Daniel Corrêa D`Agostini A Oferta Pública de Ações como

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Daniel Corrêa D`Agostini A Oferta Pública de Ações como
Daniel Corrêa D’Agostini
A Oferta Pública de Ações como Mecanismo de
Proteção à Dispersão Acionária: A Realidade
Brasileira da Poison Pill
Monografia apresentada à banca examinadora da
Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo como exigência parcial para
obtenção do grau de Bacharel em Direito.
São Paulo – 2007
Un racconto è una macchina per
generare interpretazioni.
Umberto Eco, pós-escrito a
O nome da rosa, 1984
RESUMO
A presente monografia de conclusão de curso visa analisar os principais
aspectos jurídicos de um dos mais utilizados mecanismos de proteção à dispersão
acionária e manutenção do poder de controle nas sociedades anônimas de capital
aberto. Trata-se da denominada Poison Pill. No contexto deste trabalho, a Poison
Pill será estudada em uma modalidade única, isto é, como um instrumento
estatutário destinado a impedir ou limitar os efeitos do aumento de participação de
eventuais acionistas além do nível que os acionistas mais relevantes consideram
‘seguro’. Para tanto, este trabalho tem por objeto de verificação a forma que o
mercado brasileiro escolheu como o instrumento de materialização da Poison Pill: o
disparo de uma oferta pública de ações. Não obstante seja um campo ainda pouco
explorado pela ciência jurídica no Brasil, verifica-se que o nosso sistema já traz
algumas diretrizes quanto à relação dinâmica existente entre a aplicação desse
mecanismo de defesa, a proteção à dispersão acionária e a disputa pelo poder de
controle no mercado de capitais. Justamente por ser um tema substancialmente
novo,
diversos
conceitos
deverão ser
buscados
na
doutrina
estrangeira,
notadamente a norte-americana, a qual inovou e foi pioneira no estudo e prática do
tema aqui explorado. Este trabalho verifica, portanto, como ocorre a manifestação da
Poison Pill diante do Direito Brasileiro, e como as companhias abertas estão
definindo em seus estatutos a previsão de cláusulas de Poison Pill.
Sumário
1
Introdução e objeto de estudo............................................................................. 5
2
Considerações sobre o poder de controle .......................................................... 9
2.1
Definição .................................................................................................... 9
2.2
A visão moderna do poder de controle e as suas principais formas......... 12
2.2.1
Controle totalitário ................................................................................ 13
2.2.2
Controle majoritário .............................................................................. 14
2.2.3
Controle minoritário .............................................................................. 16
2.2.4
Controle gerencial ou administrativo .................................................... 20
2.3
O valor do poder de controle .................................................................... 24
3
Novas tendências societárias: a aquisição hostil do controle ........................... 27
4
A cláusula de Poison Pill................................................................................... 32
5
4.1
A origem da Poison Pill ............................................................................ 32
4.2
O mecanismo jurídico da Poison Pill ........................................................ 34
4.3
Poison Pills, takeovers e a experiência internacional ............................... 38
4.4
A perspectiva da Poison Pill no Brasil ...................................................... 44
Considerações finais......................................................................................... 51
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 55
5
1
Introdução e objeto de estudo
Uma boa máquina para o regime capitalista, eis o que é a
sociedade anônima. Não é preciso pedir-lhe mais nada senão que
funcione bem.
Georges Ripert, 1947, p.135
Um dos grandes pensadores do direito empresarial moderno no Brasil, Fábio
Konder Comparato, ao analisar, sob perspectiva inovadora, os aspectos jurídicos da
sociedade por ações, deu a ela nova visão. Concebeu-a como macroempresa, isto
é, como uma instituição de grande estrutura, organizada em uma base estritamente
capitalista, na qual se verifica a dissociação entre o empresário e a atividadeempresa (Comparato, 1970, p.10). Nesse contexto, fixou-se a idéia de que a
macroempresa ultrapassa a esfera da propriedade privada, deixando de ser
considerada como um simples objeto de apropriação e dominação dos acionistas,
assumindo poderes e até mesmo responsabilidades de direito público (Comparato,
1970, p.61).1
Nesse contexto de macroempresa, Alfredo Lamy Filho, com muita precisão,
afirma que “a empresa é, pois, a unidade de produção típica da economia moderna,
com a qual estamos condenados a ‘viver em simbiose’, sobretudo em sua forma
adulta e, sob tantos aspectos ameaçadora, da macroempresa” (Lamy Filho, 2007,
p.150). A capacidade de retratar as sociedades por ações desse autor e projetista da
lei das companhias não se esgota, e nos valemos ainda de um excerto seu citando
Tullio Ascarelli, afirmando que a disciplina privada da S.A. “può un pò considerarsi
come il diritto costituzionale dell’economia, attendendo alla strutura giuridica più
importante e caratteristica dell’economia attuale” (Ascarelli, 1962, p.161, citado em
1
Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira complementam essa idéia, indicando que “o teor
do elemento de interesse público deverá indicar a responsabilidade social a ser cobrada da
companhia, como contrapartida do poder que exerce”. Apontam, ainda, os autores que idealizaram
a lei das sociedades por ações que “o poder empresarial das companhias não se exerce apenas
interna corporis, mas se projeta sobre a comunidade na qual – e da qual – vive a empresa.
Realmente – e na grande empresa o fenômeno se apresenta com nitidez – o funcionamento das
unidades de produção não diz respeito, apenas, aos fornecedores que para ela trabalham, seus
financiadores, os distribuidores e os consumidores dos bens que produz, a própria economia do
país, todos estão, ou podem estar, alcançados pela ação da empresa” (LAMY FILHO & PEDREIRA,
1997, p.95).
6
Lamy Filho, 2007, p.150).
Atualmente, na esteira da perspectiva ainda moderna da macroempresa e
graças à impulsão criada pelo crescimento sustentável da economia e à evolução do
mercado de valores mobiliários, iniciou-se uma nova era das companhias abertas.
Como destaque desta nova fase, destaca-se a operação de abertura de capital da
Natura Cosméticos S.A., a qual “marcou o ressurgimento de nosso mercado de
valores mobiliários”, como afirmou o ex-presidente da Comissão de Valores
Mobiliários, Luiz Leonardo Cantidiano (2007, p.222). Iniciou-se no Brasil, com efeito,
a temporada das corporations, as quais, como nos Estados Unidos, têm como marca
distintiva, além do apelo ao público investidor para o seu financiamento, a
pulverização do seu capital no mercado.2
Diante dessa nova realidade, a proposta desta monografia de conclusão de
curso é investigar o ambiente que permite o desenvolvimento de mecanismos
jurídicos modernos que respondam ao fenômeno da pulverização do capital e do
poder de controle disperso entre diversos acionistas no mercado. Em detalhes mais
precisos, este trabalho busca explorar com certa novidade um fenômeno jurídico que
ousa se manifestar em estreita relação com o desenrolar da economia e da atuação
de seus participantes. Trata-se de averiguar o mecanismo da cláusula de Poison Pill
nos moldes em que foi incorporada em nosso direito.
O tema aqui explorado alcança curiosa relevância tendo em vista o seu
conteúdo jurídico comparado ao originalmente elaborado pelos advogados norteamericanos. Tropicalizamos a Poison Pill. Construímos a sua carga jurídica com os
elementos à nossa disposição e ajustamos a sua potência de acordo com os
anseios dos modernos acionistas controladores que já não mais têm sob sua tutela a
maior parte das ações votantes de sua companhia. A Poison Pill no Brasil tem por
objeto o disparo de uma oferta pública de ações obrigatória, indistintamente pela
aquisição de todas as ações da companhia, por quem – acionista ou não – adquirir
certo número de ações, mediante condições definidas no estatuto. A nossa dose de
Poison Pill é letal no sentido de tornar desinteressante a aquisição de ações que
2
De acordo com os dados fornecidos pela Bolsa de Valores de Nova York (www.nyse.com), pela
Securities and Exchange Comission, a SEC (www.sec.gov), e pela Bolsa de Valores Eletrônica
Nasdaq (www.nasdaq.com), os Estados Unidos possuem as maiores estatísticas de companhias de
capital pulverizado no mundo, girando em torno de quase 16 mil corporations, as quais são
caracterizadas pelas suas grandes dimensões econômicas e pelo alto grau de acionistas dispersos
que negociam suas ações no mercado de valores mobiliários.
7
ameaçam a posição de controle do acionista controlador e manter as ações
dispersas em bolsa de valores.
O que se pretende é demonstrar de que modo esse mecanismo, que está
sendo inserido nos estatutos de muitas companhias abertas, irradia seus efeitos
diante do nosso sistema jurídico. Quais conseqüências produz, qual a posição do
Poder Legislativo e da administração direta e indireta diante dessa nova criação
jurídica? Essas são algumas das questões que serão analisadas ao longo desta
monografia.
Cumpre esclarecer, também, o porquê da escolha do termo “oferta pública de
ações como mecanismo de proteção à dispersão acionária” no título deste trabalho.
Se a referência à Poison Pill dirigir-se diretamente para o contexto internacional no
qual foi arquitetada – contexto este que será analisado em capítulo específico – a
idéia que preencherá a mente do leitor será a de um instrumento que serve ao
propósito de evitar a tomada indesejada do poder de controle.
Nada de inusitado, visto que esse é o objetivo imediato de tais mecanismos,
ou seja, oferecerem um ‘colchão’ de proteção e tranqüilidade ao acionista
controlador que dispôs de parte de suas ações em bolsa de valores em troca de
capital. Entretanto, deve-se ter em mente uma visão mediata dessa cláusula
estatutária, a qual tem relação orgânica com todos os acionistas, em simbiose com o
interesse social da companhia e com o poder de comando do acionista controlador.
Nesse compasso, com a existência da cláusula de Poison Pill as companhias
dão um passo em direção à consolidação do exercício do poder de controle não
mais sob o princípio majoritário, mas sim sob o minoritário; permite-se, outrossim,
que o controle possa ser exercido com menos da metade das ações e que cada vez
mais papéis estejam em negociação no mercado de valores mobiliários. Além disso,
certamente as disputas pelo poder de controle se acirrarão; novas modalidades de
aquisição do controle surgirão como alternativa às fusões e escaladas societárias;
mais poder de negociação se concentrará na mão dos acionistas numa eventual
alienação do controle, em direção ao desenvolvimento de um mercado mais robusto
e seguro para ser palco de relações jurídicas cada vez mais dinâmicas.
Interessa a este estudo, para que se alcance de forma completa a
problemática da Poison Pill, delinear preliminarmente considerações a respeito do
poder de controle, a fim de expor os fundamentos para essa cláusula de barreira. É
8
imprescindível percorrer brevemente seu conceito, valor e formas de estruturação,
uma vez que não se deve falar em Poison Pill sem haver o exercício do controle com
ações em número inferior à maioria – entenda-se mais da metade – e também
dispersão do capital.
Consolidadas estas indagações iniciais, a segunda parte desta monografia
será dedicada exclusivamente à análise da “aquisição hostil do poder de controle”,
neologismo criado pelo Brasil para os chamados hostile take-overs. A Poison Pill é
sim um instrumento que visa bloquear aquisições indesejadas e não negociadas do
controle acionário, dentro de sua perspectiva imediata. Nosso país está em vias de
começar a tornar-se suscetível a essa modalidade de aquisição de controle – vejase a tentativa frustrada de aquisição hostil pelos acionistas da Sadia pelo Perdigão,
assim como inexperiente reação do poder publico. Países como os Estados Unidos
já viveram o seu auge de aquisições hostis desenfreadas.
O que se busca é demonstrar de que modo o fenômeno da Poison Pill
funciona no Brasil e qual o papel que cabe ao direito pátrio no tocante à sua
recepção. Para que isso seja possível, é muito importante observar-se a experiência
internacional, principalmente a norte-americana. Os Estados Unidos, por serem um
país cuja cultura jurídica concede amplos poderes discricionários à administração
das companhias, possibilitando respostas e atitudes muito céleres desse órgão, são
expoentes na adoção de estratégias de defesa do poder de controle.
O Brasil tem um sistema societário muito diferente, mas é inegável que
estamos nos inspirando nas práticas norte-americanas de proteção ao controle.
Deve, entretanto, haver a mais delicada cautela em importar estruturas jurídicas
internacionais, de modo que não se prejudique todo um sistema jurídico.
Internacionalmente, diversos estudos foram realizados medindo o impacto da
Poison Pill, apurando se esta beneficia ou prejudica os acionistas e a própria
sociedade. Nada disso foi feito ainda em nosso país, mas algumas especulações já
podem ser delineadas. Com efeito, pretende-se, através desta monografia,
questionar como a Poison Pill, mecanismo de proteção contra aquisições hostis de
controle e contra a dispersão acionária, pode ser aplicada diante de nosso direito.
9
2
Considerações sobre o poder de controle
2.1
Definição
Em todo início de trabalho de pesquisa que objetiva desmembrar conceitos e
estudar o seu desenvolvimento diante de certa realidade, faz-se necessário
ingressar preliminarmente na busca dos seus sentidos lexicais. Diante disso, antes
de embarcarmos diretamente no tema e no estudo de seus aspectos correlatos,
cabe ao menos pinçar elementos que ofereçam condições mínimas para o
entendimento do instituto do controle nas sociedades por ações.
Valemo-nos do que ensinou Fábio Konder Comparato no início de sua obra
sobre o poder de controle na sociedade por ações para ilustrar a origem semântica
do ‘Controle’. Esse autor nos aponta que a origem do vocábulo, “segundo os
etimologistas, é francesa, mas a evolução semântica, no vernáculo, sofreu nítida
influência do inglês, como ocorreu, aliás, até mesmo na língua de origem”
(Comparato & Salomão Filho, 2005, p.27). Para a língua francesa, controle vem do
arcaico substantivo contrerôle, como cita Fábio Comparato, o que no final das
contas exprime um sentido básico de verificação ou fiscalização para o direito
francês, o qual traz a expressão “contrôle des societés anonymes” (ibidem, p.28).
De forma muito pertinente, Comparato contrapõe o sentido dado pela língua
francesa à elaborada pela inglesa, para a qual “ao contrário, o núcleo central das
diferentes acepções do vocábulo é a noção de poder ou de dominação” (ibidem).
