Notícias Magazine - Dezembro de 2014

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Notícias Magazine - Dezembro de 2014
27/01/2015
A febre do eu | Notícias Magazine
Vida Moderna
A FEBRE DO EU
Por : A n a Pa g o 1 0 /1 2 /2 0 1 4 - 1 3 :2 5 • Fot og r a fia de Pa u lo Spr a n g er /Globa l Im a g en s
O que é que a moda das selfies diz sobre nós?
O que é que a moda das selfies diz sobre nós? Que somos egoístas. Vivemos de
aparências e muito auto-centrados? Quem estuda o fenómeno diz que é ao contrário
– que tentamos contrariar o vazio que sentimos com o reconhecimento dos outros. E
isso é também sintoma de que todos somos um pouco narcisistas.
Viagem de carro em que não possa olhar-se ao es​
pelho é uma provação para Cláudia Borges (na
foto), pro​
fessora de Inglês, 27 anos. Não é uma mulher ar​
rogante e cheia de si, distante do
mundo que a rodeia. Muito menos passa por cima dos outros em busca de glória pessoal. Mas
fica doente se não vir com os próprios olhos que a pele conti​
nua sedosa, o cabelo brilhante, as
rugas ausen​
tes – o rosto tão perfeito como quando se olhou pela última vez, ao sair de casa. E
na hipótese de poder esquecer aqueles traços mais tarde, tira selfies com o iPad e publica-as no
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Facebook, dezenas de​
las, de todos os ângulos, para ver a evolução e constatar como era bo​
nita
no passado. Os especialistas falam numa «febre do eu» decor​
rente da valorização do indivíduo
pela sociedade atual. Uma espé​
cie de narcisismo dos tempos modernos que está na moda.
«Mudaram-se os sistemas políticos, os pilares morais, os valores sociais, as estruturas familiares
e, inevitavelmente, o próprio indi​
v íduo. Faz sentido analisar o fenómeno de uma perspetiva de
conti​
nuidade, em que certas mudanças que têm vindo a ocorrer no último século se espelham
com maior intensidade nas gerações recentes», explica o psicólogo clínico Filipe Leão Miranda.
O medo de o ser hu​
m ano se sentir insignificante promove a procura dos 15 minutos de fama a
que todos teríamos direito um dia, conforme preconizou o artista de pop art Andy Warhol. «A
questão da fama é um velho pro​
blema, que se aproxima tanto do narcisismo como da
imortalidade. Desde a Grécia Antiga que a procura de glória se assumiu como uma possível
resposta à finitude do homem.»
Cláudia reconhece que o medo extremo de ver o rosto envelhecer pode refletir essa angústia de
deixar de existir tal como se conhece: uma jovem luminosa e resiliente, com uma relação
estável, muito di​
ferente da menina que cresceu sem pai e nunca se libertou da sensa​
ção de
abandono. «Não sou vaidosa com mais nada, só com a minha cara. Sou muito perfecionista,
insegura em igual dose e tenho pâni​
co de ser trocada por outra mulher mais jovem e bonita – o
meu na​
m orado que o diga!» Perder as referências seria o pior que lhe podia acontecer nesta fase
da vida, em que ficou sem o avô e se sente à de​
riva. Daí ancorar-se tanto na opinião dos outros.
«Tranquiliza-me muito partilhar os meus estados de espírito com as pessoas, ler os co​
m entários
e saber que gostam do que veem», diz.
Filipe Miranda acredita que este sentimento generalizado de que somos incompletos – aquilo a
que o filósofo Gilles Lipo​
v etsky já nos anos 1980 chamava «a era do vazio» – traduz-se nu​
ma
«deceção profunda que tentamos contrariar com a busca de reconhecimento». O
desenvolvimento (e intensidade) do narci​
sismo decorre de questões temperamentais, relacionais
e sociais, e tem tanto um potencial de construção como de destruição. «Num narcisismo
saudável, a perceção de falta potencia a procura do outro como diferente de si mesmo», explica
o psicólogo. No narcisismo deficitário, resultará numa procura dos outros para benefício próprio,
razão por que as relações se tornam insatisfatórias. Em última análise, é algo comum a todos os
sujeitos, com as redes sociais a servirem muitas vezes de montras para a vida privada. «Nesse
caso assumem um caráter de espelho, que procura responder à eterna questão “há alguém mais
belo do que eu?”. A valorização pessoal acaba intimamente ligada ao número de partilhas
alcançadas.»
