indanos Cleveland

Transcrição

indanos Cleveland
Agosto
2011
Problemas Nacionais
677
Conferências pronunciadas nas reuniões
semanais do Conselho Técnico da
Confederação Nacional do Comércio
de Bens, Serviços e Turismo
Sumário
Em busca de uma Educação antológica .................... 3
Arnaldo Niskier
As relações comerciais entre o Brasil e a Itália .......... 14
Arnoldo Wald
Petróleo – O deslocamento do poder . ...................... 18
Gilberto Paim
O Banco Central do Brasil
como executor da política monetária ....................... 37
Antonio Chagas Meirelles
Síntese da Conjuntura
Conjuntura econômica ............................................ 78
Ernane Galvêas
São de responsabilidade de seus autores os conceitos emitidos
nas conferências aqui publicadas.
Solicita-se aos assinantes comunicarem qualquer alteração de endereço.
As matérias podem ser livremente reproduzidas integral ou parcialmente,
desde que citada a fonte.
A íntegra das duas últimas edições desta publicação estão disponíveis
no endereço www.cnc.org.br.
Confederação Nacional do Comércio
de Bens, Serviços e Turismo
Agosto 2011, n. 677
Brasília
SBN Quadra 01 Bloco B no 14, 15o ao 18o andar
Edifício CNC
CEP 70041-902
PABX (61) 3329-9500 | 3329-9501
[email protected]
Rio de Janeiro
Avenida General Justo, 307
CEP 20021-130 Rio de Janeiro
Tels.: (21) 3804-9241
Fax (21) 2544-9279
[email protected]
www.cnc.org.br
Publicação Mensal
Editor-Responsável: Gilberto Paim
Projeto Gráfico:
Assessoria de Comunicação/Programação Visual
Impressão: Gráfica Ultraset
Carta Mensal |Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e
Turismo – v. 1, n. 1 (1955) – Rio de Janeiro: CNC, 1955 92 p.
Mensal
ISSN 0101-4315
1. Problemas Brasileiros – Periódicos. I. Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. Conselho Técnico.
Em busca de uma
Educação antológica
Arnaldo Niskier
Doutor em Educação, membro da Academia Brasileira
de Letras e Presidente do CIEE/RJ
N
o Brasil, lê-se muito pouco: 4,7 livros por habitante é o índice
nacional. Este número inclui os livros didáticos, em geral distribuídos gratuitamente pelo Governo em mais de 200 mil escolas
públicas. Se tirarmos os didáticos desse índice, o número cai para 2.
Para se ter uma ideia da distância que nos separa dos países industrializados, basta dizer que a média de livros lidos por habitante nesses
países é de 8 a 10 exemplares anuais.
Esperar que a inclusão digital acabe com essa diferença seria aguardar por um milagre. O mais certo é que se cave um fosso ainda
mais profundo.
As carências na educação brasileira são brutais. Estamos nas últimas
colocações, entre 65 países cadastrados no Pisa – um exame internacional que inclui provas de matérias essenciais, como Matemática,
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 3-13, ago. 2011
3
Ciências e Leitura. Somado à existência de 14 milhões de analfabetos
acima dos 15 anos de idade, o problema deixa os nossos educadores
com a sensação do fracasso escolar.
Já estivemos em situação mais favorável, em gerações passadas. As
causas são variadas, indo desde melhores e mais motivados professores, a mudanças curriculares lamentáveis, como a retirada oficial da
Literatura Brasileira das grades do ensino médio (Governo Fernando
Henrique Cardoso), a supressão do Ditado e da Caligrafia e, talvez,
o maior dos males: o fim das Antologias Escolares.
Entre os especialistas, sempre que se toca no tema, há quase uma
unanimidade, na condenação desse desaparecimento. A explicação
para o fato se deveu, basicamente, a uma discutível interpretação do
Supremo Tribunal Federal sobre os direitos autorais dos escritores.
Qualquer citação, sem autorização dos detentores dos direitos autorais
(vivos ou herdeiros), pode ensejar processos com vultosas multas.
A decisão do STF, de 1976, trouxe medo aos editores responsáveis
pelas antologias existentes. Herdeiros brigam entre si pela partilha,
resultando na proibição do uso de qualquer parte da obra literária.
O lamentável processo de desconstrução do nosso idioma atingiu níveis abaixo da crítica por uma série complexa de fatores. A precária capacitação dos professores, os baixos salários, o elevado preço de capa
dos livros, a valorização da civilização eletrônica e a destruição das
antologias escolares são elementos que não podem ser descartados.
Vamos insistir na análise do fim das antologias e os seus efeitos na
educação brasileira. A burocratização do acesso ao conhecimento,
que complicou a vida dos antologistas, desestimulou as editoras a
produzir essas obras. Como resultado, escritores contemporâneos
deixaram de ser quase referidos, em benefício daqueles que viveram
4
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 3-13, ago. 2011
há mais de 70 anos. Esses se encontram em domínio público, sem o
drama dos direitos autorais ou das licenças, em geral negadas pelos
detentores dessa riqueza cultural.
O acadêmico Lêdo Ivo escreveu uma crítica contundente sobre o
direito de imagem, no jornal O Globo, de 30 de janeiro de 2011. Vale
a pena acompanhar o raciocínio irado do grande sonetista: “A atual
legislação me proíbe de publicar as incontáveis fotos que possuo
de Manuel Bandeira. Proíbe-me de usar até mesmo aquelas em que
estou ao seu lado. Proíbe-me ainda de divulgar as cartas de Clarice
Lispector, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Lúcio
Cardoso ou qualquer outro integrante do meu universo afetivo. Pela
lei, elas não me pertencem, embora dirigidas a mim. Por 70 anos,
pertencem a parentes de quem as enviou. Caso ouse expô-las ao sol,
serei processado judicialmente.”
Em protesto contra o pagamento aos herdeiros, alguns dos quais chamados de “famélicos” ou “fominhas póstumos”, Lêdo Ivo pergunta:
“Fui amigo de Manuel Bandeira durante 30 anos. Ele era solteiro e
solitário. Não deixou nenhum descendente direto. Que herdeiros são
esses, que jamais o visitaram em sua solidão?”
O artigo termina deixando uma excelente ideia à presidente Dilma
Rousseff: “Incorpore a obra de Manuel Bandeira ao patrimônio
nacional. Assim ela poderá ser acessada de forma livre e democrática.” Talvez seja o melhor caminho para a abertura desses
ferrolhos literários.
Outro ponto que merece discussão é o que se refere às adaptações.
Se fossem proibidas, como a televisão poderia trabalhar em cima de
grandes autores da literatura brasileira, como já aconteceu com Érico
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 3-13, ago. 2011
5
Veríssimo, Machado de Assis, Rachel de Queiroz, Jorge Amado e
Dinah Silveira de Queiroz, para citar apenas alguns?
Rachel de Queiroz, ao vender os direitos de adaptação do seu grande clássico Memorial de Maria Moura, jamais supôs que o mesmo,
transposto para a televisão, pudesse ajudar a vender livros.
É comum uma telenovela alcançar a audiência de 30 milhões de
pessoas, como acontece com Insensato coração, de Gilberto Braga.
As adaptações acabam expandindo a circulação dos livros de
origem, em função do público imenso da televisão. Numa época
em que se questiona o abalo provocado pela inovação dos e-books,
a inteligente simbiose das mídias pode prolongar ad infinitum a
existência do livro impresso.
Em defesa das antologias escolares, recorro à experiência do acadêmico Evanildo Bechara. Com a ressalva de que “a seleção de adultos
nem sempre agrada às crianças”, o que é um outro problema, o ilustre
gramático e filólogo lembra as antologias que fizeram história na
vida brasileira: Antologia nacional, de Fausto Barreto e Carlos de Laet;
Nova antologia brasileira, de A. F. Sousa da Silveira e Seleta moderna, de
Otoniel Mota.
Duvido que haja alguém, da geração madura, que não tenha recorrido a esses tesouros para conhecer, mesmo que de forma ligeira, os
grandes nomes da nossa literatura. Muitas vezes, junto com a primeira
impressão, surgia a motivação pela obra propriamente dita – e aí o
fenômeno da leitura se completava.
No que se refere ao trato da língua portuguesa, a Academia Brasileira
de Letras sempre foi um centro de fundamental importância. Em
1897, quando a ABL começou a funcionar, iniciaram-se as discussões
6
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 3-13, ago. 2011
em torno de questões ortográficas, como a que foi suscitada por José
Veríssimo: se o nome Brasil deveria ser escrito com s ou com z. Foi
um período de grande fulgor das antologias escolares, o que fazia
sentido pela presença, em nossa cultura, de grandes filólogos, cuja
relação se estendeu no tempo. Podemos lembrar os nomes de João
Ribeiro, Mário de Alencar, Laudelino Freire, Amadeu Amaral, Heráclito Graça, Ramiz Galvão, Aurélio Buarque de Holanda (o Mestre
Aurélio), Celso Cunha, Antonio Houaiss e Barbosa Lima Sobrinho.
Como representantes legítimos dessa linhagem, temos hoje, na
ABL, os professores Evanildo Bechara, Domício Proença e Eduar­
do Portella, da Comissão de Lexicografia e Lexicologia da Casa
de Machado de Assis.
Uma grande discussão sobre direitos autorais, aguçada pela participação da internet e seus satélites, envolve vários setores da sociedade
atualmente. Há enorme complexidade no trato dessa questão, dados
os avanços científicos e tecnológicos. A discussão sobre antologias,
eletrônicas ou impressas, ganha assim uma dimensão universal.
Ampliar o índice de leitura em nosso País requer o máximo de esforço.
Na cruzada que se espera, no sentido da valorização do livro como
instrumento de cultura, facilitar o acesso às nossas grandes obras é
uma obrigação das autoridades. É preciso rever a legislação.
Grandes acadêmicos editaram livros que resistiram aos séculos, quando não havia qualquer restrição ao uso de trechos de obras de autores
brasileiros. Vejamos o trabalho de João Ribeiro, por exemplo, com
o seu Autores contemporâneos, livro adotado no então ginásio nacional
e nos exames preparatórios, elaborado em 1918 (12a edição), com o
aval da Livraria Francisco Alves. Reparem os cuidados do autor, que
inicia com uma advertência:
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 3-13, ago. 2011
7
“Quando pensei em organizar este livro, que nem de longe posso
dizer meu, avaliei desde logo as responsabilidades que se haviam
de lançar à minha conta... Pedi a um grande poeta, o Sr. Raimundo
Correa, o auxílio do seu bom-gosto para a seleção das poesias; ao
Sr. Mário de Alencar também pedi os conselhos da sua crítica isenta
de qualquer cor ou parcialidade; consultei depois os próprios autores,
o quanto me foi possível, acerca da qualidade e da quantidade dos
trechos escolhidos; e não recusei nenhuma advertência e nenhum
alvitre dos que me foram propostos.”
É interessante observar que a consulta formal era feita aos próprios
autores, sem que isso representasse um impedimento, como acontece
com a praga dos herdeiros, atualmente.
Aparentemente um trabalho fácil, de uma simples escolha, as antologias, na verdade, implicavam em inúmeros cuidados, envolvendo
várias questões éticas. Havia, ainda, uma particularidade essencial
na obra do autor da antologia: o zelo com a seleção de conteúdos
adequados, com textos que poderiam ser úteis nas salas de aula, onde
a característica maior era o “magister dixit”, que hoje concorre com a
presença de computadores dotados de recursos inimagináveis.
O acadêmico João Ribeiro chamava de “graçolas insípidas e inumeráveis” as críticas aos trabalhos desenvolvidos pelos antologistas,
no início do século passado, tomando como referência a ortografia
utilizada. Em geral, faziam uso das recomendações da Academia
Brasileira.
As anotações ortografadas tiveram apoio de um sistema mais fonético,
o que levou a certas contradições com a forma pela qual se expressavam os escritores da época. A simplificação ortográfica beneficiava a
difusão da instrução popular que animava o País naquele momento.
8
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 3-13, ago. 2011
Em 1925, Alberto de Oliveira lançou Céu, Terra e Mar, pela Livraria
Francisco Alves. Voltado para os amantes das boas letras, Oliveira
exerceu funções de educador quando mostrou que a sua antologia
não interessava somente à escola. E parece ter revivido, para focalizar algo que está presente em nossos dias: “Não se trata de formar
escritores, senão só de render à língua, e desde logo, o culto que ela
merece, de tomar um pouco mais a sério este estudo tão descurado
em nossos dias” (década de 1920, no século passado). Aproveita
para criticar o sistema antipático e sem sabor, defendendo novos
métodos, facilitando aos que aprendem ou tornando mais atraente
o seu estudo. O papel relevante das antologias escolares estimulou
o gosto pela leitura.
Nessa digressão, chegamos a Laudelino Freire, com o seu Clássicos
brasileiros, de 1923. Ele próprio temia que se falasse na “inutilidade
do livro”, mas se defendia com uma citação do doutor S. Jerônimo:
“Ninguém, por bem que escreva, se livra de censuras; porque, como
adverte o ínclito Crisóstomo, as coisas não se julgam pelo que são,
mas pelo afeto de quem as ajuíza: da mesma flor tira a vespa o amargoso, e a abelha o suave.”
Não restam dúvidas de que a atual lei dos direitos autorais, com 12
anos de existência, é prejudicial à educação brasileira. Os obstáculos
referentes à elaboração de antologias escolares cerceiam a liberdade
de criação dos nossos mestres.
O Brasil arrecada hoje algo em torno de 300 milhões de reais
anuais de direitos autorais. Para conhecer pormenores do anteprojeto da Lei do Direito Autoral, que se encontra em discussão
no Congresso Nacional, procuramos a orientação do especialista,
Dr. João Carlos Müller.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 3-13, ago. 2011
9
O direito do autor é uma garantia constitucional, como o direito à
vida, à honra etc. Mas as reclamações são inúmeras. O ECAD, órgão
pelo qual temos o maior respeito, não pode estar em todas as partes
do País, trabalhando com o sistema de amostragem. Além disso, a
inclusão digital cresce em progressão geométrica. A pirataria tornou-se uma fonte espetacular de faturamento, sobretudo na música e no
cinema, gerando embaraços diversificados.
Há divergências igualmente na compreensão dos direitos e deveres
das figuras públicas. Segundo o Dr. Müller, uma biografia não autorizada pode ser feita, desde que não ofenda a honra ou a dignidade do
retratado. Sempre existirão penas por injúria, calúnia ou difamação.
Toma-se como exemplo o caso da biografia de Garrincha, escrita por
Ruy Castro. A família protestou, mas os fatos citados pelo escritor,
como o comportamento sexual do atleta ou o excesso de bebida,
eram públicos. O que os herdeiros queriam, e conseguiram na Justiça,
era ganhar dinheiro.
O direito patrimonial da família é igual ao do falecido autor. Proíbe-se
qualquer tipo de cópia. No entanto, existe em todas as legislações do
mundo uma licença compulsória para obra completamente esgotada,
sob a alegação de uso para fins didáticos.
Entre nós, esse movimento está ganhando corpo, o que poderá revitalizar a existência das antologias escolares. A bola da vez é a internet. Ao contrário do que muitos pensam, a rede não é um território
livre, estando sujeita às mesmas leis que governam o mundo real.
Em alguns dispositivos, a legislação vigente prevê o uso de medidas
tecnológicas para prevenir a cópia indiscriminada ou a publicação
não autorizada, criando a figura de “por à disposição”. Mas ainda
existe muita confusão na interpretação dos meios legais, o que facilita
10
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 3-13, ago. 2011
o movimento dos sem-lei, responsáveis, hoje, pela quase destruição
da indústria fonográfica.
A nova lei – nº 5.988, de 1973 – considerou que o autor é titular
dos direitos morais e patrimoniais da sua obra intelectual. Daí em
diante, a interpretação que passou a vigorar valeu também para os
herdeiros das obras literárias, o que hoje é muito discutível pela notória comercialização que adveio. E pela pior das consequências: o
desestímulo à elaboração de antologias escolares, que antes haviam
prestado indiscutíveis serviços à educação brasileira. Para prejuízo dos
nossos esforços culturais, especialmente dos professores de Língua
Portuguesa, as antologias morreram de inanição.
Ao contrário dos herdeiros, que costumam ser complicados, os autores vivos, em muitos casos, cedem seus direitos sobre trechos de
obras para que sejam citados em livros didáticos. Isso constitui até
uma honra. Mas é um caso ou outro. As antologias foram condenadas à morte.
Há, porém, uma novidade na praça. Dois projetos de lei foram apresentados na Câmara dos Deputados, visando atender à liberação de
informações biográficas de pessoas públicas. Uma decisão favorável
do Congresso Nacional poderia, por similitude, reabrir a questão das
antologias escolares.
Os que consideram a lei vigente um resquício de Censura, que envergonha o País, têm toda a razão. O que não pode é existir mentira. Para
isso, sempre haverá recursos ao Judiciário. Homens públicos, sujeitos
de forma permanente ao noticiário de jornais, revistas e emissoras de
rádio e televisão, não têm como se esconder, principalmente agora,
com o advento da internet.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 3-13, ago. 2011
11
Dois pesos e duas medidas, o que contraria o princípio elementar do
Direito, é o caso do escritor Carlos Didier. Em uma bem-sucedida
parceria com João Máximo, Didier produziu uma belíssima biografia
de Noel Rosa. Ganhou um processo por danos morais, de autoria
de duas sobrinhas do grande compositor de Feitiço da Vila, por ter
mencionado os suicídios da avó e do pai de Noel, fatos divulgados
amplamente, inclusive em jornais da época.
O livro Estrela solitária: um brasileiro chamado Garrincha, escrito por Ruy
Castro, foi outra questão que rendeu farto noticiário. As filhas do
craque do Botafogo interpuseram uma ação para proibir a circulação
da obra, o que foi conseguido por 11 anos. Como foram contados
fatos notórios da vida do craque de pernas tortas, como a sua paixão
por mulheres e bebida, as filhas pediram 1 milhão de reais de indenização, como “reparo moral”. Depois de um intenso tiroteio pela
imprensa, a Companhia das Letras liquidou a questão, pagando 30 mil
reais a cada filha. Aí já se poderia dizer qualquer coisa de Garrincha.
