Daniel Corrêa D`Agostini A Oferta Pública de Ações como
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Daniel Corrêa D`Agostini A Oferta Pública de Ações como
Daniel Corrêa D’Agostini A Oferta Pública de Ações como Mecanismo de Proteção à Dispersão Acionária: A Realidade Brasileira da Poison Pill Monografia apresentada à banca examinadora da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. São Paulo – 2007 Un racconto è una macchina per generare interpretazioni. Umberto Eco, pós-escrito a O nome da rosa, 1984 RESUMO A presente monografia de conclusão de curso visa analisar os principais aspectos jurídicos de um dos mais utilizados mecanismos de proteção à dispersão acionária e manutenção do poder de controle nas sociedades anônimas de capital aberto. Trata-se da denominada Poison Pill. No contexto deste trabalho, a Poison Pill será estudada em uma modalidade única, isto é, como um instrumento estatutário destinado a impedir ou limitar os efeitos do aumento de participação de eventuais acionistas além do nível que os acionistas mais relevantes consideram ‘seguro’. Para tanto, este trabalho tem por objeto de verificação a forma que o mercado brasileiro escolheu como o instrumento de materialização da Poison Pill: o disparo de uma oferta pública de ações. Não obstante seja um campo ainda pouco explorado pela ciência jurídica no Brasil, verifica-se que o nosso sistema já traz algumas diretrizes quanto à relação dinâmica existente entre a aplicação desse mecanismo de defesa, a proteção à dispersão acionária e a disputa pelo poder de controle no mercado de capitais. Justamente por ser um tema substancialmente novo, diversos conceitos deverão ser buscados na doutrina estrangeira, notadamente a norte-americana, a qual inovou e foi pioneira no estudo e prática do tema aqui explorado. Este trabalho verifica, portanto, como ocorre a manifestação da Poison Pill diante do Direito Brasileiro, e como as companhias abertas estão definindo em seus estatutos a previsão de cláusulas de Poison Pill. Sumário 1 Introdução e objeto de estudo............................................................................. 5 2 Considerações sobre o poder de controle .......................................................... 9 2.1 Definição .................................................................................................... 9 2.2 A visão moderna do poder de controle e as suas principais formas......... 12 2.2.1 Controle totalitário ................................................................................ 13 2.2.2 Controle majoritário .............................................................................. 14 2.2.3 Controle minoritário .............................................................................. 16 2.2.4 Controle gerencial ou administrativo .................................................... 20 2.3 O valor do poder de controle .................................................................... 24 3 Novas tendências societárias: a aquisição hostil do controle ........................... 27 4 A cláusula de Poison Pill................................................................................... 32 5 4.1 A origem da Poison Pill ............................................................................ 32 4.2 O mecanismo jurídico da Poison Pill ........................................................ 34 4.3 Poison Pills, takeovers e a experiência internacional ............................... 38 4.4 A perspectiva da Poison Pill no Brasil ...................................................... 44 Considerações finais......................................................................................... 51 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 55 5 1 Introdução e objeto de estudo Uma boa máquina para o regime capitalista, eis o que é a sociedade anônima. Não é preciso pedir-lhe mais nada senão que funcione bem. Georges Ripert, 1947, p.135 Um dos grandes pensadores do direito empresarial moderno no Brasil, Fábio Konder Comparato, ao analisar, sob perspectiva inovadora, os aspectos jurídicos da sociedade por ações, deu a ela nova visão. Concebeu-a como macroempresa, isto é, como uma instituição de grande estrutura, organizada em uma base estritamente capitalista, na qual se verifica a dissociação entre o empresário e a atividadeempresa (Comparato, 1970, p.10). Nesse contexto, fixou-se a idéia de que a macroempresa ultrapassa a esfera da propriedade privada, deixando de ser considerada como um simples objeto de apropriação e dominação dos acionistas, assumindo poderes e até mesmo responsabilidades de direito público (Comparato, 1970, p.61).1 Nesse contexto de macroempresa, Alfredo Lamy Filho, com muita precisão, afirma que “a empresa é, pois, a unidade de produção típica da economia moderna, com a qual estamos condenados a ‘viver em simbiose’, sobretudo em sua forma adulta e, sob tantos aspectos ameaçadora, da macroempresa” (Lamy Filho, 2007, p.150). A capacidade de retratar as sociedades por ações desse autor e projetista da lei das companhias não se esgota, e nos valemos ainda de um excerto seu citando Tullio Ascarelli, afirmando que a disciplina privada da S.A. “può un pò considerarsi come il diritto costituzionale dell’economia, attendendo alla strutura giuridica più importante e caratteristica dell’economia attuale” (Ascarelli, 1962, p.161, citado em 1 Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira complementam essa idéia, indicando que “o teor do elemento de interesse público deverá indicar a responsabilidade social a ser cobrada da companhia, como contrapartida do poder que exerce”. Apontam, ainda, os autores que idealizaram a lei das sociedades por ações que “o poder empresarial das companhias não se exerce apenas interna corporis, mas se projeta sobre a comunidade na qual – e da qual – vive a empresa. Realmente – e na grande empresa o fenômeno se apresenta com nitidez – o funcionamento das unidades de produção não diz respeito, apenas, aos fornecedores que para ela trabalham, seus financiadores, os distribuidores e os consumidores dos bens que produz, a própria economia do país, todos estão, ou podem estar, alcançados pela ação da empresa” (LAMY FILHO & PEDREIRA, 1997, p.95). 6 Lamy Filho, 2007, p.150). Atualmente, na esteira da perspectiva ainda moderna da macroempresa e graças à impulsão criada pelo crescimento sustentável da economia e à evolução do mercado de valores mobiliários, iniciou-se uma nova era das companhias abertas. Como destaque desta nova fase, destaca-se a operação de abertura de capital da Natura Cosméticos S.A., a qual “marcou o ressurgimento de nosso mercado de valores mobiliários”, como afirmou o ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários, Luiz Leonardo Cantidiano (2007, p.222). Iniciou-se no Brasil, com efeito, a temporada das corporations, as quais, como nos Estados Unidos, têm como marca distintiva, além do apelo ao público investidor para o seu financiamento, a pulverização do seu capital no mercado.2 Diante dessa nova realidade, a proposta desta monografia de conclusão de curso é investigar o ambiente que permite o desenvolvimento de mecanismos jurídicos modernos que respondam ao fenômeno da pulverização do capital e do poder de controle disperso entre diversos acionistas no mercado. Em detalhes mais precisos, este trabalho busca explorar com certa novidade um fenômeno jurídico que ousa se manifestar em estreita relação com o desenrolar da economia e da atuação de seus participantes. Trata-se de averiguar o mecanismo da cláusula de Poison Pill nos moldes em que foi incorporada em nosso direito. O tema aqui explorado alcança curiosa relevância tendo em vista o seu conteúdo jurídico comparado ao originalmente elaborado pelos advogados norteamericanos. Tropicalizamos a Poison Pill. Construímos a sua carga jurídica com os elementos à nossa disposição e ajustamos a sua potência de acordo com os anseios dos modernos acionistas controladores que já não mais têm sob sua tutela a maior parte das ações votantes de sua companhia. A Poison Pill no Brasil tem por objeto o disparo de uma oferta pública de ações obrigatória, indistintamente pela aquisição de todas as ações da companhia, por quem – acionista ou não – adquirir certo número de ações, mediante condições definidas no estatuto. A nossa dose de Poison Pill é letal no sentido de tornar desinteressante a aquisição de ações que 2 De acordo com os dados fornecidos pela Bolsa de Valores de Nova York (www.nyse.com), pela Securities and Exchange Comission, a SEC (www.sec.gov), e pela Bolsa de Valores Eletrônica Nasdaq (www.nasdaq.com), os Estados Unidos possuem as maiores estatísticas de companhias de capital pulverizado no mundo, girando em torno de quase 16 mil corporations, as quais são caracterizadas pelas suas grandes dimensões econômicas e pelo alto grau de acionistas dispersos que negociam suas ações no mercado de valores mobiliários. 7 ameaçam a posição de controle do acionista controlador e manter as ações dispersas em bolsa de valores. O que se pretende é demonstrar de que modo esse mecanismo, que está sendo inserido nos estatutos de muitas companhias abertas, irradia seus efeitos diante do nosso sistema jurídico. Quais conseqüências produz, qual a posição do Poder Legislativo e da administração direta e indireta diante dessa nova criação jurídica? Essas são algumas das questões que serão analisadas ao longo desta monografia. Cumpre esclarecer, também, o porquê da escolha do termo “oferta pública de ações como mecanismo de proteção à dispersão acionária” no título deste trabalho. Se a referência à Poison Pill dirigir-se diretamente para o contexto internacional no qual foi arquitetada – contexto este que será analisado em capítulo específico – a idéia que preencherá a mente do leitor será a de um instrumento que serve ao propósito de evitar a tomada indesejada do poder de controle. Nada de inusitado, visto que esse é o objetivo imediato de tais mecanismos, ou seja, oferecerem um ‘colchão’ de proteção e tranqüilidade ao acionista controlador que dispôs de parte de suas ações em bolsa de valores em troca de capital. Entretanto, deve-se ter em mente uma visão mediata dessa cláusula estatutária, a qual tem relação orgânica com todos os acionistas, em simbiose com o interesse social da companhia e com o poder de comando do acionista controlador. Nesse compasso, com a existência da cláusula de Poison Pill as companhias dão um passo em direção à consolidação do exercício do poder de controle não mais sob o princípio majoritário, mas sim sob o minoritário; permite-se, outrossim, que o controle possa ser exercido com menos da metade das ações e que cada vez mais papéis estejam em negociação no mercado de valores mobiliários. Além disso, certamente as disputas pelo poder de controle se acirrarão; novas modalidades de aquisição do controle surgirão como alternativa às fusões e escaladas societárias; mais poder de negociação se concentrará na mão dos acionistas numa eventual alienação do controle, em direção ao desenvolvimento de um mercado mais robusto e seguro para ser palco de relações jurídicas cada vez mais dinâmicas. Interessa a este estudo, para que se alcance de forma completa a problemática da Poison Pill, delinear preliminarmente considerações a respeito do poder de controle, a fim de expor os fundamentos para essa cláusula de barreira. É 8 imprescindível percorrer brevemente seu conceito, valor e formas de estruturação, uma vez que não se deve falar em Poison Pill sem haver o exercício do controle com ações em número inferior à maioria – entenda-se mais da metade – e também dispersão do capital. Consolidadas estas indagações iniciais, a segunda parte desta monografia será dedicada exclusivamente à análise da “aquisição hostil do poder de controle”, neologismo criado pelo Brasil para os chamados hostile take-overs. A Poison Pill é sim um instrumento que visa bloquear aquisições indesejadas e não negociadas do controle acionário, dentro de sua perspectiva imediata. Nosso país está em vias de começar a tornar-se suscetível a essa modalidade de aquisição de controle – vejase a tentativa frustrada de aquisição hostil pelos acionistas da Sadia pelo Perdigão, assim como inexperiente reação do poder publico. Países como os Estados Unidos já viveram o seu auge de aquisições hostis desenfreadas. O que se busca é demonstrar de que modo o fenômeno da Poison Pill funciona no Brasil e qual o papel que cabe ao direito pátrio no tocante à sua recepção. Para que isso seja possível, é muito importante observar-se a experiência internacional, principalmente a norte-americana. Os Estados Unidos, por serem um país cuja cultura jurídica concede amplos poderes discricionários à administração das companhias, possibilitando respostas e atitudes muito céleres desse órgão, são expoentes na adoção de estratégias de defesa do poder de controle. O Brasil tem um sistema societário muito diferente, mas é inegável que estamos nos inspirando nas práticas norte-americanas de proteção ao controle. Deve, entretanto, haver a mais delicada cautela em importar estruturas jurídicas internacionais, de modo que não se prejudique todo um sistema jurídico. Internacionalmente, diversos estudos foram realizados medindo o impacto da Poison Pill, apurando se esta beneficia ou prejudica os acionistas e a própria sociedade. Nada disso foi feito ainda em nosso país, mas algumas especulações já podem ser delineadas. Com efeito, pretende-se, através desta monografia, questionar como a Poison Pill, mecanismo de proteção contra aquisições hostis de controle e contra a dispersão acionária, pode ser aplicada diante de nosso direito. 9 2 Considerações sobre o poder de controle 2.1 Definição Em todo início de trabalho de pesquisa que objetiva desmembrar conceitos e estudar o seu desenvolvimento diante de certa realidade, faz-se necessário ingressar preliminarmente na busca dos seus sentidos lexicais. Diante disso, antes de embarcarmos diretamente no tema e no estudo de seus aspectos correlatos, cabe ao menos pinçar elementos que ofereçam condições mínimas para o entendimento do instituto do controle nas sociedades por ações. Valemo-nos do que ensinou Fábio Konder Comparato no início de sua obra sobre o poder de controle na sociedade por ações para ilustrar a origem semântica do ‘Controle’. Esse autor nos aponta que a origem do vocábulo, “segundo os etimologistas, é francesa, mas a evolução semântica, no vernáculo, sofreu nítida influência do inglês, como ocorreu, aliás, até mesmo na língua de origem” (Comparato & Salomão Filho, 2005, p.27). Para a língua francesa, controle vem do arcaico substantivo contrerôle, como cita Fábio Comparato, o que no final das contas exprime um sentido básico de verificação ou fiscalização para o direito francês, o qual traz a expressão “contrôle des societés anonymes” (ibidem, p.28). De forma muito pertinente, Comparato contrapõe o sentido dado pela língua francesa à elaborada pela inglesa, para a qual “ao contrário, o núcleo central das diferentes acepções do vocábulo é a noção de poder ou de dominação” (ibidem). Considerando as oposições semânticas trazidas pelas línguas inglesa e francesa, percebe-se que o nosso português sofreu influência tanto de uma, como da outra. Assim sendo, nota-se que a palavra ‘controle’ assumiu uma dupla faceta, e, segundo Comparato, “passou a significar, correntemente, não só a vigilância, verificação, fiscalização, como ato ou poder de dominar, regular, guiar ou restringir” (ibidem, p.29). Feita esta apresentação semântica do poder de controle e tendo em vista que este trabalho de pesquisa não objetiva discorrer em detalhes sobre o seu conceito, restringir-se-á a uma análise passageira do tema, destacando alguns pontos importantes para a compreensão do fenômeno ora explorado. 