Aluno(a) - Ciências Sociais da PUC-RIO
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Aluno(a) - Ciências Sociais da PUC-RIO
Leo Posternak A Teoria do Capital Humano no Brasil: pioneirismo, resistências e sua recente influência na formulação de políticas sociais PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA Tese de Doutorado Tese de doutorado apresentada como requisito parcial para obtenção de grau de doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Orientador: Prof. Ricardo Emmanuel Ismael de Carvalho Rio de Janeiro Setembro de 2014 Leo Posternak A Teoria do Capital Humano no Brasil: pioneirismo, resistências e sua recente influência na formulação de políticas sociais PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor pelo Programa de PósGraduação em Ciências Sociais do Departamento de Ciências Sociais do Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada. Prof. Ricardo Emmanuel Ismael de Carvalho Orientador Departamento de Ciências Sociais – PUC-Rio Prof. Fernando Antonio Faria UFF Prof. Bruno de Moura Borges UERJ Profa. Angela Maria de Randolpho Paiva Departamento de Ciências Sociais – PUC-Rio Prof. Eduardo de Vasconcelos Raposo Departamento de Ciências Sociais – PUC-Rio Profa. Mônica Herz Coordenadora Setorial do Centro de Ciências Sociais – PUC-Rio Rio de Janeiro, 05 de setembro de 2014 Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, do autor e do orientador. Léo Posternak PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA Graduado em Engenharia Civil pela UFRJ em 1970. Graduado em Ciências Sociais pela PUC-Rio em 2004. Mestre em Ciências Sociais pela PUC-Rio em 2008. Ficha Catalográfica Posternak, Léo A teoria do capital humano no Brasil : pioneirismo, resistências e sua recente influência na formulação de políticas sociais / Léo Posternak ; orientador: Ricardo Emmanuel Ismael de Carvalho. – 2014. 160 f. ; 30 cm Tese (doutorado)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Ciências Sociais, 2014. Inclui bibliografia 1. Ciências Sociais – Teses. 2. Teoria do capital humano. 3. Pensamento econômico brasileiro. 4. Desigualdade de renda. 5. Educação básica. 6. Programas de transferências condicionadas de renda. I. Ismael, Ricardo. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Ciências Sociais. III. Título. CDD: 300 À minha família. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA Agradecimentos Ao professor Ricardo Ismael pelo incentivo e pela orientação profissional e amiga. À PUC-Rio, pelo auxílio concedido, sem o qual este trabalho não poderia ter sido realizado. Resumo Posternak, Léo; Carvalho, Ricardo Emmanuel Ismael de. A Teoria do Capital Humano no Brasil: pioneirismo, resistências e sua recente influência na formulação de políticas sociais. Rio de Janeiro, 2014. 160p. Tese de Doutorado - Departamento de Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. A Teoria do Capital Humano defende que a educação formal é necessária para aumentar a capacidade de produção de uma população: uma população educada é uma população produtiva e dotada de maior nível de bem-estar social, o que, por sua vez, proporciona a diminuição da pobreza e da desigualdade de renda. Na década de 1970, Carlos Geraldo Langoni estudou, de forma pioneira e com o auxílio da Teoria do Capital Humano, a variação da desigualdade de renda PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA no Brasil na década de 1960. Seu trabalho demonstrou que a variável “educação” possuía a maior correlação para explicar os resultados observados de desigualdade nos rendimentos do trabalho. Desníveis provenientes do sistema educacional brasileiro, envolvendo crianças e adolescentes, resultavam em desníveis salariais entre os trabalhadores no mercado de trabalho. Langoni contribuiu para a formação de um grupo de pesquisadores brasileiros que, influenciados por aquela perspectiva teórica, participaram a partir da década de 1990, do debate público envolvendo a formulação de programas de transferências de renda condicionadas à frequência escolar. Embora as teses baseadas na Teoria do Capital Humano apresentadas por Langoni, em 1973, fossem consistentes e representassem importante contribuição para a compreensão da desigualdade de renda, o ambiente político e acadêmico dos anos de 1970 terminou por inibir a repercussão e o reconhecimento de seu trabalho. Apenas a partir de 1990, tendo à frente seus seguidores, aquelas ideias e a própria Teoria do Capital Humano passaram a influenciar governos, políticas sociais, e, de alguma forma, as escolhas da própria sociedade brasileira. Palavras-chave Teoria do Capital Humano; pensamento econômico brasileiro; desigualdade de renda; educação básica; programas de transferências condicionadas de renda. Abstract Posternak, Léo; Carvalho, Ricardo Emmanuel Ismael de. (Advisor) Human Capital Theory in Brazil: pioneering, resistances, and recent influence on the formulation of social policies. Rio de Janeiro, 2014. 160p. PhD. Thesis. Departament of Social Sciences, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Human Capital Theory proposes that formal education is necessary to increase a population’s productivity: an educated population tends also to be a productive one and to present a higher level of social well-being that provides reduction of poverty and income inequality. Based on Human Capital Theory, Carlos Geraldo Langoni pioneered, in the 1970s, a study on the variation of income inequality in Brazil during the 1960s. His work demonstrated that “education” was the variable that best correlated with future income inequality. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA The inequality gaps involving children and adolescents in the Brazilian educational system were reproduced in wage gaps among workers in the labor market. Langoni contributed to the formation of a group of Brazilian researchers who were influenced by this theory. As of the 1990s, these researchers were involved in the public debate regarding the issuance of cash transfers conditional on school attendance programs. Although these conclusions based on Human Capital Theory presented by Langoni in 1973 were consistent and represented an important contribution to the understanding of income inequality, the political and academic environment of the 1970s ended by inhibiting the impact and recognition of the work. Starting in the 1990s, headed by his followers, those ideas and Human Capital Theory influenced governments, social policies, and somehow the choices of Brazilian society Keywords Human Capital Theory; Brazilian economic thought; income inequality; basic education; conditional cash transfers programs. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA Sumário Introdução 11 1. Teoria do Capital Humano: origens e evolução 1.1. A relevância da educação no mundo contemporâneo 1.2. O pensamento econômico e a educação como capital humano 1.3. As origens da Teoria do Capital Humano 1.4. Educação, capital humano e o pensamento social brasileiro 15 15 22 25 35 2. Carlos Langoni e seu pioneirismo 2.1. A educação básica como fator explicativo para a desigualdade de renda 41 3. A Teoria do Capital Humano nos anos 1970 no Brasil 3.1. O contexto histórico quando do lançamento do livro de Langoni 3.2. O debate sobre o livro de Langoni 3.3. As resistências à Teoria do Capital Humano na visão dos seus defensores 3.4. A visão dos desenvolvimentistas sobre o conflito distributivo no período autoritário 53 53 59 4. A defesa de investimentos em capital humano no pensamento econômico dos anos 1990 4.1. O resgate das ideias de Langoni e a agenda pública 4.2. A contribuição dos economistas da PUC-Rio e da FGV-Rio 4.3. O pensamento desenvolvimentista incorpora aspectos da Teoria do Capital Humano 4.4. A sociedade e a valorização da educação 41 63 73 78 78 82 100 102 5. Programas de transferência de renda no Brasil: antecedentes e tendências recentes 108 5.1. Direitos sociais no Brasil a partir de 1930 108 5.2. O debate sobre os programas de renda mínima no Brasil 120 5.3. O pioneirismo das unidades subnacionais no combate à pobreza 130 5.4. O programa Bolsa Família e a interrupção do ciclo intergeracional de reprodução da pobreza 131 6. Conclusões 140 7. Referências bibliográficas 152 PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA Lista de tabelas Tabela 1: Crescimento do PIB por década de 1960 a 1990 55 Tabela 2: Taxa média anual do crescimento do PIB por década de 1960 a 1990 55 Tabela 3: Índice de Gini entre 1960 e 1990 56 Lista de siglas ANPEC – Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia ARENA – Aliança Renovadora Nacional BIRD - Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico CCE – Conselho das Comunidades Europeias CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe CIEP – Centro Integrado de Educação Pública CLT – Consolidação das Leis do Trabalho FGV - Fundação Getúlio Vargas FMI - Fundo Monetário Internacional PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA FUNRURAL – Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural IAP – Instituto de Aposentadorias e Pensões IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INPS – Instituto Nacional de Previdência Social IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada MDB – Movimento Democrático Brasileiro MIT - Massachusetts Institute of Technology NBER – National Bureau of Economic Research PBF – Programa Bolsa Família PIB – Produto Interno Bruto PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira PT – Partido dos Trabalhadores PUC – Pontifícia Universidade Católica SUDENE - Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro USP – Universidade de São Paulo Introdução O pensamento social brasileiro tem discutido a relevância da educação como um elemento que permite impulsionar a produtividade, reduzir a desigualdade e fortalecer os laços sociais. A educação tem sido considerada uma condição para que a sociedade possa participar e usufruir dos benefícios da nova sociedade do conhecimento (Schwartzman, 2004). O Brasil industrializou-se sem ter universalizado a educação básica, o que faz com que a educação básica de qualidade seja, ainda hoje, um de nossos maiores desafios. Sem uma educação de qualidade para todos, não poderemos mais nos desenvolver, nem atingir a integração social, e teremos também dificuldade para alcançar a consolidação da democracia. Esta será imprescindível para que possamos fazer crescer nossa economia qualitativamente e com alto PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA conteúdo científico e tecnológico (Buarque, 2112a). Parte importante do pensamento econômico contemporâneo tem abordado o tema da educação na perspectiva da Teoria do Capital Humano. Neste caso, a ênfase recai sobre o modo pelo qual a educação incrementa a produtividade e a eficiência dos trabalhadores, e como se reflete na redução da desigualdade de renda no mercado de trabalho. São de especial importância, e aqui serão analisados, os estudos feitos a partir dos anos 1950 pelos economistas Jacob Mincer, Theodore William Schultz e Gary Becker. A difusão da Teoria do Capital Humano no Brasil contou com o trabalho pioneiro e inovador de Carlos Geraldo Langoni, Distribuição de renda e desenvolvimento econômico do Brasil, publicado em 1973, que procurava investigar a questão da distribuição de renda no Brasil utilizando conceitos daquela abordagem teórica. Nesta obra, Langoni concluiu que a variável “educação” era a que tinha a mais importante correlação para explicar a desigualdade de renda no mercado de trabalho. No contexto dos anos de 1970 o trabalho de Langoni foi severamente criticado. Estávamos sob um regime de exceção e o livro de Langoni fora prefaciado por Delfim Netto, que ocupava na época o cargo de Ministro da Fazenda do Governo Médici. As conclusões a que Langoni chegara, sobre a desigualdade de renda no mercado de trabalho, eram acusadas de beneficiar 12 politicamente o regime autoritário, e de tirar o foco em relação à política salarial restritiva e a repressão aos sindicatos de trabalhadores. Um conjunto de pesquisadores da realidade social brasileira, influenciados pelas ideias do Langoni e pela Teoria do Capital Humano, passou a ter ressonância, a partir dos anos 1990, no debate público sobre a formulação de políticas sociais condicionadas à frequência escolar. Nomes como José Márcio Camargo, Samuel Pessôa, Francisco Ferreira, Marcelo Neri e Ricardo Paes de Barros criaram um ambiente que permitiu que o livro escrito por Langoni - que havia enfrentado obstáculos por ocasião de sua publicação - influenciasse as políticas sociais de combate à pobreza e à desigualdade de renda em nosso país a partir dos anos 1990. O objetivo desta investigação é analisar a relevância do trabalho de Carlos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA Langoni na difusão da Teoria do Capital Humano no Brasil, procurando compreender as resistências enfrentadas na época em que suas ideias foram apresentadas, e as contribuições de alguns de seus principais seguidores a partir dos anos 1990, período em que os governos adotaram, de forma crescente, programas de transferência de renda condicionados à frequência escolar. Para a execução deste trabalho foi feito um amplo levantamento bibliográfico objetivando mobilizar os autores que trataram do tema da educação e da Teoria do Capital Humano no mundo contemporâneo e no pensamento social brasileiro. Foram realizadas entrevistas com roteiro previamente definido e levantamento bibliográfico específico, envolvendo economistas que apoiaram as ideias de Langoni e da Teoria do Capital Humano a partir dos anos de 1990. Finalmente, as estatísticas descritivas utilizadas neste trabalho tiveram como fonte os sítios do Banco Central do Brasil, IPEA e IBGE. No primeiro capítulo abordarei, primeiramente, a visão de cientistas sociais contemporâneos relativamente à importância da educação no mundo atual e, em seguida, tratarei dos estudos dos fundadores da Teoria do Capital Humano. Apresentarei o posicionamento do pensamento social brasileiro face ao papel da educação na diminuição da desigualdade e da pobreza, bem como no aumento da competitividade e produtividade da economia. 13 No capítulo 2 analisarei o clássico de Langoni, Distribuição da renda e desenvolvimento econômico do Brasil, dando ênfase aos aspectos que pontuam a educação como elemento principal do aumento de nossa desigualdade entre os anos 1960 e 1970. De especial interesse será sua precoce defesa de que a transferência de recursos para os mais pobres, condicionada à frequência escolar, seria fundamental, uma vez que com o crescimento econômico cresce o incentivo às famílias pobres de colocar os filhos precocemente no mercado de trabalho, reproduzindo na geração dos filhos a baixa escolaridade dos pais. O capítulo 3 tratará da receptividade ao livro de Langoni no Brasil dos anos 1970, sendo contextualizado o ambiente político e acadêmico em que vivíamos, em meio a um regime autoritário. As discussões que surgiram em função das conclusões de Langoni serão abordadas, e veremos como os PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA defensores da Teoria do Capital Humano analisam as resistências àquelas ideias. Finalmente, trataremos da narrativa de desenvolvimentistas quanto à forma em que se deu o conflito distributivo após a implantação do regime autoritário. No capítulo 4 analisarei os principais trabalhos de representantes do pensamento econômico brasileiro que ajudaram a difundir as ideias de Langoni e a Teoria do Capital Humano no Brasil a partir dos anos 1990, contribuindo também para a implantação de programas de combate à pobreza com condicionamento da transferência à frequência nas escolas. Aqui veremos o resgate das ideias de Langoni através de alguns pesquisadores da PUC-Rio e FGV-Rio. Além disso, veremos como os representantes do pensamento desenvolvimentista incorporaram conceitos oriundos da Teoria do Capital Humano. Finalmente, ainda que de forma muito preliminar, analisaremos a hipótese de que a sociedade passou a valorizar a educação como um fator fundamental para a mobilidade social. O quinto capítulo fará inicialmente um histórico do desenvolvimento dos direitos sociais no Brasil desde 1930. Em seguida serão abordadas as questões referentes à presença ou ausência das condicionalidades como fator de escolha dos beneficiários dos programas. Serão estudados os primeiros programas de transferência de renda no Brasil e a implantação de seu formato atual, o Bolsa Família, programa de transferência direta de renda que beneficia famílias em 14 situação de pobreza e de extrema pobreza e que tem como objetivos reduzir a pobreza no Brasil, especialmente a pobreza extrema e interromper o ciclo intergeracional de reprodução da pobreza. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA No capítulo 6, finalmente, exporei minhas conclusões. 1. Teoria do Capital Humano: origens e evolução Neste capítulo serão abordadas a importância da educação no mundo atual e a visão de cientistas sociais contemporâneos acerca do assunto. Em seguida apresentar-se-ão reflexões de economistas sobre o papel da educação como fator de aumento do capital humano e as origens de tal pensamento. Abordarei, finalmente, como o pensamento social brasileiro se posiciona perante esses temas. 1.1. A relevância da educação no mundo contemporâneo Atualmente a importância da educação em um mundo globalizado e em constantes e profundas transformações tem sido abordada, através de diversos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA ângulos, por importantes cientistas sociais. Manuel Castells 1 , em A sociedade em rede, propõe estimar a especificidade de uma economia global e informacional, delinear suas principais características e explorar a estrutura e a dinâmica de um sistema econômico mundial que provavelmente caracterizará as próximas décadas. Segundo Castells, seu livro estuda o surgimento de uma nova estrutura social, manifestada sob várias formas conforme a diversidade de culturas e instituições em todo o planeta. Essa nova estrutura social está associada ao surgimento de um novo modo de desenvolvimento, o informacionalismo, historicamente moldado pela reestruturação do modo capitalista de produção, no final do século XX (Castells, 2006: 51). Para Castells, uma nova economia, informacional, global e em rede, teria surgido nas últimas décadas. Ela é informacional, porque a competitividade e a produtividade dos agentes nessa economia são dependentes de sua capacidade de gerar, processar e aplicar com eficiência a informação baseada em conhecimento. Ela é global porque as principais atividades produtivas estão organizadas em escala global. Ela é informacional e global porque tanto a produtividade quanto a concorrência se dão por meio de interação em uma rede global. E é, finalmente, 1 Manuel Castells, sociólogo, (1942-) nasceu em Hellín, Espanha. De 1967 e 1979 lecionou na Universidade de Paris. Foi professor de Sociologia e Planejamento Regional na Universidade de Berkeley, Califórnia. Em 2001, tornou-se pesquisador da Universidade Aberta da Catalunha em Barcelona. 16 uma economia em rede “porque, nas novas condições históricas, a produtividade é gerada, e a concorrência é feita em uma rede global de interação entre redes empresariais” (Castells, 2006: 119). Castells chama a atenção para o fato de que a produtividade, em longo prazo, é o fator definidor da riqueza das nações, e a tecnologia é o principal fator que provoca a produtividade. O sociólogo afirma que as empresas e as nações são os agentes do crescimento econômico, mas a produtividade não é uma finalidade, pois as empresas são motivadas pela lucratividade, e não pela produtividade. As nações, por sua vez, têm como objetivo incrementar a competitividade de suas economias, e não simplesmente inovar tecnologicamente. Lucratividade e competitividade são os fatores que determinam a inovação tecnológica e o crescimento da produtividade. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA O processo de globalização realimenta o crescimento da produtividade, e os interesses políticos específicos do Estado ficam diretamente ligados ao destino da concorrência econômica das empresas. A política e a produtividade ficam, assim, interligadas, tornando-se instrumentos fundamentais para a competitividade. Embora a economia informacional-global seja distinta da economia industrial, aquela não se opõe à lógica desta, visto que o que mudou não foi o tipo de atividade em que a humanidade está envolvida, mas sua capacidade tecnológica de utilizar, como força produtiva direta, aquilo que caracteriza nossa espécie como singularidade biológica: nossa capacidade superior de processar símbolos. É claro que a tecnologia não determina a sociedade. Nem a sociedade escreve o curso da transformação tecnológica, uma vez que muitos fatores, inclusive criatividade e iniciativa empreendedora, intervêm no processo de descoberta científica, inovação tecnológica e aplicações sociais, de forma que o resultado final depende de um complexo padrão interativo. Na verdade, o dilema do determinismo tecnológico é, provavelmente, um problema infundado, dado que a tecnologia é a sociedade, e a sociedade não pode ser entendida ou representada sem suas ferramentas tecnológicas (Castells, 2006: 43). Castells identifica quatro processos principais que determinam a forma e o resultado dessa concorrência, a saber, a capacidade tecnológica, o acesso a um mercado afluente integrado, um diferencial entre os custos de produção no local 17 produzido e os do mercado de destino e a capacidade política das instituições nacionais e supranacionais de impulsionar a estratégia de crescimento desses países na região sob sua jurisdição. Uma economia global é uma economia apta a funcionar como uma unidade em tempo real e em escala mundial. As novas tecnologias permitem que o capital seja transportado em curtíssimo prazo, o que faz com que os movimentos de capital tornem-se globais e cada vez mais autônomos em relação ao desempenho das economias. O fundamental para uma estratégia administrativa bem sucedida é posicionar a empresa na rede, tendo como objetivo ganhar vantagem competitiva. A economia global que resulta da concorrência e da produção com base informacional caracteriza-se por sua interdependência, assimetria, regionalização, crescente diversificação dentro de cada região, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA inclusão seletiva, segmentação excludente e, em consequência de todos esses fatores, por uma geometria variável que tende a relativizar a geografia econômica e histórica. A estrutura dessa economia tem como peculiaridade a combinação de uma estrutura permanente com uma geometria variável. A arquitetura da economia global apresenta um mundo assimétrico interdependente, organizado em torno de três regiões econômicas principais - Europa, América do Norte e Pacífico asiático -, e cada vez mais polarizado ao longo de um eixo de oposição entre as áreas produtivas e ricas e as áreas pobres e atingidas pela exclusão social. A mais nova divisão internacional do trabalho está disposta em quatro posições diferentes na economia informacional-global, quais sejam, produtores de alto valor com base no trabalho informacional, produtores de grande volume baseado no trabalho de mais baixo custo, produtores de matérias-primas que se baseiam em recursos naturais e produtores redundantes, reduzidos ao trabalho desvalorizado. Essa nova divisão internacional do trabalho está organizada com base em trabalho e tecnologia, mas é implementada e modificada por governos e empreendedores. Para Castells, com a difusão das tecnologias de informação, não teremos como consequência provável desemprego em massa no futuro previsível. No entanto, de certa forma, este cenário coloca o acesso à educação na sociedade 18 informacional como um projeto mais individual do que resultado de uma ação coletiva. Em função da capacidade que as redes têm de agir como forças descentralizadoras, a mão-de obra está desagregada em seu desempenho, fragmentada em sua organização, dividida em sua ação coletiva. [...] Os trabalhadores perdem sua identidade coletiva, tornam-se cada vez mais individualizados quanto as suas capacidades, condições de trabalho, interesse e projetos (Castells, 2006: 571). Amartya Sen 2 , em Desenvolvimento como liberdade, reconhece a consolidação dos elementos de cidadania, afirmando que “o século XX estabeleceu o regime democrático e participativo como modelo preeminente de organização política. Os conceitos de direitos humanos e liberdade política são parte da retórica prevalecente” (Sen, 2000: 9). No entanto, apesar do fato de as pessoas viverem em média mais tempo que no passado, problemas novos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA convivem com antigos, e nosso mundo apresenta “privação, destituição e opressão extraordinária” (Sen, 2000: 9). Sen discorda das avaliações de desenvolvimento baseadas no crescimento do produto interno bruto, no aumento das rendas, na industrialização e em outros critérios puramente economicistas. Para ele, “o desenvolvimento pode ser visto como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam” (Sen, 2000: 17). E para que se possa ter o desenvolvimento por ele clamado, hão de ser removidas “as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos” (Sen, 2000: 18). Ao analisar a liberdade como um meio para desenvolver-se, afirma que o processo de desenvolvimento depende de um ambiente de liberdade que possui diversos componentes que se relacionam entre si, dentre os quais liberdades políticas, oportunidades sociais, facilidades econômicas, segurança protetora e garantias de transparência. Portanto, faz-se necessário “desenvolver e sustentar uma pluralidade de instituições, como sistemas democráticos, mecanismos legais, 2 Amartya Sen (1933- ) nasceu em Santiniketan, Índia. Prêmio Nobel de Economia em 1998. Lecionou na Delhi School of Economics, na London School of Economics, na Universidade de Oxford e na Universidade de Harvard. Reitor da Universidade de Cambridge. 19 estruturas de mercado, provisão de serviços de educação e saúde, facilidades para a mídia e outros tipos de comunicação” (Sen, 2000: 71). Para Sen, as liberdades políticas, nas quais podemos englobar os direitos civis e políticos, alimentam o desenvolvimento. Ampliando-se a democracia, amplia-se o desenvolvimento. As oportunidades sociais, por sua vez, consistem nos direitos sociais, dentre os quais se destacam educação e saúde. Oportunidades sociais são as disposições que a sociedade estabelece nas áreas de educação, saúde etc., as quais influenciam a liberdade substantiva de o indivíduo viver melhor. Essas facilidades são importantes não só para a condução da vida privada [...], mas também para uma participação mais efetiva em atividades econômicas e políticas. Por exemplo, o analfabetismo pode ser uma barreira formidável à participação em atividades econômicas que requeiram produção segundo especificações ou que exijam rigoroso controle de qualidade (uma exigência sempre crescente no comércio globalizado) (Sen, 2000: 56). PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA As facilidades econômicas passam pela democratização do crédito, que trará um afluxo de camadas mais pobres para o consumo. A segurança protetora consiste em uma rede de proteção abaixo da qual ninguém seria permitido cair. Por garantias de transparência podemos entender um aspecto cultural que favoreceria uma atitude cooperativa, em que a confiança teria um forte valor. A liberdade teria um papel instrumental, ao ser um meio para o desenvolvimento, e também um papel constitutivo: deveria, pois, ser o fim primordial do desenvolvimento. E este só seria possível através da atuação de indivíduos livres das privações básicas que lhes dificultam encontrar, em um mercado também livre, as oportunidades para levarem a vida que lhes convém. Anthony Giddens 3, em As consequências da modernidade, discute a educação formal, abordando as questões da confiança e da tradição, e propõe a questão dos motivos pelos quais “a maioria das pessoas, a maior parte do tempo, confia em práticas e mecanismos sociais sobre os quais seu próprio conhecimento técnico é ligeiro ou não existente” (Giddens, 1991: 91). Para Giddens, isto pode ser respondido de várias maneiras. Sabemos o bastante sobre a relutância com a qual, no início de cada fase do desenvolvimento social moderno, as populações se adaptaram a novas práticas sociais - tais como a introdução de formas profissionalizadas de medicina - para reconhecer a importância da socialização em relação a esta confiança. A influência do “currículo oculto” nos processos de educação formal é aqui provavelmente decisiva. O que é transmitido 3 Anthony Giddens (1938- ), sociólogo, nasceu em Londres. Foi Diretor da London School of Economics and Political Science entre 1997 e 2003. 20 à criança no ensino da ciência não é apenas o conteúdo das descobertas técnicas mas, mais importante para as atitudes sociais gerais, uma aura de respeito pelo conhecimento técnico de todos os tipos. Na maioria dos sistemas educacionais modernos, o ensino da ciência começa sempre pelos “princípios primeiros”, conhecimento visto como mais ou menos indubitável. A ciência tem assim por longo tempo mantido uma imagem de conhecimento fidedigno que se verte numa atitude de respeito para com a maioria das formas de especialidade técnica (Giddens, 1991: 81). Em Para além da esquerda e da direita: o futuro da política radical, Giddens aborda a questão da expansão do que ele chama de reflexividade social. Os movimentos que questionam as tradições na sociedade moderna acionam uma PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA influência do conhecimento sobre a realidade: em uma sociedade destradicionalizadora, os indivíduos devem se acostumar a filtrar todos os tipos de informação relevantes para as situações de suas vidas e atuar rotineiramente com base nesse processo de filtragem. Tome-se, por exemplo, a decisão de casar. Uma decisão dessas tem que ser tomada com a consciência de que, nas últimas décadas, o casamento mudou em aspectos básicos, os hábitos e identidades sexuais também se alteraram, e que as pessoas exigem mais autonomia em suas vidas do que nunca. Além do mais, isso não significa apenas conhecimento acerca de uma realidade social independente; quando aplicado na prática, esse conhecimento influencia o que a realidade realmente é. O crescimento da reflexividade social é um fator fundamental que introduz um deslocamento entre o conhecimento e o controle – uma fonte primária de incerteza artificial (Giddens, 1996: 15). Para Giddens, nesse mundo em que as tradições são constantemente desafiadas, o conhecimento também é desafiado e modificado: um mundo de reflexividade intensificada é um mundo de pessoas inteligentes. Não quero dizer com isso que as pessoas sejam mais inteligentes do que costumavam ser. Em uma ordem pós-tradicional, os indivíduos têm, mais ou menos, que se engajar com o mundo em termos mais amplos se quiserem sobreviver nele. A informação produzida por especialistas (incluindo o conhecimento científico) não pode mais ser totalmente confinada a grupos específicos, mas passa a ser interpretada rotineiramente e a ser influenciada por indivíduos leigos no decorrer de suas ações cotidianas (Giddens, 1996: 15). A influência dos avanços do conhecimento trazida pela tecnologia da informação aumenta a autonomia das decisões de investimento, o que, por sua vez, obriga a uma constante atualização e atenção às inovações. E isso também traria consequências sobre as decisões políticas e, podemos dizer, de políticas sociais: o desenvolvimento da reflexividade social é a principal influência sobre uma diversidade de mudanças que, sob outros aspectos, parecem ter muito pouco em comum. Por conseguinte, a emergência do “pós-fordismo” nos empreendimentos industriais é geralmente analisada em termos de mudança tecnológica – em 21 especial, a influência de tecnologia de informação. Mas o motivo básico para o crescimento da “produção flexível” e da “tomada de decisões de baixo para cima” é que o universo de alta reflexividade conduz à maior autonomia de ação, que o empreendimento deve reconhecer e ao qual deve recorrer. O mesmo se aplica à burocracia e à esfera política. Como esclareceu Max Weber, a autoridade burocrática costumava ser uma condição para a eficiência organizacional. Em uma sociedade ordenada de maneira mais reflexiva, atuando no contexto de incerteza artificial, isso não mais acontece. Os velhos sistemas burocráticos começam a desaparecer, dinossauros da era pós-tradicional. No domínio da política, os Estados não podem mais, tão prontamente, tratar seus cidadãos como “súditos”. As exigências de reconstrução política, de eliminação da corrupção, além de um descontentamento muito difundido com relação aos mecanismos políticos ortodoxos, todos estes fatores são, em algum aspecto, expressões de uma reflexividade social aumentada (Giddens, 1996: 15-16). Há discordâncias quanto à importância da Teoria do Capital Humano para o desenvolvimento da sociedade. Pierre Bourdieu questiona a própria teoria, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA relacionando classes sociais de origem com desempenho escolar: a noção de capital cultural impôs-se, primeiramente, como uma hipótese indispensável para dar conta da desigualdade de desempenho escolar de crianças provenientes das diferentes classes sociais, relacionando o “sucesso sescolar”, ou seja, os benefícios específicos que as crianças das diferentes classe e frações de classe podem obter no mercado escolar, à distribuição do capital cultural entre as classes e frações de classe. Este ponto de partida implica em uma ruptura com os pressupostos inerentes, tanto à visão comum que considera o sucesso ou fracasso escolar como efeito das “aptidões” naturais, quanto às teorias do “capital humano” (Bourdieu, 2007: 73). A passagem da sociedade pós-industrial para a sociedade do conhecimento requer maior atenção com a educação, trazendo novos desafios para a sociedade, empresas e governos. A educação adquiriu status de variável dependente devido à sua relevância social, econômica e política. Conforme Richard Crawford, a mudança nas tecnologias trouxe novas necessidades educacionais: na sociedade industrial, a educação está disponível por períodos limitados e específicos de tempo. A maior preocupação nesta sociedade é a alfabetização e o provimento de treinamento técnico. Na sociedade do conhecimento, a educação é universal e os níveis de educação crescem para as novas áreas de conhecimento que requerem mais treinamento e educação atualizada para sua aplicação. Profissionais universitários e especializados tornam-se o maior grupo empregado. [...] Adicionado à educação formal, os americanos têm recebido de seus empregadores cada vez mais treinamento no trabalho. As empresas têm um papel fundamental no investimento em capital humano: estão atualmente despendendo com treinamento de trabalhadores quase o mesmo valor das despesas anuais dos EUA com educação (Crawford, 1994: 38-39). 22 1.2. O pensamento econômico e a educação como capital humano O pensamento econômico há séculos se preocupa com os efeitos da educação sobre o crescimento da economia. Adam Smith, no século 18, enfatizava a importância do estudo e do aprendizado para o desenvolvimento das sociedades. Seriam de especial relevância […] the acquired and useful abilities of all the inhabitants and members of the society. The acquisition of such talents, by the maintenance of the acquirer during his education, study, or apprenticeship, always costs a real expense, which is a capital fixed and realized, as it were, in his person. Those talents, as they make a part of his fortune, so do they likewise that of the society to which he belongs. The improved dexterity of a workman may be considered in the same light as a machine or instrument of trade which facilitates and abridges labour, and which, though it costs a certain expense, repays that expense with a profit (Smith, 2012: livro II, capítulo I). Até meados do século 20, muitos economistas resistiam à ideia de uma PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA análise econômica da educação, ao mesmo tempo em que viam problemas em considerar o trabalho mais qualificado como uma forma de capital. Após a Segunda Guerra Mundial, um grupo de economistas desenvolveu um programa de pesquisas que acabaria por alterar aquelas resistências e formalizaria os estudos sobre o capital humano. Procuraram entender como o capital humano podia explicar as diferenças entre os crescimentos econômicos de diversos países, bem como a influência da educação na distribuição de renda (Teixeira 4, 2007: 31). In the aftermath of World War II this situation changed prompted by several developments, initially unrelated, that converged to give increasing prominence to the economic effects of education. One of those changes was the postwar revival of growth debates that, alongside the expansion of educational systems in most Western countries, led to an increasing emphasis on the qualification of the labor force as a key factor in explaining differentiated growth performances. The second aspect was the changing possibilities and interests in research of personal income, namely the belief that it was possible to provide causal explanations for the distribution of income, and that education was a good candidate to be included among those potential explanatory factors. Seizing the moment, a group of economists frequently connected with Chicago, namely T. W. Schultz, Gary Becker, and Jacob Mincer, managed to turn this metaphor into a whole research program that would spread around many subfields (Teixeira, 2007: 32). 4 Pedro Nuno de Freitas Lopes Teixeira é PhD em Economia pela School of Business and Economics da University of Exeter. É professor do Departamento de Economia da Universidade do Porto, Portugal. 23 Na década de 1950, Jacob Mincer 5 estava preocupado com o que parecia ser uma contradição: a empiria sugeria que as habilidades dos indivíduos seguiam o comportamento estatístico de uma distribuição normal, simétrica, ao passo que a distribuição de renda não acompanhava esse modelo de curva. O indivíduo racional que procura maximizar seus benefícios através de suas escolhas deveria ser considerado para tentar explicar este fato: […] perhaps the most unsatisfactory feature of the stochastic models, which they share with most other models of personal income distribution, is that they shed no light on the economics of the distribution process. Non-economic factors undoubtedly play an important role in the distribution of incomes. Yet, unless one denies the relevance of rational optimizing behavior to economic activity in general, it is difficult to see how the factor of individual choice can be disregarded in analyzing personal income distribution, which can scarcely be independent of economic activity (Mincer, 1958: 283). De acordo com Theodore William Schultz 6, a acumulação do capital PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA humano estaria na base da explicação do motivo pelo qual o crescimento econômico estaria se dando de forma desproporcional ao crescimento físico de capital (infraestrutura, bens de capital e estoque, entre outros). In economic growth, based on the assumption that the fundamental motives and preferences which determine the ratio of all capital to income remain essentially constant, the hypothesis here advanced is that the inclusion of human capital will show that the ratio of all capital to income is not declining. Producer goods – structures, equipment and inventories – a particular stock of capital has been declining relative to income. Meanwhile, however, the stock of human capital has been rising relative to income. If the ratio of all capital to income remains essentially constant, then the unexplained economic growth which has been so puzzling originates mainly out of the rise in the stock of human capital. (Schultz, 2014: 1). Para Gary Stanley Becker 7, o capital como entendido pelo senso comum não é a única forma de capital. O senso comum associa com facilidade a ideia de capital a dinheiro, imóveis, ações nas bolsas de valores, títulos públicos, joias, etc. No entanto, escolaridade, treinamento em cursos, despesas para tratamento de 5 Jacob Mincer (1922-2006) nasceu em Tomaszow, Polônia, e morreu em Nova York. Sobreviveu a campos de concentração nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Graduou-se na Emory University em 1950 e concluiu seu PhD pela Columbia University em 1957. Foi membro do NBER desde 1960 até a sua morte. 6 Theodore William Schultz (1902-1998) nasceu em Arlington (EUA) e faleceu em Evanston (EUA). Doutorou-se em Economia pela Universidade de Wisconsin-Madison em 1930. Foi professor na Universidade de Chicago entre 1946 e 1961. Recebeu o Prêmio Nobel em Economia em 1979. 7 O economista Gary Stanley Becker (1930-2014) nasceu em Pottsville, na Pensilvânia. Graduouse em 1951 na Universidade de Princeton e obteve seu PhD em 1955 na Universidade de Chicago. 24 saúde, bem como pontualidade e honestidade também são formas de capital. Isso porque essas outras formas aumentam a possibilidade de maiores rendimentos, e são chamados de capital humano porque acompanharão as pessoas pelo resto de suas vidas, e estas pessoas não o perderão como podem vir a perder o capital de bens anteriormente referidos. Therefore, economists regard expenditures on education, training, medical care, and so on as investments in human capital. They are called human capital because people cannot be separated from their knowledge, skills, health, or values in the way they can be separated from their financial and physical assets (Becker, 2012a: 1). Os investimentos mais importantes no capital humano seriam educação, treinamento e cuidados com a saúde. Segundo Becker, vários estudos têm demonstrado que, nos Estados Unidos, possuir uma educação com o ensino médio completo ou uma faculdade aumenta em muito os ganhos de uma pessoa, mesmo PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA ajustando-se os custos da educação e o fato de que essas pessoas tendem a possuir um nível mais elevado de renda familiar. Mas isso não ocorreria somente nos Estados Unidos, e seria mais significativo nos países menos desenvolvidos: similar evidence covering many years is now available from more than a hundred countries with different cultures and economic systems. The earnings of moreeducated people are almost always well above average, although the gains are generally larger in less-developed countries (Becker, 2012a: 1). A educação formal não deve ser vista como o único investimento no capital humano. O treinamento em cursos e treinamentos no próprio trabalho têm forte influência na aquisição de habilidades que fazem diferença nos rendimentos a serem recebidos. “Even college graduates are not fully prepared for the labor market when they leave school and must be fitted into their jobs through formal and informal training programs” (Becker, 2012a: 3). De acordo com o economista Mark Blaug, PhD pela Columbia University, o conceito de capital humano contém a ideia de que os indivíduos investem neles próprios de várias formas, seja para aproveitamento imediato, seja para vantagens futuras, econômicas ou não. São diversas as formas que os indivíduos usam para investir em si próprios: Foi professor na Universidade de Columbia de 1957 a 1968, quando retornou à Universidade de Chicago. Recebeu o Prêmio Nobel em Economia em 1992. 25 they may purchase health care; they may voluntarily acquire additional education; they may spend time searching for a job with the highest possible rate of pay, instead of accepting the first offer that comes along; they may purchase information about job opportunities; they may migrate to take advantage of better employment opportunities; and they may choose jobs with low pay but high learning potential in preference to dead-end jobs with high pay. All these phenomena - health, education, job search, information retrieval, migration, and in-service training may be viewed as investment rather than consumption, whether undertaken by individuals on their own behalf or undertaken by society on behalf of its members (Blaug, 2012: 829). Os economistas Rudiger Dornbusch e Stanley Fischer comentam as dificuldades encontradas pelas economias em desenvolvimento para acumular capital humano, tendo em vista que nos países com menos capital acumulado a sociedade e o governo têm dificuldades em, ao administrar a escassez, decidir se as crianças devem abrir mão de uma renda do trabalho em troca de acumulação de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA conhecimento: o trabalhador médio em países industrializados é muito mais produtivo do que o trabalhador médio em países em desenvolvimento. Em parte isto se explica porque ele trabalha com mais capital físico. Mas também se explica pelo fato de ele estar mais longe da educação e do treinamento. O capital humano é produzido através da educação formal e através do tempo de experiência. O problema para os países em desenvolvimento é que é extremamente difícil acumular fatores de produção, capital humano ou físico, nos baixos níveis de renda característicos das economias em desenvolvimento. O mínimo que sobra após a provisão da subsistência não compra muita educação ou capital físico. Decidir se a criança deve começar a trabalhar muito cedo ou ir para escola é crítico para as famílias com níveis de renda muito baixos. Da mesma forma é difícil para o governo decidir como usar os recursos muito limitados que ele tem sob o seu comando. [...] O crescimento está limitado ao tempo em que os fatores de produção levam para se acumularem muito gradualmente; a educação é o fator de crescimento mais lento, mas também é o mais poderoso (Dornbusch & Fischer, 1992: 282283). 1.3. As origens da Teoria do Capital Humano Até o período pós-segunda guerra, a utilização da ideia do capital humano como um princípio explicativo para a desigualdade de renda era limitada e fragmentada. A tese defendida por Jacob Mincer em seu doutoramento foi o ponto de inflexão nesse respeito. Ele propôs que o investimento em educação e em treinamento seria a variável de maior significação na distribuição de renda existente. Ao fazê-lo, seu trabalho contribuiu para o moderno desenvolvimento das pesquisas sobre o capital humano. 26 Nos anos 50, as pesquisas sobre a renda pessoal haviam avançado um longo caminho desde os primeiros debates acerca da Lei de Pareto 8. Após o impacto inicial da análise de Pareto, muitos autores concluíram que a discussão teria enfatizado a necessidade de se trabalhar com dados estatísticos sobre renda e riqueza de qualidade superior aos que se possuíam na época. Essa necessidade de se chegar a dados qualitativos e quantitativos de melhor qualidade estava presente no campo cientifico, devido às suas tradições empíricas. A criação, no começo dos anos 20, nos Estados Unidos, do National Bureau of Economic Research (NBER), trouxe grandes avanços nos dados estatísticos sobre distribuição de renda. Durante a primeira metade do século 20, as pesquisas relacionadas à distribuição de renda foram alvo de significativos debates sobre a sua natureza e PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA sobre os propósitos dos estudos. Nas primeiras décadas, esse campo esteve dominado por debates quanto à possibilidade de redistribuição de rendas (Teixeira, 2007). Esses debates estimularam diversas reações, tendo alguns pesquisadores decidido que focar as pesquisas nos fatores que explicassem a real distribuição da renda pessoal seria uma alternativa segura e frutífera, enquanto outros, por sua vez, afirmavam que os dados que se tinha sobre rendas e riquezas eram insuficientes, evitando conclusões definitivas sobre esses tópicos. Melhorias na qualidade dos dados levaram ao surgimento da análise do papel da educação na distribuição de renda. A disponibilidade de dados sobre a distribuição de renda de modo abrangente resultou em uma quantidade de conhecimento empírico que revelava um quadro bem menos simplista do que aquele projetado por Pareto. Foi nesse contexto que a ênfase na educação e no treinamento aumentou sua visibilidade. 