O dinheiro salvou tudo, mas Ruy Castro se sente desestimulado a
enfrentar outra aventura semelhante.
Resistir à explosão de e-books é como remar contra a maré. No Brasil,
já temos 300 mil só de iPads e provavelmente mais 100 mil de outras tabuletas (tablets), provocando impacto no mercado de edições
eletrônicas.
A disputa entre Google e Apple pelo mercado de conteúdo digital,
que beneficia grandes editoras de livros, jornais e revistas, é a grande
discussão, hoje, no mundo desenvolvido. Assinaturas estão sendo
vendidas aos milhões, com preços cada vez mais atraentes. Essa
competição favorece as empresas que produzem conteúdo digital.
A perspectiva é ainda mais animadora para os que chegarem mais
12
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 3-13, ago. 2011
depressa às plataformas móveis. Ou seja, os computadores de mesa
podem estar com os seus dias contados.
O que está mais evidente, nisso tudo, é a valorização do conteúdo digital. Se for de qualidade, maiores as chances de conquistar o público.
Como relacionar esses fatos com a questão das antologias escolares?
Primeiro, com a convicção de que a mídia impressa ainda terá muitos
anos de vida – e nisso se inclui o livro no seu formato retangular habitual. Segundo, com a realização de trabalhos de altíssima qualidade
literária, o que é perfeitamente possível.
Alguém poderia argumentar que, em lugar dos tradicionais livros,
com as informações necessárias, bastaria clicar no Google e pedir as
biografias com as quais se trabalha em classe. Não é tão simples. Os
instrumentos eletrônicos constituem um hardware de primeira classe,
mas ainda não contêm softwares elogiáveis. Os dados são ligeiros, às
vezes incompletos. Na competição, ainda perdem para trabalhos que
são grifados por nomes do mais alto respeito acadêmico.
Eis uma das causas da luta para desanuviar as relações entre produtores e detentores de direitos autorais, sobretudo os herdeiros, para
facilitar o uso desse caminho inexorável. Com um pormenor que chama a atenção: no Brasil, com muitos computadores sendo instalados
em salas de aula, ou com a disponibilidade das milhares de lan-houses
espalhadas pelo nosso imenso território, ainda não chegamos a ter
metade da população com acesso aos benefícios da mídia eletrônica.
Precisamos ampliar o acesso aos livros, instrumento insuperável de
cultura, com bibliotecas em toda parte. É um árduo caminho, a ser
percorrido pela atual geração.
Palestra pronunciada em 5 de maio de 2011
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 3-13, ago. 2011
13
As relações comerciais
entre o Brasil e a Itália
Arnoldo Wald
Advogado, Professor Catedrático de Direito Civil da UERJ, Presidente do
Conselho da Academia Internacional de Direito e Economia, Doutor honoris
causa da Universidade de Paris II, Membro da Corte Internacional
de Arbitragem da CCI.
A
importância crescente da economia brasileira, cujo PIB se
aproxima do italiano, tem ensejado um acréscimo do comércio
entre os dois países e um aumento substancial dos investimentos que
realizam um no outro. Por muito tempo, coube ao Brasil tão somente
receber importantes capitais italianos e empresas, como a FIAT, a
Impregilo, a Pirelli, a TIM, Barilla Alimentare SPA e outras tantas
que deram importante contribuição ao desenvolvimento da economia
brasileira. Já nos últimos anos, começou a haver a bilateralidade e várias joint ventures foram realizadas, por empresas brasileiras e italianas,
para atuar na Europa e no resto do mundo.
Ocorre que, por mais estranho que possa parecer, recentemente foram criadas dificuldades para o bom funcionamento na Itália dessas
joint ventures, sob a descabida alegação de que se deveria aplicar o
princípio da reciprocidade e que existiriam restrições à atuação de
14
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 14-17, ago. 2011
administradores estrangeiros em subsidiárias de empresas italianas
sediadas no Brasil, o que não é verdade e jamais ocorreu. Algumas
decisões administrativas (italianas) aceitaram todavia tal entendimento.
Essas alegações, que evidentemente não têm qualquer fundamento
jurídico, decorrem da confusão que alguns juristas italianos fizeram
entre o Conselho de Administração da Sociedade e a sua diretoria,
aplicando aos conselheiros requisitos que tão somente são exigidos
dos diretores. Trata-se de entendimento que é pernicioso para as
relações comerciais entre os dois países, num momento em que as
economias emergentes adquirem mais importância. Acresce que, entre
as mesmas, certamente o Brasil é o País mais próximo da Itália, pela
sua cultura, pelas suas tradições e pelo seu regime jurídico.
Em primeiro lugar, a legislação italiana já não mantém o princípio da
reciprocidade, que constava do Codice Civile (Código Civil, italiano
de 1942), pois a matéria foi objeto de novas regras que trataram do
assunto, naquele país, em virtude do Decreto Legislativo nº 286/98.
Por outro lado, tanto no direito brasileiro quanto no italiano, os
estrangeiros gozam, em princípio, de todos os direitos civis que são
atribuídos aos nacionais, sem discriminação. Essa mesma norma se
aplica no direito empresarial.
Por outro lado, as condições estabelecidas, no direito brasileiro, para
o exercício do cargo de membro do Conselho de Administração se
aplicam igualmente a todos os profissionais e executivos, sejam eles
nacionais ou estrangeiros. Assim, os requisitos da legislação societária são gerais e não dependem de nacionalidade das pessoas que
vão exercer o cargo, não podendo estar sujeitos, pois, ao princípio
da reciprocidade. Acresce que a lei brasileira, quando trata do Conselho da Administração e da diretoria se refere ao domicílio e não à
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 14-17, ago. 2011
15
nacionalidade, exigindo dos diretores que sejam residentes no País
e dos membros do Conselho que, quando residentes no exterior,
possam ser citados no Brasil, tendo para tanto procurador com poderes específicos (artigos 146, § 2º da Lei nº 6.404 alterada pela Lei
nº 10.303 de 31.10.2001).
Não se trata, pois, de problema de regimes distintos entre nacionais
e estrangeiros, mas entre pessoas residentes ou não no País. É uma
consequência da adoção pelo Brasil do princípio geral do jus soli em
vez do jus sanguinis que, em geral, domina as legislações europeias.
A questão, se cinge, pois, a reconhecer preliminarmente que não está
mais em vigor o princípio da reciprocidade e que, mesmo se tivesse sido mantido, não se aplicaria em relação às normas que tratam
igualmente os estrangeiros e os nacionais.
Efetivamente, a reciprocidade condiciona tão somente a aplicação
de certas normas a uma determinada previsão do ordenamento
jurídico, que estabelece uma discriminação entre nacionais e estrangeiros. É evidente que as normas gerais de aplicação a todas
as pessoas que se encontram no território nacional não podem
ser afastadas sob a alegação do princípio da reciprocidade, para
aplicar a lei estrangeira aos estrangeiros. Aliás a Corte de cassação italiana já teve o ensejo de afirmar, por várias vezes, que a
reciprocidade deve examinar a questão do reconhecimento, pela
legislação de um terceiro país, de um direito igual ou similar ao
direito que um nacional daquele país tenciona exercer na Itália
e o fato de a legislação de tal país não ser discriminatória em
relação a estrangeiros.
16
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 14-17, ago. 2011
Mas mesmo se considerarmos vigente o princípio da reciprocidade
e aplicável ao caso, o que só se admite ad argumentandum, ainda
assim, os problemas recentemente suscitados por autoridades e
juristas italianos não têm qualquer base jurídica, pois decorrem
de uma confusão terminológica e do desconhecimento do direito comparado. Efetivamente, ocorre muitas vezes que institutos
com a mesma denominação, existentes em vários países, tenham
funções e regimes diferentes em cada um deles. É o que acontece
com o Conselho de Administração que, no direito brasileiro não
tem função executiva, embora alguns dos seus membros possam
exercê-la se forem simultaneamente diretores da empresa. Ora, se
os conselheiros não são obrigados a ter residência no Brasil, não
faz qualquer sentido exigir que, quando eleitos membros do Conselho de Administração numa empresa italiana, lhes seja exigido
que sejam domiciliados na Itália. É aliás o que bem salientaram
as autoridades brasileiras em manifestação recente que fizeram ao
Ministério das Relações Exteriores da Itália.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 14-17, ago. 2011
17
Petróleo – O deslocamento
do poder
Gilberto Paim
Jornalista
A
maciça transferência de recursos líquidos, dos países consumidores para os produtores de petróleo, sobretudo os membros
da OPEP, a partir de 1973, representou a mais radical alteração dos
termos de intercâmbio entre as partes de que se tem notícia na história da economia mundial. Salvo as duas grandes guerras mundiais
do século passado, poucos acontecimentos históricos produziram
repercussão internacional semelhante à dos dois choques do petróleo nos anos 1970. Não encontram paralelo na história da economia
industrial as alterações verificadas no relacionamento entre consumidores e fornecedores de matérias-primas. Nunca os exportadores
de bens primários alcançaram êxito tão retumbante e duradouro na
relação com os consumidores de seus produtos. Entre os fatos relevantes do acontecimento, ganha relevo a industrialização ascendente
nos países petrolíferos, antigas vítimas do colonialismo. Depois da
transferência de dinheiro, a montagem de indústrias é acompanhada
18
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 18-36, ago. 2011
da transferência de empregos dos países consumidores para os produtores de petróleo. Essa é uma das faces do fenômeno que simboliza
a profundidade da mudança.
Essa estrondosa vitória dos países exportadores de petróleo contrasta
com a fracassada tentativa brasileira de montar um monopólio do
café, a partir do Acordo de Taubaté, de 1906. O resultado foi o empobrecimento, representado pela queima de 80 milhões de sacas do
produto. Outro exemplo de monopólio fracassado foi o da borracha,
liquidado pelas plantações do sudeste asiático.
O efeito imediato da mudança, no caso do petróleo, foi o enriquecimento das oligarquias do Oriente Médio e da África do Norte,
figurando também nesse bloco a Indonésia e a Venezuela. Nos 10 ou
12 anos que se seguiram, os recursos disponíveis foram depositados
em bancos do Ocidente, produzindo os petrodólares, serviram para
comprar empresas ocidentais e foram em boa parte usados para o
consumo perdulário das oligarquias. Esse enriquecimento não afetou a essência do regime político absolutista, onde as relações entre
o trabalho e o capital mantiveram a característica do escravismo, a
que são submetidos os trabalhadores imigrantes. Há casos em que
os imigrantes formam a maioria da população, como em Bahrain.
Passaram-se os anos e no decênio de 1990 chegou o momento em que
os mestres e doutores, formados, principalmente, na Inglaterra e nos
Estados Unidos, assumiram o comando da economia e orientaram os
recursos para a industrialização e a modernização. Foram executados
grandes projetos de infraestrutura, ao lado da instalação de refinarias
de petróleo. Mas logo se abriu a perspectiva da petroquímica, voltada
para associações de capital com empresas do exterior, selecionadas
segundo a posse de tecnologias ultramodernas. É significativo o fato
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 18-36, ago. 2011
19
de que a Dow Chemical, a conhecida gigante americana, participa de
seis projetos industriais nos países do Golfo, onde agora se aplica a
última palavra da técnica. Outros ramos da indústria de transformação
foram objeto de fortes investimentos, como nas indústrias de cimento,
amônia, alumínio e metalurgia. No caso do alumínio, a associação
de capital estabelecida oferece o exemplo de participação do capital
estrangeiro, como veremos adiante.
Já se pode afirmar que houve mudança de 180 graus. Os elevadíssimos
saldos do comércio exterior, a implantação de indústrias altamente
competitivas, a criação de centros financeiros com irradiação para o
sul e sudeste da Ásia e a liderança da economia regional, exercida por
crescente camada de técnicos especializados no exterior, representa
o deslocamento do poder dos Estados Unidos e da Europa para os
países árabes exportadores de petróleo. Está efetivamente superado
o colonialismo anterior a 1973. Até 2015, os países do Golfo contribuirão com 20% da produção petroquímica mundial. Em todos
os países do Golfo não há reserva de mercado. De acordo com a
política de comércio exterior, a imposição da tarifa aduaneira igual a
zero demonstra a capacidade exportadora das empresas industriais,
que podem competir com as congêneres mais modernas do mundo.
A tarifa zero e a tecnologia de ponta representam a base da orientação
exportadora, o que significa que o Ocidente está perdendo empregos
e mercados para a nova região industrial.
Agora, sopram ventos novos, que trazem um intenso movimento pró-reformas. O amplo esforço em prol da diversificação da economia
não oculta as tensões políticas reinantes na Arábia Saudita, depois de
iniciada a onda de protestos populares que está varrendo os países
produtores de petróleo do Oriente Médio e África do Norte. Tropas
sauditas e do Catar foram enviadas à ilha principal de Bahrain, para
20
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 18-36, ago. 2011
sufocar protestos que ameaçavam explodir em rebelião. Na própria
Arábia Saudita houve, em algumas cidades do oeste, manifestações
em defesa de presos políticos. Mas o governo saudita afirma que não
vai tolerar protestos populares.
Enquanto em diferentes países da OPEP o viés estatizante e socialista recusava a ideia de forte associação com empresas estrangeiras,
a Arábia Saudita, cujo governo é favorável aos Estados Unidos, e
dispõe de uma camada de técnicos diplomados no estrangeiro, pôde
usar os seus contatos para facilmente formar joint ventures, não só na
área da petrroquímica, mas em outros ramos da indústria.
Dados recentes demonstram crescente interesse de investidores
estrangeiros pela economia saudita, somando US$ 204 bilhões o
estoque de capital estrangeiro existente no país, em 2010. Com uma
reserva cambial de US$ 468 bilhões a Arábia Saudita representa um
campo atraente para investimentos diretos externos, e sua riqueza
mineral, além do petróleo, de que é o maior exportador do mundo,
inclui minério de ferro, cobre, fosfatos, urânio, bauxita, carvão, tungstênio e zinco.
A exploração mineral é dirigida pela empresa estatal Maaden, que,
entre outras associações de capital com empresas do exterior, formou
uma joint venture com a Alcoa (Aluminium Company of America)
para implantar uma fábrica de alumínio, inteiramente integrada e
de primeira linha no País. A estatal saudita detém 60% do capital,
cabendo os 40% restantes à Alcoa e seus parceiros no empreendimento. A parcela estrangeira do empreendimento totalizará US$ 900
milhões. A empresa assim constituída produzirá alumínio primário,
alumina e produtos de alumínio, a um custo que será o mais baixo
do mundo e que terá acesso aos mercados em expansão da região
do Oriente Médio.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 18-36, ago. 2011
21
São numerosas as empresas formadas com variável participação de
capital estrangeiro. Sobre a empresa de alumínio declarou o Presidente
da Maaden, Abdallah Dabbagh, em linguajar de técnico:
“Sob todos os aspectos, a parceria nesta empresa integrada traz consigo um valor enorme, não só em termos de tecnologia, recursos e
experiência, mas em termos de compromisso comprovado com a
sustentabilidade.”
No que foi seguido pelo Presidente da Alcoa, Klaus Kleinfeld,
que afirmou:
“Essa joint venture é uma oportunidade ímpar para a Alcoa, para a
Maaden e para o reino da Arábia Saudita. Estamos criando um complexo de alumínio totalmente integrado, que será o mais avançado
do mundo em termos de tecnologia, sendo também o mais eficiente
em termos de custo.”
Mas o destaque principal é da petroquímica, cujos investimentos em
projetos modernos levam a uma produção saudita de 7,3 milhões de
toneladas de eteno, matéria-prima que dá origem a 80% dos subprodutos petroquímicos. O custo de produção da tonelada de eteno é de
US$ 250, em comparação com até US$ 1.000 nos Estados Unidos e
US$ 1.200 no Brasil.
O ensino superior na Arábia Saudita, nas ciências humanas, dura quatro anos, e de cinco a seis anos na engenharia, medicina e farmácia.
Existem 21 universidades públicas, nas seguintes cidades: Taibba,
Qassim e Taif.
As faculdades oferecem cursos de mestrado e doutorado, em várias
especializações científicas e humanas. Esse aspecto da modernização
22
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 18-36, ago. 2011
abrange diferentes serviços à comunidade. Algumas faculdades e
departamentos oferecem ensino a distância. Também existem faculdades particulares e faculdades comunitárias, filiadas às universidades
públicas. De acordo com dados do governo, de 2006, havia então
636.245 alunos matriculados no ensino superior, sendo 268.080
homens e 368.161 mulheres. A diferença entre os dois números, de
56% em favor das mulheres, representa um indicador de mudança
social em escala considerável. Durante a guerra do golfo, em 1990,
as mulheres sauditas se revelavam espantadas quando viam mulheres americanas no comando de pelotões. Hoje, elas estão cada vez
mais perto de semelhantes feitos. O exemplo de mulheres médicas,
superando preconceitos de origem remota, é apenas um dos indicadores das transformações determinadas pelo recente movimento
pró-modernização.
Com uma renda per capita de US$ 24,200, dado de 2010, e uma
população de 25.750.000 mil habitantes, a Arábia Saudita constitui
um mercado de consumo, que absorve por ano diferentes produtos
no valor de cerca de US$ 100 bilhões. É de 2.150.000 de km2 a extensão territorial do país e sua população inclui 10% de imigrantes.
A população economicamente ativa é de 7 milhões 337 mil pessoas.
A agricultura absorve 6,7% da força de trabalho; a indústria – 21,4%;
e os serviços – 71,9%. Em 2010, o desemprego chegou a 10,8%,
a dívida pública se limitou a 16,7% do produto interno bruto e os
preços ao consumidor subiram 5,7%.