10 O poder de controle é um tema amplo, e o conhecimento de seu conteúdo antecede a sua própria definição legal. Como conceito abstrato, na linha de raciocínio desenvolvida por Comparato, José Edwaldo Tavares Borba (2004, p.333) afirma que o controle é um fenômeno de poder, definindo que “controla uma sociedade quem detém o poder de comandá-la, escolhendo os seus administradores e definindo as linhas básicas de sua atuação” (ibidem). Modesto Carvalhosa discorre sobre a noção do poder de controle ao comentar a Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (a ‘LSA’), e afirma que “controle Societário pode ser entendido como o poder de dirigir as atividades sociais... Assim, o controle é o poder efetivo de direção dos negócios sociais” (Carvalhosa, 2003, p.429). Para esse autor, a noção de controle é também um fenômeno de poder; afirma ele que “é controlador aquele que exerce, na realidade, o poder” (ibidem). A noção do controle societário, como foi visto, reside na própria esfera do poder. Mas o que determina a legislação societária em vigor no Brasil? Historicamente, não se falava no direito brasileiro sobre uma definição legal do poder de controle até a edição da LSA (Comparato & Salomão Filho, 2005, p.79). Somente com a vigência desse diploma é que se passou a definir legalmente a figura do controlador, conforme seu artigo 116.3 Diante do texto do referido artigo, é possível destacar e individualizar três requisitos fundamentais para que se configure o controle numa sociedade por ações, a saber: (i) titularidade dos direitos de sócio; (ii) garantia de forma permanente a maioria de votos nas deliberações em assembléia geral e a eleição da maioria dos administradores e (iii) efetividade na condução dos negócios sociais e no funcionamento dos órgãos sociais da companhia. Note-se, com efeito, que os 3 “Artigo 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: (a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e (b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.” 11 requisitos não são cumulativos, pois o poder de controle pode ser exercido apenas cumprido um deles (Carvalhosa, 2003, p.431). A partir da leitura de parecer elaborado por Alfredo Lamy e Bulhões Pedreira, nota-se que o poder de controle não é necessariamente um direito inerente à ação, tampouco ao acionista, mas sim ao exercício, concentrado em um indivíduo ou grupo de indivíduos, dos direitos representados pelo conjunto das ações reunidas. Assim sendo, isso nos aponta que a lei conferiu o poder de controlar ao acionista ou grupo de acionistas que goze com conforto das prerrogativas políticas no âmbito da companhia.4 Neste contexto, vale-se da lição de Comparato, segundo o qual “o núcleo da definição de controle na sociedade anônima reside no poder de determinar as deliberações da assembléia geral” (Comparato & Salomão Filho, 2005, p.88). Já no âmbito da auto-regulação, observamos o que o Regulamento do Novo Mercado da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa)5 nos apresenta como definição de poder de controle: ‘Poder de Controle’ significa o poder efetivamente utilizado de dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da Companhia, de forma direta ou indireta, de fato ou de direito. Há presunção relativa de titularidade do controle em relação à pessoa ou ao grupo de pessoas vinculado por acordo de acionistas ou sob controle comum (‘grupo de controle’) que seja titular de ações que lhe tenham assegurado a maioria absoluta dos votos dos acionistas presentes nas três últimas assembléias gerais da Companhia, ainda que não seja titular das ações que lhe assegurem a maioria absoluta do capital votante. 4 “O poder de controle da companhia não é poder jurídico contido no complexo de direitos da ação: cada ação confere apenas o direito (ou poder jurídico) de um voto. O poder de controle nasce do fato da reunião na mesma pessoa (ou grupo de pessoas) da quantidade de ações cujos direitos de voto, quando exercidos no mesmo sentido, formam a maioria nas deliberações da Assembléia Geral. A natureza de fato do poder de controle fica evidente quando se considera que: a) não há norma legal que confira ou assegure poder de controle: esse poder nasce do fato da formação do bloco de controle e deixa de existir com o fato da sua dissolução; b) poder de controle não é direito subjetivo: o acionista controlador não pode pedir a tutela do Estado para obter que esse poder seja respeitado, a não ser quando se manifesta através do exercício regular do direito (ou poder jurídico) de voto nas deliberações da Assembléia Geral; e c) o poder de controle não é objeto de direito: não pode ser adquirido nem transferido independentemente do bloco de controle, que é sua fonte. O acionista controlador (ou a sociedade controladora) não é, portanto, “sujeito ativo” de poder de controle: tem ou detém esse poder enquanto é titular (ou sujeito ativo) de direitos de voto em número suficiente para lhe assegurar a maioria nas deliberações da Assembléia Geral.” (LAMY FILHO & PEDREIRA, “Alienação de controle de companhia aberta”, em 1997, p.620). 5 Disponível para consulta no sítio: www.bovespa.com.br. 12 Observamos que há pouca diferença entre os critérios definidos na lei e os previstos no Regulamento do Novo Mercado da Bovespa. Este último nos traz critérios muito acertados, tais como o parâmetro para resolver a questão do preenchimento da expressão “de modo permanente”, para que seja considerado acionista controlador aquele que consegue maioria absoluta em assembléias, ainda que tenha menos da metade das ações. Entretanto, apesar de a expressão mais característica do poder de controle se revelar na manifestação de vontade da maioria, seja simples ou qualificada, em sede de assembléia geral, não é possível afirmar que se trate da sua única forma de manifestação. O poder de controle pode se apresentar de diversas formas, cada qual com as suas especificidades, podendo ser delineado sob diversas estruturas, como se observará em tópico específico sobre o assunto. 2.2 A visão moderna do poder de controle e as suas principais formas Primeiro se deve distinguir, de acordo com a lição de Comparato (Comparato & Salomão Filho, 2005, p.48), o controle interno do controle externo: No primeiro caso, o titular do controle atua no interior da sociedade (ab intus), lançando mão de mecanismos de poder próprios da estrutura societária, notadamente a deliberação em assembléia. No segundo, o controle pertence a uma ou mais pessoas, físicas ou jurídicas, que não compõem quaisquer órgãos da sociedade, mas agem de fora (ab extra). Complementa ainda esse autor que o controle interno nas sociedades anônimas sempre ocorrerá “toda vez que esse poder estiver em mãos de titulares de direitos próprios de acionista, ou de administradores, pessoas físicas ou jurídicas, isoladamente ou em conjunto, de modo direto ou indireto” (ibidem, p.88). Ainda nesse contexto distintivo do poder de controle, Modesto Carvalhosa complementa a definição feita por Comparato, simplesmente apresentando o 13 “controle interno como aquele que se exerce através do voto” (Carvalhosa, 2003, p.435). Entretanto, o controle sobre a companhia pode ter sua origem além das pessoas que componham órgãos diretivos da companhia, como afirmou Comparato. Trata-se do controle externo, o qual “é o exercido através de outros meios que não o do exercício do voto. Assim, poderá o controlador externo ser até acionista da companhia; porém, o poder de efetivo comando que nela exerce não decorre do exercício do voto” (ibidem, p.435). Esclarece, ainda, Carvalhosa, de forma a exemplificar uma situação de controle externo, que o poder de domínio sobre a companhia “se faz, na hipótese, por outros fatores, sempre externos, notadamente de caráter contratual, decorrentes de endividamento da sociedade ou originados da intervenção do Estado no domínio econômico”. Verificados estes conceitos, passar-se-á à análise das formas pelas quais o controle se manifesta no seu âmbito interno. 2.2.1 Controle totalitário O controle totalitário consiste no poder exercido com quase a completa titularidade acionária, assimilando-se à sociedade unipessoal (Comparato & Salomão Filho, 2005, p.52). Esta modalidade, como afirma Fábio K. Comparato, caracteriza-se “quando nenhum acionista é excluído do poder de dominação na sociedade, quer se trate de sociedade unipessoal, quer se esteja diante de uma companhia do tipo familiar (controle totalitário conjunto)” (ibidem). Essa forma de controle não traz grandes indagações, considerando o objeto de estudo desta monografia. Entretanto, como nota Comparato, “basta, no entanto, que exista um só outro acionista, titular de uma única ação, ainda que sem direito a voto, para que se dissipe o caráter totalitário do controle e reapareça a possibilidade de conflitos...” (ibidem, p.53). Devem-se distinguir as subsidiárias integrais, as quais são controladas por apenas um acionista, das sociedades controladas por alguém que detenha quase a totalidade das ações votantes. Confirmam esse entendimento Berle Jr. e Means, fundamentando seu argumento no direito norte-americano, mas neste caso podemos aplicá-lo ao Brasil: “certain powers of control, such as the power to amend the charter 14 or to discontinue the enterprise, may require more than a simple majority vote and to that extent the majority exercises less control than a sole owner” (Berle Jr. & Means, 2000, p.71). 2.2.2 Controle majoritário O controle majoritário, por sua vez, pauta-se pelo comando da maioria, apresentando uma vertente simples ou absoluta, “conforme exista ou não uma minoria qualificada” (Berle Jr. & Means, 2000, p.63). Resumidamente, o controle majoritário “é aquele exercido pelo titular da maioria absoluta do capital votante de emissão da companhia” (Prado, 2005, p.134), isto é, no mínimo com a metade mais uma parte inteira das ações que possuem direito de voto. Com efeito, o poder de controle sob a forma majoritária pode ser exercido não apenas por um único acionista, não se revelando necessariamente como um bloco unitário de interesses; pode, validamente, desempenhar-se por dois ou mais acionistas, grupos de acionistas, os quais se associando compõem, temporariamente e enquanto interessar, a maioria, tratando-se do chamado controle conjunto ou por associação (ibidem). Nessa forma de exercício do controle na sociedade por ações, estrutura que ainda predomina no Brasil, encontram-se presentes no corpo acionário, como dito anteriormente, minorias. Estes indivíduos ou grupos de indivíduos constituem parte do organismo social da companhia, exercem seus direitos políticos quando têm sob seu domínio ações com direito a voto, recebem dividendos, podem eleger administradores se reunirem ações suficientes e recebem proteção da LSA.6 As minorias, se reunidas, podem até mesmo concentrar seus recursos econômicos e políticos para buscarem elementos que as aproximem patrimonialmente do acionista controlador em um ambiente em que parte das ações de companhia aberta estejam dispersas em bolsa, assumindo uma feição de “não apenas uma minoria”, mas sim alguém com representatividade. Nesse contexto, muito oportuna a lição ministrada em aula pelo mestre italiano Tullio Ascarelli (1945) ilustrando a figura da minoria na composição orgânica da companhia, em destaque: 6 A LSA delimita as responsabilidades do acionista controlador em seu artigo 117, configurando abuso de poder e respondendo ele pelos danos causados aos acionistas minoritários. 15 A possibilidade de um desenvolvimento sadio da sociedade anônima relaciona-se estritamente com uma efetiva tutela da minoria e do acionista singelo. Cumpre, de um lado, assegurar o direito da maioria, de outro lado, tutelar a minoria e, individualmente, o acionista singelo pois que, sem essa tutela, o poder da maioria pode-se transformar em arbítrio, o que, aliás, acaba por obstar ao próprio desenvolvimento das sociedades anônimas e ao preenchimento da sua função. (p.161) Sem a efetiva e ponderada tutela das minorias, o professor da Universidade de Bolonha nos alerta que “não haverá, realmente, possibilidade de difusão das ações no público e de desenvolvimento de um mercado de capitais e não haverá possibilidade de apelar ao público para a colheita de capital da sociedade...” (ibidem, p.161). Não resta dúvida quanto à proteção às minorias acionárias dada pelo direito, assim como ao seu potencial em reunir recursos para quiçá interferir na organização do poder e na condução dos negócios sociais. Entretanto, analisando cuidadosamente de perto a classe dos minoritários, percebe-se não haver uniformidade em seus integrantes. Conforme ensina o professor Fábio Ulhoa Coelho, há classes diferentes de acionistas: os acionistas são divididos, segundo o maior ou menor interesse com o cotidiano da atividade empresarial da companhia, em empreendedores e investidores. Entre estes últimos, cabe também distinguir os rendeiros dos especuladores. (Coelho, 2002, p.274) A partir disso deve ter-se em mente que os minoritários não são apenas meros e impotentes prestadores de recursos buscando receber dividendos. Nesta categoria, obviamente além das pessoas físicas que compram ações buscando rendimentos a longo prazo, encontramos participantes experientes do mercado, como os fundos de pensão, fundos de investimento, fundos de private equity, além de outras sociedades que buscam participações societárias relevantes. Curiosa até uma recente profissão, descrita por Fábio Ulhoa Coelho (2007, p.146) em artigo publicado em comemoração aos 30 anos de vigência da LSA: o minoritário profissional. Esse acionista tumultuador de assembléias gerais, em busca 16 do chamado “prêmio de sossego”, trata-se “em geral, de um investidor, que identifica no ‘atrapalhar o bom andamento dos negócios sociais’ mais uma oportunidade de ganho”. Destacada a presença e relevância das minorias, natural será a sua análise como potencial ou efetivo controlador de uma sociedade com capital disperso. 