1.561,8k - Governo de Pernambuco
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inovação O Poder da Crise Marcos Alves Gestor governamental Especialidade Planejamento, Orçamento e Gestão “Os que creem que a culpa de nossos males está em nossas estrelas e não em nós mesmos ficam perdidos quando as nuvens encobrem o céu.” Roberto Campos 38 Revista Corpo Final.indd 38 27/07/2015 16:54:06 Foto | freeimages.com 39 Revista Corpo Final.indd 39 27/07/2015 16:54:08 Foto | Divulgação D a larga janela contemporânea veem-se ânimos impregnados de profundo mal-estar. Para os horizontes próximos, há a previsão de que se somem ao cenário, aparentemente cinzento, novas diretrizes para políticas públicas que deverão continuar causando impacto na trajetória econômica atual. E é de uma clareza, quase que solar, que a instabilidade e a insegurança trazem luz ao tema crise. Mas o que vem a ser crise? Quais as suas características? No Dicionário Aurélio podem ser encontradas algumas definições, tais como: “conjuntura ou momento perigoso, difícil ou decisivo; falta de alguma coisa considerada importante; embaraço na marcha regular dos negócios; desacordo ou perturbação que obriga instituição ou organismo a recompor-se.” Otto Lerbinger, professor emérito da Universidade de Boston, em seu livro The Crisis Manager, define crise como “um evento que traz ou tem potencial para trazer à organização uma futura ruptura em sua lucratividade, seu crescimento e, possivelmente, sua própria existência”. Lerbinger diz também que, “para que exista uma crise, é preciso que haja estas três características: os administradores devem reconhecer a ameaça (ou risco) e acreditar que ela possa impedir (retardar ou obstruir) as metas prioritárias da organização; devem reconhecer a degeneração e irreparabilidade de uma situação, se eles não tomarem nenhuma ação; e devem ser pegos de surpresa. Essas três características da crise refletem estas descrições: subitaneidade, incerteza e falta de tempo”. Porém, boas-novas acerca do tema podem ser observadas. Empreendedorismo. Criatividade. Inovação. Liderança. Planejamento. Comunicação. Resiliência. Essas são algumas formas poderosas que muitas organizações encontram para percorrer os caminhos áridos da crise e sair dela mais forte e com um aprendizado robusto. Assim, partindo dessa visão, organizações empreendedoras, capazes de desafiar a própria gestão, de modo que mudanças responsáveis aconteçam e formem servidores empreendedores nos seus quadros, têm propiciado a construção de um conceito real e tangível do negócio público para a oferta de serviços de qualidade à sociedade. Dessa forma, como no âmbito privado, na administração pública também é essencial a procura por resultados. Essa demanda não está ligada ao lucro, mas à melhor utilização dos recursos nas diversas esferas de governo e, principalmente, voltados à eficácia nas entregas. É possível provocar um ambiente empreendedor mesmo em um cenário onde a burocracia e processos estanques são predominantes, como é o caso das instituições públicas. 40 Revista Corpo Final.indd 40 27/07/2015 16:54:08 Empreendedores são pessoas motivadas pela realização e alcance de objetivos e que possuem características como criatividade, proatividade, inovação, liderança, iniciativa, comprometimento, flexibilidade, ousadia e autoconfiança, sendo a principal dessas, a capacidade de diferenciar-se. O gestor público empreendedor visa atender às demandas dos cidadãos, vendo esses como clientes que possuem anseios a serem suportados, mesmo em tempos de crise. Pois a limitação de recursos é fator que dificulta a gestão no serviço público, mas não a torna impossível de ser aplicada de forma empreendedora no dia a dia. São necessários, ainda, mudança no comportamento das lideranças e forte comunicação institucional, com foco nos objetivos, além da observação dos valores e cultura organizacionais para agregar valor ao plano. A cultura empreendedora na organização pública significa dar vigor à gestão, iluminar o caminho, mostrando novas possibilidades e indicando a responsabilidade de cada um diante do cenário que é apresentado, fortalecer a introdução de novas regras e estruturas de relacionamentos interno e externo. Algumas instituições públicas já vêm partindo na frente, na busca por soluções criativas, inovadoras e sustentáveis, como é o caso da Prefeitura de São Paulo, que quer “coworking” público em fábricas