1 A Experiência de Michelson-Morley

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1 A Experiência de Michelson-Morley
A Experiência de Michelson-Morley
Michael Fowler
Universidade de Virgínia, Departamento de Física
A natureza da luz
Como resultado do trabalho de Michelson em 1879, era sabido que a velocidade da luz tinha o valor de
186 355 milhas por segundo1, com um erro associado de aproximadamente 30 milhas por segundo. Esta
medição, efetuada em Annapolis ao cronometrar a viagem de um feixe de luz entre dois espelhos,estava
de acordo com medições indiretas baseadas em observações astronómicas. Ainda assim, esta informação
não clarificava ainda a natureza da luz. Duzentos anos antes, Newton havia sugerido que a luz consistia
de pequenas partículas geradas por objetos quentes, que se propagavam a grande velocidade, refletiam
noutros objetos e eram detetadas pelos nossos olhos. O arqui-inimigo de Newton, Robert Hooke, por
outro lado, considerava que a luz deveria ter, à semelhança do som, um tipo de movimento ondulatório.
Para considerarmos este ponto de vista, vamos rever resumidamente a natureza do som.
A natureza ondulatória do som
Na realidade, o som foi bastante bem compreendido pelos antigos gregos. O ponto essencial da sua
interpretação é o facto de o som ser gerado pela vibração de um objeto material, tal como um sino, uma
corda ou a pele de um tambor. A sua explicação era a de que a pele do tambor, por exemplo, puxa e
empurra alternadamente o ar diretamente acima, enviando ondas de compressão e descompressão
(conhecidas como rarefação), tal como acontece com a expansão dos círculos de ondas à superfície de um
lago, provocada por uma qualquer perturbação. Ao chegarem ao ouvido, estas ondas puxam e empurram
o tímpano à mesma frequência (isto é, empurram o tímpano o mesmo número de vezes por segundo) a
que a fonte original vibrava, e os nervos transmitem do ouvido ao cérebro a intensidade (volume) e a
frequência (altura2) do som.
Há um conjunto de propriedades das ondas sonoras (na realidade de qualquer tipo de onda) que vale a
pena mencionar. A primeira é a interferência 3. Este fenómeno é mais fácil de demonstrar partindo do
exemplo das ondas à superfície da água. Se colocar dois dedos num recipiente com àgua, a uma distância
de cerca de 30 centímetros, apenas a tocar a superficie da água, e os fizer vibrar com a mesma frequência
de modo a observar a expansão de dois círculos de ondas, notará que quando as ondas se sobrepõe
formam-se padrões ondulatórios complexos. O essencial é que quando as cristas das ondas de duas fontes
diferentes atingem o mesmo ponto no mesmo instante, as ondas juntam esforços e à superfície da água
são visíveis grandes perturbações, mas quando uma crista de onda e um ventre, de fontes diferentes,
atingem o mesmo ponto ao mesmo tempo, as ondas cancelam-se mutuamente, e as perturbações à
superfície da água nesse ponto serão mínimas. Pode aperceber-se deste efeito, no que toca ao som, ao
tocar sempre a mesma nota musical através de colunas estéro. À medida que se move ao longo da divisão
em que se encontra, notará grandes variações na intensidade (volume) do som4. É óbvio que, neste caso,
as reflexões que ocorrem nas paredes da divisão tornam o padrão de interferência mais complexo. Esta
grande variação no volume não é notada quando ouve música, pois numa música existem muitas
frequências sonoras que sofrem alterações frequentes e estas diferentes frequências, ou notas, apresentam
volumes reduzidos ou nulos em diferentes pontos da divisão. Outro aspeto que deve ser mencionado é o
facto de os sons de elevadas frequências serem muito mais direcionais do que os sons de baixas
1
N. do T.: 1 milha = 1.609344 km. 186 355 milhas por segundo correspondem a 299 909 km por
segundo.
