Mapeamento da produção científica sobre delinquência juvenil
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Mapeamento da produção científica sobre delinquência juvenil
Revisão Mapeamento da produção científica sobre delinquência juvenil Mapping of scientific works on juvenile delinquency Luiza Jane Eyre de Souza Vieira1, Augediva Maria Jucá Pordeus2, Juliana Guimarães e Silva3, Geisy Lanne Muniz Luna4, Deborah Pedrosa Moreira5, João do Rêgo Neto6, Luanna Kamilla Freire de Sousa6 Resumo Este artigo analisou a tendência da publicação acerca da violência delinquencial envolvendo adolescentes, a partir de uma consulta à Biblioteca Virtual de Saúde. Foi realizado um mapeamento nas bases de dados Ebsco, Medline, LILACS e SciELO, usando-se os descritores “delinquência juvenil”, “adolescente” e “violência” durante os meses de agosto a novembro de 2008. Para os artigos na íntegra o período considerado para análise foi de 1997 a 2007 e para os resumos, considerou-se o intervalo entre 2005 e 2007. Foram selecionadas 106 publicações: 83 resumos e 23 artigos. As variáveis analisadas foram: autor, ano, país de publicação, periódico, objeto, abordagem de estudo e conclusão. Entre as 106 publicações, predominou a abordagem quantitativa em 84,1% dos trabalhos; os Estados Unidos registraram 55,1% dessa produção e o Brasil, 17,7%. Em 59 publicações, o adolescente foi relatado como vítima e/ou autor da violência delinquencial. Concluiu-se que são incipientes as publicações indexadas acerca do tema no Brasil, considerando-se seu destaque na mídia e no senso comum. Sugere-se que os pesquisadores dessa temática submetam suas produções aos periódicos indexados nas bases de dados para que possam ser compartilhados entre a comunidade acadêmica. Palavras-chave: Delinquência juvenil, violência, adolescente Abstract This paper analyzed the trend of publications on criminal violence involving teenagers, based on reference to the Virtual Health Library. Ebsco, Medline, LILACS and SciELO databases were mapped according to “juvenile delinquency”, “teenager” and “violence indicators” in the period of August-November 2008. For full-text articles, the analysis period was 1997-2007, and for summaries, it was the time interval between 2005 and 2007. A total of 106 publications were selected, including 83 summaries and 23 articles. Analyzed variables included: author, year, publication country, publication media, subject matter, study approach and conclusion. Among all 106 publications, the quantitative approach predominated in 84.1% of works; The United States and Brazil accounted for 55.1 and 17.7% of these works, respectively. In 59 publications, teenagers were considered a victim and/or author of criminal violence. It is concluded that reference publications on this topic in Brazil are incipient, taking into account its emphasis in the media and common sense. It is then suggested that investigators of this topic submit their works to publications indexed in databases in order to share them among the academic community. Key words: Juvenile delinquency, violence, adolescent Doutora em Enfermagem pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professora Titular do Centro de Ciências da Saúde e do Mestrado em Saúde Coletiva da Universidade de Fortaleza (Unifor). Enfermeira do Instituto Dr. José Frota. Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Acidentes e Violência (Nepav). End.: Rua Tabelião Joaquim Coelho, 815 – Sapiranga – CEP: 60833-261 – Fortaleza (CE) – E-mail: [email protected] 2 Doutora em Enfermagem. Professora Adjunta do Centro de Ciências da Saúde da Unifor; Técnica do Núcleo de Epidemiologia da Secretaria de Saúde do Ceará. Membro efetivo do Nepav. 3 Doutoranda em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Bolsista do CNPq. Membro efetivo do Nepav. 