missão cumprida

Transcrição

missão cumprida
BRASIL POLÍTICA EXTERNA
VIDA NOVA
Militares brasileiros
patrulham uma rua de
Cité Soleil, em Porto
Príncipe. No começo,
eles só entravam ali em
veículos blindados
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MISSÃO
CUMPRIDA
Após cinco anos, a atuação das forças brasileiras na
pacificação do Haiti é considerada um caso de sucesso.
A ONU agora quer nossos soldados em outros países
Leandro Loyola (texto) e Marcelo Min (fotos), de Porto Príncipe, Haiti
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EDITORIA
BRASIL
POLÍTICA
RETRANCA
EXTERNA
A
s ruas de Porto Príncipe, a
capital do Haiti, são apinhadas de gente. Um terço
dos 9 milhões de haitianos
vive na cidade de traçado
colonial, com ruas estreitas e esburacadas,
espremida entre o mar e uma cadeia de
montanhas quase totalmente desmatadas. No meio da multidão, destacam-se
capacetes azuis, sinais da presença de
soldados da Força de Paz da Organização das Nações Unidas (ONU). Sob um
sol abrasador, capaz de manter a temperatura perto dos 40 graus célsius o ano
inteiro, soldados armados e vestidos com
um equipamento de 30 quilos patrulham
as ruas a pé, como policiais. A presença
deles seria uma anomalia na maioria dos
países. Mas no Haiti é um sinal de que a
vida começa a voltar ao normal.
Os brasileiros formam o maior contingente de capacetes azuis no Haiti. Em
2004, o Brasil assumiu o comando militar
da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah), o país mais
pobre do Hemisfério Ocidental e um dos
mais pobres do mundo. A intenção inicial
do Itamaraty era firmar o papel do Brasil como potência regional e demonstrar
capacidade para pleitear uma vaga permanente no Conselho de Segurança da
ONU no futuro. Desde então, a cada seis
meses, cerca de 1.200 militares do Exército e da Marinha chegam ao país para uma
temporada de serviço. Os brasileiros são a
maioria entre os cerca de 7.100 militares
de 17 nações que compõem a missão.
Agora, após cinco anos, a ONU considera que a situação no Haiti se estabilizou.
“A fase da pacificação do Haiti acabou”, diz
Luiz Carlos da Costa, vice-representante
especial do secretário-geral da ONU no
Haiti. “As pessoas podem andar em áreas
onde antes só iam com escolta e coletes à
prova de balas.” O que, no início, parecia
ser um atoleiro, no qual o Brasil havia caído, é hoje um sucesso reconhecido. No dia
9, o ex-presidente dos Estados Unidos Bill
Clinton, emissário especial da ONU para a
reconstrução do Haiti, elogiou o trabalho
do Brasil em um discurso na reunião do
Conselho de Segurança.
Observadores independentes e a ONU
atribuem a maior parte do sucesso da
missão à atuação das Forças Armadas
brasileiras. Richard Gowan, pesquisador do Centro para Cooperação Internacional da Universidade de Nova York,
considera a operação de paz no Haiti
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NA RUA
O capitão do Exército
Marcelo Domingues
conversa com crianças
em Cité Soleil
(ao lado). Militares
fazem patrulha
noturna (abaixo). Os
soldados brasileiros
se aproximaram da
população. Assim,
conseguiram pacificar
áreas violentas
uma das mais bem-sucedidas entre as
17 que a ONU mantém no mundo. Especialista em operações de paz, Gowan
já acompanhou o trabalho dos militares
brasileiros no Haiti. “Todos reconhecem
que os brasileiros assumiram os maiores
riscos e tiveram sucesso”, afirma. Diretor
da ONU para a unidade de Operações de
Paz para Europa e América Latina, David
Harland faz uma avaliação semelhante.
“O Haiti mudou de uma fase de instabilidade radical para uma situação estável
– em grande medida graças ao trabalho
dos brasileiros”, diz.
Essa mudança, na prática, foi observada por ÉPOCA em Porto Príncipe. Os
soldados patrulham a pé até as partes mais
violentas e miseráveis – pobreza no Haiti
é pouco; o que existe é miséria –, como os
bairros de Cité Soleil e Bel Air. Eles conversam com moradores e se esgueiram
por becos durante a noite. No dia a dia,
os soldados agora usam armas com balas
de borracha e bombas de efeito moral.
