O Nheuçuano - Nº30 Junho/Julho 2016
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O Nheuçuano - Nº30 Junho/Julho 2016
TONY HOFFMANN ANO 7 - NÚMERO 30 - ROQUE GONZALES, RS - JUNHO/JULHO 2016 ADÉLIA EINSFELDT I ALFREDO PÉREZ ALENCART I CÍCERO GALENO LOPES I DÉRCIO BRAÚNA I EMIR NUNES MOREIRA ENÉAS ATHANÁZIO I INÊS HOFFMANN I JULIO RIBAS I NELSON HOFFMANN I MARIA DE LOURDES ALBA MILTON IVAN HELLER I PAULO R. DERENGOSKI I PEDRO DU BOIS I RENATO SCHORR I RUY NEDEL I ZOOLER.ZOOLER I 02 I Ensaio/Especial --------------- --------------- ----------------------------------------Magistral! O nheçuano é jornal ímpar. Muito obrigado por tudo. O jornal, de fato, não paro de dizer, é extraordinário, todo ele. Cícero Galeno Lopes [email protected] ----------------------------------------O índio tornou-se, hoje, o que é, exclusivamente por culpa dos peles-brancas. Karl May (1842-1912), in Winnetou, 2º vol., p. 253 Roque Gonzales: a força da união de um povo ----------------------------------------- Homo pré-histórico na América do Sul Grande parte dos municípios missioneiros são da safra de 1965-66. Destes, olhando-se a data de sua fundação com vistas à colonização e povoamento, ver-se-á que Roque Gonzales é o mais jovem de todos. Enquanto os demais datam do início do século XX, ou antes, Roque Gonzales recém aparece no segundo quartel, em 1927. Roque Gonzales é, também, o povoado que mais rapidamente evoluiu. No mesmo ano de 1927, foi elevado à categoria de Vila e, logo depois, a 9º distrito de São Luiz Gonzaga. Com a emancipação de Cerro Largo, em 1954, passou a 2º distrito deste município. A partir de 1964, partiu para a própria emancipação. Existem muitas teorias que explicam a origem do índio sul-americano. Uma das mais embasadas, sugere que as populações pré-históricas da América do Sul vêm da Ásia. O mapa acima mostra a grande possibilidade de travessia do estreito de Bering. Quando? À época da glaciação Donau que se iniciou há 2 milhões de anos e, portanto, dentro do paleo-lítico inferior ocidental 2.500.000 a 300.000 a.C. Tendo entrado na América do Norte por volta de 2.000.000 a.C., o homem da Pedra Lascada ter-se-ia disseminado pela América do Sul durante o Mesolítico Ocidental (14.000 a 7.000 a.C.), na Glaciação Würms (110.000/10.000 a.C.) a última acontecida no planeta Terra. O homem já estaria presente ao norte da América do Sul (área da atual Venezuela) lá por 14.000 a.C. Nos Andes, por volta do 9.000 a.C. No extremo sul (Patagônia), lá pelo 7.000 a.C. As condições fisiográficas e biográficas do continente sul-americano condicionaram a formação de corredores de migração norte-sul na cordilheira andina e, para leste, através da Venezuela e Guianas atingindo a costa Atlântico. Por que estes corredores? Nestas regiões, as condições climáticas eram muito favoráveis à habitação do homem. Seja qual tenha sido o rumo destas migrações humanas, elas acompanharam a cordilheira e são condicionadas à caça de animais de grande porte adaptados às zonas de grande altitude. A antropologia brasileira tem-se interessado preferencialmente por alguns tipos particulares de sítios arqueológicos, detendo-se inicialmente nas cavernas de Lagoa Santa, nos sambaquis e nos cerâmicos de Marajó e de Santarém. Mais recentemente, tem tratado também, das manifestações culturais arqueológicas caracterizada pela cerâmica tupi-guarani na região centro-sul do país. Você e eu podemos abordar cada tipo de sítio em particular objetivando uma sinopse das populações e culturas indígenas do Brasil pré-colombiano. Zooler.Zooler [email protected] *Em adaptação de POPULAÇÕES E CULTURAS PRÉ-HISTÓRICAS DO BRASIL publicado pela Assessoria de Relações Públicas da Fundação Nacional do Índio - BSB, agosto de 1972, de Marília de Mello e Alvim Número 30 - junho/julho 2016 Editor, Redator e Diagramador: Marco Marques Assistente de Redação: Marcela Santos Foto de Capa: Tony Hoffamnn Jornalista colaboradora: Andrea Fioravanti Reisdörfer COLABORADORES: ADÉLIA EINSFELDT, ALFREDO PÉREZ ALENCART, CÍCERO GALENO LOPES, DÉRCIO BRAÚNA, EMIR NUNES MOREIRA, ENÉAS ATHANÁZIO, INÊS HOFFMANN, JULIO RIBAS, NELSON HOFFMANN, MARIA DE LOURDES ALBA, MILTON IVAN HELLER, PAULO R. DERENGOSKI, PEDRO DU BOIS, RENATO SCHORR, RUY NEDEL, ZOOLER.ZOOLER OS TEXTOS ASSINADOS SÃO DE RESPONSABILIDADE DE SEUS AUTORES E NÃO REPRODUZEM NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DO JORNAL www.nhecuanos.com.br - http://nhecuanos.blogspot.com Rua Independência, 841- sala 01 - centro - 97.970-000 - Roque Gonzales - RS - [email protected] MUNICIPALISMO O Rio Grande do Sul teve nos Sete Povos das Missões seus primeiros núcleos organizados de povoamento. A iniciativa pioneira dos padres jesuítas começou, em 1626, por São Nicolau. Seguiu-se a fundação de Candelária e, em 1628, Assunção do Ijuí, no atual território de Roque Gonzales. Os povos missioneiros sofreram reveses, os índios demandaram à margem direita do rio Uruguai. Restaram alguns poucos, perdidos e caçados por bandeirantes e aventureiros. O Municipalismo, como entidade administrativa, teve início, no Rio Grande do Sul, em 17 de Julho de 1767, com a criação da Vila de Rio Grande de São Pedro, por Provisão Real de Portugal. A Sede tinha por local o forte Jesus-Maria-José, fundado por José da Silva Paes, e os limites eram vagos. A primeira divisão municipal do Estado aconteceu em 1809, quando foram criados quatro (04) municípios: Porto Alegre, Rio Grande, Santo Antônio da Patrulha e Rio Pardo. Esta região missioneira pertenceu a Rio Pardo. Em 1834, surgiu o Município de São Borja, passando a região missioneira à sua jurisdição. Em 1880, São Luiz Gonzaga emancipa-se e a região da futura Colônia Salto Pirapó passa a merecer atenção. Em 27 de Janeiro de 1927, é fundada a “Sede Roque Gonzales”. A EMANCIPAÇÃO No início da década de 1960, Roque Gonzales não pensava emancipar-se. No entanto, a efervescência emancipacionista que se verificava na região terminou contagiando a Comunidade. Até, de algum modo, terminou forçando a Comunidade a assumir-se como candidata à emancipação. Na época, o território do Município de Cerro Largo, além do próprio, era composto pelos territórios dos atuais municípios de Porto Xavier, São Paulo das Missões, Roque Gonzaes, São Pedro do Butiá e Salvador das Missões. São Pedro do Butiá e Salvador das Missões são municípios recentes, mas os outros três vêm daquela ocasião. Porto Xavier e São Paulo das Missões decidiram emancipar-se. São Pedro do Butiá, também. O território de Roque Gonzales ficaria fraccionado entre os três. Isto mexeu com os brios da Comunidade Roque-Gonzalense, que não concordou e decidiu assumir-se. O fato prejudicou São Pedro do Butiá, que viu sua pretensão gorada. Porto Xavier e São Paulo das Missões lograram êxito, junto com Roque Gonzales. Em 1965-66. A CAMPANHA A primeira reunião comunitária, visando a emancipação de Roque Gonzales, aconteceu no dia 08 de Agosto de 1964, na sede social do Clube 15 de Novembro. Da ata da reunião, destaca-se: 1) O orador maior foi Manoel de Lima Proença, que explanou sobre vantagens e desvantagens de ser município autônomo; e 2) Foi escolhida uma Comissão Prévia de Estudos, cuja diretoria ficou assim constituída: Waldemar Becker, presidente; Leocádio Ottmar Welter e José Evaldo Reichert, secretários; Pedro Canisius Horn e Beno Wilhelm, tesoureiros; Mons. Luís Thiago Kreutz, Antônio Fioravanti e Inocêncio Pereira de Brum, presidentes de honra. Esta a diretoria dos estudos. A Comissão total envolveu quase toda a Comunidade. Inclusive, foram escolhidas diversas subcomissões, com a finalidade de contatar e visitar as localidades e povoações vizinhas, para sondar a aquiescência ou não. Era um trabalho de união de forças, tudo voltado para o bem comum de Roque Gonzales. Por fim, a definitiva Comissão Emancipacionista, conforme “Credenciais” exaradas por Arno Mora, Diretor Geral da Assembleia Legislativa do Estado, em 28 de Agosto de 1964: José Evaldo Reichert, presidente; João Ricardo Adolfo Kist e Silvino Froehlich, 1º e 2º vice-presidentes; Aloysio Scherer e Antônio José Pauli, 1º e 2º secretários; e Eugênio Henzel e Pedro Canisius Horn, 1º e 2º tesoureiros. Estes nomes aglutinaram forças, uniram a Comunidade e levaram a emancipação a bom termo. O MUNICÍPIO E SEU DIA A lei que cria o Município de Roque Gonzales foi promulgada em 07 de Dezembro de 1965, leva o nº 5.134 e foi assinada por José Sperb Sanseverino, então Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. No dia 15 de Maio de 1966 foi oficialmente instalado o novo Município. Face ao regime militar, não havia eleições e os cargos de chefes dos executivos municipais eram preenchidos por nomeação de interventores federais. Para Roque Gonzales, foi nomeado o Cap. Arão de Souza Antunes, do município de Estrela. A questão da comemoração do “Dia do Município” é uma questão de opção. Roque Gonzales, desde o começo, optou por comemorar o dia de sua instalação oficial como o dia do seu aniversário: 15 de Maio. Legislou sobre o assunto e oficializou a data. Assim, 15 de Maio é o Dia do Município. Em Roque Gonzales. Nelson Hoffmann [email protected] (Publicado em “Igaçaba” nº 36, Maio/2000, p. 12) I 03 I Ensaio Por que 19 de abril é o dia do índio? Uma data que só não cai no esquecimento porque é lembrada aqui e ali pelos jornais, com entrevistas de antropólogos ou representantes de uma ONG supostamente defensora dos índios. Por vezes repetindo melancolicamente