Imperial Collegio de Pedro II - DigitalCommons@SHU

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Imperial Collegio de Pedro II - DigitalCommons@SHU
Sacred Heart University
DigitalCommons@SHU
Education Faculty Publications
Isabelle Farrington College Of Education
November 2009
Imperial Collegio de Pedro II: um Elemento de
Manutenção da Unidade Nacional [The Imperial
College Pedro II: Contributing to the Preservation
of National Unity]
Karl M. Lorenz
Sacred Heart University
Ariclê Vechia
Universidade Tuiuti do Paraná
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Recommended Citation
Lorenz, K. M.; Vechia, A. Imperial Collegio de Pedro II: um elemento de manutenção da unidade nacional [The Imperial College
Pedro II: contributing to the preservation of national unity]. In: Congresso Iberoamericano de Historia de la Educación
Latinoamericana, 9, 2009, Rio de janeiro, Anais, Rio de Janeiro, Brasil, nov. 2009 (CD-ROM)
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IMPERIAL COLLEGIO DE PEDRO II: UM ELEMENTO DE MANUTENÇÃO
DA UNIDADE NACIONAL
Ariclê Vechia.
Universidade Tuiuti do Paraná.
Karl Michael Lorenz
Sacredheart University .E.U.A.
Palavras-chave: ensino secundário, unidade nacional, Colégio de Pedro II.
Logo depois de conseguida a independência política do Brasil, em 1822, tornou-se
necessário elaborar um conjunto de leis que regessem o novo país e dessem as diretrizes para
criar uma estrutura político-administrativa independente da Metrópole. Estabelecida a
Assembléia Constituinte, em 1823, para este mister, os parlamentares, influenciados pelas
idéias liberais em voga, principalmente na Europa Central, elegeram a Instrução Pública como
uma das questões fundamentais a serem discutidas. Segundo alguns deles, “somente por meio
dela seria possível difundir as luzes e produzir a moralidade necessária para formar dignos
cidadãos de um Estado livre” (ANAIS da câmara...... 1824). Os debates sobre o papel do
Estado na instrução da população, a gratuidade e a universalidade do ensino foram
alimentados, principalmente, pelos liberais que buscavam inspiração na legislação francesa. A
criação de uma Comissão de Instrução Pública e a adoção do termo instrução, para as questões
educacionais; primário e secundário, para designar graus do processo educativo, tem raízes na
legislação francesa. A falta de unidade de pensamento dos políticos liberais levou-os a propor
projetos considerados incompatíveis com a realidade do país. A carência de coesão resultou na
perda da liderança e a subseqüente dissolução da Assembléia Constituinte, um dos seus
principais ícones.
A Constituição de 1824, outorgada pela Coroa, contudo, manteve o princípio da
liberdade de ensino e de instrução primária, gratuita para todos os cidadãos, e a Lei de 15 de
outubro de 1827, para a Instrução Primaria, refletiu a tendência verificada na França no início
de Século XIX em relação a este nível de ensino. O ensino secundário ficou sem uma
legislação especifica, ficando a cargo de algumas Aulas Avulsas, de iniciativas provinciais e de
particulares.
Durante o Primeiro Reinado a política brasileira esteve convulsionada por inúmeras
crises e revoltas separatistas. Na tentativa de conciliar as divergências, o texto constitucional
foi alterado pelo Ato Adicional de 1834, que deu maior autonomia às Províncias e concedeu às
Assembléias Provinciais o direito de criar e o dever de manter o ensino primário e secundário.
Desde então, estes dois níveis de ensino ficaram à mercê dos recursos financeiros de cada
Província. O governo central ficou com a responsabilidade de manter o ensino primário e
secundário, no Município da Corte, e o ensino superior, em todo o país.
O estudo tem por objetivos analisar o tipo formação almejada para formar a
juventude da elite brasileira, no período imperial; o tipo de educação ofertada pelo
Collegio de Pedro II, bem como, as estratégias adotadas pelo governo Imperial na
tentativa de dar diretrizes para o ensino da juventude brasileira nas diferentes províncias.
1
Trata-se de um estudo sócio-histórico que teve como fontes principais, os Discursos
Parlamentares, Relatórios do Ministério do Império; Leis, Decretos e Regulamentos, os
Planos de Estudos e os Programas de Ensino do Collegio de Pedro II estabelecidos em
decorrência de cada reforma de ensino de 1838 a 1889.
