade já adquirida e trazida à consciência que é a articulação comunicacional do real e do simbólico. Nessa forma expressiva o corpo conjuga a vida. É importante a melhoria da consciência corporal, pois ela contribui para a qualidade de assimilação da sensação e da percepção dos estímulos e organização tempo-espaço em relação ao meio ambiente. O movimento humano na 48 expressividade única e singular de cada um, participa de forma efetiva na estruturação da identidade do homem a cada tempo/ espaço. Este se constitui como um aspecto terapêutico e deve ser buscado. A consciência do corpo é o reconhecimento consciente do conjunto de estruturas representativas, simbólicas e semióticas que servem de base à ação motórica. Ela se estrutura através da noção de imagem do corpo e dos meios de ação que estabelecem com a percepção e a memória, a formação do esquema corporal – interprete ativo e passivo da imagem do corpo (BARROS, 1998, apud NANNI, 2003, p. 40). A consciência corporal então tece suas relações com elementos neuro-psicofisiológicos, sócio-afetivos e históricos culturais. Na sua necessidade de expressão e comunicação o movimento disponibiliza ao homem, A organização perceptiva das estruturas psicomotoras de base (manipulação, locomoção, tônus postural), a expressão e a percepção dos sentidos (visual, tátil, olfativa, auditiva, e gustativa) que possuem caráter cognitivo (percepção cinestésica) estando unidas à linguagem (NANNI, 2003, p. 40). De acordo com Luria (1996, apud NANNI, 2003, p. 40), a formação do pensamento está vinculada à aquisição da linguagem e do movimento. Na relação do corpo com o meio ambiente por meio de atividades, movimento e pensamento atuam como meio de relação e de comunicação através da linguagem corporal (gestos, movimentos) e são integrados ao trabalho global do corpo. A linguagem corporal é uma projeção do pensamento expresso através da totalidade do ser humano. Inter relação de posturas que se sucedem, intencionalidade comunicativa que concebe as adequações dos desejos, gestos expressivos, comunicativos, se transformam em movimentos simbólicos numa corporeidade que se disponibiliza em suas múltiplas possibilidades reais. Nas atividades verbal, musical, pictórica, dançada, entre outras, o ser humano se expressa e se comunica Este ponto é muito 49 importante quando pensamos em “adotar” a atividade sensório motora e as artes do movimento na arteterapia. Se constituem nos dados exteriores observáveis e permitem o “entre” no atelier terapêutico. As expressões corporais (atitudes, sentimentos) são significações explicitadas e realizadas pelos gestos e movimentos em ação e representação. O corpo é o local das ações, emoções, fantasias e desejos geradores dessas significações. “A ação e representação transformam-se em significados cujos significantes constroem o pensamento e, deste, a linguagem corporal pela percepção consciente” (NANNI, 2003, p. 60). No processo de conhecimento humano as premissas básicas são o sentir e o pensar, que se articulam e se completam. Configura-se a linguagem. Por intermédio de símbolos o homem transcende a sua natureza física e biológica tomando o mundo e a si próprio como objeto de compreensão. Porém o sentir é anterior ao pensar. E o homem sente a necessidade de se comunicar. E existindo sai de si e se contempla a si mesmo no outro. Corpos em trajetória multidirecionais, em trocas de tempo e espaço, mas contidos em sua própria forma de existir, o corpo. 2.1.5 As Oficinas Criativas de Allessandrini Nas nossas sessões de atendimento adotamos a metodologia das “Oficinas Criativas” desenvolvida por Allessandrini (1996) dentro da psicopedagogia e aplicada no contexto arteterapêutico. Allessandrini enfatiza a relação da arte com a cognição e considera a capacidade criativa como uma competência fundamental, a ser desenvolvida. A partir do trabalho de Arieti (1979) “a síntese mágica” onde a criatividade é estimulada na busca da concretização endoconceitual, e também 50 apoiada nos estudos do ETC Expressive Therapies Continuun (KAGIN & LUSEBRINK, 1978) com os estudos da representação imagética já citados acima. Allessandrini (1996) propõe o encadeamento e a eficácia da Oficina Criativa nas seguintes etapas: sensibilização, livre expressão, elaboração, transposição de linguagem e avaliação. O processo de conhecimento vivenciado por meio de experiências artísticas permite que o indivíduo simbolize suas percepções do mundo, especialmente quando não consegue expressar-se verbalmente, pela linguagem oral ou escrita. [...] O trabalho, por meio de recursos expressivos e artísticos, possibilita ao indivíduo concretizar sua imagem interna de modo significativo. Há uma disponibilidade nova e diferenciada que emerge do ser e que canaliza seus recursos cognitivos internos para um re-fazer transformador. Os conteúdos que se apresentam estão intimamente ligados à experiência já vivida pelo sujeito e possuem papel simbólico importante (ALLESSANDRINI, 1996, p. 33). Destaca o importante papel dos coordenadores cognitivos conforme apresentados por Piaget (1980-1982), os quais estão presentes em toda a ação do sujeito na medida em que ele processa a aquisição do conhecimento. [...] os coordenadores cognitivos representam os aspectos funcionais gerais da formação e do exercício dos esquemas de ação, e também são fonte comum das correspondências e transformações no desenvolvimento humano (ALLESSANDRINI, 1996, p.103). Fala sobre a arte preencher uma função cognitiva por se apresentar de forma completa, integral e sistêmica. Allessandrini (1996) explica que na oficina criativa o sujeito é estimulado a trabalhar em seu universo interior, com seus sentimentos e sensações, idéias e pensamentos que podem emergir de forma anárquica e serão editados de modo a convergirem à meta da experiencia. Nesta convergência dos vários movimentos em direção a um objetivo comum o sujeito estabelece correspondências, realiza transformações e constrói estruturas. Ele desenvolve novos esquemas de ação por assimilação e acomodação. Transformações consistem em “assimilações recíprocas” dos esquemas de ação. Assimilação 51 recíproca entre os esquemas é a composição funcional entre dois esquemas, em que ambos operam como partes compostas de um todo, um passa a ser o outro e vice versa. Esse processo norteia a construção de competências, por que pertencem a elementos estruturadores da psique. Essas competências são passíveis de serem utilizadas em diferentes contextos. Allessandrini (1996, p. 55) traz em sua proposta dentro das Oficinas Criativas todo um trabalho de re-significação proposto através de uma dinâmica entre três ações: [...] despertar o adormecido, fazer restaurar o caminho “adoecido”, e inaugurar novas ações, dinamizando a aprendizagem com um desempenho mais eficiente. O despertar e o restaurar supõem um aprendizado anterior ao inaugurar. Dessa forma, a atividade cognitiva não permanece estática e o indivíduo cria e transforma, inter-relacionando forma e conteúdo, significante e significado, em um aprender contínuo e constante. Transformador. Considera também a importância da consciência corporal para compreensão maior no tratamento de problemas ligados a aprendizagem e no resgate terapêutico psicopedagógico. Dentro do atelier terapêutico as oficinas criativas são a principal metodologia, nela interagem emoção e cognição. A oficina criativa trabalha a “troca” de informações hemisféricas que desencadeia conexões diferenciadas entre as fibras nervosas. A criatividade parece estar relacionada com os dois hemisférios cerebrais. Pessoas criativas utilizam-se de ambas as formas de pensamento “hemisféricas”. O movimento por exigir uma solicitação simultânea na sua execução pode ser um excelente recurso terapêutico psicopedagógico. Ao selecionar as técnicas e distribuí-las dentre as oficinas criativas estávamos sempre trabalhando com os dados de realidade e simbolismo do corpo e do 52 movimento humano numa preocupação de melhor explorar o nível perceptual afetivo e a subseqüente condução ao cognitivo. [...] Não há atos de inteligência, mesmo de inteligência prática, sem interesse no ponto de partida e regulação afetiva durante todo o processo de uma ação, sem prazer do sucesso ou tristeza, no caso do fracasso. Do mesmo modo no nível perceptual temos motivações afetivas. [...] Assim como não há um estado puramente cognitivo, não há um estado puramente afetivo, não importa o qual elementar possa ser (PIAGET apud ALLESSANDRINI, 1996, p. 31). Na decodificação da apreensão do mundo após todos os estímulos recebidos é preciso que haja um decodificador que acesse e faça a “ponte” entre os sistemas, seus códigos e a rede, que é detonadora da ação. É preciso “dosar” a energia e torná-la compatível com a consciência organizadora. A oficina criativa na arteterapia obedece a um roteiro que visa facilitar o gerenciamento da energia (libido) e permitir no seu fluxo o contato íntimo do ser com suas próprias questões elaborá-las e encontrar saídas, curas. A prática Terapêutica do Movimento Expressivo traz uma maior oportunidade de aproveitarmos durante a sessão de arteterapia o potencial de recursos que nos são ofertados através dos saberes corporais, do movimento humano, seus parâmetros de execução (organização tempo-espaço, coordenação, precisão e ritmo) e suas possibilidades enquanto linguagem comunicativa expressiva dentro do processo criativo a ser vivenciado. O processo terapêutico focado no movimento “chama” os saberes corporais que pré-dispõem ao criativo. 2.1.6 As atividades sensório motoras e a arte da dança Ampliam-se os benefícios ao aliarmos as atividades sensório motoras (ASM) e artes do movimento as artes plásticas e visuais na arteterapia. Por certo com estas 53 práticas teremos como terapeutas instrumentos mais eficazes na área da saúde, educação e qualidade de vida. A psicomotricidade pode ser definida como atividade e movimento do homem. Refere-se a como a atividade física relaciona-se com o funcionamento psicológico. Mímica, gestos, seqüência de movimentos, atitudes exprimem modos de ser, consciência de si mesmo, estado de espírito, vontades, orientação, inteligência, pulsões, etc., Para os estudiosos a Psicomotricidade é a exteriorização e o resultado da elaboração de estímulos. Todo evento psíquico resulta em fenômenos motores: Psicomotricidade é comportamento, e comportamento é função da experiência. No homem vivo, a própria existência é manifestada no comportamento repousado eu em movimento (emoção), voluntário ou involuntário, na atitude imóvel, em repouso e em ação (SCHARFETTER, 1997, apud ROEDER, 2003, p. 46). A atividade motora do ser humano pode ser normal, acelerada (hiperatividade, apresenta ansiedade, anda sem parar, não consegue ficar quieto), retardada (hipoatividade, caracterizada por uma lentificação geral, dos movimentos, da fala, do curso do pensamento e geralmente acompanhada de humor deprimido). No universo dos transtornos mentais temos outras alterações como: movimentos estereotipados (seguem um determinado padrão); movimentos bizarros (movimentos absurdos ou estranhos como revirar o lixo), Maneirismos (tiques e cacoetes); autismo (concentrado em si mesmo e independente do mundo ao seu redor); negativismo (fazer o contrário do que é solicitado); ecopraxia (imitar movimentos de outras pessoas); flexibilidade cérea (manter postura desagradável por horas); comportamento histriônico (sentimentos expressos de forma exagerada e dramática); e compulsões (urgência irresistível de realizar um ato motor sem sentido, repetitivo, reconhecidamente sem significado, por exemplo: rituais de limpeza e ordem exagerada). 