2
N. do T.: Um som alto é o mesmo que um som agudo e um som baixo é o mesmo que um som grave.
3
Consulte a aplicação Tanque de Ondas, também disponível no Portal Casa das Ciências, ou clique aqui
para efectuar o download da mesma. Com esta aplicação pode visualizar a propagação e interferência de
ondas, tanto mecânicas como electromagnéticas.
(http://www.casadasciencias.org/index.php?option=com_docman&task=doc_details&gid=37798609&Itemid=23)
4
N. do T.: Consulte a aplicação Interferência Sonora, disponível no portal da Casa das Ciências, e que lhe
permite simular o que aqui se encontra descrito, ou clique aqui para efectuar o download da mesma. Com
esta aplicação pode simular diferentes padrões de interferência sonora.
(http://www.casadasciencias.org/index.php?option=com_docman&task=doc_details&gid=37863148&Itemid=23)
1
frequências. Na realidade, não importa em que local da divisão coloca um sub-woofer (que emite apenas
sons de baixa frequência), o som parece ter origem em todas as direções. Se ouvir música em colunas de
menor qualidade, notará que as elevadas frequências (sons agudos) são mais intensos se a coluna apontar
diretamente para si. Foram feitos grandes esforços no que toca à construção de pequenas colunas de
agudos, para as tornar capazes de emitir sons de igual intensidade em diferentes direções.
A luz é uma onda?
Tendo em conta a breve revisão anterior sobre as propriedades das ondas, vamos agora considerar a
questão inicial sobre se a luz consiste num feixe de partículas ou se se propaga por meio de ondas. O
maior argumento para justificar a ideia do feixe de partículas é o facto de a luz se propagar em linha reta.
Pode, dentro de alguns limites, ouvir os sons produzidos do outro lado de uma esquina, por exemplo, mas
não pode ver quem os produziu. Para além disso, nenhum efeito de interferência ondulatória é muito
evidente no que toca à luz. Por último, já é há muito conhecido, tal como já foi referido, que as ondas
sonoras são ondas de pressão que afetam o ar. Se a luz se propaga por meio de uma onda, o que está a
ondular? Não é claramente apenas o ar, já que a luz chega até nós a partir do Sol e das estrelas, e sabemos
que a nossa atmosfera não se prolonga no espaço até estes corpos, pois se assim fosse os planetas há
muito que tinham começado a perder velocidade devido à resistência do ar.
Apesar de todas estas objeções, ficou estabelecido, por volta de 1800, que a luz de facto se propaga por
meio de uma onda. O motivo pelo qual esta natureza ondulatória permaneceu indetetada por tanto tempo
deve-se ao facto de o comprimento de onda ser realmente pequeno, de cerca de 1/50 000 de polegada.5
Em contraste, a onda sonora de menor comprimento de onda detetada pelo ser humano tem um
compirmento de onda de aproximadamente meia polegada 6. O facto de a luz se propagar em linha reta
está de acordo com as observações efetuadas para o som, que permitiram concluir que quanto maior a
frequência (e por isso menor o comprimento de onda), maior a tendência de propagação em linha reta. De
modo semelhante, os padrões de interferência para o som ou para as ondas à superfície da água são da
mesma ordem e variam da mesma forma que os comprimentos de onda envolvidos. Padrões assim não
seriam notados no caso da luz, já que ocorrem a uma escala muito reduzida. De facto, há formas de
identificar efeitos de interferência no que toca à luz. Um exemplo habitual é o das muitas cores visíveis
numa bola de sabão. Estas cores surgem porque ao observar uma bola de sabão, vê a luz refletida dos dois
lados de uma camada muito fina de água – com uma espessura comparável à do comprimento de onda da