O estado incipiente em que se encontrava o ensino secundário no Município da
Corte e nas Províncias, durante o período Regencial, foi alvo de debates por parte dos
Ministros do Império e da Assembléia Legislativa. A discussão sobre o ensino secundário
estava relacionada com o processo de construção da nacionalidade brasileira e da unidade
nacional, uma vez que o ensino secundário era um tipo de ensino direcionado para a
formação da elite dirigente do país. Liberais moderados e liberais que adotaram tendências
conservadoras passaram a defender um governo centralizado e forte para garantir a
unidade do Império. Este grupo, segundo Murilo de Carvalho (1980), tinha uma formação
homogênea cunhada na Universidade de Coimbra. Este grupo tinha por meta restaurar as
prerrogativas do poder central cedidas às Províncias por conseqüência do Ato Adicional
de 1834. Em consonância com este pensamento, foi tomada a decisão de se criar, dentre
outras instituições cientificas e culturais, uma instituição de ensino secundário, única, que
tivesse lastro nas idéias iluministas e liberais cunhadas na Europa Central. Inspirados no
modelo iluminista de civilização, este grupo buscava desenvolver as Artes as Ciências, a
Literatura entre a juventude da elite brasileira, para fazer frente às nações mais adiantadas.
Esta instituição deveria ser o centro receptor das idéias educacionais européias, bem como,
o difusor das mesmas para as instituições congêneres, quer públicas ou particulares, em
todo o Brasil. Esta seria uma forma de centralização das decisões. O Governo Central, por
via indireta, daria as diretrizes do ensino secundário para todo o país. Seria, também, uma
forma de, por meio de uma formação homogênea ad futura elite dirigente, garantir a
unidade do Império.
A criação do Imperial Collegio de Pedro II, pelo Decreto de 2 de Dezembro de
1837, visava atender estas finalidades. Para atingir as metas traçadas, o Ministro do
Império, Bernardo Pereira de Vasconcelos, foi buscar inspiração nos colégios da Prússia,
Holanda e França, sendo que fez a opção pelo modelo francês. (DORIA, 1937). Segundo
seu discurso na Câmara dos Deputados, os Estatutos do Collegio, aprovados pelo
Regulamento de n.o 8 de 31 de janeiro de 1838, continham “inúmeras disposições
copiadas dos Regulamentos dos Colégios de França, apenas modificado por homens que
gozam a reputação de sábios, e entendem o que deve alterar-se nas disposições desses
Estatutos (ANAIS da Câmara...... 1838, p.159). Apesar da Prússia e da Inglaterra também
serem considerados países que “marchavam à frente da civilização”, desde o final do
século XVIII, a cultura francesa simbolizava a modernidade e suas concepções
educacionais passaram a exercer influência em diversos países europeus e americanos. A
escolha do modelo de ensino francês, portanto, não pode ser considerada uma recusa ao
modelo de ensino da antiga Metrópole, pois a adesão ao modelo foi feita, em maior ou
menos escala, pela maioria dos países europeus, inclusive por Portugal.
Esta formação só se tornaria possível pela adoção de planos de estudos que
contemplassem o ensino das ciências físicas, naturais e matemáticas que eram
indispensáveis para satisfazer as exigências da sociedade modernas, porém, aliados aos
estudos clássicos humanistas - consideradas as forças formadoras dos ‘espíritos’ destinados
às mais nobres funções na sociedade. Uma vez que se considerava que
[...] o estudo das letras clássicas, fazendo conhecer o verdadeiro e o belo,
reúne todos os elementos para formar uma razão poderosa, sentimentos
honestos e delicados, um caráter forte [...]. As ciências matemáticas, físicas e
naturais, que tem feito imensos progressos e são indispensáveis para satisfazer
as exigências da sociedade [...] Mas essas ciências, não podem substituir o
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estudo que da ao homem a aptidão para as funções da vida [...].A literatura, a
historia, a eloqüência e a filosofia, que constituem as grandes forças
intelectuais e morais da humanidade e que formam, por isso os homens de
maior influencia sobre o seu século e seu país, não podem ser compreendidas
senão à luz dos elementos que compõem a civilização geral do mundo: a
antiguidade e o cristianismo. A educação moral das nações modernas , que
elas devem procurar obter com o desenvolvimento intelectual, sob pena de
decadência, tem nos estudos clássicos o verdadeiro meio de realizar-se.
