espaço reflexo ou reflexo do espaço

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espaço reflexo ou reflexo do espaço
III ENECS - ENCONTRO NACIONAL SOBRE EDIFICAÇÕES E COMUNIDADES SUSTENTÁVEIS
ESPAÇO REFLEXO OU REFLEXO DO ESPAÇO
Valeria Teixeira de Paiva ([email protected]) Doutoranda do Programa de Pós Graduação
em Engenharia de Produção/APIT COPPE/UFRJ.
RESUMO
O presente artigo busca estudar como a instrumentalização do espaço pode ser realizada para o controle e
segregação social e para afirmação de poder, configurando numa ação político espacial. Realizou-se um estudo
acerca das características estruturais da formação das cidades e as formas de instrumentalização do espaço
empregadas através da história e as ações realizadas no Brasil. Identificando as intervenções urbanas utilizadas
como meio de proteção, dominação e segregação.
O objetivo do trabalho não é apontar fórmulas para a resolução dos problemas espaciais (habitacionais ou
urbanos), mas apenas estudar como a história cria o espaço e como este influência as relações e serve de
testemunha da história.
Palavras-chave: cidade, habitação, espaço, urbanismo
SPACE REFLEX OR REFLEX OF SPACE
ABSTRACT
This article studies how the utilization of space can be used for social control and segregation and to state the
“power”, configuring a political and space action. A study was made about the structural characteristics of the
construction of the cities and the form of utilization of space used throughout history and the actions realized in
Brazil. Identifying the urban interventions used as a means of protection, domination and segregation.
The goal of this work is not coming up with formulas to solve the problems of space (dwelling or urban), but
only study how history creates space and how it influences the relations and serves as a witness of history.
Keywords: city, habitation, space, urbanism
1. INTRODUÇÃO
O espaço da cidade não surge de maneira instantânea, ele é decorrência de um conjunto de
elementos que se interrelacionam e se transformam com o passar do tempo. A ação dos
agentes modeladores do espaço urbano (proprietários dos meios de produção, proprietários
fundiários, promotores imobiliários, Estado e grupos sociais excluídos) ocorre dentro de um
“marco jurídico” que regula essa atuação. Deveria haver um equilíbrio, entretanto o que
acontece é a predominância, o reflexo dos interesses do agente dominante.
É importante considerar o papel do espaço como reflexo da sociedade, sua história e
transformações, ou seja, o espaço como resultado das mudanças sociais, de usos e descoberta
de novas técnicas. Esse espaço depois de sedimentado impõe, de certa forma, sua realidade,
influenciando também o cotidiano das pessoas, até o instante em que se torna tão desagregado
da realidade social, que é obrigado a sofrer modificações.
2. ESTRATÉGIA DO ESPAÇO
A afirmação de FOUCAULT (1985), de que antigamente, a arquitetura voltava-se para à
necessidade de manifestar o poder, a divindade e a força, e que no final do século XVIII
surgem novos imperativos, principalmente o “... de utilizar a organização do espaço para
alcançar objetivos econômicos-políticos...” coaduna-se com as formas de instrumentalização
do espaço urbano e habitacional através dos tempos.
A maneira de intervenção, na produção do espaço habitacional e urbano incide diretamente na
vida das pessoas, FOUCAULT (1985) observa, acerca da edificação das cidades operárias dos
anos de 1830-1870, que “...a família operária será fixada; será prescrito para ela um tipo de
moralidade, através da determinação de seu espaço de vida...Seria preciso fazer uma História
dos espaços - que seria ao mesmo tempo uma História dos poderes - que estudasse desde as
grandes estratégias da geopolítica até as pequenas táticas do habitat, da arquitetura
institucional, da sala de aula ou da organização hospitalar, passando pelas implantações
econômico-políticas...” (FOUCAULT, 1985, 212).
O espaço tanto urbano quanto o habitacional são formas econômico-políticas e FOUCAULT
(1985) admira-se com o tempo que levou para o problema dos espaços aparecer como
problema histórico político, segundo o referido autor ou “... o espaço era remetido à natureza ao dado, às determinações primeiras, à geografia física , ou seja, a um tipo de camada préhistórica, ou era concebido como local de residência ou de expansão de um povo, de uma
cultura, de uma língua ou de um Estado”. Enfim pensava-se o espaço como ar ou solo. É
preciso não se limitar a questão de “...que o espaço pré-determina uma história que por sua
vez o modifica e que se sedimenta nele...” (FOUCAULT, 1985).