54 No seu conceito de aplicabilidade dentro da área da saúde a atividade física recebe o nome de atividade sensório motora. Esta relacionada principalmente ao âmbito da saúde mental. Neste contexto ela engloba a caminhada, as atividades esportivas, as danças, as atividades de expressão corporal, o relaxamento, as artes marciais, as atividades de lazer, exercícios bioenergéticos bem como no plano terapêutico dos transtornos mentais, as atividades da vida diária AVD (vestir-se, banhar-se) e as atividades instrumentais da vida diária AIVD (cuidados com o ambiente, administração dos processos da vida). Esta visão é holística e me parece que aqui se estabelecem os laços com a arteterapia. Cada ser humano na sua corporeidade tem um repertório próprio, com gestos familiares que a cada estágio maturacional vai sendo vivenciado de forma mais natural e harmoniosa, e é incorporado como algo gostoso, simbólico e referencial. Essa intimidade do ser com ele mesmo possibilita autonomia, independência, disponibilidade e adaptabilidade. Maneira satisfatória de viver no mundo e ser eficiente obtendo sua autorealização. Roeder (2003) situa que as alterações psicomotoras são perturbações da consciência do EU e podem levar à despersonalização, à perturbações na vitalidade, atividade, consciência, demarcação e identidade, sua imagem e energia. Na esquizofrenia a mente não está identificada com os eventos corporais. Ausência da sensação subjetiva de ser si mesmo vivenciando a experiência. A vivência é assustadora demais para ser integrada pelo ego e ficar fora do corpo é a medida da sobrevivência. A mente consciente quer eliminar todos os sentimentos. Há dissociação entre sentimento e pensamento. Em casos extremos ocorre a despersonalização, ruptura total da ligação com o corpo. Há a necessidade da pessoa se entregar, vencer as resistências. De forma sutil voltar a estabelecer 55 contato, render-se aos sentimentos, viver a experiência. Procedimento que requer do terapeuta extremo cuidado, espera e compartilhar amoroso. Estes estudos nos fizeram insistir na passagem pelo nível perceptual afetivo (ETC) bem como no resgate das possibilidades básicas da locomoção, na condução das fases da prática terapêutica do movimento expressivo. No contexto terapêutico, palavras chaves como expressão, relação, comunicação, motivação e amor são as que ordenam o processo vital. “É preciso despertar um corpo para que seja investido de forma consciente. Sem essa consciência e prazer pelo corpo, nada poderá ser feito” (ROEDER, 2003, p. 298). Trabalhar o estado sensório – motor, através da atividade sensório motora, significa buscar o estado de harmonia nas dimensões motoras e funcionais, psíquicas e afetivas e o domínio destas, possibilitando a comunicação do indivíduo, suas relações, sua capacidade de aprender e viver com plenitude. O estado de harmonia não é estacionário, mas sim um desafio contínuo do homem em se manter saudável. A atividade sensório motora desenvolve a aptidão psicomotora que compreende o objetivo de melhorar as estruturas psíquicas responsáveis pela transmissão, execução e controle do movimento, permitindo um trânsito fluido entre o meio interno e externo. Estas atividades são indicadas por promover a saúde mental e ao mesmo tempo o despertar da consciência da corporeidade. Tem por objetivo instruir e promover a integração com o ambiente, contribuindo para a harmonia nos diversos domínios da vida. Há a melhora da saúde através do equilíbrio das dimensões morfológicas, funcional, motora, fisiológica, sensorial e comportamental resultando em bem estar e qualidade de vida. A regulação do tônus pode proporcionar a redução da ansiedade, 56 regulação do sono, auto-estima, auto-confiança. Realizada em grupo promove a socialização combatendo o isolamento social e a depressão que é fator preocupante na segurança do indivíduo inclusive na esfera do trabalho, de onde tira seu sustento. Roeder (2003) observa que estas medidas visam a resolução bem sucedidas das situações de crise de um indivíduo e culmina no desenvolvimento de um repertório mais amplo de seus mecanismos de compensação e em senso de direcionamento em relação ao seu papel, promovendo a saúde mental. A função do exercício e da ASM no aumento da saúde psicológica parece ter também uma relação positiva com as auto-percepções (estima, controle, eficiência), humor e afeto. O indivíduo sente-se melhor consigo mesmo e com sua vida profissional (trabalho) e isso é um passo importante nas relações interpessoais. As recomendações são quanto a intensidade das atividades sensório motoras que deve ser de leve a moderada como medida de segurança para a prevenção de problemas clínicos (cardiopatias, medicação psicotrópica, descompensação do quadro psíquico). 2.2 TÉCNICAS No repertório técnico da PTME - Prática Terapêutica do Movimento Expressivo temos: alongamento, danças, improviso corporal e sonoro relaxamento, jogos interpretativos, expressão corporal, e demais variedades e combinações entre estas com aproveitamento das possibilidades terapêuticas e pedagógicas. Também trabalhamos propostas de habilidades motoras como equilíbrio, sustentações, lateralidade chegando até a função de interiorização proposta por Le Bouchl (1987) na psicocinética, além do desenvolvimento dos parâmetros do movimento como coordenação, precisão e ritmo que proporcionam ao terapeuta uma gama muito 57 grande de dados exteriores observáveis. Foi mantido o repertório das artes plásticas e visuais, argila, e outras já adotadas na Arteterapia e que por certo se mostram fundamentais no processo. Na seleção das atividades é importante que estas estejam o mais próximo da cultura dos clientes com os quais se está trabalhando. Temos que pensar nos benefícios físicos e mentais ao inserir estas atividades na arteterapia. Então, de acordo com Roeder (2003) podemos citar que: aumenta a disponibilidade corporal, facilita as reações adaptativas, proporciona atitudes, considera o indivíduo dentro de uma conduta dialética entre ele e o real, explora a inovação e a criatividade pessoal, favorece maior sensibilidade, flexibilidade, leveza, harmonia e definição de limites físicos e pessoais. Também proporciona mais capacidade para o trabalho e realização do potencial humano. Por ser um espaço de vivencia estimula a substituição de antigos hábitos negativos por novos padrões positivos. Ao trabalharmos as atividades sensório motoras e as artes do movimento na arteterapia temos interesse em potencializar as técnicas das artes plásticas e visuais, estendendo seus benefícios também para o campo onde ainda prevalecem as técnicas da medicina tradicional, tais como: Cardiopatias, Infecções, Neoplasias (tumores), Imunidade suprimida, Asma, Lombalgia, Fadiga crônica, Ler, Dort, Cefaléia, Insônia. 2.2.1 Respiração É uma das funções vitais do organismo. O movimento de inspirar e expirar integra a primeira dinâmica respiratória por estarem mais relacionadas com o meio externo e, portanto com o comportamento. A segunda dinâmica ocorre no nível celular onde o oxigênio é absorvido para transformações bioquímicas. O sistema 58 respiratório tem alguns centros de comando que proporcionam o equilíbrio gasoso dentro do organismo. O centro de comando mais importante está localizado conjuntamente onde se alojam os centros de deglutição, vasomotor e cardíaco. A função respiratória está intimamente ligada à harmonia da circulação sanguínea. É a única função visceral executada inteiramente por músculos voluntários e controlada diretamente pelo SNC. Devido a sua dupla inervação está na encruzilhada do consciente e inconsciente. É certo que existem interações entre o psiquismo e a respiração. Certos casos de ansiedade levam ao excesso de contrações musculares (tonicidade) em todo o corpo pela eliminação exagerada de gás carbônico. Estados emocionais influenciam a respiração. Os transtornos mentais alteram a respiração. É uma atividade dinâmica de integração psico-física-emocional que permite o exercício da tomada de consciência do próprio corpo e que pelo equilíbrio integrador reorganiza as forças alteradas, proporciona tranqüilidade, lucidez, restabelece o auto-domínio e nos dá paz interior. Obtem-se melhores resultados ao combinar técnicas de relaxamento com exercícios respiratórios. 2.2.2 Relaxamento São muitos os métodos e técnicas de relaxamento. Alguns têm orientação mais fisiológica, outros mais psicológica e ambas são benéficas as pessoas. Em todos os métodos procura-se o reforço a homeostase fisiológica e psicológica. Chama-se homeostase, a capacidade que o organismo tem de manter em um limite estreito de variação, com valor praticamente constante, cada uma de suas realidades. 59 A vivencia corporal, através do relaxamento, é o fator gerador de respostas adequadas, onde se inscrevem todas as tensões e emoções que caracterizam a evolução psico-afetiva do indivíduo. O estado tônico traduz a multiplicidade de fenômenos neurofisiológicos (história biológica do individuo) que estão intimamente relacionados aos episódios da vida emocional. O corpo por vezes está tão tenso, que sentimentos e impulsos são impedidos de chegar a sua superfície e atingir a consciência. Os impulsos bloqueados pelas tensões têm que ser expressos e o foco maior do processo do relaxamento se fundamenta na percepção consciente e na compreensão, onde o indivíduo desenvolve uma identificação com o seu corpo e passa a reconhecer estes estados tomando então a decisão de entregar-se as práticas saudáveis. Através do relaxamento estimula-se a concentração e a consciência corporal. Trata-se de educar o cliente a adquirir consciência de sua personalidade, a desenvolver seu temperamento e a liberar-se de toda resistência a fim de perceber o seu ritmo de vida individual. Deve aprender a combater as tensões inúteis que se constituem como um obstáculo á expressão e comunicação e que muitas vezes se manifestam como doenças psicossomáticas. É importante também a abordagem da espiritualidade. O relaxamento pretende atingir um estado de repouso e calma interior benéfico a integração psicossomática. Dentre os métodos podemos citar: ioga, eutonia, Vittoz, técnicas de biofeedback, Soubiran (relaxamento global, trabalha o estado tônico e a emotividade), Calatonia, Schultz (criação de situações cuja finalidade se resume nas expressões interiores da afetividade do sujeito) e ainda massagens e outros. 60 2.2.3 Alongamento Trata-se de um trabalho que respeita os limites articulares dos clientes e pode ser usado como aquecimento e relaxamento. Exige concentração, sentir o gesto, os movimentos são lentos e devem ser suaves. Aumentam a consciência corporal, contribuem para o relaxamento, constituem um elo de ligação entre o mundo interno e externo. Alivia os sintomas de ansiedade e aprimora o sistema proprioceptivo. O de melhor resultado é o passivo auto conduzido com permanência nas posturas de 10 a 16 segundos. Promove o aprimoramento das capacidades perceptivas, facilita a aquisição da “sintonia fina” e permite um trabalho de flexibilidade de forma bastante consciente. 2.2.4 Jogos interpretativos Os jogos teatrais, dentro de um espaço lúdico visam a vencer dificuldades globais de expressão. É o jogo de interpretação composto por palavras, gestos e evoluções espaçogestuais. Serve de mecanismo de controle emocional, percepção de condutas mais adequadas e de vivencia de limites bem definidos. Também serve de estímulo ao pensamento verbal, intuitivo e abstrato. O objetivo básico é ampliar e orientar as possibilidades de expressão e comunicação do cliente (sentimentos, preocupações, relacionamento, espontaneidade, imaginação, contato corporal e emocional do grupo). A construção de uma peça pode ser feita em conjunto, tema, roteiro, personagens, construção dos cenários ou ambientação cênica e construção das falas. A proposta pode cumprir etapas. O grupo já deve ter um nível razoável de integração e confiança. 