2.2.3 Controle minoritário O controle minoritário, segundo Fábio Konder Comparato, é aquele “fundado em número de ações inferior à metade do capital votante e que os autores norteamericanos denominam working control” (Comparato & Salomão Filho, 2005, p.64), o qual “bem estruturado, em companhia com grande pulverização acionária, pode atuar com a mesma eficiência que um controle majoritário” (ibidem, p.67). Essa forma de controle é possível sempre que na companhia não haja um acionista capaz de reunir sob seu domínio participação acionária suficiente para configurar o princípio majoritário ou até mesmo, havendo tal acionista, que este não exerça efetivamente o controle e faça sua vontade imperar nas assembléias (Prado, 2005, p.135). Como esclarecimento, é interessante destacar o estudo que o acadêmico norte-americano da faculdade de direito da Columbia University, em Nova York, John C. Coffee Jr., elaborou no ano de 2001sobre a propriedade dispersa das ações e sobre o papel do direito em relação a ela. Nesse estudo apurou-se como se desenvolveu o nascimento do capital disperso no mercado independentemente de prévias condições políticas e legislativas. O autor estabeleceu como base de comparação o surgimento desse mesmo fenômeno nos Estados Unidos e no Reino Unido e nos países europeus de tradição jurídica romanística, tais como França e Alemanha no final do século XIX. Seu artigo demonstra as diferenças e confrontos entre os excessos e ausências dos benefícios do controle chamado ‘privado’ das companhias, dos mecanismos de auto-regulação e das previsões legislativas entre os dois universos descritos. 17 Sob essa base, seu trabalho inicia-se com uma indagação interessante – a qual aparentemente guarda íntima relação com a realidade brasileira.7 Questiona, inicialmente, acerca da aparente impossibilidade de desenvolvimento de uma base de acionistas dispersos em países que adotam o sistema jurídico do civil law. Isso em função, por exemplo, da (i) ausência de mecanismos adequados de proteção às minorias acionárias, (ii) da inabilidade de manter-se o poder de controle com menos da metade das ações, e (iii) da fragilidade do controle disperso diante de uma realidade política sob a feição de social-democracia de esquerda. Quanto ao item (i), o Brasil se mostra cada vez mais capaz de respeitar os direitos dos acionistas minoritários diante da evolução da governança corporativa e da regra “uma ação, um voto”. Quanto ao item (ii), ao menos a concepção de concentração acionária, nos moldes de uma estrutura quase familiar, está se dissipando, dando lugar à colocação exponencial de cada vez mais ações para o público investidor. Já quanto ao item (iii), resta-nos apenas confiar nos rumos pelos quais o atual governo direciona a economia interna e as ações políticas que incidem sobre a sociedade. Como requisito de ocorrência, o controle minoritário pressupõe a extensa pulverização do capital social. Nessas condições, torna-se possível que um acionista se apodere do controle com ações que representem menos da metade das ações votantes. Em contraste com a realidade brasileira – que está em mutação –, o acionista controlador das companhias abertas nos Estados Unidos, quando houver, quase sempre exerce tal poder através do controle minoritário. Com efeito, o controle minoritário faz-se possível em função do absenteísmo de acionistas detentores de pequenas quantidades de ações. Dessa maneira, é suficiente que o acionista controlador possa ser identificado desde que tenha sob seu domínio ações com direito a voto em número superior à metade do número de ações votantes presentes em assembléias gerais. Confirmando esse entendimento, bem nos aponta Rubens Requião: Sabe-se que raramente, hoje em dia, a maioria que controla a gestão das grandes 7 “Recent commentary has argued that a dispersed shareholder base is unlikely to develop in civil law countries and transitional economies for a variety of reasons, including (1) the absence of adequate legal protections for minority shareholders, (2) the inability of dispersed shareholders to hold control or pay an equivalent control premium to that which a prospective controlling shareholder will pay, and (3) the political vulnerability of dispersed shareholder ownership in left-leaning ‘social democracies’.” (COFFEE JR., 2001, preâmbulo). 18 corporações anônimas nos países desenvolvidos, se mede em termos de unidade ... Em nosso país, sociedades anônimas já são controláveis com a detenção de 20% do capital, havendo já casos de percentagem de controle bem menor, na medida em que as ações vão se dispersando nas mãos do público. O conceito de maioria e de minoria, portanto, se modificou na realidade técnica e jurídica da empresa. O que importa são as ações detidas pelo grupo de acionistas que, com elas, embora em minoria, controlam a empresa. (Requião, 1974, p.23-35) Ainda a respeito de como se ambienta o controle minoritário, o professor Tavares Borba nos chama novamente a atenção para o absenteísmo dos proprietários de ações votantes, dando vazão ao controle sob o domínio da minoria, nos seguintes termos: Nas grandes companhias abertas, cujo capital votante se encontre disseminado no mercado, enfrenta-se o problema do absenteísmo dos acionistas nas assembléias. Essa ausência que, em muitos casos, se estende à maioria das ações faz com que às assembléias compareça uma parcela minoritária do capital votante. Nestas circunstâncias, a maioria será apurada em relação aos presentes, possibilitando a polarização do controle na maioria da minoria. (Borba, 2004, p.334) Nesse contexto, cabe citar, por exemplo, o seguinte trecho de voto proferido no Processo CVM RJ 2005/4069,8 demonstrando um possível entendimento de como a real possibilidade do controle pela minoria é encarada pelo órgão regulador do mercado de capitais: em uma companhia com ampla dispersão ou que tenha um acionista, titular de mais de 50% das ações, que seja omisso nas votações e orientações da companhia, eventual acionista que consiga preponderar sempre, não estará sujeito aos deveres e responsabilidades do acionista controlador, uma vez que prepondera por questões fáticas das assembléias não preenchendo o requisito da alínea ‘a’ do art. 116, embora preencha o da alínea ‘b’. Esse acionista seria considerado, para determinação de sua responsabilidade, como um acionista normal (sujeito, portanto, ao regime do art. 115). 8 Voto do Diretor Relator Pedro Oliva Marcilio de Sousa, proferido na Reg. Col. n° 4788/2005, extraído do sítio da CVM (www.cvm.gov.br). 19 Nota-se certa relutância da autarquia – pelo menos na opinião desse diretor – em aceitar o exercício do controle por uma minoria ou por acionista que se mostre presente na ausência do controlador por razões de fato e falta de cumprimento dos requisitos do artigo 116 da LSA. Entretanto, como vimos pela lição de Modesto Carvalhosa, os requisitos para configurar o controle não são cumulativos, bastando apenas um deles para o controle se caracterizar (Carvalhosa, 2003, p.431). Concluindo a exposição sobre essa forma de aparição do controle societário, não poderia deixar de destacar-se a afirmação de Comparato em sua tese sobre o poder de controle: A rigor, um controle minoritário bem estruturado, em companhia com grande pulverização acionária, pode atuar com a mesma eficiência que um controle majoritário. Mas a lei brasileira estabelece uma distinção importante, ao impor, para a aprovação de certas deliberações, o concurso do voto de metade, no mínimo, do capital com direito a voto. (Comparato & Salomão Filho, 2005, p.67) O professor Calixto Salomão Filho, em resposta imediata ao excerto aqui destacado da obra de Comparato, enfatizou que a lei brasileira consagra o controle minoritário como princípio dentro do capital total da sociedade. Vejamos: A famosa regra que permitia a existência de até dois terços do capital total da empresa representados por ações preferenciais (sem voto) – art. 15, § 2º, da Lei nº 6.404/76, agora reduzida a no máximo 50% do capital total – nada mais é que a consagração legal do controle minoritário. O sistema brasileiro pode, portanto, ser caracterizado como um sistema em que há opção clara pelo controle minoritário, no que respeita o capital total da companhia. (ibidem, p.68) O controle minoritário, em suma, consiste no cenário ideal para a disputa pelo controle em uma companhia, pois o conceito de acionista majoritário como controlador esvaziou-se. Com grande parte das ações dispersa, torna-se possível que o controle seja adquirido por aqueles que concentram pequena quantidade de ações sob seu domínio, seja individualmente seja em grupos. Sendo este cenário ideal para a facilidade pela busca do controle, natural será também a precaução em mantê-lo seguro. 20 2.2.4 Controle gerencial ou administrativo No início da década de 1930 nos Estados Unidos, Adolph Berle Jr. e Gardiner Means (2000), conjugando o raciocínio jurídico e econômico, inovaram, ou melhor, revolucionaram, o direito das corporations ao defenderem tese ‘desacoplando’ a propriedade de ações de emissão de uma companhia, do poder de controle. Em outras palavras, separou-se a propriedade privada sobre um valor mobiliário da possibilidade de determinar a direção das atividades da sociedade, assim como de orientar o funcionamento dos seus órgãos e de deter a soberania política nos órgãos assembleares – elementos escolhidos pelo art. 116 da LSA para definir o acionista controlador no âmbito do controle interno da companhia.9 A doutrina estrangeira nos esclarece que grande parte da lógica por trás da manifestação do controle das companhias origina-se a partir do próprio instituto da personalidade jurídica e da autonomia patrimonial dos sócios. Alfredo Lamy (2007, p.151) mais uma vez nos remete à opinião clássica de um dos mais costumados autores franceses que discorreram sobre o poder de controle, Claude Champaud: para que apareça a noção de controle, é necessário, em primeiro lugar, que exista um patrimônio cujo titular se encontra na impossibilidade física de gerir os bens de que seja proprietário. Tal condição ocorre sempre que o proprietário é uma pessoa jurídica ... o controle é o direito de dispor de bens alheios com um proprietário. (1962, p.150, 156, 161) Destacamos o que ensinou um dos grandes mestres do direito civil, Orlando 9 No tocante ao acionista controlador nos valemos de Bulhões Pedreira e Lamy Filho, os quais nos apontam que “o controle é a capacidade de causar, determinar ou alterar a ação dos órgãos da companhia. É o poder político na sociedade no sentido de poder supremo da sua estrutura interna, que compreende capacidade de alocar e distribuir poder nessa estrutura” (LAMY FILHO & PEDREIRA, 1997, p.66). Fábio Konder Comparato vai além desta concepção, afirmando que “a exigência do uso efetivo do poder ‘para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia’ somente se compreende, como elemento integrante da definição do controlador, em se tratando de controle minoritário. Neste, com efeito, o titular de direitos de sócio que lhe assegurariam a preponderância nas deliberações sociais, em razão da dispersão acionária, pode manter-se ausente das assembléias gerais, perdendo com isto, de fato, o comando da empresa. Já no controle de tipo majoritário, porém, o desuso ou mau uso do poder não é elemento definidor do status, pois ainda que o controlador afete desinteressar-se dos negócios sociais, não pode arredar o fato de que o poder de comando se exerce em seu nome, ou por delegação sua, o que a tanto equivale” (COMPARATO & SALOMÃO FILHO, 2005, p.87). Em resumo, levando em conta de forma complementar ambas as idéias aqui apresentadas, o núcleo do controle nas sociedades anônimas abertas encontra-se instalado no verdadeiro poder de determinar e orientar as deliberações da assembléia geral, sendo que a demonstração efetiva de sua utilização, como bem definiu Comparato, tem lugar essencialmente em ambientes de controle minoritário. 21 Gomes, para esclarecer melhor as diversas esferas conceituais que integram o núcleo do poder de controle: Quem controla uma sociedade é, na linguagem proprietarista, seu dono. O que distingue, porém, o controlador do proprietário é que este tem direito de dispor dos bens próprios, enquanto aquele pode dispor praticamente dos bens alheios, pouco importando, como se discute, se os bens sociais são da pessoa jurídica ou dos acionistas ... Lógico, portanto, que a gestão dos bens sociais, vale dizer, o governo da empresa, fique na dependência da vontade dos detentores do controle acionário da sociedade. São eles próprios que se elegem administradores ou escolhem quem lhes convenha para o exercício da função. (Gomes, 1977, p.221 ss) Com efeito, o destaque dessa nova teoria ficou por conta do controle que poderia ser exercido não só por uma minoria acionária, mas até mesmo pelos administradores da companhia, revelando a completa dissociação entre a propriedade e o poder de controle. Observou-se, por sua vez, que os demais acionistas, embora proprietários das ações, seriam reduzidos à condição de meros aplicadores de capital,10 enquanto uma minoria, ou até mesmo a sua administração,11 passava ao posto de verdadeiros soberanos ao formarem o bloco de controle adquirindo as ações com voto (ibidem, p.67). Nessa esteira fala-se na existência do controle gerencial ou administrativo, 10 É interessante notar o que escreveram os autores da Lei das Sociedades Por Ações, Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, a respeito das duas espécies de acionistas que surgem nas grandes companhias, in verbis: “esse fenômeno do controle da companhia através da concentração da propriedade das ações dá origem à diferenciação – observada nas companhias e nos mercados de ações – de duas classes de acionistas: o acionista-empresário, detentor do poder de controle (ou membro do grupo controlador), que exerce toda a função empresarial, e o acionista-aplicador de capital de risco, que exerce apenas uma subfunção empresarial. Essa diferenciação, que pode ser apenas de fato, tende a se formalizar mediante a criação de espécies distintas de ações, com e sem direito de voto” (LAMY FILHO & PEDREIRA, 1997, p.67). 11 “Num ambiente de alto grau de dispersão de ações, como o Norte-Americano, no qual os maiores acionistas detêm participação inferior a 1% do capital social, verifica-se que há grande dificuldade de se estruturar e manter blocos de controle. Conseqüentemente, os acionistas são identificados, em sua maior parte, como aplicadores de capital, apenas buscando a satisfação econômica do recebimento de dividendos e pelo valor de mercado de suas ações, deixando a condução dos negócios sociais a cargo da administração. Nota-se, assim, que a ausência dos mesmos nas reuniões da Assembléia Geral é grande, nomeando mandatários indicados pelos próprios administradores, permitindo-se a perpetuação destes em seus cargos ou a indicação de sucessores de sua escolha. Diante deste cenário de deslocamento do poder dos proprietários das ações para os administradores profissionais, observa-se o fenômeno do managerial revolution (revolução gerencial), o qual é peculiar às companhias que têm por objeto atividades empresárias de grande porte, também chamadas de macroempresas” (LAMY FILHO & PEDREIRA, 1997, p.67-8). 