luz. A luz refletida da camada inferior viaja um pouco mais até chegar ao seu olho, e por isso essa onda
luminosa necessita de um pequeno tempo extra para chegar ao seu olho, em comparação com a luz
refletida da camada superior. O que realmente vê é a soma da luz refletida da camada superior com a luz
refletida da camada inferior. Se pensarmos no efeito como a soma de duas ondas, a luz será mais intensa
(mais clara) se as cristas das ondas chegarem ao olho simultaneamente, e menos intensa (mais escura) se
a crista da onda refletida na camada superior e o ventre da onda refletida na camada inferior chegarem ao
olho simultaneamente. Saber qual das duas possibilidades ocorre, no que toca à reflexão de luz numa
película de sabão, depende da distância que a luz refletida na camada inferior tem que percorrer para
chegar ao olho, em comparação com a distância percorrida pela luz refletida na camada superior, o que
deepende do ângulo de reflexão e da espessura da película. Suponha agora que se direciona um raio de luz
branca para a bola de sabão. A luz branca é constituida por todas as cores do arco-íris, e estas diferentes
cores têm diferentes comprimentos de onda, portanto veremos diferentes cores refletidas, mas para uma
determinada película, observada de determinado ângulo, algumas cores são mais brilhantes (quando as
cristas das duas ondas chegam ao mesmo tempo ao nosso olho), e outras menos brilhantes, e por isso o
nosso olho identifica as mais brilhantes.
Se a luz tem natureza ondulatória, o que está a ondular?
Ao estabelecer que a luz tem natureza ondulatória, não se deu ainda resposta a uma das grandes objeções
levantadas anteriormente. O que está a ondular? No que toca às ondas sonoras, como já foi referido estas
são ondas de pressão que se propagam no ar. Na realidade, o som também se propaga em líquidos, como
a água, e em sólidos, como uma barra de aço. Sabe-se da experimentação que, mantendo constantes
outros parâmetros, o som se propaga melhor através de meios de difícil compressão: perante a
perturbação, estes materiais oscilam novamente até à posição inicial mais rapidamente e por isso a
5
6
N. do T.: 1 polegada = 2.54 cm.
1.27 cm.
2
velocidade do som é maior. Para meios com igual elasticidade (com a mesma capacidade de oscilar de
novo até à posição inicial), o som propaga-se mais rapidamente no material mais leve, essencialmente
porque a mesma elasticidade leva a uma oscilação mais rápida nos materiais mais leves. Portanto, à
medida que uma onda sonora se propaga em determinado meio material – gasoso, líquido ou sólido – o
material ondula, oscila. Partindo desta constatação, supôs-se que também a luz provoca a ondulação de
um material misterioso a que se deu o nome de éter, que envolve e se infiltra em tudo o que existe. Este
éter devia também preencher todo o espaço até às estrelas, já que as conseguimos ver, e portanto tinha
que existir um meio que permitisse a propagação da luz. (Não seriamos capazes de ouvir uma explosão na
Lua, qualquer que fosse a sua intensidade, já que não há ar que permita que o som se propague até nós.)
Pensemos um pouco nas propriedades que este éter deveria ter. Uma vez que a luz se propaga tão
rapidamente, deve ser muito leve e de muito difícil compressão. Para além disso, tal como mencionado
anteriormente, deve permitir que os corpos sólidos o atravessem livremente, sem resistência deste éter,
caso contrário a velocidade dos planetas diminuiria. Tendo isto em conta, podemos imaginá-lo como uma
espécie de vento fantasma a soprar através da Terra. Mas como podemos prová-lo? Pode ser detetado?