4 Mestre em Saúde Coletiva. Professora do Centro de Ciências da Saúde da Unifor. Enfermeira da Estratégia Saúde da Família da Prefeitura Municipal de Fortaleza; Membro efetivo do Nepav. 5 Mestre em Saúde Coletiva pela Unifor. Bolsista de Extensão Tecnológica da Escola de Saúde Pública do Ceará. Membro efetivo do Nepav. 6 Enfermeiros do Centro de Ciências da Saúde da Unifor. 1 Cad. Saúde Colet., 2010, Rio de Janeiro, 18 (4): 477-82 477 Luiza Jane Eyre de Souza Vieira, Augediva Maria Jucá Pordeus, Juliana Guimarães e Silva, Geisy Lanne Muniz Luna, Deborah Pedrosa Moreira, João do Rêgo Neto, Luanna Kamilla Freire de Sousa Introdução A violência é definida como a utilização da força física ou do poder, verdadeiro ou em prenúncio, contra si, contra o outro, contra um conjunto de indivíduos de uma mesma classe, estado, que venha ou não a provocar danos físicos, psicológicos, óbito, insuficiência de progressão ou privação (Krug et al., 2002, Dahlberg e Krug, 2007). A manifestação da violência em suas diversas formas ocasionou impacto em diferentes setores da vida. No âmbito da saúde, resultou em elevação no número de injúrias sofridas pela população, gerando invalidez ou mesmo a morte, o que a configurou como problema de Saúde Pública (Brasil, 2005). Além disso, a violência afeta de diferentes formas crianças, adolescentes, mulheres e idosos, exigindo abordagens e medidas de enfrentamento de acordo com o ciclo de vida e vulnerabilidades (Brasil, 2005). Neste estudo, os autores optaram pelo grupo de adolescentes que são vulneráveis à violência, revelando-se ora como autor, ora como vítima desse fenômeno (Feijó e Assis, 2004). Nesse período da vida, os adolescentes envolvem-se com a violência delinquencial e, no Brasil, o tema começou a ser discutido entre os estudiosos e a mídia, em função da forma como é praticada e pelo crescente aumento do número de violências cometidas por jovens (Brasil, 2005; Minayo e Souza, 2003), ganhando maior visibilidade após a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Brasil, 1991). Observando-se o padrão de mortalidade nessa fase, verifica-se seu aumento à medida que o adolescente fica mais velho. Entre 10 e 14 anos, os níveis se mantêm relativamente estáveis, com taxas de mortalidade agregadas para o Brasil alterando de 18,7 por 100 mil habitantes em 1991 para 17,4 em 2000, num total de 33.260 mortes no período (Krug et al., 2002). São os adolescentes e jovens os que mais morrem por agressões e também são os mais apontados como autores de agressões no país e na América Latina. Há comportamentos e situações de risco relacionados à violência delinquencial, tais como participação constante em brigas, porte de armas, cultivo da masculinidade violenta, influência de álcool e outras drogas. Esses fatores atuam de forma sinérgica e aumentam a vulnerabilidade para a delinquência individual, relacional, comunitária e social (Krug et al., 2002). No Brasil, considerando-se a faixa etária de 15 a 19 anos, 117.775 jovens morreram por causas externas, com crescimento da mortalidade em 8,7% na década de 1990, passando de 69,2 para 75,2/100 mil habitantes. Acresce-se a isso o fato de as causas externas representarem a primeira causa de morte nesse grupo. Em 2000, foi responsável por 478 Cad. Saúde Colet., 2010, Rio de Janeiro, 18 (4): 477-82 3.016 óbitos, o que representou 47,9% do total na faixa etária de 10 a 14 anos e 13.485 (70%) entre 15 e 24 anos (Brasil, 2005). Entre 1996 e 2006, os homicídios na população de 15 a 24 anos passaram de 13.186 para 17.312, representando um aumento decenal de 31,3%. Esse crescimento foi bem superior ao experimentado pelos homicídios na população geral, em que o total de homicídios registrados pelo Sistema de Informação da Mortalidade (SIM) passou de 38.888 para 46.660, representando um incremento de 20% no total de óbitos (Waiselfisz, 2008). Em relação ao adolescente como autor da violência, dados do Ministério da Justiça de janeiro de 2004 demonstraram a existência de 39.578 adolescentes em situação de conflito com a lei, cumprindo medida no sistema socioeducativo brasileiro (Brasil, 2005). Ressalta-se que a violência onera o sistema de Saúde, seja pelo número de atendimentos ambulatoriais, seja por internações hospitalares. O custo médio em reais para pagamento das hospitalizações por causas externas é maior que o de causas naturais (Jorge e Koizumi, 2004). Dessa forma, o custo médio de tratamento de pessoas feridas, traumatizadas ou lesionadas por acidentes e violências foi de R$ 506,52, bem acima dos R$ 403,38, que correspondem ao custo médio das internações em geral (Assis et al., 2005). Esse cenário que mostra o envolvimento dos adolescentes com o crime, ora como vítimas, ora como autores, suscita reflexões sobre mecanismos de enfrentamento e de estratégias de promoção da saúde. É preciso que os órgãos governamentais, não governamentais e a sociedade civil repensem estratégias de inclusão social, visando minimizar as iniquidades que influenciam na perspectiva de vida desse grupo. Nessa linha de raciocínio, o artigo identifica e analisa a tendência dos trabalhos publicados acerca da violência delinquencial envolvendo adolescentes, a partir de uma consulta à Biblioteca Virtual de Saúde (Bireme), entre o período de 1997 a 2007. Metodologia Estudo de revisão de literatura que, conforme Sampaio e Mancini (2007) e Pereira et al. (2007), é um método particularmente útil para integrar as informações de um conjunto de estudos realizados separadamente sobre um determinado tema ou fenômeno, que podem apresentar resultados conflitantes e/ou coincidentes, bem como identificar temas que necessitam de evidência, auxiliando na orientação para pesquisas futuras. Mapeamento da produção científica sobre delinquência juvenil A busca dessas publicações foi efetuada nas bases de dados eletrônicas Ebsco, Medline, LILACS e SciELO, no período de agosto a novembro de 2007. Como descritores foram utilizados: “delinquência juvenil”, “adolescente” e “violência”. No ECA, os termos utilizados para definir o envolvimento de crianças e adolescentes com atos violentos são “infrator” ou “adolescente em conflito com a lei”. Porém, neste estudo o termo delinquência juvenil foi adotado em conformidade com a literatura internacional (Shoemaker, 2004; Hoeve et al., 2008; Stafström, 2007). Dessa busca resultaram 350 trabalhos distribuídos em 308 resumos e 32 trabalhos na íntegra. Entre os 308 resumos, 221 tinham enfoque em delinquência juvenil, em 40 os títulos não registravam o conteúdo do trabalho, em 22 as informações estavam incompletas inviabilizando a análise, 18 versavam sobre avaliação de programas, 4 eram sobre crianças e 3, sobre treinamento de pessoal. Dentre os 32 trabalhos na íntegra, foram encontrados 23 relacionados à delinquência juvenil, 7 sobre avaliação de programas e 2 sobre crianças. Esse material foi lido e analisado para identificar os que atendiam aos critérios do estudo: caracterizar-se como resumo ou trabalho na íntegra, ser publicado em inglês, português ou espanhol, estar indexado nas bases de dados citadas e discorrer sobre o objeto de estudo (violência delinquencial entre adolescentes). Para os artigos na íntegra, o período considerado para análise foi de 1997 a 2007 e para os resumos, o intervalo entre 2005 e 2007. Foram excluídos os resumos que discorriam sobre treinamento de pessoal, crianças, avaliação de programas, os que continham apenas título e os que não possuíam informações necessárias à análise. Para os artigos, foram excluídas as produções sobre avaliações de programas, trabalhos com enfoque em crianças, publicação com ano incompatível e os que continham apenas o resumo. Obedecendo