22 pelo qual a administração, dada a intensa dispersão acionária, assume o controle de fato, passando a ter o revestimento de um órgão societário que se mantém no poder forçosamente (Comparato & Salomão Filho, 2005, p.71). Berle Jr. e Means ilustram muito bem essa transformação, como se observa neste trecho de destaque de sua obra The modern corporation and private property: In examining the break up of the old concept that was property and the old unity that was private enterprise, it is therefore evident that we are dealing not only with distinct but often with opposing groups, ownership on the one side, control on the other – a control which tends to move further and further away from ownership and ultimately to lie in the hands of the management itself, a management capable of perpetuating its own position. (Berle Jr. & Means, 2000, p.124) O cenário descrito tornava-se possível tendo em vista o alto grau de dispersão acionária no mercado de valores mobiliários dos Estados Unidos, no qual, segundo os estudos feitos à época por Berle Jr. e Means, verificou-se, por exemplo, que na Pennsylvania Railroad Co., em dezembro de 1929, os seus vinte maiores acionistas detinham, juntos, 2,70% (dois vírgula setenta por cento) do seu capital social, tendo, ainda, o seu maior acionista o domínio de apenas 0,34% (zero vírgula trinta e quatro por cento) do total de ações emitidas. A ruptura provocada pela nova tese de Berle Jr. e Means teve grande impacto para o direito societário, transpondo fronteiras e transformando conceitos trazidos pelo direito romano. Em um momento anterior à teoria de Berle Jr. e Means, Karl Marx, citado por Fábio K. Comparato (Comparato & Salomão Filho, 2005, p.51), afirmou, com muita precisão, que “um maestro não precisa de modo algum ser proprietário dos instrumentos da orquestra que dirige, nem lhe compete tratar do salário dos seus músicos”, resumindo metaforicamente o distanciamento entre propriedade e poder de direção nas grandes companhias. Em outras palavras, a estrutura de controle das grandes companhias dissipouse e a figura do controlador mitigou-se, resultando na “cisão entre a propriedade e o controle, na medida em que o controle deslocar-se-ia crescentemente para as mãos dos executivos profissionais, em decorrência da dispersão acentuada das ações entre os acionistas” (Eizirik, 1987, p.103). 23 No final dos anos 80, Nelson Eizirik, com base em levantamento de dados feito pela CVM, afirmou que “a tese da separação entre propriedade e controle na grande empresa revela-se inteiramente inadequada no caso das companhias abertas brasileiras” (ibidem, p.103). Para esse jurista, parte-se da premissa de que se considera gerencial o controle quando nenhum acionista detém mais de 10% do capital votante. Sendo assim, tendo por base um quadro elaborado pela CVM sobre a estrutura do controle acionário no Brasil datado de 1985, o qual apontava que absolutamente nenhuma companhia encontrava-se em tal situação, pôde-se afirmar que o cenário das companhias ‘controladas’ pelos administradores seria impossível. Apesar de essa análise ter sido precisa à sua época, ela foi elaborada há duas décadas, sob outra realidade. Hoje em dia não temos em prática o controle gerencial, porém o contexto é cada vez mais propício à diluição do capital, permitindo-se, outrossim, que hoje possa ser definido um novo posicionamento a partir da realidade atual. Em linhas gerais, considerando o que aqui foi dito, os norte-americanos Berle Jr. e Means trouxeram uma nova perspectiva ao poder de controle, afirmando que este poderia ser exercido de forma independente da quantidade de ações sob a propriedade de um acionista. Com efeito, essa é a idéia de forma moderna de controle que deve ser fixada, isto é, numa verdadeira mudança no conceito de acionista controlador. Nos Estados Unidos, a evolução no âmbito do direito foi profícua e conduziu o país ao posto de maior economia do mundo, cujo mercado de valores mobiliários é reconhecido pela sua maturidade, dispersão acionária, alta liquidez e fertilidade para a ocorrência de operações societárias inusitadas, ainda não experimentadas no Brasil, tais como a aquisição hostil do poder de controle, como veremos a seguir no decorrer deste trabalho. Assim, diluiu-se a antiga concepção de que o acionista controlador seria aquele que possuísse a totalidade ou a maioria das ações de emissão de uma companhia de capital aberto, passando a se falar em cinco modalidades de poder de controle, a saber: (i) totalitário, (ii) majoritário, (iii) minoritário, (iv) administrativo ou gerencial e (v) mediante instrumentos legais (through a legal device) (Berle Jr. & Means, 2000, p.70). 24 2.3 O valor do poder de controle Para que se compreenda o motivo pelo qual o poder de controle é protegido através de todas as técnicas negociais e jurídicas possíveis, é imprescindível que se entenda o porquê de sua disputa. O universo de interesses e relações contido no âmbito das sociedades por ações é tão complexo quanto a realidade política e econômica de um país sob regime democrático. O acionista, assim como o cidadão, tem direitos garantidos e assegurados pelo ordenamento jurídico. Como regra geral, o acionista tem pleno gozo de seus direitos políticos, exceto se o estatuto optar por restringir o voto das ações preferenciais em troca de vantagens,12 ou se a assembléia geral deliberar por suspendê-lo em função do descumprimento da lei ou do estatuto.13 Além dos direito políticos, os acionistas têm, por direito essencial, a participação nos lucros sociais. Trata-se da garantia do exercício do direito patrimonial, de receber o retorno de seu investimento de risco em uma sociedade de capitais ou como fruto de seu trabalho em busca da realização do objeto social da companhia. Em apresentação no II Congresso de Direito Comparado Luso-Brasileiro realizado no Rio de Janeiro em 1985, Fran Martins afirmou, com muita propriedade, que “é inegável que, apesar de todas as ações terem um valor nominal igual, as ações de controle do acionista controlador, na realidade, valem mais do que as outras” (Martins, 1988, p.17). Nesse contexto, pode-se afirmar que o poder de controle possui valor econômico maior que o seu simples valor patrimonial. Caso isso não fosse realidade, restaria a dúvida sobre uma das principais motivações para a criação do artigo 254-A da LSA. Essencialmente, o artigo 254-A da LSA, inserido na ordem jurídica pela Lei nº 10.303, de 31 de outubro de 2001, retomou, de forma inovadora, o instituto da oferta pública obrigatória de aquisição das ações dos acionistas minoritários na ocasião da alienação do controle acionário de companhia aberta (Eizirik, 2004, p.73). 12 Conforme o Artigo 111 da LSA. 13 Conforme o Artigo 120 da LSA. 25 Observa-se que a LSA, ao ser alterada, optou em consolidar o entendimento de que o bloco de controle de uma companhia contém valor econômico e que as ações que o integram possuem um preço superior em relação às demais ações detidas pelos minoritários, por ocasião de sua alienação (ibidem, p.74). Esse artigo fixa e precifica o sobrevalor denominado de “prêmio de controle” às ações do acionista controlador, caso estas sejam alienadas de forma a resultar na cessão do controle. A carga jurídica do artigo 254-A serve ao propósito de dividir com os acionistas minoritários detentores de ação com direito a voto o montante recebido pelo acionista controlador em razão da alienação do conjunto de ações que compõem o bloco de controle, os quais têm direito a receber, no mínimo, 80% do valor pago pelas ações do controlador.14 Arnoldo Wald destacou um ponto importante nesta questão, citando um excerto da obra de Berle Jr. e Means (2000): que o preço pago pelo controle deveria favorecer a empresa e não o acionista controlador, pois se o comprador adquire poder (de mando) e não apenas ações, tal poder pertenceria à empresa, concluindo que, em tal hipótese, "payment for that power, if it goes anywhere, must go into the corporate treasury” (Berle Jr. e Means, 1934, p. 244). Para esses autores, o controle constituiria um corporate asset, um bem do ativo da sociedade. (Wald, 1983, p.455) Diante dessa exposição, percebe-se que o valor econômico do poder de controle, consubstanciado nas ações sob domínio do controlador, não pertence unicamente a ele. Por conseguinte, os resultados econômicos proveitosos do poder deverão ser partilhados de modo igual com os demais acionistas, como também os riscos da atividade empresária. O poder de controle não pertence apenas ao controlador, tanto que este não tem direito a remuneração ou a qualquer benefício – a não ser os próprios direitos inerentes a todos os sócios – por deter o poder de controle, mas sim deveres e obrigações em relação à sociedade e aos acionistas.15 Diante da realidade, 14 Note-se que a exigência da realização de oferta pública com o pagamento de pelo menos 80% do prêmio pago ao controlador aos minoritários consiste no limite criado pelo regime legal das sociedades por ações no tocante à alienação do controle. No segmento com mais alto nível de governança corporativa da Bovespa, o Novo Mercado, para que uma companhia possa negociar suas ações, esse limite de 80% sofreu razoável majoração, saltando para 100%. 15 Em tese, o acionista controlador sofre um verdadeiro ônus sob pena de responsabilidade, conforme 26 entretanto, mesmo que o controle implique diversas obrigações, nota-se que é um elemento que pode ter o seu valor apurado, apreciado em moeda, valorizado e até negociado. Tendo isso em vista, não há como negar que os acionistas e terceiros interessados façam verdadeiras guerras para manter, tomar ou negociar o controle, utilizando-se das mais sofisticadas técnicas que o direito pode oferecer. o artigo 117 da LSA: “O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder”. 27 3 Novas tendências societárias: a aquisição hostil do controle We’re coming out of the trenches with our bayonets fixed, and we’re taking no prisoners. Joseph Flom, advogado pioneiro nas aquisições hostis nos Estados Unidos, durante a década de 1980, em Caplan, 1994, p.4 Antes de adentrar a análise deste tema, cujo relacionamento com a Poison Pill é mais do que estreito, esclarecemos que o título “Novas tendências societárias” foi inserido para refletir a realidade brasileira quanto à ocorrência dos takeovers, a qual é completamente incipiente. A aquisição hostil do poder de controle (expressão traduzida do equivalente inglês hostile takeover, ou também takeover-bid) revela-se como um fenômeno jurídico embrionário e prematuro no Brasil. Nessa forma de aquisição de controle que se manifesta no âmbito das sociedades anônimas de capital aberto, as relações que surgem envolvem a dinâmica de poder e propriedade e a disputa pelo controle societário. A denominação que foi atribuída ao instituto trata-se de uma tradução que gera certa confusão, pois o termo ‘hostil’ conduz à idéia de agressividade e desrespeito aos padrões mínimos de conduta, sendo que, na realidade, significa tãosomente a apresentação de uma proposta sem que tenha ocorrido prévia negociação ou elemento volitivo na alienação da participação do acionista controlador. O nosso sistema jurídico societário, não obstante a novidade das aquisições hostis, composto, neste caso, pelos artigos 257 a 263 da LSA e pela Instrução nº 361 de março de 2002 da CVM (‘ICVM 361/02’), possui a instrumentalidade inicial para recepcionar e disciplinar os efeitos que estão por vir pela utilização dessa modalidade de aquisição do poder de controle. Para que se evitem os tropeços e mal-entendidos, em vez de importarmos uma tradução literal da expressão hostile takeover, a qual traz uma forte carga de agressividade e pode acirrar ainda mais a competição não-saudável entre as companhias, a expressão poderia ser simplesmente adaptada aos nossos moldes, sendo denominada de “oferta não solicitada”. A onda dos takeovers nos Estados 28 Unidos foi um período conturbado, caracterizado como um tropeço do capitalismo norte-americano aos olhos de um banco alemão, e considerado pelo então presidente da França, François Mitterrand, como “um gangsterismo e a aplicação da lei do mais forte” (Gilson, 2004, p.4-5). O raciocínio aplica-se também às Poison Pills, que na realidade são apenas mecanismos de manutenção do poder de controle e da dispersão de ações, não devendo ser entendidas como um elemento de destruição prejudicial ao desenvolvimento de um mercado livre para aquisições. Em sua obra sobre o poder de controle, um marco para o direito societário brasileiro, Fábio Konder Comparato, ao tratar da transferência do controle interno das companhias, apresenta uma definição concisa de aquisição hostil: Reduzida a sua expressão mais simples, a operação consiste na oferta pública de aquisição, durante certo período, de todas ou parte das ações de determinada classe, ou de determinadas classes, de uma companhia, mediante pagamento de certo preço ou troca por ações ou debêntures de outra companhia. A oferta pública pode, teoricamente, objetivar ou não a tomada de controle da companhia visada, mas na quase totalidade dos casos este tem sido o objetivo efetivamente colimado pelo ofertante, e estimulado pela regulamentação normativa. (Comparato & Salomão Filho, 2005, p.242) Já o professor Fran Martins, ao comentar a LSA, nos apresenta o objetivo da aquisição hostil do controle, que em nosso direito assume a feição de oferta pública para aquisição do controle acionário: A oferta pública para aquisição do controle acionário de sociedades anônimas é, assim, um procedimento que visa sobretudo fazer com que a operação se realize com uma participação direta dos proprietários das ações votantes de referidas sociedades. Procura-se evitar uma disputa com os administradores das sociedades, que muitas vezes detêm o controle social sem possuir a maioria das ações. Em última análise, a oferta pública para a aquisição do controle tende a beneficiar os acionistas minoritários que, desse modo, poderão participar da operação em igualdade de condições com os acionistas majoritários, no que diz respeito ao preço dado às ações dos primeiros. (Martins, 1978, p.377) Em artigo publicado pelo professor Comparato sobre as modernas formas de 29 concentração empresarial, pode-se notar a alta oxigenação da oferta hostil do controle em oposição à simples manobra de aquisição de papéis em bolsa de valores, comumente chamada de ‘escalada societária’: A aquisição de ações em Bolsa sem oferta pública não pode nunca ultrapassar determinado montante global de títulos, sem chamar a atenção da diretoria da sociedade