61 Também encontramos orientação no modelo da metodologia psicodramática que Romaña (1996) apresenta: 1º passo: Aproximação intuitiva e afetiva (a dramatização é real e surge da experiência ou dos dados de referência) 2º passo: Aproximação racional ou conceitual (a dramatização é simbólica) 3º passo: aproximação funcional (a dramatização dá-se no nível da fantasia). Estas práticas são pedagógicas e podem ser praticadas na arteterapia em escolas e empresas. Na prática terapêutica da saúde mental esta atividade não deve ser longa nem reproduzir situações de problemas pessoais muito próximos. Funciona como uma terapia de grupo onde todos estão atentos e se ajudam mutuamente. É importante a sucessão das ações em principio, meio e fim. Devem ser exploradas a desinibição, a participação espontânea, a descontração muscular e a naturalidade. Sua aplicabilidade nos transtornos mentais é difícil e cuidadosa. 2.2.5 Improviso corporal e sonoro Está ligado a Educação Musical e a expressão corporal. Acima de tudo o jogo da improvisação é extremamente prazeroso. Esses jogos têm finalidade pedagógica, pois promovem a integração entre os níveis sensível e intelectual, de um lado, musical e humano de outro, além de promoverem a conscientização. Na metodologia da educação musical (KOELLREUTTER, 1997), a improvisação por ser uma técnica vivencial remete a uma integração entre corpo, movimento e som. São trabalhados aspectos educacionais, sócio-comportamentais bem como uma nova estética musical com vistas a uma ampliação da consciência já que a estética musical e sua linguagem são construções culturais presentes em 62 nossa civilização e nos ajuda a compreender as relações do movimento expressivo humano com os universos sonoros. Exercer o improviso sonoro e musical é disponibilizar-se para o apuramento das discriminações perceptivas e coordenações instintivas buscando vivenciar-se o processo criativo. A proposta também deve propiciar a descoberta do corpo no seu aspecto do domínio espacial e interação. O improviso permite a descoberta das sensações corporais e pode revelar ao longo dos trabalhos uma maneira própria do indivíduo se organizar frente a um estímulo e a quantidade de recursos corporais que dispõe para atuar. Mostram-se traços da personalidade e preferências, “estilos” pessoais, envolvendo a imagem corporal. Podemos usar música, instrumentos musicais, ou seleção de músicas características das varias culturas. Ex: batuque africano. Pode ser aplicado individualmente e em grupo. Cuidado especial na seleção e aplicação dos ritmos nos transtornos mentais. Evitar a repetição e o frenesi em ritmos muito acelerados. Na forma lúdica é mais interessante. 2.2.6 Dança O homem não se concebe sem movimento. Já nas suas próprias células, verdadeiros motores físico-químicos, ocorrem modificações físicas reversíveis no seu citoplasma. O movimento, presente como padrão já no embrião, precisa da relação com o espaço para acontecer como movimento, para se atualizar. O homem nasce com as possibilidades, mas sem o reconhecimento do experimento. Necessita se transformar num experimentador – tarefa que tomará a si durante toda a sua vida – para se construir como o proprietário/usuário do seu movimento. Quem esculpe o vivo é o movimento. O movimento como sujeito, objeto e o signo dessa cognição que o corpo faz quando dança. Um fluxo contínuo entre o movimento que se vê e o movimento que avaliza todo sistema vivo. Porque tudo começa no cérebro, num meio físico-químico neuronial e, depois, imprime no corpo as suas qualidades. O corpo aprende a dançar no trânsito entre o determinismo e a aleatoriedade. Um determinismo impresso na história evolutiva da sua espécie biológica que coabita com uma característica de probabilidade, que desenha o seu modo de existir. Por isso, tudo que conquista como conhecimento (fruto temporalizado de uma aprendizagem) não pode se arquitetar como conhecimento estático (KATZ, 1994, apud DANTAS, 1994, p. 50). 63 A dança é uma atividade artística que se constrói no corpo em movimento. No momento em que dança o corpo é o próprio objeto de arte. A beleza e a grandeza do ato de dançar nos mostram que na execução da ação o homem não está separado de si mesmo – corpo e alma – mas está sim inteiramente presente no que faz. O “invisível torna-se visível”. O Ser dança em seu corpo, com seu corpo e através do seu corpo. Todo comportamento expressivo humano ganha significado no contexto cultural; assim ao falarmos da dança como arte do movimento na arteterapia queremos chegar a este ponto. Na terapia não se privilegia o adestramento técnico, mas a dança no seu contexto expressivo e formativo onde a coreografia é o ponto chave a ser desenvolvido. Ela é o discurso dos corpos, sua produção traz toda a gama de conteúdos simbólicos do grupo que a trabalha e nela se insere, está engajada culturalmente e também situa o ser humano no seu tempo político, histórico e social. A arte coreográfica é a expressão da dimensão humana. Tudo que nela é trabalhado é dinâmico. A auto-imagem, as motivações, os sentimentos cinestésicos e as emoções. É o “espetáculo” do corpo unificado na sua transcendência. Ao considerarmos o dado estético nesta conjunção de carne, sangue, alma e pensamento, o corpo que dança em seu discurso coreográfico traz consigo certas coisas que precisam ser ditas para afirmar a beleza da Vida, coisas que dentro de nós se constituem em estados de beleza pura, um dado da amorosidade, um dado da eternidade, um dado da transcendência. Um dado do inesperado onde o “outro” me alcança num nível de tensão X e me libera de mim num transbordamento, num estado qualitativo de “lindamente” em mim! A “síntese mágica” de Arieti (1979) que nos fala Allessandrini (1996). 64 Na dinâmica da dança, ou seja, distribuição das formas no espaço em várias nuances rítmicas, encontramos a força do trabalho muscular e a intensidade emocional que privilegia esta força como forma de expressão. Há uma relação das bases de sustentação do corpo e a transferência de seu peso no espaço, com a intensidade e a velocidade ao atravessá-lo. Relação com a urgência do conteúdo emocional. Ritmo, divisão e duração do tempo. Isto é possível dado ao alto grau de plasticidade do cérebro humano. Segundo Wallon (1968, apud NANNI, 2003) os movimentos da dança vão se propagar no espaço através da ação geradora do desejo, criada pela pulsão do movimento. A pulsão dos movimentos inscritos em suas tensões tônicas traduz não uma história pessoal, mas talvez a história da humanidade, a história da espécie humana desde a sua origem. Tal como na oralidade, analidade e na genitalidade, há também na motricidade o aspecto da libido – um prazer de movimento, um prazer de agir, de existir pela ação. Energia psíquica. Ao falarmos de dança também como motivação para desenvolver o trabalho de uma linguagem comunicativo-expressiva na arteterapia, ampliam-se os horizontes para adoção de técnicas além das usualmente adotadas cujos códigos prontos já trazem embutidos uma performance dentro da estética vigente o que anularia a possibilidade maior da Arteterapia que é o processo criativo. Aqui equivale a dizer que o trato com o corpo não deve ser o submeter para obter altas habilidades técnicas ou caso contrário a manifestação do ser dançante não emerge do ser individual e sim de uma reprodução mimética de algo que pode não ser significante para o executante. Segundo Nanni (2003) deve haver um cuidado pedagógico na prática da dança “os conteúdos são realidades exteriores ao aluno/cliente que devem ser 65 assimilados e não reinventados, eles não são fechados e refratários às realidades sociais, pois não basta que os conteúdos sejam apenas ensinados, ainda que bem ensinados, é preciso que se liguem de forma indissociável à sua significação humana e social”. É uma questão de consonância do conteúdo com os aspectos sócio-afetivos e histórico-culturais na linguagem simbólica. Deve ser significativo para o executante. Nanni (2003, p. 187) nos apresenta o seguinte quadro de abordagens que consideramos muito pertinente para formatação da metodologia da PTME - Prática Terapêutica do Movimento Expressivo. Vemos que a perspectiva orgânico estrutural apresenta aspectos terapêuticos no trato com o corpo e aprendizagem. QUADRO 1 - Abordagens da Dança nas Perspectivas Ensino Instrumental Técnico Tende a utilizar técnicas sem considerar sua carga semântica Estabelece processos de formação coreográfica, referenciados mais pelo belo que pelo sentido da prática para o grupo. Estabelece uma quase cisão entre o mundo da escola e o mundo dos “fazedores” Não diferencia o tradicional do clássico, ou seja, não valoriza a temporalidade e as marcas individuais típicas dos processos de reapropriação dos termos. FONTE: Nanni (2003, p. 187). Ensino Orgânico-estrutural Articula gestos significativos para os atores sociais e prioriza sentidos latentes. Valoriza o sistemático estudo dos processos de apropriação das técnicas e suas vinculações sócio-político-culturais e ideológicas. Valoriza a totalidade sugerindo atividades que articulem o mundo dos “fazedores” (cotidiano do aluno). Diferencia o tradicional do clássico; investe na compreensão do ethos e admite como elemento constitutivo da abordagem a historicidade. Já feitas às considerações da arte da dança na arteterapia e as perspectivas pedagógicas lançamos mão de alguns dados técnicos que podem ajudar o terapeuta na aplicação do movimento de forma consciente e na poética coreográfica facilitando o surgimento da linguagem corporal. 66 Os Elementos básicos da arte da dança são o movimento e o ritmo; já os fatores básicos do movimento são segundo Laban (1978): espaço, tempo, peso e fluência. Esses fatores caracterizam o ritmo, a forma e a dinâmica de todo movimento. Na física um corpo está em movimento quando ele ocupa posições sucessivas no espaço, impulsionado por uma força. O impulso para a ação é caracterizado pela execução de uma função de efeito concreto no espaço e no tempo, por intermédio do uso da energia ou força muscular. Laban (1978) definiu esforço como impulso que resulta em movimento. Aqui vão algumas classificações de movimento segundo o Dr. Estélio Dantas (1991): Movimento Liberado: O movimento obedece como tudo na natureza, a uma curva, desde o íctus inicial, passando por um clímax e chegando ao íctus final. Esta curva desenvolve uma ordem em cujo total aparecem momentos de movimentos e movimentos liberados em diferentes formas: balanceado, conduzido e percutido em várias dimensões, proporções e infinitas combinações. Diferentes graus de intensidade: Dinamismo (quantidade de força ou energia utilizada em movimentos em separado ou total com pequena ou grande quantidade de movimento). Diferentes graus de velocidade: Andamentos em disposições rítmicas. Movimento Balanceado: é o pêndulo. Para frente e para trás, abaixo e acima, de um lado para o outro. Com um acento inicial, onde a contração muscular é instantânea, o deslocamento é feito em seguida pela quantidade de movimento adquirido. A dimensão da ação resultante depende da força ou energia do impulso inicial. O movimento lançado é uma variação do movimento balanceado onde o 67 começo do balanço é forte. O retorno ou procedimento são necessários, mas diminuídos neste tipo de movimento. Movimento Percutido: É preciso, com início vigoroso e com uma parada brusca. A parada abrupta é a principal característica deste movimento. O movimento vibratório é uma variação do movimento percutido com uma força inicial, a parada e o retorno são tão rápidos que o movimento resultante passa a ser oscilado, vibrado, trêmulo ou sacudido. Movimento Conduzido: É suave, contínuo e sustentado, com tal integração em sua continuidade de ação que não pode ser percebido. O movimento sustentado ou suspenso é uma variante do movimento conduzido, com a impressão de estar momentaneamente flutuando no espaço, com um acento ou impulso inicial mais marcado do que o simples movimento conduzido. O trabalho corporal deve visar o domínio corporal, a harmonia entre a musculatura esquelética e o sistema nervoso. O equilíbrio entre músculos e articulações na manutenção do tônus muscular se alia ao funcionamento do sistema nervoso que promove reações que satisfazem aos parâmetros de execução do movimento: coordenação, precisão e ritmo em esforços que se opõe a força de gravidade. A forma corporal é o contorno do todo ou de partes do todo ou o contorno da massa corporal e seus componentes específicos. No corpo humano as formas se apresentam com uma variedade de linhas retas, curvas ou angulares separadamente que se combinam, parte e parte, todo e parte, numa gênese perpétua, permitindo ao corpo os desenhos espaciais e atitudes corporais. Forma é corpo, matéria prima energizada, em constante transformação, articulada em seu eixo e suas capacidades motoras, na relação com o espaço em diferentes situações, 68 diferentes fases do movimento. A forma possibilita a variedade e a diversidade de combinações e seqüências que para se configurarem no domínio espacial são aliados as transferências do peso do próprio corpo, e das locomoções e deslocamentos do mesmo ou de partes do mesmo, ou do todo e suas partes. São os deslocamentos e transferências sucessivas do próprio peso que possibilitam o corpo relacional. Assim o corpo fala... Dado que no corpo humano a colocação dos olhos não permite que nos vejamos inteiros, mas nos sentimos e nos percebemos, a forma corporal seria para alguns autores a manifestação do inconsciente da personalidade do ser para o consciente do mesmo. [...] “pois a atitude postural é resultado do forte comprometimento emocional, vazado, inconscientemente, pela forma externa de nosso corpo” (FREUD, 1948, apud NANNI 2003, p. 123). Na saúde mental a coreografia deve ser aplicada com bastante estimulo do potencial criativo, com poucas repetições, com participação espontânea e como não deverá ser levada ao público, trabalhar em grupos de forma que ao final cada grupo poderá mostrar sua produção para o outro e assim alimentarem mutuamente as percepções e a transição dos dados para a verbalização. É fundamental o exercício de ver, observar os corpos dançantes em toda sua expressividade e beleza. Aqui lembramos a importância para o uso desta técnica, na arteterapia, dos conceitos vistos no primeiro capítulo. O corpo saudável no seu desenvolvimento e capaz de viver uma experiência cultural. Nas manifestações expressivas do corpo os múltiplos discursos corporais desvelam-se, multiplicam-se... Em algum momento o corpo que dança me remete a mim, me captura... Nela se inscrevem as marcas, os registros dos corpos e traz consigo possíveis diálogos do prazer e do poder. Seja na dança ritual de invocação 69 dos espíritos, seja hoje onde os corpos dançantes invadem as ruas (trios elétricos, tribos de dança de rua, etc.) fica clara a intencionalidade comunicativa do corpo. Em tempos primitivos quando o código da palavra ainda não era estabelecido, o homem já se servia do movimento corporal para se comunicar. A dança assim pode ser considerada como primeira manifestação de uma prática social. O homem e seu próprio corpo como mediador dentro do universo. 2.3 DOS CONTEÚDOS A APLICAR E BASE DE FORMATAÇÃO DAS SESSÕES A metodologia da PTME - Prática Terapêutica do Movimento Expressivo foi desenvolvida por ocasião do estágio supervisionado na pos graduação em Arteterapia com clientes portadores de transtornos mentais: TOC - Transtorno Obsessivo Compulsivo, Transtorno do Humor Bi-polar e Esquizofrenia, através do meu projeto “Artes da Vida, procura e cura”, no Hospital Dia, da Clínica Psiquiátrica do Hospital de Clínicas Gaspar Vianna do Estado do Pará. Foram 2 meses aproximadamente entre apresentação do projeto e tramites para ser aceita e 6 meses efetivamente dentro do Hospital. Muito aprendi. Foi um estudo gratificante. Minhas observações são decorrentes não só de perceber um discurso embutido nas minhas coreografias, mas também das experiências vividas, no Hospital Bettina Ferro da Universidade Federal do Pará e no Hospital Dia do Hospital de Clínicas Gaspar Vianna com saúde mental. Nos atendimentos sempre se apresentava a necessidade de um trabalho corporal mais constante e sistemático. Com a saúde mental esta necessidade é premente, face a não comunicação do ser com ele mesmo, ou seja, com seu próprio corpo e o mundo. Estas constatações se fizeram sempre presentes nos vários grupos com os quais trabalhei. Uma espécie de denuncia, de “ausência” do seu próprio corpo, de um corpo indisponível e que na 70 maioria das vezes se impunha em apelos: dores, instabilidades emocionais, reações de apatia e desânimo, falta de auto-estima. Quase uma impossibilidade de interagir com meio ambiente e com o outro. Muitas vezes pensei que a metodologia da Prática Terapêutica do Movimento Expressivo, PTME, não me mostraria indícios de validação. Quando mostrou vi que pode ser um excelente aliado no atelier terapêutico não só da Clínica Psiquiátrica, mas também em outras instituições, escolas, empresas e clínicas. A PTME-Prática Terapêutica do Movimento Expressivo é uma metodologia com enfoque sistêmico cujos procedimentos compreendem três fases e suas técnicas são advindas dos recursos artísticos e expressivos das atividades sensório motoras e artes do movimento inseridos na arteterapia juntamente com as outras técnicas. Seu objetivo é promover um processo mais amplo de saúde e a re- inserção sócio comunicacional dos clientes. Na obtenção dos resultados positivos as técnicas foram estrategicamente selecionadas priorizando os objetivos acima citados e atendendo necessidades que visam ao desenvolvimento do potencial criativo, a ampliação do campo das discriminações perceptivas, a promoção de interações novas a nível intrapessoal e interpessoal e atender as solicitações de desgaste físico e emocional frente ao estado do corpo doente, stress. A Prática Terapêutica do Movimento Expressivo entende o movimento humano como matéria prima em constante transformação. Este olhar requer um cuidado especial no processo. No seu caráter de forma o movimento é o “visível do invisível”. Mas forma e conteúdo não podem ser separados já que a disponibilidade corporal na realização do movimento se alicerça numa inteligência e memória corporal. Impossível separar forma e conteúdo já que é o corpo que “desenha e dá colorido” ao espaço interno onde vive a si mesmo e ao espaço externo onde se 71 insere. Corpo que desenha num espaço as emoções de um tempo. A disponibilidade corporal está alicerçada numa inteligência e numa memória corporal que permitem ao ser que se movimenta e dança exercer suas potencialidades criadoras acessando saberes e fazeres corporais A sessão de atendimento segue a Metodologia das Oficinas Criativas de Allessandrini (1996) e os pressupostos teóricos de condução dos procedimentos em fases obedece ao modelo do ETC Expressive Therapies Continuun (KAGIN & LUSEBRINK, 1978) onde nos concentramos em facilitar a passagem pelo nível perceptual-afetivo (Express) e chegar até o cognitivo. O procedimento de condução do processo compreende 3 fases. Uma sucede a outra, mas sem perder de vista os conteúdos trabalhados. Posso dizer que se interpenetram. Cada uma apresenta metas/prioridades a serem atingidas, aporte teórico, condução dos observáveis e avaliação apoiado na análise microgenética dos aspectos afetivo-cognitivos (ver anexo A) de Allessandrini (2000), e os recursos técnicos utilizados. Sempre colocamos o foco na fase da função perceptual afetiva para em seguida conduzir para o cognitivo-simbólico. O criativo deve permear o processo. Foi priorizada a consciência corporal e as relações intra e interpessoais. Em todas as fases do processo foram mantidas as Oficinas Criativas (ALLESSANDRINI, 1996). Decidi pela re-significação do movimento de andar como movimento básico de locomoção na primeira fase. Em relação ao express, a linguagem corporal foi se materializando principalmente a partir do jogos expressivos na 2ª fase do processo. Na terceira fase “passeávamos” entre as várias aquisições e principalmente seqüências mais longas de movimento (coreografia) com intensa participação dos clientes e muita liberdade de rir, falar, manifestar-se através de comparações, pedir 72 ajuda, e liberdade de colorido emocional. Considerando esta fase como inteligência do movimento eu não visava a reprodução do desenho espacial e forma exatas como mera cópia do que foi proposto, mas sim, permitia as alterações e aproximações e até as vivencias do movimento com “problema” normalmente considerado como “errado”, por que meu olhar passou a ser o de perceber que o cliente vivia um momento de compatibilizar forma e conteúdo, por que ali estava a possibilidade de superação, de contato consigo e que ele passava pelo processo totalmente envolvido, disposto ao “desafio” de lidar com solicitações de muitas competências ao articular informações de tempo e espaço ao seu próprio corpo, ao corpo do colega e ainda ao corpo do terapeuta. Trabalhei as noções de tempo e espaço, variações rítmicas, memória e inteligência do movimento (sugestões de combinações de movimento, combinações e sínteses que “vazam” ou transbordam como linguagem poética). As transposições com registros gráficos e visuais, que foram usados em todas as fases dentro das oficinas criativas, também abriram excelentes oportunidades para verbalizações, bem como algumas vezes ficou visível a passagem pelo ETC. Sempre iniciei pela respiração e no fechamento adotei o relaxamento seco. Procurei trabalhar a emoção e o stress. Para os que têm toc, a técnica do rabisco foi muito usada e apresentou bons resultados. Muito proveitoso. Partia do individual para o grupo com muitas aproximações e toques físicos cuidadosos. Também foram trabalhados produções e materiais trazidos pelos pacientes. Outros atendimentos aqui denominados de Terapia Breve Individual e Terapia Breve Conjunta foram determinados pela urgência com que o fenômeno ocorria 73 (relaxamento em estado de contenção, surtos, angústia quase impossível de controlar, medo acompanhado de choro frente a imagens violentas, queixas de ordem física) bem como visando a integração cliente e familiares. Também pensamos na questão do gerenciamento da emoção e do estresse. Aqui era o momento do familiar se “mostrar” disposto a rir, brincar, permitindo a abertura ao afeto e uma condução mais favorável ao processo de re-inserção comunicacional do cliente. Muitas vezes os próprios familiares solicitaram este atendimento. Os resultados são animadores. A Metodologia da PTME – Prática Terapêutica do Movimento Expressivo É importante que o terapeuta faça a adequação das fases de acordo com as necessidades dos clientes e do tempo disponível. 1ª. Fase: Resgate e re-significação. 2ª. Fase: Relações interpessoais. 3ª. Fase: Inteligência do Movimento. O todo e as partes. Ritmo Em todas as 3 fases do processo, os atendimentos foram feitos utilizando as Oficinas Criativas de Allessandrini (1996). 