Publicado na revista PSICOUSF, v.5 (1), 37
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Publicado na revista PSICOUSF, v.5 (1), 37-42,2000. A TÉCNICA DE RORSCHACH NO ESTUDO DO NARCISISMO Rorschach Test in the study of the Narcissism Rita Aparecida Romaro RESUMO O presente trabalho discute a questão da avaliação psicológica, com a utilização de técnicas projetivas, atendo-se a técnica de Rorschach, ressaltando alguns critérios propostos por Sugarman (1980) e Aguirre et al. (1989) para o diagnóstico de personalidade narcisista. Destaca a importância da relação terapêutica no processo diagnóstico, bem como a observação das reações provocadas pelos estímulos apresentados, apontando para a necessidade do uso integrado da análise qualitativa e quantitativa para o estabelecimento do diagnóstico. PALAVRAS CHAVES: Avaliação Psicológica; Técnica de Rorschach; Narcisismo. ABSTRACT This paper considers the question of psychological assessment with the utilization of projectives techniques, specially the Rorschach Test, emphasizing some criterious proposed by Sugarmann (1980) and Aguirre et al. (1989) to diagnostic of narcissist personality. It stands out the importance of therapeutic’s relation ion the assessment process, as well as the observation of reactions provoked by the stimulus showed, pointing for the necessity of integrated use of the quantitative and qualitative analyses to the establishment of the diagnosis. KEY WORDS: Psychologic Assessment; Rorschach Test; Narcissism. 2 A avaliação psicológica é um processo que ocorre em uma relação interpessoal, no qual uma variedade de dados, obtidos por diferentes técnicas ou métodos são compreendidos dentro de um determinado contexto, reunindo informações da história de vida, pré-morbidade, observações de comportamentos e a qualidade do vínculo estabelecido na relação. Nesse processo, a sensibilidade dos métodos de avaliação a serem empregados são fundamentais, no intuito de se traçar um perfil que informe sobre déficits, potencialidades e compensações, considerando-se o ciclo evolutivo do examinando (Flander & Meyer, 1998). A ótica psicanalítica é uma das possibilidades de leitura dos dados obtidos na avaliação psicológica, visando uma compreensão dinâmica dos elementos, levando-se em conta os aspectos concernentes à relação terapêutica, a observação das reações provocadas pelos estímulos apresentados, integrando a análise quantitativa e qualitativa das técnicas empregadas. A necessidade de sistematizar facetas do funcionamento mental torna-se premente no trabalho clínico, visto possibilitar uma melhor visualização de determinadas problemáticas, procurando responder à difícil tarefa de se detectar a tênue linha entre o normal e o patológico, avaliando-se a necessidade e o tipo de intervenção terapêutica mais apropriada, sendo que alguns estudos clínicos têm abordado aspectos relativos a personalidade narcisista e ao funcionamento narcisista. Dentro dessa perspectiva, o estudo do quadro narcisista, não pode desconsiderar a reflexão de Lasch (1979) sobre a abrangência do narcisismo normal e do narcisismo patológico, em uma cultura tão narcisista quanto a ocidental. No presente artigo, são destacadas algumas contribuições ao tema, utilizando-se técnicas projetivas, especialmente o Rorschach, com pacientes adultos, englobando o levantamento de índices, reações aos estímulos apresentados, análise simbólica das respostas, relação terapêutica, com o fito de caracterizar a personalidade narcisista. O transtorno narcísico e o funcionamento narcisista encontram-se presentes em vários transtornos de personalidade e quadros clínicos. Kernberg (1984) refere que a Organização de Personalidade Borderline engloba vários transtornos de personalidade, entre eles o Narcisista. As diferentes expressões dos quadros narcisistas trazem implícito o aspecto destrutivo que retrai a libido ao próprio ego, na tentativa de proteger-se da realidade externa, que, per si, 3 traz a frustração indispensável para o próprio desenvolvimento egóico, que necessita de uma delimitação de si, que se contrapõe às fantasias de grandiosidade do self. Na literatura destacam-se vários trabalhos, enfocando diferentes aspectos, complementares entre si, ressaltando a importância da relação estabelecida entre examinador/examinado, bem como a observação das reações provocadas pelos estímulos apresentados, apontando para a relevância do uso integrado da análise qualitativa e quantitativa para o estabelecimento diagnóstico, principalmente para os transtornos narcisistas. Kwawer (1980) inclui nas respostas próprias do ‘narcisistic mirroring’ ao teste de Rorschach, o ‘olhar um ao outro’, ‘olhar-se no espelho’, encontradas também em protocolos de pacientes borderline. Rubenstein (1980) salienta nas respostas às pranchas de Rorschach a dicotomia da experiência com objetos, como expressa na polarização agressão oral/temor de ser engolfado, dentro de uma matriz de fixação oral-narcisista, também encontrada em respostas à prancha III, que atribuem características opostas as duas figuras centrais. As contribuições de Surgaman (1980) e Aguirre et al. (1989) são destacadas a seguir de forma mais pormenorizada. Sugarman (1980) ao estudar a Organização de Personalidade Borderline, encontra alguns índices e tipos de respostas no protocolo de Rorschach, também encontrados nos protocolos de pacientes narcisistas, entre eles: 1) Índices que expressam o temor de ser invadido pela emoção e a procura de controle dos afetos - cor nomeada, rejeição à cor, F/C, cores azul e cinza e respostas com conteúdos de Anatomia, Sexo, Sangue; 