por Ito NMK, Miyaji CI, Okabayashi SM (SPAVE

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por Ito NMK, Miyaji CI, Okabayashi SM (SPAVE
Novembro / 2007
por Ito NMK, Miyaji CI, Okabayashi SM (SPAVE - Consultoria
em Produção e Saúde Animal Ltda. e-mail: [email protected]).
O que quer dizer saúde intestinal?
Saúde intestinal quer dizer que no intestino está havendo um
equilíbrio dinâmico entre a mucosa intestinal e o conteúdo luminal e que as características estruturais e funcionais da mucosa
estão preservadas ou mantidas dentro do padrão esperado para
o tipo, espécie e linhagem de ave e para uma determinada fase
do seu ciclo vital.
Para compreender porque a saúde intestinal é perdida, é importante lembrar que a mucosa e os enterócitos constituem
uma barreira dinâmica e metabolicamente ativa que apresenta
permeabilidade seletiva. Esta barreira possui função múltipla,
que envolve a digestão, a captação seletiva e o transporte de
substâncias específicas e de nutrientes e a exclusão de toxinas
e de microorganismos através da imunidade inata e adquirida.
É importante entender que a barreira da mucosa é capaz de
responder rapidamente e extensivamente através de adaptações
morfológicas e funcionais em resposta às demandas do desenvolvimento ontogenético e desafios ambientais e nutricionais.
No frango de corte, as adaptações na mucosa do intestino
que resultam em modificações funcionais e morfológicas são
mais intensas do que em poedeiras comerciais. As adaptações
geralmente favorecem a absorção mais eficiente de nutrientes
na presença de estresses ou desafios e a expulsão de substâncias antinutritivas ou tóxicas ou lesivas e de microorganismos
nocivos. A adaptação da barreira da mucosa inclui, também, a
regulação de uma capacidade de reserva na função absortiva
para otimizar a captação e a assimilação de nutrientes, durante
e após os estresses dietéticos, nutricionais e ambientais, o suficiente para a manutenção da vida.
Ontogenética e saúde intestinal
As aves são seres vertebrados onívoros precoces, que precisam
ingerir diariamente carboidratos e proteínas porque apresentam
uma taxa metabólica e uma exigência nutricional diária elevada
para manter a endotermia e garantir o desenvolvimento neonatal
e post-natal. A seleção genética artificial dos frangos de corte
vem induzindo ajustes ou adaptações no intestino para melhor
digestão, absorção e transporte de nutrientes. Na poedeira, a
massa e o peso do intestino é relativamente maior que o peso
corporal e a superfície mucosa é suficiente para efetuar a absorção de proteínas, carboidratos, lipídeos e cálcio para atender a
demanda da produção de ovos. Por outro lado, o frango de corte
que está sendo geneticamente selecionado para crescimento acelerado e elevado, produção de massa muscular, ganho de peso e
melhor eficiência alimentar, possui um compartimento pequeno
de mucosa intestinal em relação ao seu tamanho, peso corporal
e a extensa área de “demanda” de nutrientes (músculos, ossos,
penas, pele e gordura). Para atender à elevada demanda de nutrientes em tempo muito curto de vida, o epitélio absortivo do
intestino do frango apresenta adaptações quase que diárias para
compensar a falta de uma área extensa de mucosa intestinal. A
mucosa intestinal do frango é eficiente na digestão, absorção
e transporte de nutrientes porque os enterócitos apresentam
microvilos desenvolvidos que secretam enzimas digestivas e
possuem transportadores específicos de nutrientes. No frango
de corte, a exigência metabólica elevada é suprida pela absorção
que é feita pela desenvolvida massa de mucosa, e os solutos
nutricionalmente essenciais e não essenciais utilizados como
fontes calóricas, reprimem ou induzem o seu próprio transporte.