1ª Fase: Resgate e re-significação Nesta primeira fase decidi pela re-significação do movimento de andar como movimento básico de locomoção. Fui buscar subsídios nos estudos de separaçãoindividuação (MAHLER, 1982). Primeiras possibilidades de estabelecimento de contato com o mundo através das possibilidades do movimento. Considerei a importância de uma provável re-significação quando do momento vivido em que o bebe sente seu corpo separado do corpo da mãe. Quando é inserido em vários espaços 74 através do “colo” da mãe. Quando dos três meses em diante, a capacidade de olhar, ver, se estabelece e o bebe poderia (uma hipótese) distinguir não só o rosto, mas também o “corpo” da mãe ou outro que cuida dele, ir e vir, desenhando formas e dando orientação espacial aos membros e sentido aos gestos. Estes podem ser fenômenos que correspondem ao processo vital de começar a “me encontrar”, permitindo referenciar um tônus que disponibiliza funções que se desenvolverão até o ficar de pé e andar. Fiz uma progressão. Rastejar, engatinhar, sentar, ficar de pé. Trabalhei o resgate de possibilidades motoras em ações básicas de movimento sem perder de vista o significado apreendido das palavras. Re-significação do movimento. Há a necessidade de trabalhar habilidades para ampliação do repertório motor e a consciência corporal. Podemos suprir estes aspectos pela observação e registro do surgimento de inúmeros limites no conflito entre a proposta e o executável pessoal. Referenciarem-se uns ao outros também é de importância. A condução dos observáveis e avaliação foi apoiada na análise microgenética dos aspectos afetivo-cognitivos de Allessandrini e ainda em alguns dados mais como postura e atitudes posturais, orientação espaço temporal, domínio espacial, dinâmica do movimento, ritmo, fluência que conforme se davam a perceber exteriormente eram anotados nos relatórios. Recursos Técnicos: Alongamentos Movimentos básicos de locomoção: Rastejar, engatinhar, sentar, ficar de pé (alternar e encadear passagens para outras formas). Ajoelhar, sentar e levantar (montar e desmontar as formas, descobrir possibilidades). Associar deitar, rolar, rastejar, engatinhar, sentar, ajoelhar, andar, de forma livre, descoberta pessoal de cada um. No intercalamento entre as solicitações 75 corporais há necessidade de adotar essas posturas. Depois que ficamos de pé, o rastejar tornou-se desnecessário, mas tem possibilidades de intencionalidade comunicativa e exploração tátil do corpo com o solo. Desenvolvimento de habilidades sensório motoras. Trabalhar figurações no solo e no espaço. Retas, curvas, círculos, transposições de obstáculos. Flexões, elevações, queda e recuperação. Evoluções. Iniciar explorações com som e silêncio. Ruídos, palmas, assovios, murmúrios, emissões de sons e palavras em pequenas seqüências criativas, livres. Ludicidade. Relaxamento. Grafismo, desenho e pintura com lápis cera, canetinha hidrocor. Recorte e colagem 2ª Fase: Relações interpessoais Temos então a ênfase nas relações objetais e espaço transicional. A seleção dos objetos deve favorecer não só a linguagem oral, mas deve ser instigante da linguagem corporal visando chegar ao Express (perceptual afetivo). Os objetos devem permitir manuseio e evocar a sintonia com afetos do cotidiano de todos nós. A ação e suas relações espaço temporais. A interação. Aqui começamos a avançar. O corpo vivido manifesta-se e começa a “vazar” para o exterior, para o outro. A condução dos observáveis e avaliação estão apoiados na análise microgenética dos aspectos afetivos-cognitivos de Allessandrini (2000) e ainda em outros registros como postura e atitudes posturais, orientação espaço temporal, domínio espacial, dinâmica do movimento, ritmo, fluência. 76 Recursos técnicos Alongamento e trabalhos visando flexibilidade. Desenvolvimento de habilidades sensório motoras. Improviso corporal e sonoro Explorar ritmo. Som, silêncio e música. Dinâmica do movimento na sua associação com o ritmo. Função de interiorização. Composição poética. Linguagem. Dança proposta lúdica. Dança proposta simbólica. Jogos expressivos, Teatro. Explorações corpo/objeto e narrativas. Gestuais expressivos, seqüências e variações. Recorte e colagem. Acrescentar pintura com o dedo, tinta guache. Contar estórias a partir da produção obtida. Trabalhar individualmente de forma a permitir a observação do corpo do colega em ação. Encaminhar também para duplas e pequenos grupos. Na transposição de linguagem a materialização deve ser solicitada fazendo a ponte com o que anteriormente foi vivido. Relaxamento. 3ª Fase: O todo e as partes Na progressão das fases do processo podemos dizer que primeiro trabalhamos as relações intrapessoais (1ª fase), em seguida as inter-relações e por fim relações meio ambiente (3ª fase). 77 Aqui se mesclam intencionalidade comunicativa e inteligência do movimento. Pequenas coreografias com propostas do próprio grupo e com propostas do terapeuta. Na seleção das propostas o cliente deve ficar a vontade para sugerir, pois este é um recurso que o terapeuta tem para perceber como se mostra o engajamento sócio cultural do corpo do cliente. Solicitam-se maiores habilidades de coordenação, precisão e ritmo. Pode-se acrescentar graus de dificuldade. Giros e voltas. O todo e as partes. Um movimento como base e trabalhar com suas variações e combinações. Recursos técnicos: Relaxamento Trabalhos visando flexibilidade Solicitação da função de interiorização Explorar ritmo em solicitações mais difíceis. Continuar jogos expressivos. A coreografia com seqüências dadas pelo terapeuta. A coreografia a partir de um tema. Livre criação e ordenação. Dança de salão de aplicabilidade lúdica, não performática. Gestuais expressivos, seqüências e variações. Trabalhar também em duplas e grandes grupos. Grafismo, artes plásticas e visuais, confecção de bonecos, argila, materiais coletados na natureza, confecção de murais em conjunto, recorte e colagem. 78 Observações: Fazer adequação das fases de acordo com as necessidades dos clientes e do tempo disponível. Na transposição de linguagem a materialização deve ser solicitada fazendo a ponte com o que anteriormente foi vivido. Nos transtornos mentais recomendamos poucas repetições, nenhuma exigência quanto ao desempenho e observação cuidadosa de cada cliente quanto ao estado emocional durante a execução que deve ser de alegria e prazer. A condução lúdica é importante. Sobre as Oficinas Criativas: Aqui apresentamos nosso entendimento de como podemos viabilizar o uso das técnicas de acordo com o encadeamento das etapas das ações nas “Oficinas Criativas”, na PTME – Prática Terapêutica do Movimento Expressivo. 1ª Sensibilização: a respiração Objetiva o contato com o mundo interior e com a proposta. Deve favorecer um estado de relaxamento. É uma intervenção suave. Deve produzir descontração muscular, comutações vaso-motoras e recondicionamento do ânimo. Preparação para o criativo. Na sensibilização sempre começar com a respiração, gestos largos, amplos de abertura para o mundo.Respiração e Relaxamento. 2ª Expressão Livre: experienciar, montar e desmontar. Fase de exploração. O sujeito está de posse do material (seja seu próprio corpo) para a realização de um trabalho. Solicitação intensa da imagem corporal. 79 De seu corpo consigo e com o outro. Aciona-se um saber fazer. Aparecem limites nas experimentações. O corpo se impõe. O corpo se reconhece. O corpo brinca. Ele limita, mas ao mesmo tempo sugere outras infinitas formas para os conteúdos. Dá formas ao corpo e desenha no espaço. Emergem conteúdos. 3ª Elaboração: seleção, ordenação consciente. Pressupõe um redimensionamento do que foi feito no campo do não verbal. Observa-se, localizam-se novas formas nas figuras que emergem e saltam aos olhos. A experiência se amplia na abertura de suas significações. A arte do EU – materialização e significações ou re-significações. O que materializa no tempo e no espaço. Um novo gatilho detonador de conhecimento. No trabalho com o corpo percebo que a linguagem do movimento acontece aqui. Considero que aqui devemos orientar a primeira transposição de linguagem. Chamo de transposição pelo motivo da proposta já trazer uma forma e conteúdo ordenado. Vive a experiência corporal, internaliza o conteúdo, movimentos voltam recriados em gestos, ações, exprimem intencionalidade, individual, em duplas ou grupos maiores. O processo criativo e o poder de decisão de algo a materializar implicam em acionar conteúdos do saber fazer e também do conteúdo afetivo que se da a conhecer na escolha. È uma solicitação que exige ordenação de forma e conteúdo no espaço tempo e vem carregada de uma energia com tensão x cujo ritmo no interior do próprio corpo é estruturante do express. Esta linguagem pode informar sobre atitudes e emoções. Privilégio das ações e interações subjetivas. Relaxamento. 80 4ª Transposição de linguagem: “ponte” com o que foi vivido. A materialização deve ser solicitada fazendo a “ponte” com o que anteriormente foi vivido. Passagem dos conteúdos para uma nova linguagem. Tenho então adotado nesta fase a transposição visual para desenho ou pintura, a verbalização e a escrita. Experiência o contato e a sensação dos materiais propostos nesta etapa. Ele escreve sobre o que viveu ou desenha. Allessandrini (1996) aqui prioriza o uso da palavra. Na nossa experiência para articular com as vivencias corporais, nos mantemos nos registros plásticos, visuais através dos vários materiais. É como um novo caminho subsidiado com dados coletados sobre si mesmo. 5ª Avaliação - estímulo à oralidade Exposição oral individual e com o grupo. Recomposição das etapas processuais, o que permite que a aprendizagem produzida seja tornada consciente. O próprio cliente fala sobre seu trabalho e pode fazê-lo pelo conteúdo ou pelo processo vivido e aqui aparece o falar do próprio corpo. As vivências com o movimento nos proporcionam usufruto dos saberes corporais. Reconhecimento de experiências. Nas representações do discurso vemos o que o corpo como mediador possibilitou no plano pessoal. Pode associar cores, formas com propostas de movimento vividas, contar estórias. Em todas as etapas são usadas as atividades sensório motoras ou dança. Só a partir da quarta etapa da oficina criativa é que passamos a trabalhar com as artes 81 plásticas e outras como modelar argila. Há também uma variante onde na primeira fase trabalhamos com as artes visuais, grafismo, recorte e colagem como estímulos para depois trabalhar as propostas com o corpo. No fechamento: “Palavras ao coração”. Funciona como um código entre nós, e também como relaxamento seco. É uma despedida diária com carinho e manifestações orais espontâneas. Depois de ditas as palavras, mensagem que cada um quer deixar vem o comando: „agora vamos apanhar no ar tudo de bom que dissemos uns aos outros e vamos levar para dentro do coração‟. É acompanhada do seguinte gestual: elevar os braços a frente do corpo até a altura dos olhos; em seguida movimentam-se os dedos como se tocássemos as palavras e suavemente vamos conduzindo a descida de nossos braços em direção ao coração. Lá permanecem as mãos, por alguns segundos, uma sobre a outra. É um tempo emocional de passagem, sempre procuro observar o estado emocional de cada um e como se dá a perceber sua “volta” ao cotidiano. Ajuda no afastamento, na supressão da presença do terapeuta. A PTME - Prática Terapêutica do Movimento Expressivo dentro da Arteterapia caminha sob estas possibilidades favorecendo as experimentações, re-arranjos e resignificações que permitem ao corpo, mediador do mundo, vivenciar-se criativamente. O mundo das relações interpessoais e sócio comunicacionais solicitam permanentemente um corpo disponível para a interação. 82 CAP. 3 - RESUMO DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO Mas se mostro o que sou, como sou, o que sinto e o que vivi, então, meu “íntimo” está por fora. Meu corpo é minha alma. Por isso não quero saber de meu corpo. Porque ele é eu. Porque ele é muito mais do que eu... se o corpo não for meu, de quem será? (GAIARSA, 1984, apud ROEDER, 2003). Apresento de forma concisa os dados principais do trabalho desenvolvido por ocasião do estágio supervisionado na pós-graduação em Arteterapia com clientes portadores de transtornos mentais:, Esquizofrenia, Transtorno do Humor Bi-polar e Transtorno Obsessivo Compulsivo TOC, no hospital dia, da Clinica Psiquiátrica do Hospital de Clinicas Gaspar Vianna do Estado do Pará, onde foi desenvolvida a metodologia PTME-Prática Terapêutica do Movimento Expressivo. No plano de trabalho (anexo B) temos uma idéia geral do desenvolvimento do Projeto Artes da vida, procura e cura. Ele nos dá um panorama da atuação e ajuda a estruturar o atendimento face a tantas solicitações. Nele temos: as unidades de trabalho. Onde tem pop leia-se população ou grupos envolvidos. Os atendimentos em arteterapia estão nas unidades 4, 5 e 6. 3.1 REFLEXÕES Inicio com as observações e reflexões pessoais condutoras do processo: - 18/07/2004, Domingo. 