Com Drummond, amar se aprende amando

Transcrição

Com Drummond, amar se aprende amando
TCE
— v. 74 — n. 1
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Olavo Romano
Carlos Drummond de And
“Amar se apre
rade
nde amando”
O tímido menino antigo tinha hematita nas veias.
Mas comeram seu chão de ferro, levaram tudo de trem, “milhafres de vagões vorazes”, minério
encambulhado, como cangalhas e bruacas chiando muito além dos ermos de Minas.
O tímido menino antigo, expulso do colégio por insubordinação mental, agora é farmacêutico formado.
Pode estabelecer-se como boticário em pacata cidadezinha do interior, dar aulas no ginásio local,
compridas tardes de prosa entre injeções, curativos e manipulações. Mas desiste,“para preservar a saúde
dos outros”.
Prefere a tertúlia do Estrela e da Livraria Alves, a fraterna convivência com Nava, Milton, Abgar, Emílio,
Mário, João Alphonsus, Aníbal, Gabriel, Pinheiro Filho. Mário de Andrade, desde o encontro no Grande
Hotel — em companhia de Oswald, Tarsila e Blaise Cendras — é influência incomparável.
Metódico operário da palavra, faz alquimia com o tempo, desdobrado entre o jornalismo, a que se devota
por 64 anos; o serviço público, de onde impulsiona a cultura e pastoreia o patrimônio nacional; e a poesia,
compromisso e vocação da vida inteira.
O menino gauche acompanha o homem atrás dos óculos e do bigode — sério, simples e forte —, de poucos,
raros amigos. Uma pedra no caminho escandaliza, chama atenção.
Mas estreia com acanhado meio milheiro de exemplares, saídos do próprio bolso, por editora imaginária.
Em era de minguadas tiragens, Brejo das almas tem 200 exemplares; Sentimento do mundo, 150,
distribuídos entre os amigos. Só em 1942, doze anos depois do primeiro livro, a José Olympio publica
Poesias e Drummond se abriga, finalmente, numa editora de verdade, por onde passaria a escoar quase
todo o incessante manancial.
Entre a solidão e a busca da comunhão, onde coubesse “a multiplicidade toda que há dentro de cada um”,
Drummond cumpriu sua longa e rica jornada. Apresentando-se como “um poeta brasileiro... dos mais expostos
à galhofa”, entendia que, depois das mais inimagináveis viagens, restaria ao ser humano a mais difícil: por o pé
no chão do seu coração, experimentar, colonizar, civilizar, humanizar o homem”. Viajar pelo próprio quarto, no
entanto, requereria “apenas a chama da vela”.
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A “cidade toda de ferro onde as ferraduras batem como sinos” ecoa nossas muitas Minas, assim
como esta rua que começa em Itabira e “vai dar no meu coração”.
O sentimento do mundo tornou claro muito enigma, menos o do perplexo José, depois que
a missa acabou, festa também. Com a vida passada a limpo veio a lição das coisas tirando
impurezas do branco. Fazendeiro do ar no Brejo das Almas, guia boi tempo afora. Em dias
lindos, escreve contos de aprendiz, fala com amendoeiras, ouve confissões de Minas.
Chegada a hora, segue o caminho da filha Maria Julieta, “a pessoa que mais amei neste mundo”.
Desde então, nosso amado Poeta tira ouro do nariz, contempla a rosa do povo e, de vez em
quando, ponteia a viola de bolso tantas vezes encordoada.
Só não parou de amar, pois amar se aprende amando.
Afinal, como ele próprio ensinou, “que pode uma criatura senão, entre criaturas, amar?”