Outro aspecto em que se revela a modernização está na irrigação,
com água do mar dessalinizada. Por esse meio a Arábia Saudita
tornou-se um grande produtor de trigo. São também importantes as
culturas de tâmara, tomate, melancia, cevada, uva, pepino, abóbora,
beringela, batata, cenoura e cebola. Muitos desses itens figuram na
pauta de exportação.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 18-36, ago. 2011
23
O fato de, numa população de 25,7 milhões, a força de trabalho representar apenas cerca de 30% do total revela desequilíbrios sociais
graves. A indústria de transformação, instalada em bases modernas,
com tecnologias de ponta, poupadoras de mão de obra, não tem
capacidade de absorver mais de um milhão e meio de trabalhadores,
enquanto a mão de obra nos serviços chega ao nível de países desenvolvidos. É provável que a Arábia Saudita tenha de refrear ou proibir
o ingresso de imigrantes, em busca de trabalho, gerando conflitos
com os países exportadores dessa mão de obra, a qual não desfruta
de todos os benefícios sociais, conferidos aos nativos.
Olhando em perspectiva, a partir de dados oficiais sobre os avanços
da educação, pode-se especular a respeito da possível implantação
do sistema democrático no Oriente Médio e na África do Norte, em
futuro não muito distante. Nos países do Golfo Pérsico, é gratuito
o ensino da pré-escola à pós-graduação, havendo copiosa oferta de
bolsas de estudo em universidades ocidentais. Em consequência é
crescente a camada de pessoas ilustradas, cuja formação é incompatível com o absolutismo oligárquico opressivo, que proíbe a existência
de partidos políticos.
A Arábia Saudita tinha uma universidade em 1957, em comparação
com 21, atualmente. Exemplo de avanço do sistema educacional é
dado pela recém-inaugurada Universidade de Ciência e Tecnologia,
cuja instalação custou um bilhão meio de dólares e cujo patrimônio
figura entre o das seis universidades mais ricas do mundo. Ali convivem alunos de ambos os sexos e as universitárias podem dirigir
carros e comparecer às aulas sem usar a capa conhecida como abaya.
Trata-se de uma demonstração da abertura de brechas no absolutismo que até agora sustenta as oligarquias e que está sendo contestado
em toda a região. Indício de que o movimento geral de contestação
24
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 18-36, ago. 2011
envolve aspirações democráticas são os manifestos de professores,
estudantes universitários e profissionais liberais pedindo liberdade
para todos os cidadãos e libertação de presos políticos. Por toda parte,
os governantes muçulmanos estão fazendo concessões de natureza
política, indicando que não mais se sentem seguros no atual sistema,
o qual suprime as liberdades e direitos inscritos nas constituições das
nações democráticas.
Depois dos protestos populares realizados desde 2009, a Anistia
Internacional tem denunciado centenas de prisões de manifestantes,
inclusive ativistas de direitos humanos e críticos pacíficos do governo,
além de prisioneiros de consciência. Têm sofrido restrições a liberdade
de expressão, de religião, de associação e de reunião, ao mesmo tempo
em que ocorrem as piores violências contra prisioneiros.
Abrimos aspas para reproduzir matéria de fonte insuspeita, a Cia
Factbook, a agência de inteligência do governo norte-ameriano:
“A Arábia Saudita é o país de destino de trabalhadores do sul e do
sudeste da Ásia, que são submetidos a condições tais que constituem
servidão involuntária. Os trabalhadores imigrantes sofrem castigos
físicos e as mulheres, trabalhadoras domésticas, abusos sexuais.
Ocorrem o não pagamento de salários, a reclusão e a retenção de
passaportes, como restrição aos movimentos dos imigrantes no
interior do país. As trabalhadoras domésticas são particularmente
vulneráveis, porque não podem sair da casa onde trabalham e assim
ficam impedidas de pedir ajuda. A Arábia Saudita é também o destino
de nigerianos, paquistaneses, afeganos, samálios e malaios. Crianças
sudanesas, sujeitas a traficantes, são forçadas a pedir esmolas e à
servidão como vendedoras na via pública. Há notícia de mulheres
nigerianas, levadas por traficantes, para a exploração como prostitutas.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 18-36, ago. 2011
25
A Arábia saudita não adota medidas, que representem o padrão
mínimo de combate ao tráfico de pessoas. E não faz esforços significativos nessa direção. O governo continua a não dispor de adequada
legislação contra traficantes e, a despeito da evidência de propagação
dos abusos nessa área, não há notícia de procedimentos criminais,
ou sentenças de prisão contra os crimes do tráfico, cometidos contra
trabalhadoras domésticas estrangeiras.”
Diante de denúncias feitas no Ocidente, o governo saudita enviou
delegação, pela primeira vez, ao Comitê da ONU que analisa relatórios sobre diferentes formas de discriminação contra a mulher no
país. Os direitos dos trabalhadores imigrantes têm sido violados de
forma extensiva e impune.
Diante das manifestações populares, que varrem o mundo árabe no
Oriente Médio, e que se estenderam ao Azerbaijão, na antiga Ásia
Soviética, a Arábia Saudita não ficou a salvo dos protestos do público.
O regime é extremamente rígido. Sob pressões internacionais, realizou
as primeiras eleições municipais somente em 2005. Informa-se que
houve fraudes, resultantes do absolutismo. Reconhecendo, em parte,
a legitimidade das reivindicações populares o rei Abdullah promoveu
uma reforma ministerial, em fevereiro de 2011, e anunciou um aumento nos benefícios sociais para a população, inclusive um aumento
de vencimentos em favor dos funcionários públicos e mais recursos
para a compra de moradia. Esse pacote, de US$ 36 bilhões, beneficia
particularmente os desempregados e os jovens.
Catar
A capital do Catar, Doha, tornou-se um nome conhecido em todo
o mundo, depois de sediar a célebre reunião da Organização
26
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 18-36, ago. 2011
Mundial do Comércio, de 2001. Mas, nos primeiros meses de 2011,
a importante rede de televisão Al-Jezira, patrocionada pelo governo,
ampliou essa popularidade por estar instalada nesse pequeno país do
Golfo Pérsico, também chamado de golfo Árabe pelos nascidos na
região. O canal de satélite da Al-Jezira, apoiado em eficiente agência
de notícias, tem sido considerado como a fonte de inspiração dos
movimentos populares que têm abalado os países do Oriente
Médio e da África do Norte.
Segundo o New York Times, “a noção de que existe uma luta comum
em todo o mundo árabe é algo que a Al-Jezira ajudou a criar”. Falando a esse jornal, o professor Marc Lucas, da cadeira de Estudos
do Oriente Médio na George Washington University, disse que a
rede “não provocou esses eventos, mas é quase impossível imaginar
tais acontecimentos sem a influência da Al-Jezira”. Criada em 2004,
a rede serve de fórum de debate pela Internet sobre as perspectivas
do Oriente Médio no contexto do mundo globalizado. Trata-se de
jornalismo livre, quando se trata de assuntos dos demais países, com
ênfase no noticiário sobre as nações árabes, mas sujeito a rígidos
limites quando são abordados assuntos internos do emirado.
Depois da Arábia Saudita, os países do Golfo são de pequena extensão
territorial, como é simbólica a posição do Catar, que ocupa apenas
11.521 km2 na península do Golfo Pérsico. A sua população, segundo
o Anuário Estatístico das Nações Unidas, era, em 2010, de 1.508.000
habitantes, distinguindo-se por um desequilíbrio estrutural único no
mundo. Essa população dividia-se em 1.137.000 homens e 370 mil
mulheres. A alta percentagem de imigrantes no país responde por
esse forte desequilíbrio entre os sexos. Os trabalhadores estrangeiros,
estimados em 637 mil, incluem paquistaneses, indianos, iraquianos,
afeganos e outros, que representam a parcela maior da população.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 18-36, ago. 2011
27
O pequeno país apresenta dados reais de progresso social, como a
esperança de vida de 75,6 anos, a mortalidade infantil de 8,2 por mil
nascidos vivos e a alfabetização de 93% da população.
A agricultura absorve apenas 1% da população economicamente ativa; a
indústria: 78,8% e os serviços apenas 21,1%, enquanto a economia, em
2009, registrou crescimento de 19,4%. Diante dos estímulos ao investimento estrangeiro em todos os setores da economia, com exceção de
petróleo e gás, continuam a surgir empreendimentos no setor industrial.
O petróleo e o gás representam mais de 50% do PIB, cerca de 85%
das exportações e 70% da receita pública do Catar. Considerando-se
o fato de que o setor agrícola é quase inexistente e de que a contribuição dos serviços para a formação do produto nacional é de
apenas 21%, verifica-se o grande desenvolvimento da indústria de
transformação. O valor da parcela industrial no PIB, de 78%, equivale
a pouco menos de 100 bilhões do produto total, que em 2010 atingiu
a cifra de US$ 126 bilhões. No setor industrial, os itens principais, ao
lado do petróleo e gás, são petroquímicos, amônia, fertilizantes, aço,
cimento e estaleiros de reparos de navios. O Catar se transformou
num importante centro financeiro, que tem ramificações externas,
em particular no sul e sudeste da Ásia.
As reservas provadas de petróleo, de 25 bilhões de barris, são suficientes para 57 anos, se mantidas as cifras atuais de produção e
consumo e se não houver descoberta de novas jazidas. As reservas
de gás natural do Catar excedem de 26 trilhões de metros cúbicos e
correspondem a 14% do total mundial.
No ano de 2022, o Catar será sede do campeonato mundial de futebol,
da FIFA, o que demonstra que o pequeno país do Golfo Pérsico terá
instalações capazes de abrigar o evento.
28
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 18-36, ago. 2011
Bahrain
Pressionado pelo receio de esgotamento de suas reservas petrolíferas,
o governo de Bahrain, arquipélago de 33 ilhas no Golfo Pérsico, tem
revelado empenho na diversificação da economia. A ilha principal tem
apenas 741 km2 e sua capital, Manama, que abriga 170 mil habitantes,
tornou-se importante centro financeiro e industrial, que tem em suas
proximidades cidades também dedicadas à manufatura.
Com uma população de cerca de 730 mil habitantes, Bahrain abriga
235 mil não nacionais, representando 37% do total, e enfrenta graves
problemas de meio ambiente, cujas causas têm diferentes origens:
períodos de seca, tempestades de areia, degradação na costa por
derramamento de óleo e outras descargas dos petroleiros. Reina a
preocupação com a degradação da área agricultável. A falta de fontes
de água potável, leva o arquipélago a depender da extração de águas
subterrâneas e de água do mar, dessalinizada.
Bahrain era um protetorado britânico, cuja independência foi proclamada em 1971. O Estado tem como chefe o rei Hamad Bin Isa Al-Khalifa, um dos homens mais ricos do mundo. O chefe do governo
é o primeiro-ministro Bin Salman Al-Khalifa, tendo como vices três
membros da família real. O gabinete é nomeado pelo rei. O ramo
legislativo compreende o Conselho Consultivo, composto de 40
membros, nomeados pelo rei, e do Conselho de Representantes, de
40 membros, eleitos para cumprir mandato de sete anos. São proibidos os partidos políticos. Por lei de 2005, foi admitida a formação
de sociedades políticas.
Os transportes e as telecomunicações são bastante desenvolvidos.
Bahrain é sede de numerosas empresas multinacionais, que operam
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 18-36, ago. 2011
29
na região do Golfo. Em 2009, havia em uso cerca de 1,6 milhão de
telefones celulares, para 730 mil habitantes, em comparação com
apenas 240 mil telefones fixos. A ilha principal possui três aeroportos
modernos. Não é novidade na área o importante papel que desempenham na economia do país as instalações de extração e refino de
petróleo, que respondem por 60% da receita cambial e por mais de
70% da receita pública. Em 2010, era a seguinte a composição do
PIB: agricultura: 0,5%; indústria: 56,6%; e os serviços: 42,9%.
Durante os últimos anos, a economia nacional tem recebido grande
impulso com a instalação de empresas petroquímicas. O alumínio é o
segundo item na pauta da exportação, depois do petróleo, enquanto
a produção de eletricidade depende cem por cento do uso do petróleo. Também ganham destaque a produção de aço, a pelotização de
minério de ferro, os fertilizantes, as empresas de seguros, a reparação
de navios e o turismo. A indústria têxtil, que dispõe de instalações
modernas, compete no comércio exterior com as congêneres de
outros países. Por sua vez, os setores financeiro e de construção têm
função relevante no país. No mundo árabe, Bahrain é conhecida pela
eficiência de seu sistema bancário, que hoje compete em escala internacional com a Malásia, transformada em centro financeiro mundial.
A ativa política de diversificação de sua economia tem por objetivo
reduzir a dependência do petróleo. Como parte desse esforço, o seu
governo assinou com os Estados Unidos um Acordo de Livre Comércio, o primeiro acordo desse tipo que os americanos concluem
com países do Golfo.
Os imigrantes da África e do sul e sudeste da Ásia, chegam a Bahrain
como operários ou empregadas domésticas e enfrentam condições de
servidão, em que há práticas de não pagamento de salários, retenção
30
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 18-36, ago. 2011
de passaportes, restrições aos movimentos, ameaças, castigos físicos
e abuso sexual. Existe tráfico de mulheres da Tailândia, Marrocos,
Europa Oriental e Ásia Central para a rede de prostituição de Bahrain.
Em 2007, o governo de Manama, a capital do país, pôs em vigor
uma lei que proíbe todas as formas de tráfico de pessoas, mas não há
informação oficial sobre processos judiciais envolvendo esse tipo de
crime, nem se tem notícia de condenação de acusados de participação
nessa rede, apesar do registro, em 2008, do número substancial de
pessoas submetidas à servidão ou ao tráfico para exploração sexual.
O desemprego, especialmente entre os jovens, e o esgotamento de
seus campos de petróleo e de águas subterrâneas constituem problemas econômicos de longo prazo. Bahrain sofreu os efeitos da crise
financeira de 2009. Mas com a recente alta dos preços do petróleo,
houve a recuperação. Nos primeiros meses de 2011, os protestos
populares assustaram os investidores e houve fuga de capitais.
Oman
Diante da redução progressiva das suas reservas de petróleo, o governo de Oman está vivamente empenhado na execução de um plano
de desenvolvimento, que tem por base a diversificação, a industrialização e a privatização. Tendo fixado o objetivo de, até 2020, reduzir
a 9% a contribuição do petróleo à formação do PIB, o governo
deposita esperança numa grande contribuição do turismo. A taxa de
investimento em capital fixo era de 26,3% em 2009, com tendência
a manter-se elevada.
Situado na entrada do Golfo Pérsico, o sultanato tem uma extensão
territorial de 212,4 mil km2, e uma população de três milhões de
habitantes, que inclui 377 mil não nacionais, os quais representam
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 18-36, ago. 2011
31
a baixa parcela de 13% do total. Os indicadores sociais revelam um
certo atraso em relação ao Catar e a Bahrain: a população cresce a mais
de 2% ao ano, a mortalidade infantil é de 12 óbitos por mil nascidos
vivos, a urbanização não ultrapassa 73%. Outro indício de atraso
social se encontra na pirâmide populacional, onde o grupo etário
de 0 a 14 anos representa a alta taxa de 31,2%, sendo de apenas 3%
o número de pessoas com mais de 65 anos. A parte alfabetizada da
população é de 81%, sendo de 86% de homens e 73% de mulheres.
A economia nacional baseia-se na produção e exportação de petróleo
e gás natural, produtos que respondem por 85% das exportações. O
país está convencido de que suas reservas de petróleo irão esgotar-se,
daí resulta o plano de diversificação econômica. Ultimamente, têm
sido aplicadas, com êxito, técnicas avançadas de recuperação da extração do óleo. Com isso, Oman ganha mais tempo para diversificar
a sua economia. A elevação dos preços do petróleo em 2010 trouxe
grande aumento dos recursos disponíveis para desenvolvimento.
No setor político, o sultão é o chefe de Estado e primeiro-ministro,
desde os primeiros anos do decênio de 1970, isto é, há quase 40 anos.
O Legislativo, bicameral, consiste na Câmara Alta, integrada por 71
membros, todos nomeados pelo monarca. A Câmara Baixa se compõe
de 84 membros, eleitos pelo voto popular, que têm apenas poderes
consultivos, com mandato de quatro anos. Não há partidos políticos.
A data nacional é o dia de nascimento do Sultão Qabus.
A onda de protestos populares, que começou a varrer os países do
Oriente Médio e da África do Norte, atingiu algumas cidades de
Oman, inclusive a capital, Muscat (Mascate), exigindo os manifestantes a libertação de presos políticos, oportunidades de emprego,
liberdade de imprensa e menor controle político. Houve também
32
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 18-36, ago. 2011
ali greves por melhores condições de existência da população de
baixa renda.
Em 2010, quando o PIB chegou a US$ 76 bilhões, a composição
do produto nacional, atribuía à agricultura apenas 1,4%; à indústria:
48,2%; e 50,3% aos serviços. O PIB per capita era de US$ 25,8 mil.
Com uma população economicamente ativa de 969 mil pessoas, a
arrecadação de impostos foi de US$ 20 bilhões, em 2009, quando
a dívida pública era de 4,4% do PIB. A PEA, de 969 mil pessoas,
representava menos de uma terça parte da população, contendo,
portanto, alta taxa de desemprego.
Emirados Árabes Unidos
A diversificação da economia parece ser a palavra de ordem de todos
os países do Golfo Pérsico. Essa onda abrange os Emirados Árabes
Unidos, cuja política de diversificação registra animadores êxitos, que
se refletem na diminuição da parte do petróleo na formação do seu
produto interno bruto. A parcela do petróleo e do gás no produto
está reduzida a 25%. Graças ao intenso desenvolvimento econômico,
dos últimos decênios, a área antes empobrecida se transformou num
Estado moderno, com elevado padrão de vida.