Considerando as oposições semânticas trazidas pelas línguas inglesa e
francesa, percebe-se que o nosso português sofreu influência tanto de uma, como
da outra. Assim sendo, nota-se que a palavra ‘controle’ assumiu uma dupla faceta,
e, segundo Comparato, “passou a significar, correntemente, não só a vigilância,
verificação, fiscalização, como ato ou poder de dominar, regular, guiar ou restringir”
(ibidem, p.29).
Feita esta apresentação semântica do poder de controle e tendo em vista que
este trabalho de pesquisa não objetiva discorrer em detalhes sobre o seu conceito,
restringir-se-á a uma análise passageira do tema, destacando alguns pontos
importantes para a compreensão do fenômeno ora explorado.
10
O poder de controle é um tema amplo, e o conhecimento de seu conteúdo
antecede a sua própria definição legal. Como conceito abstrato, na linha de
raciocínio desenvolvida por Comparato, José Edwaldo Tavares Borba (2004, p.333)
afirma que o controle é um fenômeno de poder, definindo que “controla uma
sociedade quem detém o poder de comandá-la, escolhendo os seus administradores
e definindo as linhas básicas de sua atuação” (ibidem).
Modesto Carvalhosa discorre sobre a noção do poder de controle ao comentar
a Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (a ‘LSA’), e afirma que “controle
Societário pode ser entendido como o poder de dirigir as atividades sociais... Assim,
o controle é o poder efetivo de direção dos negócios sociais” (Carvalhosa, 2003,
p.429). Para esse autor, a noção de controle é também um fenômeno de poder;
afirma ele que “é controlador aquele que exerce, na realidade, o poder” (ibidem).
A noção do controle societário, como foi visto, reside na própria esfera do
poder. Mas o que determina a legislação societária em vigor no Brasil?
Historicamente, não se falava no direito brasileiro sobre uma definição legal do
poder de controle até a edição da LSA (Comparato & Salomão Filho, 2005, p.79).
Somente com a vigência desse diploma é que se passou a definir legalmente a
figura do controlador, conforme seu artigo 116.3
Diante do texto do referido artigo, é possível destacar e individualizar três
requisitos fundamentais para que se configure o controle numa sociedade por ações,
a saber: (i) titularidade dos direitos de sócio; (ii) garantia de forma permanente a
maioria de votos nas deliberações em assembléia geral e a eleição da maioria dos
administradores e (iii) efetividade na condução dos negócios sociais e no
funcionamento dos órgãos sociais da companhia. Note-se, com efeito, que os
3
“Artigo 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de
pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que:
(a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas
deliberações da assembléia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia;
e
(b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos
órgãos da companhia.
Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar
o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais
acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos
direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.”
11
requisitos não são cumulativos, pois o poder de controle pode ser exercido apenas
cumprido um deles (Carvalhosa, 2003, p.431).
A partir da leitura de parecer elaborado por Alfredo Lamy e Bulhões Pedreira,
nota-se que o poder de controle não é necessariamente um direito inerente à ação,
tampouco ao acionista, mas sim ao exercício, concentrado em um indivíduo ou
grupo de indivíduos, dos direitos representados pelo conjunto das ações reunidas.
Assim sendo, isso nos aponta que a lei conferiu o poder de controlar ao acionista ou
grupo de acionistas que goze com conforto das prerrogativas políticas no âmbito da
companhia.4 Neste contexto, vale-se da lição de Comparato, segundo o qual “o
núcleo da definição de controle na sociedade anônima reside no poder de
determinar as deliberações da assembléia geral” (Comparato & Salomão Filho,
2005, p.88).
Já no âmbito da auto-regulação, observamos o que o Regulamento do Novo
Mercado da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa)5 nos apresenta como
definição de poder de controle:
‘Poder de Controle’ significa o poder efetivamente utilizado de dirigir as
atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da Companhia, de forma
direta ou indireta, de fato ou de direito. Há presunção relativa de titularidade do
controle em relação à pessoa ou ao grupo de pessoas vinculado por acordo de
acionistas ou sob controle comum (‘grupo de controle’) que seja titular de ações que
lhe tenham assegurado a maioria absoluta dos votos dos acionistas presentes nas
três últimas assembléias gerais da Companhia, ainda que não seja titular das ações
que lhe assegurem a maioria absoluta do capital votante.
4
“O poder de controle da companhia não é poder jurídico contido no complexo de direitos da ação:
cada ação confere apenas o direito (ou poder jurídico) de um voto. O poder de controle nasce do
fato da reunião na mesma pessoa (ou grupo de pessoas) da quantidade de ações cujos direitos de
voto, quando exercidos no mesmo sentido, formam a maioria nas deliberações da Assembléia
Geral. A natureza de fato do poder de controle fica evidente quando se considera que: a) não há
norma legal que confira ou assegure poder de controle: esse poder nasce do fato da formação do
bloco de controle e deixa de existir com o fato da sua dissolução; b) poder de controle não é direito
subjetivo: o acionista controlador não pode pedir a tutela do Estado para obter que esse poder seja
respeitado, a não ser quando se manifesta através do exercício regular do direito (ou poder jurídico)
de voto nas deliberações da Assembléia Geral; e c) o poder de controle não é objeto de direito: não
pode ser adquirido nem transferido independentemente do bloco de controle, que é sua fonte. O
acionista controlador (ou a sociedade controladora) não é, portanto, “sujeito ativo” de poder de
controle: tem ou detém esse poder enquanto é titular (ou sujeito ativo) de direitos de voto em
número suficiente para lhe assegurar a maioria nas deliberações da Assembléia Geral.” (LAMY
FILHO & PEDREIRA, “Alienação de controle de companhia aberta”, em 1997, p.620).
5
Disponível para consulta no sítio: www.bovespa.com.br.
12
Observamos que há pouca diferença entre os critérios definidos na lei e os
previstos no Regulamento do Novo Mercado da Bovespa. Este último nos traz
critérios muito acertados, tais como o parâmetro para resolver a questão do
preenchimento da expressão “de modo permanente”, para que seja considerado
acionista controlador aquele que consegue maioria absoluta em assembléias, ainda
que tenha menos da metade das ações.
Entretanto, apesar de a expressão mais característica do poder de controle se
revelar na manifestação de vontade da maioria, seja simples ou qualificada, em sede
de assembléia geral, não é possível afirmar que se trate da sua única forma de
manifestação.
O poder de controle pode se apresentar de diversas formas, cada qual com
as suas especificidades, podendo ser delineado sob diversas estruturas, como se
observará em tópico específico sobre o assunto.
2.2
A visão moderna do poder de controle e as suas principais
formas
Primeiro se deve distinguir, de acordo com a lição de Comparato (Comparato
& Salomão Filho, 2005, p.48), o controle interno do controle externo:
No primeiro caso, o titular do controle atua no interior da sociedade (ab intus),
lançando mão de mecanismos de poder próprios da estrutura societária, notadamente a
deliberação em assembléia. No segundo, o controle pertence a uma ou mais pessoas, físicas
ou jurídicas, que não compõem quaisquer órgãos da sociedade, mas agem de fora (ab extra).
Complementa ainda esse autor que o controle interno nas sociedades
anônimas sempre ocorrerá “toda vez que esse poder estiver em mãos de titulares de
direitos próprios de acionista, ou de administradores, pessoas físicas ou jurídicas,
isoladamente ou em conjunto, de modo direto ou indireto” (ibidem, p.88).
Ainda nesse contexto distintivo do poder de controle, Modesto Carvalhosa
complementa a definição feita por Comparato, simplesmente apresentando o
13
“controle interno como aquele que se exerce através do voto” (Carvalhosa, 2003,
p.435).
Entretanto, o controle sobre a companhia pode ter sua origem além das
pessoas que componham órgãos diretivos da companhia, como afirmou Comparato.
Trata-se do controle externo, o qual “é o exercido através de outros meios que não o
do exercício do voto. Assim, poderá o controlador externo ser até acionista da
companhia; porém, o poder de efetivo comando que nela exerce não decorre do
exercício do voto” (ibidem, p.435). Esclarece, ainda, Carvalhosa, de forma a
exemplificar uma situação de controle externo, que o poder de domínio sobre a
companhia “se faz, na hipótese, por outros fatores, sempre externos, notadamente
de caráter contratual, decorrentes de endividamento da sociedade ou originados da
intervenção do Estado no domínio econômico”.
Verificados estes conceitos, passar-se-á à análise das formas pelas quais o
controle se manifesta no seu âmbito interno.
2.2.1
Controle totalitário
O controle totalitário consiste no poder exercido com quase a completa
titularidade acionária, assimilando-se à sociedade unipessoal (Comparato & Salomão
Filho, 2005, p.52). Esta modalidade, como afirma Fábio K. Comparato, caracteriza-se
“quando nenhum acionista é excluído do poder de dominação na sociedade, quer se
trate de sociedade unipessoal, quer se esteja diante de uma companhia do tipo
familiar (controle totalitário conjunto)” (ibidem).
Essa forma de controle não traz grandes indagações, considerando o objeto
de estudo desta monografia. Entretanto, como nota Comparato, “basta, no entanto,
que exista um só outro acionista, titular de uma única ação, ainda que sem direito a
voto, para que se dissipe o caráter totalitário do controle e reapareça a possibilidade
de conflitos...” (ibidem, p.53).
Devem-se distinguir as subsidiárias integrais, as quais são controladas por
apenas um acionista, das sociedades controladas por alguém que detenha quase a
totalidade das ações votantes. Confirmam esse entendimento Berle Jr. e Means,
fundamentando seu argumento no direito norte-americano, mas neste caso podemos
aplicá-lo ao Brasil: “certain powers of control, such as the power to amend the charter
14
or to discontinue the enterprise, may require more than a simple majority vote and to
that extent the majority exercises less control than a sole owner” (Berle Jr. & Means,
2000, p.71).
2.2.2
Controle majoritário
O controle majoritário, por sua vez, pauta-se pelo comando da maioria,
apresentando uma vertente simples ou absoluta, “conforme exista ou não uma
minoria qualificada” (Berle Jr. & Means, 2000, p.63). Resumidamente, o controle
majoritário “é aquele exercido pelo titular da maioria absoluta do capital votante de
emissão da companhia” (Prado, 2005, p.134), isto é, no mínimo com a metade mais
uma parte inteira das ações que possuem direito de voto.
Com efeito, o poder de controle sob a forma majoritária pode ser exercido não
apenas por um único acionista, não se revelando necessariamente como um bloco
unitário de interesses; pode, validamente, desempenhar-se por dois ou mais
acionistas, grupos de acionistas, os quais se associando compõem, temporariamente
e enquanto interessar, a maioria, tratando-se do chamado controle conjunto ou por
associação (ibidem).
Nessa forma de exercício do controle na sociedade por ações, estrutura que
ainda predomina no Brasil, encontram-se presentes no corpo acionário, como dito
anteriormente, minorias. Estes indivíduos ou grupos de indivíduos constituem parte
do organismo social da companhia, exercem seus direitos políticos quando têm sob
seu domínio ações com direito a voto, recebem dividendos, podem eleger
administradores se reunirem ações suficientes e recebem proteção da LSA.6 As
minorias, se reunidas, podem até mesmo concentrar seus recursos econômicos e
políticos para buscarem elementos que as aproximem patrimonialmente do acionista
controlador em um ambiente em que parte das ações de companhia aberta estejam
dispersas em bolsa, assumindo uma feição de “não apenas uma minoria”, mas sim
alguém com representatividade. Nesse contexto, muito oportuna a lição ministrada
em aula pelo mestre italiano Tullio Ascarelli (1945) ilustrando a figura da minoria na
composição orgânica da companhia, em destaque:
6
A LSA delimita as responsabilidades do acionista controlador em seu artigo 117, configurando
abuso de poder e respondendo ele pelos danos causados aos acionistas minoritários.
15
A possibilidade de um desenvolvimento sadio da sociedade anônima relaciona-se
estritamente com uma efetiva tutela da minoria e do acionista singelo. Cumpre, de um lado,
assegurar o direito da maioria, de outro lado, tutelar a minoria e, individualmente, o acionista
singelo pois que, sem essa tutela, o poder da maioria pode-se transformar em arbítrio, o que,
aliás, acaba por obstar ao próprio desenvolvimento das sociedades anônimas e ao
preenchimento da sua função. (p.161)
Sem a efetiva e ponderada tutela das minorias, o professor da Universidade
de Bolonha nos alerta que “não haverá, realmente, possibilidade de difusão das
ações no público e de desenvolvimento de um mercado de capitais e não haverá
possibilidade de apelar ao público para a colheita de capital da sociedade...” (ibidem,
p.161).
Não resta dúvida quanto à proteção às minorias acionárias dada pelo direito,
assim como ao seu potencial em reunir recursos para quiçá interferir na organização
do
poder
e
na
condução
dos
negócios
sociais.
Entretanto,
analisando
cuidadosamente de perto a classe dos minoritários, percebe-se não haver
uniformidade em seus integrantes. Conforme ensina o professor Fábio Ulhoa
Coelho, há classes diferentes de acionistas:
os acionistas são divididos, segundo o maior ou menor interesse com o cotidiano da atividade
empresarial da companhia, em empreendedores e investidores. Entre estes últimos, cabe
também distinguir os rendeiros dos especuladores. (Coelho, 2002, p.274)
A partir disso deve ter-se em mente que os minoritários não são apenas
meros e impotentes prestadores de recursos buscando receber dividendos. Nesta
categoria, obviamente além das pessoas físicas que compram ações buscando
rendimentos a longo prazo, encontramos participantes experientes do mercado,
como os fundos de pensão, fundos de investimento, fundos de private equity, além
de outras sociedades que buscam participações societárias relevantes.
Curiosa até uma recente profissão, descrita por Fábio Ulhoa Coelho (2007,
p.146) em artigo publicado em comemoração aos 30 anos de vigência da LSA: o
minoritário profissional. Esse acionista tumultuador de assembléias gerais, em busca
16
do chamado “prêmio de sossego”, trata-se “em geral, de um investidor, que identifica
no ‘atrapalhar o bom andamento dos negócios sociais’ mais uma oportunidade de
ganho”.
Destacada a presença e relevância das minorias, natural será a sua análise
como potencial ou efetivo controlador de uma sociedade com capital disperso.
2.2.3
Controle minoritário
O controle minoritário, segundo Fábio Konder Comparato, é aquele “fundado
em número de ações inferior à metade do capital votante e que os autores norteamericanos denominam working control” (Comparato & Salomão Filho, 2005, p.64),
o qual “bem estruturado, em companhia com grande pulverização acionária, pode
atuar com a mesma eficiência que um controle majoritário” (ibidem, p.67).