as mazelas do passado, raramente denunciando os crimes que continuam sendo praticados e acobertados pela velha impunidade de sempre. Não há o que comemorar mas há muito a lamentar. Por que raios então esse dia do índio? Esta história começou em 1940 no México. Antropólogos, pesquisadores e curiosos reuniram-se na cidadezinha de Patzcuaro, no I Congresso Indigenista Americano. Uma reunião que teve muito blabla-blá e pouquíssimos índios e que não decidiu nada, a não ser consagrar o 19 de abril como o dia anual do índio, sem que alguém se lembrasse de avisar os povos da floresta. No Brasil, a pedido do general Cândido Mariano da Silva Rondon e por decreto de 2 de junho de 1943, o presidente Getúlio Vargas decretou que o 19 de abril fosse dedicado aos índios, como nos demais países americanos. O falado descobrimento do Brasil já foi badalado de todas as maneiras. Poucos autores lembram que a chegada da frota de Pedro Álvares Cabral representou parte da política expansionista de Portugal, segundo a lógica mercantilista de estabelecer e explorar colônias de além-mar. Para desgraça geral de todas as tribos, os portugueses consideravam os indígenas como seres “sem alma” que deveriam ser cristianizados e trabalhar de graça para honra e glória da metrópole e dos comerciantes lusos. E os índios que viviam sem subordinação alguma e não conheciam o conceito de riquezas baseadas no acumulação e rapina, viram-se constrangidos a trabalhos forçados, até para substituir as bestas de carga que na Terra de Sta. Cruz não existiam. A exploração da colônia começou com a exploração do índio, quase sempre com o amparo da Igreja católica. Há estimativas divergentes e pouco confiáveis, mas acredita-se que de três a cinco milhões de índios viviam no Brasil, divididos em tribos maiores ou menores, com idiomas aparentados, em sua maioria derivados da língua tupi-guarani. Com o massacre iniciado logo após o desembarque dos marinheiros de Cabral e aventureiros que muito se admiraram da exuberância das matas de um país tropical e da higidez e o asseio dos nativos que andavam nus e banhavam-se nos rios várias vezes ao dia, perderam-se mais de 1.200 dialetos e reduziu-se drasticamente a população. pt.slideshare.net A conquista dos povos pré-colombianos realizada pelas coroas de Portugal e da Espanha foi uma das mais sangrentas da história da humanidade, referida pelo filósofo Michel de Montaigne: “… quantas cidades arrasadas, quantas nações exterminadas, quantos milhões de povos passados a fio de espada. Nunca a ambição humana chegou a promover coisas tão horríveis e miseráveis”. Antes da chegada de Colombo as Américas eram habitadas por enorme quantidade de povos, cerca de 500 a 700 milhões de pessoas ou 20% da população mundial em fins do século XV. Principalmente na América Central e ao noroeste da América do Sul, além do México e do Peru. Para alguns historiadores no restante do continente parece ter existido um grande vazio, abrangendo a região platina, o Brasil, o Caribe e praticamente toda a América do Norte. Porém estudos mais recentes vieram problematizar este quadro e as pesquisas feitas na Amazônia brasileira indicam concentrações maiores de povos do que admitia nossa vã sabedoria, cerca de cinco milhões de anos atrás, ou em tempos ainda mais remotos. Há controvérsias, mas predomina a hipótese de que índios do Brasil e da América espanhola chegaram a estas paragens através de grandes migrações, desde a Sibéria e o Nordeste da Ásia. Persistem muitas dúvidas e isso se deve em grande parte ao nosso sistema educacional arcaico. Os livros didáticos ainda omitem questões importantes, relativas ao papel dos povos pré-colombianos, a distribuição es- Nessas noites xucras, o retinir de cordas é o repinicar de sentimentos! A gente se encolhe com o rigor da invernia, então verte na memória, a saudade do violão de Noel, que solene nos dizia, que nessa pampa, não há elo com a hipocrisia. Noel Guarany e seu violão iniguais - em qualquer tempo! As lembranças fazem gosto, as payadas afloram, no seu teor filosófico, a universalidade do conteúdo, a visão futurista, ainda que lastreado no passado de sua gente e na sucessão da estirpe gaúcha, parecem produtos das fornalhas de São João Batista! Belo legado, profunda saudação à querência missioneira, reduto de Nheçu, onde Noel se refugiou por alguns anos, num misto de exílio, talvez, para reentranhar-se na história de sua gente! De lá, na "voz" do pala velho, fez do violão a sua espada e revolucionou a América Latina. No seu xucro profetizar, tal um estandarte heroico, se antepôs ao colonialismo, feito uma muralha intransponível! O protagonista da vertente de musicalidade tipicamente localizada. pacial das populações, sua diversidade cultural, o nível de desenvolvimento tecnológico, compreendendo desde a elaboração de calendários astronômicos que exigem cálculos matemáticos avançados e o estudo do universo, até mentalidades animistas (a crença de que todos os seres naturais possuem alma). Assim como a presença de culturas que remetem ao período paleolítico, o mais antigo da pré-história, o que não é o caso das tribos encontradas no Brasil que tinham suas leis (embora não escritas), praticavam a agricultura e tinham habilidades manuais representadas por suas armas, cestaria e cerâmica diversificadas, redes, enfeites, colares, braçadeiras e utensílios de cozinha, armadilhas para pescar e por aí vai. Dito isso fica evidente que povos canibais e grupos coletores e caçadores conviviam com civilizações que possuíam conhecimentos científicos, desenvolvimento comercial, produção coletiva e técnicas de irrigação. O confronto com os europeus foi dramático para os indígenas que tiveram seus padrões culturais transformados, em virtude da aculturação sofrida. A maioria dos povos simplesmente desapareceu, como os tupinambás da costa brasileira. Outros mantiveram-se precariamente à custa de incessantes deslocamentos para fugir do homem branco, das doenças que ele trazia e do trabalho forçado nas minas e serviços gerais. Além dos ataques corriqueiros aos seus aldeamentos que resultavam em mortes e aprisionamentos, e na separação entre pais e filhos. Os aventureiros que aqui chegavam em bandos vinham solteiros. Diz a len- Noel Guarany da que as índias de grande beleza e sensualidade ofereciam-se para gerar os primeiros mamelucos que tempos depois integrariam as tropas de bandeirantes para chacinar e aprisionar índios de centenas de etnias em todo país. Mas é certo que as mulheres que repudiavam o assédio dos lusitanos eram espancadas e estupradas. Há exceções como os povos guaranis e kaigangs que ora conformavam-se com os métodos dos conquistadores e dos colonos europeus que viriam mais tarde, ora resistiam disputando palmo a palmo as terras que haviam sido concedidas aos europeus em léguas. Lutavam de peito aberto contra inimigos bem armados e bem nutridos, ou desenvolviam tocaias e práticas de guerrilha que semeavam o pânico entre os latifundiários, os colonos, os jagunços e os militares destacados para exterminá-los. Estes e outros episódios e fatos que nos enchem de vergonha e repugnância são relatados neste livro, com algumas revelações surpreendentes. Entre elas a existência de um número maior de indígenas entre Mato Grosso e o Rio Grande do Sul do que na Amazônia, que permaneceu isolada e com precárias comunicações durante séculos, o que permitiu a sobrevivência de povos que naqueles estados foram exterminados. O Paraná foi um dos mais castigados pela violência dos europeus, registrando-se nada menos de cinco ciclos de crimes hediondos contra os indígenas. Portugueses e espanhóis alternaram-se e aliaramse nesta empresa sinistra. Particularmente no período em que Portugal foi subordinado à coroa espanhola, entre 1580 e 1640, quando se intensificou a caça aos índios, provocando o esvaziamento demográfico de extensas áreas, não só no Paraná mas também em Santa Catarina. Para isso tivemos que consultar uma extensa bibliografia, recolhendo informações com espírito crítico alerta. Embora discordemos aqui e ali de suas interpretações e conclusões, é obrigatório reconhecer a contribuição de cada um, os esforços e pesquisas que realizaram para manter viva a tragédia dos índios brasileiros. Lembrar e relembrar é preciso, pois um povo que não tem memória não tem história. Milton Ivan Heller Jornalista e Escritor Prefácio próprio do livro do autor: Os índios e seus algozes [email protected] Noel, um misto de mito, lenda, herói, vanguardeiro, um sinuelo, mas, antes de mais nada, um talento autóctone. Autodidata, retratou as gentes, a história, os desmandos, as desditas, a insensibilidade, a desumanidade. O grande talento não fez fortuna, não construiu patrimônio econômico, mas deixou um legado insuperável no campo artístico e cultural. E, preciso que se diga, inalcançável no contexto musical. Os tinidos do seu violão jamais alguém haverá de alcançar. Noel, um estirpe da raça altiva que não se rendeu nem mesmo às grandes gravadoras, ainda que lhe impusessem o isolamento. Retovado, fez o seu próprio isolar-se, para construir um monumento homérico, onde reinará soberano para todo o sempre. Renato Jacob Schorr Escritor membro da Academia Santo-angelense de Letras, autor de Garupa Gateada, entre outros. [email protected] I 04 I Ensaio/Evento Nos primeiros tempos, as reduções jesuíticas não atraíam os Guarani. Com o tempo perceberam que elas se constituíam na melhor