(BARROS,1870,In: VECHIA, 1998,p.181).
O primeiro plano de estudos estabelecido para o Imperial Collegio de Pedro II, em
1838, era uma versão reduzida dos planos adotados pelos Collèges Royaux da França,
como passaram a ser chamados, no período de 1815 a 1848, os Liceus criados por
Napoleão em 1802. Apesar da mudança de denominação, mantiveram as mesmas
finalidades dos Liceus – formar da “elite da nação”.
O plano de estudos do Collegio de Pedro II, de 1838, incorporava os estudos
clássicos: Gramática, Retórica, Poética, Filosofia, Latim e Grego e os estudos modernos que
incluíam, além de dois anos de Gramática Nacional, duas línguas "vivas": Francês e Inglês,
História e Geografia, as Matemáticas, as Ciências Naturais, além de Música e Desenho. . A
inclusão das línguas "vivas" - Francês e Inglês, era o reconhecimento de que ambas eram o
veículo para adquirir conhecimentos sobre as Ciências e Artes, em estilos e planos diferentes
acomodados a todas as capacidades.
Tendo-se em vista que a sociedade brasileira era comandada por uma aristocracia
escravocrata, a fundação deste tipo de instituição visava à formação da juventude oriunda
desta elite. Seu plano de estudos tinha por objetivo conduzir o aluno ao ingresso nos cursos
superiores, pois a Corte desejava formar pessoas que a dignificassem entre as nações
ilustres. “A missão do colégio era a de elevar os estudos de Humanidades e,
especificamente, das línguas clássicas no Brasil”, no entanto, não deixava de atender
minimamente os estudos científicos que acenavam com o desenvolvimento do país.
(ANAIS da Câmara, ........1837, p.117). Os primeiros planos de estudos do Collegio, bem
como os demais decorrentes das reformas de ensino efetuadas no século XIX, refletiram os
embates entre os estudos científicos e humanísticos verificados em países europeus, como
Alemanha, Suíça, Bélgica e França.
No plano de estudos de 1838, as Humanidades eram responsáveis por 62% da carga
horária total e, desse percentual, 50% era atribuído ao estudo de Latim e Grego. O Brasil, um
país em fase de afirmação como nação independente, e por força de sua tradição de ensino
secundário e/ou por conveniência em se basear em uma língua fundamental, assentava a base
de seus estudos na Língua Latina. Aliás, o ensino do Latim era algo necessário, posto que a
maioria dos conhecimentos disponíveis ainda se encontrava na Língua Latina e o próprio
estudo da Língua Portuguesa se fundamentava nela.
O primeiro ano letivo do Collegio de Pedro II teve início em março de 1838; porém,
devido às dificuldades de implementação do plano de estudos e devido às mudanças de cunho
político, o mesmo foi reformulado já em 1.o de janeiro de 1841. Segundo a justificativa
apresentada, as modificações visavam "adequar os estudos ao nível de desenvolvimento dos
alunos". Sendo assim, a o Regulamento fixou o curso do Collegio em sete anos, introduzindo
novas disciplinas de “línguas vivas” e da área de Ciências; alterando a distribuição da cargahorária e dando uma nova organização às disciplinas pelos anos do curso.
A oferta de línguas "vivas" foi ampliada com a inclusão da Língua Alemã e a carga
horária a elas atribuída praticamente triplicou. A introdução da Língua Alemã traduzia o
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reconhecimento dos parlamentares brasileiros, do grande desenvolvimento, das Ciências e da
Literatura no Norte da Europa e do baixíssimo número de brasileiros que poderiam ter acesso a
tal conhecimento por falta do domínio da Língua Alemã. Por outro lado, a carga horária
atribuída à Língua Latina foi drasticamente diminuída e o ensino da Gramática Nacional foi
ainda mais reduzido. Os estudos de Ciências também tiveram algumas alterações que denotam
avanços significativos. Uma nova especialidade foi incluída – Geologia, que juntamente com
Mineralogia aprofundavam os estudos da Terra. Além desta disciplina, passou a figurar no
plano de estudos, Zoologia Filosófica, uma disciplina teórica que trazia à tona os debates dos
mais renomados cientistas alemães e franceses sobre o desenvolvimento embrionário e a
evolução das espécies. (LORENZ, 2005).
