a travessia do deserto

Transcrição

a travessia do deserto
T U N Í S I A
A T RA V E S S I A
D O D E S E RTO
EIS A REPORTAGEM POSSÍVEL DE UMA TRAVESSIA DO DESERTO. EPISÓDIOS AVULSOS DE UMA VIAGEM PELO
SUL DA TUNÍSIA, RICO EM PEDRAS, DESFILADEIROS, MONTANHAS, VALES, PLANÍCIES, LAGOS SALGADOS E
OUTROS ALTARES DA NATUREZA. MAS, SOBRETUDO, RICO EM AREIA FINA E MACIA DO DESERTO DO SARA.
T E X T O
D E
T I A G O
B A LTA Z A R
|
F O T O G R A F I A S
D E
C O N S TA N T I N O
L E I T E
O GRITO DO SARA
O Sara canta como as sereias.
Enfeitiça com o seu sopro
nos ouvidos e arrepia com
os salpicos da areia a bater
na pele. O deserto mexe
com todos os sentidos.
E
stá escrito na areia. Há-de chegar o dia em que
um homem tem de fazer a sua própria travessia
do deserto. Seja ele o que for, tenha ele a profissão que tiver, ocupe ele a posição que ocupar,
fina, aveludada e macia. Tão macia que apetece andar descalço. Não será
o mais aconselhável, até porque o calçado não é uma questão a descurar
em areias povoadas de escorpiões, víboras e escaravelhos do tamanho de
caixas de fósforos. Mas sim, pode ir de chinelo de borracha no pé.
uma vez na vida terá que caminhar no deserto. Tão certo como um muçulmano ter que ir a Meca. Nesse dia, vai descobrir que o deserto é o melhor lugar da terra para meditar naquilo que anda por cá a fazer. E para
perceber qual é o seu lugar neste mundo. E também para concluir que,
afinal, não passa de um insignificante grão de areia.
Quando chegar o seu dia, viaje até ao Sul da Tunísia. Rico em areia,
pedras, canyons, cadeias de montanhas, vales, desertos, lagos salgados e todo o tipo de altares da natureza. Mas, fundamentalmente, rico em areia.
Areia dourada, amarela ou vermelha. Há dunas e dunas dela. Areia muito
Convém deixar claro que o Sul da Tunísia é a zona mais desértica
do país. Correspondente a uma pequena secção do Sara. O Sara (é assim
mesmo que se escreve!) é, como se sabe, o maior deserto do mundo e estende-se da costa ocidental africana até ao mar Vermelho, passando por
onze países, numa extensão total de nove milhões de quilómetros quadrados
(um pouco menor que a Europa, apenas). Só que, ao contrário do que se
possa pensar, na Tunísia o Sara não é apenas um mar de areia. A maior parte
é mais uma planície pedregosa e árida até à ponta dos torrões.
PELA ESTRADA FORA
Na estrada para Tamerza,
os únicos perigos são os
dromedários e as dunas que
não vêm no mapa. Mas no
deserto, o ideal é viajar de jipe
conduzido por um motorista
com olhos de berbere.
«Fazem-me falta momentos assim, lugares assim,
mais do que qualquer outra coisa na vida.»
P ORT M ORESBY (J OHN M ALKOVICH ),
EM
U M C HÁ
NO
D ESERTO ,
DE
B ERNARDO B ERTOLUCCI .
assistimos à saída de grupos de turistas de autocarros excursionistas, para visitarem os lugares de peregrinação obrigatória:
oásis, aldeias trogloditas enterradas nas montanhas, desertos
de sal, cenários de gravação de filmes (como A Guerra das Estrelas), castelos berberes e restaurantes típicos.
Verdade seja dita, o turista que escolhe o Sul da Tunísia
tem sede de aventura. De aventura pura e dura. É um turista
que não se importa de passar algum desconforto ou sacrifício em troca de emoções mais fortes. Conhece alguma tão
emocionante como flutuar sobre as areias do Sara num
balão de ar quente ao final da tarde? Ou viajar durante alguns dias entre as dunas no dorso de um camelo?
Parece conversa de guia turístico, mas a verdade é que
este tipo de turista é mais exigente no que toca a descobertas. Não viaja para ver ruínas romanas ou cartaginesas, mas
para sentir o cheiro da aventura. Não se importa de passar
um pouco de sede ou de engolir poeira para viver como um
berbere. Nem de apanhar um susto ou outro com o jipe
atascado no deserto.