proteção contra as sortidas escravagistas de espanhóis e portugueses: Arcángel, San Tomé, Los Reyes, Tapes e Yapeyú. Logo se tornou necessário que elas tivessem governo, tribunais de justiça, milícias organizadas e até mesmo sistemas de contabilidade. A formação das reduções não se fez sem dificuldades: muitas divergências surgiram e alguns missionários foram sacrificados, como o padre Rodriguez, que teve a cabeça aberta por um golpe de macaná desferido pelo cacique Niezú. Trinta anos levam as Missões para se consolidar como enorme território livre completamente independente das coroas de Europa, enorme nação indígena onde o homem branco nem sequer punha os pés. Até que os mamelucos paulistas, estes desbravadores de sertão e alargadores de fronteiras naturais, sempre destruindo tudo em busca de riquezas e “força de trabalho”, caem como bestas-feras sobre as Missões jesuíticas. Milhares de índios postos a ferro e levados escravizados para os planaltos dourados de Piratininga. Como “índio escravizado é índio morto”, posto que (ao contrário dos negros de África), não se sujeita à escravidão, todo aquele esforço bélico resultava inútil. Em 1725 Buenos Aires tinha uma população de cinco mil habitantes, enquanto algumas reduções jesuíto-guaranis ultrapassavam vinte mil almas. Na verdade os aglomerados de índios guarani eram grandes cidades, enquanto as chamadas “grandes cidades” dos portugueses e espanhóis na América eram simples aglomerados. Os nascimentos entre os índios eram intensamente estimulados pelos padres. Não havia solteiros nos redutos e todos eram compelidos a casar cedo. O tempo para o sexo era sagrado. Todos os dias em todas as Missões os sinos soavam bastante tempo antes da hora de sair das redes. As cidades guaranis construídas sob a inspiração dos jesuítas eram todas semelhantes entre si. As casas de pedra se agrupavam em quarteirões espaçosos, as ruas retilíneas possuíam intensa arborização. Em todos os redutos havia pelo menos um hospital e um asilo para velhos, as escolas sempre eram cercadas por jardins floridos. No centro de cada cidade indígena destacava-se a monumental praça com bancos e árvores frutíferas. Em cada canto da praça uma cruz de madeira trabalhada. Dominando tudo, a principal construção era a Igreja de pedra, no interior da qual estavam as imagens de santos feitas pelas próprias mãos dos escultores indígenas. Ali não existiam os becos e vielas sombrias que até hoje caracterizam aquilo que os europeus chamam de “cidades”. Sangue Guarani Paulo Ramos Derengoski Jornalista e escritor End.: Cx.Postal, 526 - CEP 88500-000 - LAGES - SC GERMANO SCHÜÜR Suaves e bem construídos canais de irrigação levavam água às terras que os jesuítas haviam ensinado os guarani a cultivar e onde floresciam grandes plantações de milho, trigo, arroz, cana, algodão, fumo e cânhamo. O agrônomo chefe havia transmitido aos índios a arte de cultivar pomares com frondosas laranjeiras, pessegueiros e parreirais. Se não havia metal faziam arados de madeira dura ou de osso. Trabalhava-se o algodão nos teares e o vinho era exportado para as cidades do Prata. A principal fonte de renda provinha das imensas plantações de erva-mate e do couro bovino. As estâncias de criação se perdiam na distância dos horizontes. Não havia cercas, nem donos de boiada. Só Yapeyú chegou a ter mais de quinhentas mil cabeças de gado! A indústria guarani-jesuítica sofria com a falta quase total de metais. Não existiam minas nas Missões e a importação vinha das lonjuras de Coquimbo, no Chile. Graças a isto puderam ser fabricados canhões e sinos. Grandes pedreiras eram exploradas para servir de calçamento às ruas dos redutos e diversos estaleiros fluviais foram construídos nas margens do rio Uruguai e no estuário do Prata. Enormes olarias entraram em funcionamento e trinta e oito teares funcionavam apenas em Yapeyú. Em todas as reduções começaram a surgir pintores, escultores, marceneiros, serralheiros e fundidores. Frei Charles Franck, um tirolês de cabelos grisalhos, ensinou a fazer relógios primitivos. A primeira oficina de impressão de toda a América Latina foi instalada na República dos Guaranis. Aí foram impressos catecismos, dicionários, livros de canto e numerosos trabalhos linguísticos. Tudo foi destruído pelos civilizados. Cada índio seguia determinada profissão de acordo com a inclinação. A maioria dedicava-se à agricultura ou ao pastoreio. Os que tinham tendência artística cultivavam música, através da harpa (instrumento ainda hoje preponderante no Paraguai), ou então de violões, violinos, guitarras, tambores e pandeiros espanhóis. Os mesmos instrumentos que os árabes haviam deixado como lembrança de suas incursões pela península ibérica. Suas igrejas monumentais de pedra talhada e madeira ricamente esculpida também foram incendiadas. A que mais tempo durou foi a de Santa Rosa, no Paraguai, carbonizada apenas em 1883 quando seus ouropéis e pratarias foram roubados por soldados que se diziam cristãos, às ordens da coroa ibérica. Cada redução se especializava mais do que as outras em determinado ramo da criação artística. Em Loreto se faziam as melhores esculturas, em San Francisco Javier elaboravam-se os tapetes mais requintados. De San Juan vinham os melhores instrumentos musicais. Em Apóstoles fundiam-se os melhores sinos. Os mamelucos, de cabelo encarapinhado, e nariz adunco, se dizem cristãos e no entanto têm o coração mais cruel que o dos bárbaros de Átila. Abençoados pelo Sacro Colégio de Piratininga, eles calcam aos pés todas as leis do Cristo. Saqueiam, queimam e matam tudo o que encontram pela frente. O bravo cacique Curitá é apagado por um arcabuz quando tenta defender um padre jesuíta espancado. Até o chefe Giraverá foi amarrado pelo pescoço e conduzido para o cativeiro. Pelo menos em duas ocasiões os Guarani vão inflingir derrotas humilhantes aos portugueses nas portas da Colônia de Sacramento. Chegam a fabricar pequenos canhões e organizam uma rápida flotilha fluvial de barcos leves e canoas que se torna absoluta em todos os grandes rios da região da bacia do Prata. Excelentes remadores e nadadores, sobem os rios com presteza e caem de surpresa sobre a retaguarda dos acampamentos inimigos. Não descuidam a defesa de suas cidadelas. Profundos fossos e altas muralhas são construídas em todas elas. Durante os tempos de paz, intensificam os treinamentos militares. Os descendentes de Pizarro - gringos malombentos que assaltaram o continente para saqueá-lo até o último grão de poeira - não aceitariam facilmente a humilhação da derrota. O maquiavelismo da Corte dos Sifilíticos acabaria por descobrir uma utilidade política nas Missões. Pesados tributos passam a ser cobrados dos indígenas e a cavalaria guarani começa a ser utilizada contra outros irmãos índios. Em 1702 obrigam os charrua do Rio Grande a arrastar o nariz no pó. Atacam e aniquilam a experiência revolucionária da Comuna de Assunção. Finalmente são reconhecidos pelo rei de Espanha como a mais forte barreira à perpetração dos mamelucos. Os portugueses percebem o perigo e mandam guarnecer os campos de Serra Acima, em Santa Catarina, para impedir que a penetração jesuítica chegue até o norte. Índios caigangue e xokleng são utilizados pelos lusitanos para impedir que os guarani atravessem para a margem direita do rio Pelotas. Os campos da vacaria jesuíta têm seu limite máximo no Passo da Guarda. O Marquês de Pombal e os pedreiros-livres bem sabem o perigo que representa a comunidade guarani. Vão cortá-la pela raiz, sangrá-la até a última gota para que dela não reste nem sinal. De tudo isso a memória dos homens pode dar fé, embora muitos, como os exilados de Comblença, nada aprendam com o fluir do tempo. O veredicto da história, porém, será implacável. Os índios guarani constituíam o povo mais miserável da América, aos quais se chegou a negar o direito de receber os sacramentos, sob o pretexto de que eram “desprovidos de razão”. No entanto, foi o povo americano que durante um largo período conseguiu escapar à sanha do colonizador. Autor de “A Saga dos Guarani” e “A Sangrenta Guerra do Contestado”, entre outros. Cavalgadas Nheçuanas Guarani JANE BECKER/cavalgadasnhecuanasguarany/Facebook Cavalarianos postados às margens do rio Ijuí. Há 4 séculos este território era dominado por tribos guarani, lideradas pelo cacique e xamã Nheçu. Foi realizada, dia 21 de maio, em trilhas pelo interior do município de Roque Gonzales, a sexta edição da Cavalgada Nheçuana Guarani. A cavalgada, que faz parte do Manifesto Nheçuano (evento oficial do município, não realizado no ano de 2015 por falta de verba), busca percorrer os caminhos de Nheçu - o grande líder Guarani, defensor do seu povo, da sua cultura e sua terra - e seus guerreiros quando eram donos deste chão. A Cavalgada Nheçuana, organizada por cavalarianos do CTN Querência de Nheçu, tem por objetivo conscientizar acerca dos fatos históricos vinculados à nossa origem. Da mesma forma, alerta para a necessidade de preservação do que restou de nossas matas e rios, sacrificados para a cons- Salto Pirapó, Roque Gonzales, Terra e Sangue das Missões. Menino observa trução de uma Usina Hidrelétrica. a natureza privilegiada onde os guarani buscavam a subsistência e o lazer. I 05 I Ensaio/Resenha Existe um viaduto denominado Obirici em Porto Alegre. Localiza-se no Passo d'Areia. Obirici é o nome duma índia lendária, que preferiu morrer a perder o amor esperado. No local foi erguida uma