Detetar o vento (fluxo) de éter: a experiência de Michelson-Morley
Detetar este fluxo de éter era o próximo desafio de Michelson, após ter tido sucesso a determinar a
velocidade da luz de forma tão precisa. Naturalmente, algo que se deixa atravessar livremente por corpos
sólidos (sem gerar resistência) não será fácil de detetar. Mas Michelson percebeu que, tal como a
velocidade do som é relativa ao ar, também a velocidade da luz devia ser relativa ao éter. Isso devia
significar que se conseguisse determinar a velocidade da luz quando esta se propagava a favor do fluxo de
éter, e se comparasse este valor com a velocidade com que se propagava contra esse mesmo fluxo, a
diferença entre os valores deveria corresponder ao dobro da velocidade do fluxo de éter. Infelizmente,
não era assim tão fácil realizar a experiência. Todas as recentes medições da velocidade da luz se
baseavam na viagem de ida e volta entre dois espelhos, e portanto se existisse um fluxo de éter ao longo
da reta que unia os dois espelhos, teria efeitos opostos nas duas partes da medição consideradas (na ida e
na volta). Tecnicamente não havia, portanto, forma de determinar a velocidade da luz sem recorrer à
reflexão e inversão de sentido de propagação.
Michelson teve uma ideia bastante inteligente de como detetar o fluxo de éter. Tal como explicou aos
filhos (de acordo com a sua filha), baseou-se no seguinte puzzle:
Suponham um rio de largura l (por exemplo 100 pés7), e dois nadadores que se deslocam ambos à
velocidade v pés por segundo (por exemplo, 5 pés por segundo8). A água do rio flui a velocidade
constante, digamos 3 pés por segundo9. Os nadadores competem entre si da seguinte forma: ambos
começam no mesmo ponto sobre a margem. Um atravessa diretamente o rio até ao ponto mais próximo
da margem oposta, e em seguida volta para a posição inicial. O outro nada ao longo da margem, rio
acima (no sentido contrário ao da corrente), até uma distância (medida ao longo da margem) exatamente
igual à largura do rio, e em seguida regressa à posição inicial. Quem ganha a corrida?
Vamos considerar em primeiro lugar aquele que nada ao longo da margem. Ao nadar 100 pés no sentido
da corrente, a sua velocidade relativamente à margem é de apenas 2 pés por segundo 10, demorando 50
segundos. Ao regressar ao ponto de partida, a velocidade é de 8 pés por segundo 11, demorando 12.5
segundos, com um tempo total de 62.5 segundos.
Para o nadador que atravessa o rio, a situação é mais complexa. Não será suficiente nadar diretamente em
direção à outra margem: a corrente arrasta o nadador rio abaixo. Para ser bem sucedido nessa travessia, o
nadador deve de facto apontar no sentido contrário ao da corrente num determinado ângulo (é claro que
um nadador é capaz de o fazer automaticamente). Assim, o nadador move-se a 5 pés por segundo, com
um determinado ângulo em relação à margem, sendo arrastado pela corrente a uma velocidade de 3 pés
por segundo. Se o ângulo escolhido for o correto de modo a que o movimento em direção à outra margem
seja direto (o movimento em relação à Terra seja retilíneo, desde o ponto de partida até ao ponto mais
7
N. do T.: 1 pé = 30.48 cm. Neste caso 100 pés correspondem a 30.48 metros.
1.52 m/s
9
0.91 m/s
10
0.61 m/s
11
2.44 m/s
8
3
próximo da margem oposta – o ponto imediatamente à frente do ponto de partida), ao fim de um segundo
o nadador deve ter-se movido quatro pés12 ao longo do rio: para o intervalo de tempo correspondente a 1
segundo, pode representar-se um triângulo de lados 3,4,5, para determinar as distâncias percorridas.
Assim, a uma velocidade de quatro pés por segundo em relação à Terra, o nadador demora 25 segundos a
atravessar o rio, demorando também 25 segundos no regresso, com um tempo total de 50 segundos. E
portanto este nadador, que atravessa o rio, ganha a corrida. Esta conclusão é verdadeira, qualquer que seja
a velocidade a que ambos nadam (obviamente que a corrida só é possível no caso de ambos conseguirem
nadar a uma velocidade superior à da corrente).
Figura 1: No instante de tempo t, o nadador moveu-se ct em relação à água, e foi arrastado pela corrente uma distância vt.