O desenho do mapa da Tunísia mostra-nos o Sul
como o cone de baunilha do gelado. Está encaixado entre
as extensas fronteiras da Argélia e da Líbia. Dois países em
condições geográficas semelhantes mas algo inseguros para
viagens turísticas. Pelo contrário, a Tunísia faz tudo para
garantir a segurança de movimentos aos mais de cinco milhões de visitantes que recebe por ano – não esquecendo os
mais aventureiros. Não é por acaso que este é um dos países mais seguros do Norte de África.
A população recebe os viajantes com alguma atenção, sem subserviências, até porque os locais
nasceram com os turistas a entrarem-lhes em casa. São um povo caloroso,
com uma calma natural no sangue, dividida com o orgulho de fazerem parte do deserto.
O DESERTO FÉRTIL
Chebika, Tamerza e Midès
são nomes de aldeias do tempo
dos romanos. Nos decotes
das montanhas, têm palmeiras,
sistemas de irrigação
imaginativos e produzem
tâmaras, romãs e citrinos.
62
Na verdade, o Sara da Tunísia reúne três tipos diferentes de paisagens desérticas: o erg arenoso, a hamada rochosa
e o serir seixoso. O que faz desta região o local perfeito para
atravessar de uma ponta à outra. De preferência, no interior
de um jipe, com ar condicionado, conduzido por um motorista tunisino, por pistas ou trilhos conhecidos. Esta diversidade toda não quebra a monotonia do que se vai vendo.
Para onde quer que se olhe, tudo é muito seco e agreste.
Não fosse uma ou outra nuvem de poeira que se levanta em
espiral por acção do vento e nos leva a ver uma caravana
imaginária de camelos mas que se esfuma como uma miragem, o tédio seria imenso.
Além disso, o clima reflecte a região: quente, seca e
ventosa. As temperaturas elevadas nos meses de Verão
fazem que um humano, por mais coberto que esteja, sinta
que está a ser frito em lume brando numa frigideira. Menos
à noite, quando a temperatura desce a pique.
Com tudo isto, é natural que este turismo nada tenha a
ver com aquele turismo que vai para os beach resorts junto à
costa. Aliás, só percebemos que esse existe quando, por vezes,
No Sul da Tunísia é possível percorrer dezenas de pistas de terra batida – salpicadas por traiçoeiras barreiras de
areia acumuladas pela última ventania –, sem perigo de
encontros indesejáveis. Todas as estradas principais estão
alcatroadas e começaram por ser rotas de caravanas, no
tempo em que estas eram os camiões TIR da areia em
matéria de transportes de mercadorias.
A única regra a cumprir? Todas as deslocações individuais no Sara – de jipe, de camelo ou a pé – têm de ser previamente comunicadas e autorizadas pelas entidades policiais. Não só por razões de segurança interna – há zonas militares pelo meio – mas para evitar que se perca, ainda que
leve o GPS. A liberdade de movimentos é mais restrita para
quem se aventura na estrada (a P19) a sul de Tataouine, a
grande porta de entrada para o deserto.
Há muitas alternativas para quem pretende atravessar o
Sul da Tunísia de um modo mais romântico e aventureiro,
mas todas estão definidas à partida. A nossa viagem no deserto começou lá bem no Sul, em Tozeur, mas podia ter começado em Tunes. O charme colonial desta metrópole subsariana
Volta ao Mundo Novembro 2007
Esta política de terra preservada tem dado frutos num terreno onde as belezas naturais
«convivem» com pequenos paraísos à beira de um mar azul-esmeralda.
O Four Seasons e o The Datai provam que a integração na natureza pode ser quase perfeita.
OÁSIS DE MONTANHA
Em frente a uma garganta
profunda com paredes talhadas
pelas águas revoltas de outras
eras, e junto a uma aldeia
berbere abandonada, Midès
é o oásis de montanha mais
espectacular da Tunísia.
Tão certo como um muçulmano ter que ir a Meca, há-de chegar o dia em que um homem
tem de fazer a sua própria travessia do deserto. Seja ele quem for.
Nesse dia, vai descobrir que este é o melhor lugar para meditar naquilo que anda por cá a fazer.
64
Volta ao Mundo Novembro 2007
Novembro 2007 Volta ao Mundo
65
O turista que escolhe o Sul da Tunísia é mais exigente no que toca a descobertas. Não viaja para
ver ruínas romanas ou cartaginesas, mas para sentir o cheiro da aventura.