estátua à heroína indígena. O lugar se chama Passo d'Areia, exatamente porque Obirici chorou tanto pela impossibilidade da realização amorosa, que brotou no chão um córrego de lágrimas sobre areia. No tempo em que vivemos, no qual tudo deve ser possível vender, atulhou-se o córrego, a fim de que se pudessem construir prédios. É a conhecida loucura imobiliária devastadora. Por isso, Passo d'Areia ficou sendo apenas um bairro, sem córrego, sem passo, sem areia. Se a história de Obirici é simultaneamente comovente e significativa, como atestam a estátua que lhe dedicaram e o nome que lhe tentam perpetuar num viaduto, em Porto Alegre, há mais que ler a respeito da fidelidade amorosa ameríndia. A segunda reflexão sobre o assunto recai sobre Lindoia. Lindoia nos chegou no poema O Uraguai (1769), que salvou também o nome de Sepé Tiaraju do esquecimento. Lindoia foi vítima missioneira dos exércitos lusitano e espanhol, por força do Tratado de Madri, escrito (naturalmente) pelos europeus, sem participação dos guarani. Na época, século 18, discutia-se se os ameríndios tinham ou não alma (essa entidade dual ao corpo, segundo filosofias e crenças). O objetivo de lhes negar a dignidade que os europeus se davam e da qual se vangloriavam, a esse respeito, se justificava pelo objetivo de escravizá-los como animais. Os guarani das denominadas Missões jesuíticas do rio Uruguai ou o próprio poema que nos trouxe o nome de Lindoia fizeram dela um lindo mito pela defesa dos ameríndios. Lindoia se nega a casar-se com quem lhe determinam e escolhe o suicídio, já que tinham previamente lhe assassinado o noivo e exigiam que se casasse por interesse de poderes dominantes. O episódio conhecido como A morte de Lindoia tem sido o mais lido e reproduzido em antologias, entre os vários do poema de Basílio da Gama. Lindoia é nome de bairro e de instituições comerciais em Porto Alegre. No estado de São Paulo, há um município denominado Águas de Lindoia. Obirici, Lindoia, Moema, ou o mito da morte por amor Além de Obirici e Lindoia, índias mitolendárias do Rio Grande do Sul, que se fixaram como representantes de valores e sentimentos ameríndios, há um terceiro nome a considerar: Moema, outra índia brasileira. Moema nos chegou através do poema Caramuru (1781), de José Durão. O Uruguai e Caramuru são poemas do nosso Arcadismo. A marca mais surpreendente que as identifica, além de outras várias, é a morte por amor. Obirici pediu a Tupã que a levasse, porque não poderia realizar o amor que votava, uma vez que o homem escolhido já amava outra. Lindoia optou pela morte, porque lhe haviam assassinado o noivo e queriam que se casasse com outro, à alheia escolha. Moema apaixona-se pelo navegador português Diogo Correia, náufrago nas costas da Bahia. Salvou-se o homem com o arcabuz que o acompanhava. Em terra, depois que os tupinambás se aproximaram, ele disparou a arma. O estrondo e a fumaça amedrontaram os índios, porque tal instrumento era ali desconhecido. Em virtude disso, por mágico ou divino, passou a ser chamado de Caramuru e aceito na taba. Foram-lhe oferecidas duas esposas, Guaibimpará, mais conhecida como Paraguaçu, e Moema. Ele optou por Paraguaçu e partiu com ela de volta à Europa. Lá foi batizada com o nome de Catarina. Moema nadou atrás do navio até afogar-se e morrer. É, pois, a terceira ameríndia (nesta sequência reflexiva sobre esse tema) que se mostra inteiramente fiel ao sentimento de amor, a ponto de optar pelo suicídio (como Obirici e Lindoia), na impossibilidade da realização amorosa. Denominam-se Moema um distrito e um bairro do município de São Paulo. No estado de Minas Gerais há um município com o mesmo nome. A seguir, vão transcritos três poemas saídos em Palavra que sim (Porto Alegre: Movimento, 2013). O primeiro se refere a Obirici; o segundo, a Lindoia; o terceiro, a Moema. No volume “100 Anos do Contestado Memória, história e patrimônio”, reunindo os trabalhos de seminário organizado e promovido pelo Ministério Público Estadual, em agosto de 2012, encontrei dois ensaios a respeito do monge João Maria, santificado pelo povo, e que é venerado em grande parte do Estado e até mesmo nos Estados vizinhos. Trata-se de “João Maria de Agostini: o monge da monarquia brasileira e das repúblicas americanas”, de autoria de Alexandre Karsburg, professor da Universidade Federal de Pelotas, e “Encantado no meio do povo. A presença do profeta São João Maria em Santa Catarina”, de Tânia Welter, professora da Universidade Federal da Fronteira Sul. Ambos merecem um comentário. O primeiro ensaio, fundamentado em pesquisas inéditas, pretende esboçar, tanto quanto possível, uma biografia do referido monge e rastrear seus passos nas longas jornadas por ele empreendidas ao longo da vida. Começa lembrando que muitos indivíduos se apresentaram sob o nome João Maria, embora a crença popular acredite ter havido apenas um. (Numa pesquisa a esse respeito, Nilson Thomé concluiu que o imaginário popular unificou o monge numa só pessoa.) O autor deste ensaio recorda que três foram os monges que se destacaram no panorama do Planalto, cuja memória ficou perenizada. O primeiro foi o monge italiano João Maria de Agostini, o segundo, sob inspiração do primeiro, foi João Maria de Jesus, e o terceiro foi o monge José Maria de Santo Agostinho, o único que teve atuação na Guerra do Contestado. Observo que o segundo monge, conforme alguns pesquisadores, seria o sírio Anastas Marcaf, e o terceiro, o “monge de guerra”, seria Miguel Lucena de Boaventura, embora pareça que hoje esses dados sejam considerados duvidosos e, por isso, foram substituídos ou abandonados. Obirici Chorou tanto, que seu corpo se desfez em lágrimas e formou um riacho sobre a areia. Da lenda Obirici. Doce paixão levou meu peito a declarar a irresistível linda luz que Tupã pusera neste malfadado coração. O coração era Cacambo, e o mataram. Em prevista troca, Baldeta lhe impuseram, a consolidar o poder que não tiveram. Víbora a enlaça... e Lindoia não volta. Escolheu a morte, onde a aguarda o noivo, Porque na vida sem ele era estar morta. Moema Ele, assombrado do conflito que lhe impus, porque seu coração já de outra tinha a luz, propôs a escolha em flechas... e eu perdi a disputa. Supliquei então ao meu Tupã luminoso que me levasse ao país misterioso, pago de maravilhas, em que não há dor. Pedi ao calor do primeiro sol me guiar e à pluma maciez materna do luar... Olhos nenhuns nunca mais me viram na taba. Na terra do ontem ficou ibicuiretã Sobre a areia córrego de lágrimas que os homens brancos sob pedras sepultaram. Talvez também chorosos pelo que fizeram, os homens de barba ergueram, em matéria Resistente, a imagem que de mim tiveram. Lindoia Tanto era bela no seu rosto a morte! J Basílio da Gama. O Uraguai. Onde andará Lindoia, em que reduto, em que oca, em que recanto deste mato, assim pronta, assim vestida de noivado? Correm todos a saber, temendo o pior... nem Tanajura viu seu vulto muito amado... sai Caitutu, irmão, pelo bosque a buscá-la. Homem embriagado de Deus Enéas Athanázio Jurista e escritor, autor de “Mundo Índio”, entre outros [email protected] João Maria de Agostini, segundo o ensaísta, era italiano do Piemonte, nascido por volta de 1800, e chegou ao Brasil em 1844, declarando-se “solitário eremita”. Percorreu ampla região do país, desde Sorocaba até Santa Maria. Segundo documentos, foi registrada a sua presença em Sorocaba, vindo da província do Pará e desembarcando no Rio de Janeiro do navio “Imperatriz”. Nessa oportunidade o escrivão o descreveu como “Frei João Maria” e traçou um perfil de sua aparência física, ressaltando ser “aleijado dos três dedos da mão esquerda”. Prosseguindo em incansáveis buscas, descobriu o ensaísta que um eremita de nome Juan Maria de Agostini, nascido em Piemonte, em 1801, havia peregrinado “por desertos e montanhas do sul dos Estados Unidos”, tendo antes passado por vários países, como Brasil, Argentina, Peru, e México. Acabou sendo assassinado em circunstâncias não conhecidas no Novo México, deixando uma série de pertences. Na Vila de Melilla, Entre as salsas escumas desce ao fundo, Mas na onda do mar, que irado freme, Tornando a aparecer desde o profundo, Ah Diogo cruel! disse com mágoa, E sem mais vista ser, sorveu-se n'água.” José de S R Durão. Caramuru. Nessa onda feroz que ruge poderosa Soprada ao vento em rendas de alvas plumas Que na praia vês enrolada em densa espuma, Agita-se vivo o corpo de Moema, De Caramuru traída em fuga odiosa, Que em puro delírio de amor morrendo acena. Vindo do mar, ao mar voltando, entre gentes Estranhas de obscuras falas, fera e corisco, Manejador do raio, no barco arisco Foge, por não vê-la pedir-lhe o amor negado, Que ainda nada agarrada ao leme E prefere o fim no mar ao desprezo adiado. Que mundo este, há de pensar ela, onde esteja Em tantos peixes, caracóis e cavalinhos, Que ainda a despreza nos seus irmãos de sina, Contra quem ruge o raio de diogos poderosos, Que expulsam, matam e destroçam a quem seja Que seus não sejam e que tenham vida honrosa. Porto Alegre, 16/4/2015. Cícero Galeno Lopes Professor, doutor em Letras, ensaísta, poeta www.cicerogalenolopes.com naquele Estado americano, existem uma placa no local onde o monge faleceu e uma lápide no cemitério em sua memória. Suspeita-se de que tenha sido vítima de índios selvagens. João Maria viveu no Brasil durante cerca de dez anos (1843/1852), inclusive em Santa Catarina, onde sua memória permaneceu