Programas do governo estão voltados para a expansão da infraestrutura e a criação de empregos, ao mesmo tempo em que os serviços
públicos são um setor aberto ao investimento privado. Em 2004,
o governo dos Emirados assinou com Washington um esboço de
acordo sobre comércio e investimento.
As Zonas de Livre Comércio, que existem nos Emirados, oferecem
aos investidores estrangeiros vários estímulos, inclusive zero de im-
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 18-36, ago. 2011
33
postos, o que representa um forte atrativo. Não há tarifa aduaneira
para barrar a entrada de similares estrangeiros. As empresas industriais
nascem com vocação exportadora, como ocorre nos demais países
do Golfo. O ingresso de investimentos contribuiu para atenuar os
efeitos da crise internacional de 2009, ao lado de medidas objetivas
em termos de aumento dos dispêndios oficiais e de apoio à liquidez
do sistema bancário.
O setor industrial está bastante diversificado, com destaque para a
produção de petróleo e petroquímicos, alumínio, cimento, fertilizantes, materiais de construção, tecidos, reparos navais e pequenos
estaleiros. A produção de petróleo chegou a cerca de 2,8 milhões de
barris diários. As reservas de gás natural são estimadas em 6 trilhões
de metros cúbicos.
Em 2010, o PIB chegou a US$ 239,7 bilhões, acusando crescimento de 2,6%, o que se considera como sinal de fim da crise. No
mesmo ano o produto per capita foi de US$ 40,2 mil e o PIB teve a
seguinte composição: agricultura – 0,9%; indústria – 51,5%; e os
serviços – 47,6%.
O Estado de S. Paulo, edição do dia 3 deste mês (abril de 2011), reproduziu nota do Departamento de Estatística dos Emirados Árabes,
informando que a população do país chegou a 8,2 milhões de habitantes, em junho de 2010. A informação foi também divulgada no
site Arabian Business. Dos mais de oito milhões de cidadãos, apenas
11,5%, ou 947.997, são nascidos no próprio país. A população imigrante soma 7.316.000, ou 88,5%. O período em que a população
acusou maior crescimento foi entre 2006 e 2008, quando passou de 6,2
para 8 milhões. De acordo com o citado Departamento de Estatística,
Abu Dhabi, a capital dos Emirados, concentra 400 mil nascidos no
34
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 18-36, ago. 2011
país, enquanto 168 mil se encontram em Dubai, cuja população é de
quase dois milhões de habitantes.
É precária, nos Emirados, a situação dos direitos humanos. Em
março, um grupo de intelectuais dos Emirados publicou na Internet
um manifesto, em que pedia eleições diretas e um parlamento com
poderes legislativos autênticos. O documento foi assinado por 133
pessoas, inclusive professores universitários, jornalistas e defensores
dos direitos humanos.
O texto, dirigido ao presidente da Federação dos Emirados Árabes,
afirma que “os rápidos acontecimentos regionais e internacionais
tornam necessário melhorar a participação popular”. O documento
faz pormenorizada referência à derrubada dos presidentes do Egito
e da Tunísia e às lutas dos rebeldes líbios contra Khadafi.
Kuwait
Para concluir, restaria fazer uma breve referência ao Kuwait, país de
17.800 km2, cuja invasão por tropas do Iraque deu origem à guerra do
Golfo de 1990-1991, vencida por uma coalizão ocidental. O pequeno
país registrou um dispêndio de US$ 5 bilhões para reparar os danos
causados pela guerra.
Ocorreu uma brecha no sistema político absolutista com as eleições,
em 2009, para a Assembleia Nacional, onde ocupam assentos quatro
mulheres, o que no mundo árabe representa um grande avanço.
O Kuwait segue o receituário dos demais países do Golfo no que diz
respeito ao desenvolvimento econômico, com ênfase na instalação
de empresas petroquímicas, de cimento e outras.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 18-36, ago. 2011
35
Em março passado, houve seguidos protestos populares quando os
manifestantes exigiram a queda do primeiro-ministro e maior liberdade política no país, que é o quarto maior produtor de petróleo do
mundo. Em 2009, a produção diária de petróleo era de 2,5 milhões
de barris. O teor político dos protestos se revelava nas palavras
de ordem: “o povo quer o fim da corrupção”, “fora Nasser”, o
primeiro-ministro.
Amparada em tecnologias modernas, a industrialização dos países
do Golfo reflete-se no Ocidente sob a forma da perda de empregos
e de mercados. Trata-se de um movimento irreversível, iniciado há
menos de 40 anos, o que ressalta o dinamismo dos acontecimentos
no setor do petróleo.
Palestra pronunciada em 24 de maio de 2011
36
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 18-36, ago. 2011
O Banco Central
do Brasil como executor
da política monetária
Antonio Chagas Meirelles
Economista
S
egundo o Banco de Pagamentos Internacionais (BIS), Banco
Central é a instituição de um país à qual se tenha confiado o dever
de regular o volume de dinheiro e de crédito da economia. O Banco
Central usa os seus instrumentos de política monetária – operações
de mercado aberto, redesconto e reservas compulsórias – para alterar a base monetária (papel moeda em poder do público e reservas
bancárias), o volume de crédito e a taxa de juros de curto prazo,
de tal maneira a atingir as principais metas da política monetária.
Atualmente a principal meta é a estabilidade do poder de compra da
moeda nacional, ou seja, a manutenção de uma taxa baixa e sustentável de inflação. Igualmente importante é a manutenção de um nível
de emprego elevado e crescimento econômico alto e sustentável, ou
seja, espera-se que a política monetária seja capaz de suavizar o ciclo
econômico e neutralizar os choques que possam ocorrer no curto
prazo. Além disso, a maior parte dos bancos centrais tem como mis-
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
37
são promover o desenvolvimento, a eficiência e a solidez do sistema
financeiro e administrar o sistema de pagamentos do país.
A história dos bancos centrais data do século XVII, quando foi criada
a primeira instituição reconhecida como tal: o Riksbank, fundado na
Suécia em 1668, como um banco comercial privado, encarregado de
administrar os recursos do governo sueco. Algumas décadas depois,
o Banco da Inglaterra, fundado em 1694, inicialmente como banco
privado, foi a primeira instituição a agrupar de forma mais clara as
funções de um banco central.
Os primeiros bancos centrais emitiam notas privadas que serviam
como moeda e geralmente possuíam o monopólio da emissão de
papel moeda do país.
O Banco da França foi criado por Napoleão em 1800, com o objetivo
de estabilizar o valor da moeda, após a hiperinflação provocada pela
Revolução Francesa.
Embora esses primeiros bancos participassem do processo de financiar os gastos governamentais, exercendo, portanto, a função
de banqueiro do governo, eles continuavam a ser instituições privadas, captando e emprestando recursos para o público em geral.
Essas instituições, pelo tamanho de suas reservas e pela sua rede de
correspondentes, passaram a acolher depósitos de outros bancos e
aos poucos foram se tornando banqueiro dos bancos, facilitando
transações interbancárias e prestando outros serviços financeiros. Os
bancos centrais foram também, paulatinamente, assumindo a função
de emprestador de último recurso em situações de crise financeira,
provocada por quebra de safra agrícola, falência de empresas de
transporte ferroviário etc.; eventos que muitas vezes provocavam a
38
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
corrida dos depositantes aos bancos para converter seus depósitos
em moeda.
Na Inglaterra, no começo do século XIX, o Banco da Inglaterra, em
situação de stress financeiro, procurava prioritariamente defender suas
reservas de ouro, deixando de atender os bancos correspondentes, o
que acabava por provocar pânico com corrida aos bancos para saque
de numerário.
Em 1857, em resposta às inúmeras críticas, o Banco da Inglaterra
resolveu assumir a “doutrina da responsabilidade” (responsibility doctrine), proposta pelo economista Walter Bagehot, que postulava que
o Banco deveria sobrepor o interesse público do sistema bancário
como um todo aos seus interesses privados.
Desde então, o Banco passou a atender outras instituições que precisassem de liquidez, descontando títulos de boa qualidade e a taxas
punitivas (acima das taxas de mercado), para evitar moral hazard.
O Banco aprendeu a lição e, nos 150 anos seguintes, até 2007, nenhuma crise financeira ocorreu na Inglaterra.1
O Banco Central do Brasil (BCB), autarquia federal integrante do
Sistema Financeiro Nacional, foi criado em 31/12/1964, com a
promulgação da Lei nº 4.595. O BCB foi criado com o objetivo de
assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda e um sistema
financeiro sólido e eficiente. O BCB é hoje uma instituição essencial
à estabilidade econômica e financeira, indispensável ao desenvolvimento sustentável e à melhor distribuição da renda no Brasil.
Grande parte do que se segue, em que se descreve como as funções
típicas de autoridade monetária eram conduzidas antes da criação
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
39
do BCB e como o BCB exerce as suas funções de executor da política monetária, foi transcrito do excelente manual preparado pelo
Banco Central, Diretoria de Política Econômica, para esclarecimento
do público e treinamento de seus funcionários: Funções do Banco
Central do Brasil – 2009.2
“O BCB, como um banco central clássico, tem as seguintes funções:
(a)monopólio de emissão;
(b)banqueiro do governo;
(c)banco dos bancos;
(d)supervisão do Sistema Financeiro;
(e) executor da política monetária; e
(f)executor da política cambial e depositário das reservas
internacionais.
A partir de 1945, antes do surgimento do BCB, as funções típicas
de autoridade monetária eram desempenhadas conjuntamente pela
Superintendência de Moeda e do Crédito (SUMOC), pelo Banco do
Brasil (BB) e pelo Tesouro Nacional.
O Tesouro Nacional era o órgão emissor do papel moeda. Já a Sumoc
foi criada com a finalidade de exercer o controle monetário e preparar
a organização de um banco central, tendo a responsabilidade de fixar
os percentuais de reservas obrigatórias dos bancos comerciais, as
taxas de redesconto e de assistência financeira de liquidez, e os juros
sobre depósitos bancários. Além disso, supervisionava a atuação dos
bancos comerciais, orientava a política cambial e representava o País
junto a organismos internacionais.
40
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
O BB, por sua vez, desempenhava as funções de banqueiro do
governo e banco dos bancos, mediante o controle das operações
de comércio exterior, o recebimento dos depósitos compulsórios
e voluntários dos bancos comerciais e a execução de operações de
câmbio em nome de empresas públicas e do Tesouro Nacional, de
acordo com as normas estabelecidas pela Sumoc.
Desde a promulgação da Lei n° 4.595, buscou-se dotar o BCB de instrumentos legais para o desempenho do papel de “banco dos bancos”.
Além disso, coube-lhe exercer o monopólio de emissão, nos termos do
artigo 164 da Constituição Federal e da Lei n° 4.595, que estabeleceu
competência privativa do BCB para emitir papel-moeda e moedas
metálicas e executar os serviços do meio circulante, a supervisão do
Sistema Financeiro Nacional (SFN) e executar as políticas monetária
e cambial. Essa mesma lei não definiu, no entanto, limites claros de
separação na relação entre o BCB, o BB e o Tesouro Nacional, o
que dificultava a atuação do BCB na condução da política monetária,
cabendo-lhe inclusive a responsabilidade por contas do orçamento
fiscal, como as relativas à dívida pública.
Em 1965, passou a funcionar a conta movimento do BB, que registrava as operações realizadas na condição de agente financeiro do
BCB. Essa conta passou gradativamente a ser utilizada como fonte
de suprimento automático do BB, permitindo, assim, a realização da
política de crédito oficial e outras operações do Governo Federal,
sem o prévio aprovisionamento de recursos.
Em 1985, com o objetivo de definir linhas mais claras de responsabilidade na atuação do BCB, foi promovido o reordenamento financeiro
governamental com a separação das contas e das funções do BCB,
BB e Tesouro Nacional.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
41
Em 1986 foi extinta a conta movimento e a transferência de recursos
do BCB ao BB passou a ser claramente identificada nos orçamentos
das duas instituições. Eliminaram-se, dessa forma, os suprimentos
automáticos que prejudicavam a atuação do BCB no controle monetário e contribuíam para acelerar o processo inflacionário.”3
Executor da política monetária
A função de executor da política monetária é a que define o sentido
mais amplo de um banco central e é aquela que, em última instância, engloba as demais. O Banco Central usa os seus instrumentos
clássicos de política monetária – operações de mercado aberto, redesconto, reservas compulsórias, além de outros menos ortodoxos
como os controles quantitativos e seletivos de crédito – para alterar
a base monetária (papel moeda em poder do público mais reservas
bancárias), o volume de crédito e a taxa de juros de curto prazo, de tal
maneira a influenciar as decisões de consumir, poupar e investir dos
agentes econômicos, permitindo a consecução das principais metas da
política monetária. Atualmente, a principal meta é a de preços estáveis,
ou seja, estabilidade do poder de compra da moeda nacional, o que,
como já vimos, significa a manutenção de uma taxa baixa e sustentável
de inflação. Igualmente importante é a manutenção de um nível de
emprego elevado e crescimento alto e sustentável, ou seja, espera-se
que a política monetária seja capaz de suavizar o ciclo econômico e
neutralizar os choques que possam ocorrer no curto prazo.
A política monetária influencia a evolução dos meios de pagamento
e controla o processo de criação de moeda e do crédito, mediante os
seguintes instrumentos de ação dos bancos centrais:
42
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
1) Clássicos:
(a) Reservas Compulsórias
(b) Redesconto
(c) Operações de Mercado Aberto
2) Heterodoxos: Controle quantitativo e seletivo de crédito.
Reservas compulsórias
O objetivo das reservas compulsórias é esterilizar parte dos recursos
captados pela instituição financeira, de forma a controlar a liquidez
agregada e reduzir a capacidade de criação de moeda pelas instituições financeiras. Ao realizar crédito em conta-corrente, a instituição
bancária cria meios de pagamentos que, ao serem utilizados pelo
tomador de crédito, geram depósito em outra instituição financeira,
que passa a dispor da capacidade de gerar novo crédito a outro cliente
e assim por diante.
A repetição desse mecanismo mostra a capacidade do setor bancário
de multiplicar a moeda. No intuito de reduzir essa capacidade, o BCB
exige que certa parcela dos depósitos à vista e de outras rubricas contábeis da rede bancária permaneça depositada na autoridade monetária.
O BCB está autorizado, pela Lei n° 7.730, de 31/01/1989, a instituir
recolhimento compulsório de até 100% sobre os depósitos à vista e
de até 60% de outros títulos contábeis das instituições financeiras.
Dentro desses limites, o BCB pode adotar percentagens diferenciadas
em função das regiões geoeconômicas, das prioridades que atribuir
às aplicações e da natureza das instituições financeiras.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
43
“O recolhimento compulsório sobre recursos à vista incide sobre os
depósitos à vista e sob aviso, e também sobre recursos transitórios
acolhidos pelos bancos, tais como cheques administrativos, recebimento
de tributos e assemelhados, recursos em trânsito de terceiros e recursos
oriundos de garantias realizadas.”
“Diferentemente de outros instrumentos de política monetária, a reserva
legal (compulsório) tem de ser cumprida obrigatoriamente. Em alguns
casos, parte do encaixe pode ser coberta com títulos governamentais.
Por afetar as posições dos bancos, este não é um instrumento flexível,
haja vista que mudanças bruscas nas taxas de reserva legal podem
provocar descasamento na estrutura temporal entre ativos e passivos
das instituições submetidas a esses recolhimentos.” 4
Redesconto
Existe uma distinção entre a atuação do BCB como executor da política
monetária e a função de prestamista de última instância. Quando faz
política monetária, o foco de sua atuação é o controle da liquidez do
sistema bancário com o objetivo de atuar sobre a taxa de juros. Quando
atua como prestamista de última instância, seu foco é resolver problemas
de liquidez de instituições específicas. Nesse último caso, o mercado
pode estar líquido e a instituição estar ilíquida ou insolvente, não conseguindo financiamento no interbancário e recorrendo ao redesconto
do BCB que, nesse caso, atua como emprestador de última instância.
Atualmente a regulação da liquidez do sistema bancário não se faz
com redesconto e sim com operações de mercado aberto (open-market)
que permitem maior flexibilidade na execução da política monetária.
“O acesso ao redesconto é restrito às instituições financeiras titulares
de conta reservas bancárias. As operações concedidas a exclusivo
44
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
critério do BCB, por solicitação da instituição interessada, são realizadas nas modalidades de compra com compromisso de revenda
e redesconto. O BCB concede recursos em geral mediante venda,
pela instituição tomadora do crédito, de títulos públicos no valor
correspondente à operação.
De acordo com a finalidade e os prazos, as operações podem ser:
a) Intradia: operações compromissadas com títulos públicos federais destinadas a atender necessidades de liquidez ao longo do dia.
A instituição, que necessita reservas e que possua títulos públicos
federais em sua conta de custódia no Selic, pode vendê-los ao BCB
com o compromisso de recomprá-los no mesmo dia da contratação,
ao mesmo valor da venda, até o fechamento do Sistema de Transferência de Reservas (STR) em tempo real. Trata-se de operações sem
custo financeiro para a instituição contratante e de curso automático.
O regulamento do redesconto permite que as operações intradia
pendentes de liquidação, ao término do horário de funcionamento
do STR, sejam convertidas automaticamente em operações de um
dia útil à taxa punitiva (taxa Selic + 6% a.a.), tendo por objeto os
mesmos títulos da concessão intradia.
b) De um dia útil: para atender o descasamento de curtíssimo prazo
no fluxo de caixa.
c) De até 15 dias úteis (podendo ser prorrogadas por até 45 dias)
na hipótese de descasamento de curto prazo no fluxo de caixa, não
caracterizado como problema de desequilíbrio estrutural. Dependem
de prévia autorização da diretoria de Política Monetária, com base
em fluxo de caixa diário da instituição interessada e na assinatura
prévia do contrato.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
45
d) De até 90 dias úteis (podendo ser recontratadas até 180 dias corridos) para viabilizar ajuste patrimonial da instituição financeira com
desequilíbrio estrutural. Dependem de contrato prévio e da aprovação
da Diretoria Colegiada do BCB. A instituição deverá apresentar pleito
fundamentado, acompanhado das necessidades de caixa projetadas
para o período de operação e programa de reestruturação, visando
a sua capitalização ou venda do controle acionário pelo acionista
controlador.
