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Novas tipologias habitacionais perante a expansão do capital imobiliário-turístico em Natal, RN Alexsandro Cardoso Ferreira da Silva Maria Dulce Picanço Bentes Sobrinha Maria do Livramento M. Clementino Resumo Na década de 90, teve início em Natal uma nova modalidade de apropriação do espaço, orientada principalmente pelo turismo. As evidências empíricas dessa dinâmica são identificadas pela diversificação das tipologias habitacionais e por edifícios verticalizados nas áreas turísticas. Abordamos no trabalho a relação entre o capital imobiliário-turístico e as novas tipologias habitacionais em Natal, com destaque para: a) a característica tipológica da habitação nas áreas de interesse turístico e sua relação com processos de segregação residencial e fragmentação socioespacial ; b) as modalidades e especificidades de uso das residências e seus efeitos sobre a dinâmica urbana, focalizando-se o caráter sazonal da ocupação dos imóveis; c) a densificação e afirmação do território “turistificado” e sua relação com a legislação urbanística. Palavras-chave: capital imobiliário; capital turístico; capital imobiliário-turístico; novas tipologias habitacionais; diversificação urbana; adensamento urbano. Abstract From the 1990s onwards, urban growth has followed tourism development in the city of Natal. Demand by international tourists and real estate rising prices contributed to the increase in sales and rents. Empirical evidence suggests that there is greater diversification of housing typologies as well as more high-rise buildings in these areas. In this paper, we approach the relationship between tourist real estate capital and the new housing typologies, emphasizing: the housing typology and its relationship to processes of residential segregation and socio-spatial fragmentation; the use attributed to the new typologies and its effects on the urban dynamics, considering the sector’s seasonal character, which gives rise to a phantom city of second homes; the dense occupation of the tourist area and its relationship to urban legislation. Key-words: real estate capital; tourist capital; tourist real estate capital; new housing typologies; urban diversity; urban density. cadernos metrópole 16 pp. 141-162 2osem. 2006 alexsandro c. f. da silva, maria dulce p. bentes sobrinha e maria do livramento m. clementino Introdução 142 Carece de reflexão o recente fenômeno de entrelaçamento do setor turístico com o imobiliário e destes – como um novo segmento econômico – com a política urbana. A informação veiculada pelos analistas do mercado imobiliário em Natal, no Rio Grande do Norte, demonstra-nos o seguinte cenário: o imobiliário cresce porque a conjuntura é de forte procura por parte dos turistas estrangeiros, que compram aqui imóveis baratos (cerca de 40% da oferta de imóveis na orla marítima) tendo em vista o elevado poder aquisitivo de suas moedas (euro ou dólar) no mercado imobiliário local. Essa forte procura de imóveis por parte de estrangeiros, europeus principalmente, remete-nos a pensar numa conjuntura de forte procura internacional em quantidade e com uma crescente diferenciação de produto, fazendo crescer o setor em todo planeta. Portas, Domingues e Cabral (2003) explicam a dinâmica imobiliária residencial, em Portugal e na Europa, principalmente, pelo decréscimo das taxas de juros internacionais, pela forte concorrência bancária, pela crise e pela forte volatilidade nos mercados financeiros (bolsas). A habitação para além de seu valor de uso, transformase num produto financeiro interessante em termos de aplicação de poupança ou investimento. Aqui, no além-mar, do outro lado do Atlântico, essa dinâmica imobiliária residencial global, européia, tem assumido a forma de: a) uma segunda residência, ora destinada às férias em paraíso ensolarado, cadernos metrópole 16 pp. 141-162 ora destinada à ampliação da renda doméstica pela possibilidade de arrendamento (aluguel) do imóvel durante todo ano, num pool de hotelaria ou hospitalidade turística; b) um segundo negócio ou expansão de empreendimentos, que requer um capital de investimento e a associação com grupos locais e nacionais ligados ao imobiliário ou ao turismo. Do lado da procura, que se estende aos estrangeiros e a outros não-residentes, verificam-se claras mudanças de atitude: segunda residência, escolha de novas tipologias habitacionais, acessibilidade a novos locais, com a elevação do rendimento médio e com escolhas que definem trajetórias de distinção social : procura de “paisagem”, de “natureza”, de “verde”, de “ar puro”, de condomínios fechados. Nos aglomerados urbanos fortemente atrativos, como em cidades balneárias” como Natal, de grande procura turística, a demanda aumenta ainda mais porque é maior a expectativa de valorização do investimento. Do lado da oferta (local e local associada), assiste-se a uma clara segmentação dos mercados, a um marketing agressivo e direcionado (feito lá fora, na Europa) e à criação permanente de expectativas (quanto à segurança, qualidade construtiva, novos materiais, equipamento sofisticado) acelerando a mobilidade residencial. Diferentemente de Natal, em algumas áreas balneárias e “centros de retiro” (Logon e Molocht apud Guidens, 2000), do velho continente, e mesmo da Ásia , essa conjugação vem dando mostras de desaceleração, atribuída por Portas, Domingues 2osem. 2006 novas tipologias habitacionais perante a expansão do capital imobiliário-turístico em natal e Cabral (2003), ao endividamento das famílias, crédito mal parado, construção vazia por vender. No entanto, essa situação não é o que vem acontecendo em cidades litorâneas do Nordeste do Brasil, a exemplo de Natal, Recife, Fortaleza, Salvador e Maceió. Nesse cenário, deve ser observado e relativizado o âmbito e a eficácia da regulação urbanística, bem como suas limitações. Boa parte da discussão dessa questão centra-se na excessiva dependência do financiamento público (municipal, principalmente) para prover a infra-estrutura necessária à expansão dos investimentos desse novo segmento (turismo/imobiliário) em relação às receitas fiscais auferidas direta ou indiretamente dessa avalanche de investimentos. Este ensaio tem o objetivo de discutir os efeitos sobre a dinâmica urbana de Natal desse novo e recente segmento econômico que aqui chamamos turismo/imobiliário, ressaltando também o aspecto da regulação urbanística. Trabalharemos com a hipótese de que as modalidades e especificidades de uso dessas novas habitações, notadamente a segunda residência, cria a “cidade fantasma”, centrada