para sempre. Expulso do Rio Grande do Sul, exilou-se na Ilha do Arvoredo, no litoral de Florianópolis. “Ao buscar solidão na ilha, - escreve o autor - deparou-se com nova aglomeração, atraindo a atenção de pessoas como o pároco de Desterro, Joaquim Gomes de Oliveira e Paiva”. José Boiteux, num de seus contos, relata a presença do monge naquela ilha. João Maria foi santificado pelo povo e sua memória é venerada até hoje. Suas pregações, práticas e crenças são conhecidas e transmitidas pelas gerações. É impressionante a extensão de suas andanças pelas três Américas e o grande mérito deste ensaio consiste em ter demonstrado, através de pesquisas inéditas e criativas, que se tratava da mesma pessoa. É um trabalho deveras revelador sobre o qual esboçamos apenas breves notas, sendo impossível resumir aqui os inumeráveis detalhes abordados pelo autor. Quanto ao segundo ensaio, acima referido, aborda as marcas da presença do monge no Planalto catarinense. É pena que ao abordar aspectos populares, como as crenças, rituais religiosos, instalação de cruzes, benzimentos etc. tenha optado por um linguajar encruado e, às vezes, pedante que torna a leitura cansativa. A forma não combina com o conteúdo. Creio também que há exagero quando afirma que parte do povo considera João Maria uma divindade. Não chega a tanto. No conjunto, porém, traz contribuições importantes. Mas, como afirmou Jacques Lacarrière, João Maria foi um homem embriagado de Deus. I 06 I Entrevista Silvério da Costa SILVÉRIO RIBEIRO DA COSTA, nascido em Portugal, praticante de Atletismo, combatente na Guerra de Angola-África, intelectual, migrado para o Brasil, Cidadão de Chapecó-SC, Professor, Poeta, Escritor, Jornalista, Ativista Cultural, um Incansável Homem de Letras, um luso-brasileiro para o mundo. FOTOS: ARQUIVO PESSOAL Nasci e cresci na pequena aldeia de Valbom, próximo à cidade do Porto, no Norte de Portugal. Ali passei parte da minha infância. A adolescência, vivi-a na cidade do Porto. Vim para o Brasil em 1963, depois de lutar na guerra da Angola, durante 26 meses. Sou brasileiro naturalizado. Moro em Chapecó há 50 anos. Sou casado e tenho um filho. Sou aposentado desde 1996 e já publiquei doze livros (oito de poesia e três infantis): Retalhos da Existência - 1989; Retratos - 1991; Sinfonias do Corpo - 1993; Percalços da Vida e outras Chatices Gostosas - 1995; Fogueiracesa - 1999; Poemas líricos e outros poemas, em parceria com Torres Pereira e Agostinho Duarte - 2000; Utensíliopoesia - 2000 (poesia infantil); Rapsódia de Espantos - 2005; O Gato que sabia latir - 2006 (prosa infantil); Trilhos Cruzados - 2010; Memorial do Medo (Vivência de um ex-combatente) 2013 e a participação em mais de sete dezenas de antologias poéticas. Faço parte de diversas instituições e entidades culturais no Brasil e no exterior, entre elas a Internacional Writers Association, com sede em OHIO - E.U.A. Tenho trabalhos traduzidos para o Espanhol, Francês, Inglês, Italiano, Esperanto. Grego, Russo e Chinês, publicados em diversos países do mundo. Conquistei inúmeros prêmios no Brasil e no exterior. Fui Presidente da ACHE- Associação Chapecoense de Escritores, em duas gestões; Presidente do Conselho Municipal de Cultura de Chapecó, segundo vicepresidente da UBE - União Brasileira de Escritores, secção Santa Catarina, com sede em Florianópolis. E diretor de Turismo de Chapecó (1982-1988). Por Nelson Hoffmann I [email protected] Literariamente, o seu nome é mais conhecido como Silvério da Costa. Há ciência de que é Português de nascimento, veio ao Brasil e naturalizou-se Brasileiro. São informes assim, como dizer?, meio desconhecidos por nossos leitores, que o conhecem como Poeta. Mas sabe-se de sua origem lusitana. Contenos, então, pra começar, dessa origem e terra portuguesa, família, sociedade, formação etc. Fale de vivências, sonhos e ambições familiares e sociais… Como era aquele mundo em que viveu, quando criança? Lembre-se que nós, leitores, não estivemos lá e nem fomos seus colegas de infância. Como foi? É verdade. Eu sou português, da cidade de Porto, ou melhor, de uma aldeiazita chamada Valbon, que fica 5 km de Porto, onde vivi dos 8 até os meus 21 anos, quando saí para servir o Exército Português, na cidade de Lisboa. Naturalizei-me brasileiro com a finalidade de concorrer, por insistência de alguns amigos, a uma vaga de vereador, no Legislativo Chapecoense, em 1972. Nem seria preciso, já que o cidadão português tem a seu favor a “Lei da reciprocidade” (o português aqui é considerado brasileiro, e o brasileiro, lá, é considerado português). Vim de uma família pobre. Não conheci meu pai, que morreu quando eu tinha apenas alguns meses de idade. Vivi, a partir dos 7 ou 8 anos de idade, com um padrasto que me cagava de pau todos os dias, com razão ou sem ela! Ele tirou-me, inclusive, da escola quando frequentava o 1° ano do primário, para aprender com ele a profissão de sapateiro, e ser, assim, escravizado. A minha ambição era ser mecânico de automóveis… Concluí o primário, alguns anos depois, e foi só. Quando cheguei a Chapecó, em 1965, é que fiz o ginásio, o contador e parte do curso de Pedagogia, na FUNDESTE, em Chapecó. Sou, portanto um autodidata, que ficou, paralelamente às suas atividades normais, 32 anos em sala de aula, como professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. Depois, em sua vida e ao que sabemos, veio a Guerra de Angola. Como foi parar nessa guerra? Adiante falaremos desse livro pungente Memorial do Medo (Vivências de um excombatente). Por enquanto, deixe-o de lado. Por agora, conte-nos como surgiu isso de ir à guerra, em família e companhia? Foi convocado, foi voluntário, como aconteceu? Servia o Exército Português, quando, em 1961, eclodiu a guerra nas então colônias (chamadas, eufemisticamente, de Províncias Ultramarinas) portuguesas. Daí a ser convocado para a dita cuja, foi só um passo a mais. Nós éramos governados por um ditador chamado António de Oliveira Salazar, que se recusava a dialogar com os líderes nacionalistas angolanos, que queriam a sua independência, preferindo sacrificar duas ou três gerações de jovens numa guerra fratricida e inglória, que custou a vida de milhares de pessoas! Estávamos na metade do século XX. Não se justificava mais o colonialismo. As grandes potências já haviam dado a independência às suas colônias. Era, portanto, uma questão de tempo. E essa sua vinda ao Brasil e naturalização? Por quê? E este é um enorme Porquê? Por que mesmo? Veio só, isto é, solteiro, ou com família? Veio com mais gente ou por decisão solitária? Formou família aqui? Realizouse na profissão? A gente se pergunta e admira, mas não sabe as condições e móveis. Foi logo depois de sua participação na Guerra de Angola? Algum preparo para a troca de país? Algum medo, alguma fuga, alguma visão de futuro? Mais: na vinda para cá, a vinda foi direta para Chapecó, SC? Se foi, por quê? Se não, por onde passou antes? Veja o monte de perguntas muito humanas, nossas e de tantas pessoas que o admiram. Esteja à vontade. Quando servia o Exército Português, numa pequena vila chamada de Tancos, onde só havia uma base aérea, um batalhão de paraquedistas e um batalhão de engenharia, o único divertimento existente para os soldados era um cinema, além de uma prostituta que aparecia ali nos fins de semana. Coitada! Era uma farra, tendo como cenário o motel todas as estrelas do universo. A mim me aprazia, também, a correspondência com moças interessadas. Numa roda de amigos, quando comentava sobre meu interesse e sonhava com a possibilidade de conseguir uma brasileira, já que tinha algumas portuguesas e espanholas, alguém do grupo me deu o endereço de uma brasileira que, por acaso era chapecoense… Escrevi-lhe e ela me respondeu de imediato, dando início a uma correspondência de durou quase 4 anos, e que culminou no nosso casamento,que dura há mais de 50 anos. Eu era radiotelegrafista, especialidade essa que tirei quando servia no exército. Quando vim para o Brasil, em 1963, passei a morar no Rio de Janeiro, com uns tios. Isso aconteceu logo após ter passado à disponibilidade. Depois de quase dois anos, tirei umas férias para conhecer a minha correspondente, Helena Gisi. Chapecó era uma cidade pequena. Não havia o que fazer. Passava o tempo, enquanto esperava retornar ao Rio, onde tinha a minha vida, tomando chimarrão e conversando com os parentes da Helena. Um certo dia, um irmão dela me convidou para conhecer um frigorífico, onde havia sido diretor. Ao chegar lá vi que estavam levantando uma grande antena. Aproximei-me… e soube que estavam substituindo o rádio amador, sistema de comunicação muito em voga, na época, para se comunicar com as filiais, em São Paulo e Rio, por um sistema mais eficiente, que era a telegrafia. Quando me anunciei como radiotelegrafista, vi no rosto do diretor, que cuidava da instalação, o espanto, acompanhado da seguinte frase: Não é que caiu do céu! Foi o que bastou para ser contratado e não voltar mais para o Rio. Virei chapecoense e um ano depois nos casamos e tivemos um filho, que é músico clássico. Mais tarde eu me naturalizei e desempenhei diversas atividades e exerci alguns cargos de relevância, como por exemplo: Relações Públicas, nessa mesma empresa que me contratou como telegrafista, alguns anos antes; Diretor de Turismo de Chapecó, na gestão pública de 19821988; Gerente do Eston Hotel, um dos mais conceituados da Região; Presidente do Conselho Municipal de