A grande ideia de Michelson era construir uma corrida semelhante à descrita, mas com pulsos de luz,
sendo nesse caso a corrente do rio substituida pelo fluxo de éter. O esquema da experiência é o seguinte:
um pulso de luz é direcionado, com um ângulo de 45 graus, para um espelho com metade da superfície
refletora e a outra metade transparente, de modo que metade do pulso seja refletido e a outra metade
atravesse o vidro do espelho. Estes duas metades do pulso inicial correspondem aos dois nadadores.
Ambos viajam até espelhos distantes, que os refletem de novo até ao espelho anterior e, neste ponto,
metade é novamente refletida, enquanto a outra metade é transmitida, mas coloca-se um telescópio por
detrás deste espelho, de modo que metade de cada meio pulso é captado pelo telescópio. Caso existisse o
fluxo de éter, alguém que observasse através do telescópio deveria ser capaz de perceber um ligeiro
desfasamento à chegada das duas metades de cada meio pulso, já que uma teria viajado contra a corrente e
regressado, enquanto a outra tinha viajado através deste fluxo (, tal como o nadador que viajou entre
margens). Para maximizar o efeito, toda a experiência, incluindo os espelhos mais distantes, foi realizada
em cima de uma plataforma rotativa.
Figure 2: Este diagrama foi retirado da documentação original da experiência. A fonte de luz está em s, a linha a 45 graus
corresponde ao espelho (com metade da superfície refletora e a outra metade transparente), b e c são espelhos e d o observador.
Pensemos no tempo esperado para a diferença de chegada entre os dois feixes de luz ao telescópio.
Tomando a velocidade da luz como c milhas por segundo em relação ao éter, e a velocidade com que o
éter flui de v milhas por segundo, para percorrer uma distância correspondente a w milhas no sentido
contrário ao fluxo de éter demorará
segundos, e no sentido do fluxo de éter demorará
segundos. O
tempo total da viagem de ida e volta corresponde à soma destes dois tempos, que é dada por
12
, e que
1.22 metros
4
pode ser escrita
. Podemos assumir que a velocidade do éter é muito menor que a velocidade da luz,
de outro modo esse facto já teria sido notado há muito tempo, por exemplo na determinação da duração
dos eclipses dos satélites de Júpiter. Isto significa que v2/c2 é um número muito pequeno, e portanto
podemos utilizar algumas aproximações matemáticas conhecidas para simplificar os cálculos. Em
primeiro lugar, se x é muito pequeno comparado com 1, 1/(1-x) tem um valor muito próximo de 1+x
(pode verificar com a sua calculadora). Em segundo lugar, para valores pequenos de x, √
tem um
valor muito próximo de 1+x/2.
Tendo em conta tudo isto, para o feixe que viaja paralelo ao fluxo de éter(1):
(
).
E quanto ao tempo total necessário para que o outro feixe atravesse o fluxo de éter (tal como o nadador
que nada em direção à outra margem)? A sua velocidade em relação à Terra deve ser determinada como
no exemplo do nadador, utilizando-se para isso um triângulo retângulo, sendo a hipotenusa igual à
velocidade c, o cateto menor igual à velocidade do fluxo de éter e o cateto maior igual à velocidade em
relação à Terra. Do teorema de Pitágoras, sabe-se que a velocidade em relação à Terra corresponde a
. Uma vez que isto é válido para a viagem de ida e volta, o tempo total (2) é dado por
√
√
Esta expressão pode ser representada na forma:
(
√
(
)
)
onde as duas aproximações sucessivas, válidas para v/c = x << 1, são √
e
.
Assim:
(
)
Figura 3: Este diagrama foi também retirado da documentação original da experiência e mostra a trajetória do raio de luz
relativamente ao fluxo de éter.
5
Ao comparar os tempos de ida e volta dos dois feixes de luz, conclui-se que estes diferem em
.