na excessiva dependência de financiamento público em relação aos proveitos fiscais diretos-indiretos que essa dinâmica imobiliária poderia gerar. O universo de análise é o bairro de Ponta Negra, área turistificada e integrante da orla marítima da cidade que, desde meados dos anos noventa, vem sendo objeto de práticas de incorporação imobiliária e oficializando-se como “área de expansão” do sistema de incorporação imobiliária na estrutura urbana de Natal. Do mesmo modo, o bairro é reafirmado como área de intensos investimentos em hotelaria e serviços de apoio ao turismo. O trabalho aborda: 1) as modalidades e especificidades de uso das residências e seus efeitos sobre a dinâmica urbana , focalizando o caráter sazonal da ocupação dos imóveis (emergência de um outro momento das chamadas “segundas residências” ou da “ cidade fantasma”); 2) a densificação e a afirmação do território “turistificado” e sua relação com a legislação urbanística de Natal; 3) a mudança nas características tipológicas da habitação e a dinâmica imobiliária nas áreas de interesse turístico (bairro de Ponta Negra) e sua relação com os processos de segregação residencial e fragmentação socioespacial. Momentos do processo de ocupação do espaço de Ponta Negra: das casas de veraneio ao bairro turístico O bairro de Ponta Negra possui características muito próprias, relacionadas não apenas com a sua história de formação e consolidação nos anos 70, mas de sua fase mais recente – anos noventa e atualidade. O bairro se configurou a partir de de tipos de assentamentos: vila de pescadores com produção informal de habitações; a orla marítima com as casas de veraneio e, nos anos 70, os conjuntos habitacionais cadernos metrópole 16 pp. 141-162 2osem. 2006 143 alexsandro c. f. da silva, maria dulce p. bentes sobrinha e maria do livramento m. clementino 144 horizontais ou de três pavimentos. Nas últimas três décadas, a ocupação de Ponta Negra se deu pela pressão do desenvolvimento imobiliário, primeiramente através de conjuntos habitacionais financiados pelo antigo BNH (Conjuntos Ponta Negra e Alagamar). Na década de 90 do século passado, verifica-se uma mudança significativa no padrão dos produtos imobiliários voltados, agora, para empreendimentos modernos, em sua maioria verticalizados. Em Ponta Negra, a mudança no padrão imobiliário vem acontecendo de forma acelerada, visível na paisagem urbana, notadamente após os investimentos em saneamento e urbanização da praia realizados neste início de século, com recursos do Programa de Desenvolvimento do Turismo do Nordeste (Prodetur/NE). São empreendimentos que cada vez mais crescem numericamente de forma concentrada no bairro. Praia urbana, com população nativa de pescadores, teve sua origem na Vila, núcleo do povoamento da área. Até a década de 1960, a praia de Ponta Negra era ocupada pelos moradores da vila (que viviam da pesca, da agricultura comunal e do artesanato) e por veranistas que construíram suas casas de veraneio à beira-mar. Esse primeiro momento da construção de segundas residências em Natal apresentava uma ocupação da orla marítima rarefeita de “casas de veraneio” mantidas por famílias de classe média-alta em praias como Ponta Negra, e Redinha e depois Pirangi e Búzios, ocupadas nas férias escolares e durante os largos feriados Carnaval e Páscoa). cadernos metrópole 16 pp. 141-162 Ponta Negra apresentava grandes dificuldades de acesso, por não possuir uma estrada pavimentada que a ligasse aos bairros antigos da cidade. Em 1965, com o início das atividades do Centro de Lançamentos de Foguetes da Barreira do Inferno, ocorreram mudanças no uso do solo de Ponta Negra. A construção da Barreira do Inferno contribuiu para redefinição do espaço da zona sul de Natal, na medida em que levou a infra-estrutura aos terrenos mais distantes e fez a estrada asfaltada (atual av. Engenheiro Roberto Freire), ligando a Barreira a Natal. Promovendo, inclusive, alterações nas condições de trabalho e moradia. Na década de 1970, o bairro começa a desenvolver-se, de fato, com a construção de conjuntos habitacionais. Hoje, cerca de 68% da população residente no bairro (23.600 pessoas no Censo 2000, o que corresponde a 3,3 % da população de Natal), mora nos conjuntos. Azevedo (apud Silva, 2003, p. 82) “aponta a instalação dos conjuntos como forma de valorizar as terras já loteadas, aumentando seu preço de compra”. As terras localizadas, não só em Ponta Negra, mas entre Ponta Negra e os bairros já existentes (Capim Macio, principalmente), rapidamente se valorizaram, pois agora era possível a ocupação de tais terras. A emergência do turismo nos anos de 1980 e sua reestruturação pós Prodetur-NE nos anos de 1990 criou, efetivamente, a possibilidade de “segundas residências” para um público não-local. Na década de 1980, o mercado de terras, como registra Ferreira (1996), já estava praticamente 2osem. 2006 novas tipologias habitacionais perante a expansão do capital imobiliário-turístico em natal Tabela 1 – Relação de conjuntos habitacionais em Ponta Negra Conjunto habitacional Ano Conjunto Ponta Negra Conjunto Alagamar Conjunto Serrambi I Conjunto Serrambi II Conjunto Serrambi III Conjunto Natal Sul I Morada Sul Torre do Sul Residencial Solar da Vila Residencial Normandia La Rochelle Residence 1978 1979 1989 ----1981 ----------- Unidades 1.837 158 504 456 228 185 24 24 168 54 48 3.686 Total População 8.267 711 1.895 1.715 857 1.832 108 90 632 203 180 casas casas aptos. aptos. aptos. aptos. 15.850 Fonte: Semurb, 2003, p. 4 e p. 1. consolidado em Natal, com o solo criado parcelado. Mas esses parcelamentos não ofereciam os serviços e infra-estrutura necessários à habitação. Para ela, a instalação fragmentada dos conjuntos, a formação de enormes vazios urbanos e a permissividade da administração pública foram responsáveis pela valorização das terras com a definitiva ocupação por parte da população através de (re)loteamentos nas décadas de 1980 e 1990. Em 2003, já eram 33 os loteamentos em Ponta Negra (Semurb, 2003, p. 19). O alto preço da terra deve-se, hoje, à valorização de sua localização. A infra-estrutura, como bem observou Costa (2000), vem depois. Ainda na década de 80, foi iniciado em Natal um grande crescimento da atividade turística. O marco fundamental para a expansão da atividade turística foi a construção da Via Costeira. É uma avenida de 12 km, que liga a praia de Areia Preta, próxima ao centro da cidade, à praia de Ponta Negra, cuja paisagem natural é marcada pelo Morro do Careca (principal cartão postal de Natal). Assim, a reorganização socioespacial de Ponta Negra (e mesmo de Natal) é impulsionada pela Via Costeira, com o novo acesso à Ponta Negra.1 No que diz respeito à importância da Via Costeira para as modificações sofridas pelo bairro de Ponta Negra, este se tornou, com ela, o local preferido de turistas e moradores vindos de outros países, de outras partes do Brasil e da cidade. Ponta Negra contava então com dois acessos: a Via Costeira e a av. Roberto Freire (Silva, 2003, pp. 50-53). 