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Anais - 2014 V SITRE - ISSN 1980 - 685X
SUMARIO GT – 13
TRABALHO FEMININO E EMPODERAMENTO DA MULHER: PERCEPÇÕES DE
USUÁRIAS O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA __________________________________ 2
NADÚ, Amanda C. A _______________________________________________________ 2
SIMÃO, Andréa Branco _____________________________________________________ 2
TORRES, Laiene Joyce P ____________________________________________________ 2
O TRABALHO EMOCIONAL EM SERVIÇO SOCIAL __________________________ 23
BOLZAN, Débora de Paula _________________________________________________ 23
NUNES, Jordão Horta _____________________________________________________ 23
“ANTIGAMENTE TODO MUNDO TRABALHAVA...” MUDANÇAS SOCIAIS E
TRAJETÓRIAS DE GÊNERO NA COMUNIDADE LINHA DA CRUZ, MG._________ 44
SOUZA, Gabrielly Merlo de _________________________________________________ 44
APRESENTAÇÃO EM POSTER _____________________________________________ 62
AS IDAS E NÃO VINDAS DOS ALUNOS DO PROEJA NA ÓTICA FEMININA _____ 62
SCOPEL, Edna Graça ______________________________________________________ 62
FERREIRA, Maria José de Resende __________________________________________ 62
ROSA, Silvia Nepomuceno __________________________________________________ 63
TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO: OS IMPACTOS ECONOMICOS,
POLÍTICOS E SOCIAIS DA REGULAMENTAÇÃO DO TRABALHO DOMÉSTICO NO
BRASIL _________________________________________________________________ 76
FURNO, Juliane __________________________________________________________ 77
LEONE, Eugenia__________________________________________________________ 77
PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO. _____________ 88
PONCIANO, Roberta Rodrigues _____________________________________________ 88
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Anais - 2014 V SITRE - ISSN 1980 - 685X
TRABALHO FEMININO E EMPODERAMENTO DA MULHER:
PERCEPÇÕES DE USUÁRIAS O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA
NADÚ, Amanda C. A - [email protected]
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – Serviço Social
Rua Rio Comprido, 4580- Cinco CEP 32010025- Contagem – Minas Gerais.
SIMÃO, Andréa Branco - [email protected]
TORRES, Laiene Joyce P. - [email protected]
RESUMO: Este estudo aborda, no âmbito do Programa Bolsa Família, a questão do
trabalho feminino, dando ênfase ao empoderamento da mulher. Discute, de maneira mais
específica, aspectos relacionados à inserção da mulher no mercado de trabalho,
evidenciando a percepção de beneficiárias do programa sobre dificuldades e possibilidades
para sua inserção no mercado de trabalho e apontando algumas questões sobre o
empoderamento feminino. As discussões são baseadas em entrevistas semi-estruturadas
realizadas no município de Contagem/MG com doze beneficiárias do programa. Os
resultados parciais encontrados demonstram que as entrevistadas acreditam que o trabalho é
um aspecto fundamental para o empoderamento feminino. Além disso, as entrevistadas
acreditam que o trabalho possibilita que sejam mais valorizadas e amplia as chances para
que estabeleçam relações sociais que ultrapassem os limites da família. Dessa forma, para
elas, o trabalho não é significativo apenas no âmbito econômico, mas relevante também na
esfera social. Contudo, percebem sua inserção no mercado de trabalho como sendo
permeada por vários obstáculos, dentre os quais estão a baixa escolaridade, as dificuldades
para encontrar quem cuide dos filhos e os vários papéis que precisam desempenhar dentro do
lar.
Palavra –chave: Trabalho feminino, Empoderamento da mulher, Bolsa família
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INTRODUÇÃO
O objetivo central deste estudo é analisar como beneficiárias do Programa Bolsa
Família percebem uma relação entre inserção no mercado de trabalho e empoderamento
feminino. Em particular, este trabalho pretende contextualizar a inserção feminina no mercado
de trabalho e evidenciar a percepção de mulheres beneficiárias do Programa Bolsa Família
sobre dificuldades e possibilidades para sua inserção neste contexto e como relacionam a
questão do trabalho com o empoderamento feminino.
Neste sentido, este estudo apresenta, em primeiro lugar, uma breve contextualização
sobre a inserção feminina no mercado de trabalho. Em seguida descreve, de maneira sucinta,
o Programa Bolsa Família, dando ênfase às condicionalidades impostas pelo programa.
Posteriormente, trata da relação entre empoderamento feminino e trabalho, enfocando
questões acerca das relações de gênero. Logo após, são apresentados argumentos e análises de
resultados do estudo realizado junto a beneficiárias do Programa Bolsa Família no município
de Contagem, Minas Gerais. Para finalizar, à luz da discussão teórica e dos resultados
empíricos apresentados, são feitas algumas considerações finais acerca dos conflitos
existentes entre o desejo de inserção no mercado de trabalho e empoderamento feminino.
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2.1
BASES TEÓRICAS
Inserção feminina no mercado de trabalho
Historicamente, o homem foi instituído como o provedor do lar, cabendo à mulher o
papel de cuidadora, de mãe e de esposa. A inserção da mulher no mercado aconteceu de
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forma lenta e gradual, e ainda pode ser considerada como um processo em construção. As
constantes transformações sociais e econômicas ocorridas na humanidade contribuíram, e
ainda contribuem, na sustentação desse processo.
De acordo com Probst (2003), desde o início do século XVII, quando o movimento
feminista passou a adquirir características de ação política, as mulheres vêm buscando a
igualdade com os homens. O século XIX, com suas inúmeras mudanças, em especial a
consolidação do sistema capitalista, significou uma possibilidade para que boa parte da mãode-obra feminina fosse transferida para as fábricas. A literatura também mostra, segundo
Probst (2003), que as duas grandes Guerras Mundiais contribuíram para que a mulher
passasse não só a assumir os negócios da família, mas também muitas das posições que eram
destinadas aos homens no mercado de trabalho, já que os mesmos eram convocados a estar à
frente das batalhas.
Aos poucos, mulheres de vários países foram conquistando mais espaço e prestígio no
mercado de trabalho. No Brasil, essa ascensão ocorreu mais expressivamente a partir da
segundo metade do século XX, sobretudo a partir da década de 1970, auge do movimento
feminista.
Alves e Corrêa (2009) destacam que, neste período, houve um aumento da
participação feminina no mercado de trabalho, cuja abertura para as mulheres é explicada pelo
processo de urbanização e de crescimento do setor terciário da economia, que abriu as portas
para a inserção produtiva das mulheres. As mulheres, por sua vez, passaram oferecer cada vez
mais seu trabalho devido à redução da fecundidade, a mudanças na dinâmica conjugal e
familiar e a elevação dos níveis médios de escolaridade que, segundo Abramo (2001), já são
superiores aos dos homens. Diante disso, Probst (2003) sinaliza que a mulher deixou de ser
vista somente como parte da família, mas ela também passou a ser considerada como mentora
desta importante instituição.
Discorrendo mais especificamente sobre a inserção da mulher no mercado de trabalho,
Bruschini (2008) argumenta que, embora vários fatores tenham influenciado a entrada das
mulheres no mercado de trabalho, tal inserção, está estritamente ligada às necessidades e às
possibilidades que as mulheres têm de trabalhar fora de casa, ou seja, depende tanto de fatores
econômicos quanto da posição que a mesma ocupa na unidade familiar. Além disso, a
disponibilidade dos indivíduos do sexo feminino para o trabalho também depende de uma
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complexa combinação de características pessoais, dentre as quais podem ser citadas a idade e
a escolaridade, além de outras relacionadas à família, tais como o estado civil e a presença de
filhos. Adicionalmente, o ciclo de vida e a estrutura familiar também são características que
influenciam a possibilidade de inserção feminina no mercado de trabalho (BRUSCHINI, 2008,
p.182).
Para Santos e Oliveira (2010), a partir das condições objetivas e subjetivas dos papéis
que ocupam socialmente e do modo desigual como são construídas as relações, as mulheres
não possuem acesso igualitário ao trabalho, aos salários e aos bens de maneira geral.
Sarti (2011) ao escrever sobre o trabalho remunerado da mulher ressalta que, por mais
secundário que seja seu lugar na família, ela freqüentemente trabalha, ainda, que
intermitentemente, dividindo com os filhos as entradas e as saídas do mercado de trabalho, de
acordo com as necessidades e possibilidades da família. Ao descrever mais especificamente
sobre a inserção da mulher pobre no mercado de trabalho, a autora pontua que a mulher pobre
sempre trabalhou, pois o trabalho feminino inscreve-se na lógica de obrigações familiares e é
motivado por ela, não necessariamente rompendo seus preceitos e não obrigatoriamente se
configurando como um meio de afirmação individual para a mulher. O trabalho da mulher
pobre não constitui uma situação nova que forçosamente abale os fundamentos patriarcais da
família pobre, porque não desestrutura o lugar da autoridade do homem, que pode se manter
sendo, inclusive, transferido para outros homens da rede familiar (SARTI, 2011, p.99).
É inegável a entrada da mulher no mercado de trabalho. A posição da mesma apenas
como cuidadora e mãe tem sido “desnaturalizada”. Sorj e colaboradores (2007) defendem
que o modelo “tradicional”, de homem provedor e mulher dedicada aos cuidados da família,
vem sendo substituído por um modelo no qual homens e mulheres se inserem no mercado de
trabalho, mas os cuidados com a família permanecem, em grande medida, uma tarefa
realizada apenas pelas mulheres. Para Rocha Coutinho, (2004), o que fica evidenciado é que
“a mulher de hoje apenas multiplicou funções, mas ainda não dividiu as responsabilidades”.
Ao fazer considerações sobre as obras de Calderia (1984); Telles (1992); entre outros,
Sarti (2011) nos diz que o trabalho da mulher está subsumido no desempenho de papel de
mãe/esposa/dona de casa: seja por meio período, seja em casa, seja não afastando a mãe das
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crianças, ou seja, reiterando a associação entre trabalho feminino e desordem familiar. Para a
autora, o significado do trabalho remunerado para a mulher pobre é medido pelo seu papel de
mãe e dona-de-casa, o qual deve estar voltado para suprir o que ela sabe o que está faltando,
por coisas pelas quais o homem não vai esquentar a cabeça (destaque da autora). Sobre esse
aspecto, a inserção da mulher no mercado de trabalho pode ser compreendida como um
desafio, dado que, na maioria das vezes, ela soma a sua participação no mercado de trabalho
às tarefas domésticas e às obrigações de mãe e esposa.
2.2
Programa Bolsa Família
Criado em 2003, tendo como proposta fundamental o combate à fome e a pobreza, o
Programa Bolsa Família (PBF) organizou e unificou os programas de transferências de renda
preexistentes no Brasil. Entre os objetivos que orientam o programa, destacam-se o combate
às desigualdades por meio de transferência de um benefício financeiro associado à garantia do
acesso aos direitos sociais básicos (saúde, educação, assistência social e segurança alimentar).
Têm ainda por objetivo, a inclusão social, contribuindo para a emancipação das famílias das
beneficiárias, construindo meios e condições para que elas possam sair da situação de
vulnerabilidade que se encontram (Brasil/MDS, 2006 apud Silva e Lima 2010, p.37).
O PBF se caracteriza como um Programa de Transferência de Renda Condicionada
(PTRC), na área da educação e saúde, no qual os benefícios são concedidos a partir da renda
familiar per capita e de duas definições de pobreza: pobreza extrema e pobreza. Para Cotta e
Paiva (2010) as condicionalidades postas pelo Programa Bolsa Família constituem um
sistema de indução que busca afetar o comportamento dos membros adultos das famílias
vulneráveis, por meio da associação de um prêmio financeiro a decisões consideradas
socialmente ótimas, como o investimento na saúde e educação das próximas gerações.
Curralero e colaboradores (2010) afirmam que no âmbito dos Programas de Transferência de
Renda Condicionada (PTRC), as condicionalidades vislumbram um objetivo de longo prazo,
o qual está voltado para a ruptura do ciclo intergeracional da pobreza, por meio da elevação
do capital humano das populações mais pobres e excluídas. Os serviços de educação e saúde,
apesar de serem direitos universais garantidos pela Constituição de 1988, ainda não estão
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disponíveis a todos os brasileiros, em particular os de baixa renda. Por isso, o monitoramento
das condicionalidades deve ser visto com um sistema de “vigilância” da prestação desses
serviços às famílias do Programa Bolsa Família, como forma de assegurar que os direitos de
cidadania sejam garantidos. O fato das famílias acessarem um dado conjunto de serviços em
saúde e educação é considerado tão ou mais importante do que o recebimento de repasses
financeiros, uma vez que, segundo a lógica desse tipo de intervenção tal acesso propicia a
mobilidade social futura das famílias atendidas (COTTA e PAIVA, 2010, p.67).
Entretanto, Soares e Sátyro (2010) enfatizam que há, atualmente, uma vertente que
pontua o fato do Bolsa Família ser, antes de tudo, um programa de proteção social e, ao
colocar contrapartidas excessivas, essa função de proteção social enfraquece, na medida em
que serão provavelmente as famílias mais vulneráveis as que não conseguirão cumprir as
exigências mais rigorosas. Cotta e Paiva (2010) consideram em seu artigo diversos tipos de
criticas às condicionalidades, que segundo eles, além de inócuas, não seriam efetivamente
monitoradas, nem teriam impacto nos serviços de educação e saúde. Os autores também
apresentam uma crítica dos Direitos Humanos no que tange as condicionalidades. Sob essa
perspectiva, segundo eles, vincular o direito à renda e à alimentação adequada ao
cumprimento de qualquer tipo de imposição é condenável por princípio.
Um ponto importante e que gera polêmicas, nas discussões relativas ao Programa Bolsa
Família, refere-se a um possível desincentivo ao trabalho, decorrente do recebimento do
benefício monetário. Souza e Caetano (2012), ao apropriar-se da ideia de Tavares (2010)
recorrem à crítica feita ao Programa Bolsa Família no que diz respeito ao potencial
desestímulo ao trabalho adulto causado pelo recebimento do benefício. Na opinião dos
autores tal crítica baseia-se em três hipóteses: a primeira refere-se à existência de um efeito
renda do PBF, de tal modo que a transferência auferida reduziria a necessidade econômica do
trabalho, uma segunda possibilidade está relacionada ao fato cujo intuito era que a renda
familiar permaneça elegível ao PBF, os beneficiários podem preferir ofertar menos trabalho e,
por fim, os beneficiários podem ser forçados a reduzir sua jornada de trabalho para atender as
condicionalidades do programa. A avaliação de Impacto do Programa Bolsa Família realizada
pelo CEDEPLAR (2007) não confirma a hipótese de desincentivo ao trabalho do PBF. Pelo
contrário, os resultados encontrados sugerem a existência de incentivo ao trabalho, sendo a
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participação dos beneficiários no mercado de trabalho mais elevada do que aquela dos não
beneficiários, especialmente quando se tratava das mulheres (SOUZA e CAETANO 2012, p.
4).
Para Souza e Caetano (2012) evidências que sugerem o desincentivo ao trabalho, devido
ao recebimento do benefício monetário concedido pelo Programa Bolsa Família, podem estar
relacionadas ao comprimento das condicionalidades. De acordo com os autores, o tempo
dedicado pela mulher aos afazeres domésticos pode aumentar em função do aumento da renda
familiar advinda do recebimento do benefício do PBF e, neste cenário, o tempo disponível
para a oferta de trabalho remunerado pode ser reduzido. Para contextualizar esse raciocínio
Souza e Caetano (2012) recorrem a Tavares (2010) que embora considere que o PBF
apresente um efeito positivo sobre a participação das mães no mercado de trabalho, alega que
fica evidente um efeito negativo associado ao valor da transferência, pois quanto maior o
beneficio auferido, menor sua jornada de trabalho. Esse resultado sugere a existência de um
efeito substituição, seja devido à redução do trabalho infantil, em decorrência da maior
disponibilidade do tempo das mães para o mercado de trabalho ou devido ao efeito estigma,
associado à participação no programa.
2.3
Empoderamento da mulher e trabalho
Para discorrer sobre o empoderamento da mulher é necessário que se amplie a
compreensão a respeito de categoria histórica, denominada gênero. De acordo com Araújo
(2005), em sua concepção gramatical, a palavra gênero designa indivíduos de sexos diferentes
(masculino e feminino) ou coisas sexuadas, mas, na forma como vem sendo usada, nas
últimas décadas, pela literatura feminista, a palavra adquiriu outras características: enfatiza a
noção de cultura, situa-se na esfera social, diferentemente do conceito de “sexo”, que se situa
no plano biológico, e assume um caráter relacional do feminino e masculino.
Para Scott (1991) o núcleo essencial da definição de gênero baseia-se na conexão
integral entre duas proposições: o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais
baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primeira de
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significar as relações de poder. Ao pontuar essas proposições, a historiadora Joan Scott chama
atenção para as mudanças que ocorrem na organização das relações sociais e também para a
intrínseca relação entre gênero e significação do poder (ARAÚJO, 2005, p.43).
Considerando as diferentes concepções de gênero postas em nossa cultura, é possível
argumentar que, durante muito tempo, perpetuou-se uma naturalização dos papéis femininos e
masculinos. Nesse cenário, o papel da mulher esteve, por vezes, relacionado à submissão.
Entretanto, segundo Cortez e Souza (2008) as conquistas e avanços dos movimentos
feministas relativos à inserção da mulher em espaços considerados “masculinos”, permitem à
mulher, categoria submetida a processos de exclusão pelo grupo dominante masculino,
ferramentas para se empoderarem e conseguirem lutar por maior autonomia.
Lorio (2002) argumenta que identificar a origem do conceito de empoderamento é uma
tarefa que resulta inconclusiva. A origem do conceito é disputada tanto pelos movimentos
feministas, como pelo movimento American Blacks que, nos anos 1960, movimentou o
cenário político norte-americano exigindo o fim do preconceito e da discriminação que
marcavam a vida dos negros nos EUA. No entanto, é na perspectiva das relações de gênero
que o conceito de empoderamento se desenvolve, tanto teóricamente como quanto um
instrumento de intervenção na realidade. A autora aponta que nos anos de 1970 e 1980,
feministas e grupos de mulheres espalhadas pelo mundo, desenvolveram um árduo trabalho de
conceitualização e de implementação de estratégias de empoderamento, com o qual buscaram
romper com as diferentes dinâmicas que condicionavam a existência e impediam a
participação e a cidadania plena das mulheres (LORIO, 2002, p.22).
Neste contexto, Rego e Pinzani (2013) argumentam que a estrada da cidadania para as
mulheres nunca foi fácil, exatamente porque sempre tiveram que enfrentar várias modalidades
de exclusão da vida pública, a qual implicou, em geral, uma maior dificuldade para
desenvolvimento e utilização de suas capacidades. De acordo com os autores, afirma-se para
as mulheres uma espécie de perpetuação de um círculo vicioso de não direitos, de não
cidadania e de não participação igualitária na vida pública (REGO e PINZANI, 2013, p.54).
Baseados em Okin (1993), Rego e Pinzani (2013) também pontuam que uma das causas
da exclusão da mulher da vida pública reside no fato de que o discurso político dominante
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oculta, em geral, o fato de que a família onde esta mulher está inserida é, além de outras
coisas, uma instituição política. Isto faz com que tenha poder para atribuir papéis e funções a
seus integrantes, tudo, legitimado pela tradição e pelos costumes os quais, em geral, excluem
a mulher da esfera pública (OKIN, 1993, p.48 apud REGO E PINZINI, 2013, p. 54).
Conforme Itaboraí (2003) quando falamos em empoderamento feminino, a questão mais
evidente é a crescente dedicação das mulheres ao trabalho, o que garantiu sua definitiva
inserção na esfera pública. O trabalho feminino tem sido associado como causa ou condição
para as mudanças em curso nas relações de gênero, e finalmente, no formato das famílias.
Nessa perspectiva Sen (2000) sinaliza que, quando mulheres podem auferir renda fora de casa
e o fazem isso tende a melhorar a posição relativa feminina, inclusive em distribuições no
âmbito da família. A contribuição da mulher para a prosperidade da família é mais visível
quando ela trabalha fora de casa e recebe um salário. Ainda conforme Sen (2000) ela também
tem mais voz ativa, pois depende menos dos outros. A condição de agente das mulheres, com
ganho do poder é um dos principais mediadores da mudança econômica e social, sua
determinação e suas conseqüências relacionam-se estritamente a muitas características
centrais do processo de desenvolvimento (SEN, 2000, p. 236).
Cabe, destacar, aqui, duas definições de empoderamento, as quais nortearam esse
estudo. Na primeira delas empoderamento é considerado como “a expansão nas habilidades
das pessoas para fazerem escolhas estratégicas de vida em um contexto em que essa
habilidade foi previamente negada” (MALHORTA et al., 2002, p.6). Na segunda definição,
empoderamento é apresentado como “... um processo através do qual o agente desempoderado
ganha controle sobre as circunstâncias de suas vidas” (PRESSER E SEN, 2000, p.18).
Nessa direção, Carloto e Mariano (2012) ao realizarem uma pesquisa sobre
empoderamento e trabalho no contexto do Bolsa Família, constataram que para as mulheres,
ter autonomia e poder significa também ter mais liberdade, independência, poder viver por
conta própria, não depender de ninguém, principalmente do marido. Essas características
estão intrinsecamente associadas com o trabalho. Em contrapartida, as autoras relatam que a
conciliação entre a esfera dos cuidados intra-familiares e o trabalho remunerado é o grande
desafio a ser transposto.
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Nesse sentido, conforme Carloto e Mariano (2012), as condicionalidades do Programa
Bolsa Família reforçam a ideia que vem sendo perpetuada ao longo da história, de que a
mulher é a principal responsável pelo cuidado da família, e podem assim, estar inviabilizando
o empoderamento feminino.
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ARGUMENTAÇÃO E ANÁLISE
Os resultados apresentados neste estudo se fundamentam nos dados qualitativos obtidos
a partir da pesquisa “Trabalho feminino e empoderamento da mulher: percepções de usuárias
do Programa Bolsa Família”, realizada pela Escola de Serviço Social da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais – Unidade de Contagem.
Respeitando os princípios éticos que regem os estudos que envolvem seres humanos, a
pesquisa na qual foram coletados estes dados foi devidamente aprovada pelo Comitê de Ética
em Pesquisa (CEP) da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. O trabalho de
campo, ainda em curso, teve início em novembro de 2013 e se fundamenta na realização de
entrevistas semi-estruturadas com doze beneficiárias do PBF no município de Contagem/MG.
A entrevista semi-estruturada, escolhida para este estudo, é aquela conduzida com base
em uma estrutura solta, a qual consiste em questões abertas que definem a temática a ser
explorada, e a partir da qual o entrevistado e o entrevistador podem divergir a fim de
prosseguir com uma idéia ou uma resposta em maiores detalhes (BRITTEN, 2005). Uma das
principais vantagens desta técnica é que ela permite ao pesquisador obter informações que não
são acessíveis através de questionários estruturados. Tais informações ajudam a compreender
o comportamento do entrevistado, bem como as representações que este possui acerca de suas
experiências de vida (MAYS, 2004).
Nesse estudo são evidenciadas, num primeiro momento, algumas considerações sobre
as falas relativas à participação no Programa Bolsa Família. Posteriormente, são analisadas
algumas falas relativas à importância que as entrevistadas atribuem à escolaridade. Por fim,
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são apresentadas e discutidas algumas falas sobre a percepção das entrevistadas sobre o
trabalho e a importância atribuída pelas beneficiárias a essa variável.
A análise da avaliação que as entrevistadas fazem do PBF, mostra que atribuem grande
importância ao benefício monetário recebido, o qual, segundo elas, por ser um valor fixo e
certo, possibilita certo grau de segurança e ajuda nas despesas que precisam realizar com
gastos da casa. As falas a seguir ilustram tal percepção.
