Sport: Laboratório de História do Esporte e do Lazer
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Sport: Laboratório de História do Esporte e do Lazer
Organizadores: Victor Andrade de Melo, Mônica de Carvalho e Silva e Fabio de Faria Peres Rio de Janeiro 2004 MELO, Victor Andrade de; SILVA, Mônica de Carvalho e; PERES, Fabio de Faria (orgs.) O lazer em debate. 1a Edição. Rio de Janeiro: Editora ???, 2004. ISBN:????? 1- Lazer 2 – Animação Cultural 3 – Cultura 2 ÍNDICE Índice de Comunicações - Por Sessão 004 Índice de Posteres 008 Índice por Autores 011 Índice dos Trabalhos 021 Programação do Evento 021 Comunicações 023 Posteres 253 3 ÍNDICE DE COMUNICAÇÕES - POR SESSÃO Dia 13 de maio de 2004 O Estado e o lazer Lei Rouanet: Fatores que interferem na viabilização de projetos de lazer Com-111 Alan de Assis Gandra CELAR/UFMG Lazer e Animação Cultural: Analisando o livro dos CIEPs Com-112 Bruno Adriano R. da Silva GP LMS - EEFD - UFRJ Recreacion Y Educacion Popular em Córdoba: Presencias difusas, ausencias claras em um pais em crisis Com-113 Gustavo Rolando Coppola IPEF/Cordoba (Argentina) Políticas Públicas de Lazer: Uma análise em clubes sócio-recreativos da cidade de Jequié-BA Com-114 Luciano Meira Del Sarto UESB/Jequié Lazer: reflexões teóricas Da teoria clássica a teoria das relações humanas: O lazer influenciado pelos processos de gestão Com-121 Alexandre Pierre Teixeira de Souza CELAR/EEFTO/ UFMG Os interesses intelectuais do lazer: Reencontrando a arte do futebol na obra de Carlos Drummond de Andrade Com-122 Rodrigo Caldeira Bagni Moura CELAR/UFMG Lazer e Cultura Popular, segundo o pensamento de Joffre Dumazedier Com-123 Vivian Maria Reis Bertini CELAR/UFMG Lazer: espaços e representações Os bailes de charme como espaços de lazer e sociabilidades na cidade do Rio de Janeiro Com-131 Carlos Henrique dos S. Martins FAETEC/UFF 4 Nem líder nem anjo: Big Brother no paredão Com-132 Carlos Nazareno F. Borges, Fábio Cássio Ferreira Nobre, Marcelo Coelho Domingues, Liliane Cardoso Gomide e Claudia E. P. de Oliveira UFV Lazer e drogas ilícitas: Representações sobre o uso da maconha entre jovens freqüentadores da Lapa, RJ Com-133 Dauana da Cunha Pessoa GP LMS - EEFD - UFRJ O lugar do lazer na vida dos docentes universitários Com-134 Samuel Gonçalves Pinto, Silvio Ricardo da Silva, Rogério Santos Pereira, Rafhael Fernandes Pereira e Fernanda Caetano Cunha UFV Lazer: Projetos de Intervenção O lazer, a cidadania e a política no Projeto Tempo Livre Com-141 Angela Brêtas GP LMS - EEFD - UFRJ Animação Sociocultural no contexto hospitalar Com-142 Giuliano Pimentel, Ana Angélica de Lima, Franklin Yukio Sakamoto, Leandro de Azevedo, Luciana Paula Posalque, Tânia Mara Magalhães e Telma Regina Oliveira UEM Criação, desenvolvimento e implementação de uma política de lazer para a COPAVA/MST Itaberá/SP Com-143 José de Andrade Matos Sobrinho Festival de jogos infantis (FEJI): Uma experiência de Animação Cultural em bases historicosociais Com-144 Waldemar Marques Junior e Alessandra dos Santos Camargo CUCP Lazer: aspectos históricos Voleibol feminino: O lazer e as boas moças na Porto Alegre dos anos dourados Com-151 Silvana Vilodre Goellner Karine Dalsin UFRGS 5 O lúdico no proceso de esportivização da Peteca Com-152 Rogério Santos Pereira, Silvio Ricardo da Silva, Samuel Gonçalves Pinto, Rafhael Fernandes Pereira e Fernanda Cunha Lima UFV Parque Municipal de Belo Horizonte: Um espaço de lazer na cidade moderna Com-153 Kellen Nogueira Vilhena CELAR/UFMG Lazer e Turismo em Belo Horizonte: Uma abordagem histórica sobre a Pampulha na década de 1940 Com-154 Daniel Braga Hubner CELAR/UFMG Dia 14 de maio de 2004 O Estado e o lazer (2) A intervenção do estado nos espaços públicos de lazer Com-211 Bruno Gawryszewski GP LMS - EEFD - UFRJ Atuação profissional nas Secretarias de Lazer da microrregião de Jequié/BA Com-212 César Pimentel Figueiredo Primo e Fernando Reis do Espírito Santo UESB/UFBA El professional de la educacion fisica em esferas democraticas de decision gubernamental? Com-213 Gustavo Rolando Coppola IPEF/Cordoba (Argentina) Novas configurações das políticas de esportes e a cidadania: Dimensões críticas desta relação Com-214 Marcelo Paula de Melo GP LMS - EEFD - UFRJ; UFF Lazer e natureza Lazer e acampamentos de férias: Possibilidades de intervenção profissional Com-221 Claudia Heringer Henriques CELAR/UFMG Lazer e esportes na natureza face à educação ambiental: entre o possível e o necessário Com-222 Cleber Augusto Gonçalves Dias GP LMS - EEFD - UFRJ 6 O imaginário dos praticantes de Rafting de lazer Com-223 Fabiana Rodrigues de Sousa (UGF/Uniabeu) e Vera Lucia de Menezes Costa (UGF/Unesa) Lazer e recreação em acampamento: O ponto de vista dos acampantes Com-224 Emerson Queiroz, Aline Martins e Olivia Ribeiro Senac/SP Lazer e minorias sociais Lazer e homossexualidade: Uma percepção dos líderes de movimentos no Rio de Janeiro Com-231 Mayra Djacui Baldanza GP LMS - EEFD - UFRJ A animação cultural e a inclusão social da pessoa com deficiência: O caso da Vila Olímpica da Maré e o Paço Imperial Com-232 Marcelo Siqueira de Jesus, Marcia Moreno GP LMS - EEFD – UFRJ Mulheres invisíveis: Estranhamento no espaço doméstico Com-233Wanja de Carvalho Bastos GP LMS - EEFD – UFRJ O lúdico, o jogo, a recreação O lúdico e o lazer em instituições educacionais Com-241 Ilse Lorena Von Borstel G. de Queirós Unioeste A utilização do lúdico nas aulas de educação física: O jogo em questão ou a questão do jogo? Com-242 Patrícia dos Santos Trindade Nascimento UNISUAM/FaMERC-RJ Significados da recreação na educação física escolar Com-243 Raquel Cristina Ramos CELAR/UFMG 7 ÍNDICE DE POSTERES A recreação e o lazer em cursos de graduação em turismo e hotelaria de MG Post-11 Cristina Rufini Bernardino CELAR/UFMG A vivência lúdica em hospitais: reflexões sobre as possibilidades de atuação com crianças portadoras de câncer Post-18 Hélder Ferreira Isayama, Alexandre Silva de Oliveira, Claudia Heringer Henriques, Claudia Meira Alves Simão, Edson Soares Medeiros Filho, Flavia da Cruz Santos, Lucas de Ávila Carvalho Mortimer, Marcos Filipe Guimarães Pinheiro, Gleidson Gomes de Souza, Renata Lane de Freitas Passos, Rodrigo Gonçalves Cata Preta, Talles Marques Trivelato, Thiago Assad Cury e Túlio Campos CELAR/UFMG CIAD: uma proposta de lazer para a pessoa portadora de deficiência Post-04 Ana Paula de Souza Costa GP LMS - EEFD - UFRJ Cicloturismo e lazer Post-06 André Maia Schetino CELAR/UFMG Cinema como opção de lazer na escola: uma abordagem sobre o Projeto Cineafro Post-29 Vagner Maia Brandão UFRJ Difusão cultural em comunidades de baixa renda do Rio de Janeiro: o papel das rádios comunitárias Post-08 Bruno Lima Patrício dos Santos GP LMS - EEFD - UFRJ Educação informal e o lazer: uma análise do impacto social do Projeto Esporte e Cidadania/SESC RJ Post-21 Carla Tavares (SESC Rio de Janeiro), Gilberto Fugimoto (SESC Rio de Janeiro) e Julio Maia (GP LMS - EEFD - UFRJ) Formação profissional para o lazer no âmbito da graduação em educação física Post-17 Giuliano Pimentel UEM Fotografia: um recurso de sustentabilidade aos projetos de ruas de lazer a partir do olhar de um animador cultural Post-27 Ryan Rangel Araújo e Salvador Inácio da Silva UVV 8 Fragmentos da história do remo na cidade de Porto Alegre Post-28 Silvana Vilodre Goellner, Leila Carneiro Mattos e Luanda dos Santos Dutra UFRGS Implicações metodológicas do jogo no contexto da educação física escolar Post-23 Lídia dos Santos Zacarias, Gina Gabrielle Peres Dutra e Lélia E. dos Reis Oliveira UFJF Influência do lazer através do projeto Clínica do Sorriso no tratamento do câncer Post-02 Ana Carolina Tavares Ferreti e Fabiana Fátima Dias de Souza UFJF Instrutor de Rafting: profissão lazer Post-26 Ryan Rangel Araújo e Salvador Inácio da Silva UVV Intervalo interativo: experiência de lazer na universidade Post-16 Ilse Lorena Von Borstel G. de Queirós Unioeste Lazer e atividades físicas de aventura na natureza: relação entre praticantes e o meio ambiente Post-19 Juliana Almeida Nahas CELAR/UFMG Lazer e educação ambiental: o entendimento de lazer entre profissionais da educação ambiental Post-10 Cleide Aparecida Gonçalves de Sousa CELAR/UFMG Lazer e esporte no SESI: analisando o programa esporte solidário Post-12 Daniela do Couto Bemfica Antonioni CELAR/UFMG Lazer e lei de incentivo à cultura: estudo sobre os doutores da alegria no sentido de apontar algumas diretrizes para captação de recursos por grupos de intervenção Post-24 Rodrigo Gonçalves Cata Preta CELAR/UFMG Lazer e mercado: a atuação profissional no setor público em Belo Horizonte Post-09 Cid Correia Mesquita, Cleide Aparecida Gonçalves de Sousa, Cristina Rufini Bernardino, Gliérico Fernandes Pimenta, Leonardo Lincoln Leite de Lacerda e Vivian Maria Reis Bertini CELAR/UFMG Lazer em busca de qualidade de vida Post-03 Ana Paula Muniz Gutierres, Juliana Rocha Delacio e Lídia dos Santos Zacarias UFJF 9 Lazer para a terceira idade na regional noroeste de BH Post-01 Alexandre Silva de Oliveira CELAR/UFMG Memórias de brincadeiras: vivências lúdicas de idosos que viveram suas infâncias em BH nas décadas de 1940-50 Post-22 Larissa Assis Pinho CELAR/UFMG O lazer na Fazenda Arvoredo: o exemplo da terceira idade Post-14 Fabiana Soares e Patrícia Barbosa UFJF O papel do animador cultural nas ruas de lazer Post-25 Ryan Rangel Araújo e Salvador Inácio da Silva UVV Revelando São Paulo - Roteiros Turísticos Pinheiros e Vila Madalena Post-05 André Ladaga, Anniela Horvat, Carolina Anauate, Giuliana Presto, Mariana Manganelli, Renato Constantino e Thais Bernardo UAM/SP Shopping Center enquanto espaço de lazer Post-15 Ialuska Guerra e Kellen Nogueira Vilhena CELAR/UFMG Significados de lazer em um clube de Belo Horizonte Post-20 Juliana Martins e Mendonça, Daniela do Couto Bemfica Antonini, Lílian Del-Gáudio Maciel, Lívia Carvalho Ferraz e Marina Pacheco Simião CELAR/UFMG Teatro e Lazer: novas possibilidades de inclusão social a partir das leis de incentivo à cultura Post-13 Edson Soares Medeiros Filho CELAR/UFMG Um roteiro turístico para os bairros da República, Bela Vista e Consolação/SP Post-07 Bruna Keiko Maeda, Claudia Carolina Leite Carreiro, Gabrielle Romão da Silva e Tatiana E. Kublikowski Presch UAM 10 ÍNDICE POR AUTORES Alan de Assis Gandra CELAR/UFMG Com-111 - Lei Rouanet: Fatores que interferem na viabilização de projetos de lazer Alessandra dos Santos Camargo CUCP Com-144 - Festival de jogos infantis (FEJI): Uma experiência de Animação Cultural em bases histórico-sociais Alexandre Pierre Teixeira de Souza CELAR/EEFTO/UFMG Com-121 - Da teoria clássica a teoria das relações humanas: O lazer influenciado pelos processos de gestão Alexandre Silva de Oliveira CELAR/UFMG Post-01 - Lazer para a terceira idade na regional noroeste de BH Post-18 - A vivência lúdica em hospitais: reflexões sobre as possibilidades de atuação com crianças portadoras de câncer Aline Martins Senac/SP Com-224 - Lazer e recreação em acampamento: O ponto de vista dos acampantes Ana Angélica de Lima UEM Com-142 - Animação Sociocultural no contexto hospitalar Ana Carolina Tavares Ferreti UFJF Post-02 - Influência do lazer através do projeto Clínica do Sorriso no tratamento do câncer Ana Paula de Souza Costa GP LMS - EEFD - UFRJ Post-04 - CIAD: uma proposta de lazer para a pessoa portadora de deficiência Ana Paula Muniz Gutierres UFJF Post-03 - Lazer em busca de qualidade de vida André Ladaga UAM/SP Post-05 - Revelando São Paulo – Roteiros Turísticos Pinheiros e Vila Madalena André Maia Schetino CELAR/UFMG Post-06 - Cicloturismo e lazer Angela Bretãs GP LMS - EEFD - UFRJ Com-141 - O lazer, a cidadania e a política no Projeto Tempo Livre 11 Anniela Horvat UAM/SP Post-05 - Revelando São Paulo – Roteiros Turísticos Pinheiros e Vila Madalena Bruna Keiko Maeda UAM Post-07 - Um roteiro turístico para os bairros da República, Bela Vista e Consolação/SP Bruno Adriano R. da Silva GP LMS - EEFD - UFRJ Com-112 - Lazer e Animação Cultural: Analisando o livro dos CIEPs Bruno Gawryszewski GP LMS - EEFD - UFRJ Com-211 - A intervenção do estado nos espaços públicos de lazer Bruno Lima Patrício dos Santos GP LMS - EEFD - UFRJ Post-08 - Difusão cultural em comunidades de baixa renda do Rio de Janeiro: o papel das rádios comunitárias Carla Tavares SESC Rio de Janeiro Post-21 - Educação Informal e o Lazer: uma análise do impacto social do Projeto Esporte e Cidadania/SESC RJ. Carlos Henrique dos S. Martins FAETEC/UFF Com-131 - Os bailes de charme como espaços de lazer e sociabilidades na cidade do Rio de Janeiro Carlos Nazareno F. Borges UFV Com-132 - Nem líder nem anjo: Big Brother no paredão Carolina Anauate UAM/SP Post-05 - Revelando São Paulo – Roteiros Turísticos Pinheiros e Vila Madalena César Pimentel Figueiredo Primo UESB/UFBA Com-212 - Atuação profissional nas Secretarias de Lazer da microrregião de Jequié/BA Cid Correia Mesquita CELAR/UFMG Post-09 - Lazer e mercado: a atuação profissional no setor público em Belo Horizonte Claudia Carolina Leite Carreiro UAM Post-07 - Um roteiro turístico para os bairros da República, Bela Vista e Consolação/SP Claudia E. P. de Oliveira UFV Com-132 - Nem líder nem anjo: Big Brother no paredão 12 Claudia Heringer Henriques CELAR/UFMG Com-221 - Lazer e acampamentos de férias: Possibilidades de intervenção profissional Post-18 - A vivência lúdica em hospitais: reflexões sobre as possibilidades de atuação com crianças portadoras de câncer Claudia Meira Alves Simão CELAR/UFMG Post-18 - A vivência lúdica em hospitais: reflexões sobre as possibilidades de atuação com crianças portadoras de câncer Cleber Augusto Gonçalves Dias GP LMS - EEFD - UFRJ Com-222 - Lazer e esportes na natureza face à educação ambiental: entre o possível e o necessário Cleide Aparecida Gonçalves de Sousa CELAR/UFMG Post-09 - Lazer e mercado: a atuação profissional no setor público em Belo Horizonte Post-10 - Lazer e Educação Ambiental: o entendimento de lazer entre profissionais da educação ambiental Cristina Rufini Bernardino CELAR/UFMG Post-09 - Lazer e mercado: a atuação profissional no setor público em Belo Horizonte Post-11 - A recreação e o lazer em cursos de graduação em turismo e hotelaria de MG Daniel Braga Hubner CELAR/UFMG Com-154 - Lazer e Turismo em Belo Horizonte: Uma abordagem histórica sobre a Pampulha na década de 1940 Daniela do Couto Bemfica Antonini CELAR/UFMG Post-12 - Lazer e esporte no SESI: analisando o programa Esporte Solidário Post-20 - Significados de lazer em um clube de Belo Horizonte Dauana da Cunha Pessoa GP LMS - EEFD - UFRJ Com-133 - Lazer e drogas ilícitas: Representações sobre o uso da maconha entre jovens freqüentadores da Lapa, RJ Edson Soares Medeiros Filho CELAR/UFMG Post-13 - Teatro e Lazer: novas possibilidades de inclusão social a partir das leis de incentivo à cultura Edson Soares Medeiros Filho CELAR/UFMG Post-18 - A vivência lúdica em hospitais: reflexões sobre as possibilidades de atuação com crianças portadoras de câncer Emerson Queiroz Senac/SP Com-224 - Lazer e recreação em acampamento: O ponto de vista dos acampantes 13 Fabiana Fátima Dias de Souza UFJF Post-02 - Influência do lazer através do projeto Clínica do Sorriso no tratamento do câncer Fabiana Rodrigues de Sousa UGF/Uniabeu; UGF/Unesa Com-223 - O imaginário dos praticantes de Rafting de lazer Fabiana Soares UFJF Post-14 - O Lazer na Fazenda Arvoredo: o exemplo da terceira idade Fábio Cássio Ferreira Nobre UFV Com-132 - Nem líder nem anjo: Big Brother no paredão Fernanda Caetano Cunha UFV Com-134 - O lugar do lazer na vida dos docentes universitários Fernanda Cunha Lima UFV Com-152 - O lúdico no proceso de esportivização da Peteca Fernando Reis do Espírito Santo UESB/UFBA Com-212 - Atuação profissional nas Secretarias de Lazer da microrregião de Jequié/BA Flavia da Cruz Santos CELAR/UFMG Post-18 - A vivência lúdica em hospitais: reflexões sobre as possibilidades de atuação com crianças portadoras de câncer Franklin Yukio Sakamoto UEM Com-142 - Animação Sociocultural no contexto hospitalar Gabrielle Romão da Silva UAM Post-07 - Um roteiro turístico para os bairros da República, Bela Vista e Consolação/SP Gilberto Fugimoto SESC Rio de Janeiro Post-21 - Educação Informal e o Lazer: uma análise do impacto social do Projeto Esporte e Cidadania/SESC RJ. Gina Gabrielle Peres Dutra UFJF Post-23 - Implicações metodológicas do jogo no contexto da Educação Física Escolar Giuliana Presto UAM/SP Post-05 - Revelando São Paulo - Roteiros Turísticos Pinheiros e Vila Madalena 14 Giuliano Pimentel UEM Com-142 - Animação Sociocultural no contexto hospitalar Post-17 - Formação Profissional Para O Lazer No Âmbito Da Graduação Em Educação Física Gleidson Gomes de Souza CELAR/UFMG Post-18 - A vivência lúdica em hospitais: reflexões sobre as possibilidades de atuação com crianças portadoras de câncer Gliérico Fernandes Pimenta CELAR/UFMGPost-09 - Lazer e mercado: a atuação profissional no setor público em Belo Horizonte Gustavo Rolando Coppola IPEF/Cordoba (Argentina) Com-113 - Recreacion Y Educacion Popular em Córdoba: Presencias difusas, ausencias claras em um pais em crisis Com-213 - El professional de la educacion fisica em esferas democraticas de decision gubernamental? Hélder Ferreira Isayama CELAR/UFMG Post-18 - A vivência lúdica em hospitais: reflexões sobre as possibilidades de atuação com crianças portadoras de câncer Ialuska Guerra CELAR/UFMG Post-15 - Shopping Center enquanto espaço de lazer Ilse Lorena Von Borstel G. de Queirós Unioeste Post-16 - Intervalo Interativo: experiência de lazer na Universidade Com-241 - O lúdico e o lazer em instituições educacionais José de Andrade Matos Sobrinho Com-143 - Criação, desenvolvimento e implementação de uma política de lazer para a COPAVA/MST - Itaberá/SP Juliana Almeida Nahas CELAR/UFMG Post-19 - Lazer e atividades físicas de aventura na natureza: relação entre praticantes e o meio ambiente Juliana Martins e Mendonça CELAR/UFMG Post-20 - Significados de lazer em um clube de Belo Horizonte Juliana Rocha Delacio UFJF Post-03 - Lazer em busca de qualidade de vida 15 Julio Maia GP LMS - EEFD - UFRJ Post-21 - Educação Informal e o Lazer: uma análise do impacto social do Projeto Esporte e Cidadania/SESC RJ. Karine Dalsin UFRGS Com-151 - Voleibol feminino: O lazer e as boas moças na Porto Alegre dos anos dourados Kellen Nogueira Vilhena CELAR/UFMG Post-15 - Shopping Center enquanto espaço de lazer Com-153 - Parque Municipal de Belo Horizonte: Um espaço de lazer na cidade moderna Larissa Assis Pinho CELAR/UFMG Post-22 - Memórias de brincadeiras: vivências lúdicas de idosos que viveram suas infâncias em BH nas décadas de 1940-50 Leandro de Azevedo UEM Com-142 - Animação Sociocultural no contexto hospitalar Leila Carneiro Mattos UFRGS Post-28 - Fragmentos da história do remo na cidade de Porto Alegre Lélia E. dos Reis Oliveira UFJF Post-23 - Implicações metodológicas do jogo no contexto da Educação Física Escolar Leonardo Lincoln Leite de Lacerda CELAR/UFMG Post-09 - Lazer e mercado: a atuação profissional no setor público em Belo Horizonte Lídia dos Santos Zacarias UFJF Post-03 - Lazer em busca de qualidade de vida Post-23 - Implicações metodológicas do jogo no contexto da Educação Física Escolar Lílian Del-Gáudio Maciel CELAR/UFMG Post-20 - Significados de lazer em um clube de Belo Horizonte Liliane Cardoso Gomide UFV Com-132 - Nem líder nem anjo: Big Brother no paredão Lívia Carvalho Ferraz CELAR/UFMG Post-20 - Significados de lazer em um clube de Belo Horizonte Luanda dos Santos Dutra UFRGS Post-28 - Fragmentos da história do remo na cidade de Porto Alegre 16 Lucas de Ávila Carvalho Mortimer CELAR/UFMG Post-18 - A vivência lúdica em hospitais: reflexões sobre as possibilidades de atuação com crianças portadoras de câncer Luciana Paula Posalque UEM Com-142 - Animação Sociocultural no contexto hospitalar Luciano Meira Del Sarto UESB/Jequié Com-114 - Políticas Públicas de Lazer: Uma análise em clubes sócio-recreativos da cidade de Jequié-BA Marcelo Coelho Domingues UFV Com-132 - Nem líder nem anjo: Big Brother no paredão Marcelo Paula de Melo GP LMS - EEFD - UFRJ; UFF Com-214 - Novas configurações das políticas de esportes e a cidadania: Dimensões críticas desta relação Marcelo Siqueira de Jesus GP LMS - EEFD - UFRJ Com-232 - A animação cultural e a inclusão social da pessoa com deficiência: O caso da Vila Olímpica da Maré e o Paço Imperial Marcia Moreno GP LMS - EEFD - UFRJ Com-232 - A animação cultural e a inclusão social da pessoa com deficiência: O caso da Vila Olímpica da Maré e o Paço Imperial Marcos Filipe Guimarães Pinheiro CELAR/UFMG Post-18 - A vivência lúdica em hospitais: reflexões sobre as possibilidades de atuação com crianças portadoras de câncer Mariana Manganelli UAM/SP Post-05 - Revelando São Paulo – Roteiros Turísticos Pinheiros e Vila Madalena Marina Pacheco Simião CELAR/UFMG Post-20 - Significados de lazer em um clube de Belo Horizonte Mayra Djacui Baldanza GP LMS - EEFD – UFRJ Com-231 - Lazer e homossexualidade: Uma percepção dos líderes de movimentos no Rio de Janeiro Olivia Ribeiro Senac/SP Com-224 - Lazer e recreação em acampamento: O ponto de vista dos acampantes 17 Patrícia Barbosa UFJF Post-14 - O Lazer na Fazenda Arvoredo: o exemplo da terceira idade Patrícia dos Santos Trindade Nascimento UNISUAM/FaMERC-RJ Com-242 - A utilização do lúdico nas aulas de educação física: O jogo em questão ou a questão do jogo? Rafhael Fernandes Pereira UFV Com-134 - O lugar do lazer na vida dos docentes universitários Com-152 - O lúdico no proceso de esportivização da Peteca Raquel Cristina Ramos CELAR/UFMG Com-243 - Significados da recreação na educação física escolar Renata Lane de Freitas Passos CELAR/UFMG Post-18 - A vivência lúdica em hospitais: reflexões sobre as possibilidades de atuação com crianças portadoras de câncer Renato Constantino UAM/SP Post-05 - Revelando São Paulo – Roteiros Turísticos Pinheiros e Vila Madalena Rodrigo Caldeira Bagni Moura CELAR/UFMG Com-122 - Os interesses intelectuais do lazer: Reencontrando a arte do futebol na obra de Carlos Drummond de Andrade Rodrigo Gonçalves Cata Preta CELAR/UFMG Post-18 - A vivência lúdica em hospitais: reflexões sobre as possibilidades de atuação com crianças portadoras de câncer Post-24 - Lazer e lei de incentivo à cultura: estudo sobre os doutores da alegria no sentido de apontar algumas diretrizes para captação de recursos por grupos de intervenção Rogério Santos Pereira UFV Com-134 - O lugar do lazer na vida dos docentes universitários Com-152 - O lúdico no proceso de esportivização da Peteca Ryan Rangel Araújo-UVV Post-25 - O papel do animador cultural nas ruas de lazer Post-26 - Instrutor de Rafting: profissão lazer Post-27 - Fotografia: um recurso de sustentabilidade aos projetos de ruas de lazer a partir do olhar de um animador cultural Salvador Inácio da Silva UVV Post-25 - O papel do animador cultural nas ruas de lazer Post-26 - Instrutor de Rafting: profissão lazer 18 Post-27 - Fotografia: um recurso de sustentabilidade aos projetos de ruas de lazer a partir do olhar de um animador cultural Samuel Gonçalves Pinto UFV Com-134 - O lugar do lazer na vida dos docentes universitários Com-152 - O lúdico no proceso de esportivização da Peteca Silvana Vilodre Goellner UFRGS Com-151 - Voleibol feminino: O lazer e as boas moças na Porto Alegre dos anos dourados Post-28 - Fragmentos da história do remo na cidade de Porto Alegre Silvio Ricardo da Silva UFV Com-134 - O lugar do lazer na vida dos docentes universitários Com-152 - O lúdico no proceso de esportivização da Peteca Talles Marques Trivelato CELAR/UFMG Post-18 - A vivência lúdica em hospitais: reflexões sobre as possibilidades de atuação com crianças portadoras de câncer Tânia Mara Magalhães UEM Com-142 - Animação Sociocultural no contexto hospitalar Tatiana E. Kublikowski Presch UAM Post-07 - Um roteiro turístico para os bairros da República, Bela Vista e Consolação/SP Telma Regina Oliveira UEM Com-142 - Animação Sociocultural no contexto hospitalar Thais Bernardo UAM/SP Post-05 - Revelando São Paulo – Roteiros Turísticos Pinheiros e Vila Madalena Thiago Assad Cury CELAR/UFMG Post-18 - A vivência lúdica em hospitais: reflexões sobre as possibilidades de atuação com crianças portadoras de câncer Túlio Campos CELAR/UFMG Post-18 - A vivência lúdica em hospitais: reflexões sobre as possibilidades de atuação com crianças portadoras de câncer Vagner Maia Brandão UFRJ Post-29 - Cinema como opção de lazer na escola: uma abordagem sobre o Projeto Cineafro 19 Vera Lucia de Menezes Costa UGF/Uniabeu; UGF/Unesa Com-223 - O imaginário dos praticantes de Rafting de lazer Vivian Maria Reis Bertini CELAR/UFMG Post-09 - Lazer e mercado: a atuação profissional no setor público em Belo Horizonte Vivian Maria Reis Bertini CELAR/UFMG Com-123 - Lazer e Cultura Popular, segundo o pensamento de Joffre Dumazedier Waldemar Marques Junior CUCP Com-144 - Festival de jogos infantis (FEJI): Uma experiência de Animação Cultural em bases historico-sociais Wanja de Carvalho Bastos GP LMS - EEFD – UFRJ Com-233 - Mulheres invisíveis: Estranhamento no espaço doméstico 20 ÍNDICE DOS TRABALHOS COMUNICAÇÕES Com-111 024 Com-112 031 Com-113 038 Com-114 048 Com-121 056 Com-122 063 Com-123 070 Com-131 078 Com-132 086 Com-133 094 Com-134 099 Com-141 105 Com-142 109 Com-143 116 Com-144 124 Com-151 129 Com-152 136 Com-153 140 Com-154 147 Com-211 153 Com-212 158 Com-213 166 Com-214 174 Com-221 181 Com-222 187 Com-223 194 Com-224 202 Com-231 210 Com-232 218 Com-233 224 Com-241 231 Com-242 239 Com-243 245 POSTERES Post-01 254 Post-02 256 Post-03 259 Post-04 262 Post-05 264 Post-06 270 Post-07 273 Post-08 276 Post-09 279 Post-10 282 Post-11 285 Post-12 288 Post-13 291 Post-14 294 Post-15 296 Post-16 300 Post-17 303 Post-18 307 Post-19 310 Post-20 313 Post-21 316 Post-22 319 Post-23 322 Post-24 324 Post-25 327 Post-26 329 Post-27 332 Post-28 334 Post-29 336 21 PROGRAMAÇÃO DO EVENTO 13 de maio de 2004 8h - Credenciamento 9h 30min - Solenidade de abertura 10h - Conferência Tema: A contribuição dos estudos culturais para pensar a animação cultural Conferencista: Heloísa Buarque de Hollanda (UFRJ) Mediador: Christianne Luce Gomes (UFMG) 12h 15min - Intervalo para almoço 14h - Comunicações Orais em Mesas Temáticas 16h - Intervalo 16h 30min - Mesa Redonda Tema: A animação cultural: linguagens A animação cultural e o teatro - Representante do “Teatro do Oprimido” A animação cultural e a dança - Carmen Luz (Cia. Étnica de Dança) Mediador: Hélder Isayama (UFMG) 18h 30min - Programação cultural Noite - Confraternização 14 de maio de 2004 9h - Mesa-Redonda Tema: A animação cultural: linguagens A animação cultural e as artes plásticas - Luis Vergara (CCBB) A animação cultural e a música - Leonardo Fuks (UFRJ) Mediador: Fábio de Sá Earp (UFRJ) 11h 15 min - Apresentação dos Posters 12h 15 min - Intervalo para almoço 14h - Comunicações Orais em Mesas Temáticas 16h - Intervalo 16h 30min - Conferência Tema: Desafios para pensar a Animação Cultural Beatriz Resende (UFRJ; Unirio) Mediador: Ricardo Freitas (UERJ) 18h 30min - Programação Cultural Noite - Confraternização 15 de maio de 2004 9h - Colóquio Cultural Exibição e debate do filme: "O Gosto dos Outros" Mediador: Victor Melo (UFRJ) 11h 30min - Plenária Final / Avaliação Noite - Confraternização 22 COMUNICAÇÕES 23 O LAZER E O ESTADO LEI ROUANET: FATORES QUE INTERFEREM NA VIABILIZAÇÃO DE PROJETOS DE LAZER Acad. Alan de Assis Gandra1 Profa. Dra. Christianne Luce Gomes (Orientadora) CELAR/EEFFTO/UFMG RESUMO: Este trabalho tem como objetivo estimular reflexões sobre a Lei Rouanet, o que foi feito por meio da discussão do entendimento de cultura presente neste documento e nos estudos sobre o tema, relacionando-os com o lazer, e identificar alguns fatores que interferem na viabilização de projetos beneficiados por esta legislação. A metodologia utilizada neste estudo foi baseada na combinação da pesquisa bibliográfica com a análise documental, utilizando ainda fontes provenientes de sites na internet sobre o assunto. Os resultados obtidos indicaram a necessidade do reconhecimento da Lei Rouanet como um possível mecanismo de intervenção para profissionais do lazer. Além disso, observamos que a atual política de incentivo cultural apresenta lacunas, pois deixa na mão de grandes empresas e empresários a escolha das ações que serão beneficiadas. PALAVRAS-CHAVES: lazer, Lei Rouanet, cultura. Introdução Nos encontros do Grupo de Estudos sobre Lazer, Saúde e Educação Física, desenvolvidos na Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG, foi abordada a questão sobre a dificuldade de se conseguir, na realidade brasileira, apoio financeiro para viabilizar projetos e ações direcionados para o lazer. Outra questão abordada foi a pouca informação a respeito dos mecanismos disponíveis, na legislação em vigor, que favorecem o desenvolvimento de atividades de Lazer. Sendo assim, este trabalho tem como objetivo estimular reflexões sobre esta questão, o que será feito por meio da discussão do entendimento de cultura presente na Lei Rouanet e nos estudos sobre o tema, relacionando-os com o lazer, e identificar alguns fatores que interferem na viabilização de projetos de lazer. As questões norteadoras deste trabalho foram as seguintes: Que concepção de cultura está presente na lei? Que tipo de projeto pode ser aprovado, e quem pode encaminhá-lo? Que possibilidades a lei disponibiliza para viabilização de projetos de lazer? Com referência aos mecanismos que podem favorecer o desenvolvimento de trabalhos relativos ao lazer, observamos que a Lei Rouanet de Incentivo a Cultura pode ser um dos principais instrumentos de que dispomos, atualmente, no Brasil. Mesmo estando em vigor há mais de dez anos, são poucos os que detêm um conhecimento sobre o seu conteúdo. 1 . Aluno da graduação em Educação Física da UFMG, bolsista do Programa Especial de Treinamento – PET. Endereço para contato: Rua Tomé de Souza, nº 291, apto. 702 – Bairro Funcionários – Bhte (MG), CEP 30140-130. [email protected] 24 A relevância deste estudo consiste na necessidade de difundir informações que poderão auxiliar os profissionais do campo do lazer na viabilização de seus projetos, além de poder contribuir para uma maior socialização dos mecanismos de acesso aos benefícios da Lei Federal de Incentivo Cultural. Também faz um alerta que poderá orientar a formulação de novas políticas públicas de incentivo a cultura que não deixem os processos e produtos da nossa produção cultural a mercê de interesses econômicos, ampliando conhecimentos sobre as relações do Lazer com a Cultura. A metodologia utilizada neste estudo foi baseada na combinação da pesquisa bibliográfica com a análise documental, utilizando ainda fontes provenientes de sites na internet sobre o assunto, com vistas a diversificar as possibilidades de intervenção profissional no âmbito do lazer. Lei Rouanet de incentivo a cultura: reflexões e possibilidades para o lazer A primeira Lei Federal de incentivo cultural entrou em vigor em 1986 e ficou conhecida como “Lei Sarney”, nome do então presidente da República e autor do projeto. Esta Lei foi revogada em março de 1990 pelo presidente Fernando Collor, quando houve a implantação do Plano Collor-I. O país ficou quase dois anos carente de uma Lei Federal que favorecesse investimentos na área da cultura, pois somente em Dezembro de 1991 é que a Lei 8.313 foi aprovada pelo Congresso Nacional, ficando conhecida pelo sobrenome do Ministro da Cultura Sérgio Paulo Rouanet. A Lei Rouanet instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura – PRONAC, que visa promover ações no sentido de desenvolver a cultura nacional. Mas, o que significa cultura? No mundo existem diversas culturas. É muito comum o estranhamento causado pelo contato com formas de vida, de relacionamento, e de comportamento, diversos do que estamos habituados no nosso dia-a-dia. Podemos citar como exemplo, o mal-estar causado em nossa sociedade quando jornais brasileiros noticiaram a forma como viviam muitas mulheres no Afeganistão, tendo que fazer o uso da burca2 para não mostrar o rosto em público. Este estranhamento é um reflexo da nossa cultura. Como citou, o historiador grego, Heródoto, muitos homens entendem seus costumes como melhores do que os dos outros. Esta tendência que hoje é chamada de etnocentrismo – achar que seu modo de vida é melhor e mais correto do que o do outro – pode levar ao racismo, a intolerância, além de justificar a violência contra o que é considerado diferente. Os homens têm a tendência, explica Laraia (1996, p.75), “[...] em considerar o seu modo de vida como o mais correto e o mais natural”, mas o modo de vida reflete, na verdade, a nossa cultura apreendida, não existindo assim um que seja mais natural, pois todos são adquiridos. Cada grupo social possui uma cultura própria que o identifica, esta identificação se constitui, observa Noronha (2003, p.88) referindo-se a Mauss, como um “fato social total”. A não existência de uma cultura única descarta a teoria evolucionista adaptada aos estudos da cultura, que observa sociedades ditas “primitivas” como tendo um nível cultural inferior que deveria evoluir para um nível superior. O fator que mais influencia nas diferenças culturais é a capacidade humana de aprender, de criar e de comunicar. Para Hoebel (1966, p.208) a “cultura é integralmente o resultado de invenção social, e pode ser considerada como herança social, pois é transmitida por ensinamento a cada nova geração”. Ele cita também que: 2 . Veste usada em público por algumas mulheres muçulmanas da Ásia, e que envolve o corpo, inclusive a cabeça tendo, na altura dos olhos, dispositivo que permite que a mulher veja sem que seja vista (FERREIRA, p.342). 25 Somente no homem o sistema nervoso atingiu o grau de complexidade e adaptabilidade que permite a criação e conservação da cultura através do raciocínio complexo, da posse de uma memória ampla para fixação de detalhes e do uso de símbolos verbais: a linguagem (p.210). Como destacado pelo autor da citação acima, a linguagem surge como um fator determinante da nossa bagagem cultural, individual e coletiva. A ausência de um sistema de comunicação desenvolvido, além da memória, impede aos animais sem fala o desenvolvimento de uma verdadeira cultura. O desenvolvimento da humanidade ocorreu simultaneamente a um grande avanço dos meios de comunicação. O homem, a partir da fala desenvolveu outras formas de linguagem, como: a escrita, livros, teatro, dança, musica, jornais, rádios, revistas, telefones, televisão e a internet. Estes avanços ao mesmo tempo em que permitem contato com diversas culturas, também podem levar a tentativas de imposição de uma cultura sobre a outra, como ocorre com processo de “globalização”3, que, de certa forma, apresenta características etnocêntricas, pois enfatiza aspectos como a massificação e a homogeneização. Somos seres biológicos, sociais e culturalmente diversos, mas nossa sociedade globalizada busca insistentemente o enquadramento das pessoas, o que favorece as formas de exploração e de consumo. O acesso e o conhecimento dos bens culturais produzidos pela humanidade são também meios que possibilitam entender e lutar contra vários tipos de exploração. Mas não devemos confundir comportamento com cultura, como explica Murdock (1966, p.294): Um comportamento social efetivo, como observado na vida real, deve ser cuidadosamente distinguido da cultura, que consiste de hábitos ou tendências para agir, e não das ações em si. Ainda que, em grande parte, determinado pelos hábitos, o comportamento efetivo é também afetado pelo estado fisiológico e emocional do indivíduo, pela intensidade de seus impulsos e pelas circunstâncias externas particulares. De vez que duas situações nunca são exatamente iguais, o comportamento efetivo flutua consideravelmente, ainda que originado de um mesmo hábito. Consequentemente, a descrição de uma cultura nunca é um relato do comportamento social efetivo, mas sim, uma reconstrução dos hábitos coletivos que lhe são subjacentes. Pode-se afirmar, portanto, que o desenvolvimento humano, individual e coletivo passa por um constante processo de modificação cultural. Estas modificações, segundo Murdock (1966, p.300), ocorrem através de vários processos, inovação, aceitação social, eliminação seletiva e integração. Dentre estes, o processo de inovação, através do “empréstimo cultural”, segundo o autor, é o mais importante, pois ele não acredita “que haja uma única cultura conhecida pela história ou pela antropologia que não tenha devido pelo menos noventa por cento de seus elementos constitutivos ao empréstimo cultural”. Segundo este mesmo autor dois fatores são determinantes para que ocorra o “empréstimo cultural”. O primeiro fator diz que deve existir contato entre as culturas para que ele se processe. O segundo relata que um novo hábito só será adotado se este for compensador em relação ao hábito anterior. Daí a importância de Leis que busquem preservar e difundir valores da nossa cultura, como a Lei Rouanet. Como cita Laraia (1996, p.47): 3 . Processo típico da segunda métade do séc. XX que conduz a crescente integração das economias e das sociedades dos vários países, especialmente no que toca à produção de mercadorias e serviços, aos mercados financeiros, e à difusão de informações (FERREIRA, 1999, p.991). 26 (...) não basta a natureza criar indivíduos altamente inteligentes, isto ela o faz com freqüência, mas é necessário que coloque ao alcance desses indivíduos o material que o permita exercer a sua criatividade de uma maneira revolucionária. Um texto extraído da Lei nos informa que tipo de projeto pode ser beneficiado por esta legislação. Os projetos devem destinar-se a desenvolver as formas de expressão, os modos de criar e fazer, os processos de preservação e proteção do patrimônio cultural, bem como contribuir para propiciar meios que permitam o conhecimento dos bens e valores artísticos e culturais.4 Mesmo que não expresse um conceito formal de cultura, este texto nos mostra que entendimento de cultura presente na Lei é bastante amplo, pois envolve as formas de expressão, os modos de criar e fazer e o patrimônio cultural, entre outros. Sendo que, o patrimônio cultural é entendido como um “conjunto de bens materiais e imateriais de interesse para a memória do Brasil e de suas correntes formadoras (...)5”. Apesar da Lei não mencionar a palavra “lazer”, o entendimento de cultura identificado no documento abre possibilidades para que este fenômeno possa ser contemplado, com os benefícios por ela proporcionados. Melo (2003, p.39) esclarece que “as atividades de lazer são sempre culturais”, sendo assim, os interesses do lazer (físicos, artísticos, manuais, intelectuais, sociais), levantados por este autor com referência a Dumazedier, são passíveis de serem beneficiados pela lei. Por outro lado, com relação ao lazer, é importante salientar que uma das dificuldades encontradas é o descaso que a sociedade direciona a esta área, pois este é visto muitas vezes como algo improdutivo, fundado na brincadeira e no descanso, algo que não é “sério”, portanto, desprovido da necessidade de ser enfocado por meio de uma análise crítica. Como cita Marcellino (1996, p.7), o lazer é um termo: (...) carregado de preconceitos, motivados por um pretenso caráter supérfluo dessas atividades, contrapondo-se à nossa situação sócio-econômica, e pela sua utilização como instrumento ideológico, contribuindo para o mascaramento das condições de dominação nas relações de classe, mantendo viva a expressão “Pão e circo”. Este preconceito em relação ao Lazer é reflexo de uma visão restrita do mesmo, geralmente fruto de associações com a indolência, a preguiça e a ociosidade. Sendo assim, muitos não vêem a relevância do Lazer como um processo educativo, contribuindo para mudanças de ordem moral e cultural dos indivíduos. Não queremos dizer com isso, que o descanso, o divertimento e a recuperação de energias despendidas em outros momentos, não estejam presentes no Lazer, mas sim, que muitas vezes apenas estes aspectos são valorizados. Para Werneck (2000, p.13) “essas visões parciais e desconectadas da trama social e política imperam no senso comum, impelindo o estabelecimento de reflexões mais consistentes sobre os significados históricos, sociais e culturais do lazer”. O conceito assinalado por Marcellino (1990, p.31), que entende o Lazer como sendo “cultura – compreendida no seu sentido mais amplo – vivenciada (praticada 4 . Art. 25 da Lei 8.313, de 23 de dezembro de1991. . Art. 3º, VIII, do decreto nº1.494, de 17 de maio de 1995. 5 27 ou fruída) no “tempo disponível”, é uma referência importante para este trabalho. Para o autor, o caráter “desinteressado” da vivência, a opção pela atividade prática ou contemplativa e a busca do prazer, são elementos que caracterizam o lazer. Noronha (2003, p.111) faz uma ressalva ao entendimento de Lazer como cultura, afirmando que, “o lazer é uma das importantes dimensões da cultura, assim como o trabalho, a educação, a família, dentre outros”. Com relação a este assunto, Werneck (2003, p.36) nos informa que: A cultura constitui um campo privilegiado de produção humana em várias perspectivas, e o lazer representa uma de suas dimensões. Podemos afirmar que o lazer não é, desta maneira, sinônimo de cultura, tampouco é caracterizado apenas pelos aspectos “tempo e atitude”. De acordo com a nossa compreensão, o lazer é um artefato cultural construído pelos sujeitos a partir de quatro elementos inter-relacionados: das ações, do tempo, do espaço/lugar e dos conteúdos culturais vivenciados. Para esta autora (2000, p.126) é relevante considerar o lazer como possibilidade de produção de cultural e como direito social. As vivências lúdicas, mobilizadas pelo desejo e influenciadas por aspectos sociais, políticos, culturais e econômicos, que caracterizam alguns aspectos do lazer, são uma oportunidade para a produção de cultura. Também, entender o lazer como um direito social, fruto de reivindicações e lutas dos trabalhadores, é que faz deste um direito de todos e não um privilégio de poucos. Para a autora (2003, p.51), “ao se dedicarem à produção dos bens, os cidadãos deveriam ter também o direito de usufruir da riqueza (material e imaterial) que ajudaram a construir”. É importante observar que a nossa sociedade valoriza mais os produtos, já que estes são passíveis de serem comercializados e produzirem lucro das produções relacionadas ao Lazer, ao Esporte e à cultura do que os processos envolvidos na construção destes conteúdos. Citando novamente Marcellino (1998, p.37). (...) a atividade humana está vinculada à construção de significados que dão sentido à existência. A análise da cultura, dessa forma, não pode ficar restrita ao “produto” da atividade humana, mas tem que considerar o “processo dessa produção” – “o modo como esse produto é socialmente elaborado”. Todavia, muitas pessoas têm seus processos de apropriação de conteúdos culturais dificultados, na maioria das vezes, por dificuldades econômicas. Os produtos das produções culturais geralmente não são gratuitos. A população pode ter despesas de transporte, alimentação e de compra de ingressos para estes eventos. Estas dificuldades, como assinala Marcellino (1995, p.55), acontecem em função de um conjunto de variáveis, que têm como pano de fundo: as limitações econômicas, formando um todo inibidor, quer em termos da quantidade e, principalmente, da qualidade de participação. A classe, o nível de instrução, a faixa etária, e o sexo, entre outros fatores, limitam o verdadeiro lazer a uma minoria da população. Os projetos encaminhados ao Ministério da Cultura devem proporcionar benefícios para a população e democratizar o acesso da população aos bens culturais. Sendo assim, projetos que tentem amenizar diferenças culturais, através de ações como: entradas gratuitas em espetáculos, exposições e festas em locais abertos, são bem vistos pela comissão avaliadora. Podemos notar, também, que estas atividades se constituem em ótimas oportunidades para vivências de lazer da população. Os projetos podem ser 28 encaminhados por pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, com ou sem fins lucrativos, de natureza cultural. Observamos também que muitos profissionais que atuam no campo do Lazer podem se beneficiar de um conhecimento mais elaborado a respeito desta Lei, porém apenas o conhecimento do seu teor não garante o sucesso do empreendimento. O que o Governo assegura é a dedução do Imposto de Renda de empresas interessadas em investir em cultura. Sendo assim, é necessário que, após a aprovação do projeto, sejam encontradas empresas interessadas em investir na proposta elaborada. Para isto é imprescindível que além do conhecimento da Lei, quem quiser viabilizar um projeto tenha também noções sobre contabilidade e Marketing Cultural. As noções contábeis são importantes no momento da busca do patrocínio, pois através delas torna-se possível argumentar sobre os benefícios que a Lei Rouanet pode trazer ao patrocinador. Já o Marketing Cultural é toda ação que utiliza a cultura como forma de divulgar um produto ou fixar a imagem de uma empresa. Num mercado competitivo como o nosso investir em cultura pode ser uma forma de diferenciar uma marca das demais. Considerações Finais Com este trabalho constatamos que alguns fatores interferem diretamente na viabilização de projetos de lazer através da Lei Rouanet. O primeiro relaciona-se com o não entendimento do lazer, por muitos profissionais, como uma das dimensões da cultura, pois muitos projetos culturais configuram-se também como projetos de lazer. O segundo fator está relacionado ao desconhecimento da Lei Rouanet, que pode ser uma ferramenta importante para profissionais do lazer, e de outras áreas, na sua atuação. O terceiro fator refere-se ao nosso entendimento de que a política atual de incentivo cultural precisa ser revista, pois deixa na mão de grandes empresas e empresários a escolha do que será beneficiado ou não pela Lei em nosso país. Estas empresas buscam, de uma maneira geral, investir em eventos que tenham um bom retorno de mídia, deixando muitas vezes pequenos grupos sem recursos para desenvolver seus projetos. Além desses fatores, observamos que a concepção de cultura presente na Lei é abrangente, como citado neste trabalho. Os projetos que podem ser beneficiados por esta legislação devem proporcionar o desenvolvimento, a preservação e/ou a difusão de elementos da nossa cultura. Esperamos que as informações contidas neste trabalho possam auxiliar profissionais do campo do lazer, e de outras áreas, na viabilização de seus projetos e contribuir para uma maior socialização dos mecanismos de acesso aos benefícios da Lei Federal de Incentivo Cultural. Referências BRASIL. Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988. BRASIL. Decreto nº 1.494, de 17 de maio de 1995. Regulamenta a Lei nº 8.313 de 23 de dezembro de 1991 e estabelece a sistemática de execução do Programa Nacional de Apoio a Cultura - PRONAC, e dá outras providências. Disponível em: http://www.cultura.gov.br/legisl/docs/D-001494.htm. Acesso em: 30 abr. 2003. 29 BRASIL. Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991. Restabelece princípios da Lei nº 7.505, de 2 de julho de 1986. Disponível em: http://www.cultura.gov.br/legisl/docs/L008313.htm. Acesso em: 28 jan. 2003. BRASIL. Lei nº 9.874, de 23 de novembro de 1999. Altera dispositivos da Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991, e dá outras providências. Disponível em: http://www.cultura.gov.br/legisl/docs/L-009874.htm. Acesso em: 30 abr. 2003. CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Editora Ática, 1994. DAÓLIO, Jocimar. Da cultura do corpo. Campinas (SP): Papirus, 1995. DUMAZEDIER, Joffre. Sociologia empírica do lazer. São Paulo: Perspectiva, 1979. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. 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Entendendo ser a proposta de Animação Cultural um grande avanço a respeito da discussão teórica, principalmente no Brasil, analisaremos a sua primeira manifestação no Projeto dos CIEPs na década de 80 no governo de Leonel Brizola no estado do Rio de Janeiro. Gostaríamos de trabalhar, notadamente a Animação Cultural restringindo a discussão ao Livro dos CIEPs, apontando a partir da revisão de alguns autores, os créditos e os descréditos pertinentes a essa proposta, não em um sentido de cumplicidade teórica, mas sim de acordo com as possibilidades existentes no que se refere a efetividade prática dessa proposta. PALAVRAS-CHAVES: CIEPs, animação cultural, educação integral. Introdução Entendendo ser as discussões pertinentes ao campo do lazer, de extrema relevância, buscaremos trabalhar dentro da perspectiva de intervenção nesse campo, com o pensamento da animação cultural. Na revisão do Livro dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), buscaremos algumas reflexões sobre a proposta de animação cultural ensaiada por Darcy Ribeiro em seu projeto educacional do início da década de 80 no Rio de Janeiro, apontando algumas dessas reflexões no que diz respeito construção teórica do projeto. Primeiramente, se faz necessário uma maior compreensão sobre alguns aspectos conjunturais que regiam a discussões no campo da educação no Rio de Janeiro e no Brasil. Levando sempre em consideração todos os campos de influência no quadro educacional no Brasil da década de 80, principalmente referindo-se ao processo de desmonte da ditadura militar e da ascensão das manifestações populares em todo o País, culminado em um longo processo de organização civil em nossa sociedade. Nesse contexto trataremos da formação dos Centros Integrados de Educação Pública, atentando-se para os fatos e para o tratamento ideológico dado a esse projeto. Invocando a animação cultural como pré suposto teórico de estudo, após compreendermos o recente passado de formação destes Centros educacionais, buscaremos no que diz respeito, ao pensamento da animação cultural idealizado e fundamentado pelo então Vice -Governador do estado do Rio de Janeiro Darcy Ribeiro. Compreendendo suas nuances e as suas relações exercidas com a comunidade, como possibilidade educacional e de formação social. 6 . Esse artigo aqui apresentado, diz respeito ao primeiro capítulo do meu trabalho de conclusão do curso de Licenciatura em Educação Física. 7 . Contato: [email protected] 8 . Coordenador do núcleo “Lazer e escola pública”. Contato: [email protected] 9 . Grupo de pesquisa coordenado pelo Professor Dr. Victor Andrade de Melo. Contato: www.lazer.eefd.ufrj.br 31 A escola pública de horário integral (CIEP): fatos, e sua formação Balizando a análise conjuntural principalmente nos últimos e primeiros anos das décadas de 70 e 80 respectivamente, mais precisamente de 1978 a 1984 (ano este de construção do primeiro CIEP), vemos aflorar em todo o país focos de manifestações contrária a ditadura militar, implementada em 1964, e a seus projetos de governo. Vemos principalmente no movimento civil organizado, uma grande resistência contra o então regime ditatorial, onde na condição de expressão popular, desenhava-se uma potencialidade de desorganização do pensamento imposto pelo então regime político de nosso país. COUTINHO (2002) se expressa relacionando momentaneamente esse crescimento ao período pós - Estado Novo 1945 – 64, “Paradoxalmente uma sociedade civil cresce e se consolida no Brasil, no final dos anos 70 e na primeira metade dos anos 80” (p. 23). Essa organização civil consolida principalmente a necessidade de uma redemocratização em nosso país, assim explanada por FRIGOTTO (2002) “Não é difícil, olhando no retrovisor de nossa história recente perceber que a sociedade brasileira, paradoxalmente experimentou na década de 80 um rico processo de luta pela redemocratização, no sentido forte de democracia (...).” (pág. 54) Objetivando em tese, uma maior participação popular nos rumos e caminhos a serem seguidos pelo Estado. Temos, mais especificamente no quadro educacional, no final da década de setenta e início dos anos oitenta em nosso país uma série de fatos, que começam a construir um pensamento sobre um processo educacional renovado, vemos o explodir de focos grevistas em diversos estados, a criação da Associação Nacional de Pósgraduação em Educação (ANPEd), o efetivar do Centro de Estudos de Educação e Sociedade (CEDES) e em 1980 a realização da I Conferência Brasileira de Educação em São Paulo, compartilhando com a reunião da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência, no Rio de Janeiro com a temática “Ciência e Educação na Sociedade Democrática” (1980) os culminares dessa reviravolta em todo o projeto educacional da ditadura. Sendo mais específicos, giro os holofotes para o Estado do Rio de Janeiro afinal me familiarizo, nessa perspectiva de formação dos CIEPs, com o seu estado de criação. Após anos sem eleições estaduais diretas no Brasil, assumem em seus respectivos estados em março de 1983, os vários governadores eleitos com a participação popular. No Rio de Janeiro, o Governo Pedetista ( PDT ) de Leonel Brizola toma posse definindo diretamente sua linha política de atuação em diversas áreas, não excluindo a educação que ficaria a cargo do então Vice-governador e secretário de cultura Darcy Ribeiro, através de uma nomeada comissão coordenadora de educação e cultura. Nesse contexto, seguindo os rumos de seu projeto de governo, lançam-se no Rio de Janeiro as Diretrizes educacionais em duas versões, citadas por MAURÍCIO (2001): (...) a educacional, três blocos de teses que foram discutidos no I Encontro de Professores do Primeiro Grau da Rede Pública do Rio de Janeiro, ocorrido em Mendes, publicados em novembro de 1983 no 1° Jornal Escola Viva, enviado para cada professor em todas as escolas do estado e do município do Rio de Janeiro; e a legal, Plano Quadrienal de Educação, contido no Plano de Desenvolvimento Econômico e Social do Estado do Rio de Janeiro para o período de 1984 – 1987, aprovado sem emendas pela Assembléia Legislativa em 21 de dezembro de 1983 e pelo Conselho Estadual de Educação em maio de 1984. Os três blocos de teses, reformulados após sua discussão no Encontro de Mendes, foram publicados em dezembro de 1983 no n° 2 do Jornal Escola Viva. (p. 20) 32 Esses documentos acima citados constituíram em sua essência o Primeiro Plano Especial de Educação (I PEE), documento este que regeria a educação no estado do Rio de Janeiro, considerado por muitos como um plano que revolucionaria o sistema educacional brasileiro pautado em uma “deliberação histórica” (RIBEIRO, 1986, p. 32) tomada a partir de uma consciência social sobre os marginalizados10, ainda mais sendo esses, grande maioria tal como ocorre no Brasil, o que possibilitava uma total exclusão à margem civilizatória de nosso tempo (RIBEIRO, 1986). Permeando o Plano Especial de Educação, partiremos para uma revisão sobre o Projeto dos CIEPs, considerando algumas peculiaridades existentes nesse processo. Colocando nesse momento em xeque, o sistema educacional na época de formação dos CIEPs, temos segundo RIBEIRO (apud PELAYO, 1989) uma característica bastante fracassada baseada em duas questões intensamente factuais, a magnitude da rede escolar e a sua precariedade, pela quantidade de pessoas envolvidas (alunos, docentes e administradores e pela sua produção). Nesses aspectos, números da condição educacional da época comprovam o explicitado, pensando-se por intermédio de dados do então recém empossado Governo do estado do Rio de Janeiro na década de 80. Claramente falando, podemos atentar para a precariedade do ensino, nos orientando pelo resultado da “Máquina educacional brasileira” que produzia cerca de 500 mil analfabetos adultos por ano, considerando o fato do iletrado ser caracterizado por não saber “desenhar” o próprio nome (RIBEIRO, 1986, p.11). Traçando uma leitura muito consistente sobre a situação representada acima, PELAYO (1989) enfoca uma abordagem consideravelmente crítica a respeito desses números, considerando o crescimento escolar brasileiro como uma mera amostra quantitativa não condizente com as necessidades sociais, o que se exemplificava no crescente número de analfabetos no país nas ultimas duas décadas. Colocava-se como classificação de uma escola antipopular, aspectos que enquadravam as intencionalidades educacionais, pertinentes às classes dominantes de nosso país. Trata-se necessariamente do exíguo tempo de atendimento ás crianças de baixa renda, comprometidas com os diversos fatores sociais que ás permeiam, ou seja, as crianças que vivem em condições precárias, notadamente nas favelas e nos bairros pobres. Fica clara a diferença, portanto, entre o afortunado e os desprovidos socialmente, entendendo ser nessa relação, dentro de um norte antagônico, ás claras diferenças do sistema educacional brasileiro para com o pensamento dos CIEPs. Neste viés RIBEIRO (1986) levanta e aborda a seguinte questão: A criança das classes abandonadas que tem em casa quem estude com ela, algumas horas extras enfrenta galhardamente esse regime escolar em que quase não se dá aula. Ele só penaliza, de fato, a criança pobre oriunda de meios atrasados, porque ela só conta com a escola para aprender alguma coisa. Aqui esta o fulcro da questão: nossa escola é fracassa por seu caráter cruelmente elitista. Alguns educadores alienados envoltos na névoa de sua pedagogia pervertida estão dispostos a firmar que o fracasso escolar da criança pobre se deve as deficiências que ela trás de casa. A escola não teria nada a ver com isso. Os professores enfrentariam, neste caso, uma situação carêncial insuperável, em conseqüência da qual a maioria da população brasileira seria ineducável. (...) O pequeno favelado, comendo pouco e mal, cresce raquítico. Às vezes é até prejudicado por malformações, se a fome ocorre muito cedo ou se é demasiada. Sua fala é 10 . Assim caracterizados os analfabetos e os insuficientemente instruídos dentro de uma sociedade “culturalmente letrada” (Ribeiro, 1986, p.12). 33 também peculiar e atravessada, aos ouvidos da professora. Toda a sua inteligência está voltada para luta pela sobrevivência autônoma, em esforços nos quais alcança uma eficácia incomparável. A criança afortunada se desenvolve bem fisicamente, fala a língua da escola é ágil no uso do lápis e na interpretação de símbolos gráficos e chega a escola altamente estimuladas pelos pais, através de toda a espécie de prêmios e gratificações, para aprender rapidamente. Uma e outra têm incapacidades específicas: o favelado, para competir na escola; o afortunado, para sobreviver solto na cidade (...). Frente a esses fatos, precisamos começar a reconhecer e proclamar que temos uma escola primária não só seletiva, mas elitista. Com efeito, ela recebe as crianças populares massivamente, mas tratando-as como se fossem iguais as oriundas dos setores privilegiados, assim as peneira e exclui da escola. (p.13) Ressaltamos ainda, outras visões causais de acordo com RIBEIRO (1986), como contribuintes para o progresso do fracasso educacional brasileiro, entendendo as demandas sociais como fatores capitais pra tal situação, há de se ressaltar aqui a extrema desigualdade social que se faz refletir nos vários âmbitos sociais. A educação como aporte de um projeto político de sociedade, inegavelmente se faz presente nessas representações. Portanto frente a esses fatos, torna-se inegável ao que compete educacionalmente às escolas, como fontes primárias de formação social, tal investimento onde “educa-se” uma minoria da população e renega-se um enorme contingente de nossa sociedade. É interessante grifarmos, inseridos no contexto acima, a relação existente internamente entre os vários aspectos que formam este Centro Integrado de Educação Pública, atentando prioritariamente para a proposta democratizadora no processo educativo, onde a parte integrante deste processo se faz presente de modo direto em todas as decisões e rumos deste modelo escolar. Nesta perspectiva pedagógica, tratar a animação cultural como um ponto fundamental para o entrelace da relação escola-comunidade, ganha uma valorosa importância, à medida que possibilitava o acesso à educação a quem estava a mercê da marginalização social. Especificamente falando, trataremos a seguir essa questão pertinente à animação cultural como ponto chave na compreensão pedagógica de intervenção social dos CIEPs, entendendo ser esse ponto um fator fundamental para o pensamento revolucionário da época, muito à frente, de todos os projetos educacionais em nosso país implementados. A proposta de animação cultural nos CIEPs Dentro das especificidades elucidadas anteriormente, vemos com muita clareza os rumos dados ao projeto dos CIEPs, entendendo algumas considerações sobre seus difusores ideológicos e sobre suas propagações críticas a respeito do modelo educacional seguido no Brasil ao longo de sua história. Notadamente, no que se refere aos modelos de intervenção pedagógica, temos como “elo integrador” (RIBEIRO, 1986, p.133) a animação cultural entendida como uma pedagogia difusora e propagadora da vida social dentro da escola. Especificamente falando na animação cultural, DARCY RIBEIRO (1986) explanava com muita convicção uma certa simbiose entre a educação e o contexto cultural, alertando para as potencialidades ali existentes “a cultura irriga e alimenta a educação, que por sua vez é um excelente meio de transmissão da cultura” (pág. 133). Dessa maneira as estruturas dos CIEPs estavam voltadas para o que a escola tradicional renega e classifica como secundário, os valores culturais de, e o diálogo com, uma 34 sociedade conforme exposto por CAVALIERE (2003) “Ao contrário, as reprovações, os conteúdos rigidamente estabelecidos, a concepção formal de disciplina, a rejeição à diferença cultural, elementos típicos da chamada pedagogia tradicional, continuam sendo os mais eficientes vetores do fracasso escolar e da exclusão precoce das crianças brasileiras da escola.” (p.6). Percebendo essa demanda, o projeto de animação cultural dos CIEPs mais do que apenas orientar, instrumentalizava e possibilitava um maior alcance das manifestações culturais a essa população distante dos sistemas formais de ensino e muitas vezes entregues as atividades marginais. RIBEIRO (1986), nessa perspectiva trabalha com o explanado de forma oficial no regimento interno dos CIEPs, referendado no capítulo X art. 60 inciso 1° e 2° Art. 60 - O programa de animação cultural, desenvolvidos nos CIEPs, busca concretizar o trabalho de cultura. § 1º. – Os coordenadores de animação são produtores de cultura, articulam a cultura local e a trabalhada na escola. § 2º. - Os animadores culturais são em número, de pelo menos, 3 por CIEP. (p.147) Entendendo e efetivando a proposta contida no projeto de animação cultural dos CIEPs, RIBEIRO (1986) intencionalizava sua visão no que concerne a transformação da escola em um espaço inteiramente democrático, coadunando o processo educacional formal à vida comunitária integrando alunos, pais, vizinhos, artistas e professores em um processo igualitário de consciência das condições sociais existentes: A animação cultural é desenvolvida nos CIEPs como um processo conscientizador, que resgata o mais autêntico papel político e social da escola. Tudo começa com a cultura local, suas manifestações, o fazer da comunidade, seus artistas e seu cotidiano (antes tão ausentes dos currículos escolares) que são progressivamente incorporados no dia-a-dia da escola. Neste ponto se impõe o compromisso com o fazer criativo, isto é: a presença do artista torna-se indispensável, porque é a pedra angular de todo o processo. Normalmente veiculado a educação não formal, o artista no CIEP, encontra pela primeira vez a oportunidade real de engajar-se em processo contínuo e diário de educação. Ao trazer para o espaço da escola sua formação pessoal, sua experiência em caracterizar como instrumento de trabalho a vivência e a manipulação do real e do imaginário, da emoção e da sensibilidade, o artista está bastante apto para promover o resgate dos referenciais culturais mais próximos dos alunos como ponto de partida para um diálogo com a cultura universal. Na busca pela viabilização do proposto, eram efetivadas relações com indivíduos comprometidos permanentemente com o fazer cultural, onde a necessidade social local exercesse uma função prioritária, nas atividades a serem desenvolvidas pelos animadores culturais “egressos de grupos de teatro, de música, de poesia de movimentos criados espontaneamente ou de associações comunitárias” (RIBEIRO, 1986, p.134), e devidamente vinculados, preferencialmente, com os movimentos de base locais. Estes fariam florescer capacidades organizativas presentes na comunidade, compreendendo ter a mesma, extremas condições de se emanciparem perante suas necessidades de classes desfavorecidas socialmente. Vale ressaltar que o pensamento proposto para a animação cultural, principalmente como o objeto de ação integradora escola-comunidade, nasce prioritariamente do pensamento escolanovista com John Dewey em sua vertente 35 pragmatísta11 de educação integral, representada no Brasil inicialmente pelo projeto de Anysio Teixeira com as Escolas-Parques e posteriormente materializando-se nos CIEPs. Essa nota toma importância a partir do momento em que o pensamento da animação cultural proposta no projeto dos CIEPs parte da premissa dialógica referente a cultura local, característica essa bastante falada nos princípios da escola nova de Dewey como bem coloca CAVALIERE (2004) “(...)Bases que dispensassem a existência de um acervo cultural fechado de antemão e que permitissem a livre expressão e desenvolvimento das diversas individualidades e culturas, apostando na possibilidade de um encontro delas em algum ponto a ser descortinado” (p.10) Nesse aspecto, fica transparente o sentido dado à busca integradora da sociabilidade, proposta pela animação cultural. CARRANO (2003) estabelece bem essa relação entre o espaço de educação informal enquadrado no momento de lazer, e o seu aspecto integrador: (...) As atividades denominadas de pura sociabilidade, realizadas em contextos comunitários proporcionam, geralmente, tensões emocionais agradáveis e se orientam por formas descomprometidas de integração social. È possível afirmar que no espaço / tempo do lazer estão diminuídos os constrangimentos da vida social, predominando as atividades e experiências dirigidas para objetivos impessoais. (p.139) Com isso, tem-se na animação cultural e principalmente na intervenção pedagógica do animador, um diversificado campo de atuação situado principalmente no que diz respeito às manifestações culturais da comunidade a qual está inserido, seja folia de reis, um repentista, uma banda de música ou grupo de dança. O que possibilitará diretamente um grande contato da comunidade com sua própria cultura, muitas vezes esquecida em detrimento dos sedutores programas veiculados pela indústria do entretenimento. Cabe ao animador cultural fazer existir aspectos da cultura popular, dentro dos espaços formais de ensino, os CIEPs, planejados arquitetonicamente e estruturalmente para essas atividades, levando-se sempre como prioridade o aspecto formativo e difusor, que concernem a essas prática por ele ministradas. RIBEIRO (1986) representa bem sua idéia para a animação cultural, quando trata das contribuições planejadas por essa equipe de pessoas que representam a animação cultural: Enquanto produtores de cultura dentro dos CIEPs, passam a não conviver mas somente com a educação não formal , isto é, com sua prática fora da escola. E, como sua ação precisa sistematizada e bem estruturada, os animadores são previamente treinados para que as duas formas de ação pedagógica – formal e não-formal – ocupando o mesmo espaço possam caminhar juntas. Através de reuniões com a equipe central da Secretaria de Estado de Ciência e Cultura e da Secretaria Municipal de Educação, os animadores, durante três meses, aprofundam questões relativas à cultura brasileira e às diversas linguagens expressivas, assim como fundamentam aspectos do processo de arte-educação e de animação cultural.(p.135) 11 . Para Dewey, segundo CAVALIERE (2004), o sentido pragmático da escola caminhava para uma dicotomização entre seus sentidos e objetivos o que descaracterizava o processo educacional que para ele era indissociável “Se viver é educar-se e educar-se é viver, os objetivos educacionais e os processos pelos quais se educa são indissociáveis. A escola e suas práticas deixam de ser apenas um instrumento para se alcançar objetivos. A escola passa a ser um ambiente onde se vivem experiências em si mesmas educativas, com significado próprio. Abandona-se assim o sentido prioritário de preparação para algo que virá depois”. (p.10) 36 Portanto, temos nessa proposta um belo ensaio a respeito do que pode ser realmente efetivado através de projetos de realização comunitária, em diversos âmbitos, sejam sociais, econômicos, culturais, mas que em contrapartida nos instiga a dedilhar sobre os pontos teóricos que fomentaram essa idéia e deles esmiuçar novas propostas ou simplesmente analisar teoricamente as idéias do projeto, vide uma relação temporal com o pensamento atual de intervenção no campo da animação cultural. Referências CARRANO, Paulo César. Juventudes e Cidades Educadoras. Editora Vozes. Rio de Janeiro. 2003. CAVALIRE, Ana Maria Vilela. Educação Integral: Uma Nova Identidade Para a Escola Brasileira? Revista CEDES. Campinas-SP. 2003. COUTINHO, Carlos Nelson. A Democracia nas Batalhas das Idéias e nas Lutas Políticas do Brasil de Hoje. In FÀVERO, Osmar e SEMERARO, Giovanni. Democracia e Construção do Público no Pensamento Educacional Brasileiro. Editora Vozes. Rio de Janeiro. 2001. FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e a Construção Democrática no Brasil: Da Ditadura Civil Militar a Ditadura do Capital. In FÀVERO, Osmar e SEMERARO, Giovanni. Democracia e Construção do Público no Pensamento Educacional Brasileiro. Editora Vozes. Rio de Janeiro. 2001. MAURÌCIO, Lúcia Velloso. Escola Pública de Horário Integral: Demanda Expressa Pela Representação Social, o que se lê, e o que se Vê. Tese de Doutorado Apresentado a Faculdade de Educação-UFRJ. Rio de Janeiro. 2001. PELAYO, Teresa Cuberos. A Proposta Pedagógicas dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) e da Orientação Educacional Contextualizada: Um estudo Comparativo. Dissertação de Mestrado apresentada a Faculdade de EducaçãoUFRJ. Rio de Janeiro. 1989. RIBEIRO, Darcy. O Livro dos CIEPs. Bloch Editores. Rio de Janeiro. 1986. 37 RECREACIÓN Y EDUCACIÓN POPULAR EN CÓRDOBA: PRESENCIAS DIFUSAS, AUSENCIAS CLARAS EN UN PAÍS EN CRISIS12 Licenciado Gustavo Rolando Coppola Núcleo de Investigación en Ed.Física Inst. del Profesorado de Ed.Física (IPEF) Córdoba – Rep. Argentina RESUMEN: Este trabajo intenta dilucidar la relación entre tres factores que constituyeron a la Argentina y el crecimiento, el fortalecimiento y el debilitamiento del campo de la Recreación: 1. La sanción de la Constitución liberal (1853) y su impulso a la inmigración europea. 2. La inmigración constituida por ejércitos de pobres. 3. Las organizaciones de inmigrantes y las políticas de Estado en la vigorización y la recesión del campo de la Recreación. Abordamos también como este campo se vincula con las políticas de Estado y la de diferentes grupos sociales, sin desagregarse de los intereses que los poderes dominantes imponen a la República. Se señalan sobre el final situaciones que encaran distintos sectores que buscan recuperar la proyección social de este campo. PALABRAS-CLAVES: recreación, estado opresor, minorías oprimidas. El Contexto Según la Constitución la Nación Argentina es una República Federal Representativa, cuyos valores democráticos se fundaron en los preceptos liberales surgidos del humanismo europeo pre Revolución Francesa, así como en aquellos que fortalecieron el poder burgués liberal capitalista en el mundo central13. En los hechos la República se organiza de tal forma, que los poderosos de siempre, en connivencia con el poder del mundo central, supieron gobernarla alternándose en el poder sin cuidar la vigencia de la misma Constitución que desde su grupo habían promulgado. Asimismo, en cuanto surgía una fuerza popular que supiera de la lucha por la garantía de los preceptos constitucionales básicos14, y/o intentaran mejorar la situación socioeconómica de los más desvalidos, el poder sabía encontrar a los aliados, que en nombre de la Libertad y la Democracia, se encaramaran en un poder autocrático, por veces terrorista, y defensor de la clase doméstica económicamente poderosa y de sus aliados del mundo central. Según la misma Constitución, los municipios y las provincias son Estados autónomos y autárquicos. En la práctica, los gobiernos nacionales con asiento en la ciudad de Buenos Aires15, generaron allí una República, junto a sectores de la provincia homónima, y a esferas de poder de las capitales provinciales o de ciudades importantes del interior. En oposición se generó otro Estado: el de las demás provincias. En éstas la decadencia es mayor, conformando un espectro que va desde donde el capitalismo había generado algunas fuentes de trabajo, hasta donde la población nunca vivió otro ejercicio que el pre capitalista, quedando a merced de las dádivas de los gobernantes, y donde no 12 . Agradezco la colaboración de los Prof. Estela Sabas y Mario Acebal, a las Lic. Marina Macchione y Mercedes Ponce por sus aportes, a gran parte de LA PAYANA y por el sostén de Gachi, Ignacio y Victoria. 13 . En el art. 14 bis de la constitución, aparece desde 1957 una “adaptación” de la constitución liberal de 1853 a tiempos en que la idea de una República con avances sociales hacia una social democracia era posible. 14 . Inmiscuyéndose a veces con los intereses económicos vernáculos o extranjeros 15 . La Capital Federal - 38 se vivencia declinación alguna porque no hay lugar más bajo de donde están. Lo curioso es cómo las capitales de las provincias o las cabeceras de cada municipio, con sus propios interiores, se sumergen en dos realidades igualmente polarizadas16. En ese contexto ni hablar de la Representatividad que la constitución prescribe. Por otro lado si bien se determina un sistema democrático de concepción liberal, en la práctica es imposible ejercer por el Pueblo más que con el voto en situación de elección. Esto genera descreimiento popular, el surgimiento de líderes, que, luego en el poder17, favorecen a una República desmovilizada, sin participación del Pueblo y con una representatividad acotada y una Democracia aparente. El descreimiento, años de represión, más de un decenio de vivir una fantasía capitalista, la desmovilización y destrucción del movimiento popular, los desatinos de una izquierda aburguesada y contradictoria, medio siglo de sindicatos unidos al populismo y luego al neoliberalismo, socialdemócratas que no terminan de definir su acercamiento al Pueblo o a los sectores hegemónicos, una Educación “bancaria” acrítica, favorecen al crecimiento de una generación alejada del compromiso popular, segmentada según la propia partición y fragmentación corporativa de la sociedad argentina. Por las realidades contrapuestas entre los interiores y las capitales, entre el Pueblo y los sectores dominantes, la negación de las minorías, las presiones imperialistas y neoimperialistas, nunca se termina de definir el país como una verdadera Nación. Es en esta República las pobrezas estructurales han llegado a límites, donde, según los datos oficiales, cerca del cincuenta por ciento de la población vive en situaciones de pobreza. El Sujeto argentino, el latinoamericano, el asiático carente, el africano, no son solamente pobres por la falta de alimento, de vivienda, de acceso a la salud, de participación en el sistema educativo, sino que lo son en el contexto de las múltiples pobrezas que lo acosan y oprimen, y que también acechan sobre las pobrezas - ... de protección o cuidado - ... en las oportunidades de construcción de un pensamiento reflexivo... - ... en las posibilidades reales de participación política - ... en la satisfacción de las necesidades de creación o recreación. (Sirvent, 1995) En el centro del país, se encuentra la provincia de Córdoba, con una vasta extensión de tierra fértil en el sur y el este, otrora cuenca lechera – hoy suplantada por la producción de soja -, un centro oeste serrano y turístico, un oeste también dedicado al turismo con bellas sierras y una producción agrícola en decadencia, el noroeste árido y con dificultades económicas graves y la capital, homónima, en el centro de la región serrana. Este Estado, Bs. As., Entre Ríos, Santa Fe y la Cap. Federal, son considerados provincias “grandes” y es donde se concentran el 80% de la acción productiva nacional. Paradójicamente, luego de los avances sociales logrados desde la recuperación democrática (1983) y que en estos días el campo está en auge, el 16 . Según Sirvent (1999) desde 1900 con el proceso poblacional se conforman “... dos Bs As, la del centro, aristocrática, (...), con grandes residencias, teatros y una cultura importada de Europa, y la de los barrios, donde se comenzaba a desarrollar una cultura sobre la base de la mezcla de criollos y el inmigrante...”. 17 . Por el populismo que imponen, por sus grados de irresponsabilidad en las promesas electorales, o por reconvertir, ya en el poder, su mensaje popular en el discurso y en la acción generada en el interés del mundo dominante. 39 campesinado y los trabajadores campesinos cada vez son menos, y sufren mayores carencias con menores ingresos, y la Córdoba ciudad industrial se desangra día a día. Asimismo el noroeste provincial en sus casas de piso de tierra, luchando contra la Vinchuca y el analfabetismo, la gente observa resignada cómo el retroceso es más rápido que aquellos avances, y que, además, el flagelo de la desnutrición les toca la puerta. Recreación. Apuntes de donde partimos Partimos aquí de un paradigma de Recreación que se entiende como un territorio de desarrollo de la Libertad, concibiéndola a ésta como una construcción social de carácter positivo donde el hombre puede ser libre sin hallarse sólo; crítico, sin colmarse de dudas; independiente, sin dejar de ser parte de la humanidad (Fromm, 1995). En ese aspecto la Recreación se desarrolla en una visión socioantropológica como un espacio de desarrollo humano y social, donde el profesional Recreólogo, acompaña, produce e investiga, sin necesidad de convertirse en un “clown” o en un “divertidor” de gente. Es él quien trabaja desde una visión transformadora construyendo un espacio de Libertad responsable, digna, compartida. De allí devenimos que: la Libertad como construcción social se cimenta en la conciencia individual y en la social, no pudiendo ser pasible de ser cercenada por la necesidad de ninguna sociedad de constituirse o conservarse como tal, ni concebirse como aislada desde la acción de cada sujeto. En ese marco es posible el desarrollo de este campo como una dimensión que se aleja del concepto capitalista que la inmiscuye con el lucro en el tiempo de ocio, o como un espacio compensador para restablecer al Sujeto para sus obligaciones. Entendemos a la Recreación entonces, como un derecho en la edificación adecuada y armoniosa del Sujeto social, en conjunto con la de sus pares, siendo sus posibilidades recreativas una necesidad de vida y de desarrollo. Hoy en la Argentina, no se piensa desde sectores dirigentes ya sea del campo popular o del reaccionario, en el desarrollo orgánico de la Recreación, ya que las urgencias en cubrir las necesidades básicas insatisfechas abarcan a un gran espectro de las decisiones político–sociales-educativas. Existen sí planes y programas de trabajo que generan supuestos espacios recreativos en áreas de gobierno, en parroquias, templos de distintas confesiones, en agrupaciones políticas y gremiales, entre otras, que, por su funcionalismo al sistema de poder instituido, termina invadiendo el campo de la Recreación desde un modelo reproductor. La historia de este campo, especialmente en la Capital Federal, nos muestra un modelo diferenciado al que hoy vivenciamos, y que fue parte del desarrollo de los sectores populares y de la movilización social que los sectores medios y los carentes socioeconómicos lograron en su crecimiento como grupo. Mientras el mundo central consolidaba la Revolución Industrial y el capitalismo, la República (186018 y hasta ya entrado el siglo XX) era un gran páramo con asentamientos llamados ciudades19, que buscaba un rumbo y una identidad entre sujetos que ya vivían aquí, y otros que provenían de Europa, y de otros lugares. A la luz de un liberalismo adaptado a la nueva república, se veía con buenos ojos a los 18 . Buenos Aires estuvo separada del resto de las provincias hasta el 17 de setiembre de 1861 en que concluyó la lucha de Buenos Aires con la Confederación Argentina.. 19 . Censo 1869: 1.830.214 habitantes para 2.780.400 kilómetros cuadrados. 40 emigrados europeos20. Todos, con idiomas y costumbres diferentes, conjugaban sus pobrezas, sus deseos, y sus utopías en una sociedad que pendulaba entre el liberalismo humanista ilustrado y la rancia tradición patricia católica y conservadora21. En esa coyuntura ubicamos las raíces de la Recreación en la Argentina, relacionándola con la formación de un Sujeto que deambulaba por el mundo, buscando horizontes nuevos, con futuros inciertos, y corridos por la explotación y el hambre que el capitalismo asestaba a sus condiciones de campesinos, obreros y artesanos. Pocos discurrían hacia la opulencia y la riqueza, observándose como muchos de ellos, a pesar de sus logros económicos, no ingresaban a los círculos cerrados de los “notables” argentinos, por no pertenecer originariamente a los pueblos anglosajones o a Francia. Eran tiempos en que las colectividades necesitaban mantenerse unidas, ayudándose, surgiendo así asociaciones de socorros mutuos, bibliotecas populares, centros de residentes, entre otras, que hacían las bases de centro de desarrollo del sujeto, siendo en estos lugares donde italianos, españoles, alemanes, polacos, judíos europeos, árabes, se encontraban con sus sitios, con sus tradiciones comunes, con su lenguaje materno, con sus danzas. Allí se pasaban las recetas de comidas, discutían sobre la situación de sus tierras originarias, de sus exilios, unidos por su cultura, su tradición y a su historia22. Una gran mayoría se iba macerando y amalgamando con la cultura local, a veces por necesidad, otras por convicción, buscando un horizonte cierto. Así se sumaban las tradiciones nuevas a las viejas, observándose como las instituciones de las comunidades ayudaban a concretar su vida en el nuevo espacio. Crecieron los hijos formados en escuelas de la 142023, que por su laicicidad, su obligatoriedad, y su concepción de igualdad, formó a los niños en castellano24, en una concepción integradora y multiplicadora hacia los mayores. Muchas de aquellas instituciones que agrupaban a los inmigrantes comenzaron a modificar su propuesta hacia la recreación de la cultura originaria, para que estos niños, ya “argentinitos”, no perdieran de vista la identidad de sus padres. Mientras tanto había otro tipo de inmigración: europeos relacionados con las empresas que explotaban diferentes negocios y que no sufrían las necesidades de los primeros25. Sí los unía a sus pares “pobres” dos factores: la nostalgia y la añoranza. De la mano de las empresas de ferrocarriles, entre otros factores, se dan los tiempos en que nace el club, donde el practicar un deporte, realizar algún juego o disfrutar de las cartas, contenía la necesidad de aquellos inmigrantes recreando la patria lejana. 20 . La Constitución (1853) dice (art. 25): el Gob. Fed. fomentará la inmigración europea. . 1863/1880: llegan 623.400 personas. 1895: 3.956.000 hab.(677.000 viven en BS AS - 318.000 argentinos - 359.000 extranjeros). 1904/1912 entran .2.527.000 extranjeros. 22 . Por ej.:”...en un sólo barrio de Bs.As.(Mataderos), se formaron entre 1900 y 1930, 5 Soc. de Fomento, 6 Bibliotecas Populares/públicas, 4 clubes.(...) Estas instituciones fueron ámbitos importantes para la educación de los obreros y los sectores populares. Se organizaban conferencias, lecturas comentadas de libros, grupos de teatro, apoyo al cuidado y la educación de los hijos de las mujeres trabajadoras...”Sirvent, 1999. 23 . Ley 1420: consagró la Escuela Pública común, gratuita y laica. Inundó de escuelas primarias todo el país. Accedieron a la escuela nativos e inmigrantes por igual. 24 . Se refiere al español 25 . Desde mediados del S XIX los irlandeses dedicados a la cría ovina, en campos de 200 a 300 has., constituyen una capa de medianos productores, de gran peso económico y social en el sur de la prov.de Bs As.. Tur, 1984 21 41 Una de las diferencias que esta clase inmigrante pudiente pudo instrumentar, fue la posibilidad de fundar clubes exclusivos y sus propias escuelas, favoreciéndose el sostenimiento de sus tradiciones culturales, y seguir ejerciendo su poder dominante26. En un pensamiento situado en el 2004 podemos reconocer que muchos de estos “gringos”27, no importando su solvencia o su “clase”, recibieron de nuestra tierra oportunidades que se les negaba a los nativos. Así se fue formando una clase llamada media, muy fuerte en su presencia social, eminentemente descendida del europeo, del judío y del árabe, y una clase pudiente que vivía con aires aristocráticos y burgueses y a quienes, al principio del siglo XX, se les sumaban los nuevos ricos de origen anglosajón o francés. En el tiempo se observa que en una gran franja se fueron acercando intereses, y muchas instituciones se fueron amalgamando entre sí. Por ejemplo el fútbol dejó de ser una exclusividad de los círculos ingleses hasta convertirse en un deporte popular28, las asociaciones de socorros mutuos, las cooperativas, las bibliotecas populares, ya estaban integrados por familias de diversos orígenes culturales y nacionales, incluyendo también a los criollos29. El club pasó a ser de la familia, promoviendo que jóvenes se ubicaran en terrenos baldíos, pertenecientes a los ferrocarriles30, para “fundar” sus clubes31. Recreación, desarrollo e involución Durante las primeras décadas del siglo XX los tiempos se transformaban y la idea ya era la búsqueda de trascendencia en esta tierra, para lo cual la escuela ya no alcanzaba. Los clubes, las demás instituciones, ofrecían entoncesa, un espacio para el deporte, para la lectura o para la atención asistencial, encarando actividades múltiples que generaban un proceso de educación integral por fuera de la escuela. Allí había jóvenes maestros, quienes, además de sus tareas con niños y jóvenes, se formaban como líderes o adalides lo que permitía luego, que un chico de 15 fuera el “maestro” de uno de 5, y éste, a medida que vivenciaba sus experiencias, iba construyendo en su imaginario, su perfil como dirigente y/o como futuro maestro. Esa dimensión trascendió más allá de las necesidades culturales de los inmigrantes, y varias generaciones de argentinos fueron creciendo en la escuela y en estas instituciones cuyo espacio educativo aquí lo denominaremos como Recreación32. 26 . Es interesante analizar el fenómeno del fútbol. “...Hacia 1840 los tripulantes de los barcos ingleses de paso por Bs As se entretenían jugando con una pelota en los terrenos adyacentes al puerto (...) El 8/V/1857 se fundó el BS AS FOOTBALL y el 20/VI se juega el primer partido oficial entre dos equipos del mismo club, los gorras blancas y los gorras coloradas....” Historia Viva – LA RAZÓN 1905 – 1980. Bs.As. 1980 27 . Modismo popular como se denomina en la República Argentina a los europeos. 28 . Aunque la dirigencia y la organización nacional de este deporte no dejó de tener visos colonizadores, favoreciendo a que hoy se constituya en pantalla y punta de lanza de los poderosos como aquel pan y circo de los Romanos. 29 . “... Las personas precisan entenderse en cuanto son productoras de cultura y entender la cultura a partir de la visión de movilidad y de influencia múltiples...” Andrade de Melo 2003. 30 . Los ferrocarriles de capital inglés habían recibido gratuitamente lo necesario para las vías, estaciones, talleres y grandes terrenos aledaños a las líneas férreas. 31 . “... Entre 1900 y 1906 se fundan River Plate, Boca Juniors, Racing Club, Ferrocarril Oeste, Atlanta entre otros...” (Hist. Viva ya cit.). A pesar de sus nombres ingleses, casi todos sus socios provenían de zonas de arrabales y orilleras. 32 . Seguramente en ámbitos de la Educación no acordarán con esta denominación y lo ubicarán en estructuras conceptuales como Educación No Formal, Informal, etc. 42 Muchos padres desaban promocionar a los niños como hombres que trascendiera la condición en la que ellos vivían, pensando en el “hijo Dr”33 y en un Hombre pleno que pueda desarrollar su cognición, sus aptitudes motrices, sus potencialidades artísticas, sus relaciones sociales, y un sentido crítico y comprometido. La Asoc. Cristiana de Jóvenes, el club Gimnasia y Esgrima de Villa del Parque, la división Cadetes de River, el Zumerland, las Bibliotecas Populares, por citar algunos ejemplos, fueron creciendo en esta idea de educar, en este verdadero precepto que podríamos hoy denominar como una fase cierta y concreta de Educación Popular. Paradójicamente en la denominada Década Infame34 surgida desde el golpe de estado de 1930, de filiación fascista mussoliniana, encuentra en las propuestas recreativas una veta funcional a su sistema de exclusión y represión. Crearon las Colonias para niños débiles (especialmente desarrolladas en la Cap.Federal), pretendiendo así el régimen engañar a los sectores en situación de pobreza y a la clase media pauperizada, brindando un espacio eventual para que sus hijos vacacionaran y tuvieran alimentos. Con la llegada del peronismo (1945), el presidente Perón, con su carisma, y slogans como el “combatiendo al capital” de la marcha partidaria, favorece a los discriminados y a los pobres, no dejando de ser cada acción funcional al propio sistema capitalista. Durante este período el campo de la Recreación creció enormemente de la mano de políticas sociales de carácter populista, que se basaban en preceptos fundamentales para el mantenimiento del peronismo en el poder: ♦ Promover al Pueblo sin tocar en demasía los intereses de los poderosos nacionales y extranjeros. ♦ Mantener al Pueblo contento, sin promover su pensamiento y su acción crítica. ♦ Fortalecer las campañas de propaganda oficial, a favor del presidente Perón y su círculo cercano. ♦ Mantener un poder legitimado en las urnas y en el basamento popular, sin promover la ruptura de la segmentación entre pobres y ricos. Esto reduce el fortalecimiento del poder del Pueblo y no se avanza hacia un Pueblo educado desde un paradigma que facilite un Pueblo pensante. Se allana así el camino al golpe de Estado que derroca a Perón (1955). El poder de facto destruye los signos y el folclore que rodeaba al populismo del gobierno peronista. Igualmente, este gobierno, como los constitucionales y los no constitucionales que lo siguieron hasta 1973 (regreso del peronismo) no rompieron con planes recreativos, turísticos sociales y deportivos, remozandolo no perdiendo su sentido funcionalista a favor del poder de turno. Fue en ese tiempo, especialmente entre 1966 y 1973 que aquellos “maestros” y recreólogos formados en las instituciones ya descriptas y otros jóvenes provenientes de sectores gremiales y políticos, estudiantes y militantes universitarios, se amalgaman con pensamientos juveniles, progresistas unos, radicalizados y/o violentos otros, soñando con una Argentina más justa e intentando generar un espacio pleno para los jóvenes. Dentro de esta visión, muchas comunidades militantes, creaban grupos de acción social en los sectores más rezagados de la población, con espacios verdaderamente recreativos, inmersos en un modelo de Educación Popular, como dimensión amplia de aprendizaje, no ceñida sólo a la alfabetización, sino al desarrollo 33 . En la literatura Argentina se destaca el uruguayo Florencio Sánchez. En M’ hijo el Doctor, hizo una miscelánea de aquellos tiempos en que inmigrantes, obreros, campesinos criollos y europeos, soñaban con el hijo universitario, permitiendo que dicho título en la Argentina representara a toda una época. 34 . Período entre el 6 de setiembre de 1930 y 1945. 43 pleno del individuo y su grupo social, animando espacios problematizadores y un sentido crítico militante. Pero la lucha interna del peronismo, que aglutinaba a sectores de ultraderecha y de ultraizquierda, la ambigüedad de la izquierda, la habitual desmovilización y desconcierto de los sectores populares, favorecieron a la llegada del terrorismo de Estado al poder, de la mano de la Junta Militar que gobernó desde 1976. Junto al terror se consolidó una desmovilización promovida desde el poder militar, los sectores económicos, eclesiásticos y sociales de derecha, generadores de un contexto neoliberal inédito, con una sociedad individualista, descomprometida y miedosa. Muchos militantes, muchos maestros desaparecieron. Con ello no funcionaron más la mayoría de instituciones sociales que desde procesos recreativos y enlazados con los preceptos de la Educación Popular, movilizaban hacia un pensamiento crítico y un desarrollo autónomo a los vastos sectores de los “sin voz”. Mientras tanto los clubes comenzaron a no ser más de la familia, diversificando los pagos de cuotas cuando, anteriormente con un pago, habitualmente bajo, todo se realizaba en una institución. Cada actividad comienza a tener su propio costo, además de la cuota societaria, creciendo una práctica, donde las instituciones sociales van diferenciándose de los sectores populares y pareciéndose más a los clubes cerrados del mundo central35. Así las clases populares y medias comenzaron a ver que su diversión pasaba por la fagocitación de la TV, y por muy eventuales salidas a lugares donde el “juego” sólo lo realizamos si pagamos. Al decir de Andrade de Melo “...hay una privatización cada vez mayor de las vivencias cotidianas, con las personas restringiéndose cada vez más a su espacio doméstico, utilizando los equipamientos tecnológicos (televisión, video, internet) como mediadores de su contacto con la realidad, lo que termina por reducir sensiblemente las expresiones humanas y afectivas...”36 Una nueva cultura del ocio crecía sobre la base de la destrucción de todo avance popular en el campo de la Recreación. “...Para garantizar el control sobre las masas, se venden fantasías irrealizables, simulacros de lo real, difundidos por un medio y por una industria cultural poderosa...”37 Democracia, ...¿Democracia? Sobre la base de su carisma y de la esperanza popular, llega Raúl Alfonsín al poder. Se supusieron entonces algunos cambios que también tocaban al campo de la Recreación. En ese tiempo: se generaron espacios populares destinados a la Recreación pensada en el paradigma de la Libertad social, del desarrollo del Sujeto y de sus grupos sociales; se gestaron en Bs.As. primero, en Córdoba después, y en otros lugares más tarde, la formación Superior en el campo de la Recreación y en la dilemática del Tiempo Libre; las políticas sociales concibieron atisbos de espacios de lucha por la liberación desde el pensamiento crítico superador de vastos sectores empobrecidos y acallados. Pero la debilidad de los gobiernos legitimados por el voto, la traición de viejos dirigentes populares hoy al servicio del poder económico mundial; la propaganda oficial y el aniquilamiento de cualquier modo de resistencia a comprender que la 35 . “...La dictadura militar había fomentado la desconfianza de unos con otros, lo que obstaculizó la acción de las asociaciones voluntarias y organizaciones comunitarias...” Sirvent, 1999. 36 . Andrade de Melo, 2003 37 . idem 44 “globalización” es sólo un espacio neocolonizador, hicieron añicos cualquier intento de liberación popular38. “...Hoy nos encontramos en un momento histórico donde los movimientos sociales han sido debilitados a partir de una recurrente política de fragmentación del entramado social, de un discurso fatalista...”39 Ya ni los jubilados, ni los trabajadores vacacionan por planes de Turismo Social. Niños y jóvenes no conocen de planes sociales recreativos en sus barrios, los clubes se cierran, las tribunas son pobladas de “hinchas” que llegan en autos, siendo pocos los que se animan a gastar sus magros ingresos en la entrada a la cancha. Es decir, el campo de la Recreación como organización en acción hacia la mayoría, se ve, especialmente en el país interior, en un estado de latencia, y, tal vez, ...esperando. Formación en recreación en Córdoba En este duro contexto nos preguntamos, ¿Para que formar en RECREACIÓN? Desde Córdoba podemos responder: La investigación, la formación y la acción de los recreólogos en el terreno, están favoreciendo a la concientización sobre el desarrollo del campo de la RECREACIÓN, como un campo educativo y popular. Cuando hablamos de educativo lo hacemos en el marco de una educación popular amplia, donde lo recreativo y el pensamiento crítico conciente, se enmarca en una acción dialéctica que, desde las realidades culturales de cada grupo social, se engarza en las posibilidades de desarrollo del Sujeto, de sus grupos de convivencia, y de la comunidad circundante. Cuando decimos popular, nos referimos al Pueblo todo, pero pensado como comunidad comprometida, y no como un poder dominante sobre otro. Hoy, la formación en Recreación en Córdoba, se cimenta en un paradigma complejo que amalgama pensamientos de desarrollo social, no premeditados como funcionales a un sistema en particular, sino destinado a un primer paso de progreso de la conciencia popular en este tiempo y contexto histórico y social. Partiendo de la premisa que “…de una conciencia auténtica de la opresión nace la necesidad (…) de abolir la opresión…” (FREIRE, 1987), y siendo concientes que nuestro avance y nuestra postura no se constituye hoy en ninguna política de Estado, ni siquiera en la proyección de acción de los partidos populares40, sabemos que nuestra preponderancia es hoy la de divulgación, la formación y la acción directa. De dicha formación surgen Recreólogos, que trabajan en campo dentro de procesos culturales múltiples, en un desarrollo ideológico de acción concreta e involucrando a la Recreación con la concientización individual y grupal sobre la situación del cordobés y el argentino de hoy. A través de las expresiones populares, de acciones artístico recreativas, expresivas, recreodeportivas, de la acción con sectores en riesgo o discriminados, en cárceles, a la inclusión de la dilemática del Juego en la formación de grado en diversas carreras, a la formación de actores como “maestros populares”, entre otras intervenciones, se genera una acción que excede a las mediaciones de los Recreólogos, gestándose la formación en Recreación en Córdoba como un movimiento. 38 . “...somos prisioneros de una alternativa cuyo otro polo es trágico: una nueva y destructiva colonización ...” (...)“...uno de los términos de la alternativa es la total subalternidad a los proyectos del gran capital multinacional, con todo lo que ello implica para el tercer mundo, incluido el genocidio y el etnocidio...” SAMIR AMIN 39 . Griffa Marcos, 2002 40 incluyendo a la izquierda 45 Este movimiento se sostiene en una amalgama de sujetos, de ideologías, de culturalidades, que en sus dimensiones de consensos y disensos, va permitiendo la formación para la Libertad, desde la Libertad y por la Libertad. La idea de Movimiento significa y resignifica la representación de la complejidad, como mixtura de ideologías diversas, construidas en nuevos paradigmas tendientes al desarrollo de lo popular. Podrá el lector no comprender en la estructura de este documento cómo se puede construir este movimiento de desarrollo desde una realidad tan compleja, incongruente y llena de incertidumbre. La profesionalidad, el convencimiento, el respeto y el compromiso, la convicción, el trabajo permanente, nutren y permiten crecer a dicho movimiento. Si vivimos en un mundo colonizado donde aún los actores no tomaron conciencia plena de su condición de ser instrumentos de la propia colonización41, sólo en el desarrollo personal pleno, se cimentarán los grupos sociales de los cuales surgirán las comunidades concientizadas y accionantes. De allí se logrará, al menos, la lucha. El desarrollo del campo de la Recreación en Córdoba sabe hoy de esa lucha, y construye desde ella. Referências Andrade de Melo, V. A Cidade, o cidadão, o lazer e a animação cultural. Trad: Coppola G. Un. Fed. Río de Janeiro. Inédito.2003 Apuntes de Postítulo en Psicología. U.N. de Córdoba. (Recop.) 1999. Boff, Leonardo. Teologia do Cativerio e da Libertacao. Ed. Vozes. Petrópolis. Bonetti, Juan Pablo. Juego, Cultura y ...Montevideo.EPPAL.1993. Bourdieu, P. Sociología y Cultura. Grijalbo, 1984. Bourdieu, I. Capital Cultural, Escuela y Espacio Social .Siglo XXI, 1997. Braslavsky, B.P. de. Educ. popular y escuela pública. Cuad. del Congreso Pedagógico Nacional N°4. EUDEBA.Abril Chinoy, E. Introducción a la Sociología. Paidos, Bs.As., 1990. Coppola, G. R. Profesorado en Recreación. Documento N.I.E.F.-IPEF- Cdba- 1996. de Giovannangelli Las Bastillas del Tercer Mundo en CRISIS Nº72. Ideas, letras, artes en la crisis S.C. Montevideo – Marzo 1989 Cuadernos de Recreación N°11. RECREANDO. Córdoba. Marzo 1998. Freire, P. Cartas a Cristina. Reflexiones sobre mi vida y mi trabajo. Siglo XXI 1996. Freire, P. Concietizacao. Edit.Moraes. Sao Paulo. 1980. Freire, P. La importancia de leer y el proceso de liberacion. Siglo XXI, Ed. 1992. Freire, P. Pedagogía do oprimido. Sao Paulo. Paz e Terra Edit. 1987 Fromm, E. El miedo a la Libertad. Paidos,Bs.As. 30ª. Reimpresión. 1995 Griffa, Marcos. La Dimensión Política del Tiempo Libre. Manual de Ingreso IPEF. Córdoba Febrero 2002 Historia Viva – LA RAZÓN 1905 – 1980. Bs.As. 1980 Leif, J. Tiempo libre y tiempo para uno mismo. Edit.Narcea, Madrid, 1992 Munné, F. Psicosociología del Tiempo Libre. Un enfoque crítico.Trillas, Méx., 1980 Pain, A. ¿Recrear o Educar?. Coquena, 1995 Rockwell, E. La escuela cotidiana. FCE, 1995. Sirvent, M.T. Cultura Popular y participación social. U.B.A. N. y Dávila Ed. 1999. Sirvent, M.T. Educación, Tiempo Libre y Realidad Argentina (1995) Cuad. de Rec. N°11.RECREANDO Córdoba. Marzo 1998 41 En un buen intento de traer aquí a Franz Fanon. 46 Toti, G. Sociología Tiempo Libre. México. Varios Aut. Historia de América en el Siglo XX. Centro Editor de A.Latina Bs.As 1984 Waichman, P. Tiempo Libre y Recreación.Un desafío pedagógico. PW Edit. BsAs.1993. 47 POLÍTICAS PÚBLICAS DE LAZER: UMA ANÁLISE EM CLUBES SÓCIO-RECREATIVOS DA CIDADE DE JEQUIÉ-BA Prof. Luciano Meira Del Sarto Colégio Estadual Prof. Magalhães Neto RESUMO: O presente trabalho teve o propósito de analisar as políticas de lazer adotadas na elaboração de eventos em clubes sócio-recreativos da cidade de Jequié – Bahia. Delineou-se como um estudo de caso e teve como objeto de estudo três Clubes sócio-recreativos desta. Como instrumento de coleta dos dados foi aplicado um questionário semi-estruturado, acompanhado de entrevista, aos administradores dos clubes. Como resultado do estudo pôde se perceber que: 1º) os clubes restringem o lazer de seus associados às atividades físico-esportivas; e 2º) não há uma participação efetiva do associado na elaboração e avaliação das atividades realizadas, não existindo, no âmbito desses clubes, uma política setorial preocupada com a educação pelo e para o lazer dos usuários destes espaços. PALAVRAS-CHAVES: lazer, política pública, clubes sócio-recreativos. O trabalho de pesquisa Esse trabalho surge a partir de lembranças e recordações pessoais, do período da adolescência, em que freqüentava quase que diariamente um clube desta cidade (Jequié – Bahia). Apesar da existência e da participação em vários eventos de lazer em nenhum momento, em que freqüentei o clube como associado e atleta, fui questionado sobre o que deveria ser feito ou acontecer nas atividades promovidas. Hoje, pude perceber que apesar de ter tido uma presença quase que diária naquele local, nunca me fiz presente em momentos verdadeiramente importantes, como partícipe dos projetos, a não ser pelo simples ato da freqüência em busca do divertimento pelo divertimento. No intuito de aprofundar estudos e investigar a ocorrência atual do lazer nos clubes desta cidade, e poder contribuir de alguma forma com os mesmo, é que surgiu a possibilidade de escrever sobre o tema acima referido. A escolha deste, recai numa série de questionamentos que se faz a partir da vivência nos clubes, tais como: Existem espaços diferenciados para atende os mais diversos conteúdos culturais do lazer? Os associados participam da elaboração dos eventos de lazer dos clubes? Participam de uma avaliação das atividades realizadas? Essas questões culminaram no seguinte problema de pesquisa: Que princípios conceituais norteiam as políticas internas de lazer adotadas pelos clubes sócio-recreativos para a configuração de seus eventos? As respostas a tais questionamentos contribuem de forma significativa para o enriquecimento do trabalho e podem mostrar entraves existentes para a realização de uma política de lazer. O objetivo, portanto, deste trabalho, é Identificar a política de lazer dos clubes sócio-recreativos, bem como, analisar a participação dos associados na elaboração, execução e avaliação de seus eventos sociais, pois segundo LINHALES, “tal como a cidadania, o lazer e a cultura não podem ser compreendidos como algo pronto ou acabado, mas como construção/realização humana” (1999, p.27) Com o intuito de constatar e publicizar a atual situação dos clubes sóciorecreativos da cidade, o presente trabalho se presta a atentar o associado desses clubes para a percepção de formas diferenciadas de participação nesse espaço, enquanto um 48 agente de transformação que usufrui seus direitos de cidadão, inclusive participando na elaboração das políticas de lazer dos clubes que freqüentam. A emergência do estudo, então, se justifica, também, pela ausência de uma pesquisa realizada nesse sentido, que possa servir de parâmetro para futuras reflexões na melhora da oferta e na qualidade de lazer dos clubes sócio-recreativos da cidade. Para construção desse trabalho delineamos o tipo de estudo e o enquadramos como uma pesquisa qualitativa descritiva. Ela se preocupa (...) com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com um universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações. (MINAYO 1994, p. 21-22). Portanto, não nos preocupamos em quantificar variáveis, mas sim, descrever, analisar e perceber as relações humanas dentro de um determinado espaço da sociedade. Delineamos a pesquisa enquanto um estudo de caso com abrangência em alguns clubes sócio-recreativos de Jequié. Apesar de existir em nosso município aproximadamente 08 (oito) clubes sócio-recreativos, somente três foram utilizados nesse trabalho, e foram escolhidos a partir de critérios como: o número de associados, sua influência e tradição na comunidade. Em determinado momento o trabalho ressalta duas Categorias, pois “trabalhar com elas significa agrupar elementos, idéias e expressões em torno de um conceito” (MINAYO, 1994, p. 70), e também por entender que diminuiria circunstancialmente a possibilidade de não fugir do objetivo da pesquisa. Assim, a primeira categoria estava relacionada a características dos espaços e perfil das ações e a segunda, participação do associado Ao invés de chamar os clubes pelo nome chamo-os de clube A, B e C, por achar mais ético e para descrever com maior liberdade o que foi proposto, pois em momento algum se pretende expor os mesmos. Nos três clubes o questionário foi respondido por membros da diretoria ou por pessoas ligadas a direção do mesmo. Fez-se necessário no ato da aplicação do questionário, utilizar o meio técnico da entrevista que não estava programada, pois foi detectado que as respostas estavam sendo insuficientes e evasivas para a análise dos dados. Segundo MINAYO (1999): Através desse procedimento podemos obter dados objetivos e subjetivos. Os primeiros podem ser obtidos em fontes secundárias (...). Em contrapartida, o segundo tipo de dados se relacionam aos valores, às atitudes e às opiniões dos sujeitos entrevistados. (p. 57). Durante a análise dos dados verificou-se nas respostas algo que já se suspeitava. O lazer nos Clubes é visto de forma funcionalista, como um meio de repor energias, como descanso e divertimento, não levando em consideração o desenvolvimento social. Assim, percebe-se que o lazer nos clubes está caminhando em sentidos opostos ao proposto na atualidade, um lazer que leve a transcendência, e que não se justifique apenas pelo divertimento. Com isso, os associados deixam de vivenciar atividades que podem contribuir para o seu desenvolvimento social, visto que nos clubes sócio-recreativos tal perspectiva não é considerada em prol do descaso e do divertimento pelo divertimento. 49 Políticas públicas e lazer No decorrer da história da humanidade grande parte das discussões acadêmicas buscou o desenvolvimento de um cidadão livre, consciente, pois a ideologia política e econômica dominante nunca permitiu o pleno desenvolvimento do cidadão crítico. Nesse sentido em diversos momentos, surgem resistências de grupos organizados que não aceitavam o sistema ditado pelas elites e lutaram em busca de um futuro melhor para todos. Neste capítulo falar-se-á um pouco da categoria política e de como ela pode estar ligada ao debate do lazer. Para isso, é necessário fazer referência ao termo políticas públicas, pois este, é composto de ideologias que vão muito além do seu significado aparente. Para podermos vislumbrar esta palavra em sua essência, não devemos esquecer, muito menos, deixar de saber com mais profundidade, o papel e a importância da mesma, bem como, o da democracia na sociedade moderna ocidental. Assim, se faz necessário definir o que é política pública. Segundo PALMEIRA (1996), “o significado de uma política pública – é o que se espera das sociedades modernas ocidentais, organizadas sob a égide da dicotomia entre o público e o privado e orientadas pelo princípio da democracia” (p. 157) e ainda: Políticas públicas não são apenas concebidas e propostas pelo setor governamental. As políticas públicas envolvem esforços significativos de amplos setores da população que lutam pela melhoria de suas condições de vida. Ao assim procederem, estas populações estão exercendo seu poder de participação política, logo a democracia. (Ibid., p. 158) Apesar de ter o adjetivo pública ela não, necessariamente, é direcionada e definida pelo poder público (governamental). O ‘público’, aqui, refere-se ao povo, a população, ou seja, uma política voltada ao povo que pode ser gerida também por setores e instituições privadas da sociedade, e quando grupos e instituições não se fazem presentes e participativos na elaboração destas políticas acabam por adotar os interesses dos setores privados que constantemente se mostram dúbios. “Grande parte do interesse público se faz através de proposta de interesses privados. Situação que comporta interesses múltiplos e contraditórios, que tornam difícil unívoco das políticas sociais e dos processos de gestão”.(Ibid, p. 164) Numa sociedade democrática, ou seja, essencialmente democrática, referindo-se a essência da palavra “governo exercido pelo povo” (XIMENES, 2000, p. 288), a participação e atuação política deve ser permeada por discussão e troca de idéias para todas decisões estabelecidas. Assim, “a organização e participação de que estamos falando requerem mais que tudo o compartilhar de idéias, objetivos, e, por isso, tem sua base no dialogo” (PINTO, 1998, p. 59). O processo participativo ou de participação faz parte da democracia onde participação não significa apenas participar, mas sim, se perceber enquanto cidadão atuante e a inquietação é apenas um início para os que pretendem participar. Desta forma, podemos dizer que a participação é “infindável, um constante vir-a-ser, sempre se fazendo. (...) Não existe participação suficiente nem acabada. Participação que se imagina completa, nisto mesmo começa a regredir”. (DEMO, 1999, p. 18) Todo processo de participação na sociedade não se ganha, não é dado como presente, é conquista através de muita luta. A partir da inquietação e da opressão surge a necessidade de lutar por melhorias, porém, isso depende também da conscientização da população. Como o próprio nome sugere à conquista não é presenteada, “não pode ser entendida como dádiva, porque não seria produto de conquista (...) seria de todos os modos uma participação tutelada” (p. 18). 50 No lazer não é diferente. São necessárias uma maior conscientização e participação da população. Desta forma, o lazer não pode ser considerado uma prática compensatória, inútil, improdutiva, e sem finalidades sérias. O lazer, já é visto por várias pessoas como conquista que pode colaborar na “formação para a cidadania” (PINTO, 1998 p. 49) e para isso, a participação não pode ser descontextualizada, fora da realidade da comunidade, deve fazer parte do processo de conquista participativa, como em todas as lutas estabelecidas com o poder hegemônico. A política de lazer não deve garantir apenas a participação, pura e simples, mas sim, uma participação efetiva, consciente que tenha como foco a conquista da cidadania e que “aproxime cada vez mais a capacidade de ler, analisar, optar, esperar, influir, e escolher formas de intervenção coerentes com seu horizonte ideológico” (PINTO 1998, p. 56). Assim, a busca da política de lazer participativa, com qualidade, deve estar aliada a uma leitura das necessidades encontradas, não só necessidades de executar, mas também, as necessidades vitais como executar e educar com qualidade. A partir da participação de qualidade surge outro termo que PINTO (1998) define com bastante propriedade. A qualidade formal, que é: Voltada à definição de meios, de instrumentos necessários e de métodos adequados para planejar ações que buscam soluções dos problemas colocados e superação de expectativas (...) e precisamos, sobretudo resistir as padronizações dos processos de intervenção o que exige ultrapassar a mobilização e agrupalização em prol do projeto para a concretização de práticas com formas mais flexíveis e espaços de atuações (p. 57). O processo de conquista e uma política de qualidade não devem ser lutas apenas por saúde, educação de qualidade, mas por uma educação voltada para a autonomia na prática do lazer, em que a organização e a autogestão, sejam pontos fundamentais, auxiliados pelo diálogo e pela liberdade de expressão, enquadrando-se assim, enquanto conquistas democráticas participativas e não políticas assistencialistas de lazer. Não se pode e não se deve contentar-se com a forma que vem sendo criada e conduzida as políticas públicas de lazer nos meios governamentais e privados (aqui referindo-se aos clubes). Atividades com propósito apenas divulgador, como forma de propaganda e sem qualidade no seu oferecimento, ou seja, atividades apenas compensatórias. Segundo MORAIS (1999), A afirmação da cidadania e da melhoria da qualidade de vida pelo lazer requer a inversão de ofertas esporádicas de eventos, centradas em atividades com fins em si mesmas, elitistas, discriminatórias, onerosas, sem reflexão social continuas e consciente (p. 34). Esse tipo de prática deve acabar dando lugar a atividades que levem o cidadão a perceber todos percalços existentes na luta pela cidadania. E, dessa forma, buscar soluções, alternativas para iniciar um trabalho de conscientização para a busca de melhorias em todos os âmbitos da esfera social, para daí exercer a cidadania também no lazer. Por isso, deve-se buscar de forma planejada e organizada, junto ao poder público e à iniciativa privada, novas formas e concepções na oferta das atividades de lazer, que passem de oferecimento em datas comemorativas (esporádicas) provocando uma decadência nos clubes, para oferecimento contínuo, planejado e que não tenham como interesse não só um grande número de participantes, mas, sobretudo, levem a população a pensar sobre essa prática, buscando a conquista da autonomia no processo. 51 Uma análise da política de lazer dos clubes Todo trabalho de pesquisa de campo, com aplicação do questionário e entrevista possibilitou coletar uma série de dados que contribuíram de forma significativa para o enriquecimento deste trabalho e com isso, descrever de forma mais clara o universo pesquisado, possibilitando compartilhar informações que talvez possam servir para a melhoria da qualidade das atividades de lazer que são oferecidas aos associados dos clubes sócio-recreativos pesquisados na cidade. As questões abordadas revelam dados sobre a categoria características dos espaços e perfil das ações. Os representantes entrevistados dos três clubes apontam os mesmos espaços afirmando serem esses, os locais de lazer dos clubes. São eles: quadra poli-esportiva, piscina, campo para futebol, salão de jogos e parque infantil. A maioria dos espaços citada pelos entrevistados está ligada a competições esportivas, ou seja, o entendimento de lazer dos entrevistados é voltado ao conteúdo físico-esportivo. Podemos perceber que “a oferta de instalações para o lazer do associado nos clubes (...) é bastante diversificada, porém restrita, praticamente a um campo específico(...) aos interesses culturais físico-esportivo” (BRAMANTE, 1999, p. 67) Foram detectados nos três clubes salão de festas e área suficiente para realizar eventos teatrais, exposições, jogos e brincadeiras etc, que poderiam se constituir no conteúdo de interesse social entre outros, no entanto, nestes locais o lazer está limitado aos jogos esportivos competitivos e a piscina não possibilitando o associado a vivência dos mais variados interesses culturais que poderiam ser implementados e oferecidos nos espaços existentes. Em relação a segunda Categoria, que se refere à participação do associado não são animadores os resultados obtidos. Destaca-se que nos clubes (A,B e C) existe a presença do associado na Diretoria do clube, porem, só no clube (A) o sócio comunitário pode exercer o cargo de Presidente da entidade, pois os outros dois são corporativos e não abrem espaço para interferências comunitárias. Na realização de eventos, não existe a participação em grande escala do associado. O número que participa da construção, elaboração e realização dos projetos é ínfimo, isto, quando tem a participação dos mesmos. No clube (A), o evento normalmente fica sob responsabilidade do idealizador do projeto ou pequeno grupo da diretoria. Não passa por uma discussão mais ampla no clube. No clube (B), segundo o entrevistado “para definir a atividade é feita uma consulta junto ao associado”, consulta essa, informal. Porém, quando questionado se já foi feita uma tentativa de atrair o associado para junto da diretoria na elaboração e realização dos projetos, o entrevistado afirmou que “não, pois tinha certeza que não haveria a cooperação dos mesmos”. No clube (C), segundo o presidente, essas atividades de lazer “são realizadas quando existe a cobrança por parte do associado ou em períodos específicos” que muitas vezes pede a realização de determinado evento. Daí é criado o projeto pela diretoria. Percebe-se que, os projetos de lazer nesses clubes são realizados só para ficar visível ao associado que a diretoria está empenhada em atender os interesses do mesmo, já que este é o seu maior bem, sua fonte de renda. No entanto, não existe uma preocupação com a qualidade do que é oferecido. O que importa é que seja belo e divertido aos semblantes de quem freqüenta e sustenta o clube. Quanto à avaliação dos eventos após sua realização foi detectada a existência da mesma durante a entrevista. No clube (A) segundo o entrevistado “é realizada uma reunião entre os membros da diretoria para avaliar a atividade”, após conversar informalmente com alguns associados. No clube (B), quanto existe uma atividade esportiva (campeonatos) é escolhido um responsável de cada equipe, e este 52 fica encarregado de participar de todas as reuniões existentes referente aquela atividade e no clube (C), segundo o entrevistado, é realizada de forma muito restrita, ou seja, a avaliação final acontece com um grupo pequeno da diretoria. Nos três clubes também “acontecem conversas informais com o associado nos espaços do clube como uma das formas de avaliação”. A falta de participação do associado nesses momentos importantes de elaboração e avaliação dos eventos retrata a visão que os clubes têm do Lazer, como uma atividade de descanso e divertimento funcionalista que acaba sendo retratada, também, na realização dos eventos. Não deveria acontecer dessa forma, pois “o lazer sintetiza-se na busca do prazer, da alegria, pelo exercício da liberdade de desejar, intuir, planejar, organizar idéias e ações” (PINTO, 1998, p. 51). Quanto à diretoria dos clubes fica evidente que, independente das atividades realizadas, o que mais importa é a utilização deste equipamento pelo associado, isto, para participar das atividades de lazer ou não, pois o clube já é visto como um lazer. Daí surge a falta de interesse em realizar atividades mais planejadas e por profissionais capacitados. Acredita-se que a inserção de profissionais especializados em lazer nos clubes possibilite, em longo prazo, não só o aumento e qualificação da freqüência do associado nos clubes, mas também a participação deste em todo processo de construção das atividades de lazer, efetivando assim um trabalho voltado a educação pelo e para o lazer. Nesse aspecto, fica claro que o lazer é visto pelos administradores dos clubes como atividade voltada ao divertimento, possibilitando a aglutinação de um grande número de associados para mostrar uma suposta administração voltada a estes. Seria a tese do quanto mais cheio melhor. Não se pode esquecer também, que o clube é visto como um local de descanso, que é procurado por pessoas com o intuito de compensar e extravasar as diversas horas de trabalho semanal, isto porque, ele também cumpre e assume esse papel diante de determinado grupo de pessoas. Nesse prisma, muitas vezes, é deixado de lado o caráter de desenvolvimento social que esse equipamento (o clube) pode exercer se houver um trabalho voltado para esse aspecto. Considerações finais É comum ouvir a todo instante nos mais variados meios de comunicação que os cidadãos são livres com diversos direitos e deveres instituídos para a manutenção e bom andamento da sociedade. Porém, é comum também perceber só os deveres e dificilmente direitos. Talvez isso aconteça pelo processo educacional em que vivemos, que não considera efetivamente alguns espaços alternativos para ao processo educativo do ser, como os clubes, por exemplo, que é o foco desta pesquisa. Nesse aspecto, devese analisar de forma mais aprofundada o lazer sob o prisma de seu duplo aspecto educativo: o paradigma da educação pelo e para o lazer. Dessa forma, acredita-se que quanto mais se estimula a participação do associado na elaboração dos eventos, ou seja, participação direta, desde as discussões, a elaboração, culminação até a avaliação final das atividades de lazer, mais estes poderão sentir-se importantes dentro do processo e, conseqüentemente, mais ávidos e aptos a participarem das atividades no pré e pós, e não somente no durante. A partir da construção coletiva, o associado poderá se sentir mais incorporado, mais parte do processo, tornando-se assim, conseqüentemente responsável pela atividade, desta forma, se envolvendo com maior interesse na sua prática. 