2 Hoje, o bairro concentra shoppings, bancos, bares e restaurantes, postos de combustível, padarias e lojas de conveniência, locadoras de veículos, locadoras de vídeo, concessionárias de automóveis, agências de viagens, farmácias, escolas, feira de artesanato, supermercados, todos voltados para a atividade turística e para a classe média alta que mora em suas proximidades. cadernos metrópole 16 pp. 141-162 2osem. 2006 145 alexsandro c. f. da silva, maria dulce p. bentes sobrinha e maria do livramento m. clementino Com o crescimento da atividade turística, a partir dos anos 80, outras ações foram desenvolvidas pelo poder público no bairro. Entre elas, o projeto Rota do Sol financiado pelo Prodetur-NE. Ela ajudaria na interligação entre Ponta Negra e demais espaços da cidade e de todo o litoral sul de Natal. Na medida em que a Rota do Sol facilitou o fluxo de turistas, permitiu o desenvolvimento dos serviços, da especulação imobiliária, da ampliação do comércio e, sobretudo, proporcionou a criação de novos empreendimentos imobiliários voltados à habitação, ao comércio e serviços (notadamente hotéis e pousadas) no bairro. 146 Modalidades e especificidades de uso das residências (e segundas residências) e seus efeitos sobre a dinâmica urbana: “a Cidade Fantasma” como hipótese Em Ponta Negra, a mudança no padrão imobiliário é acelerada em face do processo de turistificação da área. No contexto de crescimento da atividade turística em Natal a maior concentração de turistas, de meios de hospedagem e de entretenimento se concentra nesse bairro. O número excessivo de hotéis, pousadas, bares, restaurantes, casas noturnas, albergues, locadoras de veículos, agências de viagem, localizados no bairro e na Via Costeira são destinados ao atendimento de uma demanda instalada nos últimos 20 anos, principalmente onde a atividade hoteleira teve seu maior desenvolvimento.3 cadernos metrópole 16 pp. 141-162 A turistificação do bairro de Ponta Negra se inicia em meados dos anos 90, e coincide com o processo de verticalização de Natal. Mudanças no uso do solo acompanharam o desenvolvimento turístico do bairro, que cresceu significativamente. As casas de veraneio foram, ao longo das duas últimas décadas, reformadas, vendidas, deixando de existir pelas excelentes ofertas da especulação imobiliária que lotearam suas glebas localizadas na proximidade da praia. Os Conjuntos Habitacionais, principalmente Ponta Negra e Alagamar, passaram, também, por significativas mudanças, em virtude do avanço do turismo. Em suas ruas externas se encontram serviços voltados a essa atividade. Nas ruas internas, há novos usos, além do residencial, muitos deles são pousadas, mercadinhos, farmácias, escolas, restaurantes, etc. Muitas moradias já foram totalmente descaracterizadas e são destinadas a atividades puramente empresariais. A Vila, mais que qualquer outro espaço, foi totalmente reinventada. Assim, no contexto de desenvolvimento do turismo, a atividade terciária foi expandida, tanto em direção à praia, redirecionando o uso da Vila e das antigas casas de veraneio, como adentrando os dois primeiros conjuntos habitacionais do bairro (logo, os mais bem localizados). Nesse contexto de reorganização espacial de Ponta Negra, todo o investimento em infra-estrutura e serviços públicos tem contribuído para estabelecer uma forte pressão sobre o mercado imobiliário (Silva, 2003, p. 127). Esse novo momento comporta transformações substanciais no 2osem. 2006 novas tipologias habitacionais perante a expansão do capital imobiliário-turístico em natal Tabela 2 – Dimensionamento dos empreendimentos em Ponta Negra Nº de apartamentos Empreendimentos Pavimentos Therra Mare Residencial Maximum Home Service Ponta Negra Beach (Center) Yacht Village Residence Ponta Negra Flat Solar Mares Paradise Residense Flat 12 20 --3 10 21 18 61 77 155 93 120 21 174 20 22 10 10 22 35 terrenos 70 174 32 38 184 360 169 Pontamares Residencial Natal Plaza Porto Verão Residence Praia Sul Residence Sports Park (4 torres) Corais de Ponta Negra (4 torres) Ponta Negra Boulevard Total 1.559 lotes Garagens 64 77 30 93 32 63 72 fixas 100 rotativas 70 116 rotativas 32 38 370 20 169 garagens 2.046 Fonte: Clementino, 2004. modelo precedente da oferta residencial (conjuntos habitacionais horizontais ou de três pavimentos), no perfil social dos moradores e nas formas de sociabilidade daí resultantes. Portanto, para o capital imobiliário, o bairro de Ponta Negra se consolida como espaço para bons negócios e de enriquecimento condicionado pela existência de terrenos propícios para construção imobiliária destinada a habitação, comércio, serviços e empreendimentos destinados à atividade turística. Há nesse contexto duas formas de obtenção de renda: uma gerada pela atividade turística e outra pela exploração e especulação imobiliária, cuja renda vem de fatores como a localização dos terrenos ou dos empreendimentos. Em 2004, eram 14 os grandes empreendimentos direcionados à moradia e ao lazer. No geral, os apartamentos são pequenos, tendo em média 55m 2. O Sports Park e o Corais de Ponta Negra, com áreas que mais lembram clubes recreativos, são dotados das condições de segurança exigida pelos que vivem em condomínios fechados nas grandes cidades. Vendiamse, ao mesmo tempo, o lazer e um estilo de vida. São esses condomínios verticalizados (flats, principalmente) e condomínios fechados horizontais que vêm marcando cada vez mais a mudança de um modelo de “cidade aberta” centrada na noção de espaço público e em valores de integração social com o restante da cidade, para a um regime de “cidade fechada” marcada pela afirmação de uma cidadania privada e consumo da paisagem (Svampa, 2001). Portanto, o que vem ocorrendo é que esses empreendimentos vêm beneficiandose ou utilizando-se da infra-estrutura criada pelo turismo, obtendo cada vez mais renda com esses negócios e, também, valorizando estoques de terra. cadernos metrópole 16 pp. 141-162 2osem. 2006 147 alexsandro c. f. da silva, maria dulce p. bentes sobrinha e maria do livramento m. clementino As modalidades e especificidades de uso das residências na área “turistificada” 148 Esses empreendimentos