FICOU COMO PARTE 1

Transcrição

FICOU COMO PARTE 1
UnP – Universidade Potiguar
Alquimy Art
Curso de Especialização em Arteterapia
PTME – PRÁTICA TERAPÊUTICA DO MOVIMENTO EXPRESSIVO
saúde mental e artes do movimento na Arteterapia
Teresinha de Jesus Rodrigues Ferreira
Nome Artístico: Teka Salle
Belém
2005
1
TERESINHA DE JESUS RODRIGUES FERREIRA
PTME – PRÁTICA TERAPÊUTICA DO MOVIMENTO EXPRESSIVO
saúde mental e artes do movimento na Arteterapia
Monografia apresentada à Universidade
Potiguar, RN e ao Alquimy Art, de São Paulo
como parte dos requisitos para a obtenção do
título de Especialista em Arteterapia.
Orientadora: Profa. Msc. Irene Arcuri
Belém
2005
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UnP – Universidade Potiguar
Alquimy Art
Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação Lato Sensu
PTME – PRÁTICA TERAPÊUTICA DO MOVIMENTO EXPRESSIVO
saúde mental e artes do movimento na Arteterapia
Monografia apresentada pela aluna Teresinha de Jesus Rodrigues Ferreira, nome
artístico Teka Salle, ao curso de Especialização em Arteterapia em 02/04/05 e
recebendo a avaliação da Banca Examinadora constituída pelos professores:
______________________________________
Profa. Msc. Irene Arcuri, Orientadora
______________________________________
Profa. Dra. Cristina Dias Allessandrini, Coordenadora da Especialização
______________________________________
Profª Esp. Eliane Souza de Deus Neto Almeida, Leitora Crítica
3
Para meus filhos,
Gisele
Roberto Diniz
Dolores Teresa
Rachid Diniz
e ao amor maior que nos une.
Ao meu pai Diniz Lopes Ferreira “in
memorian”.
4
Agradecimentos
Minha Gratidão:
À Minha Mãe.
Aos Meus Mestres, em especial para Irene Arcuri pelo encorajamento e confiança e
Eliane Almeida pelo entusiasmo e carinho.
À todos do Hospital Dia do Hospital das Clínicas Gaspar Vianna não só pela
contribuição aos meus conhecimentos, mas também pelo respeito e amizade que
me dedicaram.
Aos meus colegas de profissão e aos meus alunos pelas trocas humanas na dança
da vida.
Para C. (cliente do Hospital) e sua mãe por cada momento em que estivemos juntos.
„Ele nunca vai saber o bem que ele me fez‟
„Sei que não terei nunca a medida certa do que ocorreu nesse momento‟.
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RESUMO
PTME – PRÁTICA TERAPÊUTICA DO MOVIMENTO EXPRESSIVO
saúde mental e artes do movimento na Arteterapia
A PTME - Prática Terapêutica do Movimento Expressivo se constitui numa
metodologia e fundamenta a adoção e aplicação das atividades sensório motoras e
das artes do movimento na saúde mental e na Arteterapia. Apresentamos as bases
teóricas, as técnicas adotadas, os conteúdos e a base de formatação das sessões.
No decorrer do processo sua aplicabilidade se deu durante estágio supervisionado,
no atendimento ao grupo de clientes com transtornos mentais do Hospital Dia, da
Clínica Psiquiátrica do Hospital de Clínicas Gaspar Vianna do Estado do Pará. As
conclusões e resultados obtidos são aqui expostos. Incluímos ainda o respectivo
plano de trabalho, modelo de sessão e relatório, meta e indicadores de mudança. Os
indícios de validação se mostraram favoráveis e esta metodologia pode ser uma
excelente aliada no atelier terapêutico não só da Clínica Psiquiátrica, mas também
em outras instituições, escolas, empresas e clínicas, podendo ser aplicada em
atendimentos individuais ou em grupos.
PALAVRAS-CHAVE: Arteterapia, Saúde mental, Atividade sensório motora.
6
ABSTRACT
PTME – THERAPEUTIC PRACTICE OF THE EXPRESSIVE MOVEMENT
mental health and arts of the movement in Arteterapia
The PTME - Therapeutic Practice of the Expressive Movement is a methodology that
provides foundation to the adoption and application of the sensorial-motor activities
and of the arts of the movement in mental health and in Art therapy. We present the
theoretical base, the techniques adopted, the content, and the formatting base of the
sessions. Along the process, these concepts were applied during a supervised
training which provided care to a group of patients with mental disorders at the
Hospital do Dia of the Psychiatry Clinic of the Gaspar Vianna Hospital of Pará State,
in Brazil. The conclusions and results obtained in the process are presented in this
work. The work plan, models of sessions and reports, goals and indicators of change
have also been included. The validity indications proved to be favorable and this
methodology may be an excellent contribution to the therapeutic environment not
only at the Psychiatry Clinic, but also at other institutions, schools, companies, and
clinics. It may also be applied with individuals or groups.
Keywords: Art therapy, Mental health, Sensorial-motor activities.
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SUMÁRIO
RESUMO .............................................................................................................
5
ABSTRACT .........................................................................................................
6
TRAJETÓRIA PESSOAL ....................................................................................
9
ENCONTRO COM A ARTETERAPIA .................................................................
12
INTRODUÇÃO ....................................................................................................
16
CAP. 1 - ARTETERAPIA COMO ARTE PARA A SAÚDE E QUALIDADE DE
VIDA ....................................................................................................................
23
Corporeidade, ciência, arte e arteterapia ........................................................
23
Arteterapia, saúde como arte e valor cultural ................................................
28
O adulto saudável e capaz de viver uma experiência cultural, Winnicott ...
30
A cultura de saúde e a qualidade de vida na arteterapia ..............................
32
Recursos artísticos e aspectos pedagógicos e terapêuticos .......................
34
CAP. 2 - PTME - PRÁTICA TERAPÊUTICA DO MOVIMENTO EXPRESSIVO.
37
2.1 BASES TEÓRICAS.......................................................................................
37
2.1.1 O expressive therapies continuun .........................................................
37
2.1.2 A parceria psicossomática de Winnicott ...............................................
39
2.1.3 Movimento Humano realidade e simbolismo ........................................
41
2.1.4 Consciência Corporal ..............................................................................
45
2.1.5 As Oficinas Criativas de Allessandrini ...................................................
49
2.1.6 As atividades sensório motoras e a arte da dança ...............................
52
2.2 TÉCNICAS ....................................................................................................
56
2.2.1 Respiração ................................................................................................
57
2.2.2 Relaxamento .............................................................................................
58
2.2.3 Alongamento ............................................................................................
60
2.2.4 Jogos Interpretativos ...............................................................................
60
2.2.5 Improviso corporal e sonoro ...................................................................
61
2.2.6 Dança .........................................................................................................
62
2.3 DOS CONTEÚDOS A APLICAR E BASE DE FORMATAÇÃO DAS
SESSÕES ...................................................................................................
69
8
CAP. 3 - RESUMO DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO .....................................
82
3.1 REFLEXÕES .................................................................................................
82
3.2 OS GRUPOS, CARACTERÍSTICAS E QUESTÕES ....................................
84
3.3 A ATUAÇÃO, AS QUESTÕES PESSOAIS E CONDUTA ............................
86
3.4 RUÍDOS ........................................................................................................
88
3.5 FORMATO DO ESTÁGIO .............................................................................
89
3.6 MODELO DA SESSÃO APLICADA ..............................................................
90
3.6.1 Relatório da Sessão .................................................................................
92
3.6.2 Recorte: observação cliente C. – Esquizofrenia Indiferenciada ..........
94
3.7 OUTROS REGISTROS .................................................................................
96
3.8 A META E OS INDICADORES DE MUDANÇA ............................................
99
3.9 AS CONCLUSÕES E RESULTADOS ...........................................................
99
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................
100
REFERÊNCIAS ...................................................................................................
105
ANEXO A – FICHA DE OBSERVAÇÃO INDIVIDUAL .......................................
111
ANEXO B – PLANO DE TRABALHO ................................................................
112
9
TRAJETÓRIA PESSOAL
Eu sempre dancei. Sou um Ser Dançante! Ainda pequena dançava em todo
lugar. Em casa, na rua, na escola. Minha qualidade energética flui e me permite
vivenciar uma consciência organizadora.
Minha imagem tornou-se pública pelas vivencias no palco e por uma postura
a favor da dança e das manifestações expressivas como necessária nos diálogos
das nossas comunidades acadêmicas.
Minha área de conhecimento é a educação física, a dança, a corporeidade.
As artes do movimento. Como fundadora da APAD - Associação Paraense de Dança
e sua 1ª Presidente em 1990, mobilizei esforços com a categoria para desenvolver
junto a Secretaria de Cultura do Estado uma política cultural voltada não só para os
aspectos da produção de espetáculos, mas principalmente promover a circulação de
bens intangíveis como a dança em espetáculos públicos gratuitos. Vejo o quanto a
dança pode avançar a partir daí. Todo um movimento de grupos de dança,
independentes das academias, com uma estética diferenciada, começou a surgir.
Aproximando a dança da vida das pessoas também foi possível disseminar novos
conceitos de saúde e bem estar. Sinto-me muito bem por ter feito isso.
Belém
do
Pará,
cidade
fora
dos
grandes
centros,
me
obrigava
permanentemente a viajar e assim minha formação se deu em Rio, São Paulo, New
York entre outros. Cursei as técnicas clássica, moderna, contemporânea, Jazz e
dança-teatro ou teatro do movimento. Fiz cursos no Ballet Stagium, Cisne Negro,
Ruth Rachou, Lennie Dale, Mercedes Batista (dança étnica), Eugenia Feodorova
(clássico, escola russa), na PUC RJ Expressão Corporal com Maria Pompeu, e na
Escola de Dança de Joshei Leão primeiro bailarino do Teatro Municipal de SP (onde
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me formei em bailarina e professora de dança clássica). Em paralelo estudei os
meios e métodos da preparação física. Ouvia falar nas grandes companhias do
mundo da dança que revolucionavam os discursos corporais e por duas vezes fui
estudar nos E.E.U.U. Em New York por três meses fui estudar o Grahan Tecnique
com Martha Grahan no Contemporary Dance Center. Também estudei com Alwin
Ailey, Mercê Cunnigham (movimento pelo movimento), Twila Tharp e Jô Jô Smith.
Com formação superior em Educação Física pela Univ. do Estado do Pará e
Especialização em Ciência do Treinamento Desportivo de Alto Rendimento na
Universidade Gama Filho no Rio de Janeiro, trabalhei a maior parte de minha vida
lotada no Centro de Educação, Departamento de Educação Física da Universidade
Federal do Pará. Iniciei na universidade como bailarina aos 15 anos integrando o
Grupo Coreográfico; eu já aprendia dança desde bem pequena. Depois lecionei para
o Curso Superior de Educação Física e para as Escolas de Música, Teatro e Dança.
Fui preparadora física, técnica, coreógrafa e diretora do grupo coreográfico e de
expressão corporal. Trabalhava também com espetáculos de performance e
paralelamente tinha um Studio de Dança onde me permitia experimentações e novas
metodologias. Em 1980 já corria atrás de novas linguagens. O corpo expressivo e
suas re-significações. Nas performances rompi com os códigos estéticos prontos.
Comecei a colocar em cena a dança-teatro onde podemos na coreografia abrir mão
da rigidez corporal técnica e investir na expressão corporal como recurso expressivo.
Nas minhas composições coreográficas apareciam temas fortes e atuais diretamente
ligados ao cotidiano, ao urbano de nossas cidades. No enfoque principal, o homem,
sua poética e seu corpo consciente.
Integrei a equipe acadêmica do estágio de Psicologia Organizacional no
Hospital Bettina Ferro da Universidade Federal do Pará (2002-2003). Foi um contato
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muito proveitoso. Num entrelaçamento de propostas posso dizer que nossos
trabalhos foram “lindos”, enriquecedores. Com eles vivi o dia a dia das dinâmicas de
grupo. Organizávamos-nos no preparo das sessões procurando colocar as
intervenções corporais nos momentos precisos. Aprendi muito e vi que entre nós
havia um consenso: a necessidade de um trabalho corporal mais constante e
sistemático. Sentíamo-nos muito bem. Na mesma época eu também aplicava o
Projeto de minha autoria aprovado pelo Pró-Reitoria de Extensão intitulado: “Cultura
de Saúde – o lúdico e o cultural na intermediação da produtividade e qualidade de
vida” (2000-2001). Nele já apareciam os saberes e vivências corporais como recurso
pedagógico e a preocupação com a saúde física e mental. Este projeto foi
trabalhado juntamente com a proposta do “Programa de Criação dos Espaços de
Convivência” da administradora Gina Pazzianese da Prefeitura do Campus do
Guamá e foi premiado entre os 10 melhores da administração pública em Brasília.
Reflito que algo já me encaminhava para a compreensão da Arte como terapia. Ao
encontrar o curso de pós-graduação em arteterapia vi que não estava só.
Professora Adjunto 4 aposentada (2003) da Universidade Federal do Pará
sou profissional reconhecida, com o nome artístico de Teka Sallé nas áreas da Artes
Cênicas, Educação Física e Saúde. Hoje também estou concluindo a especialização
em Saúde e qualidade de vida do trabalhador pela Universidade do Estado do Pará
e trabalho como instrutora e facilitadora das técnicas de vivências corporais,
psicocinética e laboratório das artes do movimento visando consciência corporal,
criatividade, gerenciamento da emoção e enfrentamento do stress em Programas de
Recursos Humanos, Desenvolvimento Pessoal e Produtividade, Saúde no Trabalho
e Qualidade de Vida. Também ministro oficinas, cursos de dança, processos
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criativos e composição poética coreográfica e monto coreografias. Tenho insistido
em colocar nestas áreas e em meus trabalhos a Arteterapia.
Recebi 3 prêmios nacionais, vários locais e homenagens inclusive do governo
estadual por relevantes serviços prestados a arte e a cultura do nosso Estado. Em 4
de fevereiro recebi a homenagem que muito me sensibilizou: fui chamada para
inaugurar no Campus de Castanhal da Universidade Federal do Pará (onde funciona
o Curso Superior de Educação Física), uma sala com meu nome artístico Teka Sallé.
Fiquei muito feliz por me perpetuar através dos meus estudos e de meus trabalhos
dentro de uma área tão difícil e que hoje mais do que nunca, com as mudanças de
paradigma e com os avanços da ciência se faz tão necessária.
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ENCONTRO COM A ARTETERAPIA
Fevereiro 2003. Quando um outdoor muda tudo.
Tinha pedido minha aposentadoria da Universidade Federal do Pará há
menos de 15 dias. Precisava de um novo caminho profissional. Um olhar novo ou
um novo foco sobre velhas questões, mas sempre novas inquietações como é
próprio de minha maneira de ser.
Digo que o outdoor me encontrou sozinha, atrás da vidraça do carro parada
num semáforo. Digo que encontrei no outdoor não só a oferta da pós-graduação em
Arteterapia, mas o chamamento.
Juntaram-se as duas dificílimas palavras em meu cérebro: Arte e Terapia e
ampliaram-se possíveis dotações de sentido aos meus conhecimentos quer no
campo do vivido quer no campo do pensado.
Veio a reflexão: como fazer terapia com os recursos expressivos da arte se as
artes são tão pouco valorizadas? Mesmo com a indagação pensei – tem valor para
mim. Meu Ser inteiro respondeu: é comigo e isto muda tudo. A decisão de fazer o
curso foi imediata. Ter dedicado minha vida à prática e aos estudos da arte da dança
foi a responsável por esta atitude.
No curso o encontro com algo sempre pressentido, mas que permanecia
intocado, em potencial, latente: meu ser terapeuta. Hoje posso dizer isto.
Havia uma clientela que sempre me procurava não pela performance, mas
pela possibilidade de trabalhar o corpo com outros métodos. Já desenvolvia meu
projeto de artes do movimento, o lúdico e o cultural na intermediação da qualidade
de vida dentro do Hospital Bettina na UFPA e lidava com grupo de diabéticos e de
mulheres com câncer de mama. Pude enxergar que também minha história de vida
era condizente com a proposta e não só a vida profissional. É como uma parceria
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silenciosa... Talvez uma conspiração para o “estar amoroso”, sentir-se bem, alegrarse consigo e com o outro, ir caminhando...
Estabeleceu-se um elo que sempre me pareceu muito necessário entre o
palco e a vida. Entre a artista, a dançarina e o público. Foi como transpor a distância
entre palco e platéia, foi como dar a mão para o desconhecido na platéia e juntos
dançarmos corporificando a consciência.
Meu encontro com a Arteterapia foi à própria sobrevivência do meu pensar e
fazer arte, a chance de re-encaminhar questões que, por serem extremamente
pertinentes para mim não pude e não quis abandonar. A persistência e a
determinação passaram a ser o indício de que pode ser válida certa forma pessoal
de sentir, perceber, pensar e agir. Manifestou-se em mim a terapeuta ao lado da
artista. Eu já fazia terapia familiar em Clínica Psiquiátrica e sentia falta de
procedimentos com foco nos saberes corporais. Lembrei que na época do vestibular
eu queria fazer medicina. Como não queria abandonar a dança, optei pela
Faculdade de Educação Física. Corpo e mente inseparáveis e a dança continuou
presente em mim.
As disciplinas e as metodologias todas muito bem apoiadas em suportes
teóricos científicos e práticas vivenciais me fundamentaram e sedimentaram meus
conhecimentos. Foi-me dada a oportunidade de desenvolver uma metodologia a
PTME - Prática Terapêutica do Movimento Expressivo, visando o resgate e o
desenvolvimento da consciência corporal e que é o objeto deste trabalho. Dessa
forma o curso me permitiu uma releitura do meu trabalho e abriu a possibilidade de
re-organizar todo o conhecimento adquirido ao longo da minha carreira trabalhando
com a corporeidade e suas múltiplas formas expressivas.
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Este feliz encontro comigo mesma me fez ser corajosa o suficiente para
propor fazer o Estágio Supervisionado no Hospital Dia da Clínica Psiquiátrica do
Hospital de Clínicas Gaspar Vianna cujo recorte aqui também é relatado.
Nestes 25 meses de curso, não só ordenaram-se e sistematizaram-se meus
conhecimentos, mas os passos da minha vida. Ganhou sentido aquilo que eu ainda
não sabia totalmente porque fazia e tudo o que já tinha feito ganhou um colorido
especial. Minha consciência se ampliou.
A dança é para mim a minha transcendência? Ou a dança para mim tem sido
a grande gerenciadora do sistema? Ela me fez chegar até a Arteterapia.
No meu encontro com a Arteterapia resgatei os valores nos quais me apoiei
quando ainda bem jovem fiz a escolha de minha profissão: professora de educação
física e dança. Na alquimia do meu coração com a ciência e a arte, emergiu meu Ser
Terapeuta.
Poder refletir sobre isso é uma vitória.
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INTRODUÇÃO
Este trabalho de monografia denomina-se PTME - Prática Terapêutica do
Movimento Expressivo, se constitui numa metodologia, e se originou da necessidade
de trabalhar a corporeidade e o movimento humano no atendimento ao grupo de
clientes do Hospital Dia, da Clínica Psiquiátrica do Hospital de Clínicas Gaspar
Vianna do Estado do Pará, quando do estágio supervisionado na pós-graduação em
Arteterapia. Por ter me dado indícios de validação vi que esta metodologia pode ser
uma excelente aliada no atelier terapêutico não só da Clínica Psiquiátrica, mas
também em outras instituições, escolas, empresas e clínicas. Pode ser aplicada em
atendimentos individuais ou em grupos.
Refere-se o estudo a fundamentar a adoção e aplicação das atividades
sensório motoras e das artes do movimento na Arteterapia. Adotamos o termo artes
do movimento por ter uma ênfase no movimento expressivo humano e suas
possibilidades terapêuticas e pedagógicas.
Em Arte Terapia evocamos o valor e a abrangência que a arte tem sobre o
Ser Humano: pensante, formador, construtor, sensível, consciente e
intuitivo. Como técnica terapêutica damos importância aos aspectos não
verbais assim como à estimulação dos processos cognitivos e expressivos
(SAADE 1997/98, apud ALLESSANDRINI, 1999, p. 24).
Segundo Dr. Liomar Andrade (2000) a palavra expressão compreende o
sentir e o pensar - um fazer integrado; ela deve substituir a concepção que temos de
arte que é do século XVII. Assim aceita a concepção, no nosso entendimento, a arte
passa a ser expressão.
Na Arteterapia temos o fazer arte enquanto expressão humana e o fazer
terapia principalmente apoiada nos recursos não verbais e nos processos criativos.
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A arte é a “coluna vertebral” da arteterapia e trabalha com a linguagem
expressiva e simbólica, onde todo o processo é pautado numa relação humanizada
que possa desvelar a afetividade e contribuir para o equilíbrio do eterno conflito
entre as necessidades individuais e as pressões institucionais. Utiliza recursos das
artes plásticas e visuais, grafismo, argila, toques, massagens, o movimento humano
e ainda outros conforme diagnosticada a necessidade do cliente, promovendo o auto
conhecimento e o desenvolvimento pessoal.
A arteterapia não se focaliza no aprimoramento e exigências técnicas e sim
numa produção espontânea e prazerosa que faça emergir o ser fazedor e seu
trânsito entre o inconsciente e o consciente. Na arteterapia não se pratica a
interpretação e sim se promove o desenvolvimento de trabalhos vivenciais
expressivos numa proposta de ampliação da consciência, de encontro do ser
consigo mesmo, com seus conteúdos e sua maneira particular de se colocar no
mundo.
A
arteterapia
parece
estar
reunindo
e
sistematizando
campos
do
conhecimento que são imprescindíveis ao viver, ao Ser Humano. Gera energia
organizada (corpo e mente), produz saúde e mais ainda permite ao ser humano
trazer o histórico social da sua própria espécie no encontro com a ampliação da
consciência.
No contexto terapêutico da arteterapia a significação de valor dado aos
aspectos não verbais e a criatividade ampliam as possibilidades das intervenções
através do movimento não só como atividade motora, mas também como linguagem.
A linguagem não verbal abre possibilidades para o criativo e motiva o homem a
expressar sentimentos e desejos na tentativa de harmonizar-se individualmente ou
grupalmente.
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Falar em criatividade como recurso terapêutico requer ter vivido a
experiência. Assim, descrevo abaixo meu encontro com o processo criativo e a
ampliação da consciência.
Como um processo que desvela relações significativas, poderia dizer que o
criativo na minha vida é a capacidade da descoberta de probabilidades de
transformação do potencial de um nível X de tensão interior em comunicação como
o meio exterior através da ação e materialização. Esta descoberta de probabilidades
implica em uma consciência onde o campo do vivido e o campo do pensado se
articulam propiciando a linguagem onde as potencialidades encontram a saída para