Na modalidade de compra com compromisso de revenda podem ser
utilizados os seguintes ativos: títulos públicos federais, outros títulos e
valores mobiliários, créditos e direitos creditórios, preferencialmente
com garantia real, e outros ativos. As operações intradia e de um dia
útil contemplam exclusivamente os títulos públicos federais.”5
Em um contexto de estabilidade do sistema financeiro predominam
as operações intradia, não havendo registro atualmente das outras
modalidades.
Operações do mercado aberto
As operações de mercado aberto apresentam grande flexibilidade,
agilidade e alcance para a regulação dos meios de pagamento, sendo de impacto imediato e direto sobre os agregados monetários, e
regulando simultaneamente a taxa de juros e a oferta monetária. É
o instrumento atualmente utilizado pela ampla maioria dos bancos
centrais para a execução da política monetária.
Esse tipo de operação se realiza mediante compra e venda de títulos governamentais de curto prazo, no mercado secundário, com
rendimentos competitivos. Ao comprar títulos públicos, o Banco
46
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
Central entrega moeda (depósitos) em troca de títulos do governo,
aumentando as reservas dos bancos, o crédito e a oferta monetária,
causando aumento dos preços dos títulos e queda na taxa de juros.
Em sentido oposto, quando o BCB vende títulos do governo, recolhe,
em contrapartida, a moeda do sistema bancário, diminuindo a liquidez
na economia, provocando queda dos preços dos títulos e incremento
dos seus rendimentos.
As intervenções (compra e venda de títulos) realizadas pelo BCB são
de dois tipos: operações compromissadas voltadas para ajustes de liquidez; e operações definitivas, voltadas para mudanças de tendências.
Nas operações compromissadas, o BCB toma (ou empresta) recursos
por um prazo definido, vendendo (ou comprando) títulos com o
compromisso de recomprá-los (ou revendê-los) em data combinada,
a um determinado preço. Nesse tipo de operação (leilão informal), o
BCB atua no mercado por meio de instituições dealers credenciadas
periodicamente pelo BCB.
Nas operações definitivas, o título incorpora-se à carteira da instituição compradora. A compra ou venda definitiva dá-se por meio
de leilões informais, restritos aos dealers, ou leilões formais (ofertas
públicas) dos quais podem participar todas as instituições financeiras
com conta na Selic.6
Apenas títulos do Tesouro Nacional em circulação no mercado podem ser
utilizados para fins de operação de mercado aberto. O BCB pode comprar
títulos diretamente do Tesouro Nacional apenas quando a compra se
destina ao refinanciamento de dívida mobiliária vincenda de sua carteira.
“O ajuste diário de liquidez é realizado por meio das operações compromissadas. O processo pode ser descrito, sinteticamente, da seguinte
forma: antes de o mercado começar a operar, o BCB estima se há excesso
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
47
de reservas no sistema bancário ou deficiência de reservas. Esta estimativa
é obtida por meio de consultas a diversas fontes, referentes a operações
que afetam as reservas bancárias. Por exemplo, se o Tesouro Nacional
realiza despesas, ou se o BCB liquida operações de compra de moeda
estrangeira (liquidadas mediante crédito em moeda nacional em favor da
instituição vendedora), é necessário compensar a expansão do nível de
reservas bancárias, tomando os recursos excedentes. Essa operação se
materializa pela venda de títulos que são recomprados em data posterior.
Da mesma forma, quando ocorre escassez de reservas, causada por
recolhimentos significativos de impostos federais ou por conta de
liquidação da venda de câmbio pelo BCB, a mesa de operações realiza
transações de compra de títulos que são revendidos em data posterior.
Considerando, portanto, a estimativa quanto a excessos ou defi­
ciências de reservas, bem como a meta para a taxa Selic estabelecida
pelo Copom,7 realizam-se as intervenções no mercado aberto com o
objetivo de manter a taxa Selic efetiva próxima da meta.”8
Controle quantitativo de crédito
Em determinadas situações em que as autoridades monetárias necessitem afetar prontamente o volume de crédito concedido pelo
setor bancário visando conter o dispêndio global da economia,
políticas que objetivem impactar a base monetária para alterar o
crédito bancário podem ser insuficientes.
48
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
O controle quantitativo de crédito9 foi usado diversas vezes no passado como uma medida complementar aos instrumentos clássicos
de política monetária ou como uma alternativa ao seu uso.
Na Inglaterra, em 1959, o “Relatório Radcliffe” já apresentava argumentos para o controle quantitativo do volume de crédito naquele país.
O Relatório Radcliffe10 e outros estudos (já na década de 1970) destacam três vantagens do contingenciamento de crédito em relação
a métodos indiretos de controle da base monetária. “Em primeiro
lugar, o controle quantitativo representa instrumento de política
adicional, reforçando tendências induzidas por instrumentos tradicionais de política monetária. Em segundo lugar, tem a vantagem na
rapidez na implementação e na obtenção de resultados. Evitando-se
a defasagem observada quando do uso de instrumentos que afetam
a base monetária, diminui-se o horizonte temporal sobre o qual as
autoridades monetárias devam fazer previsões corretas, o que num
mundo de incertezas é uma vantagem apreciável. Finalmente, o controle direto tem maior precisão do que instrumentos de ação indireta
que têm maior margem de erro, seja quanto à ordem de magnitude,
seja quanto ao tempo de efetivação do comportamento esperado.
Esta vantagem é particularmente importante quando um país assume
compromissos de metas quantitativas com organismos como o FMI,
como foi o caso do Brasil no passado.”11
Ao longo das décadas de 1960 e 1970, em diversas ocasiões, as autoridades monetárias brasileiras criaram restrições para determinadas
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
49
categorias de crédito e particularmente para o crédito ao consumidor
(redução de prazos mínimos de financiamento e do valor financiado).
Adotaram-se também diversas medidas que afetavam a composição
das aplicações dos bancos comerciais, buscando orientar uma parcela
daquelas para setores específicos, notadamente para a agricultura, bem
como as taxas de juros cobradas sobre determinados empréstimos.
Dado o volume global de aplicações possível para o conjunto dos
bancos comerciais, a obrigatoriedade de certas aplicações reduzia os
recursos disponíveis para as demais e, em particular, para aquelas
sobre as quais incidiam juros livres.
No entanto, somente a partir de abril de 1980, foram estabelecidos
“tetos” para o crescimento das aplicações dos bancos comerciais,
dos bancos de investimento e de financeiras (SCFI). Os tetos para
o crescimento das aplicações dos bancos comerciais e dos bancos
de investimento foram mantidos até junho de 1983, quando foram
eliminados pelo CMN.
Em 1979, os meios de pagamento (M1) cresciam à taxa de 73%, um
pouco inferior à taxa do IGP, de 77%. O crédito das instituições
financeiras, como um todo, apresentava uma expansão de 60%. Os
percentuais acima dramatizam a dificuldade por parte das autoridades
monetárias para controlar a expansão da moeda e do crédito em face
de uma inflação crescente.
Em dezembro de 1979, o cruzeiro foi desvalorizado em 30% em
relação ao dólar. Com o objetivo de evitar a formação de expectativa
inflacionária, o governo adotou, no início de 1980, diversas medidas:
prefixou para o ano todo a correção monetária em 45%, a variação
cambial em 40% e a expansão dos meios de pagamento em 50%.
50
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
Em abril, em face da inflação em 12 meses ter atingido 83%, a Resolução 605 do BCB, de 02/04/1980, limitou em 45% o crescimento
das aplicações, no exercício de 1980, dos bancos comerciais, dos
bancos de investimento e das SCFI. Excetuaram-se daquela limitação
as operações de repasse de recursos externos através da Resolução
63, com o objetivo de incentivar a captação de recursos externos para
equilibrar o balanço de pagamentos. Também não foram incluídos
no teto de 45% os empréstimos aos setores agrícola e exportador,
bem como aqueles decorrentes de repasses do Banco Central, BNH,
BNDE e Finame, que representavam parcela importante do total das
aplicações das instituições submetidas a controle.
A Resolução 605 obrigava os bancos comerciais, de investimento
e financeiras a comprarem títulos do Tesouro com os recursos que
excedessem o teto de 45%, o que viria a facilitar a colocação desses
papéis na carteira dos bancos. O IOF foi aumentado de 0,2% para
0,6% ao mês. Em 25/06/1980, a Resolução 623 elevou de 50% para
60% do valor global das operações de crédito o percentual mínimo
a ser obrigatoriamente direcionado a pessoas físicas brasileiras e a
empresas controladas por capitais privados nacionais pelos bancos
comerciais, de investimento, financeiras e companhias de leasing.
Assim, ao controle quantitativo do crédito bancário adicionava-se o controle seletivo, visando favorecer o acesso ao crédito por parte de empresas
privadas nacionais em detrimento de empresas públicas e estrangeiras.
Em setembro de 1981, o controle quantitativo do crédito estendeu-se
às sociedades de arrendamento mercantil (leasing), cujas aplicações até o
final de 1981 foram limitadas em 16,5% pela Resolução 705 (18/09/81).
Em dezembro, a Resolução 711 estabeleceu restrições e penalidades
aos bancos comerciais que excedessem o percentual máximo de
crescimento fixado para suas aplicações.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
51
O controle quantitativo que se estendeu pelos anos de 1980, 1981 e
1982 conseguiu êxito apenas por breves períodos, como em 1981,
quando ocorreu uma significativa contração real dos meios de pagamento, recuo da taxa anual de inflação e uma queda do PIB de 3,5%.
No restante do período, distorções, vazamentos e um crescente emaranhado de regulamentos impediram o cumprimento dos objetivos
de controle do crédito, da demanda agregada e dos preços que, no
início de 1983, já atingiam a taxa de 120% a.a.
Diante deste quadro, em 09/06/83, a Resolução 835 do CMN extinguiu o controle quantitativo à que estavam sujeitas as instituições
financeiras. Corrêa do Lago, na conclusão de seu excelente trabalho12
já citado anteriormente, destaca:
“No entanto, ao tentar alcançar os objetivos de conter o dispêndio
global e atenuar pressões inflacionárias através do controle de crédito, as autoridades econômicas podem, ao mesmo tempo, criar várias
distorções na economia. O controle é tanto mais eficaz quanto mais
abrangente for a sua aplicação. Se este tiver apenas natureza parcial,
como foi notadamente o caso do Brasil no período 1980/1983, os
agentes econômicos sofrem uma interferência temporária nos seus
canais costumeiros de financiamento, mas tentam readaptar-se o mais
brevemente possível, voltando-se para fontes alternativas de recursos.
Na presença de controles creditícios, verificou-se, por exemplo,
um forte aumento da emissão de títulos pelas empresas, principalmente de debêntures.
Por outro lado, a ausência de controle rígido sobre empréstimos
com base em recursos oriundos do exterior também permitiu
contornar ‘tetos’ de expansão de empréstimos. Ou seja, existindo
52
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
certa ‘substituibilidade’ entre fontes alternativas de financiamento,
controles creditícios impostos apenas parcialmente não impedem
necessariamente uma forte expansão global dos empréstimos.
Adicionalmente, se determinados setores de atividade (ou regiões)
recebem tratamento preferencial, a presença de controles pode
exacerbar a discriminação já existente na ausência desses controles.
Quanto mais longo o período de vigência do controle quantitativo,
maior a tendência para o agravamento de distorções e para a busca
de fontes alternativas de financiamento que tendem a enfraquecer
aquele instrumento. Uma conclusão de caráter geral, que também
é comprovada pela experiência de outros países em que vigoraram
tetos de expansão do crédito, parece ser que a eficiência do controle
quantitativo do crédito depende de sua abrangência e pode ser maior
no curto ou médio prazos do que no longo prazo. Aplicados sobre as
várias instituições do sistema financeiro e não apenas sobre os bancos,
os ‘tetos’ de expansão de empréstimos podem ser um importante
fator de contenção de despesas na economia, especialmente quando
utilizados conjuntamente com uma política monetária restritiva, durante um período de tempo suficientemente curto para impedir uma
‘readaptação’ por parte de vários agentes econômicos.”
O regime de metas para inflação
Desde 01/07/1999, a política monetária do BCB é conduzida sob
o regime de metas para inflação. Esse regime é caracterizado pelo
comprometimento do BCB de atuar de forma que a inflação observada esteja em linha com uma meta preestabelecida pelo CMN e
anunciada publicamente.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
53
O regime de metas de inflação (Inflation Targeting – IT) não tem
uma definição única. Formalmente ele deve ter cinco componentes:
1) O anúncio público de uma meta quantitativa, de médio prazo, para
a taxa de inflação.
2) O comprometimento institucional em torno da estabilidade de
preços como o principal objetivo da política monetária ao qual todos
os outros objetivos estão subordinados.
3) Um sistema de informações abrangente baseado em diversas variá­
veis econômicas, e não apenas nos agregados monetários e taxa de
câmbio, para melhor definir a utilização dos instrumentos de política.
4) A maior transparência possível na informação ao público e ao mercado sobre os planos, objetivos e decisões da autoridade monetária.
5) Prestação de contas, no seu sentido mais amplo (accountability), por
parte do Banco Central, ou seja, verificar se a meta que se pretendia
foi alcançada e, caso não tenha sido, por que não foi e o que se pretende fazer para alcançá-la.
De acordo com o FMI, duas características básicas distinguem o IT
dos outros regimes de condução da política monetária:
a) O Banco Central assume o compromisso formal de perseguir um
valor numérico específico ou um intervalo de variação para a taxa
anual de inflação. A escolha de um único índice de preços como meta
de inflação destaca a prioridade dada à estabilidade de preços e o valor
numérico fixado serve para identificar para os agentes econômicos
o que a autoridade monetária entende por estabilidade de preços.
b) A projeção da inflação para um período futuro é, na realidade,
a meta intermediária da política monetária. Por isso, a política de
54
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
fixar metas de inflação é muitas vezes conhecida como a política
de projeção de metas de inflação. Como no curto prazo a inflação já
está parcialmente determinada pelos contratos em vigor de preços e
salários e/ou indexação a uma inflação passada, a política monetária
só pode influenciar a inflação futura. Ao alterar os agregados monetários, com base em novas informações, o Banco Central influencia a
expectativa de inflação de tal maneira a, através do tempo, aproximá-la
da meta fixada.
O regime de metas de inflação (IT) acaba de completar 20 anos. A
Nova Zelândia, em 1990, foi o primeiro país a adotar o novo sistema
de condução da política monetária. Hoje já são 26 países, metade
deles economias emergentes ou de baixa renda.13 Interessante estudo,
publicado em março/2010 na revista Finance & Development do FMI,14
faz uma análise comparativa da inflação e do crescimento econômico em países que adotaram a IT vis-à-vis países que adotam outros
regimes. Entre os períodos 1991-2000 e 2001-2009, os dois grupos
de países apresentaram crescimento econômico e queda da taxa de
inflação, no entanto os dois índices apresentaram melhor resultado
nos países que adotaram o IT.
A volatilidade dos preços e da taxa de crescimento, entre os dois
períodos, também foi menor para os países que adotaram o sistema
de metas de inflação.
O Brasil adotou formalmente o regime de metas de inflação como
o seu novo arcabouço de política monetária com a publicação, em
01/07/99, do Decreto n° 3.088, de 21/06/1999. As principais medidas listadas no Decreto eram as seguintes:
1) As metas de inflação bem como o seu intervalo de segurança
(banda) serão definidos pelo CMN.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
55
2) As metas de inflação serão estabelecidas pelo CMN com base em
um índice de preços amplamente conhecido. O índice adotado foi o
IPCA, publicado pelo IBGE.
3) Ao Banco Central será dada a responsabilidade de implementar as
ações necessárias para que a meta seja atendida.
4) As metas de inflação para os anos 1999, 2000 e 2001 serão fixadas
em 30/6/1999; para o ano 2002 e, para os anos subsequentes, as
metas devem ser fixadas em 30 de junho para os dois anos seguintes.
5) As metas serão preenchidas sempre que a inflação acumulada
no período janeiro-dezembro de cada ano se mantenha dentro de
intervalo de segurança.
6) No caso de não cumprimento das metas fixadas pelo CMN, isto
é, quando a inflação rompe, acima ou abaixo, os limites do intervalo
de tolerância em torno da meta central, as razões para o descumprimento, bem como as providências tomadas para que a trajetória da
inflação convirja para meta estabelecida e o prazo no qual se espera
que as providências produzam efeito, deverão ser explicitadas pelo
Presidente do BCB em Carta Aberta ao Ministro da Fazenda.
7) O Banco Central deverá publicar trimestralmente um Relatório
de Inflação com detalhadas informações sobre o comportamento do
IPCA, a influência da ação da política monetária sobre o índice e as
expectativas do mercado em relação à inflação futura.
O Comitê de Política Monetária – COPOM é o órgão decisório da
política monetária do BCB, responsável pelo cumprimento das metas
de inflação fixadas pelo CMN. O Comitê é composto pela Diretoria
Colegiada do BC: Presidente e Diretores.
56
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
O Copom se reúne oito vezes por ano, durante dois dias, para definir
a taxa de juros Selic que deverá prevalecer até a reunião seguinte. A
maior parte dos bancos centrais utiliza uma taxa de juros de curto
prazo como instrumento principal de política. O regime brasileiro
de metas para inflação utiliza a taxa Selic como instrumento básico
da política monetária.
A taxa Selic é a taxa de juros média que incide sobre os financiamentos diários com prazo de um dia útil (overnight), lastreados em títulos
públicos federais registrados no Sistema de Liquidação e Custódia
– Selic, ou seja, é a taxa de juros que equilibra o mercado de reservas
bancárias.