“...A fixação espacial é uma forma econômico-política...” e o tratamento do espaço como
instrumento para obtenção de resultados econômicos-políticos é uma realidade e o alvo dessas
relações de poder é a população.
As conseqüências para essa população da instrumentalização dos espaços habitacionais e
urbanos, são de um lado trabalhadores forçados a viver (ou sobreviver) nas periferias das
cidades, geralmente distantes do seu local de trabalho, gastando portanto grande parte de seu
salário com transporte, e quase sempre tendo acesso extremamente precário à infra-estrutura
urbana e de serviços públicos. Do outro, o poder público aliado a setores empresariais
beneficiados do processo especulativo do solo da cidade (através da valorização de
determinadas áreas, antes ocupadas pelos trabalhadores) implantando sua estrutura de
segregação e controle social.
As formas de utilização, instrumentalização e apropriação do espaço da cidade são uma
herança simbólica e por vezes cruel de determinação do poder estabelecido, através de
controle e segregação.
3. ESPAÇO COMO MEIO DE PROTEÇÃO, DOMINAÇÃO E SEGREGAÇÃO
3.1. Da antigüidade aos séculos XIX e XX
Desde os tempos mais remotos o espaço tem sido utilizado para proteção, dominação e
segregação. Ele marca os domínios territoriais de um povo, o poder exercido de um povo
sobre outro, de uma classe sobre a outra. Atualmente espaço tem sido usado, da mesma
maneira como o foi antigamente, como forma de controle e segregação social. As formas de
instrumentalização do espaço com essa finalidade são uma herança apreendida e empregada
através dos tempos pela civilização em praticamente todas as partes do Globo.
Na civilização egípcia, MUNFORD (1982) faz referência à marca deixada pelo poder
dominante, ainda nas ruínas de cidades, “... As mais antigas ruínas identificáveis como de
cidades geralmente só revelam os dominantes originais, o templo e o palácio, às vezes o
celeiro, dentro da cidadela murada ou do recinto sagrado...”
Mais adiante no tempo “... os gregos tentavam devolver à complexa organização da cidade o
sentido de responsabilidade e participação direta do cidadão que existia no governo da
aldeia.” (MUNFORD, 1982; 173). Em relação as cidades Romanas, o referido autor observa
que elas tinham problemas, Roma em especial, sofria de um crescimento descontrolado; sobre
o qual afirma que “...ao procurar um ponto no qual o crescimento de Roma podia ter sido
controlado, compreende-se que a resposta estava no sistema político como um todo, pois o
problema de Roma era, essencialmente, o de inventar um meio de difundir seu poder e ordem,
de modo a dar equilíbrio a todo o império, num sistema de intercomunicação no qual haveria
o intercurso em dois sentidos e a cooperação entre todas as partes componentes, urbanas e
regionais...” e que o segredo da dominação de Roma era Dividir e Governar. Para
MUNFORD (1982) o exemplo de Roma, do ponto de vista do urbanismo e da política
continua sendo uma lição sobre o que se deve evitar; engrandecimentos do poder
desmoralizado e diminuição da vida, sintomas do fim, da cidade à Necrópoles.
O barroco também nos oferece uma visão da cidade como expressão de poder e modo de vida,
provavelmente o primeiro sobrepondo-se ao segundo. Para MUNFORD (1982, 330) “...O
esquema de vida barroco precisava de espaço para manobra e exibição, fosse para velozes
viaturas, fosse para homens em marcha...” Ao contrário das cidades medievais que cresciam
em torno de mosteiros ou castelos feudais, era interiorizada, fortificada e cujo traçado
irregular das ruas ou ruelas foi mais tarde chamado de orgânico e repetido nas cidades jardins.
A importância atribuída ao núcleo central constitui uma das fontes para as curvas orgânicas
da cidade medieval. A tônica da cidade era a proteção, “...a planta é gerada pelas duas forças
opostas de atração e proteção: os edifícios públicos e as praças abertas se acham em segurança
por trás de um labirinto de ruas, pelos quais os pés conscientes, não obstante, facilmente
penetram. Foi apenas com os urbanistas barrocos, que trabalharam para vencer o padrão
medieval, que a rua se dirigiu diretamente ao centro da cidade, como na planta em asterisco
.... que simbolizava a concentração do poder público numa instituição centralizada ou num
príncipe despótico...” (MUNFORD, 1982; 330).