a materialidade, para meu encontro comigo mesmo e com o outro.
Profissionalmente trabalhando com as artes do movimento meu criativo se
encontra na percepção advinda da corporeidade com seus dados fisiológico e sócio
culturais. Uma consciência corporal, um fazer com a operacionalidade conjugada
dos campos afetivo, cognitivo e motor. Sei, por exemplo, que as elaborações
mentais e mesmo as idéias consideradas brilhantes nada significarão se não forem
executadas num tempo e num espaço que é próprio delas e que envolve uma
disponibilidade corporal e o viver deste corpo. Assim posso atribuir a concretude do
processo criativo também a uma inteligência do movimento.
Às vezes penso na consciência como tensão e relaxamento. Como um
processo de “correr atrás de si mesmo”. Uma consciência provocadora que sempre
quer mais e quando me tensiona me joga de encontro a mim mesmo até X e quando
me relaxa me torna receptivo ao mundo e as trocas comunicacionais acontecem.
Penso que a tensão e o relaxamento também dizem respeito ao que os estudiosos
denominam flexibilização do pensamento para que se instale o criativo. Se minha
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comunicação exterior é sempre carregada de excessos de estímulos geradores de
tensão e não me conscientizo disto, meu padrão de ação e comportamento fica
alterado o que deforma minha expressividade e provavelmente há a sabotagem de
meu processo criativo e, por conseguinte da minha ação. Eu não me recrio. Eu me
repito.
Eu sempre “vejo”, “sinto” como se o mundo estivesse todo em mim. Tudo
pode caber em mim.
Eu aceito o outro como real.
Se o mundo está em mim eu posso “trocar” com o mundo e a qualidade da
“troca” é superior. Um certo ir e vir que compreende um “tempo emocional” e me diz
que é possível, que está chegando, que está se apresentando, tomando forma,
gosto e cor... E quando percebo está lá.
Eu tenho o mundo em mim e eu estou nele, habito-o. Eu me dou formas e
sentidos através do movimento, do gesto, da ação. Meu corpo com o mundo dentro
de si, não se contém, eu danço (é o Express), eu quero ocupar os meus tempoespaços. E também se meu corpo não me contém, no meu Express o mundo me
recebe.
A cada movimento, gesto, meu viver transborda de mim e volta para mim,
lindo, poético, plácido e me agasalha e protege em mim.
É meu ser criativo em ação. São corridas para dentro de mim, para encontros
comigo e saltos para fora de mim. Criatividade.
Como a gênese do movimento humano o eterno contrair e relaxar, aqui
também coloco a questão do acaso e materialização na obra de Arte. Quando a
materialização se conclui seria o acaso do acaso? Há um gatilho detonador no que
dou a obra como acabada? Será que é aí nesse estágio que se instala uma
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passividade contemplativa? – eu me abstraio diminuindo a tensão do processo
criativo no momento conclusivo em que, parte dos meus conteúdos, prementes de
comunicação, já elaborados e materializados na obra “pronta” não são mais só
meus; encontraram eco e a partir daí, materializados me dão como retorno
avalanches de respostas ou perguntas ainda sem respostas.
Nessa gênese criativa passo pelo processo de equilibração majorante.
Observo que no processo criativo a auto organização depois de materializada
nos mostra incontáveis formas, modos de realizar a tarefa. Todos provavelmente
certos. Assim me encontro no mundo, forma e conteúdos.
Seria essa tensão uma forma do sujeito não só encontrar-se consigo mesmo
através da tensão interior, mas também se reencontrar como parte do sistema maior
homem mundo?
Há a certeza do engajamento do seu viver neste encontro de materialidades
exteriores e permissivas nas quais eu me completo e parto...
Nesta eterna caminhada de ampliação da minha consciência preciso da
parceria com meu corpo.
O processo vivido e tudo que dele apreendi são norteadores da metodologia
que proponho.
Em
minhas
experiências,
conforme
dito
anteriormente,
nos
grupos
terapêuticos sempre se apresentava à necessidade de um trabalho corporal mais
constante e sistemático. Estas constatações se fizeram sempre presentes nos vários
grupos com os quais trabalhei.
No capítulo 1, preocupei-me em fundamentar vida, corporeidade, saúde e
cultura por entender que a arteterapia, na sua visão holística, me permite a
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colocação destes conceitos bem como a articulação entre eles são dotadores de
sentido no desenvolvimento de meu trabalho. Explicita-los, situa-los a luz de
diversos autores, tem como propósito conduzir o pensamento e facilitar a
compreensão da PTME e dos recursos apoiados nas artes do movimento. Trabalhar
o movimento requer o “onde” se dá a perceber o fenômeno, interiormente e
exteriormente, ou seja, o corpo.
No capítulo 2 apresento a PTME - Prática Terapêutica do Movimento
Expressivo onde abordo as bases teóricas que fundamentam o procedimento e cujo
estudo e compreensão considero essenciais como a consciência corporal, as
atividades sensório motoras, a dança e seus benefícios e aplicabilidades.
No último capitulo faço um resumo do estagio supervisionado onde a PTME
foi aplicada.
Percebi a necessidade de me apoiar em vários autores estudados ao longo
da pós-graduação em arteterapia e trazer contribuições também de minha área,
Educação Física, Psicomotricidade e Dança.
Temos então uma referência lúcida quanto aos objetivos e como se dá o
suporte na aplicação do movimento na metodologia PTME - Prática Terapêutica do
Movimento Expressivo dentro da Arteterapia.
Penso que o alcance e os limites dos fazeres nas terapias precisam ser
aclarados para que possa se estabelecer uma maior competência em lidar com cada
um dos métodos e suas técnicas. O próprio profissional precisa fazer o exercício de
reconhecer em si a capacidade e competência maior de atuar em uma ou outra das
vertentes que se apresentam como válidas. Este é o motivo pelo qual escolhi as
artes do movimento, conforme minha trajetória profissional. Através da revisão da
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Literatura e subseqüente estágio em Clínica Psiquiátrica propomos uma metodologia
mais ampliada.
O trabalho contém sim uma especificidade técnica, mas com indícios para o
todo. A intenção não é fragmentar o processo, mas ampliá-lo.
Há uma confiança neste trabalho, mas uma humildade muito grande no seu
intento. Quero trabalhar a favor de uma terapia pelo movimento aliada as outras
técnicas do repertório da Arteterapia.
A relevância do estudo se dá face a possibilidade de complementação dos
trabalhos em arteterapia. Percebo que a faceta do movimento humano com olhar
terapêutico ainda é pouco trabalhada e há pouca literatura no Brasil. Certamente as
instituições e toda sociedade saem ganhando com um olhar diferenciado no trato
com o corpo.
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CAP. 1- ARTETERAPIA COMO ARTE PARA A SAÚDE E QUALIDADE DE VIDA
Contexto e reflexões sucintas:
Corporeidade, ciência, arte e arteterapia.
No exercício pessoal da reflexão sobre entendermos as artes do movimento
corporal expressivo na arteterapia como a Arte para a Saúde, bem estar e qualidade
de vida, quero situar questões relativas a vida, corpo, saúde e cultura para repensar
o trato com o corpo já que Vida implica em ter uma corporeidade. Vivenciar o seu
corpo já que é nele e através dele que tudo se manifesta. Como falar em saúde,
movimento e terapia sem falar em corporeidade e na sua ontogênese.
Apresento aqui as reflexões da Dra. Silvana Venâncio (1988, p. 130) durante
o I Congresso Latino Americano de Educação Motora que considero de suma
importância para poder trabalhar com o corpo e o movimento humano.
O corpo é a dimensão fundamental do homem, porque ele atesta a sua
existência (eu existo em meu corpo), ter um corpo é inscrever-se na cena
imperativa da vida e inaugurar-se como ser humano, inaugurar-se como
espaço, no espaço e no tempo. Tempo, esse fio invisível com o qual
tecemos nossa existência. Um – ser - aí – esta é a primeira contingência
que define minha facticidade. Assim chegamos a primeira dimensão
ontológica.
[...] o próprio corpo é um sensível que se sente, um visto que se vê um
tocado que se toca. Espécie de visibilidade do invisível. Assim sob esta
ótica, posso viver uma intimidade invisível diante desta visibilidade que sou,
onde o que sinto é inacessível em sua totalidade para o outro, só o sendo
para mim mesma. [...] Esta é a ambigüidade original que faz do meu corpo,
uma perspectiva dialética: ser sujeito/objeto. E mais, um e eu-outro, onde a
sua consciência intencional que é toda uma motricidade originária estaria na
raiz da relação eu-outro no momento que no outro me desdobro. Este
mesmo outro que constante e, incessantemente, alimenta minha
interioridade.
Meu corpo um ser no mundo é a fonte inesgotável de minha possibilidade
de relação com o mundo: assim, ele não é nunca um em si por ser esta
constante abertura a essa possível relação. Neste sentido é que meu corpo
não pode ser tratado como objeto no sentido de coisa; o objeto em si não
traz esta intencionalidade, este apelo em direção à, um fora dele, mas
minha corporeidade sim, e por isso, ter um corpo não é ser um objeto no
mundo, mas ele é o mediador de minha comunicação com o mundo. [...] eu
24
sou para o outro: define-se desta forma, a segunda dimensão ontológica do
ser do corpo.
Apontar a condição de reflexibilidade e visibilidade do corpo-próprio é
pontuar sua condição de sujeito objetos indivisíveis. Isto vem a ser a terceira
dimensão ontológica do ser, significa para nós, buscar uma nova
compreensão dele mesmo, do ser-homem. E mais, romper com tratamento
do sujeito e/ou objeto enquanto ciência dicotomizada em fatos psíquicos
internos e (in) compreensíveis por um lado e, por outro realidades físicas de
um corpo objetivável à devassa de uma ciência mecanicista. Ser uma
consciência ou, mais certamente, Ser uma Experiência, é comunicar-se
interiormente com o mundo, o corpo e outros, estar com eles em vez de
estar ao lado deles.
De certo deixo claro que não me baseio na dicotomia corpo-mente e sim na
sua integração e transcendência, mesmo que algumas vezes precise fazer
abordagens em separado para melhor elucidar minha reflexão.
A idéia de corpo reduzida a partículas de matéria nos faz colocá-lo no mesmo
espaço no qual situamos objetos externos e impossibilita a plenitude necessária à
corporeidade e Arteterapia.
Falar sobre isso me faz pensar em dois pontos importantes sobre os quais
sempre reflito: o distanciamento reflexivo exigido na ciência e ao mesmo tempo o
mito da neutralidade científica.
Todo o vigor de uma filosofia, de uma ciência e de uma civilização está na
capacidade de se fazer perguntas e na abrangência delas, mais do que as
respostas decorrentes. Desta maneira, a ciência, sobretudo na nossa
contemporaneidade técnica, carrega-nos para este beco sem saída, de
retórica, para a leitura via instrumentos que perfazem a ciência e permitem
uma determinada interpretação da realidade, com um recorte que lhe vem
dos seus próprios pressupostos e abandona no obscurecimento e na
distância os sentidos experienciados (ANDRADE, 2000, p. 25).
Arcuri (2004) em seu livro Memória Corporal fala desta visão fragmentada do
homem que é muito presente e como estamos impregnados dessa visão
mecanicista. Cita Capra (1997) admitindo o desafio da mudança do pensamento
linear para o pensamento sistêmico e constatando a realidade “que de fato estamos
25
diante de uma dificuldade”. Enfatiza o aspecto da memória corporal e a importância
de incorporar o trabalho corporal na Arteterapia.
Na sua metodologia T.E.C.T.C. - Técnicas Expressivas Coligadas ao Trabalho
Corporal ela investiga a memória corporal através das marcas do corpo e destaca a
importância do conjunto das técnicas da Arteterapia estarem conjugadas ao trabalho
corporal.
Chamarei de técnicas expressivas coligadas a trabalho corporal –
T.E.C.T.C. – a um conjunto de atividades: modelagem em argila, pintura,
desenho, expressão corporal, dança, yoga, relaxamento, etc. Este
procedimento possibilita uma nova reorganização psicofísica, pois a tomada
de consciência ocorre quando experimentamos nós mesmos como
criadores, como autores de nossa própria história. A produção advinda pelo
T.E.C.T.C. torna-se um processo ininterrupto e sempre inacabado, pois a
vida transborda o paciente (ARCURI, 2004, p. 31).
Arcuri nos coloca a refletir sobre a re-organização psicofísica num estado
vivido criativamente na corporeidade consciente. E “a vida transborda o paciente”,
derrama-se em eternas novas formas, movimentos, gestos no tempo-espaço que a
corporeidade atravessa ao estar fora, no mundo com o seu mundo.
A corporeidade considera a natureza da experiência como consciência que
habita o nosso corpo e essa experiência como vivida na constituição do corpo, uma
vez que esse é o “momento crucial na gênese do mundo objetivo”
[...] Como a gênese objetiva é apenas um momento na constituição do
objeto, o corpo, ao retrair-se do mundo objetivo, levara consigo os fios
intencionais que o ligam ao seu redor e, finalmente revelará o sujeito
percebedor como sendo o mundo percebido. (VENÂNCIO, 1998, p. 131).
Filosofando coloco aqui meu entendimento destes “fios intencionais” como o
movimento, o gesto. Na realidade, segundo Merleau Ponty (1994), há uma
intencionalidade comunicativa no corpo. As possibilidades simultâneas do tocar e ser
tocado, ver e ser visto, estar fora estando dentro, comunicações intensas que se
26
impõe no estado do viver o próprio corpo, modelando e re-modelando consciente e
inconscientemente as percepções do ser humano. Podem se tornar visíveis então,
os fenômenos emocionais. Ao corpo “criador de afetos” como emissor e receptor
simultâneo estão afeitas as expressões da motricidade humana e a elas vincula-se o
comportamento motor e o movimento do homem no espaço e no tempo. Aqui o
referencial para identificar a corporeidade passa a ser a vida. Uma arquitetura
corporal que os estudiosos denominaram de “corporeidade biológico expressiva”,
Santini (1998, p. 139):
[...] Recupera-se assim e em parte, a imagem de um organismo vivo. O
código genético é em resumo a arquitetura, ou a corporeidade de cada
corpo. [...] O poder auto-organizacional do ser vivo não emana de forças
físico químicas, mas da capacidade de emitir e receber mensagens. O ser
vivo cria sua unidade por um processo de comunicação informacional.
Assim, cada ser vivo é emissor/receptor, no dizer de Morin. Com passe
nesta forma de pensar podemos, seguramente, concluir que a corporeidade
biológica, já liberta do predomínio da física-mecânica, completa-se como
corporeidade expressiva ou lingüística.
Já a corporeidade simbólica, aquela em que o corpo além de uma entidade
concreta é também produto do imaginário humano é a arquitetura cultural do corpo.
Esta abordagem é muito importante na Arteterapia já que ela lança mão dos
recursos expressivos e artísticos. É o campo da cultura. Dimensão do Ser no mundo.
Nesta relação o corpo é o mediador; seus gestos e movimentos se apresentam
simbolicamente sem perder sua dimensão expressiva, viva, criativa, única e singular.
Temos então as expressões corporais, manifestações dançantes, a linguagem
corporal.
Ao abordarmos a corporeidade e a cultura Arcuri também chama atenção
para a fala de Featherstone (1998, apud ARCURI, 2004, p. 39-40):
27
Ao mesmo tempo temos que estar conscientes do fato de que os corpos
não operam no mundo social como as “coisas em si mesmas”; ao contrário
sua capacidade de operar é mediada pela cultura. Com efeito, a cultura é
escrita sobre os corpos e nós precisamos examinar os modos particulares
de como isto acontece em diferentes sociedades, incluindo o papel das
imagens sobre nossas percepções do corpo e os modos pelos quais à
construção das identidades dependem das construções das imagens do
corpo.
Essa operacionalização do corpo mediada pela cultura implica não só na
intencionalidade comunicativa exterior e seus estímulos, mas também na
comunicação interna e na auto-organização que nos faz pensar nos saberes
corporais como inteligência do movimento. Um saber articulado entre vida,
corporeidade, saúde, e cultura. A arte é do campo da cultura, mas não existe sem a
vida, sem o humano. O todo e as partes interdependentes. Ao misturar vida, saúde e
arte o “suporte”, termo inadequado, é o corpo. Enquanto corpo/energia, saúde e
movimento temos muitas questões. Penso no ritmo interno da própria vida, o ritmo e
suas organizações manifestas pelo bater do coração, pela duração do processo do
ar que entra e sai, pela contração e relaxamento, pela emoção que se instala... A
duração entre os impulsos aferentes e eferentes e essa forma exterior que o
movimento delineia e a corporeidade conspira e se submete, se flexibiliza ao
espaço, se entrega e naquele instante vive expressivamente fora/dentro de si.
Refletindo sobre todos esses processos vemos que a inserção das artes do
movimento potencializa os benefícios da arteterapia e oferece recursos no campo da
qualidade de vida.
Esforço-me no estabelecimento destas relações com o objeto deste estudo,
que é conduzir o processo de aproveitamento das potencialidades terapêuticas e
pedagógicas das artes do movimento humano na PTME - Prática Terapêutica do
Movimento Expressivo. Como intervenção terapêutica, particularmente, vejo as artes
do movimento e as atividades sensório motoras na Arteterapia assim inseridas.
28
A arte, com sua característica capacidade de expressar concomitante mente
uma multiplicidade de níveis de significado, mostra-se capaz de expressar a
complexidade humana, em seus conteúdos conscientes, inconscientes e
quase-conscientes, revelando-se um recurso poderoso e eficaz (CIORNAI,
1994, apud ALLESSANDRINI, 1996, p. 33).
Arteterapia, saúde como arte e valor cultural.
Preciso falar agora das possibilidades desse Ser encarnado vivenciar o
próprio corpo com saúde e estar engajado social e culturalmente. Se é terapia
estamos falando de saúde. Refiro-me as possibilidades ampliadas que a arteterapia
tem para lidar com a saúde como arte e valor cultural por trabalhar com os recursos
criativos e a articulação entre o verbal e o não verbal numa tomada de ampliação da
consciência e desenvolvimento pessoal.
Allessandrini (2000) diz que “criar é submeter nosso ser interior a um projeto
criador de novos sentidos”. Enfatiza a “capacidade criativa como uma competência
fundamental a ser desenvolvida” [...]. “Como experiência interna, a criação integra
todos os níveis da ação humana, emergindo numa situação em que cada momento
é sentido e vivido em sua totalidade.”
O movimento humano tem toda uma dinâmica homem-mundo. São inúmeras
as possibilidades de ordenações criativas. Os processos criativos da arteterapia
tendo como recurso o movimento humano trazem o dado afetivo pessoal, o sujeito
negocia consigo mesmo seu “saber fazer” cognitivo e simultaneamente conjuga as
dimensões do viver, a dimensão de peso do seu corpo, equilíbrio, ritmo e fluência
dada a abertura frente às possibilidades de conduzir a si mesmo, seu corpo, numa
experimentação de solicitações e esforços musculares onde graus diferenciados de
tensão e relaxamento são vividos e uma gama de sensações e percepções vão
organizando a energia que se exterioriza na forma. Ganha qualidade a ação pela
estimulação do processo intra comunicacional de manutenção da vida e da saúde.
29
Inauguram-se estilos de vida identificados ecologicamente. O gesto afetuoso e as
atitudes ganham reciprocidade estabelecendo e ampliando a comunicação e as
inter-relações. As artes do movimento inaugurando “pontes”, energia fluindo e
significando o viver saudável, o encontrar-se, o re-significar-se gerando saúde e um
dado de valor para os que dela buscam e usufruem.
Nessa busca de ordenações e de significados reside a profunda motivação
humana de criar. Impelido como ser consciente, a compreender a vida, o
homem é impelido a forma. Ele precisa orientar-se, ordenando os
fenômenos e avaliando o sentido das formas ordenadas, precisa comunicarse com outros seres humanos novamente através de formas ordenadas.
Trata-se, pois, de possibilidades, potencialidades do homem que se
convertem em necessidades existenciais. O homem cria, não apenas
porque quer, ou porque gosta, e sim porque precisa: ele só pode crescer
enquanto ser humano, coerentemente, ordenando, dando forma criando
(OSTROWER, 1989, p. 9).
O fazer criativo dá sentido aos projetos de vida. A arte entra aqui não no
sentido de aplicação contemplativa, mas inserida no cotidiano. O cuidar de si, cuidar
do outro e do planeta. O fazer bem feito já que arte e cognição andam juntas. Uma
forma não só inteligente, mas bela de se viver.
Caminhando nas reflexões sobre a saúde e o indivíduo saudável, temos hoje,
após os avanços do novo paradigma, a saúde considerada como o equilíbrio dinâmico
entre as forças pessoais internas (homeostase) e o meio externo. A estabilidade será
alcançada por meio de processos físicos, mentais e espirituais. Visão Sistêmica.
O que define o sistema é o processo, ou seja, a natureza das relações entre
as partes. Piaget (1977) apresenta as três formas de interação possível
dentro deste enfoque: o todo com o todo, a parte com a parte e a parte com
o todo. O todo é aquilo que se constrói para ter uma unidade, uma forma.
Enfim, no sistema, “o desafio é a abertura – pois deve ter o caráter de
transformação – e o fechamento – porque tem a condição de virar um todo”
(MACEDO, 1999, apud ALLESSANDRINI, 2002).
Viver o seu corpo dá significado à saúde como processo consciente,
constante e complexo de aprimoramento do desenvolvimento pessoal e todas as
30
suas potencialidades visando à realização plena do ser em todas as solicitações do
seu viver. Isto é uma questão de valor que precisa ser cultivada para obtenção da
autorealização cujos pilares são a auto-estima e a motivação que exigem como
realidade o dado do gozo da saúde plena, o indivíduo de posse do seu corpo frente
ao mundo no anseio de suas realizações.
O adulto saudável e capaz de viver uma experiência cultural, Winnicott.
Tomamos Winnicott (1989) que ao estudar o desenvolvimento humano coloca
a dificuldade do indivíduo no processo de viver uma experiência cultural. Coloca-nos
os vínculos entre saúde e maturação, do qual resulta maturidade. Para ele o
desenvolvimento sadio pode ser considerado como um processo constante entre o
indivíduo e o ambiente que o cerca e que caminha da dependência absoluta para
uma dependência relativa, e dessa para a independência.
Diz que os períodos de desenvolvimento ou amadurecimento dependem tanto
das condições orgânicas, com seus aspectos herdados e constitucionais, como das
condições ambientais e culturais. Considera as patologias como a expressão de um
desencontro entre as necessidades do indivíduo e as ofertas do ambiente,
provocando rupturas no continuar a existir e a necessidade de mecanismos que
protejam o indivíduo de um sofrimento insuportável.
Examinando cada estágio do desenvolvimento da personalidade nos coloca
como condições básicas: o tema da integração e o processo de identificação
primária – Eu sou – que dá sentido ao Eu Faço, a parceria psicossomática e a
aquisição de um psique-soma que permite que a pessoa viva e trabalhe em
harmonia consigo mesmo situando o prazer que pessoas saudáveis têm no uso do
corpo e suas funções, e o estabelecimento de relações objetais de cuja qualidade
31
vem a depender o usufruto das relações interpessoais. No nosso entendimento a
questão é como disponibilizo meu corpo para o viver institucional sem me cindir. A
necessidade da inserção e engajamento sócio-cultural do corpo.
Observa-se que na idade adulta as patologias se manifestam, principalmente,
pela incapacidade em assumir responsabilidades próprias desse momento de vida e
se mostram relacionadas a problemas na capacidade de realização. Pode haver
baixa produtividade ou fuga para o trabalho por não haver as trocas satisfatórias nas
relações interpessoais.
A maturidade na vida adulta caracteriza-se pelo sentimento que o adulto tem
de estar vivendo sua própria vida, a qual pode ser compartilhada, sente-se
responsável por suas ações ou inatividade, torna-se capaz do auto controle, sem
que esse venha acompanhado da perda do self ou de sua importância, torna-se
