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ESTUDO 03
Oseias e a infidelidade do povo
Jakler Nichele & Samir Confessor
“Amor eu quero. Não, sacrifícios.”
A profecia de Amós conseguiu despertar a
sensibilidade de mais gente para a realidade das coisas no Reino do Norte. Logo
depois dele surge Oseias, denunciando com
o mesmo vigor os pecados de Israel, agora
identificados como “prostituição” do povo,
que abandonou o projeto do Senhor para
servir ao projeto de Baal. (Os 4.2,4-10; 6.710; 10.4; 12.2,8-9).
Seu nome significa “Deus salva” e seu
ministério foi até nos últimos anos de
independência do Reino do Norte (Os 1.1).
Podemos situá-lo no final do reinado de
Jeroboão II, de que tratamos no estudo
anterior, pouco depois da atuação de
Amós, até um pouco antes da tomada da
Samaria pelos assírios (722 a.C.). Foi um
período de muitos conflitos internos e
externos, ao mesmo tempo em que a
profecia cresceu como voz dos oprimidos.
A juventude de Oseias coincidiu com um
dos poucos momentos de prosperidade de
Israel. Entretanto, esta situação mudou
completamente após a morte de Jeroboão
II. Israel decaiu rapidamente devido ao
expansionismo da Assíria, à fragilidade do
poder central e às suas revoluções internas.
Para se ter idéia da crise do momento,
basta dizer que Jeroboão II reinou durante
trinta anos e nos trinta anos seguintes
sucederam-se seis reis, quatro dos quais
ocuparam o trono pela força, sem direito
algum.
Zacarias, filho de Jeroboão II, o sucedeu
sendo assassinado, depois de seis meses de
governo, por Selum, o qual um mês depois
foi assassinado por Manaém (2Rs 15.8-16).
Seu tempo foi marcado por uma guerra civil
produzindo a divisão do Reino do Norte em
dois territórios que Oseias chama de
“Israel” e “Efraim”.
No horizonte internacional, em 745 a.C.
sobe ao trono da Assíria Tiglate-Pileser III,
excelente militar e desejoso de formar
grande império. As consequências deste
fato vão se sentir logo em Israel: em 742
a.C. Manaém teve de pagar mil talentos de
prata como tributo. Para conseguir esse
dinheiro e permanecer no poder, Manaém
exigiu uma contribuição de todos os ricos
do país (2Rs 15.19-20). Esta foi a primeira
etapa de vassalagem imposta pela Assíria.
As lutas anteriores, o pagamento do
imposto, as dissensões dentro do exército,
provocaram outra crise profunda. Na época
reinava em Israel o rei Facéias, filho de
Manaém (2Rs 15.23-26). Após dois anos de
governo, Facéias é assassinado por um de
seus oficiais, chamado Facéia, que assume
o comando de Israel de 737 a 732 a.C. Os
anos de prosperidade já estão longe...
Figura 4 – Oseias sente na pele a dor da traição.
A mesma dor que Deus sentiu ao ver seu povo se curvando a Baal.
Facéia, em lugar de seguir uma política de
neutralidade internacional e de paz interna,
atira-se a uma aventura. Em união com
Damasco (Síria) tentou barrar o avanço da
Assíria e parar de pagar o imposto.
Os dois reis tentam incluir Acaz, rei de
Judá, nessa trama. Acaz não aceita a proposta. Israel e Damasco, então, decidem invadir Judá (2Rs 16.5). É provável que o
desejo de expansão territorial, sobretudo a
disputa do território da Transjordânia,
estivesse por trás desse jogo político. Acaz
pede socorro ao rei da Assíria, que não
perde a oportunidade. Parte para apoiar
Judá, arrasa Damasco e toma posse de
cidades estratégicas de Israel, além de levar
seus habitantes deportados para a Assíria
(2Rs 15.29), deixando apenas Samaria. Esta
é a chamada Guerra Siro-efraimita, que foi
um desastre na história de Israel (734-732
a.C.). O livro de Oseias traz relembra este
acontecimento em 5.8-13.