2ª semana do estágio „Estou no hospital desde o dia 12. Tenho lido sobre esquizofrenia. Tenho prestado atenção às médicas. No nosso trabalho preciso me habituar com a idéia da eterna descoberta. Tem que fazer sentido. Se está acontecendo tem que fazer sentido. Se a relação com o mundo que o esquizóide tem é de perda de possibilidades comunicativas, intenções não se realizam. De onde viriam? Não há ações 83 intencionais realizadas. A intenção é de enorme valor no processo de cura. Isto é um fato. Para se comunicar com o mundo o único mediador é o corpo. A própria fala, a palavra é propiciada pelo corpo. O Ser-Eu tem que transitar em seu corpo. Plenitude. Quando olho para os pacientes percebo que há necessidade de resgate de possibilidades motoras que facilitem o Express (passagem pelo nível perceptual afetivo). Que sejam dotadoras de sentido, que criem significações, elos encadeadores do desenvolvimento pessoal. Se considerarmos também a significação do gesto e a estrutura do movimento no espaço como aprendido culturalmente e as determinações naturais da sobrevivência do corpo vemos que isso também está perdido. Também penso no ritmo. Será que o único ritmo é o que independe da vontade? A entrada e saída do ar? As batidas do coração? O Ser percebe isto? Eu tento pensar numa metodologia que resgate a consciência destas possibilidades como uma forma de restabelecer contato de si para si e com o mundo externo. Também percebo que é difícil para eles responder as solicitações de movimento. Os comandos que requerem localizar e ativar partes, segmentos, não se completa. Parece também não ser inteligível. Vou ter que executar na frente deles e pedir que acompanhem. Talvez agora eu tenha compreendido porque tenho sido tão solicitada a fazer os movimentos na frente das pessoas. É ver o outro saindo de si que me faz crer na minha possibilidade de me organizar no espaço. Aprendemos a andar assim. Penso. Ai a questão fica mais complexa. Eu faço na frente e com eles. E depois tenho que evitar o estereótipo. Caminhar para o criativo. Mas criar não vem do nada. Vem do vivido. Então talvez eu possa conjugar as duas partes. A parte que eu executo e ganha significações pessoais no mundo interior de cada um, além da 84 comunicação comigo que percebo que eles querem e o tempo de espera da assimilação e equilíbrio majorante para o Express e a saída de si para o mundo. O ritmo também tem que ser cuidado. Som e silêncio. Quero fazer a descoberta aliada ao cotidiano com os ruídos dos próprios objetos: cadeiras, mesas, em forma de jogos, proposições e também recursos corporais como a emissão de sons, vozes, gritos, sussurros. O irreal torna-se real. Surge a possibilidade de romper o isolamento, de lidar comigo mesmo e com o outro. Será que as alucinações e os delírios melhorariam?‟. Apoiada nestas reflexões e entendendo a “falência” do sistema comunicacional do cliente como problema principal, toda a condução dos procedimentos foi focada exaustivamente e em todas as três fases da metodologia da PTME, na passagem pelo nível perceptual-afetivo (Express), onde podem ser elaborados os dados de realidade e simbolismo do corpo e do movimento humano. Daí a necessidade de inserir as práticas e artes do movimento, tentando oferecer possibilidades de descoberta e reconhecimento da ação pessoal, pelos poderes e resistências, pela capacidade de abertura e pelos limites do próprio corpo além da intencionalidade comunicativa carregada de afetos. 3.2 OS GRUPOS, CARACTERÍSTICAS E QUESTÕES. Trabalhamos com dois Grupos de clientes nomeados: Grupo I fixo, Grupo II flutuante. A característica comum é que todos têm transtorno mental. Apresentam esquizofrenia em suas várias formas, transtorno obsessivo compulsivo TOC e transtorno do humor bi polar em grau elevado e em pequeno grau. 85 O Grupo I, fixo, tem pacientes em níveis de transtorno avançado e até com comprometimento. Resistentes. Respondem pouco ao tratamento. Conquistá-los foi um exercício de amor e inteligência. É um grupo “pesado”, os resultados são lentos. O Grupo 2 é flutuante e os pacientes têm menor nível de transtorno e comprometimento. Suas rotinas ainda não estão definidas, muitas vezes acabaram de sair do internamento. Vêem para as sessões e voltam para o internamento. Nos dois grupos a idade variava entre 14 a 60 anos aproximadamente. Dados como: diagnóstico do transtorno e níveis de comprometimento são diferenciados. Os níveis de escolaridade são diferentes não só no grupo de pacientes, mas também no de familiares. As classes sociais também são diferentes com predominância do baixo poder aquisitivo, baixa qualificação profissional, inclusive dos pais. Pouca ou quase nenhuma vida social e lazer. Nenhum acesso a bens intangíveis como arte. Trabalhei com os dois grupos não foi para mensurar as diferenças entre os que receberam as sessões e os que não receberam. Foi para que eu dispusesse de maior campo de trabalho e número de horas de estudo na aplicação do procedimento já que o tempo de 6 meses era pouco. Aqui contei com o apoio da direção do hospital dia e sua equipe que depositaram confiança em mim e encaminharam um número alto de clientes, em média de 12 por sessão. Alguns dias o número chegou a 20 numa única sessão. Muitas vezes eles mesmos pediam para se encaixarem no grupo. Também se encaixaram espontaneamente no trabalho estagiárias de Terapia Ocupacional e Psicologia que muito me ajudaram. Penso que isso enriqueceu a experiência e que vem reforçar os resultados. 86 Nos grupos de clientes I e II encontramos: pouca ou nenhuma relação interpessoal, pouca ou nenhuma motivação, medo, desconfiança entre si, apatia, alheamento, intolerância, agressividade, tristeza, repetição de padrões, pouca criatividade, falta de consciência corporal, muitas queixas de natureza física como cansaço e falta de ar (podendo ser somática ou de efeito colateral), altíssimo nível de stress com enorme dificuldade de relaxar. Me chamou atenção particular a dificuldade destes clientes em vivenciar a alegria. A maior questão é: tenho cura? Vou parar de tomar medicação? No Grupo de Familiares verificamos a presença de doenças somáticas. A vida familiar está seriamente prejudicada. Têm pouca compreensão sobre a doença do familiar. Encontramos a exaustão, a solidão, a criação da dependência institucional e stress permanente. Um problema sério que se apresentou ao lidar com familiares foi nas terapias conjuntas onde a exigência advinda da comparação com a “normalidade”, faz com que exerçam pressões constantes sobre o cliente, para que este execute “corretamente”. O terapeuta precisa estar atento as falas. 3.3 A ATUAÇÃO, AS QUESTÕES PESSOAIS E CONDUTA. No momento da atuação se apresentaram muitas questões das quais foram prementes: Clarear os objetivos a partir do que foi proposto no projeto e racionalizar o atendimento. O que priorizar. Que técnicas usar nas abordagens e sessões que me permitissem uma continuidade e encadeamento com a sessão seguinte. 87 Como aproveitar a metodologia das oficinas criativas tendo como foco o movimento humano. Como dar conta dos observáveis, mesmo usando o material formatado para as observações, mas que muitas vezes requer adaptações em se tratando do próprio corpo como sujeito e objeto. Como despertar o interesse e a participação. Como manter o feedback positivo até a próxima sessão. Como atuar em permanente estado de dúvida sobre o ponto de lucidez que o paciente se encontra. Que nível de relação manter: mais frio e impessoal ou mais caloroso e amável. No trato com as questões citadas e visando a superação das dificuldades do grupo adotamos uma conduta de abertura, amável com propósito de: Estabelecer a confiança com atenção, escuta e carinho. Adequação dos conteúdos: sessão preparada sem rigidez, interrompendo quando preciso e flexibilizando o tempo. Seleção cuidadosa dos materiais. Na transposição de linguagem para registro visual manter o conteúdo ou conduzir para o nível afetivo/cognitivo. Facilitar a interação partindo do trabalho individual para duplas, chegando até as propostas em grupos. Permitir entradas e saídas. Insistência suave para que verbalizem. Liberdade na verbalização para falar sobre os assuntos que tanto incomodam. Como agressividade e fatos traumatizantes ocorridos no hospital e/ou vividos por eles na minha ausência. 88 Sondagem do clima sempre antes da sessão. Procurei engajar-me nos outros grupos terapêuticos principalmente de terapia médica com a psiquiatra. Aceitar os resultados. Não discutir, rotular ou adotar posturas excludentes. Admitir o processo acontecer a partir deles. Ter cuidado na dosagem da intensidade das atividades sensório motoras. Aplicação lúdica. Insistir no Express. (foco da metodologia aplicada) Em ambos os grupos foi priorizada a consciência corporal e as relações intra e interpessoais. A estrutura das sessões começou com a observação do andar. Eles andam muito, o tempo todo e à toa. O movimento dos membros superiores é “armado” como se protegendo ou impossibilitado de soltar-se. O dos membros inferiores é arrastado. Não manifestam nenhuma gestualidade expressiva. É como se fossem partes de “nada” Eles não conduzem seus corpos. Eles arrastam seus corpos. Confirma-se a observação de Winnicott (1989) de que na esquizofrenia “há um leve traço que une corpo e mente”. 3.4 RUÍDOS As sessões de atendimento requereram muito cuidado. Internamente o grupo se desestruturava face ao inevitável. Enormes silêncios e olhares pedindo ajuda me envolviam. Senti a aridez do campo de estudo quando havia reincidência dos casos de surtos, fugas, ameaças de suicídio, agressão, contenção, ameaça de internamento, problemas com a policia. Tudo isto fragilizava demais o grupo. Muito difícil de lidar com a questão da sexualidade, namoro entre eles, relações homossexuais, efeitos colaterais da medicação. 89 Enfrentamos problemas quanto ao espaço físico já que usávamos o salão principal onde o fluxo de pessoas circulando é muito grande, visto as salas serem muito pequenas para as atividades necessárias. Havia sempre muito barulho e a necessidade do cuidado redobrado com a limpeza, pois executávamos tarefas e propostas no solo. Na realidade o atelier terapêutico se fez pela atividade prática quando era exercida e o grupo tomava conta do espaço físico. Grandes preocupações permearam o processo. Entre elas, como otimizar meus dados e melhor compreender e avaliar os resultados. Como lidar com novos dados: pacientes que estão de pré-alta e eu ainda precisava estar com eles e o que fazer e que procedimentos adotar com os que iam se encaixando com o processo em andamento. Angustiava-me estar só no estágio e não ter tempo para respaldar todo o trabalho com a respectiva fundamentação científica. 3.5 FORMATO DO ESTÁGIO Face às necessidades e aos dados colhidos o estágio foi assim formatado: Planejamento, Administração do espaço para as sessões e devido registro no livro de atas (rotinas do hospital). Observação, Sondagem. Abordagem e leitura de prontuários: Participação em Grupo Médico de Terapia Psiquiátrica: 15 sessões. O grupo é conduzido pela psiquiatra, atende familiares e pacientes e trata do esclarecimento sobre os transtornos mentais, o que são, como se apresentam, problemas comuns a todos, tratamentos, medicamentos e aconselhamentos em qualidade de vida. Atendimento de pacientes psiquiátricos em Sessões Completas de Arte Terapia. 84 horas. 90 Grupo I - fixo. 54 horas. Grupo II - flutuante. 30 horas Atendimento em Terapia Breve Individual. 17 sessões. Total 36 horas. Aqui a técnica do rabisco foi muito usada e apresentou bons resultados Atendimento em Terapia Breve Conjunta para clientes e familiares. 12 sessões. 3.6 MODELO DA SESSÃO APLICADA Sessão Oficina Criativa com bastão em 20de outubro de 2004. 