Ajuda porque eu recebo sempre no final do mês né, e ele sempre no início do mês, ai
ajuda né, compra um gás. É sempre assim pra dentro de casa mesmo. (Beneficiária
há 02 anos, casada, 31 anos, dois filhos)
Melhorou bastante, porque é um dinheiro que você pode contar pra comprar as
coisas e antes cê não tinha e agora cê conta com ele pra comprar fruta pros meninos,
leite. (Beneficiária há 03 anos, casada, 33 anos, três filhos)
Não é um dinheiro que pode ajudar bastante, mas ajuda um pouquinho entendeu? Eu
consigo comprar de tudo pra eles, de tudo básico né. É bom que eu posso contar
com aquele dinheiro, faltou alguma coisa eu vou saber que eu vou pegar , que ele tá
ali, é um dinheiro certo. Eu não to trabalhando, mas posso contar com aquele
dinheiro, mesmo que demora. (Beneficiária há 06 anos, solteira, 24 anos, quantro
filhos)
As falas das beneficiárias evidenciam a importância atribuída ao benefício monetário
oferecido pelo programa. Mesmo que o valor não seja considerado suficiente para suprir
todas as necessidades, é apontado como sendo significativo na vida de suas famílias. Para as
entrevistadas a garantia do recebimento mensal representa uma segurança. Cabe ainda
destacar que o valor recebido através do Programa Bolsa Família é sempre destinado para
suprir necessidades domésticas, em geral, compra de alimentação e vestuário para os filhos. É
importante frisar que muitas mulheres declararam que o mesmo não aconteceria caso a
transferência monetária fosse dirigida aos homens. Na percepção da maioria das entrevistadas,
ao contrário do que elas fazem, os homens gastariam o dinheiro com bebida e diversão.
Prates e Nogueira (2005), Mariano e Carloto (2009) enfatizam que as mulheres, ao
participarem de programas sociais, se tornam sujeitas a obrigações impostas pelo Estado, as
quais afetam o tempo e o trabalho feminino. Tais obrigações, segundo as autoras, se
expressam no cumprimento de atividades e responsabilidades por mulheres pobres, vinculadas
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ao cuidado de crianças, adolescentes, idosos, doentes e pessoas com deficiências. Ao impor
tal participação, argumentam os autores, o Estado está gerando para as mulheres pobres,
responsabilidades ou sobrecarga de obrigações relacionadas à reprodução social.
Essas considerações vão ao encontro do que se observa nos depoimentos de algumas
beneficiárias, as quais declararam que se sentem sobrecarregadas por serem as principais
responsáveis por acompanhar o cumprimento das obrigações impostas pelo referido programa.
Os extratos de falas apresentados a seguir ilustram este ponto.
Eu acho que sim. Às vezes pesa, o homem deveria estar lado a lado com a mulher,
principalmente em situação de saúde. Tem que dividir com o homem. (Beneficiária
há 02 anos, casada, 31 anos, dois filhos)
Então, se ela tiver trabalhando, aí tem que dividir. Se ela pode perder um hora do
serviço dela, o pai também tem a obrigação. Mas se ela ta dependendo do marido e
do Bolsa Família, ela tem a obrigação de ta cumprindo esse papel. Eu não acho que
é uma responsabilidae que sobrecarrega, mas não é uma coisa tranqüila se só a
mulher tem que fazer. (Beneficiária há 01 ano, separada, 50 anos, três filhos)
Dentro dessa ótica, é relevante refletir sobre os papéis tradicionalmente atribuídos à
mulher. Historicamente é a mulher que ocupa o papel de cuidadora, de mãe e de esposa.
Centralizar as obrigações do Programa Bolsa Família na mulher, de acordo com Mariano e
Carloto (2009) reforça a tradicional associação da mulher com a maternidade e as tarefas
pertencentes à clássica esfera reprodutiva, dificultando, dessa maneira, a conquista da
cidadania pela mesma. Os resultados obtidos neste estudo, embora não sejam passíveis de
generalização, revelam que as mulheres responsáveis por receber o benefício do PBF estão
inseridas numa rede de obrigações da qual os homens e outros membros da família não fazem
parte.
Embora a maioria das beneficiárias demonstre claramente o desejo de que seus
companheiros as auxiliem no cumprimento das obrigações no âmbito familiar, isso não ocorre.
Uma possível explicação para isso é descrita por Rego e Pinzani (2013). Para os autores, as
mulheres pobres, são destituídas de capacitação discursiva e treinadas para funções ligadas à
tradição e ao costume, como se fossem prerrogativas da natureza feminina. Ao legitimar o
papel da mulher no âmbito privado, a sociedade reforça desigualdade da mulher em relação ao
homem. . Assim, centralizar as responsabilidades do acompanhamento e cumprimento das
condicionalidades do PBF apenas na mulher pode estar reforçando o modelo de servilismo
que permeia a esfera feminina desde seus primórdios.
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A educação, ou a ausência dela é uma variável que permeia o cenário de
vulnerabilidade social. O Programa Bolsa Família preconiza, como uma de suas
condicionalidades, que crianças e adolescentes devem freqüentar a escola. Dessa forma, busca
investir no capital humano e romper, mesmo que a médio ou longo prazo, com o ciclo
intergeracional de pobreza.
No âmbito deste trabalho é possível verificar, entre as entrevistadas, a existência de um
consenso a respeito da relevância da escolaridade na vida dos indivíduos.
As falas,
apresentadas a seguir, corroboram com os estudos de Bruschini e Lombardini (1996) apud
Scorzafave (2001) sobre a escolaridade como um determinante relevante para inserção das
mulheres no mercado de trabalho.
Nossa, muito importante, porque eu não consigo arrumar um emprego por causa deu
ter só, assim emprego pra ganhar mais ou menos, por ter só esse estudo né, se eu
tivesse mais com certeza arrumaria um emprego para ganhar um pouquinho melhor,
hoje eu não consigo, consigo no mínimo um salário mínimo por causa do estudo. Eu
penso que é por causa do estudo né. (Beneficiária há 03 anos, casada, 33 anos, três
filhos)
Ah é muito importante pra arrumar uma boa profissão né, igual eu sempre trabalhei
de empregada doméstica. Minha irmã trabalha e tem um emprego melhor porque ela
terminou os estudos dela, e eu sempre em casa de família. Para ter um currículo
melhor é importante sim. (Beneficiária há 02 anos, casada, 31 anos, dois filhos)
Ah, o estudo nossa, é uma coisa que eu me arrependo grandemente deu ter saído da
escola, porque eu to querendo voltar a estudar e não posso voltar a estudar. Que eu
parei no meio do 3º ano, pra fechar faltava só 6 meses e eu sai da escola. Então
agora eu quero voltar, mas não tem como, pelo fato das crianças, eu tenho que ter
um tempo pra elas. (Beneficiária há 01 ano e meio, unida, 24 anos, três filhos)
Para a maioria das entrevistadas, a escolaridade é fundamental para melhorar a
qualidade de vida das pessoas. O fato de estarem fora do mercado de trabalho, ou em
ocupações de pouco prestígio social e baixa remuneração é atribuído, em geral, à falta de
estudo. Adicionalmente, o que se percebe na fala de muitas entrevistadas, é a estreita relação
que estabelecem com o nível de escolaridade e o número de filhos. Algumas alegam que se
tivessem estudado, certamente não teriam tido filhos tão novas ou não teriam tido o número
de filhos que tem hoje. Nesta direção, muitas alegam que por terem filhos precisam cuidar dos
mesmos e não conseguem voltar a estudar.
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Em relação ao trabalho, os resultados coletados neste estudo, revelam que a grande
maioria das entrevistadas acreditam ser o trabalho um aspecto importante para a vida dos
indivíduos. É a partir dele que se conquista a independência e a valorização das atividades
realizadas. As falas a seguir elucidam esta questão:
[...] a mulher que trabalha fora de casa ela, sei lá, ela fica mais disposta, fica mais
contente com o que faz, ela num fica em casa. É uma chatice é uma rotina, é menino,
é casa. Apesar que, quem trabalha fora tem a casa pra cuidar, mas não é aquele trem
focado ali o tempo todo. Você trabalha em casa cê num dorme, cê só fica em casa e
não recebe. É menino pra aula, menino tem que tomar banho, é menino no médico, é
casa pra arrumar, é roupa pra lavar, ah, é bem melhor quem trabalha fora, é bem
mais tranqüilo [...] eu preferia a época que eu trabalhava. Ter seu próprio salário, eu
não tinha problema de saúde. Independência é melhor, muito bom. O dinheiro é seu,
você faz o que você faz, o que você quiser, apesar de que eu recebo o bolsa família,
mas o salário é bem melhor [...] se for pra eu optar entre trabalhar o receber bolsa
família eu escolho trabalhar porque é melhor. (Beneficiária há 07 anos, casada, 42
anos, três filhos).
Antigamente eu podia vestir, vestir minhas meninas hoje já tem mais dificuldade.
Meu esposo, o que ela ganha é pra casa, é comida e aluguel. Então assim, se precisa
de um sapato tem que esperar ele fazer um hora extra ou uma coisa assim, então é
mais dificuldade. Quando eu trabalhava eu comprava as minha coisas, e hoje tenho
que esperar por ele, se der deu, se não der. A auto estima da gente vai lá em cima, a
gente que tem o dinheiro da gente e pode comprar. Ainda mais eu que tenho menina,
que gosta de andar bem arrumada. Eu choro de depressão, eu gosto de trabalhar, mas
não tava compensando. (Beneficiária há 02 anos, casada, 31 anos, dois filhos)
No péssimo, hoje em dia é péssimo! Porque a gente tem que depender só daquele
dinheiro ali, que talvez você nem tenha, a gente precisa trabalhar. Eu acho que a
mulher hoje em dia tem que ser independente, tem que trabalhar. Quando a gente
trabalha é outra coisa, você tem seu dinheiro, você pode fazer o que você quer,
quando não, é complicado. (Beneficiária há 03 anos, casada, 33 anos, três filhos)
Apesar de perceberem o trabalho como um ponto importante para suas vidas e sentirem
desejo de ingressar no mercado formal, as entrevistas revelam que há uma dificuldade, por
parte das mulheres, em conciliar as atividades domésticas, particularmente àquelas relativas
aos cuidados com os filhos e com a casa, com as atividades de trabalho. Um grande obstáculo
para a inserção no mercado de trabalho formal diz respeito à possibilidade de encontrar quem
cuide dos filhos e quem possa ajudá-las nos trabalhos que precisam ser realizados em casa, já
que usualmente não conseguem dividir as responsabilidades com o companheiro. No que se
refere aos cuidados com os filhos, vale pontuar que a rede familiar nem sempre pode ser
utilizada como auxílio, pois, em muitos casos, os próprios membros da família, como as avós,
precisam trabalhar para engrossar a renda familiar. A fala da beneficiária entrevistada,
apresentada a seguir, mostra esta questão.
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Eu indo trabalhar eu deixava os menino com a minha mãe e pagava ela pra olhar, e
eu ficava mais leve, eu saía e tinha contato com outras pessoas. Eu não era tão
estressada como eu to hoje só cuidando de menino. É cuidar de casa, apesar de
quando eu trabalhava, eu não morava com ela, eu morava sozinha já, só que eu
chegava aliviada, era aquela coisa diferente, sabe? Arrumava a minha casa toda e
não tinha aquele estresse igual eu to tendo hoje [...] eu não trabalho hoje porque
assim, querer eu quero demais, até arrumei uma pessoa pra olhar meus meninos, mas
não tava de acordo com o que eu queria, então abri mão do serviço por conta deles.
(Beneficiária há 03 anos, unida, 27 anos, quatro filhos).
Como discutido por Sarti (2011), através do trabalho, os pobres constroem a ideia de
autonomia moral, o valor moral atribuído ao trabalho compensa as desigualdades socialmente
dadas. As percepções das entrevistadas, nos extratos das falas supracitadas, corroboram os
argumentos de Sarti (2011) sobre como o trabalho pode trazer, à mulher, a satisfação de ter
algum dinheiro. Mesmo que parco e dificilmente destinado para elas próprias, o rendimento
do trabalho permite certa afirmação da individualidade.
Em contrapartida, ainda que as beneficiárias do PBF percebam o trabalho como um
aspecto importante da vida dos indivíduos, a maior parte delas não estava trabalhando no
momento da realização das entrevistas. Os depoimentos das entrevistadas apontam alguns
aspectos que contribuem para a não inserção das mesmas no mercado de trabalho. Em geral,
como mostra a fala de uma das entrevistadas, apresentada a seguir, a necessidade de cuidar
dos filhos pequenos tem um peso grande na entrada e saída do mercado de trabalho.
Adicionalmente, a fala também remete a questionamentos sobre a precariedade dos
equipamentos sociais que permitam às mulheres conciliar maternidade e atuação no mercado
de trabalho.
Eu sempre trabalhei, mas toda vez que eu começava a trabalhar eu ficava uns dois,
três meses no serviço tinha que sair por causa das minhas crianças. Geralmente
porque a pessoa que tava olhando não queira olhar mais. Aí eu não tinha condição
de arrumar uma pessoa mais barata. Ai adoecia e eu tinha que ficar faltando muito
no período de experiência, mas eu sempre trabalhei pra pode manter eles.
(Beneficiária há 01 ano, solteira, 29 anos, cinco filhos).
Ficou também evidenciado, nos resultados obtidos nesse estudo, que a inserção das
entrevistadas no mercado de trabalho é atravessada pelos vários papéis que ela ocupa dentro
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das relações familiares. Os extratos das falas a seguir ilustram a dificuldade para conciliar
papéis e atender normas socialmente estabelecidas.
É difícil, para conciliar as duas coisas fica pesado. Igual minhas meninas mesmo, se
comia, comia, se não comia tava por isso mesmo, não é minha filha. Meu marido me
cobrava muito, apesar eu chegava dentro de casa e já ia começar a mexer em tudo,
lavar, passar, cozinhar, não tirava nem a bolsa do lado, mas ele pedia atenção. Era
pesado, é uma carga muito pesada. Ainda mais nesse serviço de doméstica né, a
gente já trabalha igual doido na casa dos outros, e tem que chegar e fazer tudo de
novo. (Beneficiária há 02 anos, casada, 31 anos, dois filhos)
Eu penso que a casa ela da conta, mas com os filhos a gente fica devendo. Trabalhar
e cuidar da casa quando a gente chega, a gente da conta, mas o filhos, aquele tempo,
a gente fica devendo pra eles e pra gente também. A gente fica querendo ficar o
tempo todo com eles e não pode. Quando a gente vê já cresceu, já é tarde [...]A
gente perde muito tempo, não tem tempo pra casa, não tem tempo pro marido, não
tem tempo pros filhos. A gente chega e: Ah tenho que arrumar a casa, tenho que
lavar a roupa, e o marido fica ali, e os filhos fica ali. (Beneficiária há 01 ano,
separada, 50 anos, três filhos)
Os depoimentos das entrevistas sugerem que, mesmo diante de conquistas significativas
no que diz respeito a igualdade entre homens e mulheres, as relações de gênero ainda são
norteadas por valores patriarcais. Existe ainda, uma divisão muito clara em relação aos papéis
exercidos pelos homens e pelas mulheres. Sarti (2011) descreve que o homem é considerado
chefe da família, e a mulher chefe da casa. Em determinado momento das entrevistas, as
mulheres foram solicitadas a comentarem o que pensavam sobre as seguintes frases: “A
responsabilidade do homem é ganhar dinheiro e sustentar a casa”; e “A mulher cuida melhor
da casa e dos filhos do que o homem”. A maior parte das beneficiárias alegam que a
responsabilidade do homem é ganhar dinheiro e sustentar a casa, e que a mulher cuida, de fato,
melhor da casa e dos filhos do que o homem. Contudo, as beneficiárias que se encontram
separadas, não revelam, nos seus depoimentos, dificuldades em assumir a responsabilidade de
ganhar dinheiro e sustentar a casa. Neste sentido, os resultados vão em direção ao descrito por
Sarti (2011), que pontua que cumprir o papel masculino de provedor não configura, de fato,
um problema para a mulher, acostumada a trabalhar, sobretudo quando tem precisão
(destaque da autora).
A pesquisa revela, ainda, que o fato de receberem o benefício via Bolsa Família, não
gera desestimulo ao trabalho. De maneira geral, o recebimento do benefício proporcionou, e
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proporciona significativas mudanças na vida material dessas famílias, especialmente para as
crianças. Pelo contrário, as entrevistadas são bastante incisivas ao expressarem o desejo de
ingressar no mercado de trabalho, mas ressaltam, entretanto, que a baixa escolaridade e a
necessidade de cuidarem dos filhos fazem, em geral, que isto não seja vantajoso. Ou seja, o
custo seria mais elevado, já que o salário seria baixo e o que teriam que pagar para uma
pessoa cuidar dos filhos não valeria à pena. Assim, é possível argumentar que os arranjos de
cuidado infantil são fundamentais para viabilizar o ingresso das mulheres que desejam se
inserir no mercado de trabalho formal. Além disso, mais uma vez, é importante ressaltar a
lacuna existente em nossa sociedade quanto à disponibilidade de equipamentos sociais que
favoreçam o engajamento das mulheres no mercado de trabalho. A estrutura de creches
públicas no país é bastante precária, o que gera uma dificuldade para as mulheres de classes
menos favorecidas que não podem pagar por serviços privados.
Partindo dessas considerações, é oportuno que sejam desenvolvidas estratégias de
conciliação entre o trabalho e família. Como ressalta Silva e Lima (2010) o Programa Bolsa
Família, pouco investe em políticas complementares que possa possibilitar maiores condições
de inserção da mulher no mercado de trabalho. A ausência de equipamentos públicos como
creches e escola integral foi mencionado pela maioria das entrevistadas como um dificultador
da participação da mulher no mercado de trabalho. Seriam esses equipamentos importantes
dispositivos de conciliação entre família e trabalho.
4
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo central deste estudo foi verificar se as beneficiárias do Programa Bolsa
Família (PBF) percebem uma relação entre inserção feminina no mercado de trabalho e
empoderamento, buscando evidenciar a percepção das mulheres beneficiárias sobre
dificuldades e possibilidades de sua inserção no mercado de trabalho.
A partir das entrevistas realizadas com beneficiárias do programa, foi possível
identificar que, independente do arranjo familiar, a maior parte das mulheres expressam
19
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interesse em exercer uma atividade remunerada e se dedicarem aos estudos. A análise também
evidencia que, para essas mulheres, o trabalho remunerado seria um meio para se afirmarem
como pessoas mais independentes, tendo voz mais ativa em suas famílias e relacionamentos.
A inserção da mulher no mercado de trabalho é, portanto, considerada, pelas
beneficiárias do Programa, uma possibilidade repleta de desafios. Para elas, o fato de ter
filhos, as inúmeras tarefas domésticas e, em geral, a baixa escolaridade são aspectos que
dificultam sua participação no mercado formal de trabalho. A pouca escolaridade, que resulta
em recebimento de baixos salários, faz com que a saída do lar não seja recompensadora.
Como principais beneficiárias do programa, as mulheres se tornam responsáveis pelo
atendimento das diferentes condicionalidades postas pelo Programa Bolsa Família. Tais
cumprimentos somam-se aos encargos domésticos já existentes, sobrecarregando ainda mais a
mulher beneficiária. Este panorama geral indica que a possibilidade de realizarem escolhas
estratégicas em função de expansão em habilidade, ou seja, o empoderamento, ainda é um
caminho que poucas mulheres começaram a percorrer. Sem dúvidas, muitas mulheres
passaram a ter um controle sobre determinadas esferas de suas vidas, mas não de maneira tal
que se possa alegar que são mulheres empoderadas e autônomas, afinal o controle ainda está
circunscrito, de maneira evidente, ao domínio privado do lar.
5
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WOMEN´S WORK AND EMPOWERMENT: PERCEPTIONS FROM
THE BRAZILIAN BOLSA FAMÍLIA PROGRAM BENEFICIARIES
Abstract: The aim of this study is to discuss women´s work, emphasizing issues related to
their empowerment in the context of the Brazilian Bolsa Família program. Specifically, it
analyses aspects related to women´s work difficulties and possibilities and women´s
empowerment. Discussions are based upon 12 semi-structured interviews made with women
who are beneficiaries from the Brazilian Bolsa Família program in the city of Contagem,
Minas Gerais. Our partial results show that interviewed women believe that work is a main
key for conquering their empowerment. Besides that, they also believe that working women
are more valued and are more likely to establish social relationships outside the family
borders. Hence, work is not only economically important; it is also a social relevant aspect.
Despite that, interviewed women argue that their insertion in the labor market is replete with
a variety of obstacles. Among those obstacles are their low educational levels, their problems
to find someone trustful to take care of their kids and traditional social values and norms that
impose some kinds of roles to women.
Keywords: Female work, Women´s empowerment, Brazilian Bolsa Família Program
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O TRABALHO EMOCIONAL EM SERVIÇO SOCIAL1
BOLZAN, Débora de Paula2 - [email protected]
Universidade Federal de Goiás – Faculdade de Ciências Sociais
Campus II - Samambaia
74001-970 – Goiânia – GO
NUNES, Jordão Horta3 - [email protected]
Resumo: Esta comunicação analisa o trabalho emocional como uma das diferentes
dimensões e exigências do trabalho em Serviço Social. Para tanto, propõe uma discussão da
temática, ainda pouco utilizada no Brasil, e traça como objetivo identificar como a
apropriação do trabalho emocional é feita nessa profissão. A metodologia privilegia as
abordagens qualitativas, com base em levantamento da literatura pertinente, análise
documental e observação sistemática. A pesquisa de campo foi desenvolvida por meio de
entrevistas narrativas e entrevistas semiestruturadas com assistentes sociais da região
metropolitana de Goiânia, GO. Os resultados identificam que a natureza da tarefa de
assistente social é, por si só, altamente exigente de trabalho emocional, configurando um
campo complexo de atuação frente à necessidade de gerenciamento das emoções da/o
profissional e as dos usuários, trazendo ainda, em alguns casos, efeitos negativos para a
saúde. Os resultados apontam ainda, que o trabalho em Serviço Social envolve uma
interseção intrínseca com gênero, configurando o trabalho das emoções como sexuado e
constitutivo do processo de construção da identidade profissional. A comunicação, que tem
como base um projeto em desenvolvimento, organiza-se da seguinte forma: apresentação do
campo dos serviços como lócus privilegiado do trabalho emocional, inserindo nesse contexto
o Serviço Social; construção de embasamento teórico para implementar a análise do
trabalho emocional; apresentação de resultados da pesquisa empírica.
1
Esta comunicação tem como base um projeto em desenvolvimento em nível de mestrado: “O trabalho em
Serviço Social: profissionalização, identidade e gênero”, no Programa de Pós-graduação em Sociologia da UFG,
sob orientação do Prof. Jordão Horta Nunes.
2
Mestranda do Programa de Pós Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Goiás (PPGS/UFG).
3
Professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás. Doutor em Sociologia pela
Universidade de São Paulo.
24
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Palavras-chave: Serviço social, Trabalho emocional, Setor de serviços, Gênero.
INTRODUÇÃO
As atuais relações de trabalho têm despertado velhos e novos debates sobre o mundo do
trabalho, suas transformações e seus efeitos sociais sobre os trabalhadores, como desemprego,
precarização do trabalho, terceirização, enfraquecimento dos sindicatos etc. Dentre as
transformações em curso o aumento da População Economicamente Ativa (PEA) feminina é
uma das alterações demográficas mais importantes do final do século XX em nosso país. Esse
crescimento foi impulsionado pelo aumento da escolaridade feminina, pela diminuição da
taxa de fecundidade, pelo aumento do custo de vida e principalmente, pelo crescimento do
setor de serviços4, setor que mais absorve o trabalho de mulheres. O desenvolvimento deste
setor tem provocado mudanças fundamentais na economia, tornando-se a principal forma de
ocupação nas economias ocidentais (SORJ, 2000).