antigas localizadas em zonas industriais da cidade. O secretário de Desenvolvimento Urbano da capital paulista, Fernando de Mello Franco, tem dito em entrevistas que uma das ideias é criar nesses lugares equipamentos públicos como espaços de trabalho compartilhados para jovens empresários, bem como serviços relacionados, por exemplo, a tratamento de resíduos, triagem, ecopontos e afins, além de espaços para arte e cultura. Para o secretário, podem ser criados, ainda, polos de ino- vação, com startups. Ele diz que essas empresas não têm como bancar aluguéis, caros para quem está começando, e que vários lugares do mundo já estão praticamente disponibilizando esses espaços como uma política de incentivo para muitos setores produtivos. Mello Franco ressalta, no entanto, que o município precisa ser dono do imóvel. Com vista a esse segmento, também em São Paulo, outro projeto de coworking vem tentando melhorar a mobilidade urbana na cidade, com diversas iniciativas e mudanças. O Laboratório de Tecnologia e Protocolos Abertos para Mobilidade Urbana chama a atenção pela parceria entre o setor público, o MIT (Massachusetts Institute of Technology) e a USP – Universidade de São Paulo. Esse laboratório tem a intenção de funcionar como uma central de pesquisa ao estilo comunidade colaborativa. Equipes com focos diferentes em mobilidade no transporte e no trânsito Esse formato de trabalho visa uma moderna estrutura econômica e organizacional, composta por colaboração e comunidade, inspirado na cultura participativa do movimento open source, surgido no final dos anos 1990. Um ambiente onde não interessa a competição sem sentido, e sim a coopetição, buscando complementaridade de recursos e a possível redução de custos. Cooperação + Competição Foto | Divulgação O coworking é um novo modelo de trabalho onde profissionais de variados setores, freelancers, autônomos e pequenas empresas se reúnem em um mesmo ambiente para compartilhar experiências, ideias, custos, com o propósito de uma economia mais humana, interligada e sustentável, sem haver, no entanto, vínculo societário e/ou hierárquico. 41 Revista Corpo Final.indd 41 27/07/2015 16:54:08 Mas como Israel conseguiu superar as aparentes adversidades e se reinventar, dando a volta por cima? Milagre ou “dança da chuva” como resposta não é algo muito inteligente, replicável e, tampouco, equânime de ser aceito, até por que o País tem ainda um setor dinâmico de tecnologia, um dos mais modernos do mundo, além desse exemplar realce na agricultura. Uma boa resposta prática para o caso de Israel, que está em um ambiente árido e dependente de um método eficiente no uso da água, foi a sua capacidade analítica, determinação e tecnologia. Método criado pelo engenheiro israelense Simcha Blass, a agricultura de gotejamento é o que mais se aproxima de um “milagre”. A tecnologia é aproveitada em vários lugares do mundo, inclusive no Brasil. O gotejamento permite que a planta receba a quantia exata de água para o seu desenvolvimento. Apenas 20% da terra de Israel é arável. Mesmo assim, isso não impediu o florescimento da agricultura no País. Água é a matéria-prima da agricultura, e se estima que até 70% do consumo mundial vem desse setor. Israel tinha tudo para não ter agricultura alguma, mas superou o obstáculo natural com o uso de tecnologia. Isso mostra que esse País é um excelente exemplo de transformação de uma situação de crise em oportunidade, e ainda faturar, tendo em vista que exporta tecnologia na área de irrigação para 120 países. Foto | Divulgação ocuparão o mesmo espaço físico, interagindo e compartilhando informações. Todos têm o objetivo de desenvolver soluções para melhorias na gestão do transporte, do trânsito e da mobilidade urbana, além de disponibilizar informações para a população. O grupo é formado por especialistas das diversas áreas dos parceiros envolvidos. O Laboratório desembolsará reduzido recurso orçamentário e haverá bolsas de apoio à pesquisa, vinculadas e gerenciadas pela Fundação USP, destinadas a hackers da universidade que queiram se aventurar nesses protocolos. Essa escalada na direção de novas soluções para problemas cotidianos da gestão pública em épocas de incertezas traz à tona algumas verdades que ficam intocadas até que sejam postas em prática: “fazer do limão uma limonada”; “transformar ameaças em oportunidades”; “problemas são oportunidades disfarçadas”. Pensando nisso - e para não