Quando os primeiros militares brasileiros chegaram a Porto Príncipe, esse
quadro parecia improvável. O Haiti estava mergulhado no caos, após a queda
do presidente Jean-Bertrand Aristide.
O vácuo no poder fez com que gangues
de criminosos e traficantes tomassem o
controle de Cité Soleil e Bel Air – bairros
com cerca de meio milhão de habitantes.
Políticos aproveitavam a confusão para
insuflar manifestações. Os soldados
circulavam com Urutus para superar
montanhas de lixo de mais de 1 metro
de altura e remover carcaças de carros
das ruas. “As lojas eram atacadas pelas
gangues”, diz o general Floriano Peixoto, comandante militar da Força de Paz.
“Até o comércio informal era limitado.”
A Polícia Nacional do Haiti era acusada
de permitir chacinas. Os cadáveres apodreciam sob o sol.
Os primeiros dois anos da operação
brasileira no Haiti foram complicados.
Pressionado por políticos, o presidente
René Préval, eleito após a queda de Aristide, defendia a negociação com as gangues e resistia aos pedidos da ONU de um
ataque frontal a elas. Mas, em novembro
de 2006, a ONU arrancou de Préval um
compromisso de combate às gangues. Até
o início do ano passado, “o pau cantou”,
como dizem os militares. De acordo com
a ONU, mais de 2 mil pessoas foram presas. Não há contagem de mortos.
De acordo com Richard Gowan e David
Harland, da ONU, o segredo do sucesso
brasileiro tem sido uma estratégica combinação de tiros com caridade. “As forças
brasileiras são respeitadas e admiradas
porque atiram quando têm de atirar, mas
se envolvem em projetos de reconstrução
que ajudam a população a melhorar de
vida”, afirma Gowan. Os militares brasileiros se diferenciam de outras tropas por
participar de operações de distribuição de
comida, leite e água, atividades de recreação para crianças e projetos de obras de
reconstrução e limpeza que dão empregos
em Porto Príncipe.
Distribuir comida no Haiti é uma
operação de guerra. As ONGs locais selecionam as famílias mais necessitadas e, no
dia marcado, o Exército faz as doações.
Grandes filas se formam. A gritaria e as
brigas são constantes. Sem segurança, poderiam acabar com mortos e feridos. Só as
mulheres recebem alimentos – uma forma
de garantir que os filhos terão comida.
Enquanto a comida é entregue, em locais
como quadras de esportes, os soldados
promovem brincadeiras para as crianças.
Por falta de espaço, muitas ficam de fora
e acompanham, hipnotizadas, a distribuição. Outros soldados são espalhados por
uma vasta área ao redor, para garantir que
as mulheres não sejam roubadas quando
saírem com os alimentos.
Os homens reclamam por não poder
pegar a comida. Na cultura haitiana, eles
têm preferência para comer. O sistema de
privilégios para as crianças rompe com
essa lógica. Mas não há afrontas aos soldados brasileiros. Em outro tipo de ação
social, os militares criam frentes de trabalho para remover o lixo das ruas. Os
selecionados ganham uma cesta básica
após uma semana de trabalho em meio
período. “Os brasileiros entenderam que
o Haiti nunca terá paz sem apoio à s
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BRASIL POLÍTICA EXTERNA
A fase de
pacificação do Haiti
acabou
Embora esteja sob
controle, a situação
do Haiti é frágil
LUIZ CARLOS DA COSTA,
FLORIANO PEIXOTO, general do Exército
e comandante das forças militares da
missão de paz da ONU no Haiti
comunidade”, afirma Harland. “É um
modelo de como as missões de paz deveriam trabalhar.”