Essa forma de controle é possível sempre que na companhia não haja um
acionista capaz de reunir sob seu domínio participação acionária suficiente para
configurar o princípio majoritário ou até mesmo, havendo tal acionista, que este não
exerça efetivamente o controle e faça sua vontade imperar nas assembléias (Prado,
2005, p.135).
Como esclarecimento, é interessante destacar o estudo que o acadêmico
norte-americano da faculdade de direito da Columbia University, em Nova York,
John C. Coffee Jr., elaborou no ano de 2001sobre a propriedade dispersa das ações
e sobre o papel do direito em relação a ela. Nesse estudo apurou-se como se
desenvolveu o nascimento do capital disperso no mercado independentemente de
prévias condições políticas e legislativas.
O autor estabeleceu como base de comparação o surgimento desse mesmo
fenômeno nos Estados Unidos e no Reino Unido e nos países europeus de tradição
jurídica romanística, tais como França e Alemanha no final do século XIX. Seu artigo
demonstra as diferenças e confrontos entre os excessos e ausências dos benefícios
do controle chamado ‘privado’ das companhias, dos mecanismos de auto-regulação
e das previsões legislativas entre os dois universos descritos.
17
Sob essa base, seu trabalho inicia-se com uma indagação interessante – a
qual aparentemente guarda íntima relação com a realidade brasileira.7 Questiona,
inicialmente, acerca da aparente impossibilidade de desenvolvimento de uma base
de acionistas dispersos em países que adotam o sistema jurídico do civil law. Isso
em função, por exemplo, da (i) ausência de mecanismos adequados de proteção às
minorias acionárias, (ii) da inabilidade de manter-se o poder de controle com menos
da metade das ações, e (iii) da fragilidade do controle disperso diante de uma
realidade política sob a feição de social-democracia de esquerda. Quanto ao item (i),
o Brasil se mostra cada vez mais capaz de respeitar os direitos dos acionistas
minoritários diante da evolução da governança corporativa e da regra “uma ação, um
voto”. Quanto ao item (ii), ao menos a concepção de concentração acionária, nos
moldes de uma estrutura quase familiar, está se dissipando, dando lugar à
colocação exponencial de cada vez mais ações para o público investidor. Já quanto
ao item (iii), resta-nos apenas confiar nos rumos pelos quais o atual governo
direciona a economia interna e as ações políticas que incidem sobre a sociedade.
Como requisito de ocorrência, o controle minoritário pressupõe a extensa
pulverização do capital social. Nessas condições, torna-se possível que um acionista
se apodere do controle com ações que representem menos da metade das ações
votantes. Em contraste com a realidade brasileira – que está em mutação –, o
acionista controlador das companhias abertas nos Estados Unidos, quando houver,
quase sempre exerce tal poder através do controle minoritário.
Com efeito, o controle minoritário faz-se possível em função do absenteísmo
de acionistas detentores de pequenas quantidades de ações. Dessa maneira, é
suficiente que o acionista controlador possa ser identificado desde que tenha sob
seu domínio ações com direito a voto em número superior à metade do número de
ações votantes presentes em assembléias gerais. Confirmando esse entendimento,
bem nos aponta Rubens Requião:
Sabe-se que raramente, hoje em dia, a maioria que controla a gestão das grandes
7
“Recent commentary has argued that a dispersed shareholder base is unlikely to develop in civil law
countries and transitional economies for a variety of reasons, including (1) the absence of adequate
legal protections for minority shareholders, (2) the inability of dispersed shareholders to hold control
or pay an equivalent control premium to that which a prospective controlling shareholder will pay,
and (3) the political vulnerability of dispersed shareholder ownership in left-leaning ‘social
democracies’.” (COFFEE JR., 2001, preâmbulo).
18
corporações anônimas nos países desenvolvidos, se mede em termos de unidade ... Em
nosso país, sociedades anônimas já são controláveis com a detenção de 20% do capital,
havendo já casos de percentagem de controle bem menor, na medida em que as ações vão
se dispersando nas mãos do público. O conceito de maioria e de minoria, portanto, se
modificou na realidade técnica e jurídica da empresa. O que importa são as ações detidas
pelo grupo de acionistas que, com elas, embora em minoria, controlam a empresa. (Requião,
1974, p.23-35)
Ainda a respeito de como se ambienta o controle minoritário, o professor
Tavares Borba nos chama novamente a atenção para o absenteísmo dos
proprietários de ações votantes, dando vazão ao controle sob o domínio da minoria,
nos seguintes termos:
Nas grandes companhias abertas, cujo capital votante se encontre disseminado no
mercado, enfrenta-se o problema do absenteísmo dos acionistas nas assembléias. Essa
ausência que, em muitos casos, se estende à maioria das ações faz com que às assembléias
compareça uma parcela minoritária do capital votante. Nestas circunstâncias, a maioria será
apurada em relação aos presentes, possibilitando a polarização do controle na maioria da
minoria. (Borba, 2004, p.334)
Nesse contexto, cabe citar, por exemplo, o seguinte trecho de voto proferido
no Processo CVM RJ 2005/4069,8 demonstrando um possível entendimento de
como a real possibilidade do controle pela minoria é encarada pelo órgão regulador
do mercado de capitais:
em uma companhia com ampla dispersão ou que tenha um acionista, titular de mais de 50%
das ações, que seja omisso nas votações e orientações da companhia, eventual acionista
que consiga preponderar sempre, não estará sujeito aos deveres e responsabilidades do
acionista controlador, uma vez que prepondera por questões fáticas das assembléias não
preenchendo o requisito da alínea ‘a’ do art. 116, embora preencha o da alínea ‘b’. Esse
acionista seria considerado, para determinação de sua responsabilidade, como um acionista
normal (sujeito, portanto, ao regime do art. 115).
8
Voto do Diretor Relator Pedro Oliva Marcilio de Sousa, proferido na Reg. Col. n° 4788/2005, extraído
do sítio da CVM (www.cvm.gov.br).
19
Nota-se certa relutância da autarquia – pelo menos na opinião desse diretor –
em aceitar o exercício do controle por uma minoria ou por acionista que se mostre
presente na ausência do controlador por razões de fato e falta de cumprimento dos
requisitos do artigo 116 da LSA. Entretanto, como vimos pela lição de Modesto
Carvalhosa, os requisitos para configurar o controle não são cumulativos, bastando
apenas um deles para o controle se caracterizar (Carvalhosa, 2003, p.431).
Concluindo a exposição sobre essa forma de aparição do controle societário,
não poderia deixar de destacar-se a afirmação de Comparato em sua tese sobre o
poder de controle:
A rigor, um controle minoritário bem estruturado, em companhia com grande
pulverização acionária, pode atuar com a mesma eficiência que um controle majoritário. Mas
a lei brasileira estabelece uma distinção importante, ao impor, para a aprovação de certas
deliberações, o concurso do voto de metade, no mínimo, do capital com direito a voto.
(Comparato & Salomão Filho, 2005, p.67)
O professor Calixto Salomão Filho, em resposta imediata ao excerto aqui
destacado da obra de Comparato, enfatizou que a lei brasileira consagra o controle
minoritário como princípio dentro do capital total da sociedade. Vejamos:
A famosa regra que permitia a existência de até dois terços do capital total da
empresa representados por ações preferenciais (sem voto) – art. 15, § 2º, da Lei nº 6.404/76,
agora reduzida a no máximo 50% do capital total – nada mais é que a consagração legal do
controle minoritário. O sistema brasileiro pode, portanto, ser caracterizado como um sistema
em que há opção clara pelo controle minoritário, no que respeita o capital total da companhia.
(ibidem, p.68)
O controle minoritário, em suma, consiste no cenário ideal para a disputa pelo
controle em uma companhia, pois o conceito de acionista majoritário como
controlador esvaziou-se. Com grande parte das ações dispersa, torna-se possível
que o controle seja adquirido por aqueles que concentram pequena quantidade de
ações sob seu domínio, seja individualmente seja em grupos. Sendo este cenário
ideal para a facilidade pela busca do controle, natural será também a precaução em
mantê-lo seguro.
20
2.2.4
Controle gerencial ou administrativo
No início da década de 1930 nos Estados Unidos, Adolph Berle Jr. e Gardiner
Means (2000), conjugando o raciocínio jurídico e econômico, inovaram, ou melhor,
revolucionaram, o direito das corporations ao defenderem tese ‘desacoplando’ a
propriedade de ações de emissão de uma companhia, do poder de controle. Em
outras palavras, separou-se a propriedade privada sobre um valor mobiliário da
possibilidade de determinar a direção das atividades da sociedade, assim como de
orientar o funcionamento dos seus órgãos e de deter a soberania política nos órgãos
assembleares – elementos escolhidos pelo art. 116 da LSA para definir o acionista
controlador no âmbito do controle interno da companhia.9
A doutrina estrangeira nos esclarece que grande parte da lógica por trás da
manifestação do controle das companhias origina-se a partir do próprio instituto da
personalidade jurídica e da autonomia patrimonial dos sócios. Alfredo Lamy (2007,
p.151) mais uma vez nos remete à opinião clássica de um dos mais costumados
autores franceses que discorreram sobre o poder de controle, Claude Champaud:
para que apareça a noção de controle, é necessário, em primeiro lugar, que exista um
patrimônio cujo titular se encontra na impossibilidade física de gerir os bens de que seja
proprietário. Tal condição ocorre sempre que o proprietário é uma pessoa jurídica ... o
controle é o direito de dispor de bens alheios com um proprietário. (1962, p.150, 156, 161)
Destacamos o que ensinou um dos grandes mestres do direito civil, Orlando
9
No tocante ao acionista controlador nos valemos de Bulhões Pedreira e Lamy Filho, os quais nos
apontam que “o controle é a capacidade de causar, determinar ou alterar a ação dos órgãos da
companhia. É o poder político na sociedade no sentido de poder supremo da sua estrutura interna,
que compreende capacidade de alocar e distribuir poder nessa estrutura” (LAMY FILHO &
PEDREIRA, 1997, p.66). Fábio Konder Comparato vai além desta concepção, afirmando que “a
exigência do uso efetivo do poder ‘para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos
órgãos da companhia’ somente se compreende, como elemento integrante da definição do
controlador, em se tratando de controle minoritário. Neste, com efeito, o titular de direitos de sócio
que lhe assegurariam a preponderância nas deliberações sociais, em razão da dispersão acionária,
pode manter-se ausente das assembléias gerais, perdendo com isto, de fato, o comando da
empresa. Já no controle de tipo majoritário, porém, o desuso ou mau uso do poder não é elemento
definidor do status, pois ainda que o controlador afete desinteressar-se dos negócios sociais, não
pode arredar o fato de que o poder de comando se exerce em seu nome, ou por delegação sua, o
que a tanto equivale” (COMPARATO & SALOMÃO FILHO, 2005, p.87). Em resumo, levando em
conta de forma complementar ambas as idéias aqui apresentadas, o núcleo do controle nas
sociedades anônimas abertas encontra-se instalado no verdadeiro poder de determinar e orientar
as deliberações da assembléia geral, sendo que a demonstração efetiva de sua utilização, como
bem definiu Comparato, tem lugar essencialmente em ambientes de controle minoritário.
21
Gomes, para esclarecer melhor as diversas esferas conceituais que integram o
núcleo do poder de controle:
Quem controla uma sociedade é, na linguagem proprietarista, seu dono. O que
distingue, porém, o controlador do proprietário é que este tem direito de dispor dos bens
próprios, enquanto aquele pode dispor praticamente dos bens alheios, pouco importando,
como se discute, se os bens sociais são da pessoa jurídica ou dos acionistas ... Lógico,
portanto, que a gestão dos bens sociais, vale dizer, o governo da empresa, fique na
dependência da vontade dos detentores do controle acionário da sociedade. São eles
próprios que se elegem administradores ou escolhem quem lhes convenha para o exercício
da função. (Gomes, 1977, p.221 ss)
Com efeito, o destaque dessa nova teoria ficou por conta do controle que
poderia ser exercido não só por uma minoria acionária, mas até mesmo pelos
administradores da companhia, revelando a completa dissociação entre a
propriedade e o poder de controle.
Observou-se, por sua vez, que os demais acionistas, embora proprietários das
ações, seriam reduzidos à condição de meros aplicadores de capital,10 enquanto
uma minoria, ou até mesmo a sua administração,11 passava ao posto de verdadeiros
soberanos ao formarem o bloco de controle adquirindo as ações com voto (ibidem,
p.67). Nessa esteira fala-se na existência do controle gerencial ou administrativo,
10
É interessante notar o que escreveram os autores da Lei das Sociedades Por Ações, Alfredo Lamy
Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, a respeito das duas espécies de acionistas que surgem nas
grandes companhias, in verbis: “esse fenômeno do controle da companhia através da concentração
da propriedade das ações dá origem à diferenciação – observada nas companhias e nos mercados
de ações – de duas classes de acionistas: o acionista-empresário, detentor do poder de controle
(ou membro do grupo controlador), que exerce toda a função empresarial, e o acionista-aplicador
de capital de risco, que exerce apenas uma subfunção empresarial. Essa diferenciação, que pode
ser apenas de fato, tende a se formalizar mediante a criação de espécies distintas de ações, com e
sem direito de voto” (LAMY FILHO & PEDREIRA, 1997, p.67).
11
“Num ambiente de alto grau de dispersão de ações, como o Norte-Americano, no qual os maiores
acionistas detêm participação inferior a 1% do capital social, verifica-se que há grande dificuldade
de se estruturar e manter blocos de controle. Conseqüentemente, os acionistas são identificados,
em sua maior parte, como aplicadores de capital, apenas buscando a satisfação econômica do
recebimento de dividendos e pelo valor de mercado de suas ações, deixando a condução dos
negócios sociais a cargo da administração. Nota-se, assim, que a ausência dos mesmos nas
reuniões da Assembléia Geral é grande, nomeando mandatários indicados pelos próprios
administradores, permitindo-se a perpetuação destes em seus cargos ou a indicação de sucessores
de sua escolha. Diante deste cenário de deslocamento do poder dos proprietários das ações para
os administradores profissionais, observa-se o fenômeno do managerial revolution (revolução
gerencial), o qual é peculiar às companhias que têm por objeto atividades empresárias de grande
porte, também chamadas de macroempresas” (LAMY FILHO & PEDREIRA, 1997, p.67-8).