A taxa de transporte de nutrientes depende e varia conforme
alterações ou adaptações na área superficial da mucosa, razão
de células absorptivas e não absortivas, densidade de sítios de
transporte e constante de afinidade dos transportadores específicos. Para que haja o máximo proveito do sistema e dos mecanismos absortivos geneticamente desenvolvidos, é imprescindível
que o frango receba uma dieta balanceada e adequada para cada
período do seu ciclo vital, porque a capacidade de absorção
que é conferida pelo aumento da massa de mucosa intestinal
aumenta na mesma proporção que a taxa de crescimento e de
aumento do peso corporal e não depende muito do comprimento
e/ou do peso do intestino. Quando um fator estressor modifica
ou interfere com as exigências nutricionais, é importante efetuar uma mudança rápida na formulação da ração, para que não
ocorra uma resposta adaptativa funcional da mucosa intestinal
para suprir esta necessidade. Existem provas científicas de que
o intestino dos frangos de corte conformação são capazes de
exibir uma resposta adaptativa que influencia na dinâmica da
cripta de Lieberkühn e na taxa de migração do enterócito para
o ápice da vilosidade, que resulta em modificações na massa de
mucosa, sistema específico de transporte e gradiente de sódio.
Patogenia
O epitélio da mucosa do intestino constitui uma interface altamente dinâmica com o meio externo, porque além do alimento,
são inúmeros os microorganismos que adentram e que colonizam o lúmen intestinal (flora normal) ou que se multiplicam
nos enterócitos (microorganismos enteropatogênicos) ou que
utilizam o intestino como porta de entrada. As adaptações morfológicas e funcionais geneticamente induzidas para melhorar
o ganho de peso e a eficiência alimentar podem ser revertidas
ou modificadas pela composição da dieta, disponibilidade de
ração ou de nutrientes, manejo, enfermidades e fatores que
podem comprometer a ingestão ou o consumo de ração. Como o
sistema da barreira de mucosas do frango ganhou eficiência para
absorção de carboidratos e de aminoácidos, qualquer injúria
no epitélio intestinal pode resultar em refugagem devido a má
absorção, trânsito rápido e diarréia osmótica ou secretória. No
frango, a absorção de água no intestino varia conforme a taxa de
absorção de NaCl que ocorre por difusão passiva ou paracelular
e pelo sistema de transportador intracelular SGLT1 dependente
de glicose. A diminuição da absorção de água devido a diarréia
secretória compromete a absorção de potássio e induz a hipocalemia e aumento de mortalidade. A absorção de eletrólitos e de
água ocorre no ápice da vilosidade do jejuno, do íleo e do ceco,
enquanto que, na cripta de Lieberkühn, a secreção de cloretos
e de potássio é feita por canais específicos, que se abrem, respectivamente, sob a modulação do AMP cíclico (AMPc) e Ca2+
e pelo aumento do AMPc intracelular. A inibição do AMPc e
do GMP cíclico no enterócito da cripta de Lieberkühn induz
aumento da secreção e diminuição da absorção de água e de
eletrólitos, portanto resulta em enterite secretória (acúmulo de
grande volume de fluido no lúmen intestinal) e eliminação de
fezes com maior conteúdo de água e de eletrólitos. O controle
da absorção e da secreção de água e de eletrólitos na mucosa intestinal é feito por um sistema neuroendócrino e imune gastrointestinal muito responsivo nos frangos de corte, que favorece a
ocorrência da diarréia secretória e trânsito rápido em resposta a
estímulos locais devido à presença de microorganismos, toxinas
e substâncias antinutritivas ou de estresses causados por falhas
de manejo e comprometimento do conforto térmico. A enterite
secretória pode ser causada por vários fatores, por exemplo:
•deficiência do sistema de transporte de íons devido ao mau
desenvolvimento e/ou diferenciação dos enterócitos;
• má absorção de um não eletrólito (nutriente) induzindo o aumento da osmolaridade no lúmen intestinal desencadeando a
diarréia osmótica e a secreção de água para o lúmen;
•a má absorção de gordura e hiperproliferação de bactérias
da flora normal que metabolizam lipídios e liberam ácidos
graxos hidroxilados, estimulam a secreção de água e a hipermotilidade do intestino ou trânsito rápido que leva a um fluxo
anormalmente rápido do conteúdo do intestino para que ocorra
a diluição e expulsão do conteúdo intestinal;
•observa-se aumento da secreção de água e de eletrólitos, por
exemplo quando aumenta a concentração de GMP devido à
presença da toxinas Sta da E. coli, ou do AMPc sob estímulo
de toxina do tipo cólera, liberação de compostos peptídios nos
neurônios entéricos eg, peptídio vasoativo intestinal, acetil
colina, serotonina, óxido nítrico, substância P ou de neurotensinas ou quando o cálcio intracelular está elevado;
•fatores que comprometem a regulação fisiológica de água e sal
(Tabela 1) ou excesso de NaCl.