53 Para isso, talvez se faça necessário a presença de especialistas ou pelo menos pessoas dispostas a se doarem a esse processo, desenvolvendo dentro do clube não só as tendências funcionalistas (compensatórias: divertimento e descanso), mas sobretudo, proporcionando ao associado uma análise das atividades , procurando desenvolver nos mesmos uma atitude reflexiva sobre as atividades propostas. Não só uma reflexão sob aspectos funcionalistas, mas principalmente de fundamental importância, aspectos do desenvolvimento social, como parte integrante e fundamental de um todo essencial para sua formação, bem como, consciente do seu direito de participação enquanto cidadão. Reconhecendo que esse tipo de prática não se fará presente com um toque de mágica, mas também não pode ser vislumbrada como um sonho distante. Poderá se tornar realidade através de um processo árduo, porém gratificante, para quem sonha com uma nova interpretação (visão) ou mesmo um novo paradigma para o lazer, não apenas pelos considerados intelectuais, teóricos, mas principalmente pela grande maioria da população, que se faz presente nos clubes, parques, cinemas, teatros, campos de várzea, utilizando o lazer não só de forma compensatória, mas sim de forma consciente para o seu desenvolvimento social como cidadão critico, participativo. Percebendo com isso, uma educação não só para o lazer, mas também pelo lazer, onde se possa vivenciar as atividades e também analisá-las em busca de uma melhora na qualidade de oferecimento das mesmas. Referências BRAMANTE, Antônio Carlos. A administração do lazer nos clubes sócio-recreativos: perpetuando os vícios do setor público. Licere. Revista do Centro de Estudos de Lazer e Recreação / EEF / UFMG. Vol. 02, nº 1, 1999. CAMARGO, Luiz Octávio de Lima. Educação para o lazer. 1ª edição. Editora moderna, 1998. DEMO, Pedro. Participação é Conquista. 4ª edição. São Paulo: Cortez, 1999. GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas da pesquisa social. Editora Atlas, são Paulo, 5ª edição, 1999. LINHALES, Meily Assbú. São as políticas públicas para a educação física/ esportes e lazer, efetivamente políticas sociais? Revista Motrivivência. Ano 10, nº 11. Editora da UFSC. Set. 1998. _________, Meily Assbú. Lazer, cidadania e qualidade de vida: reflexões acerca da possibilidade da liberdade e da ação política. Licere. Revista do Centro de Estudos de Lazer e Recreação / EEF / UFMG. Vol. 02, nº 1, 1999. MARCELLINO, Nelson Carvalho. Estudos do lazer: uma introdução. Campinas, SP: Autores Associados, 1996. _____________, Nelson Carvalho. Lazer e educação. 3ª edição. Campinas, SP. Papirus, 1995. MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org.). Pesquisa Social. Teoria, método e criatividade. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. MORAES, Patrícia Zingoni Machado. Lazer: qualidade de vida e cidadania. . Licere. Revista do Centro de Estudos de Lazer e Recreação / EEF / UFMG. Vol. 02, nº 1, 1999. PALMEIRA, Maria José de Oliveira. Natureza e conteúdo das políticas públicas na atualidade. Revista da FAEEBA, Salvador, nº 6, julho/dez. 1996. 54 PINTO, Leila Mirtes Santos de Magalhães. Políticas públicas de esporte e lazer: caminhos participativos. Revista Motrivivência. Ano 10, nº 11. Editora da UFSC. Set. 1998. WERNECK, Christianne. Lazer, trabalho e educação. Relações históricas, questões contemporâneas. Belo Horizonte: Editora da UFMG, CELAR – DEF / UFMG, 2000 55 LAZER: ASPECTOS TÉORICOS DA TEORIA CLÁSSICA A TEORIA DAS RELAÇÕES HUMANAS: O LAZER INFLUENCIADO PELOS PROCESSOS DE GESTÃO42 Acad. Alexandre Pierre Teixeira de Souza43 CELAR/EEFFTO/UFMG RESUMO: Este estudo visa analisar aspectos da Teoria Clássica da Administração e da Teoria das Relações Humanas, abordando como estas perspectivas aparentemente divergentes, influenciaram e influenciam o lazer. Os métodos de gestão causam impactos muitas vezes negativos para a vida social dentro e fora do trabalho. Isto valorizou correntes de estudo que buscavam nas ciências humanas formas de melhorar a gestão do trabalho e aumentar a satisfação do empregado. Nesta perspectiva, acredito ser interessante se repensar o tema, sabendo da necessidade de se ampliar o entendimento de lazer e trabalho como esferas essenciais na construção pessoal e social. PALAVRAS-CHAVES: lazer, trabalho, teorias da administração. Introdução As teorias da administração possuem aspectos que possibilitam intermediações e reflexões sobre as relações entre lazer e trabalho. Questões como a busca pela eficiência, a motivação, os grupos informais, a manipulação exercida sobre o trabalhador e o consumo, são de grande importância para a administração e se vinculam direta ou indiretamente ao lazer. No entanto, pouco tem sido discutido sobre esta interação e mais especificamente sobre a relação estabelecida no contexto do lazer e do trabalho. Essa pesquisa bibliográfica faz parte de um projeto que visa analisar o lazer no contexto das teorias da administração e teve como técnica a revisão de literatura a partir dos termos-chave: lazer, trabalho, teoria clássica e teoria das relações humanas. Neste texto, o objetivo foi analisar aspectos da Teoria Clássica e da Teoria das Relações Humanas, buscando compreender como estas abordagens aparentemente divergentes, influenciaram e influenciam o lazer em nossa sociedade. Neste sentido, são abordadas correntes teóricas que a princípio parecem distintas, mas que se complementam no sentido de manter a ordem social estabelecida. São enfocados pontos importantes da Teoria Clássica, como a técnica e a racionalização do processo produtivo, assim como algumas das causas das transformações nos métodos de gestão que fundamentaram a chamada Teoria das Relações Humanas, com ênfase em questões sociais. 42 . Trabalho desenvolvido no Programa Especial de Treinamento (PET) – Educação Física e Lazer do Curso de Graduação em Educação Física da UFMG, sob a orientação do Prof. Hélder Ferreira Isayama. 43 . Acadêmico do Curso de Educação Física da UFMG; Bolsista do Programa Especial de Treinamento (PET - Educação Física e Lazer). E-mail: [email protected] – Endereço: Rua Itajubá nº 1365, Bairro Sagrada Família, Belo Horizonte - MG. 56 Desenvolvimento Para que se compreenda melhor as influências da Teoria das Relações Humanas sobre o lazer, é interessante que se faça antes, um retrospecto sobre algumas das idéias que a precedem, e são fundamentadas na Teoria clássica que tem como principais autores Frederick Winslow Taylor, Henry Ford e Henri Fayol. O Taylorismo e o Fordismo possuem discursos semelhantes no que se refere ao aumento da eficiência nos processos produtivos industriais. Estas teorias estabelecem, na realidade, uma forma de controle subjetivo e uma clara expropriação do saber operário. Suas perspectivas de administração fragmentam o processo de trabalho, separando etapas de produção e disseminando a especialização por meio do controle de tempos e movimentos. TAYLOR (1982), não aborda diretamente o lazer, ele apenas faz menções de que não se deve buscar o máximo de trabalho que o homem pode realizar em um curto espaço de tempo, mas o melhor rendimento que um bom operário pode realmente obter, durante anos seguidos, sem prejudicar-se. Na ótica de FORD (1954) a melhoria da qualidade de vida do trabalhador seria promovida, principalmente, por uma melhor remuneração, devida à intensificação e exaltação do trabalho: Os ricos gostam de embalar-se por três ou quatro meses em doce ócio em alguma estação da moda. Ainda que o pudesse, a maior parte do povo americano não empregaria assim seu tempo. Mas poderia sair em times para o trabalho ao ar livre conforme as estações. (p.146). Ford aborda o lazer de maneira indireta, como esfera secundária em relação ao trabalho, que é considerado central como fonte de realização humana. Na perspectiva de Ford observa-se apenas o lazer de forma funcionalista para aumentar a produtividade. O discurso de que o trabalhador preferiria o trabalho ao ócio, nos mostra uma importante questão nas relações entre trabalho e lazer, que se refere à utilização do tempo de uma maneira que deve ser, supostamente, sempre “produtiva”, pensando-se em produção de maneira restrita a mercadorias e serviços, como aponta MARCELLINO (2000): A obtenção de tempo e sua distribuição, não só quantitativa, mas qualitativa, entre classes sociais, é pois, um fato político: está em jogo uma série de interesses que visam ao controle do tempo e seu aproveitamento na produção. Afinal, “tempo é dinheiro” e no sistema de produção vigente, dinheiro é poder. (p.61). Neste sentido, concordo com MASCARENHAS (2000) que o trabalho pode tanto humanizar como desumanizar. O trabalho como vem sendo colocado pelo capitalismo perde sua característica de qualificar o humano e se reduz a uma mera atividade que se orienta exclusivamente à subsistência proporcionada pelo salário. Questões ligadas à fragmentação e ao controle do tempo no trabalho são também encontradas em outro estudo que pode, também, ser considerado um importante clássico da administração e foi desenvolvido por Henri Fayol. Este autor procurou demonstrar que a previsão científica e métodos adequados de gerência levariam a resultados satisfatórios inevitáveis. Suas idéias se assemelham bastante às de Taylor, no entanto Fayol adota um processo de maior centralização na gestão. As idéias de ambos podem ser consideradas complementares, um como expoente da gerencia científica nos Estados Unidos (Taylor) e o outro na França (Fayol). 57 Penso que os impactos dos métodos de gestão de Fayol sobre o lazer são semelhantes aos causados pelas teorias de Taylor, uma vez que ambos adotam princípios de racionalização na produção que levam a um ambiente de trabalho altamente fragmentado pela busca da eficiência. Como a teoria de Fayol se assemelha a administração científica, ele também não aborda diretamente o lazer como um possível fator de melhoria na qualidade de vida do trabalhador ou mesmo visando o simples aumento da produtividade, pois a preocupação se voltava para a execução dos movimentos no processo produtivo, de maneira que o trabalhador pudesse se capaz de produzir por anos seguidos sem se prejudicar fisicamente. Luthans citado por CHIAVENATO (1979) aponta os princípios considerados “universais” por Fayol, como a divisão do trabalho com a “especialização de trabalhadores e gerentes para aumentar a eficiência” (p.82) e a disciplina com “obediência... e respeito de acordo com os acordos estabelecidos entre a organização e seus empregados” (p.82). Observa-se a idéia de que uma gestão que desempenhasse funções como controle e comando, seria capaz de fazer com que os trabalhadores produzissem exatamente como o patronado esperava. A partir da década de 30, principalmente nos Estados Unidos, a depressão econômica fez com que a busca pela eficiência na produção fosse intensificada. A Administração Científica (expoente da Teoria Clássica) começa a ceder espaço para uma corrente de pensamento que seria posteriormente chamada de Escola das Relações Humanas. Esta corrente modifica a ênfase dos processos administrativos que até então era voltada quase que exclusivamente para os pressupostos da Teoria Clássica que enfatizava o controle do tempo na execução das tarefas e suas formas de realização. A origem da Teoria das Relações Humanas, provavelmente se deu com os resultados obtidos pela experiência de Hawthorne44, coordenada por Elton Mayo, se iniciou em 1927 e foi suspensa em 1932. Realizada a princípio com o objetivo de verificar a correlação entre produtividade e iluminação do local de trabalho, buscava analisar a influência de parâmetros fisiológicos na produtividade, considerando os métodos da teoria clássica. Na primeira fase da experiência dois grupos foram utilizados: o primeiro (grupo referência) trabalhava sob uma intensidade constante de iluminação, o segundo (grupo teste) trabalhava sob uma intensidade de iluminação variável. Os pesquisadores observaram que os operários produziam de acordo com a intensidade da luz no local. Entretanto, foi constatado que algumas variáveis da pesquisa eram difíceis de serem isoladas, principalmente o fator psicológico. Acreditava-se que os trabalhadores julgavam que tinham que produzir mais sob a iluminação intensa e menos sob iluminação baixa. Para comprovar este fato foram trocadas as lâmpadas do grupo teste por outras de mesma potência, fazendo com que os empregados pensassem que a intensidade variava e verificou-se que o rendimento era proporcional à intensidade de luz sob a qual os trabalhadores supunham trabalhar. Segundo CHIAVENATO (1979), esta fase da pesquisa em Hawthorne, concluiu que o “fator psicológico predominava sobre o fator fisiológico” (p.132). Outros aspectos foram analisados como quantidade e tempo de intervalos durante o trabalho e reduções na jornada. Os resultados nesta fase fizeram com que estudos sobre a motivação e as 44 . Bairro de Chicago, onde se localizava a Western Electric Company, fábrica de equipamentos e componentes telefônicos na qual ocorreu a denominada Experiência de Hawthorne (CHIAVENATO, 1979, p.131). 58 relações sociais dentro e fora da fábrica fossem considerados pela pesquisa. Assim, para a Teoria das Relações Humanas, os fatores sociais seriam mais importantes para o processo de gestão, do que as questões técnicas e de racionalização. Segundo CHIAVENATO (1979) a Teoria das Relações Humanas se tornou popular nos Estados Unidos na década 40, principalmente devido a suas “características eminentemente democráticas”, e se difundiu para o resto do mundo anos depois da Segunda Guerra Mundial. A popularidade da Escola das Relações Humanas não aboliu das fábricas a utilização de princípios Fordistas, como a linha de montagem, pois estes eram de grande eficiência para a produtividade das organizações. Os princípios de Taylor e Ford possibilitaram a ampliação da produtividade e dos salários. Uma pequena parte dos altos lucros obtidos pela diminuição dos custos com a produção em larga escala era repassada para o salário do trabalhador, o que contribuiu para o aumento do poder aquisitivo. Concordo com BRAVERMAN (1987) que o Fordismo contribuiu para adaptar o trabalhador ao modo de produção capitalista. FORD (1954) aponta que o rendimento do trabalhador passa a depender não apenas da mão-de-obra, mas principalmente da velocidade da linha de montagem, e o pagamento dos salários não é feito pelo rendimento individual, mas pela velocidade do trabalho coletivo. Os pressupostos Fordistas promovem um aumento do poder aquisitivo ao mesmo tempo em que se dissemina uma nova mentalidade consumista, que incentiva a grandes investimentos em marketing e propaganda, instituindo um ciclo de produtividade-consumo-prdutividade. O lazer passa a ser diretamente vinculado ao consumo sob o discurso de "melhoria das condições de vida do trabalhador", mas com o claro objetivo de manter da lógica instituída, ou seja, produzir mais para receber maior salário e consumir mais, gerando maior necessidade de produção e perpetuando o ciclo. Concordo com MASCARENHAS (2000) quando afirma que o trabalho não mais permite a possibilidade de afirmação pessoal, mas nos aprisiona junto ao impulso vital das necessidades imediatas. A diversão e o lazer podem ser vistos como um prolongamento do próprio trabalho, sendo procurados por aqueles que desejam escapar da rotina mecanizada para se revigorar, tendo em vista enfrentar, novamente, as condições de trabalho (WERNECK; ISAYAMA, 2001). A centralidade do trabalho é reforçada já que o homem passa a se dedicar cada vez mais a esta esfera da vida, a fim de que tenha condições de consumir os “produtos” que são vendidos para a vivência em seu tempo livre. Nas Teorias das Relações Humanas, o lazer do trabalhador passa a ser considerado elemento integrante das relações informais que afetam a eficiência nas organizações. Os períodos de lazer, ou seja, os chamados “tempos livres” permitem uma intensa interação entre as pessoas, possibilitando um estabelecimento e fortalecimento dos vínculos sociais entre o pessoal. Os períodos de lazer ou tempos livres são os intervalos de tempo nos quais o indivíduo não trabalha, mas durante os quais permanece ao redor de seu local de trabalho, em contato com outras pessoas. (Dubin citado por CHIAVENATO, 1979. p.174). 59 Nota-se, por trás de uma suposta preocupação com o trabalhador, uma visão funcionalista45 de lazer, pois este é pensado de forma restrita, apenas para recuperação da mão-de-obra. Penso que se visava, quase que exclusivamente, a maior coesão dos grupos fora das fábricas para que a produtividade dentro das mesmas fosse intensificada. Além disso, nota-se a grande centralidade do trabalho em relação ao lazer nos estudos sobre grupos informais da época (década de 20 e 30), já que no trecho citado fala-se do lazer acontecendo, “ao redor do local de trabalho”. Apesar das limitações teóricas com uma compreensão restrita e funcional de lazer, este assume uma posição considerável dentre os pressupostos a serem abordados nos métodos de gestão para melhoria dos níveis de satisfação, motivação e conseqüentemente, para o aumento da produção. Na década de 50 a Teoria das Relações Humanas entra em declínio na indústria, sofrendo críticas, que são apontadas por CHIAVENATO (1979): oposição cerrada à Teoria Clássica, inadequada visualização dos problemas das relações industriais, concepção ingênua e romântica do operário, limitação do campo experimental (a fábrica), parcialidade das conclusões (empirismo e ênfase nos grupos informais como condição para o aumento da produtividade). Contudo, por volta do final dos anos 60 e início dos anos 70 aumenta bastante a insatisfação dos operários com as condições de trabalho. BRAVERMAN (1979) reproduz um informe da revista Fortune de 1970: O absenteísmo aumentou drasticamente; de fato, dobrou nos últimos dez anos na General Motors e na Ford... O índice de abandono de emprego na Ford foi de 25,2 % no ano passado... Os gerentes informam com estarrecimento que alguns operários da linha de montagem são de tal modo desinteressados a ponto de irem embora em pleno expediente, sem mesmo voltar para receber pelo o tempo que trabalharam (p.38). Nota-se que a insatisfação não se restringia apenas aos setores onde havia a linha de montagem, pois os princípios de racionalização eram também utilizados em outros os setores da fábrica. No escritório a segmentação, o autoritarismo, a pouca distinção entre os funcionários e o tédio nas funções repetitivas também geravam desmotivação e redução na produtividade. Nos Estados Unidos passa a haver uma preocupação sociológica com relação ao trabalho para a resolução do chamado “problema de gerência”, como observado em BRAVERMAN (1979) quando cita uma pesquisa realizada pela Secretaria de Saúde e Bem Estar Norte Americana: Em conseqüência, a produtividade do trabalhador é baixa – avaliada pelo absenteísmo, taxas de mobilidade, greves violentas, sabotagem, produtos de má qualidade e uma relutância por parte dos trabalhadores em empenharem-se nas suas tarefas. Além do mais um crescente número de pesquisas indica que, na medida em que os problemas do trabalho aumentam, pode haver um conseqüente declínio da saúde mental, estabilidade da família, participação e coesão comunitária e “equilibradas” atitudes sócio-políticas, ao passo que se verifica aumento da dependência quanto a drogas, alcoolismo, agressividade e delinqüência. (p.37) 45 . A visão funcionalista segundo MARCELLINO (1998) apresenta quatro abordagens principais. A abordagem “romântica” com visão tradicional e nostálgica. A “moralista” que se motiva pelo caráter de ambigüidade do lazer. A abordagem de “compensação” colocando o lazer como fator que compensaria a insatisfação e alienação do trabalho. E a visão “utilitarista” que restringe o lazer à recuperação das forças produtivas ou como instrumento de desenvolvimento. É importante destacar que estas visões não se encontram isoladas, apresentam-se interligadas e são especificadas separadamente apenas para fins de análise. 60 Observa-se uma grande insatisfação gerada com as formas de trabalho, com características de fragmentação, especialização e repetição. Neste contexto, a gestão do trabalho na indústria provoca reflexos extremamente negativos sobre o lazer do trabalhador. Questões como as frustrações geradas pela insatisfação passam a necessitar de maior atenção e nesta perspectiva princípios da psicologia e da sociologia se tornam ferramentas interessantes a serem utilizadas. A busca do trabalhador por um lazer compensatório e evasivo com desorganização do comportamento, alienação e agressividade influencia diretamente os níveis de produtividade. Neste sentido, concordo com Friedmann citado por MARCELLINO (1998) de que “a insatisfação no trabalho seja ela consciente ou não, exerce uma ação permanente e múltipla sobre a vida fora do trabalho, uma vez que se traduz por fenômenos de evasão para atividades laterais”(p.25). As conseqüências negativas dos métodos de gestão para a vida social dentro e fora do trabalho fizeram com que houvesse a valorização das correntes de estudo que buscavam nas ciências humanas, formas de melhorar a gestão do trabalho e aumentar a satisfação do empregado. Neste período acentuam-se novamente as preocupações com as relações sociais, o que fez com que fossem revisitadas as teorias que tratavam das questões humanas no trabalho elaboradas nas décadas de 20 e 30. Estas seriam um meio provável de se obter uma relação mais satisfatória entre o indivíduo e sua tarefa. Busca-se, então, a adaptação da Teoria Clássica a princípios da Teoria das Relações Humanas, como a liderança e os grupos informais, fundando as bases do que viria a ser chamado de Teoria neoclássica. Apesar da grande centralidade do trabalho, consolida-se a idéia que o lazer merece atenção especial. Contudo, a ótica funcionalista prevalece, pois o lazer era (e em grande parte ainda é) percebido de forma restrita, como uma ferramenta de estímulo ao consumo exacerbado, uma forma de compensação para a insatisfação e a alienação causadas pelo trabalho; e para a recuperação das forças produtivas. Acredito que na realidade as grandes estruturas estavam simplesmente instituindo novas formas de controle do trabalhador, adequando o método de gestão ao novo estilo de vida, sob um suposto ideal democrático. Concordo com CHIAVENATO (1979) e BROWM (1967) quando pontuam que a Teoria das Relações Humanas pode ser criticada principalmente por seu caráter manipulativo. Apesar de uma aparente preocupação com o bem-estar do trabalhador, não se pode esquecer que a principal função de uma empresa comercial é gerar lucros. Considerações Finais Apesar de utilizarem perspectivas de gestão em princípio divergentes, penso que a Teoria Clássica e a Teoria das Relações Humanas se complementam no sentido de exercerem formas diferenciadas de controle sobre o trabalhador. Se por um lado Taylor e Ford fragmentam as tarefas de produção e controlam suas formas de execução, por outro lado a Escola das Relações Humanas estabelece estratégias para modificar o comportamento do empregado em favor dos objetivos da gerência. Formas sutis de controle são instituídas valorizando o empregado por meio de recompensas simbólicas ao invés de aumentar o salário. O trabalhador acredita estar fazendo algo que vai de encontro a seus interesses e vontades, quando na realidade foi condicionado a estes comportamentos. Contudo, é importante perceber que o trabalhador não é passivo e todo este processo estabelecido dentro e fora da fábrica, no sentido de se exaltar o trabalho e o 61 consumo. REQUIXA (1977) aborda a existência Clubes, Ligas, Centros ou Círculos no Brasil desde do final do século XIX que possuíam funções políticas “manifestas” e funções “latentes” de centros recreativos. Penso que a utilização destes centros de recreação para a doutrinação política socialista no final do século XIX e início do século XX possibilitou não somente o início de uma articulação sindical como também sua futura consolidação. Além disso, deve-se considerar que esses centros possibilitaram a disseminação da vivência do lazer como fator de desenvolvimento de uma perspectiva pessoal e coletiva de crítica social e resistência ao controle imposto pelos modelos de gestão. Os princípios manipulativos presentes não só na teoria das relações humanas, mas também em todo o conjunto de interferências programadas sobre a vida do trabalhador, afetam seu lazer e seus gostos. Questões relacionadas ao trabalho alienado e ao consumo exacerbado, podem ser repensadas como uma forma de aceitação passiva destes princípios manipulativos. Neste contexto, o lazer pode ser enfocado como uma forma de construção individual e coletiva, formando cidadãos críticos capazes de compreender melhor os mecanismos de indução e controle presentes em nossa sociedade. Daí a importância da educação para o lazer, tão discutida atualmente, conscientizando os sujeitos a respeito de possíveis formas de resistências à ordem social estabelecida. Referências BRAVERMAN, Harry. Trabalho e Capital Monopolista: A Degradação do Trabalho no Século XX. 3a ed. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1987. BOWN, J.A.C. A Psicologia Social da Indústria. São Paulo: Ed. Atlas, 1967. CHIAVENATO, Idalberto. Teoria Geral da Administração. São Paulo: Ed. McGrawHill do Brasil, 1979. MARCELLINO, Nelson Carvalho. Estudos do Lazer: uma introdução. 2a ed. Campinas: Autores Associados, 2000. ______. Lazer e Educação. 4a ed. Campinas: Papirus, 1998. MASCARENHAS, Fernando. Tempo de Trabalho e Tempo Livre: algumas reflexões a partir do marxismo contemporâneo. Licere. v.3, n.1, p. 72-89, 2000. FORD, Henry. Os Princípios da Prosperidade. Rio de Janeiro: Ed. Brand LTDA., 1954. REQUIXA, Renato. O Lazer no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1977. TAYLOR, Frederick Winslow. Princípios da Administração Científica. 7a ed. São Paulo: Ed. Atlas, 1982. WERNECK, Christianne Luce Gomes; ISAYAMA, Hélder Ferreira. Lazer, cultura, indústria cultural e consumo. In: WERNECK, Christianne Luce Gomes; STOPPA, Edmur Antonio; ISAYAMA, Hélder Ferreira. Lazer e Mercado. Campinas: Papirus, 2001. p.45-69. 62 OS INTERESSES INTELECTUAIS DO LAZER REENCONTRANDO A ARTE DO FUTEBOL NA OBRA DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE Prof. Rodrigo Caldeira Bagni Moura46 CELAR/EEFFTO/UFMG RESUMO: Este trabalho tem por objetivo sensibilizar os profissionais do lazer, nas mais diversas áreas de atuação, sobre a importância de se trabalhar os interesses intelectuais do lazer. Especificamente dentro da Educação Física temos um material de muita qualidade para ser trabalhado com nossos alunos a partir das poesias, dos contos e das crônicas que tematizam os esportes, os jogos e as brincadeiras. No âmbito da Educação Física Escolar penso que o professor de Educação Física pode estimular o conhecimento e o interesse dos alunos, e assim, contribuir para uma Educação de mais qualidade. PALAVRAS-CHAVES: lazer, leitura, Drummond. Preliminares Há algum tempo queria analisar a obra de Carlos Drummond de Andrade (CDA), em que ele aborda o futebol. Porém, isso exigia um trabalho de pesquisa muito grande devido a variedade, a diversidade e a quantidade das obras do poeta. Esse trabalho de pesquisa e de seleção foi feito por dois netos de Drummond47 e resultou no livro “Quando é dia de futebol”, lançado recentemente, e numa página na internet48, em que eles compartilham o material “garimpado”. Penso que o termo seja esteGARIMPADO- pois para quem gosta de Drummond, de futebol e de poesia, as leituras são essencialmente lúdicas; é como extrair ouro ou pedra preciosa. Além do livro, da vontade de aprofundar e de conhecer mais sobre a vida e obra de Drummond, o que despertou minha vontade de escrever este trabalho foi que nas comemorações do centenário do nascimento de Drummond o 3o- salão do livro de Minas Gerais trouxe uma série de conferências e debates sobre a vida e obra do poeta. Tive a oportunidade de assistir a uma dessas conferências intitulada “O poeta na grande área”, cujos debatedores eram Armando Nogueira e José Roberto Torero. Sai dessa conferência extasiado e ainda mais fascinado com a genialidade do poeta de compreender com muita licença poética esse esporte mágico e universal. Agora, com a responsabilidade de opinar sobre a obra de Drummond sintome míope, sem a genialidade, a perspicácia e a sensibilidade do poeta de perceber o que é “relevante”. No entanto, sem a pretensão de analisar as poesias de Drummond, pretendo despertar nas pessoas e nos educadores a riqueza da poesia e a variedade de temas que podem ser trabalhados pela Educação Física e, sobretudo, a leitura, enquanto uma forma de lazer. 46 . Especialista em lazer pela UFMG . Os netos de Carlos Drummond de Andrade que fizeram a pesquisa e seleção dos textos foram Luís Maurício Graña Drummond e Pedro Augusto Graña Drummond. O livro foi lançado pela Editora Record, Rio de Janeiro – São Paulo, 2002. 48 . www. Carlosdrummond.com.br/futebol 47 63 Primeiro tempo Os interesses intelectuais do Lazer A leitura é, sem dúvida, uma opção de lazer maravilhosa. Muitas pessoas fazem do prazer da leitura a sua principal forma de divertimento e de desenvolvimento pessoal e social. No entanto, o nosso país ainda não é um país de leitores, o que certamente é o reflexo de fatores complexos que vão desde a falta de incentivo aos alunos nas escolas até a ausência de uma política efetiva para a Educação. E quando toco nestes pontos percebo que a educação não é prioridade num país onde uma grande parcela da população não tem emprego, não tem saúde, não tem segurança, e onde esses problemas sociais, somados a outros, geram uma apatia e um conformismo até nos momentos de lazer. A pesquisa do IBGE, de 2001, revelou que a situação é mais séria do que imaginávamos; 64% das cidades brasileiras não possuem livrarias; 73% não possuem museus; 75% não têm teatros ou casas de espetáculo e 83% das cidades brasileiras não possuem salas de cinema. Essa realidade explica, parcialmente, a situação em que nos encontramos. Dessa forma, constatamos que o lazer também não é prioridade no país. Historicamente, essa esfera da vida humana tão importante vem sendo deixada de lado. As pessoas, na luta pela sobrevivência, estão, a cada dia, mais preocupadas com o “mundo” do trabalho. A falta de vivências e de oportunidades de lazer acarreta um desconhecimento dos conteúdos culturais do lazer49. A Educação para e pelo lazer não acontece em nosso país. O trabalho continua sendo exaltado como a esfera da vida humana que dignifica o homem. Diversos pensadores e estudiosos já defenderam um equilíbrio entre trabalho, lazer e as outras esferas da vida humana, porém essa preocupação esbarra sempre em interesses econômicos de uma minoria que consegue subjugar toda uma população. Os clubes, as associações de bairros, e outras entidades em nosso país podiam incentivar mais a leitura. BRAMANTE & RIEDE (2003), em pesquisa realizada com os associados das Associações Atléticas do Banco do Brasil- AABBs constatou que das 115 opções de lazer prediletas dos sócios, o Futebol, a piscina/natação, a leitura, o cinema e a caminhada representavam 29 % das práticas preferidas por esse público. Os autores, citados acima, reconhecem que: Quanto à leitura, é difícil compreender como não se implementam ações que a estimulem, desde a simples assinatura de um jornal diário, uma revista semanal, e mesmo a programação de aquisição mensal de livros (ouvidos os associados) para formar um novo hábito para aqueles que nem sempre apreciam chutar bola (BRAMANTE & RIEDE, 2003. p. 37.) Os associados das AABBs, como revela a própria pesquisa, pertencem a um grupo que tem um nível sócio- econômico e, de anos estudados, superior a média nacional. Com certeza, esses fatores refletem nas opções prediletas, porém, é um bom indicativo e também um alerta para os gestores do lazer em clubes, associações privadas e públicas, hotéis e todos os espaços de lazer. É preciso estar atento e sensível para diversificar as vivências de lazer. Como transformar o Brasil em um país de leitores? Um ingrediente que não pode faltar é o prazer. Mas como despertar esse prazer? Muitos diriam que é através do hábito que se constrói no dia – dia, do incentivo, 49 . Interesses físicos, esportivos, manuais, intelectuais, artísticos, turísticos e sociais (Dumazedier, 1980). 64 do interesse pelo conhecimento. Tudo isso é importante, porém, o tema a ser trabalhado e a linguagem do autor são essenciais para cativar o leitor. A poesia não é o gênero literário favorito do brasileiro, basta constatar entre os livros vendidos no país. Drummond, no entanto, ao escrever sobre o futebol nos dá uma aula de como aliar poesia, com sabor, com saber- que não é a de um especialista no tema- com sensibilidade, com senso crítico, com responsabilidade social. Todos esses elementos são um prato cheio para os animadores culturais e para os professores desenvolverem a leitura como um interesse do lazer, o que certamente se refletirá na sociedade. Segundo tempo O poeta entra em campo O mineiro Carlos Drummond de Andrade dispensa apresentações, no entanto, alguns aspectos de sua individualidade permanecem pouco conhecidos como a sua identificação com o futebol. Drummond era um escritor “antenado”, e como ele mesmo dizia, questionado sobre o que pretendia escrever, revelou: “Sobre tudo. Cinema, literatura, vida urbana, moral, coisas deste mundo e de qualquer outro possível”. Alguns dizem que o poeta era um torcedor bissexto, fazendo alusão ao fato de Drummond só se interessar por futebol de quatro em quatro anos, durante a Copa do Mundo; no entanto, seu neto Luís Maurício, no livro “Quando é dia de futebol”, nos revela mais um traço da personalidade desse escritor consagrado: Ao longo de mais de cinqüenta anos, Drummond escreveu sobre o futebol brasileiro. Talvez poucos saibam que ele apreciava o esporte e torcia pelo Vasco da Gama; segundo nos contava, o havia adotado como time do coração, pois teria sido o primeiro clube carioca a contratar jogadores negros (DRUMMOND, 2002. p. 13) Mineiro de Itabira alguns podem se perguntar os porquês de não torcer por um time de Minas. A Explicação é que o interior do estado sofreu muita influência do futebol carioca. As transmissões e, o que chegava de informação, sobre o futebol concentrava-se no eixo Rio- São Paulo e, no auge do futebol carioca, os mineiros de algumas regiões do interior do estado adotaram o Flamengo, o Vasco, o Botafogo e o Fluminense como times do coração. Hoje, com o declínio do futebol no estado do Rio, e, com uma maior valorização do futebol mineiro parece que essa realidade está mudando. O povo mineiro, de algumas regiões do interior do estado, (re)descobre a paixão de se torcer por Atlético, Cruzeiro, América e outros, e assim, fortalece mais essa tradição das Minas Gerais. Vale ressaltar que na região metropolitana de Belo Horizonte a paixão pelos times mineiros sempre beirou o fanatismo. A rivalidade e o amor pelas equipes encontram-se registrados nas poesias e nas crônicas que compõem “Quando é dia de futebol”. Um exemplo é a crônica intitulada: “Enquanto os mineiros jogavam”, onde um cidadão chamado Carlos, ao passar na Avenida Afonso Pena, se surpreende ao ver um aglomerado de pessoas, que pelo telefone acompanham o jogo de onze mineiros no Rio de Janeiro. Essa é a magia do Futebol. A força de unir pessoas das mais variadas condições sociais na mesma torcida. Esse cidadão chamado Carlos, no caso o próprio poeta, não consegue entender tamanha euforia e veremos, mais adiante, as razões dessa incompreensão. “Futebol se joga no estádio? Futebol se joga na praia, Futebol se joga na rua, Futebol se joga na alma. 65 A bola é a mesma: forma sacra Para craques e pernas-de-pau. Mesma a volúpia de chutar Na delirante copa-mundo Ou no árido espaço do morro. São vôos de estátuas súbitas, Desenhos feéricos, bailados De pés e troncos entrançados. Instantes lúdicos: flutua O jogador, gravado no ar - afinal, o corpo triunfante da triste lei da gravidade.” In poesia errante Optei em transcrever a poesia acima, intitulada “Futebol”, pois é a que abre o livro. E na minha concepção é a definição do poeta sobre o esporte que é múltiplo. O esporte que não é apenas competição, mas que é a alegria dos meninos, de todas as idades, nas ruas, nas praias, nos campinhos de terra batida, na lama ou na alma, como afirma Drummond, nesse caso sem licença poética. É o esporte do coração e da vida do povo brasileiro, quase uma religião, como observa CDA, ao perceber na bola a forma sacra; ou na idolatria da torcida pelo ídolo, ou pelas cores de seu clube. A camisa do Clube querido passa a ser o “manto sagrado”, que merece respeito e enche de orgulho. O jogo ou a brincadeira, muitas vezes, ganham conotações de espetáculo, agrega-se ao craque ou ao perna de pau sentimentos parecidos. É a mágica do futebol, esporte democrático, que enche de sonhos milhares de pessoas no mundo, nos campos verdejantes como tapetes, onde a bola rola macia; ou no morro, em que pequenos espaços impróprios dão lugar a concretização de movimentos sublimes, talentosos, um bailado, ou, os gestos estereotipados do moleque que tenta imitar o jogador consagrado. Apesar de escrever sobre futebol por mais de 50 anos CDA não tem vergonha de revelar que não é um especialista no tema. Por várias vezes admite que não entende de futebol, como na poesia “A voz do Zaire”: “De futebol não entendo, e é tarde para começar a entender”. Ou na crônica “Mistério da bola”: “Confesso que o futebol me aturde, porque não sei chegar até o seu mistério”. O fascínio que o futebol desperta nas pessoas chega a ser mesmo inexplicável. Drummond com toda a sua simplicidade, ou, a sua modéstia, consegue, no entanto, em muitos dos seus escritos traduzir esse mistério e transcrevê-lo numa obra que arrepia e emociona quem gosta de poesia e de futebol. Carlos Drummond de Andrade, algumas vezes, usou o futebol apenas como pano de fundo nas suas crônicas, nas suas poesias e nos seus artigos para os jornais. Sabia da força do futebol para a sociedade e para a manutenção da ordem social vigente. Nem por isso deixou de escrever sobre o futebol apoteótico da copa do mundo, ou das singelas e corriqueiras alegrias que o futebol desperta no torcedor ou no menino. Tinha sensibilidade para captar momentos grandiosos e irrefutáveis, como na poesia “Momento Feliz”, e perspicácia para fazer das banalidades de um jogo poemas inesquecíveis. Momento Feliz Ninguém me prende mais jogo por mil jogo em Pelé o sempre rei republicano o povo feito atleta na poesia do jogo mágico. Sou Rivelino, a lâmina do nome 66 Cobrando, fina, a falta. Sou Clodoaldo rima de Everaldo. Sou Brito e sua viva cabeçada, Com Gérson e Piazza me acrescento de forças novas. Com orgulho certo me faço capitão Carlos Alberto Félix, defendo e abarco em meu braço a bola e salvo o arco. Jornal do Brasil, 20/06/70 Dizem no Brasil que Futebol, Política e Religião não se discute. CDA, entretanto, contrariou muitas vezes essa afirmação. Imagino que o poeta andava, em certas ocasiões, com um sorriso irônico quando escrevia. Previa o “Futuro” e afirmava que “O problema não está na sucessão de Figueiredo, mas na escolha da Seleção para a Copa de 1986”. Encarnava assim, num tom de deboche, o espírito do torcedor, que coloca o futebol acima da política, dos interesses nacionais e acima de tudo. Cometeu na opinião de alguns uma verdadeira heresia ao parodiar o Sermão da montanha, obra ao meu ver das mais preciosas. Discute com muita propriedade, com sabedoria e com muito humor, todo o universo do futebol. Sermão da planície (para não ser escutado) Bem-aventurados os que não entendem nem aspiram a entender de futebol, pois deles é o reino da tranqüilidade. Bem-aventurados os que, por entenderem de futebol, não se expõem ao risco de assistir às partidas, pois não voltam com decepção ou enfarte. Bem-aventurados os que não têm paixão clubista, pois não sofrem de janeiro a janeiro, com apenas umas colherinhas de alegria a título de bálsamo, ou nem isto. Bem-aventurados os que não escalam, pois não terão, seu sexo contestado e sua integridade física ameaçada, ao saírem do estádio. Bem-aventurados os que não são escalados, pois escapam de vaias, projéteis, contusões, fraturas, e mesmo da glória precária de um dia. Bem-aventurados os que não são cronistas esportivos, pois não carecem de explicar o inexplicável e racionalizar a loucura. Bem-aventurados os fotógrafos que trocaram a documentação do esporte pela dos desfiles de modas, pois não precisam gastar tempo infindável para fotografar o relâmpago de um gol. Bem-aventurados os fabricantes de bolas e chuteiras, que não recebem as primeiras na cara e as segundas na virilha, como os atletas e os assistentes ocasionais das peladas. Bem-aventurados os que não conseguiram comprar a televisão a cores a tempo de acompanhar a Copa do Mundo, pois assistindo pelo aparelho do vizinho, sofrem sem pagar 20 prestações pelo sofrimento. Bem-aventurados os surdos, pois não os atinge o estrondar das bombas da vitória, que fabricam outros surdos, nem o matraquear dos locutores, carentes de exorcismo. Bem-aventurados os que não moram em ruas de torcida institucionalizada, ou em suas imediações, pois só recolhem 50% do barulho preparatório ou comemoratório. Bem-aventurados os cegos, pois lhes é poupado torturar-se com o espetáculo direto ou televisionado da marcação cerrada, que paralisa os campeões, ou do lance imprevisível, que lhes destrói a invencibilidade. Bem-aventurados os que nasceram, viveram e se foram antes de 1863, quando se codificaram as leis do futebol, pois escaparam dos tormentos da torcida, inclusive dos ataques cardíacos infligidos tanto pela derrota como pela vitória do time bem-amado. Bem-aventurados os que, entre a bola e o botão, se contentaram com este, principalmente em camisa, pois se consolam mais facilmente de perder o botão da roupa do que o bicho da vitória. Bem-aventurados os que, na hora da partida internacional, conseguem ouvir a sonata de Albinoni, pois destes é o reino dos céus. 67 Bem-aventurados os que não confundem a derrota do time da Lapônia pelo time da Terra do Fogo com a vitória nacional da Terra do Fogo sobre a Lapônia, pois a estes não visita o sentimento de guerra. Bem-aventurados os que, depois de escutar este sermão, aplicarem todo ardor infantil no peito maduro para desejar a vitória do selecionado brasileiro nesta e em todas as futuras copas do mundo, como faz o velho sermoneiro desencantado, mas torcedor assim mesmo, pois para o diabo vá a razão quando o futebol invade o coração.” Jornal do Brasil, 18/06/74 Prorrogação Terminando com “gol de ouro” ou na “morte súbita” O mérito da derrota consiste em isentar o derrotado de qualquer responsabilidade de vitória. (CDA) A responsabilidade está colocada. Os profissionais do lazer devem tentar ampliar as vivências de lazer da população, diversificando práticas, oferendo conhecimento sobre essa esfera tão importante da vida humana. O objetivo desse trabalho não foi analisar os poemas de Drummond, até porque não tenho subsídios para isso. Foi muito mais ressaltar a importância de ler, e sobretudo, relembrar que a leitura pode se transformar em Lazer. Tento, insistentemente, despertar em meus alunos esse hábito. Penso que eles só vão conhecer totalmente uma prática qualquer se lerem muito, por isso procuro sempre começar minhas aulas com um poema, uma crônica ou um conto; ou peço para os alunos procurarem um artigo ou um recorte de jornal para enriquecer as aulas, e estimulá-los a ler. Especificamente dentro da Educação Física temos muito material para trabalhar com os alunos. Gostaria de sugerir alguns livros que falam sobre futebol e que podem enriquecer muito o universo dos alunos, que gostam muito desse esporte e que, geralmente, conhecem tão pouco. Além de “Quando é dia de Futebol” do Drummond; “As sombras das chuteiras imortais” e “O profeta tricolor”, que são dois livros belíssimos de crônicas sobre o futebol, escrito pelo genial Nelson Rodrigues; “O negro no futebol brasileiro” de Mário Filho, que é uma verdadeira aula de história, além de ser um livro muito agradável e escrito magistralmente. “Estrela solitária- Um brasileiro chamado Garrincha” de Ruy Castro, que conta a vida de um dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos. Devo confessar que esse trabalho com os alunos, inicialmente, não é fácil. As resistências são muitas, porém, aos poucos, e pensando em muitas estratégias, o trabalho começa a dar certo, e começamos a colher os frutos. A escola pode e deve ser um espaço de educação para o lazer. Termino pedindo licença para acrescentar algo na frase que encerra o poema o Sermão da planície. Pois para o diabo vá a razão quando o futebol e a LEITURA invadem o coração. Referências BRAMANTE, Antônio Carlos e RIEDE, Antônio Sérgio. Realinhamento de fatores críticos de sucesso na gestão de clubes social-recreativos baseado no conhecimento dos sistemas internos e externos: o caso das AABBs. Licere, v.6, n.1, p.29-45, 2003 CASTRO, Ruy. Estrela solitária- Um brasileiro chamado Garrincha. Companhia das Letras, 2002. 68 DRUMMOND, Carlos Andrade. Quando é dia de Futebol. Editora Record, 2002. DUMAZEDIER, Joffre. Valores e conteúdos culturais do lazer. São Paulo: SESC,1980. FILHO, Mario. O negro no futebol brasileiro. Mauad Editora, Quarta edição, 2003. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa de informações básicas municipais. Brasília: IBGE, 2001. 69 LAZER E CULTURA POPULAR, SEGUNDO O PENSAMENTO DE JOFFRE DUMAZEDIER50 Vivian Maria Reis Bertini51 CELAR/EEFFTO/UFMG52 RESUMO: Este artigo procura refletir sobre o pensamento de Joffre Dumazedier, tendo como base principal, a obra “Lazer e cultura popular”. PALAVRAS-CHAVES: Joffre Dumazedier, lazer, cultura popular. Introdução No decorrer do VI curso de especialização em lazer promovido pelo Celar/UFMG no período de 2003/2004, tivemos acesso a publicações de diversos estudiosos brasileiros do lazer (Marcellino 2002, Camargo 2002, Requixa 1977, entre outros); em suas obras constatamos a recorrência do pensamento do sociólogo francês Joffre Dumazedier. Dessa forma o objetivo deste estudo é refletir sobre o pensamento deste autor tendo como base principal à obra Lazer e cultura popular. As reflexões sobre a obra não foram feitas de modo linear, na mesma seqüência das idéias trabalhadas pelo autor. Foi feita uma seleção de alguns pontos que poderiam contribuir com a discussão sobre o lazer aqui proposta. Lazer e cultura popular foi publicado pela primeira vez no Brasil nos anos 70. Esta obra resultou da reunião de inúmeros artigos sobre lazer publicados em revistas francesas e de vários países, entre os anos de 1955 e 1959. Segundo Dumazedier, até aquele momento não existia na França nenhuma obra científica sobre o fenômeno lazer de forma geral. O livro também traz o resultado de uma enquete realizada nos anos de 1956 e 1957, sobre a posição do lazer no desenvolvimento sociocultural de Annecy, uma cidade francesa na época com 40.000 habitantes. Na análise desses trabalhos realizados em Annecy, foram encontradas diversidades em vários aspectos do lazer, ponto de destaque levantado pelo autor. Foi nessa época, década de 50, que o lazer tornou-se um “assunto da moda” na Europa. Dumazedier coloca: “Todas as vezes que a situação da ação e da pesquisa o permita, as Ciências do Homem deveriam, sair da etapa da observação e alcançar a da experimentação” (p.15). Adotando a pesquisa empírica, com o intuito de estudar os “verdadeiros problemas” de uma civilização do lazer, o autor previu não somente o lado crítico, mas sobretudo construtivo, estudando problemas e soluções diferentes e possíveis. Lazer, “elemento central da cultura”, na sociedade moderna urbano-industrial No início do texto, o autor situa o lazer como um elemento central da cultura. E antes de qualquer reflexão ou ação, Dumazedier afirma que é importante relacioná-lo com a evolução social e cultural do momento, entendendo que o lazer 50 . Como a maioria das referências contidas no texto encontra-se em DUMAZEDIER, Joffre. Lazer e cultura popular. São Paulo. Ed. Perspectiva, 2001. Farei uso apenas do número das páginas, entre parênteses, quando houver citação literal da obra. As outras referências seguem a norma ABNT. 51 . Licenciada em Educação Física, Especialista em Lazer. Email: [email protected] 52 . Este trabalho é parte da monografia que será apresentada no VI Curso de Especialização em Lazer, Celar/UFMG, 2003/2004, sob orientação da Profª Drª Christianne Luce Gomes. 70 também está ligado a diferentes áreas do conhecimento, como educação, artes e esportes. A necessidade de lazer torna-se crescente com a urbanização e a industrialização, despertando também novas formas de sociabilidade e de agrupamento, o que não ocorria no século XIX. Com este avanço das ciências e da tecnologia a produção das indústrias aumenta e o tempo de trabalho diminui, assim um tempo livre começa a ganhar espaço naquele momento. Porém, este crescimento não ocorreu igualmente em todas as camadas da sociedade. Dumazedier citou três fatores que impedem ou retardam o desenvolvimento qualitativo e quantitativo do lazer: a) a insuficiência ou inexistência de um equipamento recreativo ou cultural coletivo, b) a falta de recursos familiares e c) dificuldades ligadas ao exercício da profissão. Analisando estes três fatores podemos considerá-los bem atuais e presentes na realidade brasileira. O item “a”, insuficiência de um equipamento recreativo, nos remete a falta de políticas públicas que sejam capazes de atingir a população proporcionando opções de espaço e vivências de lazer. Situação bem comum no nosso meio. Já o item “b”, falta de recursos familiares, está atrelada a situação econômica em que se encontra grande parte da população brasileira. E a maioria das opções de lazer, como viagens, cinemas, teatros, parques de diversão entre outros, estão ligados ao consumo. O terceiro fator, “c”, dificuldades ligadas ao exercício da profissão, podem estar relacionadas com a locomoção do trabalho para casa, por exemplo, muitos trabalhadores moram longe do trabalho e precisam percorrer longas distâncias de um ponto a outro. Do ponto de vista histórico-social, o lazer se apresentou numa situação ambígua e complexa. Por um período se pensou que haveria uma diminuição da duração do trabalho até que chegássemos à “era dos lazeres”. Porém, o desenvolvimento do lazer e o progresso técnico se relacionam colocando o lazer como uma criação da civilização industrial e um produto constante do progresso técnico. Então, lazer e progresso técnico estabelecem relações complementares. Por considerar o lazer um produto da industrialização, encontra-se na obra de Dumazedier, fundamentos históricos que nortearam as condições para o surgimento do lazer. Ele defendeu duas condições: primeira, o tempo livre precisava sair do conjunto de atividades rituais mágico-religiosas. Segunda, com o surgimento da civilização e do trabalho urbano, foi necessário um corte nítido entre as horas de trabalho e as horas de não trabalho. Uma regulamentação determinou a duração do dia de trabalho, a duração da semana de trabalho, o lazer de final de semana e uma regulamentação de ano de trabalho. Depois apareceram o descanso (férias pagas) e a aposentadoria. A regulamentação do tempo de trabalho cria o tempo de lazer, o lazer no sentido moderno (DUMAZEDIER,1975). Assim, analisando o período tradicional, para o autor os “dias sem trabalho” não poderiam ser considerandos lazer, pois seus significados não correspondem com as necessidades dos trabalhadores da era industrial e sim possibilidades de repouso. Vauban citado por Dumazedier coloca que os “dias sem trabalho” do período tradicional tinham duas categorias. Uma, com feriados impostos pela igreja, obrigando assim as práticas espirituais e outra que compreendia doenças, temperaturas baixas e negócios. Dumazedier (1975), coloca que nas civilizações rurais tradicionais, o trabalho é praticamente sem fim, é contínuo, apenas quando fenômenos naturais, como a chuva, a neve ou doenças aparecem, há uma pausa no trabalho. Esta pausa para o autor não se caracteriza como um tempo de lazer. O repouso cotidiano provinha depois de uma jornada de trabalho que começava e findava com a luz do dia, eram mais “intervalos” do que tempos de lazer. 71 O tempo cronométrico de trabalho surgiu com o progresso técnico. E o tempo de repouso começou se a diversificar com atividades de recreação, divertimento e entretenimento. O termo “repouso”, mais popular, começa a ser substituído pelo lazer, que era usado apenas pela burguesia. Já o lazer da classe operária começou a se despertar com a diminuição da duração do trabalho. Este marco do surgimento do lazer, defendido por Dumazedier, é polêmico. Visões diferentes são apresentadas na literatura da área, como por exemplo, De Grazia, (1966), citado por Werneck, (2003). Ele analisa o lazer sobre a ótica das antigas sociedades; como “não trabalho”, ócio. Um privilégio das classes ociosas ao longo da humanidade. Pimentel, (2003), coloca que mesmo o tempo livre sendo datado apartir da Revolução Industrial, havia outra concepção de lazer ligada ao jogo, lúdico, brinquedo e á contemplação. Para Pinto, (2001), o lazer sempre esteve presente na história humana. Assim, para estes autores o lazer antecede a era da modernidade. Características do lazer e relações com o trabalho Dumazedier enumerou certas atividades consideradas opostas ao lazer, de acordo com suas pesquisas, tais como: o trabalho profissional, o trabalho suplementar, o trabalho doméstico, atividades como refeição, sono e cuidados higiênicos, atividades rituais resultantes de uma obrigação familiar, social ou espiritual e atividades ligadas ao estudo. Contudo, o autor alerta para o perigo de definir o lazer opondo-o apenas ao trabalho profissional, como a maioria dos economistas e sociólogos o fazem, obedecendo apenas a fórmula dos “três oitos”: oito horas de trabalho, oito horas de sono e oito horas de lazer. O lazer seria sobretudo, oposição ao conjunto das necessidades e obrigações da vida cotidiana, não oposição unicamente ao trabalho. Neste ponto, Marcellino (2002), apresenta uma outra visão, “o tempo de lazer encontra-se não em oposição, mas em relação com o tempo das obrigações. Sobretudo com as obrigações profissionais – com o trabalho” (p.11). O autor divide as funções do lazer em três categorias, que são complementares, podendo se manifestar individualmente ou simultaneamente. Observase grande recorrência destas funções em estudos brasileiros do lazer. São elas: descanso, para liberar-se da fadiga das obrigações cotidianas e particularmente do trabalho; divertimento, recreação e entretenimento, formas de anular o tédio, a monotonia, o trabalho repetitivo e o cotidiano; desenvolvimento diz respeito ao desenvolvimento da personalidade, uma grande e livre participação social. Desse modo, Dumazedier define: O lazer é um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para diverti-se, recrear-se e entreter-se ou, ainda para desenvolver sua informação ou formação desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais (p.34). Há ainda, os “semilazeres”, terminologia denominada para uma atividade que é utilitária e desinteressada ao mesmo tempo. O autor cita o exemplo da jardinagem. Mas será possível diferenciar lazer de “semilazer”? O autor não estaria estabelecendo uma exceção em sua definição de lazer acima, por considerar que uma atividade utilitária não se encaixa em seu conceito? De acordo com Marcellino (2002), a escolha da atividade que se pratica e o seu caráter “desinteressado” são características básicas do lazer. Defendemos que uma mesma atividade poderá ser de lazer ou de trabalho dependo das circunstâncias e interesses pessoais. Por exemplo, um professor de 72 literatura poderá ter a necessidade de ler ou reler um livro para preparar sua aula, seria um momento de trabalho. Uma outra pessoa poderá ler o mesmo livro num momento de descanso, atividades iguais, interesses diferentes. O lazer constitui um fato social importante. Está condicionado pelo tipo de trabalho que exerce influência sobre ele. Porém, o lazer que for uma simples evasão do trabalho e uma falta de interesse pelos problemas técnicos e sociais do trabalho, será uma falsa solução dos problemas da civilização industrial. Os problemas próprios do lazer e os do trabalho não podem ser tratados separadamente. Então “... a humanização do trabalho pelos valores do lazer é inseparável da humanização do lazer determinada pelos valores do trabalho” (p.110). Podemos fazer uma relação destas idéias com o que David Riesman, (1971) citado por Marcellino, (2002c) afirma: ... o lazer em si não é capaz de salvar o trabalho, mas fracassa juntamente com ele, e só poderá ser significativo para a maioria dos homens se o trabalho o for, de maneira que as próprias qualidades por nós procuradas no lazer terão maior probabilidade de se tornarem realidade se ação política e social travar a batalha, em duas frentes, do trabalho-e-lazer (p.26). A relação trabalho/lazer apresenta-se como uma “simbiose”. Mas, como somos mais educados para o trabalho, uma educação para o lazer se faz necessária em busca de perspectivas transformadoras. No esquema dos “três oitos”, uma fórmula demasiadamente teórica, como critica Dumazedier, sua organização não coloca o tempo das tarefas peculiares do lar. E há também muitas atividades domésticas que seriam consideradas “semilazeres”, tornando desta maneira difícil de saber como o lazer é inserido dentro das atividades domésticas e familiares. Nas zonas industrializadas e urbanas a modernização culminou numa redução do trabalho doméstico, aumentando as possibilidades de lazer das mulheres, que naquele período eram a maioria que cuidavam dos lares. Contudo devemos lembrar que os trabalhos domésticos não são as únicas obrigações familiares. Tem a função materna que toma grande tempo das mulheres. Kurz, (2000), afirma: “À mulher, coube a competência do lar e da família e atividades imateriais como amor, dedicação etc” (p.42). Ele acrescenta que os afazeres domésticos não são considerados trabalho e muito menos lazer. E a mulher se sujeita a uma ditadura indireta do tempo abstrato, onde lazer e trabalho são atributos masculinos. Devido a grande expansão de aparelhos ligados a distração, recreação e entretenimento, como por exemplo a televisão, que virou um mobiliário doméstico, o lazer começou a ganhar espaço dentro da família. Além de divertimento, ele também é uma fonte de informação, que antes eram adquiridas pelas conversas entre os familiares, vizinhos e amigos. Agora, com as telecomunicações, a informação também chega através dos rádios. Talvez seja na vida familiar que o lazer mais tenha provocado mudanças profundas e ambíguas. Trabalho e lazer estabelecem relações que evoluíram e evoluem rapidamente. Para uns o lazer reduz-se a um fenômeno compensatório do trabalho desumano. Para outros é determinador e age sobre o próprio trabalho. Georges Friedmann, citado por Dumazedier, foi o primeiro sociólogo francês a salientar o importante papel desempenhado pelo lazer na humanização da civilização técnica. Salienta os efeitos da divisão e da mecanização do trabalho que muitas vezes produzia no executante um sentimento de inacabado e de insatisfação. 73 Surgiria daí uma necessidade de compensação e a procura da realização de uma obra acabada ou de livre criação. Friedmann opôs essa necessidade de compensação à simples necessidade de “distração”. De familiar essa idéia simplificou-se. É desejável a compensação de um trabalho empobrecedor por um lazer rico, porém certas atividades executadas por inúmeros trabalhadores podem não ser empobrecedoras e necessitar de compensação. Entendemos que este “trabalho empobrecedor” de que Dumazedier e Friedmann falam, possa ser um trabalho “braçal”, mecânico ou talvez um trabalho que não acrescente nenhum tipo de conhecimento intelectual e desenvolvimento humano. Este termo não é esclarecido na obra. Concordando com Padilha, (2003), identifica-se neste trecho e em outras referências ao longo deste trabalho, uma visão funcionalista de lazer. O lazer é colocado como algo bom, em contrapartida com o trabalho, algo ruim. O funcionalismo resolve os problemas de forma superficial, com soluções de valor compensatório. Padilha, (2003), abre uma crítica a toda teoria sobre o lazer fundada por Dumazedier na década de 60, seus estudos “... nascem dentro de uma corrente teórico-metodológica que é o funcionalismo” (p.255). Em comum acordo com outros autores, Dumazedier salienta que o problema central de uma civilização do lazer está ligado a possibilidade de originar atitudes ativas, durante a utilização do tempo livre. Existem muito pontos divergentes sobre o que é e sobre quando o lazer é ativo ou passivo. Para algumas pessoas a participação num espetáculo cinematográfico é uma atividade passiva e num espetáculo dramático seria um lazer ativo. Outras já se opõem afirmando que a participação num espetáculo de qualquer natureza será sempre passivo. Deste modo: Inicialmente é preciso esclarecer que a atividade de lazer em si mesma não é passiva ou ativa, mas o será pela atitude que o indivíduo assumir com relação às atividades decorrentes do próprio lazer. Por outro lado, a atitude ativa e a atitude passiva não se opõem de modo absoluto (p.257). Dumazedier define atitude ativa como: um conjunto de disposições físicas e mentais suscetíveis de assegurar o desabrochar ‘optimum’ da personalidade, dentro de uma participação ‘optima’ na vida cultural e social (p.258). As atitudes ativas contribuem para a formação do estilo de vida de cada grupo e indivíduo. A busca e a realização de um estilo de vida remetem ao lazer um alto significado e é também uma tomada de consciência dos problemas da vida social. Assim o tempo de lazer se torna um mediador entre a cultura de uma sociedade ou grupo e as reações de um indivíduo às situações da vida cotidiana. Esta mediação estabelecida faz com que as atividades de lazer estejam relacionadas com uma cultura física ou manual, artística ou intelectual, individual ou social entre outras. O tempo de lazer entendido assim, torna-se um tempo de aprendizagem, aquisição e integração, diverso dos sentimentos, conhecimentos, modelos e valores da cultura. Organização dos lazeres culturais da população francesa A história do lazer pode ser confundida, segundo Dumazedier, com as reivindicações sindicais por bem estar e liberdade. Porém, na França, o lazer só foi reivindicado mais tarde pelos trabalhadores no século XIX. 74 Para haver possibilidade das massas terem acesso as instituições culturais, Dumazedier salienta que as horas de trabalho precisariam ser reduzidas. As universidades populares que foram criadas por volta de 1898 na França, contribuíram muito para uma futura organização dos lazeres culturais populares. Eram destinadas a operários e ofereciam círculos de estudo, grupos de teatro amador, concertos e conferências. Na França empresas começam a se responsabilizar pela organização do lazer. Estas passam a ter uma função sociocultural. Algumas das atividades oferecidas são: Colônia de férias, festa da empresa, esportes ao ar livre e bibliotecas, entre outras. Assim, o lazer em relação ao trabalho não se satisfaz mais em coexistir, ele irá condicionar o exercício do trabalho em si mesmo. Até os “managers”, passaram a valorizar o lazer, que antes era algo considerado fútil. O esporte começa a fazer parte da vida moderna. Porém estas atividades laterais como o jogo entre outras atividades recreativas, são opostas as relações de compromisso profissional e sindical. Assim, as empresas têm cada vez mais dificuldades de encontrar interesse dos trabalhadores em seus problemas. Os sindicatos também enfrentam este dilema, causando um problema geral para a sociedade industrial. Contudo, sabemos que o lazer pode possibilitar informações, formações desinteressadas e participações sociais de boa vontade a toda sociedade industrial. Mas, mesmo sendo um fator de desenvolvimento social, o lazer poderá trazer adaptações ou inadaptações à empresa e ao sindicato. A partir de 1936 na França, com os grandes movimentos populares, mudanças para a classe operária começam a acontecer, como a lei de quarenta horas, os contratos coletivos, as férias pagas e as passagens coletivas de viagem. “Na história dos lazeres populares, essa é uma data muito importante” (p. 59). Desse modo, o lazer transformou-se profundamente em menos de 100 anos. No lado da burguesia o destaque eram as atividades físicas e sociais. E o que era reservado aos privilegiados, passou de uma possibilidade, para uma reivindicação, chegando a ser uma necessidade real para todos os trabalhadores. Questionando sobre o futuro, Dumazedier analisou algumas possíveis alternativas da evolução social no século XX: a) Relação ótima entre a necessidade de lazer e a necessidade de dinheiro dentro do desenvolvimento econômico. b) A redução do tempo de trabalho, que apresentaria três fenômenos: um aumento no tempo destinado ao lazer dos trabalhadores em atividade; um rebaixamento no limite de aposentadoria dos trabalhadores idosos e um aumento no número de anos da escolaridade oferecida às crianças futuros trabalhadores. Este equilíbrio de necessidades citados no item “a”, seria um grande avanço na melhoria da qualidade de vida e tornaria a sociedade mais justa. Mas em nossa atualidade sabemos que este equilíbrio não ocorre, o dinheiro não e o mais importante, mas uma condição básica que não atende toda população. E numa rápida analise por este nosso mundo capitalista, veremos que a desigualdade e a injustiça social são problemas complexos que imperam sobre grandes massas populares e não permitem uma vida digna, só fazem crescer a exclusão social. Sobre o item “b” indagamos: este tempo extra seria convertido em lazer? Dificilmente acreditamos nesta possibilidade. Atualmente no Brasil, esta redução do tempo de trabalho vem mobilizando as indústrias do lazer para maiores investimentos, como nos lembra Werneck, (2001). Contudo as conquistas como o descanso semanal e 75 as férias remuneradas, por exemplo, não indicam um aumento no tempo livre, mas uma redução, pois as condições sociais de existência das maiorias estão com seus direitos que foram conquistados, totalmente destituídos. Antunes, (2000), citado por Werneck (2001), também defende a redução da jornada de trabalho, mas, ressalta que esta ação deve estar atrelada a outra não menos decisiva. Dumazedier ressalta que é muito difícil prever o conteúdo do lazer, todavia divide em três os determinantes sociais que influenciam o lazer.São eles: a evolução técnica, (ligado à mecanização dos meios de transportes e dos meios de informação); as persistências tradicionais, (pois a tradição é um fator de resistência à mudanças) e a organização sócio-econômica (muitas atividades de lazer são determinadas por hábitos de consumo). Para se julgar os resultados benéficos e maléficos do lazer e prever seu conteúdo precisamos levar sempre em consideração esses determinantes. Neste trecho uma visão maniqueísta (bem x mal) é deixada clara pelo autor. A fim de analisar o que chamou de “níveis reais e possíveis da cultura popular”, Dumazedier selecionou alguns lazeres das massas para um estudo mais proveitoso. As atividades são: as viagens turísticas, que crescem a cada dia e expressão uma necessidade de evasão; o cinema, que traz diferentes modelos culturais; a televisão, um dos mais possantes instrumentos do lazer e a leitura de livros, que favorece o autodidatismo de caráter espontâneo. A cultura para ser desenvolvida e adquirida necessita da utilização de um certo tempo. Já vimos que o lazer não pode ser considerado unicamente como um tempo liberado, um quadro temporal, um ‘espaço no qual se dá o desenvolvimento humano’. Compreende ele um conjunto de atividades ambíguas, ligadas a modelos e valores que de certa forma determinam o próprio conteúdo da cultura popular (p.141). A oposição formada a priori pela cultura humanística e a cultura popular, que estabelecem níveis de qualidade para cada uma, não é aceita por Dumazedier, pois este concorda que a cultura é vivida num “continuum de níveis diferentes que muitas vezes se interpenetram uns nos outros, em todas as classes e em todos os meios” (p.144). Não havendo assim superioridade de uma cultura sobre outra. Dumazedier em vários momentos do texto enfatiza a necessidade de elevar o nível cultural geral do lazer nos diferentes meios sociais. E uma das alternativas que considera urgente é o aumento de verbas destinadas aos equipamentos de lazer. Outra vez, uma visão “funcionalista” do lazer, é identificada neste trecho. Como se o autor estivesse impondo atividades consideradas mais importantes, com um nível intelectual “maior”. Assim, ele não estaria desconsiderando a “livre vontade” encontrada no lazer? Ou poderíamos considerar que “elevar o nível cultural geral do lazer” seria uma forma de apresentar mais possibilidades e ampliações de opções, para pessoas que tem poucos acessos e poucas variedades de lazer? Finalizando Dumazedier fala que as diferentes relações que a cultura estabelece, podem mudar profundamente aquilo ... que virá a ser a cultura vivida pelas massas, numa civilização cada vez mais marcada pelo lazer. Seguir o caminho dessa nova cultura [...] parece-nos constituir um dos mais importantes objetivos, tanto para os humanistas quanto para os sociólogos de nossa cultura contemporânea (p.266). O lazer aos poucos veio se tornando uma necessidade imperiosa. Mesmo quando a miséria, a doença e a ignorância viam a limitar suas atividades. Não é mais um 76 produto secundário, mas prioritário na civilização contemporânea. Desse modo o trabalho é vivido como um meio e não mais como um fim. Considerações finais Pelo exposto indubitavelmente Joffre Dumazedier representa um autor fundamental para os estudos brasileiros do lazer. Sua pesquisa empírica trouxe resultados significantes, onde suas teorias foram embasadas. As três funções do lazer, são exaustivamente citadas, demonstrando reconhecimento. Mas nesta breve reflexão de seu pensamento, lacunas e algumas contradições são encontradas, como a preocupação em “elevar o nível cultural das pessoas”, a constante relação lazer/evasão/compensação, entre outros. Referências CAMARGO, Luiz Octávio de Lima. Educação para o lazer. São Paulo, Moderna, 2002. DUMAZEDIER, Joffre. Lazer e cultura popular. São Paulo, Perspectiva, 2001. DUMAZEDIER, Joffre. Questionamento teórico do lazer. Porto Alegre, CELAR/PUC-RS, 1975 KURZ, Robert. “A ditadura do tempo abstrato”. In: V Congresso Mundial de lazer: Lazer numa sociedade globalizada, 2000, São Paulo, p. 39-46. MARCELLINO, Nelson C. Estudos do lazer: Uma introdução. 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Belo Horizonte - MG, Autêntica, 2003 77 LAZER: ESPAÇOS E REPRESENTAÇÕES OS BAILES DE CHARME COMO ESPAÇOS DE LAZER E SOCIABILIDADES NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO Carlos Henrique dos Santos Martins Professor da Rede Municipal e FAETEC Mestrando em educação pela UFF RESUMO: Este trabalho é parte da pesquisa que desenvolvo no mestrado, na qual procuro identificar o Charme como expressão da cultura urbana que ocorre em diversos bairros da cidade. Resultado da hibridização da cultura musical estadunidense a partir de ritmos como o Soul, R&B e Disco music essa manifestação foi apropriada e ressignificada por sujeitos cariocas no início dos anos 80 e que assim a denominaram. Apresento os espaços do charme como possibilidade de experiências lazerosas, de sociabilidades e trocas intersubjetivas tendo a afetividade como uma de suas marcas mais presentes. Isso perece relevante em função da quase ausência de equipamentos sócio-culturais para muitas comunidades e de espaços de lazer noturno frente à onda de violência que parece aprisionar a todos nós e tornando-nos indivíduos sem direito à cidade. PALAVRAS-CHAVES: afetividade. cultura urbana, lazer, música, dança, sociabilidade, A cena carioca com muito Charme53 O charme pode ser considerado a mais perfeita hibridização da cultura popular internacional urbana resultante dos vários segmentos da música negra que deram suporte ao movimento Black Rio nos anos 70. Dentre esses gêneros musicais destacamos o Soul54 que caracteriza-se por sua identificação com a cultura popular de periferia urbana própria de alguns bairros negros de cidades importantes dos Estados Unidos e resultante da fusão do Godspel com ritmos dançantes próprios dos negros estadunidenses. Essa fusão conseguiu colocar em um mesmo espaço a religiosidade de Martin Luther King e as coreografias e gritos característicos de James Brown − um dos astros mais importantes no mundo da música negra, símbolo do soul. Sua denominação − Charme − deve-se ao DJ55 Corello56 que atribuiu esse nome em função das expressões corporais típicas das coreografias em decorrência do 53 . Manifestação cultural típica do município do Rio de Janeiro caracterizada por bailes que ocorrem, em sua maioria, nas zonas norte e oeste da cidade. São freqüentados por sujeitos de camadas populares, na sua maioria, negros. Surgem na década de 80, caracterizados por coreografias em grupos e gestos bem sensuais. O nome, “bonito de falar, ótimo para dançar, é a tradução carioca para o R&B e do Soul americanos” (jornal @Black, julho de 2003). 54 . Assim ficou popularizada a soul music, ou seja, a música da alma (em inglês). Por falar das emoções, de ritmos que parecem tocar fundo a alma dos negros e estabelecerem relação com a memória dos afrodescendentes e levando-os ao contato com suas origens africanas. 55 . Abreviação para Disc Jockey − o mesmo que discotecário − responsável pela seleção e apresentação das músicas durante os bailes. Para muitos, existe a compreensão de que o DJ é uma profissão bastante solitária, pois, como ainda não é reconhecida oficialmente, a aprendizagem, a seleção das músicas e a 78 R&B – estilo musical mais melódico e cadenciado. Embora seja resultado da hibridização de diversos ritmos negros estadunidenses, o Charme só é conhecido com esse nome na região metropolitana do Rio de Janeiro. De acordo com Marco Aurélio Ferreira57 − O DJ Corello − os anos setenta foram marcantes e significativos para a gestação do charme quando, embalados pelo soul surgem diversas equipes de som58 que marcaram esse período devido ao nascimento do Movimento Black Rio, no qual o soul conquista seu espaço através de suas principais equipes: Soul Grand Prix, Mr. Funk Santos, Black Power, Dynamic Soul, Alma Negra e Leyzer. Os bailes na cidade eram animados por essas e outras equipes em diversos clubes, o que não só difundiu rapidamente o novo jeito de ser, como atraiu enorme parcela da juventude popular carioca para esses espaços de diversão e sociabilidades. Foi durante o período em que Corello trabalhava na equipe Pop Rio, no final dos anos 70, que ocorreu a hibridização musical resultante da raiz do soul com a discoteca, ou seja, não havia um ritmo que pudesse ser característico daquele momento, visto que o primeiro estava pouco presente no gosto popular e o outro estava em franca decadência que culminou em 1980. Essa indefinição musical proporcionou alguns desdobramentos visto que os DJs não tinham clareza dos caminhos a seguir. Alguns optaram pelo Disco-Funk (posteriormente Funk Melody) e Corello direcionou o seu trabalho para o Rythm&Blues − R&B59. No início de construção do movimento charmeiro, não era possível para o DJ perceber a possibilidade desse estar sendo formado a partir da junção de diversos ritmos e estilos. Para ele, isso ocorreu posteriormente, devido ao seu crescente interesse pelo jazz60. A “quase obrigação inicial” de selecionar e apresentar os cantores e cantoras que se aproximavam da “linha disco” é justificada por ele como “necessidade do mercado”, ou seja, era preciso manter os bailes com grande freqüência e isso somente tornava-se possível a partir da execução de um repertório conhecido e identificado com/pelo grande público presente. Porém, isso não o impedia de introduzir nas seqüências musicais algumas faixas nas quais “esses mesmos artistas cantavam o R&B da época”. Não podemos esquecer que a indústria cultural estadunidense e os meios midiáticos disponíveis deram uma dimensão global ao movimento da discoteca. Além apresentação nos bailes − momento em que permanece sozinho na cabine − , são situações que por serem realizadas individualmente, parecem confirmar aquela característica. 56 . Grande parte do texto desse capítulo é fruto do material empírico resultante de entrevistas realizadas com o DJ Corello. 57 . É importante ressaltar que, nascido em 1953, Corello era, naquela década, um jovem, pois vivenciou a experiência com a música desde os dezoito anos e criou o charme aos vinte e sete anos. 58 . São assim chamadas por reunirem diversos equipamentos sonoros indispensáveis à reprodução de música eletrônica em bailes realizados em diversos clubes da cidade. Seus proprietários convidam especialistas em operar esses equipamentos – os DJs – para animar os bailes. Muitas vezes remunerados, os djs são apresentados de acordo com o ritmo musical com o qual se identifica e está relacionado a um tipo de baile e público específicos. 59 . Esse, segundo Muniz Sodré (2002), era um dos ritmos correntes das comunidades negras do delta do rio Mississipi que deram origem ao jazz tradicional de Nova Orleans (pág.142). Era através do blues rurais que os negros escravos da América do Norte contavam seu cotidiano de sofrimento e seus anseios por liberdade e ser reconhecidos pela condição de humanos (pág.141). 60 . Ainda de acordo com Sodré, o jazz é a principal expressão da cultura negra urbana que incorpora a entonação do blues – “modo de perceber ou sentir o mundo (feeling) e de expressar emoções” através de “uma entonação especial, feita de notas alteradas, gritos e lamentos” −, os gospels, os ritmos negros com materiais brancos (instrumentos, harmonia, certos estilos profissionais), mas com uma forma específica que mantém o feeling originário. (pág.143). 79 dos filmes e novelas, pode-se observar a enorme quantidade de cantores, cantoras e bandas que, apesar da efemeridade de algumas, alcançaram o topo das paradas de sucesso em todas as rádios do mundo, permitindo que a indústria fonográfica atingisse marcas de vendagem consideradas quase insuperáveis em sua história. Nesse período, Corello animava os bailes do Clube Mackenzie e em determinado momento reservado às músicas mais lentas e melódicas, propôs-se a apresentar ao público algumas músicas que costumava ouvir em casa durante seus momentos de lazer ou quando da seleção musical que comporia o repertório do seu trabalho como DJ nos bailes. As músicas que pretendia mostrar tinham como base o R&B. Pela dificuldade de pronúncia e pela falta de apelo entre os freqüentadores, havia a necessidade de substituir a expressão por alguma palavra que pudesse aproximar-se e traduzir a sensualidade e o charme necessários para dançar o R&B. Durante uma de suas apresentações61, para anunciar tais músicas, em sua maioria desconhecidas, Corello, ao microfone, introduziu a seguinte frase: “Chegou a hora do charminho, transe seu corpo bem devagarzinho”. Apesar de considerar o texto impróprio ou de linguagem ultrapassada para o momento atual, foi essa frase que, segundo ele, deu origem ao Charme. Esse movimento, com o passar do tempo, vai consolidar-se ainda, pela influência não só do jazz, como também pelo soul e o raggamurfin. Além disso, relaciona o termo a possibilidade de melhoria da auto-estima do negro que poderia ser traduzida pela mudança em seu comportamento e na valorização do “vestir melhor”. Os bailes estão, assim povoados pelo imaginário social que traduz a possibilidade de valorização da cultura negra, traduzida pela música, pela dança e pela elegância em vestir-se. Os espaços de lazer e territórios do Charme O movimento parece encontrar a sua força, os seus espaços de consolidação em alguns locais das periferias da cidade, nos quais há uma grande concentração de negros e/ou pobres. O subúrbio apresenta-se como o local do charme. São esses bairros que eu tenho freqüentado por alguns anos com o objetivo de encontrar o que há de melhor e mais original no que diz respeito às dimensões artísticas, culturais e afetivas do charme. Assim, é possível encontrar hoje os bailes regulares, ou seja, aqueles que permanecem em seus locais de origem. Aos domingos temos o Point Chic Charm, realizado há quatro anos em uma rua do bairro carioca de Padre Miguel, o Beijo na Boca (nome do treiler onde o charme acontece na rua) no mesmo bairro e o Baile do Disco no Clube Disco Voador, em Marechal Hermes. Aos sábados acontece o Charme do Viaduto sob o viaduto Negrão de Lima, em Madureira. O botequim do Charme acontece às sextas-feiras, desde 1999, no bar do Bill, na Cidade de Deus e o Charme Bola, realizado há nove anos, sempre às quintas- feiras, no Cordão do Bola Preta, no Centro da cidade. Existem os bailes mensais como o Flash Back do Clube Mackenzie do Méier, realizado sempre no primeiro sábado de cada mês e o Tangará, bar situado na rua Álvaro Alvin, no centro da cidade. Esse bar serve apenas como ponto de referência para quem quiser, na última sexta-feira de cada mês, ouvir e dançar na rua o melhor da música negra, como por exemplo, o charme, o soul, o samba e o suingue. Existem, ainda, os bailes de caráter esporádico que geralmente são promovidos para comemorar o aniversário de alguém da comunidade charmeira do lugar onde a festa ocorre ou mesmo de um DJ. Em Alguns locais é cobrada a entrada, o que muitas vezes e, dependendo do dia do mês, torna-se inviável o ingresso para alguns de seus participantes. Isso faz com 61 . No dia oito de março de 1980, quando a equipe Pop-Rio fazia sua estréia no Esporte Clube Mackenzie, no bairro do Méier, Rio de Janeiro. 80 que haja maior incidência de eventos na primeira quinzena e um esvaziamento no final do mês. A gratuidade e a própria localização de determinados bailes − a rua ou o botequim − é garantia de casa cheia todas as semanas. Nesse universo, é possível identificar outras dimensões para além do conformismo ou da resistência, visto que “o baile de charme é uma manifestação típica do Rio de Janeiro que se constitui, considerando, inclusive, a sua condição de ambiente de lazer e de entretenimento, em núcleo gerador de diversos espaços sociais” (RIBEIRO, 2000, 2). Transitar pelos diferentes territórios constitui-se em uma diversidade de opções de lazer além da certeza de entrar em um mundo mágico povoado por sujeitos dispostos a, através da música e da dança, construir espaços de sociabilidades. O espaço não está restrito aos moradores mais próximos, pelo contrário, resulta da mobilidade e oportuniza, através da diversificação, ocupar a cidade. Estar a cada dia em diferentes lugares permite ao charmeiro estabelecer vínculos de afetividade e relações de pertencimento com o espaço urbano. O baile: espaço de dança e música Longe de transformarem em guetos, os bailes de charme permitem a identificação de seus participantes com um espaço de trocas e construção de identidades em que a dança e a música servem de elementos motivadores. Espaço de sociabilidades, sempre aberto à diversidade e a presença de novos freqüentadores que queiram estar juntos, o baile significa espaço especial de vivências coletivas, novas territorialidades, onde é possível fortalecer a cultura do respeito, da fraternidade. Para Sodré (2002), a dança gera espaço próprio, abolindo provisoriamente as diferenças com o tempo, porque não é algo espacializado, mas espacializante, ou seja, ávido e aberto à apropriação do mundo, ampliador da presença humana, desestruturador do espaço tempo necessariamente instituído pelo grupo como contenção do livre movimento das forças (pág. 134). Para os que estão chegando pela primeira vez, alguns elementos funcionam como um convite a descobrir o mundo do charme em que o baile pode ser considerado uma de suas expressões mais importantes. Podemos, também, assinalar a música − cujas letras estão geralmente falando de amor −, o estilo de vestir-se e as diversas combinações coreográficas expressas através do corpo carregado de ginga e sensualidade. Com relação à música, Barbero (2001) afirma que ela também “permite a hibridização das culturas a partir da redefinição do local ao ingressar no mercado transnacional” e que transpassa as fronteiras dos meios e reconstitui a relação entre desejo e corpo, convertendose, assim, em um terreno tremendamente rico para trasladar velhos relatos da autenticidade e da memória, que ali se carrega, para os novos espaços da cultura globalizada (pág.117). Podemos dizer que o charme é uma reelaboração de diversos estilos musicais proporcionada pela memória coletiva no seu momento de constituição. A música funciona como mediadora entre emoções e subjetividades contidas e silenciadas na memória. O emotivo da memória encontra-se com o emotivo da melodia. A hibridização de estilos musicais proporciona “uma transformação radical do modo como as estéticas mediam a memória das emoções” (id., pág. 119). Podem também 81 transformar os vínculos entre lugar e memória: o estilo musical local pode globalizar-se, assim como o global pode localizar-se. Esse jogo pode ser percebido na relação entre o charme e as expressões musicais próprias dos estilos populares da negritude musical norte americana que deram conformidade ao próprio estilo carioca. Os bailes podem ser divididos por situações ou períodos de tempo que são delimitados por diversos estilos musicais que são apresentados de acordo com o clima e a atmosfera a ser criada. Há um tipo de música que é sempre tocada no início dos mesmos que é chamada de “música para ouvir” e que serve para recepcionar, criar um ambiente propício para os que aos poucos vão chegando. Esse é o primeiro momento de conversar, conhecer pessoas, rever amigos e eleger possíveis candidatos ou candidatas à paquera e companhia para a noite que sempre promete. Quando o baile está quase cheio começam as músicas para dançar. É hora de soltar o corpo, deixar a emoção e a memória fluírem. Nesse momento, torna-se possível observar diferentes grupos apresentando novos ou mesmo antigos passos marcados pela espontaneidade e criatividade. O momento se caracteriza ainda, pela capacidade de reinventar a partir do vínculo com a memória que permite a reapresentação de antigas formas de dançar como resultado de releituras corporais que hibridizam passos e seqüências de diversos grupos em diferentes espaços. Por fim, vale destacar a forma como são recebidas e comemoradas determinadas músicas. Os gritos geralmente saúdam determinados “hits” que fizeram e fazem a história do charme. A memória remete ao emotivo que traz para o presente tempos importantes, épocas dos grandes bailes, despertando, desse modo, sentimentos e lembranças que pareciam adormecidas pelo tempo. O aumento do número de dançarinos e aprendizes pode variar de acordo com o grau de dificuldade, com a referência ao período em que determinada música fez sucesso ou com o ineditismo das coreografias. Em todos eles é possível se chegar aos poucos e se colocar atrás de um grupo para tentar aprender os passos básicos − quase sempre bem marcados em ritmo quaternário. A música desempenha o papel de mediadora de sociabilidades que se configuram através das coreografias dançadas em grandes e pequenos grupos. O convite ao movimento proporcionado pela música que invade o ambiente e o corpo-espaço, ao ser aceito, revela possibilidades de aprender novos passos ou relembrar outros antigos. Mas, acima de tudo, é o momento em que existe a possibilidade de conhecer pessoas, estabelecer contatos durante o aprendizado de passos mais complexos, ensaiados anteriormente, por jovens residentes nas proximidades ou por assíduos freqüentadores. Estar no salão, ou melhor, na pista, aprender a coreografia, ensinar os passos são formas de estabelecer laços de camaradagem, afetividade e relações de grupo e companheirismo. Esse clima construído, essa esfera de proximidade dura aproximadamente o equivalente ao tempo da música, ou seja, cerca de quatro minutos, ao fim dos quais, os grupos coreográficos vão sendo desfeitos e novos grupos serão formados para diferentes coreografias. É muito raro que o mesmo grupo dance junto por mais de uma música. Para os novatos há sempre a atenção dos mais habilidosos que têm interesse em ensinar os passos. De acordo com o grau de complexidade é possível observar um grande número de pessoas querendo aprender. É como se houvesse estágios a ser superados. Existem os passos básicos, à partir dos quais novas e complicadas combinações vão sendo articuladas pelos corpos soltos em giros, meias voltas e cruzamentos. O que para muitos parece básico, para nós, em determinados momentos, torna-se impossível de acompanhar. Vencer a timidez e a insegurança torna-se um grande desafio. Desse modo, a preocupação com a seqüência dos passos pode impedir a fluidez da expressão corporal travada pela tensão de não errar. São, geralmente, 82 desenhos coreográficos onde o ritmo quaternário faz-se presente na construção das seqüências e interligações dos passos que os compõem. Não há como dissociar a música da dança. Assim, a coreografia é o elemento estruturante da estética do charme que mais chama a atenção dos presentes em seus espaços de comunidades. Durante esse “árduo” exercício de coordenação motora combinado com a melodia, torna-se comum que algo não funcione, ou seja, pode ser que ou os pés ou as mãos ou mesmo o corpo inteiro deixe de acompanhar o ritmo, o que causa, além de certo desconforto, a perda da coreografia. Pausa para ir ao bar ou persistir nessa luta? Dúvida existencial do corpo presente. Qualquer uma das duas escolhas implicará certamente em conhecer pessoas, em ser tratado com carinho ou por aqueles que socializam a bebida ou por aqueles que insistem que temos todas as chances de aprender e por isso não devemos desistir. Certamente isso funciona como uma senha para que retornemos para outros eventos ou mesmo aceitemos novos convites para outras aventuras coreográficas. Aprender a dançar pode funcionar como pretexto para estar naquele ambiente quase mágico, preenchido por uma musicalidade especial, onde especialmente a voz dos cantores e cantoras parece preencher todos os espaços da rua, do salão, de onde estiver ocorrendo o baile. É importante lembrar ainda a riqueza dos arranjos que acabam por valorizar sobremaneira o conjunto melódico. Em alguns bailes podemos observar, em determinado momento, a abertura de um espaço para que os contatos afetivos realizados no decorrer dos mesmos se concretizem em possíveis namoros ou mesmo no ficar por apenas uma, aquela noite. São momentos anunciados por seqüências de músicas lentas, próprias para dançar juntinhos, a dois. Para os que estão sozinhos, a opção é circular pelas mesas ou pelo bar que nesses períodos costuma ficar muito cheio. É mais um momento do encontro, “de fazer a social”. As várias formas de expressão e potencialidades do patrimônio cultural africano parecem, em certo sentido, estar simbolizadas, dentre outras maneiras, pela dança que possibilita a apropriação do espaço para ressignificá-lo, reelaborá-lo simbolicamente em uma lógica própria ao indivíduo ou ao grupo, diferente da que é imposta pela racionalização do trabalho e pelo aprisionamento ao espaço. Ela, segundo Muniz Sodré (2002), tem a possibilidade de construir um território próprio que se organiza em um espaço onde o movimento se relaciona com o tempo de cada um, com o ritmo62 próprio do grupo. Algumas Reflexões Finais Dançar é subverter a ordem imposta pelo tempo/espaço que aprisionam o movimento e o próprio corpo doutrinado pelo trabalho e para a lógica do trabalho. Dançar é alegria, é a maior característica da festa cuja celebração possui um tempo próprio, diferente do cronológico. É “por meio desse complexo rítmico chamado dança que o indivíduo incorpora força cósmica, com suas possibilidades de realização, mudança e catarse. E o corpo (sem o qual não há rito) configura-se como território próprio do ritmo” (Sodré, 2002, pág.135). O ritmo é rito que prescinde do corpo para 62 . Segundo Muniz Sodré, “o ritmo é precisamente a “disposição” ou a “configuração” assumida pelo ser capaz de mover-se e de transformar-se. Implica, portanto, uma medida ou uma delimitação (territorializante) do movimento, mas não se define como pura contenção, pois instaura, antes de tudo, um sentido temporal diverso do cronológico, uma originalidade de tempo. Isso quer dizer força de criação e de realização, potência ritualística”(pág. 135). 83 que possa constituir-se com tal. A dança é o ritual em que vigora a linguagem não conceitual dos gestos e movimentos corporais. O charme torna-se, assim, uma construção social de música, identidade e cultura próprios de determinados grupos étnicos e sociais em que a base, a memória internacionalizada, está ligada ao movimento que se mundializou como possibilidade de luta, de transgressão e resistência às desigualdades seculares que marcam a trajetória dos grupos afrodescendentes, principalmente nas Américas. Por fim, queremos dizer que parece inegável o importante papel desenvolvido pela indústria cultura na disseminação, na produtivização da cultura para o consumo. Porém, não nos parece suficiente identificar, no nosso caso, a apropriação da música negra estadunidense por determinados segmentos sociais, como resultado da massificação desse consumo, como se o processo ocorresse de forma alienada. É preciso destacar que existe a possibilidade de reconhecer, através do estilo musical, a identificação de formas comuns de compreensão da realidade social que parecem reunir grupos distantes − no caso do R&B norte americano e o Charme carioca. As expropriações sociais marcadas pela exclusão, pela ausência de direitos civis, pelo preconceito racial parecem servir de testemunho e identificação que podem aproximar esses estilos e seus participantes. Guardadas as devidas diferenças conjunturais e sociais, o que está marcadamente em jogo é a resistência e a visibilidade dos problemas comuns e de aparente dificuldade de solução, mesmo em diferentes experiências sociais e momentos históricos. Desse modo, perguntamos se haveria relação entre o movimento black power que explodiu nos Estados Unidos no final dos anos sessenta e o surgimento do charme como resposta dos grupos juvenis presentes na cena musical carioca dos anos oitenta. Nesse contexto, poderíamos indagar ainda, em que medida o surgimento do charme pretendeu superar as questões sociais e políticas presentes no movimento norte americano e que o soul ou a black music brasileiras não estavam dando conta de responder. Consideramos importante a reflexão a esse respeito para contextualizar os movimentos musicais em suas épocas características, como forma de compreendê-los para além de suas supostas dimensões unicamente alienantes. Referências BARBERO, J. M. (1986). Dos Meios às Mediações: Comunicação, Cultura e Hegemonia. Rio de Janeiro: ED. UFRJ. CANCLINI, N.G., (2000). Culturas Híbridas. São Paulo: EDUSP. BARBERO, J. e GAUTIER, A. M. O., (2001). Políticas de Multiculturalidad y Desubicaciones de lo Popular. In: MATO, D. (org), Estudios Latinoamericanos Sobre Cultura y Transformaciones Sociales en Tiempos de Globalización. Buenos Aires: CLACSO. CARRANO, P. C. R. (2003). Juventudes e Cidades Educadoras. Petrópolis, RJ: Vozes. HALL, S. (2003). 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De Oliveira Universidade Federal de Viçosa RESUMO: O presente texto é parte de um estudo em andamento que pretende verificar a concepção de jogo transmitida pelos programas televisivos denominados de “reality show´s”, e o alcance dessa concepção pelos telespectadores. Em recorte, optou-se por um estudo piloto sobre o programa Big Brother Brasil. Com uma metodologia que utiliza entrevistas semiestruturadas, interpretadas pelas técnicas de análise de conteúdo e de discurso, pretende-se identificar e discutir à luz de referenciais teóricos a concepção de jogo do programa e sua incidência no público. Nesta seção do estudo, será apresentada a apreciação da coleta de dados do piloto, a qual indica que existe uma tendência para o conceito de jogo sendo absorvida pelo público, e independente das caraterísticas particulares parece apresentar concepções semelhantes para o objeto em foco. PALAVRAS-CHAVES: jogo, ética, educação física. Para começo de conversa... Esse ensaio é parte do estudo que investiga os programas denominados “Reality Show’s”. Partindo do pressuposto de que a característica comum mais evidente entre eles é a existência de um jogo, propõem-se as seguintes questões: Qual a concepção de jogo que permeia os programas? Qual(is) interesse(s) poderia(m) estar por detrás da propagação de uma dada concepção de jogo? Qual(is) a(s) conseqüência(s) da propagação da concepção de jogo dos programas? A título de recorte tomamos como fonte de estudo o programa denominado Big Brother Brasil, transmitido pela rede Globo de Televisão. Nosso objetivo é investigar qual a idéia de jogo que o programa transmite à sociedade e como esta sociedade está recebendo esta “informação”. Procurando pistas... Considerando as discussões clássicas no âmbito das comunicações que atribuem à televisão o poder de formar opiniões, impulsionar ou subjugar uma diversidade de objetos ligados à arte, à política, à religião, entre outras dimensões importantes da vida em sociedade63, este estudo pretende partir do pressuposto moral e ético (diria quase uma hipótese) que o programa aborda e dissemina através de sua 63 . O estudo de Lovisolo (2002), aborda com propriedade as críticas de Enzesberger contrárias aos poderes atribuídos à mídia de manipulação ideológica, dominação política, transmissora de perigos morais, simuladora de realidade através da ficção, a idiotização do telespectador. Apesar de concordar que existem falhas nas teorias sobre as quais essas teses de poder da Mídia (especialmente a televisão) se sustentam, gostaríamos de verificar se, no caso do nosso estudo em andamento, é justamente o que acontece no que se refere a uma propagação de uma dada concepção de jogo. 86 proposta de jogo, determinados valores (na verdade contravalores) como o “conchavo”, falsidades, mentiras, traição de confiança, sedução, difamação, entre outros, como “artifícios” para conseguir objetivos individuais como a simpatia do público votante, apoio de companheiros de programa, em última instância: permanecer no programa até chegar ao objetivo maior, o prêmio em dinheiro e a fama atribuída ao vencedor64. Acreditando nesse viés moral e ético de interpretação da possível influência do programa Big Brother em uma concepção de jogo permeada de contravalores, poderíamos passar a questionar o papel da academia e dos agentes de intervenção junto à população no sentido de oferecer uma concepção alternativa (poderíamos considerar a mais correta ou educativa) de jogo para a população através das diversas agências de educação e/ou dos diversos campos de ação da educação física. Portanto, essas duas dimensões do estudo, a lembrar: identificação do(s) sentido(s) de jogo perpassado pelo programa Big Brother, juntamente com sua percepção pela população; e as ações dos educadores físicos (e investigadores) nas formas de resistência, fizeram-nos pensar em um caminho metodológico que apontasse para a utilização de entrevistas com questões semiestruturadas a partir de duas questões geradoras: a) Qual a sua opinião sobre o jogo desenvolvido pelos programas do Big Brother Brasil? b) Diga o que você entende por jogo. Os instrumentos foram aplicados a grupos de 05 (cinco) pessoas declaradamente telespectadores do programa, assim constituídos: crianças na faixa etária de 14 e 15 anos que estejam afastadas da escolarização; crianças estudantes do ensino fundamental na mesma faixa etária do grupo anterior e professores de educação física da mesma escola (caso o número seja menor de 05, será utilizado o número que houver); acadêmicos do Curso de Educação Física “calouros” de uma determinada Instituição de Ensino Superior (primeiro período); alunos concluintes (último período) da mesma IES, pessoas da comunidade de diferentes faixas etárias e de idade acima dos grupos de crianças já mencionados. Foi observada de forma tangencial a proposta pedagógica para a educação física da escola utilizada para o estudo. Através desse critério de escolha dos grupos pretendemos verificar: 1) O impacto da “informação” do programa sobre o jogo nas jovens gerações, e qual a diferença de impacto nas que têm intervenção de professores para as que não têm; 2) Se os professores (na carona da proposta pedagógica de sua escola), têm uma concepção de jogo contrária a do programa, ou se reproduzem a “informação” do programa; 3) Se os graduandos em educação física apresentam avanço significativo na concepção de jogo fornecida por uma instituição, de modo a instrumentalizá-los na prática docente; 4) O impacto da “informação do programa em outras faixa-etárias diferente dos grupos mencionados”. A análise dos dados é feita mediante a técnica de análises de conteúdo e de discurso, sendo esta última iluminada com referenciais da semiologia que permitam fornecer informações sobre os significados, os significantes e os signos presentes nas idéias de jogo encontradas. 64 . Em depoimento no Programa Domingão do Faustão da Rede Globo, exibido em 09/03/2003, o participante Alan, após ser questionado sobre o bom e o ruim do Big Brother, relatou que a parte boa é sentir o quanto as pessoas do mundo fora da casa do programa fazem falta para você e o quanto você descobre que são importantes. Porém, a parte ruim é que gostaria de fazer amizades dentro da casa, mas quando lembrava que estava em jogo R$500.000,00 (quinhentos mil reais), ficava dividido entre fazer amizades e tornar-se jogador. Desse modo, acreditava ser difícil fazer amizades e jogar ao mesmo tempo. Em matéria exibida no Programa Fantástico, da mesma emissora, sobre a eliminação do participante Emílio do programa Big Brother, o tema “sinceridade” foi abordado e, a maioria das pessoas entrevistada foi de opinião que em jogo não há sinceridade, o que importa é alcançar o objetivo do jogo. 87 Cremos que boas argumentações para o estudo pressupõem a utilização de um quadro teórico que dê conta das múltiplas dimensões que o estudo envolve. Neste sentido, para levantar as concepções de jogo dos atores envolvidos, procuramos considerar as reflexões de Orlandi (2001) e Bardin (1994). As considerações relativas aos fundamentos de semiologia podem ser contempladas na obra de Eco (2000). Alguns elementos de ética e moral estão fundamentando uma possível contradição entre a concepção encontrada nos discursos dos atores com as concepções acadêmicas, em sua maioria permeadas de valores educativos socialmente aceitos pela educação formal e pela sociedade como um todo. Tais elementos de ética e moral são buscados em Crippa (1980), Ribeiro (1981) e Silva (2001). Por sua vez, o referencial de jogo, ricamente trabalhado na literatura acadêmica da Educação Física, leva em consideração entre outros os trabalhos de Marcelino (1990), Bruhns (1993), Kishimoto (1997), Freire (1994). Alguns caminhos possíveis... A proposta de programas do tipo “reality show” constitui-se em uma iniciativa das grandes redes de TV da Europa e Estados Unidos, com o intuito de transmitir ao grande público aquilo que seria o cotidiano de pessoas que convivem dentro de uma comunidade fechada no interior de uma casa, isoladas determinado tempo do contato com as pessoas e fatos do mundo exterior. Vigiadas vinte e quatro horas do dia por um sistema de câmeras e microfones, os participantes dos programas têm sua vida, desde os aspectos mais íntimos sob conhecimento do grande público. Dentre os diversos programas deste estilo, o Big Brother destacou-se por se tornar uma receita de sucesso em vários países, vindo a constituir-se praticamente em uma rede internacional do gênero. O ponto principal que destacamos aqui é a idéia da existência de um jogo. Enquanto jogo existe uma série de regras que, em síntese, determina a eliminação de concorrentes a cada semana de convivência, até que na última semana um dos concorrentes é declarado vencedor do jogo, fazendo-se merecedor ao prêmio. Importante destacar ainda, que no conjunto de regras para eliminação, existem prerrogativas de isenção representadas pela liderança semanal exercida por um concorrente e a “proteção” concedida por um dos concorrentes que semanalmente recebe a função de “anjo” (protetor). Embora a indicação para eliminação semanal seja feita pelos concorrentes, hora realizada pelo líder da semana, hora realizada pelo grupo, cabe ao público telespectador a decisão de eliminação, através de votos dados por telefone ou internet. Do pequeno quadro exposto acima, já podemos fazer alguns comentários a respeito da ética que permeia tal programa. Em primeiro lugar, a idéia de jogo está claramente ancorada na lógica neoliberal vigente no mundo globalizado. De acordo com esta lógica, estamos em permanente competição e a competência de jogador, para além de uma moral de tradição judaico-cristã, sugere astúcia para articular-se politicamente tanto com as pessoas próximas (outros concorrentes), quanto com as pessoas distantes (grande público). Nesse caso, o “jogador” necessita não somente traçar estratégias que garantam a sua sobrevivência no jogo através do relacionamento com os colegas, como estratégias de sensibilização do grande público. Tais estratégias podem, muitas vezes, tornarem-se perversas, no sentido da declaração constante da distância entre o agir na casa do programa e o jeito de ser real do concorrente no mundo exterior. São justamente estas estratégias que mais prendem a atenção do grande público, porque do ponto de vista da moral teológica elas constituem-se em divisores de água na sociedade entre os 88 que acreditam ser certo o “vale tudo” para se dar bem, e os que defendem os limites das ações e respeito à liberdade de outrem para se conseguir o que se deseja. Porém, observa-se que do ponto de vista moral hegemônico em um país dito de maioria cristã, torna-se muito perigoso admitir que tem vencido o “jogo” o concorrente que escolhe as estratégias moralmente rejeitadas pela tradição, mas, paradoxalmente, aceitas pelo grande público que escolhe o(s) vencedor(es). Isto nos leva à segunda consideração ética: será que realmente o vencedor é escolhido pelo público? A questão que levantamos não pode, a priori, ser respondida com certeza absoluta. A votação por telefone e internet é processada por sistema informatizado sem acesso ao grande público, sendo que este somente é informado do resultado a cada etapa do programa. Tal sistemática de contabilização de votos não permite uma lisura fiscalizável e comprovável, ficando o resultado aceito como ato de fé. Deste modo, é completamente compreensível a crítica de que as emissoras podem controlar e determinar os rumos do programa, de modo que vença um concorrente desejável aos interesses de emissora, patrocinadores ou...o que é pior, um concorrente que concretize a idéia de estrategista que a ética do programa quer estabelecer. O Site da Rede Globo na Internet noticiava, no dia 02 de abril de 2003, após a final da terceira edição do Big Brother Brasil, que vencera o programa mais um brasileiro do tipo “caipira”65, que revelaram-se ótimos “jogadores” apesar de sua condição de supostos aculturados, provando talvez que as pessoas representantes das classes mais simples podem vencer as pessoas das classes mais privilegiadas utilizandose de recursos que, embora vistos como não moralmente aceitos, permitem alcançar resultados finais favoráveis, e é isso o que interessa. Que tipo de “jogador” quer se mostrar? Que tipo de “esperteza” quer se propagar? Poderíamos continuar nossa abordagem longamente sobre a ética perversa do programa, mediante nosso levantamento prévio do quadro teórico, mas em se tratando de um piloto, é suficiente dizer que os primeiros resultados indicam que os atores escolhidos para este estudo estão assimilando a idéia de jogo trazida pelo programa. Talvez o fato que mais corrobore para isso, antes de entrarmos diretamente na percepção que os mesmos têm do jogo Big Brother, é a concepção geral de jogo enquanto competição, relação de vencedor X vencido, premiação e destaque, bem como a grande associação de jogo ao esporte. Talvez nossa maior surpresa tenha sido a generalização dessa concepção em todos os grupos de atores66 que constituem este piloto, indiferente do grau de instrução, faixa etária e nível social. Vejamos algumas falas: Jogo é quando um ganha e outro perde. (JNE I) A gente entra pra ganhar ou perder. (JNE II) É uma forma de se divertir, reagir, gostar das atividades pegar, uma certa aparência física, agilidade, velocidade. (JE I) Jogo é uma competição que tem como objetivo de ganhar sempre (...) (JE IV) 65 . Refere-se aos concorrentes: Kleber (Bambam), do interior paulista, vencedor do Big Brother I; Rodrigo (Cowboy), também do interior paulista, vencedor do Big Brother II e: Dhomini, do interio de Goiás, vencedor do Big Brother III. 66 . Legenda da citação dos atores: JNE (jovem não estudante); JE (jovem estudante), AEF 1º (Aluno graduação 1º período); AEF 8º (Aluno graduação 8º período); PRO (professor); PC (pessoa da comunidade) 89 Note-se que as falas entre jovens de 14 e 15 anos, indiferentemente de estarem freqüentando a escola não tem variações significativas, o que nos levaria a questionar de que forma está se trabalhando o conteúdo jogo (se é que se está) na educação escolar, ou que tipo de acesso às informações sobre o jogo como conteúdo ou metodologia os jovens estão tendo pelas diversas outras agências educativas. Aqui vemos um campo fértil para que a idéia de jogo perversa possa estabelecer-se via a introdução por programas do tipo Big Brother. A diferença de, no máximo uma década, de idades entre os adolescentes e os universitários não muda o tom do discurso, conforme podemos observar: Eu entendo por jogo é a competição né, se for entre duas equipes ou se for individual. Jogo é aquilo que você passar a participar e que quer vencer, o objetivo do jogo sempre é vencer, é lógico vai ter um perdedor, mas jogo em si é uma forma de competir e o objetivo em si é vencer. (AEF 1º I) Jogo é uma competição de um ou mais jogadores com objetivo de ganhar, você ter que chegar num objetivo. (AEF 1º V) Jogo é uma competição, é uma disputa em que há contato físico ou não entendeu. (AEF 8º I) Eu entendo jogo como uma forma das pessoas interagiram ema com a outra, de uma maneira amistosa ou competitiva, e o jogo ele vai cada vez mais relacionar as pessoas emas com as outras.(AEF 8º II) Jogo é tudo aquilo que dera competitividade a participação coletiva, a espontaneidade pode ser a questão da coletividade e entrosação desempenho de equipe, tudo aquilo que de uma certa forma seria competitividade ou não, que desenvolva ou que trabalhe com o lado de grupo da coletividade.(AEF 8º III) O que mais é significante para nós, não é o fato de alunos de graduação em educação Física de uma Instituição de Ensino Superior repetirem o discurso dos adolescentes, mas o fato de alunos do último período após vivência em várias disciplinas que tratam o conteúdo jogo, permanecerem com o mesmo discurso. Não podemos ter a certeza de que esse seja um quadro geral, para além da pequena amostra que tomamos, mas se assim o for, que profissional teremos nas escolas para trabalhar o conteúdo jogo de forma diferente? Falando em professor, vejamos alguns depoimentos dos professores sobre o conceito de jogo: São todas as atividades que são espontâneas e que leva o indivíduo a ter uma realização tanto física como mental, emocional. O jogo é uma possibilidade de relacionamento, uma possibilidade de interação social pra gente hoje no terceiro milênio. Eu vejo o jogo com dois enfoques: o jogo para liberar o estresse que poderia ser um jogo mais lúdico, uma válvula de escape que você busca para um mundo social, para um grupo de amigos, para condicionamento até porque as pessoas dão tanta importância qualidade de vida; e o jogo é um suporte disso, porque você não tem tempo de ir a uma academia, mas você pode no final de semana jogar, não digo só em jogo desportivo, jogo em família- uma carta, dominó entre outros. (PRO I) É uma relação... como eu posso dizer... muitas vezes..., como vou dizer... até destrutivo, mas que eu considero o jogo uma atividade lúdica, mas infelizmente eu vejo algumas atividades destrutivas realmente, onde objetivo daquele jogo não é por participarmos, não é o vencer, mas o derrotar o adversário e que não se respeita regras. (PRO II) 90 O Jogo é a inter-relação dos parceiros, onde haverá vencedor e vencido, mas cada um com seu lugar social ganha com a vivência adequada da experiência. (PRO IV) Embora os professores entrevistados apresentem um discurso um pouco mais elaborado do que os jovens adolescentes e estudantes universitários, podemos observar nas entrelinhas o ranço da tradição desportitivista, e mesmo que se esforcem para afastar a consideração do jogo enquanto competição pura, atraem uma concepção não menos nociva para a educação, pelo seu caráter reducionista e limitador, a concepção utilitária do jogo, sem um fim em si mesmo. Talvez isso explique a pouca formação do conteúdo jogo nos jovens escolares entrevistados. Do mesmo modo que até aqui foram expostas, as falas de pessoas da comunidade apontam na mesma direção dos discursos já apresentados quanto ao conceito enraizado de jogo fundamentado na competição, sobretudo na vitória (com traços de presença da esportivização). Ao que parece, os primeiros resultados do piloto indicam que essa idéia está atrelada à percepção que os atores têm do programa Big Brother, isto é, há acordo de que realmente ali existe um jogo e que, como qualquer competição dentro dessa idéia hegemônica da qual estamos falando, o que vale é vencer, com todas as estratégias que se possa buscar para tal. Vejamos algumas falas: Eu acho legal, só que eu acho que deveria de chamar pessoas mais necessitadas como a Elaine, porque eles estão chamando pessoas com situações estáveis. O jogo desenvolvido no BBB cada um tem a sua tática, ganhar quem tiver a melhor tática. (JE II) É um jogo que todo mundo quer ganhar o dinheiro, que pensa só em si e esquece dos amigos e não sabem que estão se prejudicando aqui fora, o modo certo de jogar ninguém sabe que o objetivo e tirar as pessoas para ficar só ele no final e o público não gosta disso, porque ninguém é verdadeiro ali ninguém mesmo, o jogo que eu acho não é um jogo bom, porque é por dinheiro, porque quando rola dinheiro não deixa as pessoas agirem de forma correta. (JE III) Alguns eu acho até interessante né, como o jogo na verdade porque o objetivo é eliminar e então alguns eu considero até interessante. Eu considero que as pessoas tenham que ter muita perspicácia para perceber o jogador, não é como ele vai jogar ali eu sinto que o segredo é no que você vai jogar, mas que o outro estar pensando. (PRO II) Eu acredito que seja um jogo de competição, e de certa forma estimula a competitividade de uma forma geral, porque o jogo é isso especificamente. Por exemplo, existem algumas provas dentro do próprio jogo que eu acredito que sejam de certa forma imprudente do tipo ao meu ver, as atividades que rolam lá dentro... como por exemplo a participação dos representantes em relação às atividades físicas, como por exemplo a personal training que vai virar modelo e vai crescer mundialmente, que nem sempre é o modelo para nós de profissional. (AEF 8º II) Mesmo nas falas que expressam a percepção do programa como jogo, já é possível, no entanto, observar que mesmo acreditando que se deva usar de estratégias diversas para vencer independente do lado emotivo das relações, os atores entrevistados deixam passar uma certa censura a alguns pontos propostos pelo programa, que em alguns momentos são taxados de “apelação”. São estes pontos apresentados pelo programa que fazem a população desconfiar de que exista manipulação no resultado dos vencedores, ainda que mesmo assim todos permaneçam assistindo ao programa. Este tipo de comportamento paradoxal do público, isto é, desconfiando da lisura do programa e mesmo assim dando audiência, pode representar o conflito ético de transição que uma sociedade vive quando da troca de valores, que mesmo acontecendo paulatinamente não deixa de ser um processo em andamento e que por mecanismos de insistência termina 91 por se instalar. A fala de nossos entrevistados deixa bem clara esta percepção, muito embora suas críticas fiquem no vazio, uma vez que assistindo cada vez mais aos programas vão se adaptando aos novos “valores”. Sabe como é que é, eles só chamam bacana, eles fazem de tudo pra ganhar a grana ainda zoa tudo lá. (JNE I) As pessoas fica lá sem ter o que fazer só olhando pra cara um do outro, brigando arrumando atrito, mas na verdade é todo mundo falso lá dentro, suas regras são tudo estranho pra cacete. (JNE II) Eu acho que esse jogo BBB, eles usam bastante a imagem das pessoas que estão participando do jogo né, e as pessoas que estão participando do jogo é usada de todas as maneiras para ganhar o prêmio, mas tem hora que eles exageram o abuso do corpo, um fala mais que o outro, xingam, reclamam...Mas a televisão que é culpada disso, ela apela de certa maneira pra chamar a atenção do público, então eles utilizam a beleza da pessoa a arrogância da pessoa, corpo da pessoa né , e tem certos dias que eles não têm o que fazer, ficam só observando a bunda das mulheres, o corpo dos homens, os palavrões as maneiras que eles se comportam dentro da cãs, então não sou muito fã do jogo. (AEF 1º I) Eu acho que o jogo ali não é bem certo, que aquilo ali tem um pouco de manipulação da globo, então eles ficam tentando segura uma pessoa ali para poder levantar mais o ponto no ibope da emissora.