mudaram o padrão imobiliário do bairro e mesmo da cidade. O processo de verticalização se intensificou com o aumento da atuação desses grupos privados, sobretudo no que se refere à criação de grandes empreendimentos residenciais. Além disso, o avanço da atividade turística influenciou os projetos, na medida em que acrescentou uma nova clientela ao mercado de imóveis: estrangeiros, europeus, principalmente os oriundos de Portugal, Espanha, Noruega. Além da população local, de classe média, potencialmente compradora dos imóveis, para morar ou investir, é, de fato, o turista estrangeiro que tem contribuído para dinamizar o mercado imobiliário. O aumento da atividade turística e do turismo internacional mudou também os tipos de uso da produção imobiliária e o padrão dos imóveis. Além da oferta de apartamentos residenciais, passou-se a construir e vender apartamentos tipo flat. Criou-se novo filão de mercado, que atende ao interesse de todo tipo de comprador: da classe média local que compra para ter renda de aluguel; do turista brasileiro que retorna para “tentar a vida” e só vê Ponta Negra como o “único” lugar bom de morar; e, do turista estrangeiro, para quem U$50 mil representa muito pouco quando a vantagem é ter um apartamento com renda de aluguel e disponível nos dias do ano que retornar, como segunda residência. cadernos metrópole 16 pp. 141-162 São essas urbanizações integradas – residências tipo apartamento com diversificados espaços de lazer, padrão “clubes de lazer”, cuidadosamente planejados– que se integram estética e funcionalmente ao bairro e à praia, particularmente à paisagem do Morro do Careca. Numa primeira aproximação, sistematizamos as seguintes modalidades ou tipos de residências em Ponta Negra: Tipo 1 – Condomínios antigos e conjuntos habitacionais: são os mais simples, com blocos de no máximo três pavimentos, caracterizados por uma intensa vida social interna (relações solidárias entre vizinhos); localizam-se distante da praia e foram construídos no tempo da “cidade aberta”, dos conjuntos residenciais horizontais, para atender às necessidades de expansão imobiliária da zona sul de Natal nos anos 80, já sob influência do turismo. Tipo 2 – Condomínios tipo flats: são voltados tanto para fim residencial como para consumo do turismo, ampliando para seus usuários a rede de serviços pessoais e de lazer; Tipo 3 – Condomínios fechados verticais: são voltados para fim residencial ampliando marcadamente para seus usuários as condições de lazer e segurança. São concebidos para atrair o turista estrangeiro a constituir uma “segunda residência”. Vendem principalmente a paisagem do mar e do principal ícone da praia: o Morro do Careca; Tipo 4 – Condomínios fechados horizontais: é a oferta menos difundida e 2osem. 2006 novas tipologias habitacionais perante a expansão do capital imobiliário-turístico em natal a mais recente, orientados para as classes média e alta e também para o turista. O condomínio oferece a infra-estrutura interna de lazer e serviço, ficando a cargo do comprador a idealização e construção da residência. Na praia, as antigas casas de veraneio da orla marítima foram substituídas para abrigar hotéis, pousadas, restaurantes, bares, comércio, pequenos shoppings centers , e serviços, inclusive bancários. Na Vila, o turismo adentrou em cheio e requalificou a área, tornando-a o “espaço síntese” de todos os processos hoje vivenciados por Ponta Negra. Local de moradia, pousadas, pequenos bares, pequeno comércio portas abertas e ambulante, nigtclubs, etc. Ainda em fase investigativa e seguindo um campo de problematização e formulação de hipóteses apoiadas nos conceitos de segregação residencial e fragmentação sociopolítica espacial (Ribeiro, 2004), tentamos sistematizar a especificidade de uso das residências na área turistificada de Natal tendo em vista perseguir a hipótese da cidade fantasma. Tendo por base os trabalhos de Clementino (2004) e Ferreira (2005) estabelecemos diferentes grupos de moradores: a) moradores permanentes – estabelecidos nas residências de tipo 1 (condomínios antigos, de três pavimentos) e tipo 4 (condomínios recentes, fechados, horizontais); b) moradores permanentes e temporários – estabelecidos nas residências de tipo 2 (flats ) e tipo 3 (apart/clubs). O caráter sazonal da ocupação dos imóveis: as segundas residências de turistas estrangeiros De modo geral, pode-se distinguir perfis diferentes entre as categorias de ocupação sazonal dos imóveis residenciais a) turistas, com ocupação entre 3 e 7 dias, que optam pela permanência em flats, em vez do sistema de hotelaria tradicional. È uma modalidade confortável, mais barata, uma vez que seu custo (diário, semanal, mensal) não é estipulado por pessoa e sim por unidade habitacional. Ou seja, o aluguel do flat contém todas as vantagens (ou quase todas) da hotelaria tradicional, incluindo conforto, lazer e segurança, a um custo familiar mais cômodo. b) turistas, com ocupação de tempo mais prolongada, que optam pela “segunda residência” em “apart/clubs”. É uma modalidade nova, resultante do processo de turistificação da área e do fluxo de turistas estrangeiros. No geral, são imóveis adquiridos por estrangeiros que optam por passar parte do ano aproveitando o sol e o mar, notadamente durante o período de inverno no hemisfério norte. No que se refere às novas modalidades e especificidades de uso das residências em relação aos efeitos gerados sobre a dinâmica urbana, podemos dizer que os diferentes atores (econômicos, sociais e políticos) têm interesses muito diferentes na área e seu peso desigual revela um perigoso desequilíbrio de poderes no momento de legitimar realidades e fatos consumados, cadernos metrópole 16 pp. 141-162 2osem. 2006 149 alexsandro c. f. da silva, maria dulce p. bentes sobrinha e maria do livramento m. clementino 150 notadamente à luz da legislação urbanística. Aparece fortemente a figura do incorporador imobiliário, assegurando uma demanda sustentada desse novo padrão habitacional. O boom imobiliário atrai capitais de muitas origens e escalas. Já prevalecem capitais especializados e identifica-se a entrada do “pequeno” investidor estrangeiro; aquele que vem no rastro do turista de seu país. Os atores sociais intervenientes têm desempenhado importante papel no conflito gerado pela turistificação da área: notadamente conflito pela manutenção da paisagem e pelas questões ambientais do bairro em geral. Há resistência a essas tendências: a) movimentos pró-manutenção da área nom edificandi da Av. Roberto Freire, sob o argumento de que a edificação dessa área esconderia