8 Vilfredo Pareto (1848-1923), engenheiro, sociólogo e economista, nasceu em Paris e morreu em Céligny, Suíça. Para Pareto, a distribuição da renda e da riqueza nas sociedades humanas tendia a se ajustar à lei que ele estabeleceu, independentemente da sua organização econômica e social. Sua curva das rendas seria semelhante para diferentes países e em diversos períodos. Seus estudos em diversas sociedades indicavam que a distribuição de renda apresentaria uma estabilidade que extrapolaria condições históricas e geográficas. A distribuição de renda se daria da mesma forma em todas as sociedades. As conclusões de Pareto trouxeram perplexidade porque sugeriam que quaisquer ações no sentido de diminuir a desigualdade de renda estariam fadadas ao fracasso. Grande parte dos primeiros estudos que procuraram aferir a aplicabilidade da Lei de Pareto concluía que esta se saía bem, em termos empíricos. Apesar de estudos subsequentes trazerem uma visão mais cética da referida lei, ela foi aceita de uma forma geral até os anos 30, quando passou a ser questionada devido a fraco fundamento teórico. 27 Era nesse ambiente que Jacob Mincer estava trabalhando em sua tese de doutoramento. Esta tese, que foi publicada em uma versão revisada no Journal of Political Economy em 1958 (Mincer, 1958), pode ser considerada a primeira contribuição organizada para o surgimento da Teoria do Capital Humano. Tem um aspecto proeminentemente empírico, avaliando diversas características como ocupação, educação, idade e gênero. Esse trabalho marcou em Mincer a certeza da relevância da educação e do treinamento como elementos cruciais para uma melhor remuneração, levando-o a perseguir uma teoria que pudesse abranger essas variáveis. Mincer dá atenção especial à discussão de duas correntes principais nas pesquisas anteriores sobre o tema da desigualdade na renda pessoal: a habilidade e PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA a sorte como as forças que fundavam essa desigualdade. Mincer conclui que as definições de sorte e habilidade eram insuficientes e contribuíam para tornar a discussão infrutífera: “Curiously enough, the one factor consistently selected for such constructive purposes in the recent literature is ‘chance’, a concept as difficult to define as ‘ability’” (Mincer, 1958: 282). Para Mincer haveria uma limitação nas pesquisas prévias que se apoiavam em modelos baseados em sorte ou habilidade. Esses modelos tendiam a se apoiar em um ou dois fatores apenas, o que jamais poderia contemplar a complexidade das forças que atuavam sobre a desigualdade de renda pessoal. Mincer também argumenta que os economistas aprofundaram os estudos teóricos relativos à natureza das causas da desigualdade de renda. O desenvolvimento das pesquisas empíricas que estudavam as desigualdades de renda dos indivíduos seria recente, e estaria focado no comportamento dos consumidores. Moreover, the emphasis of contemporary research has been almost completely shifted from the study of the causes of inequality to the study of the facts and of their consequences for various aspects of economic activity, particularly consumer behavior (Mincer, 1958: 281). Para Mincer, as causas da desigualdade de renda não podem ser extraídas pura e simplesmente das distribuições estatísticas, devendo ser interpretadas a partir da análise dos dados que formaram a distribuição estatística referente. As 28 consequências da desigualdade dependem de suas causas, e, portanto, os dados a serem considerados devem ser escolhidos com essa preocupação em mente: “Thus factors associated with observed inequality must be taken into account before the data can be put to any use” (Mincer, 1958: 281). Nesse trabalho seminal, Mincer chegava a algumas conclusões. A diferença em treinamentos no trabalho resultava em diferenças nos níveis de salários. Seria, portanto, o investimento no capital humano o responsável por duradouras e significativas diferenças no nível de rendimentos dos trabalhadores. Since, under our assumptions, intra-occupational differentials are a function of age only, the statement that life-paths of earnings are steeper for the more highly trained groups of workers means that income differences between any two members of such a group differing in age are greater than income differences between their contemporaries in an occupational group requiring less training (Mincer, 1958: 288). PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA O economista afirma que podemos chegar à seguinte conclusão: diferenças no treinamento acarretam diferenças de ganhos entre ocupações distintas, como também na duração do trabalho dentro de uma mesma ocupação. “The differences are systematic: the higher the ‘occupational rank’, the higher the level of earnings and the steeper the life-path of earnings” (Mincer, 1958: 288). Diferentemente das pesquisas anteriores sobre a desigualdade de renda, Mincer afirmava que se fazia necessário explorar as implicações que sobre ela teria a teoria da escolha racional. O processo que leva à diferenciação em investimentos no capital humano está sujeito ao livre arbítrio, à livre escolha na tomada de decisões. Inicialmente essa escolha se refere à duração em tempo que essa escolha requer: Since the time spent in training constitutes a postponement of earnings to a later age, the assumption of rational choice means an equalization of present values of life-earnings at the time the choice is made. As Adam Smith observed, this equalization implies higher annual pay in occupations that require more training (Mincer, 1958: 301). Diferenças de rendimento entre ocupações diferentes são resultado da diferença de investimento em treinamento. Quanto maior a duração do treinamento, ou estudo, ou preparação, maiores os rendimentos alcançados. Diferenças de renda dentro da mesma ocupação surgem quando o conceito de 29 investimento no capital humano é ampliado para que se possa incluir o fator experiência no trabalho. Age measures both the process of acquiring experience and biological growth and decline. The growth of experience and hence of productivity is reflected in increasing earnings with age, up to a point when biological decline begins to affect productivity adversely. The important difference among occupational groups is that, on the whole, increases in productivity with age are more pronounced, and declines are less pronounced, in jobs requiring greater amounts of training (Mincer, 1958: 301). Em Schooling, experience, and earnings, Mincer argumenta que não existe uma relação direta ou simples entre o tempo passado na escola e os efeitos que ele traz para o aumento da produtividade. “Schooling and education are not synonymous: the educational content of time spent at school ranges from superb to miserable” (Mincer, 1974: 1). O que aprendemos varia de indivíduo para PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA indivíduo, assim como de época a época e de acordo com os lugares onde se vive. A aplicabilidade e o valor do que aprendemos para o mercado de trabalho também variam de acordo com as circunstâncias citadas. E o que aprendemos na escola não é necessariamente o fator mais importante para uma inserção no mercado de trabalho. Uma das principais motivações de Mincer neste trabalho foi a de enfatizar a importância do investimento em atividades relacionadas ao treinamento no trabalho como um fator importante na análise do capital humano. Argumenta que, após alguns anos de atividade, a capacidade de os investimentos na escola explicarem a desigualdade de renda declina rapidamente, enquanto que os investimentos feitos após a saída da escola tornam-se determinantes para a explicação dessas desigualdades. It is not surprising, therefore, that observed correlations between educational attainment, measured in years spent at school, and earnings of individuals, although positive are relatively weak. Still, when earnings are averaged over groups of individuals differing in schooling, clear and strong differentials emerge. The initial and simplest form of the human capital model elaborated in this study is addressed to these schooling group differentials in earnings. The scope of the model is then enlarged to deal with earnings differentials among age groups within the various schooling groups. This is accomplished by relating earnings to training on the job and to other human capital investments that follow the schooling stage of the life cycle. Finally, by admitting into the model individual variations in investments and productivity within schooling groups and after completion of schooling, some insights are obtained about the distribution of earnings within age-education groups and in the aggregate (Mincer,1974: 1-2). 30 Embora admita que fatores como sorte, mudanças de oportunidades no mercado de trabalho e fatores físicos e psicológicos tenham importância, Mincer considera que os dados disponíveis em seus trabalhos davam suporte à visão de que a experiência no trabalho era destacadamente mais importante do que a idade no que tange à definição de produtividade e rendimentos. Quando o interesse no capital humano ressurgiu na década de 1950, o foco era na contribuição da educação para o crescimento econômico, no investimento em educação em países menos desenvolvidos e nas diferenças de renda entre as ocupações profissionais (Chiswick, 2003). Uma questão que passou a ser questionada era a seguinte: se a habilidade das pessoas aparecia estatisticamente sob a forma de uma curva normal, por que a distribuição de renda também não aparecia dessa forma, mas sim com profundas desigualdades? Em sua tese de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA doutorado, Mincer foi o pioneiro dos estudos que explicitavam o efeito da experiência e do treinamento na distribuição de renda. His model provided an analysis of the manner in which on-the-job training influences differences in earnings across individuals and how this determines the inequality and skewness of earnings. It is a model based on rational economic behavior by individuals in the labor market. As a result, this work served as the base for several strands of research in labor economics (Chiswick, 2003: 5-6). Em sua análise, Mincer mostrou que dentro de uma mesma ocupação, a desigualdade de rendimentos aumenta com a idade, e aumenta mais nas profissões que exigem maiores conhecimentos, sejam estes adquiridos na escola ou no próprio trabalho. Ele também demonstrou que a desigualdade aumentava com a idade, o nível de escolaridade e o tipo de ocupação. When members of the labor force are classified by color, sex, family status, or city size, the resulting groups exhibit pronounced differences in occupational and age characteristics. As before, differences in the training-mix produce predictable patterns of income inequality. Roughly speaking, the greater the average amount of training in the group, the greater the inequality in its income distribution (Mincer, 1958: 300). Em On-the-job training: costs, returns, and some implications, Mincer focou-se em estimar a importância do treinamento no trabalho e as consequências desse treinamento na distribuição de rendimentos, concluindo que existe uma correlação entre o treinamento no trabalho, o grau de instrução, e o retorno em termo de salários. 31 The method of estimating the volume of investment in on-the-job training, which is described in this section, treats “learning from experience” as an investment in the same sense as are the more obvious forms of on-the-job training, such as, say, apprenticeship programs. Put in simple terms, an individual takes a job with an initially lower pay than he could otherwise get because he knows that he will benefit from the experience gained in the job taken. In this sense, the opportunity to learn from experience involves an investment cost which is captured in the estimation method (Mincer, 1962: 51). De acordo com Mark Blaug em The empirical status of Human Capital Theory: a slightly jaundiced survey, a Teoria do Capital Humano foi anunciada em 1960 por Theodore William Schultz, mas o nascimento propriamente dito da teoria teria ocorrido dois anos mais tarde, quando o Journal of Political Economy publicou, em outubro de 1962, um suplemento intitulado Investment in human beings (Schultz, 2012). Este suplemento incluía também os capítulos preliminares do trabalho Human Capital que Gary Stanley Becker iria publicar em 1964. Nele PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA Schultz chamava a atenção para o fato de que o crescimento econômico observado nas sociedades ocidentais era superior ao crescimento em terras, horas trabalhadas, e reprodução de capital. O investimento em capital humano seria a explicação para isto: Much of what we call consumption constitutes investment in human capital. Direct expenditures on education, health, and internal migration to take advantage of better job opportunities are clear examples. Earnings foregone by mature students attending schools and by workers acquiring on-the-job training are equally clear examples. Yet nowhere do these enter into our national accounts. The use of leisure time to improve skills and knowledge is widespread and it too is unrecorded. In these and similar ways the quality of human effort can be greatly improved and its productivity enhanced. I shall contend that such investment in human capital accounts for most of the impressive rise in the real earnings per worker (Schultz, 2012: 1). Schultz afirma que o futuro da produtividade econômica dependeria do aumento das aptidões adquiridas pela população mundial: a essência do meu argumento é que o investimento em qualidade da população e em conhecimento determina, em grande parte, as futuras perspectivas da humanidade. Quando estes investimentos são levados em conta, os presságios concernentes ao esgotamento dos recursos físicos da Terra precisam ser rejeitados. Uma realização decididamente favorável de muitos países de baixa renda durante as últimas décadas é seu investimento em qualidade da população. O investimento em pesquisas, especialmente em pesquisas agrícolas, também tem se saído bem (Schultz, 1987: 11). Faz-se necessário ressaltar a importância que a abordagem baseada no capital humano dá à relação entre escolaridade e maiores ganhos. Ela enfatiza que 32 a quantidade de educação que se incorpora a um indivíduo é uma fonte geradora de capital humano, e a principal, além das citadas por Blaug. Em O valor econômico da educação, Schultz afirma que seus argumentos se fundamentam: [...] na proposição segundo a qual as pessoas valorizam as suas capacidades, quer como produtores, quer como consumidores, pelo auto-investimento, e de que a instrução é o maior investimento no capital humano. Esta conceituação implica que a maioria das habilitações econômicas, das pessoas, não vem do berço, ou da fase em que as crianças iniciam a sua instrução. Estas habilitações adquiridas exercem marcada influência. São de modo a alterar, radicalmente, os padrões correntes da acumulação de poupanças e da formação de capitais que se esteja operando. Alteram, também, as estruturas de pagamentos e salários, bem como os totais de ganhos decorrentes do trabalho relativo ao montante do rendimento da propriedade (Schultz, 1973: 13). Para Schultz, a qualidade de uma população seria definida, em grande parte, pela educação. Ele alertava, no entanto, para uma questão que estaria PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA presente nos debates sobre nossas políticas sociais: ao calcular-se o custo do ensino escolar, o valor do trabalho que as crianças pequenas fazem para os pais precisa ser incluído. Mesmo quanto às crianças bem novas, durante seus primeiros anos de escola, a maioria dos pais sacrifica o valor do trabalho que os filhos realizam tradicionalmente. Outro atributo distintivo do ensino escolar é o que poderia ser chamado de efeito safra, quando se obtém mais ensino por criança. Partindo do analfabetismo generalizado, pessoas mais velhas seguem vida afora com pouco ou nenhum ensino escolar, enquanto as crianças, ao chegarem à vida adulta, são as beneficiárias do ensino escolar (Schultz, 1987: 28). Gary Stanley Becker é um pioneiro na utilização de análises econômicas no comportamento humano em diversas áreas como discriminação, casamento, relações familiares e educação. Sua pesquisa sobre o capital humano foi considerada pelo comitê do Prêmio Nobel sua mais valiosa contribuição para a economia. Human capital: a theoretical and empirical analysis, with special reference to education, é o seu estudo clássico de como os investimentos na educação e no treinamento dos indivíduos têm importância similar aos investimentos em equipamentos. Para Becker, aquilo que se tem chamado de estudos atuais sobre o capital humano começou no entorno dos anos 1960. Cita, entre seus fundadores, Theodore Schultz, Jacob Mincer, Milton Friedman, e outros que, de alguma forma, estavam ligados à Universidade de Chicago. Becker vê como capital humano elementos ligados à educação, à saúde e aos valores, que não podem ser separados do indivíduo: 33 schooling, a computer training course, expenditures on medical care, and lectures on the virtues of punctuality and honesty are capital too in the sense that they improve health, raise earnings, or add to a person's appreciation of literature over much of his or her lifetime. Consequently, it is fully in keeping with the capital concept as traditionally denned to say that expenditures on education, training, medical care, etc., are investments in capital. However, these produce human, not physical or financial, capital because you cannot separate a person from his or her knowledge, skills, health, or values the way it is possible to move financial and physical assets while the owner stays put (Becker, 1994: 15-16). A racionalidade do investimento no capital humano é exemplificada por Becker ao comentar as mudanças ocorridas na educação das mulheres nos Estados Unidos. Antes dos anos 1960, as mulheres não se faziam representar proporcionalmente em profissões ligadas às matemáticas, ciências, economia e direito, e tendiam a serem professoras, profissionais na área de línguas estrangeiras, literatura e economia doméstica. “Since relatively few married women continued to work for pay, they rationally chose an education that helped PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA in household production and no doubt also in the marriage market” (Becker, 1994: 18-19). Isso teria mudado radicalmente desde então. O impressionante aumento da participação de mulheres casadas no mercado de trabalho foi a mais importante mudança na mão-de-obra americana recente. As a result, the value to women of market skills has increased enormously, and they are shunning traditional ‘women's fields’ to enter accounting, law, medicine, engineering, and other subjects that pay well. Indeed, women now comprise onethird or so of enrollments in law, business, and medical schools, and many home economics departments have either shut down or are emphasizing the ‘new home economics’, which is a true branch of economics” (Becker, 1994: 19). A influência do ambiente familiar é praticamente um consenso. Sua influência sobre o conhecimento, a habilidade, a saúde e o comportamento dos filhos é indiscutível. Isto nos levaria a crer que deveria haver uma forte correlação entre os rendimentos e a educação de pais e filhos. No entanto, essa relação não é tão forte no que se refere aos rendimentos, mas mantém-se importante na relação de anos de estudo. “For example, if fathers earn 20 percent above the mean of their generation, sons at similar ages tend to earn about 8-10 percent above the mean of theirs. Similar relations hold in Western European countries, Japan, Taiwan, and many other places.” (Becker, 2012a: 5). De acordo com Becker, foi o aumento da produtividade da força de trabalho e dos meios de produção que se seguiu ao avanço da ciência e da tecnologia nos séculos XIX e XX o principal fator de elevação da renda per capita 34 em diversos países. Esse aumento de produtividade “greatly enhances the value of education, technical schooling, on-the-job training, and other human capital” (Becker, 2012a: 4). Seria vital para os interesses de países como o nosso o investimento no capital humano, porque essas novas tecnologias teriam pouca influência nos países que tivessem poucos trabalhadores qualificados para usá-las: New technological advances clearly are of little value to countries that have very few skilled workers who know how to use them. Economic growth closely depends on the synergies between new knowledge and human capital, which is why large increases in education and training have accompanied major advances in technological knowledge in all countries that have achieved significant economic growth (Becker, 2012a: 4). Há varias formas de se investir no capital humano. Estudo, treinamento no trabalho, cuidados com a saúde e a busca de informações sobre a economia são exemplos de algumas delas. Elas são diferentes tanto pelo que se precisa para PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA nelas investir quanto pelo retorno que esse investimento proporciona. Mas todas aumentam as habilidades físicas e mentais das pessoas e melhoram suas perspectivas de renda. O bem-estar das pessoas varia não somente entre famílias de um mesmo país como entre países distintos. Becker lembra que essas diferenças eram inicialmente atribuídas à diferença no capital físico acumulado. No entanto, it has become increasingly evident, however, from studies of income growth that factors other than physical resources play a larger role than formerly believed, thus focusing attention on less tangible resources, like the knowledge possessed. A concern with investment in human capital, therefore, ties in closely with the new emphasis on intangible resources and may be useful in attempts to understand the inequality in income among people (Becker, 2012b: 9). Em uma tentativa de elaborar um quadro em que fosse possível preparar uma análise global do que seria o investimento em capital humano, Becker, em Investment in human capital: a theoretical analysis, publicado em 1962, enumera uma série de fenômenos empíricos que vinham sendo alvo de estudos acerca do capital humano e conclui que os rendimentos aumentam com a idade a uma taxa decrescente. Essas taxas estão diretamente correlacionadas com o grau de conhecimento; as taxas de desemprego são inversamente proporcionais ao grau de conhecimento; as pessoas mais jovens trocam de emprego mais frequentemente que as mais velhas e recebem mais estudos e treinamento no trabalho que estas; pessoas mais habilidosas recebem mais educação e treinamento do que as outras. 35 Segundo Becker, a maior parte dos retornos obtidos pelo investimento em capital humano é sentida com o passar dos anos, porque no caso dos jovens há que deduzir os custos desses investimentos. O conceito de capital humano teria uma importância relativa maior em países com excedente de mão-de-obra. Esse excesso de mão-de-obra poderia ser transformado em capital humano através de investimentos em educação e saúde, e o processo que transforma uma mão-de-obra despreparada em recurso humano produtivo, através de investimentos em educação e saúde, é o processo de formação do capital humano. A educação é um fator importante para o crescimento econômico e é um aspecto chave para o desenvolvimento de qualquer sociedade. É um bem com valor econômico, uma vez que não se obtém com facilidade. A Teoria do Capital PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA Humano nos mostra que é um bem tanto de capital como de consumo, porque proporciona satisfação ao consumidor e serve para desenvolver os recursos humanos necessários para as transformações econômicas e sociais de uma sociedade. Essa teoria enfatiza que o desenvolvimento de habilidades é fundamental para o aumento da produtividade e do nível de bem-estar dessas sociedades. Estaria também diretamente associado à possibilidade de aceleração da mobilidade social, da diminuição da pobreza, e também como agente propiciador da redução da desigualdade de renda no mercado de trabalho. Há hoje uma crença generalizada de que expandir as oportunidades de educação promove o crescimento econômico e diminui a desigualdade. Em suma, a Teoria do Capital Humano está apoiada no pressuposto de que a educação formal é necessária para aumentar a capacidade de produção de uma população: uma população educada é uma população produtiva, com um nível maior de bemestar social propiciado pela diminuição da pobreza e das desigualdades. 1.4. Educação, capital humano e o pensamento social brasileiro Cientistas Sociais brasileiros, preocupados com os nossos problemas com a educação e a produção de conhecimento, têm pesquisado e comentado as nossas 36 carências na área da educação, e não somente no ensino básico. Eugênio Gudin 9, em Para um Brasil melhor, já se preocupava com a qualidade da educação como fator de desenvolvimento e redução de desigualdade. “[...] é na Educação (antes, na falta dela) que se encontra a explicação do paradoxo da pobreza persistente no meio da abundância” (Gudin, 1969: 259). Chama atenção ainda para a ideia de que “a contribuição do ‘capital humano’ (preparo científico, técnicas, invenções) é mais importante de que a do ‘capital tangível’ (usinas, maquinarias), está destinado a ter ‘vasta orientação sobre a orientação governamental’” (Gudin, 1969: 259). Para Gudin, a remoção da ignorância apresentava dois grandes PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA entraves para entrar na agenda das políticas sociais: o primeiro é que suas realizações não têm sobre a imaginação popular o efeito e o impacto que caracterizam as grandes obras. Escolas, ginásios, escolas técnicas, universidades, não dão lugar a inaugurações sensacionais e retumbantes como um palácio ou uma avenida. O segundo é que a Educação é um investimento de prazo longo, cujos resultados só aparecem na geração seguinte, quando aqueles que o promoveram já não podem, as mais das vezes, receber os prêmios ou os aplausos do reconhecimento popular (Gudin, 1969: 259). José Pastore e Nelson do Valle Silva, em Mobilidade social no Brasil, fazem um estudo da mobilidade social dos homens, chefes de família entre 20 e 64 anos de idade, no país de 1973 e 1996, tendo como base de dados as respectivas PNADs. Os dados permitem visualizar a evolução da estrutura social brasileira praticamente ao longo de todo o século XX, uma vez que foi analisada, em 1973 e 1996, a posição de pais e filhos. Vemos que, em 1996, as pessoas estavam, em média, ocupando posições de status mais altas e melhores do que as posições que seus pais e as pessoas em geral ocupavam em 1973. Na avaliação feita em 1973 foi constatado que: o grosso da mobilidade ascendente foi na base da pirâmide social, mesmo porque uma grande parte dos pais era de origem rural, desfrutando de um status social muito baixo, a partir do qual toda e qualquer movimentação dos filhos representaria ascensão social (Pastore; do Valle Silva, 2000: 3). A educação é vista como tendo forte correlação com a mobilidade social nos estudos feitos pelos autores: 9 Eugênio Gudin (1886-1986) nasceu e morreu em no Rio de Janeiro. Formou-se em Engenharia pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Em 1944, foi escolhido delegado brasileiro à Conferência Monetária Internacional realizada em Bretton Woods, que decidiu pela criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD). Entre 1951 e 1955, representou o governo brasileiro junto ao FMI e ao BIRD. Ministro da Fazenda do governo Café Filho entre agosto de 1954 e abril de 1955. 37 o avanço da educação está muito aquém do que é exigido pela revolução tecnológica e pela globalização da economia. Mas, o progresso educacional foi expressivo no período de 1970-98, constituindo-se em um elemento importante da manutenção e até da pequena elevação da mobilidade social no Brasil. Os dados apresentados nos próximos capítulos indicam ainda uma forte relação entre a melhoria educacional e o aumento da mobilidade circular, que é própria de ambientes mais competitivos. [...] Os capítulos que seguem mostrarão, para os dados de 1996, o que já havia sido registrado para os dados de 1973: a educação e o status ocupacional do pai continuam como fatores importantes na determinação do status ocupacional do filho. Nos dados de 1996, porém, a educação do próprio filho transformou-se, para uma grande parcela da população, no capital mais fundamental para a realização de ascensão social (Pastore; do Valle Silva, 2000: 12-13). Os autores chamam atenção para o fato de que a entrada precoce no mercado de trabalho prejudica o aprendizado quando comparado com as nações desenvolvidas. Para os autores, a precocidade de entrada no mercado de trabalho PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA terá de ser combatida com uma maior duração do período escolar. Os estudos sobre mobilidade social realizados nas sociedades desenvolvidas consideram o status socioeconômico de entrada no mercado de trabalho como um dos principais determinantes da carreira ocupacional do indivíduo. Nelas, as pessoas primeiro se formam na escola, e depois começam a trabalhar - embora cresça o número de trabalhadores que voltam à escola para passar por reciclagens ao longo da vida. [...] No Brasil, sempre foi grande o número de pessoas que assumem um papel ativo na força de trabalho familiar antes dos 14 anos. Para a maioria da população, inexiste a passagem marcante da fase de estudos para a fase de trabalho (Pastore; do Valle Silva, 2000: 35). Para atender à necessidade de competir no mercado de trabalho deveremos ter uma educação de melhor qualidade, uma vez que a educação é a correlação mais importante na mobilidade social: a educação é o mais importante determinante das trajetórias sociais futuras dos brasileiros, importância que vem crescendo ao longo do tempo. Não é exagero dizer que a educação constitui o determinante central e decisivo do posicionamento socioeconômico das pessoas na hierarquia social. Por sua vez, um dos principais problemas estruturais da sociedade brasileira é o baixo nível educacional da população (Pastore; do Valle Silva, 2000: 40). Elisa Reis, em A desigualdade na visão das elites e do povo brasileiro, ao analisar os dados obtidos em um survey nacional sobre o tema abordado em 2001 pelo Instituto Virtual, conclui que a “elite considera problemática a questão social no país” (Reis, 2004: 47), e que a necessidade de se melhorar os níveis educacionais aparece em primeiro lugar, com 23% dos entrevistados, entre os principais objetivos nacionais a médio prazo, segundo as elites (Reis, 2004: 47). “As elites apostam na educação como recurso privilegiado para se assegurar 38 igualdade de oportunidades, que é claramente a maneira como elas definem igualdade” (Reis, 2004: 48). Em Educação: a nova geração de reformas, Simon Schwartzman 10 enfatiza o fato de que a educação tem sido considerada, por fazer parte do capital humano, um elemento que permite impulsionar a produtividade, reduzir a desigualdade e fortalecer os laços sociais, criando um ambiente propício ao PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA mercado: a educação tem sido apresentada, na América Latina como em outras partes, como o principal instrumento para solucionar os problemas de pobreza, desigualdade e falta de oportunidade que afetam os segmentos mais pobres da região. Primeiro, acredita-se que a educação, como capital humano, aumenta a produtividade e gera riqueza. Depois, a ampliação do acesso à educação daria mais oportunidades a todos, reduzindo a desigualdade social. Terceiro, ao difundir os valores de convivência social e comportamento ético, a educação fortaleceria o capital social, gerando mais confiança, honestidade e credibilidade nas transações econômicas, fortalecendo os mercados e criando um ambiente mais favorável para os investimentos. Mais recentemente, a necessidade de aumentar e melhorar a educação em todos os níveis tem sido apontada como a condição para que os países possam participar de forma adequada dos benefícios da nova “sociedade do conhecimento”. A esta convicção dos especialistas a respeito dos benefícios da educação para a economia e a sociedade devemos acrescentar a crença comum entre a população sobre benefícios privados que ela pode trazer, em termos de renda, emprego e prestígio social (Schwartzman, 2004: 481). Preocupado com a demora na chegada dos benefícios de uma educação de qualidade à população mais atingida pela pobreza e pela desigualdade nos rendimentos de trabalho, comenta: o Brasil já passou do tempo das reformas educacionais de primeira geração, em que tudo se resumia a tratar de conseguir “mais” de tudo – escolas, prédios, professores, equipamentos e, sobretudo, dinheiro. Estamos vivendo os problemas de segunda geração, que requerem uma avaliação cuidadosa das prioridades dos investimentos que já existem; e estamos iniciando a etapa mais decisiva e fundamental, as reformas de terceira geração, que exigem um reexame profundo dos pressupostos culturais, institucionais e pedagógicos que presidem o funcionamento de nossas instituições de ensino. A desigualdade na educação, como mostram os estudos socioeconômicos, é o fator mais fortemente associado à desigualdade de renda; mas os resultados da educação, como mostram os estudos educacionais, são quase que totalmente determinados pelas condições sociais prévias dos estudantes e suas famílias. Este círculo vicioso não pode ser quebrado, simplesmente, por maiores investimentos em educação, reforma nas escolas, e nem por campanhas educacionais de um ou outro tipo, além da melhoria na educação, são necessárias políticas que afetem diretamente os 10 Simon Schwartzman (1939- ) sociólogo, PhD em Ciência Política pela Universidade da Califórnia, Berkeley. Atual presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade no Rio de Janeiro. 39 mecanismos de apropriação e distribuição de renda. Colocar na educação a responsabilidade pela eliminação da pobreza e das desigualdades sociais é uma maneira de não enfrentar, ou postergar, as políticas sociais e econômicas que possam ter efeito direto sobre estas questões. Uma combinação adequada de políticas sociais bem focalizadas, e políticas educacionais de qualidade, no entanto, pode fazer toda a diferença (Schwartzman, 2004: 501-502). Elizabeth Balbachevsky 11 comenta em Nova geração de política em ciência, tecnologia e inovação: Seminário internacional, a importância de o Brasil investir recursos objetivando o aumento do conhecimento: na atualidade, caminha-se para uma percepção convergente em nível internacional de que a competitividade de qualquer nação depende de sua capacidade de produzir e utilizar novos conhecimentos. Por isso, a maioria dos países investe recursos públicos e privados em programas e atividades que buscam produzir novos conhecimentos e gerar inovação (Balbachevsky, 2010: 7). Acontece que as decisões de quanto e onde investir não estão apoiadas em PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA uma base suficiente de dados: pouco se tem conhecimento de quanto é necessário investir e em quais fatores para aumentar as chances de ocorrência de inovação, dada a falta de evidência empírica sobre tais processos. O resultado é a baixa capacidade de identificar e efetivamente prever como os investimentos em produção de conhecimento e de geração de inovação podem afetar a competitividade das nações e o bem-estar de sua população (Balbachevsky, 2010: 7). Objetivando preencher esta lacuna, Balbachevsky informa que Centro de Gestão e Estudos Estratégicos decidiu lançar um estudo-piloto com a intenção de: 1) entender os contextos, as estruturas e os processos da pesquisa cientifica e tecnológica; 2) desenvolver modelos explicativos sobre a transformação de conhecimento em resultados econômicos e sociais; 3) desenvolver, melhorar e expandir modelos e ferramentas analíticas, incluindo base de dados, que possam ser aplicadas em processos decisórios e de avaliação de política científica e de inovação; 4) criar oportunidades de formação de especialistas que tenham como foco a ciência para política científica e da inovação (Balbachevsky, 2010: 7). Samuel de Abreu Pessôa 12 defende que o aumento de expectativa de vida estimula o investimento em educação, o que criaria um círculo virtuoso para o desenvolvimento: o mundo vai melhorando aos pouquinhos. Você vai tendo progresso tecnológico, você vai aprendendo a se alimentar um pouquinho melhor. Um pouquinho melhor de saúde. Então a expectativa de vida vai subindo. Conforme a expectativa de 11 Elizabeth Balbachevsky é doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Samuel de Abreu Pessôa é professor da Pós-Graduação em Economia da Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro, chefe do Centro de Crescimento Econômico do Instituto Brasileiro de Economia e editor da revista “Pesquisa e Planejamento Econômico”. É doutor em economia pela Universidade de São Paulo, bacharel e mestre em física pela mesma universidade. 12 40 vida sobe, a taxa de retorno de se educar aumenta. Porque você vai ter mais tempo para usar o que você acumulou. E aí você gerou um incentivo privado pra aumentar muito o investimento em educação (Pessôa, 2013). Pessôa e Barbosa Filho, em Metas de educação para a próxima década, comentam que apesar de termos 96% das crianças entre 4 e 15 anos matriculados no ensino fundamental, a qualidade da educação no Brasil ainda é um grande desafio e sua melhora pode demorar gerações: o aprimoramento da qualidade educacional é um problema a ser atacado em diferentes frentes, e sua solução leva mais de uma geração. A escolaridade da mãe é importante no aprendizado, porém mais importante é a escolaridade média das mães dos alunos de uma escola. Isso significa que um dos caminhos para melhorar a qualidade da educação passa por educar toda uma geração, para colher resultados melhores na geração seguinte, quando os filhos conviverem com mães com grau de escolaridade mais elevado (Pessôa & Barbosa Filho, 2011:201). O debate sobre a educação no pensamento social brasileiro vem de longe e PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA recebeu inúmeras reflexões. Neste momento, pretendemos investigar uma das contribuições mais relevantes produzidas no país, e que embora tenha sido criticada ou mesmo ignorada quando foi apresentada, produz desdobramentos expressivos até os dias atuais. Na década de 1970, o trabalho pioneiro de Carlos Geraldo Langoni 13 lançou raízes para que, décadas mais tarde, pontos importantes da Teoria do Capital Humano agissem na formação de um conjunto de pesquisadores brasileiros que, por sua vez, progressivamente passassem a influenciar a formulação de algumas das principais políticas sociais no Brasil. 13 Carlos Geraldo Langoni (1944- ) graduou-se em Economia na Universidade Federal do Rio de Janeiro e possui PhD em Economia pela Universidade de Chicago. Foi membro do Conselho Monetário Nacional e presidente do Banco Central do Brasil de 1983 a 1985. Diretor do Centro de Economia Mundial da FGV-Rio. 2. Carlos Langoni e seu pioneirismo Neste capitulo discutiremos as ideias de Carlos Geraldo Langoni apresentadas no livro Distribuição de renda e desenvolvimento econômico do Brasil. Publicação considerada por muitos como um dos trabalhos pioneiros e inovadores no debate sobre a desigualdade de renda no Brasil, a partir da perspectiva da Teoria do Capital Humano. 2.1. A educação básica como fator explicativo para a desigualdade de renda Destacados pensadores brasileiros estudaram a Teoria do Capital Humano e elaboraram estudos acerca de sua relevância para a nossa sociedade. Carlos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA Langoni defende que, na economia, tem especial importância a qualidade do capital humano. A industrialização brasileira teria sido apoiada no capital físico, razão esta que teria sido uma das principais do nosso atraso no combate à pobreza e à desigualdade. Em seu livro Distribuição de renda e desenvolvimento econômico do Brasil, publicado em 1973, Langoni demonstra a importância da educação básica como elemento fundamental para a redução da pobreza no Brasil. Langoni contribuiu para introduzir a Teoria do Capital Humano no Brasil ao apresentar um trabalho pioneiro relacionando educação e desigualdade de renda no contexto brasileiro. E isso em uma época em que as tensões vividas no Brasil, em função da ditadura, obscureciam a discussão acadêmica. Como vimos anteriormente, Eugênio Gudin já se mostrava, na década de 1960, preocupado com a falta de uma educação de qualidade para o nosso crescimento. Marcelo Côrtes Neri 14 lamenta que, na década de 1970, e pelas circunstâncias históricas da época, as ideias contidas no livro de Langoni não tenham recebido o reconhecimento merecido, apesar de considerar que “este trabalho de Langoni é, sem dúvida, o pai da moderna literatura brasileira sobre desigualdade de renda no país” (Neri, 2005: 11): 14 Marcelo Côrtes Neri (1964- ) é mestre e bacharel em economia pela PUC-Rio e PhD em Economia pela Universidade de Princeton. Atualmente é ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. 42 toda a moderna teoria do crescimento econômico e a pesquisa empírica associada têm nos convencido da importância da escola na vida das nações. No aspecto distributivo tivemos há tempos a oportunidade de aprender sobre a importância da educação na vida dos brasileiros quando do lançamento da primeira edição deste livro seminal, em 1973. A oportunidade parecia não ter sido plenamente aproveitada na época. A expressão “capital humano”, tal como a palavra “focalização” hoje, era vista por muitos como palavrão (Neri, 2005: 11). Para Ricardo Paes e Barros 15 , conforme citado por Cariello, Carlos Langoni foi o inspirador de seus trabalhos e estudos sobre desigualdade: a ideia dele é 99% do meu trabalho, afirmou Paes de Barros. Eu quero saber se a educação é importante? Eu volto nos microdados. Eu tenho a pesquisa da PNAD. Eu quero saber, digamos, qual seria a desigualdade no Brasil se não existissem analfabetos funcionais. Volto na PNAD. Você é analfabeto funcional? Sou. Hoje vai deixar de ser! Vou te dar cinco anos de estudo. Mas aí a sua renda vai mudar. Para quanto? Vamos pegar pessoas que tenham tudo igual a você, idade, sexo, cor, mas com cinco anos a mais de estudo, e vamos achar esse cara na PNAD. Constrói uma nova PNAD, sem analfabetos funcionais, e diz qual seria o novo Gini (Cariello, 2012: 34). PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA Para José Márcio Camargo 16, Langoni é a referência quando se estuda, no Brasil, a Teoria do Capital Humano. Camargo salienta que Langoni teria conseguido demonstrar que importante parcela das causas da nossa desigualdade de renda deveria ser atribuída à nossa estrutura de capital humano: o Langoni foi o primeiro brasileiro, que eu me lembre, que utilizou essa teoria para explicar a mudança de desigualdade no Brasil, na década de 60. Ele pegou os dados do Delfim 17, deu a ele acesso aos dados do FINEP, deu a ele acesso aos dados do Imposto de Renda, e com esses dados do imposto de renda ele conseguiu calcular a taxa de retorno-educação para diferentes níveis de renda, etc., e conseguiu mostrar que uma grande parte da desigualdade de renda no Brasil se devia a uma desigualdade da estrutura de capital humano. Então, sem dúvida, o Langoni é a referência no que se refere a essa questão de capital humano no Brasil (Camargo, 2013). Samuel Pessôa também relata a influência que o então contexto político teve quando do lançamento do livro de Langoni. E considera que, atualmente, a 15 Ricardo Paes de Barros (1954- ) nasceu no Rio de Janeiro. Possui graduação em Engenharia Eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (1977), mestrado em Matemática pelo Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (1982), doutorado em Economia pela University of Chicago (1987), pós-doutorado pela University of Chicago (1988) e pós-doutorado pela Yale University (1989). Atualmente é Subsecretário da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. 16 José Márcio Camargo é bacharel em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais e PhD em Economia pelo Massachusetts Institute of Technology. Professor Titular da PUC-Rio. 17 Antônio Delfim Netto (1928-...) economista e Professor Emérito da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo. Foi Secretário da Fazenda do Estado de São Paulo, Ministro da Fazenda de 1967 a 1974, Ministro da Agricultura de 1978 a 1979, Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão de 1979 a 1985, e deputado federal de 1987 a 2007. 43 grande maioria da sociedade não mais discute que o capital humano é de grande importância tanto para a melhoria da produtividade quanto para a diminuição da desigualdade: na verdade, aquela discussão lá dos anos 60 foi muito misturada com uma questão política. Assim, tinha uma ditadura e aí o livro do Langoni foi apoiado pelo Delfim, que era ministro da Fazenda. Então você tinha todo um componente ideológico que, bem ou mal, permeou a discussão, não há a menor dúvida. Uma vez passada a discussão, uma vez entrado num momento menos ditatorial, com o fim da ditadura a minha avaliação é que a Teoria do Capital Humano meio que dominou o debate. Hoje acho que pouca gente discute a importância do capital humano, tanto para a produtividade quanto pra desigualdade. Pouca gente, hoje, discute o fato de que a má distribuição de capital humano é um dos fatores importantes pra gerar desigualdade em qualquer lugar do mundo, não só no Brasil (Pessôa, 2013). Neste ponto começarei a discutir o livro de Langoni, intitulado Distribuição de renda e desenvolvimento econômico do Brasil, publicado em 1973. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA Langoni informa que os objetivos dos seus estudos apresentados eram estudar as variações de renda entre 1960 e 1970 e procurar encontrar as causas destas variações: os objetivos básicos deste trabalho são, em primeiro lugar, estimar a magnitude e as características das mudanças nos perfis de renda entre 1960 e 1970, não apenas para o total do Brasil, mas também separadamente por regiões e por setores. Em seguida, tentar explicar as causas para as mudanças observadas durante a década. A partir desta análise estabelecer o vínculo teórico e empírico entre desenvolvimento econômico e distribuição. E, por último, definir, em linhas gerais, políticas econômicas voltadas à eliminação de distorções identificadas ao longo da pesquisa (Langoni, 2005: 16). O autor considera desconcertante a constatação de que o aumento do grau de desigualdade foi em grande parte causado pela melhor qualificação educacional da força de trabalho, fato que ele atribui ao ambiente de rápido crescimento econômico e com renda per capita baixa: uma das lições mais importantes desta pesquisa é de que existe um conjunto de forças trabalhando no sentido de aumentar o grau de desigualdade numa economia em que o nível de renda per capita é ainda relativamente baixo, mas as taxas de crescimento são extremamente altas. A identificação destas forças torna, porém, falaciosa a tentativa de atribuir a este aumento de concentração qualquer conotação de piora ou redução de bem-estar. É desconcertante, por exemplo, verificar que uma fração substancial do acréscimo de desigualdade observado durante o período está associada à melhoria educacional da força de trabalho, à transferência de mão-de-obra do setor primário para o urbano e a uma maior participação de jovens e mulheres no mercado de trabalho. Estas, entretanto, são mudanças qualitativas clássicas que em geral acompanham o processo de 44 desenvolvimento econômico. Outros resultados deixam ainda mais evidente o paradoxo implícito na associação distribuição de renda – bem-estar: o grau de desigualdade é bem menor no setor primário relativamente ao urbano; entre analfabetos relativamente aos indivíduos com ginásio ou colegial; entre indivíduos com menos de 20 anos relativamente aos grupos de idade mais avançada; nos setores tradicionais da indústria (por exemplo, construção civil) relativamente aos setores modernos (por exemplo, indústria automobilística) (Langoni, 2005: 15). Langoni aponta ainda algumas limitações empíricas que podem ter efeito sobre as estimativas feitas e que podem, potencialmente, influir no cálculo da PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA desigualdade de rendas: em primeiro lugar, existe um grupo de fatores cuja exclusão contribui inequivocamente para um aumento artificial do grau de desigualdade: são eles o autoconsumo no setor agrícola, as transferências de renda na unidade familiar, o uso de renda corrente, as diferenças regionais de custo de vida, e a inclusão de elementos que trabalham voluntariamente em tempo parcial. Entre estes, pelo menos a exclusão do autoconsumo, além de aumentar o grau de desigualdade, o faz, certamente, através da subestimação das rendas dos grupos relativamente mais pobres da população. Existe outro grupo cujo efeito líquido, apesar da maior dificuldade de avaliação, é possivelmente inverso, isto é, o de subestimar o grau de desigualdade. Neste caso estão incluídas a renda implícita dos proprietários de imóveis e as rendas não contratuais. O efeito líquido de sua contabilização (principalmente do primeiro componente) seria o de aumentar o grau de desigualdade através da elevação dos níveis de renda dos grupos relativamente mais ricos da população. Por último, teríamos aqueles fatores para os quais é praticamente impossível fazer uma previsão mais ou menos segura de seu efeito distributivo. É o caso da inclusão dos impostos diretos e indiretos, e a exclusão dos serviços do Governo e do “lazer” das medidas convencionais de renda (Langoni, 2005: 38). Apesar destas limitações, Langoni explica que as variáveis por ele consideradas e que têm impacto na distribuição de renda são estruturais, uma vez que as informações de distribuição de renda disponíveis correspondem apenas aos dados dos censos de 1960 e 1970, não conseguindo o autor informações referentes ao ritmo da distribuição neste intervalo de tempo. O importante, porém, é que o nosso interesse principal é a análise das mudanças nos perfis de renda entre 1960 e 1970. E para isto os dados censitários são estritamente comparáveis, até mesmo nos seus erros. Em resumo, como procuramos chamar a atenção, existem limitações nos dados censitários, mas dificilmente as distorções observadas são de tal magnitude que alterem as conclusões básicas que serão extraídas neste trabalho (Langoni, 2005: 38). Nas atividades com maior incorporação das modernas tecnologias, a mãode-obra é relativamente menos disponível à medida que aumenta seu grau de qualificação. Como consequência, teremos aumentos diferenciados nos salários. As empresas dos setores mais modernos terão diferenças de produtividade e de 45 lucros em relação às tradicionais. Essas diferenças vão acarretar um aumento de desigualdade nos rendimentos dos empregados, dependendo da tecnologia em uso. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA Isto pode ser melhor observado pela desagregação do total da indústria em cinco subsetores. Destes cinco, três são indústrias caracteristicamente tradicionais: alimentação, construção civil e têxtil. As outras duas são exemplos de indústria moderna: mecânica, material elétrico e eletrônica e construção de veículos. O adjetivo “tradicional” e “moderno” pode parecer vago. Na verdade eles caracterizam, de um lado, diferentes estágios de industrialização e ao mesmo tempo características bem diversas na função de produção, proporção de fatores utilizados e natureza do progresso tecnológico. Assim as indústrias tradicionais são, em geral, as primeiras a se instalar por exigir uma tecnologia pouco sofisticada não só poupadoras de capital (capital saving) mas também poupadoras de mão-de-obra qualificada (skill saving), maximizando o uso daqueles fatores que são relativamente mais abundantes. São também indústrias com um maior grau de competição e onde a taxa de crescimento do índice de produtividade total é relativamente pequena. Já as indústrias modernas têm características oligopolistas e apresentam em geral taxas elevadas de crescimento do índice de produtividade (Langoni, 2005: 46). No entanto, Langoni chama atenção para o fato de que o crescimento econômico traz, apesar da desigualdade, um aumento no bem-estar, pela criação de riquezas: estes resultados deixam claro o pouco significado que um índice de concentração pode ter como indicador de bem-estar. Ao passarmos da indústria de construção civil para a indústria automobilística, a variância dos logs aumenta em 100%. No entanto, o nível de salário médio praticamente dobra. É difícil acreditar que um trabalhador na indústria automobilística esteja “pior” do que aqueles na construção civil. Ao mesmo tempo eles sugerem que o aumento de desigualdade é uma consequência inevitável do processo de desenvolvimento. Neste caso específico o aumento de concentração reflete a sofisticação da força de trabalho na indústria automobilística vis-à-vis construção civil. Na primeira há uma maior diferenciação não só vertical (nível de educação) mas também horizontal (posição na ocupação): esta diferenciação de produtividade é refletida no mercado por uma diferenciação de salários que por sua vez toma a forma de um aumento de desigualdade (Langoni, 2005: 46-47). As importantes taxas de crescimento obtidas na década de 1960 teriam, para Langoni, que trazer mudanças qualitativas em nossa economia: apesar de não ter sido um processo contínuo, a economia brasileira cresceu substancialmente na década de 1960. De acordo com nossas estimativas, a renda média da população economicamente ativa aumentou cerca de 37% cumulativamente entre 1960 e 1970, aproximando-se bastante da estimativa do crescimento do produto real per capita (35%) com base nas Contas Nacionais. Outros indicadores apontam na mesma direção: a taxa média (instantânea) de crescimento do produto real foi de 5,8% ao ano, sendo bem mais elevada para a indústria (6,7%) do que para a agricultura (4,2%). O comportamento, ao longo do período, foi bastante irregular, com pelo menos três anos de taxas negativas ou 46 nulas de crescimento da renda per capita (63/64 e 65) e valores extremamente elevados no início e no final da década: 7,2% em 1961 e 6,4% em 1970. Como é logico antecipar, um processo de desenvolvimento desta magnitude acarretou mudanças qualitativas importantes na economia brasileira, através das quais é possível ter-se uma ideia mais precisa dos seus efeitos redistributivos (Langoni, 2005: 65-66). Procurando as causas do aumento da desigualdade ao longo da década estudada, Langoni analisa os efeitos do salário mínimo nesse período, lembrando PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA as circunstâncias inflacionárias que antecederam a contenção salarial: na verdade as primeiras análises do aumento de desigualdade, precipitadamente tentaram atribuir a uma das facetas deste último período – a política salarial – a responsabilidade maior por tudo aquilo que aconteceu ao longo da década. É lógico que do ponto de vista metodológico nós necessitaríamos de séries anuais para corretamente medir a contribuição de cada uma dessas componentes. Entretanto é importante reconhecer que o salário mínimo já vem declinando em termos reais desde 1961 e que a política de contenção salarial posta em execução, principalmente em 1965 e 1966, era um apêndice da política antiinflacionária, procurando corrigir uma situação anormalíssima de taxas de inflação de ordem de 100%. As consequências negativas de curto prazo foram compensadas pelos benefícios da retomada do crescimento a partir de 1966. A maior evidência de que isto é verdade é a própria comparação dos perfis de renda entre 1960 e 1970. Lá ficou claro que todos os grupos tiveram ganhos substanciais de renda real, mesmo aqueles cuja renda está próxima ao salário mínimo legal. Este resultado, em face do grande declínio, observado no salário mínimo real entre 1960 e 1970, só pode ser atribuído ao deslocamento dos indivíduos ao longo do espectro de renda. Este deslocamento foi propiciado justamente pela fase de aceleração de crescimento que caracterizou o período 1966/1970 (Langoni, 2005: 66). Langoni segue sua análise explicando que, uma vez que constatou o aumento de desigualdade na distribuição de renda, faz-se necessário pesquisar suas causas. E, para isso, estuda os efeitos redistributivos de mudanças estruturais que aconteceram na década. Mais importante, antecipa a relevância da variável educação: a análise dos efeitos redistributivos das mudanças ocorridas na composição educacional da força de trabalho merece especial atenção, porque, como ficará claro mais adiante, educação é a variável mais importante para explicar simultaneamente as diferenças individuais de renda em 1960 e 1970, bem como o aumento de concentração observado durante o período (Langoni, 2005: 79). São analisados os efeitos distributivos das alterações que aconteceram tanto na composição setorial, quanto na regional e de qualidade da mão-de-obra. E Langoni enfatiza que as mudanças estruturais, apesar de trazerem um aumento de desigualdade na distribuição de renda, não causam a piora do bem-estar, que se beneficia de uma melhoria na educação. 47 A análise anterior chama a atenção para o impacto e seus resultados, que as mudanças na composição educacional, etária e entre sexos, bem como a alocação setorial e regional, podem ter sobre a distribuição de renda ao longo do tempo. A conclusão mais importante é de que as mudanças clássicas, que acompanham o processo de desenvolvimento econômico, levam a um aumento nos índices agregados de concentração sem que seja possível atribuir-lhes qualquer sentido de deterioramento de bem-estar: este é o caso típico do fluxo de mão-de-obra que deixa regiões e setores cuja renda real é relativamente mais baixa; da entrada no mercado de trabalho de jovens e mulheres; e, principalmente, da melhoria ou ascensão educacional da força de trabalho, existente e em formação (Langoni, 2005: 86). A Teoria do Capital Humano é invocada por Langoni para continuar sua pesquisa sobre as causas das mudanças na distribuição de renda entre 1960 e 1970, inclusive fazendo referência à obra Human Capital, de Gary Becker PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA (Langoni, 2005: 87). A relação entre nível de educação e remuneração do trabalho é justificada a priori pela teoria do capital humano. Os investimentos em educação resultam em acréscimos de produtividade, cuja contrapartida no mercado são ganhos de salário real e que se constituem justamente nos benefícios (privados) destes investimentos. A variável idade também pode ser justificada pela teoria do capital humano na medida em que ela é uma boa proxy para experiência: estaria ela captando desta forma o aumento de produtividade associado ao aprendizado no próprio trabalho; refletiria também, pelo maior acesso a informações, a exploração dos diferenciais de produtividade existentes no mercado (Langoni, 2005: 87-88). A importância que é dada, na teoria do Capital Humano, ao treinamento no trabalho é ressaltada por Langoni: como nossa medida de educação é extremamente pobre – anos de estudo de educação formal -, é bastante provável que uma parcela do acréscimo de salário, associada com os grupos de idade, esteja na verdade refletindo a substancial quantidade de treinamento não formal (na empresa ou em cursos de especialização) realizado pelos indivíduos. Em outras palavras, a medida “anos de estudo” não consegue captar as importantes diferenças de qualidade de ensino que existem para um mesmo nível de educação formal. Por outro lado, porque nossa medida está limitada à educação formal, isto é, na escola, deixamos de considerar o impacto do treinamento na empresa e em cursos de especialização como possíveis ajustamentos da qualificação do indivíduo às necessidades de mercado. Sob tais aspectos, a nossa variável educação subestima substancialmente a verdadeira medida em termos de conteúdo de qualificação, que é o que realmente importa para as diferenças observadas de remuneração do fator trabalho no mercado (Langoni, 2005: 88). Constatando que o crescimento econômico trouxe o aumento de desigualdade de renda pelo aumento relativo dos decis superiores, explica: 48 as mudanças ocorridas nas rendas relativas atribuídas à educação são nitidamente as mais importantes ao longo de todo o perfil da distribuição. De fato, do aumento total das desigualdades causado pelo efeito redistributivo puro, a contribuição de educação em nenhum decil foi inferior a 50%, chegando a explicar até 93% do total para os 5% superiores. A importância da educação para o aumento de desigualdade, mesmo considerando o efeito puro redistributivo, é consistente com a hipótese de que o desenvolvimento econômico brasileiro levou a uma expansão diferenciada da demanda de mão-de-obra que, devido à tecnologia utilizada, beneficiou desproporcionalmente os níveis de educação mais elevados. No extremo inferior a obsolescência de qualificações, causada pela direção do progresso tecnológico, mais do que compensou a queda na participação dos analfabetos, comprimindo os salários relativos (Langoni, 2005: 106). Langoni apoia-se nos estudos de Becker nos anos 1960 para afirmar: PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA a partir da última década, com a formalização por Becker da teoria do capital humano, que sugere uma relação causal inequívoca de educação, para renda via seu impacto sobre a produtividade, começou-se a acumular evidência empírica em diversos países, em diferentes estágios de desenvolvimento, acerca da substancial contribuição da educação para os diferenciais observados de renda (Langoni, 2005: 117). Comenta a distinção entre crescimento econômico motivado pela incorporação de fatores de produção que já eram encontrados na nossa economia e o crescimento econômico derivado da incorporação de fatores de produção que ainda não eram utilizados. Este segundo crescimento é derivado, principalmente, de investimentos em pesquisa e no capital humano. Finalmente, como o processo de desenvolvimento pode ser caracterizado pela transformação de setores tradicionais em setores modernos, a discussão anterior fornece uma explicação lógica para encontrarmos, na fase de transição (isto é, de crescimento acelerado), uma correlação positiva entre taxa de crescimento e desigualdade. Ao mesmo tempo, à medida que a taxa de crescimento assume valor mais estável com a economia já operando num nível de renda per capita mais elevada, as mesmas forças que atuaram, para provocar o aumento de desigualdade, irão contribuir para sua redução. Em particular, a estrutura qualitativa da força de trabalho deverá estar mais ajustada às características da demanda, bem como reduzidas as possibilidades de ganhos extraordinários pela utilização de novos fatores ou pela produção de novos produtos (Langoni, 2005: 166). O papel da educação seria o mais importante para explicar os altos níveis de desigualdade encontrados na década de 1960, mais que a inflação ou os contingenciamentos salariais. 49 A importância da educação ficou evidente não só para as diferenças observadas de renda em cada ano, mas também para o aumento de desigualdade durante o período. Os coeficientes desta variável (que representam acréscimos de renda associado a anos adicionais de estudo) são os de maior magnitude e de maior significância entre todas as variáveis incluídas na regressão. (Langoni, 2005: 182). Apesar de a educação, na análise geral, aparecer como o fator preponderante para a desigualdade de rendimentos, Langoni observa que sua influência é maior no setor urbano e nas regiões mais desenvolvidas: o impacto de educação é significativamente maior, quanto maior for a idade do grupo em questão, para as mulheres relativamente aos homens, no setor urbano relativamente ao primário, e nas regiões mais desenvolvidas em relação àquelas menos desenvolvidas (Langoni, 2005: 183). Já no setor primário, predominante nas áreas rurais, o acesso à propriedade é que seria o fator de maior importância para explicar a desigualdade de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA rendimentos: no setor terciário, a educação primária adiciona à renda dos analfabetos duas vezes e meia mais do que no setor primário. Em contraste, no setor primário, o fato do individuo ter acesso a propriedade lhe garante, em média, duas vezes e meia mais renda do que no terciário (Langoni, 2005: 184). A medida que Langoni defendia para a diminuição da desigualdade de rendimentos no setor rural era a reforma agrária. Deveria tratar-se, entretanto, de uma reforma agrária sem qualquer espécie de confisco parcial ou total porque esta alternativa: é pouco compatível com uma economia de mercado onde uma das forças básicas de estímulo à produção é justamente a possibilidade de apropriação dos benefícios associados a qualquer investimento. Qualquer tentativa de generalização dessas medidas levaria a um processo rápido de desinvestimento privado no setor agrícola, cujas consequências seriam fortemente regressivas: aumento no preço de produtos básicos de alimentação e, pelo menos na fase de transição, até mesmo aumento no nível de desemprego (Langoni, 2005: 199-200). Sua sugestão seria o pagamento parcial ou total em títulos da dívida pública, “o que implica alguma redistribuição direta de renda, uma vez que os proprietários são forçados a emprestar ao Governo” (Langoni, 2005: 200). Langoni comenta que apesar de a aceleração do crescimento trazer um aumento da desigualdade de rendas no trabalho, tem como consequência benigna a redução da pobreza. E este deveria ser o dilema o qual a sociedade deveria discutir, para a definição de suas políticas sociais: 50 uma das principais lições deste trabalho é mostrar que, no caso brasileiro, há necessidade de apurar-se qual deva ser realmente a preocupação da sociedade: se a desigualdade da distribuição per se ou o fato de que ainda existe uma porção considerável da população recebendo renda monetária inferior àquilo que poderíamos chamar de mínimo do ponto de vista social. No primeiro caso, o objetivo fundamental seria a igualdade de distribuição e, no segundo, a eliminação da pobreza. [...] Uma de nossas teses centrais é a de que a aceleração do crescimento fatalmente leva a um aumento no grau de concentração, em virtude do maior potencial para exploração de ganhos extras de renda, tanto por parte dos investimentos em capital humano, como dos investimentos em capital físico. Entretanto, parece haver pouca dúvida de que uma das consequências imediatas da aceleração do crescimento é a redução do nível de pobreza – independentemente de haver qualquer mudança qualitativa no fator trabalho – pela elevação do nível de emprego (Langoni, 2005: 187). Para Langoni, o combate à pobreza não deveria passar prioritariamente PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA pelas ações de ordem fiscal: há suficiente evidência empírica de que o potencial redistributivo, mesmo de sistemas fiscais altamente progressivos, é relativamente pequeno. A ênfase deverá ser, portanto, em políticas globais de desenvolvimento, tais como a política de investimentos em recursos humanos (Langoni, 2005: 188). Seria fundamental, para Langoni, que fossem definidas políticas com o objetivo de procurar extinguir a pobreza e diminuir a desigualdade: é importante, pois, traçar linhas mestras de políticas que estejam voltadas para o objetivo de redistribuir oportunidades, eliminar a pobreza e, simultaneamente, minimizar as possibilidades de ganhos extras de renda associados com desequilíbrios entre oferta e demanda, decorrentes da aceleração do crescimento (Langoni, 2005: 189). Considera importante uma maior alocação de recursos públicos para a universalização da educação básica, mesmo em detrimento do financiamento do ensino superior. No passado o comportamento do núcleo industrial em expansão foi tal que beneficiou substancialmente o pessoal com educação superior e isto teve impacto fortemente negativo sobre a distribuição da renda. Como há razoes suficientes para acreditar-se que o padrão de comportamento do núcleo industrial deva ser o mesmo na próxima década, [...] uma conclusão imediata é a de que a oferta de pessoal com educação superior terá que se expandir a uma taxa mais elevada e/ou a taxa de imposto sobre os grupos com este nível de qualificação terá que ser aumentada. [...] A alternativa, expansão da oferta de educação superior é, entretanto, conflitante com os objetivos de eficiência. Há evidência empírica de que a rentabilidade social dos investimentos em educação no Brasil é maior justamente nos níveis de educação mais baixos (alfabetização e primário). De acordo com nossas estimativas, em 1969 a taxa social de retorno dos investimentos em educação superior era de 12% em contraste com 32% observados para o primário (Langoni, 2005: 189). 51 E argumenta a favor da não expansão do ensino superior gratuito: PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA A expansão da educação superior gratuita é inviável financeiramente e inconsistente com os objetivos de equidade. Em primeiro lugar, como era de esperar-se de um bem que é oferecido a um preço nulo há um excesso crônico de demanda, que tem que ser corrigido por um racionamento que é altamente discriminatório contra os indivíduos de nível de renda mais baixo. Em segundo lugar, a educação superior gratuita não elimina, mesmo para aqueles que têm acesso, a discriminação contra os indivíduos mais pobres, devido a uma parcela substancial dos custos que, mesmo assim, não é coberta: há ainda o custo “puro” de oportunidades, isto é, a renda sacrificada por permanecer estudando alguns anos adicionais, em vez de comparecer diretamente ao mercado de trabalho. Não há razoes a priori para supor diferenças de magnitude nesta parcela de custo da educação entre estudantes ricos e pobres, desde que não haja diferenças sensíveis nas oportunidades de emprego para estes dois grupos a um nível alternativo de educação (no caso colegial). Isto é, supondo, como é razoável, que nos níveis mais elevados de educação a imperfeição causada pelo acesso diferenciado à informação sobre o mercado de trabalho seja pequena. O problema é causado pelo financiamento destes custos. Os estudantes ricos têm uma fonte segura de financiamento que são as transferências dentro da unidade familiar. Para os estudantes pobres, esta alternativa simplesmente não existe (Langoni, 2005: 190). Para Langoni, a transferência de recursos para os mais pobres seria fundamental, uma vez que o crescimento econômico, ao aumentar a renda per capita, aumentaria o custo de oportunidade de se entrar precocemente no mercado de trabalho. Langoni quer dizer que com o crescimento econômico existe um forte incentivo para as famílias pobres colocarem os filhos no mercado de trabalho, mesmo antes de concluírem os estudos, e assim aumentarem a renda familiar. O economista defendia algum tipo de política pública que incentivasse a permanência das crianças pobres na escola: esta transferência maior de recursos para a educação básica é crucial porque o próprio processo de desenvolvimento econômico, elevando a renda per capita, aumenta o valor do tempo e, consequentemente, a parcela dos custos de educação representada pelo custo puro de oportunidade. Como já chamamos a atenção por diversas vezes, isto afeta particularmente os indivíduos das classes mais pobres, atuando fortemente no sentido de desestimular sua permanência por anos adicionais na escola. É portanto fundamental, em termos de igualdade de oportunidades, caminhar para uma estrutura de ensino em que também esses custos sejam cobertos, através de bolsas para os indivíduos mais pobres (Langoni, 2005: 192). O trabalho de Langoni, um clássico da nossa literatura econômica, inspirou outros pensadores brasileiros a abraçar as ideias contidas na Teoria do Capital Humano e criou a base que fez com que um grupo de pensadores influenciados por esta Teoria conquistasse, a partir da década de 1990, visibilidade pela 52 qualidade dos seus argumentos, bem como posições de destaque nos governos, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA ajudando a definir nossas políticas sociais de combate à pobreza. 3. A Teoria do Capital Humano nos anos 1970 no Brasil Neste capítulo analisarei inicialmente o ambiente político e econômico no momento em que foi lançado o livro de Langoni. O forte crescimento econômico, mas com concentração de renda, caminhava ao lado de um endurecimento político do regime autoritário. O debate sobre o livro de Langoni mostrará a influência que teve sobre esse debate o ambiente da época em que o livro foi lançado. Em seguida será apresentada a visão de alguns economistas seguidores do pensamento de Langoni e da Teoria do Capital humano, a respeito das resistências enfrentadas quando do lançamento da publicação em foco. Finalmente, trarei argumentos de Celso Furtado 18 que expõem em boa medida a visão dos chamados economistas desenvolvimentistas sobre o conflito distributivo naquele período, procurando mostrar as razões para que esta perspectiva analítica fosse abraçada pela oposição PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA ao regime militar. 3.1. O contexto histórico quando do lançamento do livro de Langoni A distribuição da renda foi alvo de acirrados debates durante a década de 1970. As conclusões de Langoni sobre as causas da desigualdade na distribuição de renda foram contestadas ou ignoradas por pesquisadores que focavam seus estudos nos efeitos das políticas econômicas - ligadas aos salários dos governos militares sobre a renda. O governo Castelo Branco, o primeiro do regime autoritário, procurou combater a inflação e atrair capital estrangeiro. “Os castelistas acreditavam que os elementos politicamente mais vulneráveis de suas formulações econômicas eram o encorajamento ao capital estrangeiro e a luta contra a inflação” (Skidmore, 1988: 121). 18 Celso Monteiro Furtado (1920-2004) nasceu em Pombal, Paraíba. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais em 1944 pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutor em Economia pela Universidade de Paris-Sorbonne em 1948 com uma tese sobre a economia brasileira no período colonial. Em 1949, no Chile, integrou a recém-criada Comissão Econômica para a América Latina, órgão das Nações Unidas. Criou, a pedido do presidente Juscelino Kubitschek, em 1959, a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste. Em 1962, no governo João Goulart, foi nomeado o primeiro Ministro do Planejamento do Brasil. De 1986 a 1988 foi Ministro da Cultura do governo José Sarney. 54 A necessidade de combater a inflação levou o governo que se instaurou após a deposição de João Goulart, em 1964, a impor medidas de contenção salarial. Esse fato estaria na base das principais argumentações contrárias às conclusões obtidas por Langoni em seu estudo. De acordo com Skidmore, a queda da inflação deveu-se principalmente às políticas fiscais, monetárias e salariais. “O valor real do salário mínimo, por exemplo, caiu 25 por cento nos três anos que se seguiram à ascensão de Castelo ao poder em 1964” (Skidmore, 1988: 122). A luta por uma balança comercial equilibrada tinha, dentro do governo, a ideia de que o potencial do Brasil para exportações havia sido subestimado pelos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA governos anteriores. Por esta razão, lançaram uma campanha de exportação para explorar não somente as enormes reservas naturais do Brasil (minério de ferro, madeira, e produtos alimentícios, por exemplo), mas também produtos acabados, área em que o país desenvolvera recentemente capacidade de exportação. Os ministros econômicos esperavam ainda que a “disciplina” do mercado que agora estava sendo promovida certamente aumentaria a eficiência industrial. Finalmente, e muito importante, eles aguardavam a entrada de mais capital estrangeiro no setor de exportação (Skidmore, 1988: 125). Estas ações estavam em desacordo com os preceitos expressados por diversos pensadores e economistas, que pregavam que o caminho que deveríamos percorrer era o da industrialização: a partir dos anos 50, muitos políticos e economistas brasileiros, tal como seus colegas latino-americanos, se mostravam cada vez mais pessimistas sobre a possibilidade de aumentos satisfatórios da receita de suas exportações. Como os preços dessas exportações – sobretudo produtos primários – eram altamente instáveis, em contraste com os preços das importações dos bens acabados, que subiam constantemente, os termos de intercâmbio eram geralmente desfavoráveis à América Latina. Segundo este raciocínio, enunciado com muita clareza pelo economista Raúl Prebisch 19 e a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), fundada e por muito tempo presidida por ele, as economias da América Latina não podiam esperar vantagens de sua participação na economia mundial e deviam, portanto, adaptar-se a esse desfavorável clima internacional procurando industrializar-se (Skidmore, 1988: 124). Com aquelas ações do governo houve um alívio nas contas externas brasileiras, preparando as bases para o forte crescimento econômico que teríamos nos anos que se seguiram. “A melhoria do perfil da dívida externa brasileira foi um dos principais êxitos do governo. Castelo Branco pode deixar para o seu 19 Raúl Prebisch (1901-1986) foi um economista argentino, um dos mais importantes intelectuais da CEPAL. 55 sucessor espaço muito maior para manobrar no setor da dívida do que recebera por ocasião de sua posse em 1964” (Skidmore, 1988: 126). Os governos Costa e Silva e Médici podem ser caracterizados como desenvolvimentistas, no sentido da opção pelo crescimento econômico acelerado, e no qual o Banco Central fica submetido às metas econômicas definidas pelo Governo Federal (Raposo, 2011: 270-271). Ocorria assim uma mudança significativa em relação ao governo anterior, pois o “Governo Castelo Branco, que criou o Conselho Monetário Nacional e um Banco Central dotado de autonomia, foi claramente estabilizador” (Raposo, 2011: 269). O alto crescimento econômico obtido nas décadas de 1960 e 1970 ficou conhecido como o “milagre econômico” brasileiro. A um crescimento anual médio do PIB de 6,17% por cento na década de 1960, seguiu-se um ainda mais PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA impressionante crescimento anual médio do PIB de 8,63% na década seguinte, conforme vemos nas tabelas abaixo: Tabela 1: Crescimento do PIB por década de 1960 a 1990 Período Crescimento do PIB na década (%) 1960 – 1970 1970 – 1980 1980 – 1990 81,98 128,76 16,91 Fonte: http://www.ipeadata.gov.br/. Trabalhei com os dados extraídos da tabela Produto interno bruto (PIB): variação real anual. Tabela 2: Taxa média anual do crescimento do PIB por década de 1960 a 1990 Período 1960 – 1970 1970 – 1980 1980 – 1990 Taxa média anual de crescimento do PIB na década (%) 6,17 8,63 1,57 Fonte: http://www.ipeadata.gov.br/. Trabalhei com os dados extraídos da tabela Produto interno bruto (PIB): variação real anual. 56 Já no governo Médici, o êxito da economia começou a dar frutos políticos e a legitimar o regime em algumas parcelas da população: o boom econômico também resultou em altos salários para profissionais e administradores. O governo Médici aumentou o orçamento para a educação superior, o que representou maior número de vagas e contratação de mais professores. [...] Assim os ganhos econômicos contribuíram para gerar apoio do setor intermediário ao governo. As eleições parlamentares de 1970, que a ARENA venceu por esmagadora maioria, parecem confirmar este apoio. [...] Os sinais eram tranquilizadores. Em 1974 as reservas estrangeiras do Brasil excediam as da Inglaterra, enquanto a sede alemã da Volkswagen, operando com baixos lucros internamente, congratulava-se consigo mesma pelo extraordinário sucesso de sua subsidiaria brasileira (Skidmore, 1988: 282). No entanto, apesar do “milagre econômico”, a distribuição de renda aumentara sua desigualdade quando medida pelo índice de Gini, como vemos abaixo: PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA Tabela 3: Índice de Gini entre 1960 e 1990 Ano Índice de Gini 1960 1970 1979 1990 0,535 0,581 0,589 0,607 Fonte: Neri, 2014. Isto significava que os benefícios do nosso crescimento não somente chegavam de forma desigual à população como também aumentavam a distância entre os mais ricos e os mais pobres. Como veremos em breve, diversos autores afirmavam que as políticas do governo (entre elas a política salarial) teriam sido as responsáveis pelo aumento da desigualdade na nossa distribuição de renda. Com efeito, a Constituição de 1967, em seu artigo 157, estipulava que não seria permitida greve nos serviços públicos ou nas atividades consideradas essenciais, o que foi mantido no artigo 162 da Emenda Constitucional Nº 1 de 1969. Conforme David Fleischer, em Os partidos políticos, as eleições para governadores de 1965, em que candidatos de oposição venceram em Minas Gerais e na Guanabara, tiveram consequências: “A linha dura não aceitou o desaforo e ameaçou derrubar Castelo Branco. Após intensas negociações, o governo baixou o AI-2, que tornou as futuras eleições para governador indiretas e extinguiu os partidos políticos existentes” (Fleischer, 2004: 254). Pelas regras instituídas, era 57 necessário, para se formar um novo partido, o apoio de ao menos 120 deputados federais e 20 senadores. O partido do governo chamou-se Arena (Aliança Renovadora Nacional) e o de oposição, MDB (Movimento Democrático Brasileiro), sendo que este “teve dificuldade em juntar os 20 senadores e contou com uma pressão discreta do presidente Castelo Branco para convencer dois senadores a filiarem-se temporariamente ao MDB” (Fleischer, 2004: 254). Em 12 de dezembro de 1968, a Câmara rejeitou o pedido de suspensão das imunidades parlamentares dos deputados Márcio Moreira Alves e Hermano Alves. Em 13 de dezembro de 1968 o presidente Costa e Silva “promulgou o Ato Institucional nº 5 e o Ato Suplementar nº 38, este último pondo o Congresso em recesso indefinidamente” (Skidmore, 1988: 166). Com base nestes instrumentos, iniciou-se uma ferrenha censura à PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA imprensa. Não se podia criticar autoridades ou as forças armadas: a censura ad hoc, que surgira mal coordenada em dezembro de 1968, foi regularizada em março de 1969 por um decreto que tornava ilegal qualquer crítica aos atos institucionais, às autoridades governamentais ou às forças armadas. Como se quisessem indicar de onde achavam que se originava a oposição, os arquitetos da censura também proibiram a publicação de notícias sobre movimento de trabalhadores ou de estudantes. Toda a mídia foi colocada sob a supervisão dos tribunais militares (Skidmore, 1988: 167). Foram promulgados diversos atos que agiam no sentido de exercer um maior controle sobre a sociedade. O Congresso foi expurgado, primeiro de 37 deputados da Arena, depois de outros 51 parlamentares, começando com Márcio Moreira Alves e Hermano Alves. Carlos Lacerda, um dos principais defensores da Revolução de 1964, foi finalmente privado dos seus direitos políticos. Muitas assembleias estaduais, inclusive as de São Paulo e Rio de Janeiro, foram fechadas. No início de 1969, Costa e Silva assinou um decreto colocando todas as forças militares e policiais dos estados sob o controle do ministro da Guerra, estipulando mais que as forças estaduais deveriam ser sempre comandadas por oficiais das forças armadas em serviço ativo (Skidmore, 1988: 166-167). Também o Poder Judiciário foi atingido pela ação do governo. “Em janeiro de 1969 três ministros do Supremo Tribunal Federal foram forçados a se aposentar: Victor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva. O presidente do Tribunal, ministro Gonçalves de Oliveira, renunciou em sinal de protesto” (Skidmore, 1988: 167). 58 Os anos do governo Médici, que se seguiram, foram de forte repressão, com o governo, por fim, livrando-se dos focos das guerrilhas urbanas e rurais que se organizaram na tentativa de enfrentar o regime autoritário. “A ameaça guerrilheira fora enfrentada e achava-se agora liquidada tanto nas cidades quanto no campo” (Skidmore, 1988: 246). Em 1974, já no governo Geisel, realizaram-se eleições diretas para cargos do Poder Legislativo em todo o país. Geisel vinha dando sinais de que pretendia liberalizar o regime, mas este era um jogo perigoso, porque inevitavelmente conduziria a manobras de desestabilização da linha dura, ou do fanatismo’, no eufemismo de Castelo Branco. Uma coisa era certa. O governo Geisel não admitiria ser pressionado para adotar um rígido programa de reformas políticas. O Planalto imprimiria o ritmo, não a oposição (Skidmore, 1988: 334-335). PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA Contrariando as expectativas governamentais, o partido de oposição consentida, o MDB, teve um desempenho surpreendente. De acordo com Skidmore, parece ter havido, por parte do eleitorado, a noção de que valeria a pena jogar o jogo eleitoral. Subitamente o eleitorado começou a imaginar que seus votos poderiam modificar o panorama político. Talvez o MDB representasse verdadeira alternativa; talvez o presidente estivesse preparado para cooperar com a oposição. [...] Quinze dias antes da eleição um frêmito de entusiasmo tomou conta da oposição. Até militantes da esquerda, que antes zombavam das eleições (e recomendavam o voto em branco), concluíram que podiam enviar uma “mensagem” ao governo votando no MDB (Skidmore, 1988: 337). Como resultado, “o MDB se fortaleceu muito: elegeu 44% dos deputados federais, 16 das 22 cadeiras para o Senado e a maioria em seis legislativos estaduais” (Fleischer, 2004: 255). Maria Hermínia Tavares de Almeida, em Crise econômica e interesses organizados: o sindicalismo no Brasil dos anos 80 destaca os aspectos que marcaram a intervenção do regime autoritário sobre os assalariados e suas organizações, com ênfase no arrocho salarial e na proibição da livre negociação: como se sabe, o controle dos salários, inaugurado pelo primeiro governo militar, foi um instrumento importante de gestão econômica durante todo o período autoritário. Entendida como imposição de regras para o estabelecimento dos níveis de salário, a política salarial, inaugurada em 1965, aboliu a livre negociação coletiva dos reajustamentos, substituída pela aplicação de uma fórmula de cálculo e de índices decretados pelo governo. Sua implementação 59 dependeu do cerceamento da atividade sindical (Tavares de Almeida, 1996: 3536). Com efeito, os Decretos-lei nº 15 e 17, de 1966, determinavam que os índices para o cálculo do salário médio real passavam a ser determinados pelo Poder Executivo. Já a Lei nº 6147, de 1974, determinava que o salário médio para o cálculo do reajuste passava a ser a média dos salários reais dos últimos doze meses. Para Tavares de Almeida, a política salarial daquele período contribuiu de forma decisiva para que aumentássemos nosso nível de desigualdade dos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA rendimentos de trabalho: o feito dessa política sobre o nível de remunerações não foi uniforme ao longo do período considerado. De início provocou queda do salário real. Nos anos 70, verificou-se certa recuperação de seu poder de compra, especialmente depois da mudança no cálculo do salário médio, adotada em 1974. Mesmo assim, a política de salários, associada ao cerceamento da atividade sindical, implicou a contenção do crescimento dos salários de base. Dessa forma, deu cabida à abertura do leque salarial para cima, desenhando um padrão de distribuição de renda distorcido e iníquo (Tavares de Almeida, 1996: 36). Vivíamos, na década de 1970, sob um regime de repressão que se intensificou após diversos movimentos de guerrilha urbana e alguns focos de guerrilha rural. O leque dos opositores ao regime militar era amplo e ia desde os liberais em desacordo com o regime até as mais extremadas posições da esquerda. Ao lado de um crescimento econômico considerável, víamos aumentar os níveis de nossa desigualdade de rendimentos do trabalho. Por outro lado, a oposição permitida conseguia alguns avanços, como vimos nas eleições legislativas de 1974. Nesse contexto, o trabalho de Langoni foi alvo de diversas críticas, muitas vezes motivadas pelo clima hostil que havia, por parte dos opositores ao regime autoritário, contra qualquer um que fosse enxergado como próximo ao regime. 3.2. O debate sobre o livro de Langoni O livro de Langoni provocou uma série de artigos colocando restrições às suas conclusões. Neste item procurarei destacar os principais comentários criticando seu livro, assim como sua contestação às críticas. É oportuno lembrar como o mundo acadêmico “recepciona” certas ideias que não estão sedimentadas 60 no mainstream. Mario Grynszpan mostra como a circulação das ideias pode ser influenciada pelo contexto20. o reconhecimento é, ao mesmo tempo, a atribuição de uma determinada representação ao texto e seu autor, a imposição de leituras e interpretações legítimas por processos que escapam muitas vezes ao controle deste, levados a efeito em contextos distintos do original. Isso se faz por um conjunto de agentes que envolve, além ou não do próprio autor, departamentos, universidades, professores, agências de fomento, editoras, tradutores, resenhistas, revistas, entre outros, posicionados de forma diferencial, com estratégias diversas, para os quais o investimento nos textos e nos autores pode ter sentidos e objetivos distintos. E na medida em que as estratégias são conformadas em configurações históricas determinadas, com horizontes de possibilidades e expectativas definidos, investimentos e leituras se alteram ao longo do tempo (Grynszpan, 2014: 25-26). Fernando Henrique Cardoso 21 considerava que o argumento de que as diferenças de oportunidades na educação trariam desigualdade de renda era fruto PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA de imaginação econômica: a imaginação econômica situacionista – que deve ser separada da habilidade metodológica eventualmente usada por seus defensores – não encontrou melhor argumento para justificar o referido estilo de crescimento baseado no consumismo e na “capacidade de investimento” dos setores de altas rendas do que distorcer as questões de base e afirmar que a desigualdade de rendas deriva da existência de diferenciais de oportunidades na educação (Cardoso, 1975: 10). E questionava, em clara alusão ao trabalho de Langoni, entrevendo uma ligação com o Governo: [...] a pouca credibilidade que tem a posição dos justificadores tecnocráticos do status quo que persistem em tentar fazer crer à opinião pública que ‘a ciência’, com o esoterismo de sua linguagem e de suas técnicas de base matemática, aponta sempre em favor dos ricos e dos que tudo transformam em justificação de Governos eventuais e da ordem dominante (Cardoso, 1975: 9-10). Paul Singer (Singer, 1975; 91) destaca que o ambiente político após 1964 tornou-se extremamente desfavorável às lutas sindicais. Na prática, foi abolido o direito de greve, e o controle dos sindicatos pelo Governo havia se intensificado com a perseguição e afastamento das antigas lideranças. Além disso, a política econômica entre 1964 e 1968 [...] levou à centralização dos reajustamentos salariais, que foram concedidos em nível inferior ao aumento do custo de vida, levando à deterioração dos salários reais. O salário mínimo, último bastião de defesa do trabalho de pouca qualificação, foi sistematicamente reduzido, em seu poder aquisitivo, pelo menos 20 Para uma análise mais aprofundada desta sociologia da recepção, ver Grynszpan, Mario (2014). Fernando Henrique Cardoso (1931- ) sociólogo, professor universitário e escritor, foi Presidente do Brasil por dois mandatos, de 1995 a 2002. É considerado um dos maiores intelectuais na área de ciência política e sociologia da América Latina. 21 61 até 1969. O direito à estabilidade no emprego foi, na prática, eliminado, pois a nova legislação facilitou ao patronato impor a ‘opção’ pelo regime do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço a todos os novos empregados (Singer, 1975: 9192). Singer reconhece que os cálculos apresentados por Langoni em seu trabalho que comprovam a procura (função da industrialização acelerada) por administradores, técnicos e profissionais liberais, aumentando a concentração de renda. No entanto culpa a política salarial inaugurada em 1964: ela atinge sobretudo os salários mais baixos, cujo valor real foi reduzido entre 1965 e 1967 [...]. Ao mesmo tempo, a remuneração da ‘nova’ classe média – técnicos, gerentes, assistentes etc. – foi fortemente impulsionada para cima, graças à folga na folha de pagamentos ocasionada precisamente pela baixa dos ganhos reais da grande maioria dos assalariados (Singer, 1975: 104). Também Albert Fishlow 22 (Fishlow, 1975) considerava que o principal fator responsável pela perda de poder de compra dos salários era a maquiagem da inflação PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA prevista definida pela regra de reajustes salariais. Uma vez que, em função das regras determinadas, o governo previa uma inflação menor que a real e, tendo em vista que estavam proibidas as negociações entre patrões e empregados, os salários foram diminuídos em seu poder de compra. A concentração de renda resultante da estabilização não foi inteiramente intencional. Ela ocorreu porque a inflação real ultrapassou os aumentos programados para os preços, e esses aumentos programados é que foram aplicados no emprego da fórmula oficial para reajuste de salários. Assim, o aumento da desigualdade mede o fracasso de instrumentos monetários e fiscais convencionais aplicados durante a administração Castelo Branco. Em um sentido mais amplo, contudo, o resultado foi indicativo, com precisão, de prioridades: destruição do proletariado urbano como ameaça política, e restabelecimento de uma ordem econômica voltada para a acumulação de capital privado (Fishlow, 1975: 185). Uma crítica mais elaborada ao livro de Langoni foi feita por Pedro Malan 23 e John Wells 24 por ocasião do artigo Distribuição de renda e desenvolvimento econômico do Brasil (Malan e Wells, 1975), que é uma resenha comentada. 22 Albert Fishlow é economista, professor emérito de Berkeley e Columbia, com doutorado em Harvard. Entre 1975 e 1976, trabalhou junto a Henry Kissinger, durante a gestão do então presidente Gerald Ford, como secretário-assistente de Estado para a América Latina. Desde os anos 1960 tem sido um importante estudioso dos temas brasileiros. 23 Pedro Sampaio Malan (1943- ) nasceu no Rio de Janeiro. Formou-se engenharia elétrica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro em 1965, e tem PhD em economia pela Universidade de Berkeley. Trabalhou para o governo de Fernando Collor de Mello como negociador responsável pela reestruturação da dívida externa brasileira nos termos do Plano Brady. Foi um dos arquitetos do Plano Real. Foi Ministro da Fazenda durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, de 1995 até 2002. 24 John Wells (1947-1999) foi um economista britânico. 62 Focam suas críticas na própria Teoria do Capital Humano, com argumentos que colocam em dúvida, por exemplo, a influência da educação na renda, por esquecer-se da distribuição prévia de ativos e da estrutura de poder da sociedade. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA A subjacente ‘teoria do capital humano’ supõe que a renda individual é função de certas características pessoais. Os ‘atributos’ qualificativos de cada indivíduo (captados por variáveis como educação, sexo e idade) determinam sua produtividade. Como a teoria supõe que cada indivíduo recebe exatamente o valor de sua produtividade marginal, é esse conjunto de características pessoais que determina a renda individual. Na verdade, é preciso lembrar que: a) como é em geral impossível medir a ‘produtividade’ dos indivíduos, o que se faz é supor que seus rendimentos, tal como observados, refletem essa produtividade, o que torna impossível submeter a qualquer teste empírico as hipóteses básicas da teoria; b) parece incorreto associar a renda individual a atributos pessoais, omitindo completamente o processo social de produção de bens e serviços, a distribuição prévia de ativos reais e financeiros e a estrutura de poder da sociedade; c) a direção da suposta causalidade (investimento em educação – produtividade – renda) pode estar completamente viciada na medida em que, por exemplo, sejam a renda e a educação dos pais que determinem a educação dos filhos – e sua renda subsequente (Malan e Wells, 1975: 258-259). Apesar de reconhecerem os possíveis efeitos sobre a desigualdade da rápida expansão da demanda por administradores e técnicos, não aceitam o argumento de Langoni de que essa expansão tenha sido “simplesmente resultante de uma expansão diferenciada da demanda associada à aceleração do crescimento e à crescente complexidade do processo produtivo” (Malan e Wells, 1975: 260). Consideram que seja difícil acreditar nessa hipótese. Segundo eles, o capitalismo brasileiro permite claramente uma ampla distribuição do excedente via criação de empregos públicos e privados a relativamente elevados níveis de remuneração para um vasto segmento de ‘trabalhadores’ sob certo sentido ‘improdutivos’ que são, entretanto, extremamente funcionais para o sistema tal como este opera hoje (Malan e Wells, 1975: 260-261). Langoni rebateu imediatamente as críticas de Malan e Wells. Classificouas em duas partes: “a primeira, a que chamaremos de ‘crítica ingênua’, refere-se à tentativa de invalidar a substancial evidência empírica apresentada em suporte à nossa tese; a segunda, denominada ‘crítica radical’, evidenciaria, a nosso ver, o rompimento dos autores com a teoria econômica” (Langoni, 2014: 167). Defendendo suas conclusões das “críticas ingênuas”, Langoni pontua que a essência destas críticas está no fato de que ele não teria “conseguido explicar 100% da variância das rendas individuais em 1960 e 1970” (Langoni, 2014: 167). Insiste na validade das conclusões: 63 a conclusão da simulação é extremamente importante e, evidentemente, desagrada aos que pretendem atribuir exclusivamente a fatores ‘estruturais’ a desigualdade observada. Somente diferenças de atributos individuais relacionados com o comportamento do mercado de trabalho (nível de educação, idade, sexo, região, atividade) são suficientes para gerar uma distribuição acentuadamente desigual, o que de resto é inteiramente consistente com o fato de estas variáveis terem sido altamente significantes na explicação das diferenças individuais de renda. Ao contrário do que afirmam nossos críticos, este raciocínio é absolutamente correto para uma economia como a brasileira, em que parcelas substanciais da população auferem suas rendas exclusivamente da ‘venda’, no mercado, dos serviços de seus trabalhos. O valor desses serviços depende fundamentalmente das condições marginais de oferta (escassez relativa) e demanda (produtividade). E isto é válido mesmo para os gerentes e burocratas, principalmente nas empresas brasileiras em que esses indivíduos não têm, em geral, o controle efetivo da propriedade (Langoni, 2014: 169). Já na análise de o que denominou de “crítica radical”, Carlos Langoni acusa os autores de deixarem de lado uma herança cultural que elevou a Economia PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA ao status de ciência: o verdadeiro conteúdo das críticas de Malan e Wells é revelado na última parte do trabalho. Eles simplesmente afastam a possibilidade de aceitar uma análise com base na teoria econômica, já que consideram ser impossível submeter a qualquer teste empírico a teoria da produtividade e, consequentemente, a teoria do capital humano, sua extensão mais recente (Langoni, 2014: 178). 3.3. As resistências à Teoria do Capital Humano na visão dos seus defensores A visão dos defensores da teoria do Capital Humano com relação às resistências enfrentadas por Langoni serão aqui abordadas. Quase trinta anos depois do trabalho de Langoni, Mundial Francisco Ferreira 25 , em Os determinantes da desigualdade de renda no Brasil: luta de classes ou heterogeneidade educacional?, retoma e avança na questão da educação básica e da desigualdade. Inicialmente, argumenta que atualmente já não há mais espaço para que se questione a hegemonia da educação como elemento fundador da desigualdade: O debate dos anos 1970 e 1980, sobre a importância relativa da distribuição da educação e de seus retornos, por um lado; e de políticas salariais repressivas por outro, como causas básicas da desigualdade brasileira, parece estar esgotado. A evidência empírica sugere fortemente que a educação continua sendo a variável de maior poder explicativo para a desigualdade brasileira (Ferreira, 2000: 24). 25 Francisco de Hollanda Guimarães Ferreira é economista, PhD pela London Scholl of Economics. Foi professor de Economia na PUC-Rio de 1999 a 2002 e atualmente é Lead Economist do Banco Mundial. 64 Ferreira comenta a dificuldade encontrada, no meio acadêmico, de nos livrarmos do estigma da incorreção política, que durou por muito tempo, referente aos argumentos de Langoni quanto à causa-chave da desigualdade: a educação. Com a experiência do fim dos anos 1980, durante os quais um governo civil e democraticamente eleito conviveu com a maior taxa de desigualdade jamais mensurada no Brasil, diminuiu também a convicção de que o aumento da desigualdade medida nos anos 1960 e 1970 era resultado principalmente de uma política sindical repressiva da ditadura militar. O governo militar, assim como seus sucessores civis terão, certamente, uma parcela importante da responsabilidade pela persistência – e aumento – da desigualdade brasileira. Mas ela parece ter mais a ver com as políticas educacionais de ambos os regimes, e com a tolerância que ambos dispensam à segmentação do mercado de trabalho entre formal e informal, industrial e não-industrial, do que com a repressão do proletariado (Ferreira, 2000: 14). Ferreira chama a atenção para o fato de que a desigualdade não é apenas PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA uma curiosidade acadêmica, tendo em vista sua ação negativa sobre a economia: queria apenas ressaltar que a desigualdade não é uma mera curiosidade acadêmica, nem ainda um indicador puramente ‘social’, sem maiores consequências para a eficiência da economia, seu crescimento, e a taxa de redução da pobreza. É bem verdade que, para qualquer função de bem estar côncava em renda, a desigualdade de renda é um mal em si mesmo, independentemente de seus efeitos sobre a eficiência da economia. Mas o ponto central do argumento é que, mesmo que se desejasse adotar no Brasil uma função de bem-estar social linear, na qual se desse valor somente ao PIB total, ignorando-se toda e qualquer característica de sua distribuição, ainda assim é muito provável que nossa alta taxa de desigualdade fosse causa para preocupação, dados os seus efeitos negativos sobre a eficiência estática e dinâmica da economia como um todo (Ferreira, 2000: 6). Ferreira lembra que deve ser considerada a importância que tiveram, sobre o debate da desigualdade, as causas políticas e econômicas que se seguiram ao golpe de 1964: essa visão de que a piora da desigualdade durante os anos 60 tinha causas políticas relacionadas com o golpe de estado de 1964, e que essas causas operavam através da repressão do poder de barganha dos trabalhadores (vis-à-vis os representantes do capital) e de mecanismos inflacionários que implicavam em perdas salariais desproporcionais, teve forte repercussão no debate (Ferreira, 2000: 10). Os opositores às conclusões de Langoni baseavam sua análise na luta de classes: enquanto Langoni vê na distribuição da educação, e na estrutura de seus retornos, a principal causa da desigualdade no Brasil, Fishlow e – principalmente – seus seguidores, a procuravam numa espécie de “luta de classes” cuja principal arena era o mercado de trabalho. Neste mercado, os retornos à educação ou à 65 experiência estariam sendo comprimidos por políticas que enfraqueciam o poder de barganha dos trabalhadores, e permitia que seus ganhos reais fossem corroídos pela inflação que, desde meados dos anos 60, não parava de crescer (Ferreira, 2000: 10). Ferreira vê, no entanto, qualidades nas análises de Fishlow e de Langoni, qualidades essas que o clima de polarização política não permitia enxergar. Não obstante, algemados pela polarização ideológica que as ditaduras costumam engendrar, muitos demoraram quase duas décadas a reconhecer os pontos comuns às análises pioneiras de Fishlow e Langoni. Durante esse período, acumulou-se evidência da importância da distribuição da educação, e da estrutura dos seus retornos, como determinante principal da desigualdade da renda familiar per capita brasileira (Ferreira, 2000: 11). José Márcio Camargo destaca a discussão que havia quanto aos motivos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA do aumento da desigualdade de rendas na década de 1960. Eu tive contato com isso aqui no Brasil ainda, na época que eu estava fazendo mestrado, quando a década de 1960 foi caracterizada, no Brasil, por uma forte concentração de renda. Existiam duas teorias, na época. Uma teoria dava uma ênfase particularmente à política de salário mínimo e à repressão sindical. A outra teoria dava uma ênfase particularmente importante ao fato de que, com o crescimento da economia a partir de 66, 67, um crescimento muito rápido, como você tinha uma oferta relativamente pequena de mão de obra qualificada, a demanda por mão de obra qualificada aumentou muito rapidamente. A oferta não aumentou tão rápido. O salário das pessoas qualificadas aumentou muito rapidamente, porque faltava capital humano. Então a ideia era que se você quer resolver o problema da desigualdade, você tem que investir em capital humano. Enquanto que, no outro caso, a ideia era que você teria que democratizar e aumentar o salário mínimo. Não importa qual das duas teorias é verdadeira. Não é essa a discussão (Camargo, 2013). Camargo comenta as resistências, no mundo acadêmico, ao trabalho de Langoni e critica o fato de os desenvolvimentistas não terem dado a devida importância à educação: na década de 1960, tinha muita resistência. Mas tinha a ver com isso: com a origem, de onde é que veio. Com o negócio da ditadura, ficou uma coisa ideológica e política que foi muito importante. O Celso Furtado deve ter dezenas de livros publicados. Eu devo ter lido 80% deles. A palavra “educação” não aparece nenhuma vez. Nenhuma. Mas não é só Furtado, não. Prebisch. A palavra “educação” não aparece nos textos desses pensadores nenhuma vez. Não é que é pouco citada. Eu não me lembro de passar por esta palavra. Você lê um livro de história, Formação Econômica do Brasil. Esta palavra não aparece. Isso é impressionante! (Camargo, 2013). Samuel Pessôa também comenta a ausência de preocupação, por parte de Celso Furtado, com a educação, ao analisar as oportunidades perdidas pelo Brasil e reconhece Langoni como um dos pioneiros a constatar este ponto: 66 eu costumo dizer que a gente teve dois grandes erros, cavalares, do século XIX; que foi a questão do trabalho escravo e a questão da lei de terra, que a gente resolveu muito mal. Acho que a chance de uma reforma agrária legal era no século XIX. Século XX, acho que já ficou meio tarde. E a gente teve um erro muito dramático, no século XX, cavalar, que foi aceitar enfrentar uma transição demográfica sem universalizar a educação. Esse é que eu chamo o Erro de Furtado. Na verdade, não é o Erro do Furtado. É o erro da sociedade brasileira. De todos nós. Furtado só é a expressão mais clara desse erro porque ele é o nosso economista maior. Porque, se nosso economista maior cometeu esse erro, dá pra ver que tem alguma coisa muito profunda na sociedade, que está dificultando, está impedindo que ela consiga enxergar a importância da educação. Porque não foi só o erro, não foi só o Furtado que não enxergou. Ninguém enxergou. Só dois malucos, o Gudin e o Langoni; dois direitistas malucos que enxergaram. Ninguém mais (Pessôa, 2013). O debate ideológico teria prejudicado uma análise racional, por parte da academia, do trabalho de Langoni, uma vez que tudo se deu durante uma ditadura, o que impediu que fosse dada a devida prioridade à hipótese que tinha a educação PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA como causa principal do aumento da desigualdade: esse debate foi muito poluído pelo problema de a gente estar numa ditadura militar brutal e os economistas vinculados à ditadura estavam defendendo essa interpretação. Eu acho que o debate ideológico impediu que a sociedade olhasse pra esse tema com mais cuidado. E com menos paixão. Então acho que o debate ideológico, desde os anos 50, ele dificultou muito que a gente olhasse pra essa questão educacional com a importância que ela demandava. E ajudou que nós cometêssemos isso que eu chamo do Erro de Furtado, que, na verdade, é o erro da sociedade brasileira. Como um todo (Pessôa, 2013). A questão da discussão acadêmica que atravessou duas décadas após o lançamento do livro de Langoni é comentada por Pessôa: percebi que economista de direita é que se preocupa com educação. Isso vem desde o (Carlos) Langoni (presidente do Banco Central entre 1983 e 1985). Era um conservador, ligado à ditadura, que nos anos 1970 ficou batendo na tecla da educação. Ele foi detonado pela esquerda brasileira. No livro A controvérsia sobre a distribuição de renda no Brasil, de 1974, com prefácio do Fernando Henrique Cardoso e capítulos de Maria da Conceição Tavares, José Serra, Pedro Malan, Edmar Bacha, todo mundo vai meio batendo no Langoni. Entendo a radicalização política que havia na época, mas é uma pena que ela tenha impedido um debate mais profundo sobre educação. Os intelectuais não olharam com a profundidade devida a mensagem do Langoni. Ela só foi recuperada nos anos 1990 pelo Ricardo Paes de Barros (economista, secretário de Ações Estratégicas do governo Dilma). Desde os anos 1950, temos essa coisa engraçada: economista de direita defende a educação, economista de esquerda defende a indústria (Pessôa, 2013). Francisco Ferreira comenta o debate da década de 1970 entre Langoni e Fishlow e enfatiza a importância de uma educação de qualidade na criação de igualdade de oportunidades: 67 naquela época [...] era muito caracterizado em termos desse debate entre ele e o Albert Fishlow, que apontava causas mais políticas e de mercado de trabalho. Durante a ditadura, com sindicatos reprimidos, você tinha uma menor capacidade dos sindicatos de barganhar digamos, pela mais valia com o capital. Eu gostaria de só fazer um comentário colateral sobre isso. Eu acho que no caso brasileiro, a desigualdade de educação é tão grande... Assim, tem um elemento que as pessoas acham: “Ah, se o cara diz que a desigualdade se deve à educação, ele tá dizendo que aquilo é justo”. E não é verdade. Deve-se à educação, não quer dizer que é justo, se o acesso à educação, principalmente à educação de qualidade, não é livre e igualitária. E, nesse sentido, você volta, um pouco, à questão das oportunidades. Quer dizer, a desigualdade de educação seria uma desigualdade de esforços num mundo aonde o acesso à melhor educação possível fosse igualitário. Para todo mundo. Como isso não é o caso, e também relaciono isso um pouco com aquele outro trabalhinho que eu fiz, e obviamente vários outros, de muitas outras pessoas, onde determinam que a grande desigualdade do Brasil, de certa forma, era o acesso à educação. Depois que você conseguia ter uma educação de bom nível, aí o mercado já vale, remunerava muito bem (Ferreira, 2013). Francisco considera oportuno comentar que existem outros fatores que têm, recentemente, contribuído para a redução da desigualdade de rendimentos. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA Entre eles estariam o aumento real do salário mínimo e o aumento da taxa de formalização da economia: o outro comentário é que eu acho que, no caso brasileiro, principalmente nesse período da década de 80, 90, 2000, aonde nós tínhamos, ainda, muita desigualdade educacional, e ainda temos, mas em termos de acesso, de quantidade, ela está diminuindo bastante, essa desigualdade. Esse era o tema fundamental. Isso não quer dizer que em outros contextos, e outros momentos o que, hoje em dia, se chama de “aspectos institucionais do mercado de trabalho” não importem. Então você tem uma série de trabalhos, nos Estados Unidos, aonde também houve essa discussão – de fato, nos Estados Unidos, curiosamente, essa discussão veio depois. Talvez até tivesse alguma, nos anos 70, que eu não conheço, mas nos anos 90, quando a desigualdade nos Estados Unidos aumentou muito, você tinha um debate entre o pessoal que dizia que era só capital humano e o pessoal que dizia que o papel do salário mínimo e da queda na taxa de sindicalização, de cobertura dos sindicatos, eram também fatores importantes. E no Brasil, hoje em dia, eu estou bastante interessado na interação entre o crescimento do salário mínimo real na última década, e o aumento da taxa de formalização da economia. Que eu também consideraria um fator institucional, e como que eles complementam o efeito da educação, aí tanto ao aumento na quantidade da educação e, proporcionalmente, à queda no seu retorno, que eu acho que ainda não está perfeitamente claro como é que todos esses fatores se combinam pra explicar a queda da desigualdade no Brasil (Ferreira, 2013). Quanto às resistências do pensamento desenvolvimentista à Teoria do Capital Humano, Ferreira acredita que se baseavam em dois aspectos, sendo que o primeiro seria o foco dos desenvolvimentistas no capital físico: 68 eu acho que vem de duas questões. Primeira, é que toda a economia do desenvolvimento, como subdisciplina, teve seu início com o capital físico. A partir dos anos 50, com o Solow 26 e os modelos de crescimento do Solow, a teoria, inclusive a teoria neoclássica, mas depois as teorias mais desenvolvimentistas também tinham foco muito grande em capital físico. Industrialização, infraestrutura. Investimento entendido como investimento em capital físico. E eu acho que havia certa inércia intelectual das pessoas ficarem sempre apegadas àquilo que elas já tinham lido, àquilo que elas já tinham aprendido nas suas aulas de pós-graduação, sem pensar numa coisa nova. Esse é o primeiro elemento da origem histórica do desenvolvimento do pensamento sobre acumulação de capital físico (Ferreira, 2013). O segundo aspecto seria uma resistência oriunda de um componente ideológico, tendo em vista que a teoria de Langoni estava ligada à Universidade de Chicago, a quem a esquerda teria aversão: PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA por outro lado, e aí vem uma coisa que é uma das minhas cismas, como economista, na verdade, as pessoas sempre foram muito ideológicas. Então eu acho que eu me considero, e certamente, quando eu comecei a trabalhar nessas coisas, me considerava uma pessoa de esquerda. Mas as pessoas de esquerda, durante a ditadura, obviamente, tinham uma enorme aversão a uma teoria que vinha da Universidade de Chicago, de um cara que era amigo, trabalhava com o Milton Friedman e que era defendida, no Brasil, por uma pessoa que foi Ministro do Governo na época da ditadura. Agora, é aquela história que o PB, o Ricardo Paes de Barros, e eu já comentamos várias vezes: apesar desse pedigree intelectual que não era auspicioso para a esquerda, no fundo, para a gente entender os problemas que nós todos estávamos interessados em entender, era meio essencial. Era uma questão de rótulo ideológico da origem. Eu acho que havia uma resistência de esquerda, e isso é natural. A direita faz a mesma coisa. As pessoas adotam sistemas de ideias na cabeça dela que a gente chama de “ideologia”. A ideologia, no fundo, não é uma ciência. Ela é um sistema de crenças. Que a gente usa para facilitar, para não ter que ficar sempre revendo os passos, empiricamente. Mas não é assim que se faz ciência social. Ciência de qualquer tipo, mas inclusive a social. A social, econômica é frequentemente estar reperguntando as coisas, refazendo perguntas e olhando de uma maneira aberta. Não necessariamente, a pessoa que teve a ideia, você gosta dela, ou não, torce pelo mesmo time ou não, vota no mesmo partido ou não. Então não sei se isso divergiu um pouco, se eu tergiversei um pouco aqui, mas tem a ver com a resistência (Ferreira, 2013). Samuel Pessôa comenta as diferentes visões ideológicas que criaram dificuldades para uma análise racional da Teoria do Capital Humano. Para ele, certos setores da esquerda têm dificuldades em aceitar a ideia de que o capital humano é importante para o crescimento. Além do mais, essa Teoria colocaria a questão do subdesenvolvimento dentro de nós, e não nas trocas assimétricas: 26 Robert Merton Solow (1924- ) nasceu em Nova York. Economista, recebeu o Prêmio Nobel em Economia em 1987 por seus estudos relacionados ao crescimento econômico. 69 esse é um tema, a teoria do capital humano, que eu acho que a esquerda tem muita dificuldade. É surpreendente. Eu acho que é um tema de reflexão superinteressante. O estruturalismo latino-americano é muito presente. Eles vão ter muita dificuldade com esse tema do capital humano. Não só vão ter dificuldade como a tendência é rejeitar. Em certas escolas, a ideia de que capital humano é importante para o crescimento é rejeitada. E a visão deles ainda é a visão mais antiga, que capital humano é uma questão de outros termos, é sociabilidade, socialização, direito fundamental do homem, autonomia. Mas essa relação mais econômica que a teoria do capital humano coloca, e que as escolas de economia mais no mainstream econômico adotam, o pensamento mais estruturalista rejeita acho que até hoje. A minha experiência, a minha impressão, é que os lugares ditos mais “de esquerda”, ditos mais “estruturalistas”, mais heterodoxos, sei lá que rótulo a gente usa (...) são lugares em que a teoria do capital humano tem muita dificuldade de ser digerida. Exatamente por aquele primeiro ponto que eu abordei aqui: a teoria do capital humano é uma teoria que coloca o subdesenvolvimento dentro do país. E esses lugares estão ligados a uma visão que o desenvolvimento é relacional (Pessôa, 2013). Pessôa enxerga uma sinergia entre a PUC-Rio e a FGV do Rio com relação à aceitação da Teoria do Capital Humano, e enfatiza a importância que PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA teve Ricardo Paes de Barros no resgate do trabalho de Langoni: a gente pensa muito parecido. Tanto a FGV-Rio como a PUC-Rio. Acho que a FGV de fato, a gente tem uma coincidência: uma época tinha eu, Pedro Cavalcanti, agora o Fernando Veloso veio pro IBRE, está aqui conosco. Mas a pessoa que redescobriu o Langoni é o PB. Redescobriu o Langoni não pelo lado de crescimento, mas pelo lado de desigualdade e pobreza (Pessôa, 2013). E relata um trabalho feito por Rodrigo Soares 27 que ele considera relevante para os estudos da influência do capital humano sobre o crescimento. Nesse trabalho fica demonstrada a causalidade entre o aumento de expectativa de vida e o incentivo para que se invista em capital humano: tem o Rodrigo Soares. Que agora foi pra FGV de São Paulo. A tese de doutorado do Rodrigo é belíssima. O orientador dele foi o Becker. Ele fez uma coisa para tentar - tem toda uma literatura que é tentar - entender o processo de Revolução Industrial. Porque você teve, no processo de Revolução Industrial, uma trajetória de crescimento à la Malthus, que o crescimento da economia é permanente, mas o crescimento da população também é permanente, e o crescimento do PIB per capita é praticamente nulo. Você transitou desse regime Malthus para um regime que a gente chama Solow, em que o crescimento do PIB é permanente, o crescimento da população também, mas é menos do que o PIB. E você tem crescimento intensivo. Então você conseguiu fazer uma transição de um equilíbrio de um crescimento extensivo pra um crescimento intensivo. Importante lembrar que, no crescimento extensivo do regime malthusiano, você tinha muito progresso tecnológico. Porque o recurso escasso agrícola estava sendo usado cada vez com mais intensidade. Você estava tendo progresso tecnológico na agricultura, tanto é que a população do mundo estava crescendo. Mas você não tinha um momento da economia que permitisse crescimento de PIB per capita. 27 Rodrigo Reis Soares (1971- ) nasceu no Rio de Janeiro. Economista, PhD pela Universidade de Chicago. 70 Então como que foi essa transição é uma coisa que os economistas não têm muito claro, mas tem umas teorias, tem lances. Não acho que tenha um modelo que seja consensual. Então a causalidade seria assim: o mundo vai melhorando aos pouquinhos. Você vai tendo progresso tecnológico, você vai aprendendo a se alimentar um pouquinho melhor. Um pouquinho melhor de saúde. Então a expectativa de vida vai subindo. Conforme a expectativa de vida sobe, a taxa de retorno de se educar aumenta. Porque você vai ter mais tempo para usar o que você acumulou. E aí você gerou um incentivo privado pra aumentar muito o investimento em educação. E isso reforçou o progresso tecnológico. E um dos canais teria sido o que simulou a Revolução Industrial na Inglaterra: o aumento exógeno da expectativa de vida; o aumento da expectativa de vida gerou um monte de coisas (Pessôa, 2013). Pessôa considera ainda que continua havendo um antagonismo ideológico, mas que lentamente poder-se-á alcançar um consenso na absorção da Teoria do Capital Humano. Os políticos hoje estariam mais interessados em educação, pois teriam a percepção de que é isto que o eleitor mediano deseja. E critica o retorno a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA um nacional-desenvolvimentismo que considera ultrapassado: o que a gente vê é que o Brasil é uma democracia super competitiva. Difícil, sofisticada, de alto nível. Acho que a política tem alto nível. E ela é um mercado. Ela responde a um eleitor mediano. Então acho que os políticos fazem, independente do que eles gostem mais ou menos, o que o eleitor mediano quer. Dentro de nuances, dentro dos pontos de partida de cada um dos partidos, mas eu acho que tem uma forte convergência da política brasileira à média, e acho que a gente tem visto isso: as diferenças entre o governo FHC e Lula são muito menores do que o Fla x Flu que a política brasileira virou sugere, e eu acho que as diferenças maiores que houve no governo PT, que houve de uns anos pra cá, eles estão arrependidos. Tanto é que eu tenho uma leitura que esse ensaio nacionaldesenvolvimentista que ocorreu a partir de 2009 está sendo desembarcado. Eles perceberam que deu errado. Acho que eles vão voltar. Acho que o segundo mandato da Dilma vai ser uma coisa mais à la Palocci, primeiro governo do Lula, porque esse ensaio nacional-desenvolvimentista não é uma coisa que o eleitor quis. O eleitor não quer isso. O eleitor não quer BNDES. Não quer economia fechada. Juro baixo na marra. O eleitor quer bolsa, economia crescendo e desemprego baixo. Essencialmente, é isso que o eleitor quer. Então esse ensaio nacional-desenvolvimentista foi uma coisa mais por ideologia. Da Dilma, do Luciano Coutinho, do Guido Mantega, essas pessoas que eu acho que, independente dos méritos, é difícil a gente avaliar, evidentemente eu tenho uma visão contrária, mas a prática é que não funcionou. Não entregou crescimento e entregou mais inflação. Acho que o sistema político vai funcionar no segundo mandato da Dilma, eles vão desembarcar de vez esse ensaio nacionaldesenvolvimentista. Eu acredito muito que os políticos fazem o que o eleitor mediano manda (Pessôa, 2013). 71 Francisco Ferreira comenta como vê, atualmente, a Teoria do Capital Humano. Destaca os trabalhos de John Roemer 28, que dão ênfase à igualdade de oportunidades: o que aconteceu na minha trajetória é que eu acabei, em meados da década passada, ficando bastante interessado nessa questão de desigualdade de oportunidade. Em parte, por causa dessa questão da reprodução da desigualdade. Eu li os trabalhos do John Roemer. Ele é uma pessoa um pouco como você, na fronteira entre Economia e Ciência Política. Ele é professor de Ciência Política em Yale. E ele tem uma série de trabalhos, mas um bem conhecido é um livrinho chamado Equality of opportunity, aonde ele formaliza a teoria de filosofia ética. Pessoal que trabalha com teoria da justiça, sobre o que seria igualdade de oportunidade e se essa é, realmente, ou não, a desigualdade que importa do ponto de vista normativo. Do ponto de vista ético. Isso vai um pouco, também, em direção àquela antiga pergunta do Amartya Sen. Se não me engano, ao redor de 1980, onde ele perguntava: Desigualdade do que? (Ferreira, 2013). Ferreira comenta que, na desigualdade de resultados à qual as pessoas PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA chegam, existem dois componentes básicos: o primeiro tem a ver com a responsabilidade individual e o outro engloba tudo que não depende do esforço do indivíduo, que está fora do seu controle. Teria vindo daí a ideia de trabalhar para desenvolver índices de medição de desigualdade de oportunidades: a ideia básica é que na desigualdade de resultados que a gente observa, quer dizer, desigualdade de renda, ou desigualdade de educação, ou desigualdade de status, qualquer variável que você queira, riqueza, você tem, na verdade, dois componentes básicos. Um que reflete um componente de responsabilidade do indivíduo, que o Roemer para incorporar, chama de “esforço”, e outro que incorpora qualquer outra coisa que não seja esse de responsabilidade individual, de esforço que é, normativamente, associado ao indivíduo. Então todo esse resto que vem: a desigualdade dos seus pais, da sua família, da sua origem, do lugar onde você nasceu tudo isso leva a uma desigualdade de oportunidade. Na verdade, duas discussões, uma a nível filosófico, e outra a nível empírico do que é que a gente observa e o que é que a gente não observa. O que é, de fato, circunstância, porque são as variáveis que você não controla. O que é que é esforço, que são as variáveis que você controla. A literatura toda leva em consideração o fato de que o próprio nível de esforço absoluto, de medir, por exemplo, o esforço que diferentes crianças põem na sua lição de casa, isso, de certa forma, também é endógeno e reflete circunstâncias, porque reflete os pais, de novo, reflete a família, reflete a cultura, o ambiente que ele cresceu. Quer dizer, tudo isso é meio que levado em conta e tem toda uma discussão sobre isso, que eu achei bem interessante, e eu trabalhei, especificamente, numa área menos filosófica e mais de mensuração, de como pegar essas ideias e criar índices de medição de desigualdade de oportunidade (Ferreira, 2013). 28 John Roemer (1945- ) nasceu em Washington, D.C. É economista e cientista político, PhD em Economia por Berkeley. Suas pesquisas estão relacionadas à economia política e à justiça distributiva. 72 E isso resultou em diversos índices deste gênero, desde o Banco Mundial até o Brasil, com Ricardo Paes e Barros. Esses índices contribuem para esclarecer onde estão as desigualdades de oportunidade, fenômeno que a direita também PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA procura combater, facilitando a tomada de decisão de políticas sociais: o Banco Mundial, por exemplo, onde eu trabalho, adotou uma série desses índices para vários países. Teve uma resenha da revista The Economist, no ano passado, sobre desigualdade, aonde tinha lá um pedaço sobre esse trabalho nosso de desigualdade de oportunidade No Brasil, também, de novo, o Ricardo Paes de Barros criou um índice dele, diferente do nosso. Tem um livrinho nosso chamado Measuring inequality of opportunities in Latin America and the Caribbean, que os autores são, de novo, o Ricardo Paes de Barros, eu, o José Molinas e o Jaime Saavedra. Nesse livrinho tem os dois índices: o que eu prefiro, e o que o PB prefere. Mas isso acabou sendo usado. Criou esse Índice de Oportunidades Humanas, que as pessoas usam. Então é uma área que eu acho interessante, inclusive porque você tem uma vantagem política, que é a seguinte. Você falando de desigualdade de resultados, tem divergências entre, digamos, para estilizar um pouco, entre esquerda e direita. Aonde a direita, de certa forma, acha que aquilo é sua responsabilidade, e a esquerda acha que é responsabilidade da sociedade. Quando você isola um componente, e diz: “não, essa parte aqui, ela é claramente desigualdade de oportunidade”, até a direita concorda que o que gera essa desigualdade deve ser combatido. Então você tem um common ground aí para lidar com políticos e fazedores de política (Ferreira, 2013). Assim como Pessôa, Ferreira também sente que havia uma sinergia entre a Fundação Getúlio Vargas do Rio e a PUC-Rio com relação à Teoria do Capital Humano. Os principais intelectuais que falaram sobre ela estavam nessas duas instituições, mas Ferreira ressalva algumas exceções: eu acho que, como para qualquer outra coisa, há exceções. Pega, por exemplo, o Naércio Menezes Filho. O Naércio Menezes Filho era da USP. Ele, hoje, está no que se chama Insper, lá em SP. Foi Ibmec por um tempo, agora chama Insper. Quando eu estava na PUC do Rio, o Naércio estava na USP. E ele certamente fazia economia do trabalho de acordo com as linhas básicas que vêm na sua origem, de novo do Mincer e do Becker. É claro que ele fazia coisas mais modernas, mas a perspectiva original ainda era consistente com essa abordagem. Mas, de fato, eu acho que, por muito tempo, houve, no Brasil, de certa maneira, uma manifestação extrema daquele clubismo, ou da tendência ideológica da economia, foi rejeitar não só a teoria do capital humano, mas quase todo o arcabouço neoclássico do pensamento econômico, que passou a ser dominante no resto do mundo inteiro, certamente no mundo desenvolvido, mas que no Brasil ainda ficou minoritário. No Brasil e em outros países. Foi minoritário por muito tempo. E a PUC e a Fundação foram os primeiros departamentos, eu acho, a participarem dessa economia como disciplina, não como economia, mas economia como disciplina, ciência econômica internacional. No sentido de que se usava matemática, se usava cálculo, e você tinha arcabouços teóricos de otimização, etc. (Ferreira, 2013). As reações ao trabalho de Langoni foram intensas. Motivos políticos e ideológicos estavam entre as principais causas desse antagonismo. Décadas se 73 passaram desde o lançamento de seu livro. Os estudiosos aqui analisados consideram que os dados empíricos deram razão aos argumentos de Langoni e que, hoje, a interpretação de que o investimento no capital humano é fundamental para que haja crescimento econômico, diminuição da pobreza, e diminuição da desigualdade é muito bem aceita, apesar de termos ainda vozes dissonantes, nos mundos político e acadêmico. 3.4. A visão dos desenvolvimentistas no período autoritário sobre o conflito distributivo A visão dos desenvolvimentistas brasileiros com relação ao conflito distributivo durante o período autoritário tem em Celso Furtado um de seus mais PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA qualificados representantes. Ricardo Bielschowsky, em Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimentismo, comenta que Furtado acreditava que a saída para o nosso subdesenvolvimento passava pela nossa industrialização e pela ação do Estado neste sentido: a obra intelectual e executiva de Furtado nos anos 50 e início dos 60 já continha uma forte preocupação com os problemas sociais e inclinava-se crescentemente para a defesa das reformas. Refletia, porém, o pensamento de um intelectual que acreditava que o processo de industrialização constituísse a grande solução para os problemas sociais básicos e, além disso, de um servidor público que tinha uma carreira aberta à ascensão política no interior do Estado – entidade indispensável, segundo o projeto de sua corrente, para que se realizasse a industrialização. Predominou, por essa razão, em seu pensamento, como nos demais desenvolvimentistas nacionalistas, a defesa de medidas de política econômica relativas ao desenvolvimento industrial (Bielschowsky, 2000: 154). E Bielschowsky enumera quais seriam as quatro questões distributivas básicas, discutidas por Furtado em sua obra anterior a 1964: primeiro, e desde cedo, há a proposta de redistribuição de renda através de tributação sobre as classes ricas, de forma a ampliar a poupança nacional e os investimentos estatais; segundo, e fortemente associadas à discussão sobre ação fiscal, encontram-se, ainda nos anos 50, observações sobre a relação entre concentração de renda e crescimento econômico [...]; terceiro, a partir de 1957, há a discussão sobre o problema das desigualdades regionais, ligada à defesa de uma solução para a questão nordestina; quarto, encontra-se todo um posicionamento em apoio à realização de uma reforma agrária (Bielschowsky, 2000: 154). 74 Em Desenvolvimento e subdesenvolvimento, Furtado explica como se teria dado o subdesenvolvimento nos países periféricos. Esse teria sido o terceiro movimento da expansão iniciada pela Revolução Industrial, na Europa, ocorrida no século 18. O primeiro seria o processo de desenvolvimento industrial na Europa Ocidental, que teria sido seguido pela expansão na direção de regiões com PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA terras disponíveis, mas com características semelhantes às da Europa. Finalmente: a terceira linha de expansão da economia industrial europeia foi em direção às regiões já ocupadas, algumas delas densamente povoadas, com seus sistemas econômicos seculares de variados tipos, mas todos de natureza pré-capitalista. O contato das vigorosas economias capitalistas com essas regiões de antiga colonização não se fez de maneira uniforme. Em alguns casos, o interesse limitou-se à abertura de linhas de comércio. Em outros houve, desde o início, o desejo de fomentar a produção de matérias-primas cuja procura crescia nos centros industriais. O efeito do impacto da expansão capitalista sobre as estruturas arcaicas variou de região para região, ao sabor das circunstâncias locais, do tipo de penetração capitalista e da intensidade desta. Contudo, a resultante foi quase sempre a criação de estruturas híbridas, uma parte das quais tendia a comportar-se como um sistema capitalista, a outra, a manter-se dentro da estrutura preexistente. Esse tipo de economia dualista constitui, especificamente, o fenômeno do subdesenvolvimento contemporâneo (Furtado, 2009: 161). Far-se-ia necessário, no entanto, chamar a atenção para o fato de que esses três movimentos não deveriam estar, obrigatoriamente, na história do desenvolvimento de todos os países desenvolvidos: “O subdesenvolvimento é, portanto, um processo histórico autônomo, e não uma etapa pela qual tenham, necessariamente, passado as economias que já alcançaram grau superior de desenvolvimento” (Furtado, 2009: 161). Sua preocupação com a industrialização era intensa. Furtado procura explicar as dificuldades que teríamos no nosso processo de industrialização. Ao concorrermos com os produtos estrangeiros, estaríamos obrigados a utilizar os métodos de produção do exportador estrangeiro, fazendo com que houvesse atraso na incorporação das estruturas mais atrasadas do país: o subdesenvolvimento não constitui uma etapa necessária do processo de formação das economias capitalistas modernas. É, em si, um processo particular, resultante da penetração de empresas capitalistas modernas em estruturas arcaicas. O fenômeno do subdesenvolvimento apresenta-se sob formas várias e em diferentes estádios. O caso mais simples é o da coexistência de empresas estrangeiras, produtoras de uma mercadoria de exportação, com uma larga faixa de economia de subsistência, coexistência esta que pode perdurar, em equilíbrio estático, por longos períodos. O caso mais complexo – exemplo do qual nos oferece o estádio atual da economia brasileira – é aquele em que a economia apresenta três setores: um, principalmente de subsistência; outro, voltado 75 sobretudo para exportação e o terceiro, como um núcleo industrial ligado ao mercado interno, suficientemente diversificado para produzir parte dos bens de capital de que necessita para seu próprio crescimento. O núcleo industrial ligado ao mercado interno se desenvolve através de um processo de substituição de manufaturas antes importadas, vale dizer, em condições de permanente concorrência com produtores forâneos. [...] O resultado prático disso - mesmo que cresça o setor industrial ligado ao mercado interno e aumente sua participação no produto, mesmo que cresça, também, a renda per capita do conjunto da população – é que a estrutura ocupacional do país se modifica com lentidão. O contingente da população afetada pelo desenvolvimento mantém-se reduzido, declinando muito devagar a importância relativa do setor cuja principal atividade é a produção para subsistência (Furtado, 2009: 171-172). Em A pré-revolução brasileira, Furtado, respondendo a algumas questões levantadas por jovens universitários, levanta o problema de que apesar do desenvolvimento que vinha ocorrendo, estaríamos passando por um processo de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA concentração de renda: a primeira destas questões diz respeito ao custo social do desenvolvimento que se vem realizando no Brasil. A análise econômica limita-se a expor friamente a realidade. Sabemos que o desenvolvimento de que tanto nos orgulhamos, ocorrido nos últimos decênios, em nada modificou as condições de vida de três quartos da população do país. Sua característica principal tem sido uma crescente concentração social e geográfica de renda. As grandes massas que trabalham nos campos, e constituem a maioria da população brasileira, praticamente nenhum beneficio auferiram desse desenvolvimento. Mais ainda: essas massas viram reduzir-se o seu padrão de vida, quando confrontado com o de grupos sociais ocupados no comércio e em outros serviços. (Furtado, 1962: 14). Para Furtado, em países desenvolvidos poderíamos nos preocupar com o crescimento quantitativo. No entanto, esta não deveria ser a maior preocupação nos países subdesenvolvidos, onde teríamos que fazer modificações nas nossas estruturas: distinto é, entretanto, o problema da formulação de uma política de desenvolvimento para uma economia subdesenvolvida. Em face de uma estrutura pouco diferenciada, de um sistema com reduzido grau de integração, a técnica de política quantitativa apresenta limitado alcance prático. [...] A política de desenvolvimento que se requer em um país subdesenvolvido é, principalmente, de natureza qualitativa: exige um conhecimento da dinâmica das estruturas que escapa à análise econômica convencional. A técnica corrente de projeções, base da política de desenvolvimento de longo prazo que vem sendo adotada em vários países, ignora a maior parte dos obstáculos estruturais que são específicos do subdesenvolvimento (Furtado: 1962: 38-39). Em Conversas com economistas brasileiros, suas preocupações qualitativas são repetidas, com a diferença de que, agora, Furtado vê como vitoriosa a ideia de que os indicadores sociais são também de vital importância para se medir o desenvolvimento: 76 o conceito de desenvolvimento surgiu com a ideia de progresso, ou seja, de enriquecimento da nação, conforme título do livro de Adam Smith, fundador da Ciência Econômica. O pensamento clássico, tanto na linha liberal como na marxista, via no aumento da produção a chave para melhorar o bem-estar social, e a tendência foi de assimilar o progresso ao produtivismo. Hoje, já ninguém confunde aumento da produção com melhoria do bem-estar social. Mede-se o desenvolvimento com uma bateria de indicadores sociais que vão da mortalidade infantil ao exercício das liberdades cívicas (Furtado, 1996: 64). O economista enfatiza que as forças de mercado sozinhas, no nosso caso, não seriam capazes de alavancar nosso desenvolvimento, fazendo-se necessária a presença de ações políticas: PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA desse ponto de vista, o Brasil apresenta um quadro muito pouco favorável, pois é um dos países em que é maior a disparidade entre o potencial de recursos e a riqueza já acumulada, de um lado, e as condições de vida da grande maioria da população, de outro. O crescimento econômico pode ocorrer espontaneamente pela interação das forças do mercado, mas o desenvolvimento social é fruto de uma ação política deliberada. Se as forças sociais dominantes são incapazes de promover essa política, o desenvolvimento se inviabiliza ou assume formas bastardas (Furtado, 1996: 64). Em Estatísticas do século XX, Furtado atribui à presença de sindicatos fortes e organizados na Europa o fato de eles terem conseguido uma distribuição de renda aceitável, dentro do sistema capitalista: crescem a produtividade e a renda per capita, mas, se não houver distribuição dessa renda, apenas se reproduzem os padrões de consumo dos países mais ricos. As elites do Brasil vivem tão bem, ou melhor, do que as do chamado Primeiro Mundo. O subdesenvolvimento cria um sistema de distribuição de renda perverso, que sacrifica os grupos de renda baixa. Pois é inerente à economia capitalista a tendência à concentração social da renda. O processo competitivo da economia de mercado exige a seleção dos mais fortes, e os que vão passando na frente concentram a renda. Essa tendência pode ser corrigida pela ação das forças sociais organizadas, que levam o Estado capitalista a adotar uma política social. Na Europa, onde se criaram grandes sindicatos, a sociedade civil se modificou, evoluiu, e a própria luta social passou a ser um elemento dinâmico. Se a Europa avançou tanto não foi só porque cresceu economicamente, mas porque redistribuiu a renda, o que foi possível graças às pressões dos poderosos sindicatos. O problema é que nas economias subdesenvolvidas a ação dessas forças sociais é de muito menor eficácia. Aqui, a tendência à agravação das desigualdades somente se reduz em fases de forte crescimento do intercâmbio internacional. Daí o fator político ser tão relevante nos países do Terceiro Mundo (Furtado, 2006: 16). Para Celso Furtado, portanto, a desigualdade de renda no mercado de trabalho brasileiro derivava principalmente de um fator estrutural: a debilidade das organizações defensoras dos interesses dos trabalhadores. Inexistência de sindicatos, ou sindicatos com baixo poder de barganha, torna mais difícil alcançar 77 ganhos salariais nas negociações com o capital privado. Ao lado disso, as condições adversas introduzidas pelo regime autoritário, especialmente a política salarial restritiva, faziam com que o conflito distributivo ficasse congelado ou mesmo pendesse para o lado do capital, consolidando um quadro de concentração de renda no país. A perspectiva analítica de Celso Furtado e de outros economistas desenvolvimentistas, com relação à desigualdade de rendimentos no mercado de trabalho, tornou-se a perspectiva analítica usada pela oposição ao regime autoritário nos anos 1970. O crescimento da desigualdade de renda dar-se-ia por problemas estruturais, ligados ao nosso subdesenvolvimento (fragilidades históricas dos sindicatos), somada as condições impostas pelos governos militares (arrocho salarial, fim do direito de greve e repressão dos sindicatos). PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA A disputa, se é que houve uma disputa, foi desfavorável às ideias de Langoni. Elas tiveram que esperar uma nova geração de economistas, e o próprio processo de redemocratização do país. 4. Defesa de investimentos em capital pensamento econômico dos anos 1990 humano no Neste capítulo serão estudados alguns importantes pensadores brasileiros que, preocupados com diversos aspectos de nossa pobreza e ou desigualdade, enfatizaram a importância da educação para o nosso desenvolvimento, aspecto abraçado pela Teoria do Capital Humano. Os trabalhos de Cristovam Buarque, José Márcio Camargo, Samuel Pessôa, Francisco Ferreira, Ricardo Paes de Barros e Marcelo Neri foram de fundamental importância na definição de nossas políticas sociais de combate à pobreza e à desigualdade. No segundo semestre de 2013, realizaram-se entrevistas com José Márcio Camargo, Samuel Pessôa e Francisco Ferreira. Este capítulo se baseia nestas entrevistas e em levantamentos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA bibliográficos. Tratarei do resgate, por Ricardo Paes de Barros, nos anos 1990, das ideias de Langoni, que iriam influenciar nossa atual agenda pública. Em seguida será analisada a contribuição de destacados economistas da PUC-Rio e da FGV-Rio, Camargo, Ferreira, Pessôa e Neri. Também o pensamento desenvolvimentista, representado por Buarque, que incorporou aspectos da Teoria do Capital Humano, será comentado. Finalmente, comentarei alguns indícios que evidenciam que a sociedade brasileira passou a dar maior valor à educação, ponto defendido pela Teoria do Capital Humano. 4.1. O resgate das ideias de Langoni e a agenda pública Ricardo Paes de Barros, PhD em Economia pela Universidade de Chicago, é considerado um dos expoentes da atual política de transferência de rendas no Brasil. Paes de Barros et alli, em Determinantes do desempenho educacional no Brasil, focalizam o baixo investimento em capital humano em nosso país, apesar de apontarem para as estimativas que indicam os retornos proporcionados por este tipo de investimento, bem como para a perpetuação da desigualdade no caso de não haver uma mudança neste padrão de investimentos. 