(PC II) Bom, o jogo em si não está sendo muito desenvolvido ali né, porque eu acho que quinhentos mil reais né, que eles vão ganhar no final eu acho que é um prêmio, mas um jogo cara não tem aquela formação, aquela base do jogo então tem que ter um vencedor, sendo que cada um ali está querendo comer o outro matar, eu acho que não é intenção do jogo. O jogo tem que ter um perdedor e um vencedor, e tem que ter regras, as regras ali tem que ser mudadas porque tem muita panelinha, com isso faz com que a população faça acreditar que aquilo ali é um jogo, já é uma coisa formada entendeu, no final todo muito vai falar que vai ser o DOMINI, aí dá errado não é um jogo, um jogo você não sabe quem é que vai ganhar. (PC IV) As primeiras impressões coletadas pelo estudo estão nos fornecendo informações relevantes de como a mídia influencia na formação de idéias, possibilitando um diálogo com as críticas de Enzesberger abordadas por Lovisolo (2002). Embora este autor defenda as idéias de que a mídia não teria o poder sobre os telespectadores que lhe é imputado, o piloto indica certo grau de introdução no opiniário popular das idéias passadas pelo programa Big Brother Brasil (ou, no mínimo, uma concordância). Com já afirmamos antes, concordamos com a maior parte das críticas de Enzesberger, contudo, diante dos primeiros resultados de nosso estudo, estamos mais inclinados às idéias de Ferreira Gullar67 (2002, p.01): Não se pode formar um juízo sobre a TV sem levar em conta os diferentes aspectos desse meio de comunicação. Antes de mais nada, deve-se ressaltar a sua importância na difusão da informação nos diversos campos da atividade humana: o político, o social, o econômico, o cultural, etc, que sem dúvida contribui para a democratização do conhecimento da realidade, particularmente num país como o Brasil onde o nível de leitura é muito baixo e o índice de analfabetismo muito alto. A par disso, há também certo grau de manipulação da notícia e da opinião, que em muitos casos atende aos interesses dos setores econômicos mais poderosos e atuantes, mas que não anula a informação. Outro aspecto da TV, a ser analisado, é o da teledramaturgia que, no Brasil, tem papel significativo. As telenovelas, que às vezes abordam questões da realidade social, na maioria dos casos contribuem para uma espécie de falsificação dos sentimentos humanos e dos valores sociais. A qualidade 67 . Captado no site: www.uerj.br/revistasacademicas/polemicaimagem 92 desse tipo de programa - bem como dos programas de auditório e semelhantes - tende a cair em face da migração, para as tvs a cabo, da audiência mais exigente das tvs abertas. Estas vão baixando o nível dos programas na suposição de que isso atende ao gosto da maioria. Acreditamos também que temos elementos significativos para iniciar um debate sobre a ação pedagógica da Educação Física na formação conceitual técnica e educativa de habilidades e conhecimentos inerentes ao campo (tais como o jogo, o esporte, entre outros). Neste sentido, o estudo pretende contribuir, então, para que a educação formal e a educação física avaliem seus alcances em termos de eficiência e eficácia na formação de valores socialmente aceitos. Referências BARDIN, L. Análise do Conteúdo. Lisboa: Edições Setenta, 1994. BETTI,M. A Janela de Vidro: esporte, Televisão e Educação Física. Campinas: Papirus, 1995. BOURDIER, P. Sobre a Televisão. 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Jan./Mar.1981.(S.B.F.C.) SILVA, M. R. O Debate Ético e Científico na Educação Física. In ANAIS DO XII CONBRACE: Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Caxambu/MG: CBCE (Secretaria Estadual de Minas Gerais, Secretaria Estadual de São Paulo), 2001 (CDRom). THOMPSON, J. B. Ideologia e Cultura Moderna. Petrópolis: Vozes, 1995. 93 LAZER E DROGAS ILÍCITAS: REPRESENTAÇÕES SOBRE O USO DA MACONHA ENTRE JOVENS FREQÜENTADORES DA LAPA/RJ Acad. Dauana da Cunha Pessoa68 Grupo de Pesquisa Lazer e Minorias Sociais/EEFD/UFRJ69 RESUMO: Em torno da complexa discussão drogas ilícitas e jovens na sociedade brasileira têm-se as das diferentes formas de sociabilidade juvenil. Neste contexto, abordaremos particularmente o uso da maconha entre jovens em seu momento de lazer. Entende-se o lazer não apenas em relação à busca do prazer mas como um campo de conflitos. Aqui, delimitado por comportamentos socialmente considerados patológicos. Busca-se, sob uma perspectiva antropológica, compreender alguns sentidos e significados de seu uso a partir de quem usa, os jovens envolvidos. Sendo a Lapa o espaço escolhido para este estudo, em função de suas características socioculturais na cidade do Rio de Janeiro. PALAVRAS-CHAVES: maconha, lazer, jovens. O uso da maconha encontra-se repleto de orientações e interpretações na sociedade brasileira. Insere-se no amplo debate sobre o uso de drogas ilícitas, permeado por influências e concepções das mais diversas disciplinas do conhecimento. Incluindo a medicina, a psicologia, a sociologia, a antropologia, a filosofia etc. Indo de concepções que vão desde o embasamento teórico oriundo da biologia àquelas que focalizam suas análises e reflexões nas relações históricas e culturais (GONÇALVES & BASTOS, 1992). A discussão sobre a maconha está associada a outras substâncias psicoativas (ilícitas), classificadas sob um termo comum: drogas. Um termo que inspira cuidados, pois omite uma pluralidade de idéias e conceitos a seu respeito. Ofuscando características inerentes ao contexto em que elas estão presentes, neste caso o uso da maconha entre jovens freqüentadores da Lapa. Portanto, o uso de drogas é um assunto qual devemos ter cuidados em abordá-lo, sob pena de restringir a discussão a partir de generalizações. Nesta perspectiva, adentramos com uma breve discussão sobre o uso da maconha na sociedade brasileira, nem sempre considerado ilícito. No intento de compreendermos melhor a função social de algumas representações e asserções a seu respeito em determinados momentos na história. Que contribuem para refletir certos aspectos vinculados à problemática do uso de “drogas”70 ( especialmente a maconha) no momento contemporâneo. A maconha foi inicialmente utilizada pelos escravos negros em rituais. Depois difundiu-se pela sociedade, basicamente entre a população trabalhadora da lavoura, no Norte e Nordeste do país. E dentre os significados que lhe eram atribuídos estava a atenuação do cansaço promovido pela intensa jornada de trabalho. Cumprindo determinados papéis no cotidiano da população. 68 . Contato: [email protected] . Grupo de pesquisa coordenado pelo Professor Dr. Victor Andrade de Melo. Contato: www.lazer.eefd.ufrj.br. 70 . Encontra-se entre aspas para destacar a visão do senso comum, que costuma associar este termo às drogas ilícitas ( como maconha, cocaína e crack). 69 94 Os trabalhos científicos produzidos sobre este assunto ganharam maior influência na sociedade no início do século 20, principalmente enquanto argumento para a repressão. Sendo ressaltados por estes trabalhos os males físicos e sociais que o uso da maconha poderia causar. Observa Gabeira (2000) que os estudos desta época procuravam reforçar os preconceitos e o racismo da elite brasileira em relação aos exescravos negros e a algumas tribos indígenas que utilizavam maconha, como os tenetearas dos Maranhão. Como podemos observar, ainda em Gabeira (2000), os estudos da época, a maioria dotada pela visão médica e sanitarista, eram incapazes de compreender os significados culturais de seu uso. Porém, houve outros significados em torno do uso da maconha na sociedade brasileira. A partir da década de 60, o uso da maconha, antes voltado aos negros, índios e pobres dos grandes centros urbanos, passa a ser visível entre jovens universitários da classe média urbana (MACRAE & ASSIS, 2000). O uso da maconha neste contexto era visto como a negação dos valores dominantes. Não foram raros as suas associações a comportamentos desviantes, ou seja comportamentos fora dos padrões preestabelecidos pela sociedade. Porquê, nesta concepção, seu uso relacionava-se com a ameaça constante da perda do controle social sobre as pessoas, principalmente sobre os jovens. Nesse contexto, acerca da ameaça social representada pelo uso de drogas, Velho (1987) nos diz que: O uso de tóxicos, no caso, afeta basicamente dois domínios fundamentais para a suposta continuidade da vida social: o domínio do trabalho e o domínio da sexualidade, e , obviamente, da família. É o fato de o tóxico ser associado a comportamentos contrários ao nível do trabalho e ao nível da família e da sexualidade que provoca a reação tão aparentemente irracional, tão aparentemente incongruente (pág.44). Estes são alguns aspectos que envolvem a discussão do uso da maconha em nossa sociedade, destacando-se sua visibilidade nos centros urbanos. Abordados na intenção de mostrar certas imagens, concepções e sentidos que lhe foram conferidos. Como a construção de imagens e conceitos depreciativos sobre o uso da maconha entre as classes oprimidas. E depois, mudando o foco da questão, o seu consumo entre jovens de camadas médias urbanas, indo, principalmente, contra os valores morais da sociedade. Sendo, no contexto da década de 60, construídos socialmente outras representações negativas de seu uso. Estas representações evolvem estereótipos e preconceitos que classificam qualquer comportamento não aceitável socialmente como desvio, patológico. E, são essas representações que influenciam o contexto da nossa temática: uso da maconha entre jovens em seu momento de lazer na Lapa, RJ. Nesta temática, apresentam-se três fundamentais categorias que estão interrelacionadas: maconha, juventude e lazer. No entanto, antes de entrarmos nas questões específicas deste trabalho, faremos uma rápida abordagem sobre as duas últimas categorias. Procurando compreendê-las no contexto. A discussão drogas ilícitas, juventude e lazer trazem conotações bem específicas ao mundo acadêmico, particularmente aos estudos sobre lazer. Tratando-se de um assunto raramente abordado e às vezes visto como menos importante, ou que não desperta nenhum interesse em discuti-lo. Porém a preocupação com o lazer está se inclinando para além da busca do prazer e, neste caso, o uso de drogas também se faz presente. Pois, cada vez mais, vem sendo compreendido no âmbito da cultura e das relações sociais. E isso, obviamente, implica também, mesmo que o lúdico e o prazer estejam presentes, o lazer enquanto gerenciamento de conflitos71. 71 . PINTO, 2003 95 A temática em voga se abre para aspectos polêmicos. Insere-se também na discussão lazer e drogas ilícitas a categoria juventude. Uma categoria complexa. E diferente de que se possa pensar, ela está para além do conceito de unidade. Não se trata de uma categoria pré-determinada e definida. Ela adquire diferentes características, sentidos e significados de acordo com o contexto onde está presente. Ela não se identifica, meramente, por uma divisão cronológica arbitrária nem como grupo homogêneo72. Neste sentido, Alvim e Paim (2000) ampliam o termo e falam que: (...) sociologicamente, a juventude é considerada não um estado, mas sim um ‘processo’ que pode-se dizer, se expande entre as diferentes imagens dos grupos subsumidos por sua classificação (pág. 14) “. Sobre a categoria juventude dentro da temática referida, ressaltamos que apesar de considerar a prior os jovens usuários de maconha queremos identificar: Quem são eles? Qus classe social pertencem? É possível traçar um perfil desses jovens? Como eles encaram socialmente o fato se serem “maconheiros”? Quais os significados que atribuem ao uso da maconha no seu momento de lazer? E neste âmbito, pode-se considerar a maconha enquanto um potencial de lazer? Essas são questões que nos implicam a abordar o tema numa perspectiva antropológica. Pelo viés antropológico para a discussão do tema lazer e drogas ilícitas, mostra-se fundamental a participação dos atores envolvidos. Seja na construção de imagens, conceitos e significados sobre o uso da maconha e momentos de lazer. Posto que sem eles, seriam inviáveis a validade e a importância deste trabalho. São eles que estão imersos na realidade cotidiana e na dinâmica do campo das nossas investigações, a Lapa. E nada mais relevante, neste caso, do que uma aproximação para ver e ouvir o que têm a nos dizer ou relatar sobre suas experiências. É na tentativa em não partir das generalizações nem preconceitos que se caracteriza a aproximação com o contexto da investigação. No sentido de permitir que outras vozes possam se manifestar e mostrar a sua visão. Com isso, buscamos compreender valores, sentidos e significados que envolvem o uso da maconha nos momentos de lazer e suas representações no âmbito cultural da Lapa. Colocando-nos diante de um preceito da antropologia social, que é a necessidade de relativizar. E neste caso, especificamente, trata-se de: (...) relativizar as tipificações do uso de “drogas” como ações desviantes e atentar para as complexas representações envolvendo usuários e não-usuários, na maior parte das vezes influenciadas por uma série de discurso predominantemente morais (Velho apud Fiore, 2000). É para uma visão ampliada e complexa do assunto maconha, lazer e jovens que relativizar se coloca como extremamente necessário. Pois há de se levar em conta que estamos abordando o uso da maconha entre jovens, que não sabemos a princípio quem eles realmente são e o que pensam. Apenas partimos de que eles são usuários de maconha. E isso, certamente, não implica em considerá-los, a priori, delinqüentes. Nem mesmo inocentes, vítimas do perigo oferecido pelas “drogas”. Que nos parecem asserções bastantes superficiais e estigmatizantes. Nos interessa o desafio de analisar seus discursos enquanto sujeito capaz de opinar, optar, emitir idéias e conceitos importantes sobre o mundo que os cerca. Estes são alguns aspectos fundamentais que nos situam no contexto de maconha, lazer e jovens. Idéias, conceitos e princípios que norteiam os rumos deste 72 . ALVIM, 2000 96 trabalho, uma pesquisa em andamento. Tendo por uns de seus objetivo a aproximação com a dinâmica espacial ( atores, fluxos, manifestações culturais etc.) da Lapa. Especialmente em relações aos jovens usuários de maconha e suas apreensões sobre a maconha nos momentos de lazer. Considerou-se a Lapa o campo privilegiado para as nossas análises na cidade do Rio de janeiro. Um lugar que no início do século XX ficou conhecido como um ponto de encontro da boêmia carioca. Havia representações negativas em torno daquele espaço. Por exemplo, a concepção de que ele apenas era freqüentado por pessoas de comportamentos desviantes, como drogados, homossexuais, bandidos etc. Além disso, associado às pessoas de baixas classes sociais. Assim, um tom de preconceito e marginalização foi construído sobre as imagens de seus freqüentadores. No entanto, hoje já se pode observar outras representações sobre a Lapa. Visto como um espaço de lazer na cidade do Rio de Janeiro que abriga as mais diversas manifestações culturais. Seja em relação à música, à dança, e aos mais diferentes grupos que freqüentam o espaço etc. Sendo freqüentado por diferentes faixas etárias e pessoas que vem de vários lugares da cidade. Um espaço de lazer, de características socioculturais diversas, de usuários e não-usuários, diferentes “culturas”, ele mostra-se naturalmente um espaço de trocas, conflitos e tensões. Assim, a Lapa apresenta-se como um campo farto para nossa a pesquisa. À medida que nos instiga a investigação de como jovens usuários de maconha lidam socialmente com o fato de serem “maconheiros”, principalmente, nos seus momentos de lazer. Considerando mais uma vez que não se pretende tratá-los enquanto grupo homogêneo. Até porque a semelhança que parece existir entre eles, a princípio, é o fato de serem usuários de maconha. O que importa realmente para as nossas análises é a sua experiência individual na construção da experiência coletiva, preservando-se as diferenças. E são as experiências vividas em seu cotidiano que nos aproximará definitivamente com o contexto das questões anteriormente levantadas. A despeito de estigmas, estereótipos e classificações dadas a priori sobre estes jovens, nos propomos a ouvir e analisar seus discursos. Depreendendo sentidos, significados e conceitos a respeito do tema lazer e drogas ilícitas, a partir de suas visões enquanto sujeitos participantes. Reconhecendo o seu direito de falar de uma realidade que os implica diretamente. Neste aspecto, as representações sobre o uso da maconha nos seus momentos de lazer no âmbito cultural da Lapa. Referências ALVIM, Rosilene & PAIM, Eugênia. Os jovens suburbanos e a mídia: conceitos e preconceitos. In ALVIM, Rosilene & GOUVEIA, Patrícia (orgs.). Juventude Anos 90. Rio de Janeiro: Contra Capa livraria, 2000. FIORE, M. Algumas reflexões a respeito dos discursos médicos sobre uso de “drogas”. Disponível em: http://www.neip.hpg.ig.com.br. Acesso em: 19/12/2003. GABEIRA, Fernando. A maconha. São Paulo: Publifolha, 2000. GONÇALVES, Odair & BASTOS, Francisco Inácio (orgs.). Só socialmente. Rio de janeiro: Relume Dumará, 1992. PINTO, Leila Mirtes. Lazer, História e Cultura. IV Seminário Lazer em Debate, Belo Horizonte, n.4, mai., 2003, p. 45-52. MACRAE, Edward e Simões, Júlio Assis. Rodas de Fumo: O uso da maconha entre camadas médias urbanas. Salvador: EDUFBA, 2000. 97 VELHO, Gilberto. O consumo da cannabis e suas representações culturais. In SABINA, Maria (org.). Maconha em Debate. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1987. 98 O LUGAR DO LAZER NA VIDA DOS DOCENTES UNIVERSITÁRIOS Acad. Samuel Gonçalves Pinto73 Prof. Dr. Silvio Ricardo da Silva74 Acad. Rogério Santos Pereira Acad. Rafhael Fernandes Pereira Acad. Fernanda Caetano Cunha Universidade Federal de Viçosa RESUMO: O presente texto tem como objetivo trazer à tona dados obtidos na primeira etapa da pesquisa intitulada Razão e Emoção: O Lazer dos Professores da Universidade Federal de Viçosa. O avançar da Universidade, como lugar de qualificação intelectual e profissional, em face das técnicas e alternativas de processamento do conhecimento, cria condições para o ensino, a pesquisa e os programas de extensão. Percebemos o professor dentro desse espaço de atuação, permeado por uma lógica de produtividade, utilidade e competitividade, levando-o ao distanciamento do lazer enquanto prática do dia-a-dia. PALAVRAS-CHAVES: lazer, professores e universidade. A Cidade, a Universidade, os Professores e o Lazer Viçosa, surge em Minas Gerais no período da mineração isto é, no século XVIII, como fonte de abastecimento das populações mineradoras da região. Sua economia era basicamente mantida por criações de pequenos animais e policultura, sofrendo mudanças com a inserção da cultura cafeeira. Com o declínio do preço do café no mercado mundial, suas antigas lavouras foram transformadas em pastagens, para a sustentação de uma pecuária leiteira extensiva, e a agricultura cafeeira se transformou em agricultura de subsistência. Temos nesse momento um período de crise tanto na economia do estado como na economia do país. Segundo BORGES (2000), é possível que outros homens públicos tenham refletido sobre o problema; contudo, foi o estadista Arthur da Silva Bernardes75, então 73 Membro do Grupo de Pesquisa Ensino, Corpo e Sociedade. Bolsista PIBIC/CNPQ – email:[email protected] 74 . Professor do Departamento de Educação Física da UFV. Membro do Grupo de Pesquisa Ensino, Corpo e Sociedade e do GPL/FACEF/UNIMEP – email:[email protected] 75 . Nascido em Viçosa- MG, no dia 8 de agosto de 1875. Iniciando seus estudos no Colégio Caraça, transferiu-se para Ouro Preto, onde estudou Humanidades. Em 1900 é diplomado pela Faculdade de Direito de São Paulo. Passou então a trabalhar no Jornal Correio Paulistano e no Instituto de Ciências e Letras de São Paulo, onde lecionava Português e Latim. Retorna da Viçosa em 1901, como advogado. Em março de 1904 elege-se Vereador, sendo, dois anos após, Presidente da Câmara Municipal de Viçosa, iniciando, assim, sua expressiva carreira política. Em 1907, foi eleito Deputado Estadual e 1º Secretário da Câmara Estadual; em 1909 passa a ocupar a Câmara Federal. No ano seguinte, foi convidado pelo então Governador de Minas, Bueno Brandão, para ocupar a Secretaria de finanças, cargo que exerceu até 1914. Em 1918, deixou a Câmara Federal para ocupar a Presidência do Estado de Minas, aí iniciando seus esforços para a criação da ESAV.Terminado seu mandato, em 1922, é eleito Presidente da República, vindo a inaugurar a almejada ESAV em 28 de agosto de 1926. Encerrado o mandato de Chefe de Estado, elege-se Senador da República. Exilado para Portugal por motivos políticos, lá permaneceu por dois anos, voltando ao Brasil, onde se elegeu novamente Deputado Federal. Retirou-se temporariamente da vida política, porém com a queda de Getúlio Vargas, retoma sua trajetória, elegendo-se mais uma vez para a 99 Presidente do Estado de Minas Gerais, quem iniciou uma das melhores soluções para resolver o empirismo dominante na agricultura e na pecuária. E o fez com a Lei n° 761, de 6 de setembro de 1920, que assinou com seu Secretário da Agricultura Clodomiro Augusto de Oliveira, autorizando o Governo do Estado a criar uma Escola Superior de Agricultura e Veterinária e a situá-la no local que melhores condições apresentasse para seu funcionamento. A Lei é bem especifica quanto ao fim a que a escola era destinada. Em seu artigo 4°, reza: “Esta escola terá por objectivo ministrar o ensino pratico e theorico de Agricultura e Veterinária e bem assim realizar estudos experimentaes que concorram para o desenvolvimento de taes sciencias no Estado de Minas Geraes”(p.25). Para RIBEIRO (1996), o Presidente do Estado resolveu de início que a Escola fosse estabelecida nos moldes dos “Lands Grant Colleges76” americanos, cujas atividades nos três campos básicos da filosofia em que foram fundados – ensino, pesquisa e extensão – deram extraordinário desenvolvimento à agropecuária dos Estados Unidos. A Universidade Federal de Viçosa (UFV) teve sua origem na Escola Superior de Agricultura e Veterinária (ESAV), fundada oficialmente no dia 1° de agosto de 1927, iniciando seus trabalhos, com instalação de cursos fundamental e médio, num “rasgo de visão do futuro” por parte de Arthur Bernardes, no intuito de solucionar o problema angustiante da agricultura mineira na época. Com a criação do curso de ciências domésticas, foi criada a Universidade Rural do Estado de Minas Gerais (UREMG), em 15 de dezembro de 1949, permanecendo até 15 de julho de 1969, quando foi instituída a Universidade Federal de Viçosa, incorporando à UREMG (BORGES, 2000). A UFV conta, no início de 2003, com quatro Centros de Ciências, duas unidades que ministram o ensino médio – oferecendo dois cursos de ensino médio geral, um de ensino médio técnico–, 35 de graduação, 22 de mestrado, 16 de doutorado e, ainda, estágios de pós-doutoramento. Consideramos a Universidade, um espaço privilegiado de transmissão e veiculação do conhecimento, isto é, de reflexões advindas de um processo de internalização e incorporação de valores. Reflexões essas que podem contribuir para o desenvolvimento de atitudes e alternativas de intervenção na realidade social. Concordamos com WERNECK (1997) quando a autora afirma que a Universidade representa (ou deveria representar) um local de encontro, de reflexão e aprendizagem da vida social, lugar de preparação teórico-prática para enfrentar os conflitos e as contradições de nosso cotidiano. Espaço plural que anseia pela elaboração coletiva de estratégias de ação coerentes com a realidade e evita o isolamento cultural, sobretudo pela busca da interação entre os diversos componentes da complexidade sociocultural que a constitui. Devemos então, trabalhar na superação do senso comum através da produção do conhecimento, nos comprometendo com o desenvolvimento de uma sociedade justa e democrática. Conforme LOPES (1995), para além dos objetivos específicos da Escola de Viçosa, dados por sua posição nas estruturas dos saberes constituídos nos diferentes Câmara Federal, não conseguindo terminar seu mandato, pois veio a falecer em 23 de março de 1955, na cidade do Rio de Janeiro. 76 . Eram tomados como um modelo de ensino já aprovado na América do Norte, na medida em que buscavam encontrar soluções agronômicas para os problemas dos farmers americanos, através de uma prática agrícola que racionalizasse a produção, utilizasse forma adequada o solo, transformasse o saber rotineiro em saber científico, não oriundo da ciência até então prevalecente, mas de uma ciência onde a aplicação prática fosse tão valorizada quanto a aquisição do conhecimento por ela mesma. O lema era aprender-fazendo. 100 momentos de sua história e trajetória, o espaço geográfico define as formas de congraçamento, familiaridade e disputas intelectuais e sua hierarquia interna, fazendo das pessoas que passaram por suas salas de aula produtoras/reprodutoras de habitus aos quais foram aí expostas. Na transmissão desse habitus fundamentado no aprendizado agrícola, com valorização na prática, no fazer, acaba por impor sua cultura própria, influenciando nas relações entre as pessoas, no seu pensar, no seu agir. E a esfera do lazer e do trabalho? Estariam também sendo influenciadas nesse processo? Percebemos que, para que esse espaço plural sirva de palco para o desenvolver-se dessa sociedade, nos deparamos com o envolvimento de personagens que vão dar movimento à dinâmica das relações. Pretendemos neste texto nos atermos aos docentes, no sentido da sua configuração nesse cenário, seja na estimulação do desenvolvimento de valores, de formação profissional ou na intervenção na sociedade. O debate em torno da docência é uma das questões de referência do pensamento sobre a educação. Grande parte dos problemas e dos temas educativos que envolvem os professores exige determinadas ações, desenhando ou projetando sobre si mesmo, aspirações que se assumem como uma condição para a melhoria da qualidade em educação. O papel docente gira em torno do trabalho, com o conhecimento na sua radicalidade e totalidade, viabilizando a leitura da realidade, e estabelecendo laços concretos com projetos políticos de mudanças sociais, permitindo, assim, o engajamento e intervenção por parte do aluno na sociedade. Desenvolvemos, há seis meses, uma pesquisa com os professores da Universidade Federal de Viçosa, intitulada: Razão e Emoção: o Lazer dos Professores da Universidade Federal de Viçosa, tendo como principal objetivo analisar o lazer no cotidiano dos docentes. Verificando o tempo disponível para o lazer dos professores, identificando as vivências, a forma como elas são conduzidas, fazendo uma relação entre lazer, formação profissional e prática educativa. Num primeiro momento, foram aplicados questionários a aproximadamente 30% dos professores da Universidade Federal de Viçosa, em parcelas iguais nos diferentes Centros de Ciências, selecionados aleatoriamente. Com a análise desses questionários, está sendo possível selecionar um grupo menor de professores, para que se possa realizar uma entrevista que objetiva trazer à tona outros dados importantes para o estudo. Foram coletados e analisados aproximadamente 22% dos questionários, sendo: 26% do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, 20% do Centro de Ciências Humanas, 31% do Centro de Ciências Exatas e 23% do Centro de Ciências Agrárias. Pudemos detectar com a análise desses questionários que 21% dos professores são filhos de Viçosa, isto é, nasceram no município e tiveram toda a sua educação constituída nesse espaço, carregando valores, tradições, maneiras de se comportar, enfim, suas concepções de mundo, de homem, de sociedade, influenciando sua interação na esfera do lazer, seja em termos de conceituação, bem como opção e interesse por vivências. A respeito do significado de lazer para os professores, na maioria das vezes é considerado como via de prazer, via privilegiada de envolvimento familiar, com um sentido de oposição ao trabalho, ou seja, descanso, divertimento e descontração. Detectamos que os professores encaram o lazer dentro de uma perspectiva funcionalista. MARCELLINO (1990), citando Requixa, acredita que, “ao se tratar o lazer dessa forma, se busca a paz social e a manutenção da ordem, instrumentalizando o lazer como fator que ajuda a suportar a disciplina e as imposições obrigatórias da vida 101 social, pela ocupação do tempo livre em atividades equilibradas, socialmente aceitas e moralmente corretas” (p.38). Quanto às atividades desenvolvidas pelos professores no seu tempo disponível, 61% deles participam de vivências que categorizamos como relativas à produtividade, como: escolinhas de esportes, cursos de línguas, informática/datilografia, escoteiros, monitorias, aulas, balet e música. Já 28% participam de vivências que consideramos como relacionadas a um caráter desinteressado (MARCELLINO, 1996), como: brincadeiras, bares, festas, cinema, desenho e pintura. Uma parcela de 11% participava das duas categorias de vivências. Durante as práticas mencionadas, 95% dos professores não têm acompanhamento profissional, isto é, as atividades eram desenvolvidas sem a supervisão e/ou acompanhamento de um profissional da área. Não há, por parte de 62% dos professores, uma busca por novas opções de lazer, o que pode ser atribuído à rotina de trabalho dos professores, ou seja, as aulas ministradas, as orientações concedidas, a participação em eventos científicos, reuniões institucionais e as obrigações da vida familiar, tendo em vista que tudo sempre é acompanhado pela lógica da produção, bem como às barreiras existentes para com o lazer, como a violência, as questões de faixa etária, de gênero, estereótipo, espaço e questões econômicas (MARCELLINO, 1996). Para PINTO (1999), do ponto de vista da integração social, cultural e profissional, deveríamos perceber que a vivência lúdica nos leva a superar preconceitos; desejar conviver, participar e construir saberes e estratégias coerentes; ser habilidoso/habilidosa nas relações interpessoais; valorizar o trabalho coletivo e o comunitário; ter responsabilidade social; respeitar e valorizar o outro; empolgar com as conquistas das outras pessoas; confiar nas pessoas e ser confiável; desejar e comprometermo-nos com os desafios coletivos que organizamos com nossos parceiros; ter prazer e habilidade no trabalho em equipe, considerando os participantes parceiros e não adversários. Isso tem acontecido? Até que ponto a esfera do lazer tem influenciado o diaa-dia da universidade, nas relações entre as pessoas? Ou até que ponto a escolha por uma vivência, – a opção por determinada atividade – é influenciada pelas relações no trabalho? Conforme SENETT (1999), não só o professor universitário, mas como qualquer trabalhador, sente falta de relações humanas conscientes e de objetivos duráveis no trabalho, porque as condições de tempo no novo capitalismo criaram um conflito entre caráter e experiência – a experiência do tempo desconjuntado ameaçando a capacidade das pessoas de transformar seus caracteres em narrativas sustentadas. SILVA (1998), citando Senett, observa que o caráter depende de virtudes estáveis, como lealdade, confiança, comprometimento, integridade, confiança nos outros e ajuda mútua – características quase ausentes no novo ambiente de trabalho no novo capitalismo – as quais as gerações anteriores consideravam essenciais para a formação do caráter. Em face dessa lógica da universidade permeada de interesses e sentidos, que acaba se refletindo nas relações interpessoais, temos ainda que considerar a identidade cultural dos professores, ao passo que esta penetra no dia-a-dia da comunidade, revelando novas práticas, formas de congraçamento, desejos e anseios. WERNECK (2002) considera que “o lazer não se restringe ao consumo alienado, proporcionando por meio das oportunidades que padronizam gostos e preferências; que tratam os sujeitos como se fossem meros objetos desprovidos de 102 histórias de vida singulares e que ignoram as questões culturais, políticas e sociais mais amplas que nos constituem”. No trabalho, foi observado que os professores “nativos77” têm maior interesse por atividades como a prática de futebol, bem como vivências que envolvam a participação em programas sociais, como festas, reuniões com amigos, cinema e viagens. Já os professores oriundos de outros municípios relataram as mesmas vivências dos nativos, mas percebe-se uma preocupação maior com atividades como teatros, shows e a prática de esportes radicais. Para WERNECK (2000), a cultura invoca domínios simbólicos e materiais, e sua análise envolve a relação entre ambos. Além disso, inclui a busca pela compreensão do comportamento dos sujeitos e das trocas simbólicas engendradas no cotidiano de uma comunidade, sendo entendida como uma forma de vida – englobando idéias, atitudes, linguagens, estruturas de poder. Afirmar o papel dos sujeitos como “produtores culturais” significa ampliar as chances de apropriação das condições da produção do saber técnico-prático, lúdico e educativo que permeiam as vivências de lazer, buscando a criação e não o simples consumo de cultura. Se o lazer é uma esfera da vida humana permeada de desejos e sentidos, até que ponto ele influencia a prática docente? Ou seja, a prática docente está diretamente ligada à ocupação desse tempo disponível? No atual estágio da pesquisa, estamos realizando entrevistas com uma parcela dos professores, a fim de permitir uma análise concisa sobre a relação dos professores com o lazer e desvelar a construção social dos costumes, a partir da interferência do professor no meio em que ele está inserido, trazendo consigo todos os seus valores internos. Referências BORGES, J.G. A Universidade Federal de Viçosa no século XX. Viçosa: UFV; Imprensa Universitária, 2000. LOPES, M.F. O Sorriso da Paineira: Construção de Gênero na Universidade Rural. Rio de Janeiro, 1995. MARCELLINO, Nelson C. Lazer e Educação. 2ª ed., Campinas: Papirus, 1990. ________. Estudos do lazer: uma introdução. Campinas: Papirus, 1996. PINTO, L. M. S. M. Lazer e trabalho em busca da qualidade lúdica: desafio da Prefeitura Municipal de Betim/MG. In: Coletânea do 11° Enarel- Lazer, meio ambiente e participação humana. Foz do Iguaçu:1999. RIBEIRO, F. Reminiscências de uma época. Viçosa: UFV; Imprensa Universitária, 1996. SENNETT, R. A corrosão do caráter: as conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro, Record: 1999. SILVA, S. R. Lazer e Mercado na universidade. In: WERNECK, C.L.G; ISAYAMA, H.F. (Org.). Licere. Belo Horizonte: UFMG/DEF/CELAR, 1998,vol 2. WERNECK, C.L.G. Lazer e Diversidade Cultural: Perspectivas na Formação e no Mercado Profissional, 189 a 198. UFMG/EEF/CELAR, 1997 ________.O Lazer na sociedade contemporânea: via de diferenciação entre classes e grupos sociais ou estratégia de mobilização e engajamento político? In: 77 . Oriundo de determinada região. Termo muito utilizado entre os habitantes do município para diferenciar os moradores nascidos em Viçosa do restante da população. São os filhos de Viçosa. 103 WERNECK, C.L.G; ISAYAMA, H.F. (Org.). Coletânea III Seminário “O Lazer em Debate”. Belo Horizonte: UFMG/DEF/CELAR, 2002. 246p. ________.Lazer, trabalho e educação: relações históricas, questões contemporâneas. Belo Horizonte: UFMG/DEF/CELAR, 2002.157p. 104 LAZER: PROJETOS DE INTERVENÇÃO O LAZER, A CIDADANIA E A POLÍTICA NO PROJETO TEMPO LIVRE Prof. Ms.Angela Brêtas78 Grupo de Pesquisa Lazer e Minorias Sociais/EEFD/UFRJ79 RESUMO: O objetivo desse trabalho é analisar as experiências de lazer desenvolvidas no âmbito do Projeto Tempo Livre tendo como eixo norteador a preocupação com a cidadania e a política compreendidas como participação na vida da polis. Para isso, buscamos na Grécia antiga os elementos necessários para melhor entender estes campos de prática social. Tal análise se justifica na medida em que, guardando as devidas proporções e tomando os devidos cuidados, possamos indicar aspectos que auxiliem a desvelar alguns equívocos presentes em determinadas políticas públicas de lazer e, assim, tornar mais claras nossas ações como Animadores Culturais. PALAVRAS-CHAVES: lazer, cidadania, Antigüidade. Introdução O Projeto Tempo Livre foi uma experiência desenvolvida a partir de uma parceria entre o Grupo de Pesquisa Lazer e Minorias Sociais, da Escola de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Rio de Janeiro e o SESC/Rio de Janeiro, durante o ano de 2003. No período de 2002-2003, como resultado de um convênio entre o Governo Federal – Ministério do Trabalho e do Emprego - e o SESC/RJ, vinte e sete municípios do estado do Rio de Janeiro foram contempladas com a construção de vinte e oito ginásios polidesportivos. Entretanto, a preocupação com o uso e com a manutenção desses espaços levou o SESC/RJ a convidar o Grupo de Pesquisa 'Lazer e Minorias Sociais', coordenado pelo Prof. Dr. Victor Mello, para atuar junto à população local. O Prof. Victor elaborou, então, o “Manual para otimização da utilização de equipamentos de lazer” que veio a ser o norteador da implantação do Projeto Tempo Livre nas localidades. Nossa atuação teve por objetivo levar as pessoas das comunidades a compreenderem a importância da existência dessas quadras. Queríamos que sua utilização não se restringisse a atividades desportivas, como sua denominação levava a crer, muito mais do que isso, nossa intenção era dinamizar a quadra, dar-lhe anima, a partir da capacitação de Animadores Culturais, moradores das próprias localidades.. A participação de nosso grupo pautou-se pelo respeito às características das comunidades e pelo respeito àquilo que elas tinham a apresentar. 78 . Professora da Escola de Educação Física e Desportos / Universidade Federal do Rio de Janeiro Doutoranda em Educação / Faculdade de Educação /Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 79 . Grupo de pesquisa coordenado pelo Professor Dr. Victor Andrade de Melo. Contato: www.lazer.eefd.ufrj.br. 105 O papel do Grupo de Pesquisa Lazer e Minorias Sociais No início do ano de 2003, foi organizado o 1º Encontro de Capacitação do Projeto Tempo Livre, nas dependências do SESC/Nogueira. Cada Prefeitura indicou três representantes que passaram três dias debatendo suas realidades, trocando experiências e tendo contato com uma visão sobre o lazer, a Animação Cultural e a utilização das quadras que, para a maioria, revelou-se novidade. Essas pessoas foram indicadas pelas Prefeituras que procuraram cumprir a seguinte orientação: dois moradores do bairro onde foi construído o ginásio e um funcionário da Prefeitura. Estava em jogo uma proposta de formação de Animadores Culturais (ACs) que pudessem ter a chance de compreender uma perspectiva de utilização do espaço mais interessante para a comunidade, pois caminhava no sentido da co-gestão, isto é, o planejamento, a administração, a operacionalização, a avaliação e a conservação do ginásio seriam resultado de uma parceria entre os moradores e usuários e a Prefeitura Municipal. Foi realizado mais um Encontro de Capacitação teórica em abril de 2003, também nas dependências do SESC/Nogueira, para que todas as comunidades tivessem seus representantes envolvidos. Durante todo o ano, houve eventos nas quadras organizados pelos ACs formados em Nogueira que foram acompanhados por representantes do SESC e por membros do nosso Grupo.80 No segundo semestre foram realizados dois Encontros de Avaliação dos eventos realizados e do Projeto como um todo. Esses Encontros contaram com a presença de líderes comunitários identificados pelos membros do nosso Grupo por terem sido considerados peças fundamentais para o desenrolar dos acontecimentos nas quadras. Em sua maioria não estiveram presentes nos Encontros do primeiro semestre e, portanto, além da possibilidade de avaliar eles também passaram por um período de capacitação teórica. A participação da comunidade e a relação com a política e a cidadania Para que o Projeto pudesse ser um sucesso era importantíssima a participação das pessoas das comunidades. Entendíamos que as discussões sobre a utilização das quadras deveriam envolver a todos, jovens, adultos, idosos, homens e mulheres. Os ginásios não poderiam ser de uso e de posse, única e exclusiva, de um determinado grupo. Isso ficou claro nos Encontros em Nogueira e, com essa idéia, os ACs lá formados voltaram para seus bairros e começaram a trabalhar. Era fundamental a participação de todos nas discussões e nas decisões. Enfim, entrava em cena um elemento essencial: o espaço público. Nesse contexto, o Projeto Tempo Livre abre espaço para que as pessoas reflitam sobre o que pode ser melhor para sua comunidade, criem regras que deverão ser respeitadas por todos e decidam sobre algo que também pertence a todos. Ao invés de preocupações particulares e de relações privatizadas, comuns em nossa sociedade, essa iniciativa caminha no sentido contrário e aí reside sua relevância e seu peso político. Encontramos inúmeros pontos em comum entre o Projeto e a forma como a sociedade ateniense se organizava e decidia sobre seu destino, portanto, revisitar a experiência grega pode ser de grande valia para que possamos nos tornar mais críticos em relação à nossa própria atuação e para que possamos contribuir para o desvelamento de equívocos presentes em algumas políticas públicas, notadamente, as de lazer. 80 . Para maiores informações ver: www.lazer.eefd.ufrj.br. 106 Entretanto, não pretendemos propor uma recriação das antigas condições de existência ou fazer uma transposição direta dessas mesmas condições para os tempos atuais. Com base no modo como eram entendidas a educação, a política e a cidadania na Grécia antiga, interessa-nos traçar uma espécie de paralelo entre a maneira grega e a forma atual de se compreender esses campos de prática social. Nosso empenho se justifica pois, inúmeras ações têm sido desenvolvidas, por parte de governos e de organizações não-governamentais, com o objetivo de ´criar cidadãos`. A cidadania tem sido tratada como acesso a direitos e, em nosso entendimento, essa é uma banalização do termo e de tudo o que ele encerra. Aspectos relativos à educação, à cidadania e à política na Grécia antiga São impressionantes a força e o vigor do antigo modo grego de pensar o mundo e a vida em sociedade. Muitas de nossas atuais decisões são influenciadas por idéias inventadas há mais de vinte séculos. Apesar de ser possível encontrar exemplos anteriores de democracia, é a experiência grega, mais adequadamente, a ateniense dos séculos V e VI a.C. que podemos considerar como historicamente relevante pela influência que exerceu e que, até hoje, exerce. Há aqueles que criticam o fato de ainda considerarmos a importância da contribuição grega ao modo atual de pensar; argumentam que a maior complexidade da vida hodierna nos impediria de fazê-lo. Outros criticam a própria composição do demos ateniense que excluía mulheres, estrangeiros e escravos. Entretanto, o que está em jogo é uma maneira específica de pensar, de agir e de decidir. O demos incluía os camponeses, os comerciantes e os artesãos que tinham a oportunidade de participar das discussões e das tomadas de decisão em debates públicos, ao lado dos integrantes das classes mais abastadas e daqueles que eram mais instruídos (FINLEY, 1988). A vida em sociedade já não era baseada em leis divinas ou em regras estabelecidas por um senhor, mas pautava-se nas decisões coletivas, tomadas em Assembléia e respeitadas por todos e isso deve ser considerado um enorme avanço. O que importa é que havia uma ação coletiva que instituía regras no interesse de todos e que eram consideradas importantes para a vida em comunidade. O comparecimento à Assembléia era aberto aos cidadãos - homens com mais de dezoito anos. Os presentes tinham direito a participar tomando a palavra, e a decisão final se dava pelo voto da maioria simples. Uma boa parcela dos cidadãos possuía alguma experiência em funções públicas pois havia um grande número de cargos anuais os quais eram preenchidos por rodízio ou por sorteio. Para Protágoras, segundo Finley (1988), todos os homens possuíam capacidade de julgar politicamente. Não se devia confundir discernimento político com conhecimento técnico pois, para as decisões consideradas técnicas, a Assembléia poderia sempre contar com a assessoria dos especialistas. A maioria da população não possuía uma educação completa em termos formais. Era a participação ativa na vida da polis que educava os jovens. Não estamos falando de educação formal, mas do desenvolvimento das virtudes morais, do sentimento de responsabilidade cívica e da possibilidade de se identificar com a comunidade. A educação se dava nos espaços públicos - nas Assembléias, nos Ginásios - e na família, considerados agentes naturais de educação. 107 Daí que a cidadania é entendida como participação ativa nas decisões que dizem respeito a todos, isto é, na política; e, a educação não é atividade pré-política que dá acesso à participação, mas é sua decorrência (VALLE, 2001). Portanto, era nos espaços públicos que se formavam e que se educavam os cidadãos e, que se compartilhava da vida da polis. No espaço público era criado o sentimento de pertencer à comunidade; era no espaço público que se fortalecia e se vivenciava o sentido de haver alguma coisa que unia a todos e que, ao mesmo tempo, controlava os comportamentos individuais em função do bem comum. Atualmente, cidadania é “entendida como meio de resolução de questões sociais, ligadas à necessidade, como sinal de uma forma qualquer de luta contra um estado ou uma sociedade que funda sua existência na exclusão e na desigualdade”. (BRAYNER, 2001, p. 198) e, isso, em nosso entendimento, é muito pouco. O Projeto Tempo Livre, a cidadania e a política É interessante perceber que, com base nas análises da experiência grega, as preocupações iniciais do Projeto Tempo Livre foram superadas pela entrada em cena de outros valores. Seus objetivos que são: administrar com eficácia, eficiência e efetividade os equipamentos de lazer; ‘animar’ com qualidade os espaços; extrapolar, no caso de ginásios/quadras esportivas, o oferecimento tradicional de jogos e campeonatos, potencializando as oportunidades de ocupação do equipamento de lazer e, formar com qualidade os Animadores Culturais. (MELO, 2002, p.1). tornam-se secundários diante de uma verdadeira possibilidade de formar cidadãos. O Projeto nos dá a chance de pensar nessa formação em seu sentido original, isto é, cidadão é aquele que participa ativamente da vida da polis, que realiza a obra política de formação ética e que influencia na educação dos futuros cidadãos. A participação na vida da polis educa. Não no sentido pedagógico mas no sentido da criação de uma identidade coletiva, de um respeito pelos outros e por aquilo que será construído por todos, isto é, no sentido político (VALLE, 2001). A participação ativa nos debates acerca da utilização da quadra torna-se, desta forma, um exercício de cidadania pois os sujeitos se vêem diante da possibilidade de pensar, de debater, de optar e de decidir sobre os rumos a serem seguidos. Portanto, em sua essência, o Projeto Tempo Livre é um projeto político que forma e educa cidadãos. Sua contribuição específica caminha no sentido da construção da cidadania como realidade de pertencimento, como valor, como exigência de participação e como prática política. Referências BRAYNER, Flávio. Da criança-cidadã ao fim da infância. In: Educação e Sociedade, São Paulo, ano XXII, nº 76, Outubro/2001. FINLEY, Moses I. Democracia antiga e moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1988. MELO, Victor Andrade de. Manual para otimização da utilização de equipamentos de lazer. Rio de Janeiro, 2002, mimeo. VALLE, Lílian do. Modelos de cidadania e discursos sobre a educação. In: Teias, Rio de Janeiro, ano II, nº 3, jan/jun 2001. 108 ANIMAÇÃO SOCIOCULTURAL NO CONTEXTO HOSPITALAR Prof. Giuliano Gomes de Assis Pimentel Acad. Ana Angélica de Lima Acad. Franklin Yukio Sakamoto Acad. Leandro de Azevedo Acad. Luciana Paula Posalque Acad. Tânia Mara Magalhães Acad. Telma Regina Oliveira Grupo de Estudos do Lazer/Universidade Estadual de Maringá RESUMO: Este trabalho visa identificar relações entre animação sociocultural e qualidade de vida em indivíduos submetidos a tratamento hospitalar. Para tanto, a metodologia consiste em observações e intervenções na perspectiva da pesquisa-ação. Inicialmente, o trabalho de campo ocorre entre voluntários da diálise na Santa Casa de Misericórdia, Maringá, Paraná. PALAVRAS-CHAVES: lazer; saúde; educação. Introdução As discussões sobre a relação entre lazer e saúde são recorrentes em vários períodos da história. São diversas as aplicações da recreação no processo de tratamento, sendo este um campo relacionado ao profissional de terapia ocupacional. Porém, se pensado que pacientes crônicos são, sobretudo, pessoas em busca de uma vida próxima da normalidade, o lazer para os mesmos deve ser apontado não somente na perspectiva terapêutica compensatória. É igualmente importante não negligenciar as condições gerais que determinam o contexto onde se deseja intervir. As pessoas, conforme o quadro e tipo de doença, requerem trabalhos particularizados. Por este pressuposto, é capital a importância de estudos voltados para públicos com características especiais. Em particular, o presente estudo buscará apreender, numa perspectiva interdisciplinar no campo da educação, da cultura e da saúde, as possibilidades de intervenção recreativa em grupos temáticos de pacientes crônicos em tratamento na Santa Casa da Misericórdia em Maringá-Paraná. Num primeiro momento, que compreende os limites do presente projeto, a pesquisa-ação recairá sobre pessoas que possuem em comum o tratamento de diálise. O acesso desses pacientes ao lazer vai além da necessidade compensatória, constituindo um direito de acesso à cultura lúdica. Obviamente, devido a suas condições especiais, o paciente submetido à hemodiálise necessita de um apoio especial, uma vez que enfrenta tensões e ansiedade num nível muito alto, ameaçando sua integridade. É pertinente a ressalva de que nem tudo pode ser considerado lazer ou recreação em função da dificuldade em precisar a existência de um tempo livre formal. Poderia-se pensar em tempo ocioso, como o do desempregado, porém o paciente vivencia no hospital um tempo de compromisso para com seu processo de tratamento. Neste sentido, a animação sócio-cultural em hospitais está inserida em tempos imprecisos e mesclados. Em complemento, pelas particularidades do ambiente hospitalar, nem toda animação lembra diretamente a imagem de um profissional do lazer. Não por menos, existe a formação de especialistas na utilização de conteúdos 109 culturais (especialmente os manuais no caso do o terapeuta ocupacional) em ambientes de tratamento de saúde. Entretanto, mais do que enxergar a dimensão exclusivamente curativa, a experiência de internação e/ou tratamento deve ser vista como oportunidade educativa para se avaliar e redirecionar o curso da vida. Logo, estar hospitalizado pode permitir mudanças significativas no estilo de vida individual, numa perspectiva reduzida, e também, numa perspectiva ampla, questionar o modelo de sociedade que produz padrões e hábitos desiguais de saúde. Como cidadão, o paciente pode encontrar no lazer, espaço para superação de necessidades educativas, culturais e sociais. Conforme, acrescentam Pinto et. al. (1999), a questão da saúde não pode ser vista apenas do ponto de vista biológico. Existem outras dimensões que compõe o complexo quadro da qualidade de vida. Concorda-se com os autores sobre a relação lazer e qualidade de vida também remeter-se à cidadania, à diferença cultural, às políticas públicas, entre outros aspectos. Animação no hospital São variadas as intencionalidades presentes em dinâmicas culturais dirigidas para a temática hospitalar. Há trabalhos tanto para pacientes quanto para acompanhantes e equipe médica. Cresce também a diversificação de equipamentos (ambulatórios, postos de saúde, hospitais, clinicas) e setores (diálise, pediatria, fisioterapia, fonoaudiologia). Por sua vez, surgem atores distintos, cada qual com uma especificidade: atores, educadores físicos, psicólogos, pedagogos e teólogos. Em geral, buscam no ambiente hospitalar (e fora dele) a interação do paciente com atividades voltadas para sua qualidade de vida são consideradas oportunidades completas (psicologicamente e fisiologicamente) para o processo de cura e manutenção da saúde. Bueno (1981) ao aplicar atividades de lazer em grupos de profissionais da saúde em Ribeirão Preto-SP, observou que a participação em atividades descontraídas, em ambiente de normalidade social, resgatava aspectos da cidadania e da qualidade de vida. Em grupos hospitalizados, além de aspectos terapêuticos, a atividade lúdica também é empregada como formação cultural. Wuo (2000), sobre o trabalho de clows em hospitais de Campinas-SP, identificou o aspecto ambivalente da ludicidade: ampliação do universo infantil e medicamento divertido. A autora enfatiza a importância de sinais externos de felicidade para o processo de recuperação. Já Farias (1977) percebeu a recreação hospitalar como um direito a ser garantido ao paciente. Em seu estudo em São Paulo-SP, a pesquisadora concluiu que apenas uma parcela dos pacientes consegue obter satisfação às necessidades lúdicas, sendo boa parte ainda de forma passiva e individualizada. Também detectou que o não atendimento dessas necessidades acarreta problemas de ordem generalizada que interferem no processo de bem-estar da pessoa. Ao pensar sobre a recreação hospitalar devemos ter em mente que esta age como um meio de auxílio na recuperação dos pacientes. Para Pimentel (2003) é perigoso afirmar que as atividades lúdicas promovem a cura, visto que há outras variáveis que interferem neste processo, como os medicamentos, o afeto, a personalidade do enfermo, entre outros. No entanto, é fundamental pensar que a recreação para a pessoa doente é algo fundamental e que extrapola a fase de internação. Ou seja, conforme a possibilidade dos pacientes, pode-se estar realizando atividades fora do ambiente hospitalar como ações sociais e ambientais, o que pode proporcionar a eles uma sensação de bem estar por estarem contribuindo para o coletivo social. 110 Em geral, ao se falar de recreação hospitalar, a representação social é focada na criança, em especial aquela em tratamento de câncer. Segundo Almeida e Oliveira (2000) a infância constitui-se numa fase da vida que deve ser aproveitada e vivida da melhor maneira possível. É nesta fase da vida que o lúdico (caracterizado pelos sentidos de alegria, espontaneidade, liberdade e prazer) se manifesta com maior intensidade. Então as vivências lúdicas são fundamentais ao desenvolvimento da criança, podendo contribuir para o auto-reconhecimento enquanto sujeito; para a autonomia; para o respeito às regras e para a resolução dos problemas cotidianos. Pensando na criança hospitalizada, vemos que devido ao tratamento o hospital passa a integrar a vida do paciente, o que pode modificar seu desenvolvimento. No ambiente hospitalar, muitas vezes as possibilidades de vivências lúdicas são reduzidas, embora não estejam eliminadas. Programas de atividades lúdicas em hospitais carregam visão de que nos hospitais pode haver um relacionamento de troca de experiências e de convivência, desconstruindo a imagem de que nestes ambientes há somente solidão, tristeza e dor (ALMEIDA e OLIVEIRA, 2000). Estudos de caso, como no Hospital Pequeno Príncipe, na clínica Quinta do Sol e na Clínica e Spa do Lago, todas em Curitiba-PR, ao verificarem os benefícios de recuperação clínica e psicológica do lazer aos pacientes, concluíram pela melhoria da qualidade no ambiente de tratamento. Os dados foram coletados através de observação direta e questionários. Algumas dificuldades para a prática foram evidenciadas, tais como: falta de diversidade, má condição física dos pacientes, ausência de conhecimentos dos pacientes sobre os benefícios da atividade física, e a falta de consciência sobre qualidade de vida, pois eles não valorizam seus corpos (BERNADELLI, DOMINGUES e CARVALHO, 2001). Em particular no hospital, o trabalho é realizado por voluntários. Conforme Bernadelli, Domingues e Carvalho (2001), o objetivo é fazer com que as crianças tenham maior auto-estima, e evitar se preocuparem com o motivo pelo qual estão internadas. O local não apresenta um ambiente adequado para a realização das atividades. Logo a recreação é feita nos quartos, no auditório ou em qualquer lugar que tenha estrutura para tal. As atividades têm horas específicas, evitando atrapalhar a rotina de enfermeiros e médicos. Ainda sobre o Hospital Pequeno Príncipe, relatos de Silva e Silva (2001) sobre programas de acompanhamento constante (24 horas) de pais com os filhos denotam queda de 12 para 05 dias no tempo de internamento. Porém, os acompanhantes se sentiam mal por deparar com a situação dos filhos, pelo desconforto e pelo mal estar decorrente. Para combater o estresse decorrente dessa estratégia de humanização e para evitar o encerramento do projeto foi feito um programa de atividades físicas para os acompanhantes. A principal finalidade da atividade física nos hospitais é combater o estresse, doenças degenerativas e condições associadas à inatividade física, além de combater doenças coronarianas, obesidade, fraqueza dos músculos e articulações. Carrito (2000) descreve a recreação hospitalar como uma proposta criativa de amenizar a passagem da criança no hospital, proporcionando uma ajuda significativa na sua recuperação. É importante deixar explícito que qualquer atividade que venha a ser realizado na recreação hospitalar deve ser livre e espontânea, não sendo permitido nenhuma forma obrigatória ou opressora, uma vez que descaracteriza a recreação. Podem ser oferecidas atividades musicais, teatro, dança, fantoches, jogos e brinquedos. Porém, a recreação hospitalar, bem como outras práticas lúdicas similares, possuem benefícios para diferentes grupos etários, sendo muitos cuidados profiláticos e atividades de lazer no hospital muito mais dependentes do tipo de patologia que da faixa etária. Neste sentido, é importante que o animador tenha atitudes coerentes ao trabalhar 111 com a recreação hospitalar. Carrito (2000) indica que o primeiro passo é conhecer a fundo as patologias dos pacientes, uma vez que deverá respeitar seus limites. Outras recomendações são: tratar o paciente pelo nome; telefonar ao paciente após a alta hospitalar; estar atentos nas reclamações; demonstrar prazer no atendimento ao paciente; elogiar o paciente quando este melhora seu hábito de vida; apresentar sempre uma expressão de agradecimento; letra legível na receita médica; responder as chamadas telefônicas do paciente; não esquecer as palavras mágicas. Animação com nefropatas Conceitos reducionistas de saúde colocavam-na como ausência de doenças. Não obstante, pessoas submetidas a tratamento ou internação hospitalar serem consideradas doentes, funcionalmente são capazes de desempenhar diferentes tarefas, além da doença, em geral, não lhes subtrair totalmente necessidades e potencialidades relacionadas ao lazer (arte, passatempos, turismo, atividade física, convívio social, cultura geral). Em relação à infância, essa locução é muito ressaltada na literatura acadêmica. O cotidiano de uma criança se relaciona intrinsecamente às brincadeiras e jogos. Quando há uma necessidade de internamento mediante qualquer enfermidade, a criança sofre uma ruptura no seu cotidiano, visto que grande parte dos hospitais não oferece tratamento especializado aos seus pacientes infantis, no que diz respeito às suas necessidades de envolver-se em atividades divertidas. Porém, se compreende que projetos de qualidade de vida orientados a pessoas adultas e idosas também devem ser estimulados no interior de hospitais e, também, no período de tempo livre conquistado fora do ambiente de internação. É pensando nessa perspectiva, que se buscou identificar grupos de pacientes crônicos poucos estudados quanto à intervenção da animação cultural. Vem sendo realizado trabalho de pesquisa-ação, visando identificar significados, amplitudes e limitações de programa de atividades de lazer na melhoria do bem-estar em pessoas submetidas a tratamento de diálise na cidade de Maringá-PR. A pesquisa também vem inventariando os graus e níveis possíveis de intervenção profissional em recreação hospitalar, arrolando metodologias de animação sociocultural e sua eficácia na promoção da qualidade de vida, embora outros fatores pesem superiormente a mais na determinação do bem-estar. Em revisão realizada por Ciconelli (1981), foram identificadas as necessidades emocionais que os pacientes em hemodiálise possuem: a)necessidade de identidade, decorrente do medo da morte, quando a mudança da imagem corporal ameaça o seu autoconceito; b)necessidade de segurança, em função do medo referente aos acontecimentos negativos passíveis de acontecerem durante hemodiálise, tais como rompimento da membrana e hemorragia; c)necessidade de comunicação, relacionada ao isolamento social, o paciente sente-se “preso” ao tratamento, não tem tempo disponível para ver os amigos, parentes, desejando se relacionar com outras pessoas; d) necessidade de amor, pois se vê debilitado na execução de seu papel social como pai, mãe ou esposo(a), temendo perder o amor de seus entes queridos. As variadas intensidades de tensões e ansiedade são relacionadas com a fase de adaptação ao tratamento, podendo essa ser subdividida em cinco estágios: 1)antes do primeiro tratamento, quando o paciente apresenta fadiga, apatia, tontura, depressão, instabilidade e dificuldade de concentração; 2)durante as três primeiras semanas quando a apatia diminui, e aumenta a ansiedade; 3)da terceira para a quarta semana, sente-se fraco, com sintomas de cefáleia, vômito e depressão; 4)depois de dois meses apresenta 112 condições para voltar a trabalhar; 5)de seis meses à um ano apresenta uma adaptação satisfatória. (CICONELLI, 1981). O paciente apresenta uma boa adaptação quando tem, uma personalidade madura, apoio da família, terapia ocupacional e uma terapia de apoio adequada em conjunto com equipe de saúde. Iniciativas podem auxiliar nesse processo como, por exemplo, a intensificação dos contatos pessoais, a diminuição da rigidez do sistema hospitalar para permitir a manifestação livre e espontânea de reação dos pacientes, proporcionar uma ocupação ao paciente, via de trabalho, estudo ou atividade recreativa. (CICONELLI, 1981). Por fim, como os pacientes precisam de hemodiálise, obrigam-se a comparecer regularmente nos tratamentos para obter sobrevida, as variáveis poderão ser mais bem controladas. Ainda quanto aos custos com exames clínicos, estes já são habitualmente realizados pelos hospitais em função do controle dos pacientes. Em questionário diagnóstico aplicado à totalidade dos pacientes de diálise da Santa Casa de Maringá, interessada no projeto, mais de 85% dos consultados mostraram-se dispostos a participar do estudo. Logo, aspectos relacionados à viabilidade técnica, financeira e de exeqüibilidade do trabalho estão bem calçados em função da idiossincrasia do grupo experimental. Na fase inicial da pesquisa, a amostra é formada por um grupo voluntário (15 pessoas) da diálise no período matutino da Santa Casa da Misericórdia de Maringá. São utilizados para a coleta de dados os seguintes instrumentos: entrevista estruturada, registros fotográficos, questionário diagnóstico e anotação em caderno de campo através de observação participante. Sobre essa modalidade de observação, André (1998, p. 29) afirma que sua condição de participante “parte do princípio de que o pesquisador tem sempre um grau de interação com a situação estudada, afetando-a e sendo por ela afetado. As entrevistas têm a finalidade de aprofundar as questões e esclarecer os problemas observados”. É importante destacar que a metodologia prevê sinergia entre intervenção e observação, quando o pesquisador faz parte, ainda que com um olhar distanciado, do contexto pesquisado. Essa metodologia é denominada pesquisa-ação, sendo também conhecida por pesquisa com intervenção. Esse tipo de procedimento experimental considera aspectos qualitativos e quantitativos como igualmente importantes na obtenção dos dados da realidade. Nas palavras de André (1998, p. 33), para o trabalho de coleta ser caracterizado como uma pesquisa-ação, é exigido “um plano de ação, plano esse que se baseia em objetivos, em um processo de acompanhamento e controle da ação planejada e no relato concomitante desse processo”. Sobre planos de ação, o quadro abaixo especifica tempos mínimos para execução de momentos da pesquisa. QUADRO 1: PREVISÃO DOS MOMENTOS DA PESQUISA-AÇÃO Momento 1.ª FASE 2.ª FASE 3.ª FASE 4.ª FASE Ação Tempo de duração Observação: adaptação ao meio e interação com o Até 4 semanas paciente. Atendimento na sala de espera A partir da 4.ª semana Atendimento na sala de diálise A partir da 6.ª semana Atendimento em atividades esporádicas fora do hospital A partir da 8.ª 113 5.ª FASE Atendimento contínuo em atividades fora do hospital semana A partir da 12.ª semana No primeiro momento são realizados registros fotográficos, entrevista estruturada e observação direta. Posteriormente, na fase seguinte, se dá a realização de intervenções recreativas na sala de espera, ocorrendo registro dos efeitos do trabalho. No momento subseqüente, haverá acréscimo de recreação hospitalar também no ambiente de diálise, respeitando a individualidade dos sujeitos pesquisados e os protocolos médicos do setor. Nesse sentido, não se pretende prolongar a atividade além dos primeiros 40 minutos após o paciente iniciar seu tratamento invasivo. Os procedimentos, nesses dois momentos, obedecerão a seguinte seqüência: identificação e registro de entrada no hospital; cuidados profiláticos com roupas e materiais; obtenção de autorização com o médico encarregado; explicação das atividades e seus objetivos aos pacientes participantes do estudo; realização das atividades; encerramento com avaliação e registros; comunicação ao coordenador do setor sobre o encerramento da sessão; registro de saída na portaria do hospital. As quarta e quinta fases, embora propostas, somente serão efetivadas caso uma série de condicionantes biológicos, econômicos e psicológicos estiver favorável à aglutinação de pacientes e familiares em eventos e programas de lazer, visando a qualidade de vida fora do ambiente de tratamento. O objetivo dos dois últimos momentos é promover a inserção do paciente no cotidiano, verificando suas possibilidades e efeitos no contexto da saúde e da educação. No aspecto relacionado ao tipo de atividades a serem promovidas nas segunda e terceira fase, somente depois de deflagrado o trabalho, particularmente a primeira fase (observação) e aprofundamento de leituras, se poderá corroborar a inocuidade da glosa de jogos, brincadeiras, passatempos, exercícios ginásticos, músicas, brincadeiras cantadas, folguedos e demais atividades lúdicas planejadas para a recreação hospitalar. Expectativas Há poucas possibilidades de reações negativas associadas ao trabalho. Esses podem ser de ordem subjetiva, tal como apatia, mal estar prévio ou indisposição para a atividade. O estudo pretende ser realizado, inicialmente, em 12 meses. Ao final do mesmo, se pretende alcançar, ao menos, o nível 04 (ver quadro), no qual o paciente começa a utilizar os conhecimentos trabalhados no hospital para o próprio bem-estar nos momentos de lazer, individualmente ou em companhia da família. A literatura consultada sugere que em casos de internação de pacientes crônicos, haverá recuperação em até 30% menos tempo. O estudo não verificará diretamente essa influência, mas estará evidenciando como uma intervenção branda, relacionada a recreação, junto aos pacientes crônicos pode contribuir à sua qualidade de vida. Conforme os objetivos do projeto, o tempo de trabalho também permitirá averiguar a percepção de bem estar (aspecto cinestésico-corporal e social em particular) com a introdução do programa e sobre o aprendizado sociocultural proporcionado na recreação hospitalar. Por essas considerações iniciais, conclui-se que o trabalho de atividades lúdicas em hospitais representa um campo multidisciplinar de intervenção, necessitando da participação de diferentes profissionais da saúde e de humanidades. A recreação hospitalar, enfoque mais pertinente à educação física, é usualmente associada à 114 pediatria, mas seu campo de abrangência permite inserção em outros grupos, como na diálise, tanto dentro do ambiente de tratamento quanto em situações extramuros do hospital. Por fim, uma metodologia de recreação hospitalar necessita de padrões metodológicos controlados do ponto de vista profilático e, ao mesmo tempo, equilíbrio dinâmico entre as idiossincrasias dos pacientes e os objetivos educativos e curativos a serem alcançados pelas atividades lúdicas. Referências ALMEIDA, Cristine F; OLIVEIRA, Marília C. A educação física e o projeto brincar: relatando as experiências lúdicas com as crianças em um ambiente hospitalar. Coletânea. Seminário O lazer em debate. Belo Horizonte-MG, 2001. ANDRÉ, Marli E. Etnografia da prática escolar. Campinas: Papirus, 1998. BERNADELLI, Otton L; DOMINGUES, Thiago; CARVALHO, João E. Uma análise do lazer nos hospitais, spas e instituições de apoio. Encontro de Lazer do Paraná. São José dos Pinhais, 2002. BUENO, Sônia M. V. Contribuição ao estudo da aplicação do lazer no ambiente hospitalar. Dissertação de Mestrado em Enfermagem. Universidade Estadual de São Paulo, 1981. CARRITO, Ivan W. A Recreação Hospitalar como auxílio na recuperação da criança. Monografia do curso de Educação Física da Universidade Estadual de Maringá. 2000. CICONELLI, Maria I. de O. O paciente com insuficiência renal crônica em hemodiálise: descrição do tratamento e problemas enfrentados pelo paciente, sua família e equipe de saúde. Dissertação de Mestrado em Enfermagem. Universidade de São Paulo, 1981. FARIAS, Maria de Fátima. Recreação do paciente hospitalizado. Dissertação de Mestrado em Enfermagem. Universidade Estadual de São Paulo. 1977. PIMENTEL, Giuliano G. de A. Lazer: fundamentos, estratégias e atuação profissional. Jundiaí: Fontoura, 2003. PINTO, Leila M. S. de M.; et. Al. 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Apesar das conquistas no plano econômico, é fato que no plano cultural e político, os assentados e assentadas se mostram distanciados do projeto do MST. Nesse sentido, o objetivo desse trabalho é criar e aplicar uma política de lazer para essa cooperativa que amplie e diversifique as possibilidades - tanto de espaços quanto de vivências – de acesso a produções artísticas e culturais, e que seja um instrumento de educação, no plano cultural, coerente com o projeto político-pedagógico do próprio MST. PALAVRAS-CHAVES: lazer, MST e educação. Introdução É a arte no povo, e não o povo na arte de quem faz arte com o povo (Chico Science e Nação Zumbi) O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) em sua pela Reforma Agrária, vem conquistando importantes vitórias no desenvolvimento estrutural do campo brasileiro. Podemos observar isso com os assentamentos, que depois da luta política realizada durante as ocupações de latifúndios improdutivos, se estrutura na produção familiar, na organização em cooperativas, no acesso a educação, a saúde, a formação política e ideológica, ressocializando trabalhadores e trabalhadoras rurais excluídos a uma condição mais digna de vida. Associado a isso, os assentamentos se caracterizam por serem, ainda, comunidades de resistência ao modelo de desenvolvimento rural imposto pelo sistema capitalista que, através dos massivos investimentos do Estado burguês brasileiro as grandes empresas multinacionais do “agribusiness”, acabam por sufocar os pequenos produtores. Além do aspecto produtivo, os assentamentos resistem – com todas as suas contradições – a um processo de homogenização e conformismo da classe trabalhadora brasileira diante da dominação política e cultural dada, e da intensa exploração de sua força de trabalho. Essa resistência não se dá única e exclusivamente na luta política. Ela ocorre também nas elaborações do MST para a educação, cultura e ecologia pautadas na história de sucessos e fracassos dos assentamentos, conhecimentos acumulados no cotidiano dessa resistência e tendo como base a luta histórica de defesa dos interesses da classe trabalhadora. Por se tratar de um assentamento do MST - movimento social camponês que busca transformações estruturais em nossa sociedade – fica questão: como deve ser tratada a questão do lazer nas comunidades de resistência do Movimento? Como seria a 81 . Esse trabalho não seria viável se não fosse pelo financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, ainda mais se tratando de uma pesquisa de intervenção com um Movimento Social. 116 implementação de uma política de lazer para os assentamentos? São sobre essas teses que estamos estudando. O lazer no/do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra Pensando na disparidade entre o desenvolvimento do campo e da cidade, temos condições de afirmar que o Estado brasileiro vem expropriando intensamente o camponês de direitos essenciais, como a educação, a saúde e a cultura, mostrando o quanto são precárias as políticas públicas no campo. Quando – raramente - as mesmas são implementadas, são meras reproduções das políticas urbanas, descontextualizadas, onde não levam em consideração a cultura camponesa e acabam por fracassarem na maioria das vezes. O lazer no MST surge diluído na sua elaboração sobre cultura, que remete a uma discussão sobre o resgaste das manifestações culturais camponesas tradicionais como uma forma de resistir aos produtos da indústria cultural e a ofensiva ideológica contida na mesma. De fato, o Movimento não possui uma elaboração nacional sobre lazer com a profundidade que possui na educação, saúde, na cultura, na formação política, no cooperativismo entre outras frentes de atuação do Movimento. É compreensível sob o ponto de vista de que esse tema não é prioridade na luta cotidiana do Movimento e das comunidades de resistência, já que há pressões e demandas objetivas do dia-a-dia que restringem essa elaboração e sua possível aplicação. Entretanto, o que vem sendo demonstrado na dinâmica da realidade é que esse aspecto da vida dos Sem-Terra não pode ser negligenciado. Para o MST, a necessidade do lazer surge com o objetivo de fixar a juventude nas comunidades de resistência, a fim de garantir a continuidade da luta do Movimento nas próximas gerações. Devido as limitações das estruturas dessas comunidades e das precárias políticas públicas, como já comentadas anteriormente, dificulta-se a criação de espaços diversificados de lazer que contemplem essa juventude, muito suscetível aos padrões éticos e estéticos construídos pelas ferramentas de comunicação do Estado capitalista, como a programação televisiva dos canais comerciais. A abordagem do MST sobre o lazer possui traços muito marcantes de uma concepção compensatória. Conforme definição de MARCELLINO (1987), “Nessa ótica, o lazer compensaria a insatisfação e a alienação do trabalho”. Ou seja, vemos que nos materiais do Movimento, o lazer é encarado essencialmente com a função de divertir e entreter os trabalhadores e trabalhadoras Sem-Terra durante os finais de semana. No máximo, tem um papel facilitador no convívio social dos assentamentos. A exceção, em nossa análise, é quando esse materiais se referem a discussão do resgate da cultura popular tradicional camponesa que trás consigo uma função educativa fundamental. Em outro aspecto dessa análise o lazer aparece com o objetivo de fixar a juventude nos assentamentos. Essa preocupação se reflete numa entrevista de João Pedro Stédile, uma dos dirigentes nacionais do MST: “Há também muita reclamação da juventude no meio rural, que diz não ter alternativa de lazer. No entanto, a meu ver, mais do que falta de alternativa, isso cada comunidade deve ter criatividade mas, é a influência da cultura urbana. Aí o jovem sonha em ver no seu assentamento o que ele vê pela televisão que tem na cidade... mas é uma ilusão porque na cidade somente tem muitas alternativas para lazer, para quem tem dinheiro. Para a juventude pobre da periferia as alternativas de lazer também inexistem. Ou seja, na cidade há uma 117 mercantilização do lazer e da cultura, e a juventude rural se ilude.” (Depoimento de João Pedro Stédile – Membro da Direção Nacional do MST, abril de 2001). Apesar de concordar com a avaliação política sobre a mercantilização e a exclusão da periferia a uma política de lazer decente, discordo quando define que a principal causa é a influência da cultura urbana. O fato é que há uma restrição gravíssima de espaços e de vivências em lazer na área rural. Mas, pensando numa política de lazer, devemos ir além. Temos que discutir quais os conteúdos que serão desenvolvidos para que esses jovens se identifiquem enquanto juventude Sem-Terra e valorizem-se enquanto tal, assim como o espaço rural. Nesse sentido, no nosso entendimento, o lazer no MST deve ser tratado dentro da concepção de cultura do Movimento retratada por CALDART, 2000 (p. 28): “(...) esse sentido mais amplo que nos vem através dos estudos antropológicos e que nos permite compreender a cultura também como um modo de vida (Williams, 1969, p. 333), e como uma herança de valores e objetos compartilhada por um grupo relativamente coeso (Bosi, 1998, p. 309), mas mantendo-a como uma dimensão do processo histórico, e acrescida de um sentido político específico, que é o de uma cultura social com dimensão de projeto, tal como apreendido nas pesquisas feitas no âmbito da história dos movimentos sociais, notadamente aquelas orientadas por uma interpretação marxista da história.” Atrelada a essa compreensão do conceito de cultura, especificamente no caso do lazer, temos a convicção de que MARCELLINO (1987) define bem como deve ser nossa intervenção no tempo disponível dos trabalhadores e trabalhadoras do MST: Assim, só tem sentido se falar em aspectos educativos do lazer, se esse for considerado, conforme já dissemos anteriormente, como um dos possíveis canais de atuação no plano cultural, tendo em vista contribuir para uma nova ordem moral e intelectual, favorecedora de mudanças no plano social. Em outras palavras: só tem sentido falar em aspectos educativos do lazer, ao considerá-lo como um dos campos possíveis de contra-hegemonia. A instrumentalização, mesmo educacional, do tempo disponível das pessoas, onde se buscou, ou se deveria buscar, fundamentalmente o prazer, só tem sentido na medida em que possa contribuir para que essas mesmas pessoas tenham mais prazer de viver, sejam menos pressionadas por uma estrutura sócio-econômica sufocante, em que uma minoria tem excesso de recursos, de espaço e de tempo, pela exploração da grande maioria, cujo tempo, quando não é desocupado, pela incapacidade do modelo econômico imposto gerar trabalho, é livre – entre aspas. Só tem sentido, na medida que contribuir para eleminar essas aspas. (p. 64) Portanto, com base nessas referências, acreditamos que essa concepção de lazer no MST possui uma potencialidade educativa enorme, por se tratar os acampamentos e assentamentos ambientes férteis onde se desenvolvem lutas políticas com o objetivo de se obter transformações sociais. Além disso, pelo fato do Movimento ter uma elaboração educativa que caminha no mesmo sentido das reflexões colocadas, cremos que o desenvolvimento de uma política de lazer para o MST deve estar coerente com seu próprio projeto político-pedagógico. Isso significa que toda a política de lazer deve ser norteada pelos princípios filosóficos e pedagógicos da educação do MST, que se resume em: • Uma educação classista, que defenda o projeto político da classe trabalhadora; • Educação para o trabalho e a cooperação, buscando solucionar os problemas do cotidiano dos acampados e assentados, destacando a formação para a cooperação/coletividade; 118 • Uma educação onilateral que se opõe a unilateral, chamando a atenção para a necessidade de enfocar todas as dimensões do ser humano, seja a dimensão política, intelectual, moral, afetiva, etc, de forma integral não fragmentada; • Educação com/para valores humanistas e socialistas, onde se rompa com os valores dominantes, centrados no lucro e no individualismo desenfreados. Precisamos nos contrapor a isso de forma intencional, dirigindo esse processo pedagógico. O lazer da/na COPAVA A Cooperativa de Produção Agropecuária Vó Aparecida (COPAVA) se localiza no centro do triângulo que formam as cidades de Itapeva, Itaberá e Itararé, na divisa com o estado do Paraná. Essa cooperativa está inserida dentro da área 3 de 6 áreas divididas na Fazenda Pirituba, com características bem distintas. Além das áreas, há ainda a COAPRI, que é a cooperativa regional. A área III compreende trabalhadores/as organizados na COPAVA, que estão reunidos numa agrovila na parte mais alta, e outra agrovila localizada na parte mais baixa, que tem trabalhadores/as organizados numa associação e aqueles que produzem individualmente. A população da agrovila onde está localizada a COPAVA é de aproximadamente 136 pessoas predominando jovens. Organizada em vários setores de produção (agricultura, pecuária, apicultura, supermercado e bar) e com o Coletivo de mulheres (salgados para o bar, produção de sabonetes e remédios naturais, além da horta medicinal), é a cooperativa mais desenvolvida desse assentamento. O lazer na COPAVA gira centralmente em torno do futebol e do bar que há na agrovila. No que se refere ao futebol, são freqüentes os jogos nas quintas –feiras, após a jornada de trabalho. Além disso, os torneios e amistosos com outras áreas e bairros rurais da região acontecem periodicamente. Um dos torneios de maior expressão para o assentamento é a Semana Olímpica, que agrega outras regionais do MST do estado de São Paulo. O bar é o espaço de convívio mais freqüentado pelos jovens da COPAVA, principalmente pelos equipamentos existentes nesse local (mesa de sinuca e de pebolim). Durante os finais de semana aumenta a quantidade de pessoas que freqüenta devido aos jogos do time da COPAVA, realizados no campo da agrovila. Além desses espaços, os assentados têm a COAPRI que promove bailes e eventos como a já comentada Semana Olímpica, Encontro de Sem-Terrinhas e encontro de tocadores de viola da Fazenda Pirituba. De uma maneira geral, o lazer na cooperativa é marcado pela escassez de espaços e atividades/vivências. Percebe-se que não há uma diversificação nas opções de lazer, o que acaba por restringir muito as alternativas, principalmente para as mulheres. Isso porque elas não freqüentam o bar (com raríssimas vezes) e a participação no futebol é praticamente inexistente, o que denota uma importante questão de gênero. Esse setor acaba sendo confinado a um campo muito restrito de possibilidades para vivências de lazer. A dupla jornada de trabalho (ou tripla, para alguns casos, como de mulheres que estudam, trabalham na cooperativa ou no coletivo de mulheres e no serviço de casa), diminui ainda mais o acesso ao lazer, já que dispõem de pouco tempo disponível. As únicas opções são as visitas a amigas e parentes, conversas e prosas, jogar futebol para algumas e bricolagens talvez. As mulheres idosas sofrem do mesmo mal, visto que acabam por agregar o fato de serem idosas e mulheres, o que restringe ainda mais esses acessos. No que se refere a juventude da área III há um distanciamento muito grande com a identidade Sem-Terra. Não há formação política constante, a maior parte do 119 tempo disponível de que dispõem é dedicado ao bar na maioria absoluta dos jovens. Muitos, por falta de perspectiva, saem da cooperativa e vão para as cidades tentarem opções melhores de vida. Por último, as práticas de lazer que se manifestam na agrovila III, de uma forma geral, são reproduções das categorias funcionalistas do lazer, “(...) altamente conservadora, que busca a ‘paz social’, a manutenção da ‘ordem’, instrumentalizando o lazer como fator que ajuda, (...) a suportar a disciplina e as imposições obrigatórias da vida social, pela ocupação do tempo livre em atividades equilibradas, socialmente aceitas e moralmente corretas.” (MARCELLINO, 1987, p. 38), que, em ultima instância, reproduz toda ideologia da classe dominante e da industria cultural imposta pelos meios de comunicação de massa, promotoras de valores contraditórios aos ideais do MST. Obviamente que essa reprodução é causada por diversos motivos, que vão desde a sobrecarga de trabalhos aos militantes e direções das comunidades, com suas tarefas políticas e administrativas cotidianas, ate o nível de escolaridade dos acampados e assentados. Metodologia Tendo como referência as metodologias participantes, o desenvolvimento da política de lazer da COPAVA vem sendo em todos momentos uma construção coletiva com os assentados. Para isso, toda intervenção passará necessariamente por uma reunião de planejamento e ao final da intervenção por uma avaliação coletiva com integrantes da direção da cooperativa, da direção da regional do MST de Itapeva e de integrantes da juventude da área III. No caso do diagnóstico do lazer apresentado anteriormente, ele foi apresentado e discutido com o grupo de assentados que aprovaram o documento que continha essa análise. O início da pesquisa de campo foi realizado em abril de 2002, onde por quatro dias foram realizadas as primeiras observações aos espaços e vivências de lazer, além de conhecer um pouco do cotidiano do assentamento. Depois, já em julho de 2002, outra visita ao assentamento foi realizada com o objetivo de aproximar as relações entre pesquisador e comunidade, realizar mais observações, principalmente no final de semana, e aplicar os instrumentos de coleta de informações, através de entrevistas abertas. Foram realizadas 33 entrevistas com perguntas para se descobrir centralmente: 1. escolaridade; 2. jornada de trabalho; 3. tempo disponível; 4. atividades e vivências no tempo disponível; 5. desejos e anseios de atividades e vi vencias no tempo disponível; 6. concepções de lazer; 7. espaços para lazer dentro e fora do assentamento; 8. opinião sobre esses espaços; 9. espaços para práticas esportivas dentro e fora do assentamento; 10. concepção de esporte; 11. esportes existentes no assentamento; 12. participação nos esportes; 13. organização dos esportes; 14. concepção sobre o MST; 15. participação no MST, e; 16. organização da formação política no assentamento. Com a coleta das informações e análise parcial das entrevistas, foi agendada outra visita a COPAVA para o período de 15 de setembro a 04 de outubro de 2002, com os seguintes objetivos: • Observar e vivenciar um período maior no cotidiano da COPAVA, com o intuito de conhecer e se integrar na realidade vivida da cooperativa; • Estreitar as relações entre pesquisador e comunidade; 120 • • • • Conhecer outros espaços conectados a COPAVA (outras áreas e a COAPRI); Conhecer as relações dos assentados com a escola; Construir e debater a proposta; Conceber coletivamente os próximos encaminhamentos. Em dezembro de 2002, realizamos uma reunião de planejamento, onde se determinou que a primeira intervenção seria a construção do parque infantil em 2003. A política de lazer da COPAVA: primeiros apontamentos Para se pensar na construção de uma política de lazer para a COPAVA, e é lógico, o seu desenvolvimento no cotidiano da cooperativa, na perspectiva da proposta apresentada, haverá muitas dificuldades e barreiras a serem superadas. Para o sucesso do desenvolvimento dessa política, é fundamental a construção coletiva com a COPAVA e integrantes de sua direção, seja ela interna e/ou regional. As constatações e o diagnóstico de situação, que serão descritos logo abaixo, foram sistematizados em um documento, que foi fornecido para leitura prévia do coletivo82 como subsídio para a reunião. Além disso, essas observações foram todas apresentadas pelo pesquisador ao coletivo para debate e aprovadas em consenso com o mesmo nos seguintes tópicos que caracterizam o lazer da COPAVA: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. escassez de vivências, atividades e espaços para o lazer; demanda de diversificação de atividades/vivências de lazer; a necessidade de novos espaços para lazer; a necessidade de fixar a juventude nas comunidades de resistência, como na COPAVA, para garantir a continuidade em longo prazo da luta da cooperativa e no campo, ameaçada dentre diversos fatores, por essa escassez; da debilidade de formação política continuada da base da cooperativa, causada pelo acúmulo e sobrecarga de tarefas nos militantes; o empobrecimento artístico-cultural dos assentados da comunidade, impostos pelas precárias políticas públicas para as áreas rurais brasileiras; do afastamento dos símbolos e do projeto político-pedagógico do MST dos assentados/as na comunidade; da reprodução de padrões impostos pelo sistema capitalistas nos valores, espaços e práticas/vivências de lazer realizados na cooperativa, e; a grande adesão dos assentados da COPAVA aos programas de televisão e toda a ideologia contraditória que essa programação traz. Definimos que, de forma diretiva, a construção de uma política de lazer para a COPAVA dever ser construída em duas frentes de atuação: nos espaços e nas vivências e atividades. Nessa atuação, toda ação desenvolvida deve ser guiada para obter os seguintes objetivos: • • reaproximação dos símbolos e da ideologia do MST; despertar a reflexão e a criticidade sobre a realidade; 82 . Formado por dirigentes da COPAVA, integrantes da juventude da área III e dirigentes da cooperativa regional. 121 • • • • • permitir a identificação da cooperativa e do trabalhador/a como indivíduos que pertencem ao MST, trabalhadores/as Sem-Terra e valorize-se enquanto tal; resgatar a história de luta do MST e da COPAVA pela terra; criar e construir novos espaços e vivências; resgatar e contribuir na/para a cultura própria do MST dos assentados/as, e; contribuir na formação política da juventude e dos trabalhadores/as da cooperativa. Concretamente, no que se refere aos espaços, propomos: 01. Construção de um parque infantil; 02. Reconstrução do padrão estético do bar. 03. Construção de uma brinquedoteca; 04. Construção de uma sala de vídeo; 05. Construção de uma biblioteca e uma sala de leitura; 06. Construção de cancha de malha e bocha. No que se refere às atividades/vivências, ou seja, na animação cultural, devem ser trabalhados os seguintes aspectos em cada uma delas: 1. Enriquecimento artístico-cultural dos trabalhadores/as e da juventude; 2. Dar acesso a produções artístico-culturais (literárias, cinematográficas, musicais, visuais, etc) de qualidade, que proporcione a reflexão sobre a realidade, forme politicamente e que proporcione prazer e satisfação na atividade/vivência; 3. Deve ter necessariamente a defesa dos interesses da classe trabalhadora, buscando educar e formar os/as Sem-Terra com um projeto político classista, baseado na ideologia do MST; 4. Resgatar a história de luta e as vitórias no assentamento da Pirituba II; 5. Um reforçamento da identidade Sem-Terra. Toda atividade/vivência planejada deve ter necessariamente essas premissas, onde dois pontos são fundamentais: continuidade das vivências e avaliações periódicas do processo. Temos que construir táticas eficientes para construir uma cultura de lazer nos assentados/as de forma gradual, causando transformações com o decorrer do tempo e ao longo do trabalho. A partir das reflexões realizadas acima, foi apresentado a seguinte proposta de vivências/atividades planejadas com base nas entrevistas realizadas, além de idéias próprias. Nesse momento, algumas possibilidades que podem ser desenvolvidas ao longo do trabalho: 1. Sessões de filme de vídeo: apresentação de filmes sobre o MST, gêneros que permitam divertimento e formação. No que se refere aos filmes, deve haver uma mescla de produções mais enfáticas na formação e outras mais para o divertimento. 2. Música: Aproveitar a música e os tocadores na COPAVA para darem aulas a juventude e estimular encontros musicados, principalmente com músicas do próprio MST. 3. Esportes: A questão esportiva deve ser orientada no sentido da diversificação a outras modalidades esportivas. 4. Teatro: Idéia de se construir um grupo permanente da COPAVA, com a juventude principalmente, utilizando-se do Teatro do Oprimido. 5. Artesanato. 122 6. Jogos e brincadeiras populares e tradicionais para crianças: Jogos cooperativos, cantigas de roda, brincadeiras de roda, etc. 7. Capoeira: Construir um grupo de capoeira do assentamento, com aulas de movimentos e de instrumentos. Importante trazer uma apresentação de algum grupo da região. 8. Desenhos: Oficinas constantes de desenhos para crianças e jovens. 9. Artes: Oficinas de pinturas e esculturas tematizadas relacionando a terra e a luta dos Sem-Terra. 10. Manifestações da cultura popular e “erudita”. 11. Festival de poesias temáticas e exposições. Estas atividades/vivências são apenas algumas das diversas possibilidades que podem ser desenvolvidas na COPAVA. Há de se reforçar que em todas elas devem estar presentes a idéia de conquistar os objetivos colocados anteriormente. Além disso, as mesmas devem ser trabalhadas com os “pés fincados” na realidade dos trabalhadores e trabalhadoras de hoje, sendo necessário pensar na melhor forma de aplicá-las e mobilizar os mesmos para participarem das atividades propostas, procurando não romper de forma bruta e causar uma rejeição forte por parte do público alvo. Para isso a propaganda é fundamental. A gradatividade deve ser tática, para que, de acordo com o tempo do trabalho, cause uma maior aceitação da proposta e alcancemos nossos objetivos. Por último, devem ser considerados aspectos materiais (espaços, financeiros, materiais, equipamentos) para a elaboração das mesmas, a fim de que se garanta a operacionalidade das propostas. Referências CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem-Terra: escola é mais do que escola. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. MARCELLINO, Nelson Carvalho. Lazer e educação. – Capinas/SP: Papirus, 1987. 123 FESTIVAL DE JOGOS INFANTIS (FEJI): UMA EXPERIÊNCIA DE ANIMAÇÃO CULTURAL EM BASES HISTORICO-SOCIAIS. Prof. Waldemar Marques Junior Universidade Federal de São Carlos Acad. Alessandra dos Santos Camargo Centro Universitário Central Paulista RESUMO: Trata o presente trabalho do relato de uma experiência desenvolvida na disciplina Educação Física e Lazer do Curso de Educação Física da Universidade Federal de São Carlos no segundo semestre de 2003. Partindo-se de um conceito de jogo dialético, reprodutor de cultura/sociedade, que traz consigo possibilidades de superação, cabendo ao educador desvelar sua ideologia (para que e para quem tal jogo vem servindo historicamente) e intervir conscientemente a favor de uma sociedade sem classes, 45 estudantes selecionaram e estudaram 10 modalidades de jogos da cultura infantil brasileira e organizaram, com os autores, o Festival de Jogos Infantis - FEJI, com 200 crianças/adolescentes de um bairro de periferia de São Carlos – SP. PALAVRAS-CHAVES: jogo, educação e sociedade. Apoiado numa rica experiência desportiva e recreacionista, porém já sensível às contradições intrínsecas a essas práticas – tanto como praticante como promotor delas – tentamos no Mestrado entender melhor o sentido-significado humano da aprendizagem e prática do Voleibol. Este projeto foi desenvolvido no período de 1983 a 1987 atendendo mais de 500 adolescentes. No entanto, apesar de seus resultados pedagógicos significativos, expressados hoje nos depoimentos e na atuação de muitos deles na sociedade local (São Carlos-SP), bem como, no resgate histórico das posições políticas assumidas na época frente às lutas para conseguir local, material, transporte, etc; o sentido-significado humano percebido/entendido, naquele momento foi interpretado na dimensão biológica humana, de forma desenvolvimentista (bio-psicosocial), uma vez que, ainda não sabíamos83 claramente o que efetivamente buscávamos. Em 1994, iniciamos um Programa de Educação Desportiva com (e / ou a partir de) moradores de um bairro de periferia de São Carlos – SP para ser objeto de estudo de doutoramento em Educação – área de Metodologia de Ensino – na Universidade Federal de São Carlos. Fato este, que marcaria nosso ingresso na vida acadêmica, mas ainda com o perfil de professor “prático” de Educação Física, porém sabendo um pouco mais de que essa prática estava impulsionada por uma ética revolucionária, ou seja, uma crença no humano e do ser possível uma sociedade justa na distribuição da cultura e da agricultura. Conhecemos então, Paulo Freire e entendemos um pouco melhor das dificuldades de promover consciência crítica. Aprendemos também que todo ato humano é pedagógico e que todo ato pedagógico é político. A partir de então, começamos a nos entender como filósofos, intelectuais orgânicos com Antônio Gramsci e depois de muita intervenção e lutas no bairro – quase deixando a universidade, pois nosso ethos era mais de ‘morador’ indignado e menos de ‘pesquisador’- foi que em 1997, encontramos nos estudos de doutorado do professor 83 . O texto foi escrito na primeira pessoa do plural porque, apesar da acadêmica Alessandra dos Santos Camargo estar ingressando agora na área acadêmica, a mesma é co-artífice enquanto participante do PROCED e, principalmente, do Festival de Jogos Infantis – FEJI, que é um dos objetos de análise deste trabalho. Ao final do texto esta situação ficará melhor resolvida. 124 Newton Duarte um referencial teórico consistente – teoria histórico-social da formação do indivíduo (Duarte, 1997). Feito este breve histórico de nossa trajetória profissional em Educação Física e também no Lazer, aqui entendido como fenômeno que só tem sentido na sociedade de classes, pois o trabalho numa sociedade sem classes já teria o mesmo sentido-significado da atividade humana no tempo livre/disponível, qual seja, o compromisso com o conhecimento (a cultura), a liberdade, a felicidade, enfim, a apropriação das formas mais elevadas de objetivações e os valores fundamentais do gênero humano com prazer, podemos situar melhor o presente trabalho de apresentação e análise de uma experiência de animação cultural em bases histórico-sociais. Como já se pode deduzir, entendemos por animação cultural uma ação fundamentalmente pedagógica, que envolve um certo grau de conhecimento (competência técnica) e também um grau de consciência crítica (competência política) por parte do agente educativo – o animador cultural – com o objetivo de produzir (atitude de criação/pesquisa) e/ou socializar (transmitir) objetivações (conteúdos do lazer) que promovam uma existência humana mais livre e universal. Enfim, uma animação cultural compromissada com a transformação dessa sociedade face às condições histórico-sociais adversas e paradoxais que nos deparamos neste estágio da humanidade, expressada com precisão por Newton Duarte quando afirma: O trabalho de milhões de seres humanos tem possibilitado que objetivações humanas como a ciência e a produção material gerassem, neste século, possibilidades de existência livre e universal sem precedentes na história humana, mas isso tem se realizado de forma contraditória pois essas possibilidades têm sido geradas às custas da miséria, da fome, da ignorância, da dominação e mesmo da morte de milhões de seres humanos. Nunca o homem conheceu tão profundamente a natureza e nunca a utilizou tão universalmente, mas também, nunca esteve tão próximo da destruição total da natureza e de si próprio, seja pela guerra, seja pela degradação ambiental (Duarte, 1999, p.24). Considero importante ressaltar que, em 2001, assumimos a disciplina Educação física e Lazer no Curso de Educação Física da Universidade Federal de São Carlos em substituição à professora especialista que havia se transferido para outra universidade. Fato que nos fez articular o trabalho de Educação Desportiva já citado, que ainda coordenamos, com estudos na área de Lazer para o planejamento e desenvolvimento das aulas. É neste contexto que surge o Festival de Jogos Infantis – FEJI, enquanto experiência de articulação da animação cultural com a pedagogia histórico-crítica proposta inicialmente por Demerval Saviani e enriquecida com as “contribuições para uma teoria histórico-social da formação do indivíduo”(a individualidade para-si) do já citado autor Newton Duarte, e que sustentam o projeto de pesquisa (e de extensão) que coordenamos, atualmente denominado “Programa Comunitário de Educação Desportiva (PROCED): do esporte em-si ao esporte para-si”. Conforme já foi dito, o FEJI foi criado com os estudantes da disciplina Educação Física e Lazer da UFSCar em 2002 sendo constituído por etapas: a) definição das modalidades de jogos a serem desenvolvidos e dos grupos de trabalho; b) pesquisa em grupo, em bases histórico-sociais dos jogos definidos; c) planejamento da intervenção para socialização das pesquisas elaboradas e adequadas à população alvo (crianças culturalmente desfavorecidas); d) Implementação das atividades na forma ‘vivências práxicas’; e, e) avaliação da intervenção tanto no nível da apropriação da população alvo como da contribuição para a formação de animadores culturais. Neste primeiro ano de FEJI (2002) foi escolhido o Educandário local (instituição coordenada por padres que faz reforço escolar para adolescentes 125 desfavorecidos) porque apresentava população alvo e instalações mais adequadas para a experiência naquele momento. De uma maneira geral o projeto (FEJI-2002) atingiu os objetivos desejados, mas duas questões problemáticas foram observadas. Uma primeira relacionada à dificuldade dos estudantes (e conseqüentemente do professor) em desenvolver a pesquisa em bases historico-sociais o que comprometeu a qualidade das ‘vivências práxicas’. Em segundo lugar, e articulando-se com a primeira, o conflito entre a pedagogia do FEJI com a pedagogia religiosa do Educandário. Nesse sentido, vale apresentar a análise que Duarte (1997: p.24) faz sobre, como numa sociedade de classes antagônicas, a educação pode promover humanização e alienação. O caráter contraditoriamente humanizador e alienador com que a objetivação do ser do homem se realiza no interior das relações sociais de dominação, tem implicações importantes no que diz respeito à formação da individualidade. Por um lado a formação do indivíduo enquanto um ser humano não pode se realizar sem a apropriação das objetivações produzidas ao longo da história social, mas por outro lado, essa apropriação também é a forma pela qual se reproduz a alienação decorrente das relações sociais de dominação. Em 2003, agora com outra turma de estudantes, surge um elemento novo no contexto que daria ao FEJI uma dimensão política mais bem definida, qual seja, o Programa Escola da Família. Programa este da Secretaria Estadual de Educação que, em linhas gerais, se propõe a abrir as escolas estaduais paulistas nos finais de semana e oferecer atividades culturais diversificadas monitoradas por “educadores-universitários” (estudantes de diversos cursos universitários de Instituições de Ensino Superior privadas que recebem bolsa integral). O referido Programa teve início em agosto de 2003 e, do ponto de vista operacional, particularmente no que se refere ao fato de atuar nos finais de semana, apresentava absoluta semelhança com o projeto de Educação Desportiva (PROCED) que coordenamos há nove anos, e que, nesta etapa, tinha como resultado mais expressivo e paradigmático, o fato de uma de suas participantes ter ingressado no curso de Ciências Sociais da UNESP – Araraquara. Diante disso, analisamos a proposta do Programa Escola da Família e, tendo dentre os participantes do PROCED quatro monitoras (ex-participantes) com o perfil para se tornarem “educadores-universitários” e conseguir a bolsa, decidimos perspectivar no FEJI 2003 a possibilidade de colocar na universidade as quatro monitoras do PROCED. Nessa análise, evidenciamos que os critérios de seleção de bolsistas do referido programa valorizava: a) ter cursado o ensino médio em escola estadual; b) ter sido voluntário no Programa, e; c) nível sócio-econômico; o que enquadrava com justeza nossas participantes (monitoras) do PROCED. Outro fator que se apresentaria favorável à nossa empreitada deu-se a partir do interesse do SESC - São Carlos em ter o FEJI como parte de sua programação de outubro de 2003, o que representaria uma parceria fundamental para os recursos materiais que necessitaríamos. A partir de então, lançamos a proposta de potencializar o ingresso das monitoras do PROCED no Programa Escola da Família e, portanto, decidimos realizar o FEJI na escola em que as mesmas estudaram e também onde o PROCED, no período de 1994 a 1998, havia desenvolvido suas atividades de Educação Desportiva nos finais de semana. O FEJI 2003 foi realizado com os 45 estudantes da disciplina Educação Física e Lazer do Curso de Educação Física da UFSCar, a partir dos procedimentos 126 descritos anteriormente no FEJI 2002. Os estudantes participaram da definição das modalidades de jogos a serem planejados – pipas, rodas-cantadas, brincadeiras com corda, amarelinha, queimada, jogos com bola, jogos com raquetes, jogos de tabuleiro, capoeira, jogos cooperativos e “betis” – num total de 12 “vivências práxicas” organizadas e implementadas. A intervenção foi feita em duas etapas que se complementaram. No dia 11, sábado, foram desenvolvidas as “vivências práticas” propriamente ditas e no dia 12, domingo, foram feitos os festivais das modalidades vivenciadas. De uma maneira geral, o projeto FEJI 2003 atingiu seus objetivos formativos, porém desta feita um problema de outra ordem se apresentaria, qual seja, o descompromisso explícito da equipe do Programa Escola da Família para com a população alvo. Apesar de já sentirmos durante os contatos feitos com a escola uma descontinuidade entre a direção da escola e a coordenação do Programa Escola da Família, somente quando nos defrontamos com o não cumprimento da divulgação (com)prometida e com a falta dos equipamentos também prometidos, bem como, pelo distanciamento da equipe do Programa para com a população local, evidenciamos o grau de falência do referido Programa e da escola pública de periferia. Obviamente, que somente um estudo específico sobre o Programa Escola da Família e sua coordenação poderá nos dar um retrato mais fiel dos resultados reais e ocultos que o mesmo tem produzido. Para o fim deste trabalho, procuramos nos ater ao processo de desenvolvimento do projeto – FEJI – e a análise sucinta de seus resultados. Portanto, a título de conclusão do presente trabalho, temos a apresentar como resultado mais expressivo do FEJI 2003 o ingresso das quatro monitoras no curso de Licenciatura em Educação Física do Centro Universitário Central Paulista, sendo que, duas delas conseguiram bolsa no Programa Escola da Família e já estão atuando na escola onde estudaram e onde ajudaram na realização do FEJI. Vale ressaltar, que uma dessas acadêmicas é também autora deste trabalho, conforme informamos anteriormente. Acreditamos que, devido às análises críticas que fizemos junto à diretoria de ensino, demonstrando nossa indignação com relação ao trato do dinheiro público e a (des) atenção observada na atuação dos bolsistas do Programa Escola da Família, as duas outras candidatas podem ter sofrido discriminação. Fato este, evidenciado pelo lugar em que ficaram na classificação (29º e 30º). Nesse sentido estamos recorrendo à ouvidoria da Secretaria Estadual de Educação, para que revejam a classificação feita pela diretoria regional de São Carlos. O FEJI passou a fazer parte da programação do SESC – São Carlos com periodicidade trimestral. Para concluir, queremos salientar que, os organizadores do FEJI (estudantes da UFSCar e participantes do PROCED), efetivamente vivenciaram a necessidade urgente e imprescindível de se fazer uma educação (animação cultural) efetivamente compromissada com os desfavorecidos material e culturalmente. A teoria históricosocial tem nos ajudado bastante nesta “brincadeira de mudar a sociedade”. Termino deixando as reflexões “animadoras” de Gramsci (1978: p.38): a possibilidade não é a realidade, mas é, também ela, uma realidade: que o homem possa ou não possa fazer determinada coisa, isto tem importância na valorização daquilo que realmente se faz. Possibilidade quer dizer “liberdade”. A medida da liberdade entra na definição de homem. 127 Referências BENJAMIN, W: Reflexões; a criança, o brinquedo e a educação. São Paulo, Summus, 1984. DEBORD, G. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. DUMAZEDIER, J.: Sociologia empírica do Lazer. São Paulo, Perspectiva, 1974. _________ : Lazer e cultura Popular: São Paulo, Perspectiva, 1976. DUARTE, N. A individualidade para-si: contribuição a uma teoria histórico-social do indivíduo. Campinas-SP: Editora Autores Associados, 1993. FREIRE, P. Ação cultural para a liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. __________ Educação como prática da liberdade, Rio de Janeiro: Paz e Terra,1975. GRAMSCI, A. Concepção dialética da história Rio de Janeiro: Civilização brasileira S. A., 1978. __________ Os intelectuais e a formação da cultura. Rio de Janeiro: Editora Civilização brasileira, 1979. HELLER, A. O cotidiano e a história. São Paulo: Paz e Terra, 1970. HUIZINGA, J.: Homo Ludens. São Paulo, Perspectiva, 1980. 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Belo Horizonte: Autêntica, 2003. 128 LAZER: ASPECTOS HISTÓRICOS VOLEIBOL FEMININO: O LAZER E AS BOAS MOÇAS NA PORTO ALEGRE DOS ANOS DOURADOS Profa. Dra. Silvana Vilodre Goellner Profa. Karine Dalsin Universidade Federal do Rio Grande do Sul RESUMO: Este texto aborda a participação feminina no voleibol gaúcho na década de 50 e início dos anos 60 do século XX na cidade de Porto Alegre. Decorrente de uma pesquisa que tem seu aporte teórico-metodológico na história oral evidencia o esporte como uma possibilidade de lazer e de educação do corpo feminino no período em questão. PALAVRAS-CHAVES: esporte, mulher e lazer. Na sociedade atual os esportes têm sido uma prática de grande visibilidade, as competições esportivas movimentam grandes cifras, os/as atletas ocupam lugar de destaque no âmbito social e figuram nas páginas dos jornais e revistas exibindo medalhas e proferindo conselhos, lições de perseverança e dedicação ao esporte. Inúmeras vezes os/as medalhistas são recebidos por autoridades políticas e homenageados, além de serem vinculados a campanhas institucionais e comerciais. Em torno desses homens e mulheres giram inúmeros discursos de saúde, beleza e comportamento, em suas imagens o esporte é personificado: nos uniformes, nas formas dos corpos e nos movimentos executados. O esporte, através de suas diferentes modalidades, representa mais do que a espetacularização de corpos, de performances, de intervenções técnicas e de expressão, individual e coletiva, de nacionalidade/pertencimentos/identidades. É um produto cultural e, por assim ser, é sempre diverso porque traduz diferentes sentidos e significados atribuídos em espaços e tempos diversos. É, portanto, histórico visto que resulta da ação de diferentes homens e mulheres que, ao seu tempo, através de sua participação, transformaram, construíram, estruturaram e, de certa forma, influenciaram na constituição do imaginário em torno do modo como entendemos e vivenciamos esta prática corporal seja ela como trabalho ou como lazer e opção de divertimento. Este texto tematiza o voleibol feminino na cidade de Porto Alegre, mais especificamente a década de 50 e o início da década de 60, período de significativa relevância na estruturação e nos reordenamentos de valores sociais na cidade de Porto Alegre. Valores esses que atingiram, também o campo esportivo. Resulta de uma pesquisa realizada junto ao Centro de Memória do Esporte da Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em especial, do Projeto Garimpando Memórias. Sua tecitura se dá através da abordagem metodológica da história oral cujas análises estiveram baseadas no diálogo de fontes primárias tais como entrevistas com atletas mulheres da década de 50, pesquisa em arquivos de jornais e periódicos publicados nesse período, fotografias, diários, anotações pessoais bem como através de fontes secundárias: publicações referentes a temas como o contexto cultural e esportivo da cidade de Porto Alegre, o desenvolvimento do campo esportivo no Brasil, a inserção feminina neste campo, entre outros. 129 A década de 50 foi marcada por mudanças na estrutura econômica na capital gaúcha, a crescente industrialização impulsionada pelo fortalecimento do capitalismo, a ascensão da burguesia como classe e o crescimento urbano modificaram os ares da cidade. Em conseqüência, surgiram alterações no consumo, nas relações familiares e nas práticas de lazer, refletindo-se no modo de viver da cidade. A seu modo Porto Alegre viveu as transformações do Pós-Guerra, período no qual as mulheres haviam saído dos espaços privados e ocupado postos no mundo produtivo. Esse novo comportamento gerou tensões entre os padrões culturais mais conservadores e as novas tendências, fazendo com que as mulheres fossem protagonistas do redimensionamento de seus espaços junto ao espaço público, de maneira a despertar novos conceitos para o que socialmente seria adequado às “moças de família”. Passaram a participar mais ativamente do mercado de trabalho, das práticas de lazer e da vida social, freqüentando clubes e expondo-se de modo a desconstruir a idéia de sexo frágil e fisicamente limitado. O corpo feminino buscava libertar-se das amarras socialmente impostas e, na crescente aderência das moças aos esportes, principalmente praticados nos clubes da cidade, são percebidos discursos conflitantes: de um lado o incentivo e a liberdade para prática de esportes, de outro, à restrição a determinadas modalidades, vistas como menos adequadas ao corpo e ao comportamento feminino. Nesse contexto o voleibol foi compreendido como um esporte indicado às moças e sua prática foi impulsionada por um número considerável de competições de âmbito regional, nacional e internacional realizadas na cidade. A historiadora Sandra Pesavento (1999), ao referir-se a década de 50, a denomina como os “Anos Dourados” caracterizados pela consolidação da burguesia como classe social e onde, o capitalismo, o nacionalismo e a industrialização foram observados como palavras de ordem e a reger as transformações sociais. Nesse período, Porto Alegre ampliava e buscava enfatizar suas características urbanas fazendo emergir, neste movimento, alterações significativas no cotidiano de homens e mulheres que nela transitavam, viviam e teciam sua história. “As classes médias urbanas e a burguesia passaram a viver a euforia do momento embaladas pelo sonho dos “anos dourados”: desfiles de misses, concursos de beleza, festas no Clube do Comércio.” (p.133)” Essa industrialização sem precedentes também trouxe consigo a ampliação do acesso às práticas de lazer, que juntamente com as novas formas urbanas observadas na capital, possibilitaras que padrões culturais fossem redefinidos, inclusive no que respeita na participação das mulheres na vida social da cidade. Ao discutir essa questão, Guacira Louro (1987, p.45), aponta o final da década de 40 como um período de muitas transformações na imagem feminina, visto que a guerra havia imposto mudanças significativas no campo do trabalho fazendo com que as mulheres assumissem diferentes postos no mundo produtivo. “Elas haviam substituído os homens nas fábricas, no campo, nos hospitais, no comércio; haviam assumido até mesmo cargos de chefia e algumas tinham sido suas companheiras nas forças armadas.” Carla Bassanezi (1997) complementa afirmando que: “Se o Brasil acompanhou, a sua maneira, as tendências internacionais de modernização e de emancipação feminina - impulsionadas com a participação das mulheres no esforço de guerra e reforçadas pelo desenvolvimento econômico - , também foi influenciado pelas campanhas estrangeiras que, com o fim da guerra, passaram a pregar a volta das mulheres ao lar e aos valores tradicionais da sociedade.”(p.608). Assim, a década de 50 inicia sob a tensão gerada por diferentes representações de comportamento atribuídas às mulheres; tensões essas, geradas por 130 exemplo a partir das interações no âmbito dos espaços públicos e privados. Com a maior participação das mulheres no mercado de trabalho, na educação, nas práticas de lazer e na vida social da cidade de um modo geral, começaram a ser desconstruídas as imagens de um sexo frágil e fisicamente limitado. A mídia desempenhou papel importante nesse período: as novelas do rádio, a influência do cinema americano no comportamento dos jovens, as diversas revistas editadas para o público feminino representavam e discutiam os reodenamentos na divisão dos espaços no âmbito do masculino e do feminino. Em relação a Porto Alegre relata Sandra Pesavento (1999): “Estava-se no tempo da “brotolândia” e de influência da cultura americana nas manifestações da juventude da época.” (p.133). Representações estas que, de certa maneira, abrandavam a reverência à figura ideal de mulher dona-de-casa e mãe. As moças passaram a freqüentar mais os espaços públicos, a participar das atividades de lazer e dos clubes, o corpo feminino torna-se cada vez mais liberto das amarras de uma sociedade que, através das transformações econômicas passaram a reconfigurar suas visões em relação à representação de comportamento de seus personagens. As práticas esportivas e corporais para as moças, além de realizadas nas escolas, passam a fazer parte do cotidiano dos clubes. O número de moças a exercitarem seus corpos aumenta, sendo que as modalidades mais praticadas em Porto Alegre, neste período, eram o atletismo, a natação e a ginástica. No âmbito dos esportes coletivos um grande número de moças aderiu ao voleibol, um esporte ensinado nas escolas, conquistando os clubes que passaram a formar suas equipes e organizando-as para participar de competições. Possíveis explicações para a adoção do voleibol como esporte adequado à prática por parte das moças da classe média porto-alegrense podem ser referidas a partir da representação de que a ele se agregou como sendo um esporte sem confronto direto e, por essa razão menos violento. Nas palavras de Renato Cardoso, ex-presidente da Federação Gaúcha de Volley-Ball ao referir-se a prática feminina do basquetebol neste período afirma: “Eram poucas, poucas, olha, nós incentivamos, fizemos, etc., mas foi difícil. Tem três ou quatro técnicos que são os heróis, porque as moças preferem, por alguma razão, o voleibol, porque o vôlei é um jogo menos violento, um jogo menos... Que não tem contato pessoal e o basquete não. O basquete é “pau e pau”! (Cardoso, 28/08/2002) Sendo, portanto, considerado menos violento pela ausência de contato físico e pela presença de movimentos mais lentos e suaves afirmava-se que sua prática poderia ser indicada para corpos mais debilitados e com menor vigor físico, no caso, o feminino. Em Porto Alegre, esta modalidade esportiva surgiu através da Associação Cristã de Moços, em 1918, sendo que sua prática foi adotada pela Sociedade de Ginástica Porto Alegre (SOGIPA), em 1926, e pelo Grêmio Náutico União (GNU) na década de 30. Em, 1938, a Liga de Defesa Nacional, passou a patrocinar, paralelo ao “Desfile da Mocidade” (manifestação de patriotismo realizada anualmente), o “Torneio Feminino de Voleibol”. (Hofmeister Júnior, 1996 p.170). Desde então as moças, e também rapazes, porto-alegrense freqüentadores dos clubes esportivos e ginásticos, adotaram o voleibol, difundindo a modalidade. Após a Segunda Guerra, o voleibol se fortalece com a unificação das regras pela fundação da Federação Internacional de Voleibol (FIVB). Em Porto Alegre, no ano de 1954, a Federação Gaúcha de Voleibol (FVG) emancipou-se da Federação Atlética Rio-grandense (FARGS), entidade que promovia as competições de todos os esportes na cidade, sob o argumento de desenvolver mais esse esporte pois a Confederação Brasileira de Desportos (CBD) 131 estaria, então, despendendo demasiada energia e investimentos financeiros à prática do futebol deixando de lado o voleibol. Argumento este explicitado na ata de fundação da Federação Gaúcha de Voleibol, onde consta o depoimento de seu então presidente, Cláudio Coelho Braga, frisando “ser favorável a especialização do Volley-ball, porquanto a C.B.D. dedicava-se quase que exclusivamente ao futebol profissional, salientando diversas irregularidades na sua administração, contribuindo assim, para aumentar os déficits havidos em competições amadorísticas.” (FGV, 27/09/54) O caráter amador do voleibol é reconhecido também pelas praticantes dessa modalidade esportiva, segundo Diná Petenuzzo Santiago: “[...], e os primeiros momentos do vôlei extremamente amador e um voleibol totalmente artesanal - vamos assim supor - com a vontade só e os treinadores também, com o conhecimento que eles tinham.” (04/09/2002) No Brasil a Confederação Brasileira de Voleibol é criada em 1957, e mesmo assim, em Porto Alegre no início da década de 50 acontece o Campeonato Brasileiro de Voleibol. A cidade viveu um entusiasmo pelo esporte e as moças, cada vez mais, afeiçoaram-se pela modalidade. A Folha Esportiva realizou, em 1954, o I Jogos Abertos Femininos e dentre os esportes disputados figurou o voleibol. A competição tinha por intuito incentivar a prática esportiva entre as moças como é possível observar no texto publicado pela Folha Esportiva na ocasião da terceira edição da competição: O prélio, desde 1954 FÔLHA ESPORTIVA vem efetuando com integral êxito, dada a cooperação que contamos de parte de agremiações locais e interioranas, teve sua terceira edição realizada com maior brilhantismo, mais entusiasmo e com isso fica demonstrado quão úteis para os esportes femininos de nossa terra têm sido eles. (s.d.). Além dos jogos de voleibol, entre as modalidades disputadas nesta edição dos jogos figuraram o bolão, hipismo, tiro ao alvo, regata a vela, golfe, lance livre, arremesso de pelota, revezamento 4x75, arremesso de peso, salto em distância, arremesso de disco, tênis de mesa, esgrima, entre outras.