Nesse contexto, a globalização tende a gerar ou potenciar polarizações no mundo do
trabalho, com efeitos evidentes e complexos em largos extratos da população. Suas dimensões
e consequências tendem a afetar, sobretudo, trabalhadores mais jovens, imigrantes, mulheres e
negros. Como resultado dessas mudanças, Sorj (2000) observa que tem havido “uma forte
estratificação do mercado de trabalho”, em que os empregos menos qualificados, em tempo
parcial ou temporário, são ocupados predominantemente por mulheres e jovens com pouca
escolaridade e, portanto, apresentam poucas oportunidades de carreira e mobilidade.
Para Sorj (2000) as ocupações do setor de serviços se distinguem do processo do
trabalho na indústria e assumem um “novo modelo de trabalho que escapa completamente ao
4
A distinção habitual entre atividades econômicas compreende os tradicionais setores: primário (agrícola, pesca,
caça e extrativismo), secundário (industrial) e terciário (serviços). Entretanto, essa classificação superficial não
leva em conta o atual crescimento e a diversificação que os serviços adquiriram nas economias atuais. Entre as
principais atividades de serviços pode-se listar: comércio, transportes; publicidade; computação;
telecomunicações; educação; saúde; recreação; o setor financeiro, bancário e de seguros; administração pública;
serviços postais, religiosos; alimentação; manutenção e reparação; beleza e higiene; diversões e recreação, etc.
25
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padrão prevalecente na produção industrial” (p.30). As interações estabelecidas nas ocupações
do setor de serviços exigem novas formas de controle, de gerenciamento e administração das
emoções constituídas nessas interações. Não obstante, um viés de gênero torna-se
fundamental para a análise dessas interações e das transformações em curso no mundo do
trabalho, uma vez que as mulheres constituem maioria nos postos de trabalho mais precários e
informais, principalmente no setor de serviços (HIRATA, 2002).
Historicamente, o setor é por excelência ocupado por mulheres, essencialmente no
emprego doméstico; no entanto, mesmo nas ocupações de nível superior, ainda permanecem
guetos ocupacionais, como enfermagem, pedagogia e serviço social; são ocupações vistas
como extensões aos trabalhos já realizados por elas no âmbito doméstico. Ou seja, a
externalização de atividades com qualidades e atributos considerados femininos, que ocupam
uma posição inferior na hierarquia das profissões, auferem baixos rendimentos e obtêm baixo
status social. As atividades menos qualificadas, em que o trabalho manual e repetitivo é
requerido, são destinadas as mulheres, por meio da divisão sexual5 do trabalho, naturalizada
no mercado de trabalho. Isso significa que o trabalho feminino tem sofrido uma exploração
ainda mais intensificada na era globalizada, sendo predominante no universo do trabalho em
tempo parcial, precarizado e desregulamentado (HIRATA, 2009).
Em contrapartida, Hirata (2009) observa que tem havido um aumento da escolaridade
feminina e um contingente, ainda muito pequeno, mas crescente, de mulheres em ocupações
de mais prestígio e em profissões historicamente masculinizadas, como engenharia e medicina.
É crescente a presença feminina em chefias, gerências e em ocupações jurídicas, como juízas
e delegadas. Apesar disso, as desigualdades de rendimento entre homens e mulheres, a
permanência feminina como principal responsável pelas tarefas do âmbito doméstico e pelo
cuidado dos filhos mostram as relações desiguais e discriminatórias que incidem e persistem
sobre o trabalho feminino.
5
O termo refere-se à distribuição desigual de homens e mulheres no mundo de trabalho e as variações no tempo e
no espaço dessa distribuição. Essa divisão se associa à distribuição desigual do trabalho doméstico entre os
sexos, hierarquizando atividades, valorizando ou não certas profissões e criando “guetos” ocupacionais, como é
o caso do Serviço Social. No contexto da literatura brasileira sobre a temática, é fundamental consultar o
trabalho pioneiro de Lobo, E.S. A classe operária tem dois sexos, trabalho, dominação e resistência. São Paulo:
Brasiliense, 1991.
26
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O trabalho em serviços envolve um componente altamente sexuado, designado por
Arlie Hochschild (1983) como trabalho emocional (doravante TE). O termo remete a
atividades em determinadas ocupações que incorporam componentes emocionais, como o
trabalho de comissárias/os de vôo, que exige o domínio de emoções e é objeto da
expropriação de forma contínua, pela empresa, da simpatia e do sorriso exibidos no
comportamento dos/as trabalhadoras/es, mesmo quando esses manifestações de sentimentos
não correspondam, subjetivamente, aos sentimentos experimentados. O trabalho emocional
constitui assim, fator implícito e não pago em grande parte dos empregos em serviços,
apresentando um caráter fortemente ligado a atributos socialmente construídos como
femininos. Nesse contexto, o trabalho em Serviço Social incorpora também trabalho
emocional, apoiado na figura feminina e em valores ligados à imagem da mulher, como será
visto mais adiante, recuperando os dados da pesquisa empírica. Além disso, o trabalho em
Serviço Social apresenta particularidades, principalmente porque a profissão é constituída
historicamente por marcadores de desigualdade: é historicamente feminizada, instalada no
setor de serviços, recebendo escasso prestígio social e os baixos níveis de remuneração
característicos dos vínculos nessa ocupação.
1
O TRABALHO EMOCIONAL
A gerência das interações, sentimentos e emoções produzidas no ambiente de trabalho
caracterizam o trabalho emocional. Hochschild (1983) mostra, em The managed heart... como
a ocupação das aeromoças relaciona-se com um profundo controle de emoções
e a
expropriação de uma imagem aos clientes, como sorrisos, cordialidade, amabilidade, mesmo
que não sejam autênticos ou sinceros, materializando o trabalho emocional. Dessa forma, o
gerenciamento das emoções é uma forma consciente de como “os seres humanos atuam para
suprimir a distância entre o que estão sentindo e o ideal que têm do que deveriam sentir”
(BONELLI, 2003, p.358).
Hochschild (1983) explica, por intermédio da noção de trabalho emocional, como a
empresa interfere nos sentimentos dos próprios funcionários, interpretando-os e redefinindo-o
27
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com uma finalidade de lucro. A expressão de emoções torna-se passível de compra e venda,
ou seja, os sentimentos humanos revestem-se de racionalidade, assumindo a feição de
mercadorias. Nesse contexto, até a aparência física do trabalhador torna-se instrumento de
venda, sendo inclusive sinônimo de profissionalismo. O trabalho emocional constitui assim,
fator implícito, ainda que não administrado ou plenamente racionalizado, em grande parte dos
vínculos em serviços, apresentando um caráter fortemente sexuado, ligado a sentimentos
socialmente construídos como femininos, tais como paciência, amabilidade e dedicação.
Nesse contexto, o trabalho em Serviço Social o trabalho em Serviço Social apresenta
particularidades, principalmente porque a atividade é constituída por marcadores de
desigualdade: é historicamente feminizada; instalada no setor de serviços; não ocupa lugar de
destaque na hierarquia das profissões; associa-se a escasso prestígio social e a baixos níveis
de remuneração característicos dos vínculos na ocupação.
O conceito de TE é ainda pouco difundido no Brasil; mas, desde que foi formulado por
Arlie Hochschild (1983) na década de 1980 passou a orientar diversas pesquisas no âmbito
internacional.
Valquíria Padilha (2013) registra a publicação de mais de 300 artigos
empregando o conceito de TE, indicando que a temática encontra-se num intenso debate em
diferentes países. O conceito contribui para pensar o trabalho no setor de serviços em seus
diversos aspectos e pode ser estendido para entender como as/os profissionais de Serviço
Social se apropriam e gerenciam as emoções decorrentes do trabalho nessa profissão.
Hochschild tornou-se o nome forte da sociologia das emoções, consolidando as
emoções como campo de estudos, com ênfase ao mundo do trabalho e articulando cultura,
emoção, família, trabalho, identidade, cuidados e personalidade. Utilizando o ponto de vista
dos teóricos interacionistas, a socióloga considera a cultura como determinante na
manifestação da emoção. Segundo Hochschild, “o trabalho emocional (emotional work)
consiste na administração do sentimento para criar uma fachada facial e corporal
publicamente observável” (2003, p. 7). Na esfera pública o trabalho emocional tem um valor
de troca, torna-se uma mercadoria comercializada, ainda que, no espaço privado, esses atos
emocionais tenham apenas um valor de uso.6 Ao desempenhar o trabalho emocional o agente
6
Hochschild designa como administração das emoções (emotion management) ou operacionalição das emoções
(emotion work) a atividade do trabalho emocional no espaço privado.
28
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atua superficialmente (surface acting), como ao sorrir para demonstrar gentileza e
receptividade, mas também atua em profundidade (deep acting), refletindo e transformando
seus sentimentos para justificar subjetivamente a expressão de sinais corporais que
manifestam objetivamente o trabalho emocional.
Historicamente, a oposição entre emoção e racionalidade faz parte da cultura ocidental.
Durante muito tempo acreditou-se que era possível separar razão e emoção na esfera do
trabalho; isso faria com que o trabalhador fosse mais eficaz e produtivo. Essa visão, ainda
existente, heterogeniza e simplifica o trabalho, subestimando os efeitos das emoções,
inclusive sob a saúde do trabalhador. No entanto, como atividade humana, o trabalho “é
cenário de (re)produção de diferentes emoções”: as pessoas se emocionam com uma
promoção, sentem medo de perder o emprego ou de sofrer um acidente no trabalho, criam
relações no trabalho etc. (SOARES, 2013). Essas relações estabelecidas no ambiente de
trabalho envolvem emoções e sentimentos e influenciam no processo de construção das
identidades sociais. A interação estabelecida produz “significados que operam como
importantes sinalizadores do valor do produto para os consumidores. Dito de outra forma, o
próprio trabalhador é parte do produto que está sendo oferecido ao cliente” (SORJ, 2000,
p.30). Nessas interações “o trabalhador está obrigado a estabelecer contatos rotineiros com
pessoas que não conhece, com as quais não possui nenhum vínculo, e com o desafio de
oferecer a elas serviços numa dimensão às vezes absolutamente pessoal” (NUNES, 2011,
p.38). O controle emocional, que deveria ser uma atitude privada, torna-se, em muitas
ocupações, atributo do trabalho, sendo desempenhado tão rotineiramente que pode ser
considerado no mercado como uma commodity (NUNES, 2011). No trabalho em serviços
exige-se do trabalhador muito mais do que trabalho físico, do corpo e das mãos: as interações
são altamente demandantes de esforço emocional. Muitas vezes o que se compra é a própria
relação que se estabelece, como nas instituições de ensino-aprendizagem.
O TE apresenta três características essenciais para Hochschild: o contato direto e
constate com o público (face a face ou voz a voz); o contato com o estado emocional do
cliente/usuário, interagindo e produzindo um estado emocional no outro (gratidão, emoção,
alegria, satisfação, medo etc.); a influência da administração/gerência, por meio de
treinamento e supervisão, exercendo controle sobre as atividades dos empregados (PADILHA,
29
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2013). No caso do Serviço Social certamente as duas primeiras características se evidenciam,
pois o contato com os usuários frequentemente ocorre, muitas vezes em seus próprios
domicílios ou vizinhanças de moradia. Entretanto, o controle administrativo ou, no limite,
coercitivo, não ocorre, a não ser em casos específicos. Por um lado, as competências hoje
atribuídas e reconhecidas na ocupação priorizam a implementação de políticas públicas e
programas sociais, mas ainda é forte a dimensão “assistencialista” que caracterizou a
ocupação no passado, a que corresponde uma representação social ligada ao cuidado (care),
valorizando social e psicologicamente a interação presencial e, no limite, afetiva, com os
usuários. Na Lei 8.662/93, por exemplo, que institui as atribuições privativas para o exercício
profissional de assistentes sociais, a dimensão do “cuidado” está presente na competência de
encaminhar providências, prestar orientação social a indivíduos e grupos, orientando-os no
sentido de identificar recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus
direitos. (Cf. BRASIL, 1993, art. 4º). Além disso, as relações estabelecidas entre profissional
e usuários se tornam de grande importância para as instituições empregadoras, geralmente
órgãos públicos. Ou seja, a qualidade dos atendimentos e das relações estabelecidas entre
profissional e usuários favorece a representação positiva da instituição, legitimando suas
políticas e reforçando o poder estatal. Nessa relação se requer maior dispêndio de TE pelo
profissional de Serviço Social, mediando os interesses e objetivos entre instituição e usuários.
Segundo Glória Bonelli (2003), as ocupações que lidam diretamente com público e
estão em posições subalternas na hierarquia das profissões são as que incorporam mais TE,
contribuindo, assim, para pensarmos o trabalho das emoções numa perspectiva de gênero,
uma vez que o TE “é mais acentuado entre as mulheres do que entre os homens” (p.357).
Determinados grupos ocupacionais estão mais suscetíveis a realizar TE, como: comissárias de
vôo, enfermagem, serviço social, relações públicas, venda direta. Tais profissões são
marcadas por uma estreita separação entre as características pessoais e sua adequação ao
trabalho, transformando traços como aparência, idade, educação, gênero e raça em potencial
produtivo, “de tal forma que características e competências individuais são a condição mesma
da empregabilidade” (SORJ, 2000, p.30).
A clivagem entre TE e gênero faz com que trabalhos que exigem maior grau de
expropriação das emoções sejam geralmente preenchidos por trabalhadoras, afirmando que as
30
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disposições emocionais fazem parte das próprias condições de trabalho. As diferenças entre os
sexos criadas desde a socialização dos indivíduos ganham concretude na divisão sexual do
trabalho, atribuindo às mulheres profissões que impõe uma sobrecarga emocional mais
pronunciada (SOARES, 2013).
Em vários casos o gerenciamento laboral de emoções está relacionado ao
reconhecimento e valorização cultural de certos estereótipos, como o da “família tradicional”
e seus papéis de homem “provedor”, ligado à esfera pública, e a mulher voltada ao trabalho
reprodutivo, doméstico, e valores a este associados. No caso das comissárias de vôo,
pesquisadas por Hochschild, percebe-se que, no contexto histórico dos anos 1960 o conjunto
de valores e regras da família tradicional foi adaptado com sucesso para as atividades das
aeromoças. Nos treinamentos ministrados por uma das empresas pesquisadas às aeromoças e
comissários empregava-se a analogia do “lar”, conduzindo os/as funcionários/as a se
relacionarem com os passageiros assim como se relacionariam com convidados numa reunião
familiar, em suas próprias casas (Cf. 2003, p. 105). Entretanto, esse tipo de analogia sofreu
transformações com o desenvolvimento da aviação comercial e o aumento do número de
passageiros, bem como a acessibilidade do serviço a estratos de menor poder aquisitivo. Com
a criação de linhas de trajetos menos extensos os vôos tornam-se mais curtos para os clientes,
enquanto as jornadas tornam-se mais longas para as comissárias, com número maior de
passageiros a serem atendidos. Assim, as representações sociais sobre a família tradicional e
os vocabulários de motivações a elas associados se modificaram com o ingresso das mulheres
na esfera pública do trabalho externo, acarretando mudanças no trabalho emocional, em nível
privado e público; processo análogo sofre não somente no trabalho de comissários de vôo,
mas no setor de serviços em geral. Entretanto, essas mudanças no trabalho emocional
acarretam negociações identitárias, transformações nos selves, por vezes afetando o campo
psicológico, já que se trata de proteger a autoestima. Essas alterações nem sempre coadunam
com os interesses da empresa ou instituição, podendo redundar em problemas na interação
com os usuários, descontinuidades no envolvimento ocupacional e até consequências para a
saúde, como estresse, o estranhamento de si e a perda da capacidade de sentir
Em pesquisa com teleatendentes, Vilela e Assunção (2007) constatam que a supressão
da emoção e o gerenciamento do TE podem causar feitos negativos para a saúde e para o
31
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funcionamento da organização, entre eles a exaustão emocional e o esgotamento físico e
emocional. Para as autoras:
Isso pode ser explicado pelo fato de ser possível controlar o comportamento, mas
não a experiência subjetiva da emoção. Uma das causas de adoecimento e exaustão
nas tarefas que requerem trabalho emocional é o fato de que, apesar de a
organização tentar controlar o comportamento e a forma de manifestar emoções, ela
não consegue alterar a experiência interna, a vivência da emoção verdadeira
(VILELA e ASSUNÇÃO, 2007, p.90).
No trabalho das emoções nem todos os sentimentos podem ser expressos ao público. Na
prática, códigos de conduta e regras de comportamento estabelecidas e aceitas socialmente
guiam o trabalho emocional, preconfigurando as interações. Emoções negativas, como raiva e
desprezo não podem ser visíveis, ao passo que outras, tais como simpatia, amabilidade podem
e devem ser externadas.
As regras de sentimentos são construídas culturalmente, fazendo parte da tradição e da
socialização. Soares (2013) pontua que o próprio ato de chorar é sexuado. Os homens são
educados para reprimir emoções e não demonstrá-las em público. Principalmente na infância
é freqüente ouvirmos que “homem não chora”. “No mundo da virilidade, as lágrimas são
associadas à fraqueza, à feminilidade, à covardia” (idem, p.167). Por outro lado; os
estereótipos de gênero permitem que a mulher exponha suas emoções, relacionando-as a sua
“natureza biológica”, a fragilidade e docilidade (SOARES, 2013). Portanto, a cultura e a
socialização têm papel crucial na determinação de quem pode expor ou inibir suas emoções,
determinando como, onde e por que elas devem e podem aparecer.
No mundo dos serviços, as regras de sentimentos buscam reduzir tempos, aumentar a
produtividade, vender produtos, fidelizar clientes e, claro, contemplar um dos principais
requisitos deste setor: o atendimento ao público. Essas regras visam, de acordo com Vilela e
Assunção (2007), moldar as emoções do trabalhador para o contato com as emoções do
cliente. No caso do teleatendimento, o trabalhador deverá, entre outras atividades, atender
usuários irritados com a qualidade do serviço prestado, solucionar problemas, receber
reclamações de clientes aborrecidos, entre outras atividades, e, para tanto, deverá gerir e
moldar suas próprias emoções e mediar o contato cliente-fornecedor, além de trabalhar sob
rígido controle e com poucas margens para alterar a forma prescrita pela organização para
32
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conduzir a solução do problema. Assim, as situações de contato com o cliente exigem
equilíbrio na lida com situações extremas – como manifestações agressivas e/ou abusivas
demonstradas pelos clientes insatisfeitos- ou permanente cortesia e amabilidade. Para isso, as
regras de sentimentos são apresentadas em treinamentos formais e transmitidas no cotidiano
de trabalho com o objetivo de administrar o tipo, o momento e a intensidade da emoção, além
disso, há monitoração intermitente para que a empresa se assegure de que “a demonstração de
sentimentos está “correta” (VILELA E ASSUNÇÃO, 2007, p.86).
Se todos os trabalhadores atuam sobre suas emoções, essa atuação se dá de forma
diferente em cada grupo ocupacional, sendo que uns o fazem mais que outros, reproduzindo
concepções de masculinidade e feminilidade historicamente construídos. Assim, torna-se
importante identificar como a apropriação do trabalho emocional é feita no Serviço Social.
2
O TRABALHO EM SERVIÇO SOCIAL E O GERENCIAMENTO DAS
EMOÇÕES
No decorrer da pesquisa empírica desenvolvida para o mestrado em andamento foram
realizadas e transcritas dezesseis entrevistas semiestruturadas, em que foram empregados
também elementos da técnica de entrevistas narrativas 7 . Todas/os as/os profissionais são
formados em Serviço Social e empregadas/os como assistentes sociais. Foram selecionadas
seis8 entrevistas para a análise desta comunicação, cinco mulheres e um homem, conforme
mostra o Quadro 1.
Nos espaços ocupacionais, o cotidiano das/os assistentes sociais e as demandas são
envoltas de componentes emocionais que exigem um alto grau de gerenciamento emocional:
7
As entrevistas semiestruturadas foram empregadas como um guia, mas permitindo o improviso de outras
questões sobre os objetivos pesquisados. As entrevistas enfocaram as experiências biográficas, possibilitando o
contato com a realidade vivida pelos sujeitos, permitindo a obtenção de dados dos mais diversos aspectos da vida
social das assistentes sociais. Já as narrativas tem o objetivo de obter experiências mais subjetivas e dados de
maior profundidade do que nos relatos da entrevista semiestruturada. Compreende-se as histórias de vida como
construções sociais, ou seja, as narrativas fornecidas revelam as construções culturais dos processos construtivos
da vida das/os entrevistadas/os (FLICK, 2009).
8
Para garantir a privacidade e confidencialidade das/os participantes da pesquisa os nomes verdadeiros foram
substituídos, resguardando a identidade e a identificação das/os mesmas/os. A pesquisa contempla todos os
requisitos legais exigidos pelo Comitê de Ética da UFG.
33
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violência doméstica, injustiças sociais, pobreza, desigualdades de todo tipo, trabalho
doméstico, abuso sexual e moral, direitos reprodutivos (gravidez, aborto), planejamento
familiar, disputa de guarda, dependência química, movimento LGBT; entre outros. Os relatos
seguintes expõem as principais demandas que exigem TE das assistentes sociais:
Situação Número
Religião
conjugal de filhos
Pertença
Ano de
étnicoformação
racial
Nome
Sexo
Idade
Naturalidade
Alice
feminino
42
Goiânia/GO
casada
3
católica e
espírita
negra
1998
contrato autônomo de
prestação de serviço
Laura
feminino
43
São Paulo/SP
casada
5
católica
negra
2005
contrato autônomo de
prestação de serviço
Luiza
feminino
53
Damolândia/GO
casada
2
católica
branca
2006
estatutário
Ana
feminino
30
Goiânia/GO
união
estável
0
espírita
branca
2007
estatutário
Gabriela feminino
35
Franca/SP
casada
0
católica
branca
2006
estatutário
50
Rio Casca/MG
casado
católico
pardo
2003
contrato autônomo de
prestação de serviço
Pedro
masculino
2
Tipo de vínculo
QUADRO 1– PERFIL DAS/O ASSISTENTES SOCIAIS ENTREVISTADAS/OS
Fonte: Construído pelos autores com base nas entrevistas realizadas
A gente lida com muitas situações de violência na nossa área e eu estou sentindo
mais do que quando eu trabalhava no judiciário, porque eu trabalhava na vara de
família, geralmente era disputa de guarda, não era como no Ministério Público de
denúncia, problemas mais urgentes. (...) Violência contra mulheres pra mim é bem
difícil (Gabriela).
Aqui são todas, porque são vítimas de violência, crianças, né; muitas vezes é
violência intrafamiliar. A gente faz o atendimento e busca garantir todos os direitos,
porém, eu não gostaria de estar nesse programa, isso mexe muito comigo (...) são
jovens, são crianças que vêm pro atendimento, são de baixa renda (...) vêm em sol
ou chuva pra ter o atendimento (Laura).
Situação de criança, criança me afeta muito e idosos; me afeta, mas eu gosto de
trabalhar é com essa demanda...eu gosto de trabalhar com isso embora me afete
(Ana).
Olha, (...), por exemplo, mãe solteira que tem dois, três filhos e ela que resolve tudo,
que dá alimento, ela que encaminha pra escola, é pai e é mãe, isso me emociona
muito, eu fico emotiva com isso porque eu sei que ela tem que ir pro trabalho e fica
entre a cruz e a espada. Ela fica pensando no filho que pode tá usando droga; ou uma
mãe que tem uma filha pequena, não tem com quem deixar, não tem família, é só ela
e as crianças, a mãe tá se matando e chega em casa vai lavar a roupa, vai preparar a
comida pra deixar pronta pro outro dia; isso é o que mais acontece (Luiza).