Em sua reunião de março de 1999, antes da implantação do regime de
metas, o Copom já antecipava as diretrizes da nova política monetária:
– manter a estabilidade de preços é o principal objetivo do
Banco Central;
– em um sistema de taxas flexíveis de câmbio, a estabilidade de
preços é o resultado da soma da austeridade fiscal com a austeridade monetária;
– como no curto prazo a política fiscal é um dado, todo o esforço de
controle da pressão inflacionária deve ser exercido pela taxa de juros.
Desde a adoção do regime de metas, a inflação observada ultrapassou
o intervalo de tolerância em 2001, 2002 e 2003. Em 2004, 2005, 2008
e 2010, o IPCA ficou acima do centro da meta, mas dentro do limite
superior do intervalo de tolerância, tendo ficado abaixo do centro
da meta em 2006, 2007 e 2009. Em 2001, 2002 e 2003, o Presidente
do BC enviou Carta Aberta ao Ministro da Fazenda com a descrição
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
57
e análise das causas que induziram ao não atendimento da meta e
as providências que seriam tomadas para que a trajetória da inflação
convergisse para a meta estabelecida.
A execução da política monetária foi sensivelmente aperfeiçoada com
a consolidação, nos últimos 12 anos, do Regime de Metas de Inflação
(IT): a definição de estabilidade de preços como meta prioritária da
política monetária; a escolha da taxa Selic como principal instrumento de política monetária; a implantação de um eficiente sistema de
acompanhamento das principais variáveis econômicas de tal maneira
a antecipar mudanças de rumo e/ou choques exógenos que possam
desviar a taxa de inflação da meta prevista; a formalidade, a transparência e a regularidade nas informações transmitidas aos agentes
econômicos que proporcionam, como retorno, uma melhor aferição
das expectativas do mercado.
Os agentes econômicos já se acostumaram a ouvir a “fala” do BC
expressa nas Atas das oito reuniões anuais do Copom e no relatório
de Inflação Trimestral. Na medida em que o BC anuncia sua estratégia de política monetária e comunica a sua avaliação das condições
econômicas, os mercados têm melhores condições de compreender
o padrão de respostas da política monetária aos rumos da economia
e aos choques eventuais. Os movimentos de política monetária passam a ser mais previsíveis e as expectativas de inflação podem ser
formadas com mais eficiência e precisão.
À medida que o regime de metas ganha credibilidade, os reajustes de
preços tendem a tangenciar a meta prefixada.
O BC, por outro lado, “ouve” através do Boletim Focus as previsões
semanais do mercado sobre o comportamento da inflação, da taxa
58
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
de juros e de outras variáveis macroeconômicas para o final do
ano em curso e do ano seguinte.
Taxa de juros versus reservas compulsórias
A taxa de juros é a principal variável pela qual a política monetária
afeta a inflação e o crescimento econômico.
Os canais de transmissão da política monetária via taxa de juros
são amplos.
Variações na taxa de juros impactam a decisão de gastar ou poupar
das pessoas, ou seja, se vão consumir hoje ou adiar para o futuro os
seus gastos.
A taxa de juros influencia a produção e, por conseguinte, a atividade
econômica, através do custo financeiro da compra de máquinas e
equipamentos, aumentando ou diminuindo a propensão a investir
das empresas.
O nível de investimento também é afetado por variações na taxa de
juros por intermédio de outras vias de transmissão: variações nos
preços dos ativos, expectativas e no crédito bancário.
Variação na taxa de juros provoca alteração de portfólio entre ativos de baixo risco (renda fixa) e ativos de maior volatilidade e risco
(ações), o que afeta o processo de capitalização das empresas. Alteração no preço das ações pode, portanto, estimular ou desestimular
a propensão a investir.
O efeito-preço da taxa de juros sobre os ativos também influencia o
consumo. Como a riqueza pessoal é distribuída entre imóveis, títulos
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
59
de renda fixa, ações etc., variações na taxa de juros que afetem esses
preços atingem a economia através do consumo.
A taxa de câmbio é outro importante preço que sofre influência da
taxa de juros. Uma taxa de juros mais alta torna os títulos em moeda
local mais atraentes que aqueles denominados em outras moedas,
estimulando o fluxo de recursos externos e valorizando a taxa de
câmbio. As exportações caem e as importações aumentam, afetando
a demanda agregada. O preço dos produtos importados cede, estabelecendo um canal de transmissão direto entre taxa de juros e inflação.
Como já abordamos anteriormente, na análise do Regime de Metas
de Inflação, a taxa de juros também afeta a economia através das
expectativas. Na medida em que os agentes econômicos tenham
familiaridade com a política monetária, eles antecipam os impactos
de variações na taxa e rapidamente ajustam as suas decisões de consumo, de investimento e preços em função das medidas anunciadas.
Outro importantíssimo canal de transmissão da taxa de juros é o
crédito bancário. Ao elevar a taxa de juros, a autoridade monetária
afeta a disponibilidade de recursos do sistema bancário através de
operações de open-market, influenciando a oferta de crédito, consumo e investimento. Por intermédio do canal de crédito bancário, os
efeitos de variações nos juros potencializam aqueles resultantes do
canal de transmissão de variações nas reservas compulsórias, exigência
adicional de capital, controle quantitativo etc., aumentando o efeito
contracionista sobre a procura agregada.
Os depósitos compulsórios mantidos pelos bancos comerciais no BC
guardam relação inversa com a capacidade do sistema bancário de
expandir o crédito. A reserva legal esteriliza parte dos recursos que,
60
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
de outra maneira, seriam utilizados pelas instituições bancárias para
realizar empréstimos ou investimentos.
Ao aumentar o encaixe compulsório, o BC reduz a capacidade potencial dos bancos para expandir o crédito.
O canal de transmissão do compulsório, sobre a atividade econômica
e a inflação, é mais restrito do que o da taxa de juros, pois depende de
algumas condições de mercado, como liquidez e grau de substituição
entre ativos. Empréstimos bancários e títulos do governo não devem
ser substitutos perfeitos, ou seja, o banco não pode responder ao
aumento de suas reservas compulsórias simplesmente se desfazendo
de títulos governamentais e mantendo o mesmo volume e condições
de crédito. Se o sistema bancário apresentar elevada liquidez – que
deve estar aplicada em título de curto prazo do governo –, o impacto
do compulsório no crédito e na atividade econômica deve ser menor.
Os bancos reduzem a sua carteira de títulos públicos e aumentam as
suas reservas sem alterar os seus empréstimos.
As empresas não devem poder compensar, sem custos, a redução
do crédito bancário através da emissão de debêntures. Portanto, o
aumento do compulsório tende a impactar com maior intensidade
empresas de pequeno e médio porte, que possuem limitada capacidade
de se financiarem fora do sistema bancário.
O alcance do impacto da elevação das reservas bancárias sobre o
crescimento econômico é de difícil quantificação, pois depende do
nível de liquidez do sistema bancário e do grau de substituição entre
ativos, ou seja, ele depende da capacidade das empresas de se financiarem fora do sistema bancário.
As medidas macroprudenciais prejudicam os agentes econômicos
que dependem do crédito bancário, relativamente aos que têm acesso
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
61
a outras fontes de recursos, gerando ineficiências na alocação de
recursos e afetando o crescimento de longo prazo.
Não se pode, no entanto, ignorar o fato de que no Brasil a taxa de
juros de referência é a Selic, taxa que corrige 32% do estoque da
dívida pública mobiliária financeira, de R$ 1,69 trilhão (04/2011).
Portanto, qualquer variação na taxa Selic tem impacto direto no
montante da dívida pública, o que não ocorre com o aumento das
reservas compulsórias.
Como comparar o efeito sobre a inflação e o crescimento
econômico de alterações na taxa Selic e nas reservas
compulsórias?
Recente estudo do Banco Itaú,15 usando diversos modelos econométricos, procurou medir o impacto equivalente em pontos percentuais
da taxa Selic da alta nas reservas compulsórias determinada pelo
CMN em 03/12/2010.16
O trabalho do Banco Itaú conclui que o aumento da taxa de reserva
compulsória equivale a uma elevação de 0,75% na taxa Selic ou 1%,
caso se leve em conta o aumento na capitalização em operações de
crédito ao consumidor de mais de 24 meses.
O estudo mostra também que o impacto de uma alta de 1% na taxa
Selic tem seu efeito máximo, sobre o crescimento econômico, 05
(cinco) trimestres na frente.
O maior impacto sobre a inflação ocorre 06 (seis) trimestres adiante.
Um aumento de 5% no compulsório leva mais tempo, de 07 (sete) a
08 (oito) trimestres, para afetar a taxa de inflação.
62
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
Estimativas sobre os efeitos de alterações nas reservas compulsórias
são difíceis de mensurar, como já vimos anteriormente, em função
de sua dependência na liquidez do sistema bancário e no grau de
substituição entre ativos. No que se refere ao grau de substituição
entre ativos, é interessante observar o rápido crescimento do estoque
de letras financeiras (LF) a partir do aumento, em dezembro/2010,
do compulsório bancário sobre depósitos a prazo fixo. Nos três
primeiros meses de 2011, o estoque de LF cresceu R$ 18,5 bilhões
contra R$ 30 bilhões em todo ano de 2010. O mercado projeta que
o saldo atual de R$ 44,3 bilhões cresça para R$ 100 bilhões no final
de 2011. Como os bancos não podem emitir debêntures, as LF foram
criadas em janeiro de 2010 para permitir o alongamento dos passivos
bancários. A LF é um título com prazo mínimo de vencimento de dois
anos e taxa CDI. Elas não decolaram até que, em dezembro, o BC
isentou-as do recolhimento compulsório, ao mesmo tempo em que
elevava o compulsório sobre depósito a prazo fixo de 15% para 20%.
Relaxamento monetário internacional, acumulação de
reservas, recursos externos, taxa de câmbio, superávit
primário, dívida pública e inflação
A recente onda de relaxamento monetário, implementada pelas principais economias desenvolvidas, veio consolidar a impressão de que
o baixo nível de juros e a elevada liquidez internacional vieram para
ficar por um bom tempo, o que parece assegurar um fluxo crescente
de recursos externos para o Brasil, atraídos pela elevada taxa de juros,
crescimento econômico e estabilidade política.
O saldo de movimentação de divisas nos 04 (quatro) primeiros
meses de 2011, US$ 30 bilhões, já supera em muito os US$ 24
bilhões acumulados em todo ano de 2010.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
63
As reservas internacionais atingiram, no final de abril, o valor recorde de US$ 325 bilhões.
Em 03 de dezembro de 2010, o CMN e o BC resolveram ampliar o
seu arsenal de instrumentos de política monetária, elevando o compulsório de depósitos à vista (de 8% para 12%) e a prazo (de 15%
para 20%), aumentado ainda o índice de capitalização do crédito ao
consumidor de prazo superior a 24 meses, de 11% para 16,5%.
As medidas do CMN representaram uma alternativa em relação à
ortodoxia, indicada pelo Regime de Metas, de elevar a taxa Selic para
tentar conter a pressão inflacionária que ameaçava se espalhar por
todos os índices de preços. A decisão do CMN de utilizar medidas
chamadas de “macroprudenciais” (na realidade instrumentos de política monetária já utilizados no passado) parece ter sido influenciada
pelo impacto sobre a economia da difícil convivência entre altas na
taxa Selic e o crescente influxo de recursos externos.
Na saída da crise de 2009/2010, mesmo com a redução dos juros de curto prazo para quase zero, a economia americana não
apresentava sinais de uma recuperação sustentada. Diante deste
cenário, o FED (Federal Reserve), visando estimular a economia
e derrubar as taxas de juros mais longas, ampliou a sua política de
relaxamento monetário. A derrubada dos juros americanos – e os de
outras economias desenvolvidas – provocou uma fuga de ativos em
dólares para ativos de outros países, principalmente de economias
emergentes que tinham sofrido menos com a crise financeira e que
estavam em processo de recuperação, provocando uma depreciação
do dólar e valorização de outras moedas.
As commodities, principalmente os minerais e alimentos, que já
vinham apresentando uma tendência de alta em função de uma
64
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
maior demanda por parte dos países asiáticos e de uma sequência
de fatores climáticos adversos, passaram a sofrer um processo especulativo de alta, como resultado da fuga do dólar em direção a
ativos reais de alta liquidez internacional.
O Brasil e outras economias emergentes têm monitorado o fluxo
de recursos externos e a apreciação cambial através da compra de
dólares, à vista, a prazo e em contratos reversos e pela adoção de
medidas fiscais, como as sucessivas elevações do IOF sobre os
empréstimos externos.
A preocupação com o fluxo de capitais tem feito com que os bancos centrais dos países emergentes evitem aumentar os juros para
não atrair mais recursos, especialmente os especulativos de curto
prazo. Para compensar a não elevação dos juros a curto prazo, a
autoridade monetária lança mão de outros instrumentos para evitar
que a inflação se afaste da meta estabelecida. Essas medidas, como
o aumento do compulsório, que fazem parte do arsenal clássico
de instrumentos de política monetária, vinham, no Brasil, sendo
preteridas em favor da taxa de juros, por serem menos abrangentes
e por introduzirem distorções na economia.
A conjuntura econômica extremamente favorável do Brasil, vis-à-vis
outras economias emergentes, com crescimento econômico, estabilidade política e social, reservas externas elevadas, aliada à mais alta taxa
real de juros do mundo (6,2% em abril/2011), tornaram o País um
porto seguro para recursos ociosos ao redor do mundo. O economista
Gil Castello Branco, em artigo no jornal O Globo do dia 10/04/2011,
expressa com ironia o que vem acontecendo: “a dinheirama que o
banco central americano injetou no planeta faz com que boa parte
desses dólares passem férias no Brasil”.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
65
O nível baixíssimo dos juros internacionais, o influxo de recur­sos
externos e o real sobrevalorizado trouxeram vantagens e des­
vantagens para o País.
Parte significativa dos capitais que ingressaram no Brasil, sobre a
forma de Investimento Direto, vem contribuindo para aumentar
a capacidade produtiva do País e, quando somados às aplicações
do portfólio direcionadas para o sistema financeiro e mercado de
capitais, têm permitido com folga o financiamento do crescente
déficit em conta-corrente.
O real mais valorizado impede que uma boa parte da alta internacional
do preço das commodities seja transferida para os preços domésticos. Juros internacionais baixos estimulam a captação externa e o seu repasse
interno e um acentuado processo de renegociação de dívida externa
por parte de bancos e empresas, reduzindo o seu custo financeiro.
Por outro lado, o câmbio valorizado causa distorções no Balanço
de Pagamento, incentivando importações de todo tipo e desestimulando exportações, principalmente de produtos manufaturados que
não se beneficiam da turbinada demanda chinesa por commodities.
O saldo líquido de recursos externos é continuamente enxugado
pelo BC, através de operação do mercado aberto, e se incorpora às
reservas internacionais do País. Ao final de abril/2011, as reservas
externas somavam US$ 325 bilhões, crescendo 9% em 30 dias! A
enorme diferença entre o retorno gerado pelas reservas e o custo
dos títulos públicos utilizados no seu carregamento é estimado em
cerca de R$ 50 bilhões para 2011, valor semelhante ao corte de
despesa orçamentária proposta pelo Governo para o mesmo ano. A
colocação de títulos públicos para drenar o excesso de liquidez do
sistema bancário provoca um aumento no endividamento público
e redução no superávit primário.
66
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
No momento em que o Banco Central do Brasil, o Ministro da Fazenda e o mercado discutem a eficácia de novos aumentos na taxa
de juros vis-à-vis a utilização de instrumentos alternativos de política
monetária, com o objetivo de recolocar a inflação em linha com a
meta estabelecida, o Banco Central da Turquia (BCT) inova ao adotar
um pacote de medidas monetárias contracionistas, em que se destaca
a baixa na taxa básica de juros (6,5% para 6,25%, em janeiro/2011).
O crescimento da Turquia pós-crise (8,9% em 2010), como no Brasil
e em outros países emergentes, veio acompanhado de preocupantes
distorções ocasionadas pelo relaxamento monetário nas economias
desenvolvidas: crescente fluxo de capitais, de curto prazo e especulativo, atraídos por taxa real de juros elevada (2,2% em abril/2011,
segundo lugar no ranking mundial atrás apenas do Brasil, com 6,2%),
demanda interna forte, crédito acelerado (35% de expansão em 2010),
câmbio sobrevalorizado, exportações crescendo menos que importações, déficit em conta-corrente elevado e crescente.
No sistema bancário da Turquia coexistem depósitos na moeda do
país (lira turca) e em outras moedas. O BCT constatou um acentuado descasamento entre o prazo dos depósitos e o dos empréstimos,
principalmente nos de moeda estrangeira, o que, em função de sua
volatilidade, poderia afetar a estabilidade do sistema bancário.
Embora o núcleo da inflação estivesse em linha com a meta, o crescimento da demanda de crédito, a queda na taxa de desemprego e
a alta internacional das commodities causavam preocupação com o
surgimento de expectativas inflacionárias.
Diante desse quadro, a Turquia, que como o Brasil adota o regime de
metas de inflação, deveria acionar o seu principal instrumento de ação,
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
67
ou seja, elevar a taxa de juros de referência para manter a inflação o
mais próximo possível do centro da meta.
O BCT, porém, chegou à conclusão que um aumento de juros
aceleraria a entrada de capitais especulativos, ampliando as graves
distorções por ele causadas.
O BCT inova, reduz a sua taxa de juros de referência, eleva o compulsório sobre os depósitos à vista e a prazo, e introduz uma série
de medidas restritivas na área cambial.
Embora, no primeiro momento, a utilização de instrumentos de política monetária com sinais opostos pareça conflitante, na realidade
visa ao mesmo objetivo, ou seja, manter a taxa de inflação dentro da
meta e evitar o surgimento de expectativas inflacionárias.