As enterites secretórias causam redução da absorção de vitaminas hidrossolúveis como o ácido ascórbico, o inositol, o
ácido pantotênico e a tiamina (B1), que são absorvidas e transportadas ativamente movidas pelo gradiente eletroquímico de
Na. As vitaminas hidrossolúveis (biotina, colina, ácido fólico,
riboflavina) que são absorvidas por difusão ou através de um
transportador, são eliminadas durante a enterite secretória.
Quando ocorre a esteatorréia ou a diminuição da absorção de
lipídios devido à deficiência de bile, insuficiência pancreática
ou atrofia da mucosa intestinal, ocorre a diminuição da absorção
de vitaminas lipossolúveis (eg. A, D, E e K). A deficiência de
vitamina D é uma das principais causas de redução da absorção
intestinal de cálcio e que desencadeia o raquitismo ou falhas
de mineralização do osso, tornando-os moles ou flexíveis (osso
do tipo borracha) ou favorecendo o arqueamento da pernas.
Resumindo, enteropatias que resultam em enterite secretória e/
ou osmótica ou em trânsito rápido são as principais causas de
problemas esqueléticos no frango de corte e desuniformidade
do desenvolvimento corporal.
As enteropatias dos frangos de corte são causadas por inúmeros
fatores e suas conseqüências variam de acordo com o período
de vida em que elas ocorrem. Do ponto de vista cronológico, as
enteropatias que ocorrem no período pré e neonatal e as postnatais prematuras são as que causam prejuízos econômicos mais
elevados porque as seqüelas causam diminuição ou perda de
função, muitas vezes irreversíveis, que podem comprometer o
ganho compensátorio final do frango de corte ou dar origem a
síndromes de etiologia múltipla e confusa.
Enteropatias pré e neonatais
A falta de alimentação do neonato é um dos principais fatores
que comprometem o desenvolvimento do compartimento absortivo do intestino e que estimula o acúmulo anormal de mucina
ácida e neutra na célula caliciforme do jejuno e do íleo, porque
ocorre aumento de sua síntese e uma diminuição de sua secreção. O jejum e atraso na alimentação do neonato interfere com a
taxa de migração dos enterócitos absortivos para o ápice do vilo
e de diferenciação das células precursoras ou oligomucosas para
células caliciformes.
No embrião, o peso do intestino aumenta mais que o seu peso
corporal, no período de 17 dias para o dia da eclosão, na razão de 1 para 3,5 e está relacionado com a diferenciação das
células caliciformes e de enterócitos que secretam enzimas
que digerem carboidratos e possuem os principais sistemas de
transporte (SGLT1, ATPase), do brotamento de novas vilosidades e do alongamento de todos os vilos. Imediatamente após
a eclosão, o intestino imaturo passa a apresentar modificações
morfológicas e citológicas dramáticas e mais intensas no
período de um a sete dias de idade. A alimentação precoce
estimula e acelera a maturação ou a adaptação da mucosa
intestinal, porque os enterócitos já possuem um compartimento de transporte específico para nutrientes que podem ser
ativados. Os fatores que comprometem o desenvolvimento da
mucosa intestinal no neonato causam mau desenvolvimento
corporal, baixo ganho de peso, conversão alimentar ineficiente
e retardo na maturação do sistema imune inato de defesa. No
neonato, a proteção da mucosa intestinal depende da barreira
celular (macrófago, célula “natural killer” (NK), heterófilos),
química, física e da presença das células Paneth localizadas
na cripta que secretam lisosimas, defensina α e β e fosfolipase
A2 secretória que lisam bactérias, fungos e vírus envelopados.
Os fatores mais estudados e que comprometem a maturação
do intestino, são o jejum e a restrição do consumo sucedida
de realimentação, porque eles desencadeiam a diminuição da
nutrição entérica no neonato e favorecem a colonização por
vírus e bactérias enterotrópicas. Enquanto enteropatias pré
natais podem ser desencadeadas por dietas deficientes ou pela
má absorção e transferência de nutrientes na reprodutora, falhas de incubação e de eclosão e a contaminação pre´-natal por
microorganismos devido à transmissão vertical e horizontal,
no neonato podemos considerar os seguintes fatores como
principais causas de enterites que causam a má absorção:
•jejum ou restrição de alimento nos primeiros três dias de
idade compromete o suprimento de nutrientes que suportam e
mantêm a proliferação de enterócitos por toda a extensão do
vilo, que só ocorre até 10 dias de idade, e o aumento por ramificação da quantidade de criptas por vilosidade, que ocorre
até 14 dias de idade na razão de 3 a 4 criptas/vilo. A taxa e a
velocidade de migração do enterócito da cripta para o ápice
do vilo, o peso, a orientação e a forma do vilo podem estar
alterados a despeito de não haver mudança na densidade de
enterócitos (200.000 a 280.000 células/cm2). A restrição alimentar sucedida de realimentação aumenta a taxa de absorção
por unidade de mucosa ativa ou peso do intestino, mas diminui
a sua absorção total.
•a composição da dieta em termos de carboidratos, proteínas
e ions Na+ e Cl- pode estimular uma resposta adaptativa da
mucosa intestinal e resultar no aumento do número de enterócitos e na maturação do sistema de digestão e absorção
na microvilosidade. A alimentação “in ovo” e no incubatório
pode acelerar o desenvolvimento da mucosa intestinal, em
nível equivalente ao visto em pintos de dois dias de idade que
recebem dietas convencionais.
•o estresse por calor e a hipertermia (febre) reduz a taxa
de crescimento e a eficiência alimentar dos frangos de corte
porque diminui o consumo e interfere com a modulação neuroendócrina e metabólica da secreção e da peristalse (Tabela
1). Temperaturas ambientais elevadas, além de reduzir o consumo, estimulam a captação e o transporte ativo de hexoses
e de aminoácidos pelo enterócito em resposta à diminuição
de nutrientes no lúmen, no entanto, induzem a diminuição do
tamanho do compartimento de absorção e causam baixo ganho
de peso. Quando o estresse por calor persiste por tempo prolongado no período pós-natal, a temperatura >30ºC e 70%UR,
ocorre o comprometimento irreversível da maturação do
intestino e do ganho compensatório conferido pelo hormônio
de crescimento armazenado no fígado.
•a concentração luminal de nutrientes específicos é o principal determinante que modifica o microambiente iônico, o pH
e a osmolaridade da camada não misturada do digesta que está
na microvilosidade dos enterócitos maduros e que possibilita
a digestão passiva paracelular e ativa que pode ser modificada
em condições normais de ambiência. O estresse por calor
promove o aumento da absorção da metionina e da excreção
de glicose, de sódio e de potássio e aumenta a osmolaridade e
o pH no lúmen do íleo. Como conseqüência, ocorre a enterite
osmótica e o desequilíbrio da flora bacteriana sucedida pela
enterite secretória que reduz a eficiência dos promotores de
crescimento e, devido ao aumento do pH no íleo, o favorecimento da proliferação de enterobactérias (E. coli, Salmonella
sp) e de Campylobacter sp.