(Folha Esportiva, 17/11/1956). Os Jogos obtiveram grande destaque quanto ao número de clubes participantes. Em sua primeira edição, dezesseis participaram do evento, já em sua terceira edição houve a participação de trinta clubes de todo o Estado. Conforme registro do Jornal Folha Esportiva: “A Organização dada ao prélio foi impecável, outra demonstração ampla de que a diretoria da FARG está interessada em que os Jogos Abertos Femininos sejam uma grande demonstração de eficiência dos esportes femininos em nossa cidade.” (17/11/1956). A Sociedade de Ginástica Porto Alegre e o Grêmio Náutico União eram os clubes que se destacavam no esporte gaúcho, obtendo as maiores pontuações nos Jogos Abertos Femininos e estabelecendo grande rivalidade nas competições de voleibol feminino, conforme relata Valmy Volpi, atleta desta época: E o nosso era sempre o adversário do União, do feminino, sempre a SOGIPA. Sempre foi a luta, sempre SOGIPA. Um era o campeão e o outro era vice, sempre. Todos os anos era a mesma coisa. Porque as outras equipes que tinha eram bem mais fraca, não é? (23/10/2002) A centralização do esporte feminino, principalmente do voleibol, em torno desses clubes também pode ser percebida na notícia publicada pela Folha Esportiva em dezembro de 1956: “A equipe campeã de Porto Alegre na presente temporada vem ser convocada em totalidade como base para a seleção gaúcha que disputará o brasileiro em Recife. Já em janeiro do ano de 1957 declarava “Campeonato este que vem a ser o 132 primeiro organizado pela entidade então recém-criada Confederação Brasileira de Voleibol”. O entusiasmo pelo esporte, em especial pelo voleibol, e pelo esporte feminino é marcado por grandes eventos e inúmeras competições. Dentre os eventos esportivos acontecem os Jogos Universitários Gaúchos, os Jogos Universitário Brasileiros realizados em Porto Alegre em 1956, além de a cidade ser a sede do Campeonato Brasileiro de Voleibol de 1952, do Campeonato Sul-americano de Voleibol em 1958 e dos Jogos Mundiais Universitários (Universíade) em 1963, ocasião onde a equipe brasileira de voleibol feminino - composta por doze atletas - contou com a presença de cinco gaúchas e conquistou a medalha de ouro. O panorama de Porto Alegre nessa década influenciado por essas mudanças na estrutura econômica, social e cultural somadas ao grande entusiasmo pelo esporte, principalmente no que diz respeito à inserção das mulheres, de forma mais ativa, nas competições, aponta para a significância deste período como um período onde são geradas tensões entre diferentes modos de pensar o comportamento socialmente aceito, no que diz respeito às moças e aos reordenamentos nas relações de gênero até então estabelecidas. As moças saiam de casa para treinar, para ir aos clubes e praticar esportes, com isso por vezes abandonavam os afazeres do lar, fazendo com que a aceitação por parte da família para com essa conduta fosse um tanto conflituosa. Karin de Cordal reconstrói conversas que seus pais tinham, quando ela solicitava permissão para ir aos treinos: “Né, então, o pai sempre era um pouquinho mais... E a mãe sempre fazia força pra... gente poder fazer as coisas! “Mas deixa...”, falava. E o pai dizia: “Tá, deixo” (18/03/2003). As moças que se encantavam por práticas esportivas incitavam ao questionamento de uma série de valores, contribuído com uma nova forma de pensar a mulher no espaço cultural. As relações entre os gênero estavam sendo abaladas, sendo aberto um canal de diálogo entre os conceitos de feminino e o masculino, sobre a construção das identidades de gênero em contraponto ao sexo. Ao repensar essas construções é importante perceber não ser apenas o sexo (biológico) a estabelecer as diferenças existentes entre os homens e as mulheres, mas também aspectos sociais, históricos e culturais. As construções do masculino e do feminino rompem dessa maneira com os determinismos biológicos onde através das diferenças corporais seriam determinados papéis adequados a um sexo ou a outro. (Goellner, 2001) Nesse sentido, cabe enfatizar que feminino e masculino são construções históricas, cujas características são atribuídas aos sujeitos através de um discurso de identidade construído e desconstruído por diferentes práticas em diferentes tempos que remetem a uma representação individual submetidas aos padrões socialmente aceitos, ou hegemônicos, em determinado tempo histórico. Razão pela qual, abordar a história do voleibol feminino em Porto Alegre é mais do que falar apenas da estruturação dessa modalidade, visto que encontram-se nesse tema dimensões, que estão embasadas nas relações entre homens e mulheres através desse tempo. Para Eliane Dulac (2002, p.148) “Falar da beleza, da feminilidade do corpo feminino a partir de materiais produzidos em um tempo que não é o de hoje, permite reconhecer discursos que atuam na construção das identidades femininas e masculinas.” Na década de 50, ainda existia uma preocupação relacionada com o temor a uma possível “masculinização” da mulher atleta. O suor excessivo, o esforço físico, as emoções fortes, as competições, a rivalidade consentida, aos músculos delineados, os músculos equivocados do corpo, os perigos das lesões, a leveza das roupas e a 133 seminudez, práticas comuns ao universo da cultura física, quando relacionados a mulher, despertam suspeitas que pareciam abrandar certos limites que contornam uma imagem ideal de ser feminina. (Goellner, 1998) Não é sem motivo que, nos anos 50, o universo das práticas corporais e esportivas em Porto Alegre direcionadas para as “boa moças” ou “moças de família”, eram, ainda, em um número limitado de modalidades: a natação e os esportes aquáticos, o atletismo, a dança, a ginástica e posteriormente no âmbito dos esporte coletivos o voleibol. Karin de Cordal, quando interrogada quanto as possibilidades de práticas esportivas aconselhadas as mulheres declara: “Olha naquela época, eu sabia que tinha a ginástica olímpica, o vôlei e o atletismo.” (18/03/2003) Ilustrando essas afirmações merece destaque o depoimento de Cristiane Elizabeth Kunstmann ao Jornal A HORA. Ao ser citada como destaque do voleibol gaúcho e, na ocasião, convocada a integrar a seleção que disputaria o Campeonato Sulamericano, a atleta afirma: “Acho que o voli e a natação são dos esportes mais indicados para a mulher, já que não são violentos.” (julho de 1958). Em outra reportagem, a jogadora da SOGIPA, Karin de Cordal, é assim retratada: “Apesar de ser graciosa, Karin não dá importância à sua aparência. O esporte e a educação física são as suas duas paixões.”( Revista dos Esportes em 1960). No final dos anos 50 e início dos anos 60, citações como essas eram comuns nos jornais que circulavam pela cidade.Em 1961, Diva Santiago Corrêa foi convocada a integrar a seleção brasileira que iria ao Campeonato Sul-americano de Voleibol a realizar-se no Peru. A Folha Esportiva, publicação vespertina da Folha da Tarde, publicou uma reportagem de página inteira com o seguinte título: “DIVA NÃO VAI (A MAMÃE NÃO DEIXA)”. Logo abaixo, no corpo da matéria, constava a explicação: “Diva Santiago, embora contasse com licença antecipada para ir ao Rio, não teve autorização da sua mãe para se afastar.” (25/03/1961) As reportagens acima ilustram a contradição de uma época onde o voleibol toma força como prática esportiva na cidade de Porto Alegre exemplificando, através de uma pequena amostra das moças rio-grandenses convocadas para competições de relevância internacional, o conflito entre o desenvolvimento do voleibol como prática esportiva feminina e o imaginário em torno da figura da mulher atleta. É, assim como eu dei o exemplo da minha casa, naquele tempo a moça que fazia esporte, não é que fosse mal vista, assim no sentido da palavra, mas é naquele tempo era mais para a moça ser dona de casa, cuidar dos filhos e era uma coisa muito masculina praticar esporte, não é! (22/06/2003) A prática de esportes por parte das moças causava um certo estranhamento a sociedade e aos padrões de comportamento femininos da época: “E mais uma vez temos o esporte como uma tela onde se projetam os valores culturais de cada sociedade na qual ele é praticado, reproduzindo seus sistemas hierárquicos e também peculiaridades sociais” (Rúbio e Simões, 1999, p. 51). Enfim, como as formas de resistência e transgressão ao que está culturalmente instituído existem, as mulheres há muito estão presentes no esporte sendo imprescindível enfatizar a importância da conquista que tiveram nesse campo tão pleno de ambigüidades. A referência ao termo conquista é, aqui, proposital e objetiva ressaltar o protagonismo das mulheres que, entre rupturas e conformidades, fizeram e fazem a sua história no mundo esportivo evidenciando, sobretudo, que essa apropriação não foi nem é resultado de uma concessão masculina. E as atletas do voleibol gaúcho, protagonistas deste texto, estão aí para nos contar de um tempo que desconhecemos e 134 que hoje nos aproximamos pelos vestígios que dele conseguimos acessar. Pelas vozes deste passado tão distante e, ao mesmo tempo, tão presente. Referências A HORA. Porto Alegre, julho de 1958. ATA DE FUNDAÇÃO, Federação Gaúcha de Voleibol. 27 de setembro de 1954. BASSANEZI, Carla. Mulheres dos anos dourados. In: DEL PRIORI, Mary (org,). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997. DULAC, Eliane Beatriz Ferreira. Beleza, sedução e juventude: A Revista do Globo ensinando feminilidade. Porto Alegre: dissertação de mestrado/ FACED, 2002. FOLHA ESPORTIVA. Porto Alegre, 1954. FOLHA ESPORTIVA. Porto Alegre, 03 de setembro de 1956. FOLHA ESPORTIVA. Porto Alegre, 17 de novembro de 1956. FOLHA ESPORTIVA. Porto Alegre, dezembro de 1956. FOLHA ESPORTIVA. Porto Alegre, 13 de novembro de 1958. FOLHA ESPORTIVA. Porto Alegre, 25 de março de 1961. GOELLNER, Silvana V. 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Assumiu características do esporte moderno em sintonia com os interesses da elite da época, se estabelecendo como uma prática civilizada, de acordo com os interesses de uma nova sociedade que buscava ares modernos. No entanto, o esporte peteca não consegue romper com a essência lúdica do jogo, estabelecendo com este uma relação de coexistência (convivência e conflito) e gerando novos significados. PALAVRAS-CHAVES: história, esporte, peteca. O entendimento do comportamento dos sujeitos que praticam a peteca passa pela necessidade de uma compreensão histórico-cultural. A peteca, brinquedo tradicional protagonista de diversos jogos, caminhou gradualmente para a sua esportivização. Momentos distintos – a brincadeira e o esporte. Momentos próximos – o objeto peteca sendo rebatido, cruzando o ar. A inserção popular da peteca enquanto brincadeira, jogo tradicional, aponta um caminho. “Falar-se de Jogos Tradicionais nos tempos que correm, é falar-se de Identidade Cultural de um Povo e, paralelamente, do desenvolvimento mais ou menos harmonioso que esse Povo sofreu através dos diferentes estágios de crescimento e maturação dos indivíduos que o constituem85”. Existe um rico caminho a ser percorrido entre as brincadeiras com a peteca do passado e as atuais, entre a relação do esporte com o lúdico: são momentos da cultura de uma sociedade à espera de uma narrativa. Como uma primeira provocação, questiono sobre o que está oculto dentro desse processo de re-significação sócio-cultural que buscou a transformação do jogo tradicional em esporte na cidade de Belo Horizonte. As médias e grandes cidades brasileiras do início do século XX buscavam um encontro com o que representasse o “moderno”. O automóvel, a luz elétrica, as máquinas e as indústrias. Os cafés, os cinemas, os parques, o interesse pelos novos costumes. Belo Horizonte, a jovem capital mineira de largas avenidas planejadas e nova moradia das “pessoas mais representativas dentro da sociedade”, vivencia o crescente interesse pelo esporte. É construído um prado de corridas, o ciclismo começa a ser disputado no parque municipal, clubes de futebol se proliferam pela cidade. Mas é o surgimento de clubes destinados à pratica de esportes amadores que solidifica a vida esportiva na nova capital mineira. Um clube não se constitui por um simples agrupamento de indivíduos. É imprescindível para a sua existência um interesse comum, mesmo que ocasional, para que se desenvolva uma ação em comum86. Resultado da fusão de dois grupos adeptos 84 . E-mail: [email protected] . Catálogo da Exposição “O Jogo Tradicional”. Évora, 1995, p. 4. 86 . RODRIGUES, 1996, p. 44. 85 136 do esporte, o Minas Tênis Clube (MTC) é um marco histórico para a cidade de Belo Horizonte. Um parque aquático localizado ao lado do Palácio do Governo, idealizado inicialmente como um logradouro público para embelezar a cidade e estimular a prática de esportes, foi arrendado pelo MTC. Assim, uma obra idealizada como um espaço público de lazer, construído com dinheiro público, passou a atender interesses particulares de um grupo que desejava construir ali um clube fechado para seus associados.87 Inaugurado nos dias 27 e 28 de novembro de 1937, o MTC reflete o papel que o esporte passa a exercer frente aos interesses do Estado88. O progresso e o bemestar do povo estavam atrelados à relevante função educacional das atividades esportivas. O esporte, uma nova exigência moderna, é visto como sendo capaz de promover a integração social e como viva expressão de nacionalidade. Existia a busca por um tipo físico único para o brasileiro, por uma definição de um só perfil racial, a ponto de ser estabelecida uma relação simples entre raça e Nação89. Em suas diferentes esferas, “o Estado teve as rédeas das instituições em suas mãos, normatizando o Esporte e incentivando a organização clubística como meio de seu fortalecimento90”. O processo de esportivização da peteca está inserido no contexto de surgimento do esporte moderno. Questiono se, traçado todo o panorama favorável ao esporte na primeira metade do século XX, não seria inevitável que práticas corporais de movimento tradicionais, como o jogo, encontrassem na instituição esportiva e na assimilação de suas características uma possível forma de perpetuação e sobrevivência. PINTO aponta que a história de transformação do jogo em esporte demonstra a maneira como a modernidade descobriu o corpo e o jogo como objetos de alvos do poder manipulável para esquemas de docilidade necessários ao aumento das forças produtivas, do trabalho, com vistas à obtenção de lucros econômicos (gestos eficientes alargam a produtividade) e políticos (corpo obediente aumenta a possibilidade de controle social).91 Será que a modernidade estabeleceu um caminho de mão única e sem volta em direção ao esporte? Será que podemos sintetizar esse processo através da dominação do esporte sobre o jogo tendo em vista objetivos ligados ao capitalismo e às forças produtivas? A dominação exige concessão. Poderíamos falar em troca entre jogo e esporte, mesmo considerando forças desiguais? Proponho o início de uma análise, a partir da relação entre jogo e esporte encontrados na peteca, que tenha como ponto de partida os nuances da história do cotidiano. LE GOFF nos diz que Os homens – no masculino e no feminino, na infância, na juventude, na maturidade e na velhice, do nascimento até à morte – não vivem apenas no meio dos objetos e dos pensamentos de todos os dias, vivem com seu corpo, por meio do seu corpo. (...) As representações coletivas do corpo, esse suporte da saúde, da doença, do exercício físico, da sexualidade, são diferentes, conforme as sociedades e as épocas. A história do corpo só assume todo o seu significado ao nível do cotidiano.92 87 . RODRIGUES, 1996. . O Estado passa a ser nesse momento autoritário e antiliberal. Getúlio Vargas, na presidência desde 1930, dissolveu o Congresso em 10 de novembro de 1937 e outorgou uma constituição que estruturou em novos moldes o Estado Brasileiro. Esse período ficou conhecido como Estado Novo e durou até 1945. (SKIDMORE, s/d.) 89 . RODRIGUES, 1996, p. 80. 90 . RODRIGUES, 1996, p. 90. 91 . PINTO, 1995, p. 45. 92 . LE GOFF, 1980, p. 89. 88 137 Falar da esportivização da peteca é traçar uma história do corpo em movimento. Para possibilitar a solidificação de uma relação entre fragmentos históricos e o cotidiano devemos ampliar a busca para além das relações políticas e econômicas e de suas conseqüências93. Em pesquisa anterior94, buscando mapear e caracterizar culturalmente a prática da peteca na Zona da Mata Mineira, traçando um paralelo entre o esporte peteca e a mineiridade, constatei a forte presença da peteca caracterizada como brincadeira. Encontrei também características típicas do jogo presentes no esporte. Se o esporte “não conseguiu romper com a essência do jogo, que é a vivência lúdica”95, será que podemos falar de exclusão ou substituição do jogo pelo esporte? GINZBURG (1987, p. 21) trabalha, embasado em BAKHTIN, com a idéia de circularidade da cultura. Para ele temos, por um lado, dicotomia cultural, mas, por outro, circularidade entre cultura subalterna e cultura hegemônica. Por um lado, temos uma dicotomia cultural entre a peteca brincada, acessível, de raízes populares, jogada na rua contrapondo-se (ou convivendo?) à peteca esportivizada, restrita aos espaços privados, praticada por uma elite socioeconômica. Por outro lado não podemos esquecer que uma das formas de vivência da peteca foi gerada da outra. O esporte nasceu do jogo tradicional. O instrumento peteca é basicamente o mesmo. Mudaram a sua organização, seus objetivos, sua finalidade. O jogo tradicional cedeu seus elementos próprios para atender ao discurso do esporte. Mas até que ponto isso ocorre no esporte peteca? O discurso do esporte é ouvido e seguido plenamente? BRACHT96 resume as características básicas do esporte em: competição, rendimento físico-técnico, recorde, racionalização e cientificização do treinamento. Bem, a peteca pode até assumir essas características, mas possui muita dificuldade em fazê-lo. A profissionalização nunca existiu. Os poucos praticantes/atletas que treinam, o fazem por prazer, não por questões financeiras. O recorde não é valorizado. Ao longo da sua história, a Federação Mineira de Peteca tenta realizar um ranking de atletas a exemplo do tênis: nunca obteve êxito. A racionalização muitas vezes dá lugar ao improviso. A cientificização do treinamento cede seu espaço para um grande número de praticantes de meia idade que possuem outros interesses além de uma performance máxima. Existe um “tesão por jogar”. Um espírito amador. A unidade que a peteca gera a aproxima das suas origens. Levanta uma pergunta sobre as diferentes formas de atração que o esporte possui. O “lúdico como elemento da cultura” encontra o “lazer como espaço de sua manifestação”97. Traz a sensação de que “brincando nos saboreamos enquanto corpo e nos constituímos enquanto sujeitos culturais”.98 O lúdico, que não abandona o esporte, gera novos significados. Sim, a peteca surge em um contexto de valorização do esporte como manifestação de uma sociedade que queria se sentir moderna e civilizada. Em um contexto em que o esporte foi implementado e incentivado como parte do aparelho ideológico do Estado. Mas permanece, ao buscar a sua institucionalização como esporte, como uma resistência ao modelo dominante. A peteca guarda a manifestação lúdica e sua ligação com o passado nos meandros da sua prática, contrapondo-se aos códigos do próprio esporte que ela se diz ser. 93 . Não quero remeter os meus questionamentos a um espaço apolítico da vida. Pelo contrário. Acho necessário considerar que a política, além da sua estrutura partidária formal e da relação com o modelo de produção, é, antes de tudo, uma política do cotidiano, fruto das nossas ações e opiniões. 94 . PEREIRA, 2003. 95 . PINTO, 1995, p. 45. 96 . BRACHT, 1997, p. 10. 97 . MARCELLINO, 1996, p. 23. 98 . PINTO, 1995, p. 44. 138 Referências BRACHT, Valter. Sociologia crítica do esporte. Vitória: UFES/CEFED, 1997. LE GOFF, Jacques. A história do cotidiano. In: ARIÈS, P.; DUBY, G.; LE GOFF, J. História e nova história. Lisboa, Teorema, 1980. LUCENA, Ricardo de F., O esporte na cidade: aspectos do esforço civilizador brasileiro. Campinas, Autores Associados, 2001. GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela inquisição. São Paulo, Companhia das Letras, 1987. MARCELLINO, Nelson Carvalho. Pedagogia da animação. Campinas: Papirus, 1990. PINTO, Leila Mirtis Santos de Magalhães. Em busca do corpo brincante. In: O lúdico e as políticas públicas: realidades e prespectivas. Belo Horizonte: PBH /SMES, 1995, p. 43 – 51. RODRIGUES, Marilita Aparecida Arantes. Constituição do sentido moderno de esporte; pelas trilhas históricas do Minas Tênis Clube. Belo Horizonte: Escola de Educação Física da UFMG, 1996. ______. “Trilhas Históricas da Peteca Mineira: brinquedo, jogo ou esporte”? in Anais do Encontro Nacional De Recreação e Lazer. Belo Horizonte, n. 9, 1997. p. 593-606. PEREIRA, Rogério Santos. Peteca e petequeiros: momentos de lazer da Zona da Mata Mineira. Viçosa: Departamento de Educação Física da UFV, 2003. (PIBIC/CNPq) SKIDMORE, Tomas. Brasil: de Getúlio a Castelo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, s/d 139 PARQUE MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE: UM ESPAÇO DE LAZER NA CIDADE MODERNA99 Profa. Kellen Nogueira Vilhena100 CELAR/EEFFTO/UFMG RESUMO: Este estudo apresenta um olhar sobre o Parque Municipal enquanto espaço de lazer moderno numa cidade que foi criada para ser a materialidade da República e que com ela, carregava seus ideais. Era um tempo que deveria ser marcadamente novo tanto na esfera estrutural, da arquitetura, de urbanismo; quanto na esfera social que passava então a ter que praticar outros hábitos, sociais, culturais e de lazer, agora modernos e cosmopolitas. O lazer neste cenário não é diferente, e o Parque é uma representação de referência nesta cidade. Ele foi projetado para ser um espaço de lazer que contava com uma ampla estrutura como teatro, restaurante, lagos e alamedas para passeio. À medida que os desejados habitantes foram “ocupando” a cidade ele se concretiza como um espaço de acontecimento da vida cultural da cidade. PALAVRAS-CHAVES: história do lazer. Belo Horizonte: que cidade é essa? Um novo espaço geográfico para um novo tempo político-ideológico A história de Belo Horizonte está intimamente condicionada ao advento da República no Brasil. A nova Capital de Minas Gerais já nasce com uma missão: representar geográfica e simbolicamente um novo tempo, o tempo do Estado, da República Federativa do Brasil. Cai a figura do rei e emerge a figura do Estado personificado em liberdade. O Império estava em declínio e com ele sua representação em Minas, Ouro Preto. Era um novo tempo, o tempo da República e seus novos ideais. E para assinalar esta mudança nada melhor do que a transferência da Capital do Estado. Um novo espaço geográfico para um novo tempo político - ideológico, “um processo completo que engloba os planos material e simbólico”, diz Magalhães e Andrade (1989:129). Planejada à régua e compasso, Belo Horizonte nasceu para representar o novo poder, a modernidade. Isto pode ser visto também no seu arrojado planejamento urbano, que influenciado pelos valores positivistas, pela ”ordem e progresso”, ordenava e hierarquizava não só as atividades políticas, culturais e econômicas, mas também os indivíduos no espaço, funcionários públicos, soldados, operários, ricos e pobres. A nova Capital de Minas foi construída no local do Curral Del Rey, um povoado de aproximadamente 2.500 habitantes, sendo uma pequena parte dele instalada na região central do arraial onde havia algumas ruas, muitas cafuas, pequenos casebres e um largo principal no qual situava-se a Igreja Matriz concentravam-se as suas atividades comerciais. A outra parte vivia em sítios nos arredores, e tinha no cultivo de gêneros alimentícios sua principal atividade econômica, para abastecer as regiões auríferas. A partir da primeira estaca, o Curral preparava-se para sofrer a metamorfose urbana mais marcante da era republicana. Ao analisarmos e confrontarmos as fotos do antigo arraial e a nova cidade, podemos perceber a dimensão da mudança. Em lugar de 99 . Este trabalho é parte integrante da monografia que será apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Lazer, sob a orientação do Prfº. Dr. Tarcísio Mauro Vago. 100 . End.: R. Sena Madureira, nº404/104. Bairro Ouro Preto. Belo Horizonte/MG. Cep 31.340-000. Email: kellen,[email protected]. 140 vielas que mais pareciam trilhas, ruas e avenidas largas para grande circulação, ventilação e iluminação. Os edifícios públicos, verdadeiros palacetes, pareciam locais impróprios à entrada de gente tão simples, acostumadas aos seus casebres e cafuas. Era difícil imaginar aquela população circulando naquele espaço surreal101. E não era mesmo para eles. Desapontados com as promessas de progresso que a eles não foram concedidas, “seus moradores se viram, de repente, forçados a abandonar o povoado. Desapropriados com indenizações irrisórias, foram praticamente expulsos para as cercanias da Capital.” (JULIÃO,1992:35) Entre elas: Calafate, Lagoinha, Carlos Prates, Barro Preto e Venda Nova. “O pacato arraial foi varrido do mapa com todas as suas tradições [...]. Sua população, no início tão esperançosa de se beneficiar com a mudança, foi tocada para a periferia da capital.” (MAGALHÃES, 1997:331) O tempo pacato e bucólico agora deveria dar lugar aos hábitos modernos e cosmopolitas. Se para a nova cidade se propunha “um centro de desenvolvimento econômico e intelectual, foco da civilização e progresso, moderno, higiênico e elegante”, era de se esperar que uma população simples e de costumes caipiras não poderia fazer parte deste novo cenário que se inspirava. Era “o sonho urbano de uma capital moderna, planejada, sem marcas do passado.” (GROSSI, 1997:417) Tudo isso estava previamente planejado, inclusive no traçado do projeto da nova capital. Assim, Belo Horizonte foi planejada dividida em 3 áreas bem específicas: a urbana, a suburbana e a rural. A zona urbana milimétricamente planejada, contava com os mais modernos serviços urbanos como água encanada, esgoto, luz elétrica, serviços de bonde, além do fácil acesso das ruas e dos espaços de lazer, como expõe Letícia Julião, 1992, obviamente, um território elegante e acessível a poucos [...]. Ali as elites construíam suas residências, faziam seus negócios, desfrutavam seu lazer.” (p.80) Já a área suburbana, não agraciada com tanto conforto e beleza, possuía ruas com traçado irregular, sem serviço de saneamento, moradias precárias e nenhuma estrutura para o lazer. O sentido de ordenação e hierarquização eram tão presentes que tudo tinha o seu lugar previamente pensado e preparado de acordo com sua importância no novo modelo político, econômico e social, os poderes do Estado, as atividades comerciais, as escolas, as práticas culturais e de lazer daquele novo tempo. Os habitantes da nova capital, pensada pelo Estado e para o Estado eram essencialmente os funcionários públicos, efetivos da polícia, e as elites emergentes do Estado. Isto era o que estava nos planos dos seus idealizadores mas, à época da inauguração, havia na cidade uma massa de operários que chegava ao número de 7.000 trabalhadores, quase 60% da população total daquela época, um número considerável de habitantes para os quais não se tinha planejado a cidade. Além das novas relações entre a cidade e seus novos habitantes, o modo de vida cosmopolita proposto na modernidade veio confundir ainda mais este cenário de revolução sócio-econômico-cultural. Estas questões afetaram sobremaneira os hábitos das pessoas provocando mudanças bruscas no cotidiano das relações na virada do século. A cidade tão minuciosamente planejada e construída, em cima da demolição do arraial, timha um forte apelo artificial. Fato que se refletia até no comportamento dos 101 . A crônica de Alfredo Riancho, publicada em1894, ilustra bem tal panorama: “é necessário que [...] marque lugares para cada coisa e se não o fizer teremos: jacás de toucinho arreado na escadaria dos palácios, burros presos às colunas de mármore ou de granito, como se fossem mourões de madeira; conclaves e reuniões populares, aos domingos de tarde, nos peristilos e vestíbulos dos edifícios públicos, como agora nas vendas e outras infrações por todos os cantos e, para esconderijo das quais o homem não tem a previdência de gato bem ensinado.” (In Silva, 1997, p. 317). 141 moradores. A artificialidade e o culto ao novo, tão disseminados neste período, provocava na população uma busca e imitação de hábitos de cidades desenvolvidas como Rio de Janeiro e São Paulo para não falar na Europa. Juliana Siqueira (1997) comenta a respeito dessa imitação dizendo: “se os mineiros pretendem fazer de Belo Horizonte uma pequena Paris, começam a fazer de si mesmos um arremedo de parisienses. Nas roupas que usam, nas práticas sociais que adotam, na literatura que cultivam”. (p.91) Isto pode ser percebido claramente nas atividades culturais da cidade como o teatro, o cinema, as festas, as agremiações esportivas e literárias. Estas eram práticas comuns nestas cidades, pólo das revoluções políticas, sociais e culturais daquela época. Especialmente Paris, que ditava moda também nas práticas culturais. Se o teatro, o esporte ou o passeio em público eram práticas de destaque lá fora, aqui também o deveria ser. Desde a construção da cidade, sobre a rua circulavam várias contradições. Nos primórdios da vida da Capital a rua era um espaço pouco freqüentado pela população, que dela não se apropriou como um locus da vida social. Logo após a demolição do arraial, as ruas largas que surgiram no lugar, pareciam impossíveis de ser preenchidas por uma população tão pequena e acanhada, acostumadas aos hábitos domésticos e ao aconchego das vielas e largos. Se a rua, a despeito de seus idealizadores, não representava o lugar da sociabilidade das pessoas naquela época, pois eram demasiado largas provocando uma exposição que mais constrangia do favorecia ao encontro; o projeto da futura Capital previa espaços específicos para o lazer. Alguns deles não foram construídos, como o cassino, o teatro e o observatório localizados dentro da área do Parque, e o zoológico, que seria feito no local onde hoje se encontra o Minas Tênis Clube. Mas, dentre os espaços propostos para a cidade metrópole, e construídos, destacaremos aqui o Parque Municipal. Parque Municipal: que lugar é esse? O lugar do Parque na cidade moderna O Parque é um espaço de relevo na história de Belo Horizonte desde a sua construção, ou melhor, desde o seu planejamento. Tão logo aprovada a construção da cidade é no espaço onde seria o Parque que se instala Aarão Reis, chefe da Comissão Construtora, em março de 1894. E é dali, daquele sítio, que germina a planta da futura Capital. Desde os primeiros meses de estudos e elaboração da planta geral da cidade, o Parque se revela como referência geográfica102 a partir do qual se projetará aquela que se tornaria a “ obra de maior invergadura da República.” (JULIÃO, 1992:10) O espaço reservado ao Parque era uma fazenda dos tempos do arraial do Curral Del Rey, chamado Chácara do Sapo, de propriedade da família Vaz de Melo. Esta propriedade foi desapropriada, juntamente com outras, como iniciativa primeira da chefia da Comissão. 102 . Magalhães e Andrade, 1989, apontam outros sinais do Parque como referencial geográfico no planejamento da cidade como; o ponto de origem das avenidas que ligam aos poderes do Estado, as praças da Liberdade, da Federação e 14 de Setembro; a numeração e distribuição das seções urbanas a partir dele e, até mesmo, a hierarquização das atividades (de um lado a Estação, o comércio, a eletricidade; do outro, mais nobre, os três poderes, o teatro, as escolas e ao fundo, as duas últimas seções da zona urbana), sem falar da sua proximidade com a fronteira da cidade e da não cidade, a Av. do Contorno. 142 Como um território remanescente do Arraial, o espaço possuía uma beleza natural. Aos olhos dos modernos urbanistas, crua e rústica. Um espaço que, para se tornar o parque central de uma cidade que se queria cosmopolita, em nada devendo aos grandes parques europeus, necessitaria de muitas intervenções paisagísticas. O Parque já estava previsto desde o planejamento da cidade. Se os hábitos de lazer modernos previam o passeio em parques, era imprescindível que a cidade, materialidade da República, um marco de novos tempos e novos ideais, se aparasse de tal espaço. Pensado para ser um espaço de lazer moderno da capital, ele aparece já na primeira planta de Belo Horizonte, o que demonstra o cuidado de seus planejadores em projetar um espaço específico para tal fim. Assim como aspectos políticos e econômicos, o lazer também foi previamente pensado como uma prática que deveria ser incorporada ao novo modelo de sociedade e de cidadão que se pretendia formar. Um indício claro da organização de um novo modus vivendi, moderno e republicano. Mais uma vez, é o espaço geográfico determinando as práticas e os lugares sociais na nova Capital. Assim como a cidade, o Parque deveria se tornar um marco da modernidade da República, e para tanto, deveria se apropriar das mais novas tendências paisagísticas em voga na Europa. É o que nos mostra o Relatório de Prefeito (1907:47): “há de ser um dos mais belos da República, logo que possível tratar de toda a sua área”. O convidado para dirigir os trabalhos foi o arquiteto paisagista francês Paul Villon, que influenciado pela tendência inglesa de paisagismo romântico, projetou um parque em estilo inglês, “uma ilha de romantismo na geométrica cidade.” (CVRD, 1992:20) Uma ilha natural em meio à urbs, o único resquício de natureza do arraial preservado, ainda que, com muitas intervenções urbanísticas, ditas, beneficiamentos. O Parque representava “um esforço para resgatar fragmentos de um mundo natural e bucólico suplantado pela construção da capital.” (JULIÃO, 1992:101) Inicialmente o projeto original do Parque previa uma área de 555.060 metros quadrados, onde, aproveitando a natureza do terreno, se projetou “um grande lago para passeios em canoa, ruas largas para os carros, ruas extensas e planas para os biciclos, um correto para música, um restaurante, um cassino com teatro, um observatório meteorológico, uma ponte artística e um imponente portão de entrada.”103 Um projeto de lazer deveras arrojado, digno daquele tempo. O Parque e as novas práticas sócio-culturais: vivências dos anos iniciais Com a chegada dos desejados habitantes, a cidade vai tomando vida e o Parque se concretiza como espaço da convivência social, “um roteiro da vida pública na Capital”, como nos diz Letícia Julião (1992), uma vez que “proporcionava condições ideais para o novo hábito do passeio em público.” (p.100) Um lugar da sociabilidade dos novos belorizontinos, ou melhor, da elite que habitava a área urbana da cidade. “Ali, o ‘mundo chic‘ da capital se sentia à vontade para realizar suas festas beneficentes, concertos, garden parties”104, festas chics ao ar livre, um espaço deveras agradável para a socialização da elite local. Protegidos pelo planejamento urbano da cidade que impunha uma segregação clara entre as classes sociais, o Parque situava-se na zona urbana, local onde apenas alguns tinham acesso. E nele “a boa sociedade da época encontra no jardim 103 104 . CVRD, 1992:22 . Rodrigues, 1999:1409 143 romântico o pano de fundo perfeito para flanar despreocupadamente, exibindo seus trajes de passeio” (CVRD, 1992:35). Ainda presos aos costumes recatados, os habitantes se revezavam entre saraus literários, bailes em casas particulares e retretas no Parque Municipal. As tradicionais retretas eram uma das poucas práticas culturais dos novos belorizontinos do início do século. Elas eram tão presentes no cenário da nova capital, que a prefeitura promovia as apresentações das bandas de música, aos domingos, no Parque. A principal banda é a corporação Carlos Gomes. As largas alamedas do Parque eram um espaço propício para o footing, prática comum naquela época. À sombra das árvores, mocinhas e rapazes circulavam para lá e para cá num “intercâmbio silencioso dos olhares”105. O Parque era um cenário concorrido para os eventos da melhor sociedade belorizontina, se concretizando, cada vez mais, como um espaço de referência da vida sócio-cultural da cidade. Sua menção constante em notas da imprensa, seja em jornais ou revistas, comprovava ainda mais sua importância. Tudo que acontecia no Parque era digno de registro. Festas, desfiles escolares, batalha de confetes, acontecimentos esportivos. A história do esporte e o Parque se entrecruzam várias vezes. Algumas modalidades tiveram no Parque seu local de iniciação. A começar pelo ciclismo, que teve uma vida curta mas bastante expressiva. Contava com um clube representativo, o Velo Club, e um pavilhão construído para que seus expectadores pudessem acompanhar melhor as corridas de bicicleta, velocípede e à pé. As corridas no Velo Club atraíam grande número de pessoas, expectadores e também praticantes, e seu resultados eram divulgados em jornal, além de movimentar um banco de apostas. Outra atividade que encontrava nas alamedas seu palco, era o football. Em uma delas foi realizada a primeira partida, em 3 de maio de 1904, fato que mereceu divulgação na imprensa local. O Futebol o Parque aparecem juntos em várias situações, entre elas, a primeira agremiação de futebol, o Sport Club Foot-ball, que ali realizava seus treinos e onde mais tarde foi construído seu pavilhão e área de jogos. Outra, foi a idéia de um grupo de adolescentes no Parque, de fundar um clube de futebol que mais tarde alteraria toda uma dinâmica social classista, o Atlético Mineiro Football Clube. No terreno do Parque, área correspondente ao quarteirão do hipermercado Extra, também foi construído o estádio do América, que lá permaneceu por muitos anos. Mas o Parque não destacava-se apenas pelas suas alamedas. No lago norte, em 1909, aconteceu a primeira competição pública de natação. Anos mais tarde, uma revista da época106 notificava sobre um “surto verificado entre nós desse aristocrático sport bretão”, o tennis. Sua prática acontecia no “rink” do Parque Municipal, um campo de tennis construído em 1926. Este esporte contava com a participação de rapazes e moças. Outra revista comentava assim: “o tennis também está fervendo. O córte do Parque Municipal não chega para as encomendas. Toda manhã vae lá um bolão de gente. Na maioria moças bonitas”107. Por ser um gigante verde em meio à urbs, o Parque significava um espaço de natureza, de ar puro. Uma nota de revista da década de 20108 já mostrava a preocupação da população (e dos planejadores da cidade) com a qualidade do ar. Diz a nota: “em Bello Horizonte, nenhum lugar reúne melhor as qualidades hygiênicas 105 . JULIÃO, 1992:100. . SEMANA ILUSTRADA, 1928. 107 . A CIDADE VERGEL, 1927. 108 . SEMANA ILUSTRADA, 1928. 106 144 exigidas para o salutar exercício de respiração, aconselhado pela medicina, como o Parque Municipal.” Além dos atrativos da flora e seus benefícios, o Parque também abrigou um mini zoológico. Desde a criação de Belo Horizonte, seus planejadores previram a construção de um zoológico, mas o terreno, mais tarde foi doado ao Minas Tênis Clube. Sem espaço e verbas específicas para tal projeto, “com o passar dos anos, conseguiu-se reunir no Parque um número considerável de animais, [...] que faziam ‘o encanto da gente domingueira’ ” (CVRD, 1992:80). Nos primeiros anos do Parque ele demonstrava ser um local de muita importância para a cidade. Não apenas pelas citações na imprensa ou pela freqüencia dos habitantes, mas também pelo poder público. Isto ficou evidenciado pelas constantes obras de benfeitorias realizadas. Ajardinamentos, calçamentos, limpeza, iluminação, equipamentos e espaços de lazer, a cada relatório de prefeito apresentado ao Conselho Deliberativo, mais de uma página se dedicava a esclarecer as obras e benfeitorias executadas no Parque. Considerações Finais O fenômeno do lazer é influenciado por uma dinâmica social, cultural e política. O Parque Municipal de Belo Horizonte também recebe estas influências. As práticas que nele acontecem têm características marcantes da época. O Parque foi um espaço criado e apropriado pela população, ou melhor, uma elite local que nele realizava suas atividades de lazer. É nele que se sedimenta algumas vivências culturais de expressão na cidade como as festas, as retretas , o footing, as corridas de bicicleta, os jogos de futebol, o tênis. O Parque influencia e é influenciado pelas práticas culturais e vai se configurando como um espaço de vivência do lazer, através dos sujeitos que o praticaram ao longo dos seus 106 anos de história. Referências A CIDADE VERGEL. Belo Horizonte, ano 1, n.2, 1927 CVRD. Companhia Vale do Rio Doce. Parque Municipal: crônica de um século. Belo Horizonte, CVRD,1992. GROSSI, Yonne de S. A sedução do novo ou ousadias temerárias. Varia História, n.18, Belo Horizonte, Nov/1997, p. 415 a 430. JULIÃO, Letícia. Belo Horizonte: itinerários da cidade moderna (1891-1920). Belo Horizonte: Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, 1992. (Dissertação, Mestrado em Ciência Política.) MAGALHÃES, Beatriz de A. & ANDRADE, Rodrigo F. Belo Horizonte: um espaço para a República. Belo Horizonte: UFMG,1989. MABALHÃES, Leonardo José. Introdução ao estudo da atividade musical em Belo Horizonte. Varia História, n.18, Belo Horizonte, Nov/1997, p. 327 a 346. PREFEITO Benjamin Jacob. Relatório apresentado ao Conselho Deliberativo/ Setembro de 1907. Belo Horizonte, Imprensa Oficial, 1907. RODRIGUES, Marilita A. A. Um olhar sobre o Parque: lugar da memória esportiva em Belo Horizonte. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Setembro de 1999, p.1407 a 1413. SEMANA ILUSTRADA. Belo Horizonte, ano 1, n.46, Abril de 1928. 145 SILVA, Vera A. C. Crônicas de Belo Horizonte. Varia História, n.18, Belo Horizonte, Nov/1997, p. 299 a 326. SIQUEIRA, Juliana Maria de. Além das Palavras, além das Formas. IN: CASTRO, Maria Céres Pimenta Spínola Castro et al. Folhas do Tempo: imprensa e cotidiano em Belo Horizonte 1895-1926. Belo Horizonte: UFMG; Associação Mineira de Imprensa; Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, 1997, p. 71 a 106. 146 LAZER E TURISMO EM BELO HORIZONTE: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA SOBRE A PAMPULHA NA DÉCADA DE 1940109 Prof. Daniel Braga Hübner110 CELAR/EEFFTO/UFMG RESUMO: Este estudo tem o propósito de aprofundar conhecimentos históricos sobre o Complexo da Pampulha, em Belo Horizonte, enquanto espaço apropriado para as vivências de Lazer e Turismo, a partir da década de 1940. Este aprofundamento tem como base registros, interpretação e compreensão dos acontecimentos que interferiram no contexto histórico-social da cidade, através da análise de fonte escritas e iconográficas. Assim, o estudo pretende discutir as propostas e ações que foram desenvolvidas e incentivadas na região, procurando compreender as relações existentes entre estas, o Lazer e o Turismo. PALAVRAS-CHAVES: lazer, turismo, Belo Horizonte. Introdução: interesse de pesquisa Em meu Curso de Pós-graduação tive a oportunidade de integrar o Centro de Estudos de Lazer e Recreação (CELAR/DEF/UFMG) e participar de diversas ações, dentre as quais merece destaque o grupo de pesquisa sobre o Lazer. Esta possibilidade de pesquisa despertou o meu interesse por aprofundar conhecimentos históricos sobre o Lazer e o Turismo, abordagem pouco explorada nessas áreas, mesmo sendo pautadas na multidisciplinaridade.111 Isso representa um grande desafio em nosso meio, tradicionalmente alheio à importância e à necessidade de realizar pesquisas históricas com enfoque aprofundado. A história refere-se à particularidade única do tempo e tem, como papel social, efetuar uma interação entre o passado e o presente. Segundo Le Goff (1984, p.163), “o passado é uma construção e uma reinterpretação constante e tem um futuro que é parte integrante e significativa da história”. De Certeau (2000), afirma que as pesquisas históricas se articulam com um lugar de produção socioeconômico, político e cultural, sendo submetidas a imposições, ligadas a privilégios e enraizadas em determinadas particularidades. Neste trajeto, é necessário identificar como, quando onde e porquê cada sujeito, grupo ou instituição se constituiu como autor, ator, cenário, texto e leitor da história construída. 109 . Este texto foi elaborado no decorrer do VI Curso de Especialização em Lazer, sendo parte integrante do Trabalho de Conclusão de Curso, sob orientação da Profa. Dra. Christianne Luce Gomes. 110 . Discente do VI Curso de Especialização em Lazer da UFMG, Bacharel em Turismo pelo Centro Universitário Newton Paiva. Endereço eletrônico: [email protected]. 111 . Existem diversas concepções de Lazer e de Turismo. O Lazer é por mim entendido como uma dimensão da cultura constituída por meio da vivência lúdica de manifestações culturais em um tempo/espaço conquistado pelo sujeito ou grupo social. Neste âmbito, o Lazer estabelece relações dialéticas com diversas práticas sociais em nosso contexto, principalmente com o trabalho produtivo (GOMES, 2003). O Turismo, por sua vez, pode ser compreendido como um fenômeno social que consiste no deslocamento voluntário e temporário de indivíduo ou grupos de pessoas que, motivado por interesses diversos, saem de seu local de residência habitual para outro, no qual não exercem atividades lucrativas nem remuneradas, gerando múltiplas inter-relações de importância social, econômica e cultural (DE LA TORRE, 1992). 147 Refletir sobre Belo Horizonte, segundo Buére (1997), implica resgatar as diversas imagens e significados que dela emergiram desde a sua construção, pois as pessoas imprimem pegadas em seus caminhos, mesclam feições às feições preexistentes, impregnando a realidade de suas vivências, numa demonstração clara que todo lugar é mais que pedra e tijolo; é sentimento, é coração, é história de vida. Na imagem da cidade, estão representados tanto os fantasmas do passado como o imperativo do presente. Nas suas passagens, múltiplas fronteiras separam as épocas, os grupos e as práticas e o que prevalece são as trocas entre memórias diversas, relacionadas a diferentes tempos. (Lemos, C. apud BORGES & RICCI, 1997, p.96). Belo Horizonte, uma cidade planejada em seus mínimos detalhes para ser a nova capital do Estado de Minas, surgiu no final do século XIX. Num projeto urbanístico arrojado para o nosso país, Belo Horizonte demonstra, por um lado, ser um símbolo de progresso e de ruptura com o passado colonial. Por outro lado, do ponto de vista social, demonstra uma conformação exacerbada de uma ordem excludente e segregacionista (PAIVA, 1997, p.67). Inspirando-se no modelo das mais modernas cidades do mundo, como Paris e Washington, o projeto criado pela Comissão Construtora foi finalizado em maio de 1895. Os planos revelavam algumas preocupações básicas, como as condições de higiene e circulação humana. A cidade foi dividida em três zonas: a área central urbana, a área suburbana e a área rural. Isso objetivava fazer com que a cidade crescesse de “dentro para fora”, possibilitando que valores e normas da área central, delimitada pela Avenida do Contorno, se expandissem para a periferia.112 Paradoxalmente ao que fora idealizado a princípio, a cidade presenciou um crescimento de “fora para dentro”. Ou seja, as camadas populares passaram a ocupar, de forma incontrolada e desordenada, o espaço interno da Avenida do Contorno, obrigando o governo a tomar medidas coercitivas no esforço de transformar a cidade em espaços organizados e educativos para converter o contingente populacional pobre em trabalhadores disciplinados e produtivos. Assim, apesar de ser idealizada para ter unidade e harmonia, Belo Horizonte possui sua historiografia recheada de documentos cujas narrativas e análises expressam sua multiplicidade e conflito. Mesmo sendo considerada uma capital pacata e calma, na década de 1930, Belo Horizonte já apresentava ares de modernidade, iniciando um tímido processo de industrialização. De acordo com informações contidas no arquivo da Prefeitura de Belo 112 . A implantação de tão grandioso projeto tinha uma exigência: a completa destruição do arraial que ali se localizava e a transferência de seus antigos habitantes para outro local. Rapidamente, os horizontinos tiveram suas casas desapropriadas e demolidas, sendo-lhes oferecidos novos imóveis a um preço muito alto. Sem condições de adquirir terrenos na área central, eles foram empurrados para fora da cidade, indo se refugiar na região de Venda Nova, ou em cafuas na periferia. Como revela o traçado arquitetônico de Belo Horizonte, a capital planejada pela Comissão Construtora era um lugar segmentado socialmente. Seus espaços centrais estavam reservados somente aos funcionários do Governo e aos que tinham posses. Clara demonstração do “progresso” e da “ordem” pensados em seu planejamento, no intuito de coibir a concentração populacional excessiva, a miséria, as doenças e, sobretudo, as revoltas. Acreditava-se que os problemas sociais, como a pobreza, seriam evitados com a retirada dos operários, assim que a construção da cidade estivesse concluída. Mas, na prática, não foi isso que aconteceu. Belo Horizonte foi inaugurada a 12 de dezembro de 1887, às pressas, estando ainda inacabada. Os operários aglomerados em meio às obras não foram retirados e, sem lugar para ficar, assim como os horizontinos, formaram favelas no entorno da área urbana da cidade. Esses trabalhadores que não foram considerados cidadãos legítimos de Belo Horizonte, acabaram revelando o grau de injustiça social existente, na capital, nos seus primeiros anos de vida (BUÉRE, 1997). 148 Horizonte, a Lagoa da Pampulha foi criada em 1936 com o objetivo de fornecer água e servir como pólo de Lazer e Turismo para a população de Belo Horizonte.113 Nessa época, Benedito Valladares era o governador de Minas, e seu discurso político já demonstrava uma preocupação com os espaços públicos e com a higienização de Belo Horizonte, favorecendo o Turismo na capital mineira: Finalmente no que se toca ao saneamento e embelezamento da Capital, ponto natural do turismo, grandes realizações têm assinalado a atual administração, como a pavimentação de extensa área de avenidas e ruas, a canalização do Arrudas e seus afluentes, a construção de esgotos sanitários e pluviais, coletores, jardins, parques, “playgrounds”, passeios, novas linhas de ônibus e bondes, praças de esporte, tornando Belo Horizonte, com seu clima adorável, uma grande cidade, atraente para os forasteiros, e evitando, assim, a evasão de capitais mineiros para outros centros que ofereciam maior conforto. (VALLADARES, 1937, p.30. Grifo meu.) A mensagem do governador do Estado, publicada na Revista Montanheza, revela a importância do Turismo para uma cidade como Belo Horizonte, ressaltando aspectos relacionados ao Lazer, ao meio ambiente, à infra-estrutura e ao desenvolvimento econômico no final da década de 1930. Os anos de 1940 trazem a modernidade e dão um ar de metrópole à capital mineira, governada por Juscelino Kubitschek. Nessa época, Belo Horizonte ganhou várias indústrias, abandonando seu perfil de cidade administrativa. O impulso para isso foi dado pela criação, em 1941, de um Parque Industrial. O setor de serviços também começou a crescer com o fortalecimento do comércio. O centro da cidade tornou-se, então, uma área valorizada, principalmente para a construção de edifícios, e passou a sofrer a especulação imobiliária. Assim, foi na gestão do prefeito Juscelino Kubitschek que ocorreu um surto de desenvolvimento e modernização da cidade, com diversas obras que projetaram Belo Horizonte em âmbito internacional. A mais importante foi a implantação de um representativo acervo cultural e paisagístico na orla da Lagoa da Pampulha. Com seu espírito inovador, JK, solicitou ao jovem arquiteto Oscar Niemeyer que projetasse o conjunto arquitetônico da Pampulha. Este projeto incluiu a Igreja de São Francisco de Assis, o Museu de Arte, a Casa do Baile e o Iate Clube. Construído entre 1940 e 1943, o conjunto se consagrou como um marco da arquitetura moderna. O trabalho de Niemeyer foi valorizado com projeto paisagístico de Burle Max, os painéis de Cândido Portinari e as esculturas de Ceschiatti, Zamoiski e José Pedrosa. Dessa forma, o projeto desenvolvido na Pampulha por políticos, arquitetos, paisagistas e artistas plásticos transformou a região no mais conhecido cartão postal de Belo Horizonte, espaço privilegiado para o Lazer e o Turismo na capital mineira. Descontente com as propostas convencionais apresentadas quando da realização do concurso arquitetônico – muitas das quais variações do estilo normando do Cassino Hotel Quitandinha, de Petrópolis, o então prefeito de Belo Horizonte contrata Oscar Niemeyer, que em maio de 1943, havia terminado as obras do Iate e Golfe Clube e da Casa do Baile. Previa-se que a igreja de São Francisco, que Kubitschek quisera numa das curvas da lagoa, estaria concluída no final daquele ano, restando apenas as obras do hotel, entregue à jurisdição do Estado. (FABRIS, 2000, p.185.) Nesta perspectiva, as seguintes indagações vêm despertando a minha curiosidade: O complexo da Pampulha impulsionou novas práticas de Lazer e Turismo em Belo Horizonte na década de 1940? Como o espaço, os atrativos, a infra-estrutura, o 113 . http://www.pbh.gov.br. 149 fluxo e o acesso foram organizados neste período? Que público participava das opções oferecidas? Que propostas e ações foram desenvolvidas e estimuladas na região? Existia alguma relação entre estas propostas, o Lazer e o Turismo? Para compreender essas indagações, a minha área de atuação – Turismo – não me tem propiciado respostas, por se tratar de um recente campo de produção científica, ainda alheio à importância da realização de pesquisas históricas. Além disso, é importante salientar que no Brasil, são incipientes os estudos de abordagem histórica que focalizam o Lazer e o Turismo. Para repensar as questões norteadoras desta pesquisa, assumo como ponto de partida uma discussão sobre o Lazer e o Turismo, em Belo Horizonte, na década de 1940, tomando a instalação do complexo da Pampulha como referência de análise. Analisar o Lazer e o Turismo em Belo Horizonte, na década de 1940, é uma forma de conhecer nossa própria realidade, dialogando com o espaço e o tempo em uma perspectiva histórica e multidisciplinar. Dessa maneira, a busca de conhecimentos sobre este tema será tomada como uma forma de ler a nossa própria vida social, trazendo assim não apenas contribuições para as áreas de Lazer e de Turismo, mas também para a História de Belo Horizonte. Objetivos Objetivo geral • Compreender o Lazer e o Turismo em Belo Horizonte na década de 1940, tomando a instalação do complexo da Pampulha como referência de análise. Objetivos específicos • Estudar a organização do espaço, dos atrativos, da infra-estrutura, do fluxo e do acesso à região da Pampulha na década de 1940; • Verificar se o complexo da Pampulha impulsionou novas práticas de Lazer e Turismo em Belo Horizonte neste período, identificando o público que participava dessas práticas sócio-culturais; • Discutir as propostas e ações que foram desenvolvidas e incentivadas na região, procurando compreender as relações existentes entre estas, o Lazer e o Turismo. Proposta metodológica de trabalho A busca de respostas às questões norteadoras deste estudo pode ser orientada por diversos caminhos metodológicos. Contudo, tendo em vista a minha atuação na área do Turismo, bem como o meu interesse em empreender um estudo histórico, pretendo desenvolver esta pesquisa na abordagem qualitativa.114 Essa escolha fundamenta-se nos seguintes pressupostos: a natureza de meu objeto de estudo, o contexto no qual essa pesquisa será realizada, bem como minha formação e experiência pedagógicas, tal como especificam Contandrioupoulos et al (1997). Para compreender o Lazer e o Turismo em Belo Horizonte na década de 1940, tomando a instalação do complexo da Pampulha como referência de análise – objeto do presente estudo – será necessário registrar, interpretar e compreender os acontecimentos que interferiram no contexto histórico-social da cidade. 114 . De acordo com as considerações de Patton (citado por ALVES-MAZZOTTI & GEWANDSNAJDER, 1998), a principal característica da pesquisa qualitativa é o fato de seguir uma tradição compreensiva ou interpretativa, ou seja, essa abordagem parte do pressuposto de que as pessoas agem sempre em função de suas crenças, valores, percepções e sentimentos; e seu comportamento é revestido de significados e sentidos que precisam ser desvelados, uma vez que não se dá a conhecer de imediato. 150 Tal procedimento demandará um intenso trabalho de exploração de fontes, exigindo empenho no levantamento e nas análises das informações. Lopes (1996) ressalta que o trabalho com as fontes, escritas ou não, exige cuidado, atenção, intuição e rigor, e que uma pesquisa é mais confiável e mais rica quanto maior for o tipo de fontes a que recorre, e quanto mais rigorosa for exercida a confrontação entre elas. A definição das fontes utilizadas será uma decorrência do problema investigado. Assim, as fontes escritas poderão abranger documentos legais, correspondências, relatórios, projetos, registros oficiais, matérias jornalísticas e folhetos. Procurarei compreender de que lugar e para quem os autores falavam, em que discursos estavam se baseando e que idéias estavam refutando. Apesar de minhas buscas focalizarem, principalmente, documentos da época, podem ser complementadas e auxiliadas com obras de outros pesquisadores que trabalharam parte deste material, embora nem sempre estudando especificamente o Turismo ou o Lazer. Todavia, como as fontes não se limitam aos documentos escritos, será possível utilizar, além da literatura e documentos diversos, imagens que servirão de texto e poderão fornecer elementos expressivos para a pesquisa, auxiliando a compreensão do objeto estudado. Trabalharei, assim, com fontes escritas e iconográficas. O levantamento de dados será efetuado, em princípio, no Arquivo Público Mineiro, no Arquivo da Cidade de Belo Horizonte, na Hemeroteca e na Biblioteca Pública Estadual Luís de Bessa. A tomada de consciência do processo de construção do fato histórico, a compreensão de que as fontes não podem ser vistas como algo neutro ou inocente, poderá trazer novos elementos para se entender as possibilidades de manipulação e das diversas formas de interpretação que podem se manifestar em todos os níveis da constituição do saber. Le Goff (1996, p.11) afirma que “[...] esta constatação não deve desembocar num ceticismo de fundo a propósito da objetividade histórica e num abandono da noção de verdade.” A necessidade da teoria surgirá em face das interrogativas apresentadas, ao se vislumbrar novas perspectivas de análise e de interpretação para o aprofundamento do problema. Isso poderá provocar, muitas vezes, a necessidade de se empreender novas buscas. Dessa forma, a pesquisa bibliográfica será constante no decorrer do presente estudo, buscando o diálogo com diversas obras. O estudo focalizará, especialmente, a década de 1940, mas as discussões procurarão dialogar com aspectos significativos que tenham precedido, ou sucedido, este período, tendo em vista identificar marcos históricos para a periodização da pesquisa. Referências ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith & GEWANDSZNAJDEr, Fernando. O método nas Ciências Naturais e Sociais: Pesquisa quantitativa e qualitativa. São Paulo: Pioneira, 1998. BORGES, Edna Martins & RICCI, Cláudia Sapag. Afonso Pena: Avenida – vitrine da cidade In: BH Verso e Reverso. Secretária Municipal de Cultura. Prefeitura de Belo Horizonte, 1997. p. 96-114 BUÉRE, Júlio César. Belo Horizonte: Apropriação social do Espaço Urbano em Belo Horizonte: histórias de uma cidade centenária. Belo Horizonte. Faculdades Integradas Newton de Paiva, 1997. p. 65-83. 151 CONTANDRIOPOULOS, André-Pierre et al. Saber preparar uma pesquisa. 2. Ed. São Paulo-Rio de Janeiro: Hucitec/Abrasco, 1997. DE CERTEAU, Michel. A cultura no plural. Campinas: Papirus, 1995. DE CERTEAU, Michel. A escrita da história. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000. DE LA TORRE, Oscar. El Turismo, fenômeno social. Cidade do México: Fondo de Cultura Econômico, 1992. FABRIS, Annateresa. Fragmentos urbanos: representações culturais. São Paulo: Studio Nobel, 2000. GOMES, Christianne Luce. Significados de recreação e lazer no Brasil: Reflexões a partir da análise de experiências institucionais no âmbito das políticas públicas (1926-1964). Belo Horizonte: Faculdade de Educação/UFMG, 2003. (Tese, Doutorado em Educação). LE GOFF, Jacques. História e memória. 4.ed. Campinas: Editora da Unicamp, 1996. LOPES, Eliane Marta T. Métodos e fontes na história da educação e educação física. In: ENCONTRO NACIONAL DE HISTÓRIA DO ESPORTE, LAZER E EDUCAÇÃO FÍSICA, 4, 1996, Belo Horizonte. Coletânea... Belo Horizonte: UFMG/EEF, 1996. p.35-41. PAIVA, Eduardo França de (Org.). Belo Horizonte: Histórias de uma cidade centenária - Belo Horizonte: Faculdades Integradas Newton de Paiva, 1997. SEREJO, Hilton Fabiano Boaventura. A gênese dos estudos do lazer num curso superior de Turismo em Minas Gerais: Um estudo na instituição pioneira (1974 – 1985). Belo Horizonte: Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, 2003. (Dissertação, Mestrado em Educação). VALLADARES, Benedito. Mensagem do governador. In: Montanheza. Belo Horizonte, ano III, n.39, jul./ago.1937. 152 O LAZER E O ESTADO II A AÇÃO DO ESTADO NOS ESPAÇOS PÚBLICOS DE LAZER Acad. Bruno Gawryszewski115 Grupo de Pesquisa Lazer e Minorias Sociais/EEFD/UFRJ116 RESUMO: As ações do Estado em espaços públicos de lazer têm se pautado pelo autoritarismo, descrédito opiniões contrárias, cooptação e dissolução de formas de oposição ao deferido pelo poder público. Portanto, o trabalho visa pautar tais atitudes desde a Idade Moderna aos dias contemporâneos buscando uma análise das transformações na dinâmica das relações entre o poder político e a cultura popular nos espaços de lazer, oferecendo algumas reflexões sobre estas tensões e como podemos alavancar a constituição desses espaços através de uma gestão participativa. PALAVRAS-CHAVES: Estado; espaços públicos de lazer; autoritarismo. Introdução Com o suposto intuito de organizar festas e espaços de lazer de origem popular, percebemos que, sistematicamente, o Estado vem intervindo nesses espaços para garantir maior segurança, ordem, higiene, forjando assim uma imagem de cidades limpas e sãs, apesar da ocorrência de manifestações da cultura popular. A intervenção do poder público nos espaços públicos de lazer é uma prática correntemente justificada por se tratar de lugares predominantemente freqüentados pelo “povão”, que não saberia se comportar civilizadamente em comunhão com seus semelhantes e, assim, ofereceriam “grandes riscos” às pessoas de bem e suas famílias. Em relação à cultura e civilização, citamos Chauí (1989): A partir do século XVIII, o termo cultura articula-se, ora positiva, ora negativamente, com o termo civilização. Este, derivando-se do latim cives e civitas, referia-se ao civil como um homem educado, polido e à ordem social (p.12). Por isso, passa-se sempre a impressão de que estamos cercados de festas populares sujas e perniciosas e, relembrando os antigos colonizadores, parece que a Prefeitura chega para mostrar o caminho da salvação, para civilizar. Fazendo menção aos divertimentos populares em Lisboa nos séculos XVIII e XIX, Andrade (1992) relata que “Os requerimentos para os espetáculos de rua também eram indeferidos pelos riscos de desordem pública que o ajuntamento de uma plebe ignara e marginal poderia originar”. (p.644) Remontando historicamente Através das obras de Burke e Bakhtin, percebemos o quão é uma situação que não se esgota de ser repetida e sempre reforçada por àqueles que controlam os meios de produção e poder político. 115 . Endereço para contato: [email protected]. . Grupo de pesquisa coordenado pelo Professor Dr. Victor Andrade de Melo. Contato: www.lazer.eefd.ufrj.br. 116 153 Analisando a cultura popular em séculos passados, constatamos que esta só obteve uma grande popularidade na sociedade européia a partir do século XVII quando se remodelou tanto na sua estética quanto na sua intencionalidade. Bakhtin apud Valente (2002) comenta “O espírito popular e utópico, a nova sensação histórica começam a desaparecer” (p.8) Assim, a cultura popular passa a ser legitimada por antropólogos da época, adquirindo status científico e social. Antes da “aprovação” aristocrata, a cultura popular sempre foi massacrada por se constituir espaços de congregação de pessoas que sofriam com as mesmas contradições sociais, mesmas dificuldades na vida diária. Daí entrava uma ação ostensiva das religiões cristãs que não admitia em hipótese alguma os festejos populares relacionando-os como o principal perigo da não-religiosidade dos seus fiéis. Então, as festas, folguedos e os folclores da plebe foram apontados para uma condenação específica já que continham reminiscências pagãs, diabólicas. Conforme Gabriel (2003): Os jogos e festividades eram condenados por serem ocasiões de violência. O futebol, diziam alguns, era um jogo assassino. As canções populares apresentavam os criminosos como heróis com freqüência excessiva. As cervejarias eram tidas como local de desperdício e excesso. O povo foi proibido de consultar curandeiros ou mágicos (p.34). Ou seja, foi executada uma “limpeza” que colocasse um controle rígido aos rudimentares costumes dos populares e, ao mesmo tempo, legitimando uma nova cultura popular, absorvida pela cruz e pela espada. No entanto, com a urbanização das cidades por conta da Revolução Industrial começa a ser afetada, pois, com a expansão do mercado, a produção artesanal de objetos passa a ser mecanizada e padronizada em detrimento do produto individualizado. E a cultura popular no século XIX foi abandonada pelo clero, nobreza e profissionais liberais acentuando ainda mais a separação de classes e designando a palavra povo à gente simples, humilde, ao proletariado. As feiras e tavernas continuam a existir e se tornam os principais focos de resistência e articulação política da classe trabalhadora. Reunindo os trabalhadores em um lugar construído e constituído essencialmente por eles mesmos, estes espaços representam o resgate e manutenção de suas tradições, união com seus semelhantes (se chamarmos de semelhantes àqueles que se situam não mesmo nível econômico) e fomentador político. A classe burguesa, agora no poder político, não vê com bons olhos que seus empregados freqüentem tais ambientes, pois, além do perigo de que esses lugares representem focos de revoltas contra a exploração de sua mão-de-obra, o tempo livre se opõe frontalmente à lógica do trabalho vigente na época, onde a produção de bens materiais se fazia necessária devido a grande expansão do capitalismo no século XIX. Para combater ações que proporcionassem qualquer perigo ao sistema, a burguesia organizou-se de forma a rechaçar a subversão, seja por meio de organizações humanitárias para atenuar as diferenças sociais, seja pela modernização da ação policial em caso de revoltas (MELO, 2001). Vale destacar a formação do movimento escoteiro, que arrebanhava o público infantil, que além de preencher seu tempo de lazer, instituía seus códigos culturais através de uma formação educacional. 154 Atualmente não é tão diferente... Se pensarmos que hoje vivemos em uma sociedade que desfruta de uma relativa liberdade de expressão e organizacional, mesmo sendo vigiada pelo Estado e pela indústria cultural, poderíamos supor que houvesse alguma participação do governo no gerenciamento de espaços públicos de lazer. Mas, o que se verifica, predominantemente, é a ingerência e dependência dos participantes e comerciantes desses espaços em relação às suas esferas de fiscalização. Declarando ter como objetivo a fiscalização para que esses espaços de lazer ofereçam maior segurança e higiene para as famílias, o poder público, freqüentemente, através de decretos e leis, regulamenta os locais de lazer, “passando por cima” de tradições e códigos culturais ali já absorvidos há décadas. Sem opção, os freqüentadores e comerciantes dos espaços de lazer são obrigados a institucionalizarem-se perante os seus órgãos controladores. E o que se verifica na maioria dos casos é a regressão na participação das partes interessadas. Os espaços, quando não possuem regras rígidas de funcionamento por parte dos órgãos públicos, constituem-se através de uma comunhão participativa, onde todos devem trabalhar para a construção e manutenção de uma feira ou uma festa ainda melhor. E aqueles que não se dispunham a colaborar eram logo rechaçados, pois as dificuldades para a conservação daquele espaço de lazer eram substanciais, podendo significar momentos de diversão para uns, podendo significar meio de subsistência para muitos outros. No entanto, com a institucionalização desses locais, o que se verificou foi a mudança de uma organização participativa a uma organização representativa. Acrescentamos que, se antes a luta de classes estava definitivamente instaurada através da batalha contra todas as forças do aparelho repressor do Estado e da economia capitalista, a organização representativa, na maioria das vezes, vem se mostrando organizações assistencialistas e cooptadas por políticos. Apoiando-me em estudos de duas manifestações culturais da cidade do Rio de Janeiro, esperamos demonstrar o que foi supracitado. A Feira de São Cristóvão (PANDOLFO, 1989) e o Terreirão do Samba (MELO, 2000). A Feira de São Cristóvão localiza-se na Zona Norte no local conhecido como Campo de São Cristóvão. A feira, também chamada de Feira dos Paraíbas, é um local que congrega nordestinos e comercializa produtos “típicos” daquela região. Sobre a institucionalização, Pandolfo (1989) relata que em 1961, após a ocorrência de um incidente na Feira de São Cristóvão, um grupo de feirantes foi até ao governador do Estado da Guanabara pedir pela manutenção daquele espaço. O governador concordou mas sugeriu a criação de uma entidade social para dar cobertura social aos feirantes. Até aí, nada demais. Se os feirantes conseguissem se organizar mais adequadamente para reivindicar direitos, seria ótimo. Mas o que se verificou foi uma reserva de mercado executada pela União Beneficente dos Nordestinos do Estado da Guanabara, que alugava os tabuleiros aos barraqueiros através de uma empresa particular e exigia a contribuição de uma anuidade aos feirantes; os comerciantes passaram a delegar todas as responsabilidades àqueles que se colocavam como dirigentes das entidades que disputavam o controle da Feira; e a atuação das entidades passava longe em congregar interesses comuns onde se posicionassem politicamente perante o poder público, mas sim baseada em políticas assistencialistas, de auxílio imediato e pontual aos nordestinos recém-migrados, o que sempre convergia em prestígio individual, seja político junto aos representantes do poder político, seja econômico através do controle da Feira. 155 O Terreirão do Samba localiza-se no Centro da cidade, mais precisamente na Praça Onze junto à Favela da Providência, ao lado do Sambódromo, um dos locais de onde o samba carioca se estruturou tomando suas feições atuais (MELO, 2000). O Terreirão sempre foi um local com barracas de comida e bebida onde se poderia ouvir clássicos do samba e novas tendências que caracterizassem o chamado “samba de raiz” e com a entrada gratuita, significando um espaço de lazer onde todos poderiam ter acesso sem qualquer restrição econômica. Entretanto, aos poucos a Prefeitura passou a organizar aquele espaço outrora informal. Os primeiros atos foram o de cercar o espaço, antes aberto ao público, e cobrar pelo ingresso de pessoas ao recinto. Então, foram instaladas catracas eletrônicas e o contratados pessoal de apoio para a segurança. Posteriormente, estabeleceu-se um monopólio de venda de cervejas e intervenção organizacional de uma rádio pop da cidade. Ou seja, os freqüentadores se viram cerceados do seu direito de escolha à sua cerveja e, principalmente, a música oriunda do palco, que, ao invés de tocarem o samba tradicional, este foi relegado a segundo plano em detrimento de grupos de “neo-samba”, com hits melosos e coreografias absolutamente ridículas (MELO, 2000). Apontamentos para reflexões Através das descrições acima, podemos considerar, em sua maioria, que as atitudes do governo, seja lá de qual esfera, não condizem com uma verdadeira vontade política de promover a auto-gestão dos interessados em questão, mas de prosseguir com um modelo de dependência que mantenha os espaços de lazer amarrados às regras e decisões impostas de cima para baixo, ou seja, o governo escolhe o que é melhor. Combater essa política meramente assistencialista se faz necessária quando se tem em mente a busca pela autonomia dos homens e identidade cultural. Chauí (1989) faz considerações quanto à filantropia dos governos. Segundo a autora: Quanto ao povinho e suas necessidades “básicas”, cabe auxiliá-lo através da filantropia e educá-lo através da disciplina do trabalho industrial, educação essencial para conter suas paixões obscuras, supersticiosas, sua irracionalidade e, sobretudo sua inveja, que se exprime no desejo sedicioso do igualitarismo. (p.17) A truculência das ações do poder público têm de ser transformada em participação real dos interessados nos espaços de lazer para possibilitar uma real situação dialética, onde freqüentadores, comerciantes, associação de moradores, prefeitura, dialoguem e através da exposição de suas vontades e tensões, possam resultar em um consenso entre as partes. Toda vez que um pólo situado acima da sociedade conduzir de forma a interpelar suas relações através de normas e decretos de leis, vai ser caracterizado como autoritarismo (CHAUÍ, 1993). Pensamos que o Estado tem de ser um mediador entre a cultura popular e indústria cultural. Deve reconhecer a força e, porque não, a competência que esta tem em promover e produzir seus produtos culturais comprometidos apenas com a efêmera diversão e propagação de suas semelhanças. Adorno e Horkheimer (1985) consideram que a simples propagação da diversão significa estar de acordo com o que se oferece e quando esta se isola do processo social como um todo, idiotiza-se e abandona desde o início a capacidade de reflexão. A liberdade prometida pela diversão é a liberdade do pensamento como negação. 156 Contudo, se o Estado se contrapor à indústria cultural de maneira que se abra espaço às manifestações populares, é uma atitude que não significa ter folclorizálas, oferecendo um tratamento como se estivesse falando de uma manifestação cultural de outro planeta ou exótica. Enfim, a busca pela resolução de problemas e tomadas de decisão deve ser pautadas pelo diálogo, sem autoritarismo. Referências ADORNO, Theodor W. & HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. 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Apresentou como principais resultados: a) formação profissional inadequada para o exercício da função; b) frágil conhecimento teórico sobre lazer e políticas públicas setoriais; c) atividades realizadas dentro de abordagens funcionalistas do lazer. Conclui que, sob pena de se cristalizar práticas equivocadas no âmbito da atuação profissional do lazer, é necessário um programa de educação continuada/formação profissional visando o exercício público dessa função. PALAVRAS-CHAVES: lazer, atuação profissional. Como se deu o estudo Entendemos que a veia principal que conduz este estudo alimenta-se das teorias críticas, das ciências sociais, visto que as mesmas entendem o objeto pesquisado como sujeito do processo investigativo, interferindo e sendo interferido pelos resultados do mesmo. “Na pesquisa qualitativa, todas as pessoas que participam da pesquisa são reconhecidas como sujeitos que elaboram conhecimentos e produzem práticas adequadas para intervir nos problemas que identificam”(CHIZZOTTI, 1998, p. 82). O nosso caso de estudo situa-se na circunscrição geográfica da microrregião de Jequié, oficialmente conhecida como 13ª região administrativa do Estado da Bahia. Delimitamos como raio de abrangência do caso as secretarias municipais que abrigam em suas funções as políticas de lazer. Depois da definição do campo de estudo e da caracterização do caso a ser estudado, formulamos três categorias para auxiliar no processo de coleta e análise dos dados: a) Formação profissional dos secretários; b) Conhecimento teórico sobre lazer e políticas públicas setoriais; c) Perfil das atividades executadas pela secretaria. Nesse sentido utilizamos as categorias como forma de se estabelecer classificações, agrupando elementos, idéias ou expressões em torno de um conceito. (MINAYO, 1999, p. 70). Uma vez estabelecidas as categorias lançamos mão de um questionário semi-estruturado, voltado para os secretários municipais de lazer que foi estruturado tendo por base as três categorias. A respeito da formação profissional do respondente buscou-se explicitar o nível de aproximação ou distanciamento da área de formação acadêmica do secretário municipal com a área de lazer. Sobre o nível de conhecimento acumulado pelo pesquisado sobre lazer e políticas públicas investigamos a base conceitual que dá suporte a interferência profissional deste no seu município. Por fim questionamos sobre o perfil das experiências administrativas ocorridas na gestão do respondente, no que tange as políticas públicas setoriais de lazer de sua prefeitura, buscando, aí, o perfil das intervenções atualmente em vigência no município. 158 Este questionário foi enviado aos 25 municípios componentes da microrregião, através dos serviços dos correios. Também foi disponibilizado na página de WEB http://www.pesquisalazer.hpg.com.br uma versão eletrônica do mesmo, de igual teor, caso fosse mais cômodo para o respondente. Tal procedimento resultou no retorno de doze questionários físicos e no preenchimento eletrônico de mais quatro, o que totalizou 16 respostas. O que encontramos Perfil e atuação profissional dos secretários municipais de lazer Salientamos que, tendo em vista o compromisso ético desta pesquisa com a integridade moral dos entrevistados, optamos por não revelar o nome e o município de origem dos respondentes. No entanto enumeramos os secretários de 01 a 16, no intuito de ilustrar a fala dos mesmos e poder facilitar a caracterização dos mesmos no universo dos dados coletados. a. Formação profissional O dado mais surpreendente neste item foi a inexistência de profissional com formação específica para exercer funções na área de lazer. Hoje no país, os cursos de Educação Física e Turismo (em situações aplicadas), têm habilitado graduandos para atuarem nessa área. Porém não se encontrou entre os entrevistados nenhuma formação correlata a estas. Interessou-nos, também, o nível de qualificação formal dos mesmos. Quase a metade tem nível médio, enquanto uma outra parte tem nível superior e uma parcela pequena dentre estes tem pós-graduação completa. (Gráfico 01) Legenda Formação Profissional 13% 1 43% 2 1 = 2º grau completo 2 = Superior completo 3 = Superior com pós 3 44% Gráfico 01: Nível de formação profissional dos secretários municipais. Na formação média há uma predominância dos cursos de Magistério e Contabilidade. Detectou-se também a presença de entrevistados oriundos do curso de formação geral (também conhecido como científico). Parte dos secretários não declararou a especificidade do curso neste nível de formação. (gráfico 02) 159 Especificidade 2º grau Legenda 37% 36% 1 2 3 4 1 2 3 = Magistério = Contabilidade = Formação Geral = Não especificou 4 9% 18% Gráfico 02: Especificidade da formação em nível médio/2º grau No nível superior observou-se uma miscelânea de habilitações tais como, Medicina, Letras, Pedagogia, Administração de Empresas, Contabilidade e licenciaturas em Biologia e Química, porém, dentre os respondentes não houve registros de alguma habilitação em Educação Física ou área de conhecimento afim, teoricamente responsáveis pela habilitação de profissionais de lazer. (gráfico 03) Legenda Especificidade Superior 8% 8% 1 2 17% 17% 3 4 5 8% 6 17% 7 8% 8 17% 1 2 3 4 5 6 7 8 = Medicina = Ciências Contábeis = Engenharia = Administração = Biologia = Letras = Administração = Química Gráfico 03: Especificidade da formação em nível superior. A continuidade das questões dessa etapa buscou superar o pragmatismo da formação acadêmica, indo em busca de cursos alternativos bem como leituras na área de lazer que os ocupantes destes cargos buscaram ao longo de sua vida. A constatação que apareceu no item participação em cursos foi que apenas quatro pessoas tiveram experiências de discência na área. E isso na ótica do respondente, porque quando feita uma análise dos supostos conteúdos e temáticas tratadas nos mesmos, relatados nas respostas, percebeu-se que pouca aproximação existiu dos mesmos com assuntos da área de lazer e/ou políticas públicas setoriais. Por fim, no item leitura de obras relativas ao tema lazer, detectou-se resultado similar ao anterior. Mesmo tendo sido maior o número de declarações afirmativas de leituras na área, as mesmas pouco se identificam com a temática. A única exceção neste tópico foi a citação, por parte de um respondente, da leitura das obras O que é Lazer de Luiz Camargo e O que é política cultural de Martin Feijó, ambos da editora Brasiliense. Tais dados configuram, a princípio, um distanciamento teórico dos secretários municipais com a temática do lazer, seja no âmbito da formação acadêmica, seja na perspectiva da formação continuada através de cursos de capacitação. Esta conclusão impõe, a priori, a necessidade do estabelecimento de uma lógica curricular voltada para a correção desse déficit conceitual num futuro programa de formação para este universo. 160 b. Conhecimento sobre lazer e políticas públicas setoriais. Sobre o conceito de lazer construído a partir da experiência pessoal, observou-se uma tendência a entender o lazer em sua especificidade abstrata (MARCELLINO, 1996B). Geralmente colocado em oposição ao mundo do trabalho, quase que unanimemente, foi entendido como um saco vazio117, pronto para ser preenchido pelas demandas funcionalistas do dia-a-dia. Notou-se também uma relação equivocada na predominância do conceito do mesmo apenas no campo dos conteúdos físico-esportivos, desconsiderando assim os interesses manuais, artísticos, turísticos, intelectuais e associativos. Abaixo algumas falas ilustrativas quanto a definição de lazer. (Secretário 10) “Toda a atividade que auxilia no desenvolvimento físico e psicológico”; (Secretário 01) “Recreação, jogos, campeonatos, festas e tudo aquilo que traz alegria e divertimento”; (Secretário 05) “Espaço ou atividade prazerosa, que envolve pessoas. Exemplo: parque, clube, centro cultural, etc.”. Quando solicitados a responderem sobre o papel da prefeitura na elaboração de uma política setorial de lazer, os respondentes, de uma forma geral, ofereceram respostas ligadas à atividade de lazer como um fim em si mesma, liberando do mesmo a possibilidade de intervenção no meio. Respostas como promover interação, oportunizar situações, revelar talentos esportivos, fazer festas para a população, externam uma percepção de lazer voltada para compensações118. (Secretário 02) – “Apoiar eventos para que possamos transformar a tristeza em alegria”; (Secretário 09) – “Promover com constância eventos ligados a cultura, esporte e lazer, ser um facilitador buscando dar oportunidades aos talentos ocultos que temos nessa área”. Um número reduzido de respostas coloca a participação do poder público no âmbito da utilização do lazer como meio para a promoção de valores voltados para a cidadania. (Secretário 16) – “Elaborar políticas de lazer onde a população esteja envolvida na construção das atividades, visando à cidadania dos participantes”. O conjunto majoritário das respostas demonstra um desconhecimento generalizado sobre o papel de uma unidade administrativa na elaboração de políticas públicas setoriais de lazer. Porém, quando se observa a questão relativa a participação popular nos projetos da prefeitura há quase que uma unanimidade a cerca da intervenção popular na construção dos mesmos. Ressalvada as devidas proporções na elaboração da resposta, ficou claro o diagnóstico de que, pelo menos teoricamente, todos os secretários defendem o princípio democrático de construção coletiva das atividades de lazer. No entanto, há de ressalvar, que apenas um respondente citou a participação popular na execução do projeto e nenhum dos secretários colocou esta participação no 117 . O autor usa esta metáfora para parodiar o lazer enquanto um momento onde seriam colocados todos os interesses, motivações e atividades, sem serem observadas vinculações com outras esferas da vida social e sem maiores reflexões acerca de seu conteúdo. 118 . Marcellino (1996a) denuncia a utilização do lazer enquanto política pública a partir de abordagens funcionalistas, sendo uma delas a compensatória, onde o lazer compensaria a perdas acumuladas ao longo da jornada de trabalho desgastante. 161 estágio de avaliação de seus programas. Compreendendo que um evento constitui-se das etapas de planejamento/elaboração, execução e avaliação, externou-se neste item uma predisposição pela busca de um princípio democrático de participação, porém, incompleto em sua essência teórica. (Secretário 06) – “Sugestão de eventos, participação para a captação de recursos e diretamente ligados à execução dos projetos”; (Secretário 09) – “A participação da comunidade foi regular na elaboração. E na execução a comunidade participa com muita alegria, inclusive o tema do desfile esse ano foi o folclore brasileiro”. c. Perfil das atividades executadas pela secretaria. Esta categoria buscou levantar o perfil das atividades realizadas na atual gestão dos secretários participantes da pesquisa, no intuito de desvelar o modelo de política pública setorial de lazer utilizada no município. Com essa etapa buscou-se comparar o entendimento conceitual de lazer com a materialização do mesmo na vida pública. Na caracterização dos espaços públicos disponíveis para a utilização da população em eventos de lazer, pôde-se constatar a quase que predominância total de ginásios/quadras poliesportivas, estádios/campos de futebol e praças. Estes equipamentos foram citados em todos os municípios. Em alguns ainda apareceram ocorrências a espaços destinados a atividades com animais (vaquejadas, argolinha, etc.). Tal quadro mostra-se preocupante, principalmente pela tendência a cristalização de modelos de atividades de lazer apenas pautados nos interesses físico-esportivos ou associativos. Vale ressaltar que em nenhum município houve a citação de espaços como teatro, cinema, conchas, casas de show, etc. (Gráfico 4) Equipamentos de Lazer 5% 5% 1 2 17% 10% 3 4 5 6 7 8 9 2% 9% 25% 3% 22% Legenda 10 2% 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 = Campo/Estádio = Espaço livre urbano = Quadra poliesportiva = Galpão = Praça = Mananciais naturais = Parque de exposição = Clubes = Associação de bairro = Bares Gráfico 04: Disponibilidade de equipamentos de lazer para a população. Quando questionados sobre as atividades oficiais realizadas nesses espaços, notou-se que todas as secretarias realizaram atividades de lazer na atual gestão. As atividades mais citadas nas respostas foram: gincanas, campeonatos, desfiles cívicos, feiras culturais e de negócios (agropecuária, etc.), jogos escolares, apresentações artísticas e festejos de datas comemorativas (São João, aniversário da cidade, etc.). (Gráfico 05) 162 Atividades desenvolvidas 4% 2% 18% 16% 7% 31% 13% Legenda: 1 2 3 4 5 6 7 8 1 2 3 4 5 6 7 8 = Gincanas = Campeonatos = Desfiles cívicos = Feiras culturais,etc. = Vaquejadas = Festejos Juninos = Passeios Ecológicos = Oficina de teatro 9% Gráfico 05: Atividades realizadas pela prefeitura no âmbito do lazer. Quando solicitados a responderem sobre a participação popular na elaboração e execução dos mesmos as respostas mostraram, mais uma vez, uma discrepância entre a exposição de um conceito democrático de participação popular e o verdadeiro exercício do mesmo. As respostas neste item geralmente tenderam para o generalismo. Colocamos aqui algumas delas para que melhor se faça ilustrada situação: (Secretário 02) - “Participaram todos da comunidade atuando se dedicando aos eventos”; (Secretário 11) - “Total”; (Secretário 01) - “Nenhuma”. Alguns secretários incluíram em suas respostas a participação popular em nível de planejamento, mas mesmo assim, de maneira muito vaga. E apenas um respondente incluiu a etapa de avaliação como sendo uma das quais sua comunidade participa. Por fim, na visão dos respondentes, estas atividades tiveram como objetivo maior divertir a população, tirar os jovens do mundo das drogas, proporcionar um momento de prazer para a população. Tais respostas nos levam, irremediavelmente, a constatação, mais uma vez, da imagem que se tem do lazer associado apenas ao divertimento e ao descanso. Com exceção de apenas uma resposta, não se viu nos dados menção à possibilidade do lazer proporcionar o desenvolvimento social daqueles envolvidos nas atividades. (Secretário 06) – “Promover interação entre os munícipes, proporcionar divertimento à população”; (Secretário 10) – “Proporcionar a comunidade opções de entretenimento, visando afastar os jovens e os adolescentes do mundo das drogas e da musicalidade”. Avaliando e sugerindo alternativas Chegamos a alguns pareceres, pelo menos em caráter provisório, tomando por base os dados coletados neste trabalho. Entendemos que há um longo abismo entre o conhecimento academicamente desejável e aquele que os secretários possuem na área de lazer. O conceito trazido pelos secretários, em muitos casos, se aproxima do senso comum. 163 Porém, reconhecemos também, que parte desse fosso corresponde a ausência de cursos de formação/capacitação na região. O Estado da Bahia possui apenas 8 cursos de licenciatura em educação física que, a exceção da UESB, não trazem em seu currículo nenhuma disciplina específica de estágio na área de lazer. Constatou-se que a concepção de políticas públicas que norteia os programas executados margeia uma percepção utilitarista e conservadora. Conceber política pública é conceber mundo, visto que a mesma trata de intervenções que visam a manutenção ou superação de determinada situação. Reduzir desigualdades sociais e garantir justiça social são condições que a mesma impõe na consideração desta dimensão de atuação. Nesse sentido o que existem são políticas sociais, visto que... ... objetivam reduzir as desigualdades produzidas pelo mercado (política econômica), não assegurando, necessariamente, seu redirecionamento, nem a revisão do projeto de sociedade. Tem natureza mais paliativa que corretiva, podendo ser usada tanto por governantes autoritários, como por governantes em regimes democráticos, numa estratégia de legitimação.(PALMEIRA, 1996, p. 158). Por fim, e inevitavelmente, por conta desse nível de compreensão, as atividades realizadas acabam por cristalizar modelos desassistidos da possibilidade de conferir ao lazer a via educativa de produção de bens culturais norteados por valores divergentes do atual modelo. Regra geral são pautados apenas na execução de atividades que levem a população exclusivamente ao supérfluo descanso e divertimento. Ou como ressalva MELO e ALVES JR, (2003, p. 17) A compreensão das atividades de lazer como remédio contra os problemas da sociedade moderna; Em função do contexto social e da formação de origem de grande parte dos profissionais, uma valorização excessiva das atividades físicas, quando o campo do lazer é mais amplo; A não consideração das diferenças entre atividades aplicadas na escola e fora dela; A maior valorização do número de atividades, em detrimento da compreensão dos referencias teóricos específicos do campo do lazer. Neste contexto podemos afirmar que, tanto no aspecto teórico-conceitual mais puro, quanto na elaboração e execução prática de eventos em lazer, existe uma necessidade urgente de capacitação dos quadros administrativos, hoje atuando no poder público da microrregião de Jequié. Precisamos colaborar com a formação de sujeitos comprometidos com o processo de construção do saber; sujeitos que questionem a realidade, que perguntem pelo sentido de seu exercício profissional, que assumam uma atitude reflexiva face aos processos sociais e às contradições de nosso meio, fazendo do lazer não um mero (e alienante) produto a ser consumido, mas uma possibilidade lúdica, crítica, criativa e significativa a ser vivenciada com autonomia e muita responsabilidade. (WERNECK, 2000, p. 144). Entendemos que, também, através do lazer, se expressa a possibilidade de construção de uma ação pública integrada com o poder municipal, através do órgão responsável em desenvolver estratégias no âmbito da animação sócio-cultural. Sugerimos, inclusive, a realização de um senso nacional, tal qual acontece hoje na área de educação, para que possa ser levantado, de preferência n início das gestões municipais, o quadro dos profissionais que dirigem secretarias de lazer no Brasil. Colocamos aqui, a guisa de conclusão, que o interesse deste trabalho, longe de expor e desnudar o exercício público dos secretários municipais de lazer foi de assumir o compromisso de alinhavar alternativas para a superação do problema ora 164 estudado como possibilidade de questionamento da ordem estabelecida e cristalizada no atual estágio modo de produção capitalista. Referências CHIZZOTTI, Antônio. Pesquisa em ciências humanas e sociais. 3ª ed. São Paulo: Cortês, 1998. MARCELLINO, Nelson Carvalho. Estudos do Lazer: uma introdução. Campinas, SP: Autores Associados, 1996a. ________, Nelson Carvalho (org.). Políticas Setoriais de lazer: o papel das prefeituras. Campinas: Autores Associados, 1996b. MELO, Victor Andradede, ALVES JÚNIOR. Introdução ao Lazer. Barueri, SP: Manole, 2003. MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 13ª ed. Petrópolis: Vozes, 1999. PALMEIRA, Maria José de Oliveira. Natureza e Conteúdo das Políticas Públicas na atualidade: notas introdutórias. Revista da FAEEBA, nº 06, p. 157-170. Salvador, Ba. 1996 WERNECK, Christianne. Lazer, trabalho e educação: relações históricas, questões contemporâneas. Belo Horizonte: Ed. UFMG; CELAR-DEF/UFMG, 2000. 165 DEMOCRACIA Y PODER POLÍTICO ¿EL PROFESIONAL DE LA EDUCACIÓN FÍSICA EN ESFERAS DEMOCRÁTICAS DE DECISIÓN GUBERNAMENTAL?119 Licenciado Gustavo Rolando Coppola - Núcleo de Investigación en Ed.Física Inst. del Profesorado de Ed.Física (IPEF) Córdoba – Rep. Argentina RESUMEN: El presente ensayo intenta llevar a los profesionales de la Educación, y en especial a los pertenecientes al campo de la Recreación y de la Educación Física pertenecientes a las generaciones nacidas en Democracia, reflexiones sobre el compromiso asumido por jóvenes que lucharon como trabajadores en las postrimerías de la dictadura y en el nacimiento de la República democrática, asumiendo funciones de Gobierno que suponían iban a instalar políticas sociales de promoción del Pueblo hacia una vida más justa y equitativa. PALABRAS-CLAVES: democracia, poder, recreación. 1983. Diciembre Luego de siete años de dictadura, de mucha muerte y de muchos miedos, una gran parte del Pueblo argentino festeja en la Plaza de Mayo el día 9 desde la tarde, pues el presidente electo hablaría al Pueblo desde el balcón del viejo Cabildo al mediodía del día 10. Muchos de los que estábamos en esa plaza desde el día anterior habíamos jugado un papel muy especial en los años previos a la apertura política, Caminamos por las calles, conversando casa por casa con cada familia. pintando paredes por los barrios, por las entradas a las estaciones de ferrocarril, negociando de madrugada con otras fuerzas políticas los espacios de paredes callejeras para las pintadas publicitarias, y así muchas otras acciones que favorecieron al advenimiento de una democracia movilizada, diferente, de muchos jóvenes en la base, y muchos jóvenes también ya insertándose en los espacios del poder. Unos días antes en La Plata, ciudad capital de la provincia de Buenos Aires, quién a partir del día 11 se iba a constituir en el Ministro de Acción Social de la provincia el Dr. Pablo O. Pinto, había decidido quién iba a ocupar lo que se denominó a partir del 11 de diciembre la Dirección de Deportes, Recreación y Tiempo Libre. Esa decisión no fue tomada al azar ni con premura. Un grupo de profesionales habíamos sido convocados en forma separada a presentar proyectos. Enseguida a ello, se inició un debate de trabajo en base a las propuestas, y la decisión final sobre que proposición se llevaría a cabo, recayó sobre el proyecto presentado por el autor de este articulo. Como inicio del trabajo, y ya bajo la responsabilidad de pensar en una provincia tan compleja, en honor a la profesionalidad de un grupo de los demás concursantes, se invitó a los mismos a formar parte del equipo. Con 27 años, militancia de años, profesional en la Recreación desde la adolescencia y en la Educación desde los veinte años, y junto a otros militantes políticos y sociales, profesionales de la educación física, nos hicimos cargo, siendo muy jóvenes (nadie superaba los 31 años), de la Dirección, el organismo gubernamental más alto del área en la provincia. Nos acompañaba un joven militante que con mucho compromiso 119 . Trabajo producido en el Núcleo de Investigacióbn en Educación Física, con la colaboración de las Profesoras Estela Sabas y Mónica Campos. 166 actuaba en la secretaría de la Dirección, y actuaba como el mediador de este equipo naciente y en proceso de fortificación. En poco tiempo las oficinas de la Dirección de Deportes, Recreación y Tiempo Libre, ubicada en el subsuelo de la Gobernación, se fue convirtiendo en un conjunto de espacios que iban perdiendo el almidón y la corbata. Con bullicio, desorden ordenado, se reconvertía un espacio recóndito en el subsuelo del palacio gubernamental, en el reducto de jóvenes ruidosos, que sabían hacia dónde iban y que, a la vez, debían acomodarse en el espacio entre la burocracia gubernativa y las necesidades reales del Pueblo. La conmoción en los antiguos habitantes de la gobernación se hizo sentir. Marcelina, señora que servía el café en las distintas oficinas, y a la vez delegada gremial de un amplio espectro de los empleados de la Casa de Gobierno, sabía reírse mucho con nosotros, y, de a poco, a medida que fue ganando confianza con estos jóvenes gobernantes y empleados, se convirtió en nuestra verdadera “embajadora plenipotenciaria”. Sabíamos que en sus “servidas” de café podía conversar con muchos responsables de las distintas áreas, mediando en cosas que íbamos necesitando, teniendo llegada hasta la oficina del propio gobernador. Para muchos en esa etapa del Gobierno de la provincia de Bs. As éramos sencillamente “los rockeros”. ¿Como se componía este grupo? Varios elementos favorecieron a la construcción de un equipo de trabajo, y estimamos desde aquí que el señalarlas pueden ubicar mejor al lector sobre que bases se asentó un proyecto que, evaluado en el tiempo, supo abordar la decisión y y las acciones políticas desde y hacia las necesidades populares, soslayando, la mayoría de las veces, las estupideces de la politiquería sin sentido y procaz. Las situaciones más destacadas del abordaje que el grupo fue fortaleciendo en ese de ese tiempo: ♦ La disimilitud ideológica. La mayoría de los dirigentes del proyecto, así como los agentes que se fueron incorporando, pertenecíamos a sectores partidarios diferentes, aunque, siendo casi todos militantes o cercanos a agrupaciones de fuerte base popular y, fundamentalmente, contrapuestos a los postulados y a las acciones de la dictadura que había asolado y aterrorizado a la Nación en los siete años anteriores. ♦ La Democracia popular en el espacio de la Dirección. El respeto por el aporte al trabajo de todos los sectores y de todos los agentes, la confianza por la profesionalidad de cada trabajador, fortaleció un estado de discusión crítica y responsable en el antes, durante y después de cada acción, en un marco en que la autoridad de cada Departamento y de cada sector era reconocida y revalorada por cada actor. ♦ El fortalecimiento horizontal y vertical de la Democracia como proceso. Tal vez nos era fácil a quienes ocupábamos los cargos jerárquicos – denominación oficial de nuestras funciones – generar ese espacio de confianza con los actores de esta Dirección, así como en la relación entre los jefes de Departamento y la Dirección, en virtud que todos, absolutamente todos, éramos trabajadores dependientes de un salario, y el 75% proveníamos de la Educación Física y/o del Deporte. ♦ El proceso de democratización, descentralización efectiva y la desmitificación de la autoridad . La provincia de Buenos Aires es un estado sumamente complejo. El resto de las provincias confunden a los bonoarenses con los porteños, no sabiendo 167 como los sectores de este estado provincial que no son parte del Gran Buenos Aires120 sufren la centralización en La Plata como el país lo sufre con la Ciudad de Buenos Aires121. Por otro lado, es permanente la invasión de la Capital Federal sobre los partidos del conurbano contiguo a la misma. Millones de personas ingresan diariamente a dicha ciudad a trabajar, convirtiendo a grandes extensiones en sólo ciudades o localidades dormitorios. En ese punto tomamos la decisión de entender a la provincia en sus dimensiones: > El Gran Buenos Aires con su complejidad, su sobredimensionamiento, y con > > distritos que superan el millón de habitantes, hacinados, viviendo en grandes zonas sin servicios, y debiendo viajar horas en colectivo para todo, para sólo viajar unos kilómetros. Seis grandes ciudades del Interior, con realidades sumamente diferenciadas entre sí122. El resto de la provincia, rural, agropecuaria con un sinfín de localidades y ciudades que no superan los 20.ooo habitantes. En esa realidad decidimos “gobernar para toda la provincia” . Durante tres días trabajábamos en LA PLATA, y mientras los niveles de base e intermedios de la Dirección seguían con su labor en la capital provincial, los Jefes de Departamento, el Director, y algunos otros empleados muy allegados al proyecto, comenzamos a desandar los caminos de la provincia. Ese andar fue concretado generalmente en colectivo, ciudad por ciudad, y hasta pueblo por pueblo, muchas veces por caminos de tierra y a veces llegando gracias a la buena voluntad de algún vecino de alguna pequeña población. Así, de a poco, con mucho respeto por cada habitante que íbamos contactando, pudimos reconocer la realidad de la provincia en tiempos en que la Democracia renacía, y la dictadura iba cayendo lenta pero denodadamente. ¿Como abordamos nuestra accíon? Al poco tiempo de nuestra acción, y cuando recién corría el segundo mes de nuestra gestión, convocamos a La Plata a los intendentes de cada partido123 de la provincia. La primer reacción de muchos intendentes municipales, aunque la mayoría eran recientes mandatarios, fue el creer que otra vez desde La Plata le iban a bajar directivas. La acción de los “jóvenes rockeros” fue otra. El PLAN PROVINCIAL DE DEPORTES RECREACIÒN Y TIEMPO LIBRE que se presentaba en ese momento les 120 . Se denomina Gran Buenos Aires a los distritos (en Bs. As los departamentos se denominan Partidos) que circundan a las Ciudad Autónoma de Bs. As. En un radio aproximado de 50 km. Recordamos al lector que. a pesar del nombre, dicha ciudad no pertenece a la provincia de Buenos Aires desde 1880. 121 . Capital Federal de la República 122 . El caso de Mar del Plata por ejemplo donde millones de personas la habitan en verano, y cuya población real no superaba los 450 mil habitantes en ese tiempo. 123 . En la provincia de Buenos Aires los departamentos son denominados PARTIDOS los cuales se componen de varias ciudades y de zona rural – salvo en el Gran Bs As que esta no existe. Un intendente gobierna en esta estructura a más de una ciudad. 168 comenzaba a llamar la atención. Entre augurios de un nuevo paso federalizador del deporte y del campo de la Recreación, y dudas por tanta historia de avasallamiento, estos intendentes de la Democracia se encontraron con una propuesta que les aseguraba: - - El presupuesto de la provincia para el área iba a ser revertido. Durante la dictadura la mayor inversión de la provincia se había ejecutado sobre el deporte de alta competencia, especialmente en deportistas de deportes individuales. A partir del presupuesto 1984, el aporte presupuestario iba a ser destinado a la actividad de base. La idea de ejecución presupuestaria y de concreción de acciones iba a concretarse con la participación directa del municipio, y la indirecta de la provincia. La intervención de la provincia se ceñía a: 1. la concreción de acuerdos entre municipios y provincia, plasmando los mismos en el desarrollo del Plan Provincial, en sus concreciones y en sus modificaciones 2. la capacitación de agentes comunitarios relacionados al campo de la Recreación y a la órbita del Deporte 3. la supervisión de la concreción de las tareas programadas en conjunto, y a la correcta inversión de los fondos destinados a cada acción 4. la programación y concreción de acciones comunitarias comunes. 5. establecer y desarrollar las políticas de difusión del Plan en acción. 6. apoyar y concretar proyectos municipales coherentes con el desarrollo del Deporte y de las actividades recreativas de base. 7. asegurar el resguardo de los intereses provinciales y municipales de los avasallamientos de la Nación, de las asociaciones o federaciones deportivas, etc. 8. reorganizar el deporte federado, recuperando y fortaleciendo los intereses de la provincias y los municipios, anteponiéndolos a los de las Confederaciones nacionales. 9. el aporte de dinero para el pago de sueldos de 6 agentes por distrito que trabajaran con sectores populares en las áreas relacionadas al deporte y al campo de la Recreación. No sin críticas – muchas veces durísimas rescatamos así a muchos idóneos que en deporte, en el arte popular, en otras situaciones relacionadas a nuestro accionar, venían trabajando en verdaderas intervenciones educativas. Estos idóneos, verdaderos educadores populares, falentes en su formación y carentes de una titulación, sabían de cómo trasponer didácticamente sus saberes empíricos. Nosotros no sólo íbamos a acudir con el sueldo, sino con su capacitación y formación desde otras perspectivas. 10. la evaluación permanente por dos vías. Una a través de los supervisores de cada región, la segunda en forma directa con la presencia nuestra en cada municipio, o con la confianza que iba generando la comunicación vía teléfono o vía radiograma con los intendentes de cada municipio. ¿Qué acciones abordamos? Use la bici Como una de las primeras acciones acordadas en la provincia fue el comienzo de una campaña que favoreciera al uso masivo de la bicicleta. 169 La propuesta fue que un domingo en febrero de 1984, en cada pueblo de la provincia se realizara una bicicleteada donde se buscara la participación de todos. La campaña fue corta, con pequeños volantes con un logo el USE LA BICI de un lado, y lo que significaba para nosotros el volver a la bici: ♦ El bicicletear en familia por el placer de hacerlo. ♦ El mantener la bici los niños y adolescentes con sus abuelos o sus padres. ♦ El salir varias familias de paseo en bici generando espacios de comunicación entre amigos y vecinos124 ♦ El recuperar espacios cotidianos desde una actividad que favoreciera la calidad de vida. El comienzo no fue el esperado. El domingo de febrero indicado con el de la Gran Bicicleteada provincial, se abatió sobre el territorio bonoarense una tormenta generalizada que hasta hizo caer antenas de emisoras de TV, inundó barrios enteros en diferentes Pueblos, entre otros avatares. A pesar de ello pudimos seguir adelante. La cuestión que por diversas razones ya no podíamos concretar esta actividad simultáneamente. De cualquier modo la cosa salió. En cada Pueblo, en cada ciudad, la bicicleteada fue un éxito inmersa en la impronta que cada cultura social le imponía. Los intendentes, los curas párrocos, los niños, abuelos, obreros, médicos, muchos, en cada lugar salieron a pasear en bici. En muchos lugares de la provincia fue emocionante ver niños en triciclos, personas con sus sillas de ruedas, madres caminando con los cochecitos de bebes, bicicleteadores disfrazados, es decir, cada uno desde donde quería o podía buscaba su espacio de participación. A medida que iba pasando el mes de febrero mas emociones corrían por nuestros pensamientos. El centimil en la prensa de toda la provincia era enorme. En todos los puntos de la provincia se rescataba la iniciativa, sin que se dilucidara aún que esto era sólo el principio de un proceso. Las bicicleteadas se sucedieron una y otra vez, pero ahora cada Pueblo la organizaba, a su modo, con su diseño, siempre con el objetivo del jugar, del divertirse, ni pensando en el ganar o el perder. Sábados felices Una de las grandes preocupaciones de los gobiernos democráticos, era avanzar sobre los espacios de segmentación que habían quedado de los tiempos de dictadura. La incomunicación, la segregación, entre otros, eran dimensiones donde la doctrina de seguridad nacional instalada en el poder de la República durante el gobierno dictatorial hacían hincapié fuertemente. Es de recordar que en tiempos muy cercanos al golpe del ’76, el lema del gobierno era EL SILENCIO ES SALUD. La Democracia buscaba movilización, y la misma no alcanzaba juntando adeptos partidarios en plazas y mitines. Desde la Dirección, Recreación y Tiempo Libre propusimos al gobierno de la provincia la posibilidad de una nueva actividad cuyos principales objetivos eran: 124 . A veinte años de Democracia estos objetivos pueden parecer hasta ridículos, pero en ese tiempo se constituían hasta en una necesidad. 170 ♦ Participar de una actividad recreativa con pares de diferentes extracciones. ♦ Integrar placenteramente los grupos previstos para la realización de la actividad.. ♦ Conocer la capital provincial participando de actividades recreativas. Cada sábado se convocaban a la Gobernación un grupo de una escuela estatal, un grupo de un centro educativo para niños con alguna discapacidad, y un grupo de un instituto de menores, todos de la misma edad. Llegaba el grupo a la Gobernación y de alli iban hacia la Ciudad de los 125 Niños . En ese espacio se proponían actividades que favorecieran a entramar los grupos, constituyendo tres nuevas agrupaciones, las cuales estaban integrados con niños de las tres instituciones Allí se iniciaba una actividad de visita, de juegos, de reflexión, coordinada por profesionales aportados por la Dirección, que desde la ciudad de los niños se encaminaba al comedor universitario para almorzar. Por la tarde, se visitaba el Jardín Zoológico de La Plata, y en ningún momento se perdía de vista la impronta recreativa de la actividad. La merienda, como actividad final, se convertía en un espacio de exploración sobre lo vivenciado, cuya evaluación se vertebró generalmente en base a las significaciones que tenían para los niños: ♦ ♦ ♦ ♦ ♦ el conocimiento de la ciudad capital126 el almorzar en el comedor universitario. el espacio de un día para el jugar. el jugar con niños con vivencias cotidianas diferentes. la propia problematización de la actividad por parte de los niños asistentes. Así transcurrieron muchos sábados y sábados. Ya no eran sólo en La Plata. El proyecto creció y lo compartíamos con municipalidades como AZUL, BAHÍA BLANCA o MAR DEL PLATA127, y en todos lados se daban situaciones, donde un niño internado en un instituto para menores, generalmente con problemas de abandono, llevaban con cuidado y compartiendo vivencias, las sillas de ruedos de pares que recién habían conocido en esa mañana. ¿Qué pretendíamos? Las actividades se fueron sucediendo: Campamentos de 150 niños que de otros lugares llegaban, por ejemplo, a Pueblos de 300 habitantes; jornadas de capacitación para profesionales e idóneos del deporte y del campo de la Recreación; encuentros semanales de adultos mayores que se convertían de enseñantes en plazas públicas; propuestas de reconversión del deporte infantil en ámbitos de promoción social y educativa; apoyos concretos a la discapacidad y al deporte en los municipios; 125 . A pocos kilómetros al sudoeste de La Plata existe una ciudad en escala construida durante el gobierno de Juan Perón entre el 45 y el 55, con dimensiones adecuadas a la niñez, que cuenta con parque de diversiones, y con zonas réplicas de la Pza. de Mayo y del Cabildo 126 . Es de destacar que los niños pertenecientes a sectores alejados del Gran La Plata, generalmente de bajos recursos, no conocían los lugares a que iban, a pesar de vivir en la misma ciudad. 127 . Aquí se trabajó fundametalmente con niños de los barrios que no salían de los mismos y que, por ejemplo, no conocían el mar. 171 apoyatura y acciones concretas en Cárceles, fueron algunos de los programas emprendidos. Tomaba forma con fortaleza aquellas situaciones que eran un sueño y casi utopías: ♦ Gobernar para el Pueblo y desde el Pueblo. ♦ Pensar los campos del Deporte y de la Recreación como promotores de acciones sociales de promoción, alejándonos lo más posible del asistencialismo que tanto sectores de la oposición y del oficialismo pretendían. ♦ Comprometernos con una acción política profunda, transformadora, analítica, crítica que no se sumergiera en los avatares de la politiquería cotidiana. ♦ Construir un imaginario de profesional de la Educación Física comprometido con lo social y con su tiempo. ♦ Entender desde al Deporte en su dimensión social e instrumentarlo desde una esfera de responsabilidad gubernamental. ♦ En ese mismo sentido sentar base para la comprensión del campo de la Recreación como un espacio de lo social. ♦ Concretar acciones gubernamentales en el marco de la Acción Social, promotoras de participaciones críticas que generaban procesos educativos en todos los grupos etáreos de la sociedad. ♦ Promover un camino de concientización del deporte y el campo de la Recreación como un derecho social universal. Y en todo ello rondaba una pregunta: ¿EL PROFESIONAL DE LA EDUCACIÓN FÍSICA EN ESFERAS DEMOCRÁTICAS DE DECISIÓN GUBERNAMENTAL? Muchos años ex jugadores de Rugby, ex corredores de autos, ex deportista de toda clase habían ocupado (y ocupaban simultáneamente a nuestra gestión) las Subsecretarías o las Direcciones de Deportes. También algunos colegas de Educación Física se hacían cargo de muy pocos organismos del área. En todos ellos había algunas cosas en común: • siempre planteaban su acción como si fuera neutra, • como si el deporte no estuviera impregnado de ideología, • como si el deporte federado o el de elite fueran a generar espacios en los sectores populares para la práctica masiva por sólo por mirar a los “grandes” deportistas. • cómo si el deporte nos alejara de las drogas, o nos “encaminara por el ‘buen camino’. Todo en el marco de una clara negación que el deporte era un aspecto más de la sociedad moderna, y que responde a los valores dominantes de dicha sociedad. Estábamos convencidos, y desde allí trabajábamos, que cada tarea estaba inmersa en una fuerte ideología. No importaba que en el equipo hubiera radicales, peronistas, intransigentes, comunistas, y un verdadero crisol ideológico. Nosotros trabajábamos por todo el Pueblo, y nuestra ideología era la promoción y la consolidación de la Democracia, “también” desde la Educación Física y desde el Deporte. Éramos profesionales de la Educación Física y desde ella trabajábamos. Pero nunca perdimos la convicción que éramos capaces de amalgamar la idea de gobernar con nuestra profesión y con nuestro saber construido desde la disciplina., 172 ¿Qué quedo ♣ ♣ ♣ ♣ ♣ En nosotros: Una gran sensación de haber podido construir bases de una acción diferente que favorecía a la edificación de un gobierno popular pero que fuimos cayendo en nuestra propia ingenuidad. Frustraciones de todo tipo cuando desde comienzos del ’86 descubrimos cuanta ingenuidad fue invertida en tanta acción y movilización, sin entramarnos en espacios de estrategia política que no significara “tranzar” con la politiquería, sino fortalecer la propuesta. Alegría al ver que el gobierno siguiente seguía adelante con muchos planes a pesar de ser de otro signo político, y mucha frustración de ver como desde los ’90 una nueva gestión, con el neoliberalismo ya a cuestas, trastocaba tantos valores. Satisfacción de ver como pasados veinte años, habiendo sufrido en los Pueblos la involución del neoliberalismo, aún hoy perduran acciones comenzadas en aquellas épocas. Nuestro compromiso de pensar que aún hoy podemos volver a pensar en un Deporte y en una acción recreativa comprometida desde lo popular en la acción gubernamental, entendiendo a la misma como desde el desarrollo y no desde la sumisión y el esclavismo partidista. Diciembre. 2003 Nuestros hijos y muchos otros hijos nacieron en Democracia. Una Democracia en la que no se come, ni se educa en muchos sectores. Una Democracia donde los partidos populares “vendieron” todo aquello que significaba soberanía popular. Una Democracia donde van presos los pobres por protestar y andan sueltos los que nos hambrean y nos someten Pero una Democracia que aún hay que cuidar. Hoy a veinte años de aquella experiencia hay algo que si nos queda: Nuestro compromiso con lo popular hoy sigue igual en pie. Está en cada aula, en cada gimnasio, en cada propuesta recreativa, siendo ese compromiso el educar para y por la Libertad, entendiendo a ésta no como un espacio individual, sino como aquel que se construye en cada sala de clase, en cada grupo social, en el marco del diálogo y del respeto. Si aquel niño abandonado acompañó con sus manos a su amigo por un día para jugar, construyendo su espacio de vida en ese instante, ¿Cómo no vamos a construir cada día nuestro compromiso con el otro, con los otros y con la Sociedad? El Deporte, la Recreación, no son estamentos aislados de la historia. No son campos neutros sin ideología. Hoy, todos aquellos que creemos aún en una revolución que trastoque la sociedad de la injusticia, de la segmentación, no podemos pensar una sociedad nueva sin un espacio del Deporte y la Recreación comprometida con la transformación, con la lucha y con la Libertad. Nuestro agradecimiento por haber vivido veinte años de Democracia, y porque nuestros hijos hayan nacido en ella. 173 NOVAS CONFIGURAÇÕES DAS POLÍTICAS DE ESPORTES E A CIDADANIA: DIMENSÕES CRÍTICAS DESTA RELAÇÃO Prof. Marcelo Paula de Melo Mestrando em Educação/UFF128 Grupo de Pesquisa Lazer e Minorias Sociais/EEFD/UFRJ129 RESUMO: Este trabalho busca discutir criticamente possíveis relações entre as novas configurações das políticas de esporte e a dita promoção da cidadania. Quem promove estas políticas de esportes? Quais os projetos de esporte presentes nestas ações? O que se está entendendo por cidadania? Quais as relações entre o acesso às políticas de esporte e uma concepção ampliada de cidadania? Qual a implicação disso para o campo do lazer? Tentar debater tais questões é o objetivo deste trabalho. PALAVRAS-CHAVES: lazer, esporte, cidadania. Introdução Constantemente sabemos de programas de esporte, públicos ou privados, que estão contribuindo para o “resgate da cidadania” de crianças, jovens, adultos, idosos, portadores de necessidades especiais, jovens em conflito com a lei, sobretudo pobres. Ou ações solidárias que devolvem a “cidadania” a grupos sociais que em algum momento de sua vida a “perderam”. Qualquer ação que “tire” os jovens da rua é resgate de “cidadania”. Qualquer ação solidária, como filantropia empresarial, ação caridosa de uma Igreja, evento assistencialista de grandes grupos, ou mesmo as novas políticas esportivas de atletas famosos; é “promoção de cidadania”. O termo cidadania tornou-se auto-explicativo. Sua densidade conceitual, sua carga de enfrentamento a uma ordem desigual, foi mimetizado num discurso sem conteúdo. A menção por grupos que, com suas ações tornam o acesso aos chamados direitos de cidadania -que será debatido neste texto - algo quase impossível, é louvado em quatros cantos. Como se o seu convocar fosse suficiente para esclarecer os sentidos e projetos políticos da ação. Promover, resgatar, devolver a cidadania é sinônimo de prática “revolucionária”. Mas neste caso, não temos falando da utopia, que infelizmente anda fazendo falta, de superação do capitalismo, mas de busca de melhorias dentro da ordem. Parece que o horizonte apequenou-se. Ou como aponta Ellen Wood (2003, p. 13) parte significativa dos intelectuais da esquerda, tem procurado novas formas de se relacionar com o capitalismo que não a contestação, “... quando não o abraçam como melhor dos mundos possíveis, limitam-se a sonhar com pouco mais que um espaço nos seus interstícios e prescrevem apenas resistências locais e particulares”130. Neste bojo que se configuram as novas políticas de esporte, principalmente voltadas para o lazer. Com a emergência de novos atores na formulação/implementação 128 . Membro do grupo de pesquisa: Coletivo de Estudos de Política Educacional (PPGE/UFF). . Grupo de pesquisa coordenado pelo Professor Dr. Victor Andrade de Melo. Contato: www.lazer.eefd.ufrj.br. 130 . “No exato momento em que se necessita urgentemente de uma compreensão crítica do sistema capitalista, grandes seções da esquerda intelectual, em vez de desenvolver, enriquecer e refinar os instrumentos conceituais necessários dão amplos sinais de que pretendem abandoná-los” (WOOD, 2003, p. 13). 