22
pelo qual a administração, dada a intensa dispersão acionária, assume o controle de
fato, passando a ter o revestimento de um órgão societário que se mantém no poder
forçosamente (Comparato & Salomão Filho, 2005, p.71).
Berle Jr. e Means ilustram muito bem essa transformação, como se observa
neste trecho de destaque de sua obra The modern corporation and private property:
In examining the break up of the old concept that was property and the old unity that
was private enterprise, it is therefore evident that we are dealing not only with distinct but
often with opposing groups, ownership on the one side, control on the other – a control which
tends to move further and further away from ownership and ultimately to lie in the hands of the
management itself, a management capable of perpetuating its own position. (Berle Jr. &
Means, 2000, p.124)
O cenário descrito tornava-se possível tendo em vista o alto grau de dispersão
acionária no mercado de valores mobiliários dos Estados Unidos, no qual, segundo
os estudos feitos à época por Berle Jr. e Means, verificou-se, por exemplo, que na
Pennsylvania Railroad Co., em dezembro de 1929, os seus vinte maiores acionistas
detinham, juntos, 2,70% (dois vírgula setenta por cento) do seu capital social, tendo,
ainda, o seu maior acionista o domínio de apenas 0,34% (zero vírgula trinta e quatro
por cento) do total de ações emitidas.
A ruptura provocada pela nova tese de Berle Jr. e Means teve grande impacto
para o direito societário, transpondo fronteiras e transformando conceitos trazidos
pelo direito romano. Em um momento anterior à teoria de Berle Jr. e Means, Karl
Marx, citado por Fábio K. Comparato (Comparato & Salomão Filho, 2005, p.51),
afirmou, com muita precisão, que “um maestro não precisa de modo algum ser
proprietário dos instrumentos da orquestra que dirige, nem lhe compete tratar do
salário dos seus músicos”, resumindo metaforicamente o distanciamento entre
propriedade e poder de direção nas grandes companhias.
Em outras palavras, a estrutura de controle das grandes companhias dissipouse e a figura do controlador mitigou-se, resultando na “cisão entre a propriedade e o
controle, na medida em que o controle deslocar-se-ia crescentemente para as mãos
dos executivos profissionais, em decorrência da dispersão acentuada das ações
entre os acionistas” (Eizirik, 1987, p.103).
23
No final dos anos 80, Nelson Eizirik, com base em levantamento de dados
feito pela CVM, afirmou que “a tese da separação entre propriedade e controle na
grande empresa revela-se inteiramente inadequada no caso das companhias abertas
brasileiras” (ibidem, p.103). Para esse jurista, parte-se da premissa de que se
considera gerencial o controle quando nenhum acionista detém mais de 10% do
capital votante. Sendo assim, tendo por base um quadro elaborado pela CVM sobre
a estrutura do controle acionário no Brasil datado de 1985, o qual apontava que
absolutamente nenhuma companhia encontrava-se em tal situação, pôde-se afirmar
que o cenário das companhias ‘controladas’ pelos administradores seria impossível.
Apesar de essa análise ter sido precisa à sua época, ela foi elaborada há
duas décadas, sob outra realidade. Hoje em dia não temos em prática o controle
gerencial, porém o contexto é cada vez mais propício à diluição do capital,
permitindo-se, outrossim, que hoje possa ser definido um novo posicionamento a
partir da realidade atual.
Em linhas gerais, considerando o que aqui foi dito, os norte-americanos Berle
Jr. e Means trouxeram uma nova perspectiva ao poder de controle, afirmando que
este poderia ser exercido de forma independente da quantidade de ações sob a
propriedade de um acionista. Com efeito, essa é a idéia de forma moderna de
controle que deve ser fixada, isto é, numa verdadeira mudança no conceito de
acionista controlador.
Nos Estados Unidos, a evolução no âmbito do direito foi profícua e conduziu o
país ao posto de maior economia do mundo, cujo mercado de valores mobiliários é
reconhecido pela sua maturidade, dispersão acionária, alta liquidez e fertilidade para
a ocorrência de operações societárias inusitadas, ainda não experimentadas no
Brasil, tais como a aquisição hostil do poder de controle, como veremos a seguir no
decorrer deste trabalho.
Assim, diluiu-se a antiga concepção de que o acionista controlador seria
aquele que possuísse a totalidade ou a maioria das ações de emissão de uma
companhia de capital aberto, passando a se falar em cinco modalidades de poder de
controle, a saber: (i) totalitário, (ii) majoritário, (iii) minoritário, (iv) administrativo ou
gerencial e (v) mediante instrumentos legais (through a legal device) (Berle Jr. &
Means, 2000, p.70).
24
2.3
O valor do poder de controle
Para que se compreenda o motivo pelo qual o poder de controle é protegido
através de todas as técnicas negociais e jurídicas possíveis, é imprescindível que se
entenda o porquê de sua disputa.
O universo de interesses e relações contido no âmbito das sociedades por
ações é tão complexo quanto a realidade política e econômica de um país sob
regime democrático. O acionista, assim como o cidadão, tem direitos garantidos e
assegurados pelo ordenamento jurídico. Como regra geral, o acionista tem pleno
gozo de seus direitos políticos, exceto se o estatuto optar por restringir o voto das
ações preferenciais em troca de vantagens,12 ou se a assembléia geral deliberar por
suspendê-lo em função do descumprimento da lei ou do estatuto.13
Além dos direito políticos, os acionistas têm, por direito essencial, a
participação nos lucros sociais. Trata-se da garantia do exercício do direito
patrimonial, de receber o retorno de seu investimento de risco em uma sociedade de
capitais ou como fruto de seu trabalho em busca da realização do objeto social da
companhia.
Em apresentação no II Congresso de Direito Comparado Luso-Brasileiro
realizado no Rio de Janeiro em 1985, Fran Martins afirmou, com muita propriedade,
que “é inegável que, apesar de todas as ações terem um valor nominal igual, as
ações de controle do acionista controlador, na realidade, valem mais do que as
outras” (Martins, 1988, p.17). Nesse contexto, pode-se afirmar que o poder de
controle possui valor econômico maior que o seu simples valor patrimonial. Caso
isso não fosse realidade, restaria a dúvida sobre uma das principais motivações para
a criação do artigo 254-A da LSA.
Essencialmente, o artigo 254-A da LSA, inserido na ordem jurídica pela Lei nº
10.303, de 31 de outubro de 2001, retomou, de forma inovadora, o instituto da oferta
pública obrigatória de aquisição das ações dos acionistas minoritários na ocasião da
alienação do controle acionário de companhia aberta (Eizirik, 2004, p.73).
12
Conforme o Artigo 111 da LSA.
13
Conforme o Artigo 120 da LSA.
25
Observa-se que a LSA, ao ser alterada, optou em consolidar o entendimento
de que o bloco de controle de uma companhia contém valor econômico e que as
ações que o integram possuem um preço superior em relação às demais ações
detidas pelos minoritários, por ocasião de sua alienação (ibidem, p.74). Esse artigo
fixa e precifica o sobrevalor denominado de “prêmio de controle” às ações do
acionista controlador, caso estas sejam alienadas de forma a resultar na cessão do
controle.
A carga jurídica do artigo 254-A serve ao propósito de dividir com os
acionistas minoritários detentores de ação com direito a voto o montante recebido
pelo acionista controlador em razão da alienação do conjunto de ações que
compõem o bloco de controle, os quais têm direito a receber, no mínimo, 80% do
valor pago pelas ações do controlador.14 Arnoldo Wald destacou um ponto
importante nesta questão, citando um excerto da obra de Berle Jr. e Means (2000):
que o preço pago pelo controle deveria favorecer a empresa e não o acionista controlador,
pois se o comprador adquire poder (de mando) e não apenas ações, tal poder pertenceria à
empresa, concluindo que, em tal hipótese, "payment for that power, if it goes anywhere, must
go into the corporate treasury” (Berle Jr. e Means, 1934, p. 244). Para esses autores, o
controle constituiria um corporate asset, um bem do ativo da sociedade. (Wald, 1983, p.455)
Diante dessa exposição, percebe-se que o valor econômico do poder de
controle, consubstanciado nas ações sob domínio do controlador, não pertence
unicamente a ele. Por conseguinte, os resultados econômicos proveitosos do poder
deverão ser partilhados de modo igual com os demais acionistas, como também os
riscos da atividade empresária.
O poder de controle não pertence apenas ao controlador, tanto que este não
tem direito a remuneração ou a qualquer benefício – a não ser os próprios direitos
inerentes a todos os sócios – por deter o poder de controle, mas sim deveres e
obrigações em relação à sociedade e aos acionistas.15 Diante da realidade,
14
Note-se que a exigência da realização de oferta pública com o pagamento de pelo menos 80% do
prêmio pago ao controlador aos minoritários consiste no limite criado pelo regime legal das
sociedades por ações no tocante à alienação do controle. No segmento com mais alto nível de
governança corporativa da Bovespa, o Novo Mercado, para que uma companhia possa negociar
suas ações, esse limite de 80% sofreu razoável majoração, saltando para 100%.
15
Em tese, o acionista controlador sofre um verdadeiro ônus sob pena de responsabilidade, conforme
26
entretanto, mesmo que o controle implique diversas obrigações, nota-se que é um
elemento que pode ter o seu valor apurado, apreciado em moeda, valorizado e até
negociado. Tendo isso em vista, não há como negar que os acionistas e terceiros
interessados façam verdadeiras guerras para manter, tomar ou negociar o controle,
utilizando-se das mais sofisticadas técnicas que o direito pode oferecer.
o artigo 117 da LSA: “O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados
com abuso de poder”.
27
3
Novas tendências societárias: a aquisição hostil do
controle
We’re coming out of the trenches with our bayonets fixed, and
we’re taking no prisoners.
Joseph Flom, advogado pioneiro nas aquisições hostis nos
Estados Unidos, durante a década de 1980, em Caplan, 1994, p.4
Antes de adentrar a análise deste tema, cujo relacionamento com a Poison Pill
é mais do que estreito, esclarecemos que o título “Novas tendências societárias” foi
inserido para refletir a realidade brasileira quanto à ocorrência dos takeovers, a qual
é completamente incipiente.
A aquisição hostil do poder de controle (expressão traduzida do equivalente
inglês hostile takeover, ou também takeover-bid) revela-se como um fenômeno
jurídico embrionário e prematuro no Brasil. Nessa forma de aquisição de controle que
se manifesta no âmbito das sociedades anônimas de capital aberto, as relações que
surgem envolvem a dinâmica de poder e propriedade e a disputa pelo controle
societário. A denominação que foi atribuída ao instituto trata-se de uma tradução que
gera certa confusão, pois o termo ‘hostil’ conduz à idéia de agressividade e
desrespeito aos padrões mínimos de conduta, sendo que, na realidade, significa tãosomente a apresentação de uma proposta sem que tenha ocorrido prévia negociação
ou elemento volitivo na alienação da participação do acionista controlador.
O nosso sistema jurídico societário, não obstante a novidade das aquisições
hostis, composto, neste caso, pelos artigos 257 a 263 da LSA e pela Instrução nº 361
de março de 2002 da CVM (‘ICVM 361/02’), possui a instrumentalidade inicial para
recepcionar e disciplinar os efeitos que estão por vir pela utilização dessa
modalidade de aquisição do poder de controle.
Para que se evitem os tropeços e mal-entendidos, em vez de importarmos
uma tradução literal da expressão hostile takeover, a qual traz uma forte carga de
agressividade e pode acirrar ainda mais a competição não-saudável entre as
companhias, a expressão poderia ser simplesmente adaptada aos nossos moldes,
sendo denominada de “oferta não solicitada”. A onda dos takeovers nos Estados
28
Unidos foi um período conturbado, caracterizado como um tropeço do capitalismo
norte-americano aos olhos de um banco alemão, e considerado pelo então
presidente da França, François Mitterrand, como “um gangsterismo e a aplicação da
lei do mais forte” (Gilson, 2004, p.4-5).
O raciocínio aplica-se também às Poison Pills, que na realidade são apenas
mecanismos de manutenção do poder de controle e da dispersão de ações, não
devendo ser entendidas como um elemento de destruição prejudicial ao
desenvolvimento de um mercado livre para aquisições.
Em sua obra sobre o poder de controle, um marco para o direito societário
brasileiro, Fábio Konder Comparato, ao tratar da transferência do controle interno das
companhias, apresenta uma definição concisa de aquisição hostil:
Reduzida a sua expressão mais simples, a operação consiste na oferta pública de
aquisição, durante certo período, de todas ou parte das ações de determinada classe, ou de
determinadas classes, de uma companhia, mediante pagamento de certo preço ou troca por
ações ou debêntures de outra companhia. A oferta pública pode, teoricamente, objetivar ou
não a tomada de controle da companhia visada, mas na quase totalidade dos casos este tem
sido o objetivo efetivamente colimado pelo ofertante, e estimulado pela regulamentação
normativa. (Comparato & Salomão Filho, 2005, p.242)
Já o professor Fran Martins, ao comentar a LSA, nos apresenta o objetivo da
aquisição hostil do controle, que em nosso direito assume a feição de oferta pública
para aquisição do controle acionário:
A oferta pública para aquisição do controle acionário de sociedades anônimas é,
assim, um procedimento que visa sobretudo fazer com que a operação se realize com uma
participação direta dos proprietários das ações votantes de referidas sociedades. Procura-se
evitar uma disputa com os administradores das sociedades, que muitas vezes detêm o
controle social sem possuir a maioria das ações. Em última análise, a oferta pública para a
aquisição do controle tende a beneficiar os acionistas minoritários que, desse modo, poderão
participar da operação em igualdade de condições com os acionistas majoritários, no que diz
respeito ao preço dado às ações dos primeiros. (Martins, 1978, p.377)
Em artigo publicado pelo professor Comparato sobre as modernas formas de
29
concentração empresarial, pode-se notar a alta oxigenação da oferta hostil do
controle em oposição à simples manobra de aquisição de papéis em bolsa de
valores, comumente chamada de ‘escalada societária’:
A aquisição de ações em Bolsa sem oferta pública não pode nunca ultrapassar
determinado montante global de títulos, sem chamar a atenção da diretoria da sociedade
visada, dos seus acionistas e dos operadores no mercado, em geral; e desde que
desvendado o fato de que se trata de aquisições visando ao controle da sociedade,
desencadeiam-se as medidas de defesa por parte da diretoria desta ou de alguns dos seus
grupos acionários, além de se entusiasmarem as manobras de especulação bolsística,
elevando a cotação das ações em pouco tempo a níveis absurdos. Por outro lado, a
aquisição sistemática de ações fora de Bolsa, quando se trata de companhia de controle
minoritário, representa um processo de curso extremamente lento e de resultados altamente
aleatórios. (Comparato, s.d., p.134-5)
Outro elemento trazido por esse autor nos esclarece quanto à exposição
conceitual da aquisição hostil do controle societário, afirmando suas vantagens
procedimentais e econômicas em relação às demais formas de concentração
empresarial; o takeover, segundo o autor, é revestido pela surpresa e tem força
equiparada à potência bélica dos tanques do exército alemão na segunda grande
guerra. Nesse contexto, precisa a ressalva feita pelo autor no sentido de se
pressupor a pulverização do poder de controle no mercado. O trecho do texto a que
se faz referência merece ser transcrito:
As vantagens da take-over bid sobre os processos tradicionais de concentração de
empresas são, portanto, evidentes, desde que – repita-se – a sociedade anônima a ser
absorvida tenha a sua maioria acionária, dispersa em várias mãos.