visada, dos seus acionistas e dos operadores no mercado, em geral; e desde que desvendado o fato de que se trata de aquisições visando ao controle da sociedade, desencadeiam-se as medidas de defesa por parte da diretoria desta ou de alguns dos seus grupos acionários, além de se entusiasmarem as manobras de especulação bolsística, elevando a cotação das ações em pouco tempo a níveis absurdos. Por outro lado, a aquisição sistemática de ações fora de Bolsa, quando se trata de companhia de controle minoritário, representa um processo de curso extremamente lento e de resultados altamente aleatórios. (Comparato, s.d., p.134-5) Outro elemento trazido por esse autor nos esclarece quanto à exposição conceitual da aquisição hostil do controle societário, afirmando suas vantagens procedimentais e econômicas em relação às demais formas de concentração empresarial; o takeover, segundo o autor, é revestido pela surpresa e tem força equiparada à potência bélica dos tanques do exército alemão na segunda grande guerra. Nesse contexto, precisa a ressalva feita pelo autor no sentido de se pressupor a pulverização do poder de controle no mercado. O trecho do texto a que se faz referência merece ser transcrito: As vantagens da take-over bid sobre os processos tradicionais de concentração de empresas são, portanto, evidentes, desde que – repita-se – a sociedade anônima a ser absorvida tenha a sua maioria acionária, dispersa em várias mãos. Antes de mais nada, para o grupo ofertante, a oferta pública oferece a grande vantagem da concentração do ataque e do efeito de surpresa, como autêntica blitzkrieg. Ao contrário do que sucede na aquisição sem oferta pública, o ofertante aqui goza das vantagens da rapidez e da economia de recursos na superação de qualquer eventual oposição ou manobra especulativa. (ibidem) Ademais, destaca-se com aplausos a opinião de Comparato no sentido de refletir em seu texto o fenômeno econômico que ocorre em relação à elevação do 30 preço das ações listadas em bolsa diante de um hostile takeover. Em razão da oferta hostil, promove-se um aumento patrimonial com imediato aproveitamento deste pelos acionistas da companhia, os quais são colocados em pé de igualdade com o(s) acionista(s) controlador(es) na alienação do controle: Para os acionistas da sociedade visada, é inegável que uma take-over bid oferece a vantagem do lucro patrimonial imediato, pois as ofertas públicas são sempre lançadas por um valor unitário de ação superior em no mínimo 20% à cotação bolsística. Ademais, oferece ainda a garantia de um tratamento rigorosamente igualitário, evitando os arreglos entre o grupo adquirente das ações e a diretoria da sociedade visada, ou alguns de seus acionistas, para a venda do controle. (ibidem) As ofertas públicas de aquisição de ações de controle que recebem o nome de “aquisição hostil” representam “a mais espetacular faceta desta específica forma de aquisição de valores mobiliários e, estamos certos, a mais próxima razão da sua grande popularidade e mediaticidade...” (Pereira, 2001, p.216). Nessa esteira, de acordo com o autor português ora citado, a aquisição hostil pode apresentar aspectos positivos e/ou negativos.16 Vale a pena destacar, como nos informa ainda Jorge Brito Pereira, que o “sucesso [da Oferta Pública de Ações] depende, evidentemente, da reacção que provoca nos seus destinatários finais – os accionistas da sociedade visada (alterações nossas)” (ibidem), considerando que a sociedade-alvo encontre-se na condição de dispersão acionária e estruturada sob a forma do controle, pelo menos, minoritário. Os hostile takeovers demandam, para sua ocorrência, que exista um ambiente cujas condições forcem a sua condição de vulnerabilidade da companhia. Diante 16 Quanto ao seu lado negativo, transcrevemos o que nos aponta o autor: “as OPA, enquanto técnica específica de aquisição de valores mobiliários, podem provocar a desorganização e o desmembramento das empresas, fomentar as estratégias de curto prazo em prejuízo das mais desejáveis estratégias de médio e longo prazo, distrair os gestores da atenção primordial ao interesse da sociedade, produzir um excessivo endividamento das sociedades envolvidas em face dos custos desmesurados de algumas operações, apelar à prática de ilícitos...”. Porém, positivamente, destacamos: “podem apresentar importantes benefícios para os accionistas da sociedade visada, quer em termos imediatos, por permitirem a realização de um rápido lucro financeiro ... facultando um modo de reestruturação rápido e transparente, facultando um modo de resolução de conflitos entre accionistas de controle e entre estes e accionistas minoritários ... por lhe facultarem um instrumento de crescimento rápido, quer horizontal, quer vertical; que finalmente, podem apresentar benefícios para o mercado de valores mobiliários e por permitirem a mobilidade das equipas de direcção” (Pereira, 2001, p.217). 31 dessas condições, enfatiza-se a dispersão do capital social, a inexistência de uma posição de controle majoritário, e, como apontado por Jorge Brito Pereira: baixos custos de financiamento para aquisições, sub-avaliação das ações num determinado momento de mercado, o tipo de atividade da sociedade visada e a facilidade de integração empresarial em sociedades concorrentes, a proliferação de investidores não estratégicos na estrutura acionista da sociedade (em particular os fundos de investimento) e a relação de confiança entre os acionistas e os administradores. (2001, p.218) Diante dessa realidade, que compreende a dispersão acionária, o surgimento de novas operações societárias, grande volume de capital negociado na bolsa de valores e desconcentração da propriedade das ações de emissão de companhias abertas, a qual já é vivida intensamente pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido desde o início da década de 1980, observamos que os primeiros passos estão sendo dados pelo Brasil em direção à nova era das companhias de capital pulverizado. Acompanhando essa evolução, nota-se que começam a se delinear, nos estatutos sociais, as primeiras cláusulas de proteção ao poder de controle e à dispersão acionária, sendo a mais famosa delas a denominada Poison Pill. 32 4 A cláusula de Poison Pill 4.1 A origem da Poison Pill Lexicamente, o termo Poison Pill tem sua origem nas cápsulas de veneno compostas por cianeto que os espiões eram instruídos a ingerir para evitar que fossem capturados durante uma missão, daí a conotação de ‘fatal’ quando o assunto é a manutenção do poder de controle e da dispersão acionária diante de aquisição hostil. Essa expressão, infelizmente, também foi construída sob uma conotação negativa, tendo sido ao longo de suas décadas de existência representada até mesmo por um símbolo composto por uma caveira e ossos cruzados, nos Estados Unidos (Costa, s.d.). O instrumento, como mecanismo de defesa, foi juridicamente arquitetado pelo advogado Martin Lipton em 1983 durante o curso da aquisição hostil da fabricante de porcelanas Lenox, mas o termo foi cunhado por um banqueiro chamado Martin Siegel ao conceder entrevista sobre o assunto a The Wall Street Journal (Lipton & Rowe, 2001, p.13). Lipton desenvolveu a Poison Pill como se fosse uma espécie de plano de opção de direitos, distribuído de forma pro rata a todos os acionistas sob a forma de dividendos (Cox & Hazen, 2003, p.1429), distribuídos pelo próprio conselho de administração (órgão com poderes para tal). Com efeito, essas ‘opções’ tinham por objeto a compra de ações ou outros valores mobiliários recém-emitidos pela companhia, sob condição suspensiva de ocorrência de certos eventos, tais como fusões, incorporações e ofertas hostis pelo controle (ibidem). Vale destacar que esse plano de opção não podia ser exercido de forma alguma pelo potencial comprador, assim como não podia ser cedido para terceiros. A modalidade mais interessante do plano de opções desenvolvido por Lipton é a que recebe o nome de flip-in provision, na qual a condição suspensiva se cumpria com a aquisição de certa quantidade de ações em circulação ou até mesmo a publicação de anúncio de oferta pelas compra das ações (Cox & Hazen, 2003, p.1430). Podendo ela ser exercida, o acionista detentor do plano de opção passa a ter direito de adquirir novas ações ou valores mobiliários por um preço relativamente 33 barato. Dessa forma, aumentam-se os custos do ofertante na aquisição do controle da companhia, já que a sua participação societária é diluída em razão das aquisições feitas pelos demais acionistas de ações ou valores mobiliários por um preço muito abaixo do justo praticado no mercado (ibidem). A década de 1980 compreende a fase mais contundente no tocante às aquisições hostis e à criação e utilização de Poison Pills nos Estados Unidos. Nessa época, o movimento das grandes aquisições foi exponencial, em razão dos baixos preços das ações de companhias listadas em bolsa, sendo liderada por advogados como, por exemplo, Joseph Flom, sócio da banca norte-americana Skadden, Arps, Slate, Meagher & Flom, que hoje conta com mais de mil advogados. O panorama brasileiro é um pouco diferente do norte-americano, porém com mesmo objetivo. As companhias brasileiras vêm adotando esse instrumento de defesa visando impedir ou limitar os efeitos do aumento de participação de eventuais acionistas além do nível que o acionista controlador (ou acionistas controladores) considera(m) como seguro para sua permanência no poder. No Brasil, em modalidade muito particular,17 para que esse mecanismo de defesa impeça a diluição da participação societária do acionista controlador ou aumente a concentração acionária, a obrigação que se impõe para o adquirente é a realização de oferta pública de ações. Como conceito jurídico, a oferta pública de aquisição de ações, apelidada de ‘OPA’, para Modesto Carvalhosa trata-se, na espécie, de uma declaração pública pela qual uma pessoa física ou jurídica propõe aos acionistas de uma companhia a celebração de contrato de compra ou permuta de ações. Dirige-se a oferta a pessoas indeterminadas quanto à identidade, porém determináveis pela categoria patrimonial que ostentam como acionistas de uma companhia. E nestes termos, a oferta constitui elemento necessário à formação do contrato. É assim uma declaração que invariavelmente precede outra declaração a qual, por sua vez, propicia a formação do negócio: a aceitação. (Carvalhosa, 1978, p.18) 17 A expressão “em modalidade muito particular” não é utilizada em vão, pois existem diversas outras formas de se proteger contra uma oferta hostil pelo poder de controle; a realização de oferta pública para os demais acionistas é a Poison Pill que vem ganhando o interesse das companhias, como se verifica nos estatutos sociais à disposição nos sítios da Bovespa (www.bovespa.com.br) e da CVM (www.cvm.com.br). 34 Realizar uma OPA não cumpre apenas uma única função. Diversos podem ser os seus objetivos, conforme se pode observar na ICVM 361/02, expedida pelo poder público no exercício de sua competência regulamentar.18 Diversas são as formas de Poison Pill adotadas como mecanismos de proteção ao controle, sejam de caráter preventivo ou repressivo, as quais variam desde a emissão de novos valores mobiliários até a supressão de direitos e o envolvimento de terceiros, dependendo a sua validez e eficácia da legislação do país em que for aplicada. No Brasil, a modalidade que vem sendo preventivamente adotada consiste, como dito, na obrigação de realização de oferta pública de ações. 4.2 O mecanismo jurídico da Poison Pill Diante das diversas estratégias defensivas já adotadas ao longo da história pela disputa pelo poder de controle, a Poison Pill é sem dúvida a mais adotada. Mas como e quando a cláusula de Poison Pill produz seus efeitos? Sua dinâmica de funcionamento pode ser resumida da seguinte maneira: Se disparada, a Poison Pill tem por objetivo fazer que o hostile takeover fique extremamente caro e desinteressante. Dessa maneira, o acionista ou terceiro adquirente que detiver sob seu domínio uma quantidade ‘x’ de ações (15% a 30%) deverá, no prazo determinado pelo estatuto, realizar ou solicitar registro de oferta pública de ações para aquisição das demais ações de emissão da companhia pelo preço determinado por uma fórmula,19 sob pena da suspensão dos seus direitos de acionista, nos termos do artigo 120 da LSA. 18 A OPA admite as seguintes modalidades: (i) para cancelamento de registro de companhia aberta, por força do § 4º do art. 4º da LSA e do § 6º do art. 21 da Lei 6.385/76; (ii) em razão do aumento de participação do acionista controlador no capital social de companhia aberta, nos termos do § 6º do art. 4º da LSA; (iii) no caso de alienação de controle, como condição de eficácia de negócio jurídico de alienação de controle de companhia aberta, como determina o art. 254-A da LSA; (iv) para a aquisição de ações de emissão de companhia aberta (chamada de OPA voluntária, por não se submeter aos procedimentos previstos na ICVM 361/02); (v) para a aquisição de controle de companhia aberta, nos termos do art. 257 da LSA, e (vi) OPA formulada por um terceiro, que não o ofertante ou pessoa a ele vinculada, e que tenha por objeto ações abrangidas por OPA já apresentada para registro perante a CVM, ou por OPA não sujeita a registro que esteja em curso, chamada de OPA concorrente. 19 Como exemplo, de acordo com o artigo 41 do estatuto social das Lojas Renner S.A. disponível no sítio da CVM, a fórmula adotada consiste no seguinte: maior valor entre (i) o valor econômico; (ii) 120% do preço de emissão das ações em qualquer distribuição pública dos 24 meses anteriores atualizado pelo IPCA; e (iii) 120% da cotação média das ações nos 90 dias anteriores. 