Cláudia Borges não reconhece em si as caraterísticas piores do narci​
sismo – egoísmo
desmesurado, sentimentos de superioridade, arrogân​
cia –, mas revê-se nesta busca de afirmação
de cada vez que põe online mais uma foto sua, previamente limpa num programa que apaga as
im​
perfeições: «Tinha uns 17 anos quando comecei a postar no MySpace e no Hi5, não me
lembro quantos tinha quando passei para o Facebook, e vivi tempos em que punha toda a
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minha vida nas redes sociais», conta, ciente de que a idade a ajudou a moderar um pouco esta
tendência para a exposição. «Hoje assusta-me ver miúdos pequenos com iPhone e tablets, a
falar em chats em vez de conviverem pessoalmente. Mas depois recor​
do-me de que também eu
fui assim: fotos de meia em meia hora, desa​
bafos e o meu coração aberto a quem quisesse
comentar ou fazer like.»
Num ponto em que se podia correr o risco de pensar que o narcisismo é coisa de miúdos a quem
tudo cai do céu – como sugerem alguns estudos que revelam um aumento do narcisismo entre
os jovens americanos nos últimos 15 anos –, o psicoterapeuta brasileiro Caio Feijó recusa visões
re​
dutoras e tendenciosas: trata-se de um fenómeno descrito em várias ge​
rações, com propensão
para agarrar os que passam a vida na internet e tentam encontrar-se nos olhos dos outros. O
facto de serem os mais no​
v os os principais afetados deve-se menos a uma questão de fraqueza e
mais ao impacte dos media na cultura juvenil atual, privilegiando os atributos físicos, a vivência
das novas tecnologias e o culto às celebridades.
«Ninguém nasce narcisista. Este é um comportamento aprendi​
do, muitas vezes logo nos
primeiros anos de vida», aponta o especia​
lista em desenvolvimento pessoal, autor do livro Pais
Competentes, Filhos Brilhantes. «Uma criança que berra quando quer algo e é pron​
tamente
atendida acaba por aprender que é o centro das atenções e desenvolve comportamentos
arrogantes em ambientes onde não é tratada como rei ou rainha, como a escola.» Cabe aos pais
percebe​
rem a importância de gerirem as expetativas dos filhos, sem os su​
perprotegerem nem
criticarem demasiado. «Adultos inseguros, ou com excesso de autoestima, ou a sentirem-se tão
culpados que não impõem limites serão os modelos que os pequenos vão imitar. Ter amorpróprio é essencial para o equilíbrio psicológico, quando do​
seado com critério e respeitando as
diferenças.»
Foi em novembro de 2013 que o Dicionário Oxford nomeou sel​
fie a palavra do ano, após um
aumento do uso do termo em 17 mil por cento. A palavra terá sido usada a primeira vez em
2002, para defi​
nir os autorretratos tirados com telemóveis e publicados nas redes sociais, e
disparou rumo à notoriedade no ano passado, democra​
ticamente partilhada por jovens, adultos
e celebridades diversas: a socialite Kim Kardashian tornou-se rainha das selfies ao postar fo​
tos
suas na piscina, ao acordar, no elevador e em fatos de licra que deixam pouco à imaginação; em
março deste ano, a apresentadora Ellen DeGeneres fotografou-se rodeada de estrelas de
Hollywood, na cerimónia dos Óscares, e a selfie entrou para a história como a mais partilhada
no Twitter em menos de uma hora, ao superar um milhão de tweets; o cantor canadiano Justin
Bieber publica fotos su​
as para cumprimentar os fãs (quase sempre em tronco nu) e até o Pa​
pa
Francisco e o presidente dos EUA, Barack Obama, deram que fa​
lar ao participarem em selfies.