Antes de mais nada, para o grupo ofertante, a oferta pública oferece a grande
vantagem da concentração do ataque e do efeito de surpresa, como autêntica blitzkrieg. Ao
contrário do que sucede na aquisição sem oferta pública, o ofertante aqui goza das
vantagens da rapidez e da economia de recursos na superação de qualquer eventual
oposição ou manobra especulativa. (ibidem)
Ademais, destaca-se com aplausos a opinião de Comparato no sentido de
refletir em seu texto o fenômeno econômico que ocorre em relação à elevação do
30
preço das ações listadas em bolsa diante de um hostile takeover. Em razão da oferta
hostil, promove-se um aumento patrimonial com imediato aproveitamento deste
pelos acionistas da companhia, os quais são colocados em pé de igualdade com
o(s) acionista(s) controlador(es) na alienação do controle:
Para os acionistas da sociedade visada, é inegável que uma take-over bid oferece a
vantagem do lucro patrimonial imediato, pois as ofertas públicas são sempre lançadas por um
valor unitário de ação superior em no mínimo 20% à cotação bolsística. Ademais, oferece
ainda a garantia de um tratamento rigorosamente igualitário, evitando os arreglos entre o
grupo adquirente das ações e a diretoria da sociedade visada, ou alguns de seus acionistas,
para a venda do controle. (ibidem)
As ofertas públicas de aquisição de ações de controle que recebem o nome
de “aquisição hostil” representam “a mais espetacular faceta desta específica forma
de aquisição de valores mobiliários e, estamos certos, a mais próxima razão da sua
grande popularidade e mediaticidade...” (Pereira, 2001, p.216). Nessa esteira, de
acordo com o autor português ora citado, a aquisição hostil pode apresentar
aspectos positivos e/ou negativos.16 Vale a pena destacar, como nos informa ainda
Jorge Brito Pereira, que o “sucesso [da Oferta Pública de Ações] depende,
evidentemente, da reacção que provoca nos seus destinatários finais – os
accionistas da sociedade visada (alterações nossas)” (ibidem), considerando que a
sociedade-alvo encontre-se na condição de dispersão acionária e estruturada sob a
forma do controle, pelo menos, minoritário.
Os hostile takeovers demandam, para sua ocorrência, que exista um ambiente
cujas condições forcem a sua condição de vulnerabilidade da companhia. Diante
16
Quanto ao seu lado negativo, transcrevemos o que nos aponta o autor: “as OPA, enquanto técnica
específica de aquisição de valores mobiliários, podem provocar a desorganização e o
desmembramento das empresas, fomentar as estratégias de curto prazo em prejuízo das mais
desejáveis estratégias de médio e longo prazo, distrair os gestores da atenção primordial ao
interesse da sociedade, produzir um excessivo endividamento das sociedades envolvidas em face
dos custos desmesurados de algumas operações, apelar à prática de ilícitos...”. Porém,
positivamente, destacamos: “podem apresentar importantes benefícios para os accionistas da
sociedade visada, quer em termos imediatos, por permitirem a realização de um rápido lucro
financeiro ... facultando um modo de reestruturação rápido e transparente, facultando um modo de
resolução de conflitos entre accionistas de controle e entre estes e accionistas minoritários ... por
lhe facultarem um instrumento de crescimento rápido, quer horizontal, quer vertical; que finalmente,
podem apresentar benefícios para o mercado de valores mobiliários e por permitirem a mobilidade
das equipas de direcção” (Pereira, 2001, p.217).
31
dessas condições, enfatiza-se a dispersão do capital social, a inexistência de uma
posição de controle majoritário, e, como apontado por Jorge Brito Pereira:
baixos custos de financiamento para aquisições, sub-avaliação das ações num determinado
momento de mercado, o tipo de atividade da sociedade visada e a facilidade de integração
empresarial em sociedades concorrentes, a proliferação de investidores não estratégicos na
estrutura acionista da sociedade (em particular os fundos de investimento) e a relação de
confiança entre os acionistas e os administradores. (2001, p.218)
Diante dessa realidade, que compreende a dispersão acionária, o surgimento
de novas operações societárias, grande volume de capital negociado na bolsa de
valores e desconcentração da propriedade das ações de emissão de companhias
abertas, a qual já é vivida intensamente pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido
desde o início da década de 1980, observamos que os primeiros passos estão sendo
dados pelo Brasil em direção à nova era das companhias de capital pulverizado.
Acompanhando essa evolução, nota-se que começam a se delinear, nos
estatutos sociais, as primeiras cláusulas de proteção ao poder de controle e à
dispersão acionária, sendo a mais famosa delas a denominada Poison Pill.
32
4
A cláusula de Poison Pill
4.1
A origem da Poison Pill
Lexicamente, o termo Poison Pill tem sua origem nas cápsulas de veneno
compostas por cianeto que os espiões eram instruídos a ingerir para evitar que
fossem capturados durante uma missão, daí a conotação de ‘fatal’ quando o assunto
é a manutenção do poder de controle e da dispersão acionária diante de aquisição
hostil. Essa expressão, infelizmente, também foi construída sob uma conotação
negativa, tendo sido ao longo de suas décadas de existência representada até
mesmo por um símbolo composto por uma caveira e ossos cruzados, nos Estados
Unidos (Costa, s.d.).
O instrumento, como mecanismo de defesa, foi juridicamente arquitetado pelo
advogado Martin Lipton em 1983 durante o curso da aquisição hostil da fabricante
de porcelanas Lenox, mas o termo foi cunhado por um banqueiro chamado Martin
Siegel ao conceder entrevista sobre o assunto a The Wall Street Journal (Lipton &
Rowe, 2001, p.13).
Lipton desenvolveu a Poison Pill como se fosse uma espécie de plano de
opção de direitos, distribuído de forma pro rata a todos os acionistas sob a forma de
dividendos (Cox & Hazen, 2003, p.1429), distribuídos pelo próprio conselho de
administração (órgão com poderes para tal). Com efeito, essas ‘opções’ tinham por
objeto a compra de ações ou outros valores mobiliários recém-emitidos pela
companhia, sob condição suspensiva de ocorrência de certos eventos, tais como
fusões, incorporações e ofertas hostis pelo controle (ibidem). Vale destacar que esse
plano de opção não podia ser exercido de forma alguma pelo potencial comprador,
assim como não podia ser cedido para terceiros.
A modalidade mais interessante do plano de opções desenvolvido por Lipton
é a que recebe o nome de flip-in provision, na qual a condição suspensiva se
cumpria com a aquisição de certa quantidade de ações em circulação ou até mesmo
a publicação de anúncio de oferta pelas compra das ações (Cox & Hazen, 2003,
p.1430). Podendo ela ser exercida, o acionista detentor do plano de opção passa a
ter direito de adquirir novas ações ou valores mobiliários por um preço relativamente
33
barato. Dessa forma, aumentam-se os custos do ofertante na aquisição do controle
da companhia, já que a sua participação societária é diluída em razão das
aquisições feitas pelos demais acionistas de ações ou valores mobiliários por um
preço muito abaixo do justo praticado no mercado (ibidem).
A década de 1980 compreende a fase mais contundente no tocante às
aquisições hostis e à criação e utilização de Poison Pills nos Estados Unidos. Nessa
época, o movimento das grandes aquisições foi exponencial, em razão dos baixos
preços das ações de companhias listadas em bolsa, sendo liderada por advogados
como, por exemplo, Joseph Flom, sócio da banca norte-americana Skadden, Arps,
Slate, Meagher & Flom, que hoje conta com mais de mil advogados.
O panorama brasileiro é um pouco diferente do norte-americano, porém com
mesmo objetivo. As companhias brasileiras vêm adotando esse instrumento de
defesa visando impedir ou limitar os efeitos do aumento de participação de eventuais
acionistas além do nível que o acionista controlador (ou acionistas controladores)
considera(m) como seguro para sua permanência no poder. No Brasil, em
modalidade muito particular,17 para que esse mecanismo de defesa impeça a
diluição da participação societária do acionista controlador ou aumente a
concentração acionária, a obrigação que se impõe para o adquirente é a realização
de oferta pública de ações.
Como conceito jurídico, a oferta pública de aquisição de ações, apelidada de
‘OPA’, para Modesto Carvalhosa trata-se,
na espécie, de uma declaração pública pela qual uma pessoa física ou jurídica propõe aos
acionistas de uma companhia a celebração de contrato de compra ou permuta de ações.
Dirige-se a oferta a pessoas indeterminadas quanto à identidade, porém determináveis pela
categoria patrimonial que ostentam como acionistas de uma companhia. E nestes termos, a
oferta constitui elemento necessário à formação do contrato. É assim uma declaração que
invariavelmente precede outra declaração a qual, por sua vez, propicia a formação do
negócio: a aceitação. (Carvalhosa, 1978, p.18)
17
A expressão “em modalidade muito particular” não é utilizada em vão, pois existem diversas outras
formas de se proteger contra uma oferta hostil pelo poder de controle; a realização de oferta pública
para os demais acionistas é a Poison Pill que vem ganhando o interesse das companhias, como se
verifica nos estatutos sociais à disposição nos sítios da Bovespa (www.bovespa.com.br) e da CVM
(www.cvm.com.br).
34
Realizar uma OPA não cumpre apenas uma única função. Diversos podem
ser os seus objetivos, conforme se pode observar na ICVM 361/02, expedida pelo
poder público no exercício de sua competência regulamentar.18
Diversas são as formas de Poison Pill adotadas como mecanismos de
proteção ao controle, sejam de caráter preventivo ou repressivo, as quais variam
desde a emissão de novos valores mobiliários até a supressão de direitos e o
envolvimento de terceiros, dependendo a sua validez e eficácia da legislação do país
em que for aplicada. No Brasil, a modalidade que vem sendo preventivamente
adotada consiste, como dito, na obrigação de realização de oferta pública de ações.
4.2
O mecanismo jurídico da Poison Pill
Diante das diversas estratégias defensivas já adotadas ao longo da história
pela disputa pelo poder de controle, a Poison Pill é sem dúvida a mais adotada.
Mas como e quando a cláusula de Poison Pill produz seus efeitos? Sua
dinâmica de funcionamento pode ser resumida da seguinte maneira:
Se disparada, a Poison Pill tem por objetivo fazer que o hostile takeover fique
extremamente caro e desinteressante. Dessa maneira, o acionista ou terceiro
adquirente que detiver sob seu domínio uma quantidade ‘x’ de ações (15% a 30%)
deverá, no prazo determinado pelo estatuto, realizar ou solicitar registro de oferta
pública de ações para aquisição das demais ações de emissão da companhia pelo
preço determinado por uma fórmula,19 sob pena da suspensão dos seus direitos de
acionista, nos termos do artigo 120 da LSA.
18
A OPA admite as seguintes modalidades: (i) para cancelamento de registro de companhia aberta,
por força do § 4º do art. 4º da LSA e do § 6º do art. 21 da Lei 6.385/76; (ii) em razão do aumento de
participação do acionista controlador no capital social de companhia aberta, nos termos do § 6º do
art. 4º da LSA; (iii) no caso de alienação de controle, como condição de eficácia de negócio jurídico
de alienação de controle de companhia aberta, como determina o art. 254-A da LSA; (iv) para a
aquisição de ações de emissão de companhia aberta (chamada de OPA voluntária, por não se
submeter aos procedimentos previstos na ICVM 361/02); (v) para a aquisição de controle de
companhia aberta, nos termos do art. 257 da LSA, e (vi) OPA formulada por um terceiro, que não o
ofertante ou pessoa a ele vinculada, e que tenha por objeto ações abrangidas por OPA já
apresentada para registro perante a CVM, ou por OPA não sujeita a registro que esteja em curso,
chamada de OPA concorrente.
19
Como exemplo, de acordo com o artigo 41 do estatuto social das Lojas Renner S.A. disponível no
sítio da CVM, a fórmula adotada consiste no seguinte: maior valor entre (i) o valor econômico; (ii)
120% do preço de emissão das ações em qualquer distribuição pública dos 24 meses anteriores
atualizado pelo IPCA; e (iii) 120% da cotação média das ações nos 90 dias anteriores.
35
Nesse contexto, observando os estatutos de companhias de capital aberto
que negociam ações na Bovespa, podem-se destacar alguns exemplos de cláusula
de Poison Pill, tais como a da Natura Cosméticos S.A. Vejamos.
Conforme o artigo 33 de seu estatuto, qualquer acionista – ou pessoa que
venha a ser tornar acionista – que adquira a quantidade de no mínimo 15% de ações
de emissão da companhia dispara a Poison Pill. Sendo assim, no prazo de 60 dias a
contar da data de aquisição, o acionista adquirente deverá realizar ou solicitar pedido
de registro de oferta pública indistintamente por todas as ações da companhia.
A Poison Pill torna desinteressante a aquisição da participação acionária
relevante, pois impõe um preço substancialmente alto para a oferta pública. A
Cosméticos Natura S.A. optou pelo seguinte: “preço da OPA = valor da ação +
prêmio”.20 Discutir a forma de cálculo seria extrapolar o escopo deste trabalho.
Sendo assim, basta perceber que o preço da OPA será alto.
De forma a garantir a eficácia do dispositivo, no caso de descumprimento da
obrigação de realizar oferta pública pelo acionista adquirente, o conselho de
administração da companhia deverá convocar assembléia geral extraordinária (na
qual o acionista adquirente obviamente não poderá votar), para deliberar sobre a
suspensão do exercício dos seus direitos, conforme disposto no Artigo 120 da LSA.