A introdução de novas disciplinas no plano de estudos e a guinada na distribuição de
carga horária, dentro da área de Humanidades, demonstrava o desejo de modernizar o ensino,
sintonizando-o com as idéias educacionais vigentes na Europa. De qualquer maneira, os
estudos humanísticos continuavam prevalecendo sobre todos os demais.
As reformas de ensino efetuadas na década de 1850 continuaram a refletir os embates
entre os estudos científicos e humanísticos verificados em países europeus. A este respeito, já
em 1835, Guisot, o Ministro da Instrução Pública da França, opinara que os estudos científicos
deveriam fazer parte dos planos de estudos, mas sem prejuízo das letras Gregas e Latinas, “das
quais nasceu a civilização” ( GUISOT apud BARROSO, 1867, p.53).
Em 17 de setembro de 1851, a Assembléia Geral Legislativa aprovou pela Lei n.o 630,
um projeto apresentado por Couto Ferraz que autorizava o governo a reformar o ensino
primário e secundário no Município da Corte. Para o ensino Secundário foi baixado um novo
Regulamento para o Imperial Collegio de Pedro II, aprovado pelo Decreto n.o 1556, de 17 de
fevereiro de 1855. O referido Regulamento procurou compatibilizar o ensino secundário ao
técnico, para tanto, dividiu o ensino secundário em dois ciclos em um esquema 4 + 3. O
primeiro ciclo, chamado de Estudos de Primeira Classe, com duração de quatro anos, deveria
ser freqüentado por todos os alunos do colégio. Ao final deste período os alunos poderiam
prosseguir os estudos no próprio colégio ou requerer um certificado de conclusão de curso que
lhes daria o direito de ingressar em um dos cursos de formação técnica, sem prestar novos
exames. Já o segundo ciclo, ou Estudos de Segunda Classe, com duração de três anos, dava ao
aluno, ao final do sétimo ano de estudos, o título de Bacharel em Letras que lhe garantia o
direito de matrícula em qualquer instituição de ensino superior (REGULAMENTO... 1855).
Esta reforma de 1855 estava embasada na legislação para os Liceus franceses, conforme o
Inspetor Geral da Instrução Pública Euzébio de Queiroz afirmou em 1856: “adaptou o
Conselho às novas circunstancias, os últimos programas publicados para os Liceus Nacionais
da França “(RELATORIO..... apresentado à Assembléia Legislativa...1856). Esta estruturação
do ensino tinha por base a reforma efetuada em 1847 por Salvandy, Ministro e Secretário de
Estado do Departamento da Instrução Pública da França. A reforma de Salvandy propôs um
modelo de plano de estudos com uma estruturação do tipo 4 + 3, que objetivava oferecer
também um ensino técnico e tradicional na escola secundária.
O programa de ensino estabelecido em 1856, em decorrência da Reforma de Couto
Ferraz, seguia o modelo dos programas adotados na França. Da mesma maneira, os livros
didáticos adotados para a maioria das disciplinas eram os utilizados nos liceus franceses, sendo
que muitos deles eram de autoria de franceses. Para a Aritmética, Álgebra, Geometria e
Trigonometria, era adotado o livro de Ottoni; para Zoologia e Botânica, o de Salacroux; Física
e Química o de Guerin-Varry; para Mineralogia e Geologia, o de Beudant; para Filosofia o
Cours elementaire de Barbe, e para História e Geografia, o Manual de Baccalaureat (última
edição para uso dos liceus de Paris) e o Atlas de Delamarche. (VECHIA;LORENZ, 1998.p28 40).
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Muitos aspectos da reforma de Couto Ferraz tiveram curta duração. Com a morte do
Marquês do Paraná, em 1856, o Ministério da Conciliação caiu e um novo Ministério foi
organizado pelo Marquês de Olinda, que além de ser Presidente do Conselho de Ministros,
assumiu o cargo de Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império, em 4 de maio de
1857. Por sua inspiração foi baixado o Decreto n.o 2.006, de 24 de outubro de 1857, que
alterou dispositivos do Regulamento relativo aos estudos de Instrução Secundária do
Município da Corte.