A estratégia aproximou os militares
brasileiros da população. “Tropas de outros países passavam aqui só atirando,
nem desciam do blindado”, diz um oficial
do Exército. “Nós mostramos a cara.” A
proximidade dá resultados práticos. Em
uma das patrulhas que ÉPOCA acompanhou em Porto Príncipe, uma mulher se
aproximou e pediu para conversar com
o comandante da tropa. Com a ajuda do
intérprete, ela falou sobre a localização de
um bandido procurado pela polícia. Esse
tipo de contato com os locais permitiu aos
brasileiros construir uma rede de informantes. Na principal base militar brasileira
em Porto Príncipe, três salas isoladas são
dos militares da área de inteligência. Entre
julho e agosto, três grandes líderes de gangues foram presos em operações brasileiras. Um deles era procurado por 50 mortes.
“Num lugar populoso e complexo como
Porto Príncipe, a inteligência é essencial
para o sucesso da operação”, diz Gowan.
A vida dos militares brasileiros nas
ruas de Porto Príncipe é uma prova de
resistência. Os soldados vestem farda de
mangas compridas, joelheiras, cotoveleiras, o pesado capacete azul com a marca
UN e o Tudão. Esse é o nome dado a um
conjunto formado por colete antibalístico
de cerca de 8 quilos, recheado com arma,
telefone, rádio, balas de borracha, bombas
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vice-representante especial do
secretário-geral da ONU no Haiti
SEM LUZ
de efeito moral, spray de pimenta e outros
acessórios. Completo, o conjunto chega
aos 30 quilos. Todos usam óculos escuros e um lenço na cabeça para absorver
o suor. Se quem veste camiseta sofre, um
militar passa por uma verdadeira tortura.
Um soldado no Haiti perde cerca de 3
quilos por dia. “A camiseta fica dura por
causa do sal do suor”, diz o soldado André
Salarini, há dois meses no Haiti.
O país onde estão os militares brasileiros ocupa um terço da ilha Hispaniola,
no Caribe, e tem problemas gravíssimos.
O nível de vida é comparável ao de países da África – de onde os ascendentes da
maioria da população vieram como escravos entre os séculos XVI e XIX. Cerca de
80% dos haitianos são miseráveis. Metade
deles não sabe ler e cerca de 60% dos que
têm idade para trabalhar estão desempregados. Cada mulher tem, em média, 4,8
filhos. Em cada 1.000 crianças nascidas, 73
morrem antes de completar 1 ano e 75%
das sobreviventes não são vacinadas.
O Haiti tem governo, mas não tem Estado. O país não tem ensino ou saúde públicos: 90% das escolas são particulares, e
as mensalidades consomem o equivalente
a 40% da renda das famílias menos pobres. Os hospitais são particulares, o que
faz com que a maioria dos haitianos não
tenha acesso a eles. Durante uma patrulha pelo bairro de Bel Air, um carro do
Exército brasileiro socorreu uma mulher
desnutrida, que estava desmaiada na calçada. Ela foi levada ao hospital. Por sorte,
os médicos não estavam em greve.
Em Porto Príncipe, a maior cidade do
país, praticamente não há transporte
público. A população se desloca em tap
taps, caminhonetes com pinturas características, que se transformam em vans
de lotação. O trânsito é caótico. Até 2004,
havia apenas um semáforo na cidade. Algumas vezes, os soldados têm de descer
e disciplinar o tráfego nos cruzamentos.
Um deslocamento de 10 quilômetros
pode durar uma hora, sob sol escaldante.
Grande parte de Porto Príncipe fica sem
luz durante a noite. Nas patrulhas noturnas, os militares usam os Urutus, veículos
blindados, para ir a essas áreas. É possível
andar quilômetros em áreas totalmente
escuras. “Mas, como muitos moradores
dormem nas ruas, não usamos os blindados em todos os lugares”, diz o tenente
Filipe Paiotti, que comandou uma patrulha acompanhada por ÉPOCA na região
portuária de Waff. A pé, os militares têm
de tomar cuidado para não pisar em pessoas que dormem sobre panos.
O conceito de pobreza muda quando se
vê um local como Cité Soleil. Com cerca de 300 mil habitantes, Cité Soleil foi
formada há décadas por migrantes que
vinham do campo. O bairro lembra uma
favela brasileira, mas é pior. Nas favelas
do Brasil, muitos moradores fazem liga-
Militares
brasileiros
patrulham em um
veículo blindado.