Curioso notar que acionistas que adquiram a porcentagem de 15% das ações
através de aquisição de direitos tais como o usufruto e o fideicomisso também
deverão realizar a oferta. Porém, aqueles que passarem a deter a quantidade mínima
para disparar a Poison Pill no caso da incorporação de uma outra sociedade pela
companhia, da incorporação de ações de uma outra sociedade pela Companhia ou
da subscrição de ações da companhia, realizada em uma única emissão primária,
não estarão obrigados a realizar a oferta.21
20
Segundo o § 2º do artigo 33 do estatuto, corresponde “ao maior valor entre: (i) quotação unitária
mais alta atingida pelas ações de emissão da companhia durante o período de 12 (doze) meses
anterior à realização da OPA em qualquer bolsa de valores na qual as ações da companhia forem
transacionadas, (ii) o preço unitário mais alto pago pelo acionista adquirente, a qualquer tempo,
para uma ação ou lote de ações de emissão da companhia; e (iii) o valor equivalente a 12 (doze)
vezes o EBITDA Consolidado Médio da Companhia, deduzido do endividamento consolidado
líquido da companhia, dividido pelo número total de ações de emissão da companhia”.
21
Assim como o estatuto da Cosméticos Natura S.A., outros como Perdigão S.A., Totvs S.A., Datasul
S.A., Klabin Segall S.A., Profarma Distribuidora de Produtos Farmacêuticos S.A., Brasil Ecodiesel
Indústria e Comércio de Biocombustíveis e Óleos Vegetais S.A., Odontoprev S.A., Positivo
Informática S.A., São Martinho S.A., Tecnisa S.A., LPS Brasil Consultoria de Imóveis S.A., São
Carlos Empreendimentos e Participações S.A., M. Dias Branco S.A., Medial Saúde S.A., Embraer –
36
Além da Poison Pill da Natura Cosméticos S.A., a adotada pelas Lojas Renner
S.A. tem algumas peculiaridades que merecem ser destacadas.
O § 11 do artigo 44 do estatuto dessa companhia nos afirma que a alteração
do estatuto que limite o direito dos acionistas à realização da OPA ou a exclusão da
cláusula que prevê a Poison Pill obrigará o acionista (ou futuro acionista) que tiver
votado a favor de tal alteração ou exclusão em assembléia geral, a realizar a oferta
pública de aquisição.
Vale dizer que as cláusulas de Poison Pill são previsões estatutárias, podendo
ser alteradas mediante deliberação em assembléia. Entretanto, verificou-se no
estatuto das Lojas Renner S.A., acessoriamente, o dispositivo de que os acionistas
que votarem no sentido de modificar o estatuto para limitar ou suprimir a
obrigatoriedade da ocorrência de oferta pública deverão, eles mesmos, realizá-la.22
Nesse contexto, pergunta-se: por quais motivos uma companhia instala
mecanismos defensivos do controle? Algumas hipóteses podem ser levantadas para
tentar responder a essa questão: (i) a administração da companhia pode estar
agindo em interesse próprio, com receio de perderem seus cargos, mesmo que a
oferta pelas ações seja vantajosa para os demais acionistas (Gilson, 2004, p.8); (ii) a
administração, como agente de barganha dos acionistas, busca negociar o melhor
preço de oferta (ibidem) ou (iii) adiar o momento de aquisição do controle da
companhia por julgar não ser melhor cenário para tanto (ibidem).
Com a adoção de uma previsão defensiva no estatuto de uma companhia que
atue em um ambiente de controle com menos de 50% (cinqüenta por cento) das
ações votantes,23 objetiva-se preservar a independência societária da companhia sob
a ótica de quem detém o poder de controle. O escopo de se defender amplia-se na
medida em que o acionista controlador tem o interesse em permanecer na direção do
Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A., Lupatech S.A., Obrascon Huarte Lain S.A. e Santos Brasil
Tecon S.A. possuem cláusulas de Poison Pill semelhantes.
22
Seguem essa estrutura também os estatutos da Perdigão S.A., Totvs S.A., Datasul S.A., Klabin
Segall S.A., Profarma Distribuidora de Produtos Farmacêuticos S.A., Brasil Ecodiesel Indústria e
Comércio de Biocombustíveis e Óleos Vegetais S.A., Odontoprev S.A., Positivo Informática S.A. e
Rodobens Negócios Imobiliários S.A.
23
O regulamento do Novo Mercado da Bovespa, no qual circulam apenas ações ordinárias com pleno
gozo dos seus direitos políticos, optou por defini-lo como ‘controle difuso’, in verbis: “Controle
Difuso” significa o Poder de Controle exercido por acionista detentor de menos de 50% (cinqüenta
por cento) do capital social, assim como por grupo de acionistas que não seja signatário de acordo
de votos e que não esteja sob controle comum e nem atue representando um interesse comum.
37
interesse social e no controle dos órgãos societários, tornando a companhia menos
atrativa financeiramente perante os olhos de um potencial adquirente não desejado.
Além disso, nota-se que a possibilidade de ofertas em melhores condições
serem apresentadas cresce, aumentando a disputa pela companhia-alvo e tornando
sedutora a possível ‘ingestão’ da Poison Pill ou até mesmo a utilização de algum
mecanismo que a torne inócua.24
Faz-se necessário destacar, entretanto, que a Poison Pill brasileira objeto
deste estudo não consiste na obrigação de se realizar oferta pública de ações por
força do artigo 254-A da LSA, como em princípio se poderia imaginar. Esse instituto
jurídico é um mecanismo de proteção aos interesses dos demais acionistas
proprietários de ações com direito a voto da companhia. Por sua vez, traz a previsão
do direito de tag along – ou saída conjunta – da companhia dos acionistas
minoritários, caso as seguintes características, de acordo com a opinião de Modesto
Carvalhosa, se revelem:
que da operação, em seu conjunto, e de uma só vez ou por etapas, resulte na presença de
um novo acionista controlador ou de um grupo de controle (art. 118) e que a transferência do
controle, não importa a sua modalidade, apresente um caráter oneroso, ou seja, que em
algum momento o antigo controlador ou participante do bloco de controle receba alguma
forma de remuneração, inclusive por permuta, pela transferência de suas ações ou valores
mobiliários conversíveis em ações. (Carvalhosa, 2003, p.166)
A Poison Pill, entretanto, tem a sua eficácia e faz-se cumprir por derivar
diretamente de disposição constante do estatuto da companhia, sendo de
observância obrigatória, sob pena da suspensão dos direitos de acionista, nos
termos do artigo 120 da LSA. É importante lembrar que no caso da obrigatoriedade
de realização de oferta pública de ações em razão da Poison Pill, não se exclui a
obrigação legal de conceder o direito de retirada aos acionistas proprietários de
ações com direito a voto se houver alienação de controle na companhia,
devidamente preenchidos os requisitos aqui apresentados.
24
Como exemplo, de acordo com o artigo 41 do estatuto social das Lojas Renner S.A. disponível no
sítio da CVM, a fórmula adotada consiste no seguinte: maior valor entre (i) o valor econômico; (ii)
120% do preço de emissão das ações em qualquer distribuição pública dos 24 meses anteriores
atualizado pelo IPCA; e (iii) 120% da cotação média das ações nos 90 dias anteriores.
38
4.3
Poison Pills, takeovers e a experiência internacional
Na ausência das aquisições hostis, o clamor pela adoção das Poison Pills e
das demais táticas defensivas ainda não se faz sentir pelo mercado e pelo direito,
embora as companhias abertas que têm no mercado de valores mobiliários parcela
significante de seu capital social disperso já estejam se preparando; e não devemos
nos esquecer de que o sistema jurídico que normatiza o direito societário e o
mercado de capitais, embora muito bem estruturado, enfrentará uma verdadeira
batalha para lidar com o ambiente de práticas de corporate raiding
25
– que são
agressivas, rápidas, eficientes e mutantes – e testar o impacto das cláusulas de
Poison Pill. Sem embargo, é importante notar que o sistema jurídico não deve
simplesmente buscar acompanhar as tendências dos corporate raiders e moldar-se a
elas, sob pena de criar-se uma enorme concentração de poder nas mãos de quem as
lidera. A atuação do poder legislativo e da competência regulamentar da CVM deve
se orientar no sentido de manter rígido o sistema, buscando que a segurança jurídica
seja o objetivo a ser perseguido para que um mercado de aquisições possa se
desenvolver com liberdade.
A temporada dos hostile takeovers nos Estados Unidos desenvolvida na
década de 1980 recebeu tratamento legislativo antes mesmo de começar a ocorrer
em ritmo industrial, atraindo o interesse regulatório do Estado em disciplinar matérias
que envolvessem o funcionamento do mercado de valores mobiliários. Nesse
contexto o senador Harris Williams notou a recorrência no mercado dessa operação
societária e reconheceu a necessidade de sua regulação (Baldwin, Bagley & Quinn,
2004, p.5). Segundo o senador, seria indispensável a proteção do interesse dos
acionistas da companhia alvo de aquisição hostil. Assim, com o escopo de
normatizar a atividade das aquisições hostis, editou-se o Williams Act em 1968, o
qual se tornou lei federal e alterou o Securities Exchange Act de 1934. O conjunto de
emendas trazidas pelo Williams Act teve por objetivo essencialmente: (i) regular a
prática das aquisições hostis, criando um ambiente seguro para sua ocorrência
25
A definição juridica nos Estados Unidos de corporate raider é:”A person or business that attempts to
take control of a corporation, against its wishes, by buying its stock and replacing its management”
(cf. Blacks Law Dictionary, p.365).
39
(chamado de playable field); (ii) definir procedimentos e regras de divulgação de
informações; e (iii) principalmente aumentar a confiança do mercado de valores
mobiliários, colocando investidores em pé de igualdade com os ofertantes da
aquisição (ibidem, p.5).
Situação não tão diferente observa-se também no Reino Unido, com a criação
corporativa do instrumento de auto-regulação chamado City Code on Takeovers and
Mergers, o qual consiste no diploma que define os princípios a serem observados no
curso de aquisições hostis.26
Muito embora a regulação econômica tenha sido efetiva, nos Estados Unidos,
o papel de grande fiel da balança cabe ao poder judiciário, tendo em vista a estrutura
jurídica da commom law. Nesse sentido, é interessante notar a decisão da Corte
Suprema de Delaware, nesse país, em relação à conduta da administração de uma
companhia alvo de aquisição hostil ao se utilizar de mecanismos defensivos, visando
obstar a transferência compulsória do controle societário. Na oportunidade,
sedimentou-se o seguinte entendimento:
If a defensive measure is to come within the ambit of the business judgment rule, it
must be reasonable to the threat posed. This entails an analysis by the directors of the nature
of the takeover bid and its effect on the corporate enterprise. Examples of such concerns may
include: inadequacy of the price offered, nature and timing of the offer, questions of illegality,
the impact on ‘constituencies’ other than the shareholders (i.e., creditors, employees, and
perhaps even the community generally), the risk of nonconsumption, and the quality of
securities being offered in the exchange.27
Apesar de o conselho de administração nos Estados Unidos – chamado de
board of directors – ter características muito diferentes em relação ao direito
26
O objetivo do chamado ’Code’ vem definido em sua introdução, in verbis: “The Code is designed
principally to ensure that shareholders are treated fairly and are not denied an opportunity to decide
on the merits of a takeover and that shareholders of the same class are afforded equivalent
treatment by an offeror. The Code also provides an orderly framework within which takeovers are
conducted. In addition, it is designed to promote, in conjunction with other regulatory regimes, the
integrity of the financial markets”.
27
Esse texto foi extraído da decisão da Corte Suprema de Delaware “Unocal Corp. vs. Mesa
Petroleum Co., 493 A.2d 946 (Del. 1985)”.
40
societário brasileiro, é possível extrair conclusões convenientes da decisão citada.28
Assim, observa-se que a reação do poder judiciário diante do fenômeno
afirma a regra do business judgment rule, e, segundo Calixto Salomão Filho, o seu
descumprimento superaria a esfera de poderes concedidos pela companhia,
“caracterizando concreto descumprimento de dever de atuação em nome da
sociedade, previsto no art. 154 caput da Lei nº 6.404/76, e conseqüentemente induz
a responsabilidade nos termos do art. 158, II da mesma lei (Comparato & Salomão
Filho, 2005, p.251).
Deve-se ter em mente que a estrutura prática dos mecanismos de defesa,
chamados de shark repellents, na qual a Poison Pill consiste em apenas uma das
espécies, são diferentes nos sistemas jurídicos internacionais. No Brasil o que as
companhias elegeram como a atitude mais adequada ao objetivo de manutenção do
poder de controle e da dispersão acionária foi disparar a obrigação de realizar oferta
pública de ações, muito diferente do que ocorreu nos Estados Unidos, país pioneiro
no assunto.
Martin Lipton, advogado responsável pela concepção dessa arquitetura
jurídica, desenvolveu a Poison Pill como um plano de opção de ações, o qual poderia
ser exercido pelos acionistas caso o nível de segurança de propriedade de ações em
circulação fosse superado pelo potencial adquirente do controle. A peculiaridade do
instrumento se revelou na medida em que o board poderia adotar a técnica visando à
diluição do adquirente das ações, independentemente do consentimento dos demais
acionistas em assembléia, tornando economicamente não atrativa a aquisição do
controle.
A legalidade da Poison Pill, nos moldes iniciais em que foi criada, foi bastante
discutida
nas
Cortes
Norte-Americanas,
permanecendo
incertas
as
suas
conseqüências até meados dos anos 80 (Subramanian, 2001, p.2).
Interesses contrapostos se enfrentaram. De um lado, os pró-administração
argumentando que a adoção da Poison Pill representava o exercício legítimo do
business judgment rule pelo conselho de administração e, de outro, os pró-acionistas
28
O board norte-americano é um órgão societário dotado de amplos poderes de deliberação e
condução das atividades da companhia, podendo até mesmo promover alterações no seu estatuto
e adotar Poison Pills e outros mecanismos defensivos da noite para o dia (ao contrário do Brasil,
onde à assembléia geral compete essa função).