Cultura; Presidente da ACHE (Associação Chapecoense de Escritores), Com Marina Colasanti, na 1a. Feira Nacional do Livro de Chapecó, SC, em 1999 em duas gestões; 2° Vice-presidente da UBE (União Brasileira de Escritores), em duas gestões; 2º Vice-presidente da UBE (União Brasileira de Escritores, secção Santa Catarina); Professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, durante 32 anos, sempre paralelo às minhas atividades profissionais, exercidas durante o dia. Tudo isso, além de poeta, com 12 livros publicados. Nesses anos todos, de tanta peregrinação mundana e vivência trágica, onde e quando a Literatura entrou em sua vida? Lá na infância poderia ser, no meio da guerra seria possível? A vinda ao Brasil teria levado a tanto? O grande responsável pelos meus rabiscos literários foi um comerciante português chamado José Gonçalves de Moura. Ele era vizinho e tinha o hábito, depois de fechar a sua bodega (armazém que vendia de tudo, desde feijão até tecidos) de convidar a garotada das redondezas para nos contar histórias e nos emprestava livros, explicando para nós, depois, tudo aquilo que não havíamos entendido. Foi assim que aprendi a gostar de livros e, por consequência, de ler. Com 10 anos, eu já havia lido o consagrado Os Miseráveis, de Víctor Hugo. Daí para a escrita, foi um pulinho, mas só em Chapecó é que me dediquei, profundamente, à nobre Arte das Letras. Um sujeito vivido, sofrido e, hoje, admirado como Poeta, Ativista Cultural e Memorialista, deve ter influências anteriores, em si, no fazer Arte. Somos sequência humana, o I 07 I Entrevista “Memorial do Medo”, romance, 2013 passado em nós comparece. Na terra brasileira, os clássicos de Portugal ainda influenciam. E outros, do mundo. Traz alguma força ancestral? Tem alguma preferência particular? Eu li (a) tudo e mais alguma coisa. Inicialmente, os portugueses (Eça de Queirós, Camilo Castelo Branco, Júlio Diniz, Almeida Garrett, Fernando Pessoa, Fernando Namora, Florbela Espanca, Bocage, Camões, Cesário Verde, José Saramago; Machado de Assis, Érico Veríssimo, Clarice Lispector, Graciliano Ramos, Euclides da Cunha, Jorge Amado, e tantos outros). Os meus preferidos são: na poesia, Fernando Pessoa; na prosa, Dostoievski e Saramago. Pelo que conhecemos, sua obra supera bem uma dezena de títulos. O que temos em mãos são livros de poesia… com uma exceção. Os títulos poéticos já chamam a atenção pela estranheza, e quiçá, clareza dos títulos. Por exemplo: Fogueiracesa, Rapsódia de Espantos, Trilhos Cruzados… Os títulos nos denunciam ansiedades, perplexidades; a leitura dos poemas nos leva a um mundo de intensa sensualidade, angústia e preocupação social. Estamos no caminho? O que nos diz de sua alma poética? Eu publiquei 12 livros, 9 de poesia, sendo um infantil, e 3 em prosa, sendo dois infantis. Tenho mais uma dúzia no forno. É só uma questão de patrocínio. Talvez 2016 saia mais algum. O que me apraz, mesmo, é a poesia. É nela que eu me vejo retratado, é por intermédio dela que eu expresso todas as minhas inquietudes. Eu escrevo todos os dias, no mínimo, um poema. Não acredito em inspiração. No lançamento do livro infantil “O Gato Que Sabia Latir”, 2006 Valho-me da percepção e da transpiração, já que poesia é, para mim, o reflexo daquilo que nos rodeia. E como o poeta não tem que dar satisfação para ninguém, muito menos explicar ou mudar o que quer que seja, no contexto panorâmico que está aí, o jeito é incomodar, perturbar, externar as perplexidades que incomodam e me angustiam: e, como ninguém é de ferro, não posso deixar de lado o erótico-sensual e até mesmo, por que não, o pornográfico, em determinadas circunstâncias. O seu último livro que nos chegou é Memorial do Medo (Vivências de um excombatente). O livro nos mergulhou em dores, revoltas e sofrimento… Vivemos momentos de Recordações da Casa dos Mortos, de Dostoievski, embora em dimensões bem diferentes. Deixemos o medo de lado e conte-nos, sem medo, sobre a trajetória desse seu livro. Lembre-se: a distribuição de livros no Brasil é calamitosa, quanto leitor de nosso jornal teve acesso ao livro? Por favor! Memorial do Medo (Vivências de um ex-combatente) é o meu último livro e o único romance, de minha autoria, já que a poesia é que faz o meu gênero. Nesse livro, eu narro a história da minha vida, que eu costumo chamar de "Minhas Guerras", porque a minha existência sempre teve esse viés. O caro amigo lembrou bem a similitude com Recordações da Casa dos Mortos, de Dostoiesvski, Dostoiesvski é o meu guru. Tenho toda a obra dele. É natural, portanto, que, embora em circunstâncias e tempos diferentes, as dores, os sofrimentos e as revoltas sejam frutos dos mesmos despautérios! Dos mesmos absurdos! Dos mesmos tresloucamentos! A distribuição do livro, por questões óbvias, é restrita a amigos, escritores, críticos, bibliotecas, enfim, aos mesmos de sempre. Quem sabe alguma grande editora ainda se interesse por ele e venha a ter uma distribuição que contemple todos os leitores interessados. A crítica ensaística tem falado bem do livro! Os elogios têm sido muitos! E parecem ser sinceros! Estou na expectativa! Quem sabe o NHEÇUANO não promove essa ponte?!... Por muito tempo, uma das melhores coisas literárias que aconteciam neste país, aconteciam justamente aqui, no Sul. Definindo: em Chapecó, SC. Ali era redigido, produzido e espalhado ao mundo, o querido "Fronte Cultural". Redator, produtor e distribuidor, Silvério Ribeiro da Costa, um português naturalizado brasileiro. Já houve o "Jornal do Enéas", já houve... Aqui, no RS, idem, esforços parecidos. Todos sumiram. Como enxerga tudo isso, o que pode nos dizer? O "Fronte Cultural" teve curta (2 anos) duração. Foram, se não me engano, 22 números, um por mês. Era direcionado a todos os interessados e não visava lucro. O patrocínio vinha de alguns mecenas que tinham, em contrapartida, o rodapé das páginas à disposição para difundir as suas empresas. Com o decorrer do tempo, foi faltando o patrocínio (eles preferem gastar milhões para difundir o esporte, a pagar uma merrequinha para divulgar a cultura) e só me restou amargar a saudade que sinto desse período tão profícuo da minha trajetória literária, como incentivador da cultura. O "Fronte Cultural" continua, mas em forma de coluna, semanal, no conceituado jornal local "Sul Brasil." Uma forma de manter acesa a cha- FOTO SANDRA LOPES Com Moacyr Scliar, em Chapecó (1999) ma, fazendo-a chegar aos meus amigos escritores, difundindo, ainda que de forma restrita, os seus trabalhos. Somos do Sul. Peleamos por aqui e existem companheiros lá adiante, no Nordeste e Norte. O Centro nos ignora. Como vê isso? Sa-bemos, é complexo, muito mais do que se imagina, os valores hoje são monetários. Com sua vivência internacional, tem algo a nos dizer, aconselhar, orientar? É comum se dizer que fora do eixo Rio São Paulo, poucos subsistem, quando se fala de Literatura. Em parte, é verdade! Residem nessa área muitos companheiros de Letras que dão de mil a zero nos ditos medalhões, sem que tenham o reconhecimento que merecem! No interior do Brasil, leia-se fora do referido eixo. Está parte da nata que escreve neste país e sequer é citada pela grande imprensa, muito menos pelos críticos e ensaístas! O que fazer? É chover molhado, quando se fala em persistência, mas é, ainda, a orientação mais lógica e coerente com os meus propósitos, que posso dar a todos aqueles que gostam da coisa! Mas sem esperar muito do poder público e dos homens públicos. O interesse deles é outro!… Entenderam? Como sempre, em final de entrevista, a palavra fica à disposição. Total. Para finalizar, resta-me agradecer a oportunidade que o conceituado NHEÇUANO, esse esteio de Cultura Brasileira, me deu, e seguir em frente com a caravana. Os cães que fiquem latindo!, rosnando!, Babando!… N Uma visita mui ilustre Esta foto é do recente dia 21 de maio, um sábado frio com tardinha enfarruscada, quando o escritor José Antônio Urroz Lopes, também conhecido pelo pseudônimo Vasco de Sant'Anna, acompanhado da esposa Sandra, visitou Nelson Hoffmann e a filha Inês Hoffmann, em Roque Gonzales, RS. Lopes vinha de Curitiba, PR, em trânsito para Uruguaiana, RS, sua cidade natal. Junto, o onipresente Ruy Nedel, amigo de todos. Todos escritores, poetas, intelectuais. Lopes, dentre outros livros, tem destaque especial com Innocens Manibus; Inês é a Revelação da Poesia Lírica Brasileira de 2006 com seu livro Parto; Hoffmann, de muitos livros, é aplaudido por seu último romance A Mulher do Neves; e Ruy Nedel, polígrafo incansável, acaba de fechar um ciclo dourado com sua trilogia Memoriando a História do Sul. Podese ver, foi encontro de amizade, fraternidade, cultura. No registro feito por Sandra (esq-dir): José Antônio U. Lopes, Inês Hoffmann, Nelson Hoffman e Ruy Nedel. I 08 I História Cultura Guarani “Yvy Pÿtu Weá é o suspiro da terra. O índio quer ficar num lugar como este aqui. Quanto mais ter contato com a natureza, quanto mais Yvyra Jakué, mais ele pede, mais ele é atendido. Se viver como o branco, ele vai podar o contato com a natureza. Quem não quer uma casa bonita? Eu não, quero é morar assim”. Gwarapá Mirindju, ancião da aldeia Piaçaguera Djaroypy Djiwy Nhanémoã Nhanderekó Tupi Guarani Resgatando a medicina tradicional Tupi-Guarani Fonte: Cartilha folhas e raízes - Luan Elísio Apyká - Dhevan Pacheco Ainda Sonhando Na última edição coloquei uma possível alternativa para a realização do Manifesto e Canto Nheçuano