Os Urutus só são
usados em regiões
mais violentas e
durante a noite
ções clandestinas para usar água e energia
elétrica sem pagar. Em Cité Soleil não há
o que roubar. A energia elétrica só existe
para quem paga por geradores. A água é
trazida de longe, em baldes. O lixo está
por toda parte: no chão ou entupindo os córregos. As crianças correm nas
ruas, mas é raro ver alguma delas com
um brinquedo. Durante oito dias, a reportagem de ÉPOCA não viu nenhuma.
“Estou aqui há dois meses e ainda não vi
nem bola com eles”, diz o capitão Marcelo
Domingues, comandante da base militar
brasileira mais próxima a Cité Soleil.
Stehelne Tirrer, de 25 anos, vive em Cité
Soleil. Mãe solteira de três filhos, ela não
trabalha. Em um dia no final de agosto,
ela estava na fila para receber um pacote
de leite em pó do Exército brasileiro. “Às
vezes eu como todos os dias”, diz. E quando não há o que comer? “Mando meus
filhos ficarem deitados em casa.” A falta
de comida é responsável pela criação de
uma iguaria típica do Haiti, uma espécie
de biscoito de barro. A uma temperatura
de quase 40 graus célsius, Nadia Guerrier, de 35 anos, seis filhos, mistura água
e terra sujas com um pacote de sal grosso
e manteiga em uma vasilha. A mistura
é transformada em discos, colocados
para secar. Cada um é vendido em uma
feira por 25 gourdes (a moeda local),
equivalentes a pouco mais de US$ 0,50.
“Estou vivendo assim”, diz Nadia. Um
barraco de placas de zinco é sua casa. s
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BRASIL POLÍTICA EXTERNA
As casas de tijolos do bairro são furadas
por tiros. As que não têm teto são usadas
como banheiro.
Nascido da utopia de escravos que se libertaram dos colonizadores franceses em
1804 e quiseram construir uma nação, o
Haiti se transformou em uma tragédia ao
estilo africano. O mais conhecido governante haitiano é o ditador François Duvalier, o
Papa Doc, que permaneceu 14 anos no poder (1957-1971). Papa Doc mantinha uma
espécie de milícia pessoal, os tontons macoutes. Como seus colegas africanos, Papa
Doc se notabilizou pela ostentação do luxo
pessoal em convívio com a miséria absoluta de seus “súditos”. O presidente Jean-Bertrand Aristide, que fez oposição à dinastia
Duvalier e deixou o poder em 2004, vivia em
uma mansão com um terreno amplo e cheio
de árvores. Em frente a sua casa, mandou
construir uma praça privada, com árvores
e uma fonte. Fez isso num país onde não
existem árvores e falta água. Aristide é parte
da galeria de governantes que perpetuaram
a corrupção e quebraram o Haiti.
O Haiti é um cliente antigo de intervenções internacionais. A atual missão s
MISÉRIA
Um menino atravessa córrego cheio de
lixo (no alto). Mulher expõe biscoitos feitos
de barro ao sol (acima). Em Cité Soleil, as
crianças não têm brinquedos e biscoitos de
barro servem como alimento
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BRASIL POLÍTICA EXTERNA
O Brasil no Haiti
de paz é a sétima em 20 anos. Essa rotina
criou peculiaridades. Os políticos haitianos são craques em enrolar negociadores da ONU. Eles nunca dizem “não”,
mas também não assumem compromissos. A população é apática em relação
à missão de paz. “Os haitianos apenas
nos toleram”, diz Luiz Carlos da Costa,
da ONU. “É o primeiro país do mundo
em que eu sinto indiferença da parte da
população com a ONU.”
Carioca de nascimento, Costa é funcionário da ONU há 38 anos, cuida há
17 de missões de paz e está há três anos
no Haiti. Antes, esteve em missões de
paz no Kosovo (ex-Iugoslávia) e na
Libéria, África Ocidental. É uma das
pouquíssimas pessoas que se podem
encontrar em Porto Príncipe vestidas
com terno, gravata e uma camisa com
abotoaduras nos punhos. Costa teve dificuldades para explicar a uma das filhas
a decisão de trocar o belo escritório na
sede da ONU, em Nova York, pelo atual,
montado em um hotel falido – onde
há uma piscina vazia, com peixinhos
pintados nas paredes e estátuas de tartarugas no fundo –, localizado na área
considerada nobre de Porto Príncipe.