79 No Brasil, a combinação de um sistema educacional público precário com graves imperfeições no mercado de crédito tem feito com que o nível de investimentos em capital humano esteja sistematicamente abaixo dos padrões internacionais [...]. Este fato surpreende na medida em que todas as estimativas existentes para as taxas de retorno desse tipo de investimento apresentam valores bastante atraentes (Barros et alli, 2013: 1). A preocupação com a transmissão da pobreza de geração em geração é expressa: mais preocupante que o subinvestimento em capital humano é o fato de este ser tão mais acentuado quanto mais pobre é a família. Como o grau de pobreza de um indivíduo é fortemente determinado por seu nível educacional, essa natureza diferenciada do subinvestimento em educação leva à transmissão intergeracional da pobreza. Os indivíduos nascidos em famílias pobres hoje tenderão a ter escolaridade inferior e serão, com maior probabilidade, os pobres de amanhã (Barros et alli, 2013: 1). O investimento em capital humano depende das expectativas de um PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA retorno que compense a decisão de adiar a entrada no mercado de trabalho, e de uma oferta de crédito que facilite esta decisão: os investimentos em capital físico e humano - componentes fundamentais do processo de crescimento econômico - ocorrem não só quando as taxas de retorno esperadas para esses investimentos compensam o custo de oportunidade dos recursos investidos, mas também quando o mercado de crédito não impede que essas oportunidades sejam exploradas. Numa economia em que os mercados são perfeitos, a contínua geração de oportunidades promissoras de investimento é condição necessária e suficiente para que haja um processo de crescimento sustentado (Barros et alli, 2013: 2-3). A característica de descentralização na decisão da realização de investimentos em capital humano é abordada, ao pontuar o autor que tal investimento não depende somente das políticas de incentivo: outra particularidade desse tipo de investimento é que não pode ser aumentado por uma decisão unilateral do governante, ao contrário de grande parte dos investimentos em capital físico. A decisão de investir em capital humano é estritamente descentralizada. Assim, o investimento em capital humano só pode ser aumentado se for reduzido o grau de imperfeição dos mercados de crédito, ou se as taxas de retorno desse investimento forem elevadas ao ponto em que, mesmo com as imperfeições existentes, compense aos agentes a realização do investimento. Conclui-se, desse modo, que as variáveis correlacionadas com custos e benefícios do investimento em capital humano ou que reflitam imperfeições de crédito são as principais candidatas a determinantes relevantes do investimento em capital humano (Barros et alli, 2013: 2-3). Em A recente queda na desigualdade de renda e o acelerado progresso educacional brasileiro da última década, Barros, Franco e Mendonça lembram o pioneirismo de Langoni ao pensar a desigualdade como consequência da 80 deficiência no sistema educacional. Teria sido a recente expansão educacional responsável pela queda do índice de Gini entre 2001 e 2005? Em meados da década de 1970, Langoni (2005) demonstrava que o crescimento da desigualdade no Brasil era uma consequência direta da lenta expansão do sistema educacional. Mais que isso, ressaltava que o combate à desigualdade requereria, necessariamente, uma expansão acelerada do sistema educacional. Desde então a relação entre educação e desigualdade vem recebendo grande atenção da literatura econômica. [...] Ao longo da última década ocorreu, enfim, uma expansão educacional acelerada. O progresso educacional nos últimos dez anos foi mais de duas vezes o observado nos dez anos anteriores. Mais recentemente, a desigualdade de renda também começou a declinar. Só entre 2001 e 2005 o coeficiente de Gini caiu quase 5%, atingindo, assim, seu nível mais baixo dos últimos trinta anos (Barros et alli, 2007: 7). Os autores destacam que a educação e outras formas de capital humano têm influência na desigualdade dos rendimentos do trabalho de duas formas. Em primeiro lugar, “na medida em que a remuneração de um trabalhador é crescente PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA com seu capital humano, quanto maior for a desigualdade em capital humano maior será a desigualdade em remuneração” (Barros et alli, 2007: 8). Além disso, “dado um grau de desigualdade em capital humano, quanto maior for a sensibilidade da remuneração a essa variável, maior será a desigualdade em remuneração do trabalho (efeito preço)” (Barros et alli, 2007: 8). Tendo em vista a existência de um grau de desigualdade quando se afere o capital humano, haverá uma variação da remuneração sempre que houver uma maior sensibilidade da remuneração à variação do capital humano, precificada pelo mercado: assim, o mercado de trabalho revela desigualdades em capital humano, cuja magnitude depende: (a) da magnitude da desigualdade em capital humano a ser revelada, e (b) da sensibilidade do tradutor utilizado para transformar essa desigualdade (a do capital humano) em desigualdade de remuneração. Esse tradutor nada mais é do que a relação entre remuneração do trabalho e capital humano. Quanto mais sensível for a remuneração ao capital humano, maior será a desigualdade revelada.[...] Evidentemente, o impacto e, por conseguinte, a contribuição das mudanças na distribuição de escolaridade e de experiência (efeitos quantidade), assim como a contribuição das mudanças na sensibilidade da remuneração a esses dois atributos dos trabalhadores (efeitos preços), dependem da magnitude e da natureza dessas mesmas mudanças (Barros et alli, 2007: 8). Os autores concluem que os resultados conseguidos em suas pesquisas permitem afirmar que a diminuição na diferença de remuneração em função do nível educacional foi um dos principais responsáveis pela recente queda da desigualdade no que tange aos rendimentos do trabalho. O mercado de trabalho 81 teria ajustado as remunerações a essa diminuição de diferenças nos níveis educacionais: de fato, essa queda nos diferenciais de remuneração por nível educacional data de, pelo menos, 1995, mas se intensificou entre 2001 e 2005. Antes de 2001, seus efeitos não eram tão visíveis porque o crescimento da desigualdade educacional na força de trabalho os anulava. Somente essa redução na sensibilidade da remuneração do trabalho à educação contribuiu com quase 20% da queda na desigualdade em remuneração do trabalho, e com 12% da queda na desigualdade em renda per capita. E chamam a atenção para o fato de que a desigualdade educacional da força de trabalho tem diminuído desde o início do século atual: PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA a partir de 2001-2002, o grau de desigualdade educacional da força de trabalho também declinou, o que seguramente contribuiu para a queda recente na desigualdade em remuneração do trabalho e em renda per capita. Esse impacto foi menor, respondendo por 17% da queda na desigualdade em remuneração do trabalho, e por apenas 5% da queda na desigualdade em renda per capita (Barros et alli, 2007: 33). Em relação à idade e à experiência, concluíram que as diferenças de remuneração derivadas destes fatores diminuíram a partir de 2001. As mudanças associadas à idade ou à experiência no mercado de trabalho foram responsáveis por cerca de 7% da queda na desigualdade em remuneração do trabalho entre 2001 e 2005, e por apenas 2% da queda na desigualdade em renda familiar per capita. A decomposição da contribuição da idade revela não ter sido a redução na sensibilidade da remuneração do trabalho à idade (efeito preço) o fator mais importante, e sim o impacto direto das mudanças na estrutura etária da força de trabalho (efeito quantidade), o qual respondeu por 5% da queda na desigualdade em remuneração do trabalho, e por pouco menos de 2% da queda na desigualdade em renda per capita (Barros et alli, 2007: 33). E constatam que houve uma diminuição da diferença de experiência dos trabalhadores motivada pelos anos de trabalho e uma maior homogeneidade no aspecto educacional. Com isso, as remunerações reagiram de forma a tornar menos desiguais os rendimentos do trabalho: em suma, ao longo do último quadriênio vimos que: (a) tanto a heterogeneidade etária como a desigualdade educacional da força de trabalho declinaram, e (b) tanto a sensibilidade da remuneração do trabalho à escolaridade quanto à idade também declinaram, contribuindo, portanto, para a queda das desigualdades em remuneração e em renda familiar per capita no país (Barros et alli, 2007: 34). Ricardo Paes de Barros, ao trabalhar com aspectos como desigualdade educacional, experiência no trabalho e idade dos trabalhadores, aborda temas básicos da Teoria do Capital Humano. Podemos ver aqui um resgate das ideias de 82 Langoni, cuja obra tem sido reconhecida, como vimos e veremos, como fundamental para a definição das nossas políticas sociais de transferência condicionada de renda. 4.2. A contribuição dos economistas da PUC-Rio e FGV-Rio José Márcio Camargo formou-se em 1970 na Universidade Federal de Minas Gerais, na Faculdade de Ciências Econômicas e veio fazer o mestrado na Fundação Getúlio Vargas em 1971. Fez o curso de mestrado entre 1971 e 1973. “Não fiz a tese porque imediatamente eu apliquei para fazer doutorado nos Estados Unidos; fui aceito no MIT e fui fazer doutorado no MIT. De 1973 a 1977, eu fiz o doutorado no MIT. Acabei o curso do MIT em 1977 e vim pra PUC” PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA (Camargo, 2013). E relata seus primeiros contatos com a Teoria do Capital Humano: na verdade, foi aqui no Brasil. No final dos anos 60, a teoria do capital humano é uma coisa nova em Economia. Não é uma coisa que vem lá dos primórdios. Quer dizer, a formalização da ideia de capital humano é alguma coisa da década de 50, e teve muita resistência, mesmo entre os economistas, com a ideia de que Educação é investimento, e não consumo. Porque, antes da teoria do capital humano, a ideia era que a Educação era consumo. Era uma forma de as pessoas se tornarem mais educadas, mais agradáveis, mais interessantes, de você poder conversar melhor, ter mais cultura e tal. Era muito uma coisa que tem a ver com consumo (Camargo, 2013). Camargo explica como a Teoria do Capital Humano relaciona educação com produtividade e, consequentemente, como a decisão de dedicar mais anos ao estudo traria melhores rendimentos no futuro: a ideia da teoria do capital humano é que, na verdade, educação, cultura, etc., mas principalmente educação tem a ver com produtividade. O que acontece: quanto mais educação você tem, mais produtivo você é e, consequentemente, maior é a produção por unidade de pessoa. Então o que importa não é a quantidade de trabalhadores que você tem no país, mas é a quantidade de capital humano que você tem no país. Se você tem milhões de trabalhadores, um milhão de trabalhadores com pouca educação, você pode ter muito menos fator de produção do que se você tiver cem mil trabalhadores com muita educação, porque um trabalhador com muita educação produz mais riqueza para a sociedade. Estou falando de riqueza. Produz mais riqueza do que um trabalhador com pouca educação. Então a ideia é que você deixa de trabalhar quando você é adolescente, criança, pra acumular capital humano, de tal forma que você vai ser mais produtivo quando você for adulto, e ganhar mais. É uma forma de investir. Você está deixando de ganhar quando você é adolescente, criança, em vez de ir para o 83 mercado de trabalho e ganhar um salário, você está acumulando capital humano para poder ganhar mais quando você entrar no mercado de trabalho, daqui a dez anos. Então, por exemplo, eu poderia estar trabalhando logo depois que eu me formei; eu resolvi fazer mestrado e doutorado. Deixei de ganhar dinheiro nesse período aqui. Por que é que eu deixei de ganhar dinheiro nesse período aqui? Porque, quando eu acabasse o meu doutorado, eu teria uma produtividade maior. Consequentemente, eu teria um salário maior do que eu teria só com graduação. Essa é a ideia da teoria do capital humano (Camargo, 2013). O economista considera Gary Becker sua principal referência teórica: é uma revolução porque isso significa uma mudança na forma de pensar um monte de coisas na sociedade. Família, relações pessoais. Você gera toda uma mudança na forma de pensar o dia-a-dia, independente de você concordar ou não. Não importa. Mas, do ponto de vista da revolução teórica, é extremamente importante. Você começa a avaliar pequenas coisas, de uma forma completamente diferente do que você avaliava antes. Então acho que a grande referência é esse cara chamado Gary Becker. Esse é um cara de Chicago que está aí até hoje (Camargo, 2013). Camargo comenta a importância que deu, em seu trabalho acadêmico, à PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA forma de pensar nosso mercado de trabalho brasileiro, e critica a institucionalidade, a presença de um Estado regulador no nosso mercado de trabalho: eu acho que o mercado de trabalho brasileiro tem características muito próprias: a institucionalidade, as legislações, da forma como a justiça trabalha, a institucionalidade é extremamente prejudicial ao trabalhador. Por razões opostas ao que, normalmente, as pessoas acreditam. Eu acho que toda a ideia de que você tem que proteger o trabalhador contra os empresários é um equívoco completo. E toda a ideia da CLT se baseia nessa ideia. De proteger o trabalhador. Só dá errado e isso faz com que os trabalhadores brasileiros sejam sempre pobres e pouco eficientes. Sempre se valoriza muito pouco capital humano. Esse é o ponto fundamental. Você não vai treinar e ele não vai querer ser treinado! Os dois lados saem perdendo na brincadeira. Só que, no curto prazo, você não tem muito que fazer. Porque você tá numa armadilha, porque, se você fizer sozinho, você perde dinheiro, porque você tem um cara, e o cara vai pra outra empresa (Camargo, 2013). Mesmo com educação deficiente, com baixo capital humano, nós teríamos conseguido nos industrializar. Mas a tecnologia mudou, e nós não poderíamos mais prosseguir da mesma forma: você conseguiu industrializar sem nenhuma educação. Com o nível educacional que o Brasil tem, não tem nenhum país do mundo que tenha a indústria que o Brasil tem. [...] Mudou a tecnologia. Esse sistema não vai funcionar mais. Era tecnologia mecânica. Agora, cara, digital, “dançou”. O meio de informação virou outra coisa. O “cara” tem que saber pensar! Não é mais operacionalizar, só. Tem que saber pensar (Camargo 2013). 84 De acordo com José Márcio Camargo, economistas e outros cientistas sociais têm estudado a relação direta entre os rendimentos e o nível de educação dos indivíduos pelo menos desde o começo do século XX. Mas teria sido somente a partir dos anos 1960 que os gastos com educação passaram a ser considerados gastos de investimento. Haveria uma questão a ser discutida e esta seria: qual o motivo de a renda dos indivíduos aumentar quando neles se investia em educação? Em uma reflexão teórica, Camargo explica os princípios que norteiam a Teoria do Capital Humano: PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA uma primeira possibilidade é que educação aumenta a produtividade do trabalhador e, portanto, sua renda. Uma segunda possibilidade é que educação está correlacionada a outras características não observadas das pessoas que determinam suas produtividades. Neste caso, educação seria apenas um sinalizador destas características. Porém, se educação aumenta a produtividade, mais educação deveria gerar taxas maiores de crescimento do produto dos países, o que significa uma taxa de retorno social também positiva do investimento em capital humano (Camargo, 2012: 5-6). Camargo afirma que desde o trabalho de Becker a educação tem sido tratada como um investimento nas pessoas. Isto teria acontecido porque o tempo que um indivíduo usa se educando poderia ter sido utilizado alternativamente obtendo algum tipo de renda no mercado de trabalho. É um custo que o indivíduo investe no presente, com a expectativa de um ganho maior no futuro. “Por outro lado, a observação empírica mostra que pessoas com mais escolaridade, ou seja, com mais anos de estudo têm, em média, rendimentos maiores do que pessoas com menos escolaridade” (Camargo, 2012: 6). Mas por que o mercado valorizaria com salários maiores anos adicionais de educação? Apoiando-se em Becker, Camargo relaciona uma melhor educação com um aumento na produtividade. Devido à concorrência entre os empregadores pelos trabalhadores mais produtivos, os ganhos de produtividade são recompensados no mercado de trabalho por meio de maiores salários. Neste caso, níveis educacionais mais elevados estariam diretamente relacionados a maior produtividade do trabalhador no processo produtivo. Ganhos de produtividade, por seu turno, significam que a mesma quantidade de bens e serviços poderá ser produzida com menor utilização de fatores de produção (trabalho e capital) e, dado a disponibilidade destes fatores, ganhos de produtividade geram mais crescimento das economias. Neste caso, acréscimos no nível educacional da população seriam fator importante para alavancar o crescimento econômico dos países. Em outras palavras, além de ter uma taxa de retorno privada positiva, investimentos em educação teriam taxas de retorno social também positivas. (Camargo, 2012: 6-7). 85 A questão da definição da estruturação das políticas sociais, segundo Camargo explica em Política social no Brasil: prioridades erradas, incentivos perversos, que foi publicado em 2004, deveria responder a uma série de questões: a resposta a esta pergunta independe do grau de desenvolvimento da nação, da porcentagem de pobres existentes, do nível de desigualdade na distribuição da renda e da estrutura etária da população? Qual o papel dos gastos sociais do Estado na redução da desigualdade e da pobreza? As respostas não são únicas e estão na raiz do debate sobre a forma como devem ser estruturados os programas sociais no Brasil e em outros países (Camargo, 2011: 68). As respostas irão depender dos objetivos que se queira alcançar. Camargo argumenta que existem respostas distintas à pergunta sobre quais os motivos que PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA levam o Estado a taxar as pessoas e agentes produtivos: uma delas seria considerar o objetivo dos programas sociais a redução das desigualdades na distribuição da renda e nos níveis de pobreza, decorrentes de falhas no funcionamento dos mercados. Ou seja, se, devido a externalidades positivas ou negativas, assimetria de informações, mercado de crédito imperfeito, etc., o resultado do funcionamento do mercado gera uma distribuição da renda e níveis de pobreza indesejáveis para a sociedade, as políticas sociais poderiam ser utilizadas para contrabalançar estes resultados. Uma resposta alternativa seria que os programas sociais têm por objetivo criar uma rede de proteção social para todos os cidadãos do país, fazendo com que, diante de imprevistos como desemprego, acidentes no trabalho, doença, etc., ou em face de situações previsíveis, mas que os cidadãos, por alguma razão, não conseguiram antecipar adequadamente, como a perda da capacidade de trabalho devido à idade avançada, pouco investimento em capital humano, etc., consigam manter um padrão de vida mínimo adequado à sua sobrevivência (Camargo, 2011: 68). No Brasil, Camargo lembra que cerca de um terço do que o Estado arrecada destina-se ao pagamento de pensões e aposentadorias. Assim sendo, restaria um valor insuficiente para gastos em programas sociais de educação fundamental. E isso inviabiliza o esforço que o Estado deveria fazer no sentido de financiar o aumento do capital humano das famílias mais pobres. Nestas condições, o Estado não consegue financiar o principal mecanismo de ascensão social e econômica das famílias pobres, que é a acumulação de capital humano através de boas escolas públicas. O resultado é que os filhos das famílias pobres entram no mercado de trabalho em condições de competitividade muito piores do que os filhos das famílias ricas, que estudam em escolas particulares, ou porque completam poucos anos de estudo ou porque suas escolas são de baixa qualidade. Como 50% das crianças brasileiras vivem em famílias pobres e, destas, 80% não concluem o ensino fundamental, aproximadamente 40% dos adultos brasileiros no futuro não terão completado oito anos de estudos. Dificilmente conseguirão trabalho decente, com remuneração adequada. (Camargo, 2011: 75-76). 86 De acordo com Camargo, estavam presentes nos programas sociais no Brasil duas tendências que faziam com que estes programas fossem de eficiência duvidosa no objetivo de reduzir a desigualdade de renda e a pobreza. Chamou essas tendências de “viés pró-idoso e o viés antipobres” (Camargo, 2011: 76). Do total de recursos gastos pelo governo federal com programas sociais, 60% se destinam ao pagamento de aposentadorias e pensões. Isto representa 12% do PIB do país, o que é o dobro do que a média dos países que têm proporção de idosos na população similar à do Brasil (5,85%) gasta com porcentagem de seus respectivos PIB. Por outro lado, 65% destes recursos são apropriados pelos 40% mais ricos da população (Camargo, 2011: 76). Por outro lado, o gasto efetuado pelo Estado com a educação seria pouco e PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA não atenderia prioritariamente a educação fundamental: concretamente, apenas 3,6% do PIB do país, em 2000, eram gastos com educação fundamental, enquanto 29,6% da população brasileira tinha naquele ano entre 0 e 14 anos de idade. O resultado desta estrutura de gastos sociais criou um mecanismo de reprodução da pobreza ao longo do tempo. Uma parcela substancial das crianças brasileiras vive em famílias pobres (50%). Destas crianças, mais de 80% não completam o ensino fundamental, ou seja, não possuem oito anos de estudos, ou porque não têm condições de fazê-lo por precisar entrar no mercado de trabalho muito cedo, ou porque as escolas públicas a que têm acesso são de tão baixa qualidade que são incapazes de mantê-las. Como consequência, 40% das crianças brasileiras, ao se tornarem adultas, terão menos de oito anos de estudo. Dificilmente conseguirão um trabalho decente. Serão os pobres do futuro. A proposta do programa bolsa-escola tem por objetivo exatamente criar os incentivos corretos para quebrar este círculo de reprodução da pobreza. Entretanto, como um terço das receitas do governo são destinadas ao pagamento de aposentadorias e pensões, sobram poucos recursos para o financiamento de programas como o bolsa-escola (Camargo, 2011: 76-77). Em Desigualdade de renda no Brasil: uma analise da queda recente, Camargo, Foguel e Ulyssea analisam a queda da desigualdade de rendimentos do trabalho ocorrida entre 2001 e 2005. Essa redução já vinha sendo observada desde o Plano Real, mas intensificou-se no período citado. Consideram que teria sido de fundamental importância para essa intensificação a “acelerada expansão educacional ocorrida na última década, bem como das concomitantes mudanças na estrutura etária, com consequentes mudanças na experiência da força de trabalho” (Camargo et alli: 2013: 336). Os resultados obtidos demonstram que um dos principais fatores responsáveis por essa queda da desigualdade de rendimentos do trabalho foi a redução nos diferenciais de remuneração por nível educacional (efeito preço). De fato, essa queda nos diferenciais de remuneração por nível educacional data de, pelo menos, 1995, mas se intensificou entre 2001 e 2005. Antes de 2001, seus efeitos não eram tão visíveis porque o crescimento da desigualdade educacional na força de 87 trabalho os anulava. [...] No que concerne a idade e a experiência, os resultados obtidos revelam que tanto a heterogeneidade etária da força de trabalho como os diferenciais em remuneração por idade ou experiência no mercado de trabalho vêm declinando a partir de 2001. Entretanto, esse declínio tem sido muito lento e, portanto, sua contribuição para a queda das desigualdades em remuneração e em renda familiar per capita foi bastante limitada. Em suma, ao longo do último quadriênio vimos que: (a) tanto a heterogeneidade etária como a desigualdade educacional da força de trabalho declinaram, e (b) tanto a sensibilidade da remuneração do trabalho à escolaridade quanto à idade também declinaram, contribuindo, portanto, para a queda das desigualdades em remuneração e em renda familiar per capita no país (Camargo et alli, 2013: 336-337). Camargo comenta seus diálogos com Darcy Ribeiro e Ricardo Paes de Barros que ajudaram a construir seu argumento quanto à necessidade de se pagar PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA para que os pobres ponham os filhos na escola: eu acho que a minha contribuição é uma contribuição que é essa coisa do Bolsa escola. Que é essa coisa de, para usar uma palavra que eu gosto, programas condicionados de transferência de renda. Por que é que eu acho que é uma contribuição? Porque eu acho que é uma coisa que está sendo muito mal aplicada. Mas esse é outro problema. Acho que é um problema político, diferente da questão teórica, de como que o programa foi idealizado, foi pensado no começo. Lá em 1982, quando o Brizola se elegeu aqui no Rio, o Darcy Ribeiro pensou na ideia dos CIEPs. Que era uma ideia de escola em tempo integral para as crianças, em que você tinha esporte, lazer, ensinava a sentar-se à mesa, a comer, a estudar, etc. Era uma coisa muito clara na cabeça do Darcy Ribeiro. Eu não achava tão claro assim. Mas era muito transparente pra ele. Ele tinha um objetivo muito claro. Mas, a partir daí, eu pensei: “Então as famílias devem adorar os CIEPs. As famílias pobres devem adorar os CIEPs”. Aí tinha um grupo, a gente tinha um grupo aqui na PUC que estudava essa coisa de mercado de trabalho e aí tinha um grupo no IPEA, em que estava o Ricardo Paes de Barros, que estudava essa coisa de capital humano. Aí “conversa vai, conversa vem”, resolvemos fazer pesquisa juntos. Eu e o Ricardo. Aí, um dia, sentados na mesa de trabalho do Ricardo lá no IPEA, uma tarde, nós começamos: “mas escuta, e os CIEPs? Como é que é esse negócio dos CIEPs? Vamos ver como é que funciona?” (Camargo, 2013). E constataram a importância que tinha para a renda familiar o trabalho dos filhos, que em alguns casos chegava a 30% desta renda: começamos a fazer pesquisas factuais. Sem nenhuma grande preocupação acadêmica, e a gente começou a perceber que, na verdade, as famílias evitavam os CIEPs. Aí eu falei: “Ô Ricardo, eu não estou entendendo. Como é que é isso? A gente acha que capital humano é espetacular. Que educação é básico, está certo? Que, sem isso, “neguinho” não vai pra frente. E as famílias pobres não querem o CIEP. O CIEP é ótimo, “cara”! Tem alguma coisa errada nesse processo?” Aí essa coisa a gente discutia muito. Essa coisa do ambiente acadêmico é muito importante, a discussão, passava a tarde inteira discutindo. Escrevemos vários papers juntos, uma quantidade enorme e, na época, a gente estava preocupado com pobreza. E tentando ver por que é que o Brasil tinha tanto pobre. Essa era a questão inicial. “Pô”, por que é que o Brasil tem tanto pobre? O Brasil, na época, tinha 40% de pobres. A renda per capita brasileira, o Brasil era um outlier. E aí olhando uma PNAD, eu comecei a perceber que, na verdade, as crianças de famílias pobres contribuíam com uma percentagem muito grande da 88 renda per capita familiar, trabalhando. Em situações extremas, podia contribuir com até 30% da renda per capita familiar. E isso me impressionou muito. Eu falei: “Escuta. Se o meu filho contribui com até 30% da minha renda, com a renda per capita familiar da minha casa, eu vou deixá-lo na escola ou eu vou colocá-lo no mercado de trabalho?” Essa foi a pergunta que veio à minha cabeça. E aí eu falei: “Imagina. Se o meu filho contribui com 30% da renda per capita familiar, eu vou colocar ele no mercado de trabalho. Não vou por ele na escola. Isso é maluquice. Só se eu for doido eu vou colocar ele na escola”. Aí eu falei: bom, só tem uma forma de resolver esse problema. É comprar o tempo da criança no mercado de trabalho. É pagar para a criança ir para escola, em vez de ir para o mercado de trabalho (Camargo, 2013). E tem um ponto de vista surpreendente acerca do altruísmo nas famílias ricas, ao buscar explicações para o fato de o mercado não resolver este problema. Afinal, se o filho ficar na escola, ganhará mais no futuro. Mas quem tem o poder PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA de decisão são os pais, não a criança: se você quer que as crianças pobres vão para escola, você vai ter que pagar para elas irem para a escola. E aí eu desenvolvi todo um arcabouço em torno disso. Mas aí tinha alguns pontos muito importantes. Era o seguinte; aí tem uma coisa mais teórica. “Por que é que o mercado de trabalho não resolve isso?”. Afinal de contas, o pai sabe que a criança vai ganhar mais dinheiro se ela for pra escola do que se ela não for pra escola. É verdade que ela ganha dinheiro agora, mas no futuro, ela vai ser pobre. Então o pai está querendo que ela seja pobre? Então, por que é que o mercado de trabalho não resolve? Aí é que você tem uma falha de mercado. Quem decide o quanto, quando que a criança vai estudar são os pais. O beneficiário é a criança, mas quem decide são os pais. Então não é de quem é beneficiário da decisão. Isso é uma falha clássica de mercado. Então, se você deixar o pai decidir, ele só vai decidir mandar a criança para escola se ele for muito altruísta. E aí tem uma coisa muito curiosa. E a coisa curiosa é o seguinte: suponha que isso seja verdade. Se isso é verdade, as famílias muito altruístas mandam seus filhos para escola. As famílias pouco altruístas não mandam seus filhos pra escola. Mandam para o mercado de trabalho, porque eles preferem ganhar dinheiro no presente a o filho ficar mais rico no futuro. Mas isso significa o seguinte: que, na verdade, os ricos são os altruístas, e não os pobres. Os pobres são os individualistas. As famílias pobres são pobres porque, no passado, elas foram individualistas e não deram educação para os filhos. Enquanto que as famílias ricas são ricas porque, no passado, os pais foram altruístas, e educaram seus filhos. O que era uma coisa louca na minha cabeça. Isso é uma conclusão espetacular! (Camargo, 2013). Então, se deixarmos o mercado funcionar sem algum incentivo para os pobres, a desigualdade continuará aumentando: mas aí você tem o seguinte: uma pessoa educada, à medida que vai ficando mais velho, o aumento de renda é muito maior do que uma pessoa não educada. Por razões óbvias: está acumulando capital humano ao longo da vida. Se acumular pouco capital humano, você acumula pouca renda. Se acumular muito capital humano, você ganha muita renda. Então a renda das crianças, dos adolescentes, elas são muito parecidas, independentemente do tipo de família que você vem, pobre ou rica. Porque tem pouco capital humano acumulado ali. Os adolescentes pobres são parecidos com os adolescentes ricos. Parecidos, entre aspas. Tem uma 89 diferença, mas é pequena. Isso significa que a porcentagem de renda que uma criança pobre pode contribuir para a família é muito maior do que uma criança rica. Então o custo de oportunidade de colocar uma criança na escola é muito menor, para uma família rica, do que para uma família pobre. Isso significa o seguinte: se você deixar o mercado funcionar, o mercado vai gerar cada vez mais desigualdade. Via investimento em capital humano (Camargo, 2013). Uma das razões de o ensino não ter sido valorizado durante tanto tempo pode estar relacionada à má qualidade do ensino público, o que desencorajaria os PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA pais a abrir mão de uma renda complementar proveniente do trabalho dos filhos: mas pode ter uma razão mais complicada. E que é o seguinte: se você consegue calcular a taxa de retorno educação por pessoa no Brasil, com os dados da PNAD. Você pega cada pessoa e calcula a taxa de retorno educação daquela pessoa. Você pega uma pessoa com determinadas características. E olha uma pessoa com as mesmas características com 30 anos a mais. E vê quanto que ele ganhou a mais de renda. E calcula a taxa de retorno desse cara. Então, o que é que acontece? Uma vez, um aluno meu, fazendo uma tese de mestrado, eu era orientador, ele foi apresentar a tese no computador – já tem muitos anos isso. Ele apresentou lá um gráfico que era o seguinte: aqui a taxa de retorno, e aqui nível educacional. Aí ele mostrou que a taxa de retorno do capital brasileiro é uma coisa desse tipo aqui. Mas ele calculou pessoa por pessoa. Aí, cada pontinho desses é a taxa de retorno de uma pessoa. Aí, apresentou o gráfico lá é uma coisa assim: Aí eu olhei para o negócio e falei assim: “Que fantástico! Uma maravilha! Esse gráfico é uma maravilha!”. Na hora. Eu olhei, “pô, espetacular, Zé! Esse negócio é espetacular! Olha a cara desse gráfico!”. A taxa de retorno educação é pequena. Aí, depois de dois minutos, eu falei: “Mas é óbvio que tem que ser assim. Afinal de contas, tem muito mais capital humano, a diferença de capital humano lá na ponta é muito maior do que a diferença de capital humano aqui”. Isso é aquela coisa que eu falei. As crianças de família pobre têm a mesma renda que as crianças de família rica no mercado de trabalho. Porque têm muito pouco capital humano acumulado ali. Porém acontece o seguinte: suponha que esses “caras” aqui sejam de família pobre. Suponha o seguinte: que, como o sistema educacional público é de pior qualidade, essas pessoas se educam, mas, como a educação é ruim, a quantidade de capital humano efetivamente acumulado ali é muito menor do que nas famílias ricas, e esses caras aí ganham muito pouco. E pegue um pai, coloque um pai aqui, olhando o que é que ele vai fazer com os seus filhos. O que ele olha, o que ele vê é esse cara aqui, não é esse cara lá. Agora, se o que ele vê é esse cara aqui, ele não vai dar educação para o filho dele. Esse é o ponto. Eu não estou falando que é isso. Eu estou falando se isso é isso. Não quer dizer que seja por isso que ele dá pouco valor à educação. Pode ser (Camargo, 2013). Francisco Ferreira fez sua graduação na London School of Economics com uma bolsa que conseguiu em 1987 e, depois, fez o mestrado e o doutorado. “Então uma trajetória um pouco diferente da trajetória mais comum dos economistas brasileiros” (Ferreira, 2013). Ferreira considera que Gary Becker e Jacob Mincer, em seu trabalho original, “são de certa forma as referências originais da Teoria do Capital Humano” (Ferreira, 2013). Comenta em seguida alguns dos seus trabalhos relacionados à Teoria do Capital Humano: 90 PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA eu diria que um deles, que eu gostaria de ressaltar, foi um trabalho que eu fiz com o Ricardo Paes de Barros, chamado The slippery slope: explaining the increase in extreme poverty in urban Brazil, está na Revista de Econometria, 1999, em que a gente olhava as mudanças na desigualdade brasileira. Essa questão de renda de uma forma geral, que não era só desigualdade, era, também pobreza. Entre 1976 e 1996. E usava umas técnicas de decomposição baseadas em microssimulações, para entender essas mudanças. Também foi publicada, além dessa revista, uma versão dele num livro que a gente fez com o François Bourguignon e a Nora Lustig, que chamava The Microeconomics Income Distribution Dynamics. Esse também seria um livro que eu incluiria nessa lista. Dos trabalhos influenciados pela Teoria do Capital Humano, no sentido de que o que a gente tenta fazer nesse livro, numa série de estudos de caso. Tem um capítulo metodológico. Introdução, um capítulo metodológico, e depois tem uma série de estudos de caso no Brasil, acho que era Argentina, México, Tailândia, com uma série de países na América Latina e na Ásia, aonde a gente tenta entender diferentes forças que afetam mudanças na distribuição de renda e também essa questão de renda de uma forma bem flexível, quer dizer, não só um índice que resuma desigualdade ou pobreza, mas o que hoje em dia, na época a gente ainda não chamava, não usava esse nome, mas, na verdade, a gente já estava fazendo o que depois passou a ser chamado de curva de incidência do crescimento. E a gente tenta decompor a curva de incidência de crescimento, ainda sem usar esse nome, em diferentes efeitos. Inclusive o efeito do crescimento na quantidade da educação. De mudanças, do retorno da educação, de mudanças na estrutura nacional. Então aí você tem essa coisa dos dois lados da educação, quer dizer, tanto a quantidade quanto o preço dela. Isso tudo baseado em equações mincerianas e usando mudanças nos parâmetros. E essa foi uma linha, uma linha de pesquisa que eu segui por algum tempo. Muito influenciado, na verdade, pelo François Bourguignon. E esse artigo com o PB, The slippery slope, foi o primeiro nessa direção para mim (Ferreira, 2013). E relaciona as desigualdades de riqueza, de educação e de poder político: de certa forma tem várias outras coisas que eu fiz que são também influenciadas pela teoria original do Becker, Schultz e tal. Por exemplo, do lado mais teórico, eu tenho um paperzinho bem antigo, chamado Education for the masses: interaction between wealth, education and political inequalities 29, que saiu no Economics of Transition em 2001. E é um modelinho do que eu considero de como é que é a função da reprodução da desigualdade brasileira. Então nesse modelo, você tem três tipos de desigualdade. Você tem a desigualdade de riqueza, a desigualdade de educação e a desigualdade de poder político. E basicamente, você tem uma situação na qual um dos equilíbrios é um equilíbrio em que você tem muita desigualdade de riqueza que gera uma massa que não pode pagar a escola particular. Uma elite que paga pela escola particular. E essas pessoas votam. Aí a gente tinha um modelo bem simples. Um pouco parecido com uma coisa que (tinha) também na Letter Economic Review, em que, se você tem muita desigualdade de riqueza, ela também gera desigualdade de poder político. E nesse equilíbrio, com muita desigualdade de poder político, a elite, cujos filhos têm acesso à escola particular não paga, ela tem um poder de decisão sobre o sistema tributário, e ela decide, então, não financiar uma escola pública de qualidade. E 29 Conforme Ferreira explica: “Na verdade, esses argumentos são mais claramente apresentados nesse paper que você mencionou do que no outro que eu estava mencionando, ainda que eles sejam parecidos” (Ferreira, 2013). Isto em resposta ao meu comentário de que estes pensamentos podem ser lidos também em Os determinantes da desigualdade de renda no Brasil: luta de classes ou heterogeneidade educacional (Ferreira, 2000). 91 isso se reproduz: não tendo uma escola pública de qualidade, as classes pobres ainda ganham pouco, têm uma riqueza menor, não podem colocar os filhos na escola. É um modelinho dinâmico, com uma interação entre um sistema político bem estilizado, com pouca estrutura, mas com a essência dela capturada por essa desigualdade de poder político relacionada à riqueza, que gerava uma reprodução da desigualdade num equilíbrio de longo prazo, com essas características. Que era, um pouco, a minha visão estilizada de como era, pelo menos, um dos elementos importantes de reprodução de desigualdade no Brasil, ao longo do tempo (Ferreira, 2013). Para Francisco Ferreira, atualmente, há que se pensar na natureza do sistema educacional, visto que a simples inclusão não é suficiente para evitar que se reproduzam e se perpetuem as desigualdades. A mudança no desenho do nosso sistema educacional terá que agir “na diferença entre o que se aprende nas melhores escolas particulares das grandes metrópoles do Sudeste e nas escolas públicas de suas periferias, ou da caatinga do Piauí, ou nas margens dos igarapés PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA amazonenses” (Ferreira, 2000: 15). Estamos diante de um sistema que gera um círculo vicioso no qual uma grande disparidade na qualidade educacional produz um alto nível de desigualdade de renda. Somente com o aumento do poder político das classes mais pobres, pela via de uma maior exigência de oferta de educação de qualidade, poderíamos interferir no sentido da interrupção dessa armadilha em que estamos. Far-se-iam necessárias maiores mobilização e pressão social da sociedade no sentido de assegurar uma educação básica de qualidade. Para Ferreira devemos admitir que nos deparamos com: [...] a possibilidade da existência de um tipo de equilíbrio político-econômico em que três desigualdades se reforçam mutuamente: uma grande desigualdade educacional gera um alto nível de desigualdade de renda - como se observa no Brasil. Esta desigualdade de renda ou riqueza, por sua vez, pode implicar numa distribuição desigual de poder político, na medida em que a riqueza gera influência sobre o sistema político. E a desigualdade de poder político reproduz a desigualdade educacional, já que os detentores do poder não utilizam o sistema público de educação, e não têm interesse na sua qualidade, dependendo apenas de escolas particulares. Os mais pobres, por sua vez, não tem meios próprios (nem acesso a crédito) para frequentar as boas escolas particulares, nem tampouco poder político para afetar as decisões fiscais e orçamentárias que poderiam melhorar a qualidade das escolas públicas (Ferreira, 2000: 25). Ferreira considera que a Teoria do Capital Humano influenciou as decisões do governo brasileiro de vincular transferência de renda com frequência escolar, como nos programas Bolsa Escola e Bolsa Família. 