para o final de 2016. Não recebi, não vi, não vislumbrei nenhum movimento para que isto venha acontecer. Sabemos das dificuldades de cada um, da crise que envolve o mundo, enfim, está difícil para todos. Mas acredito que um pouquinho de cada um é mais uma tentativa para não deixar voltar ao esquecimento uma história que, com muito custo e trabalho, conseguimos trazer à luz. E digo com certeza, muitos ficaram surpresos e interessados com esta “história”. Portanto, agora não é a hora de simplesmente virarmos as costas. Vamos nos unir, tentar resolver, todos temos a ganhar com isto. Precisamos de um empenho maior de nossa diretoria, tentar buscar recursos no comércio local. E mostrar o quanto é importante para o município a manutenção do Manifesto Nheçuano, que discute fatos determinantes do início da ocupação da atual região missioneira e do Estado do Rio Grande do Sul. Tomei a liberdade de criar o e-mail: [email protected]. Envie sua sugestão ou colaboração, diga como pode nos ajudar. Com certeza será muito bem aproveitada. Quem sabe o rumo que buscamos para o nosso evento venha através de sua ajuda! Julio Ribas Professor I 09 I Poesia O Mensageiro da Paz Simples dizer Escrever Aqui viemos com este pouco que somos Evito escrever verdades veleidades aleivosias Aqui estamos com este nada que é tudo (abismado em águas descobertas receio o eco inebriado da letra estrangulada) Cabelos ao vento e mil ideias também, Qual andejo errante, brilhante e capaz, A tua missão é tão somente o bem, Figura intrigante, mensageiro da paz! Aqui seguimos enquanto não é depois. reviro mentiras no lado desproporcionado em cantos: calo o verbo. Nas suas andanças é pólen precioso, Uma abelha profícua a gerar emoção, Visão definida de um profeta zeloso E compromisso fiel com a educação! Dércio Braúna *Do livro Aridez lavrada pela carne disto Av. Simão de Góis, 1475 CEP 62823-000 - Jaguaruana - CE Para Nelson Hoffmann Visão imponente, encharcado no branco, Cavaleiro andante das rotas do Sul, Sorriso aberto, tão puro e tão franco, E um olhar penetrante banhado no azul! Missão tão linda, é um raio de luz, Sigas em frente com fé e destemor, Que seja leve e suave a tua cruz, Tua mensagem é um ato de amor. Levanto bandeiras em punhais enviesados. Verdades na indiferença anotada no canto da folha jogada ao chão dos outonos. Pedro Du Bois *Do livro O livro infindável e outros poemas [email protected] Virtudes que pulsam e te enobrecem, São dotes raros, valiosos e só teus, Os que te escutam jamais te esquecem, Mensageiro da paz e arauto de Deus! **** *Melbourne, 19 de dezembro de 2015 (Data do aniversário do homenageado) Vestígios de Paredes Doze sinos badalam De hora em hora São mecânicas canções Em sinfonia de orquestras. Cinco mil almas Respiram castiçais. Emir Nunes Moreira [email protected] Canhões cospem fogo, Badalam chumbo, Perfuram alma e coração Sucumbem vidas preciosas! Porque não trouxeram carinho Amor e fraternidade? Não sou eu O instante que apaga a vertigem do tempo não sou eu quem abandona na madrugada a lua desamparada e sonolenta revela imagens ocultas não sou eu quem encobre a face na penumbra lágrimas vertidas no silêncio que angustia não sou eu: sou eu, sim Arte: www.1papacaio.com.br Sangue Os córregos transbordam Em sangue Que pinga do suor Do trabalhador Contracapa da história Brilham tesouros, Vitrais guaranis. Reluz o ouro do tempo Nas tumbas sem cruzes, sem nomes... Marcas de quem tombou! Que sonha ser um vencedor Bom pagador Homem de bem Ventos uivam triunfantes Sobre carnais ilusórios! Os ventos uivantes Aguçam o imaginário dos passantes! Seriam os ventos presságios De tempos de esperança!? O sangue escorre Calçadas abaixo Aos córregos escorrem Transbordam Nas velhas paredes Não badalam sinos, nem sonhos... Pousam os olhos dos poetas São olhares de repúdio à covardia! quem busca encontrar respostas quando a insônia do tempo acorda a lua. sangue em Adélia Einsfeldt Porto Alegre [email protected] Maria de Lourdes Alba *Do livro Voos da manhã [email protected] Em vã filosofia, as velhas pérolas São hinos de paz e melodia. sangue Renato Jacob Schorr escritor membro da Academia Santo-angelense de Letras [email protected] I 10 I Literatura [email protected] [email protected] Rua Pe. Anchieta, 439 97970.000 - Roque Gonzales - RS Inês Hoffmann e Nelson Hoffmann Nasci em Roque Gonzales. Tenho setenta e seis anos de idade, caminho para os setenta e sete. Chegarei? É outra história. Dizem que apareci num domingo. Calculei e parece verdade. Sei lá, não importa! Roque Gonzales tinha doze anos de idade. Criei-me no meio do mato, à beira da água, numa serraria. Frequentei escola com o professor Schuh, em Poço Preto. Fui seminarista, rodei por nada menos que quatro seminários, cursei Direito e Contabilidade em Porto Alegre, andarilhei por aí. Mas meu corpo e alma nunca me deixaram em paz, sempre me empurravam de volta: Roque Gonzales era minha terra, ali corria meu sangue. Voltei. Há cinquenta anos - cinquentenário - para começar o Município. Em 15 de maio de 1966. N. H. Sânzio de Azevedo, um dos maiores pesquisadores e historiadores da Literatura Brasileira, apresenta-nos um livro de valor inestimável, verdadeiro tesouro de arqueologia literária, produto de uma pesquisa e busca de mais de 40 anos: Atas da Padaria Espiritual. Para quem possa estranhar o título ou desconhecer o que seja a tal “Padaria Espiritual”, uma pequena explicação. Surgida no Ceará, em fins do século XIX, era uma sociedade de rapazes de Letras e Artes, com objetivo bem determinado: Fornecer pão de espírito aos sócios em particular e aos povos em geral. Daí seguia-se que o presidente era o “Padeiro-Mor”, os secretários eram “Forneiros”, o tesoureiro era o “Gaveta”… Os sócios eram os “Padeiros”. As reuniões eram as “Fornadas” e o local era o “Forno”. Tudo num humor contagiante e muito original. E dela participavam figuras destacadas de nossa história literária como Adolfo Caminha, Antônio Sales, Lívio Barreto… Ao contrário do que possa parecer, a leitura é gostosa, instrutiva, enriquecedora. Afinal, fazer Literatura neste país, não é mesmo tarefa que só persiste com gente de muito bom-humor? E-mail: [email protected] Margarete Solange Moraes nos é encaminhada pela ed. Sarau das Letras, em pacote de três livros diferentes: Santa Fé, Fazenda Solidão e Contos reunidos. Potiguar, funcionária pública e professora universitária, leciona Literatura e Teoria Literária. Com boa obra publicada, chega-nos impressionando. Vê-se logo, é escritora tarimbada, senhora do ofício, e que nos era desconhecida por estes nossos pagos gaúchos, missioneiros e fronteiriços. Desajeitamo-nos com o nosso desconhecimento. Os dois primeiros livros são romances e o terceiro o título revela. O conteúdo, em todos os livros, inclusive em cada conto, é profundamente humano, sem nunca desvincular o personagem do meio em que vive. Além disso, a ligação entre conteúdo e forma é de presença rara entre nós, escritores. A escrita de Margarete nos remete ao clássico Graciliano Ramos. Com leve nuança: é mais suave. E-mail: [email protected] ------------------------------------------------------------------------------------------Cláudia Brino e Vieira Vivo nos enviam um livro bem curioso: Encaixe. Não, curioso por alguma idiossincrasia estapafúrdia, não, de jeito nenhum. O livro é de poemas, sempre de primeira linha como são os versos da dupla individualizados, deixe-se claro - mas diferente pelo que acontece em cada texto. Cada autor escreveu o seu poema. Depois, um se meteu no poema do outro e “encaixou” algo. O “encaixe” aparece em itálico. E a leitura se torna prazerosa e, sobretudo, criativa, fazendo o leitor querendo “encaixar-se” também. E-mail: [email protected] Jorgelita Tonera Favaretto organizou o livro Luz na oficina, que nos foi presenteado por Enéas Athanázio. O livro é uma realização inédita, curiosa, sui generis e de valor. Produto de uma oficina literária, tem detalhe muito especial: os participantes eram todos de curso superior, advogados e promotores conceituados e vividos, querendo realizar-se como escritores, em completude pessoal. O curso abordou conto, crônica, ensaio e poesia. Quatro gêneros literários que são criação, Arte, busca de plenitude. Escrever é realizar-se. E-mail: [email protected] --------------------------------------------------------===R E C E B E M O S=== Ricardo Guilherme Dicke é escritor que virou lenda. Em vida. Desconhecido do grande público, e assim continua, teve seu livro Deus de Caim reeditado pela editora LetraSelvagem, que nos remeteu um exemplar por gentileza do editor Nicodemos Sena. Dicke vinha do Mato Grosso, passou pelo Rio de Janeiro, voltou para o Mato Grosso, recolheu-se em si. Sem os arruídos da imprensa hegemônica e monopolista dos grandes centros, seguiu publicando por pequenas editoras de seu estado, … E hoje? Deus de Caim nos mostra o eterno conflito bíblico de Caim e Abel, nos cria um mundo novo, Pasmoso, nos remete aos ambientes de Macondo, de Gabriel García Marques, nos tortura com os conflitos de Yoknapatawpha, de William Faulkner. Silencioso em seu canto, escondido em Mato Grosso, Dicke realizou obra para a eternidade. E-mail: [email protected] -------------------------------------------------------Lourenço Cazarré é gaúcho de Pelotas e reside em Brasília. Autor de grande bibliografia, encaminha-nos Três cavaleiros. O livro integra uma coleção de clássicos juvenis - temática