ficar no azedo - algumas instâncias governamentais se debruçam em estudos e pesquisas necessários, não apenas para mudar uma realidade atual, mas para prosperar e alterar significativamente sua história. É o caso do Estado de Israel, onde há fincado em parte razoável do seu pequeno território um inóspito e seco deserto, mas que, não obstante, tem mais de 250 milhões de árvores plantadas e é exportador de frutas e fatura o superior a US$ 50 milhões por ano com a exportação de flores. Lá ainda tem produção de peixes! A grande descoberta de Simcha Blass se deu no kibutz de Hatzerim, comunidade israelense em que a produção e a renda são coletivas, localizado em pleno deserto. Nessa região a chuva não ultrapassa 200 milímetros ao ano (no dia 3 de julho, em 24 horas, choveu 160 milímetros em Ipojuca-PE), o que sempre obrigou a população a construir reservatórios com água do Rio Jordão. No entanto, a tubulação destes tanques começou a apresentar vazamentos e, onde gotejava água, começava a crescer plantas. Blass observou o fato e logo viu a grande oportunidade. Na sequência, começou a desenvolver vários equipamentos que deram origem ao popular sistema de irrigação por gotejamento, uma tecnologia que revolucionou a agricultura em Israel. Simples e extremamente preciso, esse tipo de irrigação aumenta significativamente a produtividade e promove a utilização racional da água: a eficiência uso do recurso hídrico é de 95%, com economia de água de 60% e grande redução de energia. A explicação está no uso de bombas de baixa vazão que consomem 50% menos energia que os outros sistemas. 42 Revista Corpo Final.indd 42 27/07/2015 16:54:08 lenta e assustadora que alimenta e é alimentada pela mídia (é a oportunidade dela na crise!). Para lidar bem com esse assunto, a Prefeitura de Curitiba tem utilizado com bastante destreza e criatividade as mídias sociais e de relacionamento, como o Facebook, para se comunicar com os cidadãos. Ao se propor a interagir com os curitibanos de maneira descontraída e bem-humorada, a página do Facebook da Prefeitura de Curitiba ganhou fãs no Brasil inteiro e atraiu a atenção do público jovem para um órgão sério. A página da “Prefs”, como é carinhosamente apelidada pelos fãs na rede social, ganhou fama nacional ao abandonar de vez o tom oficial e institucional para abraçar a linguagem informal e o bom humor, típicos da internet, para chegar mais junto da população e falar sobre temas relevantes do dia a dia. Esse formato criativo tem como objetivo, além de estreitar a relação com os moradores, incentivando sua participação em temas relevantes para a cidade, funciona como meio de escuta ativa e observação. Em Pernambuco, a Prefeitura do Recife também tem se ajustado com as novas formas de se comunicar com as pessoas, e vem obtendo resultados valiosos. Embora num tom mais contido, se comparado à Prefeitura de Curitiba, a página do Recife no Facebook consegue divulgar as ações e informações relevantes à sociedade, além de trazer um perfil mais humanizado, com uma linguagem mais leve e acessível. Reprodução | Facebook Observa-se, pois, que os ganhos obtidos ao lançar-se a desafios, sendo esses advindos de uma crise ou por empreendedorismo organizacional, não podem ser dissociados da percepção e representação que os atores têm do fato: um momento difícil ou uma oportunidade de mudança? Em quaisquer situações é importante que haja comunicação para que os horizontes se tornem possíveis de ser alcançados por todos. Nos momentos críticos, o que realmente importa é a visão do gestor e do público quanto ao evento. A percepção importa mais que os fatos. Parafraseando Robin Cohn, em seu texto Learning from crisis: as the curtain rises, a menos que se tenha um conhecimento mais abrangente sobre um acontecimento, nossa percepção se baseia no que vemos e ouvimos. Ver e ouvir são as palavras-chave neste contexto. As instituições estarão em uma situação vantajosa se o que o público vir e ouvir for informado diretamente por ela. Daí a importância de a gestão ser fonte de informação para todos os interessados. Pesquisas revelam que a percepção que o público tem sobre a crise é de suma importância para direcionar as mensagens e ações organizacionais. Monitorar as notícias, conhecer os rumores e boatos é essencial para a execução deste trabalho. Então, para surfar na onda da crise, é preciso ter atenção, capacidade de análise e habilidade para ficar imune