35 Nesse contexto, observando os estatutos de companhias de capital aberto que negociam ações na Bovespa, podem-se destacar alguns exemplos de cláusula de Poison Pill, tais como a da Natura Cosméticos S.A. Vejamos. Conforme o artigo 33 de seu estatuto, qualquer acionista – ou pessoa que venha a ser tornar acionista – que adquira a quantidade de no mínimo 15% de ações de emissão da companhia dispara a Poison Pill. Sendo assim, no prazo de 60 dias a contar da data de aquisição, o acionista adquirente deverá realizar ou solicitar pedido de registro de oferta pública indistintamente por todas as ações da companhia. A Poison Pill torna desinteressante a aquisição da participação acionária relevante, pois impõe um preço substancialmente alto para a oferta pública. A Cosméticos Natura S.A. optou pelo seguinte: “preço da OPA = valor da ação + prêmio”.20 Discutir a forma de cálculo seria extrapolar o escopo deste trabalho. Sendo assim, basta perceber que o preço da OPA será alto. De forma a garantir a eficácia do dispositivo, no caso de descumprimento da obrigação de realizar oferta pública pelo acionista adquirente, o conselho de administração da companhia deverá convocar assembléia geral extraordinária (na qual o acionista adquirente obviamente não poderá votar), para deliberar sobre a suspensão do exercício dos seus direitos, conforme disposto no Artigo 120 da LSA. Curioso notar que acionistas que adquiram a porcentagem de 15% das ações através de aquisição de direitos tais como o usufruto e o fideicomisso também deverão realizar a oferta. Porém, aqueles que passarem a deter a quantidade mínima para disparar a Poison Pill no caso da incorporação de uma outra sociedade pela companhia, da incorporação de ações de uma outra sociedade pela Companhia ou da subscrição de ações da companhia, realizada em uma única emissão primária, não estarão obrigados a realizar a oferta.21 20 Segundo o § 2º do artigo 33 do estatuto, corresponde “ao maior valor entre: (i) quotação unitária mais alta atingida pelas ações de emissão da companhia durante o período de 12 (doze) meses anterior à realização da OPA em qualquer bolsa de valores na qual as ações da companhia forem transacionadas, (ii) o preço unitário mais alto pago pelo acionista adquirente, a qualquer tempo, para uma ação ou lote de ações de emissão da companhia; e (iii) o valor equivalente a 12 (doze) vezes o EBITDA Consolidado Médio da Companhia, deduzido do endividamento consolidado líquido da companhia, dividido pelo número total de ações de emissão da companhia”. 21 Assim como o estatuto da Cosméticos Natura S.A., outros como Perdigão S.A., Totvs S.A., Datasul S.A., Klabin Segall S.A., Profarma Distribuidora de Produtos Farmacêuticos S.A., Brasil Ecodiesel Indústria e Comércio de Biocombustíveis e Óleos Vegetais S.A., Odontoprev S.A., Positivo Informática S.A., São Martinho S.A., Tecnisa S.A., LPS Brasil Consultoria de Imóveis S.A., São Carlos Empreendimentos e Participações S.A., M. Dias Branco S.A., Medial Saúde S.A., Embraer – 36 Além da Poison Pill da Natura Cosméticos S.A., a adotada pelas Lojas Renner S.A. tem algumas peculiaridades que merecem ser destacadas. O § 11 do artigo 44 do estatuto dessa companhia nos afirma que a alteração do estatuto que limite o direito dos acionistas à realização da OPA ou a exclusão da cláusula que prevê a Poison Pill obrigará o acionista (ou futuro acionista) que tiver votado a favor de tal alteração ou exclusão em assembléia geral, a realizar a oferta pública de aquisição. Vale dizer que as cláusulas de Poison Pill são previsões estatutárias, podendo ser alteradas mediante deliberação em assembléia. Entretanto, verificou-se no estatuto das Lojas Renner S.A., acessoriamente, o dispositivo de que os acionistas que votarem no sentido de modificar o estatuto para limitar ou suprimir a obrigatoriedade da ocorrência de oferta pública deverão, eles mesmos, realizá-la.22 Nesse contexto, pergunta-se: por quais motivos uma companhia instala mecanismos defensivos do controle? Algumas hipóteses podem ser levantadas para tentar responder a essa questão: (i) a administração da companhia pode estar agindo em interesse próprio, com receio de perderem seus cargos, mesmo que a oferta pelas ações seja vantajosa para os demais acionistas (Gilson, 2004, p.8); (ii) a administração, como agente de barganha dos acionistas, busca negociar o melhor preço de oferta (ibidem) ou (iii) adiar o momento de aquisição do controle da companhia por julgar não ser melhor cenário para tanto (ibidem). Com a adoção de uma previsão defensiva no estatuto de uma companhia que atue em um ambiente de controle com menos de 50% (cinqüenta por cento) das ações votantes,23 objetiva-se preservar a independência societária da companhia sob a ótica de quem detém o poder de controle. O escopo de se defender amplia-se na medida em que o acionista controlador tem o interesse em permanecer na direção do Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A., Lupatech S.A., Obrascon Huarte Lain S.A. e Santos Brasil Tecon S.A. possuem cláusulas de Poison Pill semelhantes. 22 Seguem essa estrutura também os estatutos da Perdigão S.A., Totvs S.A., Datasul S.A., Klabin Segall S.A., Profarma Distribuidora de Produtos Farmacêuticos S.A., Brasil Ecodiesel Indústria e Comércio de Biocombustíveis e Óleos Vegetais S.A., Odontoprev S.A., Positivo Informática S.A. e Rodobens Negócios Imobiliários S.A. 23 O regulamento do Novo Mercado da Bovespa, no qual circulam apenas ações ordinárias com pleno gozo dos seus direitos políticos, optou por defini-lo como ‘controle difuso’, in verbis: “Controle Difuso” significa o Poder de Controle exercido por acionista detentor de menos de 50% (cinqüenta por cento) do capital social, assim como por grupo de acionistas que não seja signatário de acordo de votos e que não esteja sob controle comum e nem atue representando um interesse comum. 37 interesse social e no controle dos órgãos societários, tornando a companhia menos atrativa financeiramente perante os olhos de um potencial adquirente não desejado. Além disso, nota-se que a possibilidade de ofertas em melhores condições serem apresentadas cresce, aumentando a disputa pela companhia-alvo e tornando sedutora a possível ‘ingestão’ da Poison Pill ou até mesmo a utilização de algum mecanismo que a torne inócua.24 Faz-se necessário destacar, entretanto, que a Poison Pill brasileira objeto deste estudo não consiste na obrigação de se realizar oferta pública de ações por força do artigo 254-A da LSA, como em princípio se poderia imaginar. Esse instituto jurídico é um mecanismo de proteção aos interesses dos demais acionistas proprietários de ações com direito a voto da companhia. Por sua vez, traz a previsão do direito de tag along – ou saída conjunta – da companhia dos acionistas minoritários, caso as seguintes características, de acordo com a opinião de Modesto Carvalhosa, se revelem: que da operação, em seu conjunto, e de uma só vez ou por etapas, resulte na presença de um novo acionista controlador ou de um grupo de controle (art. 118) e que a transferência do controle, não importa a sua modalidade, apresente um caráter oneroso, ou seja, que em algum momento o antigo controlador ou participante do bloco de controle receba alguma forma de remuneração, inclusive por permuta, pela transferência de suas ações ou valores mobiliários conversíveis em ações. (Carvalhosa, 2003, p.166) A Poison Pill, entretanto, tem a sua eficácia e faz-se cumprir por derivar diretamente de disposição constante do estatuto da companhia, sendo de observância obrigatória, sob pena da suspensão dos direitos de acionista, nos termos do artigo 120 da LSA. É importante lembrar que no caso da obrigatoriedade de realização de oferta pública de ações em razão da Poison Pill, não se exclui a obrigação legal de conceder o direito de retirada aos acionistas proprietários de ações com direito a voto se houver alienação de controle na companhia, devidamente preenchidos os requisitos aqui apresentados. 24 Como exemplo, de acordo com o artigo 41 do estatuto social das Lojas Renner S.A. disponível no sítio da CVM, a fórmula adotada consiste no seguinte: maior valor entre (i) o valor econômico; (ii) 120% do preço de emissão das ações em qualquer distribuição pública dos 24 meses anteriores atualizado pelo IPCA; e (iii) 120% da cotação média das ações nos 90 dias anteriores. 38 4.3 Poison Pills, takeovers e a experiência internacional Na ausência das aquisições hostis, o clamor pela adoção das Poison Pills e das demais táticas defensivas ainda não se faz sentir pelo mercado e pelo direito, embora as companhias abertas que têm no mercado de valores mobiliários parcela significante de seu capital social disperso já estejam se preparando; e não devemos nos esquecer de que o sistema jurídico que normatiza o direito societário e o mercado de capitais, embora muito bem estruturado, enfrentará uma verdadeira batalha para lidar com o ambiente de práticas de corporate raiding 25 – que são agressivas, rápidas, eficientes e mutantes – e testar o impacto das cláusulas de Poison Pill. Sem embargo, é importante notar que o sistema jurídico não deve simplesmente buscar acompanhar as tendências dos corporate raiders e moldar-se a elas, sob pena de criar-se uma enorme concentração de poder nas mãos de quem as lidera. A atuação do poder legislativo e da competência regulamentar da CVM deve se orientar no sentido de manter rígido o sistema, buscando que a segurança jurídica seja o objetivo a ser perseguido para que um mercado de aquisições possa se desenvolver com liberdade. A temporada dos hostile takeovers nos Estados Unidos desenvolvida na década de 1980 recebeu tratamento legislativo antes mesmo de começar a ocorrer em ritmo industrial, atraindo o interesse regulatório do Estado em disciplinar matérias que envolvessem o funcionamento do mercado de valores mobiliários. Nesse contexto o senador Harris Williams notou a recorrência no mercado dessa operação societária e reconheceu a necessidade de sua regulação (Baldwin, Bagley & Quinn, 2004, p.5). Segundo o senador, seria indispensável a proteção do interesse dos acionistas da companhia alvo de aquisição hostil. Assim, com o escopo de normatizar a atividade das aquisições hostis, editou-se o Williams Act em 1968, o qual se tornou lei federal e alterou o Securities Exchange Act de 1934. O conjunto de emendas trazidas pelo Williams Act teve por objetivo essencialmente: (i) regular a prática das aquisições hostis, criando um ambiente seguro para sua ocorrência 25 A definição juridica nos Estados Unidos de corporate raider é:”A person or business that attempts to take control of a corporation, against its wishes, by buying its stock and replacing its management” (cf. Blacks Law Dictionary, p.365). 39 (chamado de playable field); (ii) definir procedimentos e regras de divulgação de informações; e (iii) principalmente aumentar a confiança do mercado de valores mobiliários, colocando investidores em pé de igualdade com os ofertantes da aquisição (ibidem, p.5). Situação não tão diferente observa-se também no Reino Unido, com a criação corporativa do instrumento de auto-regulação chamado City Code on Takeovers and Mergers, o qual consiste no diploma que define os princípios a serem observados no curso de aquisições hostis.26 Muito embora a regulação econômica tenha sido efetiva, nos Estados Unidos, o papel de grande fiel da balança cabe ao poder judiciário, tendo em vista a estrutura jurídica da commom law. Nesse sentido, é interessante notar a decisão da Corte Suprema de Delaware, nesse país, em relação à conduta da administração de uma companhia alvo de aquisição hostil ao se utilizar de mecanismos defensivos, visando obstar a transferência compulsória do controle societário. Na oportunidade, sedimentou-se o seguinte entendimento: If a defensive measure is to come within the ambit of the business judgment rule, it must be reasonable to the threat posed. This entails an analysis by the directors of the nature of the takeover bid and its effect on the corporate enterprise. Examples of such concerns may include: inadequacy of the price offered, nature and timing of the offer, questions of illegality, the impact on ‘constituencies’ other than the shareholders (i.e., creditors, employees, and perhaps even the community generally), the risk of nonconsumption, and the quality of securities being offered in the exchange.27 Apesar de o conselho de administração nos Estados Unidos – chamado de board of directors – ter características muito diferentes em relação ao direito 26 O objetivo do chamado ’Code’ vem definido em sua introdução, in verbis: “The Code is designed principally to ensure that shareholders are treated fairly and are not denied an opportunity to decide on the merits of a takeover and that shareholders of the same class are afforded equivalent treatment by an offeror. The Code also provides an orderly framework within which takeovers are conducted. In addition, it is designed to promote, in conjunction with other regulatory regimes, the integrity of the financial markets”. 27 Esse texto foi extraído da decisão da Corte Suprema de Delaware “Unocal Corp. vs. Mesa Petroleum Co., 493 A.2d 946 (Del. 1985)”. 40 societário brasileiro, é possível extrair conclusões convenientes da decisão citada.28 Assim, observa-se que a reação do poder judiciário diante do fenômeno afirma a regra do business judgment rule, e, segundo Calixto Salomão Filho, o seu descumprimento superaria a esfera de poderes concedidos pela companhia, “caracterizando concreto descumprimento de dever de atuação em nome da sociedade, previsto no art. 154 caput da Lei nº 6.404/76, e conseqüentemente induz a responsabilidade nos termos do art. 158, II da mesma lei (Comparato & Salomão Filho, 2005, p.251). Deve-se ter em mente que a estrutura prática dos mecanismos de defesa, chamados de shark repellents, na qual a Poison Pill consiste em apenas uma das espécies, são diferentes nos sistemas jurídicos internacionais. No Brasil o que as companhias elegeram como a atitude mais adequada ao objetivo de manutenção do poder de controle e da dispersão acionária foi disparar a obrigação de realizar oferta pública de ações, muito diferente do que ocorreu nos Estados Unidos, país pioneiro no assunto. Martin Lipton, advogado responsável pela concepção dessa arquitetura jurídica, desenvolveu a Poison Pill como um plano de opção de ações, o qual poderia ser exercido pelos acionistas caso o nível de segurança de propriedade de ações em circulação fosse superado pelo potencial adquirente do controle. A peculiaridade do instrumento se revelou na medida em que o board poderia adotar a técnica visando à diluição do adquirente das ações, independentemente do consentimento dos demais acionistas em assembléia, tornando economicamente não atrativa a aquisição do controle. A legalidade da Poison Pill, nos moldes iniciais em que foi criada, foi bastante discutida nas Cortes Norte-Americanas, permanecendo incertas as suas conseqüências até meados dos anos 80 (Subramanian, 2001, p.2). Interesses contrapostos se enfrentaram. De um lado, os pró-administração argumentando que a adoção da Poison Pill representava o exercício legítimo do business judgment rule pelo conselho de administração e, de outro, os pró-acionistas 28 O board norte-americano é um órgão societário dotado de amplos poderes de deliberação e condução das atividades da companhia, podendo até mesmo promover alterações no seu estatuto e adotar Poison Pills e outros mecanismos defensivos da noite para o dia (ao contrário do Brasil, onde à assembléia geral compete essa função). 