o principal cartão postal da cidade: o morro do Careca; b) resistência à ocupação da área de Lagoinha; c) movimento pela permanência e ampliação do núcleo original da Vila como uma AEIS (Área de Interesse Social) na recente revisão do Plano Diretor de Natal. As cidades balneárias, os centros de retiro, apresentam vantagens e limites, pois tendem a produzir a “cidade fantasma”. No caso de Ponta Negra, o novo padrão imobiliário, tipo apart/club, mesmo associado ao turismo, sugere ainda baixa ocupação do imóvel durante o ano. E, na medida em que parte dos imóveis têm uso limitado durante um período do ano, são criadas dificuldades de vida para os moradores permanentes, que se vêem de uma hora para outra atropelados em sua rotina; pelo congestionamento no uso de cadernos metrópole 16 pp. 141-162 elevadores, garagens, uso de equipamentos de lazer, sobrecarga de energia elétrica, etc. Exigem uma infra-estrutura urbana cara e esforços do poder público para acompanhar o ritmo de novas construções: energia, telefone, água, esgoto, saneamento, etc. Como hipótese, coloca-se que parte dessa infra-estrutura ficará ociosa, devido ao crescente número de “segundas residências”. Estando assegurada pelos poderes públicos a estrutura básica do empreendimento, é certo que os proprietários pagam regularmente o condomínio, o IPTU e as taxas extras eventualmente cobradas; é mantida uma demanda de empregos e serviços para manutenção interna do imóvel: administrador, procurador, faxineiro, etc. É criada, também, uma demanda de serviços mais ampliados no bairro e mesmo na cidade: comércio, serviços, shoppings centers, hipermercados, etc. Porém, observa-se que parte dessa infra-estrutura ficará ociosa, que parte desse comércio e serviços demandado sofrerá agudamente com a baixa estação, pois nem sempre as “segundas residências” estão associadas ao fluxo de turismo para fins econômicos. Tudo isso, além de elevar sobremaneira o preço da terra urbana e dos imóveis, e estimular a especulação imobiliária. Densificação do território “turistificado”: regulação do solo urbano em Ponta Negra Datam da década de 1970 as primeiras iniciativas de regulação do uso do solo na área correspondente ao atual Bairro Ponta 2osem. 2006 novas tipologias habitacionais perante a expansão do capital imobiliário-turístico em natal Negra. Através do Decreto nº 2.236, de 19/7/1979, foi instituída a Áreas Non Edificandi correspondente aos terrenos adjacentes à Av. Roberto Freire. O objetivo foi o de preservar a paisagem da praia de Ponta Negra, principalmente a vista do Morro do Careca (Figura 1). Nos anos de 1980, o Plano Diretor de Natal – Lei nº3.175/84, instituiu a faixa liorânea do bairro como Zona Especial Turística 1 (ZET1). A regulamentação dessa Zona se deu através da Lei nº 3.607/1987, que estabeleceu parâmetros restritivos de ocupação do solo, limitando o gabarito das edificações a dois pavimentos (7,5m). O Plano Diretor de 1994 , Lei nº 7, confirmou os parâmetros da ZET1 e definiu todo o bair- ro Ponta Negra como Área de Adensamento Básico (densidade básica residencial de 180 hab/ha). A fragilidade da infra-estrutura de saneamento e os objetivos de preservação da paisagem fundamentaram amplamente a distinção desse bairro em relação às Áreas Adensáveis de Natal. Com a implantação do sistema de saneamento básico no bairro, em 1999, ano em que tiveram início as obras do projeto de urbanização da orla marítima de Ponta Negra, intensificou-se a pressão dos agentes imobiliários para a mudança da legislação urbanística, de forma a garantir maior potencialidade construtiva. Alterações na legislação foram efetivadas a partir desse ano, com destaque para a Lei Complementar Figura 1 – Natal: Bairro Ponta Negra - Legislação 151 Fonte: SEMTAS - PMN (2004) Nota: Elaboração dos autores cadernos metrópole 16 pp. 141-162 2osem. 2006 alexsandro c. f. da silva, maria dulce p. bentes sobrinha e maria do livramento m. clementino 152 nº 22/99, que transformou a densidade básica residencial de 180hab/ha para 225hab/ ha, válida para todos os terrenos contidos na Zona Urbana de Natal. Porém, foi com a criação de uma Zona Adensável em Ponta Negra – Lei nº 27, de 3/11/2000 – que se verificou um impacto de transformação mais expressivo no processo de ocupação do solo e na paisagem do Bairro. A densidade básica residencial passou a ser de 350hab/ha. Isso repercutiu diretamente na verticalização da área mais interiorizada do bairro em relação à orla, com efeitos sobre o processo de valorização imobiliária. A Vila de Ponta Negra, núcleo original do bairro, constituído em sua formação por populações tradicionais (pescadores e rendeiras), representa uma das áreas mais atingidas pelos efeitos de densificação da área. O centro da Vila é reconhecido como Área Especial de Interesse Social (AEIS) pelo Plano Diretor de Natal (Lei nº 7/94), aguardando contudo a sua regulamentação. A partir de 2004, no processo de discussão pública da revisão do Plano Diretor de Natal ( Lei nº 7/04), foi assinalada a inadequação dos parâmetros definidos para a Zona Adensável de Ponta Negra. Ficou evidente que a infra-estrutura de saneamento, ainda que tivesse sido ampliada, não era suficiente para atender à demanda gerada pela densidade autorizada em lei. Sobretudo, o sistema viário apresentou graves limites, sendo crítico o escoamento do tráfego, principalmente no eixo Rota do Sol, Av. Roberto Freire e Via Costeira. As discussões geradas nos fóruns técnicos e de participação social destacaram cadernos metrópole 16 pp. 141-162 esse problema, resultando em propostas de transformação do bairro Ponta Negra em Área de Adensamento Básico. A proposta de revisão do Plano Diretor de Natal encontra-se em votação na Câmara de Vereadores. Constata-se que o Bairro Ponta Negra possui, em sua trajetória de formação, um marco regulatório que, embora tensionado pelas pressões do mercado imobiliário, sobretudo a partir de 2000, apresenta mecanismos de proteção ambiental. A busca de preservação da paisagem se inscreve desde o momento em que se intensifica o processo de ocupação do bairro, no final dos anos de 1970 até o presente. Por outro lado, populações fundadoras e residentes da Vila de Ponta Negra têm sido atingidas com relação à dinâmica de valorização imobiliária. A ausência de regulamentação da AEIS instituída e a fragilidade dos programas habitacionais na área da Vila de Ponta Negra concorrem para a diferenciação e substituição da população moradora dessa área por imigrantes, sobretudo de outros estados e países. Característica tipológica da habitação e a dinâmica imobiliária