capaz de responsabilizar-se por outrem sem que isso signifique apossar-se do outro,
e na sua plenitude manifesta o exercício da cidadania.
É importante lembrarmos aqui que há sociedades e culturas que favorecem a
eclosão de patologias, seja pela exigência desmedida para com os indivíduos, ou
ainda por uma carência na oferta de condições básicas necessárias ao
desenvolvimento humano. Nessas sociedades há um aumento na manifestação de
patologias de diferentes intensidades e gravidade.
Muito importante é a colocação de Winnicott (1967, p. 28) acerca das “três
vidas” que as pessoas saudáveis experienciam:
1. A vida no mundo, em que as relações interpessoais constituem a chave
até mesmo para o uso do ambiente não humano.
2. A vida da realidade psíquica pessoal (às vezes chamada interna). É aqui
que uma pessoa é mais rica que a outra, e mais profunda, e mais
interessante quando criativa. Inclui sonhos (ou o que emerge a partir do
material dos sonhos).
Todos vocês estão familiarizados com essas duas vidas exploradas
como defesa: o extrovertido precisa encontrar fantasia no ato de viver; o
introvertido pode tornar-se auto-suficiente, invulnerável, isolado e
32
socialmente inútil. Mas há uma outra área para se usufruir a saúde, que
não é possível abordar com facilidade em termos da teoria psicanalítica:
3. A área da experiência cultural.
A experiência cultural começa como um jogo e conduz ao domínio da
herança humana, incluindo as artes, os mitos da história, a lenta marcha
do pensamento filosófico e os mistérios da matemática, da administração
de grupos e da religião.
Finaliza dizendo que a área da experiência cultural é a mais variável das três
vidas. Não pode se situar na realidade psíquica interna, pois não é sonho é
realidade compartilhada, mas enquanto realidade é dominada pelo sonho. É a parte
que os animais não desenvolveram. Assim mostra que a saúde tem relação com o
viver, com a saúde interior e, de modo diverso com a capacidade de se ter
experiência cultural.
A cultura de saúde e a qualidade de vida na arteterapia
Cultura é a maneira própria pela qual os membros de uma sociedade vêem e
compreendem o seu mundo e se constitui em um sistema de símbolos. A maior
parte dos aspectos de uma cultura é transmitida simbolicamente. Assim as práticas
na promoção da saúde a serem adotadas, devem levar em consideração o nível de
aceitação, o modo como uma pessoa percebe a realidade, suas ações e
pensamentos, sua maturidade emocional, autonomia e autodeterminação.
Ao consideramos a saúde mais que a ausência de doenças, os hábitos e
costumes do indivíduo e de uma população precisam ser investigados para que
possamos entender de que forma estes fatores tem influência sobre sua saúde. É o
caminho para o “promover” que é mais do que “prevenir”.
O modelo de atendimento em saúde no Brasil ainda é moldado para o
exercício da medicina curativa e reabilitativa. Os reflexos desta cultura tradicional é
de só procurar atendimento em saúde quando o indivíduo se sente ameaçado,
33
quando acometido de algo que incomoda. Assim, podemos falar da necessidade de
uma cultura de saúde, onde deve estar inserida a Arteterapia, em que é preciso dar
ao individuo sadio o reconhecimento deste valor despertando e firmando o desejo de
permanecer bem. Uma inserção saudável no mundo sócio-cultural.
Só há viver nas construções culturais do homem se este habita seu próprio
corpo de maneira saudável e criativa permitindo-lhe viver a experiência sóciocultural geradora das necessárias transformações. Permanecer bem traz
embutido a solicitação de uma consciência corporal, o estar bem inserido no
mundo exterior e no mundo do seu próprio corpo onde sua própria imagem
corporal já faz parte de uma construção cultural. Corpo - mundo das construções
culturais. Escola, trabalho, grupos sociais, inter-relações. Eu-outro “quando me
desdobro...”.
Na cultura corporal atual há um exagero de apelos simbólicos. Podemos dizer
que há uma super valorização da aparência como imagem corporal. Martiriza-se o
corpo impondo a ele padrões de comportamento, beleza e sucesso que cada vez
mais excluem a consciência corporal, a saúde e o bem viver.
O desenvolvimento da corporeidade consciente e da capacidade de
transformação através da unicidade corpo e mente se fazem presentes nos
trabalhos com as artes do movimento já que articulam o cognitivo, o afetivo e o
motor. O corpo se disponibiliza a vivenciar-se. O movimento se recria e significa seu
criador, que se apropria de si mesmo desenvolvendo novos padrões que o tornam
apto nas relações sócio culturais. A arteterapia, também deve englobar a proposta
do engajamento sócio cultural do corpo.
Penso que assim caminhamos para a qualidade de vida.
Roeder (2003, p. 32), diz que:
34
Em qualquer definição que se adote, é preciso compreender que os
atributos do adulto mentalmente saudável não são suscetíveis à medição
precisa, como ocorre com os índices da saúde física. São inferidos através
do comportamento, incluindo o que a pessoa diz sobre si mesma e sobre os
outros (seus sentimentos e suas atitudes). Em geral, o comportamento
socialmente aceitável é considerado um indicador de saúde mental e,
portanto, está intimamente associado à cultura.
Recursos artísticos e aspectos pedagógicos e terapêuticos.
Fazemos novos alinhavos entre vida, corporeidade, saúde e cultura. O
engajamento sócio-cultural do corpo. A questão é: sentir, pensar, agir. Corporeidade,
Consciência corporal, criatividade e aprendizagem.
Os saberes corporais, as artes do movimento e as possibilidades
pedagógicas que o educador, terapeuta tem de lidar com padrões de ação, imagens
que limitam e modelam a maneiras habituais de agir e de pensar que influenciam
diretamente no estilo de vida adotado por uma comunidade e que por muitas vezes
são fatores de “adoecimento”.
Tomemos como exemplo a cultura organizacional onde o excesso de metas e o
desgaste das relações interpessoais advindos da pressão institucional e competitividade
já são apontados como fatores de estresse e adoecimento no mundo do trabalho.
Então falar de uma proposta de cultura de saúde requer falar de uma educação
para saúde. Uma proposta terapêutica e pedagógica englobando diversas técnicas.
Nosso olhar se volta agora para a aprendizagem através do recurso artístico
que promove a transformação pela aquisição de forma criativa do conhecimento
para além do que está sendo ensinado. Se trabalhamos com as artes do movimento
se faz necessária esta reflexão.
Apresentamos aqui um resumo baseado em Dutra (1996, p. 31-37) que se
abre para a questão de como se dá a aquisição de conhecimentos em arte: como
sendo conhecimento de natureza simbólica, a autora nos coloca a abordagem
35
Kantiana da arte como jogo, que teria então a liberdade da invenção, da descoberta,
da fantasia e tudo mais como “ocupação que é agradável por si própria”. Por outro
lado deveria ter “ao mesmo tempo, um compromisso com as coerências, com as
leis, com os limites espaço-temporais próprio do novo sistema construído” (KANT,
1993, p. 150). Entendo que o compromisso a que Kant se refere seria a possibilidade
do artista exercer sua função de criação e representação no campo de uma cultura.
Se por um lado seria permitida toda fantasia, por outro deveria ficar contida e
encontraria limites também na re-significação do olhar do outro.
Já Cassirer (1960, p. 286) afirma que a arte é “conhecimento de gênero
peculiar e específico”, pois na sua construção estaria presente uma tensão entre
estabilização-conservação, evolução-transformação, onde o segundo prevalece
sobre o primeiro, ou seja, a criatividade, que é inseparável do ato da criação
artística, propicia a construção simbólica materializada que passa a ser a construtora
do conhecimento. Segundo ele a capacidade de simbolizar caracteriza o
comportamento humano. Nós seres humanos ao simbolizar recriamos a realidade de
uma forma individual, particular e seria impossível conceber a construção de
conhecimentos nas linguagens artísticas sem considerar a atividade de simbolizar.
Segundo Langer (1989, p. 288-9) a necessidade de simbolizar é dar
significado ao próprio mundo. Então o que é chamado de “emotivo ou irracional” a
partir de um raciocínio lógico, se constituiria numa teoria da mente onde a função
simbólica seria a busca de significados mais amplos, mais claros, mais flexíveis e
mais articulados. Caracterizou o simbolismo como discursivo (próprio da linguagem
verbal) e apresentativo, que está vinculado aos aspectos imagéticos, gestuais,
corporais, não verbais da linguagem que tem sua forma de apreensão pelos órgãos
do sentido como a visão, por exemplo. Langer (1989, p. 100) diz que “as formas
36
visuais – cores, linhas proporções, etc. – são tão capazes de articulação, isto é, de
combinação tão complexa, quanto às palavras.” Esta forma de conhecimento desafia
a “projeção” lingüística por se constituir de simbolismo fornecido pela apreciação
puramente sensorial de formas.
Por fim Goodman (1976, p. 25-6) procura estudar a arte como cognição e
simbolização analisando o embricamento destes diferentes aspectos envolvidos na
construção de conhecimentos artísticos.
Ou seja, para além da aprendizagem a permanência de estados emocionais
reconhecidos pelo corpo e registrados pelos movimentos podem guardar perspectivas
terapêuticas, identificação de estados emocionais que formam a memória corporal. Os
esforços, os limites, as resistências, os prazeres são todo tempo gerenciados pelo
sistema proprioceptivo. As vivencias corporais e as artes do movimento permitindo o
re-significar se configuram como recurso pedagógico e terapêutico.
Há cerca de cem milhões de anos, o cérebro dos mamíferos deu um salto
em crescimento. Por cima do tênue córtex de duas camadas – as regiões
que planejam, compreendem o que é sentido, coordenam o movimento –
acrescentaram-se novas camadas de células cerebrais, formando o
neocórtex. Em contraste com o antigo córtex de duas camadas, o neocórtex
oferecia uma extraordinária vantagem intelectual.
O neocórtex do Homo Sapiens, muito maior que o de qualquer outra
espécie, acrescentou tudo o que é distintamente humano. O neocórtex é a
sede do pensamento; contém os centros que reúnem e compreendem o que
os sentidos percebem. Acrescenta a um sentimento o que pensamos dele –
e que nos permite ter sentimentos sobre idéias, arte, símbolos, imagens.
Na evolução, o neocortex possibilitou um criterioso aprimoramento que sem
dúvida trouxe enormes vantagens na capacidade de um organismo
sobreviver à adversidade, tornando mais provável que sua progênie, por
sua vez, passasse adiante os genes que contêm esses mesmos circuitos
neurais. A vantagem para a sobrevivência deve-se ao dom do neocórtex de
criar estratégias, planejar a longo prazo e outros artifícios mentais. Além
disso, os triunfos da arte, civilização e cultura são todos frutos do neocórtex
(GOLEMAN, 1995, p. 25).
Assim vida, corpo, saúde, arte e cultura conduzem nossas reflexões para a
Arteterapia como arte para a saúde, bem estar e qualidade de vida.
37
CAP. 2 – PTME - PRÁTICA TERAPÊUTICA DO MOVIMENTO EXPRESSIVO
2.1 BASES TEÓRICAS.
A metodologia da Prática Terapêutica do Movimento Expressivo PTME, tece
suas considerações e tem seus subsídios teóricos no modelo do ETC - Expressive
Therapies Continuun (KAGIN & LUSEBRINK, 1978) e o enfoque sistêmico, no
estudo do desenvolvimento humano de Winnicott, na psicopedagogia com a
metodologia das “Oficinas Criativas” de Allessandrini (1996), em Roeder (2003) com
estudos das atividades sensório motoras na saúde mental e em Nanni (2003) a
dança, como arte do movimento.
Neste capítulo também consideramos os estudos sobre a apreensão
consciente do movimento e a importância da consciência corporal no processo.
2.1.1 O expressive therapies continuun
Kagin & Lusebrink (1978) apresentam no ETC – Expressive Therapies
Continuun seus estudos baseados em Piaget e Inhelder sobre o desenvolvimento
das representações imagéticas para construir o modelo conceitual utilizado em
terapias expressivas.
Lusebrink (1990, cap. 2) nos seus estudos sobre a Imagética e Expressão
Visual na terapia nos coloca que as imagens são consideradas modalidades do
pensamento e do conhecimento.
Uma imagem pode ser a representação mental interna ou externa de um
sentimento ou disposição, um esquema, um conceito abstrato, ou a
representação de um objeto, cena ou pessoa. Não importa sua origem
interna ou externa, visual ou através de descrição verbal – as imagens são
vivenciadas internamente. [...] Portanto as imagens têm uma origem interna
e como são dinâmicas, entidades emergentes, expressam os diferentes
níveis e aspectos do funcionamento interno de um indivíduo.
38
O ETC - Expressive Therapies Continuun propõe uma seqüência expressiva
que reflete os diferentes estágios do desenvolvimento humano. O modelo é
composto de quatro níveis e refletem diferentes modos de expressão humana
através das funções dos sistemas de processamento de informações: sensóriomotora, perceptual-afetiva e cognitiva-simbólica. O quarto nível é o criativo que pode
estar presente em cada um dos níveis bem como envolver a síntese de todos eles.
Criativo CR
C
SB
P
A
K
S
C – cognitivo SB – simbólico
P – perceptual A – afetivo
K – cinestésico S - sensorial
FIGURA 1 - Representação Esquemática do ETC
FONTE: Kagin & Lusebrink (1990, cap. 5).
Com a ênfase no movimento expressivo humano queremos abrir a
perspectiva do próprio corpo em movimento para a poética e a criatividade.
Trabalhando o corpo como meio expressivo precisamos dos dados psicofisiológicos
da imagética onde temos estudos eletroencefalográficos (EEG) que mostram que o
imaginário é um processo predominantemente do hemisfério direito. Kagin &
Lusebrink enfatizam a questão das imagens estarem mais intimamente ligadas à
experiência individual e serem mais facilmente expressas visualmente do que
verbalmente. Aqui se incluem o processamento de informações viso-espaciais,
imagens e memórias visuais, os sonhos, as emoções fortes, a proeminência de
objetos, espaço e ouvir música. O córtex frontal, na parte anterior do hemisfério
direito parece ser o responsável pelas artes e ofícios e pela habilidade de formar
imagens do corpo. A depressão prejudica o funcionamento e sua habilidade em
39
formar imagens. Na realidade os hemisférios são complementares. O esquerdo
processa informações sequencialmente. O direito paralelamente. A interação entre
esses dois modos de processamento aumenta a possibilidade de soluções
criativas.
No nível perceptual do ETC - Expressive Therapies Continuun há a
possibilidade de treinamento da percepção. O meio pode funcionar como um agente
simbólico de estabelecimento de limites próprios. De acordo com Kagin & Lusebrink
(1978) a função integrativa do nível perceptual do ETC é o estabelecimento de uma
ordem formal e estética, a qual, através dos princípios do isomorfismo, ressalta o
equilíbrio funcional do comportamento. A função da expressão no nível afetivo é a
dos sentimentos. Aqui pode ser enfatizada a expressão de sentimentos e
disposições. Corpo “criador de afetos”.
As técnicas ao nível perceptual afetivo trabalham para conjugar forma e
conteúdo. O movimento como objeto transicional “funciona” pela qualidade de
transitar em si mesmo, em sua corporeidade, e forma e conteúdo vem como energia
ressurgida da experiência a cada momento da construção do corpo no espaço/
tempo.
2.1.2 A parceria psicossomática de Winnicott
Estudando o desenvolvimento humano vemos que a parceria psicossomática
desde a infância destina-se a facilitar a obtenção de um psique-soma que propicie o
viver e trabalhar em harmonia consigo mesmo.
Winnicott (1967, p. 23) deixa claro que na psiquiatria a parceria
psicossomática é muito frágil.
40
É característica da esquizofrenia uma conexão muito frouxa entre a psique
(ou seja, lá como se chame) o corpo e suas funções. Pode ser até que a
psique se ausente do soma por um período considerável, ou que esteja
projetada.
Não houve nas primeiras fases do desenvolvimento a aquisição do psiquesoma. É importante observar os fenômenos da integração - Eu Sou - Eu faço, e da
Desintegração que é uma característica que também se apresenta. Aqui ele coloca o
medo da desintegração e a organização patológica de defesas destinadas a dar um
alerta “É um arranjo sofisticado de defesas cujo objetivo é prevenir uma repetição da
desintegração”. Ele continua: as defesas organizadas contra a desintegração roubam
uma pré-condição para o impulso criativo e impedem, portanto, uma vida criativa.
Reflito que a dor associada ao processo de desintegração traz embutida esta
conexão frouxa do psique-soma.
Na doença mental do adulto observou que o estabelecimento de relações
objetais fracassa face a impossibilidade do ser de se relacionar com qualquer objeto
fora do Self. Esta é uma dificuldade no sucesso da relação eu não eu, eu –
ambiente. Se sentir real e promover relações e trocas saudáveis com o ambiente.
Podemos observar aqui a organização do falso self e do verdadeiro self.
No sofrimento mental o ser perde contato com o seu corpo negando seu viver,
negando seu existir, desapropria-se de si, o “discurso” do corpo não caminha em
direção a homeostase, fragmenta-se cada vez mais e a cognição não re-conhece o
“sentimento” da ação a intencionalidade. Aqui colocamos desde o “herdado” até o
comunicacional alienado.
Reflito que muitas vezes as “denúncias do corpo” ajudam a encaminhar a
seleção dos recursos a serem empregados na sessão de Arteterapia. Indo mais
além pode até alterá-la por completo, devido ao nível de tensão e indisponibilidade
corporal que se faz presente.
41
Os clientes precisam aprender a cuidar de si, serem responsáveis por sua
saúde o que implica em uma postura transformadora que vem a ser geradora de
uma re-construção gradativa de seu próprio repertório interno mental e sensorial.
Percebo que há no desenvolvimento um “acordo” entre os fatores biológicos e
sócio-comunicacionais no sentido de uma adequação de ritmos ordenadores da
consciência. O ritmo pode propiciar uma integridade. Integração? O ritmo do coração
e da respiração com os “ritmos” do progresso e relações sociais? Ao utilizarmos o
ritmo nas intervenções refletíamos sobre essa possibilidade.
Ao fazer a ponte entre corpo, o tempo e o espaço de “viver” me questiono sobre
as formas delineando intenções comunicacionais (conteúdos): se a agressão é um
impulso de vida, o que é agressão em uma forma no espaço? Qual forma assume?
Qual ritmo? Podemos analisar pela exterioridade que o movimento apresenta?
Na arteterapia ao atuarmos criativamente podemos encaminhar este cliente
para um “viver criativo”, segundo a perspectiva de Winnicott.
2.1.3 Movimento Humano realidade e simbolismo
Nosso foco é falar agora, numa abordagem sucinta, do movimento humano e
sua apreensão consciente. Este ponto me parece interessante abordar, pois ele nos
traz os dados de realidade e simbolismo do movimento.
Vou buscar a reflexão de Canfield (1994), estudioso do movimento humano,
sobre aprendizagem e consciência do movimento humano. Apoiado em Tamboer
(1988), ele nos coloca duas abordagens de aprendizagem e controle do movimento:
a teoria motora e a teoria de ação. A natureza dessas diferentes perspectivas nos
traz duas maneiras de entendimento do corpo. A imagem de corpo substancial, onde
o movimento humano é visto como deslocamento das partes e é considerado um
42
meio para atingir alguma outra coisa, em constrate com a imagem do corpo
relacional reconhecida como: conhecendo-o-mundo-em-ação. No corpo relacional
encontramos não a imagem de coisa, mas sim uma relação intrínseca – rede de
significados - onde corpo e mundo não podem ser definidos independentemente um
do outro. Então consciência, intencionalidade e significado não podem ser
entendidos, nem explicados pela estreita visão do movimento físico.
Canfield (1994, apud DANTAS, 1994, p. 83) situa de maneira especial
realidade e simbolismo no movimento e ação:
A amplitude de possibilidades do movimento humano proporciona uma
variedade de experiências únicas, não porque o movimento represente um
símbolo, mas porque o sentimento que pode ser experienciado durante o
movimento não o pode ser de outra forma. [...] Com raras exceções e
excluindo o simbolismo que é possível na dança, o movimento humano não
simboliza a realidade, é realidade.
Ponto crucial. Admitir o dado de realidade como aproveitamento de
potencialidades dos saberes corporais que são considerados como resultantes de
mundos aparentemente diferentes: o mundo dos fenômenos físicos e o mundo dos
fenômenos mentais.
Todo movimento humano é funcionalidade e expressividade. Mesmo que não
saibamos ainda totalmente como de fato ocorre esta integração, sabemos que é
impossível viver sem ela. Quando não há integração entre funcionalidade e
expressividade, este ritmo todo próprio, único do ser humano de viver o seu
espaço/tempo, apresentam-se as delicadas questões da saúde mental.
Impõe-se nesse momento a ampliação da compreensão do corpo e do
movimento humano.
A apreciação consciente dos movimentos está apoiada nos pressupostos dos
mecanismos efetores e receptores.
43
Colocamos aqui o fenômeno da propriocepção. O corpo deixa de ser o
espectador passivo e passa a ser o grande vivenciador de experiências que o fazem
entrar em contato consigo mesmo, enriquecendo assim o seu vocabulário corporal,
que vem a oferecer uma maior disponibilidade corporal agilizando o aprendizado. O
corpo percebe-se no espaço, informa-se a cerca de si mesmo, dos outros e do
ambiente através dos receptores sensitivos dos músculos e articulações ao que se
denominou propriocepção no domínio da aprendizagem motora e vem sendo
estudado pela neuro-psico-fisiologia:
Existem três tipos principais de proprioceptores, ou receptores sensoriais
associados às juntas. Estes receptores, os órgãos Golgi-tendineos, os terminais
de Ruffini e os corpúsculos de Pacini, são importantes para o controle do
movimento voluntário por causa da informação que proporcionam em relação a
movimento e posição dos membros. Os órgãos Golgi-tendineos são encontrados
em dois lugares: nos tendões, perto da inserção dos tendões nos músculos e,
mais importante para a informação do movimento, nos ligamentos que mantêm
as articulações unidas. Os terminais de Ruffini e os corpúsculos de Pacini, são
encontrados no tecido conjuntivo da própria cápsula da articulação. A função
desses receptores no controle do movimento tem sido documentada mais
extensivamente que os papéis dos receptores dos músculos. Um resumo desta
documentação foi fornecida por Kelso e Stelmach (1976). Eles indicaram que
sua revisão de pesquisas mostrou que os principais tipos de receptores e seu
modo de operação são:
1. Os órgãos Golgi-tendineos nos ligamentos não afetados pelos músculos
que se inserem nas juntas, podem sinalizar a posição exata da junta
(articulação), assim como a direção.
2. Os terminais de Ruffini, altamente sensíveis indicam a velocidade e a
direção do movimento. Como eles são afetados pela tensão muscular nas
articulações, podem também sinalizar resistência ao movimento e talvez,
discriminar entre o movimento ativo e passivo.
3. Os corpúsculos de Pacini podem ser capazes de detectar movimentos
muito pequenos, assim como a aceleração do movimento.
[...] Supõem-se que a informação recebida dos receptores das articulações
pelo SNC (sistema nervoso central) constitui os dados armazenados na
memória. A informação dos receptores das articulações é tida como sendo
o que é codificado para armazenamento. Ainda tem que ser comprovado
com mais segurança se os resultados dos experimentos de comportamento
quanto à codificação de informação de movimento, podem ser explicados
neurofisiológicamente em termos do papel dos receptores das articulações.
Por enquanto, porém, esta conclusão em relação à interação comportamental
e neuro-fisiológica parece acertada (MAGILL, 1984, p. 138-9).
Quanto à natureza e a utilidade da informação gerada e proporcionada por
cada um desses mecanismos há pouco consenso. Talvez aqui se coloque
novamente a suposta separação angustiante entre consciência (mente) e a matéria
44
(corpo). Esse problema persiste e segundo Best (1978, apud CANFIELD 1994, p.
83), “a confusão sobre o problema mente e corpo é a maior fonte de erros de
concepção na literatura do movimento humano”.
Pesquisadores
russos
propõem
que
movimentos
voluntários
(pré-
selecionados) são baseados em uma imagem. A imagem precursora do movimento
terá que se apresentar em termos da ação completa. Então quando selecionamos
conscientemente um movimento “de alguma forma estamos impondo o passado
sobre o futuro”.
Temos então dois dados no movimento humano, realidade e simbolismo;
Arteterapia, por ser arte, trabalha o imagético e o simbólico. Parece-me que o
aparecimento do dado de realidade e do simbólico podem ser facilitadores na
condução do processo de real aproveitamento das possibilidades pedagógicas e
terapêuticas e precisam ser tratados com bastante cuidado.
Os dados de realidade nos apresentam a percepção corporal do todo e as
partes com suas configurações espaciais, sua sincronia rítmica e com os outros
corpos no espaço temporal. Já quando consideramos as subjetividades o sujeito fala
de prazer e desprazer, de superação de dificuldades neste meio e de sua relação no
grupo social e de suas próprias contradições e comportamentos. Espaço de reconstrução. Então estamos lidando com a representação que é a um só tempo a
expressão de uma realidade e o exercício de reprodução desta mesma realidade.
Presença viva do não verbal, lugar/espaço em que o terapeuta tem muitas chances
de desenvolver propostas.
Canfiel (1994, p. 84) continua:
45
Negar as experiências internas subjetivas é negar o agente, sem o qual não
poderá haver movimento.
Negar os critérios externamente observáveis é negar a experiência, uma
vez que, sem critério, a experiência poderá não ser identificada.
Assim a percepção do movimento (primeiro passo para uma aprendizagem)
é necessária para identificar o significado da experiência. Mas sem
experiência poderá não haver movimento humano algum a ser percebido.
A apreensão consciente pode nos ajudar na condução das técnicas utilizadas
no processo terapêutico e pedagógico. O fenômeno da apreensão consciente nos
leva para a consciência corporal como competência a ser desenvolvida. Todo
trabalho com arteterapia também tem este foco. A consciência corporal desenvolvida
desperta a percepção dos fenômenos, detecta e sintoniza não só nossas
experiências vividas decorrentes da capacidade de assimilar, aprender e reavaliar o
meio ambiente ao nosso redor, mas também qual nossa capacidade sócia afetiva de
harmonizar o mundo interior e exterior.
2.1.4 Consciência Corporal
No racionalismo quem age e pensa é a mente, a razão, a consciência. O
corpo é o “resto” e não tem nenhuma autonomia. Poderíamos começar a colocar o
corpo como primeira realidade e única possível de estar no mundo. Começaríamos a
ver o corpo como o responsável pela sustentação da consciência, da inteligência e
da razão. Isto muda tudo. Teríamos então corpos falantes, pensantes, conscientes e
inteligentes. Muito melhor aproveitamento das potencialidades do processo criativo
humano.
São muitos os saberes corporais “desprezados” quando colocamos o corpo
no espaço da ignorância e a mente como detentora de um saber superior mesmo
quando contrário ao saber vital. O corpo com seus saberes regula as funções vitais.
Ele tem a capacidade de manter atualizado continuamente o conhecimento de si
46
próprio. Um saber vivo onde dialoga consigo mesmo através da respiração,
freqüência cardíaca, temperatura, pressão sanguínea, necessidades, carências,
saciedade, cansaço, dores e sensibilidade. São também manifestações de seu
saber os instintos, os sentidos, emoções e sentimentos.
As vivências com o movimento nos proporcionam este saber. As sensações
cinestésicas vividas tornam consciente um movimento. A sensibilidade cinestésica é
descrita por diversos autores como a sensibilidade dos movimentos. É a capacidade
de percebemos tanto a direção do movimento quanto a velocidade do mesmo e nos
permite modificar a posição de uma articulação sem qualquer controle visual. O
limiar da percepção para a sensibilidade cinestésica depende do grau de
modificação do ângulo assim como da velocidade com a qual esta modificação se
processa. A percepção da sensibilidade postural e cinestésica está na dependência
dos receptores das estruturas subcutâneas, compreendidas nas cápsulas articulares
denominadas corpúsculos de Paccini e Ruffini (MAGILL,1984). Algumas pesquisas
mostram que também a estimulação dos fusos musculares estaria envolvida no
processo.
Também para alguns estudiosos como Montagu (1988), as funções da pele,
maior órgão dos sentidos do corpo humano, tem relevante importância para a
percepção consciente, pois está relacionada à estimulação da consciência corporal
e, consequentemente, à identidade pessoal e a auto-estima. A função tátil, seria
uma função intermediária entre o corpo interno (esquema, imagem, ego corporal)
gerada pela interiocepção e a exteriocepção ao nível do comportamento motor
observável.
A experiência tátil é importante no comportamento humano e a pele como
limite da subjetividade humana, revestimento interno e externo, também pode ser
47
responsável pelo desenvolvimento da consciência corporal por informar e permitir o
reconhecimento das necessidades, perigos, espaços de prazer, de culpa, de beleza,
as sensações e percepções corporais e o equilíbrio homeostático e psicofisiológico.
Mas não é só isso, precisamente pela integração do real e do simbólico! Do
que é significativo para o indivíduo. Das experiências por ele vividas, da qualidade
dos registros armazenados.
No corpo que se movimenta há uma ação motora integrada de mecanismos
neuropsicofisiológicos, sociológicos e histórico-culturais que além de atender as
necessidades vitais, atende também as necessidades sociais, às referências
individuais (percepção dos estados de tensão e relaxamento), da auto imagem (pela
consciência corporal), do auto conceito (na busca da sua identidade do Eu
existencial). No próprio corpo o ser humano registra sua história e esta é
determinante para o autoconhecimento e para descoberta do mundo. Neste
processo há uma estimulação intra e interpessoal onde o movimento é o agente
possibilitador. Movimento interior e movimento exterior, as ações, os gestos, atitudes
e comportamentos. Aqui cabe a qualidade do encontro com a qual o arteterapeuta
vem a se colocar no processo e quais técnicas adotar visando o aprimoramento da
consciência corporal.
O corpo em movimento corresponde a dinâmica total do viver. São os saberes
corporais atuando com a capacidade já adquirida e trazida à consciência que é a
articulação comunicacional do real e do simbólico. Nessa forma expressiva o corpo
conjuga a vida.
É importante a melhoria da consciência corporal, pois ela contribui para a
qualidade de assimilação da sensação e da percepção dos estímulos e organização
tempo-espaço em relação ao meio ambiente. O movimento humano na
48
expressividade única e singular de cada um, participa de forma efetiva na
estruturação da identidade do homem a cada tempo/ espaço. Este se constitui como
um aspecto terapêutico e deve ser buscado.
A consciência do corpo é o reconhecimento consciente do conjunto de
estruturas representativas, simbólicas e semióticas que servem de base à
ação motórica. Ela se estrutura através da noção de imagem do corpo e dos
meios de ação que estabelecem com a percepção e a memória, a formação
do esquema corporal – interprete ativo e passivo da imagem do corpo
(BARROS, 1998, apud NANNI, 2003, p. 40).
A consciência corporal então tece suas relações com elementos neuro-psicofisiológicos, sócio-afetivos e históricos culturais.
Na sua necessidade de expressão e comunicação o movimento disponibiliza
ao homem,
A organização perceptiva das estruturas psicomotoras de base
(manipulação, locomoção, tônus postural), a expressão e a percepção dos
sentidos (visual, tátil, olfativa, auditiva, e gustativa) que possuem caráter
cognitivo (percepção cinestésica) estando unidas à linguagem (NANNI,
2003, p. 40).
De acordo com Luria (1996, apud NANNI, 2003, p. 40), a formação do
pensamento está vinculada à aquisição da linguagem e do movimento. Na relação
do corpo com o meio ambiente por meio de atividades, movimento e pensamento
atuam como meio de relação e de comunicação através da linguagem corporal
(gestos, movimentos) e são integrados ao trabalho global do corpo. A linguagem
corporal é uma projeção do pensamento expresso através da totalidade do ser
humano. Inter relação de posturas que se sucedem, intencionalidade comunicativa
que concebe as adequações dos desejos, gestos expressivos, comunicativos, se
transformam em movimentos simbólicos numa corporeidade que se disponibiliza em
suas múltiplas possibilidades reais. Nas atividades verbal, musical, pictórica,
dançada, entre outras, o ser humano se expressa e se comunica Este ponto é muito
49
importante quando pensamos em “adotar” a atividade sensório motora e as artes do
movimento na arteterapia. Se constituem nos dados exteriores observáveis e
permitem o “entre” no atelier terapêutico.
As expressões corporais (atitudes, sentimentos) são significações explicitadas
e realizadas pelos gestos e movimentos em ação e representação. O corpo é o local
das ações, emoções, fantasias e desejos geradores dessas significações. “A ação e
representação transformam-se em significados cujos significantes constroem o
pensamento e, deste, a linguagem corporal pela percepção consciente” (NANNI,
2003, p. 60).
No processo de conhecimento humano as premissas básicas são o sentir e o
pensar, que se articulam e se completam. Configura-se a linguagem. Por intermédio
de símbolos o homem transcende a sua natureza física e biológica tomando o
mundo e a si próprio como objeto de compreensão. Porém o sentir é anterior ao
pensar. E o homem sente a necessidade de se comunicar. E existindo sai de si e se
contempla a si mesmo no outro. Corpos em trajetória multidirecionais, em trocas de
tempo e espaço, mas contidos em sua própria forma de existir, o corpo.
2.1.5 As Oficinas Criativas de Allessandrini
Nas nossas sessões de atendimento adotamos a metodologia das “Oficinas
Criativas” desenvolvida por Allessandrini (1996) dentro da psicopedagogia e
aplicada no contexto arteterapêutico. Allessandrini enfatiza a relação da arte com a
cognição e considera a capacidade criativa como uma competência fundamental, a
ser desenvolvida. A partir do trabalho de Arieti (1979) “a síntese mágica” onde a
criatividade é estimulada na busca da concretização endoconceitual, e também
50
apoiada nos estudos do ETC Expressive Therapies Continuun (KAGIN &
LUSEBRINK, 1978) com os estudos da representação imagética já citados acima.
Allessandrini (1996) propõe o encadeamento e a eficácia da Oficina Criativa
nas seguintes etapas: sensibilização, livre expressão, elaboração, transposição de
linguagem e avaliação.
O processo de conhecimento vivenciado por meio de experiências artísticas
permite que o indivíduo simbolize suas percepções do mundo,
especialmente quando não consegue expressar-se verbalmente, pela
linguagem oral ou escrita. [...] O trabalho, por meio de recursos expressivos
e artísticos, possibilita ao indivíduo concretizar sua imagem interna de modo
significativo. Há uma disponibilidade nova e diferenciada que emerge do ser
e que canaliza seus recursos cognitivos internos para um re-fazer
transformador. Os conteúdos que se apresentam estão intimamente ligados
à experiência já vivida pelo sujeito e possuem papel simbólico importante
(ALLESSANDRINI, 1996, p. 33).
Destaca o importante papel dos coordenadores cognitivos conforme
apresentados por Piaget (1980-1982), os quais estão presentes em toda a ação do
sujeito na medida em que ele processa a aquisição do conhecimento.
[...] os coordenadores cognitivos representam os aspectos funcionais gerais
da formação e do exercício dos esquemas de ação, e também são fonte
comum das correspondências e transformações no desenvolvimento
humano (ALLESSANDRINI, 1996, p.103).
Fala sobre a arte preencher uma função cognitiva por se apresentar de forma
completa, integral e sistêmica. Allessandrini (1996) explica que na oficina criativa o
sujeito é estimulado a trabalhar em seu universo interior, com seus sentimentos e
sensações, idéias e pensamentos que podem emergir de forma anárquica e serão
editados de modo a convergirem à meta da experiencia. Nesta convergência dos
vários movimentos em direção a um objetivo comum o sujeito estabelece
correspondências, realiza transformações e constrói estruturas. Ele desenvolve
novos esquemas de ação por assimilação e acomodação. Transformações
consistem em “assimilações recíprocas” dos esquemas de ação. Assimilação
51
recíproca entre os esquemas é a composição funcional entre dois esquemas, em
que ambos operam como partes compostas de um todo, um passa a ser o outro e
vice versa. Esse processo norteia a construção de competências, por que pertencem
a elementos estruturadores da psique. Essas competências são passíveis de serem
utilizadas em diferentes contextos.
Allessandrini (1996, p. 55) traz em sua proposta dentro das Oficinas Criativas
todo um trabalho de re-significação proposto através de uma dinâmica entre três
ações:
[...] despertar o adormecido, fazer restaurar o caminho “adoecido”, e
inaugurar novas ações, dinamizando a aprendizagem com um desempenho
mais eficiente. O despertar e o restaurar supõem um aprendizado anterior
ao inaugurar. Dessa forma, a atividade cognitiva não permanece estática e
o indivíduo cria e transforma, inter-relacionando forma e conteúdo,
significante e significado, em um aprender contínuo e constante.
Transformador.
Considera também a importância da consciência corporal para compreensão
maior no tratamento de problemas ligados a aprendizagem e no resgate terapêutico
psicopedagógico.
Dentro do atelier terapêutico as oficinas criativas são a principal metodologia,
nela interagem emoção e cognição.
A oficina criativa trabalha a “troca” de informações hemisféricas que
desencadeia conexões diferenciadas entre as fibras nervosas. A criatividade parece
estar relacionada com os dois hemisférios cerebrais. Pessoas criativas utilizam-se
de ambas as formas de pensamento “hemisféricas”. O movimento por exigir uma
solicitação simultânea na sua execução pode ser um excelente recurso terapêutico
psicopedagógico.
Ao selecionar as técnicas e distribuí-las dentre as oficinas criativas estávamos
sempre trabalhando com os dados de realidade e simbolismo do corpo e do
52
movimento humano numa preocupação de melhor explorar o nível perceptual afetivo
e a subseqüente condução ao cognitivo.
[...] Não há atos de inteligência, mesmo de inteligência prática, sem
interesse no ponto de partida e regulação afetiva durante todo o processo
de uma ação, sem prazer do sucesso ou tristeza, no caso do fracasso. Do
mesmo modo no nível perceptual temos motivações afetivas. [...] Assim
como não há um estado puramente cognitivo, não há um estado puramente
afetivo, não importa o qual elementar possa ser (PIAGET apud
ALLESSANDRINI, 1996, p. 31).
Na decodificação da apreensão do mundo após todos os estímulos recebidos
é preciso que haja um decodificador que acesse e faça a “ponte” entre os sistemas,
seus códigos e a rede, que é detonadora da ação. É preciso “dosar” a energia e
torná-la compatível com a consciência organizadora.
A oficina criativa na arteterapia obedece a um roteiro que visa facilitar o
gerenciamento da energia (libido) e permitir no seu fluxo o contato íntimo do ser com
suas próprias questões elaborá-las e encontrar saídas, curas.
A prática Terapêutica do Movimento Expressivo traz uma maior oportunidade
de aproveitarmos durante a sessão de arteterapia o potencial de recursos que nos
são ofertados através dos saberes corporais, do movimento humano, seus
parâmetros de execução (organização tempo-espaço, coordenação, precisão e
ritmo) e suas possibilidades enquanto linguagem comunicativa expressiva dentro do
processo criativo a ser vivenciado. O processo terapêutico focado no movimento
“chama” os saberes corporais que pré-dispõem ao criativo.
2.1.6 As atividades sensório motoras e a arte da dança
Ampliam-se os benefícios ao aliarmos as atividades sensório motoras (ASM)
e artes do movimento as artes plásticas e visuais na arteterapia. Por certo com estas
53
práticas teremos como terapeutas instrumentos mais eficazes na área da saúde,
educação e qualidade de vida.
A psicomotricidade pode ser definida como atividade e movimento do homem.
Refere-se a como a atividade física relaciona-se com o funcionamento psicológico.
Mímica, gestos, seqüência de movimentos, atitudes exprimem modos de ser,
consciência de si mesmo, estado de espírito, vontades, orientação, inteligência,
pulsões, etc., Para os estudiosos a Psicomotricidade é a exteriorização e o resultado
da elaboração de estímulos. Todo evento psíquico resulta em fenômenos motores:
Psicomotricidade é comportamento, e comportamento é função da
experiência. No homem vivo, a própria existência é manifestada no
comportamento repousado eu em movimento (emoção), voluntário ou
involuntário, na atitude imóvel, em repouso e em ação (SCHARFETTER,
1997, apud ROEDER, 2003, p. 46).
A
atividade
motora
do
ser
humano
pode
ser
normal,
acelerada
(hiperatividade, apresenta ansiedade, anda sem parar, não consegue ficar quieto),
retardada (hipoatividade, caracterizada por uma lentificação geral, dos movimentos,
da fala, do curso do pensamento e geralmente acompanhada de humor deprimido).
No universo dos transtornos mentais temos outras alterações como: movimentos
estereotipados (seguem um determinado padrão); movimentos bizarros (movimentos
absurdos ou estranhos como revirar o lixo), Maneirismos (tiques e cacoetes);
autismo (concentrado em si mesmo e independente do mundo ao seu redor);
negativismo (fazer o contrário do que é solicitado); ecopraxia (imitar movimentos de
outras pessoas); flexibilidade cérea (manter postura desagradável por horas);
comportamento
histriônico
(sentimentos
expressos
de
forma
exagerada
e
dramática); e compulsões (urgência irresistível de realizar um ato motor sem sentido,
repetitivo, reconhecidamente sem significado, por exemplo: rituais de limpeza e
ordem exagerada).
54
No seu conceito de aplicabilidade dentro da área da saúde a atividade física
recebe o nome de atividade sensório motora. Esta relacionada principalmente ao
âmbito da saúde mental. Neste contexto ela engloba a caminhada, as atividades
esportivas, as danças, as atividades de expressão corporal, o relaxamento, as artes
marciais, as atividades de lazer, exercícios bioenergéticos bem como no plano
terapêutico dos transtornos mentais, as atividades da vida diária AVD (vestir-se,
banhar-se) e as atividades instrumentais da vida diária AIVD (cuidados com o
ambiente, administração dos processos da vida). Esta visão é holística e me parece
que aqui se estabelecem os laços com a arteterapia.
Cada ser humano na sua corporeidade tem um repertório próprio, com gestos
familiares que a cada estágio maturacional vai sendo vivenciado de forma mais
natural e harmoniosa, e é incorporado como algo gostoso, simbólico e referencial.
Essa intimidade do ser com ele mesmo possibilita autonomia, independência,
disponibilidade e adaptabilidade. Maneira satisfatória de viver no mundo e ser
eficiente obtendo sua autorealização.
Roeder (2003) situa que as alterações psicomotoras são perturbações da
consciência do EU e podem levar à despersonalização, à perturbações na vitalidade,
atividade, consciência, demarcação e identidade, sua imagem e energia.
Na esquizofrenia a mente não está identificada com os eventos corporais.
Ausência da sensação subjetiva de ser si mesmo vivenciando a experiência. A
vivência é assustadora demais para ser integrada pelo ego e ficar fora do corpo é a
medida da sobrevivência. A mente consciente quer eliminar todos os sentimentos.
Há dissociação entre sentimento e pensamento. Em casos extremos ocorre a
despersonalização, ruptura total da ligação com o corpo. Há a necessidade da
pessoa se entregar, vencer as resistências. De forma sutil voltar a estabelecer
55
contato, render-se aos sentimentos, viver a experiência. Procedimento que requer do
terapeuta extremo cuidado, espera e compartilhar amoroso. Estes estudos nos
fizeram insistir na passagem pelo nível perceptual afetivo (ETC) bem como no
resgate das possibilidades básicas da locomoção, na condução das fases da prática
terapêutica do movimento expressivo. No contexto terapêutico, palavras chaves
como expressão, relação, comunicação, motivação e amor são as que ordenam o
processo vital. “É preciso despertar um corpo para que seja investido de forma
consciente. Sem essa consciência e prazer pelo corpo, nada poderá ser feito”
(ROEDER, 2003, p. 298).
Trabalhar o estado sensório – motor, através da atividade sensório motora,
significa buscar o estado de harmonia nas dimensões motoras e funcionais,
psíquicas e afetivas e o domínio destas, possibilitando a comunicação do indivíduo,
suas relações, sua capacidade de aprender e viver com plenitude. O estado de
harmonia não é estacionário, mas sim um desafio contínuo do homem em se manter
saudável.
A atividade sensório motora desenvolve a aptidão psicomotora que
compreende o objetivo de melhorar as estruturas psíquicas responsáveis pela
transmissão, execução e controle do movimento, permitindo um trânsito fluido entre
o meio interno e externo. Estas atividades são indicadas por promover a saúde
mental e ao mesmo tempo o despertar da consciência da corporeidade. Tem por
objetivo instruir e promover a integração com o ambiente, contribuindo para a
harmonia nos diversos domínios da vida.
Há a melhora da saúde através do equilíbrio das dimensões morfológicas,
funcional, motora, fisiológica, sensorial e comportamental resultando em bem estar e
qualidade de vida. A regulação do tônus pode proporcionar a redução da ansiedade,
56
regulação do sono, auto-estima, auto-confiança. Realizada em grupo promove a
socialização combatendo o isolamento social e a depressão que é fator preocupante
na segurança do indivíduo inclusive na esfera do trabalho, de onde tira seu sustento.
Roeder (2003) observa que estas medidas visam a resolução bem sucedidas
das situações de crise de um indivíduo e culmina no desenvolvimento de um
repertório mais amplo de seus mecanismos de compensação e em senso de
direcionamento em relação ao seu papel, promovendo a saúde mental. A função do
exercício e da ASM no aumento da saúde psicológica parece ter também uma
relação positiva com as auto-percepções (estima, controle, eficiência), humor e
afeto. O indivíduo sente-se melhor consigo mesmo e com sua vida profissional
(trabalho) e isso é um passo importante nas relações interpessoais.
As recomendações são quanto a intensidade das atividades sensório motoras
que deve ser de leve a moderada como medida de segurança para a prevenção de
problemas clínicos (cardiopatias, medicação psicotrópica, descompensação do
quadro psíquico).
2.2 TÉCNICAS
No repertório técnico da PTME - Prática Terapêutica do Movimento
Expressivo temos: alongamento, danças, improviso corporal e sonoro relaxamento,
jogos interpretativos, expressão corporal, e demais variedades e combinações entre
estas com aproveitamento das possibilidades terapêuticas e pedagógicas. Também
trabalhamos propostas de habilidades motoras como equilíbrio, sustentações,
lateralidade chegando até a função de interiorização proposta por Le Bouchl (1987)
na psicocinética, além do desenvolvimento dos parâmetros do movimento como
coordenação, precisão e ritmo que proporcionam ao terapeuta uma gama muito
57
grande de dados exteriores observáveis. Foi mantido o repertório das artes plásticas
e visuais, argila, e outras já adotadas na Arteterapia e que por certo se mostram
fundamentais no processo. Na seleção das atividades é importante que estas
estejam o mais próximo da cultura dos clientes com os quais se está trabalhando.
Temos que pensar nos benefícios físicos e mentais ao inserir estas atividades
na arteterapia. Então, de acordo com Roeder (2003) podemos citar que: aumenta a
disponibilidade corporal, facilita as reações adaptativas, proporciona atitudes,
considera o indivíduo dentro de uma conduta dialética entre ele e o real, explora a
inovação e a criatividade pessoal, favorece maior sensibilidade, flexibilidade, leveza,
harmonia e definição de limites físicos e pessoais. Também proporciona mais
capacidade para o trabalho e realização do potencial humano. Por ser um espaço de
vivencia estimula a substituição de antigos hábitos negativos por novos padrões
positivos.
Ao trabalharmos as atividades sensório motoras e as artes do movimento na
arteterapia temos interesse em potencializar as técnicas das artes plásticas e
visuais, estendendo seus benefícios também para o campo onde ainda prevalecem
as técnicas da medicina tradicional, tais como: Cardiopatias, Infecções, Neoplasias
(tumores), Imunidade suprimida, Asma, Lombalgia, Fadiga crônica, Ler, Dort,
Cefaléia, Insônia.
2.2.1 Respiração
É uma das funções vitais do organismo. O movimento de inspirar e expirar
integra a primeira dinâmica respiratória por estarem mais relacionadas com o meio
externo e, portanto com o comportamento. A segunda dinâmica ocorre no nível
celular onde o oxigênio é absorvido para transformações bioquímicas. O sistema
58
respiratório tem alguns centros de comando que proporcionam o equilíbrio gasoso
dentro do organismo. O centro de comando mais importante está localizado
conjuntamente onde se alojam os centros de deglutição, vasomotor e cardíaco. A
função respiratória está intimamente ligada à harmonia da circulação sanguínea. É a
única função visceral executada inteiramente por músculos voluntários e controlada
diretamente pelo SNC. Devido a sua dupla inervação está na encruzilhada do
consciente e inconsciente.
É certo que existem interações entre o psiquismo e a respiração. Certos
casos de ansiedade levam ao excesso de contrações musculares (tonicidade) em
todo o corpo pela eliminação exagerada de gás carbônico. Estados emocionais
influenciam a respiração. Os transtornos mentais alteram a respiração. É uma
atividade dinâmica de integração psico-física-emocional que permite o exercício da
tomada de consciência do próprio corpo e que pelo equilíbrio integrador reorganiza
as forças alteradas, proporciona tranqüilidade, lucidez, restabelece o auto-domínio e
nos dá paz interior. Obtem-se melhores resultados ao combinar técnicas de
relaxamento com exercícios respiratórios.
2.2.2 Relaxamento
São muitos os métodos e técnicas de relaxamento. Alguns têm orientação
mais fisiológica, outros mais psicológica e ambas são benéficas as pessoas. Em
todos os métodos procura-se o reforço a homeostase fisiológica e psicológica.
Chama-se homeostase, a capacidade que o organismo tem de manter em um limite
estreito de variação, com valor praticamente constante, cada uma de suas
realidades.
59
A vivencia corporal, através do relaxamento, é o fator gerador de respostas
adequadas, onde se inscrevem todas as tensões e emoções que caracterizam a
evolução psico-afetiva do indivíduo.
O estado tônico traduz a multiplicidade de fenômenos neurofisiológicos
(história biológica do individuo) que estão intimamente relacionados aos episódios
da vida emocional. O corpo por vezes está tão tenso, que sentimentos e impulsos
são impedidos de chegar a sua superfície e atingir a consciência. Os impulsos
bloqueados pelas tensões têm que ser expressos e o foco maior do processo do
relaxamento se fundamenta na percepção consciente e na compreensão, onde o
indivíduo desenvolve uma identificação com o seu corpo e passa a reconhecer estes
estados tomando então a decisão de entregar-se as práticas saudáveis.
Através do relaxamento estimula-se a concentração e a consciência corporal.
Trata-se de educar o cliente a adquirir consciência de sua personalidade, a
desenvolver seu temperamento e a liberar-se de toda resistência a fim de perceber o
seu ritmo de vida individual. Deve aprender a combater as tensões inúteis que se
constituem como um obstáculo á expressão e comunicação e que muitas vezes se
manifestam como doenças psicossomáticas. É importante também a abordagem da
espiritualidade.
O relaxamento pretende atingir um estado de repouso e calma interior
benéfico a integração psicossomática.
Dentre os métodos podemos citar: ioga, eutonia, Vittoz, técnicas de
biofeedback, Soubiran (relaxamento global, trabalha o estado tônico e a
emotividade), Calatonia, Schultz (criação de situações cuja finalidade se resume nas
expressões interiores da afetividade do sujeito) e ainda massagens e outros.
60
2.2.3 Alongamento
Trata-se de um trabalho que respeita os limites articulares dos clientes e pode
ser usado como aquecimento e relaxamento. Exige concentração, sentir o gesto, os
movimentos são lentos e devem ser suaves. Aumentam a consciência corporal,
contribuem para o relaxamento, constituem um elo de ligação entre o mundo interno
e externo. Alivia os sintomas de ansiedade e aprimora o sistema proprioceptivo. O
de melhor resultado é o passivo auto conduzido com permanência nas posturas de
10 a 16 segundos. Promove o aprimoramento das capacidades perceptivas, facilita a
aquisição da “sintonia fina” e permite um trabalho de flexibilidade de forma bastante
consciente.
2.2.4 Jogos interpretativos
Os jogos teatrais, dentro de um espaço lúdico visam a vencer dificuldades
globais de expressão.
É o jogo de interpretação composto por palavras, gestos e evoluções espaçogestuais. Serve de mecanismo de controle emocional, percepção de condutas mais
adequadas e de vivencia de limites bem definidos. Também serve de estímulo ao
pensamento verbal, intuitivo e abstrato. O objetivo básico é ampliar e orientar as
possibilidades de expressão e comunicação do cliente (sentimentos, preocupações,
relacionamento, espontaneidade, imaginação, contato corporal e emocional do
grupo).
A construção de uma peça pode ser feita em conjunto, tema, roteiro,
personagens, construção dos cenários ou ambientação cênica e construção das
falas. A proposta pode cumprir etapas. O grupo já deve ter um nível razoável de
integração e confiança.
61
Também encontramos orientação no modelo da metodologia psicodramática
que Romaña (1996) apresenta:
1º passo: Aproximação intuitiva e afetiva (a dramatização é real e surge da
experiência ou dos dados de referência)
2º passo: Aproximação racional ou conceitual (a dramatização é simbólica)
3º passo: aproximação funcional (a dramatização dá-se no nível da fantasia).
Estas práticas são pedagógicas e podem ser praticadas na arteterapia em
escolas e empresas.
Na prática terapêutica da saúde mental esta atividade não deve ser longa
nem reproduzir situações de problemas pessoais muito próximos. Funciona como
uma terapia de grupo onde todos estão atentos e se ajudam mutuamente. É
importante a sucessão das ações em principio, meio e fim. Devem ser exploradas a
desinibição, a participação espontânea, a descontração muscular e a naturalidade.
Sua aplicabilidade nos transtornos mentais é difícil e cuidadosa.
2.2.5 Improviso corporal e sonoro
Está ligado a Educação Musical e a expressão corporal. Acima de tudo o jogo
da improvisação é extremamente prazeroso. Esses jogos têm finalidade pedagógica,
pois promovem a integração entre os níveis sensível e intelectual, de um lado,
musical e humano de outro, além de promoverem a conscientização.
Na
metodologia
da
educação
musical
(KOELLREUTTER,
1997),
a
improvisação por ser uma técnica vivencial remete a uma integração entre corpo,
movimento e som. São trabalhados aspectos educacionais, sócio-comportamentais
bem como uma nova estética musical com vistas a uma ampliação da consciência já
que a estética musical e sua linguagem são construções culturais presentes em
62
nossa civilização e nos ajuda a compreender as relações do movimento expressivo
humano com os universos sonoros.
Exercer o improviso sonoro e musical é disponibilizar-se para o apuramento
das discriminações perceptivas e coordenações instintivas buscando vivenciar-se o
processo criativo. A proposta também deve propiciar a descoberta do corpo no seu
aspecto do domínio espacial e interação. O improviso permite a descoberta das
sensações corporais e pode revelar ao longo dos trabalhos uma maneira própria do
indivíduo se organizar frente a um estímulo e a quantidade de recursos corporais
que dispõe para atuar. Mostram-se traços da personalidade e preferências, “estilos”
pessoais, envolvendo a imagem corporal. Podemos usar música, instrumentos
musicais, ou seleção de músicas características das varias culturas. Ex: batuque
africano. Pode ser aplicado individualmente e em grupo.
Cuidado especial na seleção e aplicação dos ritmos nos transtornos mentais.
Evitar a repetição e o frenesi em ritmos muito acelerados. Na forma lúdica é mais
interessante.
2.2.6 Dança
O homem não se concebe sem movimento. Já nas suas próprias células,
verdadeiros motores físico-químicos, ocorrem modificações físicas reversíveis
no seu citoplasma. O movimento, presente como padrão já no embrião, precisa
da relação com o espaço para acontecer como movimento, para se atualizar. O
homem nasce com as possibilidades, mas sem o reconhecimento do
experimento. Necessita se transformar num experimentador – tarefa que
tomará a si durante toda a sua vida – para se construir como o
proprietário/usuário do seu movimento. Quem esculpe o vivo é o movimento.
O movimento como sujeito, objeto e o signo dessa cognição que o corpo faz
quando dança. Um fluxo contínuo entre o movimento que se vê e o movimento
que avaliza todo sistema vivo. Porque tudo começa no cérebro, num meio
físico-químico neuronial e, depois, imprime no corpo as suas qualidades.
O corpo aprende a dançar no trânsito entre o determinismo e a aleatoriedade.
Um determinismo impresso na história evolutiva da sua espécie biológica que
coabita com uma característica de probabilidade, que desenha o seu modo de
existir. Por isso, tudo que conquista como conhecimento (fruto temporalizado de
uma aprendizagem) não pode se arquitetar como conhecimento estático (KATZ,
1994, apud DANTAS, 1994, p. 50).
63
A dança é uma atividade artística que se constrói no corpo em movimento. No
momento em que dança o corpo é o próprio objeto de arte. A beleza e a grandeza
do ato de dançar nos mostram que na execução da ação o homem não está
separado de si mesmo – corpo e alma – mas está sim inteiramente presente no que
faz. O “invisível torna-se visível”.
O Ser dança em seu corpo, com seu corpo e através do seu corpo.
Todo comportamento expressivo humano ganha significado no contexto
cultural; assim ao falarmos da dança como arte do movimento na arteterapia
queremos chegar a este ponto. Na terapia não se privilegia o adestramento técnico,
mas a dança no seu contexto expressivo e formativo onde a coreografia é o ponto
chave a ser desenvolvido. Ela é o discurso dos corpos, sua produção traz toda a
gama de conteúdos simbólicos do grupo que a trabalha e nela se insere, está
engajada culturalmente e também situa o ser humano no seu tempo político,
histórico e social. A arte coreográfica é a expressão da dimensão humana. Tudo que
nela é trabalhado é dinâmico. A auto-imagem, as motivações, os sentimentos
cinestésicos e as emoções. É o “espetáculo” do corpo unificado na sua
transcendência.
Ao considerarmos o dado estético nesta conjunção de carne, sangue, alma e
pensamento, o corpo que dança em seu discurso coreográfico traz consigo certas
coisas que precisam ser ditas para afirmar a beleza da Vida, coisas que dentro de
nós se constituem em estados de beleza pura, um dado da amorosidade, um dado
da eternidade, um dado da transcendência. Um dado do inesperado onde o
“outro” me alcança num nível de tensão X e me libera de mim num transbordamento,
num estado qualitativo de “lindamente” em mim! A “síntese mágica” de Arieti (1979)
que nos fala Allessandrini (1996).
64
Na dinâmica da dança, ou seja, distribuição das formas no espaço em várias
nuances rítmicas, encontramos a força do trabalho muscular e a intensidade
emocional que privilegia esta força como forma de expressão. Há uma relação das
bases de sustentação do corpo e a transferência de seu peso no espaço, com a
intensidade e a velocidade ao atravessá-lo. Relação com a urgência do conteúdo
emocional. Ritmo, divisão e duração do tempo. Isto é possível dado ao alto grau de
plasticidade do cérebro humano.
Segundo Wallon (1968, apud NANNI, 2003) os movimentos da dança vão se
propagar no espaço através da ação geradora do desejo, criada pela pulsão do
movimento. A pulsão dos movimentos inscritos em suas tensões tônicas traduz não
uma história pessoal, mas talvez a história da humanidade, a história da espécie
humana desde a sua origem. Tal como na oralidade, analidade e na genitalidade, há
também na motricidade o aspecto da libido – um prazer de movimento, um prazer de
agir, de existir pela ação. Energia psíquica.
Ao falarmos de dança também como motivação para desenvolver o trabalho
de uma linguagem comunicativo-expressiva na arteterapia, ampliam-se os
horizontes para adoção de técnicas além das usualmente adotadas cujos códigos
prontos já trazem embutidos uma performance dentro da estética vigente o que
anularia a possibilidade maior da Arteterapia que é o processo criativo. Aqui equivale
a dizer que o trato com o corpo não deve ser o submeter para obter altas habilidades
técnicas ou caso contrário a manifestação do ser dançante não emerge do ser
individual e sim de uma reprodução mimética de algo que pode não ser significante
para o executante.
Segundo Nanni (2003) deve haver um cuidado pedagógico na prática da
dança “os conteúdos são realidades exteriores ao aluno/cliente que devem ser
65
assimilados e não reinventados, eles não são fechados e refratários às realidades
sociais, pois não basta que os conteúdos sejam apenas ensinados, ainda que bem
ensinados, é preciso que se liguem de forma indissociável à sua significação
humana e social”. É uma questão de consonância do conteúdo com os aspectos
sócio-afetivos e histórico-culturais na linguagem simbólica. Deve ser significativo
para o executante.
Nanni (2003, p. 187) nos apresenta o seguinte quadro de abordagens que
consideramos muito pertinente para formatação da metodologia da PTME - Prática
Terapêutica do Movimento Expressivo. Vemos que a perspectiva orgânico estrutural apresenta aspectos terapêuticos no trato com o corpo e aprendizagem.
QUADRO 1 - Abordagens da Dança nas Perspectivas
Ensino Instrumental Técnico
Tende a utilizar técnicas sem considerar
sua carga semântica
Estabelece
processos
de
formação
coreográfica, referenciados mais pelo belo que
pelo sentido da prática para o grupo.
Estabelece uma quase cisão entre o
mundo da escola e o mundo dos “fazedores”
Não diferencia o tradicional do clássico, ou
seja, não valoriza a temporalidade e as marcas
individuais típicas dos processos de reapropriação
dos termos.
FONTE: Nanni (2003, p. 187).
Ensino Orgânico-estrutural
Articula gestos significativos para os
atores sociais e prioriza sentidos latentes.
Valoriza o sistemático estudo dos
processos de apropriação das técnicas e suas
vinculações
sócio-político-culturais
e
ideológicas.
Valoriza a totalidade sugerindo
atividades que articulem o mundo dos
“fazedores” (cotidiano do aluno).
Diferencia o tradicional do clássico;
investe na compreensão do ethos e admite
como elemento constitutivo da abordagem a
historicidade.
Já feitas às considerações da arte da dança na arteterapia e as perspectivas
pedagógicas lançamos mão de alguns dados técnicos que podem ajudar o terapeuta
na aplicação do movimento de forma consciente e na poética coreográfica facilitando
o surgimento da linguagem corporal.
66
Os Elementos básicos da arte da dança são o movimento e o ritmo; já os
fatores básicos do movimento são segundo Laban (1978): espaço, tempo, peso e
fluência. Esses fatores caracterizam o ritmo, a forma e a dinâmica de todo movimento.
Na física um corpo está em movimento quando ele ocupa posições
sucessivas no espaço, impulsionado por uma força. O impulso para a ação é
caracterizado pela execução de uma função de efeito concreto no espaço e no
tempo, por intermédio do uso da energia ou força muscular.
Laban (1978) definiu esforço como impulso que resulta em movimento.
Aqui vão algumas classificações de movimento segundo o Dr. Estélio Dantas
(1991):
Movimento Liberado: O movimento obedece como tudo na natureza, a uma
curva, desde o íctus inicial, passando por um clímax e chegando ao íctus final. Esta
curva desenvolve uma ordem em cujo total aparecem momentos de movimentos e
movimentos liberados em diferentes formas: balanceado, conduzido e percutido em
várias dimensões, proporções e infinitas combinações.
Diferentes graus de intensidade: Dinamismo (quantidade de força ou energia
utilizada em movimentos em separado ou total com pequena ou grande quantidade
de movimento).
Diferentes graus de velocidade: Andamentos em disposições rítmicas.
Movimento Balanceado: é o pêndulo. Para frente e para trás, abaixo e
acima, de um lado para o outro. Com um acento inicial, onde a contração muscular é
instantânea, o deslocamento é feito em seguida pela quantidade de movimento
adquirido. A dimensão da ação resultante depende da força ou energia do impulso
inicial. O movimento lançado é uma variação do movimento balanceado onde o
67
começo do balanço é forte. O retorno ou procedimento são necessários, mas
diminuídos neste tipo de movimento.
Movimento Percutido: É preciso, com início vigoroso e com uma parada
brusca. A parada abrupta é a principal característica deste movimento. O movimento
vibratório é uma variação do movimento percutido com uma força inicial, a parada e
o retorno são tão rápidos que o movimento resultante passa a ser oscilado, vibrado,
trêmulo ou sacudido.
Movimento Conduzido: É suave, contínuo e sustentado, com tal integração
em sua continuidade de ação que não pode ser percebido. O movimento sustentado
ou suspenso é uma variante do movimento conduzido, com a impressão de estar
momentaneamente flutuando no espaço, com um acento ou impulso inicial mais
marcado do que o simples movimento conduzido.
O trabalho corporal deve visar o domínio corporal, a harmonia entre a
musculatura esquelética e o sistema nervoso. O equilíbrio entre músculos e
articulações na manutenção do tônus muscular se alia ao funcionamento do sistema
nervoso que promove reações que satisfazem aos parâmetros de execução do
movimento: coordenação, precisão e ritmo em esforços que se opõe a força de
gravidade.
A forma corporal é o contorno do todo ou de partes do todo ou o contorno da
massa corporal e seus componentes específicos. No corpo humano as formas se
apresentam
com
uma
variedade
de
linhas
retas,
curvas
ou
angulares
separadamente que se combinam, parte e parte, todo e parte, numa gênese
perpétua, permitindo ao corpo os desenhos espaciais e atitudes corporais. Forma é
corpo, matéria prima energizada, em constante transformação, articulada em seu
eixo e suas capacidades motoras, na relação com o espaço em diferentes situações,
68
diferentes fases do movimento. A forma possibilita a variedade e a diversidade de
combinações e seqüências que para se configurarem no domínio espacial são
aliados as transferências do peso do próprio corpo, e das locomoções e
deslocamentos do mesmo ou de partes do mesmo, ou do todo e suas partes. São os
deslocamentos e transferências sucessivas do próprio peso que possibilitam o corpo
relacional. Assim o corpo fala...
Dado que no corpo humano a colocação dos olhos não permite que nos
vejamos inteiros, mas nos sentimos e nos percebemos, a forma corporal seria para
alguns autores a manifestação do inconsciente da personalidade do ser para o
consciente do mesmo. [...] “pois a atitude postural é resultado do forte
comprometimento emocional, vazado, inconscientemente, pela forma externa de
nosso corpo” (FREUD, 1948, apud NANNI 2003, p. 123).
Na saúde mental a coreografia deve ser aplicada com bastante estimulo do
potencial criativo, com poucas repetições, com participação espontânea e como não
deverá ser levada ao público, trabalhar em grupos de forma que ao final cada grupo
poderá mostrar sua produção para o outro e assim alimentarem mutuamente as
percepções e a transição dos dados para a verbalização. É fundamental o exercício
de ver, observar os corpos dançantes em toda sua expressividade e beleza.
Aqui lembramos a importância para o uso desta técnica, na arteterapia, dos
conceitos vistos no primeiro capítulo. O corpo saudável no seu desenvolvimento e
capaz de viver uma experiência cultural.
Nas manifestações expressivas do corpo os múltiplos discursos corporais
desvelam-se, multiplicam-se... Em algum momento o corpo que dança me remete a
mim, me captura... Nela se inscrevem as marcas, os registros dos corpos e traz
consigo possíveis diálogos do prazer e do poder. Seja na dança ritual de invocação
69
dos espíritos, seja hoje onde os corpos dançantes invadem as ruas (trios elétricos,
tribos de dança de rua, etc.) fica clara a intencionalidade comunicativa do corpo. Em
tempos primitivos quando o código da palavra ainda não era estabelecido, o homem
já se servia do movimento corporal para se comunicar. A dança assim pode ser
considerada como primeira manifestação de uma prática social. O homem e seu
próprio corpo como mediador dentro do universo.
2.3 DOS CONTEÚDOS A APLICAR E BASE DE FORMATAÇÃO DAS SESSÕES
A metodologia da PTME - Prática Terapêutica do Movimento Expressivo foi
desenvolvida por ocasião do estágio supervisionado na pos graduação em
Arteterapia com clientes portadores de transtornos mentais: TOC - Transtorno
Obsessivo Compulsivo, Transtorno do Humor Bi-polar e Esquizofrenia, através do
meu projeto “Artes da Vida, procura e cura”, no Hospital Dia, da Clínica Psiquiátrica
do Hospital de Clínicas Gaspar Vianna do Estado do Pará. Foram 2 meses
aproximadamente entre apresentação do projeto e tramites para ser aceita e 6
meses efetivamente dentro do Hospital. Muito aprendi. Foi um estudo gratificante.
Minhas observações são decorrentes não só de perceber um discurso embutido nas
minhas coreografias, mas também das experiências vividas, no Hospital Bettina
Ferro da Universidade Federal do Pará e no Hospital Dia do Hospital de Clínicas
Gaspar Vianna com saúde mental. Nos atendimentos sempre se apresentava a
necessidade de um trabalho corporal mais constante e sistemático. Com a saúde
mental esta necessidade é premente, face a não comunicação do ser com ele
mesmo, ou seja, com seu próprio corpo e o mundo. Estas constatações se fizeram
sempre presentes nos vários grupos com os quais trabalhei. Uma espécie de
denuncia, de “ausência” do seu próprio corpo, de um corpo indisponível e que na
70
maioria das vezes se impunha em apelos: dores, instabilidades emocionais, reações
de apatia e desânimo, falta de auto-estima. Quase uma impossibilidade de interagir
com meio ambiente e com o outro.
Muitas vezes pensei que a metodologia da Prática Terapêutica do Movimento
Expressivo, PTME, não me mostraria indícios de validação. Quando mostrou vi que
pode ser um excelente aliado no atelier terapêutico não só da Clínica Psiquiátrica,
mas também em outras instituições, escolas, empresas e clínicas.
A PTME-Prática Terapêutica do Movimento Expressivo é uma metodologia
com enfoque sistêmico cujos procedimentos compreendem três fases e suas
técnicas são advindas dos recursos artísticos e expressivos das atividades sensório
motoras e artes do movimento inseridos na arteterapia juntamente com as outras
técnicas.
Seu objetivo é promover um processo mais amplo de saúde e a re-
inserção sócio comunicacional dos clientes. Na obtenção dos resultados positivos as
técnicas foram estrategicamente selecionadas priorizando os objetivos acima citados
e atendendo necessidades que visam ao desenvolvimento do potencial criativo, a
ampliação do campo das discriminações perceptivas, a promoção de interações
novas a nível intrapessoal e interpessoal e atender as solicitações de desgaste físico
e emocional frente ao estado do corpo doente, stress.
A Prática Terapêutica do Movimento Expressivo entende o movimento
humano como matéria prima em constante transformação. Este olhar requer um
cuidado especial no processo. No seu caráter de forma o movimento é o “visível do
invisível”. Mas forma e conteúdo não podem ser separados já que a disponibilidade
corporal na realização do movimento se alicerça numa inteligência e memória
corporal. Impossível separar forma e conteúdo já que é o corpo que “desenha e dá
colorido” ao espaço interno onde vive a si mesmo e ao espaço externo onde se
71
insere. Corpo que desenha num espaço as emoções de um tempo. A disponibilidade
corporal está alicerçada numa inteligência e numa memória corporal que permitem
ao ser que se movimenta e dança exercer suas potencialidades criadoras acessando
saberes e fazeres corporais
A sessão de atendimento segue a Metodologia das Oficinas Criativas de
Allessandrini (1996) e os pressupostos teóricos de condução dos procedimentos em
fases obedece ao modelo do ETC Expressive Therapies Continuun (KAGIN &
LUSEBRINK, 1978) onde nos concentramos em facilitar a passagem pelo nível
perceptual-afetivo (Express) e chegar até o cognitivo.
O procedimento de condução do processo compreende 3 fases. Uma sucede
a outra, mas sem perder de vista os conteúdos trabalhados. Posso dizer que se
interpenetram. Cada uma apresenta metas/prioridades a serem atingidas, aporte
teórico, condução dos observáveis e avaliação apoiado na análise microgenética
dos aspectos afetivo-cognitivos (ver anexo A) de Allessandrini (2000), e os recursos
técnicos utilizados. Sempre colocamos o foco na fase da função perceptual afetiva
para em seguida conduzir para o cognitivo-simbólico. O criativo deve permear o
processo. Foi priorizada a consciência corporal e as relações intra e interpessoais.
Em
todas
as fases
do
processo
foram
mantidas
as Oficinas
Criativas
(ALLESSANDRINI, 1996).
Decidi pela re-significação do movimento de andar como movimento básico
de locomoção na primeira fase. Em relação ao express, a linguagem corporal foi se
materializando principalmente a partir do jogos expressivos na 2ª fase do processo.
Na terceira fase “passeávamos” entre as várias aquisições e principalmente
seqüências mais longas de movimento (coreografia) com intensa participação dos
clientes e muita liberdade de rir, falar, manifestar-se através de comparações, pedir
72
ajuda, e liberdade de colorido emocional. Considerando esta fase como inteligência
do movimento eu não visava a reprodução do desenho espacial e forma exatas
como mera cópia do que foi proposto, mas sim, permitia as alterações e
aproximações e até as vivencias do movimento com “problema” normalmente
considerado como “errado”, por que meu olhar passou a ser o de perceber que o
cliente vivia um momento de compatibilizar forma e conteúdo, por que ali estava a
possibilidade de superação, de contato consigo e que ele passava pelo processo
totalmente envolvido, disposto ao “desafio” de lidar com solicitações de muitas
competências ao articular informações de tempo e espaço ao seu próprio corpo, ao
corpo do colega e ainda ao corpo do terapeuta. Trabalhei as noções de tempo e
espaço, variações rítmicas, memória e inteligência do movimento (sugestões de
combinações de movimento, combinações e sínteses que “vazam” ou transbordam
como linguagem poética).
As transposições com registros gráficos e visuais, que foram usados em todas
as fases dentro das oficinas criativas, também abriram excelentes oportunidades
para verbalizações, bem como algumas vezes ficou visível a passagem pelo ETC.
Sempre iniciei pela respiração e no fechamento adotei o relaxamento seco.
Procurei trabalhar a emoção e o stress.
Para os que têm toc, a técnica do rabisco foi muito usada e apresentou bons
resultados. Muito proveitoso.
Partia do individual para o grupo com muitas aproximações e toques físicos
cuidadosos.
Também foram trabalhados produções e materiais trazidos pelos pacientes.
Outros atendimentos aqui denominados de Terapia Breve Individual e Terapia
Breve Conjunta foram determinados pela urgência com que o fenômeno ocorria
73
(relaxamento em estado de contenção, surtos, angústia quase impossível de
controlar, medo acompanhado de choro frente a imagens violentas, queixas de
ordem física) bem como visando a integração cliente e familiares. Também
pensamos na questão do gerenciamento da emoção e do estresse. Aqui era o
momento do familiar se “mostrar” disposto a rir, brincar, permitindo a abertura ao
afeto e uma condução mais favorável ao processo de re-inserção comunicacional do
cliente. Muitas vezes os próprios familiares solicitaram este atendimento. Os
resultados são animadores.
A Metodologia da PTME – Prática Terapêutica do Movimento Expressivo
É importante que o terapeuta faça a adequação das fases de acordo com as
necessidades dos clientes e do tempo disponível.
1ª. Fase: Resgate e re-significação.
2ª. Fase: Relações interpessoais.
3ª. Fase: Inteligência do Movimento. O todo e as partes. Ritmo
Em todas as 3 fases do processo, os atendimentos foram feitos utilizando as
Oficinas Criativas de Allessandrini (1996).
1ª Fase: Resgate e re-significação
Nesta primeira fase decidi pela re-significação do movimento de andar como
movimento básico de locomoção. Fui buscar subsídios nos estudos de separaçãoindividuação (MAHLER, 1982). Primeiras possibilidades de estabelecimento de
contato com o mundo através das possibilidades do movimento. Considerei a
importância de uma provável re-significação quando do momento vivido em que o bebe
sente seu corpo separado do corpo da mãe. Quando é inserido em vários espaços
74
através do “colo” da mãe. Quando dos três meses em diante, a capacidade de olhar,
ver, se estabelece e o bebe poderia (uma hipótese) distinguir não só o rosto, mas
também o “corpo” da mãe ou outro que cuida dele, ir e vir, desenhando formas e dando
orientação espacial aos membros e sentido aos gestos. Estes podem ser fenômenos
que correspondem ao processo vital de começar a “me encontrar”, permitindo
referenciar um tônus que disponibiliza funções que se desenvolverão até o ficar de pé e
andar. Fiz uma progressão. Rastejar, engatinhar, sentar, ficar de pé. Trabalhei o resgate
de possibilidades motoras em ações básicas de movimento sem perder de vista o
significado apreendido das palavras. Re-significação do movimento.
Há a necessidade de trabalhar habilidades para ampliação do repertório
motor e a consciência corporal. Podemos suprir estes aspectos pela observação e
registro do surgimento de inúmeros limites no conflito entre a proposta e o
executável pessoal. Referenciarem-se uns ao outros também é de importância.
A condução dos observáveis e avaliação foi apoiada na análise microgenética
dos aspectos afetivo-cognitivos de Allessandrini e ainda em alguns dados mais como
postura e atitudes posturais, orientação espaço temporal, domínio espacial, dinâmica
do movimento, ritmo, fluência que conforme se davam a perceber exteriormente
eram anotados nos relatórios.
Recursos Técnicos:
Alongamentos
Movimentos básicos de locomoção: Rastejar, engatinhar, sentar, ficar de pé
(alternar e encadear passagens para outras formas). Ajoelhar, sentar e levantar
(montar e desmontar as formas, descobrir possibilidades).
Associar deitar, rolar, rastejar, engatinhar, sentar, ajoelhar, andar, de forma
livre, descoberta pessoal de cada um. No intercalamento entre as solicitações
75
corporais há necessidade de adotar essas posturas. Depois que ficamos de pé, o
rastejar tornou-se desnecessário, mas tem possibilidades de intencionalidade
comunicativa e exploração tátil do corpo com o solo.
Desenvolvimento de habilidades sensório motoras.
Trabalhar figurações no solo e no espaço. Retas, curvas, círculos,
transposições de obstáculos. Flexões, elevações, queda e recuperação. Evoluções.
Iniciar explorações com som e silêncio. Ruídos, palmas, assovios, murmúrios,
emissões de sons e palavras em pequenas seqüências criativas, livres.
Ludicidade.
Relaxamento.
Grafismo, desenho e pintura com lápis cera, canetinha hidrocor.
Recorte e colagem
2ª Fase: Relações interpessoais
Temos então a ênfase nas relações objetais e espaço transicional. A seleção
dos objetos deve favorecer não só a linguagem oral, mas deve ser instigante da
linguagem corporal visando chegar ao Express (perceptual afetivo). Os objetos
devem permitir manuseio e evocar a sintonia com afetos do cotidiano de todos nós.
A ação e suas relações espaço temporais. A interação. Aqui começamos a avançar.
O corpo vivido manifesta-se e começa a “vazar” para o exterior, para o outro.
A condução dos observáveis e avaliação estão apoiados na análise
microgenética dos aspectos afetivos-cognitivos de Allessandrini (2000) e ainda em
outros registros como postura e atitudes posturais, orientação espaço temporal,
domínio espacial, dinâmica do movimento, ritmo, fluência.
76
Recursos técnicos
Alongamento e trabalhos visando flexibilidade.
Desenvolvimento de habilidades sensório motoras.
Improviso corporal e sonoro
Explorar ritmo. Som, silêncio e música.
Dinâmica do movimento na sua associação com o ritmo.
Função de interiorização.
Composição poética. Linguagem.
Dança proposta lúdica.
Dança proposta simbólica.
Jogos expressivos, Teatro.
Explorações corpo/objeto e narrativas.
Gestuais expressivos, seqüências e variações.
Recorte e colagem.
Acrescentar pintura com o dedo, tinta guache.
Contar estórias a partir da produção obtida.
Trabalhar individualmente de forma a permitir a observação do corpo do
colega em ação. Encaminhar também para duplas e pequenos grupos.
Na transposição de linguagem a materialização deve ser solicitada fazendo a
ponte com o que anteriormente foi vivido.
Relaxamento.
3ª Fase: O todo e as partes
Na progressão das fases do processo podemos dizer que primeiro
trabalhamos as relações intrapessoais (1ª fase), em seguida as inter-relações e por
fim relações meio ambiente (3ª fase).
77
Aqui se mesclam intencionalidade comunicativa e inteligência do movimento.
Pequenas coreografias com propostas do próprio grupo e com propostas do
terapeuta. Na seleção das propostas o cliente deve ficar a vontade para sugerir, pois
este é um recurso que o terapeuta tem para perceber como se mostra o
engajamento sócio cultural do corpo do cliente.
Solicitam-se maiores habilidades de coordenação, precisão e ritmo. Pode-se
acrescentar graus de dificuldade. Giros e voltas.
O todo e as partes. Um movimento como base e trabalhar com suas
variações e combinações.
Recursos técnicos:
Relaxamento
Trabalhos visando flexibilidade
Solicitação da função de interiorização
Explorar ritmo em solicitações mais difíceis.
Continuar jogos expressivos.
A coreografia com seqüências dadas pelo terapeuta.
A coreografia a partir de um tema. Livre criação e ordenação.
Dança de salão de aplicabilidade lúdica, não performática.
Gestuais expressivos, seqüências e variações.
Trabalhar também em duplas e grandes grupos.
Grafismo, artes plásticas e visuais, confecção de bonecos, argila, materiais
coletados na natureza, confecção de murais em conjunto, recorte e colagem.
78
Observações:
Fazer adequação das fases de acordo com as necessidades dos clientes e do
tempo disponível.
Na transposição de linguagem a materialização deve ser solicitada fazendo a
ponte com o que anteriormente foi vivido.
Nos transtornos mentais recomendamos poucas repetições, nenhuma
exigência quanto ao desempenho e observação cuidadosa de cada cliente quanto
ao estado emocional durante a execução que deve ser de alegria e prazer.
A condução lúdica é importante.
Sobre as Oficinas Criativas:
Aqui apresentamos nosso entendimento de como podemos viabilizar o uso
das técnicas de acordo com o encadeamento das etapas das ações nas “Oficinas
Criativas”, na PTME – Prática Terapêutica do Movimento Expressivo.
1ª Sensibilização: a respiração
Objetiva o contato com o mundo interior e com a proposta. Deve favorecer um
estado de relaxamento. É uma intervenção suave. Deve produzir descontração
muscular, comutações vaso-motoras e recondicionamento do ânimo. Preparação
para o criativo. Na sensibilização sempre começar com a respiração, gestos largos,
amplos de abertura para o mundo.Respiração e Relaxamento.
2ª Expressão Livre: experienciar, montar e desmontar.
Fase de exploração. O sujeito está de posse do material (seja seu próprio
corpo) para a realização de um trabalho. Solicitação intensa da imagem corporal.
79
De seu corpo consigo e com o outro. Aciona-se um saber fazer. Aparecem limites
nas experimentações. O corpo se impõe. O corpo se reconhece. O corpo brinca. Ele
limita, mas ao mesmo tempo sugere outras infinitas formas para os conteúdos. Dá
formas ao corpo e desenha no espaço. Emergem conteúdos.
3ª Elaboração: seleção, ordenação consciente.
Pressupõe um redimensionamento do que foi feito no campo do não verbal.
Observa-se, localizam-se novas formas nas figuras que emergem e saltam aos
olhos. A experiência se amplia na abertura de suas significações.
A arte do EU – materialização e significações ou re-significações. O que
materializa no tempo e no espaço. Um novo gatilho detonador de conhecimento.
No trabalho com o corpo percebo que a linguagem do movimento acontece
aqui. Considero que aqui devemos orientar a primeira transposição de linguagem.
Chamo de transposição pelo motivo da proposta já trazer uma forma e conteúdo
ordenado. Vive a experiência corporal, internaliza o conteúdo, movimentos voltam
recriados em gestos, ações, exprimem intencionalidade, individual, em duplas ou
grupos maiores.
O processo criativo e o poder de decisão de algo a materializar implicam em
acionar conteúdos do saber fazer e também do conteúdo afetivo que se da a
conhecer na escolha. È uma solicitação que exige ordenação de forma e conteúdo
no espaço tempo e vem carregada de uma energia com tensão x cujo ritmo no
interior do próprio corpo é estruturante do express. Esta linguagem pode informar sobre
atitudes e emoções. Privilégio das ações e interações subjetivas. Relaxamento.
80
4ª Transposição de linguagem: “ponte” com o que foi vivido.
A materialização deve ser solicitada fazendo a “ponte” com o que
anteriormente foi vivido.
Passagem dos conteúdos para uma nova linguagem.
Tenho então adotado nesta fase a transposição visual para desenho ou
pintura, a verbalização e a escrita. Experiência o contato e a sensação dos materiais
propostos nesta etapa.
Ele escreve sobre o que viveu ou desenha.
Allessandrini (1996) aqui prioriza o uso da palavra. Na nossa experiência para
articular com as vivencias corporais, nos mantemos nos registros plásticos, visuais
através dos vários materiais. É como um novo caminho subsidiado com dados
coletados sobre si mesmo.
5ª Avaliação - estímulo à oralidade
Exposição oral individual e com o grupo.
Recomposição das etapas processuais, o que permite que a aprendizagem
produzida seja tornada consciente.
O próprio cliente fala sobre seu trabalho e pode fazê-lo pelo conteúdo ou pelo
processo vivido e aqui aparece o falar do próprio corpo. As vivências com o
movimento nos proporcionam usufruto dos saberes corporais. Reconhecimento de
experiências. Nas representações do discurso vemos o que o corpo como mediador
possibilitou no plano pessoal. Pode associar cores, formas com propostas de
movimento vividas, contar estórias.
Em todas as etapas são usadas as atividades sensório motoras ou dança. Só
a partir da quarta etapa da oficina criativa é que passamos a trabalhar com as artes
81
plásticas e outras como modelar argila. Há também uma variante onde na primeira
fase trabalhamos com as artes visuais, grafismo, recorte e colagem como estímulos
para depois trabalhar as propostas com o corpo.
No fechamento: “Palavras ao coração”. Funciona como um código entre nós,
e também como relaxamento seco. É uma despedida diária com carinho e
manifestações orais espontâneas. Depois de ditas as palavras, mensagem que cada
um quer deixar vem o comando: „agora vamos apanhar no ar tudo de bom que
dissemos uns aos outros e vamos levar para dentro do coração‟. É acompanhada do
seguinte gestual: elevar os braços a frente do corpo até a altura dos olhos; em
seguida movimentam-se os dedos como se tocássemos as palavras e suavemente
vamos conduzindo a descida de nossos braços em direção ao coração. Lá
permanecem as mãos, por alguns segundos, uma sobre a outra. É um tempo
emocional de passagem, sempre procuro observar o estado emocional de cada um
e como se dá a perceber sua “volta” ao cotidiano. Ajuda no afastamento, na
supressão da presença do terapeuta.
A PTME - Prática Terapêutica do Movimento Expressivo dentro da Arteterapia
caminha sob estas possibilidades favorecendo as experimentações, re-arranjos e resignificações
que
permitem
ao
corpo,
mediador
do
mundo,
vivenciar-se
criativamente. O mundo das relações interpessoais e sócio comunicacionais
solicitam permanentemente um corpo disponível para a interação.
82
CAP. 3 - RESUMO DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO
Mas se mostro o que sou, como sou, o que sinto e o que vivi, então, meu
“íntimo” está por fora. Meu corpo é minha alma. Por isso não quero saber de
meu corpo. Porque ele é eu. Porque ele é muito mais do que eu... se o
corpo não for meu, de quem será? (GAIARSA, 1984, apud ROEDER, 2003).
Apresento de forma concisa os dados principais do trabalho desenvolvido por
ocasião do estágio supervisionado na pós-graduação em Arteterapia com clientes
portadores de transtornos mentais:, Esquizofrenia, Transtorno do Humor Bi-polar e
Transtorno Obsessivo Compulsivo TOC, no hospital dia, da Clinica Psiquiátrica do
Hospital de Clinicas Gaspar Vianna do Estado do Pará, onde foi desenvolvida a
metodologia PTME-Prática Terapêutica do Movimento Expressivo.
No plano de trabalho (anexo B) temos uma idéia geral do desenvolvimento
do Projeto Artes da vida, procura e cura. Ele nos dá um panorama da atuação e
ajuda a estruturar o atendimento face a tantas solicitações. Nele temos: as unidades
de trabalho. Onde tem pop leia-se população ou grupos envolvidos. Os
atendimentos em arteterapia estão nas unidades 4, 5 e 6.
3.1 REFLEXÕES
Inicio com as observações e reflexões pessoais condutoras do processo:
- 18/07/2004, Domingo. 2ª semana do estágio
„Estou no hospital desde o dia 12. Tenho lido sobre esquizofrenia. Tenho
prestado atenção às médicas. No nosso trabalho preciso me habituar com a idéia da
eterna descoberta. Tem que fazer sentido. Se está acontecendo tem que fazer
sentido.
Se a relação com o mundo que o esquizóide tem é de perda de possibilidades
comunicativas, intenções não se realizam. De onde viriam? Não há ações
83
intencionais realizadas. A intenção é de enorme valor no processo de cura. Isto é um
fato. Para se comunicar com o mundo o único mediador é o corpo. A própria fala, a
palavra é propiciada pelo corpo. O Ser-Eu tem que transitar em seu corpo. Plenitude.
Quando olho para os pacientes percebo que há necessidade de resgate de
possibilidades motoras que facilitem o Express (passagem pelo nível perceptual
afetivo). Que sejam dotadoras de sentido, que criem significações, elos
encadeadores do desenvolvimento pessoal.
Se considerarmos também a significação do gesto e a estrutura do
movimento no espaço como aprendido culturalmente e as determinações naturais da
sobrevivência do corpo vemos que isso também está perdido. Também penso no
ritmo. Será que o único ritmo é o que independe da vontade? A entrada e saída do
ar? As batidas do coração? O Ser percebe isto?
Eu tento pensar numa metodologia que resgate a consciência destas
possibilidades como uma forma de restabelecer contato de si para si e com o mundo
externo. Também percebo que é difícil para eles responder as solicitações de
movimento. Os comandos que requerem localizar e ativar partes, segmentos, não se
completa. Parece também não ser inteligível. Vou ter que executar na frente deles e
pedir que acompanhem. Talvez agora eu tenha compreendido porque tenho sido tão
solicitada a fazer os movimentos na frente das pessoas. É ver o outro saindo de si
que me faz crer na minha possibilidade de me organizar no espaço. Aprendemos a
andar assim. Penso. Ai a questão fica mais complexa. Eu faço na frente e com eles.
E depois tenho que evitar o estereótipo. Caminhar para o criativo. Mas criar não vem
do nada. Vem do vivido. Então talvez eu possa conjugar as duas partes. A parte que
eu executo e ganha significações pessoais no mundo interior de cada um, além da
84
comunicação comigo que percebo que eles querem e o tempo de espera da
assimilação e equilíbrio majorante para o Express e a saída de si para o mundo.
O ritmo também tem que ser cuidado. Som e silêncio. Quero fazer a
descoberta aliada ao cotidiano com os ruídos dos próprios objetos: cadeiras, mesas,
em forma de jogos, proposições e também recursos corporais como a emissão de
sons, vozes, gritos, sussurros. O irreal torna-se real. Surge a possibilidade de
romper o isolamento, de lidar comigo mesmo e com o outro. Será que as
alucinações e os delírios melhorariam?‟.
Apoiada
nestas
reflexões
e
entendendo
a
“falência”
do
sistema
comunicacional do cliente como problema principal, toda a condução dos
procedimentos foi focada exaustivamente e em todas as três fases da metodologia
da PTME, na passagem pelo nível perceptual-afetivo (Express), onde podem ser
elaborados os dados de realidade e simbolismo do corpo e do movimento humano.
Daí a necessidade de inserir as práticas e artes do movimento, tentando oferecer
possibilidades de descoberta e reconhecimento da ação pessoal, pelos poderes e
resistências, pela capacidade de abertura e pelos limites do próprio corpo além da
intencionalidade comunicativa carregada de afetos.
3.2 OS GRUPOS, CARACTERÍSTICAS E QUESTÕES.
Trabalhamos com dois Grupos de clientes nomeados: Grupo I fixo, Grupo II
flutuante. A característica comum é que todos têm transtorno mental. Apresentam
esquizofrenia em suas várias formas, transtorno obsessivo compulsivo TOC e
transtorno do humor bi polar em grau elevado e em pequeno grau.
85
O Grupo I, fixo, tem pacientes em níveis de transtorno avançado e até com
comprometimento. Resistentes. Respondem pouco ao tratamento. Conquistá-los foi
um exercício de amor e inteligência. É um grupo “pesado”, os resultados são lentos.
O Grupo 2 é flutuante e os pacientes têm menor nível de transtorno e
comprometimento. Suas rotinas ainda não estão definidas, muitas vezes acabaram
de sair do internamento. Vêem para as sessões e voltam para o internamento.
Nos dois grupos a idade variava entre 14 a 60 anos aproximadamente.
Dados como: diagnóstico do transtorno e níveis de comprometimento são
diferenciados.
Os níveis de escolaridade são diferentes não só no grupo de pacientes, mas
também no de familiares.
As classes sociais também são diferentes com predominância do baixo poder
aquisitivo, baixa qualificação profissional, inclusive dos pais. Pouca ou quase
nenhuma vida social e lazer. Nenhum acesso a bens intangíveis como arte.
Trabalhei com os dois grupos não foi para mensurar as diferenças entre os
que receberam as sessões e os que não receberam. Foi para que eu dispusesse de
maior campo de trabalho e número de horas de estudo na aplicação do
procedimento já que o tempo de 6 meses era pouco. Aqui contei com o apoio da
direção do hospital dia e sua equipe que depositaram confiança em mim e
encaminharam um número alto de clientes, em média de 12 por sessão. Alguns dias
o número chegou a 20 numa única sessão. Muitas vezes eles mesmos pediam para
se encaixarem no grupo. Também se encaixaram espontaneamente no trabalho
estagiárias de Terapia Ocupacional e Psicologia que muito me ajudaram. Penso que
isso enriqueceu a experiência e que vem reforçar os resultados.
86
Nos grupos de clientes I e II encontramos: pouca ou nenhuma relação
interpessoal, pouca ou nenhuma motivação, medo, desconfiança entre si, apatia,
alheamento, intolerância, agressividade, tristeza, repetição de padrões, pouca
criatividade, falta de consciência corporal, muitas queixas de natureza física como
cansaço e falta de ar (podendo ser somática ou de efeito colateral), altíssimo nível
de stress com enorme dificuldade de relaxar. Me chamou atenção particular a
dificuldade destes clientes em vivenciar a alegria. A maior questão é: tenho cura?
Vou parar de tomar medicação?
No Grupo de Familiares verificamos a presença de doenças somáticas. A vida
familiar está seriamente prejudicada. Têm pouca compreensão sobre a doença do
familiar. Encontramos a exaustão, a solidão, a criação da dependência institucional e
stress permanente.
Um problema sério que se apresentou ao lidar com familiares foi nas terapias
conjuntas onde a exigência advinda da comparação com a “normalidade”, faz com
que exerçam pressões constantes sobre o cliente, para que este execute
“corretamente”. O terapeuta precisa estar atento as falas.
3.3 A ATUAÇÃO, AS QUESTÕES PESSOAIS E CONDUTA.
No momento da atuação se apresentaram muitas questões das quais foram
prementes:

Clarear os objetivos a partir do que foi proposto no projeto e racionalizar o
atendimento.

O que priorizar.

Que técnicas usar nas abordagens e sessões que me permitissem uma
continuidade e encadeamento com a sessão seguinte.
87

Como aproveitar a metodologia das oficinas criativas tendo como foco o
movimento humano.

Como dar conta dos observáveis, mesmo usando o material formatado para as
observações, mas que muitas vezes requer adaptações em se tratando do
próprio corpo como sujeito e objeto.

Como despertar o interesse e a participação.

Como manter o feedback positivo até a próxima sessão.

Como atuar em permanente estado de dúvida sobre o ponto de lucidez que o
paciente se encontra.

Que nível de relação manter: mais frio e impessoal ou mais caloroso e amável.

No trato com as questões citadas e visando a superação das dificuldades do
grupo adotamos uma conduta de abertura, amável com propósito de:

Estabelecer a confiança com atenção, escuta e carinho.

Adequação dos conteúdos: sessão preparada sem rigidez, interrompendo
quando preciso e flexibilizando o tempo. Seleção cuidadosa dos materiais.

Na transposição de linguagem para registro visual manter o conteúdo ou conduzir
para o nível afetivo/cognitivo.

Facilitar a interação partindo do trabalho individual para duplas, chegando até as
propostas em grupos.

Permitir entradas e saídas.

Insistência suave para que verbalizem.

Liberdade na verbalização para falar sobre os assuntos que tanto incomodam.
Como agressividade e fatos traumatizantes ocorridos no hospital e/ou vividos por
eles na minha ausência.
88

Sondagem do clima sempre antes da sessão. Procurei engajar-me nos outros
grupos terapêuticos principalmente de terapia médica com a psiquiatra.

Aceitar os resultados. Não discutir, rotular ou adotar posturas excludentes.

Admitir o processo acontecer a partir deles.

Ter cuidado na dosagem da intensidade das atividades sensório motoras.

Aplicação lúdica.

Insistir no Express. (foco da metodologia aplicada)
Em ambos os grupos foi priorizada a consciência corporal e as relações intra
e interpessoais. A estrutura das sessões começou com a observação do andar. Eles
andam muito, o tempo todo e à toa. O movimento dos membros superiores é
“armado” como se protegendo ou impossibilitado de soltar-se. O dos membros
inferiores é arrastado. Não manifestam nenhuma gestualidade expressiva. É como
se fossem partes de “nada” Eles não conduzem seus corpos. Eles arrastam seus
corpos. Confirma-se a observação de Winnicott (1989) de que na esquizofrenia “há
um leve traço que une corpo e mente”.
3.4 RUÍDOS
As sessões de atendimento requereram muito cuidado. Internamente o grupo
se desestruturava face ao inevitável. Enormes silêncios e olhares pedindo ajuda me
envolviam. Senti a aridez do campo de estudo quando havia reincidência dos casos
de surtos, fugas, ameaças de suicídio, agressão, contenção, ameaça de
internamento, problemas com a policia. Tudo isto fragilizava demais o grupo. Muito
difícil de lidar com a questão da sexualidade, namoro entre eles, relações
homossexuais, efeitos colaterais da medicação.
89
Enfrentamos problemas quanto ao espaço físico já que usávamos o salão
principal onde o fluxo de pessoas circulando é muito grande, visto as salas serem
muito pequenas para as atividades necessárias. Havia sempre muito barulho e a
necessidade do cuidado redobrado com a limpeza, pois executávamos tarefas e
propostas no solo. Na realidade o atelier terapêutico se fez pela atividade prática
quando era exercida e o grupo tomava conta do espaço físico.
Grandes preocupações permearam o processo. Entre elas, como otimizar
meus dados e melhor compreender e avaliar os resultados. Como lidar com novos
dados: pacientes que estão de pré-alta e eu ainda precisava estar com eles e o que
fazer e que procedimentos adotar com os que iam se encaixando com o processo
em andamento. Angustiava-me estar só no estágio e não ter tempo para respaldar
todo o trabalho com a respectiva fundamentação científica.
3.5 FORMATO DO ESTÁGIO
Face às necessidades e aos dados colhidos o estágio foi assim formatado:

Planejamento, Administração do espaço para as sessões e devido registro no
livro de atas (rotinas do hospital).

Observação, Sondagem. Abordagem e leitura de prontuários: Participação em
Grupo Médico de Terapia Psiquiátrica: 15 sessões.
O grupo é conduzido pela psiquiatra, atende familiares e pacientes e trata do
esclarecimento sobre os transtornos mentais, o que são, como se apresentam,
problemas comuns a todos, tratamentos, medicamentos e aconselhamentos em
qualidade de vida.

Atendimento de pacientes psiquiátricos em Sessões Completas de Arte Terapia.
84 horas.
90
Grupo I - fixo. 54 horas.
Grupo II - flutuante. 30 horas

Atendimento em Terapia Breve Individual. 17 sessões. Total 36 horas.
Aqui a técnica do rabisco foi muito usada e apresentou bons resultados

Atendimento em Terapia Breve Conjunta para clientes e familiares. 12
sessões.
3.6 MODELO DA SESSÃO APLICADA
Sessão Oficina Criativa com bastão em 20de outubro de 2004.
1. Sensibilização: respiração, música suave.
- reconhecimento do objeto: peso, formato, tamanho, resistência, cor, utilidade
e outras características e significados que o material possa evocar. Sugerir também
a descoberta em relação ao barulho que faz, ao ritmo que impõe, a adequação
corpo-objeto.
Deve ser feito na prática com o manuseio do objeto e oralmente de posse do
objeto e explorando-o. Alguns minutos para uma exploração conjunta. Em seguida
as falas um de cada vez.
2. Livre expressão: experimentação do objeto dentro das proposições:
Aquisição de habilidades e apropriação de competências. Foco no equilíbrio:
equilibrar o objeto na ponta dos dedos, acrescentar ao trabalho anterior um grau de
dificuldade solicitando o deslocamento no espaço equilibrando o objeto. Fazer
tentativas. A cada queda do objeto, um recomeço.
Experimentações. Equilibrar-se com ajuda do objeto diminuindo a base de
apoio em movimentos feitos com apoio do bastão no chão e sua sucessiva retirada
91
(passagem pelo desequilíbrio). Sugerir: meia-ponta, elevação de uma das pernas ao
lado, elevação de uma das pernas acima com joelho flexionado.
2ª. Expressão Livre: Vivencia do apresentado.
O sujeito está de posse do material (seja seu próprio corpo) para a realização
de um trabalho. Experiencia o contato e a sensação dos materiais. De seu corpo
consigo e com o outro. Buscar a relação corpo objeto e estados emocionais
despertados. Incentivar a liberdade no manusear para despertar a formação de
imagem, muitas vezes carregada de sentimento ou emoção. Aciona-se um saber
fazer. O corpo se impõe. Ele limita, mas ao mesmo tempo sugere outras infinitas
formas para os conteúdos. Insistir. Verificar limites e possíveis superações nas
experimentações dando formas ao corpo e desenhando no espaço. Brincar com o
objeto.
3. Elaboração: após o conhecimento anterior, tentar uma ordenação da ação
que for proposta acrescentando novas possibilidades. Aparecem as relações
pessoais corpo-objeto. Aqui deve aparecer o afeto. O sujeito de si para si,
reconstruindo a ação apoiado nas significações que o objeto evoca. Deixar o cliente
livre. Partir da vivencia individual para a conjunta. A consciência corporal vem vindo
para o Express. Relações objetais, livre associação. Forma e conteúdo. Sensopercepção.
A arte do EU – materialização e significações ou re-significações. Aproveitar o
que o cliente materializa no tempo e no espaço. Encontrar-se com ele no seu
mundo. Neste momento ele pode ser ajudado. Deve ser o Express. Um novo gatilho
detonador de conhecimento.
92
Em seguida 2 a 2 vivenciar um confronto com limites, usando o bastão e
tomando cuidado para não machucar o colega. Trazer a agressividade em forma de
luta. Atacar e defender. Resistir.
Respiração antes de passar para fase seguinte.
4ª. Transposição de linguagem: passagem dos conteúdos para uma nova
linguagem. Registrar a experiência vivida. Estimular para que seja espontânea.
Registros gráficos e visuais. Materiais: lápis cera, lápis de cor, hidrocor. Aqui pode
haver transposição oral.
5. Avaliação: oral, com condução das reflexões e livre para os que quiserem
se manifestar. Recomposição das etapas processuais, o que permite que a
aprendizagem produzida seja tornada consciente e que os aspectos terapêuticos se
tornem mais consciente.
3.6.1 Relatório da sessão
Relatório da sessão acima com o bastão onde observamos a passagem do
cliente C. pelo nível perceptual afetivo quando na transposição da linguagem
escreveu “mamãe eu te amo”. Fig. 3.
20/10/2004
No trabalho de 2ª feira (com as cadeiras) eu já percebia as mudanças.
Estamos a 3 meses juntos.
C. com a maior dificuldade quanto ao domínio espacial e lateralidade.
Estimulei, acompanhei de perto, de forma lúdica consegui envolve-lo e ele participou
da atividade até o fim. Muitas vezes parece desatento, desmotivado, ausente. Além
das dificuldades pessoais é como se fugisse. Tenho observado que algumas vezes
sorri consigo mesmo e já sorri também com os colegas. Também tenho observado
93
que ele tem melhores resultados quando a atividade sensório motora é mais intensa
e abarca um número maior de solicitações motoras com pouco envolvimento afetivo.
Na transposição da linguagem é como se não fosse capaz de estabelecer
vínculo com a tarefa. Nega-se a entregar-se a si mesmo. Seja na linguagem corporal
seja na visual. Tenho trabalhado após os 2 primeiros meses com uma metodologia
mais “invasiva”. Considero como um “corte epistemológico”. Na fase anterior eu
resgatava, fundamentava e procurava a re-significação. Penso que eles mesmos me
fizeram avançar. Tenho trabalhado o desafio pessoal, solicitando capacidades que
exigem mais envolvimento, coragem, confiança para “forçar” a entrega a si mesmo e
ao grupo. C. responde melhor assim. Ele dá sinais. Ele sempre tem se negado a
passar pelo “perceptual afetivo”. Só desenhava figuras geométricas, quadrados. Não
escrevia nada. Os trabalhos mais intensos a nível sensório motor mexem com ele.
Ele põe para fora.
Hoje trabalhamos com o bastão. Mesmo com poucos resultados satisfatórios
nas solicitações com ênfase mais no domínio motor, durante a sessão ele passou
pelo perceptual afetivo. Na transposição para linguagem visual escreveu “mamãe eu
te amo”. C. tem esquizofrenia indiferenciada. Nos finais de semana quebra tudo em
casa. Já há um mês não tem quebrado. Fico esperançosa. Já há 1 mês também
trabalho técnicas mais fortes. Chegamos a trabalhar agressividade com o bastão.
Por solicitação deles mesmos. Foram feitos acordos no trato um com o outro para
evitar machucar o parceiro na vivencia.
De 2 a 2 passaram pela experiência obedecendo aos limites do corpo do
outro. Da proposta de ter cuidado com o outro. O material machuca e isto não pode
ser modificado. Você tem que se adequar para interagir. ”Todo, sistema evolui e o
aprender pressupõe transformação e transmutação” (ALLESSANDRINI, 1996).
94
No trabalho com o bastão também objetivamos o equilíbrio. Pelos resultados
de C. vemos que houve aprendizagem. Observo que se aplica o Critério de
Equilíbrio de Battro. Reversibilidade e Reversibilidade Operatória. (BATTRO, 1978
apud ALLESSANDRINI, 1996, p. 215).
Reflito: passar pelo perceptual afetivo, implica na possibilidade da
Reversibilidade e Reversibilidade Operatória e também implica Transformação. De
acordo com Lalande (1993, apud ALLESSANDRINI, 1996).
Transformação [...] operação pela qual se substituem um a um os termos de
um primeiro sistema pelos termos de um segundo sistema que lhe
correspondem de uma maneira unívoca e recíproca [...] as transformações
implicam reversibilidade [...].
Para Piaget e Inhelder (1979) toda ação consiste em transformar um objeto
ou em compará-lo a outros. A própria transformação já implica comparações
entre os estados sucessivos por ela realizada no objeto e também entre os
estados inicial e final desse objeto. Por sua vez, as comparações não
modificam os objetos ou estados em confronto, mas implicam
transformações das relações sujeito-objeto, enriquecendo tais relações com
novas correspondências (ALLESSANDRINI, 1996, p 124).
3.6.2 Recorte: observação cliente C. – Esquizofrenia Indiferenciada.
Cliente C. CID 20.3
Registros no hospital em 23/06/2004: Internado 20 dias em 2003. Já foi atendido na
emergência várias vezes. Já tentou suicídio duas vezes com medicamentos. Em
crise já bateu nos pais. Tem medo do escuro e não sai só.
Conduta prevista pela Psicologia: estimular autonomia e verbalização do paciente
através de contatos verbais, atribuição de tarefas e de orientação da mãe. Prevê-se
que dentro dos limites de seu diagnóstico o cliente possa desenvolver algum grau de
autonomia e um padrão mais elevado de comunicação e integração social
Apresentamos como resultados obtidos desenhos do cliente C. que por três
vezes transitou no perceptual-afetivo. Foi possível registrar uma vez em cada fase
95
1ª FASE 11/08/04
RESGATE E RE-SIGNIFICAÇÃO
3ª SEMANA
4ª SESSÃO
FIGURA 2 - Sessão oficina criativa com as atividades: no inicio recorte e colagem de revista, em
seguida vivenciais corporais e ao final transposição de linguagem (oral com falas sobre a imagem
recortada inicialmente e desenho como registro).
FIGURA 3 – Sessão oficina criativa: atividades com bastão.
Modelo da sessão no item 3.6
Ver relatório item 3.6.1
96
Cliente C.
3° fase 24/11/04
20° semana
O todo e as Partes
FIGURA 4 – Sessão terapia individual após terapia conjunta.
Propus a C. que me desse um presente já que íamos nos despedir na
semana seguinte.
Desenhou uma caixa com laçinho. Insisti pedindo que me mostrasse o
que tinha na caixa. Desenhou um anel. Escreveu: Para Teka. Esforçouse e colocou a data.
3.7 OUTROS REGISTROS
Considero muito importante deixar registradas algumas reflexões contidas nos
relatórios da semana de 18 a 21/10/2004.
Eu estava no “olho do furacão”. Comecei a entender que muitos indícios
tinham sido dados eu é que não havia percebido! Vi minhas limitações! Mergulhei
profundamente no processo e acreditei. A partir destas observações comecei a
delinear a 3ª fase e última fase. Iniciei a proposta de como encerrar o estágio já que
foi marcado o módulo de apresentação e supervisão para 12 de dezembro. Eu
encerraria o estágio, mas ficaria ainda até as comemorações do natal. Outro
momento muito duro foi deixar o hospital, deixar os clientes.
Resta-me 1 mês mais ou menos de estágio. Decidi encerrar o 1º e o 2º
capítulo de minhas observações que se constituiu do resgate das formas básicas de
97
locomoção (individuação); associei diversas técnicas tentando caminhar no
perceptual afetivo. Algumas vezes obtive êxito.
Desde a semana passada iniciei o trabalho de execução de seqüência de
movimentos. Coreografia. Hoje vou iniciar o improviso rítmico. Vou permanecer
nestas 2 propostas.
Na seqüência de movimento trabalho com movimentos ordenados por mim.
Insisto na compreensão de alguns parâmetros de execução como: coordenação,
precisão, ritmo. Verifico aspectos como lateralidade, domínio espacial, percepção
rítmica.
Corpo diálogo linguagem começou a aparecer na 2ª feira dia 18, na
composição livre em dupla com limite da cadeira (Express e relações objetais, livre
associação). A cadeira é facilitadora da função de interiorização. Ela evoca as
rotinas dos rituais modernos. Provoca o imaginário e o simbólico também. A
organização espaço temporal solicita consciência corporal, domínio espacial
(propriocepção), ritmo, sentimento grupal, harmonia.
Quero que apareça o mundo dos fazedores, a articulação entre os possíveis
sentidos.
A cada avanço que o grupo apresentava eu partia para uma “nova”
intervenção. Selecionava técnicas após a reflexão do ocorrido. Sentia-me estimulada
à ousadia. Pensava em como continuar. Sentíamos-nos bem juntos.
Esqueci que eles têm transtornos. Percebi que se abriu uma nova fase. Vi que
podia aplicar intensidades diferentes. Com muito cuidado, mas podia.
Também não me importava com o remédio. Passei a pensar que se era o que
eles produziam esta é a realidade. Se vão usar do medicamento para sempre eu
98
tenho que atuar e reconhecer nas minhas observações e reflexões que há uma
capacidade de atuação minha e deles frente a vida. E esta tem que ser aproveitada.
A reorganização do ser em si durante o trabalho de 2ª feira (composição de
formas, em duplas, nas cadeiras) foi importantíssima. Um momento chave. Houve
para alguns a superação dos transtornos mentais. Estavam inteiramente presentes
na atividade. A tarefa consistiu em 2 a 2 utilizando as cadeiras, fazer
espontaneamente uma composição de formas com o próprio corpo mais o corpo do
colega. O trabalho foi conduzido com palmas. A cada palma correspondia um
deslocamento da dupla que se encontrava numa cadeira para outra e nela juntos
compunham uma forma integrada sem usar a fala.
Hoje percebi que a maioria
passou pelas 4 fases do ETC. Foi muito bonito. Pena não poder fazer um registro
oficial em gravação de vídeo.
Temos 3 meses de trabalho. Estavam presentes clientes que estão comigo
desde o inicio do meu estágio. Vi um progresso significativo. Posso dizer que percebi
uma re-apropriação dos próprios movimentos. Houve uma re-significação sim dos
próprios movimentos e suas relações com o outro. Foram criativos. Apresentaram
certa agilidade na execução. Houve momentos de alegria. Manifestaram-se algumas
habilidades necessárias ao desempenho com prontidão, estado de alerta,
dinamismo, determinação na execução. Lançaram mão dos saberes corporais. Muita
diferença.
C. é o caso mais grave. Vivenciou o caos. A desordem espacial. Foi muito
bom vê-lo e ajuda-lo a sair de si. Se permitir o erro sem medo.
Decidi continuar o corte. Ser mais incisiva.
Ao encerrar devo dizer que os indícios de validação apontam para resultados
que podem ser encorajadores e merecem continuidade do estudo.
99
Devo deixar claro que neste estágio a metodologia foi aplicada com clientes
do Hospital dia que também estavam inseridos nos demais grupos de terapia e
atendimento médico e psiquiátrico.
3.8 A META E OS INDICADORES DE MUDANÇA
A meta proposta e alcançada neste estudo foram as mudanças favoráveis nas
atitudes do cliente.
Indicadores:

Melhorias nas atitudes corporais como: postura, melhor organização espaço
temporal.

Melhoria nos relacionamentos: conversam entre si, mostram curiosidade pelo
trabalho do outro, cooperam.

Melhorias
no
humor:
manifestam
bem
estar
na
sessão,
comparecem
espontaneamente, sorriram algumas vezes.
3.9 AS CONCLUSÕES E RESULTADOS

A metodologia apresenta indícios de ser eficiente.

Nas três fases apresentam muitas dificuldades.

Na segunda fase do processo a proposta parecia quase inatingível.

Linguagem corporal e ritmo são necessidades urgentes.

Reagem melhor as intervenções mais intensas (corte epistemológico).

Os resultados são muito lentos.

Seis meses é pouco tempo.

Dificuldade de registro documental.
100
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Consideramos que a Arteterapia ao elencar as técnicas das atividades
sensório motoras e das artes do movimento deve ser compreendida como Arte para
a Saúde, bem estar e qualidade de vida. Os resultados são escassos ainda, mas
foram garimpados com zelo, ternura, uma enorme dedicação e fidelidade ao que foi
proposto respeitando as ligações entre arte, ciência e ética.
A própria palavra arteterapia remete ao “fazer saúde com e através da arte”.
Se é arte tem o dado filosófico e estético. Ora, não sabemos precisar e mensurar o
quanto o dado estético contribui positivamente e efetivamente para a auto realização
e saúde do homem, mas precisamente o contrário, ou seja, o não estético como
sujeira, lixo por toda parte, pichação, esgotos a céu aberto, poluição, espaços
minúsculos para viver e índices alarmantes de várias patologias presentes no dia a
dia das nossas cidades, isto nós sabemos o quanto impregnam, deixam marcas no
corpo e são fatores de adoecimento. Construímos na surdina do cotidiano memórias
de um dilaceramento interior conflitante entre o afeto e a banalização dos sentidos
no mundo objetivo. Isto se reflete no pouco caso com o corpo e contribui de forma
cruel para a violência. Na aceitação de hábitos e rotinas totalmente incompatíveis
com a saúde e com o bem estar constata-se uma “alienação” do próprio corpo. Há
uma cultura massificada opressora e estressante de falsos “super-homens”,
sucessos individuais espetaculares onde o SER não atende mais suas expectativas
pessoais conjugadas a sua expressividade e sim vive a ansiedade permanente da
correspondência ao modelo, não há tréguas.
101
Penso que vemos desmoronar toda uma visão de “belo inútil” relacionado a
arte que a visão mecanicista impôs. O que é “o belo” realmente face ao que se
apresenta hoje?
Ao propormos arteterapia como arte para a saúde, sabemos que a arte traz o
imaginário, o dado simbólico, mas o movimento humano também tem o dado de
realidade como o dado biomecânico e fisiológico essencial a vida deste corpo, à
homeostase. Corpo tem e faz movimento com arte, delinea-se no espaço a forma da
saúde, é a energia da vida se expandindo numa composição de forças com o
universo. Este corpo precisa de um desenvolvimento saudável para viver a
experiência cultural da sua própria espécie, a humana, que vive em grupos sociais.
Então é compreender a arteterapia também no aspecto do desenvolvimento pessoal
e situá-la lá onde o ser humano se insere, no sócio cultural.
Negando a banalização da Vida, segundo Nahas (1998, apud ROEDER,
2003) agregam-se à expressão Qualidade de Vida fatores como estado de saúde,
longevidade, salário, satisfação no trabalho, relações familiares, disposição, prazer e
espiritualidade. Outros fatores como auto-estima, a autonomia e a dignidade também
são considerados por ele como expressões relacionadas à qualidade de vida.
Complementa-se a definição da OMS. Pensamento holístico.
A arteterapia por se propor a trabalhar o ser humano como um todo nos dá a
dimensão da importância do trabalho terapêutico de unicidade corpo-mente. Ao
trabalharmos o movimento humano sob o enfoque da arteterapia podemos dizer que
trabalhamos sensações, diferentes tipos de emoções e imagens, afetos, percepções,
pensamentos e ações. Na arteterapia trabalhar o “corpo e o movimento” favorece o
estabelecimento de conexões neurais novas que vem a ampliar o campo das
discriminações perceptivas e promover interações novas a nível intrapessoal e
102
interpessoal, potencializando a ampliação da consciência e, por conseguinte
conduzindo a homeostase (equilíbrio). Parece que podemos falar de inteligência do
movimento na associação de forma que o corpo descreve no espaço e as
possibilidades de construção cognitiva trazendo o movimento para a consciência de
forma organizada no tempo e espaço. Isto nos parece um excelente recurso
terapêutico. Treino para a autonomia. Responsabilidade por si, pela auto cura,
esclarecimentos íntimos sobre desejos, prazeres e dores. Desvelamentos da alma
que quando materializados imprimem qualidade à ação.
À luz do enfoque sistêmico vemos que esta condução à homeostase é um
fator importante nos aspectos terapêuticos da cura, na re-inserção sócio
comunicacional e também na qualidade de vida, seja do cliente no estado do “corpo
doente”, seja no cliente “somático”, ou seja, mesmo na saúde do ser humano no
trabalho e nas relações organizacionais e institucionais. Trabalhar a competência
relacional em intervenções possíveis na área da saúde mental utilizando o
movimento humano oferece ganhos na qualidade de vida.
Precisamos instaurar o conceito da saúde como valor, o prazer de cuidar de
si, do outro e do planeta. Promover a circulação e prática dos bens intangíveis, evitar
a decadência e o abandono dos frutos do conhecimento.
A nível pedagógico a preocupação com o desenvolvimento motor, técnicas e
metodologias, não nos mantém afastados do campo do sensível, pelo contrário, ao
buscar o expressivo parece que o desenvolvimento motor estabelece e facilita o
trânsito do inconsciente e consciente e permite que ele aconteça. Parece que o
problema é o como. Como se lança mão dos recursos disponíveis para este
desenvolvimento satisfatório? Aqui nos deparamos com a subjetividade – o que é
satisfatório? Afligem-me perguntas do tipo: por que a educação inclusiva considera
103
que é importante para os portadores de necessidades especiais jogar basquete?
Porque estas crianças têm que aprender a dançar balé clássico? Será que não
poderíamos deixar os próprios sujeitos viverem experiências e sugerirem maneiras e
formas expressivas únicas por que só podem ser vividas por eles? Os jogos que os
portadores de necessidades especiais jogam deveriam ser criados por eles bem
como a dança em que seus corpos se encontram com expressividade no estado de
“estar dentro e estar fora”.
Compreendemos que a gama de atividades e técnicas que a arteterapia
engloba incluindo a expressão corporal e artes do movimento, são recursos
possíveis não só propiciadores de saúde e bem estar, mas também reintegradores
da capacidade criativa às atividades de produção, gerenciando o estresse, o que
vem possibilitar ao homem harmonizar suas angústias com suas expectativas de
realização no mundo do trabalho. A PTME - Prática Terapêutica do Movimento
Expressivo engajada na Arteterapia traz todo um potencial humanístico que
disponibiliza esse “viver criativamente” tão necessário ao qual Winnicott (1998) se
refere.
Quando nos perguntamos sobre corpo e tecnologia refletimos sobre a ciber
cultura com seu ritual moderno corpo máquina, posturas forçadas e excesso de
estímulos e perturbações visuais.
Se o corpo se afirma como hiper presença na condição pós-moderna e isto é
atribuído às mídias e ao alto grau de desenvolvimento tecnológico, o efêmero tanto
na linguagem corporal quanto na tecnologia são paradoxais: mais tecnologia mais o
corpo se faz presente. Por outro lado caminhariam juntos no contraponto ao
efêmero: querem a eternidade. Tentam aprisionar o tempo. Seria uma forma de
eternidade?
104
Acontece que há uma integridade estrutural desse aparelho perceptointerpretativo ativo que somos nós. Nós não recebemos passivamente as
mensagens que nos são endereçadas através da rede; não nos
desprendemos da nossa realidade corpórea para daí estabelecer um novo
sistema de decodificações de mensagens. Estamos irremediavelmente
atrelados a esta condição carnal (CARDOSO, 1998).
A arteterapia contribui diretamente para um cotidiano pessoal de auto
expressão e auto realização por ser um canal de re-significações onde as
experiências vivenciais desenvolvem e resgatam a auto estima, a motivação, a cura,
a saúde e a ética. Juntam-se aqui os fazeres terapêuticos, pedagógicos, e
educativos.
A experiência vivida na Arteterapia nos mostra que este campo novo do
conhecimento tem uma enorme aplicabilidade.
A busca continua.
105
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Médicas, 1994.
111
ANEXO A
FICHA DE OBSERVAÇÃO INDIVIDUAL (ALLESSANDRINI, 2000)
Nome: ........................................................................................... Mês: .......................
Idade: ...........................
Local: .............................................................
Especificações/Datas
Atitude ao chegar 



Como ficou
durante a
atividade?
Sim/Não




Relacionou-se
com o colega?








Relacionou-se
com a arte
terapeuta?
Gosta do que
faz?
Como está
quando vai
embora?
Como ficou o
trabalho final?


















Passivo e sem movimento
Quieto demais
Ativo (mostrou-se
interessado)
Muito agitado; mexe em
tudo.
Concentrou-se?
Fez com cuidado?
Fez bem feito?
Arrumou o material
depois?
Brincou
Brigou
Bateu
Conversou
Trabalhou junto
Gritou
Conversou
Perguntou sobre alguma
dúvida
Pediu ajuda
Deu sugestão
Diz que está: feio ou
bonito?
Pede outra folha
Rasga
Joga no lixo
Quer levar p/ casa
Feliz
Bem/Sereno
Agitado
Quieto
Triste
Bonito
Feio
Inteligente/Original
Bem feito
Mal feito
Criativo
112
ANEXO B
PROJETO: ARTES DA VIDA, PROCURA E CURA.
Atelier Terapêutico em Clínica Psiquiátrica (Jul a Dez/2004)
Profa. Teka Salle
PLANO DE TRABALHO
CARGA
HORÁRIA
192h
UNIDADES
DE
TRABALHO
10h
UNIDADE DE
TRABALHO 1
Planejamento e
procedimentos
administrativos
UNIDADE DE
TRABALHO 2
Observação,
Sondagem.
Abordagem
10h
15h
GI -54h
GII-30h
(84h)
UNIDADE DE
TRABALHO 3
UNIDADE DE
TRABALHO 4
ATIVIDADES
POPULAÇÃO
Jul
Participação em
Grupo Médico
de Terapia
Psiquiátrica: 15
sessões
Sessões
Completas de
Arte Terapia
36h
UNIDADE DE
TRABALHO 5
Terapia Breve
Individual
37h
UNIDADE DE
TRABALHO 6
Terapia Breve
Conjunta
Ago Set
Estagiário
Psiquiatras,
Psicólogos,
TOs enfermeiros
e apoio.
X
X
Estagiário
Clientes e
familiares
X
X
X
Grupo I
Grupo II
clientes
Clientes
Estagiário,
Psiquiatra
Clientes
familiares
Clientes
Familiares
outros
Out Nov Dez
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Durante abril e maio foram feitos contatos com a direção, apresentação do projeto e
encaminhamentos.
113
SALLE, Teka.
PTME – PRÁTICA TERAPÊUTICA DO MOVIMENTO
EXPRESSIVO saúde mental e artes do movimento na arteterapia / Teka Salle –
Belém, 2005.
112p.
Monografia (Especialização em Arteterapia) –
Universidade Potiguar. Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação Lato Sensu.
Alquimy Art.
1. Arteterapia 2. Saúde Mental 3. Atividade Sensório
Motora.

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