34
Anais - 2014 V SITRE - ISSN 1980 - 685X
Alice ressalta que próprio relacionamento com o usuário, a capacidade de escuta e as
emoções trazidas pelos esses produzem TE:
Ai me emociona porque tem hora que você.... tem vezes que o usuário só quer ser
ouvido, e isso também é muito importante, porque a partir do momento que ele
chega na unidade, que você recebe, que você faz a primeira acolhida, que ele senta
na sua frente e faz assim “ai”, você vê que você já acolheu bem aquele usuário. E ali
ele tá aberto a tudo, você entra no seio da família, você entra na intimidade daquele
usuário, ele traz coisas assim, que querendo ou não, não tem como não se emocionar
(Alice).
De uma parte, o usuário chega ao Serviço Social com um conjunto de expectativas de
natureza psicológica, emocional e material advindas de situações como violação de direitos,
empobrecimento, abuso sexual, carência material etc. De outra, a/o assistente social ao
mesmo tempo apresenta-se com uma conformação psicológica e emocional também complexa,
tendo este que gerir e mediar a relação daquele com o Estado. Essa relação de proximidade
faz com que a/o assistente social tenha acesso privilegiado a informações dos usuários e
desenvolva ainda mais o TE, tornando a prática profissional um exercício constante no
sentido de gerenciar, além das suas próprias emoções, as emoções do outro. O cotidiano de
trabalho interioriza as emoções, fazendo com que fazer o TE seja desenvolvido de forma
intermitente no Serviço Social.
Na tentativa de separar o racional do emocional, Pedro afirma: “A gente acha que com
algum tempo vai conseguir, mas não consegue não”. E relata que se sente “abalado” quando
os obstáculos burocráticos das políticas públicas prejudicam os usuários: “Saber que o entrave
burocrático acaba com a vida da criança e adolescente, isso me deixa extremamente triste”
(Pedro). Nesta ocasião, ele se refere a um episódio acontecido na noite anterior a entrevista.
Essa noite houve uma confusão, por inabilidade da técnica e do educador a menina
foi parar no DEPAI9. Ela está aqui porque tem o direito violado, se ela vai pro
DEPAI, ela vai deixar de ser uma menina com ação protetiva, pra ser uma menina
que vai ser penalizada. Com certeza ela vai pra medida socioeducativa, isso me
deixa muito triste, muito chateado (Pedro).
9
A Delegacia de Apuração de Ato Infracional (DEPAI) é responsável pela investigação e apreensão de
adolescentes autores de atos infracionais.
35
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Neste caso, a inabilidade de outros profissionais fazendo com que a “menina” fosse
encaminhada para um lugar indevido fez com que o entrevistado se sentisse, de alguma forma,
também afetado pela situação de injustiça.
A entrevistada Luiza ressalta que as exigências da instituição não condizem com as
reais condições de trabalho, pontuando a sobrecarga de trabalho, o desgaste e a burocracia
como demandantes de TE:
Olha, aqui é um trabalho que exige muito, que absorve muita energia da gente, aqui
é atendimento ao adolescente infrator [...]. Aqui é demais o trabalho, eu falo aqui,
mas não é só aqui não, isso é em todas as unidades; a exigência é muito grande, mas
as condições de trabalho não são boas, não temos material pra trabalhar. Até uma
coisa simples, uma pasta, um prontuário, tudo é muito burocrático, a carga horária é
excessiva porque você tem que mergulhar mesmo no trabalho e é muita cobrança de
relatório. Pela lei nós não podemos assistir mais de vinte adolescentes, mas eu estou
com trinta e quatro adolescentes, então isso sobrecarrega muito, tem coisa que você
não quer levar pra casa, mas você leva (Luiza).
Os relatos apresentados comprovam que no Serviço Social as emoções são
administradas em nível de profundidade (deep acting) e são tão rotineiras que chegam a ser
interiorizadas e inseparáveis do cotidiano, mesmo quando se tenta manter certa distância e
racionalidade. Isso conduz a que o trabalho emocional se constitua como parte da identidade
profissional. Alice afirma tentar manter-se distante do envolvimento com o usuário, mas não
consegue e se diz admiradora de profissionais que conseguem tal distanciamento:
É difícil lidar com as dificuldades dos outros né, não tem como você não se envolver,
a gente tenta, mas tem situações que não tem como você não se fragilizar com a
vivência do outro. Então há um pouquinho [de estresse] porque você lhe dá com as
diferenças, com as dificuldades do outro e isso traz uma certa angústia. Eu fico
admirada daquela que fica isenta de tudo, eu admiro, mas eu, eu não consigo (Alice).
As condições de trabalho precárias, a falta de todo tipo de material de trabalho são
descritas nas entrevistas. Muitas/os profissionais relatam levar tarefas para serem feitas em
casa devido à falta de equipamentos básicos nos locais de trabalho. “Nós temos telefone na
sala da coordenação, na minha sala não tem telefone, não tem ventilador, não tem computador,
não tem impressora, não tem a menor....na minha unidade não tem” (Alice). “Eu já levei
relatórios, porque acumula e aqui só tem um computador; você faz visita e tem que fazer o
relatório ai a gente faz (em casa), põe no pen drive e traz” (Laura). Já Pedro expõe que além
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de levar atividades do trabalho para casa, continua pensando nele fora do horário de
expediente: “Levo os meus relatórios para serem elaborados em casa. Eu não posso levar o
prontuário, mas posso xerocar o que eu quero pra me ajudar elaborar um relatório. Então eu
levo sim, o dia que eu não estou aqui, estou ligado aqui” (Pedro). Ana também afirma pensar
na complexidade do trabalho social quando não está trabalhando: “Então, você trabalha com
usuários de drogas, gente em situação de rua há muito tempo, violação de direitos, criança
vítima de abuso, então, eu as vezes penso muito fora de lá (da instituição) nessas situações, eu
não consigo sair desse lugar e ir pra casa e esquecer. Tem casos que a gente dorme e acorda
pensando nele” (Ana).
Na época de realização de sua entrevista (agosto de 2013) o contrato de trabalho da
assistente social Laura estava vencendo e ela não tinha esperança de que se renovasse.
Explanando sua saída do local de trabalho e a insatisfação em não ver a solução dos
atendimentos, a profissional faz o seguinte relato:
Eu tô saindo daqui muito frustrada, porque a gente faz a visita, faz o relatório e o
idoso continua nas mesmas condições. A gente faz a visita sem respaldo de
segurança, porque a maioria dos agressores, os que cometem a violência moram com
o idoso, ai vou eu lá só com o motorista; muitas vezes a gente vai em casas de
traficantes. E a gente é obrigada a fazer (Laura).
Além da precariedade das condições de trabalho, a burocracia onera o trabalho,
tornando processos que poderiam ser rápidos em tarefas morosas:
As condições são precárias mesmo, é uma precariedade não muito estampada,
porque quem entra aqui vê essa casa, mas é uma precariedade embutida porque você
tem que elaborar um documento, um relatório de visita, por no pen drive, mandar
pra Secretaria (de Assistência Social) pra quando tiver disponibilidade imprimir, pra
mandar de volta, pra depois mandar pro Ministério Público novamente, isso requer
tempo e atrasa (Laura).
O entrevistado Pedro também relata os obstáculos estabelecidos pela burocracia para
solicitar um carro para visitas domiciliares: “você tem que elaborar o relatório, você elabora
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um memorando solicitando o ofício das SEMAS10. Aí vai o memorando daqui pra SEMAS, a
SEMAS responde o memorando e estou aguardando o ofício tem quatro dias. O menino está
aqui há quatro meses. Então a gente fica de mãos e pés atados” (Pedro). Além disso,
profissionais acabam utilizando recursos próprios para dar agilidade ao trabalho: “o telefone
eu mesmo pego o meu e faço contato (...), questão de material você vê que o prédio é todo
sucateado. Trabalhei aqui nesse prédio uns quinze anos atrás, o prédio está todo sucateado”
(Pedro). Relato parecido é feito por Luiza, que também diz se sentir “frustrada”:
Aqui mesmo tem um computador pra todas as profissionais, se uma senta já tem
outra querendo fazer um relatório, não tem mais computador, não tem impressora,
não tem uma copiadora, até uma cópia tão simples você tem mandar pra Semas, pra
fazer e voltar pra você pra depois você encaminhar pro juiz, é dessa forma que
funciona. Se esses gestores pensassem melhor desburocratizavam pra facilitar nosso
trabalho, a coisa ia andar mais, porque você pensa bem, uma correspondência que
você vai mandar pro adolescente, você precisa do CEP, não tem um computador
com internet pra você pesquisar o CEP, ai você manda pra Semas pra eles te
informarem; então são coisas pequenas e fáceis de resolver, mas a gente vai ficando
frustrada no trabalho. Eu vou falar pra você uma coisa, eu amo essa profissão, eu
amo o que eu faço [...] mas a gente vai ficando frustrada e cansada com o tempo
(Luiza).
O desgaste e a insatisfação com alguns aspectos, como o salário e condições precárias
de trabalho aparecem nas falas ao mesmo tempo em que se descreve o prazer pessoal em
exercer essa profissão; isso indica que a identidade construída nas relações de trabalho
influencia na forma como definem e constroem suas identidades, como se percebe no
depoimento da assistente social Luiza: “Você tem que amar a profissão, você tem que abraçar
a causa, é uma coisa sofrida que te deixa as vezes triste de você falar que não dá conta, deixa,
as vezes deixa, né; mas quando você ama a profissão você luta por aquilo, né”.
Dentre as entrevistas selecionadas, a única situação em que não há relato de condições
precárias de trabalho para o trabalho em Serviço Social ocorreu no ambiente de trabalho da
profissional Gabriela, que relata dispor de todo aparato necessário, como computador,
impressora, internet, veículo para visitas, além de estabilidade no emprego.
10
Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS). É o órgão responsável pela implementação da Política
de Assistência Social no município de Goiânia. A Secretaria foi instituída em julho de 2007, pela Lei nº8537.
Mais informações em: http://www.goiania.go.gov.br/html/semas/
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É também importante mencionar que o trabalho emocional não é por si só um motivo de
estresse, exaustão emocional e esgotamento, mas outros fatores, como condições de trabalho
desfavoráveis, jornadas longas, pouca experiência e tempo de trabalho na atividade de
interação com clientes, sim. Quanto maior for a autonomia, a possibilidade de ser autêntico
nas interações e o reconhecimento no trabalho, são significativamente menores os níveis de
desgaste emocional. Isso implica que “não é o trabalho emocional em si que esgota o
trabalhador”, mas o conjunto de fatores, exigências afetivas e condições em que o trabalho
emocional é realizado no contexto da organização, afirmam Vilela e Assunção (2007).
As entrevistas expõem que o desgaste do ambiente de trabalho, o esforço emocional e
físico, além das condições inadequadas de trabalho, trazem consequências para a saúde,
tornando frequentes as queixas de esgotamento, cansaço, estresse, entre outras patologias,
como no caso de Pedro: “Inclusive eu fui vítima do estresse, eu adoeci. Estresse e depressão”.
Em outros casos há relato de “mal estar, desânimo, que é o que a gente vê em todos” (Laura).
Problemas de saúde também já afetaram Luiza: “eu tive um problema na coluna e tive LER11
na Casa da Acolhida12, porque a gente escrevia demais e eu escrevo muito”.
Além disso, o sistema imunológico também pode ser afetado nas situações de repressão
de emoções, como constatam Vilela e Assunção (2007, p.90): “os efeitos são mais intensos
quando a inibição de emoções é crônica, inflexível e insensível às nuances do ambiente
social”. Por outro lado, as relações sociais estabelecidas fora do ambiente de trabalho
oferecem suporte externo (relações familiares, amorosas, amizades) e são fatores protetores
contra a exaustão emocional e de alívio do estresse emocional. As/os entrevistadas/os
descrevem a prática de atividades físicas, como corrida, caminhada e academia, além de relato
de trabalho manual com plantas, viagem em final de semana para chácara e cultos religiosos
como práticas para alívio das tensões físicas e emocionais geradas no trabalho.
11
Lesão por Esforço Repetitivo (LER), em inglês Repetitive Strain Injury.
Criada em 2007, a Casa de Acolhida Cidadã tem como objetivo abrigar temporariamente, famílias e adultos
em situação de rua; aqueles que estão em trânsito: migrantes e imigrantes, e pessoas que recebem alta hospitalar
e não possuem vínculo familiar identificado no município de Goiânia. O atendimento prestado inclui desde a
provisão das necessidades básicas como: alimentação, higiene pessoal e pernoite com segurança, bem como
atendimento psicossocial; orientação e encaminhamento para aquisição de documentos pessoais, atividades
ocupacionais, orientação e encaminhamento para o mercado de trabalho. Mais informações em:
https://www.goiania.go.gov.br/shtml/semas/casa_acolhida_cidada.shtml
12
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A apropriação do trabalho emocional, no que tange à manipulação emocional por
exigência institucional, aparece no relato de Ana, funcionária da rede municipal de assistência
social em Goiânia. A profissional demonstra que há uma separação entre o significado dos
sentimentos exigidos pela instituição, de seus próprios sentimentos e interpretações e
exemplifica essa dissonância:
Lá as pessoas vivem muito de aparência, então assim, o tratamento que pedem para
com os usuários - inclusive é um tratamento que eles querem que seja tratamento
paternalista, de política assistencialista - eles pedem para você ter esse tratamento,
mas não é por conta do usuário, é muito para deixar a impressão da equipe da
primeira dama, a equipe da primeira dama é a melhor equipe, é uma equipe
humanizada, mas é aquele humanismo conservador. Então assim, não é a questão do
usuário, do usuário se sentir bem; é a questão do usuário dizer que foi na Secretaria
(de Assistência Social) e ele foi muito bem atendido pelo pessoal da primeira dama.
Então, ninguém ta preocupado com o usuário, todo mundo ta preocupado é em
manter seu poder e as relações de poder (Ana).
O trecho elucida a divergência entre a “aparência” que o usuário deve ter do serviço e a
simulação que a instituição exige da profissional por intermédio da manipulação da emoção.
Entretanto, a assistente social parece apresentar uma leitura crítica e consciente sob a
dissonância entre o componente político envolvido na simulação de sentimentos e a
autenticidade de seus próprios sentimentos enquanto profissional. Segundo Padilha (2013),
esse é um aspecto fundamental do trabalho emocional, no qual o trabalhador vende a imagem
da empresa/instituição e sua marca/serviço, e nesse processo, estabelece relações com os
clientes/usuário
O TE orientado por gênero, também deixa suas implicações no Serviço Social, como se
evidencia no relato de Pedro, que percebe uma diferença no comportamento dos “meninos”
quando os mesmos são atendidos por um profissional do sexo masculino: “Eu acho que na
questão de abordagem, tem hora que tem ser forte. Então aí que entra a questão de ser homem,
a questão do menino te ouvir sabendo quando é pra tomar uma atitude, ele vai tomar de uma
forma diferente da mulher” (Pedro). Soares (2013) observa que o TE está implícito na divisão
sexual do trabalho, sendo que os homens devem externar atitudes que exijam um
comportamento mais agressivo, rude, duro, frio, etc. Esses estereótipos associam os homens
40
Anais - 2014 V SITRE - ISSN 1980 - 685X
ao “campo do racional, do público e da produção, enquanto as mulheres são associadas ao
campo do emocional, do doméstico e da reprodução” (idem, p.164).
O Serviço Social é produto de construções complexas e dinâmicas da definição de “ser”
assistente social e das relações entre os sexos, sendo permeado por valores simbólicos e
vocacionais em torno do trabalho feminino e com base em um sistema de qualidades que
influenciam as mulheres nas escolhas profissionais, como é possível perceber na fala de Laura:
“falam que se parece muito comigo [o Serviço Social] porque eu me preocupo muito com o
outro, eu procuro orientar, até com os vizinhos mesmo”. Dessa forma, os atributos baseadas
nas qualidades socialmente construídas entre mulheres e homens agem, diferentemente, sobre
a identidade construída no trabalho, como se percebe na fala desta profissional:
Eu acho que as pessoas não conhecem o que é Serviço Social porque se conhecem
não teria essa discriminação de falar que Serviço Social é para mulher e não pra
homem. Hoje eu estou vendo mais homens fazendo Serviço Social, mas eu sempre
procurei entender isso, na minha sala mesmo só tinha dois homens, eu achava que é
porque é uma profissão que o salário não é tão justo e o homem acha que não pode
ganhar tão pouco (Luiza).
Observa-se a permanência de certos símbolos e situações que atestam que o Serviço
Social pode não ser atrativo para a imagem social masculina. Como históricos “provedores do
lar”, os homens não poderiam ganhar um salário tão modesto. A inserção de homens no
Serviço Social é pequena e lenta, e, mesmo sendo um curso de nível superior não se mostra
atrativo suficiente para que os homens vislumbrem nessa profissão uma verdadeira e
valorizadora opção profissional. Dados recentes da RAIS 2010 sobre Goiás mostram que a
taxa de feminização do Serviço Social no nesse Estado é de 89,9%. Em nível nacional os
dados da Pnad 2011 apontam que as mulheres representaram 87,4% da categoria em todo o
Brasil neste ano.
TABELA 1: ASSISTENTES SOCIAIS OCUPADOS X SEXO - BRASIL- 2011
41
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Sexo
Masculino
Feminino
TOTAL
Frequência
22.069
152.968
175.037
(%)
12,6
87,4
100,0
Fonte: Microdados da PNAD – Pessoas - 2011 – Construção dos autores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, pode-se concluir que a administração do trabalho emocional no
Serviço Social ocorre sobretudo em nível de “atuação profunda” (deep acting), que engloba
todo o ser, ou seja, esses profissionais não conseguem separar o trabalho das emoções do
trabalho cotidiano, fazendo com que até sua subjetividade seja engajada no trabalho,
“misturando muito mais as fronteiras entre o público e o privado” (PADILHA, 2013, p.187).
As emoções são tão cotidianas no Serviço Social que se tornam parte da identidade
profissional das/os assistentes sociais. Isso porque no trabalho em serviços “é impossível
separar claramente o trabalhador, o processo de trabalho e o produto” (idem, 2013, p.190).
Entretanto, não se pode afirmar, a exemplo do que ocorre em outras ocupações no mundo dos
serviços, que se verifica uma exploração predatória ou até mesmo uma expropriação do
trabalho emocional por parte das instituições empregadores, pois a maior parte dos
trabalhadores em Serviço Social está vinculada a instituições públicas, além de que a
formação desses profissionais geralmente incorpora uma orientação marxista ou libertária que,
a despeito de suas possíveis ramificações ideológicas, critica a exploração econômica e
valoriza a emancipação e a inclusão dos segmentos alijados de seus direitos. Ressalta-se,
portanto, a necessidade de uma cuidadosa reconstrução dos conceitos de trabalho e
gerenciamento emocional, com suporte na pesquisa empírica e reelaboração de um
instrumental teórico-metodológico adequado à analise do Serviço Social no Brasil, levando
em conta sua trajetória histórica e as diferentes formas de organização do trabalho, formas de
contratação e de atuação ocupacional em localidades distintas.
42
Anais - 2014 V SITRE - ISSN 1980 - 685X
A gestão emocional é um aspecto importante do trabalho em Serviço Social, uma vez
que este é realizado em constante interação com os usuários. As entrevistas comprovam que
assistentes sociais realmente vivenciam emoções, em grau considerável e alteram o
gerenciamento emocional nas diferentes demandas, competências e situações relacionadas à
profissão.
Além disso, a interseção entre TE e gênero mostra que a persistência do Serviço Social
como nicho de trabalho feminino desnuda as desigualdades entre os gêneros que persistem no
mercado de trabalho. A permanência da marca de gênero subsiste no Serviço Social,
reproduzindo uma concepção sexuada de exercício profissional.
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PADILHA, Miriam Damasceno. O compromisso profissional expresso na relação
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43
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PADILHA, Valquíria. A demanda por trabalho emocional diante do nojo: um estudo com
trabalhadores de limpeza de shopping centers. In:. LIMA, Jacob Carlos (Org.). Outras
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SOARES, Ângelo. Como segredos: as lágrimas no trabalho. In:. LIMA, Jacob Carlos (Org.).
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VILELA,LailahVasconcelosdeOliveira;ASSUNÇÃO,AdaÁvila.Trabalhoemocional:o
casodosteleatendentesdeumacentraldeatendimento.CadernosdePsicologiaSocial
doTrabalho,v.10,n.2,p.81‐93,2007.
Emotional Labor in Social Work
Abstract: This paper analyses the emotional labor as one among different aspects and
requirements in Social Work services. With this aim, it proposes a discussion about this
concept, not yet regular in Brazilian literature, attempting to identify how the emotional labor
is realized and manadged in this profession. The methodology favors qualitative views, based
on a correspondent literature survey, documental analysis and systematic observation. The
field research employs semi-structured and narrative interviews with social workers in
Goiânia metropolitan region. The results points that the activities in the social work demands
high level of emotional labor, establishing a complex actuation field towards the requirement
of management of emotional labor in professionals and customers, besides bringing, in some
cases, negative occupational health effects. Social work evolves an intrinsic gender
intersection and the gendered emotional labor constitutes the proper professional identity
construction. This paper, supported by a project in progress, is structured as following:
presentation of the field of services sector as a privileged locus of emotional labor by
inserting this context Social Work services; building theoretical base to implement the
analysis of emotional labor; present results of empirical research.
Keywords : Social work, Emotional labor, Service sector, Gender.
44
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“ANTIGAMENTE TODO MUNDO TRABALHAVA...” MUDANÇAS
SOCIAIS E TRAJETÓRIAS DE GÊNERO NA COMUNIDADE LINHA
DA CRUZ, MG.
SOUZA, Gabrielly Merlo de13 - [email protected]
Professora Substituta de Sociologia no Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG).
Ouro Preto – Minas Gerais.
Resumo: neste artigo trato das mudanças sociais e das relações de gênero em uma
comunidade rural, localizada no sertão do norte de Minas Gerais, município de Matias
Cardoso, conhecida como “Linha da Cruz”. Essas mudanças são acompanhadas de uma
serie de processos territoriais de formatação do espaço, entre os quais, mais recentemente, a
implementação do Programa Nacional de Produção de Biodiesel – PNPB –, criado pelo
governo federal em parceria com a Petrobrás Biocombustíveis – PBIO, tem sido um dos
geradores de mudanças nos modos de vida dos moradores. Analiso como a entrada de uma
nova economia (biodiesel) se relaciona com os modos tradicionais de vida da comunidade.
Para tanto, me detive em realizar uma etnografia atenta à perspectiva das mulheres e às
representações de gênero no espaço e na forma de divisão sexual do trabalho.
Palavras-chave: Mudanças Sociais, Espaço, Gênero, Biodiesel, PNPB.
1
INTRODUÇÃO
“Antigamente todo mundo trabalhava! A mulher ia pra roça também! Só não fazia
cortar as ferramentas, pegar de machado... mas enxada? Isso sim... cavava o chão,
jogava semente também...14”.
13
Mestre em Antropologia Social, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
45
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Quando estive pela primeira vez na Comunidade Linha da Cruz, localizada em Matias
Cardoso, no Norte de Minas Gerais, em novembro de 2010, tinha uma ideia, ainda em
construção, de que pretendia pesquisar, sob uma perspectiva de gênero, os impactos na
agricultura familiar 15 do Programa Nacional de Produção de Biodiesel (PNPB) 16 . Assim,
durante o trabalho de campo, priorizei a discussão com as mulheres sobre suas impressões
acerca do Programa na comunidade. Nesse primeiro momento, realizei cerca de 10 entrevistas
gravadas, como um primeiro contato com as mulheres. Na segunda ida à campo, mais do que
entrevistas, durante minha estadia na comunidade, procurei realizar uma pesquisa etnográfica,
no sentindo de produzir uma descrição densa (GEERTZ, 1989), a fim de acompanhar o
cotidiano das mulheres e compreender como se relacionam com o lugar, suas atividades e as
relações sociais que travam no dia-a-dia.