Entre os séculos XVI e XIX, a modificação de cidades cessou, ou pelo menos foi transferida
para o Novo Mundo. A construção de cidades já não era, para uma classe crescente de
pequenos artífices e mercadores, um meio de obter liberdade e segurança. Pelo contrário, era
uma forma de consolidação do poder político num único centro nacional, colocado
diretamente sob os olhos do rei e não permitindo que tal desafio à autoridade central
insurgisse em outra parte, em centros dispersos e mais difíceis de controlar. “...A época das
cidades livres, com sua cultura amplamente difusa e seus modos relativamente democráticos
de associação, cedeu lugar à era das cidades absolutas: alguns centros que cresceram
desordenadamente, deixando as demais cidades o direito de aceitar a estagnação ou de se
iludir em gestos desesperados de subserviente imitação...” (MUNFORD, 1982; 387).
Os clichês barrocos de poder (linhas retas, largas avenidas movendo-se para o horizonte sem
limites), muitas vezes sem disfarces, perduraram até bem dentro do século XX. Não
importando o que mais pudesse significar, o planejamento barroco representa a conquista
militar do espaço, os resultados humanos não são levados em conta, exceto quando conspiram
em benefício das classes dominantes. Entretanto, uma vez desaparecida a fortificação
constrangedora, as extensões ilimitadas das novas avenidas diminuíam tanto reis quanto
súditos.
Em cidades como Paris, Madri, Viena, São Petersburgo e Berlim, o estilo de planejamento
barroco, seja na arquitetura ou no urbanismo, não somente perdurou como também encontrou
suas maiores chances de aplicação em larga escala. Em Paris serviu inclusive a dois líderes
imperialistas (Napoleão I e II).
No século XX, o planejamento urbano, em especial nas grandes metrópoles (como por
exemplo Tóquio, Nova Delhi, São Francisco) continuou a adotar a concepção barroca do
espaço. Infelizmente também carregou em toda parte suas típicas falhas: desconsideração com
a vizinhança como unidade integral, não preocupação com a habitação familiar, nenhuma
concepção suficiente da ordenação dos negócios e da indústria, como parte indispensável de
qualquer tipo de realização da ordem urbana.
3. 2. No Brasil - habitação e espaço como objetos de controle
Não se pode falar de problema habitacional brasileiro no período da 1831/1840, afinal “a
senzala (e não a casa) de metade da população tem mais a ver com a preocupação de impedir
fugas do que acomodar os escravos em condições humanas. No campo, como nos povoados,
vilas e cidades, a moradia do homem livre assemelhava-se às primeiras habitações de
escravos, feitas de taipa, adobe e palha, seguindo padrão que ainda pode ser visto em todo o
Brasil.” FINEP/GAP (1985).
O problema habitacional no Brasil ficou caracterizado no final do século XIX, após a abolição
da escravidão e da Proclamação da República. As habitações coletivas surgem nos centros
urbanos mais desenvolvidos e populosos, “...verdadeiras senzalas urbanas, focos de doenças
endêmicas para abrigar os novos habitantes: os cortiços e cabeças-de-porco”. O problema foi
agravado com a chegada dos imigrantes que, juntamente com os ex-escravos, sofreram os
problemas de falta de salubridade e insegurança. No período de 1889/1930 o problema
habitacional foi tratado através da promoção da erradicação dos cortiços, possibilitando
paralelamente a criação de novos espaços para o crescimento dos centros urbanos. O resultado
dessa política foi a expulsão dos pobres para a periferia das cidades, o aparecimento das
primeiras favelas e o agravamento dos conflitos sociais.
O governo Republicano criou incentivos, tais como isenção de impostos (Dec. no3.151, de 09
de Dezembro de 1882) para ampliar “...o interesse pela construção de vilas operárias, quer
como complemento da edificação das fábricas, quer como pretensa solução de escassez da
moradia urbana agravada pela expansão industrial” FINEP/GAP (1985). BLAY (1985)
ressalta que um dos problemas colocados pelas vilas operárias é o de que “...o capitalista era e
é ainda, muitas vezes, o proprietário da casa e o empregador. A superposição de papéis
permitia e continua permitindo ao proprietário-industrial exercer um duplo mecanismo de
dominação sobre o inquilino-operário...” A casa é além de mercadoria, um instrumento de
controle e/ou poder dos patrões sobre os empregados.