Durante a guerra siro-efraimita, Israel não
foi totalmente destruído, porque um Oseias
(não profeta), filho de Ela, que representava
o grupo pró-Assíria, assassinou Facéia e
tomou o poder. Ele se rendeu imediatamente à Assíria e pagou tributo (2Rs 15.30).
Essa foi a segunda etapa da política de
conquista usada pelo império assírio.
Este novo rei, Oseias (732-724 a.C.),
contemporâneo do profeta Oseias, foi o
último rei de Israel. O rei Ospeuas deixou
de pagar tributo a Salmanasar V, rei da
Assíria, que sitia a Samaria e a derrota (724
a.C.). Em 722 a.C., o Reino de Israel
desaparece para sempre (Os 14.1).
Estas contínuas revoltas, bem como os
assassinatos, ajudam a compreender as
duras críticas do profeta contra seus
governantes como também a decepção com
que ele fala da monarquia.
Escola Bíblica Dominical – 2011
Para entender a mensagem de Oseias é
necessário também levar em consideração
outro dado: o culto a Baal. Quando os
israelitas chegaram à Palestina formavam
um povo de pastores seminômades. Imaginavam Javé como uma divindade de pastores, que protegia suas migrações, guiava-os
pelo caminho e os salvava nos combates
contra tribos e povos vizinhos. Ao se fixarem em Canaã, mudaram, em parte, de profissão, tornando-se agricultores. E muitos
dentre eles, com escassa formação religiosa
e idéia muito imperfeita de Deus, não podiam conceber que seu deus de pastores pudesse ajudá-los a cultivar a terra, fornecerlhes a chuva e garantir-lhes estações favoráveis. Então difundiu-se o culto ao deus
cananeu Baal, senhor da chuva e das
estações, o qual proporciona a fecundidade
da terra e favorece as culturas. Os israelitas
aceitaram este deus, apesar de o seu culto
implicar práticas totalmente imorais como
a prostituição sagrada.
Javé continuou sendo o deus do povo, mas
quem satisfazia as necessidades primárias
era Baal. Era ele que concedia o pão e a
água, a lã e o linho, o vinho e o azeite.
Quando os israelitas os possuíam, não
agradeciam a Javé, mas a Baal. Quando lhes
faltavam, aproximava-se uma má colheita
ou um período de seca, em lugar de invocar
a Javé, invocavam a Baal. Em qualquer
outro país isso não teria suscitado o menor
problema, já que as divindades costumavam ser muito tolerantes. Javé, porém é
visto como Deus ciumento, que não tolera
competição de nenhuma espécie. Isso nos
contará Oseias, com imagens muito claras.
Curiosamente, o termo “baal” (= senhor)
era utilizado pelas mulheres para com seus
maridos.
5
O Profeta
Sobre Oseias sabe-se muito pouco. São desconhecidos o local e data de nascimento e
morte e sua profissão. Sabe-se apenas o
nome de seu pai (Beeri) e o de sua esposa
Gomer, que poderia ser traduzido como
“aquela que termina”.
Oseias, no livro, teve uma intensa experiência pessoal: seu casamento conheceu o
fracasso quando sua mulher o abandonou e
entregou-se à prostituição (provavelmente
a “prostituição sagrada” nos ritos baalísticos de fecundidade). Mas ele a amava e,
quando ela voltou para casa, recebeu-a de
novo, perdoando-a (1.2-3,5).
Essa experiência deu a Oseias a moldura
para repensar a relação entre o Senhor e
seu povo. Diante da infidelidade à Aliança
(“prostituição”), que Oseias percebe como
sendo a causa central de toda aquela
situação difícil, não resta outra saída senão
converter-se ao Senhor, que perdoa porque
ama seu povo. Daí a denúncia ao culto
idolátrico, que é a principal temática.
A partir da religião, Oseias consegue atingir
todos os setores da vida de Israel (política e
economia), demonstrando com clareza que
um projeto de sociedade que pretende ter
a bênção do Senhor tem necessariamente
de se articular segundo a justiça e o direito,
o amor e a ternura (2.21).