em Ponta Negra: relações com processos de segregação residencial e fragmentação socioespacial No terceiro eixo de análise deste artigo, farse-á necessário evidenciar quais dinâmicas do mercado imobiliário foram responsáveis 2osem. 2006 novas tipologias habitacionais perante a expansão do capital imobiliário-turístico em natal pela estruturação da Região Sul de Natal e, mais especificamente do bairro de Ponta Negra, como área de maior dinâmica imobiliária, lócus das tipologias apontadas no item “Momentos do processo de ocupação do espaço de Ponta Negra: das casas de veraneio ao bairro turístico”. Os anos de 1990 foram fundamentais para a consolidação do mercado imobiliário em Natal, sem a presença dos recursos do Banco Nacional da Habitação – BNH, encerrados em 1986. O papel do Incorporador, como descrito por Ferreira (1996), saiu fortalecido e capitalizado pelos investimentos em habitação popular realizados no período de 1970 e 1986. Tais incorporadores modificaram seu perfil de atuação nos anos de 1990, no sentido de oferecer produtos imobiliários para uma cidade que se estruturava como centro de atração para investimentos turísticos – Prodetur, principalmente. Ocorreu um boom imobiliário em áreas adjacentes ao eixo centro-sul de Natal, além de uma formação de área conurbada com Parnamirim. A Tabela 1 registra a dinâmica de utilização de terrenos e o aumento de área predial ocorrida no ano fiscal 2002 e 2003, identificados por Bastos (2004, p. 66). Em primeiro lugar, cabe a ressalva da não totalidade no Cadastro Imobiliário, das propriedades do Município de Natal, devido às partes mais periféricas e subnormais da cidade não estarem incluídas no Cadastro. Entretanto, como estamos nos referindo neste artigo ao mercado imobiliário formal, os números permitem a análise dos dados.4 Em 2002, 79% dos imóveis eram do tipo predial, isto é, com edificação sobre o lote; 21% era lote vazio. Em 2003 ocorre uma pequena variação, com aumento de unidades prediais (80%) e diminuição de lotes vazios (20%). Embora seja uma variação pequena em termos de unidades territoriais, a diminuição de áreas vazias no município de Natal tem sido uma constante no processo de produção imobiliária. Em levantamento realizado em 1992, o Instituto de Planejamento de Natal – Iplanat – registrava a existência de 39.742 terrenos não edificados, totalizando 5.287 ha; essa variação corresponde a pouco mais de 1.200 terrenos ocupados por edificações em 10 anos. Tabela 1 – Imóveis no Cadastro Imobiliário da Prefeitura de Natal - 2002-2003 Tipo propriedade Ano 2002 Qtde. % Ano 2003 Área (ha) % Qtde. % Área (ha) % Predial 148.087 79 1.758 26 150.247 80 1.861 27 Territorial 38.516 21 4.944 74 38.319 20 4.939 73 Total 186.603 100 6.702 100 188.566 100 6.800 100 Fonte: Bastos, 2004, p. 66 cadernos metrópole 16 pp. 141-162 2osem. 2006 153 alexsandro c. f. da silva, maria dulce p. bentes sobrinha e maria do livramento m. clementino 154 Um dado a ser explicitado é que, embora tenha sido acrescido em 103 hectares de área construída, só ouve consumo de 5 hectares de terrenos vazios, o que indica o aproveitamento e a utilização de áreas já edificadas (ibid., p. 67). Esse fato refere-se à concentração de novos edifícios em áreas já consolidadas, especialmente no eixo formal da cidade, além da densificação de áreas ocupadas e a verticalização. Costa (2000) registra que 70% de todas as unidades prediais acima de três pavimentos foram construídos na década de 1990, em bairros considerados formalizados, do ponto de vista do Cadastro Imobiliário. Nesse sentido, a Secretaria de Finanças realizou atualização dos dados cadastrais em cinco zonas desde o final da década de 1990: Candelária e Pitimbu (Zona Sul) em 2001, Ponta Negra (Zona Sul) em 2002 e Capim Macio (Zona Sul) em 2003, isto é, nos bairros mais cobiçados pelo mercado imobiliário e com as mais altas taxas de IPTU da cidade. O objetivo é ampliar a arrecadação sobre partes da cidade que são conhecidamente formais e “boas pagadoras” de IPTU. O Gráfico 1 demonstra a distribuição de valores arrecadados em 2002, por Região Administrativa: a Região Leste (bairros mais antigos e com presença de fortes áreas comerciais, residenciais e serviços) lidera com 40,77% da arrecadação, seguida de perto pela Região Sul (bairros mais recentes e com forte presença de áreas residenciais) com 37,22% da arrecadação. As Regiões Oeste e Norte são ocupadas predominantemente por população de baixa renda, informalidade da moradia e da terra. Percebe-se, então, que a área de maior crescimento das atividades imobiliárias na década de 1990 foi a Região Sul, principalmente no eixo da Av. Senador Salgado Filho/Hermes da Fonseca. No bairro de Ponta Negra, a valorização imobiliária foi intensificada no final da década de 1990, com o Projeto de Urbanização da Orla (construção do calçadão e quiosques), saneamento e drenagem de um trecho do bairro, paisagismo na Av. Engenheiro Roberto Freire (avenida de acesso ao bairro), entre investimentos públicos. No setor privado, destacam-se a construção de um Shopping Center e diversas pousadas à beira-mar. Gráfico 1 – Valor dos tributos por região administrativa (2002), em % oeste oeste sul sul norte norte leste leste 0 10 20 30 Fonte: Semfi, 2002. cadernos metrópole 16 pp. 141-162 2osem. 2006 40 50 novas tipologias habitacionais perante a expansão do capital imobiliário-turístico em natal Em 2000, mudanças na legislação urbanística ampliaram em um setor específico do bairro a densidade básica para 350 ha, o que permitiu a construção de 3.5 vezes a área dos terrenos; isso causou uma corrida das incorporadoras para adquirir terrenos em Ponta Negra e construir, principalmente, flats. O resultado foi o total co- lapso das redes de saneamento e drenagem e a suspensão, por parte da Prefeitura, em 2004, de qualquer alvará para construção para o bairro (atualmente a Revisão do Plano Diretor de Natal reduz o coeficiente de aproveitamento do bairro). No período de 1998-2003, Bastos (2004, pp. 104-106) demonstra o registro Figura 2 – Natal: Renda dos bairros e valores imobiliários Legenda até 1 SM - 14,70% 1 - 1,5 SM - 32,35% 1,5 - 2 SM - 17,64% 2 - 2,5 SM - 5,83% 2,5 - 5 SM - 5,82% 5 - 10 SN - 14,70% mais de 10 SM - 5,88% 155 São Gonçalo do Amarante Macaíba Parnamirim Fonte: IBGE, 2000. Empresas&Empresários, maio de 2004, p. 33. Nota: Base Cartográfica – IBGE, 2000. cadernos metrópole 16 pp. 141-162 2osem. 2006 alexsandro c. f. da silva, maria dulce p. bentes sobrinha e maria do livramento m. clementino de 19.131 transmissões imobiliárias formais em Natal. Em relação ao período, 1998 representou 7,4% das transações; em 1999 esse volume passou para 17%, ficando estável nesse patamar até 2002, quando passa para 21%. Do total de transações imobiliárias (19982003) 85,39% são do tipo habitacional (43,07% apartamentos e 42,32% casas), o que indica forte concentração da construção civil na construção de moradias para faixas de renda média e média alta em Natal. 