92 Eu acho que sim. Na verdade, eu acho que você já conversou com a pessoa que melhor poderia falar sobre esse tema, que é o José Márcio. O José Márcio, obviamente, como você sabe, naquele artigo que ele propõe pela primeira vez a ideia de fazer isso. De vincular a transferência com a frequência à escola. Eu acho que isso vem com essa compreensão de que o investimento na educação, hoje, gera retornos no futuro. Tem um custo no presente, mas gera retornos no futuro, que é a essência, na verdade, do modelo do Becker. A transferência condicional requer, do ponto de vista teórico, uma série de outras ideias. Nas quais eu acho que as pessoas ainda estão trabalhando. Eu acho que a visão que o José Márcio teve, que o Cristovam Buarque depois comprou, implementou em Brasília e gerou as primeiras experiências do Bolsa Escola em 94, 95 e depois foi dar no Bolsa Escola nacional, e, por fim, no Bolsa Família, vem de uma compreensão de que as crianças pobres têm um custo muito alto pra investir no capital humano, hoje, mas que isso é fundamental para sua saída da pobreza no futuro. Então tem diretamente a ver com a teoria (Ferreira, 2013). Para Samuel Pessôa a negligência com a educação teria sido o maior erro por nós cometido nos últimos séculos. Considera, no entanto, que esta questão vem sofrendo melhoras. “O país percebeu o problema. A situação começou a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA mudar quando viramos uma democracia – hoje, o Brasil é uma democracia muito dinâmica e aberta. A população tornou a educação uma questão importante” (Pessôa, 2013). Samuel Pessôa comenta como chegou à Economia, vindo da Física. E relembra que veio de uma família de esquerda, com avós comunistas, em um ambiente contrário ao regime militar: eu entrei em física na USP, fiz mestrado em física na USP. Aí me interessei muito por economia. E eu comecei a me interessar por economia, eu me lembro bastante bem: foi a crise de 1982. Dívida externa, eu tinha 19 anos. E eu nasci em 1963, peguei todo o período do milagre na minha infância e juventude jovem, adolescência. Com a crise de 1982, foi a primeira vez que eu senti que eu morava em um país pobre. Eu não tinha essa consciência. Eu sabia que era um país pobre. Meus avós eram comunistas de carteirinha, meu avô era um médico sanitarista importante. Samuel Pessoa. Eu cresci e fui criado num ambiente de esquerda e muito crítico à ditadura, mas eu vi o mundo como um país que crescia muito (Pessôa, 2013). Começou a ter consciência de que havia pobreza no país na crise de 1982, quando no bairro onde vivia começaram a aparecer flanelinhas: a crise de 1982, o desemprego e a perda de renda, foi a primeira vez que eu percebi que eu vivia num país pobre. Eu me lembro que eu não conhecia, até 1982, a figura do flanelinha. Isso não existia em São Paulo. Se você fosse num cinema, nos Jardins, ou em qualquer bairro de São Paulo, não tinha guardador de carro. Meu pai me disse que tinha no centrão. Mas nos bairros, não tinha. Eu me lembro bem, no começo, quando surgiu essa figura, as pessoas reagiam. Tinha revolta. Tinha briga. E os guardadores de carro, eles conquistaram seu espaço, 93 sua profissão, seu negócio na força. E aí a sociedade aceitou e hoje virou uma norma social (Pessôa, 2013). Interessou-se pelo problema do subdesenvolvimento e entusiasmou-se pela PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA economia lendo Mario Henrique Simonsen: fiquei muito interessado e comecei a me interessar pela questão do subdesenvolvimento. Aí veio o plano Cruzado, em 1986, eu estava no último ano da Física, começando o mestrado em Física. Comecei a ficar muito interessado nas questões inflacionárias. Saía muita coisa no jornal sobre teoria inercial da inflação, e entrei numa livraria, comprei um livro de macro. Dei sorte. Quer dizer, dei sorte, não: sei selecionar o que é bom e o que é ruim facilmente. Peguei, saí da livraria, em 1986, com o livro Dinâmica macroeconômica, do Mario Henrique Simonsen, que é um livro maravilhoso de macro. Eu acho que, para a época, era o melhor livro do mundo que tinha de macro, que eu conhecesse. Equivalentes internacionais, com prêmio Nobel, não eram tão bons quanto o livro do Simonsen. Um livro brilhante. Eu comecei a estudar macro sozinho. Aí soube que a economia é uma profissão muito democrática. Você tem uma prova nacional. Qualquer pessoa com curso de graduação, qualquer que seja o curso de graduação, é elegível à prova. Se você for bem na prova, os melhores centros do Brasil vão correndo te pegar para você estudar lá. É uma coisa superlegal, competitiva, aberta e aí eu me preparei, entrei bem na ANPEC, fui fazer doutorado em Economia. Depois de terminar o mestrado em Física na USP, fui direto para o doutorado e fiz uma tese com o professor Affonso Pastore. E encaminhei a minha pesquisa para estudar crescimento econômico. A minha tese, em macroeconomia, já foi mais (sobre) questões de longo prazo e, como pesquisador em economia, passei a ser uma pessoa com interesse em crescimento econômico (Pessôa, 2013). O caminho que percorreu para chegar à Teoria do Capital Humano foi estudando o crescimento. Ao pesquisar a importância do capital humano para o crescimento econômico, constatou que as formulações de Becker e Mincer eram adequadas: eu cheguei pelo crescimento. A gente começou a estudar crescimento nos anos 1980 e nos anos 1990, um revival de teoria do crescimento econômico. Você tinha aqueles fundamentalismos de capital, a economia cresce, a teoria do capital físico, que era, um pouco, a maneira que a gente pensava. Aí teve o fenômeno dos tigres asiáticos. Aí, da virada dos anos 1980 para os anos 1990, começou com o artigo clássico do Robert Lucas, um Junior Monetary Economics, acho que é de 1988. Ele é de Chicago. E ele é um cara de monetária, também. Mas ele escreveu um paper publicado no Junior Monetary Economics, acho que é 1988, chamado Mecanics of Growth, ou alguma coisa assim. Que ele começa dizendo isso: a renda per capita do Egito é, ou da Etiópia, é 40 vezes menor que a dos Estados Unidos. Será que tem alguma coisa, quando você começa a pensar nesse problema, é difícil a gente achar em economia, qualquer assunto interessante. Aí, ele fez um modelinho simples. Começou a ter toda uma preocupação com os modelos de desenvolvimento endógeno. O que aconteceu é que esses modelos de crescimento endógeno, eles geraram certas previsões que foram rejeitadas já em meados dos anos 90. E as pessoas voltaram para variações de modelos de Solow. Só que as pessoas perseguiram variações do modelo de Solow tentando colocar algum daqueles ingredientes que, nessa literatura de modelo endógeno, as pessoas 94 começaram a achar que era um dos mais importantes. E uma delas era o capital humano. Que já tinha sido incorporado na teoria do capital, do crescimento, lá atrás, na literatura de decomposição do crescimento. Eu escrevi um paper, nessa época – que eu sou assim, eu sou um economista meio paroquial. Eu não estudei fora, então eu não escrevo paper em inglês. Então eu não consigo publicar, mas eu me lembro que, nessa época, eu escrevi um paper tentando também dar minha contribuição. Que o capital humano vincula o capital humano à produtividade, e a produtividade ao salário. E, de fato, ao longo dos anos, os macroeconomistas convergiram para aquela especificação. Então eu cheguei um pouco por esse debate de crescimento econômico, e aí, sim, quando eu descobri esse negócio eu fui correr atrás do Becker e do Mincer (Pessôa, 2013). Pessôa lamenta que os economistas de esquerda não tenham enxergado a influência que uma educação de qualidade poderia trazer no combate ao nosso PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA subdesenvolvimento: estudando crescimento econômico, eu cheguei à conclusão (de) que onde a gente é mais atrasado, o fator que mais explica o diferencial de renda entre Brasil e as demais economias do mundo é o capital humano. A gente tem problema de produtividade. Também tem muito para melhorar em produtividade. Mas, relativamente, me parece que a gente está mais atrasado em capital humano do que em produtividade. Foi assim que eu cheguei ao capital humano. O meu interesse inicial não era capital humano. Meu interesse inicial sempre foi subdesenvolvimento. Que começou lá em 1982, quando eu tinha 19 anos. Mas, nesse sentido, eu sou meio parecido com o Celso Furtado, guardadas as devidas proporções, evidentemente: que o Furtado fala isso “eu me casei com o problema do subdesenvolvimento brasileiro, passei a vida toda estudando isso”. E, nesse sentido, eu também meio que casei com esse problema. Eu me interessei por esse problema lá em 1982, e, até hoje, essa é a grande questão que eu tenho na minha vida. Tentar entender o subdesenvolvimento no Brasil. E a resposta que eu tenho é oposta à do Furtado. E aí acho, essa questão do capital humano é superinteressante. Que tem essa diferença: os economistas ditos de esquerda, se a gente lembrar o Celso Furtado, nunca enxergaram nenhuma relação entre educação, e crescimento econômico, e subdesenvolvimento (Pessôa, 2013). Por outro lado, Pessôa rende homenagem a dois pensadores brasileiros que conseguiram enxergar a relação entre educação e desenvolvimento: Gudin e Langoni. Os economistas ditos de direita sempre enxergaram relação entre educação e desenvolvimento. Tenho dois exemplos: o primeiro, mais antigo, é o Eugênio Gudin, não é um cara de crescimento. É um cara de monetária. Mas ele tem três artigos sobre crescimento que eu acho brilhantes. Pouco lidos. E acho que tem muito preconceito. As pessoas leram pouco e mal esses três artigos do Gudin. Três artigos que foram publicados no mês dos fascículos, mês de setembro, respectivamente, 52, 54 e 56 da Revista Brasileira de Economia. São três artigos belíssimos. O que eu mais gosto é o segundo, de 54, sobre produtividade. Acho que é um texto que sobrevive super bem hoje. Se for dar um curso de graduação em crescimento, pode começar com o artigo do Gudin que você vai dar super bem. E o Gudin, em diversos pontos, faz referência ao nosso atraso educacional como um dos grandes empecilhos ao desenvolvimento. É um insight que ele tem, é meio fantástico, porque a Teoria do Capital Humano na economia começou 95 com o Mincer no final dos anos 1950. O Gudin tem esse insight mais ou menos junto com o Mincer, não desenvolve, mas ele elabora um pouquinho esse insight nos textos dele. Então acho que ele foi o primeiro economista brasileiro que se preocupou com essa questão. E o segundo é o Langoni, na tese de doutorado dele, lá em Chicago, um trabalho absolutamente brilhante. Uma coisa magistral. Acho que é uma das melhores coisas que um economista brasileiro aplicado já fez na história do pensamento econômico (Pessôa, 2013). Apesar de reconhecer em Celso Furtado um dos nossos melhores economistas, e o mais influente, Pessôa considera um enigma o fato de Furtado não ter se ocupado da influência da educação sobre a economia. Isto teria sido, em PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA sua visão, um grande erro: eu costumo dizer é o Erro de Furtado. Eu acho que é das perguntas mais intrigantes da história do pensamento social e econômico brasileiro. Por que é que Furtado foi incapaz de perceber a relação entre crescimento econômico e educação? Muito interessante. Porque Furtado foi, provavelmente, um dos economistas melhores que nós temos na nossa história. Certamente é o mais influente, e aí está o nosso azar: o nosso economista mais influente não foi capaz de perceber essa relação. A vida pessoal dele mostrava que tudo o que ele conseguiu, ele conseguiu pela educação. Ele não era um homem de muitas posses. Ele não era pobre, longe disso, mas estava longe de ser um homem rico. Ele pensou esse problema de subdesenvolvimento, você lê a autobiografia intelectual dele durante 4 décadas, pelo menos, se não chegou a 5 décadas. Em nenhum momento, se você pegar os 30 livros que ele escreveu na vida dele, em nenhum desses 30 livros, (há) qualquer menção ao papel econômico da educação (Pessôa, 2013). Pessôa vê, na tradição da esquerda latino-americana, a obrigatoriedade de haver espoliação se há desenvolvimento econômico em algum outro país: a minha interpretação, que tem esse corte entre direita e esquerda, é que economista de direita acha que educação é importante para o crescimento, e economista de esquerda acha que não, e isso acontece até hoje, é porque na América Latina, em geral, e no Brasil em particular, a esquerda tem uma tradição que eu acho que vem de certa leitura, “meio” não muito profunda, do Marx, que vem lá do Lênin, do imperialismo, de achar que desenvolvimento econômico tem que gerar (espoliação) em alguém ou outro. Alguma outra economia. Outra sociedade. Quer dizer, a grande narrativa que o pensamento econômico e latinoamericano faz, de esquerda, do processo de desenvolvimento econômico, é que em algum lugar tem alguma espoliação. Tem alguém que está sendo roubado, ou explorado, ou alguém está tendo trocas desiguais e isso gera o que o Furtado falava o tempo todo: “O subdesenvolvimento é um lado de uma moeda, que o outro lado tem o desenvolvimento dos ricos”. Para Celso Furtado, é impossível entender a trajetória dos Estados Unidos sem entender o desenvolvimento da América Latina. As duas coisas eram um todo (Pessôa, 2013). Por outro lado, a narrativa dos liberais acredita que o desenvolvimento está associado às instituições e às características da sociedade, e que a educação seria a instituição fundamental para o desenvolvimento econômico: 96 e a tradição mais liberal, de direita, chamemos assim, acha que o processo de desenvolvimento econômico é um processo que está associado, nessa visão que a gente tem desde o Smith, aos processos econômicos internos das sociedades. Que as relações que a sociedade estabelece com o resto do mundo não são decisivas. Podem até ajudar, podem atrapalhar, tem que ver cada caso, com pesos históricos, mas não vê, no processo de desenvolvimento das sociedades, um determinismo fundamental nas relações que as sociedades estabelecem com o entorno, mas sim com as instituições e com as características internas da sociedade. E aí a educação é uma das instituições, uma das características internas, fundamental pra gerar desenvolvimento econômico (Pessôa, 2013). Nos anos 1950, fomos às ruas para defender o petróleo, mas não nos mobilizamos para uma melhor educação. Aí, para Pessôa, estava a semente PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA daquilo que chama de tragédia social dos anos 1980 e 1990: por que é que a população brasileira, quer dizer, as classes, os formadores de opinião e as esquerdas, foram às ruas pelo “petróleo é nosso”, não foram às ruas por educação pública e gratuita, para todo mundo, de qualidade? Um dia me deu essa luz. Porque eu vim de uma família de esquerda; eu lembro da campanha do petróleo é nosso. Minha avó falava, meu pai falava. A gente não produzia um barril de petróleo. A gente passou a produzir alguma coisa 25 anos depois da campanha. Na mesma época (em) que a gente estava indo “pras” ruas pelo “petróleo é nosso”, 7 em cada 10 crianças de 7 a 14 anos estavam fora da escola. A taxa de crescimento populacional era 3% ao ano. É óbvio que o desastre social que se abateu sobre o Brasil nos anos 1980 e 1990 foi construído nos anos 1950. Não tenho dúvida disso. Porque era uma sociedade absolutamente esquizofrênica. É uma sociedade que construía Brasília. O Rio de Janeiro devia ser, de longe, a melhor cidade do mundo para viver, a gente ganhava título mundial, a gente inventava a bossa nova, a gente fazia a campanha do “petróleo é nosso” e a gente estava construindo esse inferno que o país virou a partir dos anos 1980. Foi construído lá nos anos 1950. Gastando 1% em educação e achando normal que 7 em cada 10 crianças de 7 a 14 anos ficassem fora da escola (Pessôa, 2013). As elites brasileiras teriam aceitado a ideia de que a universalização do ensino era inviável por falta de recursos. Com a democratização, universalizamos em 10 anos. E hoje a questão não é recursos, é qualidade: eu me lembro disso, nos anos 1970, que o Estado não tinha dinheiro para colocar todas as crianças na escola, era algo normal nas elites brasileiras. Eu via o meu pai falando. Meu pai, que era filho de comunista. Ele não gostava, mas aceitava. Depois que a gente virou democrático, é inaceitável. A gente, em 10 anos, colocou todo mundo na escola. Gasta 5% do PIB em educação. Eu acho que, hoje, o problema da educação é a questão de qualidade. E o problema de qualidade não é, necessariamente, orçamento. É uma agenda muito maior, que não passa tanto por orçamento. Talvez até pudéssemos gastar mais. Acho até legal gastar um pouco mais. Mas não é gastando mais que a gente vai resolver (Pessôa, 2013). E comenta um trabalho que demonstra que não há correlação entre aumento de gastos e melhoria na qualidade da educação: 97 tem um economista da PUC, o Claudio Ferraz; brilhante, um cara que tem muitos papers internacionais, ele tem um gráfico super legal. Aqui, a gente tem o gasto, por aluno, das diversas redes estaduais e municipais. Cada ponto é uma rede, uma cidade. Então o número de pontos é o número de municípios que o Brasil tem. Cada ponto é em reais. Quantos reais por ano, por aluno, aquela rede gasta. E aqui é o resultado da garotada na prova Brasil. É uma nuvem, correlação nula. O que é que esse gráfico mostra? Ele mostra que a correlação que há, hoje, entre o desempenho da garotada e gasto per capita é zero. Se eu não fizer nada, e aumentar o gasto, isso é que nem, como o PB fala, jogar dinheiro do helicóptero. Pode cair no município que é bom. Pode cair no município que é ruim. Pode não acontecer nada. Então eu acho que a agenda da educação é uma agenda de entender por que é que esse negócio tem correlação zero. Se a gente não entender isso, a gente não vai melhorar a qualidade (Pessôa, 2013). O economista considera haver uma indicação de que houve uma maior percepção, na sociedade, e até em setores populares, da importância da educação PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA pra mobilidade social: eu acho que o Prouni foi o Ovo de Colombo do Fernando Haddad. O cara ganhou uma prefeitura da maior metrópole do país por conta disso. Acho que o Paulo Renato se arrepende amargamente de não ter feito o Prouni, porque ele poderia ter feito, da mesma forma que eu acho que o FHC se arrepende amargamente de não ter feito o Bolsa Família. Poderia ter feito. O FHC até começou, mas não deu tempo. Essas coisas têm uma dinâmica. Mas acho que o Paulo Renato foi falta de ideia. No governo, você tem que fazer muita coisa ao mesmo tempo. Às vezes, você não pensa. O eleitor mediano está fazendo a revolução no país, e, em última instância, é a democracia que está fazendo. E eu acho que está funcionando bem. E acho que a gente, hoje, está preso na questão das corporações. Acho que vai andar. Eu sempre falo isso: em Bangu, você tem escola privada de 300 reais a mensalidade. E o professor dessa escola privada de 300 reais a mensalidade é pior que o professor da rede, porque ele não passou no concurso (Pessôa, 2013). Aponta o que seria, no seu entender, o principal óbice para que pudéssemos ter um ensino público de qualidade: a ausência de um sistema de gestão meritocrático e competitivo. E começa a discutir que medidas devem ser adotadas para melhorar a qualidade da educação básica: eu acho que a gente tinha que fazer uma revolução no direito administrativo, caminhar para uma situação em que a escola pública vire um contrato de gestão entre o diretor da escola e a Secretaria, ou entre o diretor da escola e a regional da Secretaria, dependendo se a rede é regional ou municipal. Ou dependendo do tamanho da rede. E, dentro desse contrato de gestão, o diretor ou a diretora ter muita flexibilidade para contratar professor, para demitir professor, para gerir o dinheiro. Eu acho que a gente tem que ter mecanismos de compensação de dinheiro. Acho que a gente tem que avançar muito mais nas redistribuições regionais vinculadas à educação. Eu acho que as regras do fundo de participação Estado/município são anacrônicas, são horríveis, porque transferência per capita é completamente injusta, mas eu acho que a gente tinha que caminhar para o serviço básico de saúde e educação por um acordo federativo de equalizar recursos. Acho que o Estado brasileiro deveria gastar com cada aluno a mesma coisa, independente de onde esse aluno viesse, estudasse. E aí teria que ter 98 equalização. Acho que isso é muito melhor do que a forma que a gente faz, com o fundo de participação Estado/município hoje. E então fortes mecanismos de redistribuição de dinheiro: toda a gestão muito descentralizada, muita avaliação/punição, e com mecanismos mais de regulação privada. Podendo contratar professor, podendo demitir professor (Pessôa, 2013). O corporativismo trabalharia no sentido de não deixar fazer as mudanças necessárias. Segundo Pessôa, esse corporativismo na área educacional torna difícil a implantação de uma educação básica de qualidade. No entanto, o eleitor mediano ainda não teria percebido que esse é um dos principais óbices para a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA melhoria do ensino: e eu acho que o eleitor mediano quer educação. A dificuldade que eu vejo, hoje, é que o eleitor mediano quer educação, mas ainda não identificou o problema. Que é: ele não identificou que, hoje, as corporações e os funcionários públicos são, provavelmente, o maior impedimento que a gente tem pra melhorar a qualidade do sistema educacional. Há um tempo em São Paulo, fui num seminário sobre a experiência do Ceará. O Ceará foi o estado que mais avançou na prova Brasil, nos últimos anos. A partir da estadualização de uma experiência muito bem sucedida, há uns 10 anos atrás, em Sobral. É muito bonita a experiência. Agora, você vai a Fortaleza, não mudou nada. O que Fortaleza tem, em relação ao resto? Fortaleza tem um sindicato forte. O resto do estado não tem. Eles fizeram uma lei que está funcionando, muito legal, que uma parte do ICMS estadual para os municípios é vinculada em desempenho para educação. Uma medida que está funcionando muito bem lá no Ceará: fizeram um monte de coisas e está tendo um resultado muito bom. Sem aumentar o gasto. Só por gestão, incentivos e tal, tiveram um desempenho muito bom. Você vê que a própria avaliação que as pessoas que implantaram a política têm é que, em Fortaleza, é quase impossível reproduzir o que eles fizeram no resto do estado por conta dos sindicatos (Pessôa, 2013). E a dificuldade para se aumentar a eficiência, devido a restrições legais e à força de alguns sindicatos, faz, muitas vezes, o gestor público desistir: então, eu acho isso, a sociedade e o eleitor mediano não perceberam. O eleitor mediano acha que o professor é um pobre coitado, que ele tem salário muito baixo, que ele é explorado pelos governantes. E aí tem o que o meu amigo Reinaldo Fernandes, um cara que estuda muito educação, um economista brilhante [...] lá na gestão Fernando Haddad fala. Ele dialoga muito com os pedagogos. “Ai, Samuel, pedagogo é um bicho difícil. Mas eu falo com eles”. Você quer aumentar o salário do professor, é mais ou menos assim. Vamos supor que tenha um cara que tem um time de futebol. O futebol está péssimo, está na 3 a divisão. Chega o empresário, e diz: Vamos botar dinheiro e fazer um time bom. “Vamos contratar jogador”. Aí você vai contratar jogador, “ah, não, não. Você pode contratar, mas aí tem que aumentar os que estão aqui”. Aí tudo bem, vai aumentar os que tão aqui. “Não, não, não, não: mas tem muito jogador que jogou aqui no passado e está aposentado. Também tem que aumentar para esses caras”. Aí, você faz a conta do impacto fiscal de dobrar o salário do professor, aí o cara pode fazer um metrô. Que fica pronto dali a 6 anos e resolve um problema. Não vai botar o dinheiro na educação. Quer dizer, as restrições legais e o elevado poder de barganha que as corporações dos professores têm de impedir medidas de 99 gestão pra aumentar a eficiência, que o gestor público desiste. Então assim, o Alckmin desistiu em São Paulo, o Paulo Renato morreu (Pessôa, 2013). Em Políticas estruturais de combate à pobreza no Brasil, Marcelo Neri destaca o potencial que o Brasil tem para tentar erradicar a pobreza através de políticas redistributivas: o Brasil é um caso importante para se estudar a pobreza, não somente porque possui uma grande parte da população pobre da América Latina, mas também porque apresenta um grande potencial para erradicar a pobreza. O relativamente alto PIB per capita brasileiro, combinado com um alto grau de desigualdade da renda, gera condições favoráveis para o desenho de políticas redistributivas. Esse potencial é exemplificado pela alta sensibilidade dos índices de desigualdade e pobreza a mudanças em certos instrumentos de política (por exemplo, mudanças no salário mínimo e nas taxas de inflação). Por outro lado, talvez devido a instabilidades anteriores, o Brasil não tenha avançado muito na implementação de políticas estruturais de alívio de pobreza, indutoras de um reforço do portfólio de ativos dos pobres (Neri, 2000: 503). PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA A influência da educação sobre a pobreza, medida pelos anos completos de estudo de acordo com a PNAD de 1996, estudada por Neri, é explicada pelos resultados encontrados: a relação entre anos completos de estudo e pobreza é clara [...]. O número médio de anos completos de estudo dos chefes pobres e não-pobres da população corresponde a 4,7 e 6,6 anos, respectivamente. Similarmente, os cônjuges das famílias pobres apresentam também uma média de dois anos a menos de escolaridade do que os cônjuges na população não-pobre - 4,6 e 6,5 anos, respectivamente. O coeficiente de variação de anos completos de estudo entre os chefes e cônjuges pobres é maior nos segmentos pobres da sociedade - 24,6% e 25,4% - do que no total da população - 20,9% e 20,7%, respectivamente. Esse ponto é digno de nota, já que os anos completados de estudo são provavelmente a melhor aproximação para renda permanente encontrada nas pesquisas de domicílio (Neri, 2000: 513). Outros pontos importantes abordados pela Teoria do Capital Humano, como já vimos, são a idade e a experiência. Neri comenta a influência desses fatores para a redução da pobreza: a aproximação comum para a experiência usada nas pesquisas de domicílio é a idade. Os efeitos da idade na pobreza têm um papel central nesse projeto. Tentamos basicamente captar qual é o comportamento ao longo do ciclo de vida na pobreza. De acordo com a PNAD de 1996, a média de idade do chefe e do cônjuge nas famílias pobres é de 44 e 40 anos, respectivamente, enquanto para a população não-pobre é de 41 e 38 anos. Essa diferença de dois a três anos pode indicar uma tendência decrescente da pobreza medida pela proporção de pobres ao longo do ciclo de vida. Quer dizer, quando as famílias adquirem mais experiências ou acumulam outro tipo de capital, a probabilidade de escapar da pobreza aumenta (Neri, 2000: 514). 100 A negligência com o ensino básico teria sido uma das causas mais importantes do alto índice de desigualdade de rendas e de pobreza ao qual chegamos ao fim do século XX. Uma vez que conseguimos praticamente universalizar o acesso ao ensino básico, nossa questão passa a ser a melhoria da qualidade de ensino. Diversos pensadores aqui analisados enfatizaram que o principal óbice para a melhoria do nosso ensino básico não passa pela falta de recursos financeiros, como visto pelo senso comum. Um dos principais entraves estaria no corporativismo, que impede que políticas de gestão utilizem a meritocracia como instrumento básico de análise. Leis como as que obrigam a isonomia salarial e outras que, na prática, tornam quase impossível a demissão de maus profissionais, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA precisariam ser flexibilizadas para que ocorresse um salto qualitativo. 4.3. O pensamento desenvolvimentista incorpora aspectos da Teoria do Capital Humano Cristovam Buarque 30 é Doutor em Economia pela Sorbonne. Eleito governador do Distrito Federal em 1994, criou o programa Bolsa Escola, referência de programa de transferência de renda condicionada à presença na escola. De acordo com Buarque, o programa está baseado em uma constatação evidente: a de que se faz necessário quebrar o círculo vicioso da pobreza propagada através de gerações, indenizando as famílias pobres para que deixem as crianças na escola, abrindo mão de enviá-las precocemente para o mercado de trabalho. Paga-se um salário mensal a cada família, em troca de que todos seus filhos estejam na escola e nenhum deles falte às aulas no mês. [...] De certa maneira, utilizam-se a pobreza e a necessidade da renda para combater a pobreza, tendo as famílias como fiscais da frequência de seus filhos às aulas. Com isso, resolve-se ao mesmo tempo a pobreza futura, quando estas crianças forem adultos educados, e reduz-se a pobreza atual por meio de uma renda mínima para sua família. (Buarque, 1999: 59). 30 Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque (1944- ) nasceu no Recife. É doutor em Economia pela Universidade de Sorbonne. Foi governador do Distrito Federal de 1995 a 1998. É senador pelo Distrito Federal desde 2002. Foi Ministro da Educação entre 2003 e 2004, no primeiro governo Lula. 101 Buarque ressalta sua posição quanto à importância da educação e da igualdade de oportunidades como o elemento fundamental para a ascensão social. A desigualdade de resultados é por ele aceita, uma vez respeitada a igualdade de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA oportunidades: a filosofia do educacionismo é dizer que a libertação está na educação e não na economia. O socialismo não está em tomar o capital do capitalista e dar ao trabalhador, a revolução está em pegar o filho do capitalista e pôr na mesma escola do filho do trabalhador. É a igualdade na escola que importa. O comunismo falava numa renda igual para todos e isso é possível na base de muito autoritarismo e ineficiência. A proposta do educacionismo é que você tem uma desigualdade tolerada entre dois limites: o piso, que é o piso social, aqui ninguém passa fome, ninguém fica doente sem atendimento médico; e o teto ecológico, ninguém consome acima disso aqui. A escada de ascensão social permite que um chegue lá em cima e outros fiquem aqui embaixo - essa escada é a escola. Você oferece escola para todos, uns vão subir mais que outros pelo talento, pela vocação e pela persistência. Então, essa desigualdade tem que se tolerar. Não vejo problema nenhum em um atleta ganhar mais dinheiro que o cara que não tem o talento dele. Cuba acaba perdendo muitos atletas por causa disso. Mas ninguém abaixo, ninguém acima. Isso vai exigir, primeiro, leis de proteção ambiental. Ninguém, por mais rico que seja, pode fazer um safári de baleia ou de leão. É possível que chegue um momento em que, por mais dinheiro que você tenha, não poderá comprar um carro, cujo número será limitado (Buarque, 2013: 308). Buarque, em 1990, defendia que, para a modernização do país, far-se-ia necessário erradicar o analfabetismo: “O primeiro gesto de modernidade de um país, no final do século XX, deve estar em abolir o analfabetismo de todos que desejem aprender a ler” (Buarque, 1991: 56). Esse passo deveria ser seguido pela universalização do ensino básico: “A alfabetização é um ponto de partida, mas o ensino básico, até a conclusão do segundo grau, é uma necessidade social da população de qualquer país, como parte do caminho para realizar sua modernidade real” (Buarque, 1991: 57). No entanto, já antevia a necessidade de compensar as famílias de baixa renda pela perda da renda proporcionada pela mão-de-obra dos filhos em idade escolar: por isso, durante um longo período, um programa educacional público deverá, necessariamente, incluir objetivos setoriais que vão além da educação, como alimentação escolar completa, atendimento médico na escola e até mesmo um sistema de seguro que compense os pais desempregados pela perda da mão-deobra que representam seus filhos (Buarque, 1991: 57). Em Educação é a solução possível!, Buarque aborda os males que o nosso atraso educacional traz para as pessoas e para a sociedade e, entre outras, cita: desemprego, violência urbana e rural, desigualdade de renda, trabalho infantil, insuficiência econômica e queda na produtividade (Buarque, 2012: 49). 102 Segundo ele, antigamente o desemprego tinha como causa a falta de investimentos. “Mas essa não é mais a causa. Atualmente, o investimento não cria empregos na proporção de antes, quase sempre podendo até reduzir postos; e para aqueles criados, exige qualificação para o uso de equipamentos modernos” (Buarque, 2012: 50). Atualmente a desigualdade de renda se dá pela desigualdade no acesso ao conhecimento: “Um profissional bem educado e qualificado tem hoje um padrão de vida próximo ao do dono de sua empresa, e muito diferente daqueles dos trabalhadores sem qualificação” (Buarque, 2012: 52). Quanto à baixa produtividade, Buarque afirma que: PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA a produtividade [...] não é mais resultado de uma função em que o capital era determinante, com a mão-de-obra possuindo baixíssima qualificação. Não pode haver alta produtividade se os trabalhadores não possuem nem a educação necessária para adquirir algum nível de qualificação (Buarque, 2012: 53). E comenta a nossa industrialização, que permitiu crescimento mesmo com educação deficiente. Mas isso não mais seria possível: até aqui, mesmo sem uma educação de qualidade para todos, foi possível a unificação territorial, fazer a economia crescer e iniciar uma democracia. Com o advento da moderna sociedade do conhecimento esta situação altera-se radicalmente. Sem uma boa educação para todos, não haverá a integração social, nem a consolidação plena da democracia, nem a transformação da economia fazendo-a crescer com a qualidade de alto conteúdo científico e tecnológico (Buarque, 2012a: 11-12). Mesmo sem se referir à Teoria do Capital Humano, Cristovam Buarque é um ferrenho defensor da ideia de que somente através da educação poderemos chegar a uma sociedade mais desenvolvida. 4.4. A sociedade e a valorização da educação Ainda que de forma muito preliminar, é importante analisar a hipótese de que a sociedade passou a valorizar a educação como um fator fundamental para a mobilidade social. De alguma forma a decisão de governos de apoiarem políticas sociais que fortalecem a frequência escolar e educação básica em geral, reflete mudanças na própria sociedade. 103 Camargo explica por que, no seu entender, a área governamental foi tão insensível, durante tanto tempo, à Teoria do Capital Humano. E isto estaria relacionado ao fato de que a sociedade, por muito tempo, não valorizou a educação. Uma razão pode ser isso: a sociedade valoriza pouco. Se a sociedade valoriza pouco, quer dizer, dá pouco voto. Se der pouco voto, político não vai dar muita importância para esse negócio aí. Então isso vai ser uma razão pela qual o sistema político valoriza tão pouco essa questão educacional. Por enquanto, pelo menos, é uma hipótese. Agora, se a explicação é aquela ali, aquela hipótese não pode ser verdadeira. Se a explicação é aquela ali, aquele cara que está parado ali na ponta pode achar que o filho dele não chega lá em cima. Mas ele certamente vai achar o seguinte: “olha aqui. Se eu colocar o meu filho numa escola do filho do rico, o meu filho vai ser igual ao filho do rico. Consequentemente, ele vai chegar lá em cima. Então eu deveria demandar do Estado que desse uma escola de “qualidade FIFA”, não é? De filho do rico”. Então por que é que ele não faz? Talvez ele não tenha cultura, então ele não sabe que é assim que você consegue. (Camargo, 2013). PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA Em sua opinião, somente no final da década de 1980 a área governamental passou a dar mais atenção à questão da educação pública, mostrando afinidade com alguns pensamentos de Cristovam Buarque: o meu ponto é acabar com a pobreza definitivamente no futuro. Eu costumava dizer, na época dessa discussão, que o grande problema desse programa condicionado é que ele era autodestrutivo. Daqui a duas, três, quatro gerações você não ia precisar mais dele. Que todo mundo ia estar educado, e aí acabou. Já pode parar com essa brincadeira. Curiosamente, essa ideia é uma ideia que surgiu concomitantemente, nessas discussões que eu falei, aqui na PUC, e em Brasília. Cristovam. Eu não sei quem é que teve a ideia primeiro. O que eu sei é que começaram a surgir artigos na imprensa com essa ideia, mais ou menos concomitantemente. Então como é que os dois chegaram a essa mesma conclusão? Difícil saber, mas não importa. Eu acho o seguinte: lá no início dos anos 1990 você tinha uma organização social muito grande. Começou a se espalhar pela sociedade, pela elite, na verdade, porque isso é uma coisa de elite, obviamente, a ideia de que “olha aqui, tem que educar”. Não dá para continuar neste processo. Eu acho que o que importa é o seguinte: uma pessoa pouco educada na zona rural é funcional. É “pau pra toda obra”. Faz qualquer coisa. Ele tira o toco da árvore que ficou lá, ele limpa o chão, ele vira jagunço, mata o inimigo do político. Esse cara é funcional. Ele tem uma funcionalidade muito grande. Lá no setor rural. Na hora que a sociedade se urbanizou, ele perdeu completamente a funcionalidade. Ele virou um marginal. E aí sem funcionalidade, acho que se começou a notar que aquilo não era sustentável no longo prazo. Então, na minha impressão, surgiu um pouco dessa nãofuncionalidade do não educado. Passou a ser uma coisa complicada lidar com o não educado. No Rio de Janeiro, o não educado é um problema. Não é uma solução. Lá na fazenda, era uma solução. Não era um problema. Ele só incomoda. Ele passa a ser traficante, faz qualquer coisa pra ganhar dinheiro. É o flanelinha, é o não sei o quê. Ele vira um problema (Camargo, 2013). 104 Camargo considera que existe uma sinalização no sentido de que a sociedade está priorizando mais a educação, adiando a entrada no mercado de trabalho para apostar num aumento da renda do mercado de trabalho. E levanta a hipótese de que a sociedade estaria exigindo mais meritocracia: acho que existe um pouco essa ideia de que a educação realmente aumenta a renda das pessoas no mercado de trabalho. Acho que existe essa questão da meritocracia. Eu até acho o seguinte: eu vou te falar uma coisa que eu não deveria falar, mas eu acho que essas manifestações aí, de junho, são uma demanda por meritocracia. O que esse povo na rua estava demandando é mais meritocracia. Quando o cara fala assim: “saúde padrão FIFA”, ele está falando: “Precisamos ter pessoas de qualidade oferecendo saúde pública”. É uma demanda por meritocracia. Que é bem conservador, esse movimento. Eu posso não ter razão. Mas, se é verdade, a minha percepção das declarações, das conversas, dos cartazes, da forma como as manifestações aconteceram, a minha interpretação das manifestações é que existe uma demanda por mais meritocracia. Eu acho que a sociedade está percebendo que é muito importante você ter mais produtividade. E produtividade é mais meritocracia (Camargo, 2013). PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA A crítica à qualidade do ensino está aliada à percepção que ele tem de que o ensino não foi valorizado no nosso país por muito tempo. Furtado não falou de educação, Brizola criou os CIEPs, mas não ultrapassou eleitoralmente obstáculos fora do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul. E conclui com a afirmação de que a educação é mais valorizada no setor urbano que no rural: eu converso muito com o Samuel Pessôa. De vez em quando, mesa de bar, basicamente. Na minha avaliação, é o seguinte: eu entendo que o Prebisch não fale de educação. Por que é que eu entendo que o Prebisch não fale de educação? Eu entendo que o Prebisch não fale de educação porque o Prebisch é argentino. No início do século XX, a educação na Argentina já era universalizada. Você já não tinha mais analfabeto. Início do século XX. O Brasil só conseguiu universalizar o acesso ao ensino fundamental na década de 1990. Paulo Renato. Impressionante. Cem anos depois! Paulo Renato, no final dos anos 90, quando ele era Ministro da Educação, fez um esforço enorme para universalizar o ensino fundamental. Então entendo que o Prebisch não fale, entendo entre aspas, não fale de educação, porque ele está diante de um problema resolvido lá no país dele. Agora, eu não entendo que o Celso Furtado não fale de educação. A minha interpretação, que pode estar totalmente errada, é o seguinte: eu acho que o Brasil, a sociedade brasileira valoriza muito pouco a educação. Você, quando você faz pesquisa de opinião, pergunta: “O que é que é mais valorizado?”, não sei o quê, “blábláblá”, educação sempre aparece em 1o e 2o lugar. Mas, quando eu digo que valoriza pouco a educação, eu digo que valoriza nas atitudes. Qual o político nacional importante que, efetivamente, valorizou a educação na história brasileira? Só o Brizola. Que não conseguiu se eleger em nada, nada a nível nacional, “hem”! É um político regional, Rio de Janeiro/Rio Grande do Sul. Nunca conseguiu entrar em São Paulo. Nunca conseguiu entrar no Nordeste. Então isso é um sintoma de que tem pouca valorização da educação. Existem outros. Eu e o PB, de vez em quando, costumávamos brincar, o seguinte: sabe qual a diferença entre os asiáticos e os brasileiros, no que se refere à educação? A diferença é a seguinte: no Brasil, quando tem um temporal e os caminhos ficam 105 cheios de lama, o pai não leva a criança para escola. “Pô, lama”, vai demorar pra chegar, é difícil pra caramba, um saco, e tal, não dá para ir para a escola. Na Ásia, se tem um terremoto, no dia seguinte o pai “tá” sentadinho no degrau da escola, esperando a professora para dar aula. Essa é diferença. Deve ter mil razões pelas quais isso é verdade. O Brasil era um país muito rural até pouco tempo atrás. No setor rural, se valoriza muito menos educação do que no setor urbano (Camargo, 2013). Pessôa comenta que a democratização foi fundamental para que se trouxesse a educação para um ponto de destaque nas nossas decisões políticas: eu acho que a democratização da nossa sociedade colocou a educação no centro do debate. A gente gasta 5% do PIB com educação básica. Nos anos 30, a gente gastava 1,5% com a básica, pública. Se eu pegar os anos 50: com um aluno na universidade, o governo gastava o equivalente ao que ele gastava com 76 alunos do básico. Esse número, hoje, está 1 pra 5. Então tudo melhorou muito (Pessôa, 2013). E comenta sua discordância em relação à desbalanceada alocação de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA recursos para o ensino superior: eu fui assessor do senador Tasso Jereissati durante sete anos. Eu tenho uma amizade longa com o atual prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, porque nós fomos colegas de colégio. E depois, também, fomos colegas de mestrado na USP, então nos reencontramos diversas vezes na vida, e eu sou um entusiasta da prefeitura dele, e acho que, inclusive, a agenda dele para transporte, para mobilidade está corretíssima. E acompanhei o trabalho que ele fez no MEC, tenho lá algumas discordâncias, um peso excessivo para educação superior, e mesmo o técnico, acho muito legal o técnico, mas eu acho que o técnico (no) modelo escolas federais não é bom. Eu acho que é melhor um modelo mais Fundação Paula Souza, como é em São Paulo, que você faz um curso técnico mais ligado com a produção. Mais ligado com a indústria. A escola técnica federal, eu acho que é um “elefante branco”, uma coisa meio deslocada, desconectada do mundo do trabalho. Quase um curso acadêmico. E acho que nas escolas técnicas (do) tipo Fundação Paula Souza, você tem uma escola mais ligada com a indústria. O cara que é professor lá, muitas vezes, é um técnico da indústria. Tenho lá minhas discordâncias com o Fernando, mas eu acho que a preocupação maior é da sociedade (Pessôa, 2013). A educação teria passado a ter um apelo politico, e os políticos não ficariam alheios, por diversos motivos, a essas reivindicações: a gente vive o império do eleitor mediano, e cada vez mais. Eu sou convencido pelo argumento do André Singer (de) que, a partir de 2006, a gente teve um novo passo nesse processo. Antes de 2006, a gente tinha um eleitor mediano, mas este ainda era muito influenciado pelos formadores de opinião. A gente tem um processo de evolução da economia brasileira, da sociedade brasileira, inclusive associada ao fato do capital humano médio ter aumentado, de as pessoas terem mais autonomia. Terem um nível de escolaridade maior. Terem uma renda maior. As pessoas começaram a ter uma maneira diferente de formar o seu juízo, o seu pensamento (Pessôa, 2013). 106 Amaury de Souza e Bolívar Lamounier, em A classe média brasileira: ambições, valores e projetos de sociedade, comentam a chegada de milhões de brasileiros a um padrão mais elevado de consumo nos últimos anos. Segundo os autores, a partir da década de 1990, a escolarização básica tornou-se praticamente universal, e vem aumentando nos níveis médios e superiores. No entanto, ainda temos graves problemas que “dizem respeito à qualidade da educação e à equidade na distribuição de oportunidades educacionais, com destaque para as deficiências dos níveis fundamental e médio” (Souza & Lamounier, 2010: 53). E mais: os brasileiros com 25 anos ou mais em 2007 tinham em média 6,8 anos de estudos, contra 12 anos nos países industrializados. A educação é vista como um símbolo de identidade da classe média e como um dos principais fatores de ascensão social. Esta percepção faz com que PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA melhorar a educação dos filhos seja uma aspiração dos brasileiros, e com isto temos uma menor disparidade educacional, fruto de maior demanda por educação: tradicionalmente, no Brasil, a educação tem sido chave na criação de chances de acesso à classe média. Até as primeiras décadas do século XX, o ensino de segundo grau já era suficiente para engendrar tais oportunidades. Mas a educação vem sendo erodida como marca de classe. A vantagem relativa de que gozava a classe média alta vem perdendo espaço em virtude da crescente demanda por educação, estimulada por retornos mais altos de renda. Se, no passado, um diploma de nível médio era garantia de um bom emprego, hoje exige-se o curso superior. Com efeito, a ascensão da nova classe média está associada à queda da disparidade educacional e de renda, o que, paradoxalmente, tornou a educação um indicador menos preciso de posição social (Souza & Lamounier, 2010: 53). Com os dados utilizados em suas pesquisas, afirmam que a educação tem fator preponderante para uma vida confortável: a educação é vista como um dos principais fatores de ascensão social. Com efeito, sua demanda reflete os enormes diferenciais de renda que existem entre os indivíduos mais e menos escolarizados. A quase totalidade dos entrevistados (97%) considera que uma boa educação é fator “essencial” ou “muito importante” para vencer na vida (Souza & Lamounier, 2010: 54). Na realidade, com os dados extraídos do gráfico 3.2, Aspirações educacionais (Souza & Lamounier, 2010: 58), podemos compreender a importância que uma educação com muitos anos de estudo tem para as famílias. O percentual de pais que desejam que os filhos tenham um nível de educação de ensino superior ou de pós-graduação era de 96% para os pais com nível superior 107 de escolaridade; 88% para os pais com nível médio; 83% para os pais com nível PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA fundamental; e 70% para os pais semi-escolarizados. 5. Programas de transferência de antecedentes e tendências recentes renda no Brasil: Neste capítulo farei inicialmente um histórico dos direitos sociais no Brasil desde 1930. Em seguida, serão abordados os debates sobre a presença ou ausência de condicionalidades como fator de decisão da escolha dos beneficiários dos programas. Serão estudados os primeiros programas de transferência de renda e a implantação do formato atual, o Bolsa Família, programa de transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza, e que tem como objetivos reduzir a pobreza no Brasil, especialmente a pobreza PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA extrema, e interromper o ciclo intergeracional de reprodução da pobreza. 5.1. Direitos sociais no Brasil a partir de 1930 Com relação aos direitos sociais, a queda da Primeira República traria um avanço em relação à sua proclamação em 1889. O governo revolucionário criou o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Seguiu-se uma legislação trabalhista e previdenciária em 1934, completada posteriormente pela Consolidação das Leis do Trabalho. O artigo 120 da Constituição de 1934 reconhecia os sindicatos e associações profissionais, assegurando ainda que os sindicatos teriam pluralidade sindical e completa autonomia. Já o artigo 121 previa que “a lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do país” (Poletti, 2012: 134). Neste mesmo artigo tratava-se de isonomia salarial, salário mínimo, jornada de oito horas, proibição de trabalho a menores de 14 anos, férias remuneradas e instituição de sistema previdenciário, entre outros direitos. Segundo Wanderley Guilherme dos Santos, em Cidadania e justiça: a politica social na ordem brasileira, havia, até 1932, uma situação na qual 109 [...] enquanto o Estado preocupava-se, essencialmente, em reordenar as relações no processo de acumulação, a questão social, strictu sensu, se vinha resolvendo, privadamente, mediante os acordos de seguro com que se comprometiam, privadamente, empregadores e empregados. A responsabilidade estava clara e nitidamente dividida: ao Estado incubia zelar por maior ou melhor justiça no processo de acumulação, enquanto que às associações privadas competia assegurar os mecanismos compensatórios das desigualdades criadas por esse mesmo processo (Santos, 1979: 31). Em Cidadania no Brasil: o longo caminho, José Murilo de Carvalho, apoia-se nos estudos de Thomas Humphrey Marshall 31 (Marshall, 1967) sobre a conquista dos direitos na Inglaterra. Ao trazer esse referencial para o Brasil, Carvalho chama a atenção para o fato de que a cidadania é um fenômeno histórico. Apesar de que o ponto de chegada possa ser, na tradição ocidental, semelhante, os caminhos percorridos podem ser diferentes e não seguem obrigatoriamente um mesmo traçado. “Pode haver também desvios e retrocessos, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA não previstos por Marshall” (Carvalho, 2002: 11). Uma das importantes diferenças entre a nossa cidadania e a dos ingleses está no fato de que lá, os direitos políticos, civis e sociais foram sendo conquistados pela sociedade, enquanto que no Brasil, como “em alguns países, o Estado teve mais importância e o processo de difusão dos direitos se deu principalmente a partir da ação estatal” (Carvalho, 2002: 12). O governo Vargas pregava o desenvolvimento econômico, o industrial, a construção de estradas de ferro e o fortalecimento das Forças Armadas. Uma economia até então dirigida para a exportação passou a criar, fortalecer e nacionalizar os mercados de trabalho e de consumo. Apesar do avanço, havia injustiças: o sistema excluía os autônomos, os empregados domésticos e os trabalhadores rurais. Ao lado do grande avanço que a legislação significava, havia também aspectos negativos. O sistema excluía categorias importantes de trabalhadores. No meio urbano, ficavam de fora todos os autônomos e todos os trabalhadores (na grande maioria, trabalhadoras) domésticos. Estes não eram sindicalizados nem se beneficiavam da política de previdência. Ficavam ainda de fora todos os trabalhadores rurais, que na época ainda eram maioria. Tratava-se, portanto, de uma concepção da política social como privilégio e não como direito. Se ela fosse concebida como direito, deveria beneficiar a todos e da mesma maneira. Do 31 Thomas Humprey Marshall (1893-1981) nasceu em Londres e morreu em Cambridge. Sociólogo, foi Chefe do Departamento de Ciências Sociais da London School of Economics de 1939 a 1944, e Chefe do Departamento de Ciências Sociais da UNESCO de 1956 a 1960. Os estudos de Marshall sobre os direitos civis, sociais e políticos na Inglaterra estão em: Marshall, Thomas Humphrey. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. 110 modo como foram introduzidos, os benefícios atingiam aqueles a quem o governo decidia favorecer, de modo particular aqueles que se enquadravam na estrutura sindical corporativa montada pelo Estado. Por esta razão, a política social foi bem caracterizada por Wanderley G. dos Santos como “cidadania regulada”, isto é, uma cidadania limitada por restrições políticas (Carvalho, 2002, 108-109). Santos sugere que o conceito de cidadania é fundamental para compreender as políticas econômicas e sociais dos anos que se seguiram à revolução de 1930. No entanto, seria uma cidadania regulada [...] cujas raízes encontram-se, não em um código de valores políticos, mas em um sistema de estratificação ocupacional, e que, ademais, tal sistema de estratificação é definido por norma legal. Em outras palavras, são cidadãos todos aqueles membros da comunidade que se encontram localizados em qualquer uma das ocupações reconhecidas e definidas em lei. A extensão da cidadania se faz, pois, via regulamentação de novas profissões e/ou ocupações, em primeiro lugar, e mediante ampliação do escopo dos direitos associados a estas profissões, antes que por expansão dos valores inerentes ao conceito de membro da comunidade (Santos, 1979: 75). PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA A instituição da carteira de trabalho em 1932, que seria “a evidência jurídica fundamental para o gozo de todos os direitos trabalhistas” (Santos, 1979: 76), é, junto com a regulamentação das profissões e com a existência de sindicatos que necessitavam ser reconhecidos pelo Estado, o tripé desta cidadania regulada pelo Estado. Os direitos estão vinculados às profissões, e estas precisam ser reconhecidas através de regulamentações. A ênfase nos direitos sociais encontrava terreno fértil na cultura política da população, principalmente na dos pobres dos centros urbanos. Ao período laissez-fairiano repressivo da República Velha sucedeu a época da simultânea ênfase na diferenciação da estrutura produtiva, na acumulação industrial, e na regulamentação social [...]