Em Portugal, um autorretrato que tinha tudo para ser um êxito nas redes sociais – o de um
casal polaco atraente e bem-sucedido a passear em família, com o mar enfurecido do cabo da
Roca em pano de fundo – acabou em tragédia quando Michal e Hania Mackowiak passaram as
barreiras de segurança que os separavam do precipí​
cio e caíram no vazio, deixando dois filhos de
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5 e 6 anos em choque diante da morte dos pais. Breanna Mitchell, do Alabama, protagoni​
zou
outra selfie infeliz ao fotografar-se a rir no antigo campo de con​
centração de Auschwitz (a
jovem estava simplesmente feliz por visi​
tar o local que tinha estudado com o falecido pai, mas
desde aí que é insultada e ameaçada de morte). O mexicano Óscar Otero, estudan​
te de Medicina
Veterinária de 21 anos, matou-se com um tiro na ca​
beça sem querer ao tentar fazer, bêbedo,
uma selfie com uma arma apontada à cabeça.
«Não penso que tenha havido um aumento de narcisismo, mas sim um aumento da exposição
pública de algumas formas de narci​
sismo», defende a socióloga Rita Espanha, considerando que
nessa exposição, muitas vezes, estamos apenas a ver autoapresentação e formação de
identidade. «Acontece é que, por serem mais públicos, adquirem um estatuto mais depreciativo
do que teriam num grupo restrito.» O seu trabalho como investigadora em Ciências da
Comunicação no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa também lhe diz que vivemos numa
era em que podemos ser individualistas e comunitários ao mesmo tempo, qualquer que seja a
idade, pelo que fica difícil estabelecer um padrão de uso das redes sociais. «Encontraremos
pessoas que procuram umas coisas e outras que procuram outras, e as mesmas pessoas
procurarão coisas distintas em momentos diferentes. Todos buscamos felicidade e
reconhecimento nas várias esferas das nossas vidas, o mesmo sucede nas redes sociais.»
Ana Filipa Rego (na foto) não procurava nada em concreto quando criou con​
ta no Facebook,
mas rendeu-se ao perceber que era uma tela prepara​
da para os seus rabiscos, como gosta de
chamar aos posts que lhe assina​
lam o início dos dias. «Aos poucos equilibrei-o com aquilo que
sou, foi uma forma que arranjei de complementar a minha personalidade a to​
dos os níveis.
Hoje, o meu mural sou eu», garante a assessora de impren​
sa da Fundação Francisco Manuel
dos Santos, 34 anos. Mostrar-se não a assusta a partir do momento em que sente que tudo
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aquilo faz parte de si. Faz-lhe sentido usar selfies para se expressar, sempre acompanhadas por
uma citação do momento que está a viver, e conseguir sintonizar es​
sa imagem dela com o que
pensa e transmite aos outros.
«Claro que é uma exposição, mas deliberada, ponderada e sincera. É complementar à minha
vida», justifica a ex-jornalista do Jornal de Negócios, que costumava dizer que preferia a
câmara à máquina foto​
gráfica (quando fazia diretos para a televisão) por se sentir mais ela. A
selfie veio reconciliá-la com a fotografia: «Ali sou só eu e o meu inte​
rior. Não deixa de ser
narcisista, mas sou muito mais natural e é uma forma de mostrar o meu eu e os meus
sentimentos.» Sem descurar o perigo das redes sociais para as crianças, adolescentes e até para
os adultos que tentam suprimir carências e encontrar vida lá, a ela de​
ram-lhe alcance de
expressão. «No meio de um mundo tão virado pa​
ra o exterior, admito que se confunda com um
ato banal e oco – a au​
toestima e o narcisismo facilmente são tomados pela mesma coisa. Mas
não me incomoda perante a posição que encontrei por aqui, como pessoa genuína e inteira que
sou.»
Conta a mitologia grega que Narciso, dono de excecional beleza, desprezou todas as ninfas que
por ele se apaixonavam por não julgar nenhuma merecedora do seu amor. A maldição de
Némesis, deusa da vingança, tardou, mas não falhou: que também ele vivesse um amor
impossível como o delas. Ao inclinar-se para beber água de uma fon​
te, um dia em que voltava
da caça, Narciso apaixonou-se pela sua própria imagem refletida e ali definhou, dia após dia,
tentando abra​
çar aquele ser que se turvava de cada vez que ele mergulhava os bra​
ços na água
para alcançá-lo. É esta embriaguez com o ego que inspi​
ra a teoria freudiana do narcisismo e que
a sociedade moderna pare​
ce ter recuperado, ao valorizar a aparência quase como a única coisa
de que precisamos para estar bem aos olhos dos outros.