Desde a minha primeira imersão em campo, ao tratar com as mulheres, fui logo
informada da existência da “Associação das Trabalhadoras Rurais da Linha da Cruz”, criada
pelas mulheres da comunidade. O caráter declaradamente excludente da então existente
“Associação dos Homens” conduziu, após alguns anos, na formação de uma Associação
formada apenas por mulheres. As pautas das mulheres na Associação costumam ir além do
acesso formal a direitos sociais, políticos e civis. Dos encontros que participei, pude observar
que elas privilegiam incluir demandas providenciais à comunidade, como acesso a água e a
recursos financeiros para projetos agrícolas e que também incentivam aprendizados pessoais e
políticos, como a ida das mulheres para cursos de formação política e encontros que
acontecem em outros municípios. A Associação também aposta na ação coletiva para alcançar
melhorias na vida da comunidade, envolvendo, sobretudo, a área de segurança alimentar e
14
Entrevista com Seu Vicente, agricultor, morador da primeira geração desde a formação da comunidade Linha
da Cruz (anteriormente chamado Sertão Antigo).
15
O PNPB utiliza a categoria “agricultura familiar” para definir o grupo social atendido pelo Programa. No
entanto, ao longo desta dissertação, não utilizo esta designação por se tratar da forma posta pelo Programa e não
pelos agricultores. Assim, procurei utilizar outros termos – como “agricultores”, “produtores rurais” ou
“catingueiros” – para me referir ao grupo aqui examinado, tendo em vista a forma como eles mesmos se autoreferem. A categoria “agricultor familiar” utilizado pelo PNPB está de acordo com a forma como o Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) a enquadra.
16
O PNPB é uma política pública voltada para agricultura familiar, criada em 2004, no âmbito do governo
federal em parceria com a Petrobrás Biocombustíveis, para promover “sustentabilidade social”,
“desenvolvimento regional” e “geração de renda” às famílias do campo.
46
Anais - 2014 V SITRE - ISSN 1980 - 685X
geração de renda. Essas ações geralmente se dão através de mutirões para realização de algum
empreendimento – como construção de cercas para as hortas ou para a instalação da caixa
d’água, por exemplo.
Aliadas à ação política, os projetos para melhoria da vida na comunidade não se dão
apenas no plano institucional. Aninha, agricultora, moradora da comunidade, co-fundadora e
presidenta da Associação, conta que as mulheres quando se reúnem conversam sobre tudo –
“a pessoa fala de algum movimento, de algum projeto, fala de saúde, um bucado de coisa...”
– e, a partir das conversas, elas definem as ações. Nos dias em que estive na Linha, por
exemplo, acompanhei o engajamento delas com os preparativos para as barracas de uma festa
popular a acontecer no povoado de Lajedão e participariam vendendo produtos e comidas.
No cotidiano, as atividades das mulheres se voltam ao cuidado diário da casa, dos filhos,
marido e, até mesmo, de agregados que se juntam à família, e, todavia, com a Associação,
elas agora dedicam também uma parte do tempo para os encontros e ações do grupo,
reconhecem que tem sido através da Associação que elas têm conseguido apoio para o
criatório de galinhas, para ampliação de mudas de árvores frutíferas do quintal, assim como
tem angariado recursos junto à EMATER17 para as hortas que, hoje, com alcance comercial,
tem crescido cada vez mais em suas residências. Há casos em que uma mesma horta é cuidada
por duas mulheres ou mais mulheres que dividem o trabalho, as despesas e o lucro – ainda
que o cálculo não venha exatamente de uma lógica de produção de excedente ou maximização
de recursos.
Esses pequenos circuitos comerciais e de trocas (como de mudas de plantas ou vendas
de ovos, por exemplo), reforçam a hipótese de que as mulheres têm tornado aquelas práticas
tradicionalmente conhecidas por elas, em atividades que possibilitam geração de renda, além
da circulação de conhecimentos entre elas e troca de produtos. O comércio em pequena escala
e a rede de mulheres, embora ainda não vistos objetivamente pelos órgãos públicos e mesmo
pelos moradores como uma fonte de renda relevante para a comunidade, ou mesmo como uma
importante base para a segurança alimentar das famílias, na prática, por outro lado, esse
17
Empresa de Assistência Técnica de Extensão Rural de Minas Gerais, vinculada à Secretaria de Agricultura,
Pecuária e Abastecimento.
47
Anais - 2014 V SITRE - ISSN 1980 - 685X
“circuito feminino” tem sido uma alternativa significativa ao modelo monocultor/comercial
da mamona – considerado até então “carro chefe” da economia local.
Com base nesse contexto, as mulheres da Linha da Cruz podem ser vistas como
apresentando uma importante contrapartida à crise que vem se estabelecendo no lugar. A crise
ao qual me refiro é resultado do processo de intensificação da produção de mamona 18 ,
incentivada pelo PNPB e por empresas privadas de biodiesel. A substituição da cultura
alimentar pelo cultivo de matéria prima industrial, tem sido apontada como principal causa da
crise que hoje várias comunidades daquela região tem enfrentado19.
Em linhas gerais, observa-se que a entrada de uma economia de mercado nos moldes da
economia de biodiesel em um sistema agrícola tradicional como os dos catingueiros 20 do
Norte de Minas, tem resultado em um quadro de total dependência econômica de mercados
externos e dívidas adquiridas de empréstimos bancários (MERLO, 2012; LASCHEFSKI,
2010; PENIDO, 2011; RAMOS, 2011). Em linhas gerais, pode-se afirmar que esta situação
evidencia a perda da autonomia do pequeno produtor rural sobre sua produção – autonomia
que é central e característico do ethos camponês (BRANDÃO, 1998).
Em minha pesquisa, procurei fazer um “deslocamento epistemológico” no que vinha a
ser a discussão sobre “agricultura familiar e o Programa Nacional de Produção de Biodiesel”
para, então, dar atenção às questões de gênero no que concerne aos modos de produção local
– ou ao o que a antropóloga Emília Godoi (1998) chamou de o sistema do lugar. Com isso,
procurei não apenas tomar as atividades dos homens como única, apesar da perspectiva das
políticas públicas. Como mostra Moore (2004), observar a reação das mulheres diante dos
processos de transformação capitalista, por exemplo, pode revelar aspectos consideráveis da
vida social da comunidade geralmente invisibilizadas no plano da economia hegemônica.
18
Mamona é uma matéria prima que pode ser usada para fabricação de biodiesel ou para indústria ricinoquímica,
entre outras. Muito embora, estudos tem revelado que nenhum litro de biodiesel tem sido produzido até hoje a
partir da mamona. O consumo deste produto se explicaria por ser uma via de obtenção do selo “combustível
social”. Segundo a legislação, este selo só é garantido para empresas que consomem pelo menos 30% da
agricultura familiar. A obtenção do selo garante a participação de grandes empresas em leilões internacionais de
biodiesel. Estes estudos apontam que a maior parte do biodiesel produzido hoje no Brasil é derivado,
principalmente, de sebo de boi e soja, produtos obtidos basicamente do agronegócio. FONTE
19
Segundo a Petrobrás, a comunidade Linha da Cruz, localizada em Matias Cardoso/MG, foi identificada como
principal produtora de mamona da região norte de Minas – na micro região de Januária figura a maior produção
regional, 36,5%, sendo 860 hectares concentrados no município de Matias (MERLO, 2012).
20
os povos da caatinga tem sido externamente classificados como Catingueiros.
48
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Para fins deste artigo, faço uma breve discussão da relação entre trabalho, gênero e
espaço através da bibliografia relacionada, procurando apresentar algumas das minhas
impressões resultantes de trabalho de campo realizado na comunidade catingueira Linha da
Cruz, localizada no norte de MG.
2
MUDANÇAS SOCIAIS, TRAJETÓRIAS DE GÊNERO
A razão pela qual considerei destacar o trabalho da mulher e os marcadores de gênero
para análise dos sistemas produtivos e da organização social na comunidade Linha da
Cruz/Sertão Antigo 21 se deve ao fato de o fio condutor da minha pesquisa ser o modelo
agrícola em área Caatinga consonante ao que Purajuli (1996) chama de “etnicidades
ecológicas22”, assim, ao tratar acerca do tema dos “sistemas produtivos rurais”, observei que,
tradicionalmente, a bibliografia clássica (CHAYANOV, 1974; POLANYI, 1980) produz uma
separação binária e automática entre trabalho masculino e feminismo, delegando quase que
naturalmente às mulheres o espaço da esfera doméstica, e o trabalho (na roça) como de
domínio masculino. Assim, trabalho produtivo é entendido sempre como aquele que além de
definir a cultura como um todo, também é tido, não por acaso, apenas como a esfera de
domínio dos homens23.
21
“Sertão Antigo” é uma expressão usada pelos moradores para dividir a comunidade da parte mais nova, a
Linha da Cruz”, da parte antiga, ocupada pelos primeiros posseiros de terra.
22
Com o termo “etnicidades ecológicas”, Parajuli (1996) se refere ao fenômeno que surge na India, no início do
sec. XX, de “etnização da destruição ecológica”, o qual grupos étnicos utilizam-se da rubrica da “ecologia” para
lutar pela sua autonomia, logo, contra a exploração capitalista e o desenvolvimento estatal. Ainda que não se
articulem explicitamente aos objetivos ecológicos, o surgimento desses novos movimentos políticos, representa,
na perspectiva do autor, uma mudança de foco dentro dos movimentos ambientalistas. Os grupos étnicos, ao
reivindicarem sua autonomia, estão lutando por questões ecológicas, já que necessitam dos recursos naturais para
existir. Assim, o novo movimento ecológico lança mão de uma abordagem nacionalista, para enfatizar, então, as
diferenças étnicas e os variados modos dos grupos interagiram com os recursos naturais. O autor considera a
etnicidade central para o desenvolvimento e a ecologia, uma vez que conflitos por recursos estão localizados,
geralmente, nas áreas onde estes grupos estão situados (Ecological Regions).
23
Sobre esse ponto, Ortner (1974) é uma referência importante para análise do status social das mulheres em
termos culturais. A autora, em seu artigo “Is Female to Male as Nature to Culture?”, apresenta o argumento de
que a “cultura” é sempre pensada e definida em termos das práticas masculinas. Para ela, cada cultura, à sua
maneira, coloca a mulher em uma posição de inferioridade em relação aos homens.
49
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Nos últimos anos, a importância da abordagem de gênero para análise da organização
social do campesinato tem sido cada vez mais endossada pelas pesquisas na área, já que os
“modelos tradicionais de compreensão de grupos de agricultores, especialmente aqueles
identificados como camponeses, costumavam naturalizar a divisão do trabalho e da vida
cotidiana entre homens e mulheres e também entre adultos e jovens” (SCOTT, 2006, p.17).
Henrietta Moore (2004) dedicou-se aos estudos de gênero e Antropologia Social
procurando, a partir dessa interseção, contribuir para o debate em torno das noções de
“trabalho”, “produção” e “reprodução” que rondam o universo de pesquisas na Antropologia.
Em seu livro Antropologia y Feminismo, ela faz uma detalhada revisão teórica de etnografias
que descrevem as práticas de homens e mulheres em diferentes contextos culturais como
forma de elucidar acerca do tratamento teórico que a Antropologia tem historicamente dado às
relações de gênero. Ela mostra que, embora o espaço doméstico tenha sido culturalmente
identificado como domínio feminino, a naturalização desse dado na teoria que trata da
organização social do trabalho oculta ou invisibiliza outras formas possíveis de inserção das
mulheres na economia e em atividades que garantem a reprodutividade social do grupo. Por
outro lado, a autora destaca que, especialmente nas últimas décadas, a participação das
mulheres em trabalhos ditos “produtivos” tem sido cada vez mais evidente.
Uma das principais consequências identificadas da crise nos pequenos sistemas rurais
policultores, provocados pela modernização agrícola e globalização da economia, tem sido a
intensificação do êxodo rural. A migração dos homens para os centros urbanos em busca de
trabalho se relaciona ao valor moral do “homem” enquanto “chefe de família”, o que por sua
vez está atrelada ao princípio de “honra masculina” (WOORTMAN, 1990). No entanto, a
migração dos “chefes de família” para a cidade, tem deflagrado no âmbito do sítio camponês
em novos arranjos nos papéis tradicionais de gênero. Na ausência do homem (marido/pai), as
mulheres (esposas/filhas) tem assumido os serviços na roça deixados pelos homens como
forma promover a manutenção das lavouras e até mesmo do negócio, bem como garantir a
sobrevivência do grupo familiar 24 . Alguns dados mostram que, hoje, as mulheres tem
24
Para Ortner (1974), as mudanças em relação aos papéis sexuais de homens e mulheres numa determinada
sociedade, não necessariamente representa uma mudança na estrutura simbólica dos sistemas sociais.
50
Anais - 2014 V SITRE - ISSN 1980 - 685X
garantido de 40 a 80% da produção agrícola em países em desenvolvimento (CHARLTON,
1984 apud MOORE, 2004, p.60).
Sobre isso, Henrietta Moore (2004) chama atenção para o tratamento teórico que as
pesquisas tem dado às atividades das mulheres nas sociedades rurais. Ela aponta ser a própria
definição ou conceito de trabalho o problema para que se tenha, historicamente, colocado o
“trabalho feminino” ou “trabalho reprodutivo” num lugar de menor importância nas
etnografias e investigações em geral.
“trabajo no es solo lo que hace la gente, sino además las condiciones em que se
realiza la actividad y su valor social em um contexto cultural determinado.
Reconocer el valor social atribuído al trabajo, o a um tipo particular de trabajo, nos
ayuda a entender por qué algunas actividades se consideran más importantes que
otras” (MOORE, 2004, p.60).
Moore (2004) também critica a recorrência na literatura antropológica da identificação
das mulheres como “donas de casa”, quando na realidade elas exercem também outras
atividades como ajuda25 ou mesmo assumem o trabalho na roça, realizam trocas comerciais
em pequena escala, entre outras atividades que fogem àqueles trabalhos do plano doméstico26.
Uma vez que se concebe que a contribuição das mulheres com tais atividades “menores” é
decisiva para reprodução social do grupo, compreende-se que “economia” não é
exclusivamente de domínio masculino, assim como também não são os homens
necessariamente os únicos provedores de alimentos do grupo familiar ou da comunidade.
Woortmann (1991) ao pesquisar comunidades localizadas no litoral do Rio Grande do
Norte que se identificam como “comunidades pesqueiras”, analisou a relação entre espaço,
construção do gênero e condição feminina. Seu trabalho é bastante ilustrativo para mostrar
como as representações do espaço e do tempo são também marcadoras de gênero. Nos tempos
passados, nos mostra a autora, as atividades da comunidade em “terra firme” – como criação
25
Hernandéz (2010) mostra com base em dados empíricos que as mulheres “se percebem como coadjuvantes,
principalmente na lavoura, mesmo que seja em tarefas específicas como a colheita de soja e aplicação de
fertilizantes (...) essa participação é categorizada como ‘ajuda’” (p. 106).
26
Embora muitas das atividades das mulheres, como comércio em pequena escala, possa, muitas vezes,
acontecer no plano do privado, em suas próprias casas, etc. Razão pela qual torna-se falacioso falar em termos de
público/privado como instâncias discrepantes no plano da vida prática.
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de animais e agricultura de subsistência – eram praticadas exclusivamente pelas mulheres, tais
práticas eram cruciais para o sustento das comunidades e revelavam que aquele grupo social
não vivia apenas das atividades de pesca, mas o trabalho das mulheres era crucial para
reprodução social do grupo. Com o avanço do turismo na região e com a especulação
mobiliária, os espaços e ambientes onde as mulheres exerciam suas atividades foram sendo
cada vez mais reduzidos para dar espaço ao avanço da economia globalizada.
Conforme a autora procurou mostrar em sua pesquisa, mar e terra eram os dois
principais domínios naturais para os quais as comunidades se referenciavam, com isso, são
também importantes marcadores das diferenças entre homens e mulheres: o mar é domínio
dos homens, enquanto a terra é lugar das mulheres. As formas de classificação do espaço que
Woortman (1991) descreve revela um conjunto de representações coletivas que intercalam o
universo simbólico das representações de gênero de cada sociedade. Portanto, para a autora,
toda transformação do espaço, seja por fatores externos ou internos, produz mudanças
significativas nas relações sociais.
Deste quadro que Woortman (1991) apresenta das comunidades estudadas, pode-se
concluir que no passado, antes do avanço do turismo, as mulheres travavam com os homens
uma relação de complementaridade econômica. Se por um lado os homens exerciam a
atividade da pesca e comercialização dos peixes, eram as mulheres que produziam os demais
alimentos, faziam artesanato e praticavam coleta extrativista. Além disso, “mar” e “terra”,
embora simbolizassem uma oposição de gênero, podiam, eventualmente, ser transitados por
mulheres e homens quando fosse preciso. Assim, se mulheres eram responsáveis pela
agricultura, homens ajudavam construindo as cercas, se a pesca era executada exclusivamente
por homens, as esposas tinham o trabalho de costurar as redes e tarrafas para seus maridos,
além de salgar o pescado para venda. No entanto, embora essas atividades estivessem
atreladas a um sistema hierárquico de divisão de gênero, no plano do discurso, a pesca é
subentendida como atividade principal em detrimento das atividades femininas.
Os anos 1950 e 1960 Woortman descreve como o período da chegada do arame farpado
na região, ou seja, o cercamento do espaço casa-quintal, sua redução e a perda das soltas.
Antes a fartura das famílias não estava associada ao dinheiro, mas à auto-subsistência e à
internalização dos supostos de produção (não haviam gastos monetários ou eles eram
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reduzidos ao mínimo). O que se altera a partir desse momento é que os tempos de “fartura”
passam, então, a serem substituídos pela necessidade de reunir várias atividades comerciais
para que a sobrevivência do grupo seja garantida. Por fim, os tempos atuais, parafraseando a
forma como se referem os próprios moradores à Woortmann, é “um tempo muito esquisito”
(WOORTMANN, 1991, p.15). O nexo monetário que dominou, praticamente, toda a vida
cotidiana do povoado, o “saber tradicional”, antes transmitido pelos mais velhos da
comunidade, agora não é mais passado aos mais jovens, já que fora substituído por um saber
médico, científico. Além disso, não há mais espaço para produção agrícola e a substituição
das jangadas por embarcações a motor fez com que muitos pescadores se afastassem da pesca.
“[...] a construção do tempo é também a construção do gênero, pois ele é percebido
através de experiências que são específicas a cada gênero, em espaços que lhes são
também específicos. Se o tempo e o espaço são categorias universais do pensamento,
são também categorias pensadas culturalmente [...]. Antigamente, com o conteúdo
que tem hoje, só existe hoje. A percepção do tempo histórico é, ela mesma, histórica,
pois é dada num momento específico da história – e não menos histórica é, por certo,
a percepção do antropólogo que fala sobre o tempo dos outros; há não muito tempo
atrás, os antropólogos não se preocupavam em distinguir a temporalidade de
mulheres e de homens” (WOORTMANN, 1991, p.25).
Na comunidade Linha da Cruz examinada, as atividades de cuidado do gado
representam uma atividade masculina local e uma forma de afirmação da identidade dos
homens. Além disso, ela era uma das principais tarefas executadas pelos agricultores no
cotidiano. Hoje essa realidade tem se modificado em função da mamona. Seu Antônio dizia:
“tem gente que tá vendendo o gado pra investir na mamona. Tem gente que tá investindo.
Inclusive, eu fiz até um cálculo de vender as duas vacas o ano passado mesmo, eu fiz o
cálculo, ‘vou vender essas vaquinhas aqui e vou plantar mamona’”.
Diante desse quadro, observei algumas mudanças na divisão sexual do trabalho na
comunidade. Ao menos no período entre safras, em que os homens aguardavam a época de
colheita, muitas das atividades ocupadas tradicionalmente por mulheres passaram a contar
com a “ajuda” dos homens, ou mesmo passaram a ser feita por eles. A “inversão” dos papéis
de gênero, expressa no deslocamento das atuações, sugere uma possível reconfiguração dos
papéis sexuais de trabalho – o que não significa exatamente romper com a “estrutura
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patriarcal” de manutenção das hierarquias sexuais. O que antes as mulheres executavam junto
aos homens recebia o nome de “ajuda” – como o trabalho na roça, por exemplo –, hoje o
trabalho de domínio das mulheres – como o cuidado da horta, separar a produção para venda
nas feiras, etc – tem os homens como ajudantes, seja para levantar a cerca da horta ou para
cuidar dos animais domésticos.
O caráter puramente comercial da produção da mamona a torna, todavia, lócus de
trabalho masculino, uma vez que são os homens quem tomam a frente nas práticas do negócio
(WOORTMANN, 1983). Assim, observa-se que a lógica do PNPB fundada no objetivo de
promover inclusão social da agricultura familiar e desenvolvimento regional, não apenas
apresenta uma postura “neutra” em relação a uma perspectiva de gênero, como reforça a
lógica de que a economia do lugar se define pelo trabalho dos homens, naturalizando o papel
que lhes é atribuído na divisão sexual do trabalho.
3
ETNOGRAFIA DO ESPAÇO NO TEMPO27
A diferença entre instrumentos utilizados por mulheres e homens fica evidente na fala
do Seu Vicente; as atividades realizadas no espaço e a organização da economia eram sempre
descritos em termos de “feminino” e de “masculino”. Através do discurso de homens e
mulheres sobre o passado, foi possível identificar como a relação entre eles foi se
modificando com o tempo. Esses relatos vinham acompanhados, geralmente, de descrições
sobre a mudança no espaço e nas relações de trabalho, as quais forneciam pistas que
indicavam a forma como o trabalho era dividido e o tempo ocupado.
Como explica Woortmann (2009), o trabalho na terra não é apenas de ordem técnica,
mas atua simbolicamente, marcando hierarquia e posições sociais. Como ela mostra, a
organização social do universo camponês está constantemente atrelada a noções morais, seja
em torno dos espaços que separa roça, quintal e casa, seja em relação aos instrumentos de
27
Expressão extraída de Woortmann (1991).
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trabalho – como Seu Vicente, morador da Linha da Cruz, certo dia me disse: “antigamente
todo mundo trabalhava! A mulher ia pra roça também! Só não fazia cortar as ferramentas,
pegar de machado... mas enxada? Isso sim... cavava o chão, jogava semente também...”.
Houve um tempo em que, apesar das relações hierárquicas existentes no plano da
ideologia demarcar o lugar do homem como “chefe de família” e da mulher e filhos como
subordinados a ele, na prática, as relações internas da família no âmbito do trabalho eram
caracterizadas pela complementaridade entre os gêneros e a subsistência do grupo social
dependia, justamente, do envolvimento de todos os membros do grupo familiar nas atividades
produtivas e reprodutivas.
No Sertão Antigo, como contam os moradores, além do negócio de mamona (nos anos
2000) e algodão (anteriormente, nos anos 1980), o cuidado do gado era atividade dos homens,
assim como a caça. As mulheres plantavam horta, cuidavam do quintal, mas também tinham
algumas funções no trabalho de roçado e colheita, junto com os homens. Além disso, haviam
a seu encargo atividades como de parteira, rezadeira, conhecedora de plantas medicinais e
também da administração da casa. A captura e transporte da água dos lajedos até a casa e sua
reserva para beber, a preparação de alimentos, higiene pessoal, controle da alimentação dos
animais de pequeno porte do quintal e o cuidado com as plantas consistiam também em
responsabilidades atribuídas às mulheres.
A unidade de produção familiar conjugava antigamente uma ampla espacialidade que
favorecia a interação entre homens e mulheres, uma vez que a “ênfase estava na
autosubsistência e na ‘internalização dos supostos de produção’ [...], isto é, na minimização
de insumos externos à unidade espacial-familiar e à comunidade” (Woortmann, 1991, p.07),
ou seja, o grupo doméstico trabalhava junto como um workteam, voltado para distribuição do
trabalho entre solta, roçado, caça, e outras atividades.