156 Os negócios, cujo objeto da transmissão são apartamentos, se situam na segunda posição do ranking de vendas no mercado de imóveis. Esses imóveis são responsáveis por aproximadamente a terça parte das transmissões ocorridas no período de estudo. Esse tipo de imóvel apresenta-se no mercado em um ritmo crescente, apesar da ocorrência de leve queda no volume de negócios, em 2001. (Ibid., p. 112) Os maiores níveis de Intensidade de fluxos imobiliários 5 dá-se às margens da avenidas Hermes da Fonseca e Salgado Filho, em um eixo centro-sul de Natal. Desde o tradicional e consolidado bairro de Tirol (terceira área ocupada por moradia em Natal, a partir de 1930) até Capim-Macio e Ponta Negra, bairros ocupados nos anos de 1980. A Figura 2 demonstra a relação entre a renda da população dos bairros e os preços imobiliários, onde se percebe que o eixo centro-sul condiciona os preços altos desde o bairro de Tirol e Petrópolis até Ponta Negra. A partir do afastamento desse eixo imobiliário, os preços dos terrenos e imóveis caem em direção à periferia da cidade. Nescadernos metrópole 16 pp. 141-162 se sentido, as tipologias imobiliárias descritas anteriormente acabam por se concentrar em uma faixa relativamente estreita da cidade, o que acaba contribuindo para a manutenção de um eixo contínuo de valorização imobiliária, ligado diretamente com o acesso à infra-estrutura e à paisagem natural da cidade. A verticalização se faz cada vez mais presente no eixo centro-sul, em bairros como Candelária, Lagoa Nova e Ponta Negra. Nos anos de 1990, Costa (2000, p. 214) registra um total de 67% de todas as construções verticais realizadas em Natal, sendo a grande maioria prédios residenciais. Em Ponta Negra, ocorreu a integração do bairro nesse boom imobiliário no final dos anos de 1990, quando da construção de obras na orla. O mercado imobiliário atrelou ao seu produto a paisagem como um ativo imobiliário, ampliando o alcance da demanda também para um público estrangeiro. Nobre (2001) comenta: Pode-se afirmar que a intensificação das atividades econômicas na cidade, representada principalmente pela afirmação de Natal enquanto destino turístico nacional, favoreceu o aumento da produção de edifícios verticais destinados ao uso habitacional, na década de 1990. O incremento proporcionado pelos investimentos na economia local, inclusive de capital internacional, pode ser constatado tomando-se como exemplo a instalação na cidade de grandes redes de supermercado. (p. 103) O mar, as dunas e a qualidade de vida passam a ser incorporados no discurso imobiliário valorizando os empreendimentos. 2osem. 2006 novas tipologias habitacionais perante a expansão do capital imobiliário-turístico em natal Ponta Negra, à beira-mar, assim como Areia Preta (praia na Região Leste), passam a sofrer um boom imobiliário muito mais intenso do que os imóveis localizados no eixo centro-sul. Flats, edifícios de apartamentos, hotéis, passam a substituir antigas casas de veraneio e ocupar terrenos vazios. Isso pode ser melhor visualizado ao analisarmos os gráficos a seguir. Utilizando dados da Semurb, referentes ao pagamento de Outorga Onerosa,6 é possível visualizar quais áreas da cidade apresentam um maior dinamismo em termos de mercado imobiliário. No Gráfico 2, no período de 1997 a 2004, estão listados os índices de construção de quatro bairros: Ponta Negra (Região Sul), Lagoa Nova (Região Sul), Petrópolis (Região Leste) e Barro Vermelho (Região Leste); destes, o bairro mais recente, em termos de ocupação imobiliária, é Ponta Negra; entretanto, o ano de 2000, em Ponta Negra, registra-se a maior quantidade de área construída do período, permanecendo em um nível alto em 2003 e 2004, superior aos bairros tradicionais. No Gráfico 3, em um período de 1996 e 2000, Ponta Negra também se destaca estando em segundo lugar, atrás de Lagoa Nova. Considerando que a Zona Adensável em Ponta Negra foi criada apenas em 2000 (Lei Complementar 027/00), pode-se perceber a importância que assumiu para o mercado imobiliário local. 157 Gráfico 2 – Área construída com pagamento de Outorga Onerosa em quatro bairros em Natal (1996-2000) Bairros 70000 2000 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 60000 2000 2001 50000 40000 2003 2003 30000 2003 2004 20000 2001 10000 0 2003 1997 1997 2004 2004 1997 2000 2001 Ponte Negra 2001 Petrópolis Barro Vermelho 2004 1997 Lagoa Nova Área construída Fonte: Semurb, Revisão do Plano Diretor de Natal, 2005. cadernos metrópole 16 pp. 141-162 2osem. 2006 alexsandro c. f. da silva, maria dulce p. bentes sobrinha e maria do livramento m. clementino Gráfico 3 – Área construída total com pagamento de Outorga Total de áreas construídas com pagamento de Outorga Onerosa em quatro bairros de Natal (1996-2000) 160000 139992 140000 120000 116387 100000 80289 80000 60000 42872 40000 20000 0 Ponte Negra Petrópolis Barro Vermelho Lagoa Nova Bairros Fonte: Semurb, Revisão do Plano Diretor de Natal, 2005. 158 Considerações finais Neste artigo, abordamos os efeitos do turismo imobiliário sobre a dinâmica urbana de Natal, articulando os condicionantes da legislação urbanística, sobretudo no que se refere à trajetória de adensamento do bairro Ponta Negra, universo de análise. Trabalhamos com a hipótese de que as modalidades e especificidades de uso das novas habitações, notadamente a segunda residência, cria a “cidade fantasma”, centrada na excessiva dependência de financiamento público em relação aos proveitos fiscais diretos-indiretos que essa dinâmica imobiliária poderia gerar. Pode-se apontar, como uma tendência consolidada, que o bairro de Ponta Negra enfrentou, nos últimos 10 anos, um conjunto de transformações em sua tipologia cadernos metrópole 16 pp. 141-162 habitacional e uso do solo, modificando seu perfil social e a utilização dos espaços, mesmo aqueles que não são beira-mar. Esse conjunto de modificações, novas atividades e usos foi motivado por uma “turistificação” de áreas do bairro, que passaram a receber uma população marcadamente advindas no rastro de um constante fluxo turístico; essa população causou uma pressão no setor imobiliário, principalmente o aumento no número das chamadas “segundas-residências”, que recebem