«A minha prática clínica de 15 anos mostra-me que as pessoas vi​
v em num vazio enorme do eu,
numa apatia que as faz preencher o ego com o outro, e encontraram nas redes sociais um modo
fácil e vi​
ciante de o conseguirem. Daí a necessidade de postarem fotos e co​
m entários, esperando
para ver quantos likes irão ter», sublinha Bár​
bara Ramos Dias, lifecoacher e terapeuta
emocional na Bioterapias. «Ali constroem a sua identidade, podem fazer de conta, ser quem
quiserem sem punição, ter outra cara.» A quantidade e a qualidade da exposição têm que ver
com a estrutura da personalidade e os pa​
drões de comportamento de cada um. Regra geral, diz,
«quanto mais a pessoa se expõe, mais tendên​
cia tem para ser narcísica, um fa​
tor associado à
procura de reco​
nhecimento e baixa autoestima, embora muitas vezes não o reco​
nheça como
tal». Ainda assim, um pouco de narcisismo na me​
dida certa é fundamental para uma boa
estruturação do sujei​
to. «Equipa-nos para lidar com as adversidades da vida.»
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Carla Pinto Silva (na foto), 30 anos e diretora de comunicação e re​
cursos humanos, é um
exemplo desta capacidade de afirmação que cada um tem de si próprio. «Tenho sempre muito
cuidado com aquilo que publico – até porque a imagem que os outros têm de nós somos nós que
a criamos –, mas para mim a exposição não é nenhum bicho-papão», assegura. Já fez
jornalismo televisivo à seme​
lhança de Ana Filipa Rego, quando trabalhou na Agência Financei​
ra
e comentava a Bolsa para a TVI. Como ela, tem noção da impor​
tância de se contar uma história
que merece a pena ser partilhada e está consciente de como lidar com isso.
«Vivemos na era da valorização da autoestima e do reforço da iden​
tidade através da imagem. O
poder da imagem está cada vez mais li​
gado ao poder da afirmação pessoal», reconhece Carla,
que adora postar fotos suas e aprecia quando a elogiam, mas não vive depen​
dente disso. «Hoje
não basta alguém ir a um evento ou a um local ex​
traordinário: precisa de mostrar que esteve lá.
As pessoas usam is​
so para se sentirem mais bonitas, até mesmo para se reinventarem.» Pela
parte que lhe toca, considera-se uma mulher alegre, segura e de personalidade forte que, por ser
feliz, se sente linda e confiante. O narcisismo é outra coisa, um transtorno. «Há, de facto, quem
o de​
senvolva, sobretudo porque se preocupa obsessivamente com o que os outros pensam de si.
E, sim, tendemos a confundir a boa autoesti​
m a com esse transtorno. Eu faço o que gosto, o que
me apetece, e is​
so chega-me. Não sou nada influenciável, apesar de respeitar sempre as opiniões
dos outros.»
Uma reportagem publicada em maio de 2013 pela revista Time rotulava de «geração me me
me» os nascidos entre 1980 e 2000 – chamados millenials: miúdos narcisistas, preguiçosos e
superfi​
ciais, que ainda moram com os pais e são alienados e ansiosos aci​
m a da média. Também
o ensaísta Rob Agshar, num artigo no The Huffington Post, referiu que os jovens de hoje não
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conseguem em​
penhar-se em conquistar nada, habituados que estão a ser elogia​
dos e a ter tudo
de mão beijada. Bárbara Ramos Dias, Caio Feijó, Filipe Miranda e Rita Espanha dizem que não
são só as novas ge​
rações que sofrem destes exageros do ego, a tecnologia apenas lhes dá maior
alcance. Um estudo realizado pela Universidade de Bentley, Massachusetts, EUA, concluiu ainda
que 84 por cento dos millennials estão mais preocupados em fazer uma diferença positiva no
mundo do que com o seu próprio reconhecimento, o que nos diz que é perigoso generalizar.