Essa forma de execução das atividades nos tempos antigos fica muito bem ilustrada na
fala do Seu Pio, quando ele diz: “Naquele tempo quem vestia o homem era a mulher. A
mulher fiava algodão, no tear...”. O algodão, plantado na roça por homens, geralmente era
colhido pelas mulheres e filhos, podia ser utilizado tanto para fabricação de roupas por parte
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das mulheres, quanto para venda na cidade em sacarias costuradas pelas mulheres – ou seja,
indiretamente, as mulheres estavam envolvidas em atividades para realização do negócio.
As soltas eram terras livres onde o gado era criado e havia liberdade de trânsito, tanto
para a lavoura, criatório, retirada de madeira e lenha, quanto para obtenção de água para as
mulheres armazenarem ou lavarem roupas. Com a privatização dessas terras pela
Ruralminas28, em 1974, essa área foi transformada em assentamento rural e dividida entre os
posseiros do Sertão e chegantes que viam até a região interessados em um pedaço de terra,
todavia, a maior parte da área foi vendida para grandes proprietários rurais. Assim, se as
soltas outrora eram a condição para a reprodução social daquele grupo, a criação de gado era
o que caracterizava o modo de vida e demarcava o trabalho do homem, uma vez que só o
trabalho agrícola não garantia sua sobrevivência – devido às secas constantes, o grupo
investia também nas atividades pastoris.
Com a privatização das terras e perda das soltas, homens e mulheres tiveram seus
espaços restringidos. A redução do espaço casa-quintal, sobretudo de domínio das mulheres, e
a caça, foram os principais afetados no processo, comprometendo substancialmente o
universo simbólico espacial constituído pelo grupo.
Massey (2007) diz: “spaces and places are not only themselves gendered but, in their
being so, they both reflect and affect the ways in which gender is constructed and
understood29” (p.179). De acordo com a perspectiva dos estudos de gênero, os lugares e as
coisas não são masculinas ou femininas, no sentido discutido por Massey (2007), é o
significado desses valores de gênero que são cruciais para definição dos lugares e dos espaços.
A autora chama atenção para a importância de se abordar não apenas as questões em torno das
relações econômicas, mas também das relações de gênero como significativas abstrações dos
espaços sociais: “the hegemonic spaces and places which we face today are not only products
of forms of economic organization but reflect back at us also – and in the process reinforce –
28
Fundação Rural Mineira de Colonização e Desenvolvimento Agrário, criada nos anos 1960 pelo governo de
Minas para promover colonização e desenvolvimento rural em Minas Gerais.
29
Tradução livre: “lugares e espaços são não são em si mesmo gendered, mas, ambos refletem e afetam a forma
na qual gênero será construído e entendido”.
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other characteristics of social relations, among them those of gender 30 (MASSEY, 2007,
p.183).
Em relação às atividades das mulheres na Linha da Cruz/MG, a moradora Aninha conta
que antigamente elas ficavam encarregadas de administrar as reservas de alimentos para a
família, alimentar os animais domésticos, cuidar dos filhos e do abastecimento de água para
casa. No entanto, elas também participavam daquelas atividades tidas como sendo
exclusivamente masculinas, como a caça e o cuidado do gado, por exemplo. Seja no trato e
preparo do animal caçado ou na ordenha do gado, nenhuma dessas atividades era
exclusivamente feita pelos homens, o que aponta para o fato de que a forma como o gênero é
representado no plano do discurso não corresponde à forma como as atividades de homens e
mulheres são executadas na prática. Sobre esse ponto, Brandão (1998), ao tratar da relação de
trabalho cotidiano de homens e mulheres numa comunidade rural no interior paulista, mostra:
“Sim, os homens caçam, não há dúvida. Mas as mulheres os acompanham muitas
vezes, cuidam dos cães e carregam os macacos mortos. Ritualmente elas fazem
sortilégios propiciatórios e simbolicamente respondem por uma fração
complementar essencial do significado da caçada. Os homens atiram nas águas as
plantas que atordoam e matam os peixes e os ferem. Mas as mulheres os recolhem;
coletam os peixes na água, como frutas fáceis de pegar com as mãos. As mulheres
semeiam, tratam da lavoura e colhem. Os homens preparam a terra bravio, queimam
e, assim, dominam uma porção próxima de natureza ainda não incorporada à
sociedade, para que as mulheres exerçam ali uma espécie de trabalho duplamente
fecundador. Primeiro, ao fecundar com a semente a terra pronta para o plantio.
Segundo, ao colher e preparar com o fruto da terra a condição de vida do grupo
humano da unidade doméstica” (BRANDÃO, 1998, p. 138)
Strathern (1999) em trabalho de campo, ao longo de três décadas em que esteve entre os
Hang que vivem na Papua Nova-Guiné, Melanésia, também faz uma importante análise dos
processos de mudanças sociais numa perspectiva temporal e de gênero. O extenso trabalho
feito por ela no início da década de 1970 foi retomado nos anos 1990. Neste momento, a
antropóloga se deparou com a região passando por um intenso processo de mudanças,
desencadeadas pela entrada do mercado monetário do café e pelo avanço do comércio – em
30
Tradução livre: “os espaços e lugares hegemônicos que enfrentamos hoje não são apenas produtos de formas
de organização econômicas, mas refletem em nós também – e nesse processo – outras características das relações
sociais, dentre elas a de gênero”.
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contraste com o tempo caracterizado pela “troca de dádivas”. No entanto, Strathern (1999)
mostra que, apesar da nova economia ter sido “divisora dos costumes”, por outro lado, dois
tempos pareciam coexistir: podia-se viver tanto no futuro como no passado, “seguir costumes
dos antepassados ou seguir os costumes do comércio”, sendo essa a forma como o presente se
apresenta – “the past and the future are both present31” (STRATHERN, 1999, p.90).
Strathern (1999) aponta que a emergência de um novo Estado da Papua Nova-Guiné e o
sistema judiciário adquirido mostravam-se inadequados para lidar com questões internas ao
grupo, tais como as “guerras tribais” e as “políticas hagens” para o homicídio (o pagamento
pelos homicídios passou a ser feito a partir de grandes quantias em dinheiro que se podia
adquirir trabalhando com as plantações de café e chá, e não mais com conchas –
“desvalorizadas em face do dinheiro”).
A entrada da horticultura de mercado surtiu efeito democratizante para homens e
mulheres. Estas, todavia, passaram a se envolver na atividade comercial e tinham agora seu
próprio recurso. Strathern mostra que o porco no passado era o “símbolo por excelência do
esforço conjugal”, mas que agora, se necessário, poderia ser comprado. Ela mostra que
quando esteve entre os hagens nos anos 1970, o desejo das mulheres de criar porcos para
comer parecia “fazer parte do ciclo de produção e consumo relativo às relações de sexos
opostos”, não entravam na esfera de transação econômica, já que a produção subsumia o
consumo. Agora, mostra Strathern, homens falam de produção/transação de um lado, e
consumo de outro, justamente o contraste que define a “nova esfera do empreendimento
comercial”.
Também a horticultura vinha aos pouco sendo desviada para o cultivo de café.
Motivados por um “espírito pioneiro em relação ao negócio”, alguns povos retornaram para
aquela região interessados em ganhar dinheiro; dizia-se que a terra lá era boa e o dinheiro
“vinha fácil”. Com isso, Strathern mostra que o território estava mudando bruscamente, que a
forragem dos porcos se reduzia mês a mês, e que os porcos, agora, deviam ficar presos ao
invés de soltos pelas ruas fuçando comida. Com a presença constante do mercado no
31
Tradução livre: “passado e futuro são, ambos, presente”.
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cotidiano, homens solteiros agora podiam ir para rua comprar um lanche, como nunca haviam
feito antes.
Na Linha da Cruz/MG, a participação das mulheres no novo circuito econômico, ainda
que limitada à obtenção de parcelas menores do dinheiro que entrava – sendo as grandes
quantias responsabilidades dos homens –, conduzia não apenas ao surgimento de novos
desejos de consumo por parte delas, como também passou a estabelecer novas posições entre
os sexos. Não apenas a nova economia impulsionada pela entrada do PNPB resultou em uma
nova forma dos moradores se relacionarem com a terra, como também uma nova atitude
feminina passou a vigorar.
Deparar-me com um coletivo de mulheres da Comunidade possibilitou à pesquisa um
cenário diferenciado que evidencia uma experiência singular das mulheres do campo, ou seja,
uma vivência política que conjuga experiências pessoais e coletivas, criando formas de
representação e apresentação das mulheres. Como expressa Mota (2006), “não existe um
trabalho com homens, mas sim um trabalho com mulheres, e é por este que se redefinem e se
reposicionam as mulheres nas relações sociais como trabalhadoras e mulheres que tem valor –
reveem a si e ao que fazem atribuindo significado e valor” (p.348 – grifos meus).
4
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Woortmann (1991) e Strathern (1999), em suas respectivas pesquisas, descrevem o
florescimento de novas relações sociais entre homens e mulheres, em ambos os casos,
propiciadas pelo inflacionamento da economia, em função de mudanças nos modos de
produção local e de transformações no espaço. No entanto, como mostra Strathern (1999),
mudanças no modo tradicional de organização social não significa necessariamente uma
alteração na forma de pensar ou de entendê-la por parte dos nativos. Segundo a antropóloga,
em relação aos hagen, as pessoas ainda pensam em termos de moka (presentes rituais), mas,
como relata um morador antigo, o que mudou foram as relações entre os sexos e as relações
maternas em particular que passaram a ficar “cada vez mais caras” – mais inflacionadas.
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Nesse sentido, as pesquisas das autoras nos mostram como a entrada do dinheiro (ou a
necessidade dele) introduz novas ocasiões na relação entre homens e mulheres que conduzem
a mudanças que devem ser observadas nas relações reprodutivas e produtivas. De forma
similar, na comunidade Linha da Cruz, a vida cotidiana está imersa em questões em torno do
dinheiro, o que representa a monetarização da vida social, como aponta Woortmann (1991).
Ao atentar para as atividades das mulheres na comunidade Linha da Cruz, pude
observar que elas construíram uma economia paralela ao comércio da mamona. A atuação das
mulheres em um comércio de pequena escala cunhava como que uma alternativa – silenciosa
e “com aparência de conformidade” (SCOTT, 2002) – aos tempos de instabilidade econômica
que vinham afetando a comunidade. No discurso das mulheres não havia, contudo, qualquer
intenção declarada em produzir uma alternativa ao mercado de mamona. Por outro lado, pude
inferir que a construção de uma rede social de mulheres e as articulações cotidianas em torno
de necessidades pessoais ou familiares, ainda que incipientes para reprodução social do grupo,
diziam sobre uma intenção, não-declarada, impressa em suas ações, que tendiam mais para
construção da autonomia local do que para a aquiescência a um mercado regional/global –
como o de biodiesel.
As práticas sociais das mulheres, assim como as discussões levantadas por elas no diaa-dia, afastavam-se de uma perspectiva de mercado em grande escala. Mais interessadas em
potencializar seus recursos a partir da diversidade de produtos e de uma perspectiva local, elas,
ao que me pareceu, distanciavam-se do ensejo produtivista-mercadológico posto pelo PNPB.
Nesse sentido, observa-se a importância da abordagem de gênero no que concerne à
observação das práticas produtivas existentes no lugar.
5
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In: Anuário antropológico: 81. Brasília / Rio de Janeiro: Ed. Unb / Tempo Brasileiro, 1990.
Abstract: this article dealing with social change and gender relations in a rural community
located in the backwoods of northern Minas Gerais state, county Matias Cardoso, known as
"Linha da Cruz". These changes are accompanied by a series of territorial space formatting
processes, including, most recently, the implementation of the National Program for Biofuel
Production (PNPB), created by the federal government in partnership with Petrobras
Biofuels - PBIO, has been a generators changes in ways of life of residents. So, I analyze how
the entry of a new economy (biofuel) relates to traditional ways of life of the community. For
that, I stopped in to perform a thorough perspective of women and gender representations in
space and in the form of sexual division of labor ethnography.
Keywords: Social changes, Space, Gender, Biofuel, PNPB.
APRESENTAÇÃO EM POSTER
AS IDAS E NÃO VINDAS DOS ALUNOS DO PROEJA NA ÓTICA
FEMININA
SCOPEL, Edna Graça32 – e-mail: [email protected]
FERREIRA, Maria José de Resende33 – e-mail: [email protected]
32
Doutoranda em Educação do PPGE/CE/Ufes. Membro do Núcleo I do PPG/CE/UFES na Rede de Pesquisa
UFG/Ufes/UnB do Programa Observatório da Educação (Obeduc/Capes). Pedagoga do Proeja do Ifes campus
Vitória.
63
Anais - 2014 V SITRE - ISSN 1980 - 685X
ROSA, Silvia Nepomuceno34 - e-mail: [email protected]
Instituto Federal do Espírito Santo campus Vitória
Avenida Vitória, 1729 - Bairro Jucutuquara
29040-780 - Vitória – ES
Resumo: Esse estudo propõe fazer uma análise dos fatores que contribuíram para o fracasso
escolar do público feminino que participa do Programa Nacional de Integração da Educação
Profissional com a Educação Básica na Modalidade Educação de Jovens e Adultos (Proeja)
no período de 2010 a 2013 no Ifes Campus Vitória.
É uma investigação de natureza
qualiquantitativo, de caráter descritivo com apresentação de estudo de caso. Os intercessores
teóricos são Nader (2005; 2007), Bruschini (2000; 2008), Ferreira (2003; 2010) e Nogueira
(2003); Patto (1997; 2004); Abramowicz (200); Bourdieu (1975); Fernandez (2005); Freire
(1996), entre outros, que problematizam as questões das relações sociais de gênero e o
fracasso escolar. A produção dos dados é feita por meio de entrevista com as educandas
evadidas dos cursos técnicos integrados ao Proeja e pela análise documental. Considera que
os dados produzidos pela pesquisa possam contribuir para repensar a oferta do Programa no
Ifes e na reelaboração de políticas pelo Estado e/ou de ações afirmativas por organizações
atentas à questão da escolarização feminina.
Palavras-chave: Fracasso escolar, Proeja, Estudos de gênero.
1
PARA INÍCIO DE CONVERSA...
É corrente nos estudos acerca da escolarização do público feminino, a constatação de
que as novas gerações do gênero feminino conseguiram transformar a histórica situação de
desigualdade, visível também no campo educacional, em que os índices de analfabetismo
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Doutoranda em Educação do PPGE/CE/Ufes. Membro do Núcleo I do PPG/CE/UFES na Rede de Pesquisa
UFG/Ufes/UnB do Programa Observatório da Educação (Obeduc/Capes). Coordenadora do Proeja do Ifes
campus Vitória.
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Aluna da Licenciatura em Letras do Ifes campus Vitória.
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dessa parcela da população sempre foram maiores que os masculinos. Segundo Nogueira
(2003) essa equiparação e superação vêm acontecendo gradativamente desde 1940, quando o
país iniciou o processo de democratização do sistema de ensino. Entretanto, com relação a
outros níveis de escolarização do segmento feminino de idade considerada jovem e adulta,
pertencente à população de baixa renda, essa afirmativa é discutível.
Os estudos de Ferreira (2003, 2010) revelam as especificidades do público feminino
inseridos em cursos técnicos no âmbito das instituições da Rede Federal de Educação
Profissional e Tecnológica. Os mesmos apontam que ainda persistem muitos fatores que
dificultam a inserção, a permanência e o êxito escolar desse segmento estudantil nos cursos
técnicos de nível médio, tanto no que diz respeito às questões de cunho socioeconômico,
pedagógicas e metodológicas quanto às determinadas pelas relações sociais de gênero.
Constatamos que essas alunas, além das dificuldades de aprendizagens pelo longo
tempo fora da escola e pelas trajetórias de estudos descontínuos, pelas práticas pedagógicas
inadequadas à especificidade desses sujeitos, entre outras questões pertinentes, convivem
também com outros obstáculos, tais como as dificuldades financeiras, o pouco apoio familiar
(oposição do pai, marido e filhos) e do poder público, no que diz respeito à falta de
infraestrutura como creches e escolas no período integral para seus filhos/as e casa de
assistência aos idosos/as. Esses fatores dificultam a sua inserção, sua permanência e seu êxito
nos cursos de formação profissional técnica da escola.
É conhecida e pertinente a discussão da dualidade do sistema educacional, que ainda
persiste na sociedade brasileira – educação superior para as camadas privilegiadas e educação
profissional para as camadas populares. Por outro lado, estudos científicos, comprovam a
contribuição da educação profissional de nível médio para o sucesso desses jovens, oriundos
dos setores populares e dos grupos médios, para ingressarem no ensino superior e no mundo
do trabalho com mais competitividade.
Nesse sentido, o Ifes campus Vitória representa, para uma parte considerável da
população capixaba, uma alternativa para dar sequência ao seu itinerário formativo e ao
mesmo tempo, buscar sua inserção no mundo do trabalho, pela profissionalização técnica. E
esta parcela estudantil a que busca essa Instituição, grande parte pertence ao gênero feminino.
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Faz-se necessário, ainda destacar que hoje, trabalho e salário femininos são necessários à
sobrevivência da própria família.
Desde 2006, o Ifes campus Vitória abre editais para ingresso de alunos para os cursos
técnicos integrados ao ensino médio de jovens e adultos. A cada semestre são oferecidas uma
média 34 vagas para cada curso (Edificações, Metalurgia e Segurança do Trabalho).
Entretanto, detectamos que são poucos os alunos que concluem o curso. Pela análise
documental dos dados depreende-se que há uma taxa elevada de evasão.
Diante desse quadro, nos preocupamos sobremaneira acerca da situação do público
feminino da EJA nesse contexto, devido a histórica dificuldade de sua inserção e êxito no
processo de escolarização. Defendemos, dessa forma, a importância de fazer um recorte de
gênero, para se debruçar na especificidade da oferta de escolarização feminina em uma
instituição de educação profissional técnica.
Deve-se destacar, ainda, que apesar da crescente publicação sobre a Educação de Jovens
e Adultos e dos Estudos Femininos, a presente pesquisa justifica-se pela constatação da
escassez de trabalhos investigativos integrando as temáticas: a Educação de Jovens e Adultos
(EJA), a Educação Profissional (EPT) de nível Médio e os Estudos de Relações de Gênero.
Constatam-se também a inexistência de interfaces dos estudos dessas modalidades de
educação (EJA e EPT) e as causas do fracasso escolar, no diálogo com os estudos de relações
de gênero, etnia, classe, geração, entre outras.
Objetivamos
dar
continuidade
Proeja/Capes/Setec/Ufes/Ifes realizado no
às
ações
do
projeto
de
pesquisa
período de 2006 a 2011, que possibilitou a
produção de pesquisas científicas e tecnológicas e a formação de recursos humanos pósgraduados em educação profissional integrada à educação de jovens e adultos, contribuindo,
assim, para desenvolver e consolidar o pensamento brasileiro na área, como também integrar
às ações do Grupo de Pesquisa e Estudos em Educação Profissional (GEPEP), do Ifes
Campus Vitória para a produção de um diagnóstico para o ensino técnico e superior no
referido Instituto e do grupo de pesquisa do Observatório da Educação UFG/UNB/Ufes que
desenvolvem estudos no âmbito do Programa.
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Nesse sentido, esse estudo propõe fazer uma análise dos fatores que contribuíram para o
fracasso escolar do público feminino que participa do Programa Nacional de Integração da
Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade Educação de Jovens e Adultos
(Proeja) no período de 2009 a 2012 no Ifes Campus Vitória.
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GÊNERO E FRACASSO ESCOLAR: JOVENS E ADULTOS NO CONTEXTO
DO PROEJA
Particularmente, desde os primórdios da colonização, os papéis sexuais para homens e
mulheres foram prescritos com muita rigidez. A herança de uma ordem cultural patriarcal
europeia relegou as responsabilidades do mundo privado-doméstico à mulher, o que restringiu
sua participação aos cargos de poder e no campo profissional, a determinados postos de
trabalhos. Estes em grande parte, relacionados às atividades antes desempenhadas no interior
dos domicílios, tais como serviços pessoais, educação, alimentação e saúde.
Nesse sentido, a literatura consultada nos aponta que, por tradição histórica, a mulher
teve sua existência atrelada à família, o que lhe dava a obrigação de submeter-se ao domínio
masculino, seja pai, esposo ou mesmo o irmão. Sua identidade, segundo esses estudos, foi
sendo construída em torno do casamento, da maternidade, da vida privada-doméstica, fora dos
muros dos espaços públicos.
E por essa tradição, construída historicamente, a mulher se viu destituída de seus
direitos civis. Não podia participar de uma educação que fosse capaz de prepará-la para poder
administrar sua própria vida e de ter acesso às profissões de maior prestígio. Assim, por um
longo período histórico, a família, a igreja e a escola, elementos inerentes a esse processo,
enquanto instituições vão sustentar esse projeto moralizador, tutelando a mulher ao poder
econômico e político do homem brasileiro.
Os estudos sobre a educação feminina no Brasil desvelam também que foram por meio
dos espaços escolares, que as mulheres conseguiram ultrapassar as barreiras impostas à sua
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escolarização formal e alcançaram o espaço público, vale ressaltar que isso se deu dentro de
certos limites impostos pela ideologia dominante. E mesmo diante desses condicionantes, e
submetidas a uma condição de inferiorizarão social, as mulheres foram se inserindo e
ocupando os espaços que lhes era possível. Mas como temos afirmado, ainda persistem
muitos fatores que dificultam a permanência das mulheres das camadas populares de
frequentar a escola. Ferreira (2010) aponta os fatores ligados às questões socio-econômico e
às de ordem pedagógicas-adminsitrativas, porém, a autora destaca, nesse contexto as
motivações marcadas pelas determinações sociais das relações de gênero.
Patto (1997) ao discutir o desencontro entre a família pobre e a escola pública preconiza
que esse segmento de classe valoriza a escolarização formal e luta para manter seus filhos na
escola e Zago (2003) distingue dois pilares sobre o qual se alicerça a valorização dessa
instrução formal para esse grupo social: “a lógica prática ou instrumental da escola” e a
“escola como espaço de socialização e proteção dos filhos do contato com a rua e as
influências negativas advindas deste contato” (p. 24).
Já Abramowicz (2000, p.165) acrescenta o fato de que “o erro, o fracasso e a repetência,
que são vias de ruínas, só podem ser definidos no interior de uma prática específica e
definida, ou seja, cada escola produz um tipo de aprendiz e de repetente. A forma de
organização da escola também é um elemento importante no processo de produção do
fracasso escolar. Outras pesquisas apontam para a importância de levar em consideração os
aspectos intra-escolares sobre o desempenho dos alunos.
É comum na sociedade brasileira que nas famílias das camadas populares, as crianças
comecem a trabalhar muito cedo para complementar a renda familiar, uma vez que e é por
meio do rendimento coletivo do grupo que é possível assegurar as suas necessidades básicas
de subsistência. E na maioria das vezes, essa inserção no mundo do trabalho, acontece em
postos de trabalhos precários. Para os meninos são atividades ligadas aos serviços de ajudante
de pedreiro, pintor, comércio ambulante, entre outras e para as meninas prevalece o trabalho
doméstico dentro e/ou fora de casa e as ocupações de babás. Essas atividades também são
causa de afastamentos das mulheres da escola porque acarreta dificuldades na frequência e
assiduidade delas nas aulas, já que se submetem aos horários estabelecidos pelos/as patrões/as,
na maior parte das vezes inexiste o horário fixo. Elas dependem da demanda do serviço. Essas
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questões expostas fazem parte das histórias de vida dos sujeitos da EJA no contexto do Proeja.