Em relação ao ensino no Collegio de Pedro II, a reforma abandonou o esquema 4 + 3 de
Couto Ferraz e instituiu dois cursos: um geral de sete anos de duração que levava à obtenção
do grau de Bacharel e preparava os alunos para o ingresso nos cursos superiores e um curso
especial de cinco anos de duração destinado aos alunos que pretendessem ingressar em um dos
cursos técnicos (DECRETO n.o 2.006, arts. 4.o, 6.o e 10.o). O curso especial constava dos
estudos dos primeiros quatro anos do curso completo e de mais um ano especial que teria
matérias distintas das do 5.o ano do curso normal. A composição dos estudos proposta para o
curso geral apresentou pequenas mudanças em relação ao proposto em 1855. As alterações
estavam relacionadas à organização dos estudos e sua distribuição pelos diferentes anos. Pelas
características apresentadas no plano de estudos de 1857, pode-se afirmar que o mesmo foi
inspirado nas idéias propostas pelo Decreto de 10 de abril de 1852, do Ministro da Instrução
Pública e da Cultura da França, Hipolithe Fourtoul, que defendia uma dupla função para os
liceus. Depois de ofertar uma Divisão de Estudos, chamada elementar, os Liceus deveriam
oferecer duas opções para a Divisão superior: a de Letras e a de Ciências. A primeira tinha por
objetivo a cultura literária que dava acesso às faculdades de direito e de Letras. A segunda
preparava para as profissões comerciais e industriais e dava acesso às faculdades de Medicina e
de Ciências (Decreto de 10 de abril de 1852: In; Marchand, 2000, p 205).
As reformas de Salvandy e Fourtoul foram amplamente debatidas e criticadas nos
meios intelectuais e pela imprensa francesa. No entanto, houve uma redefinição das finalidades
dos liceus que passaram a oferecer estudos específicos para segmentos sociais diferenciados. O
papel atribuído às ciências no preparo de alunos para as profissões técnicas e os modelos de
planos de estudos propostos, exerceram forte influência sobre o pensamento dos idealizadores
das reformas de 1855 e 1857.
A desvalorização das profissões técnicas e o prestígio das profissões liberais cultivados
pela sociedade brasileira, levaram a maioria dos alunos do Collegio a cursar o programa de
estudos que os conduzissem às instituições de ensino superior.
Em 1.o de janeiro de 1862, um novo decreto governamental alterou o plano de estudos
suprimindo o curso especial e adotando um curso único de sete anos de duração que conferia
ao aluno o título de Bacharel e o encaminhava aos estudos superiores. Estas modificações
refletiam, também, um movimento verificado na Europa e, principalmente, na França que
deixava em segundo plano o papel das ciências na escola secundária. Em resultado, o Ministro
da Instrução Pública da França, Emile Duruy, instituiu uma reforma, em 1864, que aboliu o
sistema de bifurcação do plano de estudos e restabeleceu um currículo clássico no liceu
(LORENZ, 2002).
O plano proposto por Souza Ramos, em 1862, reafirmava a cultura escolar prevalecente
no Collegio de Pedro II, de enfatizar os estudos de Humanidades em detrimento dos estudos
Científicos. Este modelo de plano de estudos adotado em 1862 serviria de base para a maioria
dos planos propostos até o final do Império.
Porém, o debate acerca desta questão continuou acirrado na Câmara dos Deputados e
no Senado. Em 1865, José Liberatto Barroso, Ministro do Império, questionou os rumos
tomados pelo Governo no sentido de buscar o progresso científico e material e de relegar a
segundo plano o desenvolvimento moral e intelectual do país (BARROSO, 1867). Portanto, o
então Ministro do Império apresentou argumentos em defesa de um ensino clássico, essencial
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para a formação intelectual e moral dos dirigentes da sociedade, mas destacou a necessidade de
estudos científicos aplicados às Artes e à Indústria, capazes de promover o progresso material
da sociedade. Baseado na premissa da diferença das capacidades, defendia que o ensino
secundário que promovesse a formação intelectual e moral e deveria ser ofertados apenas para
uma minoria dirigente (BARROSO, 1867).