Não se importa de passar um pouco de sede ou de engolir poeira para viver como um berbere.
MIRAGENS COLORIDAS
Chott El-Jarid é um lago de sal
a perder de vista, cortado por
uma estrada de 90 quilómetros,
ao longo da qual se vê uma
faixa de água que vai mudando
de cor – miragens coloridas
devido ao grau de salinidade.
66
que é capital do país, a sua Medina organizada e de trato civilizado, a mistura de estilos arquitectónicos e a curta distância
para as ruínas da arquitectura púnica da cidade de Cartago,
são bons motivos para iniciar uma viagem dessa natureza.
No nosso caso, aterrámos (literalmente, num voo doméstico) em Tozeur. A aventura começou no dia seguinte,
com uma temperatura de 47°C à sombra, às duas da tarde,
e continuou a bordo de um jipe, com ar condicionado e cassetes de folclore tunisino, através de milhares de quilómetros. Durante vários dias, perscrutámos o Sul desértico da
Tunísia. Estivemos no Sara tunisino. Atravessámos o maior
lago salgado de África. Sentimos o silêncio das montanhas
do deserto. Comemos o pão que as areias amassaram.
Dormimos em tendas berberes – com ar condicionado e banheira, mas sempre são tendas… Gozámos a frescura do
oásis. Mergulhámos nas piscinas dos hotéis. Andámos no
comboio turístico The Red Lizard. E o périplo acabaria uma
semana mais tarde na ilha de Djerba, a noroeste.
Fora os sinais da civilização (alcatrão, cimento, electricidade, automóveis, painéis solares), o cenário é em tudo bíblico. Percorrê-lo durante quilómetros e quilómetros,
entre planícies, vales, cadeias montanhosas e pedras
– muitas pedras –, acaba por ser uma experiência marcante.
As rochas foram limadas por um cocktail de tempo,
calor, vento e movimentos tectónicos. Por isso encontramos
formações geológicas com milhões de anos: montanhas com
formas tão díspares e curiosas como cones, rectângulos e
triângulos e planaltos tão espectaculares quanto lisos, que
dir-se-ia terem sido aplainados pela mão de Deus ou de Alá.
Basta subir ao topo de uma montanha dunar esculpida
pelo vento, como Onk El Jemel, por exemplo («o pescoço
do camelo», numa tradução literal), para se ter um panorama vastíssimo da geografia local. Tão vasto que nos
achamos no direito de respirar fundo e de repetir a frase de
Port Moresby (John Malkovich) numa cena semelhante de
Um Chá no Deserto: «Fazem-me falta momentos assim, lugares assim, mais do que qualquer outra coisa na vida.»
É difícil acreditar que o célebre filme de Bernardo
Bertoluci foi rodado em Marrocos. Aqueles cenários acastanhados sem nenhum traço de vegetação são parecidos,
para não dizer iguais, aos do Sul da Tunísia. Até a luz é
semelhante à do filme.
Bem vistas as coisas, as paisagens desérticas da hamada
rochosa e do serir seixoso são nossas conhecidas. No Sul da
Tunísia, o «já vi isto nalgum lugar» é, na maior parte dos ca-
Volta ao Mundo Novembro 2007
DESFILADEIRO DE SELJA
MUITA AREIA PARA UM TURISTA
No oásis de Ksar Ghilane,
a noite é passada em
acampamentos berberes
rodeados de palmeiras.
No centro, a lagoa de água
quente natural com enxofre
permite banhos ao luar.
Durante dias, perscrutámos o Sara tunisino, atravessámos o maior lago salgado de África,
sentimos o silêncio das montanhas do deserto, dormimos em tendas
berberes – com ar condicionado e banheira, mas sempre são tendas…
68
Volta ao Mundo Novembro 2007
Novembro 2007 Volta ao Mundo
69
DATAIAMANWELLA
THEHOTEL
www.amanresorts.com
www.thedatai.com
Um oásis é como um farol do deserto. Mas, em vez de luz, emite frescura. Houve muitos
que se tornaram autênticas cidades graças à intervenção humana
e a sofisticados sistemas de irrigação, o que permite manter grandes palmeirais.