129 174 dessas políticas, podemos dizer que tal relação se complexifica. Neste caso, estamos falando do chamado “terceiro setor” (MELO, 2003)131. Não é difícil observar políticas esportivas, em geral abarcadas pelo também genérico e auto-explicativo termo “projeto social”, seja de organismos privados, como empresas, Ongs, Instituições Filantrópicas, ou mesmo de órgãos públicos, voltados para essa “promoção da cidadania”. Frente a este constante evocar da “dimensão cidadã” dessas políticas esportivas, debateremos neste texto possíveis relações entre cidadania, esporte e lazer, e seus desdobramentos em programas públicos e/ou privados de esporte. Sobre cidadania Debater cidadania implica em considerar sua interface com outro conceito que também parece ter perdido seu potencial contestatório do capitalismo. Estamos falando da estreita relação entre cidadania e democracia, sendo esta entendida, não apenas como sufrágio universal, indispensável, mas não necessário. Entendemos a democracia como “... a presença efetiva das condições de sociais e institucionais que possibilitam ao conjunto dos cidadãos a participação ativa na formação do governo e, em conseqüência, no controle da vida social” (COUTINHO, 2000, p. 50). Ainda com este autor, vemos a cidadania132 como a capacidade conquistada por todos os indivíduos e grupos sociais de disporem dos bens socialmente produzidos, possibilitando uma vida onde o acesso às criações artísticas, científicas, do plano da subsistência material não seja privado a pequenos grupos. Um regime que se quer considerar democrático precisa contemplar todos os direitos de cidadania. Coutinho, partindo da proposta de T. H. Marshall de separação de direitos em civis, políticos e sociais, analisa o trajeto histórico de implementação ou não na ordem capitalista, bem como as lutas que o engendraram133. Nesta linha, os chamados direitos civis, longe de serem direitos naturais, são conquistas históricas de uma classe a burguesia- frente a outras - clero e a nobreza - na busca de limitar o poder do Estado Absolutista. Contudo, o rechace ao hipervalorização liberal dos direitos civis, não implica em desconsiderar sua importância. Estes não são dispensáveis, mas também não se bastam por si. Como apontou Coutinho, a propriedade não pode ser privilégio de poucos, devendo ao contrário ser socializado, o que implica em radicalização desses direitos. Quanto aos direitos políticos tanto o sufrágio, como a organização dos trabalhadores, foram combatidas por liberais clássicos. Tantos as mulheres como os trabalhadores eram proibidos de votar, por supostamente não terem autonomia. O direito ao voto, como também o direito a organização sindical são conquistas arrancadas pelos trabalhadores e outros movimentos contestatórios, que não faziam parte do ideário liberal. A possibilidade de fazer parte da vida política como eleitor, ou mesmo influindo 131 . A relação entre o “terceiro setor” e as políticas públicas no contexto do capitalismo neoliberal, bem como sua vinculação com a noção de precarização, filantropização e focalização dessas ações não pode ser ignorado. Não obstante, sua vinculação orgânica com as propostas do Banco Mundial para as políticas públicas no contexto do chamado ajuste neoliberal. Ver MELO (2003). 132 . Segundo Coutinho, a cidadania “... não é algo dado aos indivíduos de uma vez para sempre, não é algo que vem de cima para baixo, mas é resultado de uma luta permanente, travada quase sempre a partir de baixo, das classes subalternas, implicando assim processo histórico de longa duração”. (p. 51). 133 . Apenas para reforçar, Marshall de certa forma, traça uma trajetória que defende que primeiro efetivaram-se os direitos civis, depois os políticos e por fim os sociais. Reconhecendo uma certa linearidade nesta proposta, e a não problematização da pouca concretude de tais aquisições em diversas formações sociais, aceitaremos tal distinção para poder problematizar seu processo histórico. 175 diretamente através de organizações como sindicatos, partidos de massas ou movimentos sociais são “invenções” das classes subalternas. São conquistas democráticas conseguidas contra e apesar da burguesia. Por isso, Coutinho (2000) aponta ser no mínimo uma impropriedade teórica e histórica chamar de burguesa uma democracia apenas formal, visto que até isso foi conseguido com luta e contra o projeto político desta classe. Por fim, no debate dos direitos sociais, a possibilidade de afirmação de cidadania torna-se ainda mais difícil no âmbito do capitalismo. Estamos falando do acesso/ permanência às políticas universais de saúde, educação, trabalho, assistência social, lazer, transporte, entre outros. Nos países capitalistas centrais durante o período do Estado de Bem-estar, os trabalhadores, a partir de lutas nos diversos sujeitos políticos coletivos, conseguiram arrancar conquistas, aumentando a rede de proteção social, ao passo que no contexto dos chamados países periféricos do capitalismo, tal possibilidade esteve longe de se concretizar. O acesso a tais direitos foram/são decorrentes das correlações de força entre as classes em lutas. No contexto em que a correlação de forças era favorável às classes trabalhadoras nos países centrais, e nem tão desfavoráveis nos países periféricos, a possibilidade de acesso a tais direitos eram menos difíceis. Assim programas de universalização do acesso à educação, à saúde, e uma rede de proteção mínima ainda se faziam presentes. Por isso, antes de considerar apenas concessão para manutenção da ordem capitalista, podemos ver como conquistas dos movimentos dos trabalhadores. Tais conquistas foram/estão sendo progressivamente atacadas pelo neoliberalismo, reduzindo o universo daqueles que podem ser considerados cidadãos, ou seja, tendo ampla possibilidade de exercer os direitos civis, políticos, e sociais. O exercício da cidadania é amplamente dificultado pela formação social capitalista. Na medida em que os chamados direitos civis são constantemente subjugados, sendo a possibilidade de ir e vir algo que não existe em muitos bairros pobres, bem como a liberdade de expressão, sem falar no direito à propriedade, inexistente para um universo significativo da população, destituído das condições objetivas de realizar tal direito. No que tange aos direitos políticos, a despeito das diversas ditaduras capitalistas ao longo do século, bem como possíveis fraudes nos processos eleitorais, consideramos limitadas as reais possibilidades de participação política num contexto de criminalização da contestação; os constantes ataques aos organismos representativos dos trabalhadores, como os sindicatos ainda combativos e movimentos sociais; além de argüir acerca das possibilidades de participação na vida política da condução da sociedade, num contexto de privatização dos aparelhos de poder. Por isso, causa um certo estranhamento à “frouxidão” conceitual com que se refere à cidadania. Como lembra Arantes (2000, p. 03), tudo vira luta por cidadania, incorporação de direitos, fortalecimento da sociedade civil, espaços de interação, compromisso e participação cidadã. Atentar para um “mimetismo terminológico” que confunde e educa para um perigoso consenso incapaz de compreender os diferentes projetos de sociedade expressos sob uma aparente homogeneidade terminológica é relevante sob pena de sermos envolvidos nessa onda. Esporte, lazer e cidadania Na busca de relacionar esporte, lazer e cidadania não é difícil sabermos de políticas de esporte, sejam públicas ou privadas, sobretudo em bairros pobres, e não apenas destinadas aos jovens, que se autodenominam como promotoras de cidadania. 176 A partir de um certo senso comum de que políticas esportivas que objetivam a formação de novos talentos representam um grande retrocesso, e que isto se relaciona com o projeto esportivo já amplamente criticada no âmbito da Educação Física, e em busca de novos paradigmas para legitimar tais políticas, atrela-se no discurso a relação entre esporte e cidadania. Não mais formar atletas, e sim formar cidadãos134. Sem desconsiderar a importância do lazer na vida em sociedade, e considerando que a condição individual e social de ser cidadão passa pelo acesso/permanência a várias formas de vivenciar este lazer, pensamos ser no mínimo apressado afirmar que “... vivência do lazer pode ser compreendida como o próprio exercício da cidadania...” (LINHALES, 1999, p. 27). Nesta linha, pensamos que o exercício da cidadania passa pela vivência do lazer, mas não se limita a ele. E sendo, como a própria autora aponta, o lazer um tempo/espaço de reflexão relativo a normas e valores que fundam a sociabilidade na sociedade em que estamos inseridos, possibilitando reorganizar criticamente a estrutura social, em seu interior também podem ser dar vivências lúdicas que objetivam a não reflexão ou mesmo a legitimação/naturalização dos valores e normas que regem a sociedade. Por isso, a vivência do lazer, e dos esportes, podem relacionar-se não com um projeto de sociedade democrático, mas sim com a manutenção do atual estados de coisas, como posteriormente apontou Linhales (1999, p. 27). A metáfora utilizada por Linhales (1999, p. 27) “lazer inexistente” , como maneira de expressar vivências lúdicas no lazer com conotação mercadorizada e espetacularizada, é no mínimo pouco esclarecedora. Na lógica da sociedade capitalista em sua fase neoliberal, tal modelo de vivenciar o lazer não é algo extraordinário ou mesmo contraditório, e sim expressão das manifestações dessa concepção de mundo no que tange ao lazer. Assim, é só assim, faz sentido a aproximação do termo, não do conceito, cidadania com práticas de lazer no âmbito de relações sociais marcadas pela égide capitalista. Diversos exemplos desta nova concepção que reúne lazer e cidadania se apresentam. O pulular de Fundações de esportistas135 se insere no bojo das estratégias de consolidação do chamado “terceiro setor”, juntamente com outros organismos. Nesta linha não nos surpreende que tais ações estejam revestidas pela nuvem de solidariedade e altruísmo que marcam este campo. O lazer e os esportes não ficam de fora desta nova onda de “ações cidadãs”, ou como aponta Veja (2001) da ação desses “Gigantes do Bem”. Seja nas ações esportivas das grandes empresas, ou das já apontadas Fundações de atletas, tais áreas não deixam de “engrossar o caldo” do chamado “terceiro setor”. As chamadas ações cidadãs do capital se articulam menos pela dimensão econômica e muito mais pela dimensão simbólica. Mais do que a isenção de impostos obtidos com atuação de tais organismos, a dimensão política de tais ações não pode ser ignorada. Além disso, a proposta “pedagógica” presente neste movimento não pode ser minimizada. A disseminação da noção de “empresa social”, “responsabilidade social das empresas”, “empresa cidadã”; “empresa amiga da criança” representa uma proposta 134 . O capitão do tetra, Dunga, quando perguntado sobre os objetivos da prática esportiva em seu Instituto foi enfático em declarar, que eles trabalham “... inclusão social, gerando oportunidades e formando os cidadãos do futuro” (GLOBO, 2002, p. 14). 135 . Numa rápida pesquisa nos meios de comunicação encontramos as seguintes Organizações: Instituto Ayrton Senna, Instituto Guga Kuerten, Instituto Dunga de Desenvolvimento do Cidadão; Instituto Beneficente Romário de Souza Farias (Romário); Instituto Bola pra frente (Jorginho e Bebeto); Instituto Ronaldinho; Fundação Gol de Letra (Raí e Leonardo); Fundação Cafu, Fundação Jackie Silva (Jaqueline Vôlei de Praia). Grande parte dos parceiros destas organizações são grandes empresas nacionais e multinacionais, além de alguns órgãos estatais federais, estaduais e municipais. 177 política que apresenta o grande capital, financeiro e industrial, como os novos mecenas do social, em detrimento de um Estado que não cumpre nem suas obrigações, independente das razões. Como estratégia de obtenção de consenso, nada mais apropriado à intensa divulgação midiática das ações sociais empresarias, assim como a criação de diversos institutos de grandes empresas, responsáveis por profissionalizar e politizar a velha filantropia empresarial. No caso do lazer e dos esportes, este debate de responsabilização de outros organismos que não o Estado, no caso a dita “sociedade civil” através do “terceiro setor”, podem ter trágicas conseqüências. No caso das outras áreas, com debates mais amadurecidos e legitimidade social do papel do Estado, isto já se configura como um grande avanço das concepções privatistas, em geral corroborando com as concepções atendimento seletivo, precarizado, focalizado, além de não configurar estratégias de afirmação da idéia de direito social. No caso das políticas públicas de esporte que, num quadro de escassez generalizada tende a ficar em segundo plano, embora não esquecida, a noção de implementar “ações sociais” pode corroborar mais ainda para que o esporte não configure no plano do direito, e sim como serviço, que pode ser conseguido ou no mercado da atividade física com clubes, academias e escolinhas pagas, ou então contar com a “solidariedade” de atletas, a “responsabilidade social” de grandes empresas ou então a ação dos voluntários. Ao invés de direito, favor. Sempre disposta a resgatar e promover a cidadania. Não devemos esquecer que práticas conservadoras de abordar o esporte como direito social também estão presentes. A ampliação do acesso e permanência é legitimado por ser considerado um importante meio de disciplinamento e controle da juventude, bem como das possibilidades de evitar o envolvimento juvenil com drogas e violência, além de representar tentativas de dar conta de problemáticas muito além de suas possibilidades. Temos então uma volta de argumentos funcionalistas para legitimar as políticas esportivas. Neste caso, as políticas públicas de esporte “precisam” de outras justificativas que não apenas democratização do acesso e permanência. Não é difícil ouvir assertivas de que o jovem que pratica esporte não se envolve com drogas e crimes; ou argumentos mais conservadores no que tange ao tempo livre, como sendo estes a raiz de todos os males e problemas da juventude; “não tem tempo de pensar besteira”; “não fica fazendo o que não deve na rua”; “mente vazia oficina do diabo”; “saco vazio não pára em pé”. Por trás de argumentações como estas, estão presentes componentes que há muito marcam algumas iniciativas que atendem os jovens pobres. Percebemos claramente a posição de que o jovem se envolveria com o crime por não ter outras coisas a fazer, indicando uma suposta linearidade entre falta de opções de lazer com o ingresso no mundo do crime. Assim, o esporte seria o “antídoto” perfeito para coibir tais práticas, uma espécie de analgésico social, sempre numa perspectiva conservadora de controle social. Nesta concepção, muito difundida em nossos dias, nota-se a associação linear entre a prática esportiva e não envolvimento com drogas e crimes. Sabe-se que programas de esporte, per si, não darão conta da resolução de todos os problemas sociais. Aliás, o esporte não pode ser tratado como a solução de problemas que requerem ações de ordem políticas muito mais incisivas do que simplesmente a criação de programas esportivos. A não ser que se pretenda justamente o contrário: o ocultamento da real gênese desses problemas que, supostamente, está se tentando enfrentar. Tudo sob a alcunha de atuação cidadã. Tornou-se quase que uma palavra mágica: formar cidadãos. 178 Seguindo na luta À guisa de conclusão, notamos como no campo das políticas de lazer, públicas ou privadas, e relação com a cidadania é algo volátil e em geral restrita ao acesso, como definidor. Concebemos o acesso/permanência a práticas lúdicas, como dimensão da cidadania, por relacionar-se com a tarefa de socialização da produção humana, e não com a apropriação privada ou por pequenos grupos da produção de riquezas, seja material ou cultural (COUTINHO, 2000). Neste caso, o lazer e o esporte se inserem no campo dos bens culturais, indispensáveis a condição de ser cidadão, embora não suficiente. Com isso, o constante evocar de ações cidadãs neste campo podem estar indicando um esvaziamento da dimensão política da cidadania de enfrentamento da ordem excludente do capitalismo. Assim, de bandeira de luta contra a organização excludente da sociedade capitalista, objetivando denunciar o acesso/permanência desigual aos bens produzidos pela humanidade, bem como sua apropriação privada, a cidadania torna-se simples palavreado vazio. A existência de programas de lazer/esporte dos organismos do “terceiro setor” para quem vive num contexto de não acesso ou acesso restrito a tais programas, se apresenta como única possibilidade de vivência. A questão não é condenar ou não tais programas a partir de um paradigma moral. O desafio que se apresenta é compreender a matriz política de tais ações, e inventar táticas e estratégias de enfrentamento sejam no plano micro, a partir das relações pedagógicas que ocorrerão nesses espaços, mas também no plano macro do debate de projetos políticos de sociedade. Que sociedade pretende tais ações? Se reduzirmos a existência humana ao campo do possível, do imaginável, poderemos dizer que tais ações são melhores que nada, instituindo uma cultura do “pelo menos”. Sem dúvida, são melhores que nada, mas reduziremos a dimensão da cidadania a apenas ao campo do possível? Sonharemos e lutaremos apenas por um mundo possível? Concordamos com Coutinho (2000, p. 67) de que a luta pela ampliação do acesso/permanência aos direitos de cidadania, choca-se com a lógica de acumulação capitalista, mas que não devemos ver essa contradição como antitético. Por isso, notamos um processo sinuoso de avanços e retrocessos, onde o capital recusa, resiste, e “... é forçado a fazer concessões, sem nunca deixar de tentar instrumentalizar a seu favor (ou mesmo suprimir como atualmente) os direitos conquistados”. Nesta verdadeira roda vida que nos encontramos, sob o difícil e urgente desafio de resistir a ofensiva ideológica do capital em diversas frentes. Referências ARANTES, Paulo Eduardo. Esquerda e direita no espelho das ONGs. In: Cadernos ABONG, nº 27, maio/2000; p. 03-27. COUTINHO, Carlos Nelson. Contra a Corrente: Ensaios sobre democracia e socialismo. São Paulo: Ed. Cortez; 2000. JORNAL O GLOBO. RAZÃO SOCIAL, O espaço da empresa cidadã., 02 de agosto de 2003 LINHALES, Meily Assbú. Lazer, Cidadania e qualidade de vida: reflexões acerca da possibilidade de liberdade e de ação política. Licere, Belo Horizonte, v.2, n.1, p.19-30, 1999 179 MASCARENHAS, Fernando. O lazer e o príncipe eletrônico. Licere, Belo Horizonte, v.4, n.1, p.46-60, 2001. MELO, Marcelo Paula de. Estado e Sociedade Civil em Tempos Neoliberais: discutindo o Terceiro Setor. In: Seminário Nacional Região Metropolitana: Governo, Sociedade e Território, São Gonçalo, UERJ/FFP/DGEO, 2003. Anais... VEJA, Edição Especial. Guia para fazer o bem. Editora Abril, dezembro de 2001. WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra capitalismo: a renovação do materialismo histórico. São Paulo: Editora Boitempo, 2003. 180 LAZER E NATUREZA LAZER E ACAMPAMENTOS DE FÉRIAS: POSSIBILIDADES DE INTERVENÇÃO PROFISSIONAL136 Acad. Cláudia Heringer Henriques137 CELAR/EEFFTO/UFMG RESUMO: Em nossa sociedade atual, as possibilidades de vivências de lazer tem sido valorizadas, na maioria das vezes, como forma de "ocupação do tempo livre" do sujeitos, numa perspectiva funcionalista. Também, nas últimas décadas, se ampliam as reflexões e estudos acerca do lazer, tendo em vista compreender suas possibilidades e limitações, por meio de vivências críticas e criativas. Neste contexto, surgem diferentes espaços preocupados em ofertar atividades para os mais diversos grupos sociais, dentre eles podemos citar os clubes, as colônias de férias, os hotéis fazenda, os acampamentos de férias etc. Este texto tem como objetivo analisar as possibilidades de lazer nos acampamentos de férias, enfocando, especialmente, a discussão sobre a intervenção profissional nesse âmbito. PALAVRAS-CHAVES: lazer, acampamento de férias, intervenção profissional. Introdução Este trabalho tem como objetivo discutir o acampamento de férias como espaço possível para vivências de lazer, tendo em vista ampliar o conhecimento sobre esse local e assim, tentar contribuir com possibilidades de uma atuação profissional qualificada. Como metodologia para essa pesquisa bibliográfica, foi utilizada a técnica de revisão de literatura sobre os termos lazer, acampamento de férias e atuação profissional, e foi desenvolvido a partir de artigos, livros, teses, dissertações, pesquisa na internet, bem como experiências pessoais que surgiram a partir da participação em acampamentos no estado de Minas Gerais. Desenvolvimento Segundo a Associação Brasileira de Acampamentos Educativos (ABAE) (www.abae.org.br), a atividade do primeiro acampamento no Brasil remonta do fim da década de 40. A idéia foi trazida pela Associação Cristã de Moços (ACM) com características semelhantes aos moldes desenvolvidos nos Estados Unidos, e objetivava as vivências de lazer e suas possibilidades de educação. Nesse contexto, um ponto a ser destacado era a ênfase na educação religiosa de crianças e jovens, já que esses espaços estabeleceram grandes vínculos com instituições religiosas, ou quando não eram desenvolvidas por estas. 136 . As discussões aqui desenvolvidas fazem parte do projeto de monografia de final de curso de graduação em Educação Física, intitulado “Analisando a ação profissional no lazer em acampamentos de férias”, desenvolvido sob a orientação do Prof. Hélder Ferreira Isayama. Esse projeto tem como objetivo conhecer e analisar o planejamento, a metodologia de trabalho e a avaliação das atividades realizadas em acampamentos de férias, tendo como base os estudos críticos desenvolvidos sobre o tema. 137 . E-mail: [email protected] 181 Um outro dado encontrado no estudo de STOPPA (1999) demonstra que um grupo de pessoas interessadas e preocupadas com o futuro da juventude brasileira criaram, no interior de São Paulo, o Acampamento Técnico Educacional Paiol Grande em 1946, após experiências realizadas na Europa e Estados Unidos. Essa iniciativa tinha como finalidade proporcionar um espaço de convivência “sadia” e “alegre” para jovens, onde a camaradagem e o lazer estimulariam uma vivência prazerosa e feliz, num contexto fraterno de direitos e deveres. A primeira temporada foi realizada nos meses de janeiro e fevereiro de 1948, com cerca de 70 participantes entre 10 e 16 anos, restringindo a atividade apenas a crianças e adolescentes do sexo masculino. No entanto, em Julho de 1949 foi realizada a primeira temporada que contou com a participação de 17 pessoas do sexo feminino. Em pesquisa realizada no site da ABAE encontrei uma referência que sugere a criação, em 1953, do primeiro acampamento totalmente brasileiro, (o Nosso Recanto). Essa instituição tinha como objetivo proporcionar lazer a crianças e jovens no período das férias escolares. A proposta estava associada à possibilidade de continuidade do trabalho realizado no contexto escolar reforçando a associação dessas experiências com a educação. Analisando esse material, questões se fazem presentes: porque esse acampamento era considerado “totalmente brasileiro”, se até os dias de hoje percebemos enorme influência do formato americano nesses espaços? Qual o significado de “totalmente brasileiros”? No site da ABAE, identifiquei que em sua grande maioria os acampamentos Brasileiros surgiram, no estado de São Paulo, durante a década de 70, o que demonstra a existência de espaços com mais de 25 anos de funcionamento em nosso país. Para essa análise, gostaria de ressaltar a diferença entre acampamento, campismo e acantonamento. O campismo pode ser entendido como uma prática que pode ocorrer através da ação de clubes e parques, que oferecem o local aos interessados que criam suas próprias estruturas e meios de acampar, muitas vezes por meio do uso de barracas. Assim como no campismo, o acantonamento não apresenta uma infra-estrutura específica para sua prática, podendo ocorrer nas dependências de uma escola, igreja etc. Dessa forma, utiliza-se de espaços alternativos para passar a noite e participar de atividades programadas previamente. Já o acampamento de férias é visto como uma atividade realizada periodicamente com duração de alguns dias ou até semanas, reunindo, principalmente, crianças e adolescentes em um espaço que possui uma infra-estrutura adequada (quartos e banheiros coletivos, refeitório, área para atividades). Além disso, conta com ação de animadores socioculturais planejando, executando e avaliando as ações desenvolvidas. Com relação às propostas apresentadas encontrei uma diversidade de objetivos, dentre eles: o divertimento e desenvolvimento das crianças e adolescentes; a formação dos participantes através do lúdico; a idéia de proporcionar aos acampantes lazer e desenvolvimento pessoal; a educação através da diversão; o despertar do interesse do público alvo para o aprendizado de línguas estrangeiras por meio do lazer, esportes e brincadeiras entre outros. Ao meu ver, é importante destacar a promoção do lazer através de um ambiente que cria e mantêm o estabelecimento de aspectos educacionais, bem como a formação e o recreio para as crianças e jovens de ambos os sexos. Neste contexto penso que essa vivência pode promover o conhecimento de si mesmo, do outro e do mundo que nos cerca, incentivando a amizade e abrindo possibilidades para a formação dos sujeitos: Imagine um lugar onde a criança ou o jovem encontre novas amizades, desafios, momentos de alegria, incertezas, realizações, aventura... um lugar onde os adultos atuem com carinho 182 e respeito à individualidade, à origem e aos sonhos de cada um. Onde o correr, o brincar, o jogar e interagir com natureza sejam caminho para um momento de crescimento e desenvolvimento do grupo (www.abae.org.br) Em termos de infra-estrutura, os acampamentos de férias são realizados em sítios ou fazendas com instalações esportivas e de lazer tais como: ginásio coberto; salão de jogos; teatro e discoteca; parede de alpinismo; horta; animais; lago para pescaria e barcos; cama elástica; trilhas ecológicas entre outros. Muitos deles apresentam conforto com dormitórios amplos, banheiros, refeitórios com cozinha e enfermaria, e são utilizados nos períodos de férias escolares, feriados e finais de semana envolvendo diferentes faixas etárias. Com relação aos profissionais que atuam no espaço, entendo que estes precisam estar preocupados com o ser humano em seu aspecto mais amplo, e devem elaborar projetos que objetivem o desenvolvimento da autonomia e da capacidade crítica dos participantes durante cada nova temporada. A estruturação da ação desse profissional deve levar em consideração a importância dos acampamentos como espaço para a educação informal, uma vez que muitos locais o entendem como uma extensão da escola. Essa vinculação com a educação nos faz supor que as atividades desenvolvidas têm um objetivo e um propósito a ser alcançado. A Associação Brasileira de Acampamentos Educativos já demonstra em seu próprio nome essa estreita relação estabelecida e nos remete a pensar na importância da intervenção profissional nesse contexto. Mas é preciso analisar qual a finalidade dos acampamentos na perspectiva educacional. CURY (1975) nos fala que a educação pode, por um lado, assegurar definitivamente a reprodução do sistema atual por meio da adaptação e do ajustamento dos indivíduos à sociedade. Por outro lado, pode ser considerada como um “fermento de transformação”, poderoso meio de mudança na sociedade atual. a educação pode manter, portanto, as práticas da exploração e da dominação, tão presentes em nossa realidade, ou ainda, provocar, como momento dessa prática, um saber crítico e criativo. E nesse contexto, BONACELLA (1985) nos lembra que em muitos acampamentos, se utiliza o sistema de reforço para conduzir os participantes a comportamentos que julgam adequados. O autor cita a estratégia de recompensas utilizada para que os acampantes arrumem os quartos, as malas etc., o que pode viciar as crianças a não procurar enxergar nas coisas que faz um porque essencial, passando a realizar essas tarefas “porque foi mandado”, ou “para ganhar tal coisa”. Essa situação pode encaminhar para uma educação conformista, anulando o senso crítico e de observação. Pode ainda, distorcer o esquema de valores e propicia uma relação baseada em “chantagens”. Nesse caso, a educação/adestramento deveria, ao meu ver, ceder espaço ao esclarecimento e à liberdade. As atividades nos acampamentos são, em sua maioria, determinadas e organizadas pelos coordenadores de atividades, e executadas pelos animadores socioculturais, baseado, principalmente, na faixa etária dos acampantes. Algumas das atividades mais comuns são gincanas, olimpíadas, trilhas ecológicas, noite de talentos, oficinas de arte, culinária entre outros. Existe assim, uma extensa programação para todos durante toda a temporada. Cabe ressaltar que os seis conteúdos culturais do lazer: artísticos, intelectuais, manuais, físico-esportivos, sociais e turísticos são contemplados nas mais variadas atividades realizadas nesse espaço. Contudo, segundo Marcellino (1990), para que haja uma participação efetiva nessas atividades é preciso que os sujeitos entendam a importância de cada conteúdo, e que, participem de maneira expontânea considerando o exercício crítico e criativo do lazer. 183 O que se pode verificar nas propostas presentes na home page da ABAE é a pouca fundamentação teórica e entendimento restrito sobre o lazer nos acampamentos de férias. Tenho que destacar também que há poucas informações e estudos referentes ao tema que possam auxiliar a ampliação das possibilidades de ação do profissional nesse local específico. Em geral, os acampamentos possibilitam relações entre os participantes, e dos participantes com os animadores sociocultural. Essa relação vai se estreitando no decorrer da temporada, uma vez que, os acampantes passam a maioria do tempo com os profissionais e os colegas de quarto. O que se verifica é que a figura do animador tem grande importância e sua ação pode determinar um modelo de conduta, principalmente por estar em um lugar de destaque, a frente das atividades, motivando e compartilhando experiências durante sua intervenção profissional. Esse dado nos faz refletir ainda mais sobre a necessidade de qualificação desses profissionais. Os coordenadores são os responsáveis pela seleção da equipe de animadores, que podem ser de diferentes áreas, tais como: educação física, educação, biologia, artes, dança, psicologia, turismo etc. Essa diversidade de profissionais pode ser muito interessante se caminharmos para a implementação de um projeto de ação interdisciplinar. Penso que essa equipe deva ser continuamente capacitada e treinada para atender os objetivos de cada acampamento, temporada e grupo específico. No entanto, o que se verifica é que o treinamento dos animadores socioculturais consiste, principalmente, em uma preparação técnica, no qual ele aprende sobre a organização do acampamento, suas funções e responsabilidades. Essas informações permitem que o profissional acompanhe o ritmo e as ações diárias desenvolvidas, mas muitas vezes, não permite uma intervenção qualificada nesse âmbito. Dentre os profissionais que atuam nos acampamentos, podemos destacar: os animadores socioculturais (chamados de monitores) que são responsáveis por um quarto durante a temporada; devem incentivar os acampantes para que arrumem as camas, as malas; auxiliar no momento das refeições, dos banhos e da integração social e por fim, desenvolver todas as atividades programadas pelos coordenadores. Já os coordenadores tem como função a organização de toda a programação distinguindo as faixas etárias; determina quais profissionais irão atuar nas atividades e organiza todo o horário do acampamento. Em minha vivência nos acampamentos pude perceber que os coordenadores geralmente são animadores que adquiriram experiência e se destacam por sua conduta e espírito de liderança. Já os animadores passam por um processo de seleção que é feito através de entrevista pessoal e análise do candidato, geralmente, em um final de semana no acampamento. Alguns requisitos para se tornar um animador sociocultural incluem ter mais de 17 anos e ter vontade e facilidade para conviver com crianças e adolescentes. MARCELLINO (1995), nos fala sobre a atuação do profissional e afirma que, muitas vezes, sua ação acontece sem nenhum embasamento teórico sobre o lazer, utilizando como referencia, principalmente, os “manuais” recreativos da área. Esse tipo de intervenção sugere uma prática de atividades descontextualizadas, privando os participantes de uma construção coletiva e participativa e em geral, é isso que percebemos também em alguns acampamentos de férias. Do meu ponto de vista o profissional do lazer que atua em acampamentos, deve trabalhar a partir das necessidades das pessoas, de acordo com a cultura vivida. Além disso, deve entender que sua ação é essencialmente pedagógica e de grande importância para os sujeitos, podendo ser embasadora de novos valores para a efetiva 184 participação no lazer. Para que o lazer aconteça de forma espontânea, gerando uma consciência crítica e criativa capaz de garantir uma efetiva participação, é preciso aumentar o grau de informação dos participantes. AYOUB (1993) afirma que para o profissional do lazer: O grande desafio que se lhes é apresenta é o de trabalhar objetivando uma educação pelo e para o lazer (duplo aspecto educativo do lazer – veículo e objeto de educação), que possibilite a vivência dos diferentes conteúdos culturais do lazer, nos vários gêneros, intencionando a superação de níveis conformistas a críticos e criativos, contribuindo, assim, para gerar atitudes críticas criativas que certamente influenciarão outros campos da atividade humana (1993, p.50). Considerações finais Analisando a relação entre lazer e acampamentos de férias, na perspectiva da intervenção profissional, concordo com STOPPA (1999) que profissionais devem trabalhar em busca do desenvolvimento pessoal e social dos participantes apresentando um lazer capaz de ser veículo e objeto de educação. O lazer seria entendido, assim, como um espaço possível de questionamento e transformação da sociedade, na qual a própria criança frequentadora dos acampamentos está inserida. No entanto, cuidados devem ser tomados para que a ação dos animadores não permita a negação do lazer nos acampamentos de férias. Através deste texto introdutório foi possível compreender melhor esse espaço de intervenção profissional e as relações interpessoais que ali acontecem. Essas relações se dão, na maioria das vezes, de forma hierarquizada, onde os coordenadores programam as atividades, e os acampantes participam de forma passiva, o que nos faz pensar que esses espaços podem não possibilitam o diálogo e a construção coletiva. No entanto, acredito que os acampamentos podem constituir uma rica possibilidade de crescimento e desenvolvimento dos participantes através do lazer, abrindo caminhos para a participação em diferentes vivências culturais, consolidando, dessa maneira, as três importantes funções do lazer destacadas por DUMAZEDIER (1973): descanso, divertimento e desenvolvimento. Para tanto, é fundamental a qualificação dos profissionais que irão atuar no campo, a partir de estudos mais aprofundados sobre o espaço e sobre as vivências de lazer da população. Finalmente, é preciso lembrar que os acampamentos de férias estão presentes em nosso contexto sociocultural, há muitos anos, no entanto, a sua compreensão ainda é pequena e carece de aprofundamentos no âmbito dos estudos do lazer, tendo em vista auxiliar a fundamentação para o trabalho desenvolvido. Referências AYOB, Eliana. Interesses físicos no lazer como área de intervenção profissional. dissertação de mestrado em Estudos do Lazer, Faculdade de Educação Física da Unicamp. Campinas,1993. BONACELLA, Paulo H. Acampamento de Férias: Parar para pensar. Corpo e Movimento, ano II, no 5, nov.1985. CURY, Carlos Roberto Jamil. Educação e contradição: elementos metodológicos para uma teoria crítica do fenômeno educativo. 6ª. ed. São Paulo: Cortez, 1995. DUMAZEDIER, Joffre. Lazer e cultura popular. São Paulo: Perspectiva, 1973. MARCELLINO, Nelson Carvalho. Pedagogia da animação. Campinas: Papirus, 1990 185 MARCELLINO, Nelson Carvalho. Estudos do Lazer: uma introdução/ O conteúdo do lazer. Campinas: Papirus, 1996 MARCELLINO, Nelson Carvalho (org.). Lazer & Empresa: Múltiplos Olhares. São Paulo: Papirus, 4a edição, 2003 STOPPA, Edmur. Acampamentos de Férias. Campinas: Papirus, 1999. Associação Brasileira de Acampamentos Educativos <www.abae.org.br >acessado em 26 Maio 2003 186 LAZER E ESPORTES NA NATUREZA FACE À EDUCAÇÃO AMBIENTAL: ENTRE O POSSÍVEL E O NECESSÁRIO 138 Prof. Cleber Augusto Gonçalves Dias Grupo de Pesquisa Lazer e Minorias Sociais/EEFD/UFRJ139 RESUMO: O tema a ser tratado neste artigo, diz respeito a algumas reflexões quanto as possibilidades e necessidades de uma educação ambiental oferecidas por vivências de lazer na prática de esportes na natureza. Inicialmente, apresentamos os fundamentos de caráter filosóficos e epistemológicos, que justificam a urgência no tratamento das questões ambientais, que acabam popularizando e disseminando a prática deste tipo de modalidade. Essas práticas são aqui compreendidas enquanto possibilidade de usufruto do tempo disponível para o lazer, e é nesse sentido, que analisaremos, as adequações, relevância e atualidade oferecidas pelo diálogo entre os conteúdos de lazer, presente nas práticas esportivas na natureza, e os pressupostos metodológicos da educação ambiental. PALAVRAS-CHAVES: lazer; esportes na natureza, educação ambiental. Introdução O que está em questão é a maneira de viver daqui em diante sobre esse planeta, no contexto da aceleração das mutações técnico-científicas e do considerável crescimento demográfico [...] Não haverá verdadeira resposta à crise ecológica a não ser em escala planetária e com a condição de que se opere uma autêntica revolução política, social e cultural, reorientando os objetivos da produção de bens materiais e imateriais. Felix Guattari (2003, p.p. 8-9) O momento histórico em que vivemos pode ser caracterizado por um profundo quadro de crises e contestações que se abatem sobre inúmeras áreas de atuação humana. Crises paradigmáticas que permeiam desde questões referentes a reflexões do universo científico, até as de ordem social e cultural. A configuração dessa crise – tão comum e freqüente no universo acadêmico – diz respeito, em última análise, a questionamentos do caráter racional e utilitarista assumido pelas sociedades ocidentais, com sua exacerbada exaltação aos valores pragmáticos, orientados pura e tão somente a lógica do mercado e da lucratividade. A partir dessas formulações, o pensamento contemporâneo passa a cada vez mais, pôr em dúvida os valores e fundamentos epistemológicos mais elementares de toda a cultura ocidental. Uma enorme incredulidade permeia as formulações teóricas contemporâneas, e desmoronam com as certezas e convicções do passado. Nesse cenário, uma questão em especial ganha nobre vitalidade: é a crise ambiental. Pois é a crise ambiental que acaba por marcar os limites da racionalidade moderna, e emerge como tema fundamental a ser tratado ate mesmo pelas agendas governamentais. Por conta disso, o movimento ambientalista ganhou força, e a educação ambiental passou a ser formulada com um corpo teórico mais sólido. Partindo do pressuposto de que a origem da atual crise ambiental está no sistema cultural da sociedade industrial, ou em outras palavras, a crise ambiental representa com fidedignidade a crise de toda uma civilização, pretendemos aproximar 138 . Agradecemos ao Prof. Dr. Edmundo Drummond Alves Júnior, pela paciente, atenta e crítica leitura, além dos valiosos comentários e indispensáveis sugestões. 139 . Grupo de pesquisa coordenado pelo Professor Dr. Victor Andrade de Melo. Contato: www.lazer.eefd.ufrj.br. 187 teoricamente, os esportes na natureza, enquanto manifestação própria e vivência característica do lazer; e os pressupostos metodológicos da educação ambiental, apontando as similitudes existentes entre ambas as manifestações. Educação ambiental e revolução epistemológica O cerne das discussões que se desenrolam no movimento ambientalista, é de que a crise ecológica reflete a crise de toda uma civilização. De acordo com esses argumentos, a crise ecológica seria fruto de uma determinada forma de conceber o mundo natural e social. Estamos aqui nos referindo a dicotomia existente entre natureza e sociedade proveniente do projeto científico modernista, que idealizava exercer controle, domínio e simplificação do mundo. Essa mesma lógica que tem sido apontada por muitos como responsável por aquilo que se convencionou chamar de crise na cultura ocidental, pois os referenciais mais elementares que orientam o agir humano, estariam então, estremecidos. É essa crise que tem sido freqüentemente associada a crise ecológica, pois como menciona Alvarez (2002): [...] a problemática ambiental ligada, por sua vez, a outras questões não menos importantes, como a crise econômica, armamentista e energética, e a deteriorização da vida nos países de terceiro mundo e nas grandes cidades dos países industrializados, com graves repercussões na saúde e na deteriorização das relações humanas (p.31). Essas ligações podem ser consideradas como causadoras do interesse pelas questões propriamente ambientais. Entretanto, outro fator significativo para tal difusão, tem sido a ampla comercialização de imagens sensacionalistas que criam no imaginário popular um cenário catastrófico e alarmista quanto a degradação do meio ambiente, criando a incerteza e gerando um medo global diante da possibilidade de extinção da vida humana. Esse crescente interesse contribui também para a formulação da idéia de que uma mudança de atitude frente ao meio ambiente deveria iniciar-se. Mas a associação entre crise ambiental e os demais aspectos da vida social e política, reflete um problema maior, de caráter filosófico, que é a dificuldade de legitimação da cultura ocidental, ou em outras palavras da modernidade, representada pelo paradigma mecanicista-cartesiano. Tal concepção filosófica acaba por estabelecer uma visão de mundo, que cria uma dicotomia entre homem e natureza; os coloca em pólos antagônicos, e ainda mais, põe o homem em posição exterior e de superioridade frente a esta, e inaugura uma ética antropocêntrica, onde a natureza é simplesmente instrumentalizada em função dos seus interesses. E é neste tipo de concepção de mundo, que repousa o ideal modernista de que o desencantamento dos mistérios da natureza, a fazer-se através de uma racionalidade científica, livraria a humanidade. O ideal modernista não se concretizou, e a crença na racionalidade científica–positivista começava a ser contestada, pois conforme nos fala Adorno & Horkheimer (1985) “a Terra totalmente esclarecida, resplandece sob o signo de uma calamidade triunfal.”(p.19). A catástrofe aqui, pode ser compreendida para além dos desastres ecológicos, que por si só, já representariam algo digno de nota, mas que pode ser ampliada para a verificação de que outras “catástrofes” se fazem presente em nosso cotidiano. Nos referimos as imensas mazelas sociais; as condições exploratórias a que se expõem milhares de trabalhadores urbanos e rurais; o abismo social provocado pela má distribuição de renda entre países desenvolvidos e periféricos, ou mesmo entre os 188 cidadãos mais ricos e mais pobres; e uma infinidade de situações recorrentes a sociedade capitalista. A crise ambiental é a crise da civilização ocidental; é a crise do capitalismo, pois como bem afirma McLaren e Farahmandpur (2002) “o capitalismo é mais que uma lição circunspecta para historicistas; ele oferece a demonstração ideal para a tragédia da espécie humana” (p. 27). Ainda como exemplo do nefasto e predatório quadro capitalista, citemos a emergência e cristalização de uma ética pragmática, que ocasiona a expansão de um consumismo desenfreado, que só reitera a valorização da natureza enquanto as possibilidades de utilização imediata, enquanto valor de uso. O que estamos tentando evidenciar com isso, é nossa posição de que a instrumentalização da natureza, manifesta na atual crise ecológica, é a essência de muito dos problemas que enfrentamos atualmente, pois “o próprio paradigma industrial capitalista jamais teria se sustentado, e mesmo iniciado, sem que a natureza tivesse sido completamente objetificada.” (GRÜN, 1996, p.43). Logo, para se efetivar, o projeto de educação ambiental deve acontecer através de uma difusão de valores ecológicos capazes de transformar a realidade, ao invés de se restringir a transmissão de informações sobre o meio ambiente. O objeto da educação ambiental não é propriamente a ausência de conhecimentos ecossistêmicos, a desinformação a respeito dos aspectos ecológicos. Antes disso, é a própria visão de mundo instrumental que favorece uma atitude utilitarista, face aos valores culturais da nossa sociedade. (LAYRARGUES, 1999, p.139) Entretanto, devemos salientar que “a educação ambiental não é neutra, é ideológica” (ibid., p.140), e isso significa dizer que qualquer projeto de educação ambiental deve considerar os aspectos políticos, econômicos, culturais, sociais e éticos (ibid., p.137), já que o próprio problema ambiental é conseqüência dessa complexa relação. Na tentativa de redefinir os referencias dessa ética pragmática - utilitarista, que a tudo instrumentaliza, em função, principalmente, das exigências mercadológicas postas pela lógica da lucratividade, própria da sociedade capitalista, é que elegemos o fomento de valores ecológicos, não como salvação messiânica das contradições sociais a qual estamos imersos, mas como possibilidade de questionamento de tais circunstâncias a partir do redimensionamento da simbiótica e inextricável relação entre homem e natureza. Contestações e questionamentos endereçados a lógica empírica-cartesiana, e seu paradigma do conhecimento, trazem à tona a necessidade de reformulação dos eixos epistemológicos da nossa cultura. E a educação ambiental cuja tarefa, “é proceder uma tematização a respeito dos valores que regem o agir humano em sua relação com a natureza.” (GRÚN, op.cit., p.22) pode ser ferramenta extremamente útil na tentativa desta reformulação, já que tem intrinsicamente uma lógica complexa, globalizante e transdisciplinar. O lazer como veículo de educação ambiental Para operacionalizarmos nossa teleologia ambiental de ruptura paradigmática expressa acima, optamos por fazê-la pelo viés do lazer. Obviamente, essa decisão não se deu ao acaso. A legitimidade desta aproximação está no fato do lazer ser um fenômeno contemporâneo e que tem permeado as discussões sobre as dimensões da essência humana. 189 Para além disso, podemos interpretá-lo como fenômeno social historicamente produzido, e sendo assim, cheio de tensões oriundos do estabelecimentos de complexas relações entre este, e os aspectos econômicos, políticos e sociais da realidade. Exatamente por isso, é que vemos neste fenômeno a possibilidade de questionamento da ordem social, devido a sua configuração não-neutra; propriamente ideológica “educar pelo lazer significa aproveitar o potencial das atividades para trabalhar valores, condutas e comportamentos” (MELO & ALVES Jr. 2003, p.53). Obviamente que o próprio lazer guarda suas facetas pejorativas e ponderáveis, sob uma ótica de reordenação paradigmática e epistemológica, tal como a defendida ate aqui. Estamos nos referindo as concepções funcionalistas do lazer, que acabam por se apropriar do fenômeno para fins utilitaristas e mercadológicos, haja visto sua valorização como um mercado rentável e promissor, onde o consumo “vem definindo novos contornos e determinações para o lazer” (WERNECK, 2002, p.31). Um exemplo disso, encontramos na indústria do entretenimento e do turismo, e especificamente sobre este último, salientamos a possibilidade de sua composição como opção para o usufruto do tempo disponível para o lazer. O problema que se coloca nesse caso, é a impertinência das práticas turísticas estarem demasiadamente impregnadas por uma lógica do capital e sua conseqüente, e inevitável, desapropriação dos conteúdos éticos. Uma proposta de educação ambiental que pretende valer-se de referenciais de valores humanizadores e democratizantes; correria o risco de cair nas tentadoras e maléficas teias do consumismo. Ao compreendermos a ambigüidade presente nas atividades de lazer, situando-as entre a manutenção e a superação da ordem social, explicitamos nossa compreensão de que momentos de opressão e resistência compartilham o mesmo espaço. Entretanto devemos ter sempre em mente nosso projeto de reordenação dos fundamentos que orientam nossas práticas sociais cotidianas, em especial nossa relação com a natureza. É nesse sentido que devemos nos valer dos conteúdos do lazer como um espaço de questionamento e superação do sistema social vigente. E consideremos que as práticas de lazer não se prestam tão somente ao entretenimento ou preenchimento do tempo disponível, mas exatamente o oposto disso, prestam-se ao questionamento da ordem social vigente, já que o próprio lazer, enquanto fenômeno, constitui uma dimensão cultural, historicamente produzida e acumulada da qual podem emergir valores capazes de questionar a atual estrutura social, ao mesmo tempo que representa mais um aspecto administrado pela lógica do mercado (MELO & ALVES Jr. op.cit.). E mesmo a apropriação do lazer como expressão transformadora, pode flutuar entre uma remota possibilidade e uma urgente necessidade; onde diante do atual quadro de desestabilidade social gerado pela lógica capitalista, nos coadunamos com a posição de Melo & Alves Jr., quando afirmam que “os momentos de lazer não podem140 ser compreendidos como instantes de alienação, desconectados da realidade social.”(ibid., p.51). Trata-se então de “[...] considera-lo como tempo privilegiado para a vivência de valores que contribuam para mudanças na ordem moral e cultural. Mudanças necessárias para a implantação de uma nova ordem social.” (MARCELLINO, 2002, p.p 40- 41). 140 . O grifo é nosso. 190 Vivencias de lazer e esportes na natureza Presenciamos hoje, uma crescente popularização das práticas esportivas na natureza, e esta configura uma possibilidade de vivência do tempo disponível para o lazer. Sua principal característica é a utilização de espaços naturais para sua prática. Posto isso, consideremos agora que existe uma crença geral de que o íntimo contato do homem com a natureza, já seria suficiente para transformar a maneira pela qual ele relaciona-se com esta, trazendo em sua prática, intrinsicamente, a necessidade de uma consciência ambientalista. Entretanto, o surgimento da indústria do entretenimento, do lazer e do turismo - e agora do ecoturismo - como promissores e já lucrativos mercados, já explicita a incorporação desse tipo de prática por esse mercado, que permite “sua interpretação como mais um artifício para a continuidade da reprodução da lógica capitalista.” (SERRANO, 2002, p. 7). Tal incorporação nos suscita a uma reflexão acerca desta conjugação, pois representa a adaptação e codificação de uma experiência corporal de lazer a uma filosofia cartesiana – instrumental com sua subseqüente ideologia liberal cientificista, que traz em seu bojo elementos intrínsecos a tal concepção filosófica, tais como a valorização e exaltação da performance e a dominação e instrumentalização da natureza. Nesse caso, as vivências de lazer na natureza passam a ser mediadas por relações de consumo; valores pragmáticos e utilitaristas, já que envolvem o desenvolvimento de toda uma indústria de produtos e serviços relacionadas aos esportes na natureza. Contudo, não desconsideramos a dimensão educativa dessas vivências para que se potencialize um projeto de educação ambiental coerente com o desejo de transformação do arcabouço espistemológico que permeia nossa atual relação com a natureza, mas para bem longe disso, reconhecemos e valorizamos tal dimensão, pois comforme nos afirma Serrano (ibid.): O recurso às viagens para estudos do meio como meio de ruptura da compartimentação do saber e para o estímulo à construção singular do conhecimento, facilitada pela experiência direta, coloca-se de modo privilegiado por tudo o que pode oferecer, analogamente aos momentos de lazer, de favorável a sensibilização e à percepção. (p.12) O reconhecimento do potencial educativo de tais atividades deve em primeiro lugar fazer-se com cautela, para que não se operacionalizem como prática compensatória, pois assim, a ida a um desses locais, representaria uma mudança no local de intervenção, mas os pressupostos filosóficos e metodológicos continuariam os mesmos. E reinteramos a urgente necessidade de que ambas as variáveis: o lazer na natureza e a própria educação ambiental sejam compreendidas a partir de uma perspectiva crítica. “Procurar a natureza para lazer, descanso e relaxamento seja através da contemplação, seja através da “adrenalina”, não deve servir para que esqueçamos o humano que marca nosso cotidiano, mas para que reflitamos sobre ele” (ibid. p.17). Nessa perspectiva, o contato com a natureza já nos permite ensaiar uma ruptura com nossa forma de relação com a mesma, e ainda mais quando este contato se dá mediado por vivências de lazer e esportes na natureza, pois nesse tipo de vivência “está em jogo muito mais uma relação de contrato, de negociação com os elementos da natureza, do que uma relação de domínio e controle” (VILLAVERDE, 2001, p.110). É a necessidade de relação dialógica, de sintonia com os elementos naturais, imposta pela prática de esportes na natureza que potencializa a difusão de um sistema de valores necessários à mudança de postura e consciência ambiental, pois a imprevisibilidade característica desses esportes, faz com que seus praticantes tenham 191 que sincronizar suas ações a diversos outros elementos, o que traz por conseqüência, o redimensionamento do paradigma moderno que concebe homem e natureza como pólos distintos. Para que as ações dos esportes na natureza sejam bem sucedidas é preciso que homem-natureza sejam encarados em uníssono. Como bem nos alerta Villaverde (ibid.), a essência desse tipo de prática, é presidida por uma lógica predominantemente estética, ou seja, as práticas de lazer nos esportes na natureza, não assumem compromissos com paradigmas performáticos ou de produtividade. Trata-se de um desempenho muito mais guiado pela habilidade e beleza dos gestos do que por sua funcionalidade, mais pelo prazer do que pela sua utilidade. Trata-se do triunfo do estilo sobre a força [...] passam a ser dirigidas antes de mais nada pela sensibilidade. Tratase de sentir, experimentar, compor e negociar (ibid., p.110). E o autor continua dizendo: O que é importante reter é que elas apresentam, exatamente pelo que trazem de novo na relação com o corpo e com a natureza, uma possibilidade concreta de exercitar uma nova relação consigo próprio, de vivenciar de forma diferente o mundo e de experimentar formas renovadas de sociabilidade e de relação com a alteridade. Tal exercício deve visar sobretudo subjetividades autônomas, capazes de, entre outras coisas, contrapor-se aos apelos constantes da lógica da superprodução capitalista e do consumo [...] (ibid. p.112) Ao considerarmos os esportes na natureza enquanto fenômeno próprio do Lazer, e colocar este último nestes termos, estamos tentando vincula-los aos pressupostos de uma educação ambiental, que como já mencionamos, requer uma reorientação, um questionamento para com o paradigma cartesiano e aos seus valores subjacentes. A dimensão estética, contemplativa, presente nessas práticas, é que viabiliza de maneira lúcida e tangível sua articulação com a ética, imprescindível ao questionamento paradigmático reclamado pela educação ambiental, pois “determinadas percepções, sensibilidades podem se ajustar ou contestar um determinado conjunto de valores” (MELO, 2002, p.45). Conclusão Diante da crise ecológica, que em sua essência retrata uma crise civilizatória, apontamos a necessidade de lançarmos um novo olhar, crítico e questionador, sobre os princípios filosóficos e epistemológicos que orientam nosso agir cultural. Citamos a valorização da acumulação de bens, e em última análise, a incorporação dos principais temas sociais pelo mercado. Esse último ponto é um problema que se manifesta tanto no âmbito da educação ambiental, quanto do lazer. E no afã de buscarmos vivências de lazer mais significativas e comprometidas, que possibilitassem a referenciada transformação social e epistemológica, tentamos fazer uma aproximação entre os esportes na natureza, o lazer e a educação ambiental, apontando não só sua urgência e necessidade mas também suas reais possibilidades, já que este primeiro elemento, pode funcionar como um mediador, um elo de ligação, entre as particularidades da educação ambiental e do lazer, por contemplar ambas as perspectivas. Não pretendemos com um projeto de educação ambiental determinar de maneira pronta e acabada o rumo da construção das subjetividades, mas sim, através de vivências de lazer pela prática de esportes na natureza, apresentar uma nova maneira de 192 se relacionar face à natureza, e com isso possibilitar um novo pensar, agir e sentir não só ante as questões propriamente ecológicas, mas também aos elementos políticos, econômicos e sociais que permeiam inextricavelmente tais práticas, configurando assim o caráter ideológico dessa forma de educação, capaz de subsidiar uma verdadeira e radical revolução na realidade social. Referências ADORNO, Theodor. Indústria cultural e sociedade.São Paulo: Paz e Terra. 2002. ______________ & HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. ÁLVAREZ, Maria et all.. Valores e temas transversais no currículo. Porto Alegre; Artmed, 2002. GUATTARI, Félix. As três ecologias. 14 ed. Campinas, SP: Papirus, 2003. GRÜN, Mauro. 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Para captarmos o imaginário dos praticantes de rafting e, ainda, analisarmos esse esporte dentro dos seus discursos, primeiramente, fizemos uma investigação nos discursos dos praticantes veiculados por meios de comunicação como os sites da internet, revistas especializadas em esportes de aventura e risco na natureza, posteriormente fizemos uma entrevista exploratória e chegamos as sete palavras indutoras: aventura, risco, cooperação, esporte, rafting, natureza e diversão. A partir de então, utilizamos a técnica de associação de idéias a essas sete palavras indutoras, dentre as quais, estava a palavra rafting. O resultado preliminar é que o rafting encontra-se presente nos discursos dos praticantes, tanto nas associações comuns, quanto nas não comuns. Na primeira forma de associação o rafting mostrou-se como um esporte repleto de aventura e diversão. As associações não comuns mostram que na visão desses atores o rafting é um esporte excitante e que para sua prática é necessária cooperação e sincronismo entre todos os participantes e, também, muita precaução. PALAVRAS-CHAVES: rafting, imaginário, associação de idéias. O esporte, na sociedade contemporânea, vem ocupando grande destaque na mídia e em discursos políticos e econômicos. A cultura esportiva penetrou na vida diária e tornou-se uma das principais referências no estilo de vida esportivo com seus equipamentos, vestimentas, gestualidades, na prática do turismo e nos discursos das diferentes camadas sociais. O esporte fascina e provoca. Ele se apresenta como uma fonte inesgotável de símbolos e representações sociais. Porém, essas representações simbólicas parecem interessar, sobretudo, às campanhas de publicidade, nas quais as marcas disputam entre si, na sociedade do espetáculo, nichos de maior número de consumidores. Uma trama semântica se instaura em torno do produto, mediante os fundamentos dos aspectos simbólicos, que podem envolver e alcançar os desejos dos consumidores. O significado social dessas práticas esportivas atende mais do que o consumo de bens úteis, como saúde e prazer, por exemplo, atende também a dimensões subjetivas de valores, de relações sociais, de reconhecimento de si, de suas potencialidades, aos desejos de sentir-se protagonista de uma ação, responsabilizando-se tanto pelos êxitos, quanto pelos limites dessa ação. Os estilos de aparência, meio relaxados, o dinamismo, as imagens de força e de agressividade integram as imagens esportivas da atualidade e são associadas ao cotidiano das pessoas. Numa conceituação mais ampla e evolutiva do esporte, este configura-se como parte do processo de civilização, como um elemento da cultura urbana, isto é, o esporte integra, em si, o exercício da urbanidade, da civilidade, da sociabilidade e do bem estar dos homens: consigo mesmo e com os outros, portanto, com sua natureza pessoal, com a natureza social e com a natureza física, diz Bento (1997). O autor ainda fala sobre a existência de 194 um homo sportivus, que engloba o homo ecologicus, inspirado nos mitos prometeicos de domínio da natureza exterior e interior. Observa-se que, ao longo dos anos, o homem vem buscando dominar a natureza, das formas mais diversificadas. No entanto, no último século, ele percebeu que o impacto de seus desbravamentos nas matas, nos mares e até no ar, trouxe conseqüências irreversíveis, como a extinção de algumas espécies de animais, atingindo diretamente a cadeia alimentar e comprometendo o equilíbrio ecológico. Com esse alerta, muitas pessoas começaram a se preocupar e, então, propuseram novas possibilidades de relação entre o homem e a natureza. Nesse momento, é que entra o homo sportivus e o homo ecologicus, como uma nova proposta para o uso da natureza, proporcionando um desenvolvimento sustentável que, segundo Da Costa (1997), é definido como um balanceamento ótimo dos recursos naturais nas relações econômicas, em substituição dos procedimentos de máxima mobilização, presentes nos dias de hoje. O homem vem sentindo a necessidade de criar uma nova forma de se relacionar com a natureza e constrói essa oportunidade na prática dos esportes de aventura e risco na natureza. Ao perceber esse crescente interesse pelos esportes praticados junto à esse ambiente, a mídia passou a investir fortemente na veiculação de informações sobre novos roteiros dos esportes de aventura e risco na natureza. Muitas revistas, como a Expedição Eco Turismo, Terra, Espírito de Aventura e Família Aventura dedicam-se exclusivamente a alimentar os sonhos desses novos aventureiros. As revistas que relatam os lugares e as histórias desses desbravadores da natureza, com muitas fotos e uma descrição peculiar, conduzem o leitor a fazer uma rápida viagem num mundo de sonhos e fantasias, suscitando nesses leitores uma imensa vontade de embarcar nessas aventuras. Viver essas aventuras é ir ao encontro de um mundo de símbolos e participar de enfrentamentos com elementos da natureza em estados brutos, selvagens: a água, o vento, a terra. Superar as dificuldades de um ambiente desconhecido faz com que esses atores desfrutem de um prazer inigualável e dêem vida a seus heróis interiores, encaminhando novos sentidos à aventura que constroem em cada descida nas corredeiras. Essas revistas nortearam inicialmente o nosso trabalho.Para entendermos melhor sobre o nosso objeto de estudo vamos começar descrevendo esse esporte tão divertido. Raft é uma palavra de origem inglesa que significa bote ou balsa, mas o esporte é usualmente conhecido como rafting que é a aventura de deslizar por rios e corredeiras num bote de borracha, em grupos de 5 a 12 pessoas, dependendo da capacidade do bote, no sentido da nascente para a foz do rio. Essa descida pelo rio é feita com a ajuda de pessoas especializadas, chamadas de guias. O objetivo do guia de rafting é facilitar o deslize dos praticantes desse esporte pelas corredeiras do rio e, ainda, ajudá-los a superar obstáculos com os quais se deparam. Os remos auxiliam os rafters a vencerem as dificuldades do rio, para que depois eles possam desfrutar dos momentos de calmaria, no remanso do rio, e entrar em harmonia com toda esse ambiente. No entanto, nem só de calmaria e contemplação vivem os guias de rafting. Nos discursos desses aventureiros há uma dose de precaução, nos quais eles sempre enfatizam os cuidados que se deve tomar ao querer realizar o rafting. Trata-se do enfrentamento de riscos calculados. O bote tem como motor a força humana, a qual é produzida harmonicamente em conjunto, materializada na ação sincronizada dos remos de uma só pá. Esse sincronismo os conduz direto ao confronto com a turbulência das corredeiras em velocidade. Costa (2000) fala que, nos esportes de risco, o que vai mover o homem é uma força energética, que pode ser exterior ao próprio corpo, seja energia eólica, das águas ou concentrada num motor. No caso do rafting, essa força advém de um elemento 195 da natureza, as corredeiras, que com suas correntezas influenciam no percurso do homem pelo rio. A autora complementa dizendo que nesses esportes a realização dos seus movimentos depende da fusão do corpo do esportista com a força energética da natureza. Essa fonte energética exterior é, para Parlebas (1992-1993), um dos aspectos fundamentais da lógica interna desses esportes, traduzindo-se no antagonismo do confronto com um ambiente selvagem, que envia informações de razoável previsibilidade aos seus praticantes. A escalada, praticada em sentido contrário à gravidade, e o mergulho, que trabalha contra a resistência da água, são dois exemplos de esportes na natureza cuja prática ocorre em força oposta à tensão da energia do elemento do ambiente. Já no rafting, o bote e os rafters vão seguindo o fluxo da correnteza, a qual parece conduzí-los com gentileza no percurso, mas, a qualquer momento, pode enfurecer-se e atirá-los longe. Parlebas (1992/1993) diz serem aspectos essenciais dos esportes na natureza as questões do ambiente selvagem, a incerteza das informações do ambiente e a vertigem. O autor classifica os ambientes onde se realizam as atividades corporais em domesticado, semi-domesticado e selvagem. Descreve o último como um local desconhecido do homem, cuja conquista requer coragem, rápida tomada de decisão em ação e constante atenção quanto ao inesperado, uma vez que não é possível decodificarlhe as informações com absoluta certeza. É neste ambiente selvagem que se vê o surgimento do rafting. Essa imprevisibilidade do desconhecido parece provocar, nos praticantes de modalidades esportivas praticadas junto à natureza, o espírito aventureiro. O rafting parece ser, para seus participantes, um esporte que suscita o inusitado, que altera a rotina do cotidiano e que, acima de tudo, possibilita ao homem uma aproximação com a natureza, como se naquele momento os homens, o rio e as corredeiras formassem um corpo único, tamanha a interação em que se encontram esses três elementos. Por mais perigoso que este esporte possa parecer aos olhos dos mais medrosos, para os praticantes de rafting, essa aventura parece não passar de uma deliciosa diversão. Como diz Simmel (1988), sob o olhar do aventureiro, o que pode parecer absurdo aos não aventureiros é apenas um desafio, uma brincadeira. Sendo assim, o rafting pode ser visto como pura diversão para aqueles que se deixam levar pelas emoções deste esporte, caracterizando o lúdico desta atividade, numa perspectiva de jogo, o jogo com a água e com os corpos, que escorregam corredeiras abaixo. Ao entrar num rio, o aventureiro do rafting tem a intenção de conquistá-lo, isto é, de desbravar suas corredeiras e ainda sair ileso desta aventura. No entanto, não há como prever os acontecimentos durante o percurso, o rio pode proporcionar surpresas como uma pedra num lugar inesperado, um galho de árvore no caminho, o nível do rio mais elevado devido às chuvas. Quando se está participando de atividades na natureza tudo pode ocorrer, mas o que levaria esses aventureiros a se exporem a tantas adversidades? Talvez a certeza de que, sendo apenas uma brincadeira tudo terminará bem no final? Ou será o contato harmonioso com a mãe natureza que traz essa segurança aos praticantes de rafting? Talvez as palavras de Le Breton (1996) sirvam para entender o que leva tantas pessoas a saírem dos seus cotidianos e se embrenharem nas matas para fazerem caminhadas, nas montanhas para escalarem, em alto mar para praticar o mergulho, ou mesmo nos rios para ficarem expostas às diversas corredeiras que estes lhes oferecem. Segundo o autor, a aventura é uma paixão capaz de transformar os obstáculos encontrados em plataformas para a ascensão dos aventureiros nos seus espaços e projetos, pois esses projetos e espaços, quando comuns, não são suficientes para 196 comportar a imaginação e ação desses aventureiros. O autor vê a aventura como a paixão pelo desvio que nos praticantes de rafting pode ser percebido pelos novos sentidos que essas pessoas dão ao rio. Este rio, que em outras circunstâncias é o nutridor, gerador de energia, alimento da terra e dos homens, para esses aventureiros significa, predominantemente, prazer e um lugar de diversão. Ainda que essa aventura no rio seja prazerosa e divertida, a incerteza que envolve o deslizar num bote pelas corredeiras do rio, traz alguns riscos aos praticantes, o que demanda atenção ao controle e à segurança. Sobre a determinação objetiva do risco e dos perigos, Le Breton (1995) diz que esta se mistura à subjetividade das representações e dos imaginários sociais. E o autor ainda acrescenta que “o conhecimento dos riscos incita ao gosto pela transgressão, gozo reduplicado pelo fato de representar sua existência, de subestimar os conselhos e o terror dos outros” (p.97-98). Aliás, como deve ser boa a sensação de fazer algo que ninguém fez, ou melhor, que poucos fizeram, como escalar o Monte Everest, sobrevoar o Rio de Janeiro de asa delta, mergulhar nas profundidades de um oceano. Mas, será que além de superar os seus limites em algum momento esses aventureiros procuram desafiar a morte? Para Costa (2000), “o limite último, que é a morte, ocupa o lugar do simbólico” (p.99). A autora acrescenta que os riscos vividos pelos aventureiros praticantes de esportes na natureza são definidos por eles como algo de valor. Essas aventuras experimentadas por eles têm um caráter lúdico e visam jogar com o risco, desafiá-lo, pois há uma confiança cada vez maior no domínio da técnica e da tecnologia utilizada. Os franceses definem rafting como “eaux vives”, que significa águas vivas. No imaginário dos praticantes rafting, o rio e as corredeiras apresentaram-se, no exame das revistas temáticas, como tendo vontades próprias que os desafiam constantemente. Bachelard (2002) diz que diante das águas, Narciso tem a revelação de sua identidade e de sua dualidade, a revelação de seus duplos poderes viris e femininos, a revelação, sobretudo, de sua realidade , de sua idealidade. O imaginário social, assim como a água descrita por Bachelard, possibilita ao homem ter sua identidade revelada, ou melhor, a sua dualidade, marcada por uma luta interna e constante, entre o que o homem é e o que gostaria de ser, ou melhor dizendo, entre o praticante de rafting enquanto homem real e o herói que ele desejaria parecer. Laplantine e Trindade (1997) dizem que o imaginário permite ao homem liberta-se do real, isto é, das primeiras imagens, dando-lhe um poder para criar, fingir, improvisar, estabelecer correlações entre os objetos, de uma maneira improvável, e, ainda, sintetizar ou fundir muitas imagens. O imaginário aparece para romper as fronteiras do tempo e do espaço, a partir de uma lógica própria, por exemplo, um lugar divinizado por uma comunidade, ao longo dos anos, pode ter sido a residência de uma pessoa comum, mas com índole muito boa e que ajudava constantemente os mais necessitados, sendo assim, passam a considerar o local sagrado e a pessoa uma santidade. A sociedade moderna caracteriza-se pelo seu dualismo, o homem da modernidade é um ser dividido e que assume essa divisão. Como diz Laplantine e Trindade (1997), de um lado fica a subjetividade humana, do outro a sua objetividade; de um lado a paixão, do outro a razão; de um lado a produção de imagens ligadas a afetividade, do outro a concepção de idéias, elaboradas a partir da inteligência; de um lado a embriaguez de um imaginário que festeja e do outro a sobriedade de uma ciência que trabalha. Sobre essa dualidade existente na vida humana, Ferreira (2001) acrescenta que as investigações no campo do imaginário vêm como um caminho alternativo e que 197 segue em direção contrária à do racionalismo positivista, que embora pareça estar superado, ainda insiste em manter-se como o único conhecimento com status de científico. No positivismo, o que importa é o rio enquanto rio, e não as interpretações, as significações ou as representações que o homem possa dar a ele. Para Ferreira (2001), o imaginário social adentra pela ordem simbólica da sociedade, pelo conjunto dos significantes amalgamados de sentidos para uma coletividade, fazendo com que o homem construa uma trajetória, que vai do gesto ao signo e do signo ao símbolo, possibilitando-o falar de si mesmo, do outro, do mundo, de seus deuses e de seus mistérios. Ela coloca, que objetos reais imaginários, como mitos, religiões, ideologias, ao serem comunicados pelo homem, são feitos mediante linguagens, que constroem-se como metáforas, alegorias, imagens sonoras ou pictóricas. Essa forma de comunicação relata o real cotidiano, o mistério, a fantasia, o sonho, o desejo, isto é, a trama da vida. Ferreira (2001) diz não ter dúvidas de que toda sociedade institui sua ordem simbólica, seus sistemas próprios de dizer o mundo, as idéias que fazem de si, dos outros, das divindades e da natureza e, ao fazer isso, a sociedade certifica-se de que o mundo dos homens não se esgota na relação direta de seu corpo com o ambiente. Para ela, a vivência humana do mundo é concretude e representação. Barbier (1994) traz um conceito histórico do imaginário, pois ele acredita que este termo pode ter significado diferente para cada um. O autor coloca que para uns o imaginário é tudo o que não existe, uma espécie de mundo contrário à realidade difícil. Para outro, o imaginário é uma produção de devaneios de imagens fantásticas, as quais permitem ao homem viajar para longe das atribulações cotidianas. Alguns vêem o imaginário como um resultado de uma força criadora radical, própria da criação humana. Outros acreditam ser o imaginário apenas uma manifestação de uma sedução fundamental para a constituição da identidade do indivíduo. Já Durand (2001) trata de um imaginário sob uma perspectiva antropológica globalizante, uma teoria do imaginário concebido como função de equilibração antropológica. Esse imaginário de Durand reabilita a dimensão do sagrado, que fora alienada pelo racionalismo; recupera o sentido transcendente do símbolo-imagem oriunda da realidade imediata; ultrapassa o tempo cronológico, liberando-se de uma linearidade do encadeamento lógico; visa ao sentido das imagens. Uma noção fundamental de Durand é que a trajetória antropológica consiste numa troca no nível do imaginário entre as pulsões subjetivas e assimiláveis e as intimações objetivas, que emanam do meio material e social, em que as imagens se formam. Pouco se sabe sobre o que move a ação dos praticantes de rafting por lazer, o que os leva se aventurarem numa corredeira selvagem, entrando em jogo com os próprios limites. Essa aventura parece fundar-se em mitos e representações orientadores de suas ações. Este trabalho buscou descrever como se deu o desenvolvimento das análises e as interpretações dos sentidos que, aos poucos, emergiam nas associações de idéias expressadas pelos praticantes de rafting. Num primeiro momento, foram organizados os mapas das associações de idéias referente aos praticantes de rafting. Posteriormente, destacou-se o grupo semântico das associações comuns, ou seja, a categoria dos sentidos expressos por meio de mais de uma palavra indutora e, ainda, o grupo das associações não-comuns, que emergiram somente em correspondência com uma palavra indutora. É pelo imaginário social que se pode compreender a vivificação do rio e das corredeiras, permitindo, assim, ao rafting uma emoção a mais, já que os seus participantes parecem ter como desafios cooperar uns com os outros e ainda estabelecer uma relação harmoniosa com a natureza, que, a todo o instante, tenta testá-los com 198 obstáculos inesperados.Com este estudo buscamos os sentidos do rafting presentes nos discursos dos praticantes de rafting como lazer, com vistas a captar pistas dos imaginários desses atores. Inicialmente, fomos procurar os sentidos atribuídos ao rafting que se encontravam nos discursos dos praticipantes veiculados pelos meios de comunicação como revistas especializadas e sites da Internet. Foram selecionados para entrevista 12 praticantes de um grupo natural (Bauer e Gaskell, 2002) de rafting e utilizamos a técnica de associação de idéias de Jung (Ulson, 1988) a sete palavras indutoras: aventura, risco, cooperação, esporte, rafting, natureza e diversão.A técnica de associação de idéias é um recurso metodológico que visa captar a subjetividade dos atores, por convite à expressão espontânea, do que a palavra indutora, isoladamente, os fará lembrar. Este procedimento foi utilizado com o intuito de acrescentar ao estudo do contexto imaginário a subjetividade dos atores e complementar as interpretações dos sentidos presentes no universo imaginário deles. As palavras indutoras foram selecionadas a partir de idéias encontradas no universo deste grupo social, percebidas pelas pesquisadoras por meio de leituras das reportagens em revistas de ecoturismo, em relatos encontrados nos sites da Internet de empresas especializadas em atividades esportivas de aventura e risco na natureza e em entrevistas iniciais exploratórias. Desta forma, foi possível uma visão mais ampliada da realidade a ser investigada. Associações de idéias Praticantes de rafting Associações Comuns Associações Não-Comuns Diversão/lazer (9) Montanha/verde/rio/pedra (4) Rafting (9) Satisfação/prazer (4) Aventura (3) Perigo (4) Vida (4) Saúde/disposição(3) Risco (3) Caça submarina/remar/todos (3) Queda (3) Emoção (3) Necessidade (3) Alegria (3) Desafio (3) Confiança/ajuda (4) Paz/tranqüilidade (2) Saúde com diversão (1) Coragem (1) Com amigos (1) Nenhum (1) Sucesso (1) Guia (1) Beleza (1) Dentro das associações comuns, pode-se destacar uma intensa recorrência que emergiu o sentido diversão / lazer. Isso vem mostrar como o rafting no imaginário dos praticantes tem um sentido prioritário da alegria e da diversão. As pessoas que buscam este esporte como fonte de lazer estão à procura de uma aventura, excitação, que gere neles uma alegria contagiante. O rafting é um esporte realizado em equipe e extremamente lúdico e, assim como a festa, ele tem por característica a coletividade e o compartilhamento, que segundo Gadamer (1985) seria de intencionalidade zero, a não ser a conquista de um prazer momentâneo. A aventura vinculada ao risco é fundamental para manter um grau elevado, de excitação neste esporte, tornando-o mais divertido. O risco é visto, pelos praticantes de rafting, como uma variante entre o medo e o prazer. A cooperação, neste esporte, 199 torna-se fundamental para a ultrapassagem de todos os obstáculos e, para ter com quem compartilhar as diversões vividas entre uma corredeira vencida e um bote virado. Vencer a corredeira significa enfrentar, de modo lúdico, monstros interiores, que se apresentam aos praticantes, de modo desafiador. Dentre os desafios encontram-se: as capacidades de intervirem com energia nas remadas, no momento certo, a humildade ao acatarem as ordens de manobra, dadas pelo guia, ser e deixarem ser levados pelas corredeiras. Para os atores dessa pesquisa, o rafting, a aventura e a diversão estão fortemente ligados uns aos outros. E não é difícil de entender a ocorrência dessa situação, se for levado em consideração o pensamento de alguns autores. O rafting é praticado nos rios, num ambiente não dominado pelo homem, já que este não consegue decodificar todas as informações nele revelado. Parlebas (1992/1993) definiria este ambiente do rafting como um ambiente selvagem, onde a incerteza das informações torna este esporte uma aventura a ser desafiada. E, como diria Simmel (1988), uma aventura, por mais audaciosa que se mostre ao não-aventureiro, não passa de simples diversão, sob a perspectiva do aventureiro. Nessa trama lúdica, rafting, aventura e diversão, vão interagindo, caracterizando os sentidos deste esporte para aqueles que ousam praticá-lo. A dominante heróica do regime diurno das imagens de Durand (2001) se faz presente. O entusiasmo aqui encontrado parece nos conduzir ao mito de Dionísio um deus da vegetação, um deus das metamorfoses. Seu culto é alegre e selvagem, turbulento como as “águas vivas” do rafting. Já nas associações não comuns, a natureza, locus da diversão dos praticantes de rafting, apresenta-se com uma certa intensidade, com significados, que remetem à beleza, tranqüilidade, paz e como uma fonte de energia para o homem, seria a imagem da Mãe Natureza, enquanto fonte nutridora. O prazer, o perigo, a emoção e a alegria são as pistas da vertigem, que no caso do rafting é uma vertigem por aspiração, segundo a classificação de Quinodoz (1995), na qual o indivíduo descobre que sua participação é ativa na formação do objeto. A confiança e a ajuda são pontos fundamentais para uma cooperação nesta atividade e elas dão pistas sobre como acontece a solidariedade no rafting. Uma solidariedade errante como diz Duvignaud (1986), cujo momento de participação do homem é intenso e que, geralmente, ocorre de maneira espontânea. Para o autor essa solidariedade não é natural e é encontrada nos jogos, nas festas e nas lugares de convivência e em alguns núcleos. O mapa de interpretação das idéias às sete palavras indutoras nos mostrou que cooperação, no universo lingüístico dos praticantes formou um grupo semântico associado a: rafting (6), confiança (2), ajuda (2), guia (1) e sucesso (1). A partir da interpretação da associação de idéias comuns e não comuns podemos concluir que a cooperação se apresenta como idéia-força nos discursos dos praticantes de rafting, quando o termo é associado a esse esporte. Na associação comum, quando a aventura está ligada ao risco, o papel da cooperação é fundamental para a superação dos obstáculos levando os praticantes a compartilhar diversões vividas após o enfrentamento com as corredeiras ou, depois de sair de um bote virado. E dentro das associações não comuns a cooperação tem como pilares a confiança e a ajuda que tornam possível a realização do rafting. Referências Bachelar, G. (1994). O direito de sonhar. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. __________(2001). A poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes. 200 __________ (2002). A água e os sonhos: ensaio sobre a imaginação da matéria. São Paulo: Martins Fontes. Barbier, R. (1994). “Sobre o imaginário”. Em Aberto. Brasília, ano 14, nº 61, jan/mar., pp.15-23. Bauer, M. W. & Gaskell, G. (2002). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis: Vozes. Bento, J.O.(1997). Desporto, cidade e natureza: introdução ao tema. In Da Costa, L. P. (1997). 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Foi utilizado como campo de pesquisa dois acampamentos com características diferentes, onde foi procurado buscar as semelhanças e discordâncias entre o trabalho num e noutro local, assim como verificar se estas instituições proporcionam realmente algum aprendizado. Responderam a esta pesquisa cinqüenta crianças do Acampamento “A” e quarenta crianças do Acampamento “B”, presentes nas últimas temporadas de férias realizadas nos mesmos. PALAVRAS-CHAVES: acampamento educativo, crianças, educação pelo lazer. Introdução O tema acampamento ainda é pouco discutido no Brasil, principalmente com o propósito educacional. Ao acessarmos a rede internacional de computadores, podemos constatar que o estado de São Paulo possui uma vasta diversidade deste tipo de estabelecimentos, denominados “Acampamentos de Férias”. Alguns estabelecimentos, estão em atividade há mais de 50 anos, outros com uma média de 20 anos e muitos que surgem a cada ano, com propostas similares, porém com filosofia e métodos de trabalho bem diferentes entre si. O eixo central do presente trabalho foi procurar entender de que maneira a educação é inserida na recreação realizada nos acampamentos e se é realmente possível articular “lazer”, “recreação” e “educação”. Dois acampamentos fizeram parte desta pesquisa, a princípio com filosofias bem diferentes, mas com objetivos muito similares. Foram escolhidos de maneira a evidenciar as possíveis diferenças entre eles, a saber: o tradicional Acampamento “A”e o ”jovem” Acampamento denominado “B”. Foi realizada, uma pesquisa de campo no dia-a-dia de temporada dos dois acampamentos, abordando a relação dos adultos gestores dos acampamentos e como se dá a percepção do processo educacional nas crianças e jovens que o freqüentam. Desta forma, o objetivo desta pesquisa foi procurar elucidar algumas questões, importantes e pouco abordadas no meio acadêmico. O estudo das relações entre lazer e educação é um desafio que extrapola os limites e as pretensões desta pesquisa. Julgou-se oportuno, então, estabelecer como foco e objetivo o ponto de vista das crianças sobre a experiência recreativa educacional no acampamento. 141 . Rua do túnel 136 – Rudge Ramos – São Bernardo do Campo/SP -09641-460 email: [email protected] 142 . Rua Guaricanga, 222 apto 34 – Lapa - São Paulo/SP – 05075-030 – email: Aline.Martins@evolution factory.com.br 143 . Rua Felipe Camarão, 171/14 – Tatuapé/São Paulo/SP – 03065-000 – email: [email protected] 202 Lazer e recreação Alguns autores tratam os temas lazer e recreação de maneira complementar, outros os abordam como sinônimos. Nem mesmo os estudiosos do lazer conseguem estabelecer um consenso. Para compreender lazer e recreação, no espaço acampamento, é necessário analisar alguns conceitos deste tema ainda tão pouco explorado. Para Joffre Dumazedier, o lazer pode ser caracterizado por prazer, livre escolha, gratuidade. (DUMAZEDIER, 2000). Porém, quando este autor concebe como característica intrínseca ao lazer o próprio prazer, isto não significa que toda atividade de lazer com certeza proporcionará prazer, e sim que em toda opção de lazer existe o princípio da busca deste prazer, mesmo que o resultado não seja alcançado. (CAMARGO, 1992). A “livre escolha” está voltada à opção individual, o indivíduo não pode ter qualquer obrigação para com a atividade para que esta se caracterize como atividade de lazer. A característica “gratuidade” não propõe que o lazer seja gratuito, ou seja, sem ônus para o participante - até porque muitas vezes existe gasto realmente representativo - mas está relacionada com o caráter de desinteresse, de não se buscar nada em troca. Conceitualmente, Dumazedier (2000) compreende lazer como: (...) conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou ainda para desenvolver sua formação desinteressada, sua participação social voluntária, ou sua livre capacidade criadora, após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais. (DUMAZEDIER, 2000: 34). De forma mais simplificada, no conceito de Dumazedier (2000), entende-se que o lazer está estreitamente ligado às obrigações e ao trabalho, observando o exemplo a seguir. Considerando que um dia tem vinte quatro horas, este seria o tempo total de um indivíduo. Uma grande parte deste tempo é utilizada para o trabalho profissional e/ou escolar, outra para necessidades fisiológicas (sono, higiene pessoal, alimentação) e obrigações familiares e sociais (religião, participação em grupos políticos, cuidados com a família, deslocamentos, entre outros). (CAMARGO, 1992). Se subtrairmos do tempo total de um indivíduo o tempo de trabalho e o tempo gasto com as necessidades básicas, obrigações familiares e sociais, o período de tempo que resta é chamado de “tempo livre” ou “tempo disponível” é o espaço que este indivíduo pode preencher com o lazer. Para Bramante, a recreação pode ser considerada como um produto do lazer, “(...) atividade/experiência, que ocorre dentro do lazer” (BRAMANTE, 1997), ou seja, uma das diferentes atividades de que o indivíduo participa no tempo liberado das obrigações. Assim, o lazer compreenderia a recreação, mas a recreação não teria possibilidade de compreender o lazer como um todo. Os conceitos de lazer utilizados neste estudo estão relacionados à linha de pensamento do tempo, já citada, de Dumazedier (2000). O termo recreação será utilizado neste trabalho como um produto do lazer, como afirma Bramante (1997). As atividades procuradas pela clientela dos acampamentos são entendidas neste estudo como atividades recreativas ou de lazer programadas no tempo livre ou disponível144. 144 . Para maior aprofundamento nos conceitos de lazer e recreação ver WERNECK, Christianne. Lazer , Trabalho e Educação:relações históricas, questões contemporâneas.BH, Ed. UFMG, 2000. 203 Educação pelo Lazer O duplo processo educativo do lazer é reconhecido por estudiosos do campo do lazer. Estes afirmam que o lazer tanto é um veículo privilegiado de educação (educação pelo lazer) como um objeto de educação (educação para o lazer) (MARCELLINO, 2002). Considerar o lazer como veículo de educação é observar as suas potencialidades para o desenvolvimento pessoal e social dos indivíduos. Dumazedier apresenta as principais funções do lazer: “função de descanso; função de divertimento, recreação e entretenimento; função de desenvolvimento”. (DUMAZEDIER, 2000: 32) As funções do lazer retratam que, ao participar de uma atividade de lazer, o indivíduo pode relaxar, recuperar as energias, recrear ou ainda aprender com elas. Por exemplo, o indivíduo pode desenvolver seu potencial crítico e criativo, através de atividades manuais, artísticas, praticando um esporte, ou ainda, participando de atividades intelectuais (leitura de um livro), assistindo a um filme, a uma peça de teatro. Através das atividades de lazer o indivíduo pode adquirir conhecimento, compreender melhor o mundo, a realidade em que se insere, gerando assim, desenvolvimento pessoal. O lazer pode também proporcionar desenvolvimento social, principalmente quando o indivíduo participa de uma atividade em que possa sensibilizá-lo quanto à sua responsabilidade como membro integrante de uma comunidade. A educação para o lazer ou o lazer como objeto de educação significa uma “preparação” para o aproveitamento do tempo livre. Para que o indivíduo possa desfrutar do seu tempo disponível, de forma crítica e criativa, é necessário aprendizado. Na educação para o lazer é indispensável a pessoa conhecer o significado e importância do lazer. Deve também ser incentivada a participação e diversificação de atividades de acordo com os conteúdos culturais do lazer145, conhecer suas funções, entendendo não somente o lazer no gênero146 da prática, mas também como consumo e conhecimento. A educação para o lazer deve estimular também os níveis de participação, fazendo com que o indivíduo passe de um nível elementar ou conformista para um nível crítico e criativo. (MARCELLINO, 2002) Após a realização de uma educação para o lazer, pode-se esperar que a escolha de como utilizar o tempo livre seja mais autêntica, uma vez que o indivíduo terá maiores condições de optar entre alternativas mais variadas. Desta forma pode-se evitar que este seja manipulado pelos meios de comunicação de massa e outros “modismos”, como enfatiza MARCELLINO (2002). Acampamentos: espaços de lazer e recreação? Hoje, no estado de São Paulo existem aproximadamente setenta acampamentos, com sede própria ou sublocada, além de muitos outros grupos que realizam a atividade por si mesmos. (ACAMPAMENTO,s.d.). Estes acampamentos147, 145 . Interesses: artísticos, intelectuais, manuais, físicos, sociais. (DUMAZEDIER,1999) . Gêneros do lazer: prática – constitui uma participação na própria atividade em si; consumo – seria uma participação na atividade como espectador; conhecimento – envolve a busca de informações sobre a atividade, por várias fontes tais como: livro, palestra, vídeo, com o objetivo de aprender mais sobre ela. Exemplo: Uma pessoa pode participar de um grupo de teatro, sendo um dos atores (gênero da prática); assistir uma apresentação teatral (gênero do consumo); ler um livro sobre teatro (gênero do conhecimento) (DUMAZEDIER, 1980). 147 . Neste estudo foram considerados como “acampamentos” os espaços de propriedade privada e também aqueles que locam espaços (sítios, fazenda, clubes) que possuem uma estrutura física comum e contato com a natureza. 146 204 normalmente, são construídos pela iniciativa privada e localizados em regiões onde possuem uma vasta área verde, tanto na região litorânea como no interior. Normalmente possuem infra-estrutura com alojamentos (local onde os acampantes dormem), refeitório, piscina, quadra esportiva e campo de futebol. Vale ressaltar que uma das qualidades desses locais é a proximidade com a natureza. A diversidade do local, relacionada à estrutura física é muito variada, dependendo do tempo de existência do acampamento e da sua filosofia de trabalho. Para alguns autores o termo “acantonamento” seria a denominação correta. O termo “acantonar”, segundo Requião, “significa alojar-se confortavelmente em área construída (...)” (REQUIÃO, 1990: 17). Para Civitate “acampamento organizado é um método educativo orientado por pessoal especializado, que se processa em um ambiente natural, oferecendo oportunidades de aprendizagem dinâmica da vida em grupo, em termos sadios e democráticos (CIVITATE, 2000: 13)”. Entre os autores não existe consenso e o termo utilizado pelos proprietários destas instalações é realmente “acampamento”. Neste trabalho estamos considerando o conceito utilizado por Lettieri “acampamento é toda ação de saída de um grupo organizado em busca de contato com a natureza, com propósitos educativos, e que serão alcançados através de atividades de lazer, dirigidas por um grupo responsável imbuído desse propósito.” (LETTIERI,1999:13) Os acampamentos realizam atividades durante todo o ano com grupos organizados através de igrejas e escolas, entre outros. Durante as férias trabalham com grupos heterogêneos, através da procura espontânea das pessoas que enviam seus filhos, numa relação direta com cada instituição. Aqui serão abordadas apenas as temporadas realizadas em janeiro em ambos os acampamentos pesquisados. As temporadas reúnem crianças e adolescentes de diferentes lugares, com idades diferenciadas (geralmente de 3 a 18 anos) e número variável, normalmente a partir de trinta acampantes chegando a temporadas com mais de duzentos. O primeiro contato entre a equipe de profissionais e os acampantes148 acontece no momento da transferência da bagagem, do veículo dos pais para o ônibus que irá conduzir o grupo ao acampamento. Já a bordo do ônibus, são propostas atividades149 com o objetivo de integrar e entreter o grupo até a chegada ao local. Chegando ao acampamento os recreadores acompanham os acampantes a seus alojamentos, que são previamente separados por faixa etária e sexo. Normalmente dois profissionais ficam responsáveis por cerca de vinte crianças, tanto em seus alojamentos como durante as refeições.150 Uma vez acomodados, os acampantes são levados a participar de uma programação diversa e variada. Entre as atividades, podemos mencionar: esportes, jogos, brincadeiras, gincanas (aquáticas, tarefas, entre outras) caças aos recreadores, show de talentos, jantares com festas temáticas, passeios ecológicos, atividades manuais e intelectuais, entre outras. As crianças freqüentadoras destes espaços passam por muitas situações diferentes de sua realidade, aprendendo a lidar com sentimentos como a saudade e medo do desconhecido, além de serem expostas a várias situações em que a necessidade de solidariedade se faz presente. O termo acampamento tanto está relacionado com equipamento de lazer, como também com todo o conjunto formado por espaço, atividades e forma de trabalho. 148 . Termo utilizado pelos profissionais de lazer para as crianças e adolescentes que participam do acampamento. 149 . Ex: brincadeiras cantadas (músicas divertidas cantadas pelos recreadores) 150 . Este número pode variar de acordo com a faixa-etária e filosofia do acampamento. 205 As crianças são orientadas durante a temporada pela equipe de recreadores que também se responsabiliza por planejar e executar a programação, além de cuidar da higiene, asseio e das relações entre os acampantes. Geralmente, o profissional recreador tem um perfil de educador, comunicativo, bem-humorado e, muitas vezes, torna-se “ídolo” para as crianças. Os responsáveis pelos acampamentos têm um relacionamento muito específico com seus clientes; crianças, pais e escolas. Dependendo do planejamento de cada um deles, enviam malas diretas, entram em contato através do telefone ou mandam e-mails. Apenas os mais estruturados possuem sites na internet e veiculam anúncios nos jornais. Em relação ao trabalho realizado com as escolas, os acampamentos procuram agendar reuniões para divulgar o trabalho, pois as temporadas escolares muitas vezes fazem com que os acampantes voltem nas férias. Assim, além de uma pequena temporada, trata-se também de uma forma muito eficiente de divulgação das temporadas de férias. Os acampamentos que fizeram parte deste estudo foram selecionados pela facilidade de relação entre os autores e os responsáveis dos acampamentos. Os critérios de escolha dos locais não se restringem à facilidade encontrada, mas por serem equipamentos com características bem diferentes e formas de trabalho bem próximas. O Acampamento “A” possui tradição e existe há mais de 50 anos. Já o Acampamento “B” é adaptado a um clube, com recursos limitados e existe há menos de 10 anos.. Os dados coletados para o estudo foram obtidos no mês de janeiro de 2003, nas temporadas respectivas a cada local. Apresentação da pesquisa A pesquisa foi realizada com noventa crianças de oito a doze anos de idade. Em ambos os acampamentos, procurou-se questionar as crianças que possuíssem uma verbalização relativamente desenvolvida, isto é, indivíduos com um grau de escolarização mínimo para o entendimento das questões. Os adolescentes do Acampamento “A” não foram questionados, pois apenas crianças entre quatro e doze anos participaram do Acampamento “B”. Esta pesquisa foi elaborada com questões abertas e simples, a fim de evitar que os próprios autores fornecessem as categorias das respostas. Assim, procurou-se observar realmente quais seriam as respostas das crianças, mesmo que suas palavras não atingissem nosso real interesse. O objetivo foi coletar o máximo de informações que propiciassem subsídios para verificar as hipóteses. Este trabalho foi efetuado no final da temporada (janeiro de 2002) momento em que as crianças teriam experiências suficientes para as respostas, visto que já haviam vivenciado o relacionamento com a equipe de monitores, com outras crianças e com as atividades. Foi aplicado um questionário com oito questões objetivando sondar com a maior clareza possível, a opinião dos acampantes sobre a programação, os locais e outros aspectos. Para realizar a tabulação dos dados foi necessário uniformizar as respostas dos acampantes. Assim, as respostas foram classificadas de acordo com as questões. Além do questionário, foi realizado um detalhamento de algumas atividades através de uma ficha de observação das crianças e das atividades. O intuito desta ficha de observação foi analisar o dia-dia do acampamento. 206 Síntese Observando as respostas obtidas nas pesquisas com as crianças, foi verificado que a grande maioria vai ao acampamento por vontade própria e estavam satisfeitos com a temporada. Não deixa de ser interessante a atração que as atividades noturnas provocam nos acampantes. Se somarmos esta porcentagem com a porcentagem referente às atividades sociais, teremos quase sessenta por cento dos acampantes dando preferência ‘as atividades que são realizadas essencialmente em grupo, uma vez que as noturnas são normalmente realizadas em grupos também. Os outros quarenta por cento dividem suas preferências entre instalações e serviços, atividades individuais e falta de controle dos pais, sendo que menos de dez por cento citam as atividades realizadas individualmente como suas preferidas. Cinqüenta por cento do grupo percebe como aprendizado efetivo a importância do grupo, confirmando as preferências por atividades sociais. Porém, em outra análise, percebe-se que o que realmente chama a atenção é o caráter de divertimento, visto que as atividades diferenciadas respondem pela preferência de mais de noventa por cento dos acampantes questionados. Mais de noventa por cento dos acampantes mostram dar importância ao conhecimento de pessoas diferentes, numa nova confirmação do que já havia sido detectado. Numa análise menos superficial podemos dizer que, sendo o trabalho desenvolvido em ambos os acampamentos, voltados ao lazer ou não, agrada à clientela quase que completamente. Apesar de mostrar um percentual de 17,7% de acampantes que foram ao acampamento por outros motivos que não a vontade própria, apenas 3,3% acabam por afirmar que não apreciaram a experiência. Se for levado em consideração que a obrigatoriedade descaracteriza o lazer, esta informação não poderá deixar de ser curiosa. Através deste questionário, a infra-estrutura não pareceu item de importância na agregação de valor à experiência acampamento por parte das crianças pesquisadas. Tanto em um quanto em outro estabelecimento, quando questionados sobre aquilo que mais haviam gostado, o peso dado às instalações e serviços foi o mesmo: (20%) e, mesmo com tanta diferença entre um local e outro, os acampantes do Acampamento “A” não citaram com maior freqüência este item. Outro aspecto que pode ser observado na tabulação das respostas dos acampantes foi a diferença que o “discurso” que cada instituição fez nas respostas que eles devolveramm quando submetidos a um estudo como este. Observando a questão que se refere ao que foi aprendido na temporada, não pode deixar de surpreender a diferença percentual entre o Acampamento “B” e o Acampamento “A” em relação aos tópicos “superar limites” e “importância do grupo”. Levando em conta que a observação foi participativa, pode-se observar que no Acampamento “B” o assunto superação de limites é mais abordado com os acampantes, enquanto que no Acampamento “A” o assunto mais freqüente é o da importância do grupo. Assim, é natural que estas respostas sejam devolvidas num questionário deste tipo. Mas até que ponto refletem a realidade? Ou são apenas repetições de discursos direcionados? A impressão que fica, após se observar mais atentamente as respostas é a de que são meras repetições de discursos dos recreadores e/ou coordenadores. Quando os acampantes foram questionados a respeito dos aspectos percebidos nas atividades deixaram transparecer o que realmente interessa para eles: o divertimento apareceu em 80% dos casos no Acampamento “B”. No caso do Acampamento “A” foram as atividades diferenciadas que apareceram em 90% dos casos, deixando a resposta sociabilização com apenas 2% das respostas. De qualquer forma, podemos reconhecer 207 que a sociabilização é percebida, uma vez que os acampantes afirmaram ter participado das atividades com novos amigos em mais de 70% dos casos. Somando esta porcentagem à atribuída aos recreadores, mais de 24%, que entendemos como desconhecidos da maioria dos acampantes, chegamos a mais de 94% de indivíduos que respoderam ter realizado as atividades com pessoas que não estavam ligadas a seu convívio habitual. Todas estas considerações nos auxiliam a perceber a importância do trabalho educacional realizado nestes acampamentos, no que diz respeito ‘a convivência em grupo, o que faz com que os acampantes tenham a capacidade de sair da temporada com certa clareza da importância do grupo na vida cotidiana. No entanto, sempre vai existir uma dúvida: será que as crianças realmente passam por um processo de aprendizado ou apenas devolvem as respostas que percebem que seriam interpretadas como adequadas? Conclusão De forma geral, o que percebemos acontecer dentro destes espaços é muito semelhante em termos de atividades. Normalmente se dá ênfase às atividades físicoesportivas, sendo as outras atividades menos utilizadas. A programação atende o grupo como um todo ou a sub-grupos dependendo do momento, sendo “adequada” à faixa etária das crianças presentes no acampamento. Na maioria das vezes as atividades acontecem em meio a um clima agradável e divertido, realmente interessando à maioria do grupo. As atividades são essencialmente recreativas, com uma certa dose de coerção, isto é, impondo a participação das crianças. Tendo em vista a obrigatoriedade na participação das atividades, os dois acampamentos vão “contra” o conceito de lazer, que indica a livre escolha como uma das características para classificarmos uma vivência de lazer. Porém, em alguns casos, existem momentos em que o descanso e o ócio contemplativo acontecem, mesmo não sendo previstos nas programações. Pelo que pudemos verificar, os acampamentos realmente se preocupam com seu papel educativo durante as temporadas, levando em consideração que o termo educativo esteja relacionado apenas ao desenvolvimento social, tratando do convívio em sociedade, condicionado apenas às relações de convivência em grupo e seus conflitos. Não foi constatado um conhecimento da teoria do lazer inserido nestes espaços. O conceito formado se baseava na experiência dos profissionais e seus dirigentes. Algumas crianças perceberam os valores relativos ao desenvolvimento social que são inseridos nas programações. Outros aspectos educacionais foram pouco percebidos pelos participantes. De qualquer forma, o trabalho é conduzido paralelamente (educação e lazer) e é muito difícil definir o limite entre o lazer e a educação. Neste caso, educação e lazer realmente “caminham juntos”. A maioria dos profissionais não possui uma formação baseada nos conceitos do lazer. Os conteúdos culturais do lazer (físicoesportivo, manuais, intelectuais, artísticos, manuais e turísticos) fazem parte da programação das atividades, sem o objetivo de estimular a participação variada e diversificada, preparando o indivíduo para uma educação para o lazer, ocorrendo apenas para um preenchimento da programação. Apesar disso, alguns profissionais possuem perfil e/ou formação de educador o que os permitem procurar o desenvolvimento das crianças. Os acampamentos, independentemente de sua classificação (educativos ou não), muitas vezes conseguem atingir o mesmo objetivo, isto é, a percepção dos indivíduos com relação a importância do grupo. A pura e simples saída da vida cotidiana e inserção num novo grupo social nestes ambientes favorece o 208 desenvolvimento social. Desta forma, pudemos verificar que, independentemente de qualquer teorização, aquilo que ocorre nos acampamentos acaba agregando novas experiências e valores à vida dos acampantes. Tais valores podem despertar uma nova forma de “olhar” a sua realidade social. Além disto, a convivência em grupo, “obriga” os acampantes a resolver seus “dramas” e conflitos “sozinhos” ou, pelo menos, longe do controle e orientação dos pais. Numa sociedade em que o individualismo é cada vez mais valorizado em detrimento do todo, não deixa de ser interessante percebermos o quanto a convivência na temporada agrada aos acampantes. Será um momento em que a criança sente um certo retorno a um valor que já teve e não sente ter mais? Afinal, quando a criança é bem pequena é natural que receba uma dose de atenção maior. Depois, ambos os pais trabalham fora e muitas vezes não têm tempo – nem disposição – para dar à criança a atenção que ela merece e precisa. Num acampamento a criança está cercada de amigos o tempo todo e os recreadores acabam suprindo grande parte das carências afetivas. É um paradoxo que a liberdade que a criança tanto almeja carregue em si a carência de atenção que lá no fundo ainda precisa. Referências ACAMPAMENTO. Disponível em: http: / www.google.com.br/busca: Acampamento. Acesso em novembro de 2002. BRAMANTE, Antonio Carlos. Qualidade no gerenciamento do lazer. In: BRUHNS,Heloisa Turini (Org.). Introdução aos estudos do lazer. Campinas: Editora da UNICAMP, 1997. CAMARGO, Luiz O. de Lima. O que é lazer. São Paulo: Brasiliense, 1992. CIVITATE, Hector. Acampamento: organização e atividades. Rio de Janeiro: Sprint, 2000. DUMAZEDIER, Joffre. Lazer e cultura popular. São Paulo: Perspectiva, 2000. _________________. Sociologia empírica do lazer. São Paulo: Perspectiva, 1999. _________________. Valores e conteúdos culturais do lazer. São Paulo: SESC, 1980. LETTIERI, Flávio. Acampamento com a garotada. São Paulo: Ïcone, 1999. MARCELLINO, Nelson Carvalho. Estudos do lazer: uma introdução. São Paulo, Campinas: 2ª Ed., Autores Associados, 2002. REQUIÃO, Cristiano. Manual do excursionista. São Paulo: Nobel, 1990. 209 LAZER E MINORIAS SOCIAIS LAZER E HOMOSSEXUALIDADE: UMA PERCEPÇÃO DOS LÍDERES DE MOVIMENTOS NO RIO DE JANEIRO Profa. Mayra Djacui Baldanza Mestranda – Nutes/UFRJ Grupo de Pesquisa Lazer e Minorias Sociais/EEFD/UFRJ151 RESUMO: Este trabalho tem como objetivo investigar como se organiza o mercado de lazer específico para o público homossexual na cidade do Rio de Janeiro, bem como suas possíveis implicações na redução do estigma social que vitima essa parcela da nossa sociedade. Para alcance dos objetivos, entrevistei líderes de movimentos homossexuais, de modo a verificar como se dá sua relação com o lazer, suas possibilidades, vantagens e desvantagens do mercado específico e se ele caminha em direção a uma maior aceitação da questão homossexual. Pudemos verificar através dos dados colhidos que esse tipo de mercado é concebido como potencialmente formador de “guetos”, contribuindo para o aumento do preconceito e da discriminação. Contudo, alguns relatos convergem a este como única alternativa frente à restrição do exercício da cidadania. PALAVRAS-CHAVES: homossexualidade, lazer, preconceito. O lazer é um conjunto de atividades escolhidas por livre vontade no tempo livre disponível - sem que haja a necessidade de ser uma atividade produtiva ou que tenha qualquer relação com o tempo de trabalho- para repouso, desenvolvimento das capacidades individuais ou mesmo simples entretenimento. No presente trabalho trataremos da questão do lazer de um grupo específico, uma “minoria social”, que Wirth (apud CHINELLI, 1985 p.125) definiu como “um grupo de pessoas que em virtude de suas características físicas ou culturais são afastadas de outras na sociedade em que vivem por um tratamento diferencial e desigual, e que, portanto, se vêem como objeto de discriminação coletiva”. Os homossexuais. A homossexualidade pode ser entendida como relação sexual e afetiva entre pessoas do mesmo sexo (CUNHA & MELO, 1996). É importante ressaltar, no entanto, que esse conceito não deve ser interpretado de forma homogênea, até porque os significados são cambiáveis em função do contexto de ocorrência, ou seja, um mesmo item cultural possui diversos significados, e um mesmo objeto (no caso, a homossexualidade) condensa significados próprios em diferentes contextos. Por isso partiremos do pressuposto de que não há verdade absoluta a respeito da homossexualidade e que idéias associadas a ela são produzidas historicamente nas sociedades. Para tanto, a abordaremos num sentido mais amplo de cultura e da política, não tentando conceituá-la de acordo com a psicologia ou a medicina, tendências crescentes a partir do século XIX. Vale lembrar, que a cultura não é em nenhum momento uma entidade acabada, mas sim uma linguagem permanentemente acionada e modificada por pessoas 151 . Grupo de pesquisa coordenado pelo Professor Dr. Victor Andrade de Melo. Contato: www.lazer.eefd.ufrj.br. 210 que não só desempenham papéis específicos, mas que têm experiências existenciais particulares. Assim, segundo ARANTES (1986, p.24): interpretar o significado das culturas implica em reconstruir o modo como os grupos representam as relações sociais que os definem enquanto tais, na sua estruturação interna e nas suas relações com outros grupos e com a natureza, nos termos e a partir dos critérios de racionalidade desse grupo. Os homossexuais, assim como as outras minorias sociais dentro da nossa sociedade ainda não desfrutam das mesmas possibilidades de lazer que os heterossexuais. Porém, um mercado de lazer específico para homossexuais tem se expandido nos últimos anos. Esse trabalho tem o intuito de trazer à tona a questão do preconceito contra o homossexual, levando-se em conta sua luta por igualdade de oportunidades e a tentativa de diminuição do estigma que, embora hoje esteja menos explícito, ainda é um grande empecilho para uma vivência plena de sua vida social, inclusive nos momentos de lazer, e para a construção de uma sociedade mais democrática, não sendo a orientação sexual um fator determinante para qualquer tipo de julgamento no que concerne ao caráter ou capacidade individual. Através dele deseja-se chamar a atenção de profissionais de ciências sociais, saúde e áreas afins, sobre um novo mercado que vem ao longo dos anos ganhando força (mercado de lazer para gays e lésbicas), levando-nos a refletir se o crescimento deste contribuirá de alguma forma para a manutenção ou não do preconceito sofrido por essa parcela da sociedade, bem como, sua relação com um possível processo de guetificação. Historicamente podemos observar várias categorias que surgiram na tentativa de “explicar” a homossexualidade, ligando-a a questões familiares, fatores genéticos, desordens religiosas e morais, entre outras. Por trás dessas categorias é possível identificar uma lógica, marcante nas linhas de discurso. No Brasil, o primeiro grande discurso observado foi pela ótica religiosa, a partir do papel central de “fiscalização” da Igreja Católica. As relações homossexuais eram consideradas “pecado de sodomia”, crime passível de condenação à morte. Na Segunda metade do século XIX, irrompe na Europa e no Brasil uma preocupação médica com a homossexualidade e, de fato, qualquer relação extraconjugal, incluindo a prostituição. Formou-se a idéia que a saúde da nação era diretamente ligada à saúde da família e dependente, portanto, do controle da sexualidade. Daí em diante, são os médicos que vão reivindicar a sua autoridade de falar a verdade sobre a sexualidade, e são eles os agentes da gradual transformação da homossexualidade de “crime”, “sem-vergonhice” e “pecado” para “doença” nos anos que seguem. O crime merece punição, a doença exige a cura e a correção (FRY&MCRAE, 1986). No período pós-segunda guerra começou um movimento de contracultura, que tinha o movimento hippie como uma de suas principais facetas. A contracultura aceitava o amor livre, o aborto, o homossexualismo, a nudez em público. Mas, principalmente, o movimento hippie propunha paz e retorno à natureza. (GREGERSEN,1983). Nesta mesma época o Movimento de Libertação Gay assumiu características políticas, sendo importante para os estudos sobre a sexualidade, pois foi a primeira vez que os homossexuais enfrentaram o preconceito e assumiram postura política. No Brasil, no ano de 1979, um grupo de afirmação homossexual chamado SOMOS, na busca de reconhecimento pelos seus direitos, apareceu num debate com outras minorias sociais, apresentando a importância do movimento homossexual como 211 interlocutor legítimo na discussão de grandes assuntos nacionais. Esse grupo encorajou outros a buscarem espaço e a aparecerem. Os estudos relacionados à temática homossexual, embora não fartos, têm em comum o fato de se originarem nas discussões das relações de gênero e por utilizarem fundamentalmente a homofobia e o heterossexismo como conceitos centrais de análise. Homofobia é entendida como: “O medo de sentimentos de amor por indivíduos do próprio sexo e, por conseguinte ódio desses sentimentos em outras pessoas” (LORDE, 1984, apud CUNHA & MELO, 1996). Já o heterossexismo é definido como: “A visão que a heterossexualidade é a norma para todas as relações sociais/sexuais... A institucionalização que a heterossexualidade em todos os aspectos da sociedade, incluindo a discriminação legal e social contra homossexuais. E a negação dos direito homossexuais enquanto interesse político”. (LENSKYG apud CUNHA & MELO 1996). Na realidade social, esses conceitos são perpetuados basicamente pelas instituições sociais, entre elas os sistemas educacionais, escolares e não escolares. O direito de escolha da homossexualidade é uma luta social que continua, mas certamente também um nicho de mercado atual e crescente. Não é preciso observar que o capital avança onde há promessa de lucro. A exploração comercial desse novo mercado também, de certa forma, acaba impondo padrões de beleza, consumo e relacionamento, que se tornam altamente repressivos e prejudiciais àqueles que por razões de posição sócio-econômica, idade, origem étnica, comportamento, etc não coadunam com a moda vigente. Ao mesmo tempo, a moral sexual normalmente aplicada às relações heterossexuais se impõe cada vez mais sobre os relacionamentos homossexuais. Não se pode (re) pensar a sexualidade sem discutir os papéis sociais. Sexo não se restringe a genitalidade, é muito mais que isso e é ampliando nossos horizontes que poderemos caminhar na direção de uma sexualidade plena, onde haja respeito ao outro, onde cada um possa fazer livremente suas opções. Abordaremos a relação dos homossexuais com seus momentos de lazer. Para tal, foram entrevistados quatro líderes de grupos de defesa dos diretos dos homossexuais. Dois homens e duas mulheres. As perguntas incluíam sua relação com o lazer, preconceito, o mercado GLS152 e outras questões correlatas. A revisão da literatura nacional não revela muitos estudos que envolvam os homossexuais e seus momentos de lazer. A maioria dos estudos, no entanto, acaba por abordar as questões do preconceito e a discriminação que Cunha & Melo definiram, respectivamente, como: Sentimento ou atitude desfavorável a uma pessoa e/ou grupo. Tratamento desfavorável a uma pessoa e/ou grupo (1996, p.19). Esses conceitos nos serão importantes, pois como veremos adiante, ambos aspectos estarão presentes nas opiniões das lideranças , aparecendo de várias formas, desde agressões, espancamentos, até injúrias e ofensas verbais. Uma das entrevistadas informa: 152 . Conceito norte-americano que designa e agrupa gays, lésbicas e heterossexuais simpatizantes do movimento. 212 Aqui tem queixas e Farme153.(entrevistada A) queixas(...) Nós temos gangues homofóbicas ali na Essa violência influencia inclusive se o homossexual assume ou não sua sexualidade frente à sociedade, como dois dos entrevistados explicam: As pessoas tem medo e preconceito de se assumirem enquanto gays (...) Há alguns anos, eu me sentia envergonhado, com medo de sofrer violência.