Tendo assumido o cargo de Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do
Império em 1868, Paulino de Souza, ativo participante do debate sobre uma educação nacional,
apresentou, dois anos depois, um projeto de reforma para os três níveis de ensino que, por ser
considerado ambicioso, foi arquivado. Porém, em fevereiro do mesmo ano, conseguiu alterar
os Regulamentos do Imperial Collégio de Pedro II . Ora, para Paulino de Souza, o ensino
secundário era o principal ramo da Educação, cujo papel era o de
formar a inteligência e grande parte do caráter do aluno; como se registrava
então, não importava tanto que, nas línguas estrangeiras, o aluno obtivesse um
vocabulário mais ou menos completo, que nas Ciências, ele ficasse com mais
algumas noções, desde que se conseguisse o resultado de exercitar, adestrar e
alargar o espírito, dispondo-o pela aquisição dos dotes necessários para estudos
de aplicação e interesse prático” (RELATORIO À ASSEMBLEIA .....1870).
A necessidade de uma educação nacional e questão da relevância dos estudos
humanísticos ou científicos continuavam a possuir um espaço inquestionável e dominante nos
debates parlamentares e na proposição dos planos de estudos para o Collegio de Pedro II.
Liberatto Barroso, em 1865, citava um debate na Câmara dos Deputados Franceses sobre a
questão. Ali, os dois Deputados, concluíam, devia-se estabelecer a harmonia entre estes dois
ramos do conhecimento: “as ciências são os elementos do pensamento, as letras são a luz das
Ciências. O pensamento é para as Ciências [...] o que foi para s elementos do universo o Verbo,
que os iluminou e os coordenou” (BARROSO, 1867,p.49).
O debate que tinha como foco os estudos Humanísticos e os Científicos, continuou
acirrado durante as décadas de 1870 e de 1880. Em 1º de março de 1876, entraram em vigor
pelo Decreto nº 6130, os novos Regulamentos do Imperial Collegio de Pedro II, propostos pelo
Senador e Ministro do Império, José Bento da Cunha Figueiredo, que fora Inspetor da
Instrução Publica durante o ministério de João Alfredo. O novo Regulamento manteve as
condições para ingresso no curso e o sistema de exames de suficiência e finais por disciplina,
estabelecidos pelo Decreto de 1870, porém, revogou o parágrafo 1º do Artigo 18, do Decreto nº
2006 de 1857, que estabelecia o sistema de matrículas avulsas. Tal medida tinha por objetivo
evitar a aceleração dos estudos. Alterou, também, o plano de estudos e traçou as bases sobre as
quais deveriam ser organizados os programas de ensino.
Com a organização do Primeiro Gabinete do Partido Liberal, em 1878, a Pasta do
Ministério do império coube a Carlos Leôncio de Carvalho, Professor da Faculdade de Direito
de São Paulo. Tendo tomado conhecimento das idéias pedagógicas norte-americanas de
liberdade de ensino e liberdade de consciência, propôs a reformulação do ensino superior de
todo o Império, bem como, o primário e o secundário no Município da Corte. Pelo Decreto nº
6884, de 20 de abril de 1878, instituiu uma série de normas que afetaram o funcionamento do
Collegio de Pedro II. Tornou livre a freqüência no Externato e facultativo o ensino religioso
aos não-católicos alterou o plano de estudos, restabeleceu o regime de matrículas avulsas,
sendo que qualquer pessoa, resguardando o requisito de idade, poderia matricular-se em
qualquer disciplina do curso do externato.
Esta reforma é considerada uma das mais radicais do século XIX, no entanto, o plano
de estudos proposto não reflete o mesmo espírito inovador que caracterizou as demais
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diretrizes da reforma, pois pouco modificou o que já vinha sendo consagrado desde a reforma
de 1862.
O Decreto nº 8051 de 24 de março de 1881, que alterou os Regulamentos do Imperial
Collegio de Pedro II manteve as inovações adotadas por Leôncio de Carvalho no que se refere
às matriculas avulsas, aos exames gerais por disciplina e os exames vagos. No entanto,também
foi pouco inovador com respeito à reorganização do plano de estudos que permaneceu em
vigor até a reforma republicana de 1890.