Filipa Amaral, 20 anos, e Salomão Fonseca, 24, (na foto) passam com no​
ta máxima nesta
alegria de viverem as suas vidas sem competirem com outros por atenção nas redes sociais nem
fazerem disso uma validação pessoal constante. «Há pessoas que desde que acordam até se
deitarem estão sempre a postar: “Agora estou aqui, fiz isto, co​
m i aquilo, vesti esta roupa,
comprei este livro.” Hoje é tudo instan​
tâneo e resulta em abusos. Não é anedota haver quem
esteja a casar–se e a perder o momento na voragem de dizer aos outros o que es​
tá a fazer»,
lamenta o assistente técnico numa casa de acolhimen​
to, formado em Artes Visuais e
Tecnologias. «Tenho amigos que sei quando saem de casa, onde estão, com quem estão e
quando voltam. É exposição a mais. No verão, então, é uma loucura de fotos na praia ou no
ginásio, em tronco nu, em biquíni, a mostrar os corpos tonifi​
cados», acrescenta ela, no 3.º ano
da licenciatura de Educação Bási​
ca na Escola Superior de Educação de Lisboa.
No caso deles é diferente: há uma festa, um passeio, uma surpre​
sa que os marca, e escolhem o
que guardar e o que partilhar. «Se ca​
lhar, outros publicariam logo tudo no Facebook ou no
Instagram. Nós entendemos que há instantes que são só nossos», defende Sa​
lomão. Filipa
concorda: «A partir do momento em que o meu pai, o meu tio e muita da família estão nas
redes sociais, tem de haver um certo limite por respeito. Existem coisas que eu compreendo que
não queiram ver. Além de que muita gente tenta mostrar algo que não existe ao expor-se: criam
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uma personagem, alimentada pelos comentários dos outros, como uma camada que as protege
daqui​
lo que realmente sentem.» Um like é bom, mas melhor do que isso é não precisarmos dele
para nos sentirmos amados.
» NARCISISTAS FAMOSOS
PARIS HILTON Tem almofadas com o seu rosto estampado em casa, veste camisolas com o
seu rosto estampado na rua e foi uma das primeiras socialites do mundo a conseguir
transformar-se numa marca.
SUSANA VIEIRA Diz a quem a quiser ouvir que o seu talento natural é perfeito, seja em
matéria de representação ou de influenciar as pessoas. «Quem não é narcisista pode ser freira,
não artista», diz.
MADONNA O irmão, Christopher Ciccone, escreveu no livro Viver Com a Minha Irmã
Madonna que a cantora «é controladora, má e narcisista». Acusações confirmadas pelo exmarido, o cineasta Guy Ritchie.
CHRISTIAN BALE Notabilizado pela arrogância e por papéis como O Cavaleiro das Trevas,
agrediu verbalmente um diretor de fotografia que lhe interrompeu uma cena em Exterminador
Implacável – A Salvação.
MICHAEL JACKSON Artista universal, fazia desmaiar os fãs com a sua presença e acredi​
tava
ser a razão da existência de tudo à sua volta. Já em criança desejava que a sua carreira fosse o
maior espe​
táculo da Terra.
TOM CRUISE Adora ser admi​
rado. A confiança em si é tal que demitiu a relações públicas que
lhe geria a imagem, por achar que faria melhor so​
zinho, e acabou a saltar num sofá da Oprah
em direto.
LINDSAY LOHAN Os médicos diag​
nosticaram trans​
torno de persona​
lidade narcisista à atriz,
que vive obce​
cada com o modo como os outros a veem e condiciona tudo o que faz em função
dessa expe​
tativa desajustada.
KIM KARDASHIAN Numa viagem à Tailândia em julho deste ano, a mãe de Kim Kardashian
aproveitou a mu​
dança de ares para acusar a filha de ser narcisista e obce​
cada por selfies. A
famosa não se can​
sa de fazer poses.
» COMO ELEVAR O AMOR-PRÓPRIO DAS CRIANÇAS SEM FAZER DELAS O
CENTRO DO UNIVERSO
A autoestima não é inata e o elogio, garantem os especialistas, tem o papel de motivar os
pequenos a enfrentarem os desafios e a perceberem que são capazes e amados. Saiba como
elogiar na medida certa para não criar adultos com visões deformadas de si mesmos e incapazes
de lidar com as frustrações:
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ELOGIE SEMPRE que a criança tiver um comportamento correto. Ao dizer que está muito
orgulhoso da maneira como ela arrumou ou fez algo, em vez de dizer que ela é a melhor do
mundo, torna o elogio credível e fá-la sentir-se valorizada.