Enteropatias prematuras ou na fase inicial
As enteropatias prematuras que ocorrem ao final da primeira
semana de idade geralmente são desencadeadas por alterações
fisiológicas ocorridas durante o período neonatal. Quando o
intestino é lesado por microorganismos patogênicos, os pintinhos piam muito, caminham ao longo dos comedouros, mas não
comem porque estão inapetentes e podem apresentar sonolência
devido à hipertermia. A inapetência induzida por infecções,
pelo estresse calórico e má qualidade da dieta estimulam a
alotrofagia (ciscagem e ingestão da cama, de fezes, de penas,
de terra, etc).
As enterites bacterianas e virais geralmente ocorrem devido
à associação de fatores, onde um deles potencializa a ação do
outro, principalmente quando se ministra uma ração de baixa
qualidade nutricional. Aminoácidos limitantes, como a treonina tem um efeito importante na secreção de mucina e, em
ambientes com elevada contaminação ambiental, observa-se
um aumento da sua exigência. O triptofano, que é o precursor
da serotonina e da melatonina, interfere e causa um distúrbio da
peristalse e, ainda, por fazer parte do metabolismo da niacina,
causa irritação.
A principal razão para que seja evitado qualquer tipo de falha de
manejo que resulte em diminuição do consumo e de subconsumo dos nutrientes, deve-se ao fato de que, até 21 dias de idade,
o sistema imune do intestino ou GALT está imaturo, e toda a
proteção local é feita pela imunidade inata e pelos anticorpos
maternos que podem impedir ou controlar a translocação ou a
disseminação extraintestinal de bactérias e de vírus. A imunidade humoral no intestino (secreção de IgA no lúmen e o aporte de
IgY e IgM na lâmina própria e na muscular mucosa) é esclarecida somente após 21 dias de idade, mesmo quando a vacinação é
feita no neonato ou na primeira semana de idade. Por esta razão,
Salmonella sp, Campylobacter sp e E. coli, que são de importância na saúde alimentar, persistem no lúmen intestinal por um
período tão longo quanto 8 a 9 semanas de idade. A deficiência
de alguns aminoácidos limitantes, como a arginina, a isoleucina
e a valina, influencia na implantação da imunidade intestinal.
A redução da liberação de mucina e de lisosimas, defensinas
e de fosfolipase pelas células de Paneth, pelos heterófilos e
pelos macrófagos, é um fator que agrava a enterite bacteriana e
a diarréia induzida por vírus não envelopados como Reovírus,
Rotavírus, Entero-like-vírus, Parvovírus e Astrovírus.
A síndrome do refugamento e mal desenvolvimento é clinicamente observada no período de 9 a 21 dias de idade pela manifestação de passagem de alimento não digerido e eliminação
de fezes alaranjadas ou esteatorréicas e de apresentação de
alterações concomitantes no pâncreas, fígado e no disco epifisário (raquitismo). Goodwin et al (1993) demonstraram que
as infecções intestinais por vírus são mistas, com combinações
aleatórias de diferentes vírus em associação com Astrovírus,
Entero-like-vírus e Reovírus, que sempre estão presentes em
aves doentes e normais, com bactérias e protozoários e programas nutricionais e práticas inadequadas de manejo. A remontagem de cama, tempo curto de vazio entre alojamentos, calor
excessivo ou temperaturas inadequadas no pinteiro, aumentam
a ocorrência da síndrome da má absorção (Zavalla & Sellers,
2005).
Enteropatias no período de engorda
Não há dúvidas que os fatores mais prevalentes e que causam
prejuízo significativo econômico na fase final da criação de
frangos de corte são a coccidiose, a presença de compostos
tóxicos e erros no processamento da ração e a expressão dos
efeitos nocivos da flora bacteriana. Os efeitos nocivos da flora
bacteriana podem ser controlados pelos promotores de crescimento e anticoccidianos adicionados na dieta (Ito, 2006a),
no entanto, na fase final da criação, quando por prudência são
retirados da dieta, é favorecida a ocorrência de enterite necrótica pelo Clostridium perfringens, cama molhada, disbacteriose
(Ito, 2006a) e a condenação de fígados no abatedouro devido à
endotoxemia e/ou translocação bacteriana (Ito, 2006b). Sabe-se
que quando não se utiliza promotores de crescimento, ocorre
um aumento da incidência da enterococose, da estreptococose
e da estafilococose.