Quanto a 2w/c, corresponde ao tempo necessário para a luz efetuar a viagem caso não exista fluxo de
éter, e que corresponde a uns milionésimos de segundo. Se considerarmos que a velocidade do fluxo do
éter é igual à velocidade orbital da Terra, por exemplo, v/c é de aproximadamente 1/10 000, e portanto
v2/c2 é de aproximadamente 1/100 000 000. Isto significa que o intervalo de tempo que decorre entre a
chegada dos dois pulsos refletidos pelos espelho e que atingem o telescópio é de aproximadamente 100
milionésimos de alguns milionésimo de segundo. Parece ser completamente impossível detetar um
intervalo de tempo desta ordem. Contudo, esse não foi o caso, e Michelson foi o primeiro a perceber
como resolver o problema. A solução passava por utilizar as propriedades de interferência das ondas
luminosas. Em vez de emitir pulsos de luz, tal como discutido anteriormente, Michelson emitiu um feixe
de luz monocromática, uma sequência de ondas luminosas de comprimento de onda de aproximadamente
1/50 000 de polegada. Esta sequência é dividida em duas partes e refletida tal como descrito
anteriormente. Uma parte propaga-se contra e a favor do fluxo de éter, enquanto a outra parte atravessa o
fluxo de éter e regressa para trás. Por último, as duas partes atingem o telescópio e depois o olho. Se o
desfasamento for de meio comprimento de onda, as cristas de uma onda coincidem com os ventres da
outra onda e ambas se anulam, não sendo os feixes de luz visíveis e detetáveis pelo olho humano. Se o
desfasamento for inferior a metade do comprimento de onda, continuará a ocorrer um enfraquecimento da
luz visível. Contudo, pequenos erros na colocação dos espelhos poderão provocar o mesmo efeito, motivo
pelo qual a experiência foi construida sobre uma plataforma rotativa. Ao rodar a plataforma 90 graus, as
ondas que inicialmente se propagavam a favor e contra o fluxo de éter propagam-se agora através do
fluxo e vice-versa. Deste modo, caso exista um fluxo de éter, ao observar através do telescópio durante a
rotação da plataforma devem esperar-se variações no brilho da luz captada por este.
Na experiência realizada, e para aumentar a diferença de tempo entre os dois feixes de luz, estes foram
refletidos várias vezes, para a frente e para trás. Michelson calculou que uma velocidade do fluxo de éter
de uma ou duas milhas por segundo teria um efeito observável na experiência, e portanto se este fluxo
tivesse uma velocidade comparável à velocidade orbital da Terra, então seria fácil de identificar. De facto,
nada se observou. A intensidade da luz no telescópio não variou. Algum tempo depois, a experiência foi
redesenhada, de modo a que um fluxo de éter causado pelo movimento diário de rotação da Terra pudesse
ser detetado. Uma vez mais, nada se observou. Finalmente, Michelson questionou-se sobre se o éter
estava de algum modo ligado à Terra, tal como o ar no interior de uma cabina de um navio, tendo voltado
a efetuar a experiência no topo de uma montanha elevada da California. Uma vez mais, nenhum fluxo de
éter foi detetado. Era difícil de acreditar que o éter na imediata proximidade da Terra estivesse ligado a
esta, pois nesse caso os raios de luz provenientes das estrelas sofreriam um desvio ao passarem do éter
mais distante e em movimento, para o éter local, nas proximidades da Terra e ligado a esta.