Os estudos de Nader (2007) sobre família, gênero e violência denunciam que as
pesquisas que tratam da violência contra a mulher, abrangem a violência física de modo
genérico. Ferreira (2010) em seu trabalho registra depoimento de alunas da EJA no Ifes que
passam por essa problemática e outras que foram e (ainda são) impedidas de permanecerem
na escola por seus maridos/companheiros e até mesmo pelos pais. Muitas vezes são coagidas
a deixarem a escola, pois são obrigadas a assumirem todo o trabalho doméstico e o cuidado
com os filhos, idosos e/ou doentes. E essas coações, vêm acompanhadas de humilhações,
cerceamentos de desejos e ações que não são considerados condutas agressivas. Essas ações
são denominadas como “dor moral” que ocorre geralmente no espaço doméstico, e “[...] é
uma prática mais comum do que se percebe, pois suas sequelas são transparentes e há a
impossibilidade feminina de comprovar materialmente um fenômeno abstrato e sutil”
(NADER, 2007, p. 10).
É importante destacar também, que as dificuldades de conciliar os estudos e o trabalho
doméstico é uma das causas da evasão. Os afazeres domésticos, “atividades aparentemente
óbvias e sem muita importância” foram sempre identificadas como obrigação das mulheres,
uma “ordem natural das coisas”, tomam muito o tempo que deveria ser reservado aos estudos
ou até mesmo para o lazer. Essa conciliação custa enormes sacrifícios para essas educandas,
que se submete a uma tripla rotina cotidianamente – família/trabalho/estudo.
Bruschini (2008), ao coordenar uma pesquisa para entender a articulação entre trabalho
e família urbana de baixa renda, detectou um “avanço” nas relações de gênero, no que
concerne à divisão sexual de trabalho no meio familiar. Os homens, segundo a autora,
participam de alguma forma do trabalho doméstico. Afirma que das inúmeras atividades que
se escondem na “rubrica de afazeres domésticos”, algumas delas contam com certa
participação masculina:
A natureza peculiar de cada item contido no extenso rol dos afazeres domésticos,
portanto, determina, em certa medida, a forma assumida pela distribuição de papéis
na família e explica porque os homens, quando participam da vida doméstica [...]
tendem a fazê-lo, de preferência, nas tarefas mais valorizadas, naquelas que são
realizadas fora dos limites da casa ou naquelas já rotuladas de “masculinas” pela
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sociedade (BRUSCHINI, 2008, p. 72).
Essas reflexões até agora apresentadas evidenciam que a
luta pela inserção das
mulheres, em igualdade de condição com a dos homens, no sistema educacional e,
principalmente, no processo de profissionalização, ainda é uma realidade. Evidenciamos
indicadores que comprovam a existência de discriminação referente ao tratamento dado aos
gêneros nas relações sociais e profissionais, persistindo a desigualdade sexista no mundo do
trabalho.
Acreditamos que essa Instituição educativa, formadora de mão-de-obra, não pode
eximir-se de cumprir sua função social. E uma delas é implementar ações que possam
minimizar as causas do fracasso escolar feminino proveniente das camadas populares e que
hoje frequenta esses espaços escolares por meio do Proeja.
Moura (2010, p. 60) destaca que é fundamental, então, pensar na implementação de uma
política voltada para o atendimento aos jovens e adultos que não concluíram os seus estudos
na faixa etária denominada regular. Para esses sujeitos de direitos a elevação da escolaridade
deve estar associada a uma formação profissional, que vise contribuir para melhoria de suas
condições de participação na sociedade e que é preciso compreender a necessidade de se
universalizar não apenas o acesso ao ensino fundamental e ao ensino médio públicos,
gratuitos e de qualidade, mas também a permanência e a conclusão da educação básica com
aprendizagem.
Destacamos que a construção do Programa nasceu de diálogos fecundos com sujeitos
representativos de atores sociais da educação profissional e tecnológica brasileira, acerca dos
IFETS, do ensino médio integrado, da educação agrícola, da formação de professores para a
EPT, da democratização do acesso às escolas da Rede Federal de Educação Profissional e
Tecnológica, das políticas focais, como a da formação para a pesca, para os assentamentos,
para a educação técnica a distância entre outros temas (MOLL, 2010, p. 19).
[...] “ensino profissional e tecnológico”, sinalizam um claro encaminhamento para
essa modalidade de ensino se torne uma poderosa ferramenta, na parceria com outras
políticas públicas, para a implementação de projetos educativos com forte
determinação superadora de desigualdades nos planos social, econômico, cultural e
político (FISCHER, 2008 apud MOLL, 2010, p. 15).
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Sabe-se que um problema social, de natureza e dimensões tão amplas, não permite
imediatismo em sua resolução. Mas pensamos que ao adotar um recorte de relações de gênero
nas análises educacionais, na perspectiva dessa temática, é possível edificar novas formas de
pensamento isentas de diferenciação sexista, o que levaria a práticas pedagógicas e sociais
compatíveis com a nova posição dos gêneros no mundo atual.
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CAMINHO METODOLÓGICO
Essa investigação caracteriza-se por uma abordagem quanti-qualitativa de caráter
descritivo, com a realização de um estudo de caso. Para Lüdke e André (2003, p. 18), o
estudo qualitativo “[...] é rico em dados descritivos, tem um plano aberto e flexível e focaliza
a realidade de forma complexa e contextualizada”. Para Hernández Sampieri et all (2006, p.
100-101) o propósito do investigador nos estudos quanti-qualitativos de caráter descritivo “é
descrever situações e eventos, isto é,
dizer como é, e como se manifesta determinado
fenômeno. [...] Eles medem, avaliam, ou coletam dados sobre diversos aspectos, dimensões
ou comportamentos dos fenômenos a ser pesquisados”.
A opção para a realização de estudo de caso deveu-se pela possibilidade de que essa
perspectiva traz de retratar a realidade de forma complexa e profunda e leva em conta o
contexto em que ele se situa (LUDKE; ANDRÉ, 2003). Para Minayo (1994), esse caminho
metodológico possibilita enfocar um mundo de significados das ações e relações humanas,
pois nelas a fala passa a ser reveladora de valores e símbolos como representações de
determinadas condições histórico-sociais.
Para a produção dos dados, serão selecionadas uma amostra de alunas evadidas dos
cursos técnicos integrados ao Ensino Médio de Jovens e Adultos, no período de 2010 a 2013.
Serão feitas também análises de um corpus documental constituído pelas fichas de matrículas,
pelos relatórios dos conselhos de classes e do Setor de Serviço Social.
A categoria de análise que vai nortear a seleção dos dados considerados relevantes será
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a de Gênero, referencial teórico defendido nesta pesquisa, que discute as respectivas
identidades do homem e da mulher, constituídas culturalmente ao longo da história humana.
Paralelo a esse direcionamento dos referenciais teóricos e a produção dos dados,
recorremos à análise de conteúdo, apoiada por Bardin (2009) e a técnica da triangulação dos
dados. Essas opções vão permitir fazer o cruzamento de duas fontes: a teórica, dada pelas
contribuições da literatura visitada, que auxilia na construção do objeto de estudo e a empírica,
que desde o início do projeto de pesquisa, apresenta indícios e pistas de elementos pertinentes
para a compreensão do problema colocado. Assim, será possível obter um corpus de
informações preciosas, que nos permitirá avançar para o estudo da problemática proposta por
essa investigação.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acredita-se assim, que a relevância social desse estudo será sua contribuição para suprir
a lacuna existente, na pesquisa acadêmica, da temática de Gênero e fracasso escolar na
perspectiva dos sujeitos envolvidos: jovens e adultos no contexto do Proeja.
Pretende-se ao dar visibilidade a essas mulheres e às suas trajetórias educacionais, com
ênfase na educação técnica profissional e contribuir com a instituição em suas políticas de
oferta de vagas para o público oriundo das camadas populares.
Busca-se também oferecer subsídio ao Governo Federal, em especial a Coordenadoria
Geral do Proeja, ligada a Secretaria de Educação Tecnológica e Profissional (Setec), órgão do
Ministério da Educação e Cultura, sobre a especificidade da inserção, permanência e êxito
escolar do público feminino nos cursos técnicos profissionalizantes nas Instituições Federais
de Educação Tecnológica.
E de uma forma em geral, esse projeto vai contribuir com as políticas afirmativas que
envolvem o público da EJA, como também, para a (re) formulação de políticas públicas pelo
Estado ou de ações afirmativas conduzidas por organizações ligadas à questão da mulher, no
que diz respeito ao seu processo de escolarização e a sua formação técnica profissional.
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Espera-se contribuir para superação a condição de exclusão e de discriminação a que essa
parcela da população feminina vem sendo submetida historicamente.
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REFERÊNCIAS
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ABSTRACT
This study aims to analyze the factors that contributed to the failure of the female public who
participates in the Programa Nacional de Integração da Educação Profissional with the
Educação Básica na Modalidade Educação de Jovens e Adultos (Proeja) in the period of
2010-2013 at Ifes campus Vitória. It is an investigation of the qualitative and quantitative
nature, with a descriptive character for the presentation of case study. The intercessors
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theorists are Nader (2005; 2007), Bruschini (2000; 2008), Ferreira (2003; 2010) and
Nogueira (2003); Patto (1997; 2004); Abramowicz (200); Bourdieu (1975); Fernandez
(2005); Freire (1996), among others, to problematize the issues of social relationships of
gender and school failure. Data production is made through interviews with the students who
left the technical course integrated to the Proeja and by the document analysis.It is
considered that the data produced by the research may contribute to rethink the offer of the
Programa at Ifes and in the redraft of policies of the State and/or affirmative actions by
organizations attentive to the female education issue.
Keywords: School failure, Proeja, Gender studies
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TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO: OS IMPACTOS
ECONOMICOS, POLÍTICOS E SOCIAIS DA REGULAMENTAÇÃO DO
TRABALHO DOMÉSTICO NO BRASIL
35
FURNO, Juliane – [email protected] (UNICAMP)
36
LEONE, Eugenia - [email protected] (UNICAMP)
Resumo: O presente trabalho aborda a problemática da divisão sexual do trabalho e do
trabalho doméstico no Brasil, atentando para a sua trajetória de reivindicações na busca de
equidade nos direitos trabalhistas, a sua herança cultural que o constitui com singularidade e
aponta o cenário político e econômico no qual emerge sua regulamentação. A problemática
desse artigo compreende uma investigação no sentido de entender as recentes
transformações políticas no debate do trabalho doméstico como um avanço na conquista e
consolidação de direitos trabalhistas e da formalidade, em que pese o serviço doméstico ter
permanecido historicamente negligenciado em relação aos demais trabalhos. Além disso,
procura-se compreender os impactos e as transformações sociais, políticas e econômicas
geradas por essa recente medida de proteção e regulamentação do trabalho doméstico.
Palavras chaves: Relações de Gênero, Trabalhadoras domésticas, Mercado de Trabalho,
Direitos Trabalhistas, Formalidade.
1
35
INTRODUÇÃO
Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestranda em
Desenvolvimento Econômico pela UNICAMP
36
Prof. Doutora do Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Econômico da UNICAMP
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O sistema de tipo patriarcal, vindo com a colonização portuguesa, imprimiu no Brasil
uma imposição imperialista da raça atrasada em contraposição a raça atrasa (FREYRE, 2006).
Foi nesse cenário de aculturação nacional em que se institui os embriões do trabalho
doméstico no Brasil. A estrutura da casa grande e da senzala representava, no seu microcosmo,
o sistema político, econômico e social no Brasil, no qual o trabalho era representado pelo
figura do escravo. O trabalho doméstico das escravas nas Casas Grandes, deixa suas marcas
fixadas na história do desenvolvimento do trabalho domésticos- também de tipo remuneradodas trabalhadoras brasileiras. Como na Casa Grande, até hoje temos a presença do sujeito
“agregado” (FREYRE, 2006), agora, porém, com dimensões reificadas, mas preservando a
herança do trato com as trabalhadoras domésticas em uma esfera pessoal e essencialmente
desigual,
aparentando,
no
entanto,
apresentar
contornos
“familiares”.
Segundo
Pochamman,”parte significativa das atividades desenvolvidas nos lares brasileiros carrega
ainda hoje traços semelhantes observados no passado serviçal e escravista” (POCHMMAN,
2012, p. 49).
O trabalho doméstico possui demasiada importância social na produção e reprodução da
sociedade, pois é ele que cria, cotidianamente, as condições necessárias para a manutenção da
força de trabalho, através do provimento do cuidado, da alimentação, da estadia entre outros.
Paradoxalmente, no entanto, tanto o trabalho doméstico remunerado, quando o não
remunerado, estão na escala dos trabalhos mais desvalorizados socialmente.
As teorias clássicas sobre o trabalho situavam o trabalho reprodutivo no polo oposto ao
trabalho produtivo- aquele que produz riqueza, ou que está inserido no mercado de trabalho
que gera valor monetário, e o trabalho improdutivo é aquele que “a mão de obra alocada gera
valor econômico insuficiente para a sua própria manutenção, o que impede a existência de
excedentes econômico a ser apropriado por outrem” (POCHMMAN, 2012, p. 48) No entanto,
só é possível, materialmente, que haja trabalho produtivo na sociedade se existirem sujeitos
aptos e com condições objetivas de realiza-lo, o que somente o trabalho reprodutivo é capaz
de garantir. A atividade doméstica é invisível para a sociedade capitalista, porém, é
fundamental para o desenvolvimento dela, por proporcionar o seu funcionamento, o suporte
para a força de trabalho e a reprodução. (PERROT, 2007)
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Considerado tipicamente feminino, o trabalho doméstico historicamente esteve
associado à baixa qualificação, a extensas jornadas de trabalho, a baixos salários e a pouca
formalização e limitadas garantias trabalhistas. Além disso, existe um importante elemento
subjetivo que é marca característica do emprego doméstico. Ele, não raras vezes, não é
elevado ao status de “trabalho”. É comum as trabalhadoras domésticas não remuneradas
identificarem que “não trabalham” e que “apensas cuidam do lar e da família”. Nesse sentido,
parece haver um acordo tácito entre empregadores e empregadas de que o emprego doméstico
não necessita passar pela legislação trabalhista vigente, basta um “acordo” entre as partes, o
que na maioria das vezes é feito informalmente. Essa relação com o empregador é marcada
por relações interpessoais e familiares, descaracterizando seu caráter profissional. O trabalho
doméstico remunerado assemelha-se a visão de trabalho que historicamente foi sendo
construída no imaginário coletivo social do que seja o trabalho das mulheres. A sociedade
brasileira tradicionalmente não encarou o serviço doméstico como um “trabalho”. Os afazeres
do lar, naturalmente relegado às mulheres, dificilmente foram encarado como um “trabalho”,
sendo considerado uma simples obrigação feminina, sem valor produtivo nem econômico, e
sem reconhecimento da sociedade. Segundo Pochmman (2012) o trabalho doméstico voltado
para as famílias possui características distintas da observada no emprego de mão de obra em
outros setores, “sua existência relaciona-se mais à combinação da concentração de renda e
riqueza com a existência de parcela significativa de trabalho sobrante às atividades
desenvolvidas nos setores públicos e privados” (POCMMAN, 2012, p.46)
A justificativa para essa desigualdade na legislação e na valorização, está ancorada na
perspectiva da Divisão Sexual do Trabalho. A divisão sexual do trabalho é a maneira como o
trabalho é dividido socialmente nas relações entre os sexos, sendo essa forma histórica e
conjunturalmente modificada em cada sociedade. O que parece ser recorrente, nesses tempos
históricos, é a designação prioritária aos homens à esfera produtiva, e consequentemente, ao
espaço público e de poder, e as mulheres a espera reprodutiva, representado pelo lar.
Essa forma de divisão do trabalho tem dois sentidos, segundo Kergoat (2003). O
primeiro seria o princípio da “separação” (existem trabalhos de homens e de mulheres) e o
segundo princípio seria o da “hierarquização” (o trabalho dos homens vale mais do que o da
mulher) “Esses princípios podem ser aplicados graças a um processo específico de
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legitimação, a ideologia naturalista, que empurra o gênero para o sexo biológico, reduz as
práticas sociais a papéis sociais sexuais, os quais remetem ao destino natural da espécie”
(KERGOAT, 2003 p. 56). A divisão sexual do trabalho, portanto, não é neutra no ambiente
doméstico familiar (NOGUEIRA 2006). Nesse sentido, segundo Souza (2004), para que haja
eficácia legal na regra de igualdade é necessário que a percepção da igualdade na dimensão da
vida cotidiana seja efetivamente internalizada.
Atualmente, segundo Antunes (2003) vivencia-se um aumento significativo da força de
trabalho feminina, alcançando os 40% das mulheres economicamente ativas. No entanto,
esses trabalhos têm sido absorvidos pelo capital na modalidade do part time, de precarização e
de desregulamentação. A expansão no trabalho, paradoxalmente, tem tido refluxo no que
tange a esfera dos salários, no qual a desigualdade entre homens e mulheres permanece como
um empecilho à igualdade substantiva. “A expansão do trabalho feminino tem se verificado,
sobretudo, no trabalho mais precarizado, nos trabalhos marcados por uma informalidade ainda
mais forte, com desníveis salariais ainda mais acentuados em relação aos homens, além de
realizar jornadas mais prolongadas” (ANTUNES, 2003, p. 108), além de a mulher
trabalhadora, em regra geral, realizar uma dupla jornada de trabalho, necessitando, por força
dos valores culturais, realizar as tarefas domésticas, no caso específico das empregadas
domésticas nas suas casas e nos domicílios onde presta serviço.
O trabalho doméstico remunerado parece ser um espelho da representação simbólica do
trabalho doméstico como um todo. Com isso, faz-se compreensível, na história dos direitos
trabalhistas no Brasil, que as empregadas domésticas tenham sido deixadas de fora do
conjunto dos elementos de proteção e formalização do trabalho na nossa sociedade, uma vez
que sempre foi visto com um “trabalho de pouco valor”- quando considerado como trabalhoe como uma tarefa “natural” das mulheres. Além disso, segundo o Dieese “a reduzida
proteção da legislação contribui para acirrar a desvalorização desse tipo de trabalho, exercido
em condições diferenciadas da maioria das ocupações” (DIEESE, 2010, p. 10).
O fato de as trabalhadoras domésticas trabalharem dentro dos domicílios restringe a sua
socialização e limita suas relações com a sua categoria profissional, encontrando-se com ela
quase que exclusivamente por relações pessoais. Acrescenta-se a isso que essa é uma
categoria de baixa sindicalização, de acesso limitado a direitos trabalhistas plenos, mesmo
80
Anais - 2014 V SITRE - ISSN 1980 - 685X
com o pouco contingente que conta com carteira assinada, e uma ocupação com baixos
rendimentos e extensas jornadas de trabalho. Todos esses elementos também contribuem para
uma desvalorização desse trabalho e para sua não equiparação com os demais trabalhos
regulamentados no Brasil.
No ano de 2013, o Senado Federal aprovou por unanimidade a Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) 66/2012 que amplia o acesso aos direitos trabalhistas também as
empregadas domésticas. É no âmbito dessa recente transformação no universo do trabalho no
Brasil que emerge essa problemática de pesquisa e sua correlata justificativa.
Em primeiro lugar, as poucas produções teóricas sobre o sujeito “Trabalhadoras
domésticas” estão quase que exclusivamente restritas as ciências sociais, enfocando seus
aspectos políticos antropológicos e sociológicos. A dimensão econômica da produção do
conhecimento científico a cerca da realidade social e de trabalho dessas trabalhadoras parece
ter sido negligenciado pelos economistas e relegados aos estudos de identidade,
reconhecimentos e demais aspectos que compõem a subjetividade desse grupo social.
Com a PEC das domésticas, como ficou popularmente conhecida, abre-se um novo
cenário para a problematização dos seus impactos na sociedade brasileira e no mercado de
trabalho. Faz-se necessário aos acadêmicos debruçar-se sobre essas novas transformações que
afetam o mundo do trabalho, a luta por direitos trabalhistas no Brasil e a reivindicação por
formalidade. Nesse sentido, a justificativa desse trabalho de pesquisa repousa no interesse em
analisar as recentes e profundas transformações na conjuntura brasileira, as quais
possibilitaram a um contingente da sociedade sair da “invisibilidade” com que
tradicionalmente são tidas as empregadas domésticas, e dar as condições para que se tornem
trabalhadoras, sujeitos de direitos em igualdade com os demais trabalhadores formais.
2
2.1
MERCADO DE TRABALHO E GÊNERO
O mercado de trabalho doméstico no Brasil
81
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No Brasil, segundo Pochamann, (2012) desde a abolição da escravatura, o trabalho
realizado em âmbito doméstico foi perdendo sua participação no total da ocupação urbana.
“Até o início do século XX, a ocupação doméstica representava a principal forma de trabalho
nas cidades” (POCHMANN, 2012, p. 50).
No entanto, o serviço doméstico no Brasil, segundo dados da PNAD 2008, ainda tem
uma demasiada incidência sob a ocupação remunerada de trabalhadores no Brasil, em especial
às mulheres. 6.626,001 são o contingente de sujeitos envolvidos nessa atividade, o que
equivale a 7,2% da população ocupada, e representa 15,8% da mão de obra feminina.
Na análise sob o total dos trabalhadores domésticos, nota-se que majoritariamente
estamos falando de mulheres, e, por isso, utilizarei sempre a expressão “empregadas
domésticas”, visto que estamos tratando de uma atividade remunerada na qual 93,6% da mão
de obra é feminina.
Do total das mulheres trabalhadoras em serviços domésticos, 61,7% são negras e 38,3%
não negras. No conjunto de todos os setores que compõem o mercado de trabalho brasileiro,
esse foi o ramo em que se verificou a maior proporção de trabalhadoras negras. (Dieese 2010).
No entanto, em que pese à renda acumulada, as mulheres negras seguem na esteira da história
escravagista brasileira, e- apesar de serem maioria entre as domésticas- são as que auferiram
rendimento menor. As trabalhadoras negras receberam, em 2009, 364, 84 reais, e as não
negras receberam 421, 22 reais.
O trabalho doméstico remunerado no Brasil foi exercido, até a década de 40, sem que
houvesse nenhuma legislação e sem que nenhum instrumento legal fosse criado em âmbito
nacional no qual o trabalho doméstico fosse o objeto de interesse e atuação. Em 1941,
entretanto, foi dado o primeiro passo visando o reconhecimento do trabalho doméstico e a
busca de regulamentação do mesmo. Através de um decreto Lei no governo Getúlio Vargas,
os trabalhadores domésticos passaram a ser aqueles que “de qualquer profissão ou mister,
mediante remuneração, prestem serviços em residências particulares ou em benefício desses”
(art. 1º). Este decreto lei instituiu o direito a carteira assinada, o aviso prévio e demais direitos
dos empregadores e dos empregados, porém, sua verdadeira efetivação dependida da sua
regulamentação, como previa o artigo 15, e isso jamais aconteceu.
82
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A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), elaborada também no governo Getúlio
Vargas, em 1943, delimitou e regulou as relações individuais e coletivas de trabalho. No
entanto, como previsto em seu artigo 7º, as normas presentes na Consolidação não se aplicam:
aos empregados domésticos, aos trabalhadores rurais, aos funcionários públicos e aos
servidores de autarquias paraestatais. Com exceção dos dois últimos grupos de trabalhadores,
que já gozavam de proteção por parte do aparato estatal, os empregados domésticos e os
trabalhadores rurais permaneceram sem proteção e nem regulação trabalhista, ficando refém
das negociações tácitas entre empregadores e empregados.
De decorrer do século xx, uma série de iniciativas, em diferentes governos, caminharam
no sentido de buscar uma maior equidade entre as empregadas domésticas e os demais
trabalhadores, porém, sua efetivação na prática ainda teria um extenso e tortuoso caminho. O
passo mais significativo conquistado pelas trabalhadoras domésticas no que tange a sua
reivindicações por direitos iguais, esteve presente na Constituição de 88 que previu os
seguintes direitos aos empregados domésticos: a) salário mínimo; b) irredutibilidade do
salário, salvo negociação; c) décimo terceiro salário; d) repouso semanal remunerado,
preferencialmente aos domingos; e) gozo de férias remuneradas com, pelo menos, um terço a
mais do que o salário normal; f) licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com
duração de 120 dias; g) licença-paternidade; h) aviso prévio proporcional ao tempo de serviço,
sendo no mínimo de 30 dias; i) aposentadoria; j) integração à previdência social.