As enteropatias que comprometem o ganho de peso e a eficiência
alimentar compensatória e que causam trânsito rápido e/ou passagem de ração induzem problemas de pernas, pododermatite e
ruptura do intestino durante o abate e de frangos sujos que, na
Europa, são rejeitados para abate. Como fatores predisponentes
temos, além das enterites causadas pela ingestão de ração de
qualidade duvidosa e mau manejo, o estímulo exacerbado do
sistema imune e as tiflites.
•Estímulo do sistema imune: O trato gastrointestinal é a
porta de entrada para inúmeros patógenos sistêmicos virais e
bacterianos (eg. Newcastle, Influenza, Pasteurella multocida,
Salmonella Pullorum/Gallinarum) e é sítio de replicação de
Adenovírus do grupo I, vírus doença de Gumboro, da bronquite infecciosa das galinhas, do Hepevírus ou Calicivírus
que causa a síndrome do fígado e baço grande, etc. O TGE
também capta (via célula M ou “Microfold”) antígenos alimentares, toxinas e microorganismos pouco patogênicos eg.
Reovírus, Campylobacter sp, Salmonelas paratifóides e exclui
inúmeros antígenos através da imunidade inata e adquirida. Ao
recontato com o mesmo antígeno, os plasmócitos dos centros
germinativos localizados na tonsila cecal, na placa de Peyer
e na muscular mucosa proliferam e secretam IgA. Durante
o estímulo antigênico ocorre a liberação de linfocinas que
induzem redução do consumo, hipersecreção, má absorção,
diarréia osmótica e diminuição da maturação e da proliferação
dos enterócitos. O intestino alberga aproximadamente 25% do
total de linfócitos que estão em todo o organismo e apresenta
inflamação constante para excluir os inúmeros antígenos que
adentram o TGE. No duodeno e no jejuno, a defesa local é efetuada principalmente pelas células caliciformes secretoras de
muco, pelos linfócitos que migram para as junções oclusivas
entre os enterócitos e os plasmócitos, macrófagos e linfócitos
T que estão na lâmina própria. No íleo, predomina a célula
M que captura e apresenta o antígeno para os linfócitos, macrófagos e as células dendríticas que propagam a informação
através do sangue e da linfa.
•Tiflites: No ceco ocorre a digestão da fibra e a proliferação
das bactérias que compõem a flora normal, e ainda é onde se
observa colonização pela Salmonella sp, Campylobacter sp,
Brachyspira sp, Cryptosporidium sp.e Eimeria sp. O desequilíbrio da flora bacteriana, bom como a colonização por bactérias e protozoários patogênicos, promovem o esvaziamento
do ceco ou a tiflite osmótico-secretória que causa a aderência
de fezes cecais na região pericloacal. As tiflites potencializam
a diurese, a desidratação e o desequilíbrio do balanço hídrico
e eletrolítico induzida pela diarréia secretória ou pela nefropatia, porque o ceco é responsável pela reabsorção da água e
dos eletrólitos que estão na urina que chega através do fluxo
reverso.