A única possível conclusão desta série de experiências, muito difíceis de executar, era a de que todo o
conceito de éter, existente em todo o Universo e capaz de penetrar em todas as coisas, estava errado desde
o início. Michelson mostrou-se muito relutante em seguir esta linha de pensamento. Na verdade, novos
desenvolvimentos teóricos sobre a natureza da luz surgiram em 1860 a partir do brilhante trabalho teórico
de Maxwell, que formulou uma série de equações que descrevem como os campos elétricos e magnéticos
se podem originar mutuamente. Descobriu que as suas equações preveem a existência de ondas de
campos elétricos e magnéticos, e a velocidade dessas ondas, deduzida a partir de experiências sobre como
estes campos se relacionam, seria de 186.355 milhas por segundo. Este é, claro, o valor da velocidade da
luz, e portanto é natural assumir que a luz se traduz por rápidas variações de campos elétricos e
magnéticos. Mas esta conclusão conduz a um grande problema: as equações de Maxwell preveem uma
velocidade limite para a luz, que é a mesma encontrada através da experimentação. Mas qual será a
velocidade relativa da luz? O motivo pelo qual se pensou no éter foi para fornecer bases para que se
compreendesse a luz tal como se compreendia o som, que se propaga através de ondas de pressão num
meio material. A velocidade do som através do ar é medida em relação ao ar. Se o vento soprar na sua
direção a partir da fonte sonora, ouve mais cedo o som produzido. Se não existir éter, esta analogia não
pode ser feita. Portanto, em relação a que se move a luz a uma velocidade de 186 355 milhas por
segundo?
Existe uma outra possibilidade óbvia, chamadade teoria do emissor: a luz propaga-se a 186 355 milhas
por segundo em relação à fonte de luz. Esta analogia é entre a luz emitida por uma fonte e uma bala
disparada por uma metralhadora. As balas são disparadas a uma velocidade máxima (designada de
6
velocidade de saída) em relação ao cano da arma. Se a arma estiver montada na frente de um tanque que
se move para a frente e com a arma voltada também para a frente, então em relação ao solo as balas
movem-se mais rapidamente do que se moveriam se o tanque estivesse em repouso. A forma mais
simples de testar a teoria do emissor de luz, então, é determinar a velocidade da luz emitida por uma
lanterna que se move na direção e sentido dos raios de luz emitidos e verificar, em seguida, se a
velocidade da luz excede o valor já conhecido, sendo este excesso igual à velocidade da lanterna. Na
realidade, esta forma direta de testar a teoria só se tornou experimentalmente possível nos anos sessenta
do século XX. É agora possível produzir partículas, chamadas de piões neutros, em que cada uma decai
dando origem a uma pequena explosão, da qual resulta a emissão de um flash de luz. É ainda possível
colocar estes piões em movimento a uma velocidade de 185 000 milhas por segundo, no momento em que
ocorre a sua auto-destruição, sendo ainda possível detetar a luz emitida na direção e sentido em que se
moviam e determinar a sua velocidade. Descobriu-se que, apesar do impulso inicial devido à emissão a
partir de uma fonte com velocidade elevada, a luz proveniente das pequenas explosões move-se à
velocidade de 186 355 milhas por segundo. No século passado, a teoria do emissor foi rejeitada por se
pensar que a aparência de determinados fenómenos astronómicos, como por exemplo a existência de
estrelas duplas, onde duas estrelas rodam em torno uma da outra, seria afetada. Esses argumentos foram
desde logo criticados, mas os resultados obtidos nos testes com os piões foram definitivos. A derradeira
experiência foi conduzida por Alvager et al., Physics Letters 12, 260 (1964).
A resposta de Einstein
Os resultados das várias experiências discutidas anteriormente parecem deixar-nos sem resposta
definitiva. Aparentemente a luz não é como o som, com uma velocidade limite em relação a um
determinado meio oculto. Contudo, também não é como as balas, com uma velocidade relativa à fonte de
luz. Para além disso, sempre que se determina a sua velocidade obtém-se sempre o mesmo valor. Como
podemos interpretar todos estes factos de forma simples e consistente? Einstein deu resposta a esta
questão.
© Michael Fowler, Universidade de Virgínia
Casa das Ciências 2013
Tradução/Adaptação de Nuno Machado e Manuel Silva Pinto
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