aos critérios de inclusão, foram selecionadas 106 publicações: 83 resumos e 23 artigos. Estas foram analisadas segundo as variáveis autor, ano e país de publicação, periódico, objeto e abordagem do estudo e conclusão. Resultados Das 106 publicações analisadas, 83 resumos e 23 artigos, foram detectadas diferenças metodológicas entre elas; nessas publicações predominou a abordagem quantitativa, com 89 (84,1%) trabalhos e, em 17 (15,9%), os autores optaram pelo estudo qualitativo. Essa produção foi publicada em periódicos nacionais e internacionais, nos seguintes países: Estados Unidos − 59 (55,1%), Brasil − 19 (17,7%), Holanda − 10 (9,3%), Inglaterra − 7 (6,5%), Austrália − 3 (2,8%), Espanha − 3 (2,8%), Colômbia − 2 (1,9%), Alemanha − 2 (1,9%), Canadá − 1 (1,0%), Coreia do Sul − 1 (1,0%). Quanto aos 83 resumos, 75 (90,3%) utilizaram a abordagem quantitativa e 8 (9,7%), a qualitativa. Entre os países de publicação destacaram-se os Estados Unidos com 59 (70,2%), a Holanda com 9 (12,0%), a Inglaterra com 7 (8,3%), a Austrália com 3 (3,5%), a Alemanha com 2 (2,4%), a Espanha com 1 (1,2%), o Canadá com 1 (1,2%) e a Coreia do Sul com 1 (1,2%). Os resumos foram categorizados de acordo com seu objeto de estudo, nas temáticas: delinquência/violência juvenil − 20 (24,2%); comportamento do adolescente − 13 (15,7%); prevenção à violência − 8 (9,7%); influência da comunidade para o envolvimento com a violência − 6 (7,2%); abuso físico/ sexual − 6 (7,2%); a vitimização do adolescente − 5 (6,0%); uso de drogas/álcool − 5 (6,0%); uso de armas − 3 (3,6%); estudos experimentais − 3 (3,6%), maus-tratos − 3 (3,6%); perpetração da violência − 3 (3,6%); influência das relações interpessoais − 2 (2,4%); violência urbana − 2 (2,4%); violência familiar − 2 (2,4%); violência escolar − 1 (1,2%) e violência rural − 1 (1,2%). Em relação aos 23 artigos, 16 foram mencionados como pesquisas quantitativas e 7 como qualitativas. Os países de publicação foram: Brasil − 19 (82,6%), Espanha − 2 (8,7%) e Colômbia − 2 (8,7%). O adolescente em conflito com a lei foi abordado em 5 (21,8%) estudos. O aspecto comportamental foi referido em 4 (17,5%) trabalhos, a violência familiar em 3 (13,1%), prevenção à violência em 2 (8,7%), delinquência/ violência juvenil em 2 (8,7%), meninos de rua em 2 (8,7%), abuso físico/sexual em 1 (4,3%), estudos científicos sobre o tema em 1 (4,3%), violência urbana em 1 (4,3%), extrema violência dos atos praticados em 1 (4,3%) e fatores protetivos em 1 (4,3%). Em relação ao enfoque atribuído ao adolescente, este foi relatado como vítima e/ou autor da violência delinquencial em 59 publicações. Destas, 25 (42,3%) mencionaram o adolescente como vítima e 33 (56,0%) como autor. Em 1 estudo (1,7%), o adolescente foi tratado, ao mesmo tempo, como vítima e autor de atos violentos. Discussão A revisão das publicações acerca da violência delinquencial proporciona uma visão ampliada dessa problemática. Neste trabalho, foi identificada uma grande produção internacional relacionada à área, porém isso não se constituiu uma realidade no Brasil. A produção brasileira indexada nas bases de dados não corresponde à que Assis e Constantino (2005) Cad. Saúde Colet., 2010, Rio de Janeiro, 18 (4): 477-82 479 Luiza Jane Eyre de Souza Vieira, Augediva Maria Jucá Pordeus, Juliana Guimarães e Silva, Geisy Lanne Muniz Luna, Deborah Pedrosa Moreira, João do Rêgo Neto, Luanna Kamilla Freire de Sousa mencionaram sobre o acervo de textos e imagens dedicados ao cometimento de violência pelos jovens. Assis e Souza (1999) pontuam que as pesquisas nacionais e a compreensão acerca dos motivos que levam os jovens às práticas violentas estão em defasagem quando relacionadas ao ritmo de crescimento dos delitos cometidos. De acordo com a literatura identificada, a violência delinquencial é um importante problema de