•Proventriculopatias: micotoxinas sintetizadas por fungos
da espécie Fusarium sp, injuriam a mucosa do proventrículo,
enquanto que Reovírus, Coronavírus (bronquite infecciosa
das galinhas), Birnavírus (doença de Gumboro), Adenovírus
do Grupo I, vírus de 60 a 70nm parecidos com Adenovírus,
Hepevírus e o Herpesvírus da doença de Marek, lesam o epitélio glandular, estimulam a hiperplasia de linfócitos e induzem
a atrofia glandular. A proventriculite é causa de má digestão,
passagem de ração, aumento da friabilidade e ruptura durante o
abate da parede do proventrículo e de aparecimento de úlceras
na moela. A erosão na junção proventrículo - moela também é
induzida por fatores que interferem com função do proventrículo, por exemplo, a secreção da histamina e da serotonina e a
ingestão de aminas biogênicas estimulam a secreção de ácido
clorídrico, micotoxinas que impedem a regurgitação da bile
que neutraliza o ácido clorídrico, a deficiência de vitamina E
que favorece a peroxidação dos ácidos graxos polinsaturados
(Scott, 1985) e inúmeros outros fatores que comprometem a
peristalse reversa gastro-duodenal. Uma ração pode alterar
a função do intestino e a peristalse reversa gastro-duodenal,
devido a:
▪presença de antinutrientes, como aminas biogênicas, fitotoxinas, micotoxinas, medicamentos, gordura oxidada, sulfato de
cobre, inseticidas, ácidos orgânicos, etc, que lesam a mucosa ou
interferem com a peristalse ou mimetizam a ação da histamina.
▪problemas relacionados com erros de formulação, por exemplo, inclusão de ingredientes de baixa digestibilidade ou de
substratos que favorecem a hiperproliferação bacteriana e a
síntese de aminas biogênicas, ácidos graxos, compostos nitrogenados, etc pelas bactérias.
▪erros no processamento alteram a micro e macroestrutura e/ou
causam modificações químicas. A mudança da macroestrutura
ou da granulometria interfere com o consumo e a motilidade
gastro-intestinal e modifica a composição da flora bacteriana. A
granulometria fina estimula a hiperfagia, diminui a secreção de
bile e de enzimas pancreáticas e o tamanho da moela e modifica
a composição da flora bacteriana porque o pH fica mais básico.
A mudança química de alguns componentes da ração é induzida
pela exposição ao calor: a peletização (85 a 90ºC) não influencia
tanto quanto a temperatura de extrusão(110ºC), mas falhas no
resfriamento do pellet favorecem a decomposição e a proliferação
de fungos toxigênicos. A temperatura elevada destrói as vitaminas
e aumenta a concentração de fibra solúvel e a viscosidade e, por
isto, diminui a digestão e a absorção de nutrientes, compromete o
desenvolvimento do intestino, modifica a motilidade e a liquefação
do quimo, reduz a atividade enzimática, aumenta a proliferação das
bactérias e induz a eliminação de fezes aderentes ou pastosas.
Tabela 1: Fatores ou compostos endógenos que interferem com a regulação fisiológica da absorção intestinal de água e de eletrólitos.
Local de LIberação
Estimula a secreção na cripta
Promove a absorção no ápice do vilo
Fatores desencadeantes
Neurônio entérico (plexo submucoso e
mioentérico) da parede intestinal
Acetil colina, óxido nítrico, serotonina,
peptídio vasoativo intestinal, substância
P
Norepinefrina, neuropeptídio Y e
opióides
Distensão do intestino, estímulo mecânico na mucosa, glicose luminal, pH ácido,
sais biliares, etanol, reexposição a
antígeno, toxina do tipo cólera e estímulo
do SNA simpático e parassimpático.
Células neuroendócrinas dos imunócitos (MALT-GALT) na mucosa.
Histamina, calcitonina guanilina, bradicinina, fator ativador de plaqueta, espécies
reativas ao oxigênio
Somatostatina
Injúria no enterócito ou estímulo dos
neurônios entéricos
Presente no lúmen.
Sais biliares e ácidos graxos de cadeia
longa
Prolactina, hormônio do crescimento e
ácidos graxos de cadeia curta
Estresses pré e neonatais causados por
erros dietéticos e de manejo, comprometimento do consumo.
Hormônios liberados à distância.
Prostaglandina, leucotrienes, calcitonina,
ácido aracdônico, adenosina, peptídio
atrial natriurético, gastrina, motilina,
bombesina, peptídio vasoativo intestinal.
Epinefrina, encefalina, aldosterona,
glicocorticóides, angiotensina II,
peptídeo YY
Estresses relacionados com consumo,
disponibilidade de alimento, distúrbios
renais e da cortex adrenal.
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