Oseias também denuncia a infidelidade e a
corrupção de Israel. Adverte Judá e Israel
que vivem uma guerra fatricida e anuncia
os castigos que podem acontecer se não
houver conversão (4.1-14.1). As ameaças,
porém, não são palavras finais do profeta.
Ele encoraja Israel a retomar o caminho de
conversão e renovação interior: “Volte, ó
Israel, para o Senhor, o seu Deus. Seus
pecados causaram sua queda!” (14.2).
Contudo, ele teve a infeliz sorte de ver sua
gente caminhando para a ruína e acontecer
aquilo contra o qual tanto preveniu e alertou: a chegada da Assíria e a devastação definitiva do reino, por causa da infidelidade.
Do matrimônio com Gomer nasceram dois
meninos e uma menina, aos quais deu
nomes simbólicos: Jezrael (“Deus semeia”),
Lo-Ruhamah (“Não amada”) e Lo-Ammi
(“Não meu povo”). Experiência semelhante
teria vivido o profeta Isaías.
Sobre matrimônio de Oseias, alguns são de
opinião que se trata de pura ficção literária. Outros pensam que Oseias recebeu de
fato o encargo de se casar com uma prostituta e de ter filhos com ela. Outros ainda
pensam outros que Gomer não era prostituta, mas sim uma jovem normal que mais
tarde foi infiel a Oseias e o abandonou.
Dentre estas opiniões, a mais provável
parece ser a terceira. Esta trágica experiência matrimonial serviu Oseias para compreender e expressar as relações entre Deus e
o seu povo. Deus é o marido, Israel a
esposa. Esta foi infiel e o abandonou para ir
com outro (Baal) ou com os outros (Assíria
e Egito). Por isso, quando ele fala dos
pecados do povo os qualifica de “adultério”
e “prostituição”; e quando fala do amor de
Deus, imagina-o como amor apaixonado de
esposo, mas de esposo capaz de tudo
perdoar e de começar tudo de novo.
O Livro
Nenhum livro da Bíblia nasceu da noite
para o dia. E o livro de Oseias não foge à
regra. Ele é fruto de um longo processo
redacional e passou por várias releituras.
Segundo os estudiosos, a maior parte do
livro teria sido escrita pelo próprio profeta
e seus discípulos. A forte denúncia à
monarquia e suas estruturas de sustentação, bem como o anúncio de esperança
para alimentar o povo nos indicam essa
primeira etapa redacional. A turbulência
violenta do seu tempo o faz dizer que
“sangue derramado se ajuntava a sangue
derramado” (4.2).
Com as revoltas internas, a guerra siroefraimita (734-732 a.C.) e a queda da
monarquia em Israel (722 a.C.), muita gente
acabou indo para Judá, levando a tradição
profética produzida no Norte. Lá teria sido
feita uma nova compilação por redatores
judaítas, favoráveis à monarquia, simpatizantes da dinastia davídica. Vários textos
teriam sido acrescentados para incluir Judá
(4.15; 5.5b; 6.4,11a). Os judaítas teriam se
apropriado dos textos primitivos para
criticar os desvios da monarquia, sem
propor sua destruição. Continua firme a
esperança de um rei, com poder centralizado em Jerusalém. Alguns consideram
que no tempo de Josias (640-609 a.C.), a
literatura profética foi usada como propaganda política para apresentá-lo como o rei
ideal, justo e bom (Os 2.1-3).
A terceira releitura ocorreu no tempo do
exílio (598-538 a.C.). Uma das preocupações do autor exílico era dar ao livro uma
estrutura em três partes que temos hoje:
1-3; 4-11; 12-14. No final de cada parte
aparecem nitidamente os sinais dessa
releitura: 3.5; 11.10-11; 14.10.
Esquema do Conteúdo
1-3
Primeira Parte
A – Matrimônio de Oseias (1.2-9)
B – Os filhos e os seus nomes (2.1-3)
C – A mulher = o povo (2.4-17)
B’ – Os filhos e seus nomes (2.18-25)
A’ – Matrimônio (3.1-5)
4-11
Segunda Parte
4.1-5.7 – O povo não volta para Deus
5.8-7.16 – O povo retorna falsamente
8.1-14 – Como castigo ele voltará para o Egito
9-11 – Etapas deste exílio
12-14 Terceira Parte
11.1-9 – A vingança e o perdão de Javé
11.10-13.16 – Mensagens contra Israel
14.1-9 – Volta, Israel! Há esperança!
14.10 – Fechamento
Na primeira parte, Oseias é atingido
profundamente pela infidelidade da mulher
que ama, e encontra no seu próprio amor o
segredo do perdão. Assim descobre o valor
profético de sua vida: seu amor apaixonado
e ridicularizado não é a imagem do amor
de Javé por sua esposa Israel? A reconcilia-
Escola Bíblica Dominical – 2011
ção com Gomer não é sinal do amor de Javé
sempre pronto a perdoar? Isto sintetiza o
pensamento de Oseias.
Na segunda parte, que explica a primeira,
Oseias observa como vivem seus compatriotas e faz rigorosa análise da atualidade.
Oseias denuncia as desordens morais (4.12) e a atitude religiosa de seus contemporâneos. A terceira parte aprofunda a segunda,
com um anúncio de esperança.
O coração da mensagem do profeta está no
vers. 6.6: “Amor eu quero. Não, sacrifícios”.
Por fim, cabe destacar que o livro de Oseias
teve ressonâncias profundas no AT e encontramos seu eco nos profetas seguintes
quando exortam a uma religião do coração,
inspirada no amor de Deus. Jeremias foi
profundamente inspirado por ele. Não é de
estranhar que o NT cite Oseias ou nele se
inspire com frequência. A imagem matrimonial das relações entre Javé e seu povo foi
retomada por Jeremias, Ezequiel e a
segunda parte de Isaías (40-55). O NT e a
comunidade que dele surgiu aplicaram-na
às relações entre Jesus e a sua Igreja.
E agora?
Oseias, um profeta de profunda sensibilidade, foi preparado pela experiência e pela
orientação divina, para entender e interpretar o amor de Deus. Ele apresenta uma
interpretação clara do verdadeiro arrependimento que, na sua definição mais profunda e simples, é o retorno para Deus com a
mudança da mente e do caráter.
Oseias acrescentou ao conceito de justiça
divina, a compaixão e a fidelidade do Senhor. Este amor imutável não é doutrina
inteiramente nova, mas verdade poderosa
que recebe nova ênfase na vida e na mensagem do profeta pela sua experiência conjugal e por sua devoção ao Senhor.
Israel tinha perdido o conhecimento de
Deus, a capacidade de amá-lo e de amar e
não conseguia ver nem produzir justiça.
Desviado pelos sacerdotes, o povo reduziu
seu conceito sobre Deus ao nível de um
baal, um bom camarada que se podia
manejar com ofertas e culto de bajulação.
Deus quer receber o amor fiel daqueles que
o adoram. Deus quer que tenhamos misericórdia que é resultado deste amor. Este
amor fiel do povo é para o bem-estar e
felicidade do próprio povo, justamente
como o profeta desejava o amor fiel da sua
esposa. Fica nítido, então, que Deus quer
que entre nós haja profundo amor
evidenciando nosso amor a Deus.
OSEIAS NOS MOSTRA QUE A NOSSA CONCEPÇÃO DE
DEUS INTERFERE DIRETAMENTE SOBRE NOSSO
CLAMOR POR MUDANÇAS, JUSTIÇA E SANTIDADE.
Para saber mais ...
CRABTREE. A. R. O livro de Oseias. Rio de Janeiro: Casa
Publicadora Batista, 1961.
PEDRO, E. P. & NAKANOSE, S. Como ler o livro de Oseias.
3 ed. São Paulo: Paulus, 2005.
SCHÖKEL, L. A. & DIAZ, J. L. Profetas II. 2 ed. São Paulo:
Paulus, 2004.
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