(entrevistado B) Demonstram na forma de olhar, com medo de passar no lugar se tiver criança (...), como se fosse algum leproso ou algo do tipo.(entrevistado C) Três entrevistados revelam, no entanto, que atualmente discute-se mais a respeito da homossexualidade, jovens assumem mais cedo, o que poderia caracterizar uma leve diminuição desse tipo de tensão social. Muita coisa mudou (...) As pessoas não podiam sequer tocar na sua homossexualidade e hoje você vê qualquer adolescente assumindo numa boa. (entrevistado D) Acho que atualmente tá mais aliviado, hoje as pessoas aceitam melhor (...) Na minha época, ou tinha que ser travesti mesmo, ou tinha que ser boyzinho154.(entrevistado B) No meu trabalho, todas as mulheres são hetero155. Elas me sacaram e perguntaram. Falei e não ficaram com medo de mim. (entrevistado C) Os entrevistados concordaram que a mulher lésbica ainda sofre mais preconceito que o gay e o travesti. Vejamos: Lésbica eles pegam no pé legal, podem sabem que, primeiro, eles podem discriminar mulher (...) Não param pra analisar que eles não têm o direito de fazer isso. (entrevistado A) Acho que a mulher sofre discriminação por ser mulher mesmo. A mulher conquistou espaço, mas ainda é muito discriminada (...) E quando além de mulher é lésbica, é discriminada duas vezes. (entrevistado B) No plano cultural, se por um lado algumas poucas atividades podem ser consideradas como “femininas”, no terreno do lazer, às mulheres é vedada à participação em muitas programações pelos padrões estabelecidos. Os movimentos feministas em muito contribuíram para a emancipação da mulher, bem como outros movimentos populares foram importantes na conquista de direitos para seus grupos. Os grupos de defesa dos homossexuais foram em grande parte responsáveis por uma maior visibilidade da questão do preconceito e discriminação para com eles. Os grupos têm como papéis principais, para dois de seus componentes: Conscientizar as pessoas (...) O lance de assumir, das DSTs, do uso de drogas. Trabalhar muito a auto-estima delas (...) Trabalhar com ajuda mútua (entrevistado A) Deve ter reuniões, oficinas para a conscientização e informação desses homossexuais (...) A princípio, que eles conheçam seus direitos e deveres como cidadãos (...) Daí surgem 153 . Rua Farme de Amoedo, no bairro de Ipanema, localizado na cidade do Rio de Janeiro. Área da praia onde localiza-se a ”Bolsa de Ipanema”, trecho que concentra grande número de homossexuais. O local é identificado por uma bandeira com o símbolo do arco-íris. 154 . Boyzinho, segundo o entrevistado, era o gay que “veste-se de homem”. 155 . Heterossexuais 213 oficinas para educação, orientação sexual, prevenção das DSTs, cultura e até lazer. (entrevistado D) Movimentos como estes ou de ativistas individuais, e as pessoas que, de alguma forma, resistiram ao preconceito, fizeram com que a questão homossexual venha sendo mais discutida e ganhe maior visibilidade. O mercado de lazer para homossexuais revela-se um nicho crescente de mercado. Conhecido como “mercado cor-de-rosa”156, é representado principalmente nos bens de consumo, tendo, portanto, forte influência do capital. Verificamos que o mercado de lazer para homossexuais pode representar uma conquista, visto que viabiliza a expressão da sexualidade de pessoas que muito desejam ter liberdade e cidadania. Freqüento também locais hetero. O problema é que se a gente se beijar (...) Num ambiente gay você tem mais liberdade. (entrevistado B) O homossexual se sente melhor no lugar dele, porque quando sai e o propósito é ”pegar pessoas”, é mais fácil encontrar alguém num lugar que você sabe que todos são homossexuais. Todos com o mesmo desejo e objetivo (entrevistado C) Todos os entrevistados freqüentam locais GLS, uns com mais e outros menos freqüência. Esses locais incluíam bares, boates, festas: Freqüento o corujinha, o gayosque, numa festa em Jacarepaguá que tem de vez em quando. (entrevistado A) Vou no bar Bofetada, no The Copa, na rua Aires Saldanha (entrevistado C) Acho que a 1104 é a casa que chegou pra ficar no Rio de Janeiro. Fica em Jacarepaguá, num ponto centralizado do Rio. (entrevistado D) Tem o bar das quengas na rua Mém de Sá, Tem o Bar da PM... Na Cinelândia também tem grande concentração de homossexuais (entrevistado B) O mercado de lazer para homossexuais, contudo, acaba por manter esses indivíduos, de certa forma, distanciados das outras pessoas. Isso remete a uma possível formação de guetos, o que andaria na contramão dos objetivos que almejam. Além disso, os donos das casas que atendem a esse público, nem sempre estão interessados na diminuição do preconceito, afinal, este é um dos motivos para que aquelas pessoas estejam na casa, consumindo... Em sua totalidade, mesmo freqüentando esses locais, os entrevistados tinham ressalvas quanto a intencionalidade dessa modalidade de lazer: Se eu sou igual a todo mundo, só minha cama é que difere da maioria (se é que é maioria), eu não posso freqüentar guetos. Eu acho que gueto é uma grande forma das pessoas faturarem muito em cima dos discriminados, das pessoas se acostumarem a ser discriminadas (entrevistado A) Está acontecendo, não porque ninguém acha que gay é bonzinho e merece espaço(...) Tem mais grana pra gastar, não tem mulher e filhos(...) Ninguém ta abrindo locais GLS porque gosta de gay. É porque gosta de grana (entrevistado D) 156 . Descrição de um dos entrevistados . 214 O gay é uma boa fonte de renda. As pessoas observam isso e abrem. Os gays não querem ficar confinados (entrevistado B) Eles escolhem GLS para ganhar dinheiro (entrevistado C) É interessante observarmos que, muito embora se considerem explorados, não deixam de freqüentar esses locais. Então, freqüentar determinado lugar, não necessariamente indica que o indivíduo esteja alienado quanto à representatividade deste e, desconheça as vantagens e desvantagens de sua opção. Embora unam pessoas de diferentes locais e influências culturais, a diferença social transpassa a questão sexual, então, não é porque um lugar é GLS, que ele vá ser freqüentado por todo e qualquer homossexual. Assim como o mercado heterossexual “tradicional”, o GLS tem as diferenças sociais e simbólicas bem demarcadas, como podemos observar: A diferença do gay da Zona Sul e o da Zona Oeste é que nem ocorre com o hetero. A diferença não é pela orientação, e sim pela condição social. (entrevistado B) O homossexual que possui maior poder aquisitivo, embora tenha diferentes informações e possibilidades, não deixa de sofrer preconceito. Segundo os entrevistados: É claro que destaque, autonomia, poder, mudam um pouco a coisa, mais vão ter respeito pelo poder. Não vai ser mais que o gay que tem dinheiro (...) Não vai ser a condição social que vai mudar isso. (entrevistado A) O dinheiro opera milagres (...) As pessoas não deixam de ter preconceito, ocultam mais. (entrevistado B) Realmente a mola mestra é o dinheiro. Meu irmão mais novo é homossexual, ele tem dinheiro (...) é muito mais aceito que gay pobre (...) Eles não deixam de ter preconceito, mas aceitam muito mais. (entrevistado C) Quando, no entanto, esse indivíduo homossexual sofre algum tipo de violência, tem mais receio de se expor na luta por seus direitos, segundo informações da coordenadora do Disque Denúncia Homossexual, Yonne Lindgren: Quem tem poder aquisitivo e notoriedade nem quer dar queixa (...) Quem não tem, bota a boca no trombone, fala mesmo, não tem nada a perder (...). Um médico famoso uma vez levou um”boa noite Cinderela157” e ao chegar na delegacia foi perguntado pelos policiais: Ô Doutor, o senhor é viado pra levar boa noite Cinderela. Muitos deixam de denunciar quando são alvos de violência, com medo de represálias, contribuindo assim para uma maior lentidão no processo de atuação dos mecanismos legais de defesa dos direitos humanos. Discriminar homossexuais é crime, segundo a lei nº 3406/00 de 15 de maio de 2000. Devem ser respeitados como cidadãos que são e buscar seus direitos como tais. 157 . Nome dado a uma forma de violência (através do roubo ou algum tipo de violação), geralmente sofrido por homossexuais, onde alguma droga (como sonífero, por exemplo) é colocada em uma bebida e oferecida. Tipo de queixa comum nos órgãos de defesa dos homossexuais. Ocorrências comuns em casas noturnas.(N.A) 215 O que o homossexual busca é ser respeitado não só pela sua sexualidade, mas como pessoa. Não importa com quantas mulheres eu vou me deitar... Respeito sem diferença. (entrevistado C) Alguns conceitos a respeito da homossexualidade ainda se apresentam de forma controversa, como por exemplo, a questão de ser opção ou orientação sexual. Entrevistados defendem diferentes posições e explicam: Esse negócio de dizer que é opção não é verdade. Não existe homossexual que opta pela homossexualidade. Desde criança eu tenho tendências homossexuais. Acho que se tivéssemos escolha, ninguém seria homossexual. Porquê eu vou optar por ser rejeitada. Por quê vou querer não ser aceita?. (entrevistado C) Já falei que não tem porque usar orientação sexual. Ninguém me orientou a ser homossexual. Eu acho que é uma opção sim. Porque pinta e conforme a vida que você leva, a criação, o nível, tudo é que você vai fazer a sua opção. (entrevistado A) Orientação ou opção, o fato é que todos são homossexuais, o que representa um traço de identidade, a única característica que os aproxima. É um grupo bem mais heterogêneo do que podemos supor e traz consigo toda a complexidade, paradoxos e contradições característicos da condição humana. O mercado de lazer para homossexuais é um espaço conquistado através da busca por liberdade de expressão, mas também representa uma vertente comum do mercado, visto que este não é o único tipo de lazer específico existente. Não é possível analisarmos a homossexualidade fora do contexto cultural e social que está inserida. As noções que temos sobre a homossexualidade, concebidos historicamente, são permeadas pelo preconceito e a discriminação. Estes são manifestados em diversos momentos, inclusive nos de lazer desses homossexuais, através de agressões físicas, verbais e gestuais. O lazer é um campo de atividade em estreita relação com as demais áreas de atuação do homem. Na consideração das suas relações com a ação humana em diversos campos, não podemos deixar de considerar as insatisfações, as pressões ou os processos de alienação que ocorrem em quaisquer dessas áreas. Entretanto, o mercado de lazer específico tem, para os homossexuais entrevistados, grande apelo comercial e é potencialmente formador de guetos. Embora quase todos concordem com essa opinião, costumam freqüentar esses locais. Verificamos, então, que a opção por locais específicos não representa, necessariamente, uma alienação quanto aos diversos aspectos que envolvem essa opção. A noção de identidade homossexual é importante, pois caracteriza a semelhança entre indivíduos com informações culturais e sociais distintas, um elo de ligação, e que muitas vezes representa a forma dessas pessoas darem ordem as suas vidas. Pernicioso, contudo, é hierarquizar tais categorias e tornar diferença em desigualdade. Referências ARANTES, A. A. O que é cultura popular., 1986. Rio de janeiro; Brasiliense ARAÚJO, Maria L.M.C.de. A história crítica da sexualidade. In: SILVA, Maria do Carmo Andrade de; SERAPIÃO, Jorge José; JURBERG, Pedro (orgs). Sexologia: Fundamentos para uma visão interdisciplinar., 1977. Rio de janeiro: Universidade Gama Filho. CAMARGO, Luiz Octavio de L. O que é lazer. São Paulo: Brasiliense, 1989. 216 CHINELLI, F. Acusação e desvio em uma minoria. In: VELHO, G. (org) Desvio e Divergência: uma crítica da patologia social., 1985. Rio de janeiro: Jorge Zahar. CUNHA, Carlos F. F. e MELO, Vitor Andrade. Homossexualidade, Educação física e esporte. 1996.Ano III nº 5: Revista movimento. FRY, Peter e MCRAE, Edward. O que é homossexualidade., 1986. Rio de Janeiro: Brasiliense GEERTZ, C. A interpretação das culturas., 1989. Rio de Janeiro: Livros técnicos e científicos S. A. GREGERSEN, E. Práticas sexuais: a história da sexualidade humana., 1982. São Paulo: Roca. MARCELLINO, N.C. Estudos do lazer- uma introdução., 1996. Campinas: Autores Associados. RAGO, M. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar., 1985. Rio de janeiro: Paz e Terra. TANAHILL, Reay . O sexo na história., 1983. Rio de janeiro: Livraria Francisco Alves. VELHO G. Estudo do comportamento desviante: A contribuição da Antropologia social. In: VELHO, G. (org) Desvio e Divergência: uma crítica da patologia social., 1985. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 217 A ANIMAÇÃO CULTURAL E A INCLUSÃO SOCIAL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA: O CASO DA VILA OLÍMPICA DA MARÉ E O PAÇO IMPERIAL Prof. Marcelo Siqueira de Jesus158 Profa. Ms. Márcia Moreno159 Grupo de Pesquisa Lazer e Minorias Sociais/EEFD/UFRJ160 RESUMO: Este texto apresentará o relato de experiência ocorrido no mês de setembro de 2003 no projeto desenvolvido pela Secretaria Municipal de Esportes e Lazer (SMEL) na Vila Olímpica da Maré, especificamente com o grupo temático Educação Física Adaptada. Trata-se de um trabalho realizado com o objetivo de levar alunos que freqüentam as nossas atividades adaptadas e de recreação para a visitação de espaços culturais públicos no Centro da cidade do Rio de Janeiro. Dentre os bens culturais públicos escolhemos o Paço Imperial, pois a acessibilidade encontrada no local é satisfatória para o atendimento desta clientela. PALAVRA-CHAVES: animação cultural, pessoa com deficiência e inclusão. Um breve histórico É importante relatar a história de um dos principias pontos de habitação na cidade do Rio de Janeiro, que é a região da Maré161. A divisão deste espaço é feita por pequenas comunidades, num total de 11 favelas que ao todo correspondem ao Complexo da Maré. A ocupação desta região, que fica aos arredores da Baía de Guanabara, teve seu início no descobrimento com a já ocupação dos índios Tupinambás que ali cuidavam da terra e cultivavam as suas manifestações culturais. Com o passar dos tempos a área que era cercada por ilhas e florestas foi modificando a sua imagem natural através das edificações construídas, com o interesse de ocupação e de implantar novas redes comerciais. Até porto está região possuía, pois dali é que partiam os produtos a serem comercializados para a região rural da cidade162. Como é notório em qualquer metrópole e também na cidade do Rio de Janeiro ocorreram várias transformações ao longo dos tempos em suas diversas regiões, mudanças estas provocadas pelo aumento da população. Tomando como exemplo, a cidade no ano de 1808, chegada da corte portuguesa, tinha cinqüenta mil habitantes. Não havia espaço de moradia para a população na região do Centro, com isso a truculência como é de praxe nos governos autoritários prevaleceu, a corte determinou um ato pelo qual ao ser fincado um brasão real na porta de qualquer 158 . Bacharel e Licenciado em Educação Física EEFD/UFRJ e Professor da Secretaria de Esporte e Lazer (SMEL) Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro. Endereço eletrônico [email protected] 159 . Professora do departamento de Ginástica da EEFD/UFRJ. Endereço eletrônico [email protected] 160 . Grupo de pesquisa coordenado pelo Professor Dr. Victor Andrade de Melo. Contato: www.lazer.eefd.ufrj.br. 161 . Não pretendemos realizar um aprofundamento histórico da região, mas apenas para melhor elucidar nosso pensamento apresentaremos um breve relato da história da região para entendermos a que ponto se chegou na atual situação. 162 . Para melhor aprofundamento favor consultar o CEASM (Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré) através do endereço eletrônico www.ceasm.org.br 218 mobiliário que interessasse a mesma e no instante momento que isto acontecia o morador ou dono da casa teria que sair do imóvel. Com isso, sem onde fixar residência estes moradores iriam ocupar as regiões das fazendas, onde mais tarde surgiam os bairros163 da cidade. Uma destas fazendas abrangia a região que hoje são os bairros de Bonsucesso, Ramos, Olaria e Maré. Havia o Porto de Inhaúma que facilitava a chegada de embarcações. Esta região sofreu várias mudanças dentre as principais citamos: construção da Fundação Oswaldo Cruz (importante Centro de Estudos e pesquisas ligados a combater endemias e epidemias), a Cidade Universitária (Campus Fundão da UFRJ), Refinaria de Manguinhos, Linha Vermelha e Avenida Brasil (principal via de ligação da Região do Centro da cidade até a Região Oeste) e a modelação dos bairros da Região Leopoldina164. Mas o ponto interessante do início de ocupação que levou ao atual quadro encontrado na Maré foi realizado num momento de Lazer. A década de trinta do século passado foi marcada pela ditadura do Estado Novo, nesta época Dona Orosina e seu Esposo, recém-chegados do Estado de Minas Gerais, residiam num cortiço no Centro da cidade. Numa manhã de domingo, ao realizar um passeio pela região da praia de Inhaúma (atual Baixa do Sapateiro e Morro do Timbáu) interessou-se pelo lugar, admirando a sua beleza, resolveram então construir um barraco com madeiras trazidas pelo mar e montaram o primeiro barraco da região, depois vieram outras pessoas, surgia assim à favela da Maré165. A região do Morro do Timbáu aonde surgia à comunidade pertencia a União, e outras pessoas oriundas de regiões do país e principalmente do Estado do Rio166que chegavam ao Distrito Federal e não encontravam oportunidades vinham ocupar regiões semelhantes à Maré, então o próprio governo resolveu retirar todos que ali moravam, porém Dona Orosina se organizou com o número de moradores que ali residia e fundaram uma associação de moradores e chegou a ter uma audiência com o então presidente Getúlio Vargas para que tomasse providências a que não perdessem suas moradias e que o exército parasse de importunar os moradores, desejo atendido. Portanto, é mister apontar a história da região para entendermos o processo que levou à Região da Maré a ser uma das regiões mais populosas da cidade do Rio de Janeiro. Como auxílio para este processo apontamos as diversas desocupações das favelas e cortiços acontecidos nas Regiões Centro e Sul da cidade, além do êxodo rural acontecido em grande número em meados das décadas de sessenta e setenta do século passado. O Estado não cumpria ali o seu papel de ordenar a ocupação daquela região, as casas eram construídas em forma de palafitas, sobre a água, contudo o contagio de doenças era proeminente. A intervenção do Estado veio em meados da década de setenta e oitenta com o processo de continuação dos aterros e realização de conjuntos habitacionais, ainda na década de noventa outros conjuntos habitacionais vieram a incorporar a paisagem atual 163 . Para melhor detalhe ver Coleção Bairros do Rio (1998) . Assim chamada por se tratar de uma região que possui linha férrea e ao redor dos trilhos surgiam os bairros. Além disso, a empresa que administrava o sistema ferroviário chamava-se Leopoldina daí vem o nome da região. 165 . Para melhor detalhe ver www.ceasm.org.br. 166 . Registro antes da fusão do Estado do Rio de Janeiro com o Estado da Guanabara ocorrida na década de setenta do século passado 164 219 da região. Mas os problemas ainda não foram sanados, as políticas públicas não conseguem diminuir as desigualdades sociais encontradas na região. No final do século passado, as lideranças locais exigiam a construção de um espaço voltado a atender a comunidade na área de esportes e atividades físicas, com o intuito de atuação na melhoria da condição de vida naquela região. Havia uma área vazia próxima a uma via expressa que liga a cidade a outros municípios (Linha Vermelha) que seria o local aonde a comunidade queria ter uma área de lazer. No ano de 2000 foi inaugurada a Vila Olímpica da Maré num espaço de cinqüenta mil metros quadrados, com a parceria dos governos federal (através da Petrobrás), municipal (Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro) e além da ONG Viva Rio. Neste texto vamos realizar um breve relato da visita de um pequeno grupo de moradores que são pessoas com deficiência durante um momento proporcionado de lazer em um espaço cultural público do Centro da cidade do Rio de Janeiro. Aprofundando Relações Na Vila Olímpica da Maré estima-se que doze mil pessoas são atendidas por semana, entre os projetos temáticos: de desporto, ginástica, natação, hidroginástica e atividades para pessoas com deficiência. A prefeitura é quem gerencia os projetos da Vila Olímpica através da Secretaria de Esportes e Lazer167 e à administração do espaço é destinada a ONG União Esportiva Vila Olímpica da Maré. O projeto temático voltado a atender as pessoas com deficiência proporciona à comunidade atendimento de: natação, recreação, jogos e lazer. A equipe de profissionais é composta por uma coordenadora, cinco professores e três estagiários distribuídos nos turnos manhã e tarde. O total de alunos atendidos pela equipe é de cento e quarenta e oito, divididos por faixa etária (de dois a setenta anos), os tipos de deficiência mais encontrados em nossos alunos são: a deficiência física e deficiência mental, outros tipos de deficiência são encontradas, sendo que estas duas são as mais comuns. A atividade que se refere ao presente texto é o lazer que é proporcionado aos alunos do projeto de atendimento a pessoa com deficiência. Todo mês a secretaria disponibiliza para a equipe um ônibus para levar até cinqüenta alunos a um espaço destinado ao Lazer deste grupo. O espaço que a equipe escolheu para realizar a visita foi o Paço imperial168 pelos seguintes motivos: por causa da sua acessibilidade, pelo belo laço de comunicação entre a nossa equipe e a equipe educacional do Paço e por haver uma exposição do artista plástica gaúcho Iberê Camargo (pois suas obras retratam diferentes momentos de sua vida e que se confundem com lembranças vividas por todos nós). Para este evento decidimos que os grupos dos adultos e dos idosos seriam os contemplados neste passeio. O Paço Imperial foi a primeira sede do governo em nossa cidade, e se tornando até sede do Império português. O local possui uma história rica169, pois ali se 167 . A secretaria distribui as suas ações em quatro vetores: Vetor Um atividades de esportes, Vetor Dois atividades para pessoas com deficiência, Vetor Três atividades para a terceira idade e Vetor Quatro grandes eventos 168 . Como aponta Jesus (2001) em pesquisa sobre a acessibilidade dos bens-públicos no Centro da cidade do Rio de Janeiro, o Paço Imperial é um espaço que possui boas instalações a fim de eliminar as barreiras arquitetônicas. 169 . Para maiores detalhes favor ver Coleção Bairros do Rio (1998). 220 pode estabelecer um relato da vida de nosso país. Durante o funcionamento do governo este espaço era considerado como local de nobres e a população menos favorecida tinha acesso restrito nas dependências da edificação. A democratização170 do Paço veio acontecer após a desocupação da empresa estatal de Correios e Telégrafos ocorrido no ano de 1985 (Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, 1998). Com isso, o prédio perdia a sua utilidade para a vida funcionalista desta cidade e se transformou num importante espaço de cultura para o nosso país. Por mais que encontremos espaços culturais na cidade que proporcionem acesso gratuito, muitas pessoas, principalmente moradores de comunidades carentes não possuem o conhecimento e o acesso aos centros culturais171. No momento de lazer da população nestas regiões são voltados para espaços da própria comunidade promovida por políticas que promovem o assistencialismo172, ou então algum “showmício” realizado nas famosas campanhas eleitorais. Mas em se tratando de pessoas com deficiência isto não retrata que ocorra atendimento para esta parcela de nossa população, pois na verdade ela se transforma como é o caso do morador da comunidade, a minoria das minorias sociais. A pessoa sofre o estigma (Goffman, 1988) na própria comunidade e muitas das vezes a própria família deixa-o isolado do meio-social. Portanto, a visita neste espaço se torna pertinente no ponto de proporcionarmos o convívio ou mesmo a inclusão deste grupo ao nosso meio social, se trata de uma tentativa de resgate da cidadania, e até mesmo o encontro do cidadão com o Centro da cidade. Pensando nisso, realizamos em momento breve que antecipava o passeio uma pequena troca de informações entre o conhecimento que os alunos tinham sobre lazer, recreação, animação cultural. Como resposta o grupo apresentou que à figura do animador cultural era semelhante à função de um animador de festas infantis, a recreação era vinculada ao momento do brincar e o lazer era o momento do passeio ou ida à casa de familiares ou amigos. Dentre os espaços conhecidos por eles apontaram o Cristo Redentor e o Pão de Açúcar, por dois motivos, primeiro por ser os espaços que freqüentemente aparecem na mídia e segundo por se ter à vista dos dois no horizonte na localização da comunidade. Enquanto que para a equipe de professores o conhecimento transmitido foi o de esclarecer os termos apresentados aos alunos e mesmo tratar de uma educação humanizada173pelo qual a relação que é estabelecida no contato e convívio entre as pessoas se tornem verdadeiras, saudáveis, amáveis e fraternas. Portanto, estaria sendo realizado um importante momento de educação e lazer, pois, para aquele grupo de alunos foi a primeira vez que entravam naquele prédio, e havia dentre eles os que poucas vezes tinham saído de sua comunidade, dentre outros que passaram em muitas vezes em frente ao prédio e não sabiam o que era ou do que se tratava. 170 . Marcellino (2000) relata o processo de democratização do espaço público em transformação de centros e espaços culturais. 171 . Victor Andrade de Melo (2003) aponta que isto se deve a uma questão de educação e vontade política, e que a produção cultural deve ter um projeto pedagógico contínuo e prolongado, despertando em cada indivíduo o pensamento de produtor da cultura e atender o direito básico de acesso à multiplicidade de oportunidades que a cidade oferece (p.87). 172 . Pedro Demo (2002) esclarece que a política assistencialista que na maioria das vezes é empregada nas comunidades como política social 173 . Segundo Freire (2002), Ensinar exige algo de Humano, portanto ao educar devemos proporcionar a humanização. 221 Ao chegarmos no Paço, realizamos um breve comentário sobre aquele espaço, contando a sua origem, importância e o que se tratava nos dias atuais. Em seguida fomos recepcionados pela equipe educacional que nos tratou muito bem e seguimos para o segundo andar, onde estavam distribuídas as obras do artista plástico Iberê Camargo174. As obras relatavam a expressão de vida pessoal do pintor, apareciam as figuras da bicicleta, do carretel de madeira e a vida. Muito ligadas à infância, surgiam assim lembranças por parte de cada aluno da sua infância, aproveitando aquele momento alguns relatavam estórias acontecidas quando crianças. No decorrer do passeio foi importante também observar o comportamento das pessoas ao redor do nosso grupo, elas olhavam para os nossos alunos e apresentavam em sua face uma fisionomia de curiosidade e estranheza, pois não perguntamos para estas pessoas o que pensavam sobre nós, mas era de se notar o interesse em nos observar. Para os nossos alunos que são pessoas com deficiência física foi um momento de encontro com a cidade e com a sua valorização como ser humano. Para eles a ida num museu ou centro cultural era ligada ao poder de consumo, pois ao avistarem as dependências do espaço indagavam da seguinte maneira: “este lugar é para quem tem um bom poder aquisitivo”. Através deste pensamento vimos que a indústria do lazer é mais presente na população na forma atribulada ao consumo. Canclini (1996) em seu estudo relacionado aos efeitos da globalização numa sociedade multicultural aponta que nas grandes cidades com o surgimento dos shoppings-centers e as pequenas salas de projeção de filmes tem afastado cada vez mais as pessoas que possuem baixa condição financeira por causa dos altos custos apresentados no acesso a estes espaços (isto no caso dos cinemas), e ainda ressalva que com o fim dos cinemas de bairro a população fica mais restrita ao contato com a sétima arte. Breve consideração final Por mais que existam problemas vinculados ao transporte, a acessibilidade, ao acesso e a compreensão das pessoas, é importante realizarmos as ações de levar a pessoa com deficiência aos espaços que promovam a cultura. Esta ação apresenta um breve momento ou intenção de realizar a inclusão desta pessoa em nosso meio social. A professora Rosana Glat (1998) indica que o mais importante no momento da inclusão é justamente dar oportunidades e atenção à pessoa com deficiência no convívio em nossa sociedade. Estas oportunidades devem de ser feitas de maneira planejada e continuada em todos os âmbitos sociais. O evento que realizamos com os alunos participantes do projeto foi planejado de maneira que um dos professores participou de um encontro de educadores oferecido pela acessória educacional do Paço Imperial, com o objetivo que cada educador levasse o seu grupo de alunos para uma visitação a exposição. A visitação já tinha sido realizada por um educador de nossa equipe, com isso, já sabíamos a quem do grupo de alunos iríamos proporcionar o passeio, pensando no melhor aproveitamento da exposição. Dentre as alternativas que podemos encontrar em nosso meio social, voltados à realização da inclusão de pessoas menos favorecidos da sociedade é a animação cultural, pois, promove o encontro do cidadão com a cultura da cidade, como 174 . O título da exposição era “Iberê Camargo diante da pintura”. 222 afirma Melo (2003) e ainda assim, rompe a barreira que existe entre a cultura na periferia e no centro. Por isso é que relatamos um breve histórico do processo de ocupação da comunidade da Maré, pois como foi abordado, durante um passeio surgiu a idéia do visitante de montar moradia naquela região. Um fato que comprova a total falta de planejamento urbano a que nossa cidade sempre atravessou, e também o descaso das autoridades referentes ao surgimento desordenado de habitações. Podemos afirmar que através das ações que o CEASM175 realiza na favela da Maré são destinadas a atender uma grande parcela dos moradores da comunidade, mas as ações voltadas a atender a pessoa com deficiência são pequenas, pois apenas a FUNLAR e a Vila Olímpica da Maré proporcionam um atendimento direcionado a esta clientela. Acreditamos que muito ainda deve de ser feito para as injustiças sociais serem quebradas, mas algumas ações surgem em momentos de superação e realização. Com isso, o encontro acontecido naquela tarde de primavera entre um pequeno número de moradores da comunidade da Maré com o espaço situado no Centro da cidade foi na verdade o pequeno rompimento momentâneo entre a cultura da periferia e a cultura do centro. Referências CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e Cidadãos; conflitos multiculturais da globalização 2° Edição. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996 CEASM, Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré. Histórias da Maré. Disponível em www.ceasm.org.br, Acesso em 6 de janeiro de 2004 DEMO, Pedro. Política social, educação e cidadania 6°Edição. Campinas: Editora Papirus, 2003 FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1996 GLAT, Rosana. Questões atuais em educação especial – A integração dos portadores de deficiências: uma reflexão Volume I. Rio de Janeiro: Editora Sette Letras, 1998 GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada 4° Edição. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1988 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade tradução Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro 7°Edição. Rio de Janeiro: Editora DP&A, 2003 JESUS, Marcelo Siqueira de. Percorrendo os espaços culturais no Centro da cidade do Rio de Janeiro: Um caminho para a acessibilidade. Rio de Janeiro: UFRJ – EEFD, 2001. Memória (Bacharelado em Educação Física). MARCELLINO, Nelson C. Lazer e Humanização. Campinas: Editora Papirus, 2000. MELO, Victor Andrade de. A cidade, o cidadão, o lazer e a animação cultural. Licere: Belo Horizonte, v.6, n.1, p.82-92, 2003 RODRIGUES, Alberto Tosi. Sociologia da Educação 3° Edição. Rio de Janeiro: Editora DP&A, 2002 RIO DE JANEIRO, Prefeitura da Cidade do. Centro – Coleção Bairros do Rio. Rio de Janeiro: Editora Faiha,1998 WERNECK, Cristianne Luce G. STOPPA, Edmur Antonio. ISAYAMA, Hélder Ferreira. Lazer e mercado. Campinas: Editora Papirus, 2001 175 . Citamos os movimentos culturais surgidos no CEASM : o grupo de dança da Maré, pré-vestibular para a comunidade, manifestações culturais étnicas, movimento voltado ao meio-ambiente, entre outras. 223 MULHERES INVISÍVEIS: ESTRANHAMENTO NO ESPAÇO DOMÉSTICO Profa. Wanja de Carvalho Bastos Grupo de Pesquisa Lazer e Minorias Sociais/EEFD/UFRJ176 RESUMO: O grupo em questão é formado por empregadas domésticas residentes no local de trabalho, alunas na Pastoral das Domésticas, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Buscou-se a descrição das apreensões e práticas no âmbito do lazer grupo, ressaltando apenas alguns elementos comuns ao universo das empregadas domésticas como: uma categoria que não apresenta, por lei, uma jornada fixa de trabalho. A “doméstica residente”, não tem um papel definido na estrutura familiar em que trabalha, gerando, de certa maneira, uma distorção social para muitas mulheres; podendo, inclusive, gerar certa dificuldade em conciliar o trabalho com o lazer. Sendo assim, aponta-se aqui algumas questões que merecem ser aprofundadas para uma melhor intervenção e compreensão dessa minoria social. PALAVRAS-CHAVES: doméstica residente, lazer, trabalho. Introdução O presente trabalho tem o objetivo de traçar uma panorâmica de empregadas domésticas, identificando barreiras e peculiaridades relativas às vivências do lazer desse grupo da Zona Sul da Cidade do Rio de Janeiro. Para o alcance do objetivo deste estudo descritivo, foram feitos levantamentos bibliográficos e realizadas entrevistas com quatro empregadas domésticas que participaram, do programa de alongamento e animação cultural, oferecido à Pastoral das Domésticas. Trabalho este, aceito pela maioria das freqüentadoras da Pastoral, incluindo as que não foram alunas, devido ao caráter de desvelo com que é percebido pelo grupo. No entanto, a justificativa para a realização de um estudo com empregadas domésticas residentes no local de trabalho, da perspectiva do lazer, diz respeito à especificidade que esse grupo tem dentro da categoria das trabalhadoras domésticas. Elas, incrivelmente, não despertam o interesse de observadores, podendo ser consideradas, quase sempre, como mulheres invisíveis, pelo fato de estarem ocultas, apesar de serem óbvias. Roberto da Matta, quando citado por Naumi, denomina de “conversão epistemológica e metodológica: ver o estranho no familiar e o familiar no estranho.” pág. 28. E a explicação dada por Naumi (1997) para essa conversão, é a seguinte: O que motiva qualquer observação é sempre ou o inusitado da coisa - seu distanciamento, sua aparição inesperada - ou, ao inverso, uma brusca mudança na percepção que temos do que nos é habitual, quando o usual da coisa não responde mais o significado que lhe atribuímos (...) (p.28) E por que, especificamente, o lazer de mulheres que trabalham em média 14 horas por dia? 176 . Grupo de pesquisa coordenado pelo Professor Dr. Victor Andrade de Melo. Contato: www.lazer.eefd.ufrj.br. 224 Pois, se é no tempo artificial (independente da natureza e suas leis)do nãotrabalho que os grupos desenvolvem inúmeras atividades necessárias à vida, inclusive, à prática do lazer; são as outras 10 horas do dia que complementam a construção do perfil da população estudada. Segundo Dumazedier (citado por Marcellino), lazer é: (...) um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou, ainda, para desenvolver sua informação ou formação desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora, após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais. (1995, p.16) Nos centros urbanos, essa ocasião é o terreno fértil para que as pessoas se dediquem à construção da cultura, que segundo Arantes(1986), é um “sistema simbólico reconstituído” (p.41) e, de certa maneira, é onde elas podem experimentar a liberdade de expressão de suas aspirações e realizações, condição básica para a dignificação das relações humanas. Apenas a título de ilustração, vemos que esse tempo fora do trabalho também pode representar um período dedicado ao consumo de produtos provenientes de uma indústria dedicada a produzir diversão. A “Indústria Cultural”, termo criado por Horkheimer e Adorno (1999, p.7) para indicar a exploração feita sobre os bens considerados culturais, onde os negócios lucrativos, por si só, se justificavam. Desta forma, a relevância do estudo sobre o lazer de empregadas domésticas residentes no local de trabalho está na possibilidade de “estranharmos” o nosso cotidiano e a vida dessas pretensas cidadãs que têm expectativas próprias para suas vidas . Além, de acrescentar dados sobre um grupo específico, carente de referencial bibliográfico. Conhecendo o Grupo Na casa vazia , toda família na repartição, gritava com a empregada que nem sequer lhe respondia(...) -Magrinha, mas como devora, dizia a empregada esperta. - Pro diabo, gritava lhe sombria. Lispector(1995, p.107) A empregada correu na frente, para avisar: Me desculpe, madame, mas a campainha tocou, e mal eu fui abrindo a porta, essa madame aí foi entrando e dizendo que precisava falar com o doutor. Andrade(1978, p.42) - Inézia - Doutor, outra vez ela não quer comer! Olegário - Não quer!...Você precisa ter paciência, que diabo! Inézia - Eu tenho, doutor, eu tenho paciência! Mas se ela não quer? Olegário - Então espere um pouco e depois veja se ela come! Inézia – Vou esperar, doutor. Mais do que eu faço!... Rodrigues(1965, p.28) Na literatura nacional as estórias se desenrolam, de um modo geral, com a presença da personagem da empregada doméstica. Isso independe do estilo literário em questão. Assim, também, ocorre no nosso dia a dia. Visitar um amigo e ser recebido por uma empregada doméstica é uma situação corriqueira no Brasil, no entanto, menos 225 freqüente nos países centrais, onde o valor do serviço prestado por um trabalhador doméstico é acessível a poucos. Essa pequena introdução ao desenvolvimento desse trabalho tem a intenção de ressaltar a presença dessas trabalhadoras no nosso cotidiano. Confirmando, assim a impressão de familiaridade que as empregadas têm no ambiente doméstico, sem despertar no leitor mais atento, qualquer estranhamento. Tornando estranho O grupo entrevistado é formado por quatro empregadas domésticas residentes no local de trabalho, alunas ou ex-alunas do programa oferecido pela Pastoral das Domésticas, na Paróquia Nossa Senhora de Copacabana. Neste grupo: duas são solteiras, uma separada e uma viúva. Nenhuma mencionou a existência de companheiros ou namorados; todas naturais de outras regiões do país ou do Estado do Rio de Janeiro. Católicas com intensa devoção aos preceitos religiosos e, de grande dedicação às atividades propostas pelas igrejas que freqüentam. Quanto ao ambiente criado dentro do espaço da igreja, um outro levantamento seria necessário, pois a complexidade do assunto requer maiores cuidados metodológicos. No entanto, é um local comum ao grupo e de grande importância para essas mulheres. A entrevistada 3 comenta sobre seu trabalho na igreja, onde classes mais abastadas da Zona Sul do Rio de Janeiro são a maioria: - Você considera a cantina (da igreja) lazer? - Não. Por que? (risos) - É um trabalho igual ao que eu faço durante a semana. Mas é uma opção sua, você escolheu isso. - A diferença é que a gente lida com o público, né... Para você a diferença, é essa? - É, a diferença é essa. Você se ofereceu para trabalhar na cantina, não foi ? - Foi. Por que você se ofereceu para trabalhar na cantina? - É uma doação, né? Uma doação para a igreja. Ainda relacionado à igreja, a entrevistada 4 comenta sobre o valor de fazer parte de um ambiente suscitador de confiança dos patrões, quando abordamos o assunto “quarto de empregada”. Ela assinala a importância do grupo na sua vida, inclusive os formados dentro do espaço do ambiente religioso. - - - E de primeiro tinha as portas eles fechavam assim, agora é aberta, mas antigamente fechava e eu me isolava lá no meu quarto. E eu me sentia muito triste. Que na roça, né? a gente morava, a casa era toda aberta ia passear no quintal ... E chegando no apartamento, ela chegava, falava, mas depois trancava tudo e eu ficava para lá. Fechava a porta e você ficava no seu quarto? - É. Aí, depois não. Depois que eu fui, assim, entrar para o sindicato, aí com o tempo eu fui para Igreja da Ressurreição Mas qual é a relação que isso tem a ver com o quarto? - Não, porque eu já senti, quando eu comecei a dizer que fazia parte do movimento de mulheres, quando sentiu que comecei na igreja que eu estava no grupo, aí começou a ver que eu já tinha me enturmado com outras pessoas e que eu não era mais sozinha. Por que a gente se sente sozinha, as pessoas acha que aquela pessoa tem que ser ,assim... rejeitada, me sentia assim O que mudou? - Ah, mudou que a porta começou a ficar aberta (da cozinha para sala) Trabalho e dependência Sobre a longa jornada de trabalho diário dedicada à família dos patrões (14horas/dia em média) a entrevistada acima comenta que: 226 - Ah! Aqui no Rio eu estudei um pouco ,mas era muito puxado e eu parei. Para trabalhar e fazer os deveres todos(...) eu não conseguia acompanhar os outros, fui obrigada a parar. Aí, o curso que faço muito é de culinária. Isso eu estou fazendo para me aperfeiçoar mais. Mas agora, de estudo, eu parei, não dá não. A Lei nº5859 de 11/12/72 que dispõe sobre a profissão do empregado doméstico, regulamentada pelo decreto 71885/73 não prevê uma jornada fixa de trabalho para a categoria, ficando a critério de negociações e acordos individuais entre a empregada e o patrão. Um dos elementos negativos para mobilização da categoria. Um outro tema recorrente nos nossos encontros é o papel de suporte financeiro que essas mulheres representam nas suas respectivas famílias, ou para entes próximos. Apesar delas não declararem a existência de dependentes, afirmam “ajudar” financeiramente os familiares. A entrevistada 2 não concordava com a idéia da dependência da filha, apesar delas estarem sob o teto do próprio patrão. - Ela dependeu de mim até os 13 anos, 14 anos começou a dar aula particular, que ela já fazia o normal, começou a dar aula particular e comprar as coisinhas dela e... Mas você comprava comida, ela morava contigo... - não, comprava comida não; ela morava comigo na casa do patrão Então dependia de você? - Dependia de mim, sim, até os 18 anos. (quando)... ela foi para Alagoas, ela fez um concurso(...), aí ela ficou lá e está no Estado até hoje. Percebo, de certa maneira, nessa e em muitas passagens, uma distorção da realidade. Essas mulheres são provedoras de muitos, sem ao menos isso despertar um questionamento sobre a qualidade de vida que levam. Será que as dores e as tensões musculares recorrentes podem estar relacionadas com essa forma de viver? Partindo do comentário delas sobre as empregadas mais velhas, estabeleço uma ponte entre a relação – empregada e seus dependentes - com uma outra característica do grupo: o imenso grau de dedicação às famílias para quem trabalham. Por que será que muitas delas continuam deixando de lado suas vidas passando a cuidar dos outros, incondicionalmente? O fato delas morarem nas casas dos patrões desde muito novas, permanecendo por um longo período no mesmo emprego, cria um intenso vínculo afetivo favorável às relações humanas. Mas, também, é por onde perpassam inúmeras emoções, no qual as contradições e os conflitos, supostamente inerentes na relação social entre empregada e empregador, ficam ofuscadas, como é o caso de serem consideradas “quase da família”. Lenira comenta que : Isso causa um efeito muito forte nas pessoas, que começam a sonhar com coisas que, na prática, não têm. A autora continua comentando que: A falta dessa clareza, muitas vezes, atrapalha a nossa disposição para a luta e para o avanço de nossa organização.(1999, p.106108). Kofes comenta sobre a função da empregada doméstica na casa da patroa, causando uma difícil diferenciação dos papéis sociais, até mesmo porque é a empregada doméstica que “realizará funções e papéis colados aos papéis e posições atribuídos às mulheres na ordem doméstica, os quais implicam dimensões complexas como afetividade e sexualidade.” (2001, p.43). 227 Outro fato importante para este trabalho é a visão que as empregadas domésticas têm sobre seus quartos, pois é o cômodo da casa que ela fica no momento do não trabalho e que é caracterizado pelo reduzido conforto. A Entrevistada 1 descreve seu local de dormir, ou seja, o espaço da casa também utilizado para ela dormir, como um misto de quarto de dormir, dispensa e cômodo associado ao ambiente de lazer da família, pois fica ao lado da piscina. A entrevistada 2 é uma exceção neste assunto, pois o quarto apresenta ar condicionado, mas não foge da característica básica de um quarto dedicado à empregada doméstica. As expressões utilizadas pelas entrevistadas 3 e 4 , quando o assunto é janela do quarto de empregada, se referem a ela no diminutivo: “Tem, janelinha”; “(...) basculantezinho.” Durante uma conversa informal, num grupo de amigos, um homem se vangloriava de poder oferecer à empregada doméstica que trabalhava em sua casa, um quarto com uma das vistas mais belas do Rio de Janeiro. No entanto, ao ser questionado sobre a distância entre o parapeito e o chão, da referida janela, (mais de 1metro e cinqüenta centímetros de altura) e a disposição dos cômodos da área em questão(entre a janela do quarto de empregada e a janela com vista panorâmica havia uma área de serviço, com tanque, maquina de lavar e lixeira); algumas pessoas já não eram mais cúmplice dessa idéia de ‘privilégio’. Deu-se aí o estranhamento do familiar. Lazer do grupo As entrevistadas, por mais que tenham dificuldades em “criar” e “ocupar”, um espaço amplo e diversificado para o lazer, expressam com alguma clareza a importância desse momento em suas vidas. Observemos as declarações quando questionadas sobre a importância do lazer. Entrevistada 2 afirma: - - O lazer é muito importante, eu acho que dá uma satisfação em você, que você volta para o trabalho com mais ânimo. Por exemplo: fui para Búzios, fiquei lá, Sábado, Domingo, Segunda e voltei na Terça; voltei outra, voltei mais animada. Tive meu lazer... Você acha que o lazer é importante para aliviar a tensão do trabalho? Ou você acha que tem mais? Tem mais, para você mesmo. Do jeito que você falou, parece que você foi até lá porque depois volta para o trabalho mais animada. É só isso você vai ao lazer para te dar mais ânimo para continuar trabalhando? - Não porque me dá prazer, mesmo. Porque as vezes vou ao divertimento e quando eu volto e vou para cama dormir. Tomo o meu banho e vou para cama dormir. Mas eu fiz uma coisa para mim. A entrevistada 3 afirma que a importância do lazer: - É para própria mente, para o corpo, né? Como assim? - Quando eu saio, qualquer lazer que seja, a gente volta de lá renovada. A mente mais aberta, arejada. Um ponto que ficou evidente neste estudo é a dificuldade que as empregadas domésticas que moram no local de trabalho têm em definir o seu tempo livre diário, visto que esta categoria não apresenta uma jornada de trabalho fixa, pelas leis trabalhistas. Além deste fato, de um modo geral, é a organização do tempo dos moradores da casa em que trabalham, que indicará a sua disponibilidade de tempo para o próprio desfrute. No entanto, algumas estratégias são utilizadas por essas trabalhadoras, de maneira que essa ordem possa ser subvertida à medida do necessário. Como ir ao cinema entre uma obrigação e outra. Até mesmo, porque em nenhum 228 momento elas demostraram qualquer intenção explícita em transformar a estrutura da relação com os patrões. Elas comentam, também, sobre a percepção que têm quanto ao papel secundário dentro da casa em que trabalham, especialmente, nos seus momentos de lazer. Descrevem ocasiões em que os patrões comentam, com ironia, sobre as suas atividades sociais. - (...)uma vez que você ligou para lá, tem um tempo, ai disse que era professora de..., aí ele ficou me encarnando, ai também eu num... Como é? - Ficou encarnando, porque você ‘falou que era professora de ginástica, não sei o que você disse, né? Aí ele falou -“ligou uma moça aí, acho que era uma professora de Karatê, não sei se era Judô, se era...” assim, mesmo... aí eu não sei. Ele é assim, gosta muito de tirar sarro, mas aí ele viu que sou um pouco fechada, ele parou logo, eu não dou resposta, não falo nada. No que tange ao aspecto econômico dessas mulheres, a média da renda salarial é de três salários mínimos. Geralmente, não apresentam gastos com alimentação, moradia e transportes, investindo seus salários na construção da casa própria. Quanto ao lazer, apresentam gastos reduzidos. No entanto, cabe aqui relembrar as “ajudas em dinheiro” constantes dadas aos familiares. Quando questionadas sobre o desejo de buscar informações sobre eventos gratuitos que aconteciam na cidade, a falta de tempo é o fator primeiro para a tal desinteresse, superando o aspecto econômico. Percebe-se que as frustradas tentativas de participar dos eventos acabam por gerar uma redução do lazer diversificado. Sendo assim, a igreja é um ambiente fundamental de convívio. Os interesses por lazer da entrevistada 1 são abafados, visto que as possibilidades de realização são frustradas. - Ah, eu buscava, agora nem olho mais, que eu não tenho tempo para ir, para que? Então não vejo...(risos) tenho a maior raiva, queria ver “O Bonequinho viu”, aquele cinema da praia, eu ia muito, “Projeto Aquários”, por isso nem quero saber, gosto mesmo de participar. Ia muito ao Teatro Municipal de manhã de dia, eu gosto, não tenho tempo, para que vou ficar sabendo? A igreja é o espaço de lazer deste grupo. É aí, que muitas mulheres conseguem conversar sobre seus problemas mais simples, pois são imigrantes e suas referências familiares e de amizades, ficaram distantes. Da mesma forma que esse ambiente pode se tornar um terreno fértil para reflexões mais profundas, chegando a formar líderes de movimentos da categoria ou partidários; pode também gerar mulheres resignadas e com grandes impedimentos corporais, fato este que venho observando desde o início das aulas com as empregadas na Pastoral. A declaração de Lenira Carvalho (1999), que sofria com as pregações dos padres que consideravam o sexo um pecado maior e minimizavam as injustiças sociais, vivifica tal percepção. (...) padre pregando sobre o inferno, o purgatório e o céu. Quando terminava saía mais preparada ainda para não pecar(...). A noção de pecado era muito ligada a sexo. Não havia nada sobre as injustiças e os outros pecados sociais. (p.53) Conclusão Após três anos desenvolvendo trabalho de intervenção na área de animação cultural com empregadas domésticas, devo admitir que não foi fácil lidar com a angústia gerada pela produção desse artigo, tendo em vista, primeiro, a minha falta de prática acadêmica, o compromisso com o rigor científico que o método etnográfico exige do 229 pesquisador, o reconhecimento das complexidades existentes nas relações humanas e mais ainda, ao descrédito na ilusão da verdade única a ser desvendada. Afirmo, desta forma, ser necessária a continuidade de etnopesquisas com empregadas domésticas, pois a situação desta categoria, nas mais diversas dimensões do ser humano, encontra-se aferrada a um processo de profunda dominação, onde reina a injustiça, sendo elas excluídas das benesses garantidas e asseguradas pelos direitos da cidadania. Marilena Chaui comenta que: “A teoria está encarregada de apontar os processos objetivos que conduzem à exploração e à dominação, e aqueles que podem conduzir à liberdade” (2001, p.74). Quanto às questões propostas no início, à medida que iam sendo respondidas, outras eram suscitadas. As empregadas domésticas expuseram o significado e a importância do lazer sob o ponto de vista delas; mas qual é a percepção do sindicato sobre o lazer da categoria? Busca-se mudanças? Estas questões estão vinculadas a uma das reuniões do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos, onde houve amplo debate sobre a forma de reivindicação que visasse alterações na Lei nº5859. Uma das representantes comentou - “As outras categorias estão querendo alterações na CLT, e nós ainda não fazemos parte dela”. Essas questões trouxeram à lembrança um fato ocorrido no início dos nossos encontros na Pastoral. Quinze mulheres, aproximadamente, ao serem consultadas durante uma brincadeira sobre o sonho que realizariam caso tivessem muito dinheiro na aposentadoria. Apenas uma respondeu que viajaria, as outras se limitavam a dizer que não conseguiriam ficar sem fazer nada, teriam que continuar trabalhando. Nem no sonho, nem de brincadeira. Referências ADORNO, Theodor W. Adorno - vida e obra. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Editora Nova Cultura Ltda., 1999. ANDRADE, Carlos Drummond. Dias lindos. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1978 ARANTES, Antônio Augusto. O que é cultura popular. São Paulo: Editora Brasiliense,1981. CARVALHO, Lenira. A luta que me fez crescer. Recife: Edições Bagaço, 1999 CHAUI, Marilena de Souza. O que é ideologia? São Paulo: Brasiliense, 2001 LISPECTOR Clarice. Laços de família. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995. KOFES, Suely. Mulher, mulheres – identidade, diferenças e desigualdade na relação entre patroas e empregadas. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2001. MARCELINO, Nelson Carvalho(org.). Lazer: formação e atuação profissional. Campinas, SP: Papirus,1995. Coleção Fazer e Lazer. RODRIGUES, Nelson. Teatro Quase Completo, A mulher sem pecado. Rio de Janeiro, GB: Edições Tempo Brasileiro,1965. VASCONCELOS, Naumi A. Sexo e gênero em estudos comunitários. Série Documenta, UFRJ/ Programa, 1997. 230 O LÚDICO, O JOGO, A RECREAÇÃO O LÚDICO E O LAZER EM INSTITUIÇÕES EDUCACIONAIS Profa. Ms. Ilse Lorena Von Borstel G. De Queirós Unioeste177 RESUMO: O presente estudo busca refletir sobre o entendimento e as possibilidades de concretização do lúdico e do lazer no contexto escolar, com o intuito de subsidiar a fundamentação teórico-prática de educadores de diferentes instituições educacionais. O texto baseia-se na análise bibliográfica. Considerando o cenário da vida urbana, demonstra a importância da inserção do lúdico nas atividades obrigatórias e a democratização do lazer no espaço escolar, através de ações norteadas pela “pedagogia da animação”. Aponta a instituição educacional como grande contribuidora para o comportamento lúdico e a apropriação do lazer da comunidade interna e externa, através da construção coletiva, promovendo a formação e desenvolvimento pessoal e social das pessoas. PALAVRAS-CHAVES: lúdico, lazer, instituição educacional. Atualmente, pode-se observar uma maior valorização do lúdico e do lazer nos diversos campos de atuação do homem, como o contexto familiar, religioso, escolar e de trabalho, entre outros, que buscam, inserir nas práticas cotidianas, permanentes ou eventuais, mais alegria, prazer, diversão e emoção, caracterizando-se em fenômenos abrangentes que não se restringem apenas a uma área de atuação humana. Tratando particularmente do contexto escolar, percebe-se que, historicamente, foi e ainda é, provavelmente, o espaço mais antigo em que o lúdico e o lazer se efetivaram ao longo dos anos, de várias formas, com diferentes significados e objetivos. Nos dias de hoje, nos médios e grandes centros urbanos, educadores de diferentes áreas do conhecimento, como também administradores de instituições educacionais, cada vez mais, estão se preocupando com as questões relativas a estes temas na educação formal e não-formal. Neste sentido, este estudo busca refletir sobre o entendimento e as possibilidades de concretização do lúdico e do lazer, no contexto escolar, com o intuito de subsidiar a fundamentação teórico-prática de educadores das diferentes instituições educacionais. Estudiosos da educação, em geral, reconhecem, cada vez mais, em seus estudos e obras a importância das propostas lúdicas e de lazer para crianças, adolescentes e jovens, propondo que as aulas das diferentes disciplinas tenham caráter lúdico e o lazer seja integrado no projeto político-pedagógico da escola ou fora dele, relacionado ao tempo livre dos alunos, através de ações norteadas pela “pedagogia da animação”. O brincar e o prazer, por si só, já seriam o suficiente para justificar sua associação no âmbito escolar, mas proporcionam incontáveis benefícios para o desenvolvimento integral do ser humano (domínio cognitivo, afetivo-social, motor e 177 . Professora da Unioeste – Campus de Marechal Cândido Rondon (PR), mestre em Educação Física/Estudos do Lazer pela Unicamp, pesquisadora do CNPq: Grupo de Pesquisas do Lazer Facep/Unimep e Grupo de Extensão e Pesquisa em Educação Física Escolar da Unioeste, e membro da Confraria de Lazer do Paraná. e-mail: [email protected]. 231 espiritual), por outro lado, “democratizar o lazer implica em democratizar o espaço”, conforme Marcellino, (1990b,1996, p. 25). Isto se evidencia, principalmente, devido as atuais características da vida contemporânea, como: ingresso da criança cada vez mais precoce na escola e por muito mais tempo de vida do jovem. O crescimento desordenado das cidades faz com que ocorra transformação dos seus espaços: moradias minúsculas, ausência de quintais, diminuição dos espaços e equipamentos públicos para o lazer, distâncias cada vez maiores entre aqueles e a habitação, e ainda, a violência urbana que torna estes locais e ruas perigosas para a convivência infantil e juvenil. Além disso, a escola, visando prioritariamente a educação para o trabalho, faz com que as obrigações e os deveres escolares, estejam cada vez mais presentes na vida das crianças, adolescentes e jovens, sejam elas de qualquer classe social, em busca de maior rendimento e produtividade na escolarização. Por outro lado observa-se ainda ações rígidas, disciplinadoras e repressoras dos educadores e da administração escolar em relação aos alunos, acreditando que a seriedade, disciplina e silêncio são indispensáveis para o processo de ensino e aprendizagem, principalmente na sala de aula, ocorrendo, muitas vezes, a repressão do movimento, das idéias e emoções nas expressões dos alunos. E, é neste contexto que a vivência lúdica nas práticas escolares e o lazer, ainda são vistos e entendidos como não sérios, improdutivos, que geram indisciplina, abstratos de significados e contribuições para a formação e o desenvolvimento pessoal e social das pessoas. Sobre isto, Bustamante (2004, p.61) afirma: Para esta educação, não há espaço para o lúdico, a criação e a expressão subjetiva, pelo menos enquanto elementos importantes no projeto pedagógico da escola, pois se constituem em práticas baseadas fundamentalmente no ensino de técnicas, normas e padrões de comportamento. O prazer em ensinar, aprender, em praticar e conviver é limitado e dificultado, contribuindo de forma significativa, para a formação de sujeitos acríticos, sem criatividade, alegria e satisfação na vivência escolar como fora dela. Os aspectos abordados acima, contribuem, efetivamente, para agravar a situação do comportamento lúdico das crianças, adolescentes e jovens nas atividades obrigatórias escolares, e o acesso ao lazer torna-se cada vez mais difícil, apresentandose escassas oportunidades e opções para a sua apropriação. Assim, o lúdico e o lazer são fenômenos que necessitam ser refletidos, estudados e compreendidos em relação às instituições educacionais, pois são vários e diversos os fatores de ordem social, cultural, política e econômica, que interferem no processo da sua concretização, também no âmbito escolar. Mas compreender o lúdico e o lazer em relação à escola não é tão simples assim, principalmente, por serem tratados e entendidos, muitas vezes, como sinônimos e conteúdos privilegiados apenas da disciplina de Educação Física, desconsiderando-se seus significados próprios, especificidades, caráter interdisciplinar, enfoque multiprofissional e relações com as diversas áreas de atuação humana. A dificuldade inicial situa-se nesta questão básica. Sem entender estes aspectos, fica difícil trabalhar com algo que não se delimita muito bem em termos conceituais, principalmente, na perspectiva da educação do ser humano. Para tanto, torna-se importante ressaltar o entendimento que se tem destes termos. Na língua portuguesa, foi o termo latino ludus que produziu a palavra lúdico, significando vários termos, usados até mesmo como sinônimos, relacionado ao 232 conteúdo da ação, como o brincar, o jogar, a festa, entre outros; ou relacionado ao processo de vivência, como divertido, prazeroso, espontâneo, alegre, agradável, ou vinculado a ambos. Além de serem várias palavras, se apresentam imprecisas, e demonstram o caráter abrangente do lúdico enquanto manifestação, significando “um componente da cultura historicamente situada”, conforme esclarece Marcellino (1990a, p.28). A obra Dinâmica Lúdica: novos olhares, aprofundam-se no estudo do lúdico, em relação às atividades obrigatórias na escola e o campo do lazer, compreendendo-o como manifestação subjetiva, cultural e universal. Neste sentido, o lúdico caracteriza-se numa expressão inerente e própria de todos animais, entre eles, o homem. Assim, todas as pessoas de qualquer idade, cor, sexo, etnia, nível sócioeconômico, localização geográfica, se expressam e se manifestam ludicamente. Entretanto, os limites e as possibilidades de sua efetivação, em diferentes áreas de atuação do homem, são influenciados diretamente pelos aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos de uma sociedade, os quais, podem estimular, mas também controlar, limitar e dificultar a concretização da vivência lúdica, aspecto este, que se evidencia, principalmente, na fase da vida adulta. Portanto, o lúdico não se restringe à atividade, no caso de jogos e brincadeiras, ou há algum lugar próprio, apenas à escola e parques, ou somente a um tempo determinado, como tempo de lazer, ou uma área de atuação humana, como por exemplo na educação e, muito menos, se restringe à faixa etária infantil. Sua manifestação é abrangente nos mais diversos momentos da vida, em qualquer idade, atividade, lugar, e hora, de acordo com o desejo de cada um e as circunstâncias que permitem ou estimulam sua expressão. Neste contexto, Bustamante (2004, p.56) afirma: “As manifestações lúdicas caracterizam-se por momentos de prazer, alegria e diversão propiciados pela festa, pelos jogos, pelas brincadeiras e pelas danças, como também por outras inúmeras e inesperadas possibilidades de expressão cultural” Desta forma, o lúdico pode se manifestar no contexto familiar, escolar, religioso, de trabalho profissional, entre outros, relacionado às atividades obrigatórias, como aquelas de livre opção no tempo disponível, no lazer, enfim, em todas as áreas de atuação humana. Na língua portuguesa, foi o termo latino licere que produziu a palavra lazer, significando lícito, permitido, poder ter direito, conforme os estudos de Werneck (2000, p.84). O lazer, sintetizado na definição de Marcellino (1990a) que serve de referência para este estudo, é entendido como “a cultura – compreendida no seu sentido mais amplo – vivenciada (praticada, conhecida ou fruída) no ‘tempo disponível” (p.31). Segundo o autor, para que uma atividade se caracterize em uma experiência de lazer, é necessário que seja decorrente das variáveis, atitude voluntária e tempo disponível, de forma combinada numa relação dialética, as quais, não estejam vinculadas às obrigações familiares, escolares, sociais, e profissionais da pessoa. Tem como características básicas a escolha individual, um nível de prazer e satisfação e caráter desinteressado na vivência. Compreende-se, assim, que, uma atividade ou programa no espaço escolar poderá se caracterizar como conteúdo cultural de lazer das pessoas, quando for uma opção pessoal decorrente de uma atitude favorável e disponibilidade de tempo para a participação, os quais, não estejam vinculados às obrigações escolares e/ou familiares. Ademais, nestas propostas, as pessoas podem selecionar as atividades que querem fazer, 233 de que forma querem se expressar e com quem querem se relacionar, participando pelos sentimentos de prazer e satisfação, sem ter em vista, a princípio algum resultado. É neste contexto, que se pode afirmar que as aulas de Educação Física, bem como das demais disciplinas, e muitas outras práticas escolares lúdicas e recreativas, não se caracterizam em vivências de lazer, por serem práticas compulsivas, realizadas no tempo de trabalho (estudo), e não permitirem a opção pessoal em participar ou não da atividade. Conforme Dumazedier (1980), os conteúdos culturais do lazer são classificados de forma subjetiva e em termos de predominância em áreas de interesse, como: físico-esportivos, manuais, artísticas, intelectuais, sociais, e turísticas178. Sobre este assunto, Marcellino, (1983, p. 43-44), chama a atenção quando diz: “considero importante que as atividades de lazer procurem atender as pessoas no seu todo”. Em outra direção, afirma que “o ideal seria que cada pessoa desenvolvesse sua ação, no tempo disponível abrangendo os cinco grupos de interesses, ou seja, exercitando o corpo, a imaginação, o raciocínio, a habilidade manual e o relacionamento social”. Nessa perspectiva, também na escola, seria de fundamental importância que o planejamento e a organização do lazer envolvessem variados e diferentes conteúdos culturais, no sentido de proporcionar satisfação aos vários interesses sociais e culturais, estimulando uma maior participação e o conhecimento de novas alternativas de lazer que pode oferecer. No entanto, não apenas a diversidade de atividades devem ser verificadas no lazer, embora sejam fundamentais, mas, igualmente, no mesmo patamar de importância, deve-se considerar a forma como essa participação se processa, ou seja, se a atividade de lazer é vivenciada no nível conformista, crítico e criativo e que, principalmente, a vivência supere cada um destes níveis179. Sob outro prisma, Marcellino, (1990 a,b), propõe que as atividades educacionais de forma geral, tanto àquelas de caráter obrigatório, como as de lazer na escola, sejam norteadas pela “pedagogia da animação”, ou seja, o autor propõe que a ação pedagógica dos educadores englobe os sentidos de vida, de movimento e de alegria na sua atuação, através da criação de ânimo, na provocação de estímulos e na cobrança da esperança dos educandos. Seguindo esta linha de pensamento, todas as propostas educacionais, no âmbito escolar, deveriam ter caráter lúdico e recreativo para que tivessem sentido para os alunos. Lúdico com o significado de brincar, do prazer, e da diversão e recreação no sentido de “recriar, criar de novo, dar novo vigor”, fazendo com que as vivências e experiências pedagógicas dêem vida nova, com novo vigor, e transformem a realidade, adquirindo o “saber com sabor” no processo de ensino-aprendizagem. (MARCELLINO, 1990 a,b). Com base no exposto, questiona-se o que a administração escolar, os educadores em geral e, em particular os professores de Educação Física podem fazer para que suas aulas se caracterizem lúdicas e o lazer seja integrado no âmbito escolar. O lúdico e o lazer podem ser trabalhados por todos os professores de qualquer disciplina. Assim, no que se refere ao lúdico, nas atividades obrigatórias no contexto escolar (aulas e atividades extra-classe), sua manifestação pode ser estimulada através das inúmeras atividades práticas e teóricas, nos diferentes conteúdos das várias 178 . O interesse turístico é incluído entre estes interesses culturais por: CAMARGO, Luís O. de L. O que é lazer. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 18. 179 . A Teoria Sociológica da Decisão, classifica esses níveis em “elementar ou conformista, médio ou crítico e superior ou inventivo” (DUMAZEDIER, 1980. p. 72-73). 234 disciplinas que integram o currículo escolar, tão bem demonstrado pelo estudo de Emerique (2004), Aprender e Ensinar por Meio do Lúdico. Especificamente, em relação às aulas de Educação Física, pode se manifestar através do brinquedo, da brincadeira, do jogo, da dança, do esporte, e outros conteúdos relacionados aos conhecimentos práticos e teóricos, desde que as circunstâncias e o desejo das pessoas no desenvolvimento da atividade sejam norteados pela espontaneidade, alegria, prazer, e diversão. E, em relação ao lazer no âmbito escolar, este pode concretizar-se através de atividades de diferentes conteúdos culturais das várias áreas de interesses, ou seja, físico-esportivas, intelectuais, manuais, artísticas, sociais e turísticas, de forma combinada ou específica, desde que se caracterize uma opção pessoal, decorrente de uma atitude favorável e disponibilidade de tempo para a participação, não se buscando, a princípio, outra recompensa, além do prazer e satisfação provocada pela situação. No entanto, se for observada a realidade escolar, ver-se-á que o lúdico se manifesta, principalmente, nas aulas de 1ª a 4ª séries, muitas vezes, prioritariamente, na disciplina de Educação Física, enquanto que o lazer se manifesta, principalmente, nos momentos que antecedem o início e o final das aulas, durante os intervalos, na expressão de uma diversidade de atividades espontâneas, agradáveis e alegres, como: animados papos, jogos e brincadeiras tradicionais e modernos, entre outros. No que se refere a programas de lazer para a comunidade, isso se evidencia de forma prioritária e eventual através de festas temáticas (Junina, Dia dos Pais, Mães, entre outras), quase sempre restringindo-se aos conteúdos artísticos e à gastronomia, tendo como objetivo principal o consumo de produtos para arrecadação de fundos para a escola e sua manutenção, inexistindo ações que estimulem a interação entre escola e comunidade, muito menos, a produção cultural dos alunos, professores e pais nos diferentes conteúdos do lazer nestes eventos festivos. Isso retrata a histórica estrutura política, cultural e social da escola, dos professores e das disciplinas, que, muitas vezes, não acreditam na importância destes temas para a formação e desenvolvimento humano. Os estudos de Werneck (2000, 2003), fazem uma abordagem profunda, demonstrando, historicamente, os motivos pelos quais o lúdico, a recreação e o lazer apresentam um grande vínculo com a Educação Física, apresentando-se como área incumbida de desenvolvê-los tanto no sistema escolar, como fora dele. Bustamante (2004, p.59), falando apenas sobre a experiência lúdica propiciada nos espaços que abrangem as atividades obrigatórias, como escola e trabalho, afirma que esta pode: assumir perspectivas funcionalistas e utilitaristas visando o bem estar, o contentamento, a diversão das pessoas para que a produção continue ou atinja melhores desempenhos. Por outro lado, essas mesmas oportunidades de manifestações lúdicas podem constituir propostas que despertem para o questionamento, o conhecimento, a criação e a recriação cultural, visando o bem estar, a alegria ou diversão crítica e criativamente – com vivências que busquem diferentes maneiras de compreender o mundo, de questioná-lo, de conhecer e reconhecer a própria personalidade, perceber e relacionar-se com o outro, enfim, experiências que despertem para formas mais humanas e sensíveis de viver e conviver. É neste sentido, particularmente, no âmbito da instituição educacional, que se compreende que se devem abrir possibilidades para inserir o lúdico nas atividades do tempo de obrigação escolar, bem como no tempo de lazer, através de propostas variadas e diferenciadas dos diferentes conteúdos, com a consciência da importância da participação coletiva, da diversidade cultural, da subjetividade e espontaneidade das ações, tanto no processo de formação humana, como no desenvolvimento pessoal e social no tempo disponível dos alunos e comunidade em geral. Apresentando-se assim, 235 possibilidades efetivas no processo de ensino-aprendizagem na educação formal, bem como na educação não formal e informal, educando pelo e para o lazer, promovendo uma educação específica e geral prazerosa, criativa e crítica, que estimule a satisfação pelo conhecimento em todas as formas de experiências. Sob outro prisma de estudo, a escola também pode colaborar na democratização dos espaços para o lazer, mesmo que se caracterize em um equipamento não específico de lazer, uma vez que não foi construída e estruturada para cumprir esta função de forma específica. No entanto, pode e deve contemplá-lo, principalmente, quando se reflete sobre as barreiras econômicas, sociais, culturais que sofrem as crianças, adolescentes e jovens na sua apropriação, prioritariamente nos médios e grandes centros urbanos. Atualmente, cada vez mais estão surgindo iniciativas relevantes nas escolas, integrando atividades e programas lúdicos no período das aulas, no período extra-classe e no tempo de lazer (permanente/apoio/impacto) para os alunos e comunidade. Mas, ainda, caracterizam-se em iniciativas raras se for pensado no número de instituições educacionais existentes e população carente no Brasil. Assim, no que se refere ao lazer, depois do âmbito familiar, a escola pode também se caracterizar em um espaço privilegiado para sua vivência, auxiliando na minimização das limitações impostas pela realidade social, as quais comprometem diretamente o comportamento lúdico e o direito ao lazer dos estudantes de maneira particular, e da comunidade de forma geral. Neste sentido, Marcellino, (1996), relata que a escola conta com grandes possibilidades para propiciar lazer para as pessoas, considerando o tempo que permanece ociosa (finais de semana, feriados, férias), em termos de espaço existente (quadras, salas, pátios, auditórios.), em relação à diversidade de conteúdos que abrange (físico-esportivos, manuais, artísticos, intelectuais, sociais, e turísticos) e a existência de vínculos com as comunidades próximas. Desta forma, as instituições educacionais, sejam públicas, privadas ou semiprivadas, no desenvolvimento de sua política educacional, devem considerar, entre outros aspectos, também a necessidade de políticas que envolvam ações no que se refere ao lazer. Por um lado, otimizando seus espaços e equipamentos para atividades decorrentes da iniciativa própria das pessoas ou grupos, por exemplo, disposição de locais para leitura, salas de jogos, quadras e bolas, entre outras. Por outro, pode proporcionar atividades e programas supervisionados através da animação sóciocultural, como: oficinas de diferentes jogos, esportes, teatro, dança, artes, colônia de férias, entre outros, podendo possibilitar o lazer para a comunidade interna (alunos, professores, administração e pais) e externa (comunidades próximas), através de atitudes e propostas economicamente viáveis. Estas ações podem atingir um público significativo de pessoas, além de estimular e promover vínculos afetivos, sensibilidade, diversão e desenvolvimento cultural da comunidade no seu tempo disponível, transformando a escola também em um ponto de referência de lazer que estimula identidades locais e aumenta o seu potencial educativo de forma mais abrangente. Marcellino, (1990b, 1996), demonstra a validade dos trabalhos comunitários de lazer na escola, destacando que se apresentam muito efetivos, pois à medida que a comunidade a utiliza desenvolvem-se sentimentos positivos em relação a ela, aumentando o respeito e sua valorização, passando a colaborar no seu gerenciamento, como também no desenvolvimento das programações. A interação escola/comunidade, no gerenciamento do lazer, (planejamento, organização, direção e controle) é fundamental e se apresenta como uma forma efetiva 236 de participação democrática. Assim como a democracia está relacionada a lideranças, a escola, através do lazer, pode estimular e orientar a sua formação, através da construção coletiva, ou seja, envolvendo toda comunidade escolar (administração escolar, professores, alunos, e pais), através de definição das funções e ações, apresentando em experiências interessantes do exercício da iniciativa, criatividade, autonomia e trabalho coletivo a fim de sensibilizar e concretizar o lazer no âmbito escolar, seja, na otimização do seu espaço, ou na promoção de programas supervisionados com ações permanente, apoio e impacto. Entretanto, a maioria dos programas de lazer, na escola, apresentam-se eventuais e, além disso, são definidos, planejados e executados, desconsiderando os interesses e anseios dos educandos, que também não participam em nenhuma das fases de sua administração, ou seja, do planejamento, organização, execução e avaliação. Almeida (1999), entendendo a escola como espaço que tem possibilidades de minimizar as restrições à prática do lazer da população, chama a atenção dizendo: Se não há consciência coletiva da necessidade do lúdico em nossas vidas, podemos educar a nossa sociedade. Se os espaços públicos para o lazer são escassos, podemos transformar a escola em pólos próprios para tal. Se estamos distantes da comunidade, temos a efetiva oportunidade de encaminhamentos juntos. Se nos falta estímulo, este exercício certamente vai fortalecer a crença de que a participação democrática é o caminho para a transformação social que aspiramos (p.313). Sabe-se e compreende-se que criar todo um ambiente favorável a uma educação que considere o lúdico como forma de linguagem e expressão cultural nas práticas escolares obrigatórias, e entenda o lazer como meio de educação, é uma tarefa difícil, considerando a estrutura tradicional consolidada que ainda se faz presente na maioria das instituições educacionais, inclusive nas universidades. No entanto, não é impossível, se houver disposição, ações, e reflexões mais amplas por parte dos que trabalham nesses espaços. Concomitantemente a esta tarefa difícil, pode-se pensar, aqui e agora, nas possíveis ações que nós, professores do meio acadêmico, podemos construir nas aulas, nas relações com os alunos e no tempo lazer relacionado ao espaço universitário. Analisando-se, particularmente, os cursos de graduação em Educação Física, nas disciplinas curriculares relacionadas ao lúdico, à recreação e lazer, atualmente, verifica-se uma maior preocupação em torno de conhecimentos mais amplos e profundos de natureza científica, pedagógica e técnica sobre estes temas, buscando compreender seus significados, especificidades, conteúdos, interdisciplinaridade, caráter multiprofissional e relações com as outras esferas de atuação humana, na perspectiva do corpo e do movimento humano, apresentando-se como condição “sine qua non” para um exercício profissional pautado em princípios de qualidade ética e competência. A comunidade universitária pode colaborar para concretização da experiência lúdica nas atividades obrigatórias e democratizar o espaço universitário como uma efetiva possibilidade de vivência do lazer para toda comunidade interna e externa, através de projetos de ensino e de extensão, com ações que privilegiam a construção coletiva, com duas frentes de ação: uma, conscientizando a comunidade acadêmica (corpo administrativo, docente e discentes) da importância do lúdico na sua vida em diferentes áreas de atuação e, outra, aparentemente mais fácil, propiciando reais oportunidades de usufruir vivências de lazer no espaço universitário. Outra alternativa, é a construção de um projeto político-pedagógico mais abrangente que envolva o ensino, 237 a extensão e a pesquisa de forma simultânea, privilegiando o lúdico e o lazer como elementos educativos, no contexto do trabalho nas universidades. Desta forma, as instituições universitárias contribuem para que os conhecimentos teórico-práticos em torno do lúdico e do lazer na graduação em Educação Física se concretizem na prática pedagógica na realidade social e cultural. Além disso, possibilitariam a vivência de experiências lúdicas nos conteúdos curriculares, bem como, viabilizariam a apropriação do lazer para a comunidade acadêmica (professores, alunos, funcionários) e população local, muitas vezes, excluída também pela universidade, apresentando, assim, uma possibilidade alegre, prazerosa e divertida de conhecimento cultural, exercício de cidadania e qualidade de vida nestas instituições educacionais. Referências ALMEIDA, Paulo A C de. O lazer no espaço escolar. In: Coletânea de Autores – 11º Encontro Nacional de Recreação e Lazer- ENAREL. Foz do Iguaçu, PR: Assoeste, 1999. BUSTAMANTE, Glênia O. Por uma vivência escolar lúdica. In: Dinâmica Lúdica: novos olhares. Barueri, SP: Manole, 2004. CAMARGO, Luis O. O que é lazer. 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Patrícia dos Santos Trindade Nascimento UNISUAM / FaMERC- RJ RESUMO: O foco deste estudo é o Professor de Educação Física que atua no primeiro segmento do ensino fundamental. O estudo se propôs a investigar quais são os sentidos atribuídos ao jogo-pedagógico, nas aulas de educação física, através do discurso do professor. O pressuposto é que o professor de educação física se utiliza do jogopedagógico, em suas aulas, mais como um meio para atingir seus resultados; diz respeito à forma como o jogo-pedagógico vem sendo incorporado pela escola, ou seja, se vem sendo utilizado como função apenas educativa ou se também com manifestações do lúdico. Concluímos que o jogo, escapando à severa lei do trabalho presente na escola, caminha em direção a um “não-sério”, sem se submeter à ordem, onde o professor de educação física, em suas aulas, vem recriando um espaço de liberdade, resgatando aos poucos o prazer e a alegria. PALAVRAS-CHAVES: jogo-pedagógico, lúdico, escola. Introdução Com uma experiência de sete anos trabalhando com alunos do primeiro segmento do ensino fundamental (1ª a 4 ª série), senti necessidade de estudar as aulas de educação física ministradas nesse segmento, analisando as questões do jogopedagógico180, que pudessem evidenciar, ao mesmo tempo, quais e como são desenvolvidas as atividades nas aulas, visto que o jogo é um dos conteúdos trabalhados pela educação física. Entendemos que o emprego do termo jogo tem estreita relação com o componente lúdico, que vem exercendo um papel fundamental na dinâmica das aulas, transformando a ação pedagógica do professor de educação física que reconhece sua importância. Mas, por outro lado, ainda encontramos muitas aulas sendo desenvolvidas de forma alheia à cultura lúdica. Muitos dos conteúdos que poderiam ser vivenciados ludicamente, com a prática do jogo, por exemplo, são direcionados no intuito de preparar a criança para uma complexidade motora no futuro, ou para seu desempenho desportivo. A instrumentalização do jogo, em alguns momentos, assume um caráter negativo, não respeitando as diferentes fases e interesses de cada faixa etária, e o jogo passa a ser visto sob o ponto de vista de sua importância central, como ‘pré-exercício’, ou seja, sua função limita-se apenas a desenvolver as qualidades físicas e motoras, deixando o prazer e a satisfação em segundo plano. 180 . Neste estudo, que tem como finalidade analisar os sentidos atribuídos ao jogo-pedagógico nas aulas de educação física, consideramos como uma situação natural à dimensão educativa do jogo. Na linha de Kishimoto, entende-se o jogo-pedagógico como um fenômeno que pode expressar funções lúdicas e educativas, que propicia prazer e apresenta o desafio. Mesmo que represente um recurso de ensino para o professor, pode ter um fim em si mesmo para a criança. Logo, estamos compreendendo o jogopedagógico para além da função educativa, da busca de resultados; esperamos também que a ação pedagógica intencional do professor facilite a natureza livre do jogo, que propicie diversão e alegria. 239 Incomodava-me ver crianças serem orientadas a partir de uma concepção limitada181 de suas potencialidades nas aulas de educação física, quando, por exemplo, limitam seu espaço e seu movimento na escola; comecei, então, refletindo sobre alguns fatores que podem influenciar no desenvolvimento da ação pedagógica do professor de educação física do primeiro segmento do ensino fundamental. Postulamos que os professores de educação física subutilizam o jogo e/ou a brincadeira, numa tentativa de garantir a eficiência e a produtividade em suas aulas. Quando fazemos esta observação, estamos nos reportando à escola, que tem o desejo de garantir sua seriedade e, dessa forma, desvaloriza o brincar como uma atividade não produtiva. Entretanto, o brincar da criança proporciona prazer e alegria, coisas esquecidas por muitos adultos envolvidos em seu cotidiano, preocupados em sobreviver, e que, na escola, desencorajam esse prazer, essa alegria. Mesmo considerando a dimensão cultural e a importância das relações escola-professor-aluno, acreditamos ser relevante que o professor do ensino fundamental reconheça a importância de existir, no espaço pedagógico, a fantasia, a criatividade, a transgressão, percebendo que esses elementos são importantes para a formação da criança. O papel do jogo na educação Vimos que a escola exerce um papel fundamental na vida da criança. Mas, a escola, que influencia predominantemente todas as sociedades, tem procurado preservar a importância do jogo na educação das crianças? E o professor de educação física, na sua ação pedagógica, tem explorado o jogo e preservado sua importância na formação das crianças, em suas aulas? O que temos observado é que a escola restringe o lúdico na vida da criança, colocando-a dentro de uma vida pré-determinada, vida do relógio e das obrigações, do cumprimento de normas. Primeiro o dever, depois o prazer, dita a escola. As atividades lúdicas, quando oferecidas dentro da instituição escolar, são predominantemente marcadas pela escolha do professor, que as julga conforme seus valores e as conduz com o máximo de disciplina, salientando apenas o seu caráter funcional, independente dos interesses, necessidades e expectativas das crianças. Essa ênfase ,que expressa um aniquilamento da manifestação da cultura infantil, retrata com clareza a necessidade que os professores de educação física têm de planejar uma aula metódica, disciplinada, baseada nos princípios motores e desenvolvimentos de habilidades corporais. Essas questões traduzem a preocupação deste estudo que sustenta, como objetivo geral, ampliar a compreensão sobre uma possível restrição do lúdico na escola, e analisar se o professor de educação física vem contribuindo para reforçar esse fenômeno. A disciplinarização do jogo-pedagógico Disciplina e educação, como unir dois processos tão desencontrados? Educar para a disciplina? Educar seria disciplinar? Este fato desencadeia um efeito perverso para a brincadeira e a expressão lúdica que estão ameaçadas, por práticas pouco ortodoxas, de perder o que têm de 181 . Falo de uma visão limitada que a escola tem e impõe ao exigir certa imobilidade da criança; reprimindo a necessidade que esta tem de se movimentar, de se expressar, de vivenciar corporalmente o ato educativo, de cosntruir seu conhecimento também a partir do próprio corpo. 240 essencial. A oferta do prazer parece constituir nova justificativa para a imposição adulta, caracterizando a nova face do autoritarismo. Passos (1995) nos diz: “O lúdico é visto apenas como instrumental para a aprendizagem das atitudes sociais e para controle” (p.134). Encontramos, assim, corpos infantis, potencialmente cheios de vida, disciplinados, silenciosos, quietos, prostrados, rígidos, olhando para a nuca do colega da frente – verdadeiros ‘corpos dóceis’182. Foucault, em sua obra Vigiar e Punir (1987), aponta os esquemas de docilidade, vigentes no século XVIII, que prendem o corpo no interior de poderes muito apertados, impondo-lhes limitações, proibições ou obrigações. A escala, em primeiro lugar, do controle: não se trata de cuidar do corpo, em massa, grosso modo, como se fosse uma unidade indissociável mas de trabalhá-lo detalhadamente; de exercer sobre ele uma coerção sem folga, de mantê-lo ao nível mesmo da mecânica – movimentos, gestos, atitude, rapidez: poder infinitesimal sobre o corpo ativo. Esses métodos, que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade, são o que podemos chamar as ‘disciplinas’. Muitos processos disciplinares existem há muito tempo: nos conventos, nos exércitos, nas oficinas também. Mas as disciplinas se tornaram, no decorrer dos séculos XVII e XVIII, fórmulas gerais de dominação. Diferentes da escravidão, pois não se fundamentam numa relação de apropriação dos corpos; pois é até elegante o fato de a disciplina dispensar essa relação custosa e violenta, obtendo efeitos de utilidade igualmente importantes. Diferentes também da domesticidade, que é uma relação de dominação constante, global, maciça, não analítica, limitada e estabelecida sob a forma de vontade singular do ‘patrão’. Diferentes da vassalidade, que é uma relação de submissão altamente codificada, mas longínqüa, e que se realiza menos sobre as operações do corpo do que sobre os produtos do trabalho e as marcas rituais da obediência. Diferentes, ainda, do ascetismo e das disciplinas de tipo monástico, que têm por função realizar renúncias mais do que aumentos de utilidade e que, se implicam em obediência a outrem, têm como fim principal um aumento do domínio de cada um sobre o seu próprio corpo. De fato, o que nos interessa é levantar elementos que, sem dúvida, influenciem a questão do educar e do disciplinar, porém, são tantas as particularidades que vão surgindo, à medida que se discute o problema, que estão longe de serem esgotados. Basta nos reportarmos a João Batista Freire e perguntarmos, por exemplo: “Os professores em questão desejam educar o movimento ou educar para o movimento?” A resposta a esta pergunta pode ser tendenciosa, se nos basearmos na história de vida escolar bastante autoritária que nos incita a reproduzir o já vivenciado, a transmitir saberes formais como se fossem os únicos. A inquietação, neste momento, gira em torno do interesse em refletir quanto e de que forma o corpo brinca e pode expressar-se mais espontânea e criativamente, no contexto das instituições escolares, mais especificamente, nas aulas de educação física do primeiro segmento do ensino fundamental, as quais, supostamente, poderiam ser um 182 . Segundo Michel Foucault (1987), a expressão descreve a figura ideal do soldado do início do século XVIII. ‘O soldado é antes de tudo alguém que se reconhece de longe; que leva os sinais naturais de seu vigor e coragem, as marcas também de seu orgulho; seu corpo é o brasão de sua força e de sua valentia’. 241 campo aberto e frutífero para a estimulação dessa expressividade, à medida que suas atividades são compostas por estratégias, nas quais o jogo é um fator fundamental. Professor de Educação Física x jogo – pedagógico O jogo-pedagógico é concebido pelos professores de educação física como uma das estratégias de ensino considerada facilitadora da aprendizagem, e tem por finalidade motivar e conduzir à obtenção de resultados. Os sentidos do jogo-pedagógico são polissêmicos, baseiam-se em conceitos esportivos, de saúde, estéticos e de aptidão, aparecem como alicerce para o esporte, numa perspectiva desenvolvimentista e “quase” nunca na perspectiva de conhecimento do corpo, de produção cultural. De forma geral, o jogo, enquanto discurso da educação, tem enfatizado a disciplina e o adestramento, produzindo sentidos mais focados no físico do que no simbólico, ressaltando a dimensão do rendimento em detrimento da interação social, do prazer de fazer, da alegria de participar. O jogo-pedagógico é revelado no discurso dos informantes, enquanto conteúdo, associado à idéia de estratégia, evocando diferentes sentidos, que vão desde o jogo recreativo até o pré-desportivo. Em síntese, está ancorado na preparação para a aprendizagem do esporte, muito embora apareça a dimensão lúdica em suas falas; limita-se a uma oferta diversificada de atividades motoras, tendo como objetivos privilegiados a aquisição e o crescente domínio de habilidades motoras gerais, como as estruturas psicomotoras de base e qualidades físicas, e ainda as atividades esportivas de ginástica e dança. Verificamos a dificuldade que os professores educação física têm em conseguir diferenciar, com clareza, as possibilidades de utilização do jogo nas aulas: apresentam o jogo como um conteúdo, mas, ao tentar justificá-lo, acabam por trabalhálo na perspectiva da estratégia metodológica para as finalidades da educação física escolar. A segunda dificuldade que percebemos encontra-se na valorização da eficácia e eficiência dos gestos motores exigidos, que estão, na maioria das vezes, associados ao propósito de desenvolvimento da aptidão e das habilidades técnicodesportivas. A tradição da educação física ainda ratifica esse tipo de pensamento tecnicista a serviço da instituição esportiva na escola; entendemos que as mudanças ocorrem gradativamente, mas essa mentalidade ainda é representativa no pensamento e no discurso de muitos professores de educação física escolar. O mais significativo seria dizer que o professor que atua nesse segmento de ensino se diz preocupado com a presença do lúdico em suas aulas, reconhece a importância de existir, naquele espaço pedagógico, a alegria, o prazer e a transgressão; percebe que esses elementos são importantes para a formação da criança, porém, ao tentar justificá-los, apenas enxerga a perspectiva da estratégia metodológica para as finalidades da educação física escolar. Considerações finais Concluímos que a organização do jogo-pedagógico traduz duas idéias principais: inicialmente, a vivência baseada no prazer, na espontaneidade, no desafio da atividade como um fim em si mesma, embora representada pela minoria dos professores. A outra, funcionando como “atividade/meio” para o ensino-aprendizagem de outros conteúdos da educação física escolar. 242 A idéia de inclusão e cooperação aparecem como propostas valorizadas no processo educacional, no discurso de um número reduzido de professores, trazendo uma visão de mundo bem diferente da competição, desenvolvendo a cooperação, recriando formas de agir, levando os alunos a perceber que há outros caminhos diferentes dos usuais como, por exemplo, ser um elemento de transformação da sociedade, promovendo a autonomia, o senso crítico, a criatividade e a cooperação. Concluímos que as finalidades apontadas pelos professores privilegiam múltiplos sentidos: (1). Sentido baseado no sócio-afetivo: os professores consideram fundamentais as atividades culturais de movimento com finalidades de lazer, expressão de sentimentos, afetos e emoções; (2). sentido baseado no gênero: os professores percebem que as aulas mistas podem dar oportunidades à convivência entre meninos e meninas, à mútua observação, descobrimento e aprendizado da tolerância, não discriminação e compreensão das diferenças. (3). sentido baseado na psicomotricidade: a escola configura-se como um espaço diferenciado, onde os alunos poderão resignificar seus movimentos e atribuir-lhes novos sentidos, além de realizar novas aprendizagens. (4). sentido baseado na autonomia: os professores trabalham para atingir expectativas de ganho de autonomia pelos alunos, em suas aulas; buscam criar condições para que seus alunos tornem-se independentes, participativos, trabalhem coletivamente e com autonomia de pensamento e ação. (5). sentido baseado na disciplina: os professores encontram-se, ainda, influenciados por uma educação física com inspiração militarista, destacando o papel da educação física e do desporto na formação do homem obediente e adestrado. (6). sentido baseado formação de atletas: a escola se mantém no espaço reservado à formação de futuros atletas, geralmente escolhidos pelo professor para formar equipes competitivas e demonstrativas representando a escola, tornando-se uma prática discriminatória e oferecendo indiretamente atividades apenas aos mais habilidosos. Por outro lado, outros discursos aparecem, mostrando que há uma certa “valorização”, da educação física pelos professores e pela direção da escola, mas, no fundo, não há um entendimento da sua importância, uma compreensão da necessidade das crianças estarem em movimento, por isso, cobram do professor uma postura mais severa, mais disciplinada. Muitas escolas vêem as aulas de educação física como a aula da “bagunça”, da farra e muitos professores encontram-se pressionados pela administração e por outros professores a acabar com o barulho, já que toda a nossa escola está estruturada para que as crianças “aprendam” em silêncio e imobilizadas. De maneira bem geral, o movimento e a espontaneidade da criança fazem com que a escola a perceba como transgressora de uma ordem pré-estabelecida. O brincar é desprovido da disciplina exigida pela escola e pelo adulto e estes procuram imprimir no corpo infantil suas regras de comportamento, impedindo a criança de ser ela mesma, estabelecendo um verdadeiro jogo de poder, reafirmando sua autoridade. Autoridade construída no medo e na coerção, que não garante a manutenção da ordem e da disciplina; é valorizada pela sua utilidade, ou seja, a importância atribuída ao trabalho do professor de educação física está pautada na sua produtividade, no que ele pode complementar em relação ao trabalho do professor em sala de aula. As aulas de educação física, na concepção da escola, não ultrapassam o status de bengala, muleta, apoio, entre outros, com fins pré-determinados por outras disciplinas; e, são também descontextualizadas, por não verem a educação física como algo importante e relevante dentro do contexto educacional e da formação infantil. Isso é fácil de se entender,na medida em que a vida do adulto é marcada pela seriedade, pela dedicação às atividades produtivas, pela valorização dos resultados, pela transformação dos objetos em instrumentos e pela mudança do sistema simbólico por relações econômicas. 243 A partir de algumas reflexões sobre as questões colocadas acima, podemos compreender melhor a dificuldade que os professores de educação física enfrentam: o funcionamento das instituições e as regras que as normatizam chocam-se com a natureza lúdica do jogo utilizado pelos professores. O professor de educação física, por ter que se adaptar às normas e regras da instituição, vê-se aprisionado em quase toda a sua dimensão lúdica, pois a escola avalia sua aula como “bagunçada” e “desorganizada”. Embora, por vezes, os discursos se apresentassem confusos e deslizassem por diferentes vozes, concluímos que a ação do professor de educação física que atua no primeiro segmento do ensino fundamental vem se aproximando de um discurso mais coerente e de perspectivas transformadoras. Apesar de tanta oposição, o professor vem buscando seu espaço dentro da escola, resgatando todo seu potencial lúdico, dando uma nova roupagem ao jogo-pedagógico. A escola ainda se apresenta a como um grande adversário; porém, o papel significativo do professor de educação física está em buscar soluções para que, mesmo com toda disciplina, normas e regras, o jogo-pedagógico venha proporcionar prazer e satisfação aos alunos. Referências ARAUJO, S. M. de (1999). A dimensão do lúdico no processo de formação do educador. São Luis do Maranhão, 21(1): 677-680. CARNEIRO, M. A. B. (1990). A criança, o lúdico e a formação do educador. São Paulo: FEUSP/EDM. FREIRE, j. b. (1989). Educação de corpo inteiro: teoria e prática da educação física. São Paulo: Scipione. FOUCAULT, M. (1987). Vigiar e punir. O nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes. KISHIMOTO, T. M. (org). (1998). O brincar e suas teorias. São Paulo: Pioneira. MARCELLINO, N. C.( 1985). Lazer e Educação. Campinas: Papirus. __________________.(1990). Pedagogia da animação. Campinas: Papirus. PASSOS, K. C. M. (1995). O Lúdico essencial e o lúdico instrumental – o jogo nas aulas de educação física escolar.(Dissertação de Mestrado). Rio de Janeiro: UGF. SNAYDERS, G. (1996). Alunos felizes. São Paulo: Paz e Terra S/A. _____________. (1998). A Alegria na escola. São Paulo: Manole. 244 SIGNIFICADOS DA RECREAÇÃO NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR Acad. Raquel Cristina Ramos CELAR/EEFFTO/UFMG RESUMO: No Brasil das décadas de 20 e 30, as atividades recreativas instauraram-se no ambiente escolar como parte do currículo e a Educação Física, pelo fato de estabelecer estreitas relações com o corpo, destacou-se como um dos principais meios de difusão destas práticas no ambiente escolar. Neste contexto, visando identificar os significados da recreação para professores de Educação Física, realizei um estudo com 4 profissionais em duas instituições de ensino pertencentes à cidade de Belo Horizonte. De acordo com os dados coletados através da entrevista semi-estruturada, ficou clara a dificuldade que os professores apresentam em conceituar a recreação e em definir o significado utilizado em suas propostas de ensino. PALAVRAS-CHAVES: escola, educação física, recreação. Introdução Refletir sobre o tema recreação é um desafio que se fez presente em muitos momentos de minha formação profissional em Educação Física. Constantemente, buscava entender quais os sentidos e significados da recreação nos diferentes espaços sociais de atuação profissional. Minha proximidade com o contexto escolar me instigou a compreender como a recreação vem sendo trabalhada no interior das propostas de ensino da Educação Física. Nesta perspectiva, formulei a seguinte a questão: qual o significado de recreação no âmbito escolar, tendo como foco a perspectiva de professores de Educação Física? O objetivo deste estudo é, portanto, verificar como os professores de Educação Física escolar entendem a recreação, tendo em vista analisar o trabalho que desenvolvem em suas aulas a partir da compreensão sobre o tema. Acredito na relevância desta discussão para a área, visto que inúmeras vezes os professores apropriam-se de determinados saberes sem ao menos perguntarem a si mesmos qual a importância destes conhecimentos para as suas aulas. Além disso, o acervo de pesquisas que evolve tal assunto é escasso e, na maioria das vezes, a recreação é pontuada como sinônimo de jogos e brincadeiras, além de ser trabalhada de forma a-crítica e descontextualizada. O estudo se baseou na combinação entre as pesquisas bibliográfica e de campo. Em um primeiro momento, a técnica utilizada foi à revisão de literatura, buscando em teses, dissertações, livros e artigos científicos as relações existentes entre os termos escola, recreação e Educação Física. Posteriormente, a pesquisa de campo foi realizada através da técnica de entrevista semi-estruturada, com 4 professores de Educação Física em duas instituições de ensino pertencentes à cidade de Belo Horizonte, selecionadas segundo o critério da acessibilidade. O presente artigo encontra-se dividido em três partes: a primeira trata da educação institucionalizada e da sua constituição nos dias atuais, a segunda aborda as relações existentes entre a Educação Física e o ambiente escolar, e a terceira, por sua vez, consta das entrevistas realizadas com os professores de Educação Física e as implicações de suas práticas no desenvolvimento da recreação em suas aulas. 245 Educação escolarizada e a formação de cidadãos críticos e criativos Para DURKHEIM (1995), a palavra educação é empregada, na maioria das vezes, de forma extremamente ampla, “para designar o conjunto de influências que, sobre a nossa inteligência ou sobre a nossa vontade, exercem os outros homens, ou, em seu conjunto, realiza a natureza” (p.25). Essa visão ampliada, segundo o autor, pode gerar confusão no seu entendimento. Portanto, é importante frisar o cunho social do ensino, ou seja, a estreita relação da educação com o modo como os homens se relacionam entre si. DURKHEIM (1995) pontua que “a sociedade se encontra, a cada nova geração, como que em face de uma tábula rasa, sobre a qual é preciso construir quase tudo de novo (...) Eis aí a obra da educação” (p.33). De acordo com esta fala, percebo que a criança é vista como ser desprovido de conhecimento, e que a educação vem no sentido de preencher esta “tábula rasa” com saberes úteis à sua vida em sociedade. Discordo desse pensamento pelo fato de acreditar que as crianças não são adultos em miniatura, nas quais vão sendo colocadas uma série de conhecimentos para que possam se tornar alguém no futuro. Ao meu ver, as crianças também adquirem conhecimentos por elas mesmas, não apenas na escola. Além disso, a infância não é um momento de vir a ser um adulto, mas sim um espaço para ser criança, e se posiciona de forma crítica sobre o mundo. E será que o ensino na instituição escola está preparado para nos ensinar aquilo de que precisamos para a vida em sociedade? Assim, entendo que a criança é capaz de reconhecer o mundo em que vive e aplica suas experiências nas relações que estabelece com os outros indivíduos. Guarda consigo o que foi adquirindo durante seus poucos, mas importantes anos de vida. MARCELLINO (1990) contribui afirmando que várias críticas são feitas ao ensino, principalmente aquele que reproduz o sistema capitalista. Todavia, acredito que a escola comprometida com uma realidade social mais justa pode ser encarada como local que possibilita aos indivíduos a aquisição da consciência crítica sobre a sociedade, expressa através da informação. Após a escola cumprir seu papel de orientar os alunos, o que será feito dos saberes adquiridos depende única e exclusivamente de cada indivíduo, ou seja, depende da forma como irão colocar em prática tais saberes. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional (LDB) aponta que é necessário desenvolver nos alunos a consciência de seus direitos e de suas responsabilidades, proporcionando o desenvolvimento de valores tais como ética e participação. A escola é um local favorecido, repleto de relações sociais e valores, os quais deverão ser apreendidos pelos alunos (CASTRO, 1995). Assim, cabe aos professores analisar a que fim a escola vem se propondo e, caso seja necessário, lutar para que esta proposta seja modificada. Nesta perspectiva, torna-se indispensável o comprometimento de cada uma disciplinas escolares no sentido de reverter o atual quadro da educação brasileira. Dentre elas, destaco a Educação Física escolar, que possui um corpo de conhecimentos específicos capaz de contribuir para formação do tão almejado cidadão. Esta será a discussão que permeará o tópico que se segue. A Educação Física no âmbito escolar De acordo com DEBORTOLI; LINHALES; VAGO (2002) no século XIX a Educação Física já se encontrava presente na escola. Daquela época até hoje, o trabalho desenvolvido por esta disciplina vem apresentando uma série de transformações no que se refere às visões de mundo, de educação e de homem. 246 BRACHT (1999), por sua vez, afirma que a instauração da prática pedagógica da Educação Física emergiu nos séculos XVIII e XIX, sendo diretamente influenciada pelo militarismo e pelos conhecimentos médicos. Em um outro momento, BRACHT (2001) analisa que a Educação Física, como componente curricular, afirmouse a partir do modelo burguês de escola, ou seja, seguindo um modelo condizente com a nova ordem social estabelecida naquele momento. GUIMARÃES, PELLINI, ARAÚJO; MAZZINI (2001) afirmam a apropriação da Educação Física pela classe médica com o intuito de alterar os métodos de higiene realizados pelo povo em geral. Além disso, de acordo com a visão militar, as práticas corporais serviam como “instrumento ideológico e de manipulação”, pois visavam a disciplina e a educação do corpo (mudança nos métodos higiênicos) para que a população tivesse um “corpo saudável e equilibrado organicamente”. Pode-se dizer que a recreação, um dos conteúdos da Educação Física, também aparece vinculada à perspectiva do controle do corpo e melhoria da saúde. No Brasil das décadas de 20 e 30, a recreação começou a fazer parte do currículo das escolas devido à mudança nas concepções de ensino provenientes da proposta da Escola Nova. O principal objetivo traçado foi o desenvolvimento integral dos alunos com a valorização do aspecto físico, sendo que a integração das atividades recreativas passou a ser fundamental no ambiente escolar. Assim, nota-se que a recreação, tal qual a Educação física escolar apenas são validadas quando capazes de beneficiar a estabilidade social, ou seja, quando utilizam e reafirmam valores presentes em uma sociedade hierarquizada que objetiva a manutenção do status quo. A partir de 1964, com a instauração da ditadura militar, a Educação Física passa a ser valorizada pelo governo por desenvolver a aptidão física e o desporto, capacitando a classe trabalhadora para firmar o Brasil como potência (BRACHT, 1999). Nota-se que o foco da referida disciplina é alterado, adotando como meta o rendimento que, dessa forma, seria capaz que fazer com que o Brasil se destacasse perante as outras nações. Nesta perspectiva penso que o esporte, apresentando-se como um dos conteúdos da Educação Física, precisa ser trabalhado na escola. Porém, a metodologia adotada pelos professores deve levar em consideração que o papel da referida disciplina não é formar atletas, mas sim proporcionar aos alunos experiências sociais, culturais e motoras diversas através de práticas corporais. As intencionalidades do esporte escolar e de alto nível são diferentes e por isso devem ser trabalhadas em locais também distintos. KUNZ (1991) nos fala que “a Educação Física tem servido, dentro sistema educacional, mais para reproduzir as contradições e injustiças sociais do que para mudar esta situação”. Assim sendo, acredito que cabe ao professor refletir sua prática e buscar formas de atuação que possam vir a melhorar o ainda decepcionante quadro que a disciplina apresenta na atualidade. A Educação Física tem um objeto que é imprescindível à formação do povo, e o professor deve assumir este compromisso com muita determinação e ansiedade por mudanças. Neste contexto, venho destacar a recreação como um dos conteúdos da Educação Física escolar que, apesar de muito utilizada nas aulas objetivando momentos de alegria e satisfação, muitas vezes não é pensada como um elemento da cultura corporal de movimento, mas apenas como um mero conjunto de atividades que ocupa de forma prazerosa o tempo dos alunos. No próximo tópico busco identificar o significado da recreação para os professores de Educação Física de duas escolas de Belo Horizonte. 247 Recreação: desenvolvimento de ações pedagógicas na escola Nesta parte do artigo apresento reflexões a partir da análise dos dados coletados na pesquisa de campo realizada em duas escolas da cidade de Belo Horizonte. Os locais pesquisados foram selecionados de acordo com o critério da acessibilidade, pelo fato de terem sido palco dos meus estágios curriculares durante o curso de graduação em Educação Física na UFMG. Assim, minha inserção nas escolas foi facilitada e, conseqüentemente, o desenrolar desta pesquisa, já que eu havia tido um contato anterior com diretores e professores da instituição. A técnica de pesquisa adotada foi a entrevista semi-estruturada (TRIVIÑOS, 1987) realizada com 4 profissionais de Educação Física (2 de cada instituição) que se dispuseram a participar da pesquisa. Deste modo, através das respostas dadas às questões presentes no roteiro de entrevista, busquei identificar o significado da recreação para os professores, já que desenvolvem esse tema em suas aulas. Um primeiro elemento identificado está relacionado ao tempo de formação dos entrevistados. Neste sentido, pude identificar que estes profissionais se graduaram em Universidades públicas do Estado de Minas Gerais, entre os anos de 1989 e 2000. Nesta época a discussão acerca da recreação já estava presente nos currículos dos cursos de graduação, assim como o lazer, conforme ISAYAMA (2003). Por outro lado, é interessante perceber quais motivos levaram esses profissionais a optar pela Educação Física como área de atuação. Ao analisar alguns trechos das entrevistas: “... eu tinha uma ligação com o esporte” (entrevistado 2) ou “...eu gosto demais de esporte” (entrevistado 3) observo que todos fizeram esta escolha por estarem ligados a algum tipo de modalidade esportiva, seja como participante, expectador ou interessado. A vivência pregressa dos entrevistados no meio esportivo influenciou diretamente a escolha da futura profissão. Esse aspecto pode estar vinculado a importância do esporte em nosso contexto, conforme nos esclarece CASTELLANI FILHO (2002) quando afirma que “o esporte, dada à significância com que marca sua presença no mundo contemporâneo, apresenta-se como um dos mais relevantes fenômenos socioculturais” (p.55). Além disso, os professores associam a sua intenção em atuarem na Educação Física escolar à vontade e ao gosto por trabalhar com crianças, de acordo com seguintes trechos das entrevistas: “eu gosto das crianças” (entrevistado 1) e “também gosto dos meninos” (entrevistado 3). Dois entrevistados foram atuar no meio escolar por conseqüência das oportunidades que surgiram. A professora 3, afirma que “para ser franca, foi a coisa que surgiu primeiro” e, “...com relação à questão financeira, não tem um bom retorno, mas é um retorno garantido, o que muitas vezes não acontece em academias”. Ainda admite que “a sensação de estabilidade é o que me mantém”. Nesta mesma ótica, a quarta professora informou que seu ingresso na escola ocorreu pelo fato de ter sido aprovada em um concurso realizado pelo governo estadual. Em outras palavras, alguns docentes se encaminham para a instituição escolar não apenas por sentirem prazer em trabalhar com crianças, mas também por encontrarem neste ambiente, oportunidades de trabalho satisfatórias, ou seja, estáveis e duradouras. No que diz respeito aos objetivos da Educação Física na escola encontrei poucos elementos para análise. O professor 3 afirmou que “a Educação Física escolar tem a função de transmitir informações, hábitos saudáveis de vida”. Entretanto, não seria este o papel da escola como um todo? Neste sentido, senti falta de argumentos relativos à especificidade da Educação Física, ou seja, parece que os conteúdos específicos da disciplina não são tidos como importantes ou essenciais, mas apenas 248 atividades que servem de pano de fundo para a preparação da criança para um momento que está por vir. Quanto às atividades desenvolvidas nas aulas, todos os professores afirmaram utilizar a recreação como um dos conteúdos. No entanto, percebi uma dificuldade em conceituar o tema, aspecto já visualizado em referências bibliográficas que se dedicam à temática. Nos trabalhos que tratam desse tema, destaco WERNECK (2000) quando afirma que o conceito “moderno” de recreação surgiu nos Estados Unidos no final do século XIX. A autora analisa que, de acordo com os estudos de Nicanor Miranda, houve a necessidade de fundir em um só termo todas as atividades da cultura popular daquele país, para que a organização, a supervisão e a difusão das mesmas pudesse ser realizada pelos departamentos municipais. A finalidade da recreação passou a ser social, com o objetivo de disciplinar as massas. Nesta perspectiva, alguns autores buscaram definir o real papel da recreação. Segundo SUSSEKIND (1952, p.28) ”recreação é a atividade, por intermédio de agente mental ou físico, a que o indivíduo é levado por seu próprio interesse e com desenvolvimento da qual encontra o prazer que lhe proporciona um estado de euforia”. Para o autor acima, este conceito apresenta um cunho sociológico e, em países como Estados Unidos, Alemanha, França e Itália, a recreação adquiriu um significado “social ou político-social”. Nota-se que ela é associada e/ou entendida como uma mera atividade que possui o objetivo de propiciar prazer aos indivíduos. MARINHO (1981, p.134) afirma que a palavra advém do latim recreatio ou recreationem, significando recreio, ou seja, divertimento. Derivada do vocábulo recreare possui o sentido de “reproduzir, restabelecer, recuperar (quem trabalha precisa renovar-se)”. É a “atividade física ou mental a que o indivíduo é naturalmente impelido para satisfazer as necessidades físicas, psíquicas ou sociais, de cuja realização lhe advém prazer”. Nesta perspectiva, quando questionei os professores sobre o significado da recreação, todos apresentaram um certo receio em responder e demonstraram grandes dificuldades em definir o termo em questão. Apesar disso, a ênfase dos conteúdos recreativos recaiu sobre a ludicidade, sobre o prazer e sobre a dimensão da atividade. Na concepção do professor 1, “recreação é a oportunidade que o aluno tem de estar vivendo um momento lúdico”. O terceiro entrevistado pontua que a recreação “... tem um lado lúdico, alegre de estar ali...”. É notória a associação estabelecida pelos professores entre a recreação e os jogos, brinquedos e brincadeiras. Ao analisar sobre qual seria o papel desempenhado pelas brincadeiras, ou seja, em prol de que elas poderiam estar sendo utilizadas, notei que há a possibilidade de estarem associadas à manutenção da ordem e da disciplina. Além disso, entendo que para os professores entrevistados o objetivo de recrear é desenvolver aspectos físicos nos indivíduos e, muito mais que isso, proporcionar a eles momentos de alegria e de regozijo em que, como bem colocou o professor 2, ”eles conseguem se expressar livremente através das brincadeiras”. Apropriam-se de diversos conteúdos a fim de proporcionar a vivência do prazer, do lúdico. Acredito que a brincadeira não gera apenas satisfação, mas sendo esta uma das características do brincar, deve ser reconhecida e valorizada. É importante frisar que brincadeira não é sinônimo de recreação, mas apresenta-se como um dos diversos conteúdos da mesma. Por outro lado, deve-se explorar os aspectos lúdico e desinteressado das vivências recreativas. Não entendo a recreação apenas com o papel 249 de eliminar frustrações de cotidianas, mas como forma de auxiliar no desenvolvimento pessoal e social dos indivíduos. Entretanto, percebi que alguns professores buscaram agregar objetivos um pouco mais biológicos e/ou voltados a valores sociais para justificar a presença da recreação na escola, como se apenas o prazer não fosse um argumento suficiente para a utilização de tal conteúdo. Um exemplo da utilização da recreação como um meio foi extraído da fala do professor 1: “...formação corpórea...”, ou seja, “...o lado biológico...”