No século XX (1902 a 1918) generaliza-se no Brasil a prática de cirurgias urbanas, inspiradas
nas ações do Barão Haussman, prefeito de Paris. Essas ações consistiam basicamente na
eliminação dos cortiços com vistas a sanear a metrópole, permitindo a valorização do espaço
urbano e tornando mais fácil sua apropriação pelas classes dominantes. A administração de
Francisco Pereira Passos na Prefeitura do Rio, no começo do século passado, constitui um
exemplo dessa política, que obrigou a população desalojada a refugiar-se na periferia urbana e
ocupar os morros da cidade, então quase desertos. Em conseqüência destes fatos, o Estado
(Prefeitura) foi forçado a promover a primeira ação concreta no campo da habitação popular e
em 1906 conclui a construção do Conjunto da Av. Salvador de Sá, destinado aos operários.
Entre 1919 e 1930 a política governamental era voltada para a construção de casas para
aluguel e tem início a criação das organizações de seguro social no Brasil. A partir na Nova
República as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs) foram autorizadas a financiar casas
em nível local. Em 1933, em decorrência da nova orientação dada à política de seguro social,
são criadas organizações de âmbito nacional, os Institutos de Aposentadorias e Pensões
(IAPs), que mais tarde substituiriam muitas da Caixas. Com os IAPs a resolução do problema
habitacional fica restrita ao governo, demonstrando cada vez mais a tendência centralizadora
no encaminhamento do problema habitacional numa posição ao mesmo tempo dogmática e
cepticista.
A Prefeitura do Distrito Federal (1940), para solucionar o problema das favelas no Rio de
Janeiro, intensifica o programa de erradicação de favelas e constrói os Parques Proletários,
cuja postura autoritária é de “...reeducar, reajustar, e recuperar o morador, integrando-o
novamente à sociedade como elemento útil e produtivo...” (FINEP/GAP, 1985).
O processo de desenvolvimento industrial acelera-se em 1946 e, em conseqüência o
crescimento urbano acentua-se. Os Governos continuavam a alimentar a ilusão de que seria
possível reprimir a ocupação espontânea dos espaços urbanos por meio de leis reguladoras
como o Dec. 8938 de 20 de Janeiro de 1946 que “...proíbe a construção de favelas no meio
urbano...”. Neste período as Caixas e IAPs passaram a subordinarem-se a recém organizada
Fundação da Casa Popular (decreto-lei no 9.218, de 1o de maio de 1946), cujas funções foram
mais tarde ampliadas para desenvolver atividades de financiamento à prefeituras e empresas
privadas para realização de habitações, infra-estrutura urbana e também financiar as indústrias
de materiais de construção. Suas atividades são paralisadas no início dos anos 60. Com a FCP,
o governo usou a habitação com fins eleitorais, assim o clientelismo impulsionou o processo
de distribuição de moradias, não logrando o retorno do investimento e praticamente
inviabilizando o programa.
No “Plano de Metas” do governo de Juscelino Kubischek não havia nenhuma referência à
questão habitacional, o êxodo rural aumentou e ampliaram-se de maneira significativa os
problemas urbanos e habitacionais. A preocupação com o volume alcançado pela crise
habitacional é verificada quando, a partir de 1961, a Aliança para o Progresso passa a
encaminhar recursos para a habitação e o governo Jânio Quadros cria o Instituto Brasileiro de
Habitação e o Conselho Federal da Habitação. O resultado desta política continuou sendo a
construção de unidades habitacionais, junto a eliminação dos núcleos favelados dos centros
urbanos.
Nesta época (1962) é criada a Companhia de Habitação do Estado da Guanabara (COHABGB), com a finalidade de promover programas de renovação de favelas. O que ocorreu foi a
eliminação de algumas favelas da zona sul da cidade do Rio de Janeiro através da
transferência da população para conjuntos habitacionais localizados na periferia da cidade. A
falta de adequação do programa deixou a marca da destruição em um grande número de
favelas, que devido suas localizações viabilizavam as estratégias de vida de seus moradores,
mas possibilitou a valorização de tais áreas, criando concomitantemente espaços para
controlar melhor a população, através da instrumentalização espacial-econômica pregada pelo
capital.
No período pós-64, foi criado o Banco Nacional da Habitação (BNH), cuja política objetivava
produzir um grande número de moradias, incentivar a indústria da construção civil e, com
isso, absorver um significativo número de empregados sem qualificação profissional,
amenizando as possíveis pressões contra o desemprego que o controle da inflação ameaçava
provocar. De acordo com dados do FINEP/GAP (1985), a “...produção de habitações passava
a ser subproduto da nova diretriz governamental; desejável de seu ponto de vista político, mas
não necessariamente do econômico”. Assim a ação do BNH surge como forma de usar a
habitação como objeto de controle social.