saúde pública no Brasil e no mundo, pois acarreta sérias consequências ao indivíduo e à sociedade. Tal violência vitima os adolescentes, destrói famílias, mina os sonhos e as perspectivas de vida e a possibilidade de exercitar, entre os adolescentes, a transformação social. Entre os vários assuntos abordados nas pesquisas identificadas, sobressaiu-se o comportamento delinquencial, a prevenção à violência e o abuso físico e/ou sexual. Pelo fato de que nem sempre são acompanhados de violência física aparente, os casos de abuso sexual são de difícil suspeita e complicada confirmação, sendo praticados, na sua maioria, por pessoas ligadas diretamente às vítimas. Sua real abrangência não é conhecida, visto que muitas delas não denunciam, somente conseguindo falar sobre o ocorrido na idade adulta (Pfeiffer e Salvagni, 2005). Indivíduos que sofreram abuso físico e/ou sexual frequentemente repetem o ciclo de vitimização, perpetrando esse ato. Estabelece-se um processo defensivo no qual a vítima igualase ao seu agressor e converte-se em molestadora, numa tentativa psíquica de sobreviver ao ato sofrido (Pfeiffer e Salvagni, 2005). Observou-se também que não apenas os jovens de classe desfavorecida são os responsáveis pelas condutas consideradas delitivas; tanto é que, cada vez mais, a mídia tem mostrado a participação de jovens de classe média e alta em atos violentos e delinquentes (Formiga e Gouveia, 2005). A crueldade direcionada às suas vítimas é equivalente à de jovens da periferia. Para eles, “apenas” roubar e furtar não satisfaz, e sim humilhar e dominar. O desejo de destruir e humilhar indica não somente a vontade de aniquilamento do corpo da vítima, mas também de rompimento das relações sociais. Eliminar o corpo do outro pode significar o desejo de constituição de um novo corpo social, isento dos atos tradicionais de mando e obediência (Spagnol, 2005). É crescente o número de artigos que tentam trabalhar teorias explicativas da violência, por meio de modelos como o ecológico da OMS (Krug et al., 2002; Dahlberg e Krug, 2007) e o de Shoemaker (2004). Com relação ao modelo ecológico, o primeiro nível procura identificar tanto os fatores biológicos como os da história pessoal que o indivíduo traz para o seu comportamento. O 480 Cad. Saúde Colet., 2010, Rio de Janeiro, 18 (4): 477-82 segundo explora como as relações sociais próximas aumentam o risco de vitimização ou agressão física. O terceiro nível examina os contextos comunitários nos quais estão inseridas as relações sociais, a exemplo da escola, do trabalho e dos bairros, procurando identificar características dos cenários associados ao fato de serem vítimas ou agressores (Dahlberg e Krug, 2007). Já o quarto nível examina os fatores mais significativos da sociedade que influenciam as taxas de violência. Portanto, a proposta ecológica enfatiza as múltiplas causas e a interação dos fatores de risco que operam no interior da família e no contexto social, cultural e econômico, mostrando que violência pode ser causada por diferentes fatores em etapas diversas da vida (Dahlberg e Krug, 2007). Shoemaker (2004) traça seu arcabouço teórico para explicar a origem da delinquência − levando em conta a ideia de fatores de risco − no qual se enquadram suas principais linhas teóricas. Esse modelo reúne três níveis de conceitualização: o nível estrutural, o individual e o sociopsicológico. O nível estrutural atribui a origem da delinquência a fatores sociais, associados a fatores situacionais e pessoais. Insere-se nesse nível a teoria da desorganização social existente nas estruturas e instituições sociais, com maior nitidez nas camadas populares. Essa teoria tenta explicar os delitos cometidos por grupos, organizados em gangues, atribuindo esse comportamento à ruptura dos controles sociais tradicionais que operam na comunidade e à incapacidade das organizações para resolver problemas da comunidade coletivamente (Shoemaker, 2004; Feijó e Assis, 2004). O nível individual trata das teorias que consideram mecanismos internos do indivíduo como os determinantes do comportamento infrator, tanto nos seus aspectos biológicos quanto nos psicológicos. Os teóricos que defendem os aspectos biológicos hereditários associam esses fatores ao desenvolvimento cognitivo e à aprendizagem, podendo predispor o indivíduo à infração, não sendo, porém, determinantes (Shoemaker, 2004; Feijó e Assis, 2004). O nível sociopsicológico refere-se à quebra de vínculos sociais do jovem − com a família, a escola, a igreja e demais instituições responsáveis pelo controle social do adolescente −, à auto estima e à influência de grupos de jovens sobre o comportamento do infrator. Nesse nível, maior destaque se dá para a família, pois seria ela a instituição capaz de exercer maior controle (estabelecimento de regras, horários, punições e recompensas) sobre o jovem. É nesse sentido que se dá a sua importância como fator de risco ou de proteção para a infração (Shoemaker, 2004; Feijó e Assis, 2004). Diante desses dois modelos explicativos, não se visualiza a violência como um fenômeno unicausal, pois esta é resultado de complexas dimensões que, associadas, determinam Mapeamento da produção científica sobre delinquência juvenil comportamentos e atos violentos. Acrescenta-se a essas dimensões o consumo de substâncias lícitas e ilícitas, a má influência do círculo de amizades, a inexistência de atividades de lazer, a baixa autoestima, a competição entre irmãos e a fragilidade dos princípios éticos que subsumem a construção da delinquência. Soma-se ainda a ausência de vínculo afetivo nas relações com os pais e entre os pares na escola, as condições adversas da comunidade, a falta de oportunidades de vida, a baixa escolaridade, os maus-tratos e abusos sofridos e a exposição à violência cotidiana, que também se configuram como fatores de risco para a formação de indivíduos infratores (Minayo e Souza, 2003; Shoemaker, 2004; Gallo e Williams, 2005; 2008). Algumas pesquisas sugerem que os níveis do amor-próprio têm um papel limitado na compreensão do comportamento violento (Boden et al., 2007). Segundo López, et al. (2006), adolescentes agressores possuem índices mais elevados de autoestima no âmbito social e emocional; os que são vítimas têm maiores índices no ambiente familiar e escolar; os agressores/ vítimas apresentam, em geral, os índices mais baixos nas quatro dimensões analisadas. Esses altos índices de autoestima por parte dos adolescentes delinquentes estão relacionados ao sentimento de poder, em que o fascínio pela delinquência é expresso no desejo de dominar, de impor ao outro sua vontade. Esse comportamento é visto pelos demais membros como uma atitude modelo a ser seguida pelo grupo (Spagnol, 2005). As relações familiares e as amizades, por sua vez, exercem papéis fundamentais no desenvolvimento. O adolescente é resultado do meio no qual viveu na infância e das relações interpessoais estabelecidas (Salzinger, et al. 2007). A grande preocupação ante esse cenário da violência delinquencial leva-nos a visualizar a prevenção como a melhor maneira de combatê-la. Os programas preventivos necessitam assistir às crianças, adolescentes e jovens, compactuando com a integralidade da atenção e promovendo a continuidade dessa assistência, tendo como foco os pilares da prevenção: primária, secundária e terciária. A prevenção primária consiste em estratégias com o intuito de prevenir a violência antes que ela aconteça, atuando sobre os fatores de risco e agentes da violência. A prevenção secundária enfoca a capacidade de diagnóstico e tratamento precoces, limitando as sequelas e a terciária tem seu foco no processo de reabilitação das vítimas (Assis e Constantino, 2005). Garantir os direitos fundamentais aos jovens desprovidos de fatores protetivos, bem como promover o fortalecimento de vínculos, autonomia e projeto de vida resulta na aquisição de importantes recursos para que esses adolescentes desenvolvam a resiliência (Costa e Assis, 2006). No Brasil, programas como Renda Mínima, Bolsa Trabalho e Bolsa Família têm mostrado importante função social, embora outros tipos de prevenção precisem estar associados para que atuem de forma mais direta sobre a violência praticada por jovens (Assis e Constantino, 2005). As estratégias preventivas da violência delinquencial no Brasil têm sido pouco priorizadas, ocorrendo uma premente necessidade de que estas se realizem e que sejam avaliadas. No que diz respeito aos variados programas existentes, é importante ampliar os enfoques e ter como especificidade o contexto econômico, social e cultural brasileiro (MesquitaNeto et al., 2004). Estudo realizado em área favelada no Rio de Janeiro discorre sobre a necessidade e a urgência do engajamento dos jovens em movimentos e redes que trabalhem com essa faixa etária. A atuação de projetos sociais isolados, localizados e focalizados em determinados temas, grupos e/ou localidades não pode resolver de forma efetiva as adversidades que acometem os jovens. Portanto, aponta-se para a necessidade da implantação e efetivação de políticas públicas, o que implica engajamento de todos, seja educadores, profissionais e população (Barbosa e Giffin, 2005). As causas que levam os adolescentes à delinquência e as formas de prevenção desta têm sido arduamente debatidas no contexto mundial. A falha das instituições sociais que deveriam apoiar e proteger os jovens e a ausência de redes de apoio ficou evidente na vida dos mesmos. As instituições brasileiras necessitam repensar seus papéis e sua participação na prevenção da infração. Ressalta-se a necessidade da realização de ações conjuntas que culminem com a implantação de programas e projetos inovadores, bem como a avaliação constante e a replicação daqueles projetos que têm se mostrado exitosos. Conclusão Após a identificação e análise dos trabalhos acerca da violência delinquencial, a pesquisa concluiu que há uma defasagem de estudos a respeito do tema no Brasil em relação a países como Estados Unidos e Holanda, onde se concentra maior volume de publicações. Essa lacuna influi na prevenção da violência delinquencial, para a qual é necessário um amplo conhecimento teórico e prático, capacidade de avaliação e reorganização dos programas existentes, íntima conexão entre profissionais e instituições (e destes com a sociedade), além da disponibilidade de investimento na capacidade de mudança dos seres humanos. Intervenções educativas fundamentadas em uma clara compreensão acerca da violência delinquencial podem conCad. Saúde Colet., 2010, Rio de Janeiro, 18 (4): 477-82 481 Luiza Jane Eyre de Souza Vieira, Augediva Maria Jucá Pordeus, Juliana Guimarães e Silva, Geisy Lanne Muniz Luna, Deborah Pedrosa Moreira, João do Rêgo Neto, Luanna Kamilla Freire de Sousa tribuir para sua redução e devem ser replicadas no âmbito individual, familiar e coletivo. Quanto à produção cientifica, os autores sugerem que os pesquisadores dessa temática submetam suas produções aos periódicos indexados nas bases de dados para que possam ser compartilhadas entre a comunidade acadêmica. Desse modo, é possível contribuir para a formação desta e oferecer maior oportunidade de conhecimento da temática, com a finalidade de promover ações preventivas e efetivas no combate à violência delinquencial. Referências Assis, S. G.; Constantino, P. Perspectivas de prevenção da infração juvenil masculina. Ciência & Saúde Coletiva, v.10, n. 1, p. 81-90, 2005. Assis, S. G.; Souza, E. R. 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