. Nos anais do SEMINÁRIO (1973, p.49) identifiquei o entendimento de recreação como uma das eficientes forças a serviço da Educação, tal a complexidade dos fatores biopsicossociais que ela pode mobilizar”. Dessa forma, os professores buscam argumentos para legitimar a recreação dentro da escola, sendo então utilizada como um meio em busca de determinado fim. E neste caso, sua finalidade estaria em desenvolver aspectos biológicos e sociais nos alunos. MEDEIROS (1961) afirma que a evolução do aspecto físico passou a ser valorizada e a recreação ingressou no currículo escolar da disciplina Educação Física. Portanto, nota-se que a Educação Física, por ser uma disciplina que se relaciona estreitamente com o corpo, tornou-se o principal meio de difusão das práticas recreativas. No entanto, é preciso destacar que esta relação é reduzida, pois a Educação Física proporciona mais que um simples um trabalho corporal. É o movimentar-se culturalmente. Relacionando estas citações com os conteúdos das entrevistas realizadas vejo que os professores ainda não internalizaram a visão de cultura presente na recreação. O principal papel da recreação, palavra esta ainda utilizada pelos professores de Educação Física, não deveria ser ensinar ou impor a disciplina e a ordem, mas sim proporcionar vivências que estimulem o indivíduo a criar, a experimentar a cultura que o cerca, a criticar e a interferir na constituição das relações sociais, ou seja, permitir que ele exerça a cidadania de forma consciente. Acredito ser este um dos passos para que a formação do indivíduo possa ser concretizada, ou seja, é uma função a ser desempenhada pela escola e pelas disciplinas que a constituem, encontrando-se em destaque a Educação Física. Assim sendo, julgo ser necessário que os profissionais de Educação Física, no caso a escolar, busquem sempre novos significados para suas práticas a fim de não desconsiderarem conteúdos e perspectivas que estejam ligados aos aspectos culturais da vida humana já que a disciplina objetiva o desenvolvimento da cultura corporal. Considerações finais O presente trabalho teve como objetivo analisar o(s) significado(s) da recreação para os professores de Educação Física de duas instituições escolares de Belo Horizonte. Primeiramente, ficou clara a dificuldade que os professores apresentam em conceituar a recreação e em definir o significado utilizado em suas propostas de ensino. Para eles, a recreação encontra-se estreitamente vinculada ao lúdico, ao prazer, sendo que, muitas vezes, são compreendidos como sinônimos. Penso ser necessário esclarecer que a ludicidade é uma das características da recreação, é um de seus objetivos, porém não possui o mesmo significado. Um segundo ponto a ser enfatizado é o entendimento da recreação como simples atividade, muitas vezes associadas aos jogos, brinquedos e brincadeiras, mas com característica restritas. Dessa forma, o trabalho realizado nas escolas volta-se para a 250 reprodução de atividades contidas em manuais de recreação, deixando de ser criativo e crítico. Aspectos culturais, políticos e sociais, passíveis de serem desenvolvidos pela da recreação não são diretamente objetivados quando os professores optam pela sua utilização como conteúdo das aulas de Educação Física. Para os professores o papel da recreação ainda é ocupar o tempo das crianças de forma prazerosa, sem que haja uma preocupação com a questão pedagógica. A recreação pode estabelecer-se com um caráter desinteressado, desde que este seja o objetivo da proposta a ser desenvolvida. O problema é que, de acordo com as falas dos professores, sempre se busca vinculá-la a aspectos biológicos e comportamentais, como uma forma de buscar a sua legitimação na escola. Nesta perspectiva, a recreação passa a ser compreendida também como um meio para alcançar-se determinado fim, determinado objetivo. Enfim, apesar da recreação ser amplamente utilizada nas aulas de Educação Física para crianças, muitas dúvidas se apresentam acerca de suas funções e dos seus significados. Torna-se evidente, dessa forma, que uma discussão maior sobre o tema deva ocorrer nos cursos de graduação da área, visando esclarecer os professores sobre as práticas que desenvolvem com seus alunos. Desta maneira acredito que, desenvolvendose um trabalho consciente e sistematizado, este se apresentará de forma mais consistente e duradoura, proporcionando a tão desejada educação de qualidade do povo brasileiro. Nesta luta, a Educação Física, assim como as outras disciplinas escolares, possuem função determinante e esta responsabilidade precisa ser diagnosticada e aceita por todos os professores. Referências BRACHT, V. A constituição das teorias pedagógicas da educação física. Caderno Cedes. n. 48, p. 69-88, 1999. CASTELLANI FILHO, L. Política educacional e educação física. Campinas: Autores Associados, 2002. CASTRO, C. M. Educação Brasileira: consertos e remendos. Rio de Janeiro: Rocco, 1995. DEBORTOLI, J. A. LINHALES, M. A.; VAGO, T. M. Infância e conhecimento escolar: Princípios para a construção de um Educação Física “para”e “com”as crianças. Pensar a Prática. v. 5, p. 92-105, 2002. DURKHEIM, E. Educação e sociologia. 4ª ed. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1995. GUIMARÃES, A. A.; PELLINI, F. C.; MAZZINI, J. M. Educação Física escolar: atitudes e valores. Motriz. v.7, n.1, p.17-22, 2001. ISAYAMA, H. F. Recreação e lazer na formação profissional em Educação Física: reflexões sobre o currículo. In: WERNECK, C. L.; ISAYAMA, H. F. Lazer recreação e Educação Física. Belo Horizonte: Authêntica, 2003. p.173-214. KUNZ, E. Educação Física: ensino e mudanças. Ijuí: Editora da UNIJUÍ, 1991. MARCELLINO, C. Lazer e educação. 2ª ed. Campinas: Papirus, 1990. MARINHO, I. P. Educação Física, recreação e jogos. 3ª ed. São Paulo: Cia do Brasil, 1981. MEDEIROS, E. B. Jogos para recreação infantil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura,1961. RAMOS, R. C. Significados da recreação na Educação Física escolar. Belo Horizonte: EEEFFTO/UFMG, 2004. (Monografia, Licenciatura em Educação Física). 251 SEMINÁRIO DE RECREAÇÃO, 3, 1973, Rio de Janeiro, Anais... Rio de Janeiro: ABDR, 1973. SUSSEKIND, A. Manual de recreação. Rio de Janeiro, 1952. TRIVINÕS, A N. S. Introdução à pesquisa em Ciências Sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987. WERNECK, C. L. G. Lazer, trabalho e educação: relações históricas, questões contemporâneas. Belo Horizonte: UFMG; CELAR-DEF/UFMG, 2000. 252 POSTERES 253 LAZER PARA TERCEIRA IDADE NA REGIONAL NOROESTE DE BELO HORIZONTE Acad. Alexandre Silva de Oliveira183 Prof. Dr. João Francisco Magno Ribas (orientador) CELAR/EEFFTO/UFMG A relação lazer-idoso ainda é pouco explorada no Brasil, uma vez que o idoso é uma das populações emergentes numericamente no País e estão buscando cada vez mais o seu “direito” ao lazer. Porém a oferta de opções de lazer para os idosos vem crescendo de acordo com os interesses mercadológicos nesse grupo, acreditando que este possui um grande potencial financeiro a ser explorado. Então, como encontrar as melhores opções de lazer para idosos? Talvez a identificação do campo atuação do profissional do lazer seria uma alternativa de conhecer as opções de lazer para os idosos, além dos espaços para atuação de novos profissionais. Porém, é difícil identificar qual a área de atuação, qual é a especificidade da sua formação e como estes vêem os idosos. Observamos que profissionais do lazer vem buscando trabalhar com os idosos principalmente através de grupos de convivências, através de ações recreativas e físicas, além de outras manifestações que proporcionem o lazer. O Centro de Estudos de Lazer e Recreação, CELAR/UFMG, vem investindo no projeto PET, Programa Especial de Treinamento, com intuito de conhecer os diferentes campos de atuação profissional do lazer. Esta pesquisa tem como objetivo mapear as possibilidades de intervenção do profissional do lazer em Belo Horizonte, especificamente com grupos de terceira idade, com vista a identificar novas possibilidades de intervenção para os profissionais da Educação Física. O mapeamento será realizado primeiramente através da identificação dos espaços que desenvolvem atividades voltadas para os idosos pelo menos a três meses. Acreditamos que este período de três meses seria importante para separar os grupos que teriam um trabalho permanente daqueles que desenvolvem um trabalho temporário. Os grupos de convivências “permanentes” responderão então a um questionário que apresenta questões como: nome do grupo (e da instituição pertencente), endereço, objetivo do grupo, número de participantes, tempo de existência, especificidade da formação do profissional que atua com o grupo e a faixa etária média do grupo(se possível). Esperamos através destas informações identificar principalmente o objetivo de trabalho dos grupos afim de, posteriormente, relacionar o mesmo com o lazer voltado a terceira idade. Os grupos de convivências “temporários” responderão ao mesmo questionário, porém a análise dos dados será diferenciada devido ao trabalho ser mais susceptível as variáveis das temporadas. Belo Horizonte é uma cidade com cerca 176000 idosos e uma população de 2087941 habitantes, isso dentro da região administrativa da prefeitura da capital, que é subdividida entre nove regionais: Norte, Nordeste, Noroeste, Leste, Oeste, Centro-Sul, Barreiro, Pampulha e Venda Nova. O trabalho de mapeamento também será subdivido dentro de cada regional e a primeira a ser explorada será a regional Noroeste. Esta conta com aproximadamente 340 000 habitantes e com cerca de 37 grupos de convivências cadastrados na prefeitura. 183 . Bolsista do Programa Especial de Treinamento (PET). E mail: [email protected] Endereço: Rua Itarana, 80, Alto Caiçara – Belo Horizonte/MG. 254 Com os resultados deste estudo, pretende-se contribuir para a regional no planejamento e no desenvolvimento de propostas de lazer para os idosos, além de posteriormente vir a somar aos resultados das outras regionais, proporcionando então a identificação das alternativas de lazer existentes em Belo Horizonte sendo possível explorar e intervir de forma mais qualificada nas atividades para terceira idade. 255 INFLUÊNCIA DO LAZER, ATRAVÉS DO PROJETO CLÍNICA DO SORRISO, NO TRATAMENTO DO CÂNCER Acad. Ana Carolina Tavares Ferretti Acad. Fabiana Fátima Dias de Souza Universidade Federalo de Juiz de Fora RESUMO: O projeto “Clínica do sorriso” visa proporcionar uma melhor qualidade de internação pacientes adultos com câncer do Instituto Oncológico de Juiz de Fora. Pois neste Instituto, apenas alguns dos pacientes com grande debilitação ou com problemas psicológicos possuem acompanhantes nos quartos, enquanto que significantes parcelas dos internos não possuem acompanhantes ficando submetidos em grande parcela do tempo, à solidão e ao ócio. Além deste, o projeto também tem como objetivo buscar incorporar o profissional de Educação Física ao quadro de profissionais do Instituto Oncológico na perspectiva do lazer para a atuação interdisciplinar. PALAVRAS-CHAVES: lazer, recreação hospitalar Introdução Segundo Knackfuss et. al. (1998) existem poucos trabalhos que relatam a recreação hospitalar, porém esses autores afirmam que recrear, reproduzir e renovar deve ser estendido a todos indistintamente, pois utilizando experiências de lazer o adulto, assim como a criança, encontra momentos de alegria e integração. Ao estruturarmos esse projeto consideramos os espaços, as atividades e os recursos materiais, mas consideramos principalmente o aspecto emocional dos pacientes, pois uma pessoa enferma fica emocionalmente afetada e, se levarmos em consideração que além de enfermos, esses pacientes são internos e privados do convívio familiar, esses sintomas pode agravar-se, chegando até a evoluir para quadros de doenças psicológicas e/ou transtornos mentais, como por exemplo, ansiedade e depressão. A população que será beneficiada com o projeto serão os pacientes do 3° andar do Instituto Oncológico da cidade de Juiz de Fora-MG. São pessoas de baixa renda, normalmente moradoras de distritos e/ou cidades vizinhas, que ficam internados durante o período de tratamento devido a não disponibilidade financeira para a realização do deslocamento casa – hospital, e que não recebem muitas visitas devido ao mesmo motivo. Justificativa Segundo Werneck (2002), o lazer não representa apenas um instrumento de manipulação ideológica, mas um campo através do qual podemos refletir sobre a dinâmica da vida social mais ampla. Sendo um suporte de múltiplos significados, o lazer pode oferecer uma via de acesso para a compreensão dos impasses, das contradições e também das perspectivas que se abrem na nossa realidade, pois ele está estreitamente vinculado aos demais planos da vida social. Galvão (1984) citado por Knackfuss et. al. afirmam que no contexto hospitalar o recreacionista possui um papel muito importante, pois não basta que alguém forneça o material, é preciso organizar, administrar e orientar as atividades 256 lúdicas que promovam a participação e a integração dos internos nas referidas atividades. “A criança enferma apresenta uma série de reações tais como nervosismo, inquietação, tristeza, tensão, fazendo com que os pais voltem-se inteiramente a ela, o que a faz sentir-se segura psicologicamente auxiliando na recuperação” (Knackfuss et. al., 1998). Com o adulto acontece situação semelhante, porém muitas vezes, ao contrário das crianças, os adultos tendem a interiorizar esses sentimentos provocando uma sobrecarga negativa nos aspectos psicológico e emocional, o que acaba influenciando no estado de saúde físico e mental dos pacientes, principalmente no caso do grupo de internos do 3° andar do Instituto Oncológico que não contam com a presença constante dos familiares. Para os mesmos autores, são nesses aspectos que a recreação hospitalar pode e deve auxiliar no restabelecimento da saúde, proporcionando aos pacientes momentos de lazer e de vivenciamento de atividades prazerosas em um espaço, que na maioria das vezes nega o ideal de ludicidade na concepção de tratamento, uma vez que estes possam esquecer um pouco dos sintomas da doença, do ambiente hospitalar e da saudade dos familiares. Através da utilização de atividades lúdicas esperamos proporcionar uma melhor permanência dos internos durante o período de tratamento, visando que estes possam se ocupar durante o período de internação com diferentes atividades recreativas sejam estas dirigidas ou não. Esperamos também, que desta forma, estes obtenham uma internação menos ociosa e dolorosa, e com amenização dos sintomas da doença, possibilitando uma melhor utilização do tempo de permanência no instituto. Além disso, possibilitar diferentes opções de atividades, auxiliando assim na permanência e na recuperação destes pacientes. Objetivos Proporcionar através da utilização de atividades lúdicas uma melhor permanência dos internos durante o período de tratamento, visando que estes possam se ocupar durante o período de internação com diferentes atividades recreativas sejam estas dirigidas ou não. Possibilitar aos internos, a obtenção de uma internação menos ociosa e dolorosa, e com amenização dos sintomas da doença, possibilitando uma melhor utilização do tempo de permanência no instituto. Além disso, possibilitar diferentes opções de atividades, auxiliando assim, na recuperação destes pacientes. Metodologia Serão realizadas visitas com freqüência mínima de duas vezes por semana, podendo haver alterações nessa freqüência, dependendo da disponibilidade dos recursos humanos e materiais. Os recursos humanos serão obtido na Faculdade de Educação Física e Desportos da Universidade Federal de Juiz de Fora, através de divulgação e prévia seleção das pessoas interessadas em estarem atuando no projeto. Parte dos recursos materiais serão fornecidos pelo Instituto Oncológico, como jogos recreativos, por exemplo, e outra parte será confeccionada pelos recreadores e, havendo possibilidade, em conjunto com os pacientes. Serão realizadas atividades permanentes, nas quais se trabalhará as principais datas comemorativas através de diálogos educativos, brincadeiras, jogos; oficinas de dança, de teatro, artesanato e pintura e atividades físicas como: alongamento, relaxamento e ginástica passiva. Uma vez por 257 mês serão oferecidas palestras educativas sobre temas variados e de interesse dos pacientes. A cada dois meses será realizada uma avaliação através de reunião com os médicos, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais responsáveis pelo grupo a ser avaliado e com aplicação de questionários neste mesmo grupo. Além disso, será realizada, semanalmente, uma conversa com os internos para analisar o grau de satisfação e o interesse dos mesmos. Referências Congresso Brasileiro de Atividade motora Adaptada, 4, 2001, Curitiba, Paraná. Anais... s.ed. SANTOS, L. J. M. A atuação dos profissionais de educação física nos hospitais da universidade federal do Rio de Janeiro. Revista Mineira de Educação Física, v.9, n.2, p. 89-95, 2001. POLLOCK, Michael L. e WILMORE, Jack. Exercícios na Saúde e na Doença. Rio de Janeiro: Medsi, 1993. WERNECK, Christianne. Educação Física, Lazer e Mundo do Trabalho: DESAFIOS PARA A FORMAÇÃO E PARA A INTERVENÇÃO PROFISSIONAL. Belo Horizonte: UFMG/ CELAR - DEF, 2002. 258 LAZER EM BUSCA DE QUALIDADE DE VIDA Acad. Ana Paula Muniz Guttierres Acad. Juliana Rocha Delacio Profa. Ms.Lídia dos Santos Zacarias Universidade Federal de Juiz de Fora RESUMO: O projeto visa a implantação de atividades lúdicas para os pacientes do SCHDO (Serviço de Controle à Hipertensão, Diabetes e Obesidade), com a intenção de proporcionar benefícios relacionados a melhoria da qualidade de vida.Possui como principal objetivo potencializar o autoconhecimento, a motivação, a integração social e o bem-estar geral. Busca-se através do incentivo do convívio em grupo que os pacientes encontrem um novo sentido no processo de tratamento. PALAVRAS-CHAVES: lazer e qualidade de vida. Introdução De acordo com Nahas (2003) estudos enfocando indivíduos grupos e comunidades indicam, claramente, uma associação inversa entre os níveis de atividade física (nesta inclui trabalho+lazer+atividades domésticas+locomoção)e a incidência de diversas doenças como a hipertensão, o diabetes a obesidade, a depressão e outras.Em Juiz de Fora ,segundo o censo 2002, 15 a 20 % população adulta é hipertensa (25000 a 33000 pessoas), 15 % da população adulta é diabética (15000 pessoas), 8% da população é obesa(36000 pessoas). Visto esse quadro, surgiu o projeto de Caminhada Orientada, no qual somos bolsistas, que é desenvolvido com os pacientes do SCHDO que é um departamento pertencente ao Serviço Único de Saúde (SUS), e está localizado na unidade central do SUS na cidade de Juiz de Fora. Este possui cerca de 3000 pacientes, os quais são pessoas de uma condição social desfavorecida.O serviço é sustentado através de renda repassada pelo Governo Federal. O projeto citado possui um caráter de promover através de atividades físicas a melhora da qualidade de vida184 dos pacientes. Ao cursarmos a disciplina Organização e Administração do Lazer vimos à necessidade de implantar neste local um projeto de caráter lúdico, já que este poderia amenizar o sentimento de inutilidade, solidão, isolamento e apatia contribuindo na otimização da perspectiva de vida da população alvo. Desta forma a recreação para estes possui a intenção de buscar uma ocupação do tempo disponível e fazer que estas pessoas tornemse mais independentes, trazendo-lhes benefícios psicológicos, sociais, afetivos. Segundo Stucchi (1997), todos os lugares com os quais nos relacionamos podem ser considerados equipamentos por excelência e todo o tempo que nos vemos ligados a estes lugares podem gerar sentimentos de “bem-estar”, do “contemplar”, do “valorizar as imagens”. Justificando, assim, que o projeto pode ser desenvolvido no local citado, pois num primeiro momento este não foi construído para a prática do lazer. Contudo, segundo o autor, para que o lazer ocorra basta que o seu sentido esteja dentro de cada um de nós. O mesmo ainda nos remete concluir que o lazer cria uma relação social com muitas trocas de experiências, realizações individuais, frustrações fazendo parte do cotidiano sócio-cultural das pessoas. 184 . O conceito de qualidade de vida segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde) (WHO, 1994) visto em Novaes(2003),é “a percepção do indivíduo da sua posição na vida , no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive, e em relação seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”. 259 A partir disto verifica-se a importância da efetivação deste projeto que tem como meta reciclar e atualizar conhecimentos, promover a convivência e novas relações, desenvolver a criatividade e vivência do lazer. Através deste convívio em grupo e de práticas agradáveis estas pessoas debilitadas por tais doenças encontrarão um novo sentido no processo de tratamento, ocorrerá uma melhora na auto-estima, sentirão mais confiantes, o que acarretará em uma melhoria do modo de vida. Objetivos • • • • Implementar no SCHDO um programa de caráter lúdico que inclua, além de ações recreativas, atividades diversificadas de total interesse deste grupo; Promover uma melhora significativa da qualidade de vida dos indivíduos acometidos por doenças crônicas não-transmissíveis como hipertensão, diabetes e obesidade através de atividades recreativas; Desenvolver atividades lúdicas que proporcione um maior autoconhecimento destas pessoas, buscando sua autovalorização, motivação, satisfação, integração social e bem-estar geral; Através de atividades recreativas proporcionar aos participantes uma melhoria psicológica, moral, afetivo, social e física. Metodologia O espaço idealizado para a realização das atividades é uma sala do INSS que se localiza no mesmo edifício que funciona o SCHDO. Atualmente esta sala encontra-se sem funcionalidade, porém, possui um tamanho satisfatório para a realização deste projeto. O projeto foi idealizado a partir do modelo organizacional proposto por Bramante (1997) denominado PAIE (Permanência, Apoio, Impacto e Especial). As atividades serão realizadas em três encontros semanais especificadas a seguir: Nas ações de permanência, que são aquelas do cotidiano, serão propostas atividades recreativas com bolas, arcos, cordas, latas, além de atividades em grupos. Nesta ocorrerá também oficina de pintura, desenhos, utilizando materiais variados, como giz de cera, lápis de cor, tinta, argila e outros. As ações de apoio são aquelas que darão sustentação a programação permanente, deste modo, acontecerão passeios turísticos e curso de artesanato. As ações de impacto possuem grande conotação de festa.Serão realizadas a festa junina e a seresta de confraternização. E finalmente como ação especial, a qual possui significado semelhante às de impacto, ocorrerá uma grande festa em comemoração ao Dia das Mães. Concluídas as atividades durante os nove meses previstos, será realizada, por fim, uma avaliação do projeto com todos os participantes. Discussão Serão formuladas várias perguntas que nos possibilitem ter um feedback dos participantes a respeito dos benefícios que o projeto lhes proporcionou e, também, os aspectos negativos. Seria questionado a respeito como se sentiam antes da aderência no projeto, se observaram melhorias no relacionamento com seus familiares, os benefícios percebidos em seu corpo e mente, se fizeram amizades, e outros. 260 As questões que compõem o questionário seriam sorteadas entre os participantes.Cada participante leria a pergunta e emitiria a sua opinião e todos poderiam comentar a questão. Dessa forma, será permitida uma grande interação entre o grupo. Sob forma de uma entrevista informal, seria possível fazer uma avaliação dos pontos positivos e negativos que ocorreram no projeto. Referências BRAMANTE,Antonio Carlos.Qualidade no gerenciamento do lazer.In: BRUHNS, Heloisa Turini (org); Introdução aos estudos do lazer. Campinas: Editora da Unicamp. 1997. NOVAES,Jefferson S.;VIANNA, Jeferson M.Personal Training & Condicionamento Físico em Academia.Rio de Janreiro: Shape ,2003. STUCCHI,Sérgio.Espaços e equipamentos de recreação e lazer In: BRUHNS, Heloisa Turini (org); Introdução aos estudos do lazer. Campinas: Editora da Unicamp. 1997. NAHAS,Markus V.Atividade física,saúde e qualidade de vida.Londrina:Midiograf 3ª edição.2003. 261 CIAD - UMA PROPOSTA DE LAZER PARA PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA Profa. Ana Paula de Souza Costa. Profa. Ms. Marcia Moreno (orientadora) Grupo de Pesquisa Lazer e Minorias Sociais/EEFD/UFRJ185 RESUMO: Este estudo tem como objetivo mostrar uma análise do trabalho realizado no CIAD pela Secretaria Municipal de Esportes e Lazer (SMEL). Este local trate-se de um programa/projeto de lazer para pessoas portadoras de deficiência na Cidade do Rio de Janeiro, onde, a proposta principal é oportunizar a prática de atividades físicas, esportivas, culturais e de lazer para essas pessoas e seus familiares como forma de melhoria da qualidade de vida e inclusão social. PALAVRAS-CHAVES: CIAD, lazer, pessoa com deficiência. O Centro Integrado de Atenção à Pessoa Portadora de Deficiência é um projeto de políticas públicas da Prefeitura do Rio de Janeiro cujo gerenciamento é realizado por representantes do Ministério da Previdência Social/INSS, e pelas Secretarias Municipais de Saúde, Trabalho, Desenvolvimento Social, Educação e Esportes e Lazer. Essas cinco secretarias trabalham em ações conjuntas buscando a melhoria da qualidade de vida das pessoas portadoras de deficiência e também de seus familiares. Sendo assim, o lazer não pode ser excluído como fator de inclusão e socialização dessa clientela. A Secretaria Municipal de Esportes e Lazer utiliza-se de uma política de inclusão, onde todos os projetos têm que ter a presença da pessoa com deficiência. Logo, o CIAD/SMEL tem como proposta principal oportunizar a prática de atividades físicas, esportivas e de lazer para a pessoa com deficiência e seus familiares, priorizando o atendimento à população carente do Município do Rio de Janeiro. O objetivo é realizar a inclusão desses indivíduos com o foco na sociedade, acreditando que a sociedade ainda não se encontra preparada para receber esta pessoa com deficiência em espaços comuns, ou seja, todos ocupando o mesmo espaço sem estimular a segregação espacial (SOUZA & SANTOS, 2003). A necessidade de um espaço com estas características fizeram com que o projeto fosse assim concretizado e pretende atender a um público de até 500 pessoas. São oferecidas pela SMEL várias atividades (que tem como proposta o lazer da pessoa com deficiência) como: ginástica, ginástica artística, rítmica e geral, basquete, recreação, futsal, tênis, artes marciais, capoeira, oficina de percussão, além das festas e passeios. Estas modalidades têm como objetivo priorizar o prazer e a motivação como forma de melhoria de vida e mostrar que esses indivíduos também possuem necessidade de ocupar seu tempo livre com atividades de lazer e culturais. É importante mencionar, que essas atividades não são desprovidas de um caráter educacional e socializador da pessoa com deficiência. Uma problemática relacionada ao lazer da pessoa portadora de deficiência é a questão da alienação deste lazer. Alguns conceitos relacionam o lazer como uma atividade alienada, totalmente desprovida de qualquer caráter cultural ou educacional, tida apenas como uma forma de passar o tempo dessas pessoas. Segundo Blascovi-Assis 185 . Grupo de pesquisa coordenado pelo Professor Dr. Victor Andrade de Melo. Contato: www.lazer.eefd.ufrj.br. 262 (1997), através das atividades de lazer, se pode conhecer melhor e mais profundamente a cultura, os hábitos e as necessidades de determinadas populações. Uma das práticas de lazer mais freqüentes entre os portadores de deficiência tem sido o esporte. As causas que motivam essas pessoas a praticarem alguma atividade física são inúmeras, dentre elas, encontra-se a preocupação com a qualidade de vida, o uso do esporte como tratamento alternativo, buscando minimizar suas dificuldades existentes ou adquiridas e principalmente como forma de lazer. Além disso, o esporte como forma de lazer é um elemento de integração, saúde, bem-estar e de motivação para a pessoa portadora de deficiência sair de suas casas (CARMO, 1991). Geralmente essas pessoas passam a maioria do tempo em suas casas por falta de opção. Muitos não trabalham, não estudam e mesmo quando o fazem, lhes falta espaços e locais adaptados para o seu lazer. Este não é apenas o principal problema, lhes falta quem os oriente a usar os equipamentos de lazer já existentes. A sociedade muitas vezes encara o esporte para pessoas portadoras de deficiência como o único modo de entretenimento. Mas o esporte deve ser entendido como uma forma de prazer, manifestação cultural, divertimento, lazer e expressão do seu próprio corpo. Enxergamos o lazer como um meio para o acesso a socialização do individuo, um direito que independe de classes, aspectos e condições físicas, mentais e sensoriais apropriadas cabendo as políticas públicas democratizar o acesso ao lazer, assim como saúde, cultura e educação, além de propiciar condições para que todos usufruam destes direitos, (SOUZA & SANTOS, 2003). Assim, o CIAD tem vencido inúmeras barreiras encontradas pela pessoa portadora de deficiência na sua vida em sociedade como: acessibilidade, transporte e espaços adaptados para lazer. Isso vem sendo possibilitado por uma equipe de profissionais responsáveis pela orientação do lazer deste portador, como também pela inclusão do mesmo neste espaço e para além dele. Assim sendo, o trabalho realizado no CIAD tem como objetivo mostrar que a pessoa portadora de deficiência também necessita ocupar seu tempo livre com atividades de lazer, oportunizando seu acesso a um significativo grupo de portadores, aproximando-os de atividades sócio-culturais e prazerosas. Referências BLASCOVI-ASSIS, Silvana M. Lazer e Deficiência Mental. Campinas, Papirus, 1997. CARMO, A .A . Deficiência física: A sociedade brasileira cria, “recupera” e discrimina. Brasília, Secretaria de Desportos/PR, 1994. SANTOS, Júlio Maia Ferreira dos, SOUZA, Júlio César: Por Uma Política Pública De Lazer Para Pessoas Portadoras de Deficiência Da Cidade Do Rio De Janeiro, Rio de Janeiro: EEFD/UFRJ, 2003 (Memória de Bacharelado em Educação Física). 263 REVELANDO SÃO PAULO - ROTEIROS TURÍSTICOS PINHEIROS E VILA MADALENA Acad. André Ladaga Acad. Anniela Horvat Acad. Carolina Anauate Acad. Giuliana Presto Acad. Mariana Manganelli Acad. Renato Constantino Acad. Thais Bernardo Universidade Anhembi Morumbi RESUMO: Este estudo foi um dos requisitos para a aprovação na disciplina Estudo das Estruturas de Turismo, do primeiro semestre do curso de Turismo da AnhembiMorumbi/SP. A pesquisa a seguir trata de uma nova concepção de dois bairros da cidade de São Paulo: Pinheiros e Vila Madalena, que passaram por um grande processo de modernização ocorrido no Brasil nos últimos 50 anos. O objetivo deste estudo foi analisar esta micro-região levantando seus possíveis potenciais turísticos, tendo como propósito a criação de roteiros turísticos em busca de uma maior valorização destes locais. Através de pesquisa bibliográfica e de campo, foi concluído que há nos bairros estudados um grande potencial turístico, com características raras, marcantes e diversidade. Assim foram criados 3 roteiros, denominados: ROTEIRO SOL, LUA e ECLIPSE. PALAVRAS-CHAVES: resgate cultural, turismo, roteiros turísticos. Atualmente o Turismo está voltado a grandes viagens com roteiros elaborados aos mais diversos países, estados e cidades que de certa forma já fazem parte de um senso comum a ser visitado, explorado. Assim, as pessoas sempre estão pensando em viajar aos mais diferentes lugares e normalmente não percebem tudo o que realmente existe ao seu redor, em sua própria cidade. Este trabalho teve como propósito não apenas criar roteiros, mas “Revelar São Paulo” através de pesquisas em busca de uma análise mais aprofundada, com a proposta de se fazer uma utilização de forma integrada de todos os conhecimentos e recursos voltados ao mercado turístico. Teve o propósito de se investir em uma região que oferece um verdadeiro Centro Cultural, onde se concentra uma das maiores infraestruturas de lazer sócio-cultural e educativo, baseados na busca de um resgate e maior valorização cultural, os bairros de Pinheiros e Vila Madalena. Teve o propósito de apresentar que é possível “fazer turismo” na sua própria cidade, mesmo com tantos problemas como trânsito, poluição, desigualdades, problemas ambientais, violência e segurança que São Paulo apresenta. Pinheiros e Vila Madalena: ontem e hoje O bairro de Pinheiros, que surgiu durante a ocupação do entorno do Forte de Embuaçava, começou a progredir no final do século 18 com o investimento do dinheiro referente a exportação do café, atraindo imigrantes de várias nacionalidades com destaque aos italianos. Com a Fundação da Sociedade Hípica Paulista e a Cooperativa Agrícola de Cotia, o bairro deixou de ser apenas uma pracinha de terra com uma capela antiga para 264 ser um bairro privilegiado no conforto proporcionado pela infra-estrutura que oferece aos seus moradores. Entre 1950 e 1954 com a construção do parque do Ibirapuera. O bairro firma-se como uma região de classe média, com um intenso comércio e um grande número de indústrias. De um núcleo modesto que não tinha mais de 200 residências e um pequeno número de casas comerciais no entorno do largo, sendo que, hoje apresenta inúmeros prédios, casas e um comércio de destaque amplo e variado. Há também o Mercado Municipal presente nesta região desde 1920 fazendo parte dessa grande infra-estrutura de comercio e serviços. O Alto de Pinheiros começou a se desenvolver em 1770, com a lei do Marquês de Pombal que expulsou os jesuítas do Brasil e assim as terras foram leiloadas e deram origem a chácaras e sítios particulares. O Colégio Santa Cruz , o Hospital Panamericano, todo complexo hospitalar dessa região (Hospital das Clinicas Emilio Ribas, Faculdade de Medicina da USP), Parque Villa Lobos, Shopping Villa Lobos e o Clube Alto do Pinheiros agregam valor a região assim como contribuem cada vez mais para o seu desenvolvimento. Hoje o bairro é um exemplo dos mais representativos modelos do urbanismo europeu implantado na cidade de São Paulo. A Vila Madalena, localizada na zona oeste de São Paulo próxima a Pinheiros, nasceu como Vila dos Farrapos e só depois começou a ser povoada por imigrantes portugueses e famílias de baixa renda. Foi na década de 50 que as ruas de terra foram trocada pelo asfalto e a Vila ganhou em seu arruamento os contornos de um bairro planejado. Assim, o progresso aliado aos valores acessíveis dos aluguéis atraiu um público intelectualizado, muitos estudantes, funcionários e professores da então recéminaugurada Cidade Universitária (USP) Esse novo papel de moradores conferiu à Vila Madalena características próprias de um bairro famoso, povoado por artistas, jornalistas, escritores, intelectuais, professores e oferecer serviços e produtos alternativos. Hoje a Vila é repleta de pequenos “sobrados culturais”, que abrigam lojas, livrarias e ateliês, com suas fachadas e interiores coloridos, iluminados e com mosaicos em conjunto com os mais badalados bares e restaurantes que são charmosos, decorados, ecléticos e atraentes. A sofisticação dos imóveis com terrenos de baixo custo assim como a intensa vida noturna vem valorizando o bairro e atraindo novos moradores com menor poder aquisitivo. A Vila Madalena é considerada um reduto da inteligência e boêmia registrando o aparecimento de inúmeras personalidades e líderes comunitários cujo único objetivo é lutar pelo resgate cultural e por uma melhor qualidade de vida. Uma região com grande destaque em relação aos inúmeros estabelecimentos comerciais que associados à área de prestação de serviços, constituem suas principais atividades econômicas: a gastronomia merece destaque, pois oferece grande variedade de locais com diferentes temas, inspirações e criações com toques pessoais e brasileiros, além de restaurantes com pratos típicos de outros países. O comércio amplo e diferenciado oferece uma grande variedade de produtos, desde instrumentos musicais até artesanatos. As lojas são consideravelmente pequenas e aconchegantes, onde não é difícil, visitantes serem recebidos pelos próprios artesões. Nestas e se encontram à venda almofadas, mosaicos, quadros, roupas, sapatos, bijuterias, brinquedos, móveis e acessórios dos mais diversos. Nestes pode ser observado o contato com a utilização das 265 mais variadas matérias-primas, desde tecidos, materiais recicláveis, palha, folhas, arames, bambu, miçangas entre muitas outras coisas. Os moradores possuem de médio a alto grau de escolaridade, sendo que as escolas de educação infantil, creches, estabelecimentos de ensino fundamental e médio são 86% particulares. O número de moradores de rua é baixíssimo, sendo que existem pouquíssimas favelas, com um total de imóveis que são ocupados em quase sua maioria por residências, representando de forma bem clara as classes sociais predominantes: média e média alta. Há um grande fluxo de migrantes para essa região, com a perspectiva de residir em um local bem estruturado, de localização privilegiada e inúmeros atrativos culturais e sociais, um diferencial encontrado em pouquíssimas regiões da cidade de São Paulo. Um dos maiores destaques é a opção de se fazer um passeio diurno, noturno ou até mesmo os dois interligados. Famosas padarias, as mais requintadas e restaurantes finos da gastronomia paulista e até mesmo um happy hour podem estar presente neste passeio. É possível, ainda finalizar este passeio com uma noite prolongada aos mais variados bares e casas noturnas. Pode-se optar também em fazer compras ou até mesmo se distrair assistindo uma apresentação de maracatu, capoeira e outras danças folclóricas, ou uma peça teatral e se preferir uma leitura com um cafezinho em uma das livrarias. Metodologia Para a construção dos roteiros turísticos para os bairros citados, foi realizada pesquisa bibliográfica. Nesta, foram coletados dados através da Internet, guias turísticos específicos sobre a cidade de São Paulo, livros e revistas Foi realizada também pesquisas de campo, com observações direta dos locais. Em busca de maiores detalhes foram realizadas visitas técnicas à região, com a finalidade de ter um contato maior com os atrativos, sua potencialidade, contato com os moradores e freqüentadores e obter o maior número de informações possíveis à realização do projeto. Roteiros Turísticos Tendo em vista a diversidade da micro-região estudada tanto em relação ao público (adultos, crianças, jovens, adolescentes, idosos, e ainda, com os “descolados”, “clubbers”, “mauricinhos e patricinhas”,etc) e todos os atrativos e o potencial cultural foram criados 3 roteiros turísticos. O ROTEIRO SOL: programação com ênfase ao dia, ‘a luz do Sol, uma proposta de Turismo Social; o ROTEIRO LUA: a proposta de oferecer um Turismo voltado aos adolescentes de classe média e média alta, com ênfase aos atrativos, ‘a luz da Lua, ou seja, noturnos, como: bares, casas noturnas, muito agito e diversão e o ROTEIRO ECLIPSE: elaborado para atender às preferências de adultos de classe média e média alta; sendo um ECLIPSE, terá ênfase no que há de melhor nos destinos diurnos e noturnos: bares, restaurantes, lojas, hotéis, ambientes culturais e lazer. Neste trabalhado será dado ênfase, ao ROTEIRO SOL, detalhado a seguir: 266 Roteiro Sol Tem a proposta de oferecer um Turismo Social, no qual os dois roteiros terão sua durabilidade quase que totalmente durante o dia. Dentro da subdivisão estabelecida pela faixa etária: 06 a 11 anos; 12 a 17 anos. A idéia de um roteiro Social teve como objetivo "Revelar São Paulo", mas não apenas aos turistas quem vêm do exterior, de outros estados ou cidades, é simplesmente tornar o paulistano um "turista" que em primeiro lugar tenha acesso, conheça e valorize toda a diversidade cultural, atrativos, problemas, desigualdades, curiosidades, história de sua própria cidade. A proposta tem início à busca de parcerias que possibilitem a realização de um Turismo, gratuito, sem nenhuma intenção de custos aos visitantes e nem de lucro às instituições, oferecendo apenas alegria, aprendizado, educação, prazer e qualidade. Após a concretização do projeto de parcerias culturais, de transporte, alimentação e serviços, será desenvolvido um projeto de conscientização oferecido a esses locais que receberão a oportunidade de oferecer aos visitantes um desenvolvimento cultural, pessoal e social. Os públicos-alvo são crianças e adolescentes de escolas municipais e estaduais. Oferecendo o transporte feito por vans, ida e volta, e entre todos os demais atrativos, assim como a isenção de qualquer tipo de valor nos atrativos, alimentação composta por café-da-manhã, almoço, lanche da tarde, equipe de monitoria e segurança completa. Os atrativos foram escolhidos de acordo com sua importância de diversidade cultural e lazer, considerando seus aspectos de disponibilidade e potencialidade. Os passeios serão oferecidos para um grupo máximo de 20 pessoas, ao dia. O motivo pelo qual se estabeleceu essa divisão além da infra-estrutura e disponibilidade de horários dos atrativos, um melhor aproveitamento dos visitantes, maior segurança, melhor atenção da monitoria e de outros possíveis participantes dos atrativos, menores riscos de degradação e acidentes dentro dos locais visitados. O ROTEIRO SOL INFANTIL está voltado não só ao lazer, mas principalmente a um lazer com raízes educativas e culturais. Já o ROTEIRO SOL ADOLESCENTE busca na parte educacional, uma verdadeira apresentação dos valores do ser humano diante da cultura e do artesanato brasileiro em conjunto com o lazer, acesso a uma leitura, teatro, aprendizado e alimentação de qualidade. Enfim, proporcionar um dia divertido com passeios variados por Pinheiros e pela Vila Madalena, desfrutando de todos atrativos oferecidos, não só pelo simples fato de conhecer, mas sim em busca de uma proposta de despertar um crescimento pessoal e social que em na maioria das vezes recebem com dificuldade o acesso mínimo à informação, educação, estudo, lazer e entretenimento. Roteiro Sol - Crianças – Social Fran´s Café - FNAC - Pinheiros - O café-da-manhã, dentro de um grande Centro Cultural; Castelo dos Sonhos - Brinquedos educativos, jogos que estimulam o raciocínio e o aprendizado; Rua dos Becos - Apresentação da arte através de grafites, em muros e paredes com mosaicos; Teatro Cultura Inglesa - Apresentação de um espetáculo infantil; Restaurante Maria Santa - Local onde será realizado o almoço, este lugar conta com uma infraestrutura aconchegante e acolhedora; 267 Espaço do Papel - Desenvolvem um trabalho especializado com técnicas de reutilização de papéis, com raízes em técnicas egípcias; Parque da Mônica - Diversão garantida ao em conjunto com toda a estrutura de brinquedo e as personagens da Turma da Mônica. Onde também será realizado o lanche da tarde. Roteiro Sol - Social – Adolescentes Café Oficina - Será realizado o café-da-manhã em um local diversificado: café, galeria e ateliê; FNAC - Pinheiros- Considerada um verdadeiro shopping cultural os visitantes assistirão um belo espetáculo teatral; Estação Orbitao - Danças Circulares, danças originais ou inspiradas em culturas de diferentes partes do mundo; Paladar da Vila - O almoço será realizado neste famoso restaurante de comida self-service caseira; Atelier Piratininga - Além de terem acesso a toda essa diversidade de produção artesanal e cultural, despertando a valorização e incentivando o trabalho em grupo; Espaço Bambu Brasil - Um trabalho de expressão cultural com atividades práticas; Centro Cultural Elenko KVA - Debate sobre a “Importância cultural nestes 450 anos da cidade São Paulo”. Conclusão Ao término deste trabalho o grupo concluiu que tanto Pinheiros, quanto Vila Madalena têm grandes potenciais turísticos. Vários roteiros ainda podem ser construídos valorizando as características locais. Esta micro-região "respira cultura”: centros culturais, livrarias, bibliotecas, ateliês, oficinas educativas, teatros, museus, feiras artesanais, exposições e ainda o importante Tomie Ohtake reconhecido e admirado pela sua arquitetura, e o Beco da Arte onde os muros são grafitados, pinturas e mosaicos por todas as calçadas, muros e paredes, uma verdadeira galeria a céu aberto. Portanto é um local para se distrair, passear, trabalhar, aprender, mudar, viver... Pinheiros e Vila Madalena, já que é um lugar onde TODAS AS TRIBOS SE ENCONTRAM. Referências FIORATTI, G; CARUSO, M. O charme do natal sem correria. Rev. Isto É, São Paulo, SP, 10 dez2002. PONCIANO, L. Pequeno dicionário histórico e amoroso dos bairros de São Paulo. Mil faces de São Paulo. São Paulo, Fênix, 2001. [online]. Disponível na Internet: <www.sampa.art.com.br>. (16nov.2003). PONCIANO, L. Bairros de A a Z, Senac São Paulo.[online]. 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Disponível na Internet: <www.prodam.sp.gov.br>. (27set.2003). [online]. Disponível na Internet: <www.ruas.com.br>. (30out.2003). [online]. Disponível na Internet: <www.spsitecity.com.br>. (10nov.2003). [online]. Disponível na Internet: <www.vilamadalena.com>. (25out.2003). 269 CICLOTURISMO E LAZER186 Prof. André Maia Schetino187 CELAR/EEFFTO/UFMG RESUMO: O cicloturismo é uma prática recente no Brasil, e atualmente encontra-se em processo de expansão, demonstrado por aparições nos diversos tipos de mídia, e ainda, no meio acadêmico, com o surgimento dos primeiros trabalhos voltados para essa temática. O cicloturismo se caracteriza fundamentalmente como toda viagem que utiliza a bicicleta como principal meio de transporte. Nesse trabalho busco compreender as manifestações do lazer dentro dessa atividade, bem como suas relações com o meio ambiente. Podemos perceber que nas viagens de cicloturismo predominam as vivências que encaminham o lazer enquanto uma das dimensões da cultura. Além disso, observase o turismo suave, caracterizado pelo respeito do viajante pelos autóctones, pelo meio ambiente e pelo local visitado. PALAVRAS-CHAVES: cicloturismo, lazer, meio ambiente. O cicloturismo é um fenômeno novo no Brasil, sendo assim poucas informações e bibliografia são encontradas sobre o assunto. Apesar disso, o cicloturismo está em processo de expansão, que pode ser observado através do crescimento de participantes, de relatos de viagens em livros, páginas na internet, e do surgimento de trabalhos e pesquisas acadêmicas sobre o tema. Na atualidade várias definições são utilizadas para caracterizar o cicloturismo e segundo Roldan (2000): ... entendemos o cicloturismo como todo tipo de viagem com um dia ou mais, de duração, que tenha como objetivo conhecer lugares e praticar turismo, utilizando a bicicleta como meio de locomoção, diferenciando-se de outras atividades não competitivas por suas maiores dimensões espaciais, cronológicas e seu planejamento prévio (p.14). De acordo com Roldan (2000), alguns dos praticantes do cicloturismo, chamados cicloturistas, caracterizam esse fenômeno pelo uso de alforjes188 na bicicleta e o pernoite fora de casa. O cicloturismo pode ser entendido, também, como “toda viagem de turismo que utiliza a bicicleta como forma principal de transporte” (p. 13). Ainda encontramos muitas outras formas de entender o cicloturismo, tais como: uma forma de viajar, uma modalidade não competitiva, um estilo de vida. Tal fato mostra seu estágio de desenvolvimento no Brasil e nesse sentido, cabe ressaltar o trabalho do Clube de Cicloturismo do Brasil, fundado em 2001, que realiza encontros anuais, com palestras, relatos de experiências, além de desenvolver ações para promover o cicloturismo no Brasil, como stands em feiras esportivas. Neste contexto, surgem algumas questões ao se tentar compreender a constituição desse fenômeno: quais os fatores que motivam a prática do cicloturismo? 186 . Projeto desenvolvido como requisito para participação no Grupo de Estudos sobre Educação Física e Lazer do CELAR/UFMG, sob a orientação do Prof. Hélder Ferreira Isayama. 187 . Licenciado em Educação Física pela UFMG; Membro do Grupo de Estudos de Lazer, Saúde e Educação Física do CELAR/UFMG. Endereço: Rua Maestro Justino Conceição n° 167, bairro Candelária - Belo Horizonte, MG. CEP 31510-260. Tel.: (31) 3457-1338. Email: [email protected]. 188 . Os alforjes são mochilas adaptadas para bicicletas que podem ser colocadas no bagageiro traseiro e dianteiro, sendo utilizadas para levar roupas, ferramentas ou qualquer material necessário para a viagem. 270 Quais as concepções de lazer para quem vivencia a atividade? Como é a relação do praticante com o lazer, com o turismo e com o meio-ambiente? O objetivo principal desse trabalho é estudar o fenômeno do cicloturismo, fazendo uma contextualização e a análise de sua presença em nosso país, seu desenvolvimento e suas possibilidades, tendo em vista compreender suas relações com o lazer, o turismo e o meio-ambiente. Entendo que identificar essas relações entre o clicloturismo e o lazer pode suscitar novas possibilidades de encaminhar essa prática. A utilização da bicicleta como meio de transporte e de lazer nas viagens pode fazer do cicloturismo uma das formas mais baratas de se viajar. Sendo assim, se difundida e incentivada, essa prática pode alcançar um grande número de pessoas, independente de classe social a qual ela pertence. Além disso, penso que estudar o cicloturismo sob a ótica do lazer pode ser uma contribuição para os estudos desse fenômeno no Brasil, visto que no meio acadêmico ainda são poucos os trabalhos que abordam a temática. Podemos perceber até agora no desenvolvimento desse estudo algumas concepções lazer e de turismo que podem influenciar o cicloturismo. Como abordado por Werneck (2003) o lazer se apresenta não como cultura, mas sim enquanto uma de suas dimensões. De acordo com a nossa compreensão, o lazer é um artefato cultural construído pelos sujeitos a partir de quatro elementos inter-relacionados: das ações, do tempo, do espaço/lugar e dos conteúdos culturais vivenciados, ludicamente, pelos sujeitos (p. 36, grifos da autora). Nos estudos sobre turismo, fica predominante uma visão atualmente muito difundida, mas ainda timidamente aplicada na prática: a do turismo suave, ou turismo sustentável: Segundo essa visão, o turismo deverá se pautar (...) no respeito à ecologia, às populações nativas, reformulando-se como processo harmonioso, autodeterminado e participante. Ficou clara a carência de rever esse atributo de liberdade e criatividade no lazer (PAIVA, 2001. p. 36). Tais concepções sobre lazer e turismo servem como norte para esse estudo, e suas idéias reforçam a tese de aliar a teoria do turismo sustentável à concepção de lazer enquanto dimensão da cultura. Sendo assim, entendemos que o turismo e o lazer, representados por suas possibilidades nas viagens – e portanto, no cicloturismo – devem ser vivenciados através de suas concepções humanistas: o turismo como algo sustentável e o lazer como possibilidade de transformação e produção de cultura. Referências PAIVA, Maria das Graças de Menezes V. Sociologia do turismo. 7ª ed. Campinas: Papirus, 2001. 88p. WERNERCK, Christianne Luce Gomes. Recreação e Lazer: apontamentos históricos no contexto da educação física. In: WERNECK, Christianne Luce Gomes; ISAYAMA, Hélder Ferreira (Org.). Lazer, Recreação e Educação Física. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. p. 15-56. 271 ROLDAN, Thierry Roland Roldan. Cicloturismo: planejamento e treinamento. Campinas: Faculdade de Eduação Física – UNICAMP, 2000. 43p. (Monografia, Bacharelado em Educação Física, modalidade Treinamento em Esportes). 272 UM ROTEIRO TURÍSTICO PARA OS BAIRROS DA REPÚBLICA, BELA VISTA E CONSOLAÇÃO/SP189 Acad. Bruna Keiko Maeda Acad. Claudia Carolina Leite Carreiro Acad. Gabrielle Romão da Silva190 Acad.Tatiana E. Kublikowski Presch191 Universidade Anhembi Morumbi RESUMO: Este trabalho foi apresentado como requisito parcial para a aprovação na disciplina de Estudo das Estruturas Turísticas do curso de graduação em Turismo da Universidade Anhembi-Morumbi/SP. Teve como objetivo estudar os bairros da República, Consolação e Bela Vista da cidade de São Paulo/SP quanto aos seus potenciais turísticos. Teve o propósito também de propor diversos roteiros para estes bairros.Após pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo, foram criados vários roteiros turísticos sendo enfatizado aqui, o roteiro denominado “Aula para se Lembrar” direcionado a crianças e valorizando os atrativos histórico-culturais presentes nestes bairros. PALAVRAS-CHAVES: turismo, atrativos turísticos, roteiro turístico. A cidade de São Paulo está sempre em expansão, causando a degradação do meio ambiente como a criação de prédios, Avenidas grandes, rios canalizados, super população, sendo a cidade mais desenvolvida do Brasil. Uma das regiões ricas culturalmente é a região da Bela Vista onde existe uma dualidade de idiomas que são o Português e o Italiano e onde se pode encontra as suas famosas cantinas. Neste bairro, popularmente chamado de “Bixiga” pode-se comer um dos melhores pratos italianos e é onde ocorre uma festa famosa, a Festa da Achiropita. Conhecida pela Igreja Nossa Senhora da Consolação e pelo Cemitério da Consolação, atualmente a Consolação é um bairro com culturas diversas e com prédios de grande porte. O comércio é predominante no local e está sempre se expandindo. Além de possuir uma vida noturna bem movimentada com algumas das melhores casas noturnas da cidade. Na Região da República, o centro novo de São Paulo é encontrada uma das obras arquitetônicas mais bonitas da Cidade, o Teatro Municipal. O comércio também é predominante na região, como as famosas galerias que atraem turistas do estado inteiro. Nestas regiões podemos encontrar diversas linhas de comércios, fazendo com que não haja apenas um tipo de público, encontram - se pessoas de todas as classes sociais no mesmo local. Estes bairros possuem uma grande variedade de atrações como: bares, restaurantes típicos de diferentes regiões, hotéis, podendo atender uma grande parte da população e dos turistas. Nesta região encontram-se obras arquitetônicas com grande valor histórico para a cidade de São Paulo. Assim, o objetivo deste trabalho foi a criação de diferentes roteiros turísticos para esta micro–região da cidade. 189 . Esta pesquisa foi apresentada como trabalho interdisciplinar no curso de Bacharelado em Turismo da Universidade Anhembi Morumbi/SP. 190 . Rua: Olintho Fraga Moreira,191 Vila Brasilândia Cep: 02845-050 Sâo Paulo, SP 191 . Rua: Itacema 246 apartamento 112 Itaim Bibi Cep: 04530-050 Sâo Paulo, SP 273 Como metodologia foram utilizadas as pesquisas bibliográfica e de campo. Neste trabalho foi descrito apenas um dos roteiros criados dando ênfase ao público infantil e ao potencial histórico–cultural desta região. Desta forma foi criado o roteiro denominado “Uma aula para se lembrar”. Trata-se de um projeto inovador feito para crianças e adolescentes em idade escolar. O objetivo deste roteiro turístico foi atender grupos escolares que querem conhecer um pouco mais da cidade de São Paulo de uma maneira inovadora e divertida. Essa proposta é um “passo” além dos roteiros tradicionais ou de uma gincana escolar. Esse projeto é a prova que diversão e aprendizado podem “andar lado a lado”. “Uma aula para se lembrar” deve ter o mínimo de participantes de 20 pessoas e tem como objetivo apresentar o centro novo da cidade de São Paulo para o público escolar. A metodologia utilizada seria a Gincana de Bases. Cada grupo ganharia um mapa em branco e teria como objetivo colocar o maior número de atrativos neste mapa. Como cada grupo conseguiria os atrativos? Cada um destes atrativos seria uma “base” e nela se encontraria um monitor, que estaria caracterizado de acordo com o local. O grupo teria que encontrar o monitor e cumprir uma tarefa específica da base. Cumprindo a tarefa o grupo ganharia a foto do atrativo e uma pista do próximo atrativo que o grupo deverá buscar. O roteiro detalhado constaria de: Café da Manhã e divisão de grupos no Theatro Municipal; explicação da gincana; início da atividade; almoço, de acordo com o local que o grupo estiver. Após o almoço, reinício da gincana; finalização da gincana, no Theatro Municipal e volta ‘as escolas. Ao final deste estudo foi concluído que os bairros pesquisados têm grande potencial turístico, principalmente no âmbito cultural, contando com muitos museus, grande número de galerias de arte, além do teatro municipal. Essa região possui uma grande facilidade na montagem de roteiros turísticos, pois os atrativos seguem o mesmo estilo sendo quase todos são históricos. Outros atrativos turísticos marcantes nessa região são as feiras de artesanato e antiguidades Além disso, o acesso ‘a região é fácil, dispondo de muitas linhas de ônibus e duas de metrô para a locomoção dos turistas. Portanto, não faltará oportunidade ao turista, estrangeiro nem nacional para desfrutar destes atrativos. Referências ALLONSO, George. Cidade Nua. Textos da coluna plublicada na Revista da Folha, São Paulo, 1993-1994. ALVES, Odair Rodrigues. Os homens que governaram São Paulo. São Paulo, Nobel/Edusp, 1986. 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Por longas décadas podemos identificar a intervenção aos meios de comunicação para a proliferação de ideais e manutenção da auto-imagem da política nacional; conjugados aos interesses dos meios de comunicação em massa, a difusão cultural, por muitas das vezes, chega ao público carregada de valores, simbologias e interesses. Com isso, esse trabalho tem como finalidade compreender os valores que estão sendo cultivados pelas rádios comunitárias em comunidades de baixa renda do Rio de janeiro. PALAVRAS-CHAVES: difusão cultural, meios de comunicação, cultura popular. No decorrer de nossa história, a presença do meio de comunicação radiofônico teve, e ainda tem, uma importância inequívoca na proliferação, celebração e manutenção dos ideais políticos de nosso país. Essa mesma via de comunicação popular - o rádio - também foi palco de resistências, contestações e protestos contra as pressões que recaiam sobre o povo. Um dos primeiros atores sociais no Brasil a utilizar a radiodifusão com vínculo político objetivando a propagação de seus ideais e manter a sua auto-imagem foi o ex-presidente Getúlio Vargas. Após 1937, no Estado Novo, Vargas utilizou a intervenção dos meios de comunicação em duas frentes. A primeira delas foi com a criação do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) com o intuito de reprimir radicalmente através da censura àqueles que se opusessem ao governo; e a segunda frente, criou programas como a “Hora do Brasil” (a qual a temos como herança até os dias atuais) que na época possuía como finalidade principal exibir o progresso nacional. Não é a toa que a Rádio Nacional foi a maior aliada do DIP, onde além da difusão ideológica, o que tinha de melhor na cultura popular e intelectual do país como Lamartine Babo, Ari Barroso, Carmem Miranda, Almir Andrade e vários outros tinham seus espaços reservados na rádio com a intencionalidade de atingir índices de audiência cada vez maiores, evidenciando o caráter de governo populista. A década de 50 foi também um tempo em que o progresso nacional e a explosão cultural tiveram seus passos marcados pelos microfones das rádios. Nos Anos Dourados ou A era do Rádio - como ficou conhecida essa época - quase todos estavam com os ouvidos grudados nos rádios para acompanhar as novelas, os concursos, boleros e principalmente ouvir as “Rainhas do Rádio”. E através dessa eclosão cultural, o governo JK conjugava as transmissões dos planos de desenvolvimento e progresso do Brasil, os quais seu governo vinha realizando durante o seu mandato. Com uma característica bem diferente, os anos 60, após o decreto do Ato Institucional Nº 5 (AI-5), o qual dava ao presidente - Marechal Arthur Costa e Silva – poderes quase ilimitados. Com isso, a oposição de vários setores faz novamente reviver a manifestação popular contra a opressão vinda do governo. Os movimentos estudantis aliados a diversos grupos ocuparam as ruas em protestos. Novamente o rádio estava 192 . Grupo de pesquisa coordenado pelo Professor Dr. Victor Andrade de Melo. Contato: www.lazer.eefd.ufrj.br. 276 presente representado por personalidades que faziam expandir suas mensagens como Gilberto Gil e Caetano Veloso com letras que proclamavam que “É proibido proibir” e “Caminhando contra o vento, sem lenço e sem documento” escandalizando todo o país. Poderiam ser citados nesse texto diversos outros momentos em que o rádio esteve presente na história nacional. Contudo, esse panorama nos serve para ficar clara a força que os meios de comunicação – em nosso caso o radio - têm de difusão e mobilização popular. Na realidade, o rádio, assim como qualquer meio de comunicação, é permeado de tensões e conflitos. Em outras palavras, o meio rádio é marcado por relações de poder, possuindo, portanto, uma dimensão política com sentidos e especificidades próprias. Nos dias atuais, discute-se muito acerca dos efeitos da mundialização da cultura, seja em países pobres ou ricos. Onde a industria cultural e do entretenimento tende a transformar os bens culturais em mercadorias de consumo, sendo necessário para isso padronizá-los a tal ponto que os meios que estão constantemente em contato direto com o público (televisão, revistas, rádios e ultimamente a Internet) constituam um sistema monopolizado ao transmitirem valores, simbologias e interesses, formando um nexo entre os meios de comunicação e criando uma falsa diferenciação como alternativa. E em meio a todas essas discussões, poucas são as correntes de estudo que se dedicam a discutir os meios de comunicação “alternativos”. Com tal preocupação, esse trabalho tem por finalidade compreender qual o papel que as rádios comunitárias desempenham em comunidades de baixa renda do Rio de Janeiro. Tentamos, assim, identificar quais os objetivos e valores que estão sendo cultivados pelos radialistas comunitários. Para a realização desse trabalho, utilizamos como metodologia entrevistas semi-estruturadas aplicadas aos membros das rádios comunitárias, bem como acompanhamos a programação de tais rádios. Em fase inicial, foram entrevistados dois radialistas comunitários, membros de duas rádios que operam em freqüência FM sendo que uma se localiza na comunidade da COHAB (Realengo – Zona Oeste), e outra que abrange o complexo Cantagalo, Pavão e Pavãozinho (Zona sul). Duas Rádios “Boca de Poste”, uma na comunidade da Nova Holanda (Complexo da Maré) a outra localizada no bairro de Guadalupe (Zona Oeste). Mais uma rádio foi inserida, devido a sua programação ter sido analisada através de um simples ponto de audiência localizada na comunidade do Ipase (Vila Cosmos Zona Norte) e funciona em freqüência FM. Com a preocupação de definir os principais motivos e propósitos que levaram os fundadores das rádios a implantá-las no espaço comunitário, podemos explanar que essas surgem, em sua maioria, da manifestação de alguns membros da comunidade os quais acreditam que através da conscientização e esclarecimento da realidade podem através da mobilização popular cultivar o desenvolvimento comunitário tratando de assuntos acerca dos problemas que atormentam a população como a falta de saneamento básico, educação escolar e cívica, violência e outros. Para isso, contam com o apoio de integrantes ou representantes da comunidade como políticos, membros de associação de moradores, grupos esportivos e culturais, agentes sanitários e principalmente os comerciantes que através das propagandas mantêm a principal sustentação financeira das rádios. Uma das características principais das rádios comunitárias é o espaço aberto para que a população comunitária possa interagir em sua programação seja levando indagações sobre a carência de políticas públicas ou unicamente para comunicar problemas cotidianos em geral, como no caso em que um morador divulgou que seu “cachorrinho havia sumido“. 277 Em defesa da programação eclética, as rádios comunitárias possuem poucas restrições quanto à escolha das músicas direcionadas ao público. Em meio à programação pode-se perceber programas que tocam desde músicas internacionais a músicas religiosas. Porém, o pagode, o Funk e o Hip-Hop possuem horários específicos – em todas as rádios pesquisadas – uma vez que o objetivo dessas é cativar um público alvo. Tais programas tiveram sua criação nas rádios – segundo os entrevistados – devido a grande procura, na grande maioria por parte dos jovens. Deve-se destacar que muitos jovens utilizam o espaço cedido pelos locutores para divulgarem seus trabalhos, muitos deles vinculados a cultura popular. Uma atenção especial dedicada à divulgação de eventos que ocorrem nas comunidades assim com a cultura musical nordestina, notadamente por que boa parte da população de baixa renda é descendente ou de origem nordestina. Fatores esses que caracterizam a importância das rádios comunitárias como difusora e animadora da cultura popular, respeitando a dinâmica e complexidade que lhe é peculiar. Além disso, as rádios comunitárias desempenham um papel político importante, na medida em que atua enquanto difusoras culturais. Não só no Rio de Janeiro, mas em todo o Brasil podemos notar o crescimento, as conquistas e principalmente o reconhecimento dos trabalhos desenvolvidos pelas rádios comunitárias. Seja através de movimentos sociais de resistências como o caso do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) que por via de pequenos alto-falantes ajudam organização e instalação de seus acampamentos, ou mesmo difusoras culturais como vem acontecendo no Recife por meio do movimento Mangue beet, que mesmo surgidos de um contexto de exclusão social, criam espaços para que diversos grupos locais possam divulgar seus trabalhos, os quais, deve-se salientar, vêm obtendo resultados excelentes. A lei das rádios (lei nº 1.727 de agosto de 2003) - que tem por fim elaborar uma legislação própria para as rádios comunitárias surge no município de Duque de Caxias no Rio de Janeiro com a intencionalidade de possibilitar as rádios comunitárias saírem da clandestinidade para atuarem com mais liberdade e que possam desenvolver melhor os seus trabalhos. Realizações essas que justificam a importância para que seja dada uma atenção especial para esses meios - nos quais muitos funcionam com condições mínimas para realização da emissão radiofônica - que acreditam que a participação popular é fundamental no desenvolvimento social e cultural de suas comunidades, bem como na construção de uma sociedade mais justa e democrática. Referências BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão.Rio de janeiro: Zahar, 1997. CALDAS, Waldenyr. Cultura. São Paulo: Global, 1986. Cogo, Denise Maria. No Ar: uma Rádio Comunitária.São Paulo: paulinas, 1998. PAULA, silva de. “Estudos culturais e receptor ativo”. In. RUBIM, Antônio Albino Canelas. Produção e recepção dos sentidos midiáticos – Petrópolis: Vozes, 1998. SOUZA, Maria. Desenvolvimento de comunidades e participação.São Paulo: Cortez, 1987. VELHO, Gilberto. “Cultura Popular e Sociedade de Massa”. In VELHO, Gilberto. Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas. 2ª ed. Rio de janeiro: zahar, 1999. 278 LAZER E MERCADO: A ATUAÇÃO PROFISSIONAL NO SETOR PÚBLICO EM BELO HORIZONTE Prof. Cid Correia Mesquita193 Profa. Cleide Aparecida Gonçalves de Sousa194 Profa. Cristina Rufini Bernardino195 Prof. Gliérico Fernandes Pimenta196 Prof. Leonardo Lincoln Leite de Lacerda197 Profa. Vivian Maria Reis Bertini198 Universidade Federal de Minas Gerais RESUMO: O presente trabalho foi realizado na disciplina “Lazer e Mercado” no VI Curso de Especialização em Lazer – pós graduação lato sensu – Universidade Federal de Minas Gerais. Este relato, se refere à pesquisa de campo, enriquecida com entrevistas de profissionais atuantes na área, sobre uma intervenção do setor público na cidade de Belo Horizonte. PALAVRAS-CHAVES: lazer, mercado, políticas públicas. Trabalho realizado durante os estudos na disciplina “Lazer e Mercado” que integra o currículo do VI Curso de Especialização em Lazer – pós-graduação lato sensu – da Universidade Federal de Minas Gerais. Esse trabalho teve como objetivo oferecer aos discentes a oportunidade de análise e reflexão a respeito das possibilidades de intervenções dos profissionais do Lazer no Mercado de trabalho no campo do lazer. A presente pesquisa se ateve à observação da atuação no setor público, através da análise de um projeto inserido em um Programa de lazer da Prefeitura de Belo Horizonte. Foi realizada na ocasião, uma pesquisa de campo, e entrevistas semi-estruturadas com profissionais atuantes e coordenadores do Programa. Posteriormente confrontou-se os dados colhidos com a produção teórica sobre a qual se refletiu no decorrer das aulas. O crescimento da discussão sobre o lazer vem adquirindo cada vez mais adeptos. Esse interesse pode ser compreendido pelo imenso potencial mercadológico que se vislumbra na área. Esse fato pode ser confirmado através de observação sobre a palavra lazer em nossa sociedade, por exemplo: anúncios de imóveis que utilizam o tema como diferencial, ou bares e boates que se utilizam o lazer como instrumento de marketing, dentre outros. Além do interesse crescente do setor privado no lazer, principalmente como um “filão” no mercado, podemos destacar a atuação do setor estatal, que tem fins sociais, uma vez que lazer é direito garantido pela constituição brasileira e deve ser assegurado também pelo estado. Depreende-se com isso, que lazer é muito mais que oportunidades de consumo exacerbado, algo que somente se consegue comprando, já que é previsto pela legislação, todos deveriam poder vivenciá-lo. 193 . Licenciado em Educação Física, Especialista em Lazer pelo CELAR/UFMG . Bacharel em Turismo pelo Unicentro Newton de Paiva, Especialista em Lazer pelo CELAR/UFMG. 195 . Bacharel em Turismo pela Pontifica Universidade Católica de Minas Gerais, Especialista em Lazer pelo CELAR/UFMG. 196 . Licencidado em Educação Física, Especialista em Lazer pelo CELAR/UFMG 197 . Bacharel em Turismo pelo Unicentro Newton de Paiva, Especialista em Lazer pelo CELAR/UFMG. 198 . Licenciada em Educação Física, Especialista em Lazer pelo CELAR/UFMG. 194 279 Pensando o lazer na dimensão de direito social, o empenho deste estudo foi analisar o conteúdo apresentado pelas políticas públicas em Belo Horizonte, refletindo sobre suas propostas e em especialmente sobre a formação e atuação profissionais nesse espaço. No senso comum, quando se refere ao setor público logo surge a idéia de ineficácia, burocracia excessiva e autoritarismo. A origem dessas idéias têm raízes em algumas características observadas na atuação do Estado através da história do país, como: limitação de capital, descontinuidade nas mudanças de governo e "pela globalização que exigiu maior eficácia e competitividade na administração pública" (MELO, 2003. p.179). Além disso, o resquício na memória do brasileiro, de um passado ditador que reprimia a sociedade civil contribuindo para uma visão negativa do setor público por parte dos cidadãos. A implantação do programa da prefeitura de BH que foi objeto desta pesquisa, procurou propor uma visão solidária do lazer em contrapartida à proposta tradicional trabalhada nas outras administrações anteriores e surgiu da análise das “ruas de lazer” já promovidas pela prefeitura. Na proposta tradicional, o lazer se caracterizava pela oferta de atividades recreativas orientadas, como um meio de se educar e preparar, principalmente, para prática esportiva. Na nova concepção, o lazer passa a ser o um espaço de convívio de pessoas e grupos, uma vivência de prazer e de liberdade, bem como um direito de todo cidadão. Seria objetivo do lazer contribuir para a melhoria da qualidade de vida, o desenvolvimento pessoal e social, que é um componente cultural da vida de todo ser humano. Para os idealizadores do projeto, o lazer é considerado "meio e fim de educação pela vivência do prazer e da liberdade”. Busca-se a formação de cidadãos conscientes, solidários, contribuindo para uma maior qualidade de vida e saúde. Estimula-se a utilização de equipamentos de lazer disponíveis à população como ruas, praças, campos esportivos e outros promovendo, dessa maneira, sua preservação devido ao envolvimento efetivo da comunidade. Através dessa proposta, possibilita-se uma maior autonomia da população local, promovida pela busca de apoios diversos e integração de esforços. Das frentes de atuação do programa, analisou-se um projeto que se realiza no mês de julho e acumula um total de três anos de experiência. O objetivo deste é abrir as escolas para a comunidade durante as férias, oferecendo-lhe diversas oportunidades de vivências de lazer. Promovendo a integração da comunidade e a apropriação da escola, enquanto espaço público, pelos sujeitos inseridos naquele contexto social. As atividades oferecidas procuram ser adequadas às demandas da população, à infra-estrutura da escola atendida. Os profissionais da prefeitura atuam juntamente com líderes comunitários capacitados com cursos ministrados pelos técnicos da secretaria. As atividades se moldam às situações, agregando práticas de lazer próprias das pessoas do local, valorizando instrutores para oficinas oriundos da própria comunidade. Neste sentido, podemos perceber que a construção é feita com as pessoas e não para conforme nos lembra BRUHNS (1990). O projeto encontra vários obstáculos, a destacar: orçamento baixo, infra estrutura muitas vezes precária e limitações técnicas dos monitores da comunidade. Pode-se também averiguar, que em oposição ao processo emancipatório almejado pelo projeto, há a disputa entre as secretarias pela aquisição de verbas e a hierarquização das mesmas por “status”. Isso é um fato que desestrutura a idéia de intersetorialidade (princípio defendido pela Prefeitura Municipal) e conseqüentemente, fere o caráter descentralizador. Contudo há uma tentativa de mudança dessa realidade. Acredita-se que ação em conjunto pode surtir maior efeito e que é preciso buscar outras 280 alianças para um melhor aproveitamento de políticas de cunho social, talvez até mesmo da iniciativa privada, para tal fito. Porém, o trabalho vem apresentando avaliações positivas por parte da população. Já é possível observar uma certa autonomia, pois nas férias de Janeiro, época em que o projeto não acontece, a própria comunidade se organiza e promove o trabalho. Percebe-se, então, que a comunidade em geral se beneficia do projeto e não apenas as crianças matriculadas em escolas públicas. Podem-se observar como conseqüência das intervenções do programa, a diminuição da violência dentro da escola, ou seja, as pessoas começam a se apropriarem daquele espaço, a protegê-lo. Conforme pontua MARCELLINO (1997) quando as pessoas começam a se apropriar do espaço, percebem que também são proprietárias e por isso devem cuidar do espaço. Pode-se averiguar uma atuação condizente entre a teoria e a prática nesse projeto, uma vez que é perceptível a tendência para a descentralização do trabalho e os esforços para a atuação intersetorial através de parcerias entre diferentes secretarias da prefeitura. A própria comunidade é outro ponto chave para esse processo, sua adesão voluntária e sua participação na organização do evento coloca-os como uma segunda parceria, incentivando-lhes a autonomia. Referências BRUHNS, Heloísa T. A proposta “carente” de lazer x espaço de lazer dos “carentes”. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, 11(3), 1990, p.210-214. MARCELLINO, Nelson C. Lazer e Educação. Campinas: Papirus, 1987. MELO, Marcelo P. de. Políticas Públicas e o Lazer: Aprofundando as Discussões. In: ISAYAMA, Helder; WERNECK, Christianne (Org). Coletânea do IV Seminário "O Lazer em Debate". Belo Horizonte. UFMG/DEF/CELAR, 2003, p.177-186. 281 LAZER E EDUCAÇÃO AMBIENTAL: O ENTENDIMENTO DE LAZER ENTRE PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL Profa. Cleide Aparecida Gonçalves de Sousa199 Universidade Federal de Minas Gerais RESUMO: Pretende-se como esse projeto200 estudar a interface Lazer e Educação Ambiental, através de um estudo de caso, analisando a prática dos profissionais da área ambiental e seu entendimento de lazer buscando compreender a educação pelo Lazer no espaço das intervenções de Educação Ambiental. Pretende-se também, refletir sobre a relação entre a sensibilização para as questões ecológicas, próprias da Educação Ambiental e o Lúdico. PALAVRAS-CHAVES: lazer, educação ambiental, ludicidade. Pretende-se aqui apresentar um projeto de pesquisa que tem como objetivo estudar a interface do Lazer e Educação Ambiental através de um estudo de caso, analisando-se como a ludicidade permeia a atuação dos profissionais da Educação Ambiental. Ao se discutir o lazer como veículo de educação, permite-se pensar em algumas potencialidades humanas, as quais transcendem à dimensão apenas racional, geralmente mais valorizada na educação formal. Considera-se que o ser humano aprende a fazer parte do mundo, absorve a cultura na qual está inserido de diversas maneiras. Essa reflexão remete-se ao campo do aprendizado subjetivo, da educação das sensibilidades, de aspectos, de certa forma, imponderáveis, tendo em vista a sua imprevisibilidade comparando-se ao saber racional. Não se pretende, desvalorizar o ensino formal em detrimento de outras possibilidades da educação, apenas relativizar a visão do saber com fins apenas utilitários, que vem sendo formada desde a modernidade, na qual apenas o saber racional, a instrução sistematizada, tem valor: herança de mitos como a infalibilidade e neutralidade da ciência, e na tendência de cada vez mais, o ensino ser relacionado ao “saber fazer”, ao se ensinar apenas para se inserir no mercado, desconsiderando as demais dimensões da vida. Sobre isso, Edgard Carvalho, no prefácio de MORIN (2000), comenta: Em primeiro lugar, é preciso deixar-se contaminar pelo ‘princípio da incerteza racional e descobrir que razão e desrazão integram qualquer tipo de cognição, mesmo que a ciência insista em não se contaminar por itinerários mítico-mágico-imaginários, que sempre se encontram presentes em teorias, conceitos e métodos. O aprendizado para a produção, supervalorizado nas sociedades modernas e pós–modernas, reforçou a tendência a relegar a segundo plano, tudo que não é considerado útil para o mercado de trabalho, que não traz lucros imediatos, ou resultados visíveis. Observa-se, uma fragmentação da existência humana, uma visão dual da realidade: o útil X inútil, o lazer X o trabalho, o lúdico X o sério, entre tantas 199 . Bacharel em Turismo, Concluindo Especialização em Lazer. Docente no Curso de Gestão em Hotelaria, Turismo e Lazer da UNA – BH. E-mail: [email protected] 200 . Trabalho integrado, realizado durante o VI Curso de Especialização em Lazer como pré requisito para conclusão do mesmo. 282 comparações que colocam em patamares hierárquicos valores e dimensões de igual importância na existência humana. Desde a metade do século XX vem eclodindo uma maior tendência a repensar o papel da ciência e de se valorizar outras dimensões do saber como a filosofia, a arte. O desenvolvimento do conhecimento científico é poderoso meio de detecção dos erros e de luta contra as ilusões. Entretanto, os paradigmas que controlam a ciência podem desenvolver ilusões, e nenhuma teoria científica está imune para sempre contra o erro. Além disso, o conhecimento científico não pode tratar sozinho dos problemas epistemológicos, filosóficos e éticos. MORIM (2000, p. 20). Como discute Edgar Morin na citação acima, o conhecimento científico, também é passível de falhas, de desenvolver ilusões, a racionalidade não “imuniza” contra o erro. A lógica vigente, do capitalismo, da produtividade, tende a considerar o lazer apenas como mais um filão de mercado: O lúdico é valorizado e comercializado através de diversas atividades, abrindo amplas possibilidades de negócios. E o senso comum, mergulhado na visão dominante, relaciona como lazer apenas possibilidades que se compra: Trabalha-se o ano inteiro para se pagar uma curta viagem nas férias; as possibilidades de fruir o tempo livre são quase sempre relacionadas com o consumo, desconsiderando várias maneiras de se participar na realidade em que se encontra, e muitas vezes, realmente impossibilitados do acesso a bens culturais por não detenção de recursos suficientes. As vivências lúdicas vão além do conhecimento racional, estão muito mais ligadas ao universo subjetivo, outra importante dimensão humana, segundo DEBORTOLI (2002:75) “Nós seres humanos, construímos o mundo, muitas vezes como quem “brinca” com a realidade: também elaboramos o mundo através da fantasia, da imaginação, das experiências lúdicas.” Refletindo sob essa ótica, repensando a lógica do racional vigente, relega-se tantas dimensões do saber à desvalorização considerando apenas o saber objetivo do ser humano. A instrução seria mesmo a única possibilidade importante da educação? Trazendo à tona a possibilidade do aguçamento da sensibilidade, a educação não é apenas lógica e razão, o ser humano é um todo, e não apenas a dimensão objetiva, a subjetividade é igualmente importante e presente no ser humano, fato que o pensamento cartesiano “penso, logo existo”, de grande influência na modernidade, tem desprezado. Sobre isso Morin (2000) Comenta que se deve evocar o “grande paradigma do Ocidente, esse citado, formulado por Descartes, e que vem sento imposto de acordo com o desdobramento da história européia a partir do séc. XVII. Tal paradigma com os seus conceitos soberanos, prescreve a disjunção, determina uma dupla visão do mundo, o dos objetos manipuláveis, sujeitos às observações, e dos sujeitos que questionam sobre problemas das existência, comunicação, consciência, destino. Para esse autor, o ser humano não só vive de racionalidade e de técnica; ele se desgasta, se entrega, se dedica a danças, transes, mitos, magias, ritos; crê nas virtudes do sacrifício, viveu freqüentemente para preparar sua outra vida além da morte. Por toda parte, uma atividade técnica, prática, intelectual testemunha a inteligência empírico-racional; em toda parte, festas, cerimônias, cultos com suas possessões, exaltações, desperdícios, “consumismos”, testemunham o Homo ludens, poeticus, consumans, imaginarius, demens. As atividades de jogo, de festa, de ritos não são apenas pausas antes de retomar a vida prática ou o trabalho; as crenças nos deuses e nas idéias não podem ser reduzidas a ilusões ou superstições: possuem raízes que mergulham nas profundezas antropológicas; referem-se ao ser humano em sua natureza. Há relação manifesta ou subterrânea entre o psiquismo, a afetividade, a 283 magia, o mito, a religião. Existe ao mesmo tempo unidade e dualidade entre Homo faber, Homo ludens, Homo sapiens e Homo demens. E, no ser humano, o desenvolvimento do conhecimento racional-empírico-técnico jamais anulou o conhecimento simbólico, mítico, mágico ou poético. MORIN (2000, p. 58). Observa-se que nas questões ambientais, as informações são amplamente difundidas, por diversos veículos, muitas vezes alcançando pessoas de diferentes idades, classes, ou seja, as pessoas têm acesso ao conhecimento racional, sabem das conseqüências negativas que seus atos podem causar ao ambiente e como podem influenciar o futuro do planeta. Porém, apesar de todo esse saber, muito pouco se muda em atitudes, indicando que apenas o desenvolvimento racional não é suficiente para mudanças de atitude. A conscientização é um processo individual, somente a própria pessoa pode tomar consciência de algo ou pode tornar um conhecimento patrimônio de sua inteligência. Exteriormente há alguns caminhos para a educação: pode-se instruir, sensibilizar... Nas propostas de Educação Ambiental, procura-se trabalhar a dimensão da sensibilização. Essa sensibilização para as questões ecológicas, não estaria mais intimamente ligada a formas de saber subjetivas, lúdicas? Não seria a Educação Ambiental uma possibilidade de Educação pelo lazer? As instituições que promovem o estudo e atuação em Educação Ambiental têm consciência disso? Como o entendimento do lazer das pessoas que trabalham em Educação Ambiental permeia sua atuação? São esses os pontos centrais que se pretende refletir através dessa pesquisa. Referências DEBORTOLLI, José Alfredo. Linguagem, marca da presença humana no mundo. In: CAVALHO, Alyson. SALLES, Fátima e GUIMARÃES, Marília. Desenvolvimento e Aprendizagem. Belo Horizonte, Ed. UFMG. 2002. MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Cortez Editora, UNESCO 1999, 5ª Edição, 2000. 284 A RECREAÇÃO E O LAZER EM CURSOS DE GRADUAÇÃO EM TURISMO E HOTELARIA DE MINAS GERAIS201 Profa. Cristina Rufini Bernardino202 Universidade Federal de Minas Gerais RESUMO: O objetivo desse trabalho consiste em analisar as disciplinas relacionadas à recreação e ao lazer nas Instituições de Ensino Superior de Turismo do Estado de Minas Gerais. Tal procedimento será efetuado no intuito de levantar dados que contribuam no diagnóstico sobre a formação profissional em turismo no Estado e, possivelmente, na qualidade de ensino oferecida por estas Instituições. PALAVRAS-CHAVES: lazer, turismo, currículo. Tendo ingressado na segunda turma do curso de turismo de uma instituição da rede privada de Belo Horizonte, tive a oportunidade de acompanhar o processo de avaliação do curso pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), pois, nesta época, atuava como monitora em um dos Laboratórios da Universidade. Durante esse processo acessei alguns documentos que despertaram minha curiosidade sobre o funcionamento de uma Instituição de Ensino Superior (IES), bem como sobre o surgimento e a implementação de cursos de turismo na realidade brasileira. Durante o processo de desenvolvimento do trabalho de conclusão de curso, fiz, inicialmente, um levantamento das instituições que ofereciam graduação em turismo e hotelaria203 na região sudeste do Brasil. Fui surpreendida com a proliferação de cursos de graduação em turismo existentes na região. Passei, então, a dedicar-me à análise desses cursos apenas no Estado de Minas Gerais, e antes que pudesse concluir meu trabalho, acompanhei o surgimento de novos cursos de graduação oferecidos nesse setor. A insegurança às dificuldades encontradas no processo de implantação do curso, aliada à vivência da fase de avaliação da instituição pelo MEC despertaram meu interesse pela discussão da formação profissional em turismo. Atualmente, há uma preocupação com a expansão dos cursos de turismo no Brasil e com o mercado de trabalho, que se apresenta como promissor para profissionais formados nesses cursos. Em 1994, existiam 33 cursos superiores de turismo e hotelaria no Brasil, sendo 29 de turismo, 02 de Hotelaria e 02 em Turismo e Hotelaria (ANSARAH; REJOWSKI, 1994). Conforme dados do MEC/SESU/DEDES, em 2000 havia 284 cursos superiores nesta área, sendo 225 de turismo e 59 de Hotelaria/ Administração Hoteleira. (TEIXEIRA 2002). Isso demonstra uma proliferação de cursos no contexto nacional e nos faz questionar a qualidade dos cursos superiores nesse campo. Como pode ser observado, os cursos superiores em turismo e hotelaria no Brasil são muito recentes, e o seu crescimento tem sido surpreendente nos últimos cinco anos, decorrente da expansão da própria atividade em nossa sociedade. De acordo com TEIXEIRA (2002) muitos cursos de graduação em turismo ainda não têm estrutura para 201 . Trabalho desenvolvido no VI Curso de Especialização em Lazer, promovido pelo CELAR/EEFFTO/UFMG, sob orientação do Prof. Dr. Hélder Ferreira Isayama. 202 . Graduada em Turismo na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, discente do VI Curso de Especialização em Lazer (CELAR/EEFFTO/UFMG). 203 . É importante ressaltar a existência de cursos de turismo que enfocam o estudo do turismo e seus segmentos de maneira ampla, e a existência de cursos que apresentam como foco principal a gestão hoteleira. 285 funcionamento adequado, nem corpo docente com qualificação ou experiência na área. É visível a ausência de titulação entre os docentes, sendo raros os que possuem mestrado ou doutorado em turismo e hotelaria. E nesse sentido, concordo com TRIGO (2002) quando destaca a existência de poucos mestrados em turismo no país recomendados pelo MEC. O primeiro semestre de 2002 foi marcado pela aprovação, pelo MEC, das Diretrizes Curriculares de Turismo e Hotelaria, por meio da publicação do Parecer CNE/CES 146/2002, de 09 de maio de 2002 (BRASIL, 2002). Por se tratar de uma área recente, a implementação dessas diretrizes trazem novas perspectivas para a educação e para a formação profissional em turismo, uma vez que os cursos oferecidos neste setor ainda estão sendo estruturados e passando por adaptações. De acordo com TRIGO (1998), a formação profissional em turismo tem sido discutida desde a implantação do curso de nível superior, em 1971, por professores de várias áreas, e, posteriormente, pelos primeiros bacharéis em turismo, com o apoio da Associação Brasileira de Bacharéis em Turismo (ABBTUR) e da Associação Brasileira de Dirigentes de Escolas de Turismo e Hotelaria (ABDETH). Observo que para atuar no mercado o profissional em turismo deve-se possuir uma formação que contenha fundamentos científicos, filosóficos, técnicos e éticos. Para tal, os cursos de graduação em turismo devem ser orientados por um projeto pedagógico consistente, incluindo grade curricular, disciplinas, conteúdos programáticos, atividades extracurriculares, atuação dos docentes, além dos relacionamentos estabelecidos durante o curso de graduação, seja entre professores, alunos e funcionários, seja relacionamentos com o mercado de trabalho. Daí a importância de uma formação sólida durante a graduação, que deve oferecer uma visão abrangente do que a profissão e o mercado turístico representam, contemplando as relações entre o conhecimento teórico e as exigências da prática cotidiana da profissão. Assim como o turismo, o lazer também se apresenta como um novo campo de estudo e de intervenção. Apesar da discussão sobre o lazer no meio acadêmico ser recente, as disciplinas relacionadas à recreação e ao lazer estão presentes, já há algum tempo, nos currículos de formação profissional de diversos cursos de graduação, inclusive nas Instituições que oferecem cursos de turismo. Surgem, então, questionamentos referentes às características do ensino sobre recreação e lazer oferecido atualmente por essas Instituições. Diante desses questionamentos e da escassez de estudos que envolvem questões relativas ao lazer e à formação profissional na área de turismo, surgiu a proposta de realizar uma análise das disciplinas relacionadas à recreação e ao lazer em Instituições de Ensino Superior de Turismo e Hotelaria no Estado de Minas Gerais. Em termos metodológicos, utilizou-se a combinação das pesquisas bibliográfica e documental. A primeira tem como técnica a revisão de literatura, através de publicações, teses, dissertações, artigos e legislações que contemplam os temas, lazer, recreação e turismo. Para a pesquisa documental, realizei, inicialmente, um levantamento das Instituições de Ensino Superior no Estado de Minas Gerais que oferecem cursos de graduação em turismo e hotelaria. Esse levantamento foi realizado através de consulta na Internet, nos sites do MEC e da ABBTUR. Foram encontradas 40 (quarenta) IES em Minas Gerais que oferecem cursos de graduação em turismo e hotelaria, sendo que destas, 09 (nove) estão situadas em Belo Horizonte e as demais, no interior do estado. Em seguida, foi enviada uma carta aos responsáveis pelos cursos de turismo e hotelaria encontrados, solicitando o envio do nome e das ementas de todas as disciplinas oferecidas pelo curso de graduação. Nesta etapa, 11 (onze) instituições 286 retornaram a solicitação. A partir da análise desses dados, selecionei as disciplinas que se dedicam à discussão sobre o lazer, observando a presença dos termos recreação, lazer e/ou animação em suas ementas. Nesta fase, foram identificadas um total de 20 (vinte) disciplinas que se dedicam à essa discussão, sendo que apenas uma não tratava diretamente do assunto, mesmo apresentado, inicialmente, os termos “turismo e lazer” em sua ementa. Foi solicitado, então, através do envio de uma nova carta aos coordenadores, os programas das disciplinas selecionadas, contendo ementa, objetivos, conteúdos, metodologia e bibliografia. Nesta etapa, obteve-se o retorno de 12 (doze) programas. Em seguida, foi realizada uma nova análise dessas disciplinas, verificando se o eixo central de discussão se relaciona com a recreação e o lazer. Em muitos casos, o não envio dos programas das demais disciplinas foi justificado pela recente implantação dos cursos de turismo, não tendo sido, estruturados, ainda, os programas relacionados ao lazer, no caso das disciplinas ofertadas em períodos que ainda não foram ministrados pela Instituição. Foi constatado que as instituições pesquisadas possuem de 01 a 03 disciplinas que se dedicam à discussão do lazer e da recreação dentro do curso de turismo e hotelaria, sendo ofertadas em períodos variados. Outro ponto observado se refere aos temas utilizados nas disciplinas, sendo apresentadas várias possibilidades, dentre elas: “Animação Turística, Recreação, Recreação e Lazer, Recreação e Jogos, Sociologia do Lazer, Sociologia do turismo e do lazer, Organização e administração do lazer, Conteúdos culturais do lazer.” Isso demonstra uma diversidade de conteúdos que vem sendo trabalhado no âmbito desses cursos, mas nos faz questionar a especificidade do lazer no campo do turismo. Foi possível perceber que muitas disciplinas integrantes dos currículos dos cursos de turismo apresentam uma idéia de reprodução das atividades recreativas, através do ensino de jogos e brincadeiras variadas. Isso pode ser verificado no conteúdo dos programas, na bibliografia apresentada e na própria metodologia de trabalho apresentada em alguns programas. Referências ANSARAH, M. G. dos R. e REJOWSKI, M. Cursos Superiores de Turismo e Hotelaria no Brasil. Turismo e Análise, São Paulo: ECA/USP, 1994. maio, v.5, n. 1, p 116-128. BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Diretrizes Curriculares para os cursos de graduação. Disponível em <http://www.mec.gov.br/sesu/ftp/Turismo-DC.rtf>. BRASIL. Parecer CNE/CES 146/2002, de 09 de maio de 2002, do Conselho Nacional de Educação. Aprova as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Turismo. Diário Oficial da União nº 90, de 13/05/2002, Seção 1. TEIXEIRA, Rivanda Miranda. Ensino Superior em Turismo e Hotelaria: Análise comparativa nos cursos de graduação no Brasil e no Reino Unido. In: SHIGUNOV NETO, Alexandre; MACIEL, Lizete Shizue Bomura Maciel (org). Currículo e formação profissional nos cursos de turismo. Campinas: Papirus, 2002. p.149-204. TRIGO, Luiz Gonzaga Godoi, A sociedade pós-industrial e o profissional em turismo- Campinas: Papirus: 1998. TRIGO, Luiz Gonzaga Godoi, Turismo básico. São Paulo: SENAC, 2002. 287 LAZER E ESPORTE NO SESI: ANALISANDO O PROGRAMA ESPORTE SOLIDÁRIO204 Profa. Daniela do Couto Bemfica Antonini205 CELAR/EEFFTO/UFMG RESUMO: O objetivo deste estudo foi o de analisar o Programa SESI Esporte Solidário executado pelo Departamento Regional de Minas Gerais (SESI/MG), tendo em vista identificar como o mesmo é desenvolvido, os significados de lazer presentes, bem como as relações entre lazer e esporte. Em termos metodológicos trata-se de uma pesquisa qualitativa, com características de estudo de caso, desenvolvida com base na análise de documentos que tratam do Programa Esporte Solidário, a partir da técnica de análise de conteúdo proposta por TRIVIÑOS (1987); e na pesquisa bibliográfica com base em livros, artigos, monografias, dissertações e teses que discutem lazer, esporte, SESI e atuação profissional. PALAVRAS-CHAVES: lazer, SESI, esporte solidário. Nos últimos anos venho atuando na área de educação no Serviço Social da Indústria (SESI/MG), desenvolvendo ações relacionadas com esporte e lazer no âmbito do ensino fundamental. Neste contexto, motivei-me para participar do VI Curso de Especialização em Lazer, promovido pelo Centro de Estudos de Lazer e Recreação, da Escola Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG (CELAR/EEFFTO/UFMG), pois sempre acreditei na importância do lazer como elemento essencial na melhoria da qualidade de vida dos meus alunos. O meu ingresso no curso me levou a querer conhecer e investigar as atividades desenvolvidas pelo SESI no campo do lazer, já que essa instituição vem há várias décadas atuando com diferentes propostas nesse âmbito. Várias questões têm se apresentado à medida que busco conhecer melhor as ações de lazer desenvolvidas pelo SESI, dentre elas posso citar: Quais os significados de lazer presentes nessas propostas? Como o lazer é desenvolvido nos programas oferecidos pelo SESI? Qual a relação entre esporte e lazer presente nas ações da instituição? Este trabalho tem como objetivo analisar o Programa Esporte Solidário desenvolvido pelo Serviço Social da Indústria, Departamento Regional de Minas Gerais (SESI/MG), tendo em vista identificar como o programa é desenvolvido em Minas Gerais, os significados de lazer presentes na proposta, bem como as relações entre lazer e esporte. Em termos metodológicos utilizarei as pesquisas de bibliográfica e documental. A primeira foi realizada a partir da análise de livros, artigos, monografias, dissertações e teses que discutem lazer, esporte, SESI e atuação profissional. Os documentos utilizados para a pesquisa documental foram especificamente os que abordam o programa esporte Solidário e serão analisados a partir da técnica de análise de conteúdo proposto por TRIVIÑOS (1987). O SESI surgiu para cumprir uma função pacificadora tendo como base à assistência social. A sociedade exprimia o entendimento de que, se o empresário queria solidariedade e harmonia entre capital e trabalho, o primeiro passo para humanizar essas 204 . Trabalho desenvolvido no VI Curso de Especialização de Lazer, promovido pelo CELAR/EEFFTO/UFMG. 205 . Discente do VI Curso de Especialização de Lazer - Celar/EEFFTO/UFMG, licenciada em Educação Física pela UFMG; pós-graduada em Metodologia de Ensino Fundamental e Médio pela UEMG. 288 relações seria o serviço social. O SESI nasceu sob a estrela da assistência e identificado com a ética cristã. Ao criar o seu Conselho Consultivo, em 1947, Roberto Simonsen destacou as finalidades específicas da entidade, “o SESI, pelo espírito que criou e pela estrutura funcional que lhe foi dada, exercerá também uma missão pedagógica de nítidos valores éticos e sociais. É esta a missão pedagógica do SESI: dar uma fisionomia cristã e brasileira à formação cultural de nossos operários, fazendo-os co-participar, ao lado das demais classes sociais, da fruição das riquezas do espírito. Todos se reconhecerão irmãos no culto votivo ao mesmo Deus, à mesma bandeira e com a consciência do mesmo destino, do mesmo esforço para o trabalho comum de engrandecimento do país” (SESI, s/d). Atualmente, o SESI está presente em 26 estados brasileiros, no Distrito Federal (por meio dos 27 departamentos Regionais) e em 1.860 municípios e conta, hoje, com 2.011 unidades de atendimento espalhadas pelo território nacional, que levam educação básica e complementar, ações médico-odontológicas, assistência alimentar, atividades de lazer, esporte e cultura à sua clientela (MANFREDI, 2002. p.196). O lazer constitui um dos campos de ação do SESI, sob o argumento de ser um fator determinante de qualidade do trabalho. Nesse sentido, essa entidade promove atividades que visam, de um lado, a proporcionar a sustentação do desgaste físico e mental dos industriários e, de outro a estreitar a integração à comunidade. Das ações de lazer desenvolvidas, conforme descrita no Acervo PróMemória SESI (SESI, s/d), os pressupostos básicos são: 1) o lazer como direito de cidadania, expresso no artigo 6o da Constituição da República, 2) o lazer como componente do bem-estar é uma das metas do SESI na consecução de suas finalidades; 3) Em face das suas características de interação e participação, o lazer configura-se como um instrumento privilegiado no relacionamento entre capital e o trabalho. Após a Constituição de 1988 foi criada a política e diretrizes de ação no campo de lazer e sua definição contou com a participação de todo o Sistema SESI, em suas várias instâncias organizacionais e hierárquicas. Ela constituiu o marco referencial na Instituição para o planejamento, organização, execução e avaliação das atividades de lazer, e está fundamentada em diagnóstico que é elaborado previamente (SESI, s/d). Nesse sentido, orienta-se pelos preceitos regimentais do SESI, que preconiza a de unidade normativa, mas a descentralização executiva. A concretização desta política tem como ponto fundamental o conhecimento da realidade e as necessidades e aspirações da clientela. Assim sendo em vista o resgate, e a preservar e desenvolvimento e a cultura local. Atualmente, o SESI vem desenvolvendo uma série de ações de esporte e lazer, entre elas os programas: Ginástica na Empresa; Largada 2000; Ação Global; Esporte Solidário; Jogos SESI; Mãos à Obra; Colônia de Férias; Escolinhas Esportivas e Rua de Lazer. O Programa Esporte Solidário foi proposto inicialmente pelo Instituto Nacional de Desenvolvimento do Desporto – INDESP, órgão vinculado ao Ministério do Esporte e Turismo. A participação do SESI no Programa Esporte Solitário teve início em 1996 quando, em parceria com a Confederação Nacional da Indústria – CNI e com o INDESP, foi implantado o “Programa SESI Esporte Solidário” para atender, exclusivamente, crianças e adolescentes na faixa de 7 a 14 anos. O objetivo deste Programa é o desenvolvimento de ações educativas no campo do esporte, juntamente com outras formas de atendimento pessoal e social voltadas prioritariamente as crianças e adolescentes das populações de baixa renda. Nesse sentido, o Programa Esporte Solidário destaca como seus pilares: o esporte, o reforço escolar, a educação para a saúde, a arte-educação e o reforço alimentar. 289 O programa, face as suas características de integração, estimula a adesão de diversos atores sociais, destacando-se parcerias com prefeituras, secretarias estaduais e municipais de educação e de bem estar social, conselhos estaduais e municipais dos direitos da criança e do adolescente e associações de bairros, órgãos não governamentais e, especial com empresas, que têm se constituído em importantes aliados para o sucesso dos trabalhos. Em seus centros de atividades, os departamentos regionais do SESI envolvidos no Programa desenvolvem projetos específicos, tendo em vista o respeito à cultura local e as particularidades de cada região atendida. Em cada Departamento Regional foi constituída uma equipe multidisciplinar, que conta com a participação de médicos, dentistas, nutricionistas, assistentes sociais, pedagogos, psicólogos e professores para a execução dos projetos. No que se refere ao atendimento direto às crianças, o mesmo está sob a responsabilidade de estagiários, selecionados entre estudantes de educação física, pedagogia, psicólogo, serviço social e educação artística. Para realização do programa é utilizada a infra-estrutura da rede de unidades do SESI constando de ginásios, quadras poliesportivas, campos de futebol, piscinas, refeitórios, salas de aula, auditórios, teatros e consultórios. O Programa SESI Esporte Solidário inclui também atendimentos individuais e visitas aos domicílios e às escolas, tendo em vista fortalecer as relações famíliaescola-comunidade, e acompanhar de perto cada criança/adolescente participando do programa nos ambientes em que ela circula. Além disso, o reforço escolar é realizado por meio de oficinas pedagógicas, orientadas para estimular a descoberta de novas técnicas, e garantir um aprendizado autônomo e criativo. Dada a associação entre esporte e saúde as ações educativas sobre nutrição e higiene corporal, estão orientadas para a prevenção das doenças de maior incidência nas comunidades de baixa renda. Além disso, são realizados exames clínicos e laboratoriais na população atendida e desenvolvidas campanhas regulares – apoiadas na apresentação de vídeos, palestras e aulas práticas – sobre temas de interesse para essas comunidades, tais como: 1) meio ambiente, 2) drogas, 3) sexualidade, 4) AIDS e doenças sexualmente transmissíveis, 5) dengue, 6) parasito. O Esporte, como carro chefe do Programa, contribui para facilitar o processo de desenvolvimento integral da criança e do adolescente, formação do espírito de solidariedade, fomento à participação, cooperação e emancipação. O próximo passo da pesquisa será uma análise do Programa a partir dos estudos críticos que vêm sendo desenvolvidos no âmbito do lazer. Referências MANFREDI, Silvia M. Educação Profissional no Brasil.São Paulo: Cortez, 2002. SESI – Serviço Social da Indústria. ACERVO Pró-memória do Serviço Social da Indústria. s/d. TRIVIÑOS, Augusto N.S. Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais: A pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987. 290 TEATRO E LAZER: NOVAS POSSIBILIDADES DE INCLUSÃO SOCIAL A PARTIR DAS LEIS DE INCENTIVO À CULTURA206 Acad. Edson Soares Medeiros Filho 207 Christianne Luce Gomes (Orientadora) CELAR/DEF/UFMG RESUMO: Este estudo tem como objetivo ampliar o diálogo sobre o Lazer na sociedade contemporânea e discutir suas relações com as minorias sociais e a legislação nacional. Esta proposta foi realizada a partir de um estudo de caso com um grupo de teatro composto por moradores da maior favela de Belo Horizonte e de uma análise documental referente às Leis de Incentivo à Cultura (LIC).O Grupo do Beco, contemplado em 2003 com os benefícios advindos das LICs , desenvolve atividades no âmbito da cultura, oportunizando aos moradores de sua comunidade a experiência de atividades culturais muitas vezes restrita à uma população privilegiada socialmente. Até o momento, os resultados apontam para a importância de grupos socialmente desfavorecidos receberem apoios das LICs, uma vez que os benefícios advindos destas oportunizam novas e ricas experiências de lazer, cultura e educação. PALAVRAS-CHAVES: lazer, leis de incentivo à cultura, minorias sociais. Buscando ampliar o diálogo sobre o Lazer na sociedade contemporânea e discutir suas relações com as minorias sociais e a legislação nacional, iniciamos em março de 2003 uma análise documental acerca da Lei Rouanet de Incentivo à Cultura. Esta análise ocorreu juntamente com um estudo de caso com grupo de teatro composto por moradores do Aglomerado Santa Lúcia – conjunto de favelas que reúne cerca de trinta mil habitantes na região centro-sul de Belo Horizonte. Neste tempo de estudos em que pesquisamos a aplicação prática das Leis de Incentivo à Cultura, vislumbramos a importância do Lazer enquanto possibilidade de questionamento da ordem social “e enquanto prática social relacionada às diferentes dimensões de nossa sociedade (tais como o trabalho, a economia, a educação e a política)” (Werneck, 2000, p.142).Vislumbramos ainda a importância de iniciativas que, tendo o respaldo e o apoio do poder legislativo para oferecer a oportunidade de minorias sociais ampliarem suas possibilidades de acesso à cultura, lazer e educação. Sancionada em 1991, a Lei Rouanet (Lei nº 8313, de 23 de dezembro de 1991) “tem como finalidade captar recursos e os distribuir para atividades de caráter cultural. Destina-se ainda a apoiar e possibilitar o aperfeiçoamento de pessoal da área da cultura em estabelecimentos e organizações sem fins lucrativos”, sendo portanto uma poderosa aliada de iniciativas como a do grupo de teatro estudado. O intitulado Grupo do Beco (GB) desenvolve desde 1995 atividades no âmbito da cultura, oportunizando aos moradores de sua comunidade a experiência do teatro e de outras atividades culturais, restritas muitas vezes a uma a população com maior acesso à informação e melhor poder aquisitivo. Nestes pouco mais de oito anos de existência, a reflexão social sempre esteve presente nos trabalhos do grupo. Em 2000, estrearam o espetáculo “Quis 500?”, 206 . Projeto de pesquisa desenvolvido no Programa Especial de Treinamento (PET) Educação Física e Lazer, junto ao curso de Graduação em Educação Física da UFMG. 207 Acadêmico do curso do curso de Educação Física da UFMG; bolsista do PET Educação Física e Lazer. E-mail: [email protected]. 291 uma crítica sobre as comemorações dos 500 anos do Brasil. Em 1996, foi a vez de “Consumidores à Beira de um Ataque de Nervos”. Outras peças já representadas e de autoria do grupo são: o “Casamento de Bronca na Roça”, “O Casal” e o “Afilhado da Morte”. Contemplados com os benefícios das Leis de Incentivo à Cultura, em janeiro de 2003, e apoiados pela Açoforja – Indústria de Forjados S.A. – O GB desenvolve desde então o projeto denominado “Mãos de Mulher” e estrela o espetáculo “Bendita a voz entre as mulheres. Este espetáculo busca representar as condições de vida da mulher favelada através da narrativa de histórias reais. “Bendita a voz entre as mulheres” é o resultado de vinte entrevistas com mulheres do Aglomerado Santa Lúcia, com idade entre 21 e 70 anos. Essas entrevistas retrataram a diversidade de perfis existentes na comunidade. É o caso, por exemplo, da única mulher Pastora do Aglomerado, da dona de casa que fica por conta dos filhos, da mulher que trabalha fazendo carretos, da líder comunitária, da mulher idosa e de outras tantas realidades. As mulheres entrevistadas contaram um pouco de suas experiências, de suas vidas na comunidade, falaram da discriminação social e racial, relataram a violência sofrida, os sonhos permeados pelo machismo, e a constante luta por melhores condições de vida. Fruto de um processo colaborativo que envolveu o próprio GB, a dramaturga e os diretores contratados com a verba advinda do beneficio da legislação nacional, o texto do espetáculo contempla ainda história de vida dos autores, casos acontecidos na favela e marcas próprias da comunidade. Além de estrelar a peça teatral, o “Projeto Mãos de Mulher” possui outros desdobramentos importantes como: a construção da memória coletiva do Aglomerado Santa Lúcia – a partir do registro e arquivamento das entrevistas realizadas –, a transmissão dos conhecimentos adquiridos pelos integrantes do Grupo através da organização de oficinas, palestras, cursos e encontros, bem como da oportunização de outros conteúdos culturais antes desconhecidos dos moradores do Aglomerado. Prova disto é que muitos moradores da favela do Aglomerado Santa Lúcia puderam assistir pela primeira vez a um espetáculo teatral, através das apresentações – gratuitas e feitas no próprio Aglomerado – do espetáculo “Bendita a voz entre as mulheres...”. Conforme apresentamos no início, pudemos observar, neste estudo, que o apoio das Leis de Incentivo à Cultura possibilitaram novas experiências de lazer, cultura e educação aos moradores do Aglomerado Santa Lúcia. Oportunizaram ainda o aperfeiçoamento profissional dos integrantes do GB, uma vez que disponibilizaram recursos para que estes realizassem treinamento e cursos específicos principalmente na área do teatro, o que levou a um aumento da qualidade de suas ações. Por estes fatores ressaltamos a importância de mais grupos sem fins lucrativos e voltados para o âmbito da cultura recebam benefícios da legislação nacional afim de que trabalhos como o do Grupo do Beco se multipliquem e oportunizem a outras minorias sociais a ampliação do acesso aos bens culturais presentes em nossa sociedade. Sabemos, porém, da enorme dificuldade em receber tais benefícios, pois, segundo Zingoni (2003), ainda é pequena a aproximação e o comprometimento do poder legislativo com o lazer e este ainda é um setor considerado de menor importância no plano dos governos. Acrescentamos, por fim, que a qualidade do GB vem sendo reconhecida na capital mineira e, cada vez mais, a voz da mulher favelada é ouvida por um número maior de pessoas, incentivando a reflexão social acerca desta realidade e contribuindo para o levantamento de questionamentos sobre as relações machistas presentes em nossa 292 sociedade, a violência sofrida, a dupla jornada de trabalho e a luta destas mulheres por melhores condições de vida. Referências LEI Nº 8313, DE 23 DE DEZEMBRO DE 1991. Ministério da Cultura. Legislação Nacional. http://www.cultura.gov.br/legisl/docs/l-008313.ht, WERNECK, Chistianne Luce Gomes. LAZER, TRABALHO E EDUCAÇÃO. Belo Horizonte, Editora UFMG/CELAR/DEF/UFMG, 2000. ZINGONI, Patrícia. In: Lazer, Recreação e Educação Física. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. 293 O LAZER NA FAZENDA ARVOREDO: O EXEMPLO DA TERCEIRA IDADE Acad. Fabiana Soares Acad. Patrícia Barbosa Universidade Federal de Juiz de Fora RESUMO: Este trabalho objetiva a compreensão do significado do lazer praticado por pessoas da terceira idade na Fazenda Arvoredo (Barra do Piraí, RJ) assim como um conhecimento mais abrangente a respeito das preferências do público em questão. Este trabalho é resultado de uma pesquisa realizada para a elaboração de monografia de conclusão do curso de Turismo, na Universidade Federal de Juiz de Fora. PALAVRAS-CHAVES: terceira idade A pesquisa, de natureza qualitativa, foi realizada com pessoas da terceira idade pertencentes a dois grupos de viagem. Entrevistamos oito hóspedes idosos, que gostaram de compartilhar suas experiências e sabedoria acumuladas ao longo da vida. As características da antiga Fazenda Santa Maria, grande produtora de café, foram mantidas e o Hotel Fazenda Arvoredo foi inaugurado em 1991. Conserva grande parte do mobiliário do século XIX. O hotel oferece aos seus hóspedes opções diferenciadas de lazer, como piscina com toboágua, passeio de bote, jangada, pescaria ecológica, passeio de carro de boi, ordenha da vaca, oficina artesanal, dentre outras. Os temas mais discutidos que originaram os capítulos da monografia foram: a relação existente entre o lazer e a religião, vivenciados por aquelas pessoas da terceira idade; o lazer proporcionando o retorno ao passado; por que eles gostam de estar em grupo e finalmente, a importância da caminhada, aliada à contemplação da natureza. A religiosidade está presente em toda a vida, inclusive nos momentos de lazer. E entre os vários aspectos que fazem parte da vida, o lazer é um dos responsáveis pela socialização, pela auto-estima e pela saúde física e psicológica das pessoas. No decorrer da pesquisa, observamos como a religiosidade é valorizada por estas pessoas da terceira idade que foram entrevistadas. A maioria desses idosos sentem-se na necessidade de estabelecer um contato superior contínuo e expressam muitas vezes em suas falas a importância que costumam dar a fé. O contato com a religiosidade parece transmitir-lhes paz interior e fortalecer a crença na espiritualidade. Essa espiritualidade ao que tudo indica, transcende a ida à Igreja e a outros templos religiosos ou simplesmente ser adepto a uma religião. Cada um a sua maneira é capaz de estabelecer essa ligação, seja através do contato com a natureza, seja através de meditações, reflexões e orações pessoais ou por meio de leituras edificantes. Foi possível notar que alguns integrantes dos grupos de idosos consideram relevante lembrar do passado. Algumas atividades recreativas, tais como o “Chá Imperial” e o passeio no carro de boi os faziam lembrar da infância e juventude já que a maioria deles havia morado no interior. A oportunidade de se deslocar através de viagens em grupo e buscar lugares relaxantes, que proporcionem descanso e um encontro com a natureza e com o próprio eu, traz aos idosos mais disposição e um sentimento de mais valia. A busca por fazendas históricas nesse sentido, justifica o valor dado a eles ao passado, a história e sensações bucólicas e de memória. Dessa forma conclui-se que o retorno ao passado é um fato importante que pode ocorrer durante as atividades de lazer e recreação para a terceira idade. 294 Os entrevistados de ambos os grupos foram unânimes ao afirmar que preferem viajar em grupo. A preferência pelas viagens realizadas em grupo se dá ao fato de trazer comodidade e maior segurança aos idosos. Quando o grupo é homogêneo e de amigos, eles se sentem mais a vontade, se divertem, distraem, brincam durante a viagem e no local de destino. As alegrias e tristezas podem ser compartilhadas e, quando os idosos estão em grupo, percebem que não estão sós nos problemas e sofrimentos. A convivência social melhora a qualidade de vida favorecendo o inter-relacionamento pessoal e a interação ambiental. O baile oferecido na fazenda proporcionou essa convivência na medida em que reuniu todas as pessoas presentes em torno de um interesse comum: o divertimento e a interação. Nos foi possível perceber a importância dada aos idosos de aliar a caminhada à contemplação da natureza. Para grande parte deles o fato de estar em contato com o meio ambiente é benéfico no que diz respeito a saúde física e mental. A descrição feita por eles nos leva a crer que eles valorizam a paz e a serenidade que a natureza inspira. Alguns idosos ainda destacaram as diferenças com a cidade grande. As caminhadas também proporcionaram a interação dos idosos estimulando a convivência entre eles. De forma geral, a importância que o ser humano dá à natureza pode ser explicada pela busca de um significado para a sua própria existência. Daí, torna-se necessário reconciliar-se e não mais dominá-la. Na atualidade o homem parece querer estar em sintonia com a natureza, encarando-a como uma parceira indispensável. Dessa maneira, valoriza-se e preserva-se mais a natureza para que se usufrua continuamente dos benefícios gerados por ela. 295 SHOPPING CENTER ENQUANTO ESPAÇO DE LAZER: OLHANDO POR TRÁS DAS VITRINES Profa. Ialuska Guerra208 Profa. Kellen N. Vilhena CELAR/EEFFTO/UFMG RESUMO: Este estudo apresenta uma análise do shopping enquanto espaço de lazer, quais os entendimentos de lazer da administração e os fatores advindos desse entendimento. Questões como a relação do lazer como segmento de mercado, lazer e consumo e as atividades e equipamentos oferecidos pelo shopping, foram alvo de algumas discussões. PALAVRAS-CHAVE: shopping center. Introdução Visto como um espaço que veio para compensar os problemas advindos da urbanização descontrolada, como o tráfego intenso, a violência e a falta de espaços disponíveis, os shoppings configuram-se como uma opção de lazer para todas as idades, diante da falta de opções das cidades, ou ainda um espaço onde se reúne tudo ou quase tudo que a vida moderna necessita; e mais , no mesmo lugar. Nas propagandas desses estabelecimentos percebe-se que o lazer vem ganhando destaque como ponto de referência para a elaboração da mídia comercial, passando os mesmos a serem considerados, indubitavelmente, como espaços de lazer. É o que nos indicam pesquisas como a do jornal O Globo destacada por Werneck e Ysayama209 que inclui a existência ou não de shopping center como parâmetro (entre outros) para a análise da existência de espaços e equipamentos de lazer e cultura nas cidades brasileiras. Um outro ponto a ser destacado é a internalização do conceito de lazer pelos shoppings, expresso não apenas via mídia mas também constando no histórico das empresas. Caracterizados inicialmente como um local de compras de luxo, aliando elementos de comodidade e segurança, os shopping centers evoluíram para um modelo de centro de compras, serviços e entretenimento e passaram a utilizar em seus históricos e marketing o termo lazer para especificar essa possibilidade de diversão. Nesta perspectiva algumas questões nos parecem pertinentes de investigação: qual o entendimento de lazer que qualifica o shopping como espaço de lazer? Que espaços e equipamentos são colocados a disposição e/ou implementados para possibilitar a vivência do lazer nos shoppings? Existem iniciativas de vivências de lazer para os funcionários dos shopping? Se ocorrem , quais os contextos destas vivências? Considerando as questões acima, objetivamos neste ensaio, verificar quais os fatores existentes na dinâmica interna de funcionamento dos shopping centers que contribuem para o entendimento destes enquanto espaço de lazer. 208 209 . E-mail: [email protected] & [email protected]. . Pesquisa Jornal o Globo de 18 de abril de 2001. Werneck e Isayama - Lazer e Mercado. P.45. 296 Lazer e mercado: interfaces no shopping center Considerado como um dos principais mercados da atualidade, o lazer destaca-se por suas possibilidades, abrangendo diversas áreas tais como o turismo, o entretenimento, a hotelaria, o transporte, as artes, e a ecologia entre outras. Neste contexto o lazer aparece focado em dois aspectos: como mercado promissor, qualificado enquanto produto para compra e venda - subjugado à industria cultural; e enquanto elemento de alienação para o trabalhador, mascarado em elemento de qualidade de vida. Focado enquanto produto, o lazer vem sendo comercializado a altos preços e o seu acesso restrito a uma camada social cada vez menor. Em contrapartida, revestido por uma perspectiva alienante vem sendo banalizado e distorcido em seu significado, onde praticamente qualquer coisa/espaço/ação constitui-se vivência de lazer, ou melhor dizendo, produto de lazer. Temos então praças de lazer, hotéis de lazer, parques de lazer, ruas de lazer, turismo de lazer e shopping center de lazer. O Shopping Center vem ganhando destaque devido ao seu caráter de aglutinação das pessoas. Enquanto que em condomínios, flats e resorts o acesso é restrito aos proprietários, sócios ou convidados, nos shoppings a visitação é um dos objetivos da administração destes espaços. No entanto, tal visitação não é apenas controlada como permeada de um elemento de exclusão social, já que não é qualquer passante que interessa ao empreendimento mas sim aquele que se constitui um consumidor em potencial, portanto os visitantes são classificados em público A, B ou C, de acordo com o potencial de compra que representa. Analisando tal classificação nos reportamos a SILVA (1997) ao afirmar que “nos dias atuais, o consumo passa a ser o definidor das relações de status e prestígio em um mundo globalizado, onde o mercado é quem determina as relações sociais”. Inserida nessa lógica, a classificação das pessoas em públicos A, B e C, revela o estabelecimento de um limite mínimo de potencial de consumo responsável pela inclusão ou exclusão social. Na perspectiva de empreendermos uma análise deste espaço de lazer tão difundido atualmente, realizamos uma pesquisa exploratória no Shopping Del Rey210 buscando um entendimento sobre o lazer e os aspectos ideológicos que perpassam por este na conjuntura dos shoppings centers. Shopping Del Rey: olhando por trás das vitrines Organizando o lazer no shopping: Marketing & Merchandise O Shopping Del Rey considera como ponto forte de sua estrutura e atuação o diversificado mix de produtos e lojas que compõem o seu complexo, e considera o lazer como sendo uma forte vocação deste conglomerado. Tal característica é enfatizada através da presença de uma “completa e bem localizada praça de alimentação e uma série de opções de diversão e lazer para todas as idades”211. 