Em meados da década de 70 o BNH tem seu posicionamento em relação às favelas invertido.
Tal orientação foi caracterizada por programas inovadores como o PORFILURB, o
PROMORAR e o Programa Nacional de Auto-construção (1983). Esses programas exigiam
baixo custo de implantação e descartavam a remoção de favelas. Entretanto a habitação
continuou a ser considerada um investimento financeiro, privilegiando assim o alto e médio
mercados. A extinção do BNH, em 1986, frente à grande crise do Sistema Financeiro da
Habitação, é o coroamento de um período onde predominou o enfoque institucional da
habitação enquanto investimento financeiro. Esta atitude diante da crise política evidencia o
valor mínimo dado à habitação no Brasil pelo governo e a posição pragmática adotada no
decorrer da história.
Através do breve histórico das ações governamentais no campo habitacional e urbano
pretende-se demonstrar, que na produção do espaço urbano as formas desenvolvidas pelo
governo, de controle e segregação social tem como objetos a habitação e o espaço. Que o
Estado serve na maior parte das vezes como agente da ideologia dominante, exercendo
controle sobre o espaço, favorecendo economicamente, através de sua valorização, a
apropriação de determinadas classes em detrimento de outras, e paralelamente utiliza-se do
espaço como instrumento de controle social. GOUVÊA (1995) a esse respeito afirma que “...
nunca houve no Brasil uma instituição realmente voltada para sanar os problemas da
habitação mas, sim organismos que também construíam moradias, sendo que sua finalidade
precípua era o controle político e de exploração econômica da maioria da população...” e
portanto as técnicas de instrumentalização do espaço urbano e habitacional desenvolveram-se
e aperfeiçoaram-se neste sentido. Pode-se ver, então, nas ações governamentais as formas de
instrumentalização voltadas para interesses econômico-políticos.
4. O ESPAÇO REFLEXO OU O REFLEXO DO ESPAÇO
O espaço reflexo é a resultante das ações desenvolvidas para o domínio e controle, para
afirmação do poder, que tem como unidades de poder e controle a habitação e o espaço
urbano ou rural. Ele é determinado pela cultura, por aspectos físicos, sociais e até artísticos,
mas principalmente pelas formas econômico-políticas dominantes que o dirigem.
Vimos descrições de exemplos dos espaços reflexos da Antigüidade, da Idade Média, e em
épocas subseqüentes correspondentes ao poderio de ordens e novas ordens. Como o próprio
nome indica, o espaço é reflexo da vida, da história, da constante afirmação de forças; sua
alteração corresponde a alteração de forças e ideologias. O espaço é propaganda de força e
ideologia, e é instrumentalizado no sentido de transmissão da mensagem.
Enquanto o espaço reflexo é o resultado, como dito, das relações de poder e meio de
propaganda das mesmas. O reflexo do espaço é a influência deste na vida individual e coletiva
da população, sobre os quais se exerce controle, determinando a maneira como devem e
podem viver. O espaço influência o modo de vida, intimida e segrega. O reflexo do espaço é,
por vezes, a culminância das intenções expressas ou não de controle e segregação social. A
história, portanto, faz o espaço e o espaço se faz ator e testemunha da história.
O tratamento do espaço como instrumento para obtenção de resultados econômicos-políticos
é uma realidade, que atinge diretamente a população. O espaço é controlado, valorizado e
apropriado por determinadas classes em detrimento de outras, e ainda utilizado como
instrumento de controle social e exploração econômica. E nas ações governamentais
identificam-se as formas de instrumentalização voltadas para tais interesses econômicopolíticos. O resultado de tal processo são cidades cujo crescimento urbano é
predominantemente determinado pela iniciativa informal. Cidades desintegradas e erráticas,
pouco flexíveis e pouco capazes de atender as necessidades de seus cidadãos.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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São Paulo, Editora Nobel.
FINANCIADORA DE ESTUDOS E PESQUISA, FINEP-GAP.(1985) Habitação Popular:
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GOUVÊA, L.A.C. (1995) Brasília: a Capital da Segregação e do Controle Social: uma
Avaliação da ação governamental na área da habitação. São Paulo: Annablume.
HAROUEL, Jean-Louis.(1990) História do Urbanismo. Papirus, São Paulo.
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