O aumento na reserva compulsória retira liquidez do sistema bancário,
reduz a expansão de crédito, a demanda interna e procura neutralizar
qualquer eventual efeito expansionista provocado pela redução na
taxa de juros.
Por outro lado, mas na mesma direção, a redução na taxa de juros e
as medidas cambiais desestimulam o fluxo de capitais, induzidos pela
elevada liquidez internacional, desvalorizam a moeda e equilibram o
balanço de pagamentos.
O BCT adotou, ainda, medidas de restrição ao crédito imobiliário
– reduzindo a relação crédito/valor do imóvel – e ao crédito ao
consumidor, aumentando o valor mínimo mensal de pagamento do
cartão de crédito17 e tributando alguns tipos de empréstimos (IOF).
Em resumo, o saldo líquido das medidas adotadas foi avaliado, pelo
BCT, como contracionista, ou seja, de aperto monetário.
68
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
Concomitantemente o Governo da Turquia se comprometeu a manter uma rígida disciplina fiscal, reduzir gastos de consumo e o déficit
orçamentário (o déficit caiu de 13,5% em 2001 para 3,5% em 2010,
em um esforço para se enquadrar ao padrão fiscal básico exigido pela
União Europeia, de 3%).
O BCT “falou” para o mercado de maneira extremamente clara e
objetiva, detalhando todas as medidas adotadas e o seu cronograma
de implantação. A “fala” deixou bem claro que o “mix” de medidas
adotadas seria mantido enquanto perdurassem os efeitos do relaxamento monetário das economias desenvolvidas e que, caso o processo de recuperação dessas economias fosse mais rápido do que o
previsto, provocando um aumento na inflação global e a adoção de
políticas monetárias restritivas, o BCT voltaria a aumentar a sua taxa
de juros de referência.
O mercado, por outro lado, “comprou” o cenário pintado pelo BCT
e os resultados imediatos foram surpreendentes.
As taxas de mercado acompanharam a redução da taxa básica, provavelmente como resultado na queda da expectativa inflacionária de
9% em 12/2008 para 6,5% em 12/2010 (as taxas de longo prazo não
se alteraram, refletindo a incerteza do mercado quanto ao futuro das
taxas de referência), o spread bancário diminuiu e a moeda se desvalorizou, contribuindo para o equilíbrio do balanço de pagamentos.
A expansão do crédito continua alta (30% em 12 meses) respondendo
a segunda onda de relaxamento monetário e como efeito imediato
da própria baixa das taxas de mercado. O BCT declara estar atento
à evolução do crédito e pronto para ampliar a intensidade das medidas restritivas, caso não se observe um arrefecimento na taxa de
crescimento dos empréstimos.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
69
Embora exista no Brasil um sentimento generalizado entre os agentes econômicos (pessoas, empresas e governo) de que nossas taxas
de juros são historicamente elevadas e que precisam ser reduzidas,
a atual conjuntura, com a demanda aquecida, crédito em expansão,
inflação alta e difusa, não recomenda a adoção de uma política de
redução da taxa de juros aliada a apertos adicionais nas medidas
macroprudenciais.18
Nos últimos 12 (doze) anos, desde a implantação do programa de
metas, o BC vem procurando convencer os agentes econômicos de
que a taxa de juros é o instrumento monetário mais eficiente para
combater a inflação e neutralizar as expectativas inflacionárias. O
mercado espera que a reação do BC a uma alta na inflação seja uma
subida na taxa Selic. Coerência e credibilidade são importantes pilares
do regime de metas de inflação.
Como reagiria o mercado, educado para, em determinada situação
(alta de preços) esperar por uma reação do BC (alta de juros), se
o BC abaixasse a taxa Selic e apertasse o torniquete das medidas
macroprudenciais?
Parece-nos que o BC ainda não se convenceu da eficácia das medidas
macroprudenciais (devido a sua dependência na liquidez do sistema
e no grau de substituição entre ativos) para isoladamente neutralizar
o efeito expansionista de uma redução na taxa de juros.
O BC deixa transparecer, nas entrelinhas de seus comunicados, que
ainda não é o momento de abrir mão do efeito positivo sobre os preços
internos de um real sobrevalorizado e que o fato da economia americana
estar se recuperando conduziria a uma desvalorização do real.
70
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
Conclusões
Estamos entrando no 2º trimestre de 2011 com inflação e juros altos,
superávit e câmbio baixos.
O BC, diante da persistente alta no nível de preços e em sua difusão
pelos diferentes setores da economia e coerente com o regime de
metas, aumentou, nas três primeiras reuniões do COPOM, a taxa
de juros, que passou de 10,75% em dezembro/2010 para 12% em
abril/2011.
Na reunião de abril, o BC elevou a taxa Selic em 0,25%, dando sequência ao ciclo de aperto, mas reduzindo o ritmo de elevação dos
juros ocorrido nos meses de janeiro e março (0,50%). No mesmo
período, procurando reduzir a oferta de crédito com recursos externos e os efeitos negativos da sobrevalorização do real, o BC elevou
o IOF sobre empréstimos externos, de até 720 (setecentos e vinte)
dias, para 6%.
A elevação de 0,25% em abril, acompanhada de nota do BC explicando que prefere doses menores por mais tempo, deixou o mercado
intranquilo, com a impressão que o BC não teve liberdade para fixar
um valor superior para a Selic.
Estudo do Departamento Econômico do Bradesco19 já antecipava
e justificava a elevação de 0,25% com base no Relatório da Inflação
de março e em manifestações do Presidente do BC nos dias 22 e 25
de março, deixando claro, como se pode ver a seguir, que não havia
razão para surpresa por parte do mercado e que a decisão do BC foi
coerente com suas manifestações anteriores:
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
71
1. Há um descompasso entre demanda e oferta, mas a maior fonte de
pressão sobre a inflação atual advém de choques de oferta causados
pela alta de preços das commodities desde o 2º semestre de 2010.
2. Os custos de combater os efeitos primários desses choques
são elevados em termos de atividade econômica e, diante da flexibilidade do regime de metas, é possível buscar a convergência para a
meta em um período mais prolongado.
3. As medidas macroprudenciais adotadas tem surtido efeito.
4. A inflação acumulada em 12 meses tende a permanecer em
patamares elevados até o 3º trimestre.
5. A política fiscal dará sua contribuição com o cumprimento da meta
de superávit primário neste ano.
6. As expectativas de inflação de curto prazo dos agente têm sido
impactadas pela elevação corrente de preços, influenciados pelos
choques de oferta.
7. A inflação de serviços é fruto, ainda que parcialmente, de mudanças
estruturais na economia.
8. A situação atual é parecida com aquela ocorrida em 2003/2004,
quando o BC trabalhou com meta ajustada, divulgada na ocasião.
9. A variável câmbio ganhou relevância nos cenários considerados.
Como se vê, o BC não surpreendeu o mercado, mas não convenceu
e no regime de metas convencer é a parte mais importante. Para que
isto ocorra tudo tem que parecer coerente.
72
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
Os agentes não veem coerência na fala do BC, principalmente
quando ele diz que a política fiscal dará sua contribuição com o
cumprimento da meta de superávit primário. Poucos, além do Ministro da Fazenda e do Presidente do BC, acreditam que possa haver
alguma melhora no superávit primário via redução de despesas, e
temem que o Governo aumente suas receitas, ressuscitando, com
outro nome, a CPMF de triste memória.
No entanto, o superávit deve crescer porque sem ajuda do lado fiscal
o BC terá de adotar medidas ainda mais duras, como novas altas na
taxa Selic e seus indesejáveis subprodutos: aumenta o juro, aumenta
o déficit público, valoriza a taxa de câmbio, estimula o ingresso de
capitais, o BC compra os dólares excedentes, injeta liquidez, o BC
coloca títulos para enxugar a liquidez e evitar que a inflação cresça
ainda mais e assim por diante, em um círculo vicioso sem fim.
Não adianta repetir os truques contábeis para criar um falso superávit
como o de 2010. A economia não se deixa enganar e acusa o aumento
dos gastos e dos subsídios ao crédito.
O Governo tem um enorme volume de atrasados a pagar (R$ 128
bilhões) e se vê diante de altíssimos subsídios pela compra maciça
de dólares e pelas recentes operações do BNDES financiadas por
títulos públicos. Promete cortar gastos e se compromete com
gastos futuros, como um aumento de 14% para o salário-mínimo
em 2012, promete desindexar a economia e indexa o mínimo e o
Imposto de Renda, promete reduzir a dívida e se endivida para
emprestar dinheiro ao BNDES, que por sua vez concede crédito
barato para “empresas selecionadas”.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
73
Enquanto procura fazer milagres para melhorar o superávit primário,
o Governo se depara com grandes investimentos em infraestrutura
para evitar um vexame internacional por ocasião da Copa do Mundo
e dos Jogos Olímpicos, sem abrir mão do projeto biliardário do Trem
Bala e da Compra dos aviões da FAB.
O Banco Central não pode pensar que vai resolver sozinho a inflação.
Esta só vai cair na medida em que o Governo reduza seus gastos,
corte os incentivos ao consumo e limite a expansão do crédito subsidiado e dirigido dos bancos oficiais para empresas que nem sempre
precisam de ajuda.
Sem a efetiva contribuição da política fiscal, é inútil o BC ficar alternando a utilização dos diferentes instrumentos monetários, pois vai
continuar “enxugando gelo”.
Como diz um velho ditado mineiro: não adianta escolher atalhos se
o caminho está errado.
Notas
1 A Brief History of Central Banks. Michael D. Bordo. Federal Reserve
Bank of Cleveland, Dez. 2007.
2 Acessível pela internet. Entrar no Google com o título: Funções do
Banco Central do Brasil.
3 “Funções do Banco Central do Brasil” – BCB.
4 “Funções do Banco Central do Brasil” – BCB.
74
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
5 “Funções do Banco Central do Brasil” – BCB.
6 O Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), do BCB, é o
depositário central dos títulos emitidos pelo Tesouro Nacional, sendo
responsável pelo processamento da emissão, resgate, pagamento de
juros e custódia desses títulos. O sistema é gerido pelo BCB e operado
por ele em parceria com a Associação Nacional das Entidades dos
Mercados Financeiros e de Capitais (AMBIMA) (2009). A Taxa Selic
pode ser definida como a média ponderada e ajustada das operações
de financiamento por um dia, lastreadas em títulos públicos federais
e cursadas no sistema Selic na forma de operações compromissadas.
7 O Comitê de Política Monetária (COPOM) é o órgão decisório da
Política Monetária do BCB, responsável por estabelecer a meta para
a taxa Selic, cujo principal objetivo é o alcance das metas de inflação
estabelecidas pelo CMN. O COPOM é composto pela Diretoria do
BCB: Presidente e os diretores de Administração, Política Monetária,
Política Econômica, Assuntos Internacionais, Normas e Organização do Sistema Financeiro, Fiscalização, Liquidações e Controle de
Operações de Crédito Rural.
8 “Funções do Banco Central do Brasil” – BCB.
9 Não confundir com credit rationing (racionamento de crédito), situação em que os próprios bancos restringem a expansão do crédito
acima de um certo volume, influenciados por outras variáveis além da
taxa de juros, como o risco de mercado. Fator amplamente observado
durante a recente crise financeira de 2008/2009, em que a liquidez
dos bancos ficou empossada devido à impossibilidade de avaliação
do risco de crédito.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
75
10 O Relatório Radcliffe foi o resultado do trabalho do Comitê
Radcliffe (Committee on the Working of the Monetary System),
sob a Presidência de Lord Radcliffe, advogado, com poderes para
inquirir sobre o funcionamento do sistema monetário e do crédito e
para fazer proposições. Além do Presidente, o Comitê era composto
por oito conceituados membros: dois banqueiros, dois empresários,
dois sindicalistas e dois economistas de renome (Caincross e Sayers).
11 Controle Quantitativo e Seletivo de Crédito: Aspectos Teóricos e a Experiência Recente do Brasil. Luiz Aranha Corrêa do Lago, Departamento
de Economia PUC/RJ, 1983.
12 Luiz Aranha Corrêa do Lago. Controle Quantitativo e Seletivo do
Crédito: Aspectos Teóricos e a Experiência Recente do Brasil. Departamento
de Economia PUC/RJ, dez. 1983, p. 69 e 79.
13 O Federal Reserve (EUA), o Banco do Japão e o Banco Nacional
da Suíça estão, aos poucos, adotando componentes do regime de
metas de inflação.
14 Scott Roger. “Inflation Targeting Turns 20”. Finance & Deve­
lopment, March 2010.
15 “How much Selic is the reserve requirement worth?”. Ilan Goldefajn. Chief Economist, 27/12/2010.
16 Compulsório: Sobre depósitos à vista, aumento de 8% para 12%;
sobre depósitos a prazo, de 15% para 20%; aumento na exigência de
76
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
capital de 11% para 16,5% nas operações de crédito ao consumidor
de mais de 24 meses.
17 O Banco Central do Brasil acaba de adotar idêntica providência elevando, a partir de 01/06/2011, o valor mínimo mensal de
pagamento do cartão de crédito de 10% para 15% e para 20% em
dezembro/2011.
18 O crédito ao consumidor, que cresceu 40% em 2010, vem desacelerando, devendo fechar o ano com expansão de 25%.
19 “Conjuntura Macroeconômica Semanal”. Departamento Econômico Bradesco, chefe Otávio de Barros, em 15/04/2011.
Palestra pronunciada em 10 de Maio de 2011
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 37-77, ago. 2011
77
Síntese da Conjuntura
Conjuntura econômica
Ernane Galvêas
Ex-Ministro da Fazenda
Pânico
A
economia mundial vive um drama de difícil solução, em que os
Estados Unidos e a Europa precisam ativar o consumo e a produção e superar o desemprego para sair da crise, ao mesmo tempo em
que necessitam cortar gastos públicos para impedir o agravamento do
déficit fiscal. Nos Estados Unidos, a retração do consumidor endividado
faz cair o investimento das empresas. O Governo deveria comandar
os investimentos, mas não tem recursos. Daí, a recessão e a queda no
emprego, em um círculo vicioso cujo final é difícil de ser previsto. A
situação na Europa é semelhante, com exceção da Alemanha.
A falta de perspectivas levou pânico aos mercados mundiais nos dias 3
a 8 de agosto, com quedas fragorosas nas Bolsas de Valores. No dia 8, a
Bolsa de Nova York caiu 5,55%, Londres – 3,43% e a Bovespa – 8,08%.
78
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 78-92, ago. 2011
Não há solução à vista e ao que tudo indica, a economia mundial
deverá permanecer estagnada por vários anos.
O Brasil está vivendo um momento de prosperidade causado pelo
alto preço das commodities, puxado pela China. Na medida em que a
China diminuir o ritmo de crescimento de sua economia, o Brasil vai
sofrer as consequências.
A nova “política industrial” (Plano Brasil Maior), lançada no dia 3 de
agosto, destinada a compensar a sobrevalorização cambial, pode vir a
ser uma decepção, na medida em que o Banco Central, na contramão
da política econômica, continue comandando uma política de juros
(Selic) altos, que estimula o ingresso de capitais especulativos, com
todas suas consequências negativas. Analisando as medidas específicas
do Plano, pode-se dizer o seguinte:
1) A desoneração da folha de pagamentos, com isenção seletiva das
contribuições ao INPS e compensação mediante tributação do faturamento, é um passo errado, um retrocesso que poderá inviabilizar
uma solução racional para a previdência social; 2) A solução dada
aos derivativos também foi equivocada. Não se trata de tributar essas
operações, mas de limitá-las sob regulação severa. Não é por essa
via, que se vai corrigir a taxa de câmbio; 3) A redução do IPI para
a indústria automobilística, até 2016, na expectativa de que volte a
expandir a indústria nacional de peças e partes complementares, foi
um excesso de favorecimento, na medida em que a produção de
veículos cresceu 4,3% até julho, o licenciamento aumentou 8,6% e
o valor das exportações 23,5%. A questão das importações requer
outro tipo de solução.
Em suma, na raiz da valorização da taxa de câmbio está a elevada
taxa de juros Selic, a mais alta taxa de juros reais do mundo que,
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 78-92, ago. 2011
79
como diz o Ministro Delfim Netto, faz do Brasil o “mais apetitoso
peru com farofa”.
A Conjuntura Econômica Mundial
A irresponsabilidade dos políticos americanos está jogando o mundo no buraco. Primeiro, foi a crise do sub-prime, que se espalhou
pelo resto do mundo e criou uma situação fiscal de insolvência na
Europa. Agora, é a revelação de uma dívida descomunal, agravada,
a cada ano, por governos incompetentes e políticos irresponsáveis.
É compreensível que os Estados Unidos ajudem Israel, de um
lado, e o Egito do outro, para proteger a Arábia Saudita da fúria de
países vizinhos, tendo em vista sua situação de maior fornecedor
de petróleo, produto estratégico e fundamental para a economia
americana. Mas sabe-se, hoje, que foi um erro primário e desastroso, as intervenções no Iraque e no Afeganistão, das quais não
consegue se desvincular.
Os Estados Unidos têm uma economia vulnerável, provocada
pelo déficit fiscal anual de US$ 700 bilhões e pelo déficit externo
de US$ 600 bilhões. Nos oito anos de Governo W. Bush, a dívida
pública interna aumentou US$ 6,1 trilhões e nos dois primeiros
anos do Presidente Obama vai crescer US$ 2,4 trilhões. A dívida
externa em dólares não preocupa pela sua dimensão, mas a dívida
interna em títulos, pelos juros que devem ser pagos anualmente,
cerca de US$ 200 bilhões, poderia levar ao calote, com resultados
desastrosos para os Estados Unidos e para o mundo. Mas isso
não vai acontecer.