O CENÁRIO DAS ESTRELAS
Vedetas de Hollywood como
Joddie Foster ou Jackie Chan,
da música como Phil Collins,
ou da política como Jacques
Chirac, foram algumas
das que orbitaram neste
par de resorts de luxo.
INSPIRADO PELA NATUREZA
O paraíso foi implantado
no próprio paraíso. Confuso?
Não quando se trata de dois
resorts em perfeita harmonia
com a natureza, o bem-estar
e a paz de espírito.
sos, verdade. Por acção directa dos realizadores, lugares
mágicos como Matmata, Ksar Haddada, Chott El-Jerid, as
gargantas de Selja, Chebika, Ramerza ou a Medina de
Monastir tornaram-se populares em todo o mundo. Uma
fama que o país não tem descurado, «emprestando»
cenários e luz a outros filmes como Os Salteadores da Arca
Perdida, de Steven Spielberg, Jesus de Nazaré, de Franco
Zefirelli, ou Piratas, de Roman Polanski.
Por isso nasceu uma espécie de turismo cinematográfico, que segue as pisadas dos realizadores mais famosos. George Lucas está no top. Os turistas, em grupo, fazem fila para
entrar no labiríntico Ksar Hadada onde foi filmado o take 28
da cena 524 de A Ameaça Fantasma. Vêm dos beach resorts
da costa norte, em excursões de autocarros com programas
apertados e uma agenda fechada. «Veja isto, veja aquilo, coma aqui, veja agora mais isto, venha por aqui, dorme aqui e
amanhã estamos de volta para as férias na praia.»
Luke Skywalker, o herói de A Guerra das Estrelas,
é o responsável por esta espécie de «Tunisiawood». Imagine
que Tatooine, o seu planeta numa galáxia far, far away, afinal
ficava no deserto a sul de Medenine. Ou que as instalações dos
escravos eram junto a Ksar Haddada. Ou que a casa de Luke
era o interior do hotel Sidi Driss, em Matmata. E muitas das
acções se passavam em casas trogloditas escavadas no solo.
Diz-se que George Lucas escolheu o Sul da Tunísia por ter ficado fascinado com a variedade dos seus recursos, com a luz
natural e por caber como uma luva no magro orçamento do
primeiro filme, de 1977. Duas décadas depois, quando
voltou ao país para gravar os episódios I, II e III da aventura de ficção científica, também terá pesado, certamente, a
opinião do seu director de arte, o tunisino Taïeb Jallouli.
E hoje os plateaus abandonados de uma aldeia, «vigiados»
por totens-robots de outras galáxias num deserto próximo de
si são uma das marcas dessa aventura. Outro facto:
o nome do planeta Tatooine associado à saga das estrelas é
uma homenagem à cidade de Tataouine.
Em 1979, foi a vez de os ácidos Monty Phython
deixarem a sua peculiar homenagem no filme A Vida de
Brian. A memorável cena da crucificação de Brian, onde os
O KSAR DOS CEREAIS
O Ksar Ouled Soltane é um celeiro
fechado a sete trancas, cheio de
ghorfas (salas) em cilindro em
volta de um pátio. Tem escadas
de madeira e pedras, portas
com fechaduras inventivas
e escorpiões com fartura.
PANSEA DOUAR KSAR GHILANE
www.pansea.com
ao que os nossos olhos vêem ao nível da terra: um mar de areia
que se estende muito para além do que o olhar alcança, tão
longe que ninguém conseguiria caminhar até lá.
O deserto que rodeia o oásis de Ksar Ghilane é mesmo assim. Sem fim. Sem querer pregar no deserto, é mesmo um mar de dunas. Douradas por vezes, avermelhadas
outras tantas, e amareladas, também. Fazem parte do
grande oceano de areia a que chamam Erg Oriental. As
dunas são como vagas baixas. Vão-se deslocando e modelando como a corrente do vento predominante. Ao ritmo
de uma ampulheta perpétua, que vai depositando os seus
finos grãos, duna a duna, até atingirem, como acontece
mais para o sul, uns 150 metros de altura.
A textura da areia é tão fina que não arranha a pele.
A não ser pela acção do vento cortante, que a atira contra
nós como lâminas afiadas. Não precisa de apanhar tempestade nenhuma para a sentir entrar pelos poros da pele.
Tal como o mar, o deserto clássico do dromedário, dos
beduínos e das caravanas mete respeito. Mesmo sem a presença de água, apetece nadar nas suas areias. Mergulhar o
mais fundo que se conseguir. Ir para fora de pé, no sentido
mais metafórico do termo. O que, de resto, pode suceder
ao fim de 60 minutos a andar pelo deserto debaixo de um
sol escaldante. Se calhar mais, se estiver protegido da
cabeça aos pés e conseguir andar como os beduínos: contornando as dunas e nunca as subindo.
Ao contrário de outros pontos no Sara, no Ksar Ghilane
há, pelo menos, um ponto de orientação ao qual se agarrar na
As dunas são como vagas baixas. Vão-se deslocando e modelando como a corrente
do vento predominante. Ao ritmo de uma ampulheta perpétua,
que vai depositando os seus finos grãos, duna a duna, até atingirem uns 150 metros de altura.
ESPLENDOR NO DESERTO
O deserto é como uma folha
em branco para realizadores
e romancistas em busca
de inspiração. Com uma tinta
acastanhada e pouco líquida.
Muitas obras-primas que povoam
a nossa memória nasceram aqui.
72
próprios crucificados acabam a cantar e a assobiar em coro o
hino «Always look on the bright side of life» (ou «olha sempre para o lado fixe da vida», na versão portuguesa traduzida
por Nuno Markl e levada à cena no Casino de Lisboa), foi
gravada junto a uma casa escavada na montanha. Em cada
cena hilariante, há sempre um monumento, uma muralha ou
uma montanha tunisina para identificar. Até no apedrejamento público feito por mulheres disfarçadas de homens.
Mas, justiça seja feita, o filme onde a Tunísia fica
melhor na fotografia é O Paciente Inglês, de 1996, realizado
por Anthony Minghella. Apesar de a história não se passar
na Tunísia, mais de 80% do filme foi aqui rodado, com vantagens turísticas óbvias. Bastava o magistral genérico inicial
do oceano de areia, onde as dunas filmadas ao nascer do dia
fazem as vezes das ondas, para promover, como nenhuma
outra longa-metragem o fez, o Sara tunisino – ainda por
cima, recorde-se, obteve nove Óscares da Academia.
Se há imagens que vêm à cabeça quando se está no meio
das dunas do Sara, são as desse plano inicial de O Paciente Inglês. Aquele travelling longuíssimo filmado do ar assemelha-se
sua viagem sem guia. As ruínas da cidadela construída pelos
romanos. Parece perto, mas fica a hora e meia de camelo. Bem
negociado, até pode lá dormir numa tenda beduína. Pernoitar
junto às ruínas, como Rommel e os seus Africa Korps em
1943, durante a Segunda Guerra Mundial, quando ali estava
em campanha violenta contra as tropas aliadas.
O Ksar Ghilane é o oásis mais oásis que conheci. Tradicional e pequeno, no meio do nada, 147 quilómetros a sudeste de Douz e cem quilómetros a oeste de Chenini. Desde o
ano passado, tem direito a estrada alcatroada, mas é preciso
redobrada atenção para a percorrer durante o dia, devido aos
constantes obstáculos que podem surgir, nomeadamente
– pasme-se! – verdadeiras dunas, por acção do vento. Está
rodeado de palmeiras verdes, tem muita água e até electricidade (por gerador). A sua maior atracção é o banho (diurno
ou nocturno) na lagoa alimentada pela água quente com enxofre de uma nascente subterrânea. A lagoa está rodeada de
palmeiras e de toscos cafés, restaurantes e lojas de recordações.
Existem, pelo menos, cinco acampamentos turísticos
em Ksar Ghilane nos quais pode dormir em tendas beduínas,
TAMERZA PALACE
www.tamerza-palace.com
Volta ao Mundo Novembro 2007
TAMERZA PALACE
www.tamerza-palace.com
equipadas com camas de campanha e cobertores, alguns até com cantinas
com refeições agradáveis. O conforto é mínimo, a não ser num acampamento de luxo, onde as tendas têm ar condicionado, casa de banho com
banheira, água quente e outros luxos como luz eléctrica.
Acomode-se como acomodar, a sensação que vai ter em Ksar Ghilane
é a de que está junto ao mar. As palmeiras, os caminhos de terra batida, a
areia, as canas das vedações, os parques de tendas, as placas pintadas, os jipes
a chegar e a partir, a humidade, o calor e a frescura sugerem praia. E as
folhas das palmeiras cantam ao vento os sons das ondas a rebentar na areia.