41
em busca da defesa do direito legítimo de serem alvo de oferta pública por suas
ações (ibidem, p.2). No julgamento do leading-case, Moran versus Household, a
Corte Suprema do Estado de Delaware, em decisão polêmica e sob forte pressão
política, decidiu pela legalidade da Poison Pill, tendo em vista que a conduta do
board encaixava-se nos moldes da business judgment rule,29 assim como era
proporcional à ‘ameaça’ apresentada pela ofertante (ibidem, p.9).
Após a decisão permissiva da Corte de Delaware sobre a licitude desse
mecanismo, a Poison Pill proliferou rapidamente entre as corporations norteamericanas e tornou-se um instrumento chave contra as aquisições hostis (ibidem).
Subramanian apresenta em seu artigo um estudo realizado pelo escritório Wachtell,
Lipton, Rosen & Katz, em 1997, no qual apurou-se que mais de 2.500 companhias
norte-americanas tinham adotado as Poison Pills como medidas de prevenção contra
a tomada de controle (ibidem).
Recentemente, como se verifica no gráfico aqui apresentado, a adoção de
Poison Pills num período de dez anos (1993-2003) reduziu-se significantemente nos
Estados Unidos:
Fonte: www.sharkrepellent.net.
29
Guhan Subramanian destaca em sua análise um trecho da decisão da Corte Suprema de Delaware
a respeito da business judgment rule, a saber: “presumption that in making a business decision the
directors of a corporation acted on na informed basis, in good faith and in the honest belief that the
action taken was in the best interests of the company” (2001, p.8).
42
O ativismo societário30 vem se mostrando como um cenário cada vez mais
freqüente no tocante às decisões da administração da companhia. O jurista francês
Georges Ripert já no ano de 1947 chamou a atenção dos estudiosos do direito para o
descaso dos acionistas no tocante à tomada de decisões e à discussão da ordem do
dia em assembléias gerais, e destacou, com veemência, o absenteísmo na
participação da gestão da companhia, como se observa in verbis:
Chamados uma vez por ano à assembléia geral, os acionistas não se conhecem, não
têm nenhuma consciência de seus interesses comuns. Alguns compraram os títulos na
véspera da assembléia e os revenderão no dia seguinte.
...
O acionista pouco se preocupa em vir à assembléia geral para ouvir a leitura de um
relatório do qual nada compreende e botar maquinalmente propostas resolvidas com
antecedência.
...
Se algum indiscreto tenta fazer perguntas, é um escândalo. (Ripert, 1947, p.108-9)
Considerando a posição de vanguarda exposta por Ripert, destacamos que,
em relação à adoção de mecanismos como a Poison Pill, cada vez mais se
demonstra que os acionistas desejam participar na votação sobre adotar ou não
Poison Pills, para, definitivamente, imprimir sua vontade como verdadeiros titulares
do poder político que as suas ações lhes conferem. É possível observar nos dados
levantados
pelo
sítio
Shark
Repellent,
especializado
em
acompanhar
o
desenvolvimento das aquisições hostis e dos reflexos das Poison Pills no mercado
norte-americano (Laide, 2007), a participação cada vez maior dos acionistas em
decisões que buscam adotar medidas de proteção como a Poison Pill:
30
Em artigo publicado em 2006, o advogado Jorge Lobo contribuiu para o desenvolvimento da
moderna governança corporativa ao tratar do princípio do ativismo societário, do qual destacamos
este excerto: “pequenos e grandes investidores, reunidos em associações ou individualmente,
estão sendo também estimulados a defender os seus direitos e interesses e a cobrar dos
administradores das anônimas melhores resultados, inclusive sob o aspecto da responsabilidade
social da empresa moderna, pelos novos métodos de participação nas assembléias, como o
mecanismo de voto à distância, por carta ou por meios eletrônicos, e pela prática de oposições
esclarecidas, através de protestos, impugnações e votos divergentes” (LOBO, 2006).
43
Fonte: www.sharkrepellent.net.
Pode-se observar um grande exemplo da participação ostensiva dos
acionistas na sociedade em um episódio inusitado. Em junho de 2006, o professor
de Harvard Lucian Bebchuk levou ao Tribunal do Estado de Delaware, nos Estados
Unidos, uma discussão aparentemente interna corporis de uma grande companhia
aberta. O caso, em resumo, tratou-se da tentativa do conselho de administração da
C.A. Inc. em excluir da votação uma proposta de reforma do estatuto, feita por um
acionista, envolvendo regras de utilização da cláusula de Poison Pill.31 Segundo o
novo estatuto, elaborado pelo próprio professor Bebchuk, o conselho de
administração sofreria restrições em sua competência discricionária de adotar
Poison Pills. Estabeleciam-se regras de procedimento, tais como votação dos
conselheiros sob unanimidade e a sua revisão periódica. O resultado da disputa foi o
vencimento da demanda por Bebchuk.32
31
Conferir o julgado do Tribunal do Estado de Delaware: Lucian A. Bebchuk v. CA, INC, C.A. No.
2145-N (Delaware, 2006).
32
Destacamos, in verbis, o comentário proferido por Bebchuk a respeito de sua vitória: "I am pleased
that the Chancery Court's decision in my case compelled CA to place my proposed bylaw on the
corporate ballot … I am glad that CA's shareholders will get the opportunity to vote on the proposal
and that shareholders in other companies will be able to place such proposals on the ballot”
(www.law.harvard.edu/news/2006/07/05_bebchuk.php).
44
Esse sem dúvida é um cenário que deve ser perseguido pelos acionistas das
grandes companhias brasileiras, à medida que a concentração acionária se liquefaz.
4.4
A perspectiva da Poison Pill no Brasil
A história sempre cumpre com excelência o papel de ensinar com seus erros
e acertos. Devemos observar e analisar profundamente o cenário desenvolvido nos
anos 80, em destaque nos Estados Unidos. Como resposta à onda frenética de
aquisições no mercado de valores mobiliários, lideradas pelos bancos de
investimento e advogados, apelidados de corporate raiders, ocorreu a adoção em
larga escala dos mais diferentes mecanismos de manutenção do controle – dentro
dos quais encontramos variadas modalidades de Poison Pills e formas de impedir a
tomada hostil do poder de controle –,33 assim como meios para manter as ações em
circulação.
Nos Estados Unidos, como foi visto, a Poison Pill pode ser adotada em
questão de horas, sem necessidade de sua aprovação pelos acionistas
(Subramanian, 2003, p.4). Mesmo que esse cenário não seja possível no Brasil –
tendo em vista que é de competência da assembléia geral alterar ou modificar o
estatuto social com maioria absoluta dos votos –, a experiência norte-americana
com a Poison Pill oferece algumas linhas mestras para a empreitada que significa a
sua colocação no mercado (Gilson, 2004, p.21).
Até hoje no Brasil nenhum potencial adquirente ‘engoliu’ uma Poison Pill na
tentativa de consumar a oferta não solicitada da compra do bloco de controle e teve
de lidar com os seus efeitos. Tudo ainda é muito elementar, sendo necessário
quantificar através de uma análise numérica o impacto da adoção estatutária dos
mecanismos de Poison Pill com relação à avaliação da companhia, dos padrões de
governança corporativa, preço das ações e outros elementos essencialmente
relevantes de análise macro e microeconômica.
33
Tratar de todas as formas de sharkrepellents e apurar a sua aplicabilidade perante a ordem jurídica
nacional seria necessária uma extensa pesquisa, mas como forma de exemplificar o vasto arsenal
que se desenvolve em ritmo industrial, destacamos algumas delas: Show stopper, White Knight,
White Squire, Golden Parachute, Golden Goodbye, Classified Board, Nancy Reagan, Macaroni
Defense, Chastity Bond, Pac Man, Lobster Trap, Jonestonw Pill e Dead-Hand Provision.
45
Questões jurídicas já saltam aos olhos dos estudiosos com relação à
incorporação da Poison Pill à nossa realidade. Dentre elas, podemos citar algumas:
(i) se é possível o exercício do direito de retirada de acionista insatisfeito com a
decisão de se adotar uma cláusula de barreira contra a diluição da participação
societária do acionista controlador; (ii) se estaria o acionista controlador agindo em
nome do interesse social da companhia ou em interesse próprio; (iii) se seria possível
falar em abuso do poder de controle, e (iv) se a cláusula é realmente um mecanismo
que age em benefício da manutenção do mercado de valores mobiliários
caracterizado pela dispersão das ações ou é um mero capricho em defesa do poder
de quem dirige as atividades da companhia.
Em sede administrativa, a CVM ainda não analisou em suas decisões a
aplicação prática das Poison Pills, restringindo a sua competência à apreciação no
tocante a temas como, por exemplo, a ocorrência ou não de alienação de controle e
o conseqüente registro de OPA, discussão sobre o cálculo dos valores das ações em
aquisições, pedidos de dispensa de apresentação de laudos de avaliação e reclames
de acionistas minoritários exigindo a realização de oferta pública. Tampouco os
Tribunais brasileiros puderam apurar questões complexas como a da Poison Pill em
seus acórdãos, forçando-nos a um cenário jurisprudencial de fato inexistente.
No contexto brasileiro, há de se questionar a respeito da visão positiva ou
negativa desse mecanismo. Como já dissemos, chegou-se ao ponto – em realidade
internacional obviamente diversa, mas de natureza contextual semelhante – de
assemelhar a Poison Pill a um instrumento de força. Em nossa realidade, diversos
vieses podem ser observados. Em primeira mão, leva-se a crer que a nossa Poison
Pill ‘tropicalizada’
34
pode ser encarada como um artifício maquinado para manter o
acionista controlador em posição de segurança e fazer permanecer o estado de
concentração de ações. Porém, como notamos, a realidade vem se modificando no
sentido de cada vez mais reduzir a concentração de ações em poder de um ou
alguns acionistas, dando vazão à dispersão acionária.
Nesse contexto de capital pulverizado e disperso em alto grau no mercado,
podemos realmente acreditar que a Poison Pill está sendo adotada como forma de
garantir a sobrevivência desse ambiente de dispersão, jogando a favor dos demais
34
Termo utilizado na reportagem “Veneno para Comprador”, de Luciana Del Caro Lachini, publicada
na revista Capital Aberto em maio de 2005.
46
acionistas. Vale dizer: constando no estatuto social, essa cláusula permite que
qualquer oferta de aquisição de controle da companhia seja feita em pé de igualdade
com todos os acionistas, sem prejuízo do eventual direito de tag along a que farão
jus. Em outras palavras, contando com uma Poison Pill, permite-se que o potencial
adquirente em vez de disparar um ataque e iniciar a compra de papéis na bolsa – a
chamada escalada societária pelo controle – ou negociar per capita com o
acionariado, faça uma proposta direta e formal ao bloco de controle e à
administração pelo poder de direção da companhia.
Esses acionistas que formam o bloco de controle, por sua vez, respeitando o
dever de diligência, fazendo uso juridicamente correto do poder de controle que
ostentam, observando-se a regra do business judgment rule e consagrando o
interesse social da companhia, decidirão e oferecerão aos demais acionistas a
melhor alternativa.
Gian Antonio Brioschi, ao elaborar a parte introdutória à versão italiana da
obra de Berle Jr. e Means, destacou que “l’interesse storico dell’opera di Berle e
Means si svolge su vari piani, dal político all’economico, al giuridicho” (in Berle Jr. &
Means, 2000, p.XI). A compreensão sobre o impacto da adoção de uma cláusula de
Poison Pill no estatuto social de uma companhia deve ser feita também sob essa
visão tripla, com a devida cautela.
Juridicamente, podemos apurar as conseqüências. No plano teórico, sua
adoção e o alcance de seus efeitos criam o vínculo obrigacional, isto é, sabemos
tratar-se de norma a ser respeitada pelos acionistas e futuros acionistas sob a tutela
das penalidades previstas pela LSA, mas também por impedir a tomada do poder de
controle e a diminuição da dispersão acionária. Sua observância – entenda-se a
realização de OPA – é imperativa para a aquisição de certa participação no capital
social, cabendo ao poder judiciário posicionar-se no tocante à sua interpretação
diante da eventual controvérsia no exercício de direitos.
Economicamente, a ousadia da Poison Pill se apresenta como uma
construção jurídica que incide diretamente sobre a avaliação da companhia, no preço
de suas ações, na sua capacidade de movimentar recursos financeiros e moldar a
ordem econômico-social aumentando o lucro ou proferindo golpes que gerem
imediatos prejuízos aos acionistas e à coletividade social.
No plano político, busca-se esperar respostas do Congresso Nacional e dos
47
órgãos competentes da administração direta e indireta do Poder Executivo com
respeito às inovações na ordem jurídica, através de leis ordinárias, complementares,
medidas provisórias ou regulamentos administrativos.
Não se deve olvidar a magnitude e a envergadura que o poder de controle e a
propagação de seus efeitos produzem sobre a realidade jurídica, econômica e
política, de tal sorte, como nos aponta Lamy Filho, que o “poder empresarial, sob
pena de ameaçar a sociedade dentro da qual vive e para a qual vive, deva ser
disciplinado e balizado pelo interesse público de que participa” (Lamy Filho, 2007,
p.153). Como a Poison Pill mantém estreita relação com o poder de controle,
limitando-o ou propagando-o, não deverá ser diferente o seu tratamento perante o
Direito.
Sabemos que o Brasil, guardadas as devidas proporções, habitualmente
busca no direito estrangeiro suas inspirações legislativas. É bastante pertinente
destacar o posicionamento do direito japonês com relação à adoção da Poison Pill,
tendo em vista que o cenário brasileiro não está muito distante.35
Nesse contexto, diferentemente dos Estados Unidos, o Japão optou por
positivar a Poison Pill em seu código comercial e desde logo prevenir que o livre
acontecimento das aquisições hostis exerça um importante papel de equilíbrio
(Gilson, 2004, p.8). Adotou-se, assim, preventivamente uma cláusula defensiva para
que de pronto o controle não fosse ameaçado, impedindo a industrialização de
operações ostensivas como os takeovers.
No Brasil, apesar de cada vez mais companhias pulverizarem seu capital,
ainda se guardam traços da personalidade latifundiária e alguns controladores
temem perder o domínio sobre sua sociedade. Nesse sentido, o que se está fazendo
atualmente é prevenir, assim como no Japão, mas no âmbito interno da companhia
e não mediante normas positivadas.
Pois bem, adotamos uma postura claramente preventiva, assim como os
japoneses. Note-se, assim como a dos japoneses, portanto, diametralmente oposta
à dos norte-americanos, que a implementaram de forma repressiva às práticas de
35
O sistema jurídico de normas no Japão caracteriza-se pela constante busca do desenvolvimento no
país no plano econômico através da adoção de formas jurídicas ocidentais – as quais, no entanto,
surpreendentemente, coexistem com a vontade de conservar os costumes tradicionais (cf. DAVID,
2002, p.616).
