Selos de Planetas e Quadrados

Transcrição

Selos de Planetas e Quadrados
Alguns Apontamentos Semióticos Breves... LUNA
Alguns Apontamentos Semióticos Breves Sobre a Obra
Esotérica de Raji Guenol: Selos de Planetas e Quadrados
Mágicos
d.o.i.10.113/2236-1499.2013v1n10p119
Prof. Dr. Jairo Nogueira Luna
UPE – Campus Garanhuns
Resumo: Buscamos neste breve artigo comentar alguns trechos
da obra inédita de Raji Guenol – místico e exotérico indiano que
viveu no Brasil nas décadas de 70 e 80 do séc. XX – do qual
possuo uma obra manuscrita obtida nos tempos em que tinha um
sebo de livros na cidade de São Paulo. Nos trechos que comento e
busco analisar, Raji Guenol interpreta os quadrados mágicos e os
selos dos planetas, signos exotéricos de ampla divulgação e
utilização encontrados em inúmeros autores da área, como
Cornelius Agrippa, P.V. Piobb, Raimón Arola e muitos outros.
As interpretações de Raji Guenol apontam para um conhecimento
profundo do tema que supera todos os outros autores e aponta
para uma origem mais antiga e hermética.
Palavras-chave: Semiótica, Quadros Mágicos, Esoterismo,
Hermetismo, Raji Guenol
1. Breve Histórico
No início da década de 80, do século XX, fiz amizade
com integrantes de uma banda de rock independente chamada
The Lee Bats. A banda era formada por cinco rapazes que tinham
preocupações de unir a poesia e a música do rock, bem como de
fazer traduções ou transcriações de músicas internacionais para a
língua portuguesa buscando recriar condições culturais em termos
de procedimentos antropofágicos. Como fazia letras na PUC-SP,
logo me interessei pelas idéias do grupo. Assim, assisti a ensaios
e viajei com eles para alguns lugares em realizaram apresentações.
Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro de 2013
119
Alguns Apontamentos Semióticos Breves... LUNA
O grupo passou totalmente despercebido da mídia e das
gravadoras. Eles produziram alguns discos independentes de
tiram reduzida. Em 1984 o grupo entrou num processo de
dissolvição. O baterista Cid morreu num acidente de carro na
ponte Rio-Niterói, o tecladista Marcos, de nacionalidade
macedônica, voltou ao país natal poucos anos antes da conquista
da independência e do fim da Iugoslávia. Eu tinha mais amizade
com o cantor J.J. Gallahade, juntos escrevemos alguns poemas e
letras de canções e fizemos algumas traduções. João (Alvin) era o
guitarrista e quando de uma passagem da banda pela Bahia –
Arembepe, aldeia hippie – fez amizade com um guru indiano que
há algum tempo perambulava pelo recôncavo baiano. Seu nome,
Raji Guenol. Raji influenciou muito João, de tal forma, que
alguns meses depois, no início de 1985, João decidiu ir à Índia e
depois seguiria para o Nepal, atendendo a convite feito por carta
de Raji que já se encontrava de volta a sua terra natal. Com a
saída de João para o Oriente, os Lee Bats terminaram seu ciclo
com esta formação original.
Em 1995, eu já tinha há muito terminado o curso de Letras,
era professor de ensino fundamental da rede pública municipal e
estadual e também tinha ficado sócio num negócio de livros
usados – sebo – que ficava na avenida Consolação, próximo à Av.
Paulista. Meus sócios eram dois amigos do tempo de universitário
– Eugênio e Carlos Henrique – o sebo se chamava Sebo Paulista,
ficava no número 2.230 da av. Consolação, ocupando dois
apartamentos do segundo andar de um pequeno prédio.
Uma tarde que estava cumprindo meu horário no sebo,
reencontrei J.J. Gallahade que apareceu por lá procurando livros
de poesia. Logo o reconheci apesar de estar usando uma barba
mal cuidada e os cabelos desalinhados e meio ensebados.
Conversamos um bocado, ele comprou alguns livros e disse-me
que estava de partida para Los Angeles, onde inclusive já estiver
algum tempo antes, sobrevivendo como artesão de bijouterias ao
estilo hippie e às vezes atuando como músico em casas noturnas.
Antes de ir, porém, disse que voltaria no dia seguinte, para
Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro de 2013
120
Alguns Apontamentos Semióticos Breves... LUNA
deixar-me um material dos Lee Bats – fitas de ensaios, fotos, e
uns cadernos diversos. Como prometido, no dia seguinte me
trouxe o material e nunca mais o vi nem tive notícias. O material
era vasto, colocado em algumas caixas de sapato. Muitas fitas k7,
álbuns de fotografias, papéis diversos e alguns cadernos
manuscritos. Dentre eles haviam dois cadernos totalmente
preenchidos da autoria de Raji Guenol e com dedicatórias para
João. Numa delas dizia: “Para João... Que leia com sabedoria e
faça uso com virtuosidade!”
É desse caderno que faço alguns apontamentos e
revelações acerca do conhecimento esotérico de Raji Guenol. O
esoterismo desde há muito me interessa como leitura e não foi
por acaso que um capítulo de minha tese de doutorado faz uma
análise do esoterismo de Almada Negreiros em seus poemas 1 ,
bem como escrevi um livro sobre o esoterismo em Mensagem de
Fernando Pessoa 2 . Portanto, sinto-me autorizado a interpretar e
comentar a obra de Raji Guenol, ressaltando que aqui, comento
apenas alguns trechos referentes especificamente ao tópico dos
Quadrados Mágicos e dos Selos dos Planetas.
2. Os Quadrados Mágicos nas Ciências Ocultas
Os quadrados mágicos são geralmente tidos como
curiosidades matemáticas e não têm outras maiores aplicações do
que exercícios numéricos. Um quadrado mágico é uma matriz ou
uma tabela disposta de números em progressão aritmética em
que a soma de cada coluna, linha ou diagonal dá sempre o mesmo
resultado.
1
LUNA, Jayro. José de Almada Negreiros, Poeta (Do Futurismo e do
Sensacionismo à Poética da Ingenuidade na Poesia de Almada Negreiros).
USP/FFLCH, tese de doutoramento, orientação do prof. Dr. Carlos Alberto
Vecchi. São Paulo, 2001.
2
LUNA, Jayro. A Chave Esotérica de Mensagem de Fernando Pessoa:
Abordagem Numerológica, Astrológica e Cabalística. São Paulo, Epsilon
Volantis, 2005.
Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro de 2013
121
Alguns Apontamentos Semióticos Breves... LUNA
Sua origem é desconhecida, mas há registros de sua
existência em épocas da Antiguidade na China 3 e na Índia. O
quadrado de 9 casas (3 x 3) é encontrado pela primeira vez num
manuscrito árabe, no fim do Século VIII, e atribuído a Apolônio
de Tiana (I Século) por Marcellin Berthelot (Collection des
anciens alchimistes grecs) 4 .
Na Idade Média os quadrados mágicos se tornaram
conhecidos de muitos ocultistas e admiradores das artes mágicas,
tendo seu uso proliferado como técnica mágica de produção de
Pantáculos e Talismãs, onde eram associados a Planetas que
atribuíam a eles o poder de atrair proteção astral e poderes
sobrenaturais para seus detentores.
Contudo, foi dos árabes que as Escolas de Mistério
Ocidentais receberam as idéias dos Quadrados Mágicos 5 . Em
1300 D.C., Manual Moschopoulos, um sábio greco-bizantino,
escreveu um tratado sobre os Quadrados Mágicos, inspirado pela
tradição árabe. Ele é tido como o primeiro estudioso ocidental a
travar contato com os Quadrados Mágicos. Também, em 1450
D.C., o italiano Luca Pacioli trabalhou com uma vasta variedade
de Quadrados Mágicos, tendo influenciado bastante a Tradição
Mística Ocidental. Mas o mais antigo livro que mostra os
Quadrados Mágicos tal como são os atualmente empregados, é o
"De Occulta Philosophia" de Henry Cornielius Agrippa, escrito
de 1507 à 1510 D.C., que tem o seu Cap. XXII do Livro II
(Magia Celestial), intitulado "Das tábuas dos Planetas, suas
virtudes, formas, e como os nomes Divinos, Inteligências, e
Espíritos são dispostos sobre elas", dedicado aos Quadrados
3
Consta que o quadrado mágico de nove casas surgiu no centro da China,
milhares de anos atrás, às margens de um rio; inscrito na carapaça de uma
tartaruga, que é o símbolo da longevidade; e foi interpretado como revelação
da geometria secreta do universo que está por trás de todas as coisas.
4
(3 vol., Paris, 1887–1888).
5
Manuscritos árabes do século X (Kitab al Mawazm de Djabir b Hoyân) e do
século XI (Al Ghazadi).
Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro de 2013
122
Alguns Apontamentos Semióticos Breves... LUNA
Mágicos Planetários. Estes lá aparecem em suas conhecidas
formas de ordem de 3 à 9.
Um quadrado mágico de ordem é uma tabela quadrada,
formada por casas, com o mesmo número de linhas e de colunas.
Em cada casa está escrito um número natural, de tal forma que
os
primeiros números naturais estejam escritos e que a soma
dos números de cada linha, de cada coluna ou de cada uma das
duas diagonais sejam iguais. À esse valor dá-se o nome
de constante mágica. A constante mágica de um quadrado mágico
depende unicamente de . Assim, para um quadrado mágico de
ordem , a constante mágica vale
.
Um quadrado mágico é uma matriz quadrada de números
consistindo dos inteiros positivos distintos 1, 2, ..., n ^ 2,
dispostos de tal modo que a soma dos números de n em qualquer
linha diagonal horizontal, vertical ou principal é sempre o mesmo
número (Kraitchik 1942, p 142;. Andrews 1960, p 1;. Gardner
1961, p 130;. Madachy 1979, p 84;. Benson e Jacoby 1981, p 3,..
Ball e Coxeter 1987, p 193) 6 , conhecida como a constante mágica:
Na tradição esotérica da idade média, passando por
Agrippa, Athanasius Kircher, entre outros, os quadrados mágicos
6
Conforme nos informa o site Wolfram Mathworld: Ball, W. W. R. and
Coxeter, H. S. M. "Magic Squares." Ch. 7 in Mathematical Recreations and
Essays, 13th ed. New York: Dover, 1987. Benson, W. H. and Jacoby, O.
Magic Cubes: New Recreations. New York: Dover, 1981. Madachy, J. S.
"Magic and Antimagic Squares." Ch. 4 in Madachy's Mathematical
Recreations. New York: Dover, pp. 85-113, 1979. Gardner, M. "Magic
Squares." Ch. 12 in The Second Scientific American Book of Mathematical
Puzzles & Diversions: A New Selection. New York: Simon and Schuster,
pp. 130-140, 1961. Andrews, W. S. Magic Squares and Cubes, 2nd rev. ed.
New York: Dover, 1960. Kraitchik, M. "Magic Squares." Ch. 7 in
Mathematical Recreations. New York: Norton, pp. 142-192, 1942.
Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro de 2013
123
Alguns Apontamentos Semióticos Breves... LUNA
eram atribuídos aos sete planetas conhecidos, consideravam o Sol
e a Lua como planetas:
Planeta
Saturno
Júpiter
Marte
Sol
Vênus
Mercúrio
Lua
TABELA DE CORRESPONDÊNCIA
Quadrado Mágico Soma Linha, coluna Soma Total
ou diagonal
Ordem 3x3
Ordem 4x4
Ordem 5x5
Ordem 6x6
Ordem 7x7
Ordem 8x8
Ordem 9x9
15
34
65
111
175
260
369
45
136
325
666
1225
2080
3321
A substituição de números por letras foi uma operação
considerada mágica realizada por muitos estudiosos cabalistas e
alquimistas. Um dos mais conhecidos quadrados mágicos
resultantes desta operação foi o que contém inscrita a frase latina
de entendimento místico “Sator Arepo Tenet Opera Rotas” 7 , um
palíndromo formado por palavras de cinco letras, que na forma
dum quadrado mágico assim se apresenta:
SATOR
AREPO
TENET
OPERA
ROTAS
7
É difícil estabelecer com certezas o significado literal da frase composta por
estas cinco palavras, já que o termo AREPO não existe estritamente na língua
latina. Algumas conjecturas sobre esta palavra levam à tradução, com sentido
pouco claro, como o semeador, com o seu carro, mantém com destreza as
rodas, da qual se tenta tirar algum sentido através da referência a um semeador
como citação de um texto dos Evangelhos.
Se se pensar que o termino AREPO é o nome próprio de um
misterioso semeador, chega-se à tradução: “Arepo, o semeador, mantém com
destreza as rodas”, o que parece aludir a práticas agrícolas. (fonte wikipédia).
Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro de 2013
124
Alguns Apontamentos Semióticos Breves... LUNA
O que permite sua leitura não apenas de trás para diante,
mas também na vertical em ambos os sentidos.
(Fig.1)
Alguns estudiosos dos quadrados mágicos buscam
analisar a seqüência numérica espacialmente de modo a montar
uma linha que demonstre o complexo caminho realizado pela
seqüência numérica na disposição das células. Conforme na
figura abaixo, encontrada no site Wolfram Mathword 8 . Podemos
observar o caminho da linha do início (número 1) para o último
número do quadrado mágico. Notemos como os quadrados
8
http://mathworld.wolfram.com/MagicSquare.html
Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro de 2013
125
Alguns Apontamentos Semióticos Breves... LUNA
mágicos de ordem ímpar (Saturno – 3x3; Marte – 5x5; Vênus –
7x7 e Lua – 9x9) apresentam uma linha que vai se configurando
como uma tela ou rede à medida que o número de células vai
aumentando, de Saturno para a Lua. No caso dos quadrados
mágicos de ordem par (Júpiter - 4x4; Sol – 6x6 e Mercúrio – 8x8),
a linha forma um diagrama que se concentra nas quatro células
centrais (fig.1).
No livro de Cornelius Agrippa, De Occulta Philosophia
libri três (1531), o famoso ocultista alemão apresenta os selos, ou
seja, sete figuras que são ligadas aos quadrados mágicos. Além
dos selos dos planetas, são também apresentados os selos das
inteligências e os selos dos espíritos, ligados, cada um por sua
vez a um planeta, de sorte que cada planeta tem seu quadrado
mágico, seu selo, seu selo de inteligência e seu selo de espírito.
Os selos das inteligências são considerados benéficos, protegidos
por entidades benéficas, ao passo que os selos dos espíritos são
considerados maléficos, guardados por entidades negativas. Cada
um desses selos seria utilizado em cerimônia específica para
conjuração de sua respectiva entidade, guardadas os horários
adequados de cada planeta.
Como exemplo apresentamos a seguir, os selos do planeta
mercúrio (fig.2):
(fig.2)
O primeiro selo é o do planeta mercúrio, governado pelo
arcanjo Rafael, o do meio é o selo (sigilo) da inteligência de
Mercúrio, governado por Tiriel e o terceiro é o selo (sigilo) do
Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro de 2013
126
Alguns Apontamentos Semióticos Breves... LUNA
espírito de Mercúrio, governado por Taphthartharath. Estes selos
são entendidos como símbolos que são gravados em talismãs,
pantáculos e que guardam diversas propriedades mágicas
referentes à saúde, aos poderes psíquicos e premonitórios.
Evidentemente estamos no campo da magia, cujos resultados
científicos modernos e práticos são contestados e que não
guardam ligação com o empirismo científico nem com métodos
conhecidos de aferição e demonstração. Portanto, em termos
estritamente científicos não são mais considerados que
curiosidades referentes à História da Ciência em seu passado
mais obscuro, assim como toda a Alquimia.
Conhecem-se vários métodos de construção de quadrados
mágicos em termos práticos e que são ensinados como
curiosidades matemáticas. No livro esotérico de P.V. Piobb,
Formulário Prático de Alta Magia 9 , são apresentados dois
métodos bem práticos, um para produção de quadrados mágicos
de ordem ímpar e outro para quadrados mágicos de ordem par.
Na Internet é possível baixar pequenos softwares para produção e
exercícios matemáticos com os quadrados mágicos. Não nos
ateremos aqui a explicar como produzir um quadrado mágico
uma vez que não é o objetivo deste texto, mas o leitor não
9
Pierre Vincent Piobb nasceu em Paris, em 1874. De origem italiana, sua
família estabeleceu-se na França, vinda de Florença. Viaja pela Europa,
investigando o Hermetismo, a Magia, a Cabala, a Astrologia e, principalmente,
o Simbolismo usado nos rituais. Torna-se conferencista, requisitado por
instituições do assunto, escritor, ocultista e jornalista. Passa a ter seus artigos
em revistas científicas e Sociedade das Ciências Antigas Culturais. Trava
contato com a Maçonaria, a Rosacruz do Reverendo Swinburne Clymer
quando este assume o poder constitutivo da Ordem dos Magos para o
continente europeu. Clymer então exerce, na Confederação Universal de
Ordens, Sociedades e Fraternidades de Iniciados, o cargo de Supremo Grão
Mestre em 1929 e, até a passagem derradeira de Piobb, em 1942, com 68 anos,
essas organizações Iniciáticas tiveram extrema importância em sua vida, pois
Clymer não iria para a Europa. O Formulário da Alta Magia foi a primeira
obra de Piobb e considerada até hoje como uma das mais elucidativas,
publicada em 1937.
Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro de 2013
127
Alguns Apontamentos Semióticos Breves... LUNA
encontrará maiores dificuldades em encontrar este aspecto prático
na Internet e em livros.
3. As Interpretações de Raji Guenol
Entramos aqui no ponto central de nosso texto presente.
Tudo o que temos de Raji Guenol acerca deste tópico seria
suficiente para todo um livro, mas buscaremos aqui
resumidamente apresentar alguns dos pontos das interpretações
de Raji Guenol. Como já dissemos, aqui o que expomos é
extraído de dois cadernos manuscritos de 100 páginas cada um. A
escrita de Raji Guenol em algumas páginas é bem clara e
coerente, em outras, chega a ser estenográfica e muito lacunar de
modo que fica extremamente difícil a leitura. Parece que tem
páginas que o místico indiano pretendia a leitura fácil de outras
pessoas, como se fizesse o esboço de algum artigo ou texto para
revista, com título, citações, referências e bibliografia. Outras
páginas contêm anotações sem qualquer indicação deste tipo e
com escrita muito irregular e de difícil leitura. Partes do texto está
em inglês, mas um inglês tão ruim quanto o nosso, com várias
incoerências gramaticais e ortográficas, outras partes estão em
português, mas também um português facilmente observável que
se trata do texto de um estrangeiro que ainda guarda imperfeições
em relação ao correto usado de nossa gramática. Ao que sabemos,
Raji Guenol era natural do reino do Sikkim, principado encravado
entre o Nepal e o místico reino do Butão. Tinha 53 anos em 1984,
quando João Loco o conheceu. Sua língua natural não sei ao certo,
mas com certeza não era o inglês, nem muito menos o português.
Embora o inglês fosse de uso corrente na Índia, onde vivera por
muitos anos, acreditamos que o nepalês fosse a língua que
aprendera em sua terra natal, mas também pode ser o tibetano, ou
ambas.
Mas à medida que vamos avançando na leitura – lenta e
dificultosa do manuscrito guenoniano – e vamos comparando
com outros autores que tratam do assunto, vamos percebendo a
Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro de 2013
128
Alguns Apontamentos Semióticos Breves... LUNA
originalidade do seu pensamento e a antiguidade de suas
referências.
Com referência aos quadrados mágicos, o entendimento
de Raji Guenol nos parece muito mais profundo e amplo. Assim
ele define o quadrado mágico:
“A magic square is a map, much more than a talisman, a
seal or something. It's like a diagram of an experiment
energy. In a magic square is inscribed a dynamic high
energy, which we call the sign stamp is only the outline
of the map, since we can not seize it at all, to be included
in a higher-dimensional space that can hold our
understanding.” 10 (caderno 1, p. 33)
É claro que a afirmação de que um quadrado mágico é um
mapa ou um diagrama de um experimento de alta energia é uma
afirmação que parece fazer parte de um discurso esotérico que
carece de comprovações, podendo cair no âmbito da falácia, da fé
ou do dogma. Mas Raji Guenol vai aos poucos expondo provas
dessa afirmação que ao irmos percebendo seu verdadeiro
significado sempre nos deixa um tanto quanto surpreso e nos
causa admiração.
Tomaremos como exemplo, algumas das interpretações
que ele faz do quadrado mágico de Vênus (7x7, soma da linha
175, soma geral 1225 e contendo 49 células).
Como se pode observar, é um quadrado mágico de ordem
ímpar, com o número 1 começando uma célula abaixo da célula
central, esta ocupada pelo número 25, e terminando na célula
acima da central, com o número 49.
10
“Um quadrado mágico é um mapa, muito mais que um talismã, um selo ou
algo do tipo. É como um diagrama de um experimento energético. Num
quadrado mágico está inscrito um processo dinâmico de alta energia, do qual o
signo que chamamos selo é apenas o esboço desse mapa, uma vez que não
podemos apreendê-lo de todo, por estar incluso em um espaço de mais
dimensões que pode conter nosso entendimento”.
Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro de 2013
129
Alguns Apontamentos Semióticos Breves... LUNA
Ao quadrado mágico de Vênus são atribuídos os selos de
Uriel, da inteligência de Vênus – Hagiel e do espírito de Vênus –
Kedemel.
Jean Pierre Bayard em Os Talismãs 11 , cita Paracelo: “Os
selos dos planetas, isso é certo, possuem grande força e virtude”
(p.34).
(fig.3)
Os selos de Vênus:
(fig.4)
11
BAYARD, Jean-Pierre. Os Talismãs. São Paulo, Pensamento, 1985.
Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro de 2013
130
Alguns Apontamentos Semióticos Breves... LUNA
Alguns textos apontam a semelhança entre este selos e
alguns elementos de escrita árabe, mas tais aproximações são
muito mais imaginativas do que efetivas. Os nomes dos selos da
inteligência e do espírito podem ser facilmente compreendidos se
utiliza da gematria, pela qual se associa números às letras e
tomando por base o alfabeto hebraico em uso corrente na cabala,
se obtém os nomes dos guardiões dos selos. Como exemplo
vejamos a obtenção do nome Hagiel – inteligência de Vênus a
partir do quadrado mágico:
(fig.5)
Para Raji Guenol, um quadrado mágico não é um talismã,
é um mapa ou um diagrama. Em termos semióticos isto é
significativo, haja vista que um mapa ou diagrama está na classe
dos ícones, ao passo que um talismã é um símbolo.
Quando Guenol se refere a um mapa energético ele, no
caso de Vênus, nos faz a seguinte demonstração:
“On the Seal of Venus, Hagiel, we see that it consists of
four different parts. One is the cup with the cross, the
second is the moon with the sun, the third is the sickleshaped sword and the fourth is the cross with canes.”
(Caderno 1, p. 52).
Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro de 2013
131
Alguns Apontamentos Semióticos Breves... LUNA
No que se refere à primeira parte, a taça com a cruz,
percebe-se facilmente que se refere à seguinte parte do desenho:
(fig.6)
Raji Guenol observa que esta figura é composta por sete
células que se situam inicialmente na parte superior central do
quadrado, compreendendo os números 16 + 41 + 10 + 48 + 17 +
42 + 49, cuja soma dá 223. Tal soma não se enquadra no valor
padrão do quadrado mágico de ordem 7, que deveria ser 175. Mas
Guenol nos leva a fazer a soma de outras sete células que formam
a imagem de cabeça para baixo deste signo e a situando na parte
central inferior do quadrado mágico:
(fig.7)
Assim, somamos 40 + 9 + 34 + 8 + 33 + 2 + 1 = 127. Se
somamos os dois resultados (223 + 127 = 350) e dividimos por
dois, temos 175.
A partir daí, Raji Guenol vai fazendo girar os dois signos,
o de cima, uma casa a cada operação de soma para a direita e
respectivamente, o signo inferior, uma casa a cada operação para
a esquerda, de modo a que se complete cada signo uma volta de
360°. O surpreendente é que a cada operação se repete o mesmo,
um dos signos terá um resultado maior que 175, ao passo que o
outro um resultado menor, mas de tal forma proporcionalmente
distantes do valor 175, que a divisão por dois, dá sempre 175.
Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro de 2013
132
Alguns Apontamentos Semióticos Breves... LUNA
Guenol denomina o signo superior de “Taça com Cruz”,
pois assim lhe parece. A taça, na sua posição inicial dá como
soma (16+10+17+49 = 92), e a cruz inicial dá como resultado
(41+42+48+49=180). A figura inferior, Guenol denomina
Homem Vitruviano com Cruz, pois assim lhe parece. E se a
dividimos em duas somas, como no signo superior, temos que a
taça soma (40+34+33+1=108) e a cruz, por sua vez soma
(1+8+2+9=20). A soma de taça superior com cruz inferior dá 200
e a soma de taça inferior com cruz superior também dá 200.
Observa que se subtraímos o valor da célula central que vai
ficando neutra em todo o processo de giro completo das duas
figuras pelo quadrado mágico, se obtém 175 para cada valor.
Guenol faz as mesmas operações de soma para as outras
partes do selo de Vênus, para o gládio, observando que além de
dar uma volta de 360 graus, também se pode ir centralizando o
gládio para linhas e colunas mais internas, sempre se obtendo na
soma do gládio superior com seu inverso o valor 350 e na divisão
175. Quanto ao Sol e a Lua, o primeiro é composto por quatro
células e a Lua por três, a soma do Sol com a Lua, considerandose também o que ele denomina de Lua Negra e Sol Negro (seus
inversos), dá soma 350 e divisão 175. O mesmo ocorre com os
cruzamentos de bastões ou canas, sendo que estes se referem à
soma conhecida das linhas, colunas e diagonais, pois fazendo eles
girarem uma casa por vez até completar a volta temos o passar
pelas linhas e colunas dos bastões.
Conclui a este respeito Raji Guenol:
“Num quadrado mágico existe dois grupos de
movimentos distintos. O primeiro é o que
matematicamente define o quadrado mágico, qual seja,
que a soma de linhas, colunas e diagonais dá sempre o
mesmo resultado. O outro ponto é que existe um
movimento interno, o mais rico em energia. Ocorre nesse
grupo uma variação de energia intensa, mas que não é
vista por fora, pois quando um grupo de células apresenta
Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro de 2013
133
Alguns Apontamentos Semióticos Breves... LUNA
um valor acima um outro gripo simetricamente oposto
apresenta um valor menor que equilibra o resultado se
visto externamente.” (Caderno 1, p. 59)
Raji Guenol argumenta que os selos dos quadrados
mágicos apresentam estas características. Temos o que ele chama
de movimentos, que é o resultado das somas. O movimento
externo é o que se dá pela soma de linhas, colunas ou diagonais.
O movimento interno é o que provoca uma troca intensa de
energia, ou como Guenol mesmo diz “a large fluctuation energy
similar to what occurs in a vacuum or in the world of particles”
(caderno 1, pg.60). E mais adiante, observa que esta flutuação de
energia ocorre num espaço multidimensional: “the map of the
planet we call “label” is a artifice to realize the rich and so shy
movement power fluctuation that happens in a space of many
dimensions that are not observable by the look of the man who is
stuck in the material world.” (caderno 1, pg.60).
Na análise dos selos dos planetas, Guenol ainda nos
apresenta os selos dos planetas Terra (ordem 10), Netuno (ordem
11), Urano (ordem 12) e Plutão (ordem 13). Não encontramos em
nenhum livro ou autor esotérico referências a estes selos. No
caderno 1 de Guenol ele coloca duas referências incompletas. Um
autor lendário Johann Faust (“ler isto em Johann Faust” – pg. 61)
ao comentar as propriedades do quadrado mágico da Terra. E a
outra, “cf. Maha Prajna-Paramita-Shastra”, mas não traz
referência da página. A obra é atribuída ao místico e alquimista
indiano Nagarjuna (séc. I e II d.c.). Consultamos uma edição em
inglês da obra e não conseguimos encontrar um trecho que
coincida em conteúdo com o que Guenol comenta na página 62
acerca do selo de Netuno.
Apresentamos a seguir o selo de Netuno, conforme está
em seu caderno 1:
Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro de 2013
134
Alguns Apontamentos Semióticos Breves... LUNA
(fig.8)
No selo proposto por Raji Guenol identificamos
iconicamente quatro figuras: O tridente de Netuno ao centro,
parte superior; um peixe no lado esquerdo da figura, uma âncora
no lado direito e na parte inferior central, um barco com quatro
escudos, ao modo viking, mas com vela triangular. O espaço das
figuras é definido pelo cruzamento dos bastões ou canas, como é
comum em vários selos, para identificar a soma igual das linhas,
colunas e diagonais, a característica matemática definidora dos
quadrados mágicos. O quadrado mágico de Netuno é de ordem 11
(11x11), portanto de ordem ímpar e com soma 671. Guenol nos
mostra em seu caderno as somas internas que dão origem às
quatro figuras, todas resultando ao final no valor 671. O que
diferencia este selo guenoniano dos outros selos conhecidos é a
iconicidade das figuras: o tridente, o peixe, a âncora e o barco são
facilmente identificáveis ao passo que em outros selos, quando
Guenol denomina de “Taça com cruz”, “Homem Vitruviano com
Cruz” (no selo de Vênus, p.ex.), ou “marés” e “fases da lua” (no
selo da Lua) ou “raios de Sol” (no selo do Sol), ou “Phobos” e
“Deimos” (no selo de Marte), apenas para exemplificar algumas
Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro de 2013
135
Alguns Apontamentos Semióticos Breves... LUNA
das denominações, ele o faz com base numa visão muito
sintetizadora e abstrativa, uma vez que os traços que compõem os
selos são bem esquemáticos e simplificadores.
Não é de deixar de notar que no selo de Netuno, as quatro
figuras apresentadas são ligadas ao tema mitológico netuniano,
uma vez que Poseidon / Netuno é o deus dos mares na mitologia
greco-latina.
Acerca do valor 671, Guenol observa que é produto de 11
por 61. Numerologicamente o número 11 tem significados
importantes, associados ao conceito de “Avatar”, ao passo que o
número 61, no Tarot, refere-se à carta da Solitude ou Solidão
(arcano menor, quatro gládios). É regida pelo planeta Netuno.
Guenol cita como referência deste estudo de Tarot, Etteila 12 .
Guenol observa que este selo é dotado de alta energia uma
vez que as quatro figuras giram 360 graus pelo espaço do
quadrado mágico em “moto contínuo, como um mar revolto e que
o iniciado deve navegar aí como um argonauta ou um
Ulisses.”(Caderno 1, pg.66).
Numa parte final de seu estudo dos quadrados mágicos e
dos selos dos planetas, Raji Guenol nos diz que existe uma
coerência crescente entre o movimento do selo de Saturno até o
movimento do selo de Plutão. Esta coerência, segundo ele, é a
demonstração do processo de criação da matéria, ou seja, da
transformação da energia em matéria e que seria, portanto,
fundamental para a obtenção da pedra filosofal. Este movimento
crescente implicaria na existência de outras dimensões, haja vista
a dinâmica complexa dos movimentos representados nos selos,
pois, para Guenol os selos são apenas a transposição de um
movimento multidimensional para um diagrama bidimensional.
Tal se daria, uma vez que ao mesmo uma determinada célula é –
12
Cinco folhetos intitulados Manière de se récréer avec le Jeu de Cartes,
nomées Tarot [Como relaxar com o jogo de cartas chamado Tarô] foram
publicados em Amsterdã e Paris entre 1783 e 1787; o autor era um cartomante
que se autodenominava Etteilla, pseudônimo de Jean François Alliette (c.
1724–1792).
Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro de 2013
136
Alguns Apontamentos Semióticos Breves... LUNA
no caso do selo de Netuno, p.ex. – parte do tridente, parte do
barco, parte do peixe e parte da âncora e que isto só seria possível
em se considerando realidades simultâneas.
Expõe o hermetista do Sikkim que as quatro figuras estão
relacionadas com os quatro elementos. O tridente de Netuno –
deus dos Mares – representa a água; o barco à vela, uma vez que
se move com a força do vento, representa-o; a âncora que prende
o barco à terra, é a representação desta dentre os quatro elementos;
ao passo que o peixe, uma vez pescado costuma ser tratado no
fogo (frito, cozido ou assado) e portanto é o que saindo da água
vai para o fogo e transforma-se em alimento. Assim, os quatro
elementos estão correlacionados nas quatro figuras do selo de
Netuno. Essa correlação com os quatro elementos da alquimia
(fogo, águar, ar e terra), Guenol desenvolve para todos os outros
selos também.
3. A Semiótica dos Selos dos Planetas
Os selos dos planetas têm sido tratados pelos diferentes
autores como figuras simbólicas. Aqui entendemos símbolo como
um objeto ou figura que representa um conceito ou uma idéia,
neste sentido ele é uma alegoria. Mas se adentramos no âmbito da
Semiótica notaremos que isto vai um pouco mais profundamente
na questão, uma vez que o símbolo não tem com seu objeto
qualquer outra ligação que o da convenção ou do acordo implícito
entre aqueles que compartilham do conhecimento do símbolo.
Jean-Pierre Bayard assim escreve acerca dos quadrados
mágicos em seu livro Os Talismãs:
“O que nos resta, atualmente, dessa pesquisa sobre a
numerologia,
sobre
a
aritmosofia,
presta-se
frequentemente ao riso. Toda uma glosa numérica nasceu,
na maioria das vezes, da divulgação de movimentos
espiritualistas que esqueceram o verdadeiro espírito
tradicional. Oswald Wirch, autor maçônico muito
Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro de 2013
137
Alguns Apontamentos Semióticos Breves... LUNA
considerado, deduziu dos números e das cartas do Tarô
muitas interpretações, mais pessoais do que simbólicas;
Abellio, conhecedor da matéria, se alça a considerações
quase que inacessíveis para seus contemporâneos.”
(BAYARD, J.P. p. 94)
Atenta Bayard para o fato do conhecimento original dos
quadrados mágicos parece ter se perdido ou se diluído entre
inúmeras interpretações que fogem ao seu significado primeiro,
assim ao considerar que um certo Wirch deduziu interpretações
mais pessoais que simbólicas, está indiretamente se referindo ao
sentido simbólico dos mesmos quadrados mágicos e selos
correspondentes.
Raimón Arola, em O Simbolismo do Templo, observa
acerca dos quadrados mágicos que “estão intimamente ligados ao
simbolismo do número sete, que já mencionamos ao falarmos
sobre a ‘pedra cúbica em ponta’. Os sete quadrados mágicos são
sete escadas ou passagens, acima do que está o templo de
Salomão.” (AROLA, R. p. 85)
Aqui novamente a ideia implícita de que os quadrados
mágicos são símbolos mágicos e que, portanto, guardam poderes
nesta relação simbólica com a magia.
No livro de P.V. Piobb, Formulário de Alta Magia, lê-se
assim no que se refere ao quadrado mágico:
“Em geral, a solução de um quadrado mágico exprime
uma relação qualquer com um número simbólico. Este
gênero de solução significa então que a ideia do quadrado
mágico tem uma relação x com tal símbolo, cujo valor é
conhecido iniciaticamente; e x exprime, pela
interpretação usual dos números, tal e tal concepção ou
evocação de concepção”.(PIOBB, P.V. p. 108-109)
Assim as relações entre o número ou números
relacionados ao quadrado mágico são tomadas como simbólicas.
Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro de 2013
138
Alguns Apontamentos Semióticos Breves... LUNA
Do mesmo se percebe isto em autores como Agrippa, Kircher e
outros alquimistas. Porém, Raji Guenol não faz referência ao
sentido simbólico dos quadrados mágicos, antes trata-os como
mapas ou diagramas de um processo que envolve algum tipo de
energia. Ou seja, para Guenol não são símbolos ou dotados de
aspectos simbólicos. São mapas ou diagramas práticos para
construção de artifícios ou de operações que envolvem energia.
Não nos diz nos seus cadernos qual seja a especificidade ou
natureza dessa energia de modo claro, nem tampouco esclarece
como ou de que modo se opera por meio de algum artifício ou
instrumento essa energia, mas nas entrelinhas de seu texto se
percebe de que ele trata tudo de uma maneira físico-química e
que envolve uma prática operacional, portanto, empírica.
Em termos semióticos, Guenol ao considerar os quadrados
mágicos e seus selos como diagramas ou mapas e não como
elementos simbólicos, está passando a configuração desses
desenhos e tabelas para o âmbito dos ícones. Em Peirce os ícones
compreendem além dos desenhos, fotografias, também as tabelas,
os mapas, os diagramas.
Essa passagem de Símbolo para Ícones revela mais do que
a modificação da natureza do signo, revela também uma ligação
por semelhança entre o signo e seu objeto. Deste modo, se no
nível simbólico a relação signo-objeto se dá por convenção,
arbitrariedade, no caso dos ícones, a relação só é possível
mediante o estabelecimento da semelhança formal entre signo e
objeto.
Mais especificamente, é um tipo degenerado de ícone,
denominado hipoícone:
“O hipoícone designaria assim uma espécie de parte
baixa do ícone, um lugar de representações virtuais ou de
indiferenciação. Ele é então dividido em: imagem,
diagrama e metáfora.”(SOUZA, L.S. p.166)
Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro de 2013
139
Alguns Apontamentos Semióticos Breves... LUNA
E mais especificamente no caso dos diagramas, Santaella
especifica:
“O diagrama designa uma similitude ou uma
analogia de proporção entre duas relações diádicas (A
está para B o que C está para D). Como um exemplo
narrativo, podemos mostrar uma sucessão de
acontecimentos (A,A1, A2...) pode ser paralela ou a uma
sucessão na mesma narrativa ou em outra (B, B1, B2...).
A noção clássica de metonímia se enquadra na noção de
diagrama: Juazeiro, com seus vinhos, representa na
Bahia, o que Bordeaux representa na França.” (SOUZA,
L. S. p.116-167)
Elisabeth Walther-Bense nos confirma essa característica
do diagrama e a associa também aos mapas:
“Ícones como mapas de cidades, cartas geográficas,
curvas de febre, esquemas e diagramas empregados no
campo da técnica e da ciência também se revelam
bastantes apropriados à compreensão internacional.
Assim também a visualização do nosso ambiente
obviamente depende da eficácia imediatamente
comunicativa dos signos não verbais e representa uma
iconização. De qualquer modo, isso não quer dizer que os
signos icônicos não necessitem de nenhuma explicação;
visto que assim como cada signo é explicado por meio de
outros signos, também o ícone é explicado ou
interpretado.” (WALHTER-BENSE, E. p. 16)
Se analisamos os selos dos planetas e os entendemos
como representação icônica de uma relação de números
colocados dentro de um quadrado mágico, temos efetivamente a
natureza diagramática nesta relação. Neste sentido, um hipoícone.
Porém, se pensamos que os selos dos planetas representam por
Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro de 2013
140
Alguns Apontamentos Semióticos Breves... LUNA
semelhança um objeto ou relações entre objetos que estão
dispostos num hiperespaço que contém por sua natureza mais do
que as três dimensões de nosso espaço e contêm uma ideia de
tempo que ultrapassa ou modifica nossa percepção de tempo,
podemos supor deterministicamente que tal representação
apresenta um objeto que não se pode perceber pelos sentidos
normais ou ainda duvidarmos de sua existência até que se prove
efetivamente a existência de outras dimensões em termos
observáveis e analisáveis. Ou, resumindo, podem representar
estes selos objetos que não existem.
Nesta questão, em termos semióticos, assim se expressa
Lúcia Santaella:
“Há pouca dúvida de que as imagens podem referir-se
a algo que não existe ou que nunca existiu, mas elas
mentem por isso? O surrealismo deu evidências amplas
de pinturas que se referem a meros objetos imaginários.
Vamos considerar, por exemplo (...) a Girafa em chamas
(1935) de Salvador Dalí, que mostra uma mulher
estranha com gavetas abertas em emergindo de suas
pernas. Dificilmente nos inclinaremos a chamar o pintor
deste trabalho de mentiroso, porém mesmo a categoria de
verdade, pelo menos no sentido positivista, não parece aí
aplicável.” (SANTAELLA, L. p. 196)
Não podemos buscar na relação icônica proposta uma
análise do objeto, como se teria num mapa ou diagrama comum.
É como se tivéssemos um mapa de continente não conhecido ou
imaginário. O mapa de Athanasius Kircher que mostra o
continente da Atlântica situado no meio do Atlântico, entre a
Europa e a América, de 1669, por exemplo. Sabendo que não se
encontrou nenhum continente assim especificado entre a América
e a Europa, o mapa seria mentiroso? Depende de como
analisamos o mapa. Se ele se refere ao nosso tempo presente e se
suas proporções são corretas, não existe tal continente e assim,
Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro de 2013
141
Alguns Apontamentos Semióticos Breves... LUNA
enquanto mapa é mentiroso. Mas se o mapa se refere a um tempo
muito antigo, em que as massas continentais ainda se definiam,
ele pode não ser; ou ainda, que suas proporções não são
eficientes, e superestimando o tamanho de algumas ilhas, como a
Ilha da Madeira, ou alguma dos Açores, então o mapa não pode
ser taxado de mentiroso. É claro que aí entram questões
interpretativas relativas ao modo como Kircher obteve os dados
para produção dos mapas, as fontes, etc...
Quando, pois, Raji Guenol nos apresenta os selos dos
planetas, circunscritos nos quadrados mágicos, nos dizendo que
são mapas ou diagramas de processos energéticos de um
hiperespaço está nos propondo um limite interpretativo, ao qual
não podemos ir além da observação das propriedades intrínsecas
do mapa ou diagrama, sem termos a efetiva possibilidade de
comparação o quanto ele é semelhante ao objeto que busca
manter relações de semelhança. Como substituto desse objeto
está o quadrado mágico, este observável e analisável diretamente.
Enquanto ligação do selo com o quadrado mágico, a relação A
está para B, assim como C para D, sucessivamente é inequívoca.
Porém, o próprio quadrado mágico não realiza todas as
qualidades do objeto que substituiu, é ele também um mapa, um
diagrama do objeto. Quadrado mágico e selo do planeta são
ambos hipoícones. E estando o selo em relação direta com o
quadrado mágico, cria-se assim um conjunto de analogias com
um objeto ou objetos cuja exploração não pode ser direta, nem
verificável. Se isto parece estranho, não menos estranho é se
considerar, por exemplo, na física moderna a existência dos
quarks e de toda a teoria que organiza essas infinitesimais
partículas em diversos tipos de acordo com massas, energia, spin
e/ou rotação, etc... Afinal nenhum quark foi até hoje observado
seja livre (o que a física moderna considera um estado não natural
do quark) ou dentro de um próton ou outra partícula subatômica.
Mas os indiretamente se tem a observação dos resultados
esperados caso os quarks existam. O comportamento das
partículas no modelo padrão, as interações entre as mesmas,
Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro de 2013
142
Alguns Apontamentos Semióticos Breves... LUNA
encaixa-se na possibilidade de existência dos quarks. Do mesmo
modo, os selos dos planetas e mais ainda, os selos das
inteligências e dos espíritos inscritos nos planetas, respondem em
Raji Guenol a uma teoria compatível em termos de realidade
física, porém, não observável, uma vez que a idéia de movimento
por ele demonstrado na análise dos quadrados mágicos e do modo
muito dinâmico com que nos propõe imaginar este movimento
sugere a possibilidade de existência do que ele nos diz existir.
Por fim, não como conclusão, mas como nota apensa ao
final do texto, esclarecemos que é nossa proposta poder publicar
integralmente os cadernos de Raji Guenol, que tratam também de
outros assuntos esotéricos, mas ainda não dispomos de uma
possibilidade concreta de fazer isto, nem tampouco apoio de
qualquer editora ou casa publicadora para tal. Acreditamos que a
divulgação integral do texto de Raji Guenol enriqueceria
sobremaneira o âmbito do estudo do esoterismo, incluindo uma
possibilidade de revisão dos conceitos esotéricos em termos de
lógica e de aplicabilidade científicas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGRIPPA, Cornelius. Três Livros de Filosofia Oculta. São
Paulo, Madras, 2012.
AROLA, Raimón. O Simbolismo do Templo: O espelho da
contemplação, a interseção entre o Céu e a Terra. Rio de Janeiro,
Objetiva, 1986.
BAYARD, Jean-Pierre. Os Talismãs: Psicologia e Poderes dos
Símbolos de Proteção. São Paulo, Pensamento, 1985.
PIOBB, P.V. Formulário de Alta Magia. Rio de Janeiro,
Francisco Alves, 1982.
SANTAELLA, Lúcia & NOTH, Winfried. Imagem: Cognição,
Semiótica, Mídia. São Paulo, Iluminuras, 2008.
SOUZA, Licia Soares. Introdução às Teorias Semióticas.
Petrópolis, RJ / Salvador, BA, Vozes / Fapesb, 2006.
Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro de 2013
143
Alguns Apontamentos Semióticos Breves... LUNA
WALTHER-BENSE, Elisabeth. A Teoria Geral dos Signos. São
Paulo, Perspectiva, 2000.
Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro de 2013
144

Documentos relacionados