41 em busca da defesa do direito legítimo de serem alvo de oferta pública por suas ações (ibidem, p.2). No julgamento do leading-case, Moran versus Household, a Corte Suprema do Estado de Delaware, em decisão polêmica e sob forte pressão política, decidiu pela legalidade da Poison Pill, tendo em vista que a conduta do board encaixava-se nos moldes da business judgment rule,29 assim como era proporcional à ‘ameaça’ apresentada pela ofertante (ibidem, p.9). Após a decisão permissiva da Corte de Delaware sobre a licitude desse mecanismo, a Poison Pill proliferou rapidamente entre as corporations norteamericanas e tornou-se um instrumento chave contra as aquisições hostis (ibidem). Subramanian apresenta em seu artigo um estudo realizado pelo escritório Wachtell, Lipton, Rosen & Katz, em 1997, no qual apurou-se que mais de 2.500 companhias norte-americanas tinham adotado as Poison Pills como medidas de prevenção contra a tomada de controle (ibidem). Recentemente, como se verifica no gráfico aqui apresentado, a adoção de Poison Pills num período de dez anos (1993-2003) reduziu-se significantemente nos Estados Unidos: Fonte: www.sharkrepellent.net. 29 Guhan Subramanian destaca em sua análise um trecho da decisão da Corte Suprema de Delaware a respeito da business judgment rule, a saber: “presumption that in making a business decision the directors of a corporation acted on na informed basis, in good faith and in the honest belief that the action taken was in the best interests of the company” (2001, p.8). 42 O ativismo societário30 vem se mostrando como um cenário cada vez mais freqüente no tocante às decisões da administração da companhia. O jurista francês Georges Ripert já no ano de 1947 chamou a atenção dos estudiosos do direito para o descaso dos acionistas no tocante à tomada de decisões e à discussão da ordem do dia em assembléias gerais, e destacou, com veemência, o absenteísmo na participação da gestão da companhia, como se observa in verbis: Chamados uma vez por ano à assembléia geral, os acionistas não se conhecem, não têm nenhuma consciência de seus interesses comuns. Alguns compraram os títulos na véspera da assembléia e os revenderão no dia seguinte. ... O acionista pouco se preocupa em vir à assembléia geral para ouvir a leitura de um relatório do qual nada compreende e botar maquinalmente propostas resolvidas com antecedência. ... Se algum indiscreto tenta fazer perguntas, é um escândalo. (Ripert, 1947, p.108-9) Considerando a posição de vanguarda exposta por Ripert, destacamos que, em relação à adoção de mecanismos como a Poison Pill, cada vez mais se demonstra que os acionistas desejam participar na votação sobre adotar ou não Poison Pills, para, definitivamente, imprimir sua vontade como verdadeiros titulares do poder político que as suas ações lhes conferem. É possível observar nos dados levantados pelo sítio Shark Repellent, especializado em acompanhar o desenvolvimento das aquisições hostis e dos reflexos das Poison Pills no mercado norte-americano (Laide, 2007), a participação cada vez maior dos acionistas em decisões que buscam adotar medidas de proteção como a Poison Pill: 30 Em artigo publicado em 2006, o advogado Jorge Lobo contribuiu para o desenvolvimento da moderna governança corporativa ao tratar do princípio do ativismo societário, do qual destacamos este excerto: “pequenos e grandes investidores, reunidos em associações ou individualmente, estão sendo também estimulados a defender os seus direitos e interesses e a cobrar dos administradores das anônimas melhores resultados, inclusive sob o aspecto da responsabilidade social da empresa moderna, pelos novos métodos de participação nas assembléias, como o mecanismo de voto à distância, por carta ou por meios eletrônicos, e pela prática de oposições esclarecidas, através de protestos, impugnações e votos divergentes” (LOBO, 2006). 43 Fonte: www.sharkrepellent.net. Pode-se observar um grande exemplo da participação ostensiva dos acionistas na sociedade em um episódio inusitado. Em junho de 2006, o professor de Harvard Lucian Bebchuk levou ao Tribunal do Estado de Delaware, nos Estados Unidos, uma discussão aparentemente interna corporis de uma grande companhia aberta. O caso, em resumo, tratou-se da tentativa do conselho de administração da C.A. Inc. em excluir da votação uma proposta de reforma do estatuto, feita por um acionista, envolvendo regras de utilização da cláusula de Poison Pill.31 Segundo o novo estatuto, elaborado pelo próprio professor Bebchuk, o conselho de administração sofreria restrições em sua competência discricionária de adotar Poison Pills. Estabeleciam-se regras de procedimento, tais como votação dos conselheiros sob unanimidade e a sua revisão periódica. O resultado da disputa foi o vencimento da demanda por Bebchuk.32 31 Conferir o julgado do Tribunal do Estado de Delaware: Lucian A. Bebchuk v. CA, INC, C.A. No. 2145-N (Delaware, 2006). 32 Destacamos, in verbis, o comentário proferido por Bebchuk a respeito de sua vitória: "I am pleased that the Chancery Court's decision in my case compelled CA to place my proposed bylaw on the corporate ballot … I am glad that CA's shareholders will get the opportunity to vote on the proposal and that shareholders in other companies will be able to place such proposals on the ballot” (www.law.harvard.edu/news/2006/07/05_bebchuk.php). 44 Esse sem dúvida é um cenário que deve ser perseguido pelos acionistas das grandes companhias brasileiras, à medida que a concentração acionária se liquefaz. 4.4 A perspectiva da Poison Pill no Brasil A história sempre cumpre com excelência o papel de ensinar com seus erros e acertos. Devemos observar e analisar profundamente o cenário desenvolvido nos anos 80, em destaque nos Estados Unidos. Como resposta à onda frenética de aquisições no mercado de valores mobiliários, lideradas pelos bancos de investimento e advogados, apelidados de corporate raiders, ocorreu a adoção em larga escala dos mais diferentes mecanismos de manutenção do controle – dentro dos quais encontramos variadas modalidades de Poison Pills e formas de impedir a tomada hostil do poder de controle –,33 assim como meios para manter as ações em circulação. Nos Estados Unidos, como foi visto, a Poison Pill pode ser adotada em questão de horas, sem necessidade de sua aprovação pelos acionistas (Subramanian, 2003, p.4). Mesmo que esse cenário não seja possível no Brasil – tendo em vista que é de competência da assembléia geral alterar ou modificar o estatuto social com maioria absoluta dos votos –, a experiência norte-americana com a Poison Pill oferece algumas linhas mestras para a empreitada que significa a sua colocação no mercado (Gilson, 2004, p.21). Até hoje no Brasil nenhum potencial adquirente ‘engoliu’ uma Poison Pill na tentativa de consumar a oferta não solicitada da compra do bloco de controle e teve de lidar com os seus efeitos. Tudo ainda é muito elementar, sendo necessário quantificar através de uma análise numérica o impacto da adoção estatutária dos mecanismos de Poison Pill com relação à avaliação da companhia, dos padrões de governança corporativa, preço das ações e outros elementos essencialmente relevantes de análise macro e microeconômica. 33 Tratar de todas as formas de sharkrepellents e apurar a sua aplicabilidade perante a ordem jurídica nacional seria necessária uma extensa pesquisa, mas como forma de exemplificar o vasto arsenal que se desenvolve em ritmo industrial, destacamos algumas delas: Show stopper, White Knight, White Squire, Golden Parachute, Golden Goodbye, Classified Board, Nancy Reagan, Macaroni Defense, Chastity Bond, Pac Man, Lobster Trap, Jonestonw Pill e Dead-Hand Provision. 45 Questões jurídicas já saltam aos olhos dos estudiosos com relação à incorporação da Poison Pill à nossa realidade. Dentre elas, podemos citar algumas: (i) se é possível o exercício do direito de retirada de acionista insatisfeito com a decisão de se adotar uma cláusula de barreira contra a diluição da participação societária do acionista controlador; (ii) se estaria o acionista controlador agindo em nome do interesse social da companhia ou em interesse próprio; (iii) se seria possível falar em abuso do poder de controle, e (iv) se a cláusula é realmente um mecanismo que age em benefício da manutenção do mercado de valores mobiliários caracterizado pela dispersão das ações ou é um mero capricho em defesa do poder de quem dirige as atividades da companhia. Em sede administrativa, a CVM ainda não analisou em suas decisões a aplicação prática das Poison Pills, restringindo a sua competência à apreciação no tocante a temas como, por exemplo, a ocorrência ou não de alienação de controle e o conseqüente registro de OPA, discussão sobre o cálculo dos valores das ações em aquisições, pedidos de dispensa de apresentação de laudos de avaliação e reclames de acionistas minoritários exigindo a realização de oferta pública. Tampouco os Tribunais brasileiros puderam apurar questões complexas como a da Poison Pill em seus acórdãos, forçando-nos a um cenário jurisprudencial de fato inexistente. No contexto brasileiro, há de se questionar a respeito da visão positiva ou negativa desse mecanismo. Como já dissemos, chegou-se ao ponto – em realidade internacional obviamente diversa, mas de natureza contextual semelhante – de assemelhar a Poison Pill a um instrumento de força. Em nossa realidade, diversos vieses podem ser observados. Em primeira mão, leva-se a crer que a nossa Poison Pill ‘tropicalizada’ 34 pode ser encarada como um artifício maquinado para manter o acionista controlador em posição de segurança e fazer permanecer o estado de concentração de ações. Porém, como notamos, a realidade vem se modificando no sentido de cada vez mais reduzir a concentração de ações em poder de um ou alguns acionistas, dando vazão à dispersão acionária. Nesse contexto de capital pulverizado e disperso em alto grau no mercado, podemos realmente acreditar que a Poison Pill está sendo adotada como forma de garantir a sobrevivência desse ambiente de dispersão, jogando a favor dos demais 34 Termo utilizado na reportagem “Veneno para Comprador”, de Luciana Del Caro Lachini, publicada na revista Capital Aberto em maio de 2005. 46 acionistas. Vale dizer: constando no estatuto social, essa cláusula permite que qualquer oferta de aquisição de controle da companhia seja feita em pé de igualdade com todos os acionistas, sem prejuízo do eventual direito de tag along a que farão jus. Em outras palavras, contando com uma Poison Pill, permite-se que o potencial adquirente em vez de disparar um ataque e iniciar a compra de papéis na bolsa – a chamada escalada societária pelo controle – ou negociar per capita com o acionariado, faça uma proposta direta e formal ao bloco de controle e à administração pelo poder de direção da companhia. Esses acionistas que formam o bloco de controle, por sua vez, respeitando o dever de diligência, fazendo uso juridicamente correto do poder de controle que ostentam, observando-se a regra do business judgment rule e consagrando o interesse social da companhia, decidirão e oferecerão aos demais acionistas a melhor alternativa. Gian Antonio Brioschi, ao elaborar a parte introdutória à versão italiana da obra de Berle Jr. e Means, destacou que “l’interesse storico dell’opera di Berle e Means si svolge su vari piani, dal político all’economico, al giuridicho” (in Berle Jr. & Means, 2000, p.XI). A compreensão sobre o impacto da adoção de uma cláusula de Poison Pill no estatuto social de uma companhia deve ser feita também sob essa visão tripla, com a devida cautela. Juridicamente, podemos apurar as conseqüências. No plano teórico, sua adoção e o alcance de seus efeitos criam o vínculo obrigacional, isto é, sabemos tratar-se de norma a ser respeitada pelos acionistas e futuros acionistas sob a tutela das penalidades previstas pela LSA, mas também por impedir a tomada do poder de controle e a diminuição da dispersão acionária. Sua observância – entenda-se a realização de OPA – é imperativa para a aquisição de certa participação no capital social, cabendo ao poder judiciário posicionar-se no tocante à sua interpretação diante da eventual controvérsia no exercício de direitos. Economicamente, a ousadia da Poison Pill se apresenta como uma construção jurídica que incide diretamente sobre a avaliação da companhia, no preço de suas ações, na sua capacidade de movimentar recursos financeiros e moldar a ordem econômico-social aumentando o lucro ou proferindo golpes que gerem imediatos prejuízos aos acionistas e à coletividade social. No plano político, busca-se esperar respostas do Congresso Nacional e dos 47 órgãos competentes da administração direta e indireta do Poder Executivo com respeito às inovações na ordem jurídica, através de leis ordinárias, complementares, medidas provisórias ou regulamentos administrativos. Não se deve olvidar a magnitude e a envergadura que o poder de controle e a propagação de seus efeitos produzem sobre a realidade jurídica, econômica e política, de tal sorte, como nos aponta Lamy Filho, que o “poder empresarial, sob pena de ameaçar a sociedade dentro da qual vive e para a qual vive, deva ser disciplinado e balizado pelo interesse público de que participa” (Lamy Filho, 2007, p.153). Como a Poison Pill mantém estreita relação com o poder de controle, limitando-o ou propagando-o, não deverá ser diferente o seu tratamento perante o Direito. Sabemos que o Brasil, guardadas as devidas proporções, habitualmente busca no direito estrangeiro suas inspirações legislativas. É bastante pertinente destacar o posicionamento do direito japonês com relação à adoção da Poison Pill, tendo em vista que o cenário brasileiro não está muito distante.35 Nesse contexto, diferentemente dos Estados Unidos, o Japão optou por positivar a Poison Pill em seu código comercial e desde logo prevenir que o livre acontecimento das aquisições hostis exerça um importante papel de equilíbrio (Gilson, 2004, p.8). Adotou-se, assim, preventivamente uma cláusula defensiva para que de pronto o controle não fosse ameaçado, impedindo a industrialização de operações ostensivas como os takeovers. No Brasil, apesar de cada vez mais companhias pulverizarem seu capital, ainda se guardam traços da personalidade latifundiária e alguns controladores temem perder o domínio sobre sua sociedade. Nesse sentido, o que se está fazendo atualmente é prevenir, assim como no Japão, mas no âmbito interno da companhia e não mediante normas positivadas. Pois bem, adotamos uma postura claramente preventiva, assim como os japoneses. Note-se, assim como a dos japoneses, portanto, diametralmente oposta à dos norte-americanos, que a implementaram de forma repressiva às práticas de 35 O sistema jurídico de normas no Japão caracteriza-se pela constante busca do desenvolvimento no país no plano econômico através da adoção de formas jurídicas ocidentais – as quais, no entanto, surpreendentemente, coexistem com a vontade de conservar os costumes tradicionais (cf. DAVID, 2002, p.616). 48 aquisições hostis. Estaremos impedindo que ocorra o movimento natural de um mercado a poucos metros do salto para o desenvolvimento da democratização das ações votantes, do verdadeiro ativismo societário e da disputa legítima pelo poder? Não obstante o posicionamento atual das companhias no tocante à previsão estatutária da Poison Pill, o posicionamento da recém-empossada presidente da CVM, Maria Helena Santana, nos mostra a possível tendência para a qual caminhará a Poison Pill. Com efeito, segundo a presidente, tendo em vista que diversas companhias se enquadram na categoria das que possuem capital disperso e que existe proteção aos acionistas minoritários, igualdade de condições e simetria de informações no mercado de capitais, o destino da Poison Pill seria constar como mais um artigo da LSA (Valor Econômico, 2007). A presidente nos indicou que como lei, a obrigação de oferta pública para quem adquirir certa porcentagem de ações diminuiria a aparente polêmica que os novos estatutos estão criando no sentido de inviabilizar negociações do poder de controle, compra e venda de sociedades anônimas. A cláusula de Poison Pill será de fato um impasse para a negociação das ações que concedem ao seu titular a possibilidade de ser acionista controlador? Sem dúvida a operação ficará mais cara, mas o poder de barganha dos acionistas pela disputa por um preço melhor aumenta, se obviamente houver a intenção de alienar a participação relevante. Não é mais atraente também a escalada societária, um verdadeiro trabalho de coleta minuciosa de ações em busca de uma posição relevante, tendo a companhia uma Poison Pill em seu estatuto social. O pesquisador e professor da Harvard Law School, Guhan Subramanian, um dos autores que mais escreveu sobre o assunto nos Estados Unidos, no preâmbulo de apresentação de excelente trabalho por ele desenvolvido afirma que a adoção de mecanismos de defesa do controle e de manutenção da dispersão acionária são benéficos (Subramanian, 2003, p.4). Trazem, outrossim, retorno positivo para os acionistas que pertencem à companhia alvo. Isso se justifica em face do poder de barganha que o acionista passa a deter perante o ofertante sem espaço para negociação, como podemos observar: Among the arguments that have been put forward to support the view that takeover defenses increase shareholder returns when a company becomes a takeover target, the “bargaining power hypothesis” is the most commonly cited argument today. Under this theory, 49 takeover defenses allow the target to extract more in a negotiated acquisition because the bidder’s no-deal alternative, to make a hostile bid, is worsened. (ibidem, p.4) Além de funcionar como mecanismo de defesa do controle – que para muitos tem caráter negativo –, há também outros aspectos da Poison Pill, os quais assumem uma feição que podemos até denominar positiva. Nesse sentindo, não poderíamos deixar de observar o tema diante do interesse social da companhia. Segundo Mauro Penteado, “o interesse da sociedade não se reduz, portanto, aos interesses particulares dos sócios, nem aos interesses do acionista controlador ou da maioria assemblear, correspondendo, antes disso, ao interesse comum de todos eles” (Penteado, 1988, p.255). Arnoldo Wald ainda afirma que o direito de voto deve ser exercido “sempre em benefício do interesse do desenvolvimento da companhia, que, em nosso direito, exerce uma função social e tem interesses próprios distintos dos de seus vários acionistas, controladores ou não” (Wald, 2000, p.224). Não poderíamos concordar mais com a opinião dos autores citados, embora o tema seja extremamente controverso e com diversas opiniões em contrário.36 Diante do conceito de interesse social da companhia, sabemos que o acionista, ao votar, deve sempre persegui-lo, conforme determina o Art. 115 da LSA.37 Além disso, não só a LSA determina que os acionistas exerçam o seu direito de voto em consonância com o interesse social da companhia, como também vincula a obrigação de os administradores exercerem as suas atribuições dentro da esfera de possibilidades delimitada pelo interesse social.38 36 Tais como a do professor Fábio Ulhoa Coelho, a qual transcrevemos ipsis litteris: “As dificuldades na operacionalização do conceito de interesse social, a rigor, refletem uma contradição dialética, presente em qualquer combinação de esforços voltados à exploração de atividade empresarial. Explico-me. Em primeiro lugar, é preciso recuperar que somente homens e mulheres têm interesse. Os demais seres com vontade que habitam o planeta não são capazes de racionalizá-la como os humanos; e interesse é a vontade racionalizada. As sociedades empresárias e a pessoas jurídicas em geral são, como já se assentou, meros conceitos. Idéias articuladas, que uma parcela dos homens e mulheres – a comunidade jurídica – desenvolve, com o objetivo de estabelecer a distribuição dos bens entre as pessoas (naturais). Nesse sentido, falar em interesse social é uma metáfora. O que existe é o interesse dos sócios humanos, e nada mais” (COELHO, 2002, p.356). 37 “Art. 115 O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas”. 38 “Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função 50 Este parêntese serve como fundamento para entender que ter uma Poison Pill no estatuto não pode ser um mero capricho daquele que a controla. Obviamente essa cláusula serve como mecanismo preventivo de surpresas, mas deve ser utilizada sob a tutela da diligência e em benefício da companhia como estrutura orgânica. Seria perfeitamente aceitável aplicar no Brasil o raciocínio da business judgement rule trazida pela Corte Suprema de Delaware, nos Estados Unidos, ao decidir sobre sua legalidade. A disputa pelo controle societário e as mutações do mercado de capitais são intensas e muito dinâmicas, obrigando o direito a praticamente disparar em corrida atrás dos atos e fatos a que deseja dar tratamento jurídico. Não seria uma surpresa se em alguns meses após a conclusão deste trabalho novas formas de Poison Pill já estivessem sob as letras dos estatutos sociais. Como exemplo, cita-se a emissão de bônus de subscrição para recompor a posição acionária, caso se verifiquem episódios de concentração de ações, condicionando seu vencimento ao evento de algum acionista – ou acionistas – alcançar participação igual ou superior a certa porcentagem do capital social. Este panorama deve servir de parâmetro para o Brasil, guardando, obviamente, as devidas adaptações, para que possamos definir com firmeza os efeitos societários, políticos e econômicos das medidas aqui verificadas, e como o poder regulatório do Estado, cristalizado pela atuação da CVM, e as inovações na ordem jurídica servem ao propósito de pacificar, sistematizar e garantir a transparência e a legalidade do mercado de valores mobiliários como zona segura de aquisições. social da empresa.” 51 5 Considerações finais A sociedade por ações não é uma simples espécie de pessoa jurídica. Trata- se, na verdade, do instrumento através do qual se formaliza a atividade da macroempresa, a qual assume verdadeiros poderes e responsabilidades de direito público (Lamy Filho & Pedreira, 1997, p.95). Confirmando essa posição, já afirmava Fran Martins há longa data que “a tendência da sociedade anônima é servir de instrumento da grande empresa”, tendo em vista a sua alta capacidade de reunir capitais (Martins, 1988). A sociedade anônima, ou melhor, o instrumento da grande empresa, tem até mesmo tratamento constitucional. As grandes companhias, como grandes expoentes de reunião de capital e palco de relações de poder, balizam-se pelos princípios da ordem econômica e financeira, pelo princípio da função social da propriedade (Constituição Federal, Art. 170 e seguintes) e pela função social da empresa (Art. 154 da LSA), além de outros muitos dispositivos dispersos pelo ordenamento jurídico. Nesse sentido, afastar-se do caráter multidimensional da companhia significa ignorar a sua estreita simbiose com a economia, a quantidade de empregos gerados, o nível de crescimento do país e as inúmeras relações jurídicas que dela se irradiam. Significa falhar no entendimento de seu funcionamento. Buscou-se deixar claro esse posicionamento em relação à sociedade por ações em virtude da amplitude e complexidade da inserção da Poison Pill em nosso cotidiano. Interna e externamente a estrutura orgânica da companhia de capital aberto serve aos anseios do grande capital e é palco da disputa pelo poder. Analisou-se, portanto, de forma breve, no que consiste o poder de controle na sociedade por ações, quais são as suas espécies, o porquê do incessante desejo pela sua aquisição e as razões para mantê-lo seguro. Nessa trilha, notamos ser irrelevante para a pesquisa o controle totalitário – por não apresentar risco algum de perda para o controlador –, assim como a mutação, aliás, transposição do entendimento do princípio majoritário em relação ao capital social como regra. Com efeito, apurou-se que cada vez mais o controle minoritário e a grande quantidade de ações dispersas 52 no mercado estão assumindo a posição de destaque na estrutura de poder de controle. Ações individualmente consideradas são inexpressivas se levado em consideração o grande potencial que elas têm se reunidas em conjunto. O poder de controle, revelado no conjunto de ações com direito a voto, tem grande valor perante a própria sociedade e o mercado. Nesse contexto, a LSA reservou ao poder de controle um valor especial ao estabelecer em seu artigo 254-A o direito ao tag along aos demais acionistas no caso de alienação do poder de controle. Com esta afirmação, buscou-se identificar que o poder de controle não representa unicamente o domínio sobre a condução da companhia, mas sim um bem da vida com valor econômico, objeto de desejo dos próprios acionistas e terceiros. Neste novo cenário, em que o controle já não mais se exerce com a maioria das ações, deflagra-se a nova era das operações societárias de aquisição do controle e de seu valor econômico, tais como o hostile takeover. O takeover, mitigada a agressividade dada pela sua tradução para o português, trata-se na realidade na tentativa de aquisição da quantidade precisa de ações que garantam a tomada do controle. No fim da década de 1970, esse instrumento já ganhava notoriedade internacional39 e era utilizado como alternativa às fusões e outras formas de aquisição de companhias abertas nos Estados Unidos e no Reino Unido. A análise dos takeovers teve grande importância para o estudo das Poison Pills, uma vez que estas somente têm propósito de existir se houver o risco da tomada do poder de controle e se a companhia estiver em condições vulneráveis. Nesse contexto, é essencial haver grande quantidade de ações dispersas entre uma vasta base de acionistas. O mecanismo da Poison Pill é produto de uma importação jurídica, como tradicionalmente se faz no Brasil. Criou-se a Poison Pill sob um modelo estrutural bem diferente do contexto em que ela surgiu nos Estados Unidos. Tradicionalmente, nasceu como instrumento com o objetivo imediato de coibir as tomadas hostis do controle, as quais ocorriam em escala industrial no plano internacional. Além disso, a Poison Pill, nos Estados Unidos, tendo em vista a ampla competência do conselho de administração, consiste num instrumento de defesa extremamente dinâmico, veloz e 39 “É crescente a popularidade internacional da utilização da oferta pública como meio de aquisição de controle societário de companhia aberta” (cf. GOYOS JR., 1978, p.453). 53 de rápida implantação. Em nosso país, tropicalizamos a Poison Pill. Nós a transformamos em cláusula estatutária com o objetivo imediato de proteger o poder de controle, antes mesmo de ser ele ameaçado. Não nos esqueçamos, ademais, que a Poison Pill não apenas funciona como um mecanismo de proteção direta ao poder de controle, mas também, de forma mediata, como o fiel da balança para a manutenção da dispersão acionária e do poder de controle minoritário. A Poison Pill diante do nosso sistema jurídico não encontra precedente. Não há manifestação do Poder Judiciário, tampouco da administração pública ou do Pode Legislativo. Nos Estados Unidos, ao encontrar-se de frente com o Poder Judiciário, julgou-se a pertinência da adoção desse mecanismo de defesa em função da regra do business judgement rule e da pertinência em razão da tentativa de tomada do controle. Como será analisada por nossos magistrados? Diversas companhias abertas optaram por inserir a Poison Pill brasileira, ou seja, a realização de oferta pública de ações a todos os acionistas, por preço acima do praticado no mercado, no caso de aquisição de certa porcentagem de ações. Por conseguinte, as grandes companhias brasileiras estão equipadas com um poderoso instrumento que impacta diretamente a negociação do poder de controle e o modo como este se manifesta no mercado de capitais. Muito embora o mecanismo jurídico da Poison Pill brasileira tenha suas especificidades próprias, observar a experiência vivida pelos Estados Unidos replicada em outro sistema é extremamente interessante.40 Devemos, também, observar os passos do poder público no sentido da possibilidade de tornar norma de ordem pública a Poison Pill – assim como foi fixado em bases legislativas o direito ao tag along na alienação do poder de controle. A Poison Pill deve ser vista sob o mesmo prisma multidimensional pelo qual é encarada a grande sociedade por ações. Esse mecanismo estatutário serve como instrumento eficiente de proteção ao poder de controle em condições de dispersão 40 Muito embora esteja analisando o regime jurídico japonês, vale o destaque da opinião de Ronald Gilson a respeito dos efeitos produzidos pela Poison Pill: “From the perspective of an interested academic viewing the Japanese corporate governance from a distance, it will be fascinating to watch the Poison Pill experience replayed in another system. For those of us who have been critical of how the Delaware courts have dealt with the Poison Pill, having a second data point will be extremely interesting” (cf. GILSON, 2004, p.21). 54 do capital, mas não só. Ter uma Poison Pill inserida no estatuto força a manutenção do exercício do poder de controle com menos da metade das ações, isto é, o poder de controle minoritário. Durante o confronto entre o interesse das companhias, das classes de acionistas e do próprio mercado será possível apurar com autoridade se a Poison Pill realmente é dosada de forma letal ou se traz benefícios de fato à companhia e seus acionistas. As variações da economia devem ser afinadas pelo direito, e suas conseqüências dosadas de forma a trazer segurança jurídica, transparência e formação de ambientes de negociação seguros. Não nos esqueçamos: no decorrer do processo de desenvolvimento do capitalismo, como afirmou Georges Ripert (1947, p.9), “ouça-se o depoimento de um jurista”. 55 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASCARELLI, Tullio. Panorama do direito comercial. São Paulo: Saraiva, 1947. _______. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. São Paulo: Saraiva, 1945. _______. I problemi delle società anonime per Azioni. Rivista delle Società, Milano, ano I, v.I, 1962, p.5. BALDWIN, Carliss Y.; BAGLEY, Constance E.; QUINN, James W. M&A legal context: hostile takeover. 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