Pelo Ato Adicional de 1834, o governo central buscou descentralizar a educação,
delegando para as Províncias o dever de ofertar e de prover o ensino primário e secundário. A
criação do Imperial Collegio de Pedro II com a finalidade de ser um centro de recepção das
idéias educacionais remanescentes do iluminismo e do liberalismo, que regiam o ensino
secundário da maioria dos países europeus, e de concomitantemente, ser um centro difusor
destas idéias para seus congêneres, desvela a contradição existente no pensamento da elite
política e intelectual brasileira. Na realidade, com a fundação do Collegio de Pedro II, o
governo criou um mecanismo centralizador que visava direcionar e controlar o ensino ofertado
nas Províncias, neutralizando, em certa medida, o Ato Adicional de 1834, e buscando uma
certa unidade na formação da juventude do Império. Os dezesseis liceus existentes em 1854 e
os vinte existentes em 1872 eram incentivados a adequar seus planos de estudos e programas
de ensino aos do Collegio, bem como, adotar os mesmos livros didáticos lá adotados. Os
esforços do governo central no sentido de interferir nos assuntos educacionais das províncias
sofreram forte resistência por parte das Assembléias Provinciais. A disposição geral era a de
manter o status quo. Muito embora, os legisladores das províncias estivessem comprometidos
com o princípio da melhoria da educação, enfrentavam problemas com o financiamento da
educação. O governo central buscou a centralização deste tipo de ensino sem, contudo, se
responsabilizar pela oferta e manutenção da educação nas províncias.
O Relatório de 1849, sobre o ensino publico e particular, em sete províncias do Norte
do Brasil, elaborado por Gonçalves Dias e o relatório de 1851, sobre a educação no Município
da Corte, elaborado por Justiniano José da Rocha, apontaram graves deficiências no ensino
secundário no país. (LORENZ, 2004,p52,53). A Corte procurou, então, ainda que por meios
indiretos, efetuar mudanças nas instituições secundárias das províncias, sem violar a
Constituição do Império. Em 1854 criou a Inspetoria Geral da Instrução Pública no Município
da Corte que tinha por finalidade traçar diretrizes para o ensino primário e secundário público e
particular da cidade do Rio de janeiro, bem como, analisar as informações enviadas pelos
presidentes das Províncias ao Governo Central. O estado pouco promissor do ensino nas
Províncias fez com que o governo central, a partir de 1854, passasse a exigir que todos os
exames preparatórios fossem baseados nos programas de ensino e nos livros didáticos adotados
no Collegio de Pedro II . Os programas de ensino do Collegio serviriam de ponto de referência
para a elaboração das questões de exame. Desta maneira, ainda que de forma indireta, os
planos de estudos, adotados no Collegio de Pedro II, estavam exercendo influência decisiva
sobre os conteúdos estudados nos cursos secundários do país. Em 1856, a Portaria de 4 de maio
que regulamentou as Aulas Preparatórias dos Cursos de Direito, estabeleceu que as mesmas
devessem adotar os programas de ensino e os livros didáticos utilizados no Collegio de Pedro
II. Esta norma foi também estendida para os demais cursos preparatórios existentes no país.
Nas décadas de 1870 e 1880, a questão da equiparação ao Pedro II retornou à pauta das
discussões, sendo concedidas as prerrogativas de que gozava o Imperial Collegio de Pedro II
aos estabelecimentos de instrução secundária que seguissem os mesmos programas de estudos
e, havendo funcionado por mais de sete anos, apresentassem pelo menos sessenta alunos
graduados com o Bacharelado em Letras.
As medidas tomadas pelo governo central para que os planos de estudos dos colégios
provinciais fossem equiparados ao do Collegio de Pedro II, nem sempre tiveram os resultados
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desejados. No entanto, ainda que de forma parcial, as idéias educacionais vigentes na Europa e,
posteriormente nos Estados Unidos, adotadas com as devidas adequações ao Collegio de Pedro
II, foram difundidas para os Cursos preparatórios, nortearam os exames preparatórios e
atingiram em maior ou menor medida os planos de estudos dos liceus provinciais.
Nota de Referencia.
1. Muito embora a instituição criada fosse organizada segundo o modelo liceal, recebeu o nome de
Collegio, seguindo a denominação utilizada na França no período de 1815 a 1848, para as
instituições de ensino secundário.
REFERÊNCIAS
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LORENZ, K.M. O ensino de ciências e o Imperial Collegio de Pedro II: 1838-1889. In:
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