Regressei a casa com a ideia de que um oásis é como um farol
do deserto. Mas, em vez de luz, emite frescura. Provocada pela água abundante e pelos palmeirais. No Sul da Tunísia houve muitos que se tornaram
autênticas cidades graças à intervenção humana. Como Gabès, Douz, Nefta, Kebili ou mesmo Tozeur. Tudo graças a sofisticados sistemas de irrigação
que captam água da (pouca) chuva e das centenas de fontes, o que permite
manter grandes palmeirais (o de Tozeur reúne uma frente de três mil
palmeiras!), e respectivas explorações agrícolas de fruta e legumes.
Pelo número de palmeiras, a Tunísia é um país e tâmaras. O trocadilho
cai sempre bem num país que é tão-só o maior exportador mundial das doces e nutritivas tâmaras. A propósito: é o terceiro maior produtor de azeite
do mundo, o que é uma garantia de sabor no molho tradicional berbere
(harissa), servido em todas as refeições tunisinas. Um condimento aromático, feito de pimenta-de-caiena, alho, puré de tomate e azeite, a não perder.
O Sul da Tunísia está longe, muito longe, de ser uma seca, e o turismo é uma das suas fontes de rendimento. A população recebe os viajantes
com alguma atenção, sem subserviências, até porque os locais nasceram
com os turistas a entrarem-lhes em casa. São um povo caloroso e pachorrento, com uma calma natural no sangue, dividida com o orgulho de fazerem parte do deserto.
No fim… do texto… da viagem… descobre-se que o deserto vem
connosco. Comigo, veio dentro de um papel – quando o desdobrei, dias
depois, caíram sobre a mesa centenas de grãos de areia. E veio também
com os olhos. Horas depois de ter aterrado em Portugal, um amigo dizia-me que estava com um olhar profundo… O que não é de estranhar, para
quem tinha engolido de uma só golfada o Sara tunisino. n
TUNÍSIA
O Festival Internacional dos Oásis realiza-se em Novembro, no oásis que se transformou em cidade
turística às portas do Sara, Tozeur. O festival, que coincide com a apanha das tâmaras,
celebra o modo de vida dos beduínos e as suas tradições locais.
COMO IR
Tunes
METEOROLOGIA
TUNÍSIA
Clima quente e seco no Verão, que, na Tunísia, dura entre Maio e Outubro. Nessa altura,
no Sul, há 11 horas de sol diárias e o calor
chega a ser insuportável (média de 36ºC),
devido à acção do vento siroco. A partir de
Novembro, o clima fica mais ameno. Mais
informações em www.wunderground.com.
FUSO HORÁRIO
GMT + 1 hora
PORTA-MOEDAS
A moeda local é o dinar tunisino, que corresponde a €0,57 (€1 = 1,75 dinares). Pode
fazer o câmbio no banco ou nos hotéis, onde
aceitam cartões de crédito. Os centros turísticos têm bastantes máquinas multibanco.
O preço médio de uma refeição ronda os
€10, e um litro de gasolina (95 octanas)
custa 71 cêntimos, e de gasóleo 35 cêntimos
(só pode comprar combustível com dinares).
COMO SE DESLOCAR
O ideal é um jipe com ar condicionado e
motorista local. Também pode alugar uma
viatura particular, viajar de avião, de autocarro ou de comboio (até há um Rail-Museum
Card por menos de €20, que permite dar a
volta ao país em primeira classe e entrar
nos museus). Ou fazer como os locais – vá
de táxi. Há vários tipos: amarelos (dentro
das cidades), brancos com faixa vermelha
(para todo o país) e brancos com faixa azul
(só nas localidades). Estes podem ser colectivos ou partilhados (louages) e só arrancam
quando a lotação está esgotada. Há ainda
táxis azuis (entre uma cidade e as aldeias)
e vermelhos (entre grandes cidades).
Os preços são (muito) em conta: de
Tunes a Tozeur (450km) paga… €13.
ONDE FICAR
Tamerza Palace
ESTADOS DE ALMA
Jack Kerouac gostaria de ter
estado na Tunísia. Para atravessar
os estados de alma que vivem à
beira das estradas. De autocarro,
táxi, jipe ou motoreta, de certeza
iria passar aqui, em direcção
a Chenini. De preferência, à boleia.
ITÁLIA
A Tunisair (www.tunisair.com) voa para
Tozeur, via Tunes, a partir de €570.