em que o autor é mestre - e contém dois textos famosos - Rei Artur, de Thomas Malory, e Ivanhoé, de Walter Scott - mais O guerreiro dos cabelos de fogo, de autoria do próprio. Os dois primeiros são adaptações, para o público juvenil, feitas pelo autor. A história de O guerreiro… é original sua e aborda a nossa questão gaúcha e missioneira, na segunda fase das Missões Jesuíticas. Leitura juvenil e agradável, o autor narra as aventuras do jovem Guilherme Kugelfest, nascido na Alemanha, por volta de 1700, e que vem parar aqui, tornando-se herói lendário nas Missões. End.: SHCGN, 716-Bl. I C/ 47-Brasília-DF/70770.739 * P. J. Ribeiro: Kiki, a coelhinha festeira, prosa ilustrada; * Maria Dona: A Dona do jardim, versos; * Elaine Pauvolid e Outros (via Ricardo Alfaya): Quadrigrafias, versos; * Manoel Onofre Jr.: Humor no conto potiguar e Revista da Academia Norte-rio-grandense de Letras, prosa; * Sérgio Venturini: Inhacurutum e os guaranis no Território Missões, prosa; * Ivan Saraiva: Esperança viva: Uma escolha inteligente, prosa; * Cláudia Brino e Vieira Vivo: Amor, revista lítero-temática; * Oreny Júnior: Fórceps, versos; * Guilherme Queiroz de Macedo (via Enéas Athanázio): Enéas Athanázio, de leitor a escritor, prosa; * Humberto Del Maestro: Lícia na terra da imaginação e Haicais e tercetos, prosa e verso; * Neu Volpato: Ad semines, versos; * Emir Nunes Moreira (Austrália): A história dos mártires e das missões guaranis, de Pe. Avelino ten Caten SJ, prosa; e * Rolando Kegler: Junta de estudios históricos de Misiones, prosa. I 11 I Literatura [email protected] [email protected] Rua Pe. Anchieta, 439 97970.000 - Roque Gonzales - RS Inês Hoffmann e Nelson Hoffmann DESTAQUE ARQUIVO PESSOAL David de Medeiros Leite nasceu em Mossoró-RN (1966). É professor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Mestrado e Doutorado em Direito pela USAL - Universidade de Salamanca - Espanha. Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte IHG-RN e do Instituto Cultural do Oeste Potiguar ICOP; sóciocorrespondente da Academia Apodiense de Letras - AAPOL, além de pertencer à Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Norte AMLERN e Academia Mossoroense de Letras AMOL. Divide com o também escritor Clauder Arcanjo, a coordenação da Editora da Sarau das Letras, que neste ano de 2015 completou 10 anos de atuação, atingindo a marca de 130 títulos publicados. David Leite publicou os seguintes livros: Companheiro Góis - Dez Anos de Saudades. Coleção Mossoroense, 2001; Os Carmelitas em Mossoró (em coautoria com Gildson Souza Bezerra e José Lima Dias Junior). Coleção Mossoroense, 2002; Ombudsman Mossoroense. Sebo Vermelho, 2003; Duarte Filho: Exemplo de Dignidade na Vida e na Política (em coautoria com Lupércio Luiz de Azevedo). Sarau das Letras, 2005; Incerto Caminhar (Premiado no II Concurso de Poesia em Língua Portuguesa, promovido pela Universidade de Salamanca - USAL e pela Escola Oficial de Idiomas de Salamanca - Espanha). Sarau das Letras, 2009; Cartas de Salamanca. Sarau das Letras, 2011; Presupuesto participativo en municipios brasileños: aspectos jurídicos y administrativos. Editorial Académica Española, 2012; Casa das Lâmpadas. Sarau das Letras, 2013; Mossoró e Tibau em Versos - Antologia Poética (em coautoria com Edilson Segundo). Sarau das Letras, 2014; Ruminar - Rumiar (edição bilíngue português -espanhol, em coedição com a Trilce Ediciones de Salamanca, Espanha), Sarau das Letras, 2015. Fábulas e verdades de David Leite 1. Que as aparências não te confundam, pois tudo aquilo que se entende pode ser passível de comparação mais além do que teus olhos vislumbram: o homem e suas condutas não esquecidas, as que transcendem fronteiras, aquelas que persistem em fazer distinções, não somente entre os seres humanos, mas também quanto à dignidade que lhes resta ou apenas por sua condição social. De longe vem, na literatura, essa metamorfose: recordem-se - entre outros precedentes a Apuleio de Madaura e seu Asno de ouro, onde um feitiço transforma Lúcio em asno, mas sem que ele venha a perder suas faculdades intelectuais. Esta novela imaginativa, carregada de humor, também contém outras doses de séria reflexão sobre a condição humana e sua coexistência em sociedade. Após diversas aventuras, Isis lhe restitui a forma humana, como agora o faz David de Medeiros Leite em sua interessante nova entrega, intitulada 'Ruminar': primeiro quem fala é o gado; depois, o vaqueiro que cuida do rebanho. 2. Duas partes de um todo que está perfeitamente ordenado: bastaria ler o primeiro texto e o último, para darmos conta de que, desde a aparente ingenuidade, o que quer dizer o poeta nordestino transcende sua paisagem rural e até bucólica, apesar de ser terra de secas, pretexto indispensável para logo triturar aflições, maturar pensamentos ou mastigar ilusões: o ruminar fazendo a digestão serve como lançadeira para colocar sobre a mesa antigas recordações em lenta maceração. O próprio poeta, desde logo, esclarece: a descrição que faz a partir da ótica do boi ou da vaca é simplesmente uma escusa para tratar temas mais profundos. Por acaso não é autenticamente “revolucionário” o poema Despertar?Se trocássemos de personagens e fizéssemos uma leitura como se mulheres desesperadas falassem, por não poder alimentar seus filhos apesar de semear ou produzir alimentos em fartura, decerto teríamos outra percepção do, aparentemente, elementar poema, que diz assim: Ingurgitados nossos úberes desadormecem alimentando o mundo. A avidez com que os sugam põe em risco o desjejum de nossos filhotes que, pacientes, esperam. 3. Contudo, estas fábulas líricas (recordem-se de que Sócrates passou seus últimos dias pondo em verso as fábulas de Esopo) não têm, no íntimo, uma lição moralizadora. Diz o boi: “Solto o berro/sem saber que destino terá/ sem aquilatar seu eco/sem a ninguém querer laçar”. Em princípio, não há essa intenção, mas quem lê e entende, sabe que a solução está em despertar, em descer os pensamentos das nuvens, em não permitir que se apague o resíduo solidário. Que ninguém explique a fome ao faminto mas que lhe abra o caminho da dignidade! Uma dignidade que muitas vezes segue sendo quase uma utopia por cona das separações que imperam nos estratos sociais. Como no poema Destinos, onde o boi aprecia e cisma: Na pradaria, entre escaramuças e carreiras, brincam e coexistem - em (quase) confraria os filhos do vaqueiro e nossas crias. Olho-os com exultação, e certamente inquieto: O porvir para ambos, será leve? E assim poderíamos seguir, comentando sobre A ferro e fogo, por exemplo… 4. Na segunda seção, os papéis se invertem. O personagem central é o vaqueiro ruminando suas tarefas cotidianas, valiosos lugares entranhados em sua memória e também certas superstições (aparições, quero dizer) de sua região. Entretanto o miolo está no dardo que acerta o centro do alvo, quando revela: “Para confidências/ elegi a vaca Estrela./ Com ela, meu desabafo diário/ em regozijos e dissabores.// E como sou compreendido!”. Às vezes em meio à multidão estamos sozinhos. Às vezes preferimos falar a uma vaca, a uma tela ou a uma parede, porque a dificuldade de comunicar-se é crescente neste mundo intercomunicado. Às vezes, vendo algum exemplo de liberdade, almejamos ocupar o lugar do outro, como sucede ao vaqueiro: Inveja Por não obedecer comandos por não suportar cercas, por não permitir laços, ao intrépido novilho chamam-no “barbatão”. Barbatão no mundo sonho sê-lo. 5. Mesmo sendo na Mesopotâmia, há cinco mil anos ou agora na cidade brasileira de Mossoró, umas fábulas líricas repletas de verdade despertam nosso interesse, porque, seguindo o conselho de Terêncio, ao homem, nada que é humano lhe deve ser estranho. Que as aparências não te confundam. E menos este livro de David de Medeiros Leite, com singelos poemas de impactante força. Alfredo Pérez Alencart Julho e em Tejares (2015) Faculda de Derecho - USAL Campus Miguel de Unamuno 37007 - SALAMANCA - ESPANHA *tradução espanhol- português: Leonam Cunha Lamento Guarani Missioneiro Que queres do índio, Afora a extinção? Não há uma forma De darmos a mão?! Te demos o abraço De boas-vindas; O maior pedaço Das terras infindas! Mostrei-te os caminhos Pra todos os lados Ignorei os vizinhos Aqui radicados Ruy Nedel Autor da trilogia Memoriando a História do Sul - Avaliação Crítica (Os Jesuítas e as Missões / Revolução e Guerra dos Farrapos / O Imigrante) End.: Rua Sete de Setembro, 495 - Centro Cerro Largo - RS - CEP 97.900-000 “Índio Guarani”, tela de ELON BRASIL Fiz tudo por ti, Assim que pediste. Por que a lança em riste Contra o guarani?! Não quis ser escravo Tu assim aceitaste. Eu sempre fui bravo Quando me chamaste. Quando eras tão fraco Fui tua muralha. Agora que és forte Me deixas a sorte De ver-te um canalha. Tudo te dei: A terra, o ouro, A crença, Memória. Roubaste-me a História, Mulheres sem doença Às pencas, em grei; Vida natural, Não via algum mal. Pra ti as prostituí. Agora, absorto, Não entendo tua sanha Me queres bem morto. Pra que essa façanha? Português ou espanhol, Essa briga foi só tua. Para nós, verdade crua, Era de um lugar ao sol! O padre me enviaste. Eu não o pedi. Depois o expulsaste E órfão me senti. * Do livro do Autor: Missões. rede rmer supe s cado BREMM SUPERMERCADO ROQUE GONZALES - F: 3365-1150 ANUNCIE NO JORNAL O NHEÇUANO E PRESTIGIE A NOSSA CULTURA. E-mail: [email protected] Site: www.nhecuanos.com.br Blog: http://nhecuanos.blogspot.com