No entanto, seu efetivo avanço esbarrou mais uma vez na natureza “não lucrativa” da
empregada doméstica, sendo esse um elemento chave na negação de equiparação de direitos
com os demais trabalhadores. Apesar de derrotada a proposta da equidade, as disputas
políticas presentes nesse debate apontavam para a possibilidade de manutenção ou até mesmo
retrocesso das poucas leis existentes na defesa do trabalho das empregadas domésticas.
Dentre as mais significativas conquistas da Constituição de 1988 destacaria o direito à
sindicalização, até então não permitido as trabalhadoras domésticas. Esse foi o principal
direito conquistado no sentido de permitir a constante busca de novas direitos, mediante a
capacidade de organização coletiva que, a partir daquele momento, foi concedido a essa
categoria social.
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Desde 1980, o trabalho doméstico remunerado foi a ocupação que mais cresceu no
Brasil, segundo Pochmann (2003). O aumento médio anual no número de trabalhadores
domésticos entre 1980 e 2000 foi de 4,0% ante a variação média anual de 2,1% no total da
ocupação no País para o mesmo período de tempo (POCHMANN, 2003). No ano de 2009,
segundo dados do IPEA, o trabalho doméstico remunerado empregava 7,2 milhões de
trabalhadores e trabalhadoras, 7,8% do total de ocupados no país. Entre os anos de 1979 e
2009, o emprego com registro em carteiro assinada cresceu 0, 8%, “se seguir esse ritmo de
elevação da formalização da mão de obra, o Brasil poderá ter que aguardar 120 anos para
alcançar a totalidade dos trabalhadores incluídos na proteção social e trabalhista”
(POCHMANN, 2012, p. 50).
2.2
Alguns resgates sobre a organização sindical das empregadas domésticas
A declaração da OIT, referente aos princípios e aos direitos fundamentais no trabalho,
inclui como um eixo o direito à liberdade sindical e à negociação coletiva. (NOTAS OIT
2010). Para as trabalhadoras domésticas, entretanto, torna-se um pouco mais dificultosa a
capacidade de se organizar, devido a particularidades da categoria. Entre os limites destaca-se
o isolamento em domicílios fechados, longas jornadas de trabalho, relações pessoal com os
patrões e uma frágil organização representativa da categoria.
Segundo o DIEESE (2010) a primeira associação de empregadas domésticas no Brasil
data de 1936, tendo como figura fundadora Dona Laudelina Campos Melo, em São Paulo.
Atualmente, a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD) é
reconhecida como a principal organização sindical das trabalhadoras doméstica. Sua origem é
de 1997 e conta, hoje, com 35 sindicatos filiados. Dentre as atribuições do sindicato
destacam-se as campanhas permanentes de valorização do trabalho doméstico, na tentativa de
constantemente reforçar o papel profissionalizado que cumprem as trabalhadoras domésticas.
Além disso, a organização sindical atua na luta por visibilidade da categoria, que sofre com a
cultura da nossa história de invisibilizar o trabalho reprodutivo das mulheres. Em termos de
incidência sobre a reivindicação de direitos trabalhistas, a federação destaca-se pela trajetória
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de reivindicação da ampliação dos direitos já concedidos, mas - prioritariamente- para a
inclusão da profissão na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
No Brasil há registro, segundo o Dieese, de inúmeras tentativas de negociações
coletivas por parte das empregadas domésticas. Raras chegaram a algum termo, como foi o
exemplo do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas de Campinas e região. No entanto, elas
tiveram seus ganhos e resultados anulados pela justiça do trabalho, que entendeu que esta não
constitui uma categoria profissional com direito de negociar, uma vez que não se trata de uma
atividade econômica que gere lucro para o empregador.
O maior número de mulheres em serviço doméstico tem dois fatores determinantes: o
aumento nas taxas de desemprego e uma tradição escravocrata que marcou a história da
colonização do Brasil. Em consequência de o Brasil ter sido o último país a abolir a
escravatura, nos relegou a marca de uma taxa muito alta das mulheres economicamente ativas
trabalharem em serviço doméstico. Outro fator que reforça esse argumento é que mais da
metade das trabalhadoras domésticas são negras, e mais de 70% delas não tem relação formal
de trabalho.
3
3.1
TRABALHO E GÊNERO
Debate sobre a centralidade da categoria trabalho
O trabalho, segundo Nogueira (2006), ao longo do processo histórico se apresenta de
inúmeras formas, atendendo às necessidades de cada momento. No entanto, ele se mantém
sempre como um momento de efetivação das relações sociais, visando a produção e a
reprodução da humanidade.
Com isso, parto da acepção da Centralidade da categoria trabalho na análise das
relações sociais. Nesse sentido, segundo Antunes (2003) “trabalho constitui-se como
categoria intermediária que possibilita o salto ontológico das formas pré-humanas para o ser
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social. Ele está no centro do processo de humanização do homem.” (ANTUNES, 2003, p. 138)
Essas citação baseia-se em um debate proposto por Lukacs, sobre a Ontologia do Ser Social,
no qual o autor levanta a tese da distinção entre o ser social e a natureza,
O trabalho, ainda segundo Antunes, constitui-se como uma categoria intermediária, que
possibilita o salto ontológico das formas pré-humanas para o ser social. Ele está no centro do
processo de humanização do homem. Portanto, parto da perspectiva da centralidade do
trabalho no desenvolvimento da vida humana, entendendo que o trabalho tem uma interação
ontologicamente desenvolvida a fim de garantir o processo de humanização dos seres
humanos, entendido no seu sentido mais amplo. “A busca de uma vida cheia de sentido,
dotada de autenticidade encontra no trabalho seu lócus primeiro de realização” (ANTUNES,
2003, p. 143). Isso Poe que, segundo constatação ontológica fundamental de Marx, ao se
referir ao trabalho, demonstrou que ele é:
(...) um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, por
sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza. Ele
mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. Ele põe em
movimento as forças naturais pertencentes à sua corporalidade, braços e pernas,
cabeças e mãos, a fim de se apropriar da matéria natural numa forma útil para sua
própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a natureza externa a ele e
ao modifica-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. (MARX, 1988,
vol I, p. 142)
O Debate em torno da centralidade do trabalho torna-se constante desde as duas últimas
décadas do século XX, nas quais procurou-se problematizar, dentro da acadêmica, a
proeminência da categoria trabalho para a compreensão da sociedade. Desde conjunto de
autores destaca-se o alemão Habermas, que logrou falar em sociedade do “pós trabalho”
(CARVALHO, 2006, p. 10). No bojo destas análises do paradigma da sociedade do lazer ou
do tempo-livre, procurou-se fazer uma identificação entre trabalho e emprego, parecendo,
porém, esquecer que o emprego é uma construção histórica, “enquanto o trabalho é uma
condição ineliminável da existência humana” (CARVALHO, 2006, p. 10). As principais
premissas que constituem o debate a cerca do fim da categoria trabalho como explicadora do
desenvolvimento da sociedade, está em compreender que as mudanças ocorridas nas forças
produtivas e nas relações de produção caminham no sentido da perda da dimensão subjetiva
86
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do trabalho, enquanto uma categoria constituinte e constituidora de uma conduta moral que é
socialmente referenciada, ou seja, uma perda de identidade do trabalhador a partir da esfera
do trabalho. Um segundo argumento parte das transformações recentes no mundo do trabalho
que tem na flexibilização e na precarização do trabalho seus principais expoentes. Com isso,
existe uma tendência na sociedade a construção de novos padrões de produção e também de
organização desse trabalho, nos quais a diminuição do trabalho estável e assalariado, o
desemprego e o aumento do trabalho informal e precarizado, apontam para o “fim de uma
utopia de crescimento”- entendida como uma tendência que possibilita a capacidade de
incorporação dos setores informais no núcleo central da economia.
Para finalizar, parto da análise de que existe uma “moral do trabalho”, construída
historicamente, que opõem a ética do trabalho à vadiagem, entendendo que existe uma ética
do trabalhador encontrada no trabalho, que o dignifica e o coloca em uma posição de
legitimação perante a sociedade. Segundo Hannan Arendt (1995) o trabalho, anterior ao
século XIII, associava-se a escravidão. O pleno desenvolvimento da atividade humana deveria
se realizar na esfera pública, o trabalho estava longe de adquirir status de dignidade. Porem,
quando o capitalismo começa a se impor como modelo hegemônico de sociedade- e sabendo
que sua sustentação material provém do trabalho- ele passou a adquirir o sentido de um dever,
que torna os seres humanos dignos de viver em sociedade. Com isso, a falta do trabalho- ou a
sua ameaça- criam um cenário de angústias e incertezas. De acordo com Lautier “A
demonstração, por múltiplos trabalhos antropológicos, do papel preponderante do nível
simbólico da inserção do trabalho contrasta com a precipitação desenvolta com a qual certos
autores afirmam, simetricamente, que o trabalho teria perdido seu lugar central do sistema
simbólico de nossas sociedades” (LAUTIER, 1999, p. 11) Assim, além da objetividade do
trabalho como um garantidor da reprodução da vida social e da subsistência, existem a
dimensão subjetiva e simbólica do trabalho como um elemento de reconhecimento e de
garantia de um papel na sociedade, sendo pelo trabalho que os sujeitos se conhecem como
moralmente aceitáveis.
REFERÊNCIAS
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trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 6. ed. São Paulo: Boitempo, 2003.
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doméstico de 2000 a 2009. In: ______. Pesquisa de emprego e desemprego-PED. São Paulo:
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<http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BA5F4B7012BA60957CB3833/PED_RMSP_
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cidades de São Paulo e Salvador. Relatório Final. Abril de 2001. Disponível em:
<http://www.dieese.org.br/estudosetorial/2012/2012trabDom.pdf>. Acesso em: 06 maio 2014.
FREYRE, Gilberto. Casa grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da
economia patriarcal. 51. Ed. São Paulo: Global, 2006.
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reprodução: um estudo das trabalhadoras de telemarketing. São Paulo: Expressão Popular,
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trabalhadoras domésticas remuneradas. In: Trabalho doméstico e remunerado na América
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>. Acesso em: 06 maio 2014.
MARX, Karl. O capital. São Paulo: Nova Cultural. 1988. livro I: vol I: tomos 1 e 2.
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considerações. Revista Paranaense de Desenvolvimento. Curitiba, n. 105, p. 5-23, jul/dez
2003.
______. Nova classe média?: o trabalho na base da pirâmide social brasileira. São Paulo:
Boitempo, 2012
88
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PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO.
PONCIANO, Roberta Rodrigues – [email protected]
IFG – Instituto Federal de Goiás - Câmpus Itumbiara
Endereço Avenida Furnas nº 55, Village Imperial
CEP – 75524-010. Itumbiara – Goiás
Resumo: O governo, atualmente, vem investindo em políticas sociais de inclusão com recorte
de gênero, visando a equidade, a igualdade entre sexos, o acesso à educação e a inserção no
mercado de trabalho, um exemplo é o Programa Mulheres Mil, que tem como foco de
atuação mulheres em situação de vulnerabilidade social. Busca proporcionar a elevação da
escolaridade, e o acesso e/ou a permanência no mundo do trabalho, incentivando a criação
do próprio negócio, para evitar o trabalho informal. Assim, o objetivo deste artigo é
apresentar o perfil da empregabilidade das alunas ao se matricularem no Programa
Mulheres Mil do campus Itumbiara, no curso de técnicas de artesanato, ministrado no
segundo semestre de 2013. Aplicou-se um questionário as alunas e os resultados mostraram,
na turma vespertina, que a maioria são donas de casas que buscam uma qualificação para
pleitearem um trabalho, outras estão empregadas no trabalho formal e as demais
desempregadas atuando no mercado informal. Na turma noturna, ocorreu o inverso, mais da
metade estão empregadas no formal, sendo que depois vem as donas de casa seguido de
desempregadas. Por tudo isso, percebe-se que as mulheres estão em busca de uma educação
que lhes vislumbrem uma possível inserção no mercado de trabalho e /ou uma qualificação
na busca por igualdade de direitos.
Palavras-chave: Educação profissional; Gênero; Trabalho.
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INTRODUÇÃO
A mulher está atingindo um nível educacional mais elevado que o homem, segundo
Maruani e Hirata (2003), isso é uma vantagem significativa, na evolução para uma sociedade
do conhecimento. As desigualdades de gênero no trabalho tendem a se reduzir, mas as
desigualdades entre as mulheres aumentam, gerando novas contradições. Constata-se, então,
uma grande evolução da mulher na área profissional, mas é importante acompanhar as
mudanças institucionais, jurídicas e de valores.
Com exceção do trabalho doméstico e da ocupação como militar ou funcionário público
estatutário, os homens eram maioria dentro da população ocupada nas diversas formas de
inserção. Mesmo diante do predomínio masculino, constatou-se que as diferenças de inserção
entre homens e mulheres foram reduzidas em 2011, com as mulheres aumentando sua
participação em todas as formas de ocupação. Em 2003, por exemplo, a proporção de homens
com carteira assinada no setor privado era de 62,3%, enquanto a das mulheres era de 37,7%,
uma diferença de 24,7 pontos percentuais. Em 2011, essas proporções diminuíram para 19,1
pontos percentuais. O maior crescimento de participação feminina foi observado no emprego
sem carteira no setor privado: diferença de 26,9 pontos percentuais em 2003 (63,5% homens e
36,5% mulheres) e de 19,1 pontos percentuais em 2011 (59,5% homens e 40,5% mulheres).
(INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA, 2012).
Assim, para atender à necessidade histórica de inclusão das mulheres na educação e no
mundo do trabalho, foi criado um programa específico na área de gênero, educação e trabalho
denominado Programa Mulheres Mil. Este foi instituído pela Portaria nº 1.015 de 21 de julho
de 2011, visando à formação profissional e tecnológica articulada com elevação de
escolaridade de mulheres em situação de vulnerabilidade social, contribuindo para a redução
de desigualdades sociais e econômicas.
De acordo com o Programa Nacional Mulheres Mil (BRASIL, s.d.) essa modalidade de
ensino é coordenado pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da
Educação (SETEC-MEC), com cooperação Internacional Brasil-Canadá – Promoção de
Intercâmbio de Conhecimento para Promoção da Equidade (PIPE) e parcerias com o
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Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e
Tecnológica.
O curso ministrado, conforme o Guia Metodológico do Sistema de Acesso,
Permanência e Êxito do Programa Mulheres Mil (BRASIL, s.d.), é escolhido após uma
avaliação socioeconômica das comunidades locais, podendo ser de áreas diversas, e buscam
orientar para as diferentes habilidades das alunas, conforme a vocação da região, sendo
ofertado a cada seis meses e todas as mulheres inscritas e frequentes recebem um auxílio para
custear despesas com os estudos.
A opção pelo recorte gênero ocorre devido ao aumento no número de mulheres que
ampliaram o seu papel na sociedade e em suas comunidades, assumindo diversos papéis,
como por exemplo, o controle e o sustento financeiro da sua residência, bem como o
desenvolvimento educacional e cultural dos filhos. Isso tudo repercute nas futuras gerações e
no desenvolvimento justo e igualitário do país.
Gênero remete a construções sociais, históricas, culturais e políticas que dizem
respeito a disputas materiais e simbólicas envolvendo processos de configuração de
identidade, definições de papeis e funções sociais, construções e desconstruções de
representações e imagens, diferentes distribuições de recursos e de poder e
estabelecimento e alteração de hierarquia entre os que são socialmente definidos
como homens e mulheres e o que é- e o que não é - considerado de homem e de
mulher, nas diferentes sociedades e ao longo do tempo (SECAD - Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2007).
O presente trabalho propôs-se a analisar qual a ocupação no mercado de trabalho das alunas do
Curso de Técnicas de Artesanato do Projeto Mulheres Mil, ofertado no, Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG) – Câmpus Itumbiara, no segundo semestre do ano de 2013.
Aborda ainda, qual o tipo predominante do trabalho feminino, se formal ou informal, e suas
particularidades.
A feminização do mercado de trabalho é real, bem como o crescimento da escolaridade
feminina, o que gera uma reviravolta na história das mulheres contribuindo para possíveis
qualificações em determinada área, inserção efetiva no mundo do trabalho e/ou a criação de seu
próprio negócio.
METODOLOGIA
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A metodologia da pesquisa sobre a ocupação no mercado de trabalho das alunas, bem como as
particularidades e os tipos predominantes do trabalho feminino, ocorreu através de questionário
aplicado nas duas turmas do curso de Artesanato do Programa Mulheres Mil, sendo uma turma no
período vespertino e outra no noturno, ofertadas no segundo semestre de 2013. Os questionários foram
preenchidos pelas próprias alunas, após explicação das questões.
As perguntas tinham respostas de múltipla escolha, sendo orientada a marcação de
apenas um item, e a linguagem utilizada foi simples e direta para que as alunas
compreendessem com clareza o que estava sendo perguntado. Verificou-se então, que das 26
matriculadas na turma vespertina, apenas 17 responderam o questionário, pois eram as que
estavam presentes em sala de aula no momento da pesquisa. Já na turma noturna, das 28
mulheres matriculadas apenas 12 preencheram o questionário.
Em seguida, realizou-se a tabulação dos dados, e o tratamento estatístico. Com base nos
dados, utilizou-se referências bibliográficas para realizar as interpretações, e foram feitas
tabelas para melhor visualizar os resultados obtidos.
RESULTADOS E DISCUSSAO
No presente estudo, na tabela 1, observa-se que, a maioria das alunas participantes do
Programa, são donas de casa, e ocorreu um empate entre aquelas que estão empregadas e
desempregadas. O que se conclui através da observação dos relatos delas, que todas estão em
busca de melhorar a escolaridade para poderem se inserir no mercado de trabalho, seja no
formal ou informal, e até mesmo montar seu próprio negócio com aperfeiçoamento da
aprendizagem ministrada em sala de aula.
Tabela 1: Turma vespertina - Qual a sua ocupação?
Número de Pessoas:
Percentual
92
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está empregada;
2
12%
desempregada;
2
12%
dona de casa.
13
76%
Através da tabela 2, percebe-se que metade das alunas trabalham no mercado formal, e
através da pesquisa de qual a profissão que exercem, disseram ser zeladora e a outra
massagista. Já a outra metade atua no informal, sendo que uma trabalha como artesã, em sua
residência e a outra é vendedora de cosméticos de revistas. Foi considerado trabalho formal
aquele em que são respeitadas as leis trabalhistas do país, explicitadas na CLT (Consolidação
das leis do trabalho) ou no Estatuto de Servidor Público.
Tabela 2: Turma vespertina – Se trabalha, qual o tipo de trabalho que exerce?
Número de Pessoas:
Percentual
formal;
2
50%
informal.
2
50%
A participação no Programa poderá propiciar mudanças na vida dessas mulheres,
favorecendo a inclusão social, com a oferta de formação focada na autonomia e na criação de
alternativas para inserção no mundo do trabalho.
Na turma noturna, verifica-se na tabela 3, que mais da metade das alunas (58%) estão
empregadas, seguido de que 25% são donas de casa e apenas 17% estão desempregadas. Uma
dona de casa disse trabalhar na informalidade fazendo bordado em casa para vender e também
é consultora de produtos de revista.
Tabela 3: Turma Noturna - Qual a sua ocupação?
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Número de Pessoas:
Percentual
está empregada;
7
58%
desempregada;
2
17%
dona de casa.
3
25%
De acordo com a tabela 4,78% das alunas estão empregadas no mercado formal, e 22%
estão no informal, sendo que uma delas faz artesanato para vender e a outra é a vendedora de
produtos de revista. As atividades informais passam a ser a forma de geração de renda dessas
mulheres com baixas remunerações e pouco reconhecimento.
As profissões do mercado formal citadas foram gerente, doméstica, fotógrafa, auxiliar
de caixa, auxiliar de serviços gerais, funcionária pública e autônoma. Assim, o acesso ao
trabalho representa a oportunidade para que as mulheres possam utilizar suas capacidades e
conhecimentos para obtenção da valorização profissional modificando sua realidade.
Tabela 4- Turma Noturna: Se trabalha, qual o tipo de trabalho que exerce?
Número de Pessoas:
Percentual
formal;
7
78%
informal.
2
22%
Leite e Araújo (2009) preconizam que a vulnerabilidade vivida no mercado de trabalho,
representa o primeiro impulso para inserção em outras modalidades de trabalho, como nas
cooperativas populares. Os motivos que agrupam um conjunto de desvantagens para a difícil
inserção no mercado de trabalho são diversos, e impedem ou dificultam o acesso à
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formalidade. Podemos citar como exemplo, longo período sem ocupação, a baixa escolaridade
e a pouca experiência.
Diante do grupamento de atividades estudadas, obtém-se que as mulheres estão cada
vez mais procurando o aperfeiçoamento através de um ensino de qualidade, para saírem da
posição de donas de casa ou desempregadas para empreendedoras do próprio negócio ou para
a inserção no mercado formal.
CONCLUSÃO
São inúmeros os motivos que levam as mulheres a quererem sair da posição que se
encontram atualmente, de desempregadas ou do lar, para empregadas no mercado formal,
obtendo igualdade de direitos de gêneros. Para que isso continue crescendo é necessário que
todas as instâncias envolvidas e atingidas pela crescente participação feminina reflitam sobre
as diversidades que envolvem as particularidades do trabalho feminino.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Secretária de Políticas para Mulheres. Guia Metodológico
do Sistema de Acesso, Permanência e Êxito do Programa Mulheres Mil. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=11834
&Itemid=>. Acesso em: 03 de maio de 2012.
______. Ministério da Educação. Portaria nº 1.015 de 21 de julho de 2011. Diário Oficial
da União, Brasília, DF, n. 140, 22 jul .2011. Seção 1.
______. Ministério da Educação. Programa Nacional Mulheres Mil - Educação, Cidadania
e Desenvolvimento Sustentável. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=8598&
Itemid=>. Acesso em: 03 de maio de 2012.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE). Pesquisa Mensal
de Emprego. Mulher no mercado de trabalho: perguntas e respostas. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/Mulher
_Mercado_Trabalho_Perg_Resp_2012.pdf>. Acesso em 25 set. de 2013.
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LEITE, Marcia de Paula; ARAUJO, Angela Maria Carneiro. O trabalho reconfigurado:
Ensaios sobre Brasil e México. São Paulo: Fapesp, 2009.
MARUANI, Margaret; HIRATA, Helena. As novas fronteiras da desigualdade. homens e
mulheres no mercado de trabalho. São Paulo: Senac, 2003.
SECRETARIA DE EDUCACAO CONTINUADA, ALFABETIZACAO E DEIVERSIDADE
(SECAD). Gênero e diversidade sexual na escola: reconhecer diferenças e superar
preconceitos. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/escola_protege/caderno5.pdf>. Acesso em 15
ago. 2013.
PARTICIPATION OF WOMEN IN THE LABOUR MARKET.
Abstract: The government currently has invested in social inclusion policies with a gender,
seeking equity, gender equality, access to education and entering the labor market, an
example is the Thousand Women Program, which focuses on the action women in situations
of social vulnerability. Seeks to provide the elevation of education, and access to and / or stay
in work by encouraging the business itself, to avoid informal work. The objective of this
article is to profile the employability of students to enroll in Thousand Women Program
campus Itumbiara, in the course of craft techniques, taught in the second half of 2013. We
applied a questionnaire the students and the results showed in the afternoon class, most are
housewives who seek a qualification for a job plead, others are employed in the formal labor
and other unemployed working in the informal market. At night class, the opposite happened,
more than half are employed in the formal, and then comes the housewives followed by
unemployed. For all this, one realizes that women are in search of an education that envisage
them a possible inclusion in the labor market and / or a qualification in the search for equal
rights.
Keywords: Professional education; Gender; Work.