No oásis de montanha de Tamerza, na zona
fronteiriça com a Argélia, este é o primeiro
«hotel de charme» do Sul da Tunísia. Um
palácio que se eleva sobre uma impressionante garganta de um rio seco (um oued).
Tem um belo terraço com piscina e uma
vista sobrenatural para a antiga aldeia de
Mar Mediterrâneo
TOZEUR
DOUZ
KSAR
GHILANE
D
r
e s e t o
DJERBA
TATOUINE
d o
S a ra
Sangho Privilège Tatouine
Hotel despretensioso às portas do
deserto, com 80 bungalows, revestidos
de pedra ocre e rodeados de canteiros
floridos, que recriam, à sua maneira,
as casas trogloditas da região. Uma
piscina reconfortante, uma vista para
a montanha rochosa e dois restaurantes
convidativos são os seus maiores luxos.
Quarto duplo a partir de €60 por noite.
Tataouine
Tel.: (+216 75) 86 01 02
www.sangho-tataouine.com
Africa
ALGÉRIA
LÍBIA
Área em destaque
Tamerza (em ruínas desde as cheias
de 1969), para o extenso palmeiral
e para as montanhas do Atlas.
Quarto duplo a partir de €162 por noite.
2212 Tamerza (Gouvernorat of Tozeur)
Tel.: (+216 76) 48 53 44
www.tamerza-palace.com
Pansea Douar Ksar Ghilane
Acampamento de luxo no Ksar Ghilane,
onde cada «quarto» é uma tenda ao estilo
berbere. Com ar condicionado, casa de
banho privativa com banheira, boa cama,
poufs e luz toda a noite (acredite, é um luxo).
Tem piscina e uma torre de observação
do deserto. Inesquecível. Tenda para
duas pessoas a partir de €146 por noite.
Ksar Ghilane
Tel.: (+216 75) 62 18 70
www.pansea.com
Hôtel Ras El Ain
Não é um dos hotéis mais exclusivos do
palmeiral de Tozeur, mas sempre alberga
143 quartos e inúmeras suites muito
confortáveis, pátios exteriores, duas
piscinas (uma delas coberta com uma
cúpula envidraçada), ginásio, hammam,
sauna, um café e um restaurante
gourmet. O cenário é meio hollywoodesco:
um palácio, com arabescos e azulejos,
erguido às portas do deserto para
albergar o turismo aventura das excursões
4x4. Quarto duplo a partir €54 por noite.
Tozeur
Tel.: (+216 76 45 26 98)
www.goldenyasmin.com
Uma porta de entrada muito civilizada
em Tunes, localizado sobre a principal
avenida da capital tunisina, a Habib
Bourguiba. Um cinco estrelas logístico
para descansar entre uma agenda
de reuniões da empresa. Ou para
pernoitar em escala de viagem para
um destino turístico. Ou mesmo
para férias de outro nível. Quarto
duplo a partir de €105 por noite.
50, Avenue Habib Bourguiba
Tel.: (+216 71) 34 74 77
www.elmouradi.com
GUIAS DE VIAGEM
Tunisie, Guides Bleus, Hachette
Tunísia, Guia American Express,
DK/Civilização
NA INTERNET
www.tunisiaonline.com
www.tourismtunisia.com
AGRADECIMENTOS
A Volta ao Mundo agradece à Tunisair
e ao Turismo da Tunísia o apoio
na realização desta reportagem.
www.tunisair.com
Praça Duque de Saldanha, 1
(Atrium Saldanha), 5L
Lisboa
Tel.: 213 304 862
www.tourismtunisia.com
OS PREÇOS DOS VOOS JÁ INCLUEM AS TAXAS ADICIONAIS (SALVO INDICAÇÃO EM CONTRÁRIO). ALGUNS VALORES APRESENTADOS PODEM RESULTAR
DE CONVERSÕES PARA EUROS E/OU ARREDONDAMENTOS. ESTES E OUTROS DADOS PODEM SOFRER ALTERAÇÕES APÓS O FECHO DA EDIÇÃO.

Documentos relacionados

Pansea - turistacidental.com

Pansea - turistacidental.com lua do outro... É difícil descrever, mas incrível sentir. O nosso cameleiro, caminhando a pé e um pouco à frente dos animais, puxa a guia dos camelos enquanto canta, docemente, deixando o vento do ...

Leia mais