“Eu disse a minha filha que a ONU tinha a oportunidade de contribuir para a
reconstrução do Haiti. E eu queria fazer
parte”, afirma Costa.
A missão da qual Costa faz parte é
ajudar o país a aprender a andar sozinho. “Deveria ser mais fácil solucionar
os problemas de um país pequeno como
o Haiti”, diz Costa. “Mas, além da miséria, há uma cultura política de uma elite
que não possibilitou o desenvolvimento.” Cerca de 60% do PIB do Haiti vem
de doações. O país recebe mais ajuda
financeira externa que investimentos. É
uma equação perversa, que muitos países
da África superaram recentemente. A
ajuda alivia, mas são os investimentos
que ativam a economia. Um dos maiores
obstáculos aos investimentos no Haiti é
a falta de infraestrutura. Não há garantia de energia – a maioria dos haitianos
corta árvores e faz carvão para cozinhar.
HAITI
REPÚBLICA
DOMINICANA
Porto Príncipe
Três bases
militares
1.200 militares
brasileiros
do Exército
e da Marinha
O governo brasileiro
gastou cerca de
R$ 500 milhões com a
operação no Haiti
a
por galeria de fotos
do Haiti em
epoca.com.br
Mais de 10 mil brasileiros
já estiveram na Força
de Paz num dos países
mais pobres do mundo
r
do
Ca
r ib
e
M
Navegue
COMO É O PAÍS O Haiti é um dos países mais pobres do mundo
Analfabetos
Desempregados
Pobres
As estradas são péssimas. Recentemente, um caminhão do Exército demorou
três dias para percorrer 90 quilômetros
entre duas cidades. Um contêiner que
sai da China chega aos Estados Unidos
com um preço mais baixo que outro que
saia do Haiti – que fica a menos de duas
horas de voo de Miami. Mesmo assim,
a ONU tenta atrair investidores para o
Haiti. Em outubro, o ex-presidente americano Bill Clinton levará um grupo de
investidores ao país.
A elite haitiana mora nos Estados
Unidos, na França e no Canadá. Poderia colaborar, mas não se interessa. Em
Porto Príncipe, os poucos ricos vivem
em bairros como Petión-ville, encravado nas montanhas. “Os haitianos vivem
de remessas de parentes que moram no
exterior”, afirma a canadense Amélie
Gauthier, pesquisadora da Fundação
para Relações Internacionais e o Diálogo
Exterior. O Haiti recebe cerca de US$ 1,2
bilhão por ano em remessas de pessoas
físicas. Por todas as esquinas de Porto
Príncipe há lojas da Western Union, rede
especializada em remessas.
A missão de paz no Haiti está em um
momento de transição. O país foi pacificado, mas a vida dos haitianos melhorou pouco. Em 2011, haverá uma
47%
60%
80%
revisão dos trabalhos da ONU. É quase certo que os contingentes militares
comecem a ser reduzidos. “Embora a
segurança esteja sob controle, a situação
do Haiti é frágil”, diz o general Floriano
Peixoto, comandante militar da Força
de Paz.
Para o Brasil, a saída do Haiti pode ser
o fim de um desafio, mas será o início de
outros maiores. Segundo Richard Gowan,
há “um desejo político muito forte” na
ONU em ver o Brasil em algumas das
outras 16 missões de paz. Os desafios
no Haiti são grandes, mas os desafios na
África são maiores. No Congo, há diversos grupos rebeldes espalhados por um
grande território. Na Somália, há sinais
de presença da organização terrorista Al
Qaeda. Os países europeus se recusam
a enviar tropas para esses lugares. “Eu
acho que, tendo um sucesso tão grande
no Haiti, certamente a presença do Brasil
seria bem-vinda em outras missões”, afirma David Harland, da ONU. “Se o Brasil
quer ser uma potência global, tem de agir
como uma”, diz Richard Gowan. A China
e a Índia, concorrentes do Brasil no cenário geopolítico, já fazem isso. Mas é uma
decisão difícil. Para crescer, o Brasil terá
de colocar em maior risco a vida de seus
militares. É um preço que o país terá de
decidir se está disposto a pagar.
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