2) Índices que expressam ansiedade: choque ao sombreado, pseudo-integração do sombreado, excessiva atenção aos detalhes. Na relação com o examinador: presença de indícios de inquietação, de defensividade e de necessidade em conseguir o melhor desempenho possível; 3) Índices que expressam depressão: cor preta (C’) e evitação da cor; respostas denotando sentimento de desamparo, vazio, abandono, inferioridade; 4) Relações objetais patológicas: perceptos que parecem atados, expressando um desejo de simbiose; respostas como gatos siameses, gêmeos, monumentos, copas, coroas, que refletem componentes narcísicos de semelhança e grandiosidade; 4 5) Respostas que expressam a polaridade bom/mau; 6) Índices sugestivos de identificação projetiva: Dd (pequenos detalhes), ↑F%, ↑F+%, forma constrita de usar a cor; 7) Respostas sugestivas de componentes persecutórios: respostas de olhos, dedos apontando, rostos olhando, máscaras, brasões, escudos. Segundo Aguirre et al. (1989) a detecção da psicodinâmica característica de aspectos narcisistas e da personalidade narcisista, por meio da técnica de Rorschach, procura destacar, através da análise temática a identificação com imagens de poder, autoridade e beleza, por sobre as imagens desvalorizadas. Pesquisando protocolos de Rorschach de pacientes diagnosticados com algum tipo de transtorno narcísico, encontram respostas sugestivas de: 1) Identificação com figuras idealizadas (anjos, monges, reis...) , com função defensiva, sendo que a análise da seqüência das respostas permite observar a alternância grandiosidade/ desvalorização, e/ou idealização de partes do self onipotentemente destrutivas que representam um ataque dirigido a qualquer relação objetal nutritiva, e também a seus aspectos dependentes e necessitados; 2) A predominância de respostas com aspectos destrutivos nos protocolos indicativas de uma fusão patológica dos instintos; 3) Potencial sublimatório que em geral aparece como uma fachada de pseudo-criatividade, devido a rigidez defensiva de seu funcionamento, com a finalidade de proteger dos contatos emocionais que possam ameaçar o ego inflado – tal rigidez confere um caráter estereotipado a produção que se contrapõe às verbalizações rebuscadas e intelectualizadas que podem confundir o examinador, visto que uma análise mais profunda da resposta revela a superficialidade do pensamento e a falta de elaboração das respostas; 4) A linguagem possui também uma função defensiva e exibicionista, levando ao uso clichê da capacidade imaginativa; 5) A valorização dos detalhes da prancha pode prejudicar a qualidade das respostas na tentativa de conseguir um controle onipotente frente à realidade; 6) Respostas de figuras sem cabeça que expressam a ausência de um espaço mental para o desenvolvimento e atualização do potencial sublimatório. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao considerar-se o transtorno narcisista enquanto fator importante em diversos quadros clínicos, sua detecção através da avaliação psicológica, por meio de um levantamento sistemático de índices e análise qualitativa das repostas, pode facilitar o trabalho do psicólogo clínico com o intuito de indicar as formas mais adequadas de intervenção terapêutica. Apesar dos trabalhos de Sugarman (1980) e Aguirre et al. (1989) datarem da década de 80, os mesmos permanecem atuais e relevantes nas tarefas envolvendo ensino, pesquisa e aprendizagem do diagnóstico clínico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGUIRRE,T.; CAJDLER,B. & SCOTT,C. Narcisismo patológico, creatividad y proceso psicodiagnostico: una aproximacion preliminar. In: Congresso Latino Americano de Rorschach e Outras Técnicas Projeitvas - Comunicação Livre. Argentina, 1989. HANDLER,L. & MEYER,G.J. The importance of teaching and learning personality assessment. In: WEINER,I.B. Personality and Clinical Psychology Series. Mahwah, New Jersey, London: Lawrence Erlbaum Associates, 1998. KERNBERG, O. F. (1984) Transtornos Graves de Personalidade: estratégias psicoterapêuticas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. KWAWER, J.S. Primitive Interpersonal Modes, Borderline Phenomena, and Rorschach Content. In: KWAWER, J.S; LERNER,H.D.; LERNER, P.M. & SUGARMAN, A Borderline Phenomena and the Rorschach Test. New York: International Universities Press, 1980, p. 257-74. LASCH, C. The Culture of Narcissism: American Life in na Age of Diminishing Expectations. New York: WW Norton, 1979. RUBENSTEIN, A H. The adolescence with Borderline Personality Organization: Developmental Issues, Diagnostic Considerations and Treatment. Borderline Personality Organization In: KWAWER, J.S; LERNER,H.D.; LERNER, P.M. & SUGARMAN, A Borderline Phenomena and the Rorschach Test. New York: International Universities Press, 1980, p.441-67. 6 SUGARMAN,A . The Borderline Personality Organization as Manifested on Psychological Tests. In: KWAWER, J.S; LERNER,H.D.; LERNER, P.M. & SUGARMAN, A Borderline Phenomena and the Rrschach Test. New York: International Universities Press, 1980, p.39-67. A TÉCNICA DE RORSCHACH NO ESTUDO DO NARCISISMO. Rorschach Test in the study of the Narcissism. Rita Aparecida Romaro 1 Universidade São Francisco BIOGRAFIA : Rita Aparecida Romaro, Psicóloga Clínica, com especialização em Psicologia Clínica de Orientação Dinâmica, Mestre em Saúde Mental (FMRP-USP) e Doutora em Psicologia Clínica (IPUSP). Professora das seguintes disciplinas no curso de Psicologia da Universidade São Francisco – SP : Teorias e Técnicas Psicoterápicas I e II, Psicodinâmica da Família, Ética Pr.ofissional e Supervisora de Estágio Clínico.