48
aquisições hostis. Estaremos impedindo que ocorra o movimento natural de um
mercado a poucos metros do salto para o desenvolvimento da democratização das
ações votantes, do verdadeiro ativismo societário e da disputa legítima pelo poder?
Não obstante o posicionamento atual das companhias no tocante à previsão
estatutária da Poison Pill, o posicionamento da recém-empossada presidente da
CVM, Maria Helena Santana, nos mostra a possível tendência para a qual
caminhará a Poison Pill. Com efeito, segundo a presidente, tendo em vista que
diversas companhias se enquadram na categoria das que possuem capital disperso
e que existe proteção aos acionistas minoritários, igualdade de condições e simetria
de informações no mercado de capitais, o destino da Poison Pill seria constar como
mais um artigo da LSA (Valor Econômico, 2007). A presidente nos indicou que como
lei, a obrigação de oferta pública para quem adquirir certa porcentagem de ações
diminuiria a aparente polêmica que os novos estatutos estão criando no sentido de
inviabilizar negociações do poder de controle, compra e venda de sociedades
anônimas.
A cláusula de Poison Pill será de fato um impasse para a negociação das
ações que concedem ao seu titular a possibilidade de ser acionista controlador?
Sem dúvida a operação ficará mais cara, mas o poder de barganha dos acionistas
pela disputa por um preço melhor aumenta, se obviamente houver a intenção de
alienar a participação relevante. Não é mais atraente também a escalada societária,
um verdadeiro trabalho de coleta minuciosa de ações em busca de uma posição
relevante, tendo a companhia uma Poison Pill em seu estatuto social.
O pesquisador e professor da Harvard Law School, Guhan Subramanian, um
dos autores que mais escreveu sobre o assunto nos Estados Unidos, no preâmbulo
de apresentação de excelente trabalho por ele desenvolvido afirma que a adoção de
mecanismos de defesa do controle e de manutenção da dispersão acionária são
benéficos (Subramanian, 2003, p.4). Trazem, outrossim, retorno positivo para os
acionistas que pertencem à companhia alvo. Isso se justifica em face do poder de
barganha que o acionista passa a deter perante o ofertante sem espaço para
negociação, como podemos observar:
Among the arguments that have been put forward to support the view that takeover
defenses increase shareholder returns when a company becomes a takeover target, the
“bargaining power hypothesis” is the most commonly cited argument today. Under this theory,
49
takeover defenses allow the target to extract more in a negotiated acquisition because the
bidder’s no-deal alternative, to make a hostile bid, is worsened. (ibidem, p.4)
Além de funcionar como mecanismo de defesa do controle – que para muitos
tem caráter negativo –, há também outros aspectos da Poison Pill, os quais
assumem uma feição que podemos até denominar positiva.
Nesse sentindo, não poderíamos deixar de observar o tema diante do
interesse social da companhia. Segundo Mauro Penteado, “o interesse da sociedade
não se reduz, portanto, aos interesses particulares dos sócios, nem aos interesses
do acionista controlador ou da maioria assemblear, correspondendo, antes disso, ao
interesse comum de todos eles” (Penteado, 1988, p.255). Arnoldo Wald ainda afirma
que o direito de voto deve ser exercido “sempre em benefício do interesse do
desenvolvimento da companhia, que, em nosso direito, exerce uma função social e
tem interesses próprios distintos dos de seus vários acionistas, controladores ou não”
(Wald, 2000, p.224). Não poderíamos concordar mais com a opinião dos autores
citados, embora o tema seja extremamente controverso e com diversas opiniões em
contrário.36
Diante do conceito de interesse social da companhia, sabemos que o
acionista, ao votar, deve sempre persegui-lo, conforme determina o Art. 115 da
LSA.37 Além disso, não só a LSA determina que os acionistas exerçam o seu direito
de voto em consonância com o interesse social da companhia, como também vincula
a obrigação de os administradores exercerem as suas atribuições dentro da esfera
de possibilidades delimitada pelo interesse social.38
36
Tais como a do professor Fábio Ulhoa Coelho, a qual transcrevemos ipsis litteris: “As dificuldades
na operacionalização do conceito de interesse social, a rigor, refletem uma contradição dialética,
presente em qualquer combinação de esforços voltados à exploração de atividade empresarial.
Explico-me. Em primeiro lugar, é preciso recuperar que somente homens e mulheres têm interesse.
Os demais seres com vontade que habitam o planeta não são capazes de racionalizá-la como os
humanos; e interesse é a vontade racionalizada. As sociedades empresárias e a pessoas jurídicas
em geral são, como já se assentou, meros conceitos. Idéias articuladas, que uma parcela dos
homens e mulheres – a comunidade jurídica – desenvolve, com o objetivo de estabelecer a
distribuição dos bens entre as pessoas (naturais). Nesse sentido, falar em interesse social é uma
metáfora. O que existe é o interesse dos sócios humanos, e nada mais” (COELHO, 2002, p.356).
37
“Art. 115 O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á
abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter,
para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo
para a companhia ou para outros acionistas”.
38
“Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para
lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função
50
Este parêntese serve como fundamento para entender que ter uma Poison Pill
no estatuto não pode ser um mero capricho daquele que a controla. Obviamente
essa cláusula serve como mecanismo preventivo de surpresas, mas deve ser
utilizada sob a tutela da diligência e em benefício da companhia como estrutura
orgânica. Seria perfeitamente aceitável aplicar no Brasil o raciocínio da business
judgement rule trazida pela Corte Suprema de Delaware, nos Estados Unidos, ao
decidir sobre sua legalidade.
A disputa pelo controle societário e as mutações do mercado de capitais são
intensas e muito dinâmicas, obrigando o direito a praticamente disparar em corrida
atrás dos atos e fatos a que deseja dar tratamento jurídico. Não seria uma surpresa
se em alguns meses após a conclusão deste trabalho novas formas de Poison Pill já
estivessem sob as letras dos estatutos sociais. Como exemplo, cita-se a emissão de
bônus de subscrição para recompor a posição acionária, caso se verifiquem
episódios de concentração de ações, condicionando seu vencimento ao evento de
algum acionista – ou acionistas – alcançar participação igual ou superior a certa
porcentagem do capital social.
Este panorama deve servir de parâmetro para o Brasil, guardando,
obviamente, as devidas adaptações, para que possamos definir com firmeza os
efeitos societários, políticos e econômicos das medidas aqui verificadas, e como o
poder regulatório do Estado, cristalizado pela atuação da CVM, e as inovações na
ordem jurídica servem ao propósito de pacificar, sistematizar e garantir a
transparência e a legalidade do mercado de valores mobiliários como zona segura de
aquisições.
social da empresa.”
51
5
Considerações finais
A sociedade por ações não é uma simples espécie de pessoa jurídica. Trata-
se, na verdade, do instrumento através do qual se formaliza a atividade da
macroempresa, a qual assume verdadeiros poderes e responsabilidades de direito
público (Lamy Filho & Pedreira, 1997, p.95). Confirmando essa posição, já afirmava
Fran Martins há longa data que “a tendência da sociedade anônima é servir de
instrumento da grande empresa”, tendo em vista a sua alta capacidade de reunir
capitais (Martins, 1988).
A sociedade anônima, ou melhor, o instrumento da grande empresa, tem até
mesmo tratamento constitucional. As grandes companhias, como grandes expoentes
de reunião de capital e palco de relações de poder, balizam-se pelos princípios da
ordem econômica e financeira, pelo princípio da função social da propriedade
(Constituição Federal, Art. 170 e seguintes) e pela função social da empresa (Art.
154 da LSA), além de outros muitos dispositivos dispersos pelo ordenamento
jurídico.
Nesse sentido, afastar-se do caráter multidimensional da companhia significa
ignorar a sua estreita simbiose com a economia, a quantidade de empregos gerados,
o nível de crescimento do país e as inúmeras relações jurídicas que dela se irradiam.
Significa falhar no entendimento de seu funcionamento.
Buscou-se deixar claro esse posicionamento em relação à sociedade por
ações em virtude da amplitude e complexidade da inserção da Poison Pill em nosso
cotidiano.
Interna e externamente a estrutura orgânica da companhia de capital aberto
serve aos anseios do grande capital e é palco da disputa pelo poder. Analisou-se,
portanto, de forma breve, no que consiste o poder de controle na sociedade por
ações, quais são as suas espécies, o porquê do incessante desejo pela sua
aquisição e as razões para mantê-lo seguro. Nessa trilha, notamos ser irrelevante
para a pesquisa o controle totalitário – por não apresentar risco algum de perda para
o controlador –, assim como a mutação, aliás, transposição do entendimento do
princípio majoritário em relação ao capital social como regra. Com efeito, apurou-se
que cada vez mais o controle minoritário e a grande quantidade de ações dispersas
52
no mercado estão assumindo a posição de destaque na estrutura de poder de
controle.
Ações individualmente consideradas são inexpressivas se levado em
consideração o grande potencial que elas têm se reunidas em conjunto. O poder de
controle, revelado no conjunto de ações com direito a voto, tem grande valor perante
a própria sociedade e o mercado. Nesse contexto, a LSA reservou ao poder de
controle um valor especial ao estabelecer em seu artigo 254-A o direito ao tag along
aos demais acionistas no caso de alienação do poder de controle. Com esta
afirmação, buscou-se identificar que o poder de controle não representa unicamente
o domínio sobre a condução da companhia, mas sim um bem da vida com valor
econômico, objeto de desejo dos próprios acionistas e terceiros.
Neste novo cenário, em que o controle já não mais se exerce com a maioria
das ações, deflagra-se a nova era das operações societárias de aquisição do
controle e de seu valor econômico, tais como o hostile takeover. O takeover, mitigada
a agressividade dada pela sua tradução para o português, trata-se na realidade na
tentativa de aquisição da quantidade precisa de ações que garantam a tomada do
controle. No fim da década de 1970, esse instrumento já ganhava notoriedade
internacional39 e era utilizado como alternativa às fusões e outras formas de
aquisição de companhias abertas nos Estados Unidos e no Reino Unido.
A análise dos takeovers teve grande importância para o estudo das Poison
Pills, uma vez que estas somente têm propósito de existir se houver o risco da
tomada do poder de controle e se a companhia estiver em condições vulneráveis.
Nesse contexto, é essencial haver grande quantidade de ações dispersas entre uma
vasta base de acionistas.
O mecanismo da Poison Pill é produto de uma importação jurídica, como
tradicionalmente se faz no Brasil. Criou-se a Poison Pill sob um modelo estrutural
bem diferente do contexto em que ela surgiu nos Estados Unidos. Tradicionalmente,
nasceu como instrumento com o objetivo imediato de coibir as tomadas hostis do
controle, as quais ocorriam em escala industrial no plano internacional. Além disso, a
Poison Pill, nos Estados Unidos, tendo em vista a ampla competência do conselho de
administração, consiste num instrumento de defesa extremamente dinâmico, veloz e
39
“É crescente a popularidade internacional da utilização da oferta pública como meio de aquisição
de controle societário de companhia aberta” (cf. GOYOS JR., 1978, p.453).
53
de rápida implantação.
Em nosso país, tropicalizamos a Poison Pill. Nós a transformamos em
cláusula estatutária com o objetivo imediato de proteger o poder de controle, antes
mesmo de ser ele ameaçado. Não nos esqueçamos, ademais, que a Poison Pill não
apenas funciona como um mecanismo de proteção direta ao poder de controle, mas
também, de forma mediata, como o fiel da balança para a manutenção da dispersão
acionária e do poder de controle minoritário.
A Poison Pill diante do nosso sistema jurídico não encontra precedente. Não
há manifestação do Poder Judiciário, tampouco da administração pública ou do
Pode Legislativo. Nos Estados Unidos, ao encontrar-se de frente com o Poder
Judiciário, julgou-se a pertinência da adoção desse mecanismo de defesa em função
da regra do business judgement rule e da pertinência em razão da tentativa de
tomada do controle. Como será analisada por nossos magistrados?
Diversas companhias abertas optaram por inserir a Poison Pill brasileira, ou
seja, a realização de oferta pública de ações a todos os acionistas, por preço acima
do praticado no mercado, no caso de aquisição de certa porcentagem de ações. Por
conseguinte, as grandes companhias brasileiras estão equipadas com um poderoso
instrumento que impacta diretamente a negociação do poder de controle e o modo
como este se manifesta no mercado de capitais.
Muito embora o mecanismo jurídico da Poison Pill brasileira tenha suas
especificidades próprias, observar a experiência vivida pelos Estados Unidos
replicada em outro sistema é extremamente interessante.40
Devemos, também, observar os passos do poder público no sentido da
possibilidade de tornar norma de ordem pública a Poison Pill – assim como foi fixado
em bases legislativas o direito ao tag along na alienação do poder de controle.
A Poison Pill deve ser vista sob o mesmo prisma multidimensional pelo qual é
encarada a grande sociedade por ações. Esse mecanismo estatutário serve como
instrumento eficiente de proteção ao poder de controle em condições de dispersão
40
Muito embora esteja analisando o regime jurídico japonês, vale o destaque da opinião de Ronald
Gilson a respeito dos efeitos produzidos pela Poison Pill: “From the perspective of an interested
academic viewing the Japanese corporate governance from a distance, it will be fascinating to watch
the Poison Pill experience replayed in another system. For those of us who have been critical of how
the Delaware courts have dealt with the Poison Pill, having a second data point will be extremely
interesting” (cf. GILSON, 2004, p.21).
54
do capital, mas não só. Ter uma Poison Pill inserida no estatuto força a manutenção
do exercício do poder de controle com menos da metade das ações, isto é, o poder
de controle minoritário.
Durante o confronto entre o interesse das companhias, das classes de
acionistas e do próprio mercado será possível apurar com autoridade se a Poison
Pill realmente é dosada de forma letal ou se traz benefícios de fato à companhia e
seus acionistas.
As variações da economia devem ser afinadas pelo direito, e suas
conseqüências dosadas de forma a trazer segurança jurídica, transparência e
formação de ambientes de negociação seguros.
Não nos esqueçamos: no decorrer do processo de desenvolvimento do
capitalismo, como afirmou Georges Ripert (1947, p.9), “ouça-se o depoimento de um
jurista”.
55
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