210 . O Shopping Del Rey caracteriza-se como um empreendimento típico da modalidade a qual pertence. Inaugurado em 28 de outubro de 1991, conta com 10 lojas âncoras e 200 lojas – satélite. Localizado na Av. Carlos Luz 3001, no bairro da Pampulha, na cidade de Belo Horizonte possui 2.380 vagas de estacionamento e atrai em média um público de 45 mil pessoas/ dias. O público do shopping Del Rey caracteriza-se como sendo de ênfase B, embora haja freqüência das classes A e C. A meta em 2003 é consolidar o público A e B e aumentar o fluxo tanto em vendas como em tráfego. 211 . Informações retiradas de mídia do shopping fornecida pelo departamento de marketing, através de texto anexado em email enviado pelo citado departamento. 297 A organização do lazer no Shopping Del Rey, embora aconteça de forma estratificada, denuncia os pressupostos e conceitos aos quais se encontra ligada, revelando a associação do lazer ao conceito de produto/consumo. Embora tal constatação apresente-se de forma clara em sua ligação especifica com os departamentos de merchandise e marketing212, o lazer atende a objetivos e desempenha funções diversas em cada um destes departamentos, de acordo com sua especificidade, caracterizada por um único elemento determinante: a presença ou ausência de ônus direto ao consumidor. Apresenta-se então, dois polos de percepção do lazer: um que favorece o entendimento do lazer enquanto produto/ mercadoria, passível de compra e venda e portanto estritamente ligado ao consumo e outro polo que localiza o lazer enquanto elemento de atração de visitantes e portanto não diretamente ligado ao consumo mas sim atuando como ação potencializadora deste. Assim, no departamento de merchandise o lazer é entendido e tratado como produto a ser vendido e portanto literalmente consumido, enquanto que no departamento de marketing este passa a ser entendido não apenas como produto em si, mas desempenha a função de potencializador do consumo de outros produtos. O envolvimento profissional com as ações de lazer do shopping constitui outro elemento analisado neste estudo. Percebemos que não existe por parte da administração do shopping uma preocupação em contratar profissionais com formação específica ou pelo menos afim com a área. As contratações explicitam o fenômeno de precarização do trabalho recorrente no nosso país, através da utilização de empresas terceirizadas que suprem a necessidade de atuação profissional, caracterizando as vagas ofertadas como ocupação temporária, isentas de qualificação e direitos trabalhistas. Mesmo nas lojas, praça de alimentação e outros empreendimentos permanentes como o cinema e o boliche consolida-se a mesma estrutura. Os mix de brinquedos (cabo áereo, puffs, tunel e piscina de bolinhas) constituem um exemplo desta precarização. O único emprego fixo é ocupado pela função de caixa, enquanto que “as animadoras” são free-lancers, contratadas de uma outra empresa de acordo com a variação no quantitativo do público (1 no período da manhã e 2 nos períodos da tarde e noite, podendo chegar a 4 nos fins de semana e feriados). A exigência quanto a qualificação resume-se a obrigatoriedade de estar freqüentando uma escola, um limite etário mínimo de dezesseis anos de idade e a um teste feito dentro do brinquedo para avaliar a forma de abordagem da animadora com as crianças. Quanto a atuação, esta resume-se em observar as crianças dentro do brinquedo auxiliando apenas as “muito pequenas”. Em outros espaços como o parque de diversão, é possível encontrar outros profissionais mais específicos como eletricistas, torneiro mecânico e artistas, entre outros, mas a maioria destes atuam na esfera técnica de manutenção e controle de equipamentos e não de animação. Os postos de trabalho diretamente vinculados ao shopping compõem - se de cargos relativos a administração do conglomerado e portanto ocupados por profissionais especializados na área de administração e marketing. De forma geral, a atuação profissional no âmbito do lazer no Shopping Del Rey encontra-se desvinculada da administração geral do shopping; liga-se aos responsáveis pelos empreendimentos e eventos desenvolvidos no espaço do shopping e refletem a conjuntura econômica e o modelo de relações trabalhistas vigente. 212 . Termos em inglês que apresentam como tradução as respectivas palavras mercadorias e mercado. Collins Gem: Dicionário Inglês/ Português. 298 Vivendo o lazer no shopping: programa empresarial de valorização dos empregados(?) Simbolicamente reconhecido como um espaço de lazer, os shoppings apresentam vários aspectos de manipulação deste elemento social. Em uma outra face deste sentido do lazer, está o lazer para o trabalhador, um dos programas empresariais de valorização dos empregados. Desse modo, empresas oferecem “algumas regalias” aos seus funcionários como diferencial. Algumas dessas regalias são espaços e eventos de lazer como salas de jogos, festas de confraternização, campeonatos esportivos entre outros. Analisando tal contexto no Shopping Del Rey percebemos várias contradições dignas de questão: horários específicos (e curtos) da sala de jogos concomitante com os horários de refeição, além de sua localização “escondida” e da reduzida opção de atividades. Um outro fato que merece reflexão é a utilização de espaços e tempos de convivência para confraternizações que, na verdade, não passam de reuniões de verificação do alcance de metas ou elaboração das mesmas. Estes fatos evidenciam um entendimento do lazer como mais um meio de controle e alienação do trabalhador, mascarando as reais condições de trabalho e as relações entre empregador e empregado, nesse modelo econômico onde o lazer se mostra mais como uma forma de recarregar e compensar a sobrecarga do trabalho do que realmente um espaço de produção e fruição de bens culturais de lazer.Nessa perspectiva, o lazer proposto por tais empresas contrariam algumas características básicas da vivência do lazer como a livre escolha, a busca da satisfação, a não submissão a interesses profissionais e a realização pessoal, real necessidade do indivíduo e não da sociedade. Considerações Finais O lazer na perspectiva do shopping center apresenta características marcadamente mercadológicas, justificando-se em tais estabelecimentos pela questão do consumo, do lucro. Ele é um segmento de mercado promissor, e numa visão administrativa, deve ser explorado das mais variadas formas, de modo a alcançar suas metas. Embora vigore essa lógica, os shoppings por si só não constituem espaços de lazer. Isso dependerá dos usos que se fazem dos espaços e equipamentos que ali estão disponíveis. Ele se constitui um espaço potencial, onde podem acontecer ou não vivências de lazer sem que estas estejam obrigatoriamente relacionadas ao consumo, embora também possam estar. 299 “INTERVALO INTERATIVO”: EXPERIÊNCIA DE LAZER NA UNIVERSIDADE Profa. Ms. Ilse Lorena Von Borstel G. De Queirós213 Unioeste RESUMO: Durante três meses em 2003, foi realizado o projeto de ensino “Intervalo Interativo” – Momento de Lazer, pela disciplina de Lazer e Recreação, do 4º ano do Curso de Educação Física – Licenciatura, da Unioeste – campus de Marechal Cândido Rondon, PR. Com o objetivo de capacitar os discentes para trabalhar com propostas de lazer adquirindo conhecimentos básicos nesta área, paralelamente, democratizar o espaço universitário como uma efetiva possibilidade de vivência do lazer para toda comunidade acadêmica. Com este intuito, foram proporcionados vários programas culturais, de curta duração, durante o intervalo das aulas, no período matutino. Concluise que foi uma experiência relevante enquanto prática pedagógica e vivência de lazer, pois as equipes de trabalho se empenharam na administração do projeto e houve participação da comunidade acadêmica, em média 70 pessoas por programa desenvolvido. PALAVRAS-CHAVES: projeto, lazer, universidade. Introdução A escola é provavelmente o espaço mais antigo em que a recreação e o lazer se efetivaram ao longo dos anos, de várias formas e com diferentes objetivos. Atualmente, nos grandes centros urbanos, professores de diferentes áreas do conhecimento, como também administradores de instituições educacionais, cada vez mais, estão se preocupando com as questões relativas à recreação e ao lazer no âmbito da educação formal e não-formal. Este fenômeno se evidencia, principalmente, devido as atuais características da vida contemporânea, como: ingresso da criança cada vez mais precoce na escola e por muito mais tempo de vida do jovem. A crescente transformação dos espaços nas cidades: moradias minúsculas, ausência de quintais, diminuição dos espaços e equipamentos públicos para o lazer, por outro, a violência urbana que torna estes locais e as ruas perigosas para a convivência infantil e juvenil. Isso tudo, faz com que o acesso ao lazer para estas clientelas sejam cada vez mais difícil, apresentando escassas opções e oportunidades para a sua apropriação. Sob outro prisma, estudiosos da educação em geral reconhecem, cada vez mais, os aspectos educativos que as propostas recreativas e de lazer propiciam aos educandos, propondo que as aulas das diferentes disciplinas tenham caráter lúdico e recreativo e o lazer seja integrado no projeto pedagógico da escola ou fora dele no tempo livre dos alunos, através de ações norteadas pela pedagogia da animação. O lúdico por si só já seria o suficiente para justificar a associação da recreação e do lazer no âmbito escolar, mas proporcionam incontáveis benefícios para o desenvolvimento integral do ser humano (domínio biológico, psicológico, social e espiritual), por outro, “democratizar o lazer implica em democratizar o espaço”, (MARCELLINO, 1996, p. 25). Desta forma, as instituições educacionais devem e podem contribuir estimulando e oportunizando 213 . Coordenadora do projeto, mestre em Educação Física/Estudos do Lazer pela Unicamp, professora da Unioeste – Campus de Marechal Cândido Rondon (PR), pesquisadora do CNPq: Grupo de Pesquisas do Lazer Facep/Unimep e Grupo de Extensão e Pesquisa em Educação Física Escolar da Unioeste, e membro da Confraria de Lazer do Paraná. e-mail: [email protected]. 300 práticas recreativas integradas aos conteúdos escolares, como também, viabilizar a apropriação do lazer para grande parte da população brasileira a qual se encontra atualmente excluída, apresentando-se numa possibilidade efetiva do exercício da cidadania e qualidade de vida através destes nas instituições educacionais. Neste contexto, a disciplina de Lazer e Recreação do 4º ano do Curso de Educação Física – Licenciatura, em 2003, desenvolveu o projeto “INTERVALO INTERATIVO: Momento de Lazer”, visando proporcionar diferentes conteúdos culturais, de curta duração, durante o intervalo das aulas do período matutino dos diferentes cursos de graduação da UNIOESTE – campus de Marechal Cândido Rondon, PR. Teve como objetivos capacitar os discentes para trabalhar com propostas de lazer adquirindo conhecimentos básicos nesta área, refletindo sobre estas possibilidades de aprendizagem e conhecimento na sua transferência para o mercado de trabalho. Paralelamente, democratizar o espaço universitário como uma efetiva possibilidade do exercício do lazer, no sentido de promover a motivação, socialização, descanso e o desenvolvimento cultural da comunidade acadêmica em geral. Metodologia Caracterizou-se em um projeto de ensino e extensão, sua prática pedagógica contou com as seguintes atividades: Inicialmente, fez-se um diagnóstico com os discentes da disciplina Lazer e Recreação verificando o interesse na proposta; após elaborou-se o projeto, foi analisado e encaminhado à coordenação do curso de Educação Física. Em seguida, foi feito um diagnóstico de opinião com a comunidade acadêmica (professores, funcionários e alunos) no sentido de verificar quais eram as atividades de maior preferência, os dados foram tabulados e analisados. Paralelamente, foram definidas as equipes de coordenadores e monitores, cada uma foi composta por três integrantes. A equipe da coordenação tinha a função de planejar, organizar, supervisionar e avaliar cada programa desenvolvido por cada equipe de monitores. Enquanto estas eram responsáveis em desenvolver um programa de no máximo 15 minutos, nas quartas-feiras, os quais podiam abranger os interesses físicos-esportivos, manuais, intelectuais, artísticos e sociais do lazer, de forma específica ou integrada, mas deveriam ter caráter lúdico ou relaxante, orientados de forma criativa e crítica e que estimulassem momentos de interação entre os participantes. Após, foi definido o tema de cada programa e elaborado o cronograma geral do projeto. Depois destas iniciativas, iniciou-se o desenvolvimento do projeto e no decorrer foram realizadas reuniões com as equipes, no sentido de analisar os resultados obtidos da aplicação do questionário com a clientela e das observações realizadas em cada programa desenvolvido, os quais sugeriram adaptações nos programas e soluções de problemas e dificuldades. Análise dos resultados Foram desenvolvidos 16 programas abrangendo predominantemente os interesses artísticos e sociais, com os seguintes temas: Apresentação de Caratê, Clown, Instrumental de Harpa, Violão e Violino, Banda Musical, Ginástica, Dança de Rua, Jazz e Country, Capoeira, Manobras Acrobáticas de Bicicleta, Bingo Maluco e Jogos de Salão. Cerca de 70 pessoas aproximadamente participaram de cada programa, sendo eles, funcionários, professores, acadêmicos de diferentes cursos de graduação, e da comunidade externa pessoas que realizavam o exame psicotécnico do DETRAN – PR nesta instituição. A avaliação final do projeto demonstrou que a maioria dos participantes 79%, consideraram que os programas superaram as expectativas, 19% dos 301 entrevistados revelaram que atendeu as expectativas, apenas 02% relataram que atendeu em parte as expectativas, e ninguém revelou que os programas não atendessem as expectativas. Houve algumas sugestões, mas nenhuma delas se caracterizou relevante para a um novo encaminhamento. Em relação às equipes de coordenadores e monitores, todos atuaram de forma significativa no planejamento, organização, execução e avaliação do projeto. Pois, a avaliação específica de cada equipe de trabalho e a geral feita em conjunto com todos os discentes, demonstrou que todos os programas estiveram de acordo com os objetivos previstos; foram planejados e organizados antecipadamente; a maioria dos temas teve apresentação teórica relevante; foram adequados às características e necessidades da clientela; o domínio do conteúdo, os procedimentos didáticos e a animação cultural no desenvolvimento foram significativos; o local, material e tempo de duração foram adequados para cada programa desenvolvido. Conclusão Constatou-se que o desenvolvimento do projeto foi uma experiência relevante enquanto prática pedagógica e vivência de lazer. Em relação à prática pedagógica, podemos relatar que as equipes de trabalho se empenharam de forma efetiva no planejamento, organização, execução e avaliação do projeto. E, enquanto vivência de lazer na universidade, pode-se afirmar que teve boa aceitação, participação e interesse por parte da comunidade acadêmica, participando em média 70 pessoas por programa desenvolvido, mas alguns não tiveram tanto interesse por parte da clientela. Desta forma, os resultados foram excelentes e coerentes com os objetivos previstos, o que foi demonstrado pela avaliação de cada programa pelos participantes, nas observações realizadas pelos coordenadores e nos depoimentos dos demais monitores. No entanto, poderia haver uma participação mais efetiva, o que provavelmente está relacionado ao fato de que o tempo de intervalo dos cursos é diferente, pelas barreiras sócio-culturais que o lazer ainda sofre, e por ser uma experiência recente nesta universidade. Aspectos já previstos na fase de planejamento, mas acreditamos que serão superados se houver continuidade do projeto nos próximos anos, o que poderá estimular uma maior participação e melhor promoção do desenvolvimento cultural de toda a comunidade interna e externa nesta instituição de ensino superior. Referências ALMEIDA, Paulo A C de. O lazer no espaço escolar. In: Coletânea de Autores – 11º Encontro Nacional de Recreação e Lazer- ENAREL. Foz do Iguaçu, PR: Unioeste, 1999. BRAMANTE, Antonio C. Qualidade no gerenciamento do lazer. In: BRUHNS, Heloisa T (org). Introdução aos Estudos do Lazer. Campinas, SP: Unicamp: 1997. CAVALLARI, Vinícios R. e ZACHARIAS, Vany. Trabalhando Com Recreação. 5ª ed., São Paulo: Ícone, 2001. MARCELLINO, Nelson Carvalho. Estudos do lazer: uma introdução. Campinas, SP: Autores Associados, 1996. 302 FORMAÇÃO PROFISSIONAL PARA O LAZER NO ÂMBITO DA GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA. Prof. Ms.Giuliano Gomes de Assis Pimentel214 Centro Universitário de Maringá Universidade Estadual de Maringá RESUMO: Relatam-se desafios na formação profissional para o lazer em curso de graduação em Educação Física. Diante da realidade norte-paranaense estar composta por um mercado ainda em amadurecimento e perfis limitados de animadores, conclui-se que a formação profissional para o lazer precisa ocorrer em três aspectos ética e esteticamente interagidos: experiência cultural, densidade teórica multidisciplinar e competência instrumental. Embora a estrutura curricular não tenha força isoladamente para a (trans ou de)formação profissional, ela é importante apoio na ação docente. Para tanto, é apresentada a organização de uma disciplina de Recreação e Lazer na Educação Física. PALAVRAS-CHAVES: formação profissional; lazer; educação física. Introdução O que eu não gosto é do bom gosto Eu não gosto de bom senso Eu não gosto dos bons modos Não gosto. Eu gosto dos que têm fome Dos que morrem de vontade Dos que secam de desejo Dos que ardem... (Adriana Calcanhotto). Pensar a formação profissional para um campo da cultura, como o lazer, coincide com o desafio lançado pelo trecho da música Senhas, em epígrafe. É preciso desconfiar do bom gosto, dos bons modos e do bom senso, até porque é necessário perguntar qual classe social consegue determinar aquilo que seja ‘bom’ para as pessoas. Num cenário de multiculturalismo, como o brasileiro, o que significa, por exemplo, um animador sociocultural determinar aquilo que seja bom para se fazer no tempo livre, portanto o correto, para todos, independente das diferenças? Como afirma Gramsci (1978), por razões de submissão e subordinação intelectual, ocorre de um grupo tomar uma concepção que lhe é estranha, ao ponto que se forme hegemonia sobre determinadas práticas e visões. De certo modo, formar o profissional do lazer é pensar em alguém que possa semear um pouco de inconformismo no consumo e na produção da cultura, propiciando aos possuídos pela fome e pelo desejo a possibilidade de romperem com os padrões estabelecidos. No Paraná, a realidade da atuação profissional no campo do lazer ainda não reflete tais possibilidades. Em trabalho articulado por um coletivo de profissionais (PIMENTEL, PEREIRA, CARVALHO et. al.; 2001) se percebeu que o lócus onde o 214 . Cursando Doutorado em Educação Física, concentração em Estudos do Lazer na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Membro da Confraria dos Profissionais do Lazer e coordenador da lista de discussão virtual sobre recreação e lazer no Centro Esportivo Virtual (www.cevlazer.rg3.net). Email: [email protected] ou [email protected] 303 animador mais atua tem se concentrado no poder público, especialmente para realização da denominada recreação comunitária, herança do E.P.T. e programas similares. Há ainda setores como hotéis, clubes (incluindo SESI e SESC) e empresas de recreação que permanecem oscilantes, oferecendo oportunidades esporádicas. Interessante notar a quase hegemônica participação de professores de educação física no somatório de trabalhadores do tempo livre (seguem-se: profissionais não-qualificados, pedagogos, turismólogos, psicólogos e terapeutas ocupacionais). Essa realidade influencia sobremaneira o imaginário da comunidade sobre o que seja lazer ou inclusive até mesmo a própria intervenção dos profissionais formados em outros cursos. Não é de se admirar que a maioria dos consultados prefere ser denominada de professores ou promotores a ser identificada como animadores sócio-culturais ou recreadores/recreacionistas. (PIMENTEL, PEREIRA, CARVALHO et. al.; 2001) Um dado que justifica a impressão de não haver empatia com as identificações específicas do lazer, é o fato de parcela significativa desses profissionais também atuar em pré-escolas, escolas ou centros esportivos, havendo poucos se dedicando exclusivamente ou mesmo predominantemente à animação sócio-cultural ou recreação. Em adição, a predominância de ações relacionadas aos conteúdos físicoesportivos obscurece parcialmente, na práxis, a noção de totalidade do lazer. Relato de um caso de formação profissional para o lazer Dada a realidade supramencionada, se emula em prol da formação de profissionais para o lazer. Em Maringá, interior do Paraná, disciplinas relacionadas ao lazer e recreação, como formas de saber voltado à intervenção, existem no Centro Universitário de Maringá (cursos de Educação Física, Pedagogia e Turismo/Hotelaria), nas Faculdades Nobel (Turismo, com ênfase em eventos) e da Universidade Estadual de Maringá (curso de Educação Física). Para os fins e limites do presente escrito, se fará juízo crítico da disciplina Recreação e Lazer do curso de Educação Física do CESUMAR.215 A disciplina ‘Recreação e Lazer’ está inserida no primeiro ano, com 120 horas anuais, dentro do núcleo comum para licenciatura e bacharelado. Conforme Oliveira (2001) o curso pretendia oferecer o bacharelado em Recreação e Lazer, no qual haveria ainda outras sete disciplinas de aprofundamento, afora quatro disciplinas optativas, à escolha dos alunos, também de aprofundamento. Para o autor, a formação de bacharéis para o lazer se justifica na região não somente por se constituir “um mercado a ser desbravado e consolidado, trata-se, acima de tudo, de oferecer à população um serviço de qualidade e que provoque uma melhor qualidade de vida” (OLIVEIRA; 2001, p. 02). Visando sensibilizar o acadêmico para tal perspectiva, ementa de Recreação e Lazer compreende o estudo das relações existentes entre a Educação Física e o Lazer enquanto práticas historicamente situadas no contexto social. A manifestação do lazer e sua especificidade em diferentes campos de atuação. Fundamentação e processos didáticos necessários ao ensino, planejamento, organização e avaliação dos conteúdos culturais do lazer. O Conhecimento articulado na disciplina inclui-se entre um dos saberes necessários à formação específica do profissional de Educação Física. Os objetivos são propostos visando: 1) Apresentar as principais manifestações lúdicas, sob a forma de jogos e atividades recreativas, e os processos pedagógicos pelos quais elas são inseridas ou reinventadas nos contextos de intervenção 215 . O CESUMAR foi transformado em centro universitário em 2001, sendo a instituição fundada como faculdade isolada em 1990. O curso de Educação Física existe desde fevereiro de 2000. 304 da Educação Física/Lazer; 2) Gerar competências para formulação, apresentação e direção de projetos e programas de lazer; e 3) Investigar as implicações das correntes teóricas sobre lazer na práxis profissional. Percebe-se por esses objetivos que, compreendendo a dinâmica social, a disciplina precisa ser estruturada numa perspectiva de instrumentalizar o acadêmico para intervir com conhecimento, criticidade e criatividade. É importante ressaltar o intercâmbio entre ação-reflexão, evitando a célebre dicotomia teoria e prática visto que ambos fazem parte de um mesmo processo. Dito de forma metaforizada seria imprudência fornecer as ferramentas sem que sejam criados os óculos, sem os quais se ficaria míope perante uma realidade sempre em transformação. Aliás, conforme o pensamento dialético, o mundo é movimento. Portanto, não é de hoje que tudo muda a todo o momento. Historicamente desenvolvida no interior do curso, a Recreação/Lazer ganha peso na modernidade com: 1- a (re)descoberta do valor pedagógico da recreação no ambiente escolar (duplo aspecto educativo do lazer); e 2- o aumento do tempo livre na sociedade urbana contemporânea (O que fazer nesse tempo? Como enriquecê-lo de propostas? Quais competências devem dominar o profissional liberal envolvido nessa área?). Nesse sentido, os saberes trabalhados na disciplina visam a qualificação tanto para o campo de atuação específico do lazer, quanto a outras áreas que transversalmente se utilizam desses conhecimentos. O grau de complexidade da temática somado ao aumento na produção científica sobre o assunto, exige uma formação densa do graduando para que este possa atuar na sociedade, portanto um conhecimento crítico e atualizado juntamente à capacidade de intervir no tempo livre. Para tanto, a disciplina foi estruturada em quatro módulos, obedecendo à periodização bimestral. Em se tratando de alunos que poderiam tanto optar, passados os dois primeiros anos com núcleo comum, tanto pelo bacharelado (Lazer) quanto pela licenciatura (Escola) a disciplina precisa ser abrangente. Afora isso, no primeiro momento é inevitável tratar de teorias comuns a outras disciplinas, mas que são prérequisitos à compreensão de tópicos específicos(?) do saber(?) historicamente produzido no campo(?) da Recreação(?) e Lazer.216 Neste sentido, a unidade I encima-se sobre a “Educação Lúdica” nas suas diversas interfaces com a licenciatura em educação física. São tratadas questões como principais conceitos e classificações relacionadas ao jogo/lúdico; o brinquedo na cultura e na infância e o jogo como conteúdo e meio no processo sócio-educativo. No primeiro bimestre, duas avaliações ganham destaque na vivência lúdica dos alunos: a produção de um brinquedo e a (re)criação de um jogo/brincadeira. Porém, o teste escrito, composto de questões abertas (nas quais são citadas situações reais e solicitadas sua interpretação com base em determinada teoria) revela a dificuldade do aluno superar a “educação bancária” herdada do ensino tradicional (decorar). A unidade II parte para discutir as técnicas de recreação, fazendo um movimento da teoria da prática à prática da teoria. Percebe-se que, para o senso-comum dos acadêmicos é a partir do segundo bimestre que a especificidade da disciplina tem seu início. Ocorrem vivências diversas (gincana, acantonamento, sarau, caça ao tesouro, entre outros), buscando estratégias de animação sócio-cultural e recreação escolar, bem como o pensar sobre atividades sistematizadas de lazer, deflagração de ação em equipamentos de lazer e etapas da construção de projetos. Os alunos começam a participar de eventos comunitários, tendo de produzir relatórios fundamentados. 216 . As interrogações em parênteses se referem à dificuldade em precisar se o lazer é ou será campo com saberes específicos e se a recreação pertenceria aos estudos do lazer. 305 O entendimento dos Estudos do Lazer é tema da terceira unidade. Somente então são trabalhados mais pormenorizadamente os fundamentos teóricos do lazer, tais como histórico, conceitos, classificações e áreas temáticas de estudo (lazer e... saúde, meio ambiente, minorias, trabalho, ...). Nesse período, os acadêmicos são encarregados de produzirem levantamentos exploratórios sobre determinada relação com o lazer, havendo, posteriormente, um seminário aberto ao público, no qual são apresentados os trabalhos dos grupos. O seminário busca abrir a curiosidade acadêmica para a pesquisa de iniciação científica, sendo útil para o aluno se situar como afim ao conhecimento sistematizado, aderindo à iniciação científica e grupos de estudo. Para ilustrar a ocorrência do seminário de estudos do lazer, em 2003 foi selecionada a temática ‘lazer e religião’, na qual cada grupo coletou dados (questionário estruturado, observação e entrevista) e leu sobre uma denominação. Foram produzidos relatórios na forma de artigo e apresentados trabalhos no formato pôster. O último bimestre de Recreação e Lazer no CESUMAR procura conciliar as discussões acadêmicas, tratadas no bimestre anterior, com a intervenção setorial no lazer. Logo, além de refletir sobre a formação e atuação profissional, são observados nichos de intervenção, tais como empresas, hospitais, parques temáticos, movimentos sociais, hotéis, igrejas e clubes. Além de terem de dar conta de dimensionar pela escrita o conhecimento acerca dessas diversificações, se avalia o aprendizado desse período com o planejamento, execução e reflexão de um evento temático de lazer, voltado para a comunidade conforme consensualmente estabelecido por cada grupo junto ao docente. Considerações finais Os desafios na formação profissional para o lazer em cursos de Educação Física, no interior da disciplina, apontam para necessária qualificação em três dimensões do saber: experiência cultural, densidade teórica multidisciplinar e competência instrumental. Esses aspectos, interagidos à dimensão ética e estética, são considerados capitais à formação profissional no lazer. Ao desencadear tal processo, imperativo se faz provocar a fome, a vontade e o desejo em educandos nos quais, via de regra, já se incrustaram noções de bom gosto, bom senso e bons modos deletérios à dinâmica cultural. Referências GRAMSCI, A. Concepção dialética da história. 13 ed. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1978. OLIVEIRA, A. A. B. de. Projeto pedagógico do curso de educação física: CesumarMaringá/Paraná. Iniciação Científica Cesumar. v. 3, n. 1, mar./jul. 2001. PIMENTEL, G. G. de A. PEREIRA, F. K.; CARVALHO, J. E. et. al. Proposições metodológicas para diagnóstico dos profissionais do lazer no estado do Paraná. Anais do Encontro Nacional de Recreação e lazer, 13. Natal : CEFET, 2001. [cd] 306 A VIVÊNCIA LÚDICA EM HOSPITAIS: REFLEXÕES SOBRE AS POSSIBILIDADES DE ATUAÇÃO COM CRIANÇAS PORTADORAS DE CÂNCER Prof. Dr.Hélder Ferreira Isayama217; Acads. Alexandre Silva Oliveira, Claudia Heringer Henriques, Claudia Meira Alves Simão, Edson Soares Medeiros Filho, Flavia da Cruz Santos, Lucas de Ávila Carvalho Mortimer, Marcos Filipe Guimarães Pinheiro, Gleidson Gomes de Souza, Renata Lane de Freitas Passos, Rodrigo Gonçalves Cata Preta, Talles Marques Trivelato, Thiago Assad Cury, Túlio Campos218 Universidade Federal de Minas Gerais RESUMO: O objetivo deste trabalho foi refletir sobre as possibilidades de vivências lúdicas em hospitais, com crianças portadoras de câncer. Em contraposição aos sentimentos que normalmente são gerados nos recintos hospitalares, um ambiente onde prevalece o lúdico, pelas características que possibilita, se torna um campo fértil para o afloramento de um estado emocional agradável, que gere prazer. Através das interações nesse ambiente, é importante que se crie condições que abram espaços para relações afetivas construtivas, no qual as crianças portadoras de câncer possam ser tratadas com atenção, carinho e respeito, sendo incentivadas a adotar atitudes semelhantes com as demais pessoas envolvidas. PALAVRAS-CHAVES: lúdico, criança, câncer. Pensar o brincar, a brincadeira e o jogo no espaço hospitalar não é uma tarefa fácil. Para muitas pessoas há uma incompatibilidade entre esses temas, o que dificulta a ampliação de projetos interdisciplinares que ampliem as vivências lúdicas nos hospitais. O objetivo deste trabalho é refletir sobre as possibilidades de desenvolver vivências lúdicas no ambiente hospitalar, com crianças portadoras de câncer, tendo em vista o direito desses sujeitos ao brincar. Quando pensamos no lúdico, é comum nos remetermos a uma fase do desenvolvimento humano que é a infância. Embora saibamos que o lúdico acompanha os seres humanos ao longo de suas vidas, é na infância que ele se manifesta com maior intensidade. Assim, WERNECK (1997) nos fala que a infância representa uma fase da vida que deve ser aproveitada e vivida da melhor maneira possível, abrindo possibilidades diferenciadas de lidar, de forma crítica, criativa e prazerosa, com o próprio corpo, com o corpo do outro e com o corpo do mundo, ampliando o universo gestual. Nesta perspectiva, a vivência lúdica é fundamental para a criança, pois representa um espaço para o seu reconhecimento enquanto sujeito que decide, tem autonomia, repensa ações, aprende a respeitar as regras construídas coletivamente pelo grupo, avalia e busca alternativas críticas e criativas para os problemas que surgem no cotidiano. No entanto, o que observamos em nossa sociedade atual, é o entendimento de que a criança é um sujeito que deve ser preparado para uma vida futura. Muitas vezes, falar da criança parece ser o mesmo que falar do futuro, como se ela fosse um “projeto” de adulto, o que PERROTI (1982) chama de visão adultocêntrica: 217 . Professor da Escola de Educação Física da UFMG; Coordenador Administrativo do CELAR/UFMG; Membro do Grupo de Pesquisas em Lazer (GPL/Unimep). 218 . Discentes do Curso de Educação Física da UFMG; Integrantes do Grupo de Estudos sobre Educação Física e Lazer do CELAR/UFMG. 307 Essa visão adultocêntrica do que seja uma criança é redutora. Nela a criança é apenas um ‘vir-a-ser’, um ‘futuro adulto’. Este, por sua vez, não é jamais alguém em transformação constante. Tudo se passa como se ao atingir um estágio determinado o ser humano estivesse condenado a cristalização (p.12). São várias as causas que levam a ocorrência desse problema, como por exemplo a restrição dos espaços disponíveis para a realização de diferentes atividades; a industrialização dos brinquedos; as obrigações e o trabalho dos pais que interferem no brincar das crianças, mas, segundo MARCELLINO (1996), talvez, o principal motivo para a ocorrência do “...furto do lúdico na infância esteja baseado na crença de que a criança, considerada como um ‘adulto em miniatura’, tenha como finalidade única de existência, a preparação para o ‘futuro’, preparação que se contrapõe ao mundo dos jogos, brinquedos e brincadeiras, privilegiando a vivência do presente, do aqui e agora (p.37). E esta é uma situação grave encontrada em qualquer faixa da população, tanto em classes de menor poder aquisitivo quanto nas demais camadas de melhor situação econômica, ou mesmo, com crianças que passam os seus dias no hospital lutando contra diferentes doenças. Assim, acreditamos que a criança tem o direito de viver o presente relativo ao tempo da infância, experimentando o mundo, descobrindo-o e ressignificando-o. Repensar essa concepção de criança e de infância é repensar também a importância do brincar e do sonhar. Para a minimização das barreiras enfrentadas pelas crianças que passam por tratamentos em hospitais é necessário o conhecimento da realidade desses sujeitos. Em virtude do tratamento, ocorre uma interrupção da vida cotidiana dessas crianças, o que geralmente provoca modificações não apenas no seu desenvolvimento pedagógico, mas também na vivência da ludicidade. Desde o seu diagnóstico, o câncer carrega consigo possibilidades de perdas e de morte. Muitas vezes o diagnóstico é feito tardiamente, sendo então a criança encaminhada ao centro de tratamento com doenças já em estágio avançado. Assim, antes passar pelo tratamento ambulatorial a criança foi submetida a vários exames e em alguns momentos, por um longo internamento. Somada à perspectiva de morte, a doença e a própria intervenção terapêutica ocasionam grande impacto na vida da criança e de seus familiares. A criança vivencia uma nova e difícil situação que lhe traz medo e significativas perdas relacionadas à internação. Afastada de seu lar, escola e amigos ela depara-se com uma realidade desconhecida e mesmo hostil, quando o ambiente hospitalar em nada atende sua condição de criança no que diz respeito as suas necessidades sociais, culturais, afetivas, educacionais, recreativas (COSTA et al.,1997. p.99). Diante deste quadro, embora a criança tenha sido diagnosticada com uma doença grave e devastadora, não perde a sua condição de criança, tendo igual necessidade de brincar e se divertir. Mesmo quando acometida pelo mal estar e outras limitações, o interesse por atividades lúdicas é mantido e torna-se motivo de superação de dificuldades. Neste contexto, a promoção de atividades lúdicas no ambiente hospitalar apresenta-se como uma possibilidade de atenção integral à criança e seus anseios possibilitando a ela, mesmo estando internada, apropriar-se de elementos próprios da cultura lúdica e ter atendido seu direito e necessidade de brincar (reconhecidos por leiCNDCA,1995). Além disso, esta sensibilidade à criança enquanto sujeito, pode proporcionar uma vivência mais favorável desta fase, prevenindo ou reduzindo a ocorrência de traumas em função da própria internação. A este respeito, Biermann 308 citado por DUARTE (1997) aponta que a hospitalização em função de seu impacto emocional pode se constituir, em alguns casos, num risco igual ou maior que aquele que a própria doença originou. A vivência lúdica tem, ainda, o potencial de promover uma ressignificação cultural deste espaço, da hospitalização em si, da própria doença, e de vários paradigmas presentes nas ações de atendimento hospitalar como dualidade mente-corpo e o conceito de saúde restrito ao aspecto biológico, tornando mais humanas as ações de atendimento à saúde. Além disso, entendemos que as vivências lúdicas no ambiente hospitalar – espaço desconhecido e gerador de muitas incertezas e medo – podem e devem auxiliar no resgate da infância dessas crianças que fica, muitas vezes, prejudicada pela doença. No entanto, esse trabalho não tem como objetivo “amenizar” esse quadro, mas para despertar novas possibilidades para a vivência da infância e para o desenvolvimento pessoal e social desse grupo, por meio de intervenções lúdicas. Em nossa abordagem, não pretendemos tratar as vivências lúdicas desenvolvidas dentro do espaço hospitalar como se fossem algo a-crítico e descontextualizado, difundindo a mera idéia de ocupação do tempo das crianças que freqüentam esse ambiente. Dessa forma, destacamos a possibilidade de que o ambiente hospitalar se apresente como um espaço onde as pessoas possam relacionar-se umas com as outras, onde elas possam transcender os valores estabelecidos ao longo do tempo, onde seja permitido vivenciar a alegria, o prazer e o lúdico que não são próprios desse espaço. Assim, entendemos que este espaço é capaz de "desconstruir" seu caráter "frio e solitário" e propiciar às crianças hospitalizadas o mundo delas, tornando-se um local de encontro com o outro, onde as vivências, as convivências e as descobertas possam representar atividades que tenham relevância para o seu mundo, através de experiências que lhes propiciem satisfação e prazer. Referências COSTA, C. C. et al. Atendimento Interdisciplinar da criança com câncer e sua família. In: CECCIM, R. B.; CARVALHO, P. R. A. (org.) Criança Hospitalizada: Atenção Integral como Escuta à Vida. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1997. DUARTE, G.A.; MORSELLI, R.; SIKILERO, R. H. A. S. Recreação: uma proposta terapêutica. In: CECCIM, R. B.; CARVALHO, P. R. A. (org.) Criança Hospitalizada: Atenção Integral como Escuta à Vida. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1997. MARCELLINO, Nelson C. Estudos do lazer: uma introdução. Campinas: Autores Associados, 1996. PERROTI, Edmir. A criança e a produção cultural: apontamentos sobre o lugar da criança na cultura. In: ZILBERMAN, Regina (Org.). A produção cultural para a criança. Porto Alegre: Mecardo Aberto, 1982. p. 9-27. WERNECK, Christianne L. G. A criança e o esporte: o lúdico como proposta. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, 18 (2), p.103-110, janeiro, 1997. 309 LAZER E ATIVIDADES FÍSICAS DE AVENTURA NA NATUREZA: RELAÇÃO ENTRE PRATICANTES E O MEIO AMBIENTE219 Acad. Juliana Almeida Nahas CELAR/EEFFTO/UFMG RESUMO: A busca por uma opção de lazer diferenciada está cada vez mais presente em nossa sociedade, e com isso, tem crescido a demanda pelas atividades físicas de aventura na natureza. No entanto, com a problemática ambiental que está presente em nosso contexto, essas atividades não poderiam ficar de fora dessa discussão. Procuro com este estudo, analisar como estão sendo estabelecidas as relações entre os praticantes e o meio em que as atividades são praticadas, e o que se tem feito para minimizar os problemas acarretados por elas. PALAVRAS-CHAVES: lazer, natureza, aventura. As atividades de esporte e lazer na natureza vêm sendo, há pouco tempo, bastante difundidas, principalmente as que envolvem uma certa “aventura”, como rapel, rafting, escaladas e outros, e por isso resolvi ler mais sobre o assunto. Ao procurar artigos que falassem sobre essas atividades, percebi que, apesar da grande divulgação feita através da mídia, existem poucas publicações específicas sobre o tema. Isso demonstra uma certa escassez de estudos e reflexões sobre estas práticas na realidade brasileira. Além disso, os poucos artigos que encontrei, são em sua maioria do Grupo de Estudos Lazer e Cultura (GLEC), pertencente a Unicamp, sob a coordenação da Profa. Dra. Heloisa Brunhs. O grupo vem trazendo diversas reflexões à cerca do lazer e suas relações com o meio ambiente, numa abordagem sociocultural. As atividades praticadas no meio natural têm especificidades, mas o que elas trazem em comum é o fato de se utilizarem os elementos naturais na busca das sensações de prazer, risco e aventura. É fácil perceber que não há um consenso a respeito dos termos a serem utilizados para definir estas atividades, e por isso optei por analisá-los melhor antes de adotar algum. A maioria deles faz referência à estas atividades classificando-as como esportes, mas BETRÁN (2003), apresenta uma discussão relevante sobre o assunto. Ressalta que no período da modernidade, quando prevalecia a sociedade industrial, o esporte era a prática social mais relevante e o símbolo cultural, nesse contexto. Mas a prática de atividades físicas de aventura na natureza é mais recente, entendida como atividade característica do período pós-moderno. BETRÁN (2003) utiliza o termo Atividades Físicas de Aventura na Natureza (AFAN), pois consegue se referir a todo universo de práticas sem tomar como base uma característica específica, que pode ocorrer em algumas atividades e em outras não, e é esse o termo que será utilizado nesse estudo. Acredito que vários fatores foram responsáveis pelo surgimento dessas práticas, como a necessidade do homem de transpor desafios, superar limites e a curiosidade pelo desconhecido. Além disso, a busca por um contato mais íntimo com a natureza tem se intensificado a cada dia, seja para o lazer, trabalho, consumo, descanso, pesquisa ou várias outras possibilidades. Tudo isso, juntamente com a tecnologia que se desenvolve cada vez mais rápido, possibilitou um avanço na prática das atividades na natureza. A possibilidade de 219 . Este trabalho está sendo realizado em forma de monografia, e será entregue no final do curso de graduação. 310 realizá-las, tendo um risco calculado, faz com que a grande maioria das pessoas se sintam capazes de praticá-las, o que contribui bastante para a difusão dessas atividades. Nos dias de hoje pode se perceber uma valorização maior do tempo de lazer, o que faz com que as pessoas busquem os mais diversos tipos de atividades, tornando esse mercado cada vez mais diverso. Nos dias de hoje, há uma crescente tendência de esportivização destas práticas, através das chamadas raids de aventura, ou corridas de aventura, que já são difundidas em todo o mundo. Consistem em eventos onde vários grupos competem entre si, tendo que percorrer uma determinada trajetória, realizando diferentes atividades no meio natural, como rappel, rafting, escaladas, trekking e outros. Os eventos podem durar horas ou dias, e ganha quem primeiro completar o circuito. O sistema esportivo tem exercido uma enorme influência em quase todas as práticas recreativas, fazendo principalmente com que elas tenham caráter competitivo. BETRÁN (2003) esclarece que: [...] deve-se assinalar que as AFAN nascem como uma alternativa ao sistema esportivo, com atividades que são de natureza distintas das atividades esportivas. Na linha do paradigma ecológico, suas práticas fundamentam-se na utilização de um modelo corporal hedonista, e em um contato direto com o meio natural, no qual o corpo é um fim em si mesmo, depositário de emoções e aventuras (fictícias e idealizadas, que dependem das expectativas dos praticantes), diametralmente diferente do modelo corporal ascético (baseado no esforço esportivo), no qual o corpo é um meio para conseguir a vitória. (p.170). Apesar desse contraponto, não se pode desconsiderar as raids de aventura ao se estudar sobre o assunto, uma vez que a busca por elas tem se intensificado, e o público tornado bastante significativo. A crescente procura da população à essas práticas, em contraposição ao fato de se ter poucos estudos, me traz uma preocupação a respeito do sentido que essas práticas estão adquirindo em nossa sociedade. Uma grande demanda requer, na minha opinião, estudos que fundamentem essas práticas e orientem as pessoas para o tipo de relação que deve ser estabelecida entre eles e o meio em que essas atividades são praticadas. Para se entender como essa relação acontece, é de extrema importância discutir sobre o significado que a natureza vem tomando nos diferentes espaços. VANREUSEL citado por MARINHO (1999), expõe o fato de que a natureza tem o seu significado redefinido de acordo com os interesses da sociedade e, segundo o autor, isso acontece fora de uma abordagem ecológica, e mais próximas de uma abordagem econômica. MARINHO (2001), também afirma que: [...] a natureza veiculada pela mídia, parece estar sendo vendida pelo mercado de imagens e pelas indústrias de entretenimento como um “mito”, sendo transformada, a cada dia, em um reduzido símbolo de consumo (p.144). Essa idéia é trazida para as atividades físicas de aventura na natureza, a partir do momento que o meio é encarado como um mero local de atividades, que é utilizado somente para servir aos prazeres dos praticantes. A natureza é então levada a um segundo plano, sendo redefinida como “um ambiente coincidentemente útil e agradável, atrativo e conveniente para as atividades esportivas” (MARINHO, 2001. p.144). Não acredito que a natureza tenha que ser um espaço intocável e isolado. Uma visão como essa mostra que “mesmo que os seres humanos sejam “naturais” e a 311 vida em si seja natural, a natureza como um todo tem sido considerada de maneira exterior aos homens e à sociedade” (MARINHO, 1999) O importante seria encontrar um ponto de equilíbrio entre a relação com o natureza e a preservação do meio ambiente. O que pretendo com este estudo, é justamente analisar que tipo de relação está sendo estabelecida entre os praticantes de atividades físicas na natureza e o meio onde estas são realizadas, e qual é a preocupação com a minimização dos problemas acarretados. Para este estudo utilizarei uma combinação entre pesquisa bibliográfica, tendo como técnica a revisão de literatura, e a pesquisa de campo, através de uma entrevista semi-estruturada e, utilizando para análise dos dados, a técnica de análise de conteúdo proposta por TRIVIÑOS (1987). Qualquer atividade que seja realizada na natureza traz algum tipo de impacto. Algumas mais que outras dependendo da intensidade, da freqüência, do número de participantes, do uso ou não de motores e outros fatores. Isso não é motivo para abandoná-las ou repudiá-las, mas sim para estudar a melhor maneira de se conviver e solucionar estes problemas. Referências BETRÁN, J. O. Rumo a um novo conceito de ócio ativo e turismo na Espanha: as atividades físicas de aventura na natureza. In: BRUHNS, H. T.; MARINHO, A. (org.) Turismo, Lazer e Natureza. São Paulo: Manole, 2003, p.157-202. BRUNHS, H. T. Lazer e meio ambiente: A natureza como espaço da experiência. Revista Conexões: educação, esporte, lazer. Campinas, n. 2, p.7-26, Dez, 1999. MARINHO, A. Do Bambi ao Rambo ou vice-versa? As relações humanas com (e na) natureza. Revista Conexões: educação, esporte, lazer. Campinas, n. 2, p.33-41, Dez, 1999. MARINHO, A. Lazer, natureza e aventura: compartilhando emoções e compromissos. Revista Brasileira de Ciências dos Esportes, v. 22, n 2, p.143-156, jan, 2001. TRIVINÕS, A N. S. Introdução à pesquisa em Ciências Sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987. 312 SIGNIFICADOS DE LAZER EM UM CLUBE DE BELO HORIZONTE220 Profa. Juliana Martins e Mendonça221 Profa. Daniela do Couto Bemfica Antonini222 Profa. Lílian Del-Gáudio Maciel223 Profa. Lívia Carvalho Ferraz224 Profa. Marina Pacheco Simião225 RESUMO: O artigo apresenta um estudo num clube de Belo Horizonte, buscando entender como o lazer vem sendo trabalhado nesse espaço, que é um ambiente voltado para a recreação, para o descanso, para a prática de esportes (formação de atletas), relações sociais e até mesmo obtenção de status. O principal objetivo do trabalho foi compreender em meio a nossa sociedade contemporânea, como se apresenta o lazer em um espaço destinado a ele, o clube. PALAVRAS-CHAVES: lazer, clube. Vivemos em uma sociedade que tende a encaminhar as suas ações ao consumo exacerbado de bens e produtos. Neste sentido, observamos que alguns agentes socializadores, (por exemplo, os meios de comunicação em massa) são responsáveis por definir um estilo de vida baseado em modismos. A sociedade do consumo é marcada pela busca constante de novas fontes de renda para que assim possam ser realizados os desejos de consumo dos indivíduos, entre eles o próprio lazer. É uma relação ambígua já que podemos perceber um ciclo formado: trabalha-se cada vez mais para obter um padrão de vida, por muitas vezes não usufruído pela falta de tempo. Tempo esse que só será adquirido em um momento de stress ocasionando o “uso” do lazer como válvula de escape, status ou ainda em um tempo de férias dando uma conotação de um lazer temporário. É uma sociedade que entende o lazer como mais uma possibilidade de consumo exacerbado a partir de uma necessidade vinculada às dificuldades vividas na esfera do trabalho ou pela necessidade da moda. O lazer é visualizado como algo supérfluo ou como meio para um consumo desenfreado. No entanto, WERNECK (2001) afirma que apesar do lazer ser uma possibilidade que ser implantada por uma lógica mercantilizada, deve ser contextualizada para que se perceba sua importância para os sujeitos. A mobilização da “indústria do lazer” está não só em qualificação dos recursos humanos como também na produção de novos espaços e na melhoria dos já existentes. No entanto, o desenvolvimento dessa produção e melhoria pode ser influenciado pela visão de consumo, que pode ser entendido, segundo Bourdieu apud Bruhns (2001, p.85) como “práticas nas quais se experimentam realidades que não são necessariamente parte de vida social tal como ela é, não apenas contraponto ou reforço 220 . O trabalho foi desenvolvido com a ajuda do professor Hélder Ferreira Isayama, coordenador administrativo do CELAR/DEF/UFMG. 221 . Graduada em Educação Física pela UFES. E-mail: [email protected]. 222 . Graduada em Educação Física pela UFMG. E-mail: [email protected]. 223 . Graduada em Turismo pelo Unicentro Newton Paiva, BH - MG. E-mail: [email protected]. 224 . Graduada em Educação Física pela UFV. E-mail: [email protected]. 225 . Graduada em Turismo pela PUC-Minas. E-mail: [email protected]. 313 ideológico das formas dominantes de diferenciação social, mas a tematização e experiência temporária de possibilidades imaginadas, que se vislumbra ou se deseja”. Não podemos desprezar essa visão, mas também se restringir a ela significa reduzir a sociedade apenas a um aspecto da vida humana e, nesse ponto concordamos com WERNECK et al (2003) quando afirma que o lazer sofre influência de sete fatores, sendo eles: valores pessoais e sócio-culturais, educação, condição sócio-econômica, características geográficas, segurança, infra-estrutura e faixa etária. Estes fatores podem ser encontrados nos setores públicos, privados e ainda no terceiro setor, sendo que em todos o lazer pode ser trabalhado numa perspectiva crítica e criativa ou de consumo, procurando buscar um equilíbrio entre essas duas esferas. Partindo do pressuposto que clube é uma “sociedade recreativa ou esportiva”, ou ainda, “um local de lazer”.(MELHORAMENTOS, 1992. p.111), ele seria um exemplo de tal equilíbrio, já que, mesmo sendo uma instituição particular, visa proporcionar a satisfação da vivência do lazer aos seus associados. É importante perceber que os clubes possuem outras características. Além de ser um ambiente voltado para o lazer, também existe prática de esportes (formação de atletas), relações sociais e obtenção de status. A maioria deles oferecem “escolinhas” esportivas onde os associados aprendem a prática de um esporte e tendo destaque podem tornar-se atletas do próprio clube. Sendo assim, o clube também é um ambiente favorável às relações sociais através da interação dos associados na prática de esportes e na própria vivência no espaço. O presente trabalho foi elaborado a partir de uma pesquisa realizada na disciplina Lazer e Mercado integrante do currículo do VI Curso de Especialização em Lazer, da UFMG, e tem como objetivo analisar como os significados de lazer em um clube da cidade de Belo Horizonte. A metodologia utilizada foi a combinação da pesquisa bibliográfica com a pesquisa de campo, composta por entrevista semi-estruturada com o coordenador de Lazer e observação do espaço. Pudemos perceber ao realizar esse trabalho, que o clube estudado é muito mais que um espaço de lazer, é praticamente uma “grande empresa” que visa através do desenvolvimento do esporte, do lazer e da cultura, satisfazer os associados que são os mantenedores da instituição. Nessa perspectiva, o clube visa integrar seus sócios e promover atividades de Lazer - que como cita Stoppa; Isayama (2001), na atualidade é representado pela incessante busca pelo divertimento - que se concretiza através dos projetos realizados por essa instituição. Alguns projetos do clube envolvem os próprios sócios na sua construção, fator positivo para o sucesso das atividades, um exemplo disso é o projeto que visa atender os idosos. Nesse projeto eles participam da organização das ações de Lazer. O clube não proporciona apenas este projeto de 3ª idade, mas se envolve também em projetos visando outras faixas etárias e ainda a arte, a dança, o turismo, a música, e palestras acerca de diferentes temas, sendo que, infelizmente, não são todos os projetos que tem a colaboração dos participantes na organização de suas ações. Tais projetos apresentam notadamente a presença de um processo antagônico no desenvolvimento das ações realizadas no clube, por exemplo quando proporciona oportunidades àqueles mais necessitados com suas escolinhas de esporte voltadas para crianças carentes onde prevalece o caráter assistencialista, mas que, não podemos negar que é uma ação interessante em meio a tantas diferenças em nossa sociedade. Evidenciando ainda mais estes antagonismos podemos citar, contrapondo a 314 visão assistencialista, o projeto que inclui exposições de arte, aberta ao público na galeria de artes do clube, sendo esta iniciativa oportunidade ótima de Lazer. Essa visão dúbia, não acontece apenas no clube, mas também em outras dimensões do Lazer. Segundo Marcellino (2001), de um lado, quase predominante, há uma corrente que enfatiza o lazer como mercadoria – simples entretenimento que objetiva desviar a atenção das pessoas, consideradas apenas como consumidoras de mais um serviço – ajustando e ajudando os indivíduos a conviverem com as injustiças da sociedade. Na outra corrente, o lazer é apresentado como gerado social e historicamente, possibilitando o desenvolvimento de valores e colaborando com a formação dos indivíduos. Neste sentido, as duas perspectivas podem coexistir em uma mesma instituição conforme observado no clube. As atividades desenvolvidas pelo clube buscam proporcionar uma variedade de interesses culturais, proporcionando o desenvolvimento e o exercício de diferentes capacidades e ampliando as possibilidades de lazer dos associados, conforme discute Marcellino (1995). De acordo com Werneck; Isayama (2001), o que se nota é a ocultação das diferenças sociais e a presença de uma visão distorcida da realidade, que é amplamente veiculada pela ideologia contemporânea, encarregada de reduzir a sociedade a uma imensa organização funcional. É preciso que o lazer seja trabalhado visando a colaborar com a construção de uma nova realidade no clube, como cita Werneck e Isayama (2001). Porém desde que não seja considerado um fenômeno isolado, mas como um dos elementos que integram uma complexa trama de interações, para que possa ser promissor não pela lógica do mercado, mas originado de uma experiência cidadã, ampliando as chances de que as práticas de lazer constituam canais de resistência, mobilização e engajamento político. Para tanto, precisa-se vislumbrar perspectivas de ação e de inserção profissionais baseadas nesses pressupostos. Contudo, essas perspectivas parecem estar distantes dos objetivos deste clube, pois, apesar de não ter sido possível a análise sobre a ação profissional, percebemos não haver uma preocupação em sequer contratar profissionais com formação na área do Lazer. Com isso, não vemos, pelo menos, por enquanto, uma possibilidade de ser trabalhado o lazer, o esporte e a cultura num âmbito crítico de forma a auxiliar na construção de uma perspectiva cidadã. Referências BRUNHS, H. T. Introdução aos Estudos do Lazer. Campinas: Unicamp, 2001. MARCELLINO, N. C. Lazer e Humanização. Campinas: Papirus, 1995. MARCELLINO. N. C. (org.) Lazer e Esporte – políticas públicas. Campinas: Autores Associados, 2001. WERNECK, C. L. G., STOPPA, E. A e ISAYAMA, H. F. Lazer e Mercado. Campinas: Papirus, 2001. WERNECK, C. L. G. Significados de recreação e lazer no Brasil: Reflexões a partir da análise de experiências institucionais (1926-1964). Belo Horizonte: Faculdade de Educação/UFMG, 2003. (Tese, Doutorado em Educação). MELHORAMENTOS, Minidicionário da língua portuguesa. 1.ed. São Paulo: Melhoramentos, 1992. MINAS TÊNIS CLUBE. Belo Horizonte, 2003. Disponível na internet:: <www.minastenisclube.com.br> 315 EDUCAÇÃO INFORMAL E O LAZER: UMA ANÁLISE DO IMPACTO SOCIAL DO PROJETO ESPORTE CIDADANIA/SESC RIO DE JANEIRO NO RENDIMENTO ESCOLAR DOS ALUNOS DAS ESCOLAS MUNICIPAIS DE NOVA IGUAÇU Profa. Carla Tavares Prof. Gilberto Fugimoto SESC/Rio de Janeiro Júlio Maia F. Santos Projeto Esporte Cidadania / SESC-Rio de Janeiro Grupo de Pesquisa Lazer e Minorias Sociais/EEFD/UFRJ226 RESUMO: Como pensar educação fora do âmbito institucional tradicional? Quais as discussões em torno do lazer e educação? O que se entende por educação informal? Este trabalho demonstra o impacto social do Projeto Esporte Cidadania/SESC Rio de Janeiro frente ao rendimento escolar dos alunos das Escolas Municipais Heitor Dantas, Mascarenhas de Moraes e Ornélia Lipe Assumpção, todas situadas na cidade de Nova Iguaçu. Nossa discussão permeia os conceitos de lazer e da educação informal no sentido de ação educativa, ao agente e àquilo que educa (CARRANO, 2003). Ao fim, procura-se argumentar sobre este processo formativo que ocorre informalmente com alunos, passando do impacto social gerado até a produção de um livro exclusivamente elaborado pelo público alvo em questão. PALAVRAS-CHAVES: lazer, educação informal. Introdução No conceito ampliado de educação (CARRANO, 2003), para o conjunto das práticas sociais, significa o reconhecimento da multiplicidade de fatores que concorrem para a formação das (multiplas)identidades que se configuram para os sujeitos nos processos de sociação227. Entendemos que o processo de transformação educativa das circunstâncias e de si próprio não é redutível às práticas sociais intencionalmente concebidas para educar, nem tampouco é fruto de acaso completo, mas podemos ressaltar que da materialidade da vida, as configurações sociais encontradas/evidenciadas em nosso campo de atuação (dia-a-dia do projeto) e os encontros de subjetividades estabelecem contextos que devem ser considerados com efetivamente educativos, desde uma perspectiva de educação que se amplia para além dos horizontes estritamente pedagógicos. O processo formativo adotado228 dentro do Projeto Esporte Cidadania/SESC Rio de Janeiro, segue em acordo com o pensamento de Carrano (2003), onde o mesmo relata sobre os embates e realidades a serem confrontadas: 226 Grupo de pesquisa coordenado pelo Professor Dr. Victor Andrade de Melo. Contato: www.lazer.eefd.ufrj.br. 227 . De acordo com Simmel apud Carrano (2003): “ [...] a sociação é o conteúdo, a matéria, formada pelos interesses de influenciar os outros e de ser influenciado. Sociação[...] é a forma (realizada de incontáveis maneiras difrentes) pela qual os indivíduos se agrupam em unidades que satisfazem seus interesses [...] formando assim, a base das sociedades humanas.” 228 . Uma das características de um projeto social é a necessidade de se gerar linguagens específicas de acordo com as propostas e anseios do grupo social a ser trabalhado. Nenhuma comunidade organiza-se da mesma forma, o embate entre dálogo e dialética é sempre constante. 316 [...] A realidade acentua o movimento de redes sociais que geram contextos e acontecimentos educativos, em simultaneidade com as ações de instâncias educativas tradicionais com as relacionadas com famílias e instituições escolares. As atividades desenvolvidas no tempo livre e no lazer são exemplos de práticas sociais que não são, necessariamente, vividas em contextos institucionais concebidos para educar (p. 16) Conhecendo um pouco o projeto ... O Projeto Esporte Cidadania têm como um dos principais objetivos focar suas ações dentro dos indicadores de adesão e rendimento escolar. O grupo social em questão abrange crianças e jovens em situação de risco social, na faixa etária de sete a dezessete anos. Todos residentes nas comunidades do município de Nova Iguaçu. Nossa intenção foi promover um trabalho de inserção sócio-educativo cultural, atrelando esporte, turismo, saúde e lazer229. A educação informal seria constituída pelo conjunto de processos e fatores que geram efeitos educativos sem que tenham sido expressamente configurados para este fim. Diferentemente dos setores formais e não-formais a educação informal não se caracterizaria por intervenção pedagógica intencionada e consciente. A educação informal seria composta, entretanto, de determinados processos com uma maior possibilidade de identificação dos agentes e previsão da configuração das condutas e de outros que seriam caracterizados por fatores desconhecidos e descontrolados230. Impacto na escola, impacto na atuação Diante dos argumentos utilizados percebemos que tais definições e conceitos foram notadamente percebidos em oitenta e três por cento (83%) dos alunos do Projeto Esporte Cidadania / SESC Rio de Janeiro. A pesquisa foi elaborada com trezentos e sessenta crianças (360) na faixa etária entre sete a catorze anos, inseridos regularmente no sistema de ensino público municipal das mais diversas séries no ensino fundamental. Os dados a serem analisados foram coletados via relatório elaborado pela equipe do projeto entre as unidades educacionais juntamente com o boletim de conselho de classe realizado bimestralmente pelas escolas em questão, no período do ano letivo de 2003. Os alunos apresentaram um crescimento de dezesseis pontos percentuais (16%) na elevação de seu rendimento escolar (1º bimestre: 67% acima da média de cinqüenta por cento e no 4º bimestre tínhamos 83% dos alunos acima de 50% da média escolar). Os pontos apresentados na parte contextual (a subjetividade) nos fizeram a analisar (dentro de uma categoria pré-estabelecida) a elevação do rendimento 229 . Entendem-se o lazer como o meio de democratização aos bens culturais da Cidade (Nova Iguaçu/Rio de Janeiro). Neste momento caímos em uma problemática – a ser discutida em outro momento, mas levantado o ponto das localizações de centros culturais, cinemas etc. Afastados do eixo Grande Rio/Baixada e privilegiado o eixo Centro/Zona Sul. (MELO, 2002). Para Requixa (1979, p.21), "a educação é hoje entendida como o grande veículo para o desenvolvimento, e o lazer, um excelente e suave instrumento para impulsionar o indivíduo a desenvolver-se, a aperfeiçoar-se, a ampliar os seus interesses e a sua esfera de responsabilidades". O mesmo autor (1980, p.72) sugere-nos um duplo aspecto educativo do lazer: O lazer como veículo de educação – educação pelo lazer; O lazer como objecto de educação – educação para o lazer. 230 . Um filme, sem propósitos do tema exposto em sua exibição, assim como jogos, dinâmicas e as oficinas de textos etc. Pode gerar aprendizagem e ter efeitos sobre as atitudes. Ainda que seus efeitos não podem ser gerneralizados. 317 comportamental e criativo dos alunos, culminado assim, na publicação de um livro denominado “As Nossas Pérolas”, criado e escrito pelos mesmos. Considerações finais, relatos que não se acabam ... O processo de educação informal possibilitou a inserção dos alunos aos meios de aprendizado participativo, ou seja, o aluno direto na criação e elaboração de seus potenciais, contribuindo assim, com sua auto-estima e não visto como um “revolucionário sem causa”, mas construindo sua cidadania e exercendo seu papel, enquanto agente ativo, perante a sociedade. Onde, “cada homem em particular só poderíamos encontrar a resposta em cada momento particular [...]” encontrando assim, suas respostas “[...] naquilo que o homem pode se tornar, ao dominar seu próprio destino. O homem pode [...] fazer [...] o processo de seus atos.” (GRAMSCI, 1974a) A educação informal é entendida não como algo que gera efeitos que não são formais, mas sim, como um processo formativo que ocorre informalmente (CARRANO, 2003). Referências CARRANO, Paulo C. R. Juventudes e cidades educadoras. Petrópoles: Vozes, 2003 GRAMSCI, Antonio. Obras escolhidas. Lisboa: Editorial Estampa, vol.1, 1974a MARCELLINO, Nelson Carvalho. Lazer e educação. Campinas: Papirus, 1987 MOTA, J. A actividade física no lazer - Reflexões sobre a sua prática. Colecção Cultura Física. Livros Horizonte. Lisboa, 1997 MELO, Victor A . de. A cidade, o cidadão, o lazer e a animação cultural. Licere, 2003 318 MEMÓRIA DE BRINCADEIRAS: VIVÊNCIAS LÚDICAS DE IDOSOS QUE VIVERAM SUAS INFÂNCIAS EM BELO HORIZONTE NAS DÉCADAS DE 1940-50 Acad. Larissa Assis Pinho231 Profa. Dra. Christianne Luce Gomes (Orientadora) CELAR/EEFFTO/UFMG RESUMO: Esta pesquisa de iniciação científica tem como objetivo estudar a memória de brincadeiras, através da identificação das experiências lúdicas de idosos que viveram suas infâncias em Belo Horizonte nas décadas de 1940-50. Os encaminhamentos metodológicos consistem na combinação da pesquisa bibliográfica com uma pesquisa de campo, na qual serão realizadas entrevistas semi estruturadas com idosos na faixa etária de 60 a 75 anos de idade. Assim, através da memória dessas pessoas, pretendemos investigar não a história de cada brincadeira isoladamente, mas os modos como as pessoas vivenciavam essas práticas enquanto uma experiência cultural. PALAVRAS-CHAVES: memória, brincadeiras, idosos. No início da graduação, tivemos a oportunidade de constatar a importância da inserção em Projetos e Grupos de Estudos que oferecessem novas estratégias e possibilidades de formação profissional. Assim, inicialmente, surgiu o desejo e a oportunidade de participar do Projeto Brincar232, que se organiza enquanto um tempo/espaço de trocas, de construções, de questionamentos em relação ao brincar. A nossa participação em reuniões, cursos e outras vivências junto ao Projeto, nos fizeram despertar para a relevância da brincadeira na formação sócio-cultural dos sujeitos. Afinal, é brincando e pensando sobre o brincar que se adquire consciência de sua importância (Kishimoto, 2002, p.27). Percebemos, então, que precisávamos aprofundar conhecimento sobre o tema, e passamos também a participar do CELAR233, que se organiza enquanto um grupo que pretende discutir experiências político-pedagógicas em torno da temática do Lazer. Tendo em vista nossa participação nesses dois projetos, surgiu a possibilidade de iniciar uma pesquisa que tratasse o brincar enquanto uma prática presente na história cultural da nossa sociedade. Pretendemos, então, investigar a memória de brincadeiras, dialogando com o passado e compreendendo-o enquanto experiência coletiva conservada na memória de 231 . Aluna do Curso de Graduação em Educação Física da UFMG. Bolsista de Iniciação Científica (CNPq). e-mail: [email protected] 232 . O Projeto Brincar organiza-se como um projeto que integra ensino, pesquisa e extensão na Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (EEFFTO) da UFMG. Em atividade desde o ano de 2000, o Projeto possui hoje três campos de desenvolvimento: 1) a constituição de um acervo de brinquedos e brincadeiras; 2) a intervenção caracterizada pela ação extensionista e 3) a pesquisa, que em uma vertente de investigação histórica, busca analisar as relações existentes entre as experiências de brincadeiras vivenciadas pelos sujeitos. 233 . Centro de Estudos do Lazer e Recreação da EEFFTO/UFMG. Criado em 1990, o CELAR tem como objetivo agregar alunos, ex-alunos, docentes, pesquisadores e profissionais, procurando contribuir com o aprofundamento de estudos, projetos e ações; avançar nas atividades de ensino, pesquisa e extensão universitária e abrir novas frentes de estudo e de trabalho no âmbito do lazer. 319 cada ser humano. Assim, consideramos importante esclarecer os significados entre memória e história. A memória é uma das formas de sobrevivência do passado, tanto individual quanto social. Ao passar por determinadas experiências, os indivíduos desenvolvem diferentes percepções que são construídas a partir das suas próprias escolhas, modos de ver e vivenciar aquele momento. Ao mesmo tempo, as lembranças carregam influências de representações, conceitos, preconceitos, construções estéticas, políticas e ideológicas do tempo passado e desse tempo que é hoje. Resumindo, Pela memória, o passado não só vem à tona das águas presentes, misturando-se com as percepções imediatas, como também empurra, ‘desloca’ estas últimas, ocupando o espaço todo da consciência. A memória aparece como força subjetiva ao mesmo tempo profunda e ativa, latente e penetrante, oculta e invasora.(BOSI, 1987, p.9). A história se constitui a partir do estudo das memórias, individuais e/ou coletivas, de sociedades desenvolvidas e em desenvolvimento, de classes dominantes e dominadas, de vozes ocultas. “A memória, onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro” (Le Goff, 1992, p.477). Assim, através da memória, pretendemos investigar não a história de cada brincadeira isoladamente, mas os modos como as pessoas vivenciavam essas práticas enquanto uma experiência coletiva. O brincar é um conhecimento, um patrimônio cultural da humanidade (Debortoli, 2002, p.85). Ao brincarmos de amarelinha, pião, cantigas de roda, dialogamos com o passado, aprendendo os sentidos há muito tempo construídos e reconstruídos. Há brincadeiras que foram transmitidas de gerações em gerações e, ainda permanecem na memória cultural. Muitas preservaram suas estruturas iniciais, outras incorporaram novos conteúdos. Mas, sabemos que cada brincadeira possui suas histórias, suas tradições e guarda em si as concepções de um povo em um certo período histórico. Dessa forma, questões como: de que as pessoas que viveram suas infâncias em Belo Horizonte nas décadas de 1940-50 brincavam? com quem? quando? onde? com quem aprendiam? quais eram as brincadeiras preferidas?, surgem enquanto dúvidas norteadoras desta pesquisa. Para tentar responder estas perguntas, recorreremos à pesquisa bibliográfica em combinação com as fontes orais. Pretendemos realizar entrevistas semi estruturadas com idosos que viveram suas infâncias em Belo Horizonte e que possuem hoje 60 a 75 anos de idade. Temos consciência que essa não é uma tarefa simples... São escassas as produções bibliográficas sobre o assunto, o que acentua a importância e a nossa responsabilidade de efetuar um estudo dessa natureza. Referências BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembranças de velhos. 2.ed. São Paulo: T.A. Queiroz: Editora da Universidade de São Paulo, 1987. DEBORTOLI, José Alfredo. As crianças e a brincadeira. In: CARVALHO, SALLES & GUIMARÃES (orgs.) Desenvolvimento e Aprendizagem. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2002. p.77-88 KISHIMOTO, Tizuko M. O jogo e a educação infantil. In: KISHIMOTO, T.M. (org.) Jogo, brinquedo, brincadeira e educação. 2.ed. São Paulo: Cortez, 1997. p. 13-43. 320 KISHIMOTO, Tizuko M. O brincar e a qualidade em uma instituição infantil. Licere, Belo Horizonte, v.5, n.1, p. 23-32, 2002. LE GOFF, Jacques. História e Memória. 2.ed. Campinas: Unicamp, 1992. LINHALES, M.; WERNNECK, C.; FARIA, B.; SILVA, G.; MIRANDA, A.; SILVEIRA, F.; NAHAS, J.; PINHO, L. e GOMES, R. Projeto Brincar: acervo, intervenção e memória. In: IV SEMINÁRIO “O LAZER EM DEBATE”, no 4, 2003, Belo Horizonte. Coletânea: IV Seminário “O Lazer em Debate”. Belo Horizonte: CELAR, 2003.p.86-92. THOMPSON, P. História Oral e Contemporaneidade. Revista História Oral. São Paulo: Associação Brasileira de História Oral. n.5, p. 9-28, jun/2002. 321 IMPLICAÇÕES METODOLÓGICAS DO JOGO NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR Profa. Ms. Lídia dos Santos Zacarias234 Acad. Gina Gabrielle Peres Dutra Acad. Lélia E. dos Reis Oliveira Universidade Federal de Juiz de Fora RESUMO: Este texto traz o relato de um projeto de pesquisa elaborado na Universidade Federal de Juiz de Fora com o objetivo de compreender aspectos metodológicos do jogo no cotidiano da educação física escolar. PALAVRAS-CHAVES: jogo, educação física escolar. Neste trabalho pretendemos apresentar algumas reflexões acerca de um projeto de Pesquisa aprovado pelo Programa de Iniciação Científica da Universidade Federal de Juiz de Fora. Este projeto resultou de discussões ocorridas na disciplina Aperfeiçoamento em Recreação e Jogos oferecida no curso de educação física no primeiro semestre de 2003 e está sendo desenvolvido. O trabalho coletivo justifica a utilização do nós. Não pretendemos apresentar o Projeto na íntegra, mas as principais questões que nos impulsionaram ao desafio de estudar o cotidiano da educação Física escolar, tendo como foco o universo dos jogos e brincadeiras. Uma das primeiras questões que tomou corpo para a elaboração deste projeto foi a respeito do conceito e das interpretações do jogo. Roger Caillois, no livro O jogo e os homens235, trata do entendimento do jogo de forma detalhada e interessante, desde a sua definição, a proposição de uma classificação dos jogos e ainda suas relações com os grupos e a cultura. Elabora suas idéias acerca do jogo de maneira geral, quer dizer, refere-se a todos os jogos e não há um tipo de jogo específico. Também com Huizinga é possível analisar as características dos jogos, como por exemplo a liberdade. Uma de suas afirmações sobre o assunto é: “Antes de mais nada o jogo é uma atividade voluntária. Sujeito a ordens, deixa de ser jogo, podendo no máximo ser uma imitação forçada.”236 Kishimoto, com uma visão mais pedagógica do jogo buscou diferenciar os termos jogo, brinquedo e brincadeira e destaca a dificuldade em fazê-lo, já que: “podese estar falando de jogos políticos, de adultos, crianças, animais...”237 No entanto, fazendo referência a diversos estudiosos do jogo, como Wittgenstein, Caillois, Huizinga, Henriot, Fromberg, Christie entre outros, traz os critérios para identificar os traços das famílias dos jogos, quais sejam: 1. Liberdade de ação do jogador ou caráter voluntário de motivação interna e episódica da ação lúdica, prazer(ou desprazer), futilidade, o não sério ou efeito positivo; 2. Regras (implícitas ou explícitas); 3. Relevância no processo de brincar (o caráter improdutivo, incerteza dos resultados; 4. 234 . Professora da disciplina Recreação e jogos na UFJF. Mestre em Estudos do lazer. [email protected] 235 . Roger CAILLOIS (1990) O jogo e os homens. Lisboa: Cotovia 236 . Johan HUIZINGA (1993) Homo ludens. São Paulo: Perspectiva, p. 10. 237 . Tizuko M. KISHIMOTO (2000) Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. São Paulo: Cortez, p13. 322 Não literalidade, reflexão de segundo grau, representação da realidade e; 5. Contextualização no tempo e espaço. 238 Consideramos que não basta o entendimento do jogo no campo conceitual, mas buscar as teorias como ponto de partida para a compreensão do jogo no contexto escolar: Eis uma das questões a ser pesquisada: De que forma as características apresentadas pelos estudiosos do jogo são vividas no cotidiano da educação física escolar? Outro assunto recorrente quando se trata do jogo na educação física é a diferenciação deste em relação ao esporte, apresentado por exemplo por Heloísa Brunhs quando coloca que o fator tempo é determinante na diferenciação entre jogo e esporte: “o divertimento acaba desaparecendo quando cada minuto é considerado”239 Reflexões neste caminho foram também apresentadas por Leila Mirtes, no texto Em busca do corpo esportista brincante. A autora acredita que o esporte transforma os jogadores em grandes adversários, a procura de status. O corpo e o esporte entram numa maquinaria de poder que aprimora a arte da normatização, da distribuição de papéis, da composição das forças, da organização, do controle das ações, do lugar e tempo jogados. 240 Essas colocações nos instigam a pensar o lugar do jogo na educação física escolar, as aproximações e distanciamentos com o esporte institucionalizado, nossa segunda questão. Desse modo, o projeto de pesquisa tem por principais objetivos: refletir sobre o lugar do jogo em diferentes abordagens e proposições metodológicas da educação física escolar; Sistematizar e aplicar uma proposta de trabalho do jogo numa escola municipal de Juiz de Fora e, observar e analisar os acontecimentos no cotidiano das aulas de educação física, tendo como referencia os teóricos do jogo e outras questões pedagógicas. A pesquisa está sendo baseada numa abordagem qualitativa e será realizada em uma escola da rede municipal de ensino, com turmas do primeiro ciclo do ensino fundamental, tendo como suporte metodológico os estudos do cotidiano. Como nos diz Inês Barbosa de Oliveira: Pensar o cotidiano e erguê-lo a condição de espaço e tempo privilegiado de produção da existência e dos conhecimentos, crenças e valores que a ela dão sentido e direção, considerando-o de modo complexo e composto de elementos sempre e necessariamente articulados, implica em não poder dissociar a metodologia em si das situações estudadas por seu intermédio. Esta talvez seja uma das forças dessa metodologia, que não coloca como partes distintas as diversas dimensões que envolvem a pesquisa, ou seja: a teoria e a prática; os saberes formais e os saberes cotidianos; o modelo social e a realidade social(... )241 238 . Ibid, p. 27. . Heloísa T. BRUNHS, (1993) O corpo parceiro e o corpo adversário. Campinas: Papirus, p.48 240 . Leila M. S. MAGALHÃES PINTO. Em busca do corpo esportista brincante, p.47 241 . Inês Barbosa de OLIVEIRA(2001) Certeau e as artes de fazer: as noções de uso, tática e trajetória na pesquisa em educação. In: __. Pesquisa no/do cotidiano das escolas: sobre redes de saberes. Rio de Janeiro: DP&A, p.41. 239 323 LAZER E LEI ROUANET DE INCENTIVO À CULTURA: ESTUDO SOBRE OS “DOUTORES DA ALEGRIA” NO SENTIDO DE APONTAR ALGUMAS DIRETRIZES PARA CAPTAÇÃO DE RECURSOS POR GRUPOS DE INTERVENÇÃO LÚDICA EM HOSPITAIS Acad. Rodrigo Gonçalves Cata Preta242 Profa. Dra.Christianne Luce Gomes (orientadora)243 Programa Especial de Treinamento - PET CELAR/EEFFTO/UFMG RESUMO: Atualmente é crescente o número de grupos que atuam em hospitais buscando melhorar as relações pessoais e a qualidade de vida neste ambiente. Percebendo a cultura do lúdico como um dos importantes elementos envolvidos neste processo, presente nas ações da maior parte destes grupos, e considerando as dificuldades financeiras de muitos desses, foi elaborada esta proposta de estudo objetivando compreender quais são os fatores responsáveis pelo êxito na aplicação da Lei Rouanet neste contexto e as dificuldades mais significativas a serem superadas na efetivação dos benefícios. Objetiva-se ainda, contribuir para a aproximação das áreas da Educação Física e Lazer ao processo multidisciplinar da humanização hospitalar. O desenvolvimento deste trabalho envolverá, além de revisão bibliográfica e análise da Lei Rouanet, pesquisa junto à organização Doutores da Alegria. PALAVRAS-CHAVES: humanização hospitalar, lazer, Lei Rouanet. A proposta para realização deste estudo originou-se a partir da constatação, em discussões realizadas no Centro de Estudos de Lazer e Recreação - CELAR/UFMG, da escassa produção de conhecimentos abordando as relações entre leis de incentivo à cultura e projetos vinculados à Educação Física e ao Lazer. Buscando aprofundar conhecimentos neste âmbito, foi desenvolvida uma proposta de pesquisa interligada a dois outros trabalhos desenvolvidos no CELAR, visando analisar estas leis, bem como os vários aspectos que permeiam sua aplicação em organizações beneficiadas pelas mesmas. Possivelmente, um dos motivos que tem conduzido a esta pouca produção de conhecimentos é o entendimento restrito de cultura e de lazer. É importante ressaltar que esta pesquisa parte de um entendimento de cultura no qual suas manifestações, irrestritas àquelas normalmente entendidas como seu sinônimo (teatro e literatura, por exemplo), abragem, entre tantas outras, as que estão inseridas no contexto da Educação Física e Lazer tais como brincadeiras, atividades circenses, esportes, dança e jogos. As atividades do universo do Lazer e da Educação Física são, portanto, compreendidas como “atividades culturais, em seu sentido mais amplo, englobando os diversos interesses humanos, suas diversas linguagens e manifestações.” (MELO, 2003, p.32) Assim, este estudo aborda o lazer, sob uma perspectiva cultural, enfocando a aplicação da Lei Rouanet de incentivo à cultura no âmbito da humanização hospitalar. Para aprofundar conhecimentos sobre esta questão, optamos por realizar uma pesquisa sobre uma entidade de excelência no trabalho neste âmbito e na aplicação desta Lei. 242 . Acadêmico do curso de Educação Física da Universidade Federal de Minas Gerais e integrante do Programa Especial de Treinamento (PET) do Centro de Estudos de Lazer e Recreação (CELAR) da UFMG. Correio eletrônico: [email protected] 243 . Professora e Coordenadora Pedagógica do Centro de Estudos de Lazer e Recreação (CELAR) do Departamento de Educação Física da UFMG. Licenciada e Mestre em Educação Física, Especialista em Lazer e Doutora em Educação. Correio eletrônico: [email protected] 324 A instituição escolhida foi os Doutores da Alegria A.F.D. - Artes, Formação e Desenvolvimento. Esta é uma entidade da sociedade civil, sem fins lucrativos, constituída atualmente por cerca de 36 artistas profissionais, além de outros funcionários que compõe os setores técnico-administrativos da organização. O grupo atua em hospitais das cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Recife levando alegria a crianças hospitalizadas, seus familiares e profissionais de sáude por meio da arte do palhaço244. A importância e excelência profissional desta entidade é motivo de reconhecimento nacional e internacional. Ao desenvolver e estimular uma série de ações como pesquisas e eventos direcionados ao debate e à disseminação de informações, contempla, de forma ampla, o âmbito da humanização hospitalar que configura-se na busca por uma relação de qualidade nos hospitais envolvendo vários fatores como: formação dos profissionais de saúde, modificação de práticas e conceitos (ex: saúde, dicotomia corpo/mente, ambiente hospitalar), desenvolvimento de novas terapias e, entre tantas outras, a própria discussão acerca do tema. Um dos fatores responsáveis pelo êxito dos Doutores da Alegria está na sua competência em captar recursos, sobretudo aqueles efetivados por meio da Lei Rouanet245. Esta Lei federal instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura - PRONAC delimitando três mecanismos básicos: I-Fundo Nacional de Cultura - FNC; II-Fundos de Investimento Cultural e Artístico - FICART; III-Incentivo a projetos culturais. O terceiro mecanismo, objeto de estudo desta pesquisa, destina-se ao incentivo a diversos tipos de projetos apresentados por pessoas físicas ou jurídicas de natureza cultural. Por meio deste mecanismo, são concedidas deduções no imposto de renda a ser pago por investidores que variam de trinta a oitenta por cento do valor correspondente ao investimento realizado246. Sendo um dos poucos grupos que se utiliza desta Lei neste contexto, esta entidade é capaz de custear todas as suas despesas, incluindo o pagamento dos profissionais que nela atuam, uma vez que não possui profissionais voluntários e os hospitais atendidos não assumem quaisquer responsabilidades financeiras no desenvolvimento das atividades. Uma recente pesquisa realizada pelo Centro de Estudos Doutores da Alegria247, demonstra a grande importância da captação de recursos para o desenvolvimento de várias entidades semelhantes aos Doutores da Alegria no país. Foram analisadas 57 iniciativas no país (dentre 180 identificadas) que utilizam a figura do palhaço em suas atuações nos hospitais. O perfil dos grupos evidenciado na pesquisa, indica que o potencial desses está sendo limitado por diversos fatores, sendo o principal a captação de recursos. Os realizadores da pesquisa apontam que as dificuldades financeiras estão diretamente relacionadas à capacidade de aumentar o atendimento a leitos e hospitais. Entre outros condicionantes intrínsecos a esta capacidade, são citados o envolvimento com leis de incentivo e a capacidade organizacional dos grupos. É ainda destacado que a menor parte das organizações (4 grupos) são beneficiadas pelas leis de incentivo fiscal, principalmente pela Lei Rouanet. Diante do exposto, a realização deste trabalho e a escolha dos Doutores da Alegria como entidade a ser pesquisada justificam-se por: este trabalho abordar um tema pouco explorado nas áreas da Educação Física e Lazer. Com a realização do mesmo, espera-se contribuir para a aproximação destas ao processo multidisciplinar da humanização hospitalar; atualmente são muitos os grupos que trabalham de forma semelhante aos Doutores da Alegria no país e apenas uma minoria é beneficiada por leis de incentivo à cultura; a entidade escolhida, além de ser 244 . Maiores informações no site: www.doutoresdaalegria.com.br . Esta, sobre a qual foram feitas várias modificações posteriores, tem seu texto básico disposto na Lei n°. 8.313, de 23 de dezembro de 1991. 246 . Lei n°. 8.313, capítulo IV, Art. 26. 247 . Pesquisa “Palhaços em Hospitais” realizada pelo Centro de Estudos Doutores da Alegria. Disponível em: <http://www.doutoresdaalegria.com.br/menu/centro/PesqProgramasSemelhantes/pb_portuguese.doc> Iniciada em 01/2001 e concluída em 2003. Acesso em 31/10/2003. 245 325 eficiente em captar recursos utilizando-se da Lei Rouanet, possui um Centro de Estudos com objetivos de, entre outros, gerar e disseminar conhecimento para públicos maiores e mais variados e investir no desenvolvimento de pesquisas. Assim, o presente estudo tem por objetivo compreender quais são os fatores responsáveis pelo êxito dos Doutores da Alegria na aplicação da Lei Rouanet e as dificuldades mais significativas a serem superadas na efetivação dos benefícios. Pretende-se, deste modo, oferecer algumas diretrizes à obtenção desses recursos às várias organizações atuantes no país no âmbito da humanização hospitalar. Diretrizes que abordem não somente aspectos legais, mas também aqueles relacionados à atração de pessoas físicas e jurídicas interessadas em apoiar as instituições por meio da mesma. O desenvolvimento deste trabalho envolverá, basicamente, análise da Lei Rouanet e de bibliografia pertinente, além de pesquisa de campo junto aos Doutores da Alegria e realização de discussões periódicas com os integrantes dos trabalhos desenvolvidos em conjunto com este. Referências BRACHT, V. Educação Física escolar e lazer. In: ISAYAMA, H. F.; GOMES, C.L. (Org.). Lazer, Recreação e Educação Física. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. p 147-172. BRASIL. Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991. Restabelece princípios da Lei nº 7.505, de 2 de julho de 1986, institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura - PRONAC e dá outras providências. CANTON, A. M. Eventos: Ferramenta de Sustentação para as Organizações do Terceiro Setor. São Paulo: Roca, 2002. CENTRO DE ESTUDOS DOUTORES DA ALEGRIA. Serviços de qualidade em humanizacão. Disponível em <http://www.humanizacao.com.br/artigos.asp> Acesso em 30 maio 2003. DOUTORES DA ALEGRIA. Relatório anual 2001. São Paulo: 2002. Disponível em: <http://www.doutoresdaalegria.com.br/menu/RelatAtiv/Anual2001/Anual%202001.htm> Acesso em: 5 maio 2003. DOUTORES DA ALEGRIA. Relatório anual 2002. São Paulo: 2003. Disponível em: <http://www.doutoresdaalegria.com.br/menu/RelatAtiv/Anual2002/Anual2002.htm> Acesso em: 5 maio 2003. MASSET, M. (Coord.). Palhaços em Hospitais. São Paulo: Centro de Estudos Doutores da Alegria, janeiro/2001. 23 p. Projeto concluído em 2003. Disponível em: http://www.doutoresdaalegria.com.br/menu/centro/PesqProgramasSemelhantes/ pb_portuguese.doc Acesso em 31 out. 2003. MELO, V. A.; ALVES JUNIOR, E. D. Introdução ao Lazer. São Paulo: Manole, 2003. ROSSI, F. L. Imposto de renda e o incentivo à cultura no terceiro milênio. Revista da Associação Brasileira de Direito Tributário julho/2001. <http://www.centraldecultura.hpg.ig.com.br/index.html> Acesso em: 3 julho 2003. 326 O PAPEL DO ANIMADOR CULTURAL NAS RUAS DE LAZER Prof. Ryan Rangel Araújo Prof. Salvador Inácio da Silva. Centro Universitário Vila Velha RESUMO: Os projetos de lazer comunitário necessitam dos mais qualificados profissionais da área de educação física, esporte e lazer. O presente texto faz uma reflexão na atuação deste profissional, ora chamado de recreador, outra de animador cultural. E conseqüentemente na sua intervenção social a partir do projeto lazer comunitário desenvolvido na comunidade Ilha dos Ayres – Vila Velha – ES. PALAVRAS-CHAVES: lazer comunitário, animador cultural, atuação profissional. O Centro Universitário Vila Velha (UVV) situado no Espírito Santo possui o curso de Educação Física Esporte e Lazer. Este curso possui três disciplinas voltadas para área de lazer, o professor das disciplinas é coordenador do núcleo de estudos em corporeidade e lazer. Neste são realizados diversos projetos como lazer ecológico, lazer comunitário, lazer hospitalar e lazer de aventura. Cada projeto possui o local de sua prática. A práxis do projeto lazer comunitário é feito na comunidade da Ilha dos Aires – município de Vila Velha, bairro adjacente à instituição supra citada. Quem faz estes estudos são os acadêmicos freqüentadores do núcleo e das disciplinas afins que organizam e executam os “estudos-evento”. É sobre a atuação dos acadêmicos que procuraremos abordar no contexto dos projetos comunitários afins com as ruas de lazer; visto a necessidade da reflexão destes papéis profissionais: basta ser um mero recreador, gentil e divertido; ou precisamos de um interventor social? Com os constantes trabalhos realizados em ruas de lazer conseguimos caracterizar três tipos de profissionais atuantes; são eles: os animadores, os recreadores e os tecnólogos.Os tecnólogos estão presentes somente no dia do evento. Eles não participam da organização e estruturação da rua, simplesmente vão ao dia do evento, fazem seu trabalho e retornam. Quanto aos recreadores, estes participam da organização, são comprometidos com o evento.As suas atividades são estanques, servem somente à diversão momentânea. Não possuem um elo de ligação com as estratégias de ação comunitária.E por último temos o animador cultural, este por sua vez vai à comunidade, faz o de sustentabilidade, conversa com as pessoas do bairro descobrindo detalhes que vão lhe ser útil na realização do evento e /ou projeto (Rua de Lazer). Suas atividades recreativas possuem um elo de ligação entre as mesmas e com a ação comunitária; desta forma têm um início e um meio; porém poderíamos afirmar que não possuem um fim. O processo é constante, envolve feedback estratégico. O animador preocupa-se em “fazer parte” da comunidade tentando estar em constante contato com a mesma, seja por conversar informal com moradores ou mesmo participando de reuniões promovidas pelas associações de moradores do bairro.O mesmo tenta fazer com que os moradores consigam se organizar para que eles próprios possam estar idealizando e executando as suas tarefas planejadas para as ruas de lazer. Ele capacita recreadores e animadores da própria comunidade para atuar nos projetos de lazer comunitários dando um novo significado para estes participantes. Assim promovendo também um resgate da imagem do cidadão. O animador deve ter uma boa formação cientifica (e a empírica?) para que possa estar em contato com a comunidade e tentar transformar este local de convívio 327 sem desrespeitar a cultura local. Desta forma percebemos o animador como um interventor e um agente transformador da sociedade. Identificamos dentro do trabalho desenvolvido de lazer comunitário que os três profissionais apresentados são importante para o êxito do processo, e que além disto podemos afirmar, também, a necessidade de explorar mais na formação do profissional de educação física voltado para o terceiro papel apresentado: animador cultural. Visto a carência de profissionais atuando nesta área. Independente de região, ou lugar, se o trabalho for na área de lazer comunitário, o modelo desempenhado pelos três supostos profissionais devem acontecer em harmonia, articulando as atuações dentro do objetivo maior e explorando mais as características do animador cultural nos outros dois parceiros. Referências MELO, Victor de Andrade. Introdução ao lazer. Ed. Manole, São Paulo, 2003. _____ Lazer e minorias sociais.Ed. Ibrasa, Rio de Janeiro, 2003. TURINO, Célio. Lazer nos propostas de combate á violência e a exclusão. São Paulo: Anita, 2003. MASCARENHAS, Fernando. Lazer como prática da liberdade. Ed. UGF.Goiânia, 2003. 328 INSTRUTOR DE RAFTING: PROFISSÃO LAZER Prof. Salvador Inácio da Silva Prof. Ryan Rangel Araújo Centro Universitário Vila Velha RESUMO: “Instrutor de rafting: profissão lazer” propõe o leitor analisar o papel do profissional de lazer que por muitas das vezes não tem uma formação acadêmica e que, no entanto, deve ser tão profissional quanto aquele de formação universitária. Além desta questão é proposto também a rever alguns paradigmas como “a vida fácil dos profissionais de lazer”. PALAVRAS-CHAVES: formação profissional e animador cultural. O Lazer de Aventura a cada dia vem tornando uma realidade “capixaba” mais rentável. É comum encontrar nas páginas dos esportes dos maiores jornais de circulação do estado espírito santense matérias sobre tal assunto. A geografia regional favorece os esportes da nova geração “radical”: o rapel, a escalada, o parapente, o rafting e treking. Que entre outros são os que mais vêem sobressaindo nos últimos dez anos. Esse destaque na mídia local acontece também em todo território nacional e a cada dia vem aumentando o número dos seus adeptos. O lazer de aventura não somente refere-se como um fenômeno social quanto à nova moda de diversão, mas como também de uma demanda econômica. A indústria do lazer de aventura cresceu na década de noventa e continuará a crescer nos próximos anos. A microempresa especializada aumenta gradativamente o seu porte. Entre tantas as áreas do tema que sugerimos acima, nos deteremos na modalidade do rafting. Onde trabalharemos com a seguinte questão: a formação dos instrutores de rafting e a sua relação com o profissional de lazer. Afinal quais as características essenciais ao perfil do profissional de lazer desta área (lazer de aventura)? A proposta aqui expressa relata a formatação deste texto a partir de uma metodologia de pesquisa-ação, onde o autor foi conviver dentro de uma empresa do gênero lazer de aventura com seus cinco instrutores e seus dois empresários, não somente as aventuras e as descargas de adrenalinas, mas uma porção do cotidiano do profissional do lazer. E colocar paralelas às vivencias do rafting a discussão dos significados do lazer dos seus profissionais. O rafting é uma das modalidades do lazer de aventura que vem se destacando no nosso estado. Realizado somente num dos rios da região serrana, (o Rio Jucu), esta atividade atinge as emoções do nível três, podendo ir até o nível três mais. Esses níveis são indicados para os participantes novatos, iniciantes e intermediários. Os participantes encontram corredeiras com ondas altas e irregulares, passagens estreitas entre pedras que requerem manobras mais complexas; porém tranqüilas para os aventureiros de primeira viagem. Com somente duas empresas especializadas na área, o capixaba vem descobrindo o espírito de aventura sobre as águas das montanhas do município de Domingo Martins.O público sessenta por cento masculino não exclui a possibilidade das mulheres enfrentarem as emoções radicais das corredeiras. No último ano (2003) foram mil e quatrocentos participantes deste lazer; emoção, alegria, prazer e aventura percorrendo mais ou menos uma hora e meia de percurso de água (muitas das vezes gelada). Vale ressaltar que deste número de participantes, sessenta por cento é espíritosantesse e quarenta por cento se divide entre turistas do Rio de Janeiro, São 329 Paulo, Belo Horizonte e Brasília. E a média da faixa etária passa por trinta anos de idade. Os participantes novatos chegam como quem não querem nada e duvidam da segurança do esporte; desafiados pelo desconhecido eles ingressam numa fantasia de desbravadores do mundo dos esportes radicais. Ao término da atividade a maioria é capaz de recomendar o esporte para os amigos e descrevem manobras e façanhas das corredeiras. Poucos são aqueles que permanecem com insegurança. O mérito desta segurança passa pelas mãos dos instrutores, que com muita técnica, didática, pedagogia e comprometimento com o bem estar físico e mental do cliente, conseguem dar um novo significado ao lazer de aventura. A formação dos instrutores de rafting no Espírito Santo se dá por conta da troca de experiências entre os instrutores mais experientes para aqueles menos experientes. Freqüentemente o líder do grupo faz atualizações na área e repassa os novos conteúdos e as novas experiências aos demais. Esta atividade de aventura tem como base seus dois pilares: a diversão e a segurança. Trabalhar com o lazer e não se divertir é o desafio desses instrutores. Entre uma manobra e outra a quantidade grande de responsabilidade inibi este indivíduo da diversão. Ironicamente, vale ressaltar que este mexe com a diversão, com as manobras mais radicais, no entanto, não podem curtir. Eles têm uma tripulação para tomar conta; prestar serviço: lazer de aventura (rafting). Um destaque nas falas dos instrutores foi a questão deles proporcionarem momentos lúdicos de fantasias aos clientes, de ser possível, pelo menos por um instante vivenciar o herói, desbravando as águas, “correndo risco”. Desta forma eles afirmam que diferente do que as pessoas concluem, o rafting é só trabalho. O contrário para o cliente (o turista) que é só lazer. No entanto, percebemos, que como ao término do futebol, também existe o após o término do rafting. Este foi identificado por eles como o momento de espairecer as idéias, os problemas identificados entre as manobras e resolvidos fantasticamente tornam instrumentos de diversão e alegria. Um mundo de encantos mexe na oratória dos instrutores. Enquanto lavam os materiais e preparam para o banho vão conversando como foi: rindo, se divertindo, finalmente; no seu momento pessoal e intransferível de lazer. As questões acima foram identificadas quando apontadas pelos seis instrutores daquela empresa. Para eles lazer é diferente de trabalho. E mesmo bem próximos estes dois não podem ser confundidos. Principalmente quando tratam de segurança simultaneamente com a diversão. As principais características de um instrutor de rafting apontadas pelos próprios instrutores foram: serem comunicativos, estarem preparados para os mais diferentes públicos, serem simpático, bem humorados, serem pedagógicos e didáticos, sem esquecerem as técnicas. Muito semelhante ao que Melo propõe numa das suas obras quando tange a questão do animador cultural e a sua formação (Melo, 2003). A maior dificuldade encontrada entre eles com o processo foi abrir mão das suas emoções para trabalhar com a diversão dos outros, os clientes. “É preciso estar de bem com a vida todos os dias. _ Esta é uma das maiores dificuldades que termos”; falou um dos instrutores entrevistados. Observar o cotidiano de uma empresa de lazer é nada mais que tentar entender o universo daqueles que trabalham para divertir os outros, profissionais do lazer, especificamente chamados de recreador, animador cultural, e outros. Poderíamos afirmar que a aprendizagem do novo instrutor se dá estrategicamente por meio da prática. Não uma prática pela prática, mas como um único recurso de pessoas sem formação acadêmica que terão que dar conta de conteúdos didaticamente estruturados 330 nas universidades. No Espírito Santo entre as oito faculdades de educação física não há nenhuma delas propostas pedagógicas que contemplem este mercado profissional. No entanto identificamos uma série de conteúdos que são empiricamente trabalhados por esses instrutores de rafting que fazem parte da formação do profissional de educação física. Referências MELO, Victor Andrade de. Introdução ao lazer. Ed. Manole, São Paulo, 2003. BRUHNS, Heloisa Turini. Turismo, lazer e natureza. Ed. Manole, São Paulo, 2003. UVINHA, Ricardo Ricci. Juventude, lazer e esportes radicais. Ed. Manole, São Paulo, 2001. COSTA, Vera Lucia Menezes. Esporte de aventura e risco na montanha: um mergulho no imaginário. Ed. Manole, São Paulo, 2000. 331 FOTOGRAFIA: UM RECURSO DE SUSTENTABILIDADE AOS PROJETOS DE RUAS DE LAZER A PARTIR DO OLHAR DO ANIMADOR CULTURAL Prof. Salvador Inácio da Silva Prof. Ryan Rangel Araújo Centro Universitário Vila Velha RESUMO: Este material propõe a despertar o interesse do animador cultural nas ruas de lazer para rever a utilização de instrumentos técnicos que possam participar na construção da cidadania, como no caso a fotografia. Assim como, também, possam participar da reestruturação das mesmas, com forma de sustentabilidade de projetos comunitários. PALAVRAS-CHAVES: rua de lazer, fotografia e sustentabilidade. A fotografia é usada freqüentemente como recurso visual de projetos de rua de lazer. Ora pessoal, para guardar de lembrança; ora profissional, como registro histórico. Para as pessoas envolvidas no evento é sempre um momento festivo “tirar uma foto”. Principalmente para as crianças. Prepara-se daqui, ajeita dali, enquadra acolá, dá um passo para frente, um passo para o lado e a foto está pronto. Pronta nada! A rua de lazer termina, e as fotos não aparecem paras as crianças. Que outras funções teriam as fotografias da rua de lazer? Esse trabalho tem o propósito de trazer a tona outras possibilidades de trabalhar com as fotografias nas ruas de lazer e abrir um canal de comunicação entre o animador cultural (recreador?) e o recreando a partir da imagem. Assim como também de estimular no indivíduo a identidade participativa por meio da recordação e do resignificar o momento presente a partir do pretérito. A observação tem o seu destaque quanto metodologia adotada, quase sem intenção, no início dos trabalhos (2001) de rua de lazer. De uma simples e corriqueira problemática no cotidiano do trabalho social, contextualizamos um recurso, que até então estava como um apêndice, incorporando-o às atividades do projeto rua de lazer; o que caracteriza hoje uma metodologia participativa, coopaticipativa e dialética. Segundo Carvalho, “a imagem, entre outras possibilidades estabelece a relação entre o homem e o mundo”. É claro identificar que o material fotográfico tomou outro rumo dentro do projeto rua de lazer. Atualmente tem a sua função de dar sustentabilidade aos eventos, estreitando o espaço de comunicação entre o interventor (animador cultural?) e a comunidade. A partir dele, o adulto que rodeava as oficinas de lazer, muitas vezes sentindo-se fora do contexto, percebeu que alguém estava olhando para ele; provocando reações e resultando expressões significativas a comunicação da comunidade. Assim servindo como um instrumento pedagógico para reavaliar o processo. Em dois anos (2002 e 2003) de estudos voltados para o lazer comunitário do bairro Ilha dos Ayres, município de Vila Velha – ES o Núcleo de Corporeidade e Lazer – UVV do curso de Educação Física Esporte e Lazer da mesma instituição já citada acima, vem explorando a fotografia como instrumento didático facilitador da transmissão dos conteúdos pedagógicos para as disciplinas de lazer e recreação; servindo como ilustrações.No entanto, foi no último ano que adotamos as mesmas fotografias como objeto de análise dos trabalhos e da própria comunidade. As imagens impressas nos papéis registravam a linguagem daquela comunidade. Por detrás das 332 pessoas estavam as ruas, os varais de roupas, as janelas, os “puxadinhos”; enfim: a vida que não parávamos para observar enquanto fazíamos as atividades recreativas. Então o arquivo memorial teve seu início; atualmente nos servindo em várias situações. Concomitante a observação e a mudança acima citadas foram verificadas a possibilidade de brincar com as fotos, curtir o “tirar fotos”. Não somente fazer um mural. Mas, usá-las como parte da animação cultural. Hoje a fotografia faz parte do arquivo e passou a ser uma brincadeira. As crianças, adolescentes e adultos fazem poses para as fotografias. Elas brincam. Sabendo disto, informado da importância da imagem para os trabalhos de lazer comunitário os acadêmicos envolvidos adotaram a fotografia como mais um dos instrumentos de diversão da rua de lazer. É proposta para o ano de 2004 usar estes mesmos recursos como fonte de sensibilização para a associação dos moradores; utilizar a estratégica de análise dos conteúdos sociais a partir das fotografias. Adornando as imagens com a análise crítica do próprio espaço vivido. Referências MELO, Victor de Andrade. Lazer e minorias sociais. Ed. Ibrasa, Rio de Janeiro, 2003. ____ Introdução ao lazer. Ed. Manole, são Paulo, 2003. TURINO, Célio. Lazer nos programas sociais: uma proposta de combate á violência e á exclusão. Ed. Anita Garibaldi, São Paulo, 2003. MASCARENHAS, Fernando. Lazer como prática da liberdade. Ed. UFG, Goiânia, 2003. 333 FRAGMENTOS DA HISTÓRIA DO REMO NA CIDADE DE PORTO ALEGRE: Profa. Dra. Silvana Vilodre Goellner Profa. Leila carneiro Mattos Profa. Luanda dos Santos Dutra Universidade Federal do Rio Grande do Sul RESSUMO: Este texto narra alguns fragmentos da história do remo na cidade de Porto Alegre, em especial entre os anos 40 e 60 do século XX, período no qual houve uma “popularização” desta modalidade esportiva em função da estruturação do esporte classista e universitário. PALAVRAS-CHAVES: esporte, cidade, memória. A busca de uma identidade nacional, aliada ao desejo de abandonar práticas de origem colonial, possibilitou a entrada no país de práticas esportivas diversas, dentre elas o remo. Em Porto Alegre esta atividade foi introduzida por Alberto Bins em parceria com os imigrantes alemães que, em 1888, Ruder Club Porto Alegre, considerado o primeiro clube de remo do Brasil. Posteriormente esse clube passou a denominar-se Clube de Regatas Guaíba-Porto Alegre. Nas palavras de Alberto Bins responsável por ter incentivado a prática do remo na cidade demonstram, claramente, este processo: Estávamos no ano de 1888, uma ano antes do advento da República quando voltava eu da Europa, retornando á minha cidade natal. Para lá seguira anteriormente para um período de aprendizagem nos maiores centros industriais do Velho Mundo. E foi lá que, nas horas de lazer, comecei a admirar no meio da mocidade, os benefícios da educação física para o corpo e para o espírito. E, foi lá que não tardou minha participação nos desportos que praticavam, principalmente os náuticos, o Remo e a Vela, além do Tênis e da Equitação.(...) Entre a nossa mocidade não se conheciam os esportes náuticos e nem a ciência os recomendavam como indispensáveis a formação física. (...).Para a cultura física da mocidade. Reintegrado no convívio de meus conterrâneos, não demorei em desenvolver uma atividade de persuasão e propaganda em prol dos esportes, cujo resultado não se fez esperar. ...Projetamos a fundação de um Clube de Regatas em Porto Alegre, cidade que, em virtude do majestoso estuário do Guaíba, apresenta uma situação invejável para o esporte náutico (Hofmeister, 1978, pp.12): O interesse pelo remo está relacionado com sua estruturação na cidade de Porto Alegre, favorecida pela presença imponente do rio Guaíba que fazia correr em suas águas intensa vida cultural e econômica. De acordo com Sandra Pesavento, “embarcações que por ele navegavam que serviam de transporte de animais, alimentos, pessoas, víveres ou eram um meio de ver cidade de outro ângulo (quando eram utilizados para passeios e viagens) elas passam também a exercitar os sentidos daqueles que vão ao Guaíba participar ou observar as disputas e exibições náuticas.” (1999, p. 210). Para além da circulação de mercadoria, o rio possibilitava, também, a circulação de corpos esportivizados visto que vários clubes alinhavam-se na sua margem. Por certo que esses corpos eram aqueles oriundos das elites gaúchas, capazes de associarem-se e manterem-se presentes nessas agremiações. Em entrevista Roberto Schulz relata que no início “as famílias mais ricas de Porto Alegre, os meninos dessas famílias eram tudo gurizada que tiveram oportunidade de estudos na Europa, estudar na Alemanha e lá eles viram o esporte do remo”, sendo que apenas depois dos anos 40 é que houve uma maior 334 inserção das camadas populares no universo deste esporte, apesar de sua organização tenha sido implementada pelos jovens da elite porto-alegrense. Segundo Schulz, depois da Segunda Guerra Mundial, “virou a escolha, daí quem praticava remo era operário, bancário.” Uma das razões desta possível expansão na prática da modalidade talvez resida nas competições que aqui se fizeram existir. A partir de 1940 até 1960 houve conquistas de cunho nacional e internacional significantes para os porto-alegrenses. Realizou-se na cidade a primeira Regata Internacional de Porto Alegre (1940) que tinha guarnições argentinas, uruguaias e de outros estados. A partir deste ano também houve a participação de vários clubes gaúchos em muitas regatas no Uruguai e na Argentina, o que permitiu maior visibilidade destes atletas não só para os gaúchos mas para todo Brasil. Como relembra Hofmeister: “repetidas vezes (nesse período) os defensores cariocas tem sido remadores rio-grandenses. São os remadores gaúchos os maiores vencedores dos certames máximos nacionais” (1978, pp.120). A contratação destes remadores, por parte de clubes não-regionais, ao mesmo tempo que reforça a qualidade do esporte dos clubes gaúchos servia para evidenciar o amadorismo través do qual essa modalidade esportiva era vivida no Estado possibilitando, portanto, a dispersão de bons remadores gaúchos para outras capitais. Na década de 60 o remo gaúcho toma impulso através de sua vinculação ao esporte classista e universitário. Bancários, industriários, militares e funcionários públicos através de suas associações inserem-se neste campo e os campeonatos universitários começam a tomar fôlego evidenciando, de certa forma, uma maior inclusão das atividades do remo no cotidiano esportivo da cidade. Referência HOFMEISTER FILHO, Carlos. 90 anos do Grêmio Náutico União “O Clube das três Sedes” - 1906/1996- . Porto Alegre:GNU, 1996. PESAVENTO, Sandra J. Memória de Porto Alegre: espaços e vivências. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1999. 335 CINEMA COMO OPÇÃO DE LAZER NA ESCOLA: UMA ABORDAGEM SOBRE O PROJETO CINEAFRO Prof. Vagner Maia Brandão Universidade Federal do Rio de Janeiro RESUMO: O lazer não pode mais ser confundido com descanso, esporte, diversão, e entendido apenas como algo para amenizar tensões do dia-a-dia ou algo que ajude a manter o sistema vigente e os problemas sociais existentes. Ele pode promover o desenvolvimento pessoal e social, assim como, oferecer possibilidades pedagógicas e conteúdos educativos. Sendo o cinema uma opção de lazer, na escola, pode se constituir num objeto de entretenimento, de estudo, de conhecimento, de informação e de prazer, confrontando os textos fílmicos com a realidade, o cotidiano, os acontecimentos do diaa-dia. O projeto CineAfro, que acontece na UERJ, é um exemplo de como o cinema, ou o recurso audiovisual, pode ajudar na abordagem de questões sócio-políticas. PALAVRAS-CHAVES: cinema, escola, Cineafro. Discutir o lazer numa sociedade impregnada de ideais neoliberais, onde cultua-se o mercado, o individualismo e a competitividade, a desregulação e a flexibilidade do mercado de trabalho, a globalização e a primazia do econômico sobre o social, é bastante interessante. Principalmente, se relacionado com escola e educação que, nessa sociedade, estão extremamente voltadas para conteúdos, mecanização, memorização e para o mercado de trabalho. A “educação” acaba se enquadrando em tais ideais da sociedade do trabalho, em virtude de tamanhas exigências não só no contexto brasileiro, mas, sobretudo, no contexto mundial. Como exemplo disso, pode-se destacar nos dias de hoje a excessiva e sufocante valorização do vestibular, tido muitas vezes como a maior meta do processo de ensino. E isso é um fenômeno existente não apenas dentro da escola, está também na família, na mídia, ou seja, na sociedade em geral. A seleção, competição, individualização mais do que nunca são aí reforçados. A escola, em geral, tem mostrado características como: preocupação maior com os meios de ensino, ou seja, o “como fazer”, do que com a discussão mais relevante que responde a pergunta “para que ensinar?”; as disciplinas se apresentam umas isoladas das outras e até mesmo do mundo real, das coisas que acontecem na sociedade; há pouco, ou até mesmo, nenhum espaço para discussão sobre questões relativas às finalidades político-sociais da educação e do ensino; dá-se uma importância excessiva a conteúdos pré-estabelecidos, desvinculando-se do contexto social em que está inserido, entre outros aspectos. Nesse contexto, o objetivo deste trabalho é: discutir como o cinema, enquanto opção de lazer, pode ser um potente instrumento de desenvolvimento pessoal e social, com um grande conteúdo educativo, dentro de uma perspectiva prazerosa, priorizando autonomia e criatividade; fazer uma breve abordagem do projeto CineAfro do Programa de Estudos e Debates dos Povos Africanos e Afro-americanos (PROAFRO), com sede na UERJ, apresentando no pôster uma entrevista com a coordenadora do projeto. Tendo o lazer como seus principais fundamentos o prazer e a criatividade, dentro de uma instituição que tem pregado uma educação mecanicista, impregnada de valores individualistas e excludentes, pode ser uma alternativa contra essa educação pautada na visão neoliberal. 336 O cinema pode se constituir num objeto de entretenimento, de estudo, de conhecimento e de informação válido por si próprio, mas também pelo confronto que permite estabelecer entre os textos fílmicos e a vida real, o cotidiano, os acontecimentos do dia-a-dia. O autor não tem intenção de definir cinema mas, mostrar alguns aspectos interessantes sobre este e encará-lo como uma alternativa pedagógica com grande potencial de intervenção na ordem social, entendo-o como: arte, indústria, técnica, espetáculo, cultura, entre outros. Compreendendo-o como um fenômeno repleto de emoções e sentimentos diversos. Os filmes podem assumir um papel importante na difusão de ideologia, assim como podem estabelecer relações íntimas com o contexto sócio-político, podendo exercer influência importante. No entanto, o ato intencional deve estar envolto por um respeito às características sócio-culturais do grupo, assim como, preocupado com a busca do prazer e com apresentação de um ambiente flexível, interativo/participativo. Essa educação pelo lazer na escola, através do cinema, pode abranger interesses como imaginação, raciocínio, corpo, contato com outros costumes, socialização, sentimentos, sendo também, um grande incentivador para novas experiências de lazer. Marcelino cita Requixa: “... o próprio exercício do lazer será o melhor estímulo educativo para o próprio lazer” (p.61), já que, normalmente, as pessoas restringem suas atividades de lazer a um campo específico de interesse. E muitas vezes o fazem pelo fato de não terem acesso ou contato com tais possibilidades. Nesse aspecto o lazer estaria preocupado com uma educação dentro de uma perspectiva de qualidade intelectual, cultural, social, ética, política. Um exemplo de como o cinema, ou o recurso audiovisual, pode ajudar na abordagem de questões sócio-políticas é o CineAfro, desenvolvido na UERJ, sob responsabilidade do Centro de Ciências Sociais. O Programa de Estudos e Debates dos Povos Africanos e Afro-americanos (PROAFRO) criado em 1993, constitui-se num Centro de Pesquisa, Documentação e Atividades de Extensão Universitária. Tem por finalidade o desenvolvimento de estudos e pesquisas relacionados à história e a cultura dos povos africanos e afro-americanos. O CineAfro tem por objetivo promover debates com alunos, entidades do movimento negro, pesquisadores e público em geral sobre a questão racial no Brasil e no Mundo, à partir da exibição de filmes que abordam a temática. Assim, são projetados filmes seguidos de debate com a presença de especialistas na temática racial, sempre com entrada franca. Segundo a coordenadora do projeto, Magali da Silva Almeida, este “é um projeto acadêmico através do qual o cinema se constitui no veículo privilegiado de discussão da questão racial nas suas diferentes expressões na contemporaneidade”. E relata ainda que há interesse em ampliar este projeto para a rede pública de ensino, com uma parceria com o Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (SEPE). O projeto em escolas pode abordar essa questão levantada pelo projeto CineAfro e diversas outras, tais como: sexualidade, velhice, história, ecologia, lazer, consumo etc. Num país desigual, onde grande parte da população sobrevive em condições muito precárias, é difícil pensar que uma experiência de lazer possa promover o desenvolvimento pessoal e social na população de baixa renda. O cinema, como opção de lazer, por si só não causa e nem realiza transformações sociais, revoluções políticas, mas ajudam não só na divulgação, mas também, na reflexão dos valores humanos e, no desenvolvimento de qualidades culturais, éticas e morais, propiciando um bom suporte ideológico. 337 Se como veículo de comunicação, os recursos fílmicos, são utilizadas por organizações e até governos reacionários, naturalmente que também podem, e devem, servir de instrumentos para ação política de correntes progressistas, que buscam meios de iniciar a libertação política e cultural do homem. É interessante que se desenvolva um projeto dentro da proposta da escola que inclua atividades de lazer e que possibilite aos indivíduos pertencentes a classe dominada o acesso a uma cultura desmistificada, permitindo e possibilitando que estes indivíduos possam analisar criticamente a realidade sócio-econômico-polítco e cultural do país. E, com relação a acessibilidade aos bens culturais, ao proporcionar tal oportunidade dentro do ambiente escolar, além de trazer o prazer para o processo ensino-aprendizagem e para a escola, torna-se mais fácil a presença e a assiduidade dos participantes, justamente, por estar num ambiente conhecido, de fácil acesso e respeitado pela comunidade. O inventivo, a colaboração e a participação da população local pode e deve ser interessante para tal projeto. Referências CAMARGO, Luis O. de Lima. O que é lazer. São Paulo: Brasiliense, 1986. FOUCALT, M. T. Vigiar e punir: do nascimento a prisão. Petrópolis: Vozes, 1977. GADOTTI, Moacir. Pensamento Pedagógico Brasileiro. São Paulo, Atila, 1995. MARCELINO, Nélson Carvalho. Lazer: Concepções e significados. Licere, Belo Horizonte, ano 1, 1998. MARCELINO, Nélson Carvalho. Lazer e Educação. Campinas: Papirus, 1987. MARCELINO, Nélson Carvalho. Pedagogia da animação. Belo Horizonte: Papirus, 1997. MELO, Victor Andrade de & ALVES JUNIOR, Edmundo de Drummond. Introdução ao lazer. São Paulo: Manole, 2003. 338