ao mau humor que toma conta do ambiente. Há uma certa fala turbu- Segundo Leonardo Mello, gerente de Soluções e Tecnologia do Núcleo de Presença Digital da Prefeitura do Recife, a gestão atual persegue o objetivo de devolver a cidade às pessoas. Para isso, vem se inspirando na página norte-americana Human Of New York, sucesso com mais de nove milhões de seguidores no mundo inteiro, onde fotografias de pessoas comuns são dispostas, quase como um senso fotográfico. A ideia da série #PessoasdoRecife é abraçar a mistura que constitui a cidade e publicar fotos e histórias curtas sobre pessoas residentes e passantes da rica e eclética metrópole e estreitar laços e o sentimento de pertencimento. A Prefeitura também usa o Twitter para ouvir e responder as demandas dos cidadãos e publicar campanhas educativas das diversas áreas, tudo isso com o intuito de estreitar o relacionamento com a população. 43 Revista Corpo Final.indd 43 27/07/2015 16:54:09 Ainda em Pernambuco, o Governo do Estado, atrelado ao seu Mapa da Estratégia, criou a Rede de Modernização Governamental. O papel da rede é fomentar a discussão entre os agentes setoriais e municípios sobre a importância da modernização e criação de novos projetos que contribuam para a melhoria dos serviços prestados pelo Governo à sociedade, através de fóruns virtuais e presenciais, utilizando o blogger Remog e o grupo Remog no Linkedin, dentre outros meios. A Rede funciona como reforço à promoção na geração de incrementos na inovação e modernização de processos, métodos e ferramentas, tanto na gestão, como na operação das atividades do Governo. E, nesse contexto, tem a função de dar ênfase na divulgação e multiplicação da nova cultura de modernização do Estado. Servirá como um escritório de projetos para ajudar os servidores que necessitarem de consultoria, e de incentivo aos órgãos à prática de concurso de projetos. São partes integrantes da Rede os agentes de modernização governamental, que serão multiplicadores, incentivadores e ainda colaboradores. Todos eles poderão identificar oportunidades, implementar projetos e avaliar e medir resultados. Nota-se, portanto, que a comunicação certeira, através de ouvidorias, portais, homepages, redes sociais, blogs e outras mídias dos entes públicos, usados internamente e ofertados para a sociedade, deve ser cada vez menos passiva e ser usada como ferramenta proativa. É possível reunir as demandas da população que chegam pelas redes e buscar as respostas. Em épocas de instabilidade e incertezas, comunicar-se de forma rápida e relevante com as áreas internas e com a sociedade mostra maturidade e compromisso. E nessa caminhada, em momento de recursos pouco disponíveis e, enquanto dias melhores não chegam, as administrações tendem a andar em passos mais cautelosos, no que se refere a investimentos e gastos. Contudo, é tempo para criatividade e persistência, lançando-se aos desafios medidos e testando a resiliência, capacidade inerente à administração pública. É o caso do Estado de Israel, que salta à frente da realidade geográfica e ensina como cultivar em condições pouco favoráveis. É tempo de compartilhar ideias e ter um olhar novo sobre a situação, como tem feito as prefeituras de São Paulo, Curitiba e Recife, que tem trabalhado na resolução de problemas cotidianos com inovação e parceria com a sociedade. Mas também é em época de escassez que a gestão também deve voltar-se para dentro, revisitando seus processos internos e, sobretudo, gastar mais tempo com estudos, pesquisas, ideações e avaliações, preparando soluções e pensar o que fazer quando a crise passar. Links utilizados na pesquisa https://repositorium.sdum.uminho.pt/ http://coworkingbrasil.org/manifesto/ http://www.enap.gov.br http://seresurbanos.blogfolha.uol.com.br http://coworkingbrasil.org/ http://revistadinheirorural.terra.com.br Foto | Divulgação Alerta ao conceito de “Inovação em Tempos de Crise”, o Governo de Pernambuco criou o PE INOVA, visando gerar incentivos para criatividade e ações de inovação. O concurso irá premiar as melhores ideias e projetos dos servidores públicos do Estado. Com tais ações o Governo reforça o conceito de que só há inovação se essa trouxer algum tipo de retorno à população. Ou seja, para inovar não basta só ser criativo, é fundamental que a inovação possa resolver problemas da sociedade. E esse é o objetivo do PE Inova. 44 Revista Corpo Final.indd 44 27/07/2015 16:54:09