80
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 78-92, ago. 2011
O resultado das Bolsas de Valores, nos dias 3 a 8 de agosto, deu uma
ideia das consequências possíveis. Aliás, inexplicavelmente, a BM&F
Bovespa está desabando com a maior queda mundial (só perde para
a Grécia!). O Brasil está vulnerável em dois pontos capitais: 1) tem
uma crescente dívida pública bruta de R$ 2.177 trilhões (56% do
PIB), à qual devem ser acrescentados R$ 418,8 bilhões de depósitos
compulsórios dos bancos; e 2) no 1º semestre, teve um déficit de
US$ 25,4 bilhões em Transações Correntes, que foi coberto por
uma massa de US$ 67,0 bilhões de capitais estrangeiros, em grande
parte instáveis e de caráter especulativo, aplicados em derivativos. O
Brasil está se tornando o paraíso da especulação, perdendo bilhões
de dólares para os espertos especuladores. O Banco Central não vê
isso, com a sua inexplicável Selic de 12,5%, que se situa na origem
de todas essas distorções.
Crise Sistêmica
Nos Estados Unidos e na Europa, os governos queimaram todos
os recursos na primeira fase da crise e acumularam dívidas fiscais
impagáveis. Agora, estão sem saída. Os Estados Unidos têm uma
dívida interna que caminha para US$ 16 trilhões e no FED há uma
liquidez empoçada de US$ 3 trilhões.
A economia mundial entrou em um círculo vicioso: com medo do
desemprego, o consumidor não consome, o empresário não investe e
o Governo não tem recursos para fazer uma intervenção keynesiana.
A China tem muitas deficiências na área das matérias-primas e está
procurando superá-las com investimentos em outros continentes,
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 78-92, ago. 2011
81
principalmente na África, e também no Brasil. Os Estados Unidos
não têm mais recursos orçamentários para manter a política de subsídios agrícolas. Ao que tudo indica, vem aí uma nova revolução no
comércio mundial.
Nada disso, porém, justifica a esdrúxula proposta da China no sentido
de substituir o dólar como moeda de referência nas transações internacionais. Da mesma forma, foi simplesmente ridícula e irresponsável
a ação da Standard & Poor’s de rebaixar a classificação dos Estados
Unidos, quando todos os grandes investidores e os Bancos Centrais
continuam aplicando suas reservas em dólares. Por uma simples
razão: Os Estados Unidos são a maior economia mundial, possuem
uma democracia estável e oferecem a maior segurança jurídica aos
contratos e investimentos.
Não causaria surpresa, se os desempregados ou ameaçados de
desemprego nos Estados Unidos se revoltassem contra a S&P,
como os gregos, espanhóis, ingleses e chilenos vêm fazendo contra
seus governos.
Diretrizes da política econômica
Pelo que se deduz das declarações publicadas na imprensa, as
prioridades da política econômica divergem entre os principais
agentes do Governo.
Para o Governo, como um todo, há três princípios básicos: a
inflação dentro da meta de 4,5%, o sistema de câmbio flutuante
e a Lei de Responsabilidade Fiscal.
82
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 78-92, ago. 2011
Para a Presidência da República, a prioridade é o crescimento do
PIB em torno de 4,5%, com eliminação da pobreza e crescente
redução das desigualdades sociais.
Para o Banco Central a primeira prioridade é o controle da inflação,
dentro da meta de 4,5% fixada pelo Conselho Monetário Nacional.
Para o Ministério da Fazenda o ideal será o déficit fiscal zero
(déficit nominal), a inflação dentro da meta de 4,5% e a taxa de
câmbio ao nível de R$ 1,80/US$.
Para o Gabinete Civil e o Ministério do Planejamento, a prioridade é corrigir as deficiências da infraestrutura no contexto do
PAC. Para outros, é a educação, a saúde, o saneamento básico, a
habitação, a segurança pública.
A nosso ver, a taxa básica de juros (Selic) fixada pelo Banco Central
confunde todas as prioridades. O fato de elevar absurdamente a taxa Selic, de 10,75% em janeiro
para 12,5%, atualmente, tem os seguintes inconvenientes óbvios:
sobrecarrega o déficit fiscal e a dívida pública, atrai um caminhão de
recursos externos especulativos que expandem a liquidez e o crédito
internos, provoca uma transferência de renda em favor dos investidores em Fundos de Renda Fixa e, ainda mais, aumenta os custos
de produção, elevando os preços (inflação). Em princípio, pode-se
chegar à conclusão de que aumentar a taxa Selic aumenta as pressões
inflacionárias, e não o contrário.
Será que o Banco Central ainda não percebeu que a inflação vem de
fontes que nada têm a ver com a taxa Selic? Todo mundo sabe que a
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 78-92, ago. 2011
83
inflação brasileira de hoje, em torno de 6%, vem da forte demanda
da China, por matérias-primas e alimentos, dos gastos deficitários do
Governo, dos reajustes salariais e do Custo Brasil, oriundo principalmente do peso da carga tributária, dos juros, da insuportável
burocracia e da ineficiente infraestrutura. E sobretudo, vem da
abusiva expansão do crédito fomentada pelo Governo, em evidente
contradição com os objetivos do Banco Central. E tudo isso, sem
falar da corrupção, que além de desmoralizar o serviço público,
encarece o custo dos serviços e das obras governamentais.
É estranho, muito estranho, que os analistas de mercado se refiram,
constantemente, à política de aperto monetário do Banco Central.
Pergunta-se: que política de aperto monetário, se o crédito vem se
expandindo a uma taxa anual superior a 20%, puxada pela expansão
dos bancos oficiais, BNDES, Caixa Econômica e Banco do Brasil?
Observe-se que o papel-moeda emitido aumentou 10,9%, nos últimos
12 meses, e a base monetária 19,3%.
É justo que o Governo eleja o combate à inflação como uma de suas
prioridades. Mas é preciso realizá-la com inteligência, sem atropelos
e pressões políticas que não atentam para os compromissos com os
interesses nacionais.
O Governo está para cometer dois grandes equívocos, absolutamente
desnecessários: primeiro, realizar um arremedo de reforma tributária,
mediante transferência das contribuições previdenciárias da folha
de pagamentos para o faturamento das empresas. Essa medida teria
o sentido falso de reduzir a carga tributária e o objetivo ardiloso de
favorecer algumas indústrias, em detrimento do comércio, serviços
e setores financeiros, que pagariam a diferença. Uma ideia descabi-
84
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 78-92, ago. 2011
da, que sugere compensar a taxa de câmbio valorizada, que estaria
prejudicando as exportações industriais, mediante a desoneração da
folha de pagamentos. O que uma coisa tem a ver com a outra? Uma
evidência clara de que o Governo está desorientado, pressionado e
não sabe bem o que fazer.
O segundo grande equívoco seria extinguir o “fator previ­
denciário”, a única medida inteligente adotada nos últimos 20
anos para confrontar as mudanças na pirâmide demográfica que
vão desestruturar o sistema de previdência social. O Brasil gasta
com previdência social 7,0% do PIB, a mais alta taxa do mundo.
Mas os grandes favorecidos não são os componentes da classe
pobre, mas, sim, os altos funcionários públicos, os militares, os
políticos e os membros do Poder Judiciário. A Previdência Social,
no Brasil de hoje, é um amontoado de erros. No futuro próximo,
será uma calamidade.
A Presidente Dilma não precisa fazer barganhas escusas com o
Congresso Nacional, para realizar reformas política, tributária,
previdenciária, trabalhista, sindical etc. Tudo isso pode ser feito, em
grande parte, sem a necessidade de deprimentes negociações políticas.
Atividades econômicas
Indústria
Pesquisa da CNI revela onda de desânimo na indústria, com queda
acentuada em dez setores: alimentos, bebidas, têxteis, vestuário,
calçados, papel e celulose, plásticos, máquinas e equipamentos,
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 78-92, ago. 2011
85
veículos e móveis. Essa situação está levando o setor a pressionar
o Governo por uma compensação pelos prejuízos causados pela
taxa de câmbio sobrevalorizada. O grande erro dessa proposta é a
sugestão de isentar as empresas industriais do pagamento da contribuição previdenciária, sendo a perda do INSS compensada por
alíquota mais elevada sobre o comércio, serviços e sistema financeiro. Uma tremenda provocação, que inexplicavelmente, contaria
com a simpatia do Ministério da Fazenda.
É evidente que a indústria luta com enorme falta de competitividade,
devido principalmente ao câmbio, à carga tributária e à infraestrutura.
Mas a solução liderada pela Fiesp não faz sentido. No ano passado, a
indústria cresceu 10,5%. Para este ano a previsão é de 3,0%. A produção
de veículos está diminuindo, mas as vendas ainda cresceram 1,6% na
primeira quinzena de julho. No primeiro semestre, a produção de aço
cresceu 8,2% e o consumo de energia elétrica continuou aumentando
2,2% em junho, sendo +5,5% no co­mércio e serviços. Impressionante:
a venda de imóveis usados, no Estado de São Paulo, cresceu 11,7% em
maio, em relação a abril.
Comércio
O índice de intenção de consumo (ICF), divulgado pela CNC, cresceu 2,2% em julho sobre junho, mas o índice de confiança (ICEC)
registrou queda de 3,1% em junho/maio, basicamente tendo em vista
o alto nível dos estoques. O índice de endividamento das famílias
(PEIC) recuou para 63,5% em julho, contra 64,1% em junho, com
alta nas dívidas em atraso e queda de 1,1% na aquisição de bens de
consumo duráveis.
86
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 78-92, ago. 2011
No primeiro semestre, as vendas dos supermercados cresceram
4,25%, com destaque para bebidas (Abras) e a ocupação nos hotéis
de São Paulo cresceu 4,6%. A aviação doméstica cresceu 19%, nesse
período, superando a China, Estados Unidos e Índia. No Distrito
Federal, as vendas do comércio, em junho, tiveram alta de 0,66%
(Fecomércio-DF). Segundo a Serasa, a devolução de cheques sem
fundos cresceu 1,9% no primeiro semestre, enquanto as contas não
pagas aumentaram 13,1%.
Agricultura
A safra de cana caiu 14,8% e a de etanol hidratado 31,8%, até 15 de
julho (Única), mas os preços do açúcar e do etanol continuam em alta.
A produção agrícola na Região Sul poderá ser prejudicada pelas fortes
chuvas. Sobe para 26 o número de cidades gaúchas em situação de
emergência.
Mercado de Trabalho
Segundo o IBGE, a taxa de desemprego caiu para 6,2% em junho,
ante 6,4% em maio, enquanto a remuneração média subiu 0,5%,
com destaque para Salvador (+2,0%), Belo Horizonte (+5,0%),
São Paulo (+1,2%) e Porto Alegre (+2,4%). Recife ficou estável
e houve recuo de 3,4% no Rio de Janeiro. A construção civil
contratou 33,8 mil trabalhadores em maio (+1,15%), acumulando
+5,6% em cinco meses. A região que mais contratou foi o Sudeste,
seguida da Região Sul e Nordeste. Houve queda na Região Norte.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 78-92, ago. 2011
87
Pelos dados do CAGED, no primeiro semestre, foram criados 1,265
milhão de empregos, menos 14,1% em relação a 2010. Segundo o
Dieese, a taxa de desemprego teve ligeira alta em junho (11%) ante
maio (10,9%). Na indústria, o emprego recuou 0,13% em junho, ante
maio, mas com expansão de 4,5% no semestre (Fiesp).
De um modo geral, o mercado de trabalho continua aquecido, em
face dos reajustes dos salários.
Setor Financeiro
O montante de crédito no sistema financeiro continuou registrando
expansão de 20% em 12 meses, até junho (47,2% do PIB), desafiando
todas as ações do Banco Central. Em junho, houve alta de 1,6% e
no ano de 7,5%, com destaques para habitação (+20,7%), comércio
(+8,6%) e pessoas físicas (+7,01%). A inadimplência perdeu fôlego,
após cinco altas consecutivas.
O Banco Central restringiu as operações de empréstimos consignados e o Ministério da Fazenda coibiu operações de derivativos
na BM&F, visando conter a expansão da liquidez. Contraditoriamente, a União levantou US$ 500 milhões no exterior e o BNDES
mais US$ 3,0 bilhões, enquanto a Caixa Econômica lança mais
R$ 2 bilhões em Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) e os
bancos se preparam para maior captação com uma nova letra imobiliária. Não dá para entender.
Inflação
A inflação, embora reduzida, continua baseada nos impulsos fiscais,
forte expansão do crédito, alto nível de emprego e reajustes salariais,
88
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 78-92, ago. 2011
além da pressão de demanda por matérias-primas e alimentos, que
vem da China. Em julho, o IGP-M/FGV ficou negativo (deflação)
em 0,12%, repetindo a deflação de 0,18% de junho, com registro de
alta de 8,36% nos últimos 12 meses. No momento, a resistência maior
à queda encontra-se no setor Serviços. Contratos novos de aluguéis,
em São Paulo, tiveram alta de 17,6% em junho.
As principais quedas no atacado foram café, minério de ferro, laranja, soja e tomate. O índice nacional do custo de construção (INCC)
subiu 1,43% em junho e 0,59% em julho, ante o mês anterior. A
primeira prévia do IPCA-15, em julho, desacelerou para 0,10% e a
do IPC-5 para 0,11%.
Em meados de julho, o Banco Central elevou a taxa básica Selic
para 12,5%, após cinco altas consecutivas, com efeitos mínimos
sobre a inflação. O Ministério da Fazenda está tentando restringir os efeitos inflacionários do ingresso de capitais estrangeiros,
mediante restrições às operações de derivativos. Esse é o tipo de
medida que o Governo já deveria ter adotado há muito tempo,
pois é bastante evidente que o mercado de derivativos na BM&F
está entre os maiores responsáveis pela sobrevalorização da taxa
de câmbio.
Setor Fiscal
Embora o Ministério dos Transportes, em julho, tenha “roubado”
a cena, a situação fiscal continua no topo das preocupações. No
primeiro semestre, o Governo economizou (superávit primário)
R$ 78,2 bilhões para pagar juros de R$ 119,8 bilhões, resultando
em um déficit nominal de R$ 41,6 bilhões (2,12% do PIB). Em consequência, a dívida pública bruta atingiu R$ 2.177,1 bilhões (56,0%
do PIB), com alta de R$ 30,3 bilhões sobre maio e R$ 165,6 bilhões
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 78-92, ago. 2011
89
no ano (!). A dívida mobiliária alcançou R$ 1.729,5 bilhões, mais
R$ 64,2 bilhões no mês e R$ 125,6 bilhões no ano.
O Governo federal, no primeiro semestre, arrecadou R$ 393,5 bilhões
(+19,3%), ante R$ 337,9 bilhões de despesas (+10,8%). Esse substancial aumento da carga tributária explica um certo desafogo do
Tesouro, o que não impediu o forte acréscimo da dívida pública.
Setor Externo
O comércio exterior continua sustentando a economia nacional. Em
julho, as exportações alcancarm US$ 22,3 bilhões, acumulando no ano
US$ 140,6 bilhões, com alta de 31,5%, acima de qualquer outro país,
inclusive a China. As importações chegaram a US$ 19,1 bilhões, com
US$ 124,5 bilhões no ano, representando crescimento de 27,5%. Até
julho, o saldo da balança comercial atingiu US$ 16,1 bilhões, 74,2%
superior a julho 2010.
Entretanto, agrava-se o déficit em Transações Correntes, em face do
forte resultado negativo da conta Serviços (US$ 17,9 bilhões) e Rendas
(US$ 22,1 bilhões), no primeiro semestre. O resultado negativo em
T/C, no total de US$ 25,4 bilhões, foi coberto pelo maciço ingresso
de capitais de US$ 67,0 bilhões, dos quais US$ 25,8 bilhões representam investimentos estrangeiros diretos e o restante, financiamentos
em grande parte de caráter especulativo.
No acumulado janeiro/julho, a exportação de produtos básicos alcançou US$ 66,9 bilhões, com alta de 43,3%, enquanto os semimanufaturados atingiram US$ 19,5 bilhões (+30,5%) e os manufaturados
90
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 78-92, ago. 2011
US$ 51,2 bilhões (+19,1%). Do lado das importações, combustíveis e
lubrificantes aumentaram 35,3%, bens de consumo 31,9%, matériasprimas 24,9% e bens de capital 24,4%.
Ao que tudo indica, não faz sentido a crítica contra as exportações
do agronegócio, eis que, no momento, não se pode perder a chance
de aproveitar em toda sua dimensão a conjuntura que nos está
sendo propiciada pela China. Até mesmo porque o País não teria
suficiente produção de manufaturados, para inverter a situação.
O ingresso desordenado de recursos externos vem dificultando
seriamente a política econômica do Governo, obrigando o Banco
Central a comprar bilhões de dólares, que se acumulam em excessivas e onerosas reservas cambiais; por outro lado, todos esses
dólares são comprados mediante emissões de títulos públicos, aos
juros mais altos do mundo, que desestruturam a política fiscal.
Foi acertado, embora tímida, a medida do Conselho Monetário
Nacional que impôs restrições aos derivativos cambiais na BM&F.
No final de julho, as reservas cambiais chegaram a US$ 343,8 bilhões,
US$ 55,2 bilhões acima do saldo em 31/12/10. Em contrapartida,
a dívida externa alcançou US$ 393,3 bilhões, inclusive intercompanhias, um acréscimo de US$ 41,4 bilhões, até junho.
Na esfera internacional, o fato mais relevante foi o acordo político
entre republicanos e democratas, que permitiu aos Estados Unidos
elevar a dívida pública de US$ 14,3 trilhões para mais US$ 2,4 trilhões,
a serem distribuídos em parcelas, segundo critérios estabelecidos por
uma Comissão de seis representantes democratas e seis republicanos.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 677, p. 78-92, ago. 2011
91
Pelo que consta, esse problema voltará à pauta em 2012, durante a
campanha para reeleição do Presidente Obama.
A situação na Europa não apresenta melhoria, podendo agravar-se,
caso a Espanha caminhe para uma solução semelhante à da Grécia.
Na Ásia, não há mudanças relevantes na China, nem no Japão.
92
C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, n. 677, p. 78-92, ago. 2011