1. Sensibilização: respiração, música suave. - reconhecimento do objeto: peso, formato, tamanho, resistência, cor, utilidade e outras características e significados que o material possa evocar. Sugerir também a descoberta em relação ao barulho que faz, ao ritmo que impõe, a adequação corpo-objeto. Deve ser feito na prática com o manuseio do objeto e oralmente de posse do objeto e explorando-o. Alguns minutos para uma exploração conjunta. Em seguida as falas um de cada vez. 2. Livre expressão: experimentação do objeto dentro das proposições: Aquisição de habilidades e apropriação de competências. Foco no equilíbrio: equilibrar o objeto na ponta dos dedos, acrescentar ao trabalho anterior um grau de dificuldade solicitando o deslocamento no espaço equilibrando o objeto. Fazer tentativas. A cada queda do objeto, um recomeço. Experimentações. Equilibrar-se com ajuda do objeto diminuindo a base de apoio em movimentos feitos com apoio do bastão no chão e sua sucessiva retirada 91 (passagem pelo desequilíbrio). Sugerir: meia-ponta, elevação de uma das pernas ao lado, elevação de uma das pernas acima com joelho flexionado. 2ª. Expressão Livre: Vivencia do apresentado. O sujeito está de posse do material (seja seu próprio corpo) para a realização de um trabalho. Experiencia o contato e a sensação dos materiais. De seu corpo consigo e com o outro. Buscar a relação corpo objeto e estados emocionais despertados. Incentivar a liberdade no manusear para despertar a formação de imagem, muitas vezes carregada de sentimento ou emoção. Aciona-se um saber fazer. O corpo se impõe. Ele limita, mas ao mesmo tempo sugere outras infinitas formas para os conteúdos. Insistir. Verificar limites e possíveis superações nas experimentações dando formas ao corpo e desenhando no espaço. Brincar com o objeto. 3. Elaboração: após o conhecimento anterior, tentar uma ordenação da ação que for proposta acrescentando novas possibilidades. Aparecem as relações pessoais corpo-objeto. Aqui deve aparecer o afeto. O sujeito de si para si, reconstruindo a ação apoiado nas significações que o objeto evoca. Deixar o cliente livre. Partir da vivencia individual para a conjunta. A consciência corporal vem vindo para o Express. Relações objetais, livre associação. Forma e conteúdo. Sensopercepção. A arte do EU – materialização e significações ou re-significações. Aproveitar o que o cliente materializa no tempo e no espaço. Encontrar-se com ele no seu mundo. Neste momento ele pode ser ajudado. Deve ser o Express. Um novo gatilho detonador de conhecimento. 92 Em seguida 2 a 2 vivenciar um confronto com limites, usando o bastão e tomando cuidado para não machucar o colega. Trazer a agressividade em forma de luta. Atacar e defender. Resistir. Respiração antes de passar para fase seguinte. 4ª. Transposição de linguagem: passagem dos conteúdos para uma nova linguagem. Registrar a experiência vivida. Estimular para que seja espontânea. Registros gráficos e visuais. Materiais: lápis cera, lápis de cor, hidrocor. Aqui pode haver transposição oral. 5. Avaliação: oral, com condução das reflexões e livre para os que quiserem se manifestar. Recomposição das etapas processuais, o que permite que a aprendizagem produzida seja tornada consciente e que os aspectos terapêuticos se tornem mais consciente. 3.6.1 Relatório da sessão Relatório da sessão acima com o bastão onde observamos a passagem do cliente C. pelo nível perceptual afetivo quando na transposição da linguagem escreveu “mamãe eu te amo”. Fig. 3. 20/10/2004 No trabalho de 2ª feira (com as cadeiras) eu já percebia as mudanças. Estamos a 3 meses juntos. C. com a maior dificuldade quanto ao domínio espacial e lateralidade. Estimulei, acompanhei de perto, de forma lúdica consegui envolve-lo e ele participou da atividade até o fim. Muitas vezes parece desatento, desmotivado, ausente. Além das dificuldades pessoais é como se fugisse. Tenho observado que algumas vezes sorri consigo mesmo e já sorri também com os colegas. Também tenho observado 93 que ele tem melhores resultados quando a atividade sensório motora é mais intensa e abarca um número maior de solicitações motoras com pouco envolvimento afetivo. Na transposição da linguagem é como se não fosse capaz de estabelecer vínculo com a tarefa. Nega-se a entregar-se a si mesmo. Seja na linguagem corporal seja na visual. Tenho trabalhado após os 2 primeiros meses com uma metodologia mais “invasiva”. Considero como um “corte epistemológico”. Na fase anterior eu resgatava, fundamentava e procurava a re-significação. Penso que eles mesmos me fizeram avançar. Tenho trabalhado o desafio pessoal, solicitando capacidades que exigem mais envolvimento, coragem, confiança para “forçar” a entrega a si mesmo e ao grupo. C. responde melhor assim. Ele dá sinais. Ele sempre tem se negado a passar pelo “perceptual afetivo”. Só desenhava figuras geométricas, quadrados. Não escrevia nada. Os trabalhos mais intensos a nível sensório motor mexem com ele. Ele põe para fora. Hoje trabalhamos com o bastão. Mesmo com poucos resultados satisfatórios nas solicitações com ênfase mais no domínio motor, durante a sessão ele passou pelo perceptual afetivo. Na transposição para linguagem visual escreveu “mamãe eu te amo”. C. tem esquizofrenia indiferenciada. Nos finais de semana quebra tudo em casa. Já há um mês não tem quebrado. Fico esperançosa. Já há 1 mês também trabalho técnicas mais fortes. Chegamos a trabalhar agressividade com o bastão. Por solicitação deles mesmos. Foram feitos acordos no trato um com o outro para evitar machucar o parceiro na vivencia. De 2 a 2 passaram pela experiência obedecendo aos limites do corpo do outro. Da proposta de ter cuidado com o outro. O material machuca e isto não pode ser modificado. Você tem que se adequar para interagir. ”Todo, sistema evolui e o aprender pressupõe transformação e transmutação” (ALLESSANDRINI, 1996). 94 No trabalho com o bastão também objetivamos o equilíbrio. Pelos resultados de C. vemos que houve aprendizagem. Observo que se aplica o Critério de Equilíbrio de Battro. Reversibilidade e Reversibilidade Operatória. (BATTRO, 1978 apud ALLESSANDRINI, 1996, p. 215). Reflito: passar pelo perceptual afetivo, implica na possibilidade da Reversibilidade e Reversibilidade Operatória e também implica Transformação. De acordo com Lalande (1993, apud ALLESSANDRINI, 1996). Transformação [...] operação pela qual se substituem um a um os termos de um primeiro sistema pelos termos de um segundo sistema que lhe correspondem de uma maneira unívoca e recíproca [...] as transformações implicam reversibilidade [...]. Para Piaget e Inhelder (1979) toda ação consiste em transformar um objeto ou em compará-lo a outros. A própria transformação já implica comparações entre os estados sucessivos por ela realizada no objeto e também entre os estados inicial e final desse objeto. Por sua vez, as comparações não modificam os objetos ou estados em confronto, mas implicam transformações das relações sujeito-objeto, enriquecendo tais relações com novas correspondências (ALLESSANDRINI, 1996, p 124). 3.6.2 Recorte: observação cliente C. – Esquizofrenia Indiferenciada. Cliente C. CID 20.3 Registros no hospital em 23/06/2004: Internado 20 dias em 2003. Já foi atendido na emergência várias vezes. Já tentou suicídio duas vezes com medicamentos. Em crise já bateu nos pais. Tem medo do escuro e não sai só. Conduta prevista pela Psicologia: estimular autonomia e verbalização do paciente através de contatos verbais, atribuição de tarefas e de orientação da mãe. Prevê-se que dentro dos limites de seu diagnóstico o cliente possa desenvolver algum grau de autonomia e um padrão mais elevado de comunicação e integração social Apresentamos como resultados obtidos desenhos do cliente C. que por três vezes transitou no perceptual-afetivo. Foi possível registrar uma vez em cada fase 95 1ª FASE 11/08/04 RESGATE E RE-SIGNIFICAÇÃO 3ª SEMANA 4ª SESSÃO FIGURA 2 - Sessão oficina criativa com as atividades: no inicio recorte e colagem de revista, em seguida vivenciais corporais e ao final transposição de linguagem (oral com falas sobre a imagem recortada inicialmente e desenho como registro). FIGURA 3 – Sessão oficina criativa: atividades com bastão. Modelo da sessão no item 3.6 Ver relatório item 3.6.1 96 Cliente C. 3° fase 24/11/04 20° semana O todo e as Partes FIGURA 4 – Sessão terapia individual após terapia conjunta. Propus a C. que me desse um presente já que íamos nos despedir na semana seguinte. Desenhou uma caixa com laçinho. Insisti pedindo que me mostrasse o que tinha na caixa. Desenhou um anel. Escreveu: Para Teka. Esforçouse e colocou a data. 3.7 OUTROS REGISTROS Considero muito importante deixar registradas algumas reflexões contidas nos relatórios da semana de 18 a 21/10/2004. Eu estava no “olho do furacão”. Comecei a entender que muitos indícios tinham sido dados eu é que não havia percebido! Vi minhas limitações! Mergulhei profundamente no processo e acreditei. A partir destas observações comecei a delinear a 3ª fase e última fase. Iniciei a proposta de como encerrar o estágio já que foi marcado o módulo de apresentação e supervisão para 12 de dezembro. Eu encerraria o estágio, mas ficaria ainda até as comemorações do natal. Outro momento muito duro foi deixar o hospital, deixar os clientes. Resta-me 1 mês mais ou menos de estágio. Decidi encerrar o 1º e o 2º capítulo de minhas observações que se constituiu do resgate das formas básicas de 97 locomoção (individuação); associei diversas técnicas tentando caminhar no perceptual afetivo. Algumas vezes obtive êxito. Desde a semana passada iniciei o trabalho de execução de seqüência de movimentos. Coreografia. Hoje vou iniciar o improviso rítmico. Vou permanecer nestas 2 propostas. Na seqüência de movimento trabalho com movimentos ordenados por mim. Insisto na compreensão de alguns parâmetros de execução como: coordenação, precisão, ritmo. Verifico aspectos como lateralidade, domínio espacial, percepção rítmica. Corpo diálogo linguagem começou a aparecer na 2ª feira dia 18, na composição livre em dupla com limite da cadeira (Express e relações objetais, livre associação). A cadeira é facilitadora da função de interiorização. Ela evoca as rotinas dos rituais modernos. Provoca o imaginário e o simbólico também. A organização espaço temporal solicita consciência corporal, domínio espacial (propriocepção), ritmo, sentimento grupal, harmonia. Quero que apareça o mundo dos fazedores, a articulação entre os possíveis sentidos. A cada avanço que o grupo apresentava eu partia para uma “nova” intervenção. Selecionava técnicas após a reflexão do ocorrido. Sentia-me estimulada à ousadia. Pensava em como continuar. Sentíamos-nos bem juntos. Esqueci que eles têm transtornos. Percebi que se abriu uma nova fase. Vi que podia aplicar intensidades diferentes. Com muito cuidado, mas podia. Também não me importava com o remédio. Passei a pensar que se era o que eles produziam esta é a realidade. Se vão usar do medicamento para sempre eu 98 tenho que atuar e reconhecer nas minhas observações e reflexões que há uma capacidade de atuação minha e deles frente a vida. E esta tem que ser aproveitada. A reorganização do ser em si durante o trabalho de 2ª feira (composição de formas, em duplas, nas cadeiras) foi importantíssima. Um momento chave. Houve para alguns a superação dos transtornos mentais. Estavam inteiramente presentes na atividade. A tarefa consistiu em 2 a 2 utilizando as cadeiras, fazer espontaneamente uma composição de formas com o próprio corpo mais o corpo do colega. O trabalho foi conduzido com palmas. A cada palma correspondia um deslocamento da dupla que se encontrava numa cadeira para outra e nela juntos compunham uma forma integrada sem usar a fala. Hoje percebi que a maioria passou pelas 4 fases do ETC. Foi muito bonito. Pena não poder fazer um registro oficial em gravação de vídeo. Temos 3 meses de trabalho. Estavam presentes clientes que estão comigo desde o inicio do meu estágio. Vi um progresso significativo. Posso dizer que percebi uma re-apropriação dos próprios movimentos. Houve uma re-significação sim dos próprios movimentos e suas relações com o outro. Foram criativos. Apresentaram certa agilidade na execução. Houve momentos de alegria. Manifestaram-se algumas habilidades necessárias ao desempenho com prontidão, estado de alerta, dinamismo, determinação na execução. Lançaram mão dos saberes corporais. Muita diferença. C. é o caso mais grave. Vivenciou o caos. A desordem espacial. Foi muito bom vê-lo e ajuda-lo a sair de si. Se permitir o erro sem medo. Decidi continuar o corte. Ser mais incisiva. Ao encerrar devo dizer que os indícios de validação apontam para resultados que podem ser encorajadores e merecem continuidade do estudo. 99 Devo deixar claro que neste estágio a metodologia foi aplicada com clientes do Hospital dia que também estavam inseridos nos demais grupos de terapia e atendimento médico e psiquiátrico. 3.8 A META E OS INDICADORES DE MUDANÇA A meta proposta e alcançada neste estudo foram as mudanças favoráveis nas atitudes do cliente. Indicadores: Melhorias nas atitudes corporais como: postura, melhor organização espaço temporal. Melhoria nos relacionamentos: conversam entre si, mostram curiosidade pelo trabalho do outro, cooperam. Melhorias no humor: manifestam bem estar na sessão, comparecem espontaneamente, sorriram algumas vezes. 3.9 AS CONCLUSÕES E RESULTADOS A metodologia apresenta indícios de ser eficiente. Nas três fases apresentam muitas dificuldades. Na segunda fase do processo a proposta parecia quase inatingível. Linguagem corporal e ritmo são necessidades urgentes. Reagem melhor as intervenções mais intensas (corte epistemológico). Os resultados são muito lentos. Seis meses é pouco tempo. Dificuldade de registro documental. 100 CONSIDERAÇÕES FINAIS Consideramos que a Arteterapia ao elencar as técnicas das atividades sensório motoras e das artes do movimento deve ser compreendida como Arte para a Saúde, bem estar e qualidade de vida. Os resultados são escassos ainda, mas foram garimpados com zelo, ternura, uma enorme dedicação e fidelidade ao que foi proposto respeitando as ligações entre arte, ciência e ética. A própria palavra arteterapia remete ao “fazer saúde com e através da arte”. Se é arte tem o dado filosófico e estético. Ora, não sabemos precisar e mensurar o quanto o dado estético contribui positivamente e efetivamente para a auto realização e saúde do homem, mas precisamente o contrário, ou seja, o não estético como sujeira, lixo por toda parte, pichação, esgotos a céu aberto, poluição, espaços minúsculos para viver e índices alarmantes de várias patologias presentes no dia a dia das nossas cidades, isto nós sabemos o quanto impregnam, deixam marcas no corpo e são fatores de adoecimento. Construímos na surdina do cotidiano memórias de um dilaceramento interior conflitante entre o afeto e a banalização dos sentidos no mundo objetivo. Isto se reflete no pouco caso com o corpo e contribui de forma cruel para a violência. Na aceitação de hábitos e rotinas totalmente incompatíveis com a saúde e com o bem estar constata-se uma “alienação” do próprio corpo. Há uma cultura massificada opressora e estressante de falsos “super-homens”, sucessos individuais espetaculares onde o SER não atende mais suas expectativas pessoais conjugadas a sua expressividade e sim vive a ansiedade permanente da correspondência ao modelo, não há tréguas. 101 Penso que vemos desmoronar toda uma visão de “belo inútil” relacionado a arte que a visão mecanicista impôs. O que é “o belo” realmente face ao que se apresenta hoje? Ao propormos arteterapia como arte para a saúde, sabemos que a arte traz o imaginário, o dado simbólico, mas o movimento humano também tem o dado de realidade como o dado biomecânico e fisiológico essencial a vida deste corpo, à homeostase. Corpo tem e faz movimento com arte, delinea-se no espaço a forma da saúde, é a energia da vida se expandindo numa composição de forças com o universo. Este corpo precisa de um desenvolvimento saudável para viver a experiência cultural da sua própria espécie, a humana, que vive em grupos sociais. Então é compreender a arteterapia também no aspecto do desenvolvimento pessoal e situá-la lá onde o ser humano se insere, no sócio cultural. Negando a banalização da Vida, segundo Nahas (1998, apud ROEDER, 2003) agregam-se à expressão Qualidade de Vida fatores como estado de saúde, longevidade, salário, satisfação no trabalho, relações familiares, disposição, prazer e espiritualidade. Outros fatores como auto-estima, a autonomia e a dignidade também são considerados por ele como expressões relacionadas à qualidade de vida. Complementa-se a definição da OMS. Pensamento holístico. A arteterapia por se propor a trabalhar o ser humano como um todo nos dá a dimensão da importância do trabalho terapêutico de unicidade corpo-mente. Ao trabalharmos o movimento humano sob o enfoque da arteterapia podemos dizer que trabalhamos sensações, diferentes tipos de emoções e imagens, afetos, percepções, pensamentos e ações. Na arteterapia trabalhar o “corpo e o movimento” favorece o estabelecimento de conexões neurais novas que vem a ampliar o campo das discriminações perceptivas e promover interações novas a nível intrapessoal e 102 interpessoal, potencializando a ampliação da consciência e, por conseguinte conduzindo a homeostase (equilíbrio). Parece que podemos falar de inteligência do movimento na associação de forma que o corpo descreve no espaço e as possibilidades de construção cognitiva trazendo o movimento para a consciência de forma organizada no tempo e espaço. Isto nos parece um excelente recurso terapêutico. Treino para a autonomia. Responsabilidade por si, pela auto cura, esclarecimentos íntimos sobre desejos, prazeres e dores. Desvelamentos da alma que quando materializados imprimem qualidade à ação. À luz do enfoque sistêmico vemos que esta condução à homeostase é um fator importante nos aspectos terapêuticos da cura, na re-inserção sócio comunicacional e também na qualidade de vida, seja do cliente no estado do “corpo doente”, seja no cliente “somático”, ou seja, mesmo na saúde do ser humano no trabalho e nas relações organizacionais e institucionais. Trabalhar a competência relacional em intervenções possíveis na área da saúde mental utilizando o movimento humano oferece ganhos na qualidade de vida. Precisamos instaurar o conceito da saúde como valor, o prazer de cuidar de si, do outro e do planeta. Promover a circulação e prática dos bens intangíveis, evitar a decadência e o abandono dos frutos do conhecimento. A nível pedagógico a preocupação com o desenvolvimento motor, técnicas e metodologias, não nos mantém afastados do campo do sensível, pelo contrário, ao buscar o expressivo parece que o desenvolvimento motor estabelece e facilita o trânsito do inconsciente e consciente e permite que ele aconteça. Parece que o problema é o como. Como se lança mão dos recursos disponíveis para este desenvolvimento satisfatório? Aqui nos deparamos com a subjetividade – o que é satisfatório? Afligem-me perguntas do tipo: por que a educação inclusiva considera 103 que é importante para os portadores de necessidades especiais jogar basquete? Porque estas crianças têm que aprender a dançar balé clássico? Será que não poderíamos deixar os próprios sujeitos viverem experiências e sugerirem maneiras e formas expressivas únicas por que só podem ser vividas por eles? Os jogos que os portadores de necessidades especiais jogam deveriam ser criados por eles bem como a dança em que seus corpos se encontram com expressividade no estado de “estar dentro e estar fora”. Compreendemos que a gama de atividades e técnicas que a arteterapia engloba incluindo a expressão corporal e artes do movimento, são recursos possíveis não só propiciadores de saúde e bem estar, mas também reintegradores da capacidade criativa às atividades de produção, gerenciando o estresse, o que vem possibilitar ao homem harmonizar suas angústias com suas expectativas de realização no mundo do trabalho. A PTME - Prática Terapêutica do Movimento Expressivo engajada na Arteterapia traz todo um potencial humanístico que disponibiliza esse “viver criativamente” tão necessário ao qual Winnicott (1998) se refere. Quando nos perguntamos sobre corpo e tecnologia refletimos sobre a ciber cultura com seu ritual moderno corpo máquina, posturas forçadas e excesso de estímulos e perturbações visuais. Se o corpo se afirma como hiper presença na condição pós-moderna e isto é atribuído às mídias e ao alto grau de desenvolvimento tecnológico, o efêmero tanto na linguagem corporal quanto na tecnologia são paradoxais: mais tecnologia mais o corpo se faz presente. Por outro lado caminhariam juntos no contraponto ao efêmero: querem a eternidade. Tentam aprisionar o tempo. Seria uma forma de eternidade? 104 Acontece que há uma integridade estrutural desse aparelho perceptointerpretativo ativo que somos nós. Nós não recebemos passivamente as mensagens que nos são endereçadas através da rede; não nos desprendemos da nossa realidade corpórea para daí estabelecer um novo sistema de decodificações de mensagens. Estamos irremediavelmente atrelados a esta condição carnal (CARDOSO, 1998). A arteterapia contribui diretamente para um cotidiano pessoal de auto expressão e auto realização por ser um canal de re-significações onde as experiências vivenciais desenvolvem e resgatam a auto estima, a motivação, a cura, a saúde e a ética. Juntam-se aqui os fazeres terapêuticos, pedagógicos, e educativos. A experiência vivida na Arteterapia nos mostra que este campo novo do conhecimento tem uma enorme aplicabilidade. A busca continua. 105 REFERÊNCIAS ARANTES, SM. A Arteterapia institucional. Monografia, Inst. Sedes Sapientiae. São Paulo, 2000. ACHOUR JR, Abdallah. Bases para exercícios de alongamento relacionado com a saúde e no desempenho atlético. Londrina-PR: Midiograf, 1996. ALLESSANDRINI, CD. Sistemas complexos no desenvolvimento de competências: o papel dos valores humanos no aprender melhor. In: Anais. V Congresso Brasileiro de Psicopedagogia. São Paulo, 2000. ______________ et al. Tramas criadoras na construção do “ser si mesmo”. 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Especificações/Datas Atitude ao chegar Como ficou durante a atividade? Sim/Não Relacionou-se com o colega? Relacionou-se com a arte terapeuta? Gosta do que faz? Como está quando vai embora? Como ficou o trabalho final? Passivo e sem movimento Quieto demais Ativo (mostrou-se interessado) Muito agitado; mexe em tudo. Concentrou-se? Fez com cuidado? Fez bem feito? Arrumou o material depois? Brincou Brigou Bateu Conversou Trabalhou junto Gritou Conversou Perguntou sobre alguma dúvida Pediu ajuda Deu sugestão Diz que está: feio ou bonito? Pede outra folha Rasga Joga no lixo Quer levar p/ casa Feliz Bem/Sereno Agitado Quieto Triste Bonito Feio Inteligente/Original Bem feito Mal feito Criativo 112 ANEXO B PROJETO: ARTES DA VIDA, PROCURA E CURA. Atelier Terapêutico em Clínica Psiquiátrica (Jul a Dez/2004) Profa. Teka Salle PLANO DE TRABALHO CARGA HORÁRIA 192h UNIDADES DE TRABALHO 10h UNIDADE DE TRABALHO 1 Planejamento e procedimentos administrativos UNIDADE DE TRABALHO 2 Observação, Sondagem. Abordagem 10h 15h GI -54h GII-30h (84h) UNIDADE DE TRABALHO 3 UNIDADE DE TRABALHO 4 ATIVIDADES POPULAÇÃO Jul Participação em Grupo Médico de Terapia Psiquiátrica: 15 sessões Sessões Completas de Arte Terapia 36h UNIDADE DE TRABALHO 5 Terapia Breve Individual 37h UNIDADE DE TRABALHO 6 Terapia Breve Conjunta Ago Set Estagiário Psiquiatras, Psicólogos, TOs enfermeiros e apoio. X X Estagiário Clientes e familiares X X X Grupo I Grupo II clientes Clientes Estagiário, Psiquiatra Clientes familiares Clientes Familiares outros Out Nov Dez X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X Durante abril e maio foram feitos contatos com a direção, apresentação do projeto e encaminhamentos. 113 SALLE, Teka. PTME – PRÁTICA TERAPÊUTICA DO MOVIMENTO EXPRESSIVO saúde mental e artes do movimento na arteterapia / Teka Salle – Belém, 2005. 112p. Monografia (Especialização em Arteterapia) – Universidade Potiguar. Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação Lato Sensu. Alquimy Art. 1. Arteterapia 2. Saúde Mental 3. Atividade Sensório Motora.