ENSINE-A A PÔR-SE NO LUGAR DO OUTRO. O exercício de perceber que existem outros
pontos de vista além do seu é fundamental para aprender a respeitar as diferenças. Reforce que a
partilha é crucial.
DIGA NÃO QUANDO NECESSÁRIO. Há educadores que receiam o sentimento de culpa de
verem as crianças chorar e ser con​
trariadas, mas todas elas precisam dos seus limites e é
importante estabelecê-los desde cedo. Experimentar a frustração faz bem.
NÃO A COMPARE COM AMIGOS E IRMÃOS. Elogie o que cada uma faz de melhor,
usando adjetivos diferentes para que a criança se sinta única, importante e amada. Cada filho
necessita de autoconfiança e consciência do próprio valor.
DÊ O EXEMPLO. Se disser à criança que não deve gritar ou fazer birras, nunca o faça aos
berros ou amuado com algum comportamento menos adequado que ela possa ter tido.
DESENVOLVA PROJETOS EM CONJUNTO tendo em conta as habilidades da criança.
Pintar, cozinhar, jardinagem e trabalhos manuais diversos são ótimos para os pais fa​
zerem com
os filhos. A identidade é construída com atividades, sucessos e fracassos, mais do que com elogios
vazios que deixam os miúdos com receio de tarefas e de poderem falhar.
4 PERGUNTAS A CAIO FEIJÓ, mestre em psicologia da infância e da adolescência
«OS ADOLESCENTES VIVEM EM BUSCA DE SI MESMOS»
Como se explica este aumento do narcisismo nos últimos anos?
_Tivemos significativas mudanças comporta​
m entais de há duas gerações para cá, causa​
das por
dois fenómenos: por um lado, a liberta​
ção feminina do antigo papel de dona de casa; por outro,
a revolução tecnológica dominada pelos mais jovens, filhos de pais ausentes. Des​
tes dois factos
resulta a superproteção fami​
liar, quase sempre provocada por sentimentos de culpa pela
ausência, em que os pais dão tudo aos filhos e são permissivos para evitar magoá-los. A
tecnologia caiu-lhes do céu neste con​
texto: os mais novos ganham os últimos smar​
tphones,
hipnotizados pelas redes sociais on​
de quem tem mais likes é o melhor. Daí para os exageros
como o self nude e o sexting é um pas​
so. Também a TV mudou para pior: programas como o
Big Brother valorizam a vulgaridade, e os pequenos, sem supervisão parental, aca​
bam por
absorver comportamentos bizarros.
O culto às celebridades e os reality shows fazem o narcisismo parecer normal?
_Não devemos generalizar. Há celebridades com louváveis conteúdos sociais e reality sho​
ws que
acabam por revelar pessoas vazias. De​
pende muito da forma como o programa ou a celebridade
são interpretados pelo espetador.
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O excesso de exposição compensa o facto de não fazerem ideia de quem são
realmente?
_ Infelizmente. Como disse o psiquiatra Maurí​
cio Knobel no seu trabalho A Síndrome Normal
da Adolescência, os adolescentes vivem uma procura de si mesmos o tempo todo e apresen​
tam
sucessivas contradições na conduta, além dos clássicos deslocamentos temporais. Se o
comportamento em questão estiver neste âm​
bito do desenvolvimento, trata-se apenas de uma
fase, a ser superada e modificada com as evoluções da vida. Caso contrário, teremos um
transtorno de personalidade narcisista.
Os pais também são responsáveis?
_ São. É a boa qualidade dos limites estabeleci​
dos pelos pais na primeira infância (a persona​
lidade constrói-se até aos 5 ou 6 anos) que pro​
duz indivíduos com bons repertórios para lida​
rem
com as frustrações. Quando são os pais as pessoas que passam mais tempo com os filhos nessa
fase (os ausentes costumam delegar), é o seu exemplo que lhes vai servir de modelo.
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