não apenas as famílias, mas amigos e parentes dos visitantes. Essa prática vem se constituindo como reserva de uma população sazonal, que, por sua vez, impacta o setor de serviços, reestruturado em torno de novas funcionalidades: locadora de carros, restaurantes, salão de beleza, etc. 2osem. 2006 novas tipologias habitacionais perante a expansão do capital imobiliário-turístico em natal Seguindo a faixa litorânea, a segunda área de interesse imobiliário é o bairro de Areia Preta, zona Leste de Natal, onde uma nova área residencial de população de alto poder aquisitivo – população local – foi edificada. A ocupação da faixa costeira tenderá a ser mais dinamizada com a finalização da construção da nova ponte sobre o rio Potengi; o bairro da Redinha, margem esquerda do rio Potengi, assim como toda a Região Norte de Natal, será integrada fisicamente à parte sul, ampliando as áreas de interesse imobiliário. Esse fato parece levar a uma maior atuação imobiliária na área metropolitana, como forma de integrar glebas até então pouco valorizadas. A hipótese da “cidade fantasma” está suportada no caráter fluido da atividade turística e na volatilidade do capital imobiliário, e por sua capacidade de articular um novo padrão habitacional na área turistificada de Natal. A diversificação e a mistura das atividades, o aumento da procura de imóveis resultante da diversidade de motivações aproximam o que chamamos de “turismo/imobiliário” de um “urbanismo de afinidades” (Svampa, 2001). Ou seja, esta- mos nos afastando cada vez mais de um modelo de “cidade aberta”, europeu – aquele que os europeus estão perdendo e, quem sabe até buscando reaver por aqui – centrado na noção de espaço público e em valores como a cidadania política e a integração social. E nos aproximando de um regime de “cidade fechada”, marcada pela afirmação de uma cidadania privada. Estamos consolidando condomínios fechados e comunidades fechadas, inspiradas no modelo norte-americano de moradia unifamiliar e na segurança A crise do Estado, a desindustrialização e o aumento da insegurança urbana contribuem cada vez mais para separar os setores sociais mais favorecidos dos pobres e excluídos. Como diz Svampa (ibid.), aquele modelo de socialização que encontrava nas classes médias urbanas seu protagonista central e seu suporte básico no Estado como agente impulsionador da integração social, entrou em colapso. A nova dinâmica social das grandes cidades brasileiras é, pois, produto do surgimento de novas formas de pobreza e desigualdade, com acentuado aumento das desigualdades sociais. Alexsandro Cardoso Ferreira da Silva Arquiteto e urbanista , mestre em Arquitetura e Urbanismo, coordenador de Patrimônio Histórico, Arquitetônico e Arqueológico da Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente de Natal, participa do Observatório das Metrópoles, Instituto do Milênio-CNPq, sendo integrante, como pesquisador na UFRN, do Núcleo RMNatal. [email protected] cadernos metrópole 16 pp. 141-162 2osem. 2006 159 alexsandro c. f. da silva, maria dulce p. bentes sobrinha e maria do livramento m. clementino Maria Dulce Picanço Bentes Sobrinha Arquiteta e urbanista , doutora em Estruturas Ambientais Urbana pela FAU-USP, Professora do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo e do DARQ/ UFRN, como pesquisadora participa do Observatório das Metrópoles, Instituto do Milênio-CNPq, sendo integrante do Núcleo RMNatal. [email protected] Maria do Livramento M. Clementino Socióloga e economista, professora dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Economia da UFRN. Doutora em Economia pela Unicamp. Fez pós-doutoramento em Lyon2, França. Atualmente, coordena o Núcleo Avançado de Políticas Públicas – NAPP – da UFRN, inclusive o curso de Especialização em Gestão de Políticas Públicas do Programa da Escola de Governo da UFRN. Como pesquisadora, participa do Observatório das Metrópoles, Instituto do Milênio-CNPq, sendo integrante da coordenação executiva do projeto e coordenadora no Núcleo RMNatal. [email protected] Notas 160 (1) A Via Costeira limita-se, à direita (sentido norte-sul), por um conjunto de dunas e, à esquerda, pelo oceano Atlântico. Tem um conjunto de hotéis de categorias 3, 4, e 5 estrelas, casa de show e cervejaria, restaurantes e Centro de Convenções. (2) Em seu trabalho, Lopes Jr. (2000, p. 41) diz que “a urbanização turística do litoral sul de Natal redimensiona a dinâmica espacial da cidade, redirigindo a dinâmica urbana do centro e suas praias para a zona sul”. Segundo ele, essa dinâmica estende-se de Ponta Negra em direção à Av. Salgado Filho, contornando o Parque das Dunas pela “antiga estrada de Ponta Negra”, hoje, Av. Eng. Roberto Freire. Essa avenida foi duplicada em 1982 e, recentemente, (re)urbanizada pelo governo do estado, que construiu, na margem esquerda (sentido Natal-Ponta Negra), um calçadão para pedestres de cerca de três quilômetros. (3) O que vem ocorrendo é que esses empreendimentos cada vez mais se diversificam e se modernizam, beneficiando-se da excelente localização do bairro e utilizando-se da infraestrutura criada pelo turismo, quase sempre sob patrocínio dos governos do estado e do município de Natal. No ano 2000, por exemplo, foi executado o projeto Orla de Ponta Negra, com recursos oriundos do Prodetur-NE. Desse projeto de urbanização, fez parte a construção do calçadão na orla marítima, com três quilômetros de extensão e a substituição das antigas barracas de praia por quiosques de apoio aos freqüentadores da praia e/ou turistas (Semurb, 2003, p. 4). (4) “Frise-se que a diferença [entre o número real de unidades e o Cadastro] se compõe de 27.536 unidades domiciliares, que dentre os imóveis prediais cadastrados incluem-se não apenas os domiciliares mas também os não domiciliares” (Bastos, 2004, p. 73). cadernos metrópole 16 pp. 141-162 2osem. 2006 novas tipologias habitacionais perante a expansão do capital imobiliário-turístico em natal (5) Intensidade: indicador que mede o consumo de bens imobiliários. Mede a quantidade de transações imobiliárias através do ITIV – Imposto de Transmissão Inter-vivos. (6) Outorga Onerosa: instituída pelo Plano Diretor de Natal (Lei 7/94). O poder público demarcou uma densidade básica para todos os bairros da cidade e densidades diferenciadas, em bairros específicos. Para construções acima da densidade básica é cobrado um valor, relacionado com a área construída do empreendimento. Referências AQUINO, A. M. M. C. (2004).Coletânea da Legislação Urbanística do Município de Natal. Natal, Semurb. 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