. O sistema foi rapidamente montado nos primeiros quatro anos da década de 30 e solidamente institucionalizado. É ele que condiciona a estrutura do conflito social desde o fim do Estado Novo até o movimento de 1964 (Santos, 1979: 78). Estava sendo formado um tipo de relação do Estado com a sociedade brasileira que se fortaleceria com o passar das décadas, o corporativismo. Em A gramática política do Brasil: clientelismo e insulamento burocrático, Edson Nunes defende que clientelismo, corporativismo, insulamento burocrático e universalismo de procedimentos são os quatro principais aspectos que caracterizam a relação entre Estado e sociedade no Brasil. Nunes argumenta que o corporativismo e o clientelismo têm sobrevivido à nossa industrialização e buscam o controle dos recursos disponíveis. “Tal como o clientelismo 111 contemporâneo, o corporativismo é uma arma de engenharia política dirigida para o controle político, a intermediação de interesses e o controle do fluxo de recursos materiais disponíveis” (Nunes, 1997: 37). Como destaca o autor, as trocas no capitalismo moderno são caracterizadas pelo impersonalismo, que seria um fator básico para o livre mercado e para a noção de cidadania, diferentemente do clientelismo, em que as trocas de bens ocorrem em um mercado marcado pelas relações pessoais, e em que existe uma expectativa de retornos futuros. “A relação conhecida como ‘compadrio’, por exemplo, inclui o direito do cliente à proteção futura por parte do seu patron” (Nunes, 1997: 27). O corporativismo é entendido como um sistema de intermediação de interesses “baseado em número limitado de categorias compulsórias, não-competitivas, hierárquicas e funcionalmente separadas, que são PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA reconhecidas, permitidas e subsidiadas pelo Estado” (Nunes, 1997: 37). Leôncio Martins Rodrigues, em Partidos e sindicatos: escritos de sociologia política, destaca que o modelo sindical implantado por Vargas teria vida longa em nossa sociedade, apesar das críticas a ele realizadas: “Criticado na época pelos socialistas, anarquistas, comunistas e liberais e visto com suspeição pelas classes empresariais, [...] acabou por revelar-se uma das instituições mais estáveis da sociedade brasileira” (Rodrigues, 1990: 47). Rodrigues considera que o corporativismo no Brasil apoiou-se em três elementos, que o caracterizam. Em primeiro lugar, estaria “o papel desempenhado pelo Estado no estabelecimento das estruturas sindicais e na organização compulsória das ‘classes produtoras’” (Rodrigues, 1990: 59). O Estado não transformou essas entidades associativas em órgãos da administração pública, mas dotou-as de representatividade e regulou o seu funcionamento. Os sindicatos tinham o direito de representar as categorias organizadas dentro das normas definidas pelo Estado. O segundo elemento por ele considerado seria “o monopólio da representação que se expressa na existência do sindicato único ou, mais exatamente, na unicidade sindical” (Rodrigues, 1990: 59). Na prática, o que ocorreu foi que a representação por associação gerou um monopólio representativo, tendo em vista a subordinação dos sindicatos e das associações ao 112 Estado. Finalmente, Rodrigues menciona “[...] a concepção doutrinária que presidiu a criação da estrutura corporativa, fundada na eliminação do conflito e na colaboração entre as classes e delas com o Estado” (Rodrigues, 1990: 60). O modelo corporativo implantado no governo Vargas através da CLT atravessou décadas e mudanças constitucionais. O sindicalismo corporativo daí decorrente conviveu com a Constituição de 1946 e a pluralidade partidária, “com o ‘bipartidarismo’ dos regimes militares posteriores a 1964 e com o pluripartidarismo dos nossos dias. Mudam as constituições da República e os partidos, mas a CLT permanece” (Rodrigues, 1990: 49). Essa dependência é bastante confortável, até os dias de hoje, para os estamentos protegidos pela nossa legislação sindical. Seus grandes beneficiários são os servidores públicos e empregados de estatais, e Rodrigues considera que essa dependência perdurará, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA uma vez que as facções mais radicais do movimento sindical, que anteriormente se mostravam bastante críticas à estrutura sindical corporativa, perderam muito do fervor crítico ao conquistarem direções e posições no sindicalismo oficial. Nesse sentido, a Constituição de 1988, ao limitar drasticamente o poder de intervenção do Ministério do Trabalho nos assuntos internos dos sindicatos, eliminou um dos aspectos que os dirigentes sindicais consideravam mais negativos no modelo corporativista. Consequentemente, arrefeceu os ímpetos mudancistas e aumentou a importância dos sindicatos oficiais como um instrumento de pressão dos trabalhadores, de ascensão social dos diretores de sindicatos e de emprego para os burocratas das federações e confederações. Paradoxalmente, a Constituição reforçou as estruturas corporativas ao lhes conceder autonomia ante o Estado (Rodrigues, 1990: 71). A Constituição de 1946 (Baleeiro e Lima Sobrinho, 2012) assegurava, em seu artigo 159, que “é livre a associação profissional ou sindical, sendo reguladas por lei a forma de sua constituição, a sua representação legal nas convenções coletivas de trabalho e o exercício de funções delegadas pelo poder público” (Baleeiro e Lima Sobrinho, 2012: 87). Em seu artigo 156, acenava com o aproveitamento de terras públicas para facilitar a fixação do homem no campo. E nos artigos 157 e 158, mantinha e aumentava a proteção aos trabalhadores do meio urbano, explicitando o direito de greve. José Murilo de Carvalho chama atenção para o fato de que, nos governos do regime autoritário que vieram após 1964, houve aumento dos direitos sociais, 113 em um avanço, nesse aspecto, em relação aos governos de Getulio Vargas e de João Goulart: ao mesmo tempo em que cerceavam os direitos políticos e civis, os governos militares investiam na expansão dos direitos sociais. O que Vargas e Goulart não tinham conseguido fazer, em relação à unificação e universalização da previdência, os militares e tecnocratas fizeram após 1964 (Carvalho, 2002: 170). Houve também um abalo na estrutura corporativista da previdência social, pela criação do INPS, que unificou o sistema para os trabalhadores do setor PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA privado: em 1966 foi afinal criado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que acabava com os IAPs e unificava o sistema, com exceção do funcionalismo público, civil e militar, que ainda conservava seus próprios institutos. As contribuições foram definidas em 8% do salário de todos os trabalhadores registrados, descontados mensalmente da folha de pagamento; os benefícios, como aposentadoria, pensão e assistência médica, foram também uniformizados. Acabaram os poderosos IAPs, e os sindicatos perderam a influência sobre a previdência, que passou a ser controlada totalmente pela burocracia estatal (Carvalho, 2002: 171). E, enfim, os direitos sociais foram expandidos para o campo, pela criação do Funrural. Houve, no entanto, o cuidado de não onerar os proprietários rurais, dentro da tradição brasileira: o objetivo da universalização da previdência também foi atingido. Em 1971, em pleno governo Médici, ponto alto da repressão, foi criado o Fundo de Assistência Rural (Funrural), que efetivamente incluía os trabalhadores rurais na previdência. O Funrural tinha financiamento e administração separados do INPS. É sintomático que nem os governos militares tenham ousado cobrar contribuição dos proprietários rurais. Mas não cobraram também dos trabalhadores. Os recursos do Funrural vinham de um imposto sobre produtos rurais, pago pelos consumidores, e de um imposto sobre as folhas de pagamento de empresas urbanas, cujos custos eram também, naturalmente, repassados pelos empresários para os consumidores. De qualquer maneira, os eternos párias do sistema, os trabalhadores rurais, tinham, afinal, direito a aposentadoria e pensão, além de assistência médica. Por mais modestas que fossem as aposentadorias, eram frequentemente equivalentes, se não superiores, aos baixos salários pagos nas áreas rurais (Carvalho, 2002: 171). E mesmo na área urbana, mais trabalhadores foram incorporados à previdência social: as duas únicas categorias ainda excluídas da previdência - empregadas domésticas e trabalhadores autônomos - foram incorporadas em 1972 e 1973, respectivamente, tudo ainda no governo do general Médici. Agora ficavam de fora apenas os que não tinham relação formal de emprego. A avaliação dos governos militares, sob o ponto de vista da cidadania, tem, assim, que levar em conta a manutenção do direito do voto combinada com o esvaziamento de seu 114 sentido e a expansão dos direitos sociais em momento de restrição de direitos civis e políticos (Carvalho, 2002: 172). Temos um quadro em que, sem que se abandone o caráter corporativista das nossas políticas sociais, começa-se a dar alguns passos no sentido da universalização. Para Santos, o Funrural é emblemático, pois foi criado para os trabalhadores rurais décadas depois que os trabalhadores das áreas urbanas foram contemplados com políticas sociais. Além disso, tinha uma característica inovadora porque “não estando vinculado o esquema de benefícios a contribuições pretéritas [...], impôs-se a busca de outros critérios para a definição de direitos que seria equitativamente justo distribuir a todos os membros da coletividade agrária” (Santos, 1979: 76). Emblemático porque explicita os direitos sociais básicos, vinculado ao trabalhador quase unanimemente informal das áreas rurais. É aqui que o conceito de proteção social, “por razões de cidadania, sendo esta definida PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA em decorrência de cada cidadão à sociedade como um todo, via trabalho, é mais integrado e complexo. [...] Trata-se de promover direitos que são direitos do trabalho, simplesmente” (Santos, 1979: 116-118). Escrevendo em 1979, Santos enfatiza que: os períodos em que se podem observar progressos na legislação social coincidem com a existência de governos autoritários. [...] No primeiro momento, caracterizou-se a relação entre o poder e o público pela extensão regulada da cidadania. Caracteriza-se o segundo pelo recesso da cidadania política, isto é, pelo não-reconhecimento do direito ou da capacidade da sociedade governar-se a si própria (Santos, 1979: 123). Em suma, Santos argumenta que em função do ingrediente ideológico dos governos revolucionários, segundo o qual estava implícita a ideia de que primeiro seria necessário “fazer o bolo crescer para depois distribuí-lo”, não seria racional esperar grandes avanços nas políticas sociais. “[...] pode-se concluir que permanece a noção de cidadania destituída de qualquer conotação pública e universal. Grande parte da população é pré-cívica e nela não se encontra ínsita nenhuma pauta fundamental de direitos” (Santos, 1979: 104). A Constituição de 1988 tem importantes aspectos universalistas, mas manteve muitas características do modelo corporativista. Escrita poucos anos antes da queda do muro de Berlim, e com os anseios democráticos reprimidos no Brasil por décadas de regimes autoritários, visava a um modelo de sistema de 115 bem-estar social típico do descrito por Gøsta Esping-Andersen 32 como o social- democrata presente nos países escandinavos. Os direitos sociais, agora, passaram a ter um capítulo próprio na Constituição “Capítulo II – Dos Direitos Sociais” (Tácito, 2012: 62). Os artigos 6 e 7 deste capítulo enumeram uma série de direitos tanto para os trabalhadores da área urbana como para os rurais e afirmam a “igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso” (Tácito, 2012: 63). Já o modelo corporativista foi agraciado com os artigos 8, 9, 10 e 11, com diversas determinações dentre as quais destaco: “É vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial” (Tácito, 2012: 64) e “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas” (Tácito, 2012: 64). Esperava-se que a redemocratização trouxesse as soluções para os nossos problemas, e a Constituição de 1988 determinava, no papel, avanços na política de proteção social. Como destaca Mariana Bittar: a Constituição consagrou novos direitos sociais e princípios de organização da política social que, ao menos no nível formal, consolidaram a tendência universalizante da proteção social. A ampliação e extensão dos direitos sociais a parcelas da população até então excluídas, o afrouxamento do vínculo contributivo como princípio estruturante do sistema, a adoção do conceito de seguridade social como forma mais abrangente de proteção e a redefinição dos patamares mínimos dos valores dos benefícios sociais foram algumas das características reforçadas pela carta constitucional (Bittar, 2002: 34). Acontece que as condições da economia brasileira na década de 1980 e início dos anos 1990 não permitiriam que fosse sequer planejada tal inflexão nas nossas políticas sociais. A presença de um contingente de pobres e miseráveis que sofriam com os males da inflação, com o desemprego conjuntural após anos de baixos investimentos motivados pela expectativa negativa dos agentes econômicos na sociedade brasileira, e com o desemprego estrutural causado pelos avanços tecnológicos, eliminando definitivamente significativa parcela de postos de trabalho, indicava que o caminho universalista não teria naquele momento sua oportunidade. José Murilo de Carvalho comenta que, apesar da qualidade da nossa 32 Para mais informações sobre os modelos de sistema de bem-estar no capitalismo por ele descritos, ver Esping-Andersen, Gøsta. The three worlds of welfare capitalism. Princeton: 116 Constituição, ainda existiam problemas sérios como desigualdade e desemprego, e previa dificuldades a partir das transformações que ocorriam na economia internacional: a constituinte de 1988 redigiu e aprovou a constituição mais liberal e democrática que o país já teve, merecendo por isso o nome de Constituição Cidadã. Em 1989, houve a primeira eleição direta para presidente da República desde 1960. Duas outras eleições presidenciais se seguiram em clima de normalidade, precedidas de um inédito processo de impedimento do primeiro presidente eleito. Os direitos políticos adquiriram amplitude nunca antes atingida. No entanto, a estabilidade democrática não pode ainda ser considerada fora de perigo. A democracia política não resolveu os problemas econômicos mais sérios, como a desigualdade e o desemprego. Continuam os problemas da área social, sobretudo na educação, nos serviços de saúde e saneamento, e houve agravamento da situação dos direitos civis no que se refere à segurança individual. Finalmente, as rápidas transformações da economia internacional contribuíram para pôr em xeque a própria noção tradicional de direitos que nos guiou desde a independência (Carvalho, 2002: 199). PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA A estabilização da moeda via Plano Real trouxe a questão da pobreza para os temas prioritários da nossa agenda de políticas sociais. Conforme a economista Sonia Rocha, formada pela PUC-RJ com doutorado pela Universidade de Paris I, embora desde o início da década de 1990 a persistência da pobreza tenha sido uma das preocupações centrais no país, a temática ganha clara primazia depois da estabilização. Resolvido o problema básico da inflação, parece haver consenso nacional de que o objetivo prioritário da sociedade brasileira é reduzir a desigualdade entre pessoas, da qual a persistência da pobreza absoluta é um corolário (Rocha, 2003: 7). Os anos 1990 foram ricos em relação ao debate sobre as formas para combater a pobreza e a desigualdade no Brasil. A questão do combate à inflação obrigava que fosse dada prioridade à politica econômica, condicionando as demais políticas. A discussão sobre a eficiência de qualquer política social surgia em um ambiente de escassez e restrição orçamentária, e com a influência das políticas liberais apontando para uma redefinição das funções do Estado, abrindo espaço para a iniciativa privada. Fernando Henrique Cardoso lembra que o Estado, em função do modelo de desenvolvimento dos governos que antecederam o seu, “desviou-se de suas funções básicas para ampliar sua presença no setor produtivo, o que acarretou, além da gradual deterioração dos serviços públicos [...], o agravamento da crise fiscal e, por consequência, da inflação” (Cardoso, 1996: 9). Princeton University Press, 1990. 117 Em se tratando de como se deveria conduzir a implantação das políticas públicas, outra questão era o papel das instituições. Conforme Celina Souza havia discordâncias teóricas quanto ao seu papel. A Teoria da Escolha Pública é, por princípio, cética em relação “à capacidade do governo de formular políticas públicas devido a situações como auto-interesse, informação incompleta, racionalidade limitada e captura das agências governamentais por interesses particularistas” (Souza, 2007: 82). A Teoria Neo-Institucionalista, mesmo sem negar a existência do autointeresse ou do cálculo racional dos atores envolvidos, argumenta que “interesses (ou preferências) são mobilizados não só pelo auto-interesse, mas também por processos institucionais de socialização, por novas ideias e por processos gerados pela história de cada país” (Souza, 2007: 82). Dessa forma, “a teoria neo- PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA institucionalista nos ajuda a entender que não só os indivíduos ou grupos que têm força relevante influenciam as políticas públicas, mas também as regras formais e informais que regem as instituições” (Souza, 2007: 82). Celina destaca ainda a relevância dessa teoria para a formulação da agenda das políticas públicas: a contribuição do neo-institucionalismo é importante porque a luta pelo poder e por recursos entre grupos sociais é o cerne da formulação de políticas públicas. Essa luta é mediada por instituições políticas e econômicas que levam as políticas públicas para certa direção e privilegiam alguns grupos em detrimento de outros, embora as instituições sozinhas não desempenhem todos os papéis (Souza, 2007: 83). Em 1993, em O welfare state no Brasil: características e perspectivas, Sônia Draibe atentava para a emergência de mecanismos que diminuiriam os efeitos negativos das ações sociais do Estado, centralizadas e burocratizadas. Esses mecanismos estavam relacionados à ajuda às famílias de baixa renda, aumentando a eficiência e diminuindo ao máximo os desperdícios causados pelas intermediações. Essas formas que foram, no passado monopólio da concepção liberal, têm sido incorporadas, defendidas e disseminadas nas mais diversas situações político– ideológicas, inclusive socialistas e social-democratas. E têm sido justificadas tanto pela vontade de desburocratizar e desestatizar a política, quanto pelo fato de ampliar o grau de individualização e liberdade do usuário quanto, finalmente, por razões econômicas: a monetização de tais relações ampliaria o grau de demanda solvável das famílias, introduzindo mais energia às famílias e a economia (Draibe, 1993: 35). 118 Ricardo Paes de Barros e Miguel Nathan Foguel, relatando em 2000 o debate existente com respeito à erradicação da pobreza, ressaltavam a necessidade da focalização em seu artigo Focalização dos gastos públicos sociais e erradicação da pobreza no Brasil. [...] a combinação da má focalização dos gastos públicos sociais com o fato de esses gastos representarem cerca de três a quatro vezes do que se necessita para erradicar a pobreza no país permite concluir que é possível eliminar a pobreza sem a necessidade de qualquer aumento no volume total de gastos na área social. Embora se reconheça que o (re)desenho de programas públicos adequadamente focalizados é uma tarefa complexa, essa conclusão nos parece auspiciosa na medida em que aponta para uma solução da pobreza que depende mais do aperfeiçoamento das políticas públicas do que da elevação dos gastos (Barros & Foguel, 2000: 739). A nossa economia atingiu um grau de crescimento que nos permite afirmar que a ausência de recursos não é o nosso maior problema, pois não somos um país PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA pobre, embora tenhamos muitos pobres. Para vencermos a pobreza, faz-se necessário que os recursos cheguem efetivamente aos necessitados. A focalização das políticas sociais é uma opção que quase não gera oposições significativas no Brasil, atualmente. É, possivelmente, a melhor ferramenta com que contamos para acelerar nosso desenvolvimento e melhorar o bem-estar das pessoas. Entretanto, para que possamos ter um desenvolvimento sustentado, há que se quebrar o ciclo de reprodução da pobreza: aos filhos dos pobres devem-se oferecer as oportunidades e a educação necessárias para sua inserção no mercado de trabalho. Entretanto, a opção pela focalização ainda não estava clara, no Brasil, na virada do milênio. Ricardo Paes de Barros e Mirela de Carvalho analisam, em Desafios para a política social brasileira, a política social brasileira, entendendo que, nos últimos anos do século XX, ela passou por transformações que a fazem moderna e descentralizada. No entanto, alguns problemas permanecem e, entre eles, o mais grave seria o fato de que a focalização ainda estar-se-ia dando de forma precária e com pouca efetividade. “A pequena atenção dispensada à focalização nos mais carentes [...], entre outros aspectos, são identificados como potenciais causas da baixa efetividade” (Barros & Carvalho, 2004: 434). Com dados de 2004, os autores afirmam que uma das marcas da sociedade brasileira é haver uma grande proporção da população vivendo na pobreza (34%) e na extrema pobreza (15%), apesar de a nossa renda per capita ter capacidade de 119 suprir nossas necessidades nutricionais e nossas necessidades básicas. Com a transferência de 18% dos gastos federais com programas compensatórios, dentre os quais a Previdência Rural e o Programa Bolsa Família, seria possível erradicar a extrema pobreza. A redução da desigualdade seria fundamental para a diminuição da extrema pobreza “porque quanto mais se utilizarem as reduções no grau de desigualdade, menor será o requerimento mínimo de crescimento para se atingir uma meta determinada de redução na extrema pobreza” (Barros & Carvalho, 2004: 437). Os autores criticam a política social brasileira pelo fato de que ela tem falhado de forma sistemática no objetivo de atingir os mais pobres. “Em geral, grande parte dos programas sociais deixam de beneficiar os segmentos mais pobres da população em favor dos segmentos não-pobres” (Barros & Carvalho, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA 2004: 439). Apesar de a quantidade de recursos disponíveis ser suficiente para eliminar a pobreza, não o é em quantidade suficiente para atender à parcela nãopobre. Em outras palavras, as políticas sociais têm que ser focadas, e não podem ser universalizadas, ao menos na atual conjuntura: qualquer mudança na política social brasileira será incapaz de elevar sua efetividade no combate à pobreza enquanto não se adotar uma clara opção pelos mais pobres. Somente com a garantia de prioridade para este grupo é que a política social brasileira será capaz de ter o impacto sobre a extrema pobreza que todos nós esperamos (Barros & Carvalho, 2004: 435). A prioridade absoluta aos mais pobres precisaria dar atenção a três níveis de focalização: o primeiro teria que levar em consideração que as transferências de recursos da União para os estados e municípios devem ser proporcionais aos graus de carência; em adição, seria necessário rever as regras que definem a população-alvo dos programas federais, pois em vários casos “a própria regra discrimina a população mais pobre, impedindo que a mesma tenha acesso prioritário” (Barros & Carvalho, 2004: 452); finalmente, faz-se necessário aprimorar o cadastramento das famílias pobres, porque “as camadas mais carentes da população tendem a estar fora dos cadastros administrativos existentes” (Barros & Carvalho, 2004: 452). Fica clara a mudança que tem ocorrido nas últimas décadas na agenda dos direitos sociais no Brasil. Passamos das garantias aos trabalhadores urbanos com carteira assinada para garantias a um contingente até então excluído, o daqueles que fazem parte dos cadastros de pobreza. 120 5.2. O debate sobre os programas de renda mínima no Brasil Na década de 1990, começou a prosperar no Brasil a ideia de que um programa de transferência de algum tipo de renda seria uma política pública eficiente no combate à pobreza. Um fator importante para que os programas de renda mínima passassem, nas últimas décadas do século XX, a ser vistos como alternativas para as políticas de proteção sociais universalistas foi o enfraquecimento do Estado de bem-estar social nos países desenvolvidos. Carlos Alberto Ramos, Doutor em Economia pela Universidade de Paris XIII, destaca que nos anos 1980, na Europa e também nos Estados Unidos, ampliou-se o debate sobre a viabilidade da manutenção dos sistemas de proteção social em vigor. Estes passaram a ser criticados por sua ineficiência e por sua PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA duvidosa viabilidade econômica. A crise econômica dos anos 1970 estava colocando obstáculos ao Estado de bem-estar social, que se apoiava em contínuo crescimento econômico e em baixas taxas de desemprego. Observamos, assim, [...] que o antigo sistema de proteção social não é mais funcional ao novo contexto econômico e social. Na perspectiva dos trabalhadores, o crescente desemprego e sua permanência no tempo levam a uma paulatina perda dos direitos sociais, visto que os benefícios estavam atrelados à integração no mercado de trabalho. Do ângulo dos gestores de política, o equilíbrio financeiro do antigo Welfare State é cada vez mais problemático, já que aumentam as demandas (por elevação do desemprego, crescimento da expectativa de vida, etc.) e se reduzem as fontes de arrecadação (por redução do mercado de trabalho tradicional, assalariados a tempo integral e dedicação exclusiva) (Ramos, 1998: 27). Em Família e política de renda mínima, a historiadora Ana Maria Medeiros da Fonseca defende que, no Brasil, a proposta de um programa de renda mínima condicionado à obrigatoriedade de ingresso e permanência dos filhos na rede pública de ensino foi vitoriosa no debate que se seguiu às propostas universalistas e ao projeto de lei do senador Eduardo Matarazzo Suplicy da década de 1990. “Assim, aqueles que eram projetos ou programas, principalmente municipais, e, em geral, em execução em municípios com maiores recursos, transformaram-se em modelos para o ‘programa federal’ de garantia de renda mínima” (Fonseca, 2001: 27). 121 De acordo com Fonseca, as discussões sobre programas de renda mínima como ferramentas para eliminar a pobreza começaram, no Brasil, na década de 1970. O engenheiro e economista Antonio Maria da Silveira publicou o artigo Redistribuição de renda (Silveira, 1975), em que defendia a ideia de que não poderíamos esperar os frutos do crescimento econômico para extinguirmos nossa pobreza. Seria necessário que fosse implementado um programa governamental que, com a menor interferência possível na economia de mercado, não sofresse da falta de eficácia dos métodos até então utilizados. O imposto de renda negativo permitiria que os indivíduos fizessem suas escolhas livremente e não sofreria dos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA custos burocráticos característicos dos programas governamentais da época. 33 A redistribuição em termos monetários costuma impressionar negativamente a muitos. Lembremos que é a mais eficiente, a menos custosa. Lembremos também que é a mais eficaz e que é a forma que levará maior satisfação aos beneficiados. Realmente, os beneficiados poderão adquirir o que melhor lhes aprouver e isto é certamente salutar, menos em casos patológicos que devem ser tratados à parte. Os gastos da classe pobre podem não parecer racionais a observadores de outras classes, mas acreditamos que isto é devido ao verdadeiro desafio que é a existência na pobreza, ao horizonte necessariamente curto do pobre, pois seu problema é conseguir o mínimo de cada dia. Os gastos de consumo serão necessária e automaticamente modificados se a garantia de sobrevivência lhes for proporcionada (Silveira, 1975: 14). Em Da assistência social aos programas de renda mínima garantida, Sônia Miriam Draibe afirma que “tanto a ancoragem teórica quanto a lógica subjacente à proposição de uma renda mínima garantida têm origem liberal” (Draibe, 1992: 265). Para os liberais, a renda mínima estaria de acordo com sua concepção das funções do Estado, e serviria para “complementar aquilo que os indivíduos não puderem solucionar via mercado ou através de recursos familiares e da comunidade” (Draibe, 1992: 265). Silveira, à frente do seu tempo, já enxergava o avanço tecnológico como um aliado contra a burocracia no objetivo de minimizar os custos de implantação do programa que estava propondo. 33 Estas ideias estavam provavelmente apoiadas nas teses do economista norte-americano Milton Friedman, da Universidade de Chicago, que, em seu livro Capitalismo e liberdade, defendia que a pobreza deveria ser combatida através da ajuda direta aos indivíduos. Friedman menciona as vantagens de um programa de renda mínima: está diretamente dirigido para o problema da pobreza; a ajuda é dada da forma mais útil, o dinheiro; é de ordem geral; e deixa transparente o seu custo para a sociedade. As famílias teriam a liberdade de alocar o dinheiro recebido em função de suas decisões e do que for oferecido pelo mercado. Esta ajuda dada diretamente em dinheiro evitaria a burocracia, seus gastos e sua tendência ao uso político, e seria focada nos pobres e jamais nas categorias, como classe, etnias etc (Friedman, 1977). 122 As dificuldades de implementação da proposta não podem ser desprezadas. A Receita Federal teria que estender o sistema de informações e análise a toda população adulta ou, mais provavelmente, a todas as unidades familiares. Entretanto, observemos que estes custos tendem a decrescer substancialmente, dado o progresso tecnológico recente. [...] Observemos que os custos são certamente bem menores do que os envolvidos nos sistemas alternativos existentes ou propostos (Silveira, 1975: 14). O argumento de que em uma democracia só pode haver continuidade caso a desigualdade seja limitada e a miséria não castigue grande parte dos indivíduos foi desenvolvido por Edmar Lisboa Bacha e Roberto Mangabeira Unger em Participação, salário e voto: um projeto de democracia para o Brasil. Visando a diminuir a nossa forte concentração de renda, previa que o financiamento deste programa viria de uma revisão no sistema de imposto de renda, da criação de um imposto sobre a riqueza líquida e da implementação do imposto sobre doações e PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA heranças. Em 1991, o senador Eduardo Matarazzo Suplicy apresentou o projeto de lei 80/91 que objetivava fornecer uma complementação de renda aos maiores de 25 anos com rendimentos mensais abaixo de um determinado patamar. O valor dessa complementação seria de 30% da diferença entre sua renda e o patamar considerado. Aqui a prioridade seria dada aos maiores de 60 anos. Suplicy propunha, paralelamente à implantação desse programa, a supressão de grande parte dos programas assistenciais, visto que ineficientes e perdulários. Chamava a atenção para o fato de que a forma de garantir uma renda mínima aos adultos que não conseguiam rendimentos para suas necessidades básicas era defendida pelos mais diversos pensadores: simples na sua concepção, este instrumento tem sido defendido por alguns dos mais conceituados economistas de diferentes tendências, como John Kenneth Galbraith, James Tobin, Robert Solow e Milton Friedman. Reconheço a persistência do brasileiro Antonio Maria da Silveira, que o defende há vinte anos. Edmar Lisboa Bacha e Roberto Mangabeira Unger já defenderam a sua introdução, e Paul Singer também o tem defendido, na forma de um mínimo familiar (Suplicy, 1992: 51). Suplicy, ao encerrar a justificativa em defesa de seu projeto de lei, pontuava as diversas tentativas que o país tinha feito para diminuir a miséria e clamava que essa era uma rara oportunidade para se alcançar este objetivo: 123 para uma sociedade que hoje se caracteriza por ser uma das que apresentam disparidades sócio-econômicas das mais intensas e graves do mundo, que tem repetidamente fracassado em suas tentativas de diminuir a pobreza e as desigualdades, a determinação expressa de erradicar a miséria, e suas consequências, deve constituir-se em vontade maior. Faz-se então necessária a criação de um instrumento de política econômica que cumpra tal objetivo da melhor e mais eficiente maneira (Suplicy, 1992: 53). O artigo Pobreza e garantia de renda mínima, do economista José Márcio Camargo, trouxe um novo enfoque à discussão. Sua preocupação estava em estudar a elaboração de políticas sociais que, ao mesmo tempo em que reduzissem a pobreza no curto prazo, diminuíssem a reprodução da pobreza também no longo prazo. Camargo argumentava que “após mais de quatro décadas de crescimento acelerado, a economia brasileira atingiu um nível de renda per capita bastante acima daquele característico dos países considerados pobres” (Camargo, 1991). No entanto, iniciávamos os anos 90 com o desafio de tirarmos da miséria quase PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA metade de nossa população. Haveria, segundo Camargo, cinco causas para essa situação: primeiro, a própria pobreza gera mecanismos que a reproduzem; segundo, as enormes deficiências do sistema público de educação básica; terceiro, a excessivamente concentrada distribuição da propriedade da terra; quarto, a estrutura de incentivos fiscais e monetários que favorece os postos de trabalho ocupados por trabalhadores mais qualificados, em detrimento dos postos de trabalho ocupados por trabalhadores menos qualificados e, finalmente, a legislação trabalhista, que incentiva a superexploração e relações de trabalho de curto prazo para os trabalhadores não qualificados e desincentiva o investimento em treinamento pelas empresas (Camargo, 1991). Para o autor, uma característica marcante do nosso mercado de trabalho seria o fato de que a pobreza do presente se refletiria em uma reprodução da mesma no futuro. Ele enfatiza a presença de maus empregos em que, após 35 anos de trabalho, o trabalhador receberia um salário semelhante a outro que viesse a se integrar no mercado naquele momento. A perversa consequência desse fenômeno seria que “uma criança que entra cedo no mercado de trabalho contribui com uma parcela substancial da renda familiar. Ou seja, nas famílias pobres, o valor da força de trabalho das crianças é maior que nas famílias ricas” (Camargo, 1991). Ao entrarem cedo no mercado de trabalho, as crianças pobres sairiam cedo da escola, obrigando-se a aceitar empregos em trabalhos que não exigem maiores qualificações, reproduzindo assim a pobreza da geração anterior. 124 Camargo defendia o seu apoio ao Programa de Renda Mínima do senador Suplicy, que teria a vantagem de não “criar uma burocracia paralela para distribuir bens e serviços que, no Brasil, nunca chegam realmente aos pobres” (Camargo, 1991). Apresenta, no entanto, duas sugestões. Na primeira, e pelas razões explicitadas, Camargo não recomenda que o programa dê prioridade aos idosos. Na segunda, preocupado com a dificuldade de se fiscalizar um programa deste alcance, sugere a exigência de que os beneficiados tivessem todos os filhos matriculados em escolas públicas. Essa exigência traria uma restrição ao projeto do senador Suplicy, uma vez que só as famílias com filhos em idade escolar teriam acesso ao benefício. Fonseca ressalta que esse formato acabaria sendo a referência para os primeiros programas de renda mínima no Brasil, porque a ideia de que eles PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA fossem condicionados “à obrigatoriedade de ingresso e permanência dos filhos, em idade escolar, na rede pública de ensino representou uma mudança radical em relação ao projeto original e ao debate da década de 1970” (Fonseca, 2001: 105). É provável que as inseguranças econômicas e políticas do período que vai de 1991 a 1995 possam ter motivado o fato de que “entre o projeto de 1991 e as primeiras experiências, em 1995, houve um vazio de iniciativas” (Fonseca, 2001: 109). Ressalta, porém, que a formatação dos projetos legislativos que foram apresentados a partir de 1995 trouxe o impacto dos programas que estavam em execução em Campinas, Ribeirão Preto e Distrito Federal. O projeto do senador Suplicy recebeu emendas em 1996 na Câmara de Deputados, sendo que algumas delas “condicionam o recebimento da renda mínima à vinculação das crianças e adolescentes à rede escolar, mas garantem o acesso aos cidadãos pobres e sem filhos ou dependentes” (Fonseca, 2001: 109). No final de 1997 foi sancionada a Lei n° 9.533, que dava autorização ao poder Executivo para apoiar financeiramente programas de garantia de renda mínima uma vez que estivessem associados a ações sociais e educativas. Esse apoio seria dado aos municípios que não tivessem recursos para cobrir suas ações integralmente. Tratava-se de um programa apoiado na ação dos municípios: 125 é importante ressaltar que o modelo adotado, fortemente inspirado nas experiências das instâncias subnacionais ou nas estratégias de combate à pobreza no plano local, depende da adesão dos municípios que se enquadrem nos critérios de seleção – os demais não contam com apoio financeiro – e requer, de todos os municípios que atendem aos requisitos, a mesma contrapartida (Fonseca, 2001: 118). As discussões em todo o mundo, nas últimas décadas, em relação a programas de garantia de algum tipo de renda mínima, refletem algumas das novas questões que vêm sendo criadas em função das modificações nas atividades produtivas. Com efeito, os postos de trabalho, tendo em vista o surgimento e a disseminação de novas tecnologias, não acompanharam o vertiginoso crescimento dos níveis de produtividade que foram alcançados. Consequentemente, o acesso à renda através do trabalho remunerado sofreu um declínio acentuado. Esse desemprego continuado provoca, ao mesmo tempo, outro efeito perverso: o da crise dos sistemas de seguridade social, uma vez que a quantidade de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA contribuintes cai dramaticamente, e aumenta a base dos que deles dependem. Assim, seja em decorrência do excedente de trabalho, da geração de postos de trabalho precários, de trabalho com baixo grau de formalização contratual, e do distanciamento das redes de proteção, ou da combinação destes elementos que caracterizam as vulnerabilidades sociais, coloca-se a exigência de mecanismos novos de proteção social. É nesse quadro da chamada crise da sociedade salarial que o debate internacional sobre programa de renda mínima ganha vigor (Fonseca, 2001: 122). Samuel Pessôa ressalta a importância da condicionalidade, exigindo a contrapartida dos beneficiários dos programas de transferência de renda: eu acho que tem uma coisinha aqui muito importante, que é o seguinte: essa ideia aqui do programa condicionado, a origem do programa condicionado de transferência de renda, o objetivo não era diminuir a desigualdade no curto prazo. A transferência de renda era muito pouco importante. O importante era educar as crianças, pra que você tivesse pouca desigualdade, e pouca pobreza na geração futura. É verdade que era bom você diminuir a desigualdade na geração presente. Mas não importava: eu me lembro de ter participado de discussões em que algumas pessoas na mesa diziam: a pessoa vai ganhar dinheiro e não vai querer trabalhar. Vai gastar em cachaça e tal. Eu falava: Isso não me importa. O cara pode gastar tudo em cachaça. Para mim, não faz a menor diferença. Isso não é nada importante. O importante é que ele coloque os filhos na escola, e que o Estado dê escola pública e de qualidade para essas crianças. Se eu conseguir isso, o programa é 100% bem sucedido. As pessoas tinham que dar uma contrapartida para a sociedade, porque a ideia era o seguinte: que a sociedade não é responsável pela desigualdade e pela pobreza. Responsável pela desigualdade e pela pobreza é todo mundo. Inclusive o pobre. Consequentemente, se ele está ganhando algum dinheiro, é importante que ele dê uma contrapartida pra sociedade, seja lá de que forma for. Que ele faça trabalho social, que ele coloque o filho na escola. Não 126 importa. Mas ele deveria dar uma contrapartida, porque senão, não fazia muito sentido (Pessôa, 2013). Para Pessôa, ainda existe uma clivagem, mas caminharíamos lentamente para um consenso quanto à importância relativa maior da educação: eu acho que a clivagem persiste. Eu acho que nos estudantes do mainstream esse é um ponto pacífico. Acho que todo mundo concorda que isso, hoje, é um ponto central. Mas eu acho que as pessoas que abraçam uma visão mais estruturalista são críticas. Mas eu acho que, até nessas pessoas, nessa visão, há uma percepção que, de fato, a educação tem uma importância maior do que se acreditava há 20, 30 anos atrás. Eu acho que lentamente está virando um consenso (Pessôa, 2013). O filósofo e cientista social belga Philippe Van Parijs 34 é um importante defensor dos programas de renda mínima. Considera que não é necessário ter trabalhado, ter efetuado contribuições, estar passando por necessidades ou estar em busca de emprego para ter direito a esta renda mínima. Seria uma renda básica PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA incondicional para todos os cidadãos. Van Parijs está apoiado nas ideias que Thomas Paine 35 apresentou em Agrarian justice. Segundo Draibe, Paine é frequentemente “lembrado como o primeiro defensor da ideia de um direito à renda absolutamente incondicional” (Draibe, 1992: 265). Paine defende a realização, a todas as pessoas, de um pagamento mínimo, tendo em vista que: “every individual in the world is born therein with legitimate claims on a certain kind of property, or its equivalent” (Paine, 2011: iii). Para isso, propõe ao Diretório da Revolução Francesa a criação de um Fundo Nacional, que objetivaria compensar a propriedade não recebida, bem como prover uma renda adicional aos maiores de cinquenta anos: to create a National Fund, out of which there shall be paid to every person, when arrived at the age of twenty one years, the sum of fifteen pounds sterling, as a compensation in part, for the loss of his or her natural inheritance, by the introduction of the system of landed property: And also, the sum of ten pounds per annum, during life, to every person now living, of the age of fifty years, and to all others as they shall arrive at that age (Paine, 2011: 10). Não deveria haver nenhuma condicionalidade para esses pagamentos, e os que preferissem não recebê-los devolveriam o valor ao Fundo Nacional: 34 Philippe Van Parijs (1951- ) nasceu em Bruxelas. Possui doutorados em Ciências Sociais pela Universidade Católica de Louvain e Filosofia pela Universidade de Oxford. 35 Thomas Paine nasceu em Thetford, na Inglaterra, em 1737 e morreu em Nova York, nos Estados Unidos da América, em 1809. Teve participação nas revoluções americana e francesa, tendo sido eleito para a Convenção em 1792. Escreveu Agrarian justice em 1795. 127 it is proposed that the payments, as already stated, be made to every person, rich or poor. It is best to make it so, to prevent invidious distinctions. It is also right it should be so, because it is in lieu of the natural inheritance, which, as a right, belongs to every man, over and above the property he may have created, or inherited from those who did. Such persons as do not choose to receive it can throw it into the common fund (Paine, 2011: 11). Van Parijs considera que nas sociedades desenvolvidas o emprego é um recurso escasso. Atualmente, os postos de trabalho estariam mal distribuídos e far- PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA se-ia necessário um tipo de pagamento para reparar esse problema: le point de départ, ici, réside dans l’observation que dans nos sociétés fortement organisées et technologisées une bonne partie de ce qui nous est donné l’est sous la forme d’emplois. Dans nos sociétés, en effet, les emplois constituent des ressources rares. [...] Cette rareté se manifeste de la maniére la plus évidente dans le fait que, pour des raisons complexes et fondamentales, il existe dans nos économies un important chômage involontaire. Mais elle se manifeste aussi dans le fait que les emplois existants sont trés inégalement attrayants – que ce soit en raison du revenu trés inegal qui leur est attaché, des possibilités de promotion qui leur sont liées ou de leurs caractéristiques intrinsèques - de telle sorte que certains préféreraient à leur propre emploi celui occupé par d’auters, qu’ils en soient exclus du fait qu’ils ne disposent pas des talents ad hoc ou pour toute autre raison. Cette rareté des emplois – globalement ou pour les catégories d’emplois les plus attrayantes – peut aussi s’exprimer en disant qu’il existe de rentes d’emploi - et de rentes autrement massives que celles qui apparaissent sous la forme d’héritage – qui sont aujourd’hui appropriées, du reste de manière très inégale, par ceux-là seuls qui ont un emploi (Van Parijs, 1996: 39). Assim como Paine, Van Parijs crê ser legítimo o recebimento de uma prestação universal, baseada na existência de um patrimônio comum. Seu raciocínio afasta a necessidade de se observar a crise que, a partir dos anos 1970 e, com mais intensidade a partir da década de 1990, vem minando os Estados de bem-estar social das nações mais desenvolvidas. A implantação de uma renda mínima pessoal não dependeria de crises para justificar sua implantação. Van Parijs esteve presente na formação da agenda do combate à pobreza no Brasil. Conforme o depoimento de Suplicy: em 1996, levei o Professor Philippe Van Parijs, filósofo e economista que tão bem tem defendido a Renda Básica de Cidadania, para uma audiência com o Presidente Fernando Henrique Cardoso e o Ministro da Educação, Paulo Renato Souza; presente, o Dep. Nelson Marchezan, um daqueles proponentes. Van Parijs salientou que o objetivo melhor seria a renda básica incondicional, mas que se iniciar a garantia da renda mínima associando-se às oportunidades de educação era um bom passo, pois estaria relacionando-a ao investimento em capital humano. Foi então que o Presidente Fernando Henrique Cardoso deu o sinal verde para que fosse aprovada a Lei 9.533, de 1997, que autorizava o governo federal a conceder apoio financeiro, de 50% dos gastos, aos municípios que 128 instituíssem programa de renda mínima associado a ações socioeducativas (Silva e Silva, 2012: 237). Fonseca ressalta as diferenças entre os novos pobres europeus e os pobres brasileiros. Na Europa, a imagem dos pobres, em função da expulsão da mão de obra mais qualificada do mercado de trabalho, não é a de idosos, incapazes, ou de baixa escolaridade e qualificação. Esse estoque de adultos qualificados e residentes em áreas economicamente pujantes aumenta a quantidade de pobres. Ao lado deles estão os jovens, parcial ou definitivamente excluídos do mercado de trabalho. Quanto ao Brasil, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA observa-se que aqui não se alude à desestruturação do mercado de trabalho, com altas taxas de desemprego, à geração de postos de trabalho precários, às ocupações subcontratadas, à exclusão do mercado de trabalho de um importante contingente da população ativa. Certamente, entre nós, não se trata apenas destes novos pobres – nossa pobreza não é nova e jamais foi residual (Fonseca, 2001: 139). A partir dos anos 1980 vários países da Europa estudaram a utilização de programas de renda mínima no combate à pobreza. Em 24 de junho de 1992, uma Recomendação das Comunidades Europeias (92/441/CEE) menciona os critérios comuns que se relacionam com os recursos e sistemas de proteção social. É recomendado aos Estados-membros que reconheçam, no âmbito de um dispositivo global e coerente de luta contra a exclusão social, o direito fundamental dos indivíduos a recursos e prestações suficientes para viver em conformidade com a dignidade humana e, consequentemente, adaptem o respectivo sistema de protecção social, sempre que necessário, segundo os princípios e as orientações a seguir expostos (CCE, 2011). A implementação desse direito deveria seguir algumas orientações práticas: fixar, em função do nível de vida e do nível de preços no Estado-membro considerado, e para diferentes tipos e dimensões de agregados familiares, o montante dos recursos considerados suficientes para uma cobertura das necessidades essenciais no respeito à dignidade humana; adaptar ou completar os montantes de forma a satisfazer necessidades específicas; definir modalidades de revisão periódica desses montantes, de acordo com indicadores claramente definidos, para que continue a ser assegurada a cobertura das necessidades (CCE, 2011). Fonseca observa que a grande maioria dos países da Europa conta com programas de garantia de renda mínima. Essas experiências são variadas e se 129 diferenciam principalmente pelas condições de acesso, tais como a nacionalidade, a idade, a residência etc. Também não são uniformes a fórmula de cálculo do benefício e as contrapartidas exigidas. Os programas são complementares, pois não são substitutivos de outros direitos sociais. O valor da renda mínima é definido a partir da renda do demandante, se for uma pessoa só; ou de sua renda e dos demais membros de sua família. Assim, a complementação permite que o indivíduo ou o grupo familiar atinjam o patamar mínimo de renda. Essa é a forma de garantir a cada individuo, ou a cada grupo familiar, um rendimento adequado ao atendimento de suas necessidades (Fonseca, 2001: 151). Essa política de distribuição de recursos monetários aparece, em todos os países, associada a outros benefícios e serviços. Entre eles estão a assistência médica, subsídios para a habitação e políticas de formação e qualificação profissional. Esses programas são universais, pois se destinam a todos que se PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA encontram abaixo de certo patamar de renda, ou que estiverem passando por dificuldades decorrentes de insuficiência de renda. A renda é um direito, e o cidadão ou cidadã podem requerer o acesso à renda; ao direito à renda estão associadas outras prestações e serviços, indicando a compreensão de que a pobreza tem outras formas de expressão, além da renda; a renda é um direito constitucional no sentido que depende de certos pré-requisitos ou da aceitação de certas condições (disponibilidade para o trabalho, contrato de inserção). Lembrando das posições em debate, e tendo em conta os programas em curso, verifica-se uma grande diversidade tanto no debate como nas experiências em desenvolvimento (Fonseca, 2001: 152). Essa constatação, no entender de Fonseca, não obscurece a distância entre essas posições e as experiências então em andamento no Brasil. A principal diferença estaria na focalização nas famílias pobres, residentes há alguns anos em alguns dos mais de cinco mil municípios brasileiros, com crianças e adolescentes, contrariamente à universalização da experiência internacional. Nossos programas, mesmo que no presente minorem as condições de privação de algumas famílias, são para o futuro – para que a pobreza de hoje não estimule a de amanhã, e deixam à margem milhões de brasileiros. Nossos programas pretendem combater a pobreza, evitando o trabalho infantil e aumentando o grau de escolaridade das crianças e adolescentes das famílias pobres residentes em alguns municípios. A ideia que os sustenta é que a elevação do nível de escolaridade das crianças e dos adolescentes das famílias beneficiadas lhes dará melhores condições de geração de renda, rompendo, dessa maneira, com a reprodução intergeracional da pobreza (Fonseca, 2001: 152-153). 130 5.3. O pioneirismo das unidades subnacionais no combate à pobreza Em Campinas, foi criado através da Lei n° 11.471, de 03/03/1995, o Programa de Garantia de Renda Familiar. Esse programa, dirigido às famílias em situação de extrema pobreza e que tenham em sua composição crianças e adolescentes, considerava elegíveis as famílias que tivessem filhos entre zero e 14 anos, ou maiores desde que portadores de deficiências físicas ou mentais que os incapacitem para o trabalho; residissem em Campinas há pelo menos dois anos da data da publicação da lei; tivessem renda mensal inferior a R$ 35,00 por pessoa da família; concordassem em atender às obrigações estabelecidas em um Termo de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA Responsabilidade e Compromisso. O Termo de Responsabilidade e Compromisso, assinado pelos responsáveis pelas famílias que atendam aos critérios estabelecidos, tem por finalidade, no desenho do Programa, comprometê-los na garantia da frequência das crianças e adolescentes nas escolas, no atendimento regular à saúde dessas crianças e adolescentes e na sua não permanência nas ruas. Pelo Termo, o responsável familiar também se compromete a participar de uma reunião mensal (Fonseca, 2001: 157). O Programa do Distrito Federal, Bolsa Família para a Educação, foi instituído pelo Decreto n° 16.270, de 11 de janeiro de 1995, e regulamentado pela Portaria n° 16, de 9 de fevereiro de 1995. Pelas regras do programa, seriam elegíveis as famílias que tivessem crianças entre 7 e 14 anos de idade; cuja renda familiar per capita fosse inferior a meio salário mínimo; que residissem há pelo menos cinco anos no Distrito Federal; que tivessem as crianças em idade escolar matriculadas na rede pública de ensino. “O programa Bolsa Família para a Educação (Bolsa Escola) determina que as mulheres sejam responsáveis pela família e apenas em situações especiais essa atribuição pode recair sobre os homens. O suposto é que a mulher zelará melhor pelos interesses da família. As mulheres, sobretudo as mães, agiriam de forma menos egoísta, individualista e assim os recursos estariam em ‘boas mãos’ e os compromissos previstos nos termos de responsabilidade seriam cumpridos. É certo que se esta pode ser uma boa percepção no plano da cultura, embora pareça fundada na natureza ou na biologia, ela passa ao largo de questões cruciais como as hierarquias, as distribuições de poder no interior das famílias” (Fonseca, 2001: 165). Um terceiro programa implementado em 1995 foi o programa de garantia de renda Familiar Mínima do município de Ribeirão Preto, instituído pela Lei n° 7.188, de 28 de setembro de 1995 e pelo Decreto n° 283, de 19 de dezembro de 131 1995. Esse programa tinha como objetivos manter as crianças e adolescentes nas escolas e creches; combater o trabalho infantil e a desnutrição; reduzir a mortalidade infantil e garantir oportunidades iguais para crianças e adolescentes portadores de deficiências. As condições de elegibilidade das famílias eram que: tivessem filhos ou dependentes entre 0 e 14 anos; residissem em Ribeirão Preto há pelo menos cinco anos; tivessem renda mensal inferior a R$ 240,00; estivessem dispostas a atender às obrigações estabelecidas em Termo de Responsabilidade e Compromisso. O combate à pobreza na década de 1990 teve, portanto, início em municípios. Tal fato está aliado à ideia de eficiência, mais do que à de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA disponibilidade de recursos. De acordo com Sonia Rocha, o gasto social no Brasil – que inclui a totalidade dos gastos da previdência, da saúde, da educação – equivale a cerca de 20% do PIB. É evidente que a persistência da pobreza não está vinculada à insuficiência do gasto público, e que, por consequência, não se trata apenas da mobilização de recursos adicionais, mas de mudança na natureza do gasto social e da melhoria da sua eficiência, em geral (Rocha, 2003: 192). Para Rocha a focalização deve levar em conta que, por existirem desigualdades de distribuição de renda, a operação deveria ter prioridades claramente definidas: adotar o combate à pobreza como bandeira política consequente requer a reestruturação do gasto social, em geral, e o redesenho dos mecanismos voltados especificamente ao atendimento dos pobres. Implica ainda que os mecanismos de financiamento do gasto público levem em conta, explicitamente, as desigualdades da distribuição de renda no país. Especificamente, na operacionalização de políticas antipobreza, é indispensável concentrar o uso de recursos, antigos ou novos, em políticas de objetivos claros e focalizados em populações bem definidas. É essencial priorizar o atendimento aos mais pobres, mas garantindo a eficiência operacional, tanto de medidas assistenciais, que apenas amenizam os sintomas presentes na pobreza, como daquelas que têm o potencial de romper de forma definitiva o círculo vicioso da pobreza (Rocha, 2003: 193). 5.4. O programa Bolsa Família e a interrupção do ciclo intergeracional de reprodução da pobreza Fica clara a mudança que tem ocorrido nas últimas duas décadas na agenda dos direitos sociais no Brasil. Passamos das garantias aos trabalhadores urbanos com carteira assinada para garantias a um contingente até então excluído, o 132 daqueles que fazem parte dos cadastros de pobreza. O Bolsa Família é a consolidação de diversos programas de transferência de renda focalizada que foram iniciados, na esfera federal, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Trata-se de um programa de transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza e que atende mais de 14 milhões de famílias (Ismael, 2014). A condição de aliar a transferência de renda à ideia de melhorar a educação dos dependentes dessa ajuda estava clara nos programas pioneiros. Percebe-se que não prosperou, no fortalecimento da agenda das políticas sociais no combate à pobreza no Brasil, o viés da transferência incondicional de renda. Com o Programa Bolsa Família, implantado no governo Lula, a exigência de presença nas escolas públicas consagrou a linhagem de pensamento que defendia PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA a necessidade de se melhorar a educação das famílias pobres para se tentar quebrar o ciclo da pobreza. O Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à educação - Bolsa Escola Federal (Brasil, 2001) foi criado no segundo governo Fernando Henrique Cardoso através da Lei nº 10.219, de 11 de abril de 2001. Inspirado em experiências similares que tiveram início em Campinas, Distrito Federal e Ribeirão Preto, tinha como objetivos declarados assegurar a educação para crianças de baixa renda e realizar transferências diretas condicionadas de renda. Foram criados apenas dois parâmetros, faixa etária e renda, visando a disponibilizar o benefício para todos que se enquadrassem na linha de atendimento. Sendo assim, todas as crianças entre 6 e 15 anos que frequentassem o ensino fundamental e cujas famílias tivessem renda per capita de até R$90,00 poderiam receber o benefício do Bolsa Escola Federal. Foi dada também importância aos municípios. Os municípios que quisessem adotar o Programa Nacional de Bolsa Escola assinariam um termo de adesão e cadastrariam todas as famílias que tivessem direito ao benefício. É importante salientar que o programa não exigia contrapartida financeira dos municípios. O Programa Bolsa Família (Brasil, 2004) foi criado no primeiro governo Lula através da Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004. O Programa tinha por 133 finalidade a unificação dos procedimentos de gestão e execução das ações de transferência de renda do Governo Federal, tais como o Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Educação - Bolsa Escola; o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; o Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à Saúde - Bolsa Alimentação; o Programa Auxílio-Gás; e o Cadastramento Único do Governo Federal, todos esses instituídos nos governos Fernando Henrique Cardoso. O programa apresentava como condicionalidades na área da educação a obrigatoriedade de matricular as crianças e adolescentes de 6 a 15 anos em estabelecimento regular de ensino e garantir a frequência escolar de no mínimo 85% da carga horária mensal do ano letivo. As condicionalidades na área da saúde para gestantes e nutrizes eram inscrever-se no pré-natal, comparecer às consultas PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA na unidade de saúde mais próxima da residência e participar das atividades educativas ofertadas pelas equipes de saúde sobre aleitamento materno e promoção da alimentação saudável. Os responsáveis pelas crianças menores de 7 anos deveriam levar a criança às unidades de saúde ou aos locais de vacinação e manter atualizado o calendário de imunização. Conforme Ricardo Ismael, essas condicionalidades visavam a atender dois objetivos principais: “reduzir a pobreza no Brasil, especialmente a pobreza extrema, através de transferências monetárias, e interromper o ciclo intergeracional de reprodução da pobreza, através das condicionalidades de saúde e, muito especialmente, de educação” (Ismael, 2014). Celia Lessa Kerstenetzky, em Redistribuição e desenvolvimento? A economia política do Programa Bolsa Família, considera que houve efetiva contribuição do Programa para a redução da pobreza: as transferências representaram [...] um importante mecanismo de alívio à pobreza para famílias muito pobres e podem ter tido efeitos significativos sobre a subnutrição infantil. De fato, estima-se que 87% das transferências foram utilizadas pelas famílias para comprar alimentos (Kerstenetzky, 2009: 58). Também em relação à desigualdade de renda, Kerstenetzky vê influência positiva do nosso programa de transferência direta de renda: 134 depois de oscilar por décadas em torno de um coeficiente de Gini de 0,60, a desigualdade na distribuição pessoal da renda no Brasil vem cedendo de modo inequívoco ao longo dos últimos seis anos (2001-2006), alcançando em 2006 um Gini de 0,56, o que representa uma variação negativa de 6%. [...] O efeito significativo sobre a desigualdade total pode então ser atribuído ao fato de que um número substancial de pessoas na cauda inferior da distribuição está complementando sua diminuta renda com esses benefícios monetários (Kerstenetzky, 2009: 56-57). Também Marcelo Neri, em O Rio e o novo federalismo social, comenta a importância do programa para a redução da pobreza e da desigualdade de renda: durante seus nove anos de existência, o programa BF passou por expansões e foi alvo de uma séria de estudos empíricos, que demonstraram seu elevado grau de focalização e um forte impacto na pobreza e na desigualdade de renda propiciado pela estrutura e capacidade do programa de chegar aos mais pobres (Neri, 2012: 477-479). No entanto, Neri vê deficiências flagrantes na qualidade do nosso ensino PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA na faixa etária-objeto do programa. Creio que esse é um óbice quando pensamos no objetivo de quebrar o ciclo intergeracional de reprodução da pobreza: dados o desempenho brasileiro e as estatísticas de frequência escolar e tempo de permanência na escola para essa faixa etária, percebe-se que o grande problema da educação fundamental brasileira é a qualidade, e por trás dela, a gestão escolar, a proficiência dos alunos e a jornada escolar insuficiente (Neri, 2012; 482). Para Lena Lavinas, a importância maior do Bolsa Família é na redução da indigência: o Bolsa Família tem impacto relativamente modesto em retirar da pobreza seus beneficiários. Mas sua incidência na redução da indigência é significativa e valiosa. É um Programa que pode ser aprimorado, antes de mais nada tornando-o um direito de todos que preenchem os requisitos de elegibilidade (Lavinas, 2010). Quando nos referimos ao custo para a sociedade do Programa Bolsa Família, constatamos que seu peso relativamente ao PIB é baixo. “O Programa Bolsa Família custou em 2013 aproximadamente 0,5% do PIB (R$ 23.997.460.000,000), e contemplava em dezembro de 2013 um total de 14.086.199 famílias” (Ismael, 2014). Esse valor equivale a uma transferência direta mensal média de aproximadamente R$ 142,00. Sem dúvida, temos muito espaço para avançarmos nos valores do Programa. A questão é como melhorar a inércia na melhora do ensino para quebrarmos o ciclo intergeracional de pobreza. “A constatação de que a pobreza extrema pode tornar-se residual no país, até o final dessa década, deve ser comemorada. Mas isso não significa que a sexta 135 economia do mundo já mobilizou os meios necessários para a erradicação da pobreza no Brasil” (Ismael, 2014). Papel importante devem ter as instancias subnacionais. Marcelo Neri lembra que durante o governo Dilma “até maio de 2012, nove parcerias distintas haviam sido firmadas entre estados e o governo federal em torno de programas complementares de combate à pobreza" (Neri, 2012: 469). No entanto, “no Programa Bolsa Família predomina a parceria entre o governo federal e as prefeituras, de modo que são estas unidades subnacionais que recebem a maior parte de recursos da União relativas ao PBF” (Ismael, 2014). A descentralização é fundamental para garantir eficiência ao Programa, mas a parceria com os estados deveria ser priorizada, uma vez que também cabe a estes a responsabilidade pelo ensino fundamental. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA De acordo com Samuel Pessôa, o programa Bolsa Família não é uma garantia de autonomia futura, mas um passo nesse sentido. No entanto, considera que a saída para as famílias na pobreza é a educação de qualidade: eu acho que ele é um elemento importante, imprescindível. Acho que é um programa, uma política pública maravilhosa. Eu não gosto dessa história (de) “precisa ter uma porta de saída”. O Bolsa Família é para aliviar as pessoas de uma situação de pobreza muito extrema. As pessoas aliviaram, elas já vão ser melhores. Elas já vão ser melhores mães, melhores pais, só por terem aquilo ali. A porta de saída do Bolsa Família, no meu entender, é a educação básica de qualidade. Não mudou nada. É a educação. Eu acho que a única saída para autonomia, para desenvolvimento econômico, para igualdade, é educação (Pessôa, 2013). Pessôa vê inúmeros aspectos positivos no Programa, como a focalização, o baixo custo e o pequeno índice de fraudes: eu acho é que o Bolsa Família é um instrumento importante pra que as famílias que estejam na linha de pobreza tenham um fôlego para se organizarem melhor. E tocarem melhor a sua vida. Nesse sentido, eu acho que é um programa muito bem sucedido. É um programa barato, que vai nas pessoas certas. Acho que a fraude é pequena, e, até hoje, eu não vi nenhum efeito ruim do Bolsa Família (Pessôa, 2013). Quanto às críticas das quais Pessôa tomou conhecimento, relativas a uma possível redução na oferta de trabalho, considera que não há nenhum aspecto negativo, nem mesmo pelo fato de algumas mães optarem por cuidar de seus filhos ao invés de ingressar no mercado de trabalho: 136 há pessoas que dizem que há algum sinal de reduzir oferta de trabalho. O que eu vi, o Bolsa Família reduz oferta de trabalho feminino. Como os salários de pessoas com essa qualificação, de pessoas foco do programa, é muito baixo, o custo de oportunidade de você parar de trabalhar e ficar em casa é baixo. Agora, se você é mãe, parou de trabalhar e ficou em casa cuidando dos filhos, talvez seja isso que eu queira que aconteça. O salário que você comanda, no mercado, é tão baixo, que a melhor coisa que você pode fazer é ficar próxima dos seus filhos. E isso vai ser para o país, a longo prazo, melhor, porque crianças que cresceram com a mãe em casa recebendo o Bolsa Família e o pai trabalhando, do que o pai e a mãe fora e a criança mais solta. Então, nem nesse aspecto eu consigo ver um efeito ruim do Bolsa Família (Pessôa, 2013). Apesar disto, considera que o programa pode ser melhorado, mas sem a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA preocupação com uma “porta de saída”. Insiste que a solução é uma boa escola: eu acho que a gente pode é pensar maneiras de melhorar esses programas. Eu acho de tudo o que eu conheço que eu vi até hoje, o programa Bolsa Família só tem efeitos positivos. Isso não quer dizer que ele não possa ser melhorado. Eu não acho que a gente tem que pensar uma porta de saída pra ele. Isso eu acho errado. Acho que é um programa de compensação. Tem gente que vai ficar a vida toda. E tudo bem. Eu acho que a porta de saída do programa Bolsa Família é uma escola boa para os filhos daquelas famílias. Para quebrar o círculo vicioso da pobreza (Pessôa, 2013). Pessôa comenta ainda sua experiência quando trabalhou com o governo do Ceará, e a resistência que encontrou ao tentar implantar um sistema que premiasse o mérito na educação: agora, para que isso seja mais eficiente, a gente pode pensar coisas. Quando eu estava lá com o Tasso, o Tasso tinha muita preocupação. E tem muita evidência anedótica de que o Bolsa Família reduz oferta de trabalho no sertão. “Mas Samuel, não tem alguma coisa que a gente possa fazer, pra melhorar? Um 2.0?”. Acho que tem. Bolei um programa que seria um 2.0, que seria assim: já tem o Bolsa Família. Os grupos que ganham Bolsa Família 1 vão ser elegíveis a um Bolsa Família 2.0. A gente vai dobrar o benefício para as crianças progredirem mais rápido na prova Brasil. Então a ideia era: você tem o básico, continua do mesmo jeito, igual, não muda nada. E a gente vai criar outro por mérito. Ele gostou, fizemos projeto de lei. Quando mandamos projeto de lei, as pedagogas “caíram de pau”: “É competição! A gente quer formar cidadãos autônomos! Vocês vão trazer a competição pra dentro da escola, que coisa feia! O aluno agora vai estudar só porque vai ganhar dinheiro, não! Ele tem que estar imbuído”. Aquela visão romântica que pedagogo tem. Depois, eu vi uns trabalhos, você tentou isso de dar dinheiro nos Estados Unidos. Não funcionou muito porque, nessas famílias, o desconhecimento é tão grande que você oferece dinheiro para o cara que for bem na prova, não funciona, porque o cara não sabe o que ele tem que fazer para ir bem na prova. Uma loucura (Pessôa, 2013). Pessôa vê na nossa dificuldade de assumirmos nossos erros um grande entrave para o nosso desenvolvimento: 137 aí surgiu uma alternativa que é o seguinte: não era dar dinheiro para o cara que ia bem na prova. Você dava dinheiro para o cara que lia livro. Quer ler o livro? Você lê, depois você tem que preencher um questionário. Pagava para os caras lerem livro. E aí esse programa deu um impacto legal. Porque ler livro é uma coisa que o cara “saca”. “É, tem que ler”. O cara lia, respondia lá uma prova. Você percebia, fazia umas questões que o cara tinha que ler. E a gente sabe que ler é superlegal. Quem lê muito vai bem na escola. Em qualquer matéria, em qualquer coisa. É muito difícil alguém ser um bom leitor e não ser um bom aluno. É raríssimo. É uma coisa que é correlacionada com o aprendizado, e que o cara sabe fazer. Ele sabe o caminho que ele tem que fazer para conseguir. Então, eu acho que coisas assim a gente tem que pensar. Eu sou um economista liberal, da tradição smithiana. Eu acho que o subdesenvolvimento está dentro da casa das pessoas. Ele não está nos Estados Unidos, que explora a gente, ele não está no capitalismo, o subdesenvolvimento está dentro de casa. E se a gente não criar um mecanismo de mudar a casa, é muito difícil quebrar o círculo vicioso da pobreza (Pessôa, 2013). De acordo com Camargo, só no final de 2003 e, mais especificamente, em 2004 é que o governo Lula faria a unificação daqueles programas. Uma das PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA marcas do governo é a universalização do programa. Camargo relata como vê a forma com que se deu essa unificação e, ao mesmo tempo, faz uma análise crítica do atual estado do programa: na verdade essa unificação tem uma história. Essa história é muito engraçada. Realmente, eu e André Urani e tinha mais um. Ricardo Enriques que foi quem chamou essas pessoas, dizendo: “Escuta, vamos ver como é que a gente faz com esses programas todos que tão aqui?”. E eu e o Chico tínhamos escrito um artigo, e nesse artigo, a gente propunha a universalização do programa. A gente tinha proposto um Benefício Social Único. “Vamos fazer aquilo que a gente propôs lá no artigo, “cara”. Ótimo. Lá atrás, a gente conseguiu operacionalizar o Bolsa Escola, e agora a gente vai operacionalizar o Benefício Social Único, onde todo mundo ganha”. A posteriori, foi um erro. Para mim, foi um erro. Por que é que foi um erro? Porque você tirou completamente a importância da educação. Quase toda a importância, hoje, está na transferência de renda. O programa é bom porque reduz a desigualdade. O programa é bom porque diminui pobreza. O programa não é bom porque educa mais as crianças. O programa é bom porque diminui a desigualdade e diminui a pobreza. Que era exatamente o que eu queria evitar com a ideia do programa condicionado. Colocar a criança na escola. Então virou um programa assistencialista, como outro qualquer. O cara ganha remédio. Ganhar remédio é igual a colocar o filho na escola. Mas a ideia do programa é que não é igual! A ideia do programa, do Bolsa Escola, é que colocar o filho na escola é que fundamental. A notícia que eu tenho é que as escolas são péssimas. O passo seguinte era: melhorar as escolas públicas. Que não foi dado. Por que não foi dado? Não foi dado porque se passou a gastar dinheiro com outras coisas. Você tem 35 tipos diferentes de bolsa. É remédio, é idoso, é penitenciário, é prostituta, não sei, virou um programa assistencialista como outro qualquer! A ideia aqui era evitar o assistencialismo. Essa é que era a novidade do programa condicionado. Era evitar o assistencialismo dos programas de transferência de renda. E acabou caindo no assistencialismo. Tanto que a ideia inicial era a seguinte: toda família que colocasse todos os seus filhos em escolas públicas tinha o direito ao programa. Todos os filhos em escola pública. Sem corte de renda. Todas as famílias que colocassem todos os seus filhos. Não são um, dois, 138 três. Tem dez filhos, tem que colocar os dez em escolas públicas. Mesmo os ricos. Esse é o ponto. Tem que colocar todas. O objetivo não é combater pobreza. O objetivo é colocar as crianças na escola e forçar o governo a melhorar a escola pública. Então o objetivo era esse, mas foi desvirtuado. Porque na hora que você juntou tudo, você perdeu o foco na educação. Agora é tudo junto. É tudo a mesma coisa. Transferência de renda passou a ser o objetivo do programa (Camargo, 2013). Em entrevista recente, Cristovam Buarque fez algumas críticas em relação à forma como o programa foi implementado, criticando a escolha do nome e a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA forma como tem sido gerenciado: o nome em primeiro lugar. A Bolsa Escola era diferente da Bolsa Família. Quando a mãe recebia a Bolsa Escola, pensava: “eu recebo este dinheiro para que meu filho vá à escola, e pela escola a gente vai sair da pobreza”. Quando ela recebe a Bolsa Família, pensa: “eu recebo este dinheiro porque a minha família é pobre, e se eu sair da pobreza eu perco”. Foi um erro grave do Lula, do ponto de vista conceitual, embora um acerto do ponto de vista eleitoral. Portanto, primeiro, o nome. Segundo, a gestão. A gestão, no meu governo e no do Fernando Henrique, quando ele expandiu o programa, era ligada ao Ministério da Educação. Isso dava uma dimensão educacional forte ao programa. Terceiro, foi misturar a Bolsa Escola, que era um programa vinculado à educação, com valealimentação, vale-gás. Ao misturar, não tem diferença entre a bolsa ir para uma família com criança ou sem criança. Perdeu-se, portanto, a conotação educacional. Primeiro formulei o Bolsa Escola quando era reitor. Depois, como governador, a ideia ao implementá-lo é de que duraria 11 anos, que era o tempo que a criança iria da primeira série até a última do segundo grau. Aí não mais precisaria da bolsa. É preciso lembrar também que eram dois programas que eu deveria ter chamado por um nome só — foi um erro do marketing. Bolsa Escola não era só uma ajudazinha, não, era um salário mínimo por mês, contra a presença da criança na escola. Mas tinha outro, que era um depósito, uma vez por ano, se o aluno passasse de ano, e que ele só receberia se terminasse o segundo grau. Esses dois juntos é que eu acho que segurariam o menino até o final do ensino médio. Investimos muito em educação, em salário e formação de professor, em construção de escolas, ensino à distância para os professores, embora naquela época não ainda para crianças. A meu ver, tudo isso ia fazer um Bolsa Escola libertador. Nós, hoje, temos um Bolsa Família assistencial. Essa é a grande diferença: de libertador, de emancipador, para assistencial. Criou-se essa situação do Bolsa Família, que é necessária, da maneira como é não é mais possível extingui-la. Eu tenho dito que se acabássemos o Bolsa Família, hoje, seria um crime contra a humanidade. Se daqui a 20 anos ainda tiver Bolsa Família é porque cometemos um crime contra o Brasil, não conseguindo libertar o país dessa necessidade (Buarque, 2013: 307). Os programas de transferência de renda condicionados à presença dos filhos nas escolas, seja sob a perspectiva do PSDB, com o Bolsa Escola Federal, seja na perspectiva do PT, com o Bolsa Família, contemplam os argumentos fundamentais da Teoria do Capital Humano. O Programa Bolsa Família, ao condicionar o recebimento dos benefícios às famílias que cumprirem exigências 139 que dizem respeito à educação e à saúde, procura reduzir a pobreza extrema, assim como interromper o vicioso ciclo intergeracional de pobreza. Observamos que somente a universalização da frequência escolar não tem produzido resultados que nos permitam vislumbrar a quebra do ciclo mencionado. Há que se investir na melhoria da qualidade do nosso ensino básico, e esse investimento provavelmente está mais ligado à melhoria da gestão do que à necessidade de mais recursos financeiros. O Programa Bolsa Família é o estágio atual de políticas sociais de transferência direta focalizadas nos pobres. Essas políticas começaram na década de 1990 em algumas unidades subnacionais e se expandiram para o Governo Federal. É possível que uma descentralização que levasse a uma maior atuação dos governos estaduais e municipais, responsáveis pela educação fundamental, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA nos auxiliasse a alcançar o objetivo da quebra do ciclo intergeracional de pobreza. 6. Conclusões Após a Segunda Guerra Mundial, um grupo de economistas norteamericanos desenvolveu um programa de pesquisas que acabaria por formalizar os estudos sobre o capital humano. Procuraram entender como o capital humano podia explicar as diferenças entre os crescimentos econômicos de diversos países, bem como a influência da educação na distribuição de renda. Era uma situação nova, uma vez que até meados do século passado muitos economistas resistiam à ideia de uma análise econômica da educação, ao mesmo tempo em que viam problemas em considerar o trabalho mais qualificado como uma forma de capital. Quando o interesse nos efeitos do capital humano voltou na década de 1950, o foco era na contribuição da educação para o crescimento econômico, bem PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA como no investimento em educação em países menos desenvolvidos e nas desigualdades de rendimentos entre os trabalhadores. Uma questão que passou a ser questionada era: se a habilidade das pessoas aparecia estatisticamente sob a forma de uma curva normal, por que a distribuição de renda também não aparecia dessa forma, mas sim com profundas desigualdades? Em sua tese de doutorado, Mincer foi o pioneiro dos estudos que explicitavam o efeito da experiência e do treinamento na distribuição de renda. Em sua análise, Mincer mostrou que dentro de uma mesma ocupação, a desigualdade de rendimentos aumenta com a idade, o nível de escolaridade e o tipo de ocupação, e aumenta mais nas profissões que exigem maiores conhecimentos, sejam esses adquiridos na escola ou no próprio trabalho. Schultz chamava a atenção para o fato de que o crescimento econômico observado nas sociedades ocidentais era superior ao crescimento em terras, horas trabalhadas e reprodução de capital. O investimento em capital humano seria a explicação para isso. Becker foi um pioneiro na utilização de análises econômicas no comportamento humano em diversas áreas como discriminação, casamento, relações familiares e educação. Human capital: a theoretical and empirical analysis, with special reference to education é o seu estudo clássico de como os investimentos na educação e no treinamento dos indivíduos têm importância similar aos investimentos em equipamentos. 141 Para Becker, aquilo que se tem chamado de estudos atuais sobre o capital humano começou no entorno dos anos 1960. Cita, entre seus fundadores, Theodore Schultz, Jacob Mincer, Milton Friedman e outros que, de alguma forma, estavam ligados à Universidade de Chicago. Becker vê como capital humano elementos ligados à educação, à saúde e aos valores, que não podem ser separados do indivíduo. A racionalidade do investimento no capital humano é exemplificada por Becker ao comentar as mudanças ocorridas na educação das mulheres nos Estados Unidos. Antes dos anos 1960, as mulheres não se faziam representar proporcionalmente em profissões ligadas às matemáticas, ciências, economia e direito, e tendiam a serem professoras, profissionais na área de línguas estrangeiras, literatura e economia doméstica. De acordo com Becker, foi o aumento da produtividade da força de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA trabalho e dos meios de produção que se seguiu ao avanço da ciência e da tecnologia nos séculos XIX e XX o principal fator de elevação da renda per capita em diversos países. Esse aumento de produtividade demonstrava o valor da educação, do treinamento no trabalho e de outros elementos do capital humano. Seria vital, para os interesses de países como o nosso, o investimento no capital humano, porque essas novas tecnologias teriam pouca influência nos países que tivessem poucos trabalhadores qualificados para usá-las. Em uma tentativa de formatar um quadro em que fosse possível preparar uma análise global do que seria o investimento em capital humano, Becker enumera uma série de fenômenos empíricos que vinham sendo verificados nos estudos acerca do capital humano: os rendimentos aumentam com a idade a uma taxa decrescente; essas taxas estão diretamente correlacionadas com o grau de conhecimento; as taxas de desemprego são inversamente proporcionais ao grau de conhecimento; as pessoas mais jovens trocam de emprego mais frequentemente que as mais velhas e recebem mais estudos e treinamento no trabalho que estas; pessoas mais habilidosas recebem mais educação e treinamento do que as outras. Segundo Becker, a maior parte dos retornos obtidos pelo investimento em capital humano é sentida com o passar dos anos das pessoas, porque no caso dos jovens há que deduzir os custos destes investimentos. 142 O conceito de capital humano teria uma importância relativa maior em países com excedente de mão-de-obra. Esse excesso de mão-de-obra poderia ser transformado em capital humano através de investimentos em educação e saúde, e o processo que transforma uma mão-de-obra despreparada em recursos humanos produtivos, através de investimentos em educação e saúde, é o processo de formação de capital humano. A educação é um fator fundamental para o crescimento econômico e para o desenvolvimento de qualquer sociedade. É um bem com valor econômico, uma vez que não se obtém com facilidade. A Teoria do Capital Humano nos mostra que é um bem tanto de capital como de consumo, porque proporciona satisfação ao consumidor e serve para desenvolver os recursos humanos necessários para as transformações econômicas e sociais de uma sociedade. Essa teoria enfatiza que o PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA desenvolvimento de habilidades é fundamental para o aumento da produtividade e do nível de bem-estar destas sociedades. Tal desenvolvimento estaria também diretamente associado à possibilidade de acelerar a mobilidade social, à diminuição da pobreza, e também teria importante papel como agente propiciador da redução da desigualdade de renda no mercado de trabalho. Em suma, a Teoria do Capital Humano está apoiada no pressuposto de que a educação formal é necessária para aumentar a capacidade de produção de uma população: uma população educada é uma população produtiva, com um nível maior de bem-estar social propiciado pela diminuição da pobreza e das desigualdades. Na década de 1970, Carlos Langoni estudou, com auxílio da Teoria do Capital Humano, a variação da desigualdade nos rendimentos de trabalho ocorrida no Brasil na década de 1960. Seu trabalho pioneiro demonstrou que a variável que possuía maior correlação para os resultados obtidos de desigualdade nos rendimentos de trabalho era a educação. Os desníveis na educação básica brasileira seriam o fator mais importante para explicar os altos níveis de desigualdade encontrados no mercado de trabalho na década de 1960, mais que a inflação ou contingenciamentos salariais. Nas atividades com maior incorporação das modernas tecnologias, a mãode-obra é relativamente menos disponível à medida que aumenta seu grau de 143 qualificação. Como consequência, teremos aumentos diferenciados nos salários. As empresas dos setores mais modernos terão diferenças de produtividade e de lucros em relação às tradicionais. Essas diferenças vão acarretar um aumento de desigualdade nos rendimentos dos empregados, dependendo da tecnologia em uso. Langoni comenta que apesar de a aceleração do crescimento trazer um aumento da desigualdade de rendas no trabalho, tem como consequência benigna a redução da pobreza. Apesar de a educação, na análise geral, aparecer como o fator preponderante para a desigualdade de rendimentos, Langoni observa que sua influência é maior no setor urbano e nas regiões mais desenvolvidas. Já no setor primário, predominante nas áreas rurais, o acesso à propriedade é que seria o fator de maior importância para explicar a desigualdade de rendimentos. A providência PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA que Langoni defendia para a diminuição da desigualdade de rendimentos no setor rural era a reforma agrária. Deveria ser uma reforma agrária sem qualquer espécie de confisco parcial ou total de terras porque essas alternativas seriam incompatíveis com uma economia de mercado. Sua sugestão seria o pagamento parcial ou total em títulos da dívida pública. Em função dos resultados encontrados, Langoni defendia uma maior alocação de recursos públicos para a educação básica, mesmo em detrimento do financiamento do ensino superior. Essa transferência de recursos seria fundamental, tendo em vista que o crescimento econômico geraria um aumento da renda per capita, e, consequentemente, aumentaria o custo de oportunidade de se entrar precocemente no mercado de trabalho. Para enfrentar esse dilema nas famílias pobres, Langoni sugeria ser necessário algum tipo de política social que incentivasse a permanência das crianças pobres na escola. O trabalho de Langoni, um clássico da nossa literatura econômica, inspirou outros pensadores brasileiros que abraçaram as ideias contidas na Teoria do Capital Humano. Criou a base que fez com que um grupo de pensadores influenciados por esta teoria conquistasse, a partir da década de 1990, visibilidade pela qualidade dos seus argumentos, bem como posições de destaque nos governos, ajudando a definir nossas políticas sociais de combate à pobreza. 144 Seus estudos e conclusões foram fortemente rejeitados durante a década de 1970. As conclusões de Langoni sobre as causas da desigualdade na distribuição de renda foram contestadas por pesquisadores que focavam seus estudos nos efeitos das políticas econômicas dos governos militares sobre a renda. Cardoso, Singer, Fishlow e Malan, entre outros, contestaram suas ideias e atribuíram às políticas salariais do regime autoritário repressivo em vigor o crescimento da nossa desigualdade de rendas. Vivíamos, na década de 1970, sob um regime de repressão que se intensificou após diversos movimentos de guerrilha urbana e alguns focos de guerrilha rural. O leque dos opositores ao regime militar era amplo e ia desde os liberais em desacordo com o regime até as mais extremadas posições da esquerda. Ao lado de um crescimento econômico considerável, víamos aumentar os níveis de nossa desigualdade de rendimentos do trabalho. Por outro lado, a oposição PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA permitida conseguia alguns avanços, como vimos nas eleições legislativas de 1974. Nesse contexto, o trabalho de Langoni foi alvo de diversas críticas, muitas vezes motivadas pelo clima hostil que havia por parte dos opositores em relação ao regime autoritário e contra qualquer um que fosse enxergado como próximo do regime. Estávamos sob um regime de exceção, e o livro de Langoni fora prefaciado por Delfim Netto. As conclusões a que Langoni chegara eram acusadas de beneficiar politicamente o regime. Fishlow considerava que o principal fator responsável pela perda de poder de compra dos salários era a maquiagem da inflação prevista, definida pela regra de reajustes salariais. Uma vez que, em função das regras determinadas, o governo previa uma inflação menor que a real e, tendo em vista que estavam proibidas as negociações entre patrões e empregados, os salários foram diminuídos em seu poder de compra. Singer destacava que o ambiente político após 1964 tornara-se extremamente desfavorável às lutas sindicais. Na prática foi abolido o direito de greve, e o controle dos sindicatos pelo Governo havia se intensificado com a perseguição e afastamento das antigas lideranças. Enquanto Langoni via o crescimento da desigualdade de rendimentos como consequência da desigualdade de distribuição da educação, os opositores às conclusões de Langoni baseavam sua análise na luta de classes, argumentando que 145 os trabalhadores estariam sendo prejudicados por políticas regulatórias por parte do Estado que enfraqueciam o poder de barganha dos trabalhadores. Para Langoni as diferenças na qualidade da educação no processo de formação dos trabalhadores brasileiros acabavam influenciando seus rendimentos no mercado de trabalho por meio de grandes diferenças salariais, tendo como consequência o aumento da desigualdade de rendimentos no Brasil. As suas sugestões de políticas sociais para a diminuição de nossa desigualdade de rendimentos de trabalho, quais sejam, os incentivos a uma educação básica universalizada e de qualidade e a reforma agrária, estavam afinadas com a tradição liberal que defende a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho e o fortalecimento da economia de mercado. Outra perspectiva para entender as razões da desigualdade de renda no PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA Brasil procura ressaltar as fragilidades históricas das organizações sindicais no capitalismo brasileiro como um elemento fundamental para explicar nossa desigualdade de rendimentos no trabalho. Como vimos, de acordo com Celso Furtado, diferentemente dos países da Europa Ocidental, as organizações sindicais no Brasil não alcançaram um poder de barganha que permitisse uma maior participação no crescimento econômico do país. Camargo, Pessôa e Ferreira atribuem a componentes ideológicos boa parte da resistência aos argumentos da Teoria do Capital Humano. Uma teoria, liberal em suas origens, que clamava pela igualdade de oportunidades ao invés da igualdade nos resultados, não baseava suas análises na luta de classes, e fora gerada na Universidade de Chicago, contrariava o pensamento acadêmico dominante nos anos 1970. Os desenvolvimentistas continuavam sua pregação pela industrialização, e como vimos, em nenhum momento dirigiram seus esforços e sua influência na definição de nossas políticas sociais no sentido de que melhorássemos nossa educação básica. Muitos anos depois, nossas politicas sociais caminharam, na década de 1990, para um sistema de transferência de rendas que buscava diminuir nossa pobreza e a grande desigualdade nos rendimentos do trabalho. O controle da inflação através do sucesso do Plano Real criou as condições para que se pudessem planejar políticas sociais que atendessem àquele objetivo. A questão na 146 década de 1990 era quanto à exigência ou não de condicionalidades para que se dessem os benefícios da transferência de renda. Nesse momento foi vitoriosa a ideia de que deveria haver uma contrapartida, e essa seria na forma de obrigar que os beneficiários mantivessem seus filhos nas escolas. Para Camargo, a preocupação estava em estudar a elaboração de políticas sociais que, ao mesmo tempo em que reduzissem a pobreza no curto prazo, diminuíssem a reprodução da pobreza no longo prazo, quebrando o ciclo intergeracional de pobreza. Camargo argumentava que após mais de quatro décadas de crescimento acelerado, a economia brasileira atingira um nível de renda per capita bastante acima daquele característico dos países considerados pobres. No entanto, iniciávamos os anos 1990 com o desafio de tirarmos da miséria quase metade de nossa população. Um fato marcante seria que PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA determinadas características do nosso mercado de trabalho condicionariam nosso futuro a uma reprodução da pobreza do presente. Ele enfatiza a presença de maus empregos em que, após 35 anos de trabalho, o trabalhador receberia um salário semelhante a outro que viesse a se integrar no mercado naquele momento. A perversa consequência deste fenômeno seria que uma criança que entrasse cedo no mercado de trabalho contribuía com uma parcela substancial da renda familiar. Portanto, nas famílias pobres, o valor da força de trabalho das crianças seria maior que nas famílias ricas. Ao entrar cedo no mercado de trabalho, as crianças pobres sairiam cedo da escola, obrigando-se a aceitar empregos em trabalhos que não exigem maiores qualificações, reproduzindo a pobreza da geração anterior. Camargo atribui a queda da desigualdade de rendimentos do trabalho ocorrida entre 2001 e 2005 à acelerada expansão educacional ocorrida na última década, bem como às concomitantes mudanças ocorridas na estrutura etária, com consequências na experiência da força de trabalho. Ricardo Paes de Barros, ao trabalhar com aspectos como desigualdade educacional, experiência no trabalho e idade dos trabalhadores, aborda temas básicos da Teoria do Capital Humano. Podemos ver aqui um resgate das ideias de Langoni, cuja obra tem sido reconhecida, como vimos, como fundamental para a definição das nossas políticas sociais de transferência condicionada de renda. 147 Os resultados conseguidos em suas pesquisas permitem afirmar que a diminuição na diferença de remuneração em função do nível educacional foi um dos principais responsáveis pela recente queda da desigualdade no que tange aos rendimentos do trabalho. O mercado de trabalho teria ajustado as remunerações a essa diminuição de diferenças nos níveis educacionais. E chama a atenção para o fato de que a desigualdade educacional da força de trabalho tem diminuído desde o início do século atual. Para Ferreira, atualmente, há que se pensar na natureza do sistema educacional. A simples inclusão não é suficiente para evitar que se reproduzam e se perpetuem as desigualdades. A mudança no desenho do nosso sistema educacional terá que agir na diferença entre o que se aprende nas melhores escolas particulares das grandes metrópoles do Sudeste e nas mais fracas escolas públicas. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA Estaríamos diante de um sistema que gera um círculo vicioso no qual uma grande disparidade na qualidade educacional produz um alto nível de desigualdade de renda. Somente com o aumento do poder político das classes mais pobres, pela via de uma maior exigência de oferta de educação de qualidade, poderíamos interferir no sentido da interrupção dessa armadilha em que estamos. Far-se-ia necessária uma maior mobilização e pressão social da sociedade no sentido de assegurar uma educação básica de qualidade. Ferreira considera que a Teoria do Capital Humano influenciou as decisões do governo brasileiro de vincular transferência de renda com frequência escolar, como no Bolsa Escola, e, posteriormente, no Programa Bolsa Família. Pessôa lamenta que os economistas desenvolvimentistas não tenham enxergado a influência que uma educação de qualidade poderia trazer no combate ao nosso subdesenvolvimento. Apesar de reconhecer em Celso Furtado um dos nossos melhores economistas, e o mais influente, Pessôa considera um enigma o fato de Furtado não ter se ocupado da influência da educação sobre a economia. Vê na tradição da esquerda latino-americana a narrativa de uma obrigatoriedade de haver espoliação em um país se há desenvolvimento econômico em algum outro país. Por outro lado, a narrativa dos liberais acredita que o desenvolvimento 148 está associado às instituições e às características da sociedade. E a educação seria a instituição fundamental para o desenvolvimento econômico. Pessôa recorda que nos anos 1950 fomos às ruas para defender o petróleo, mas não nos mobilizamos para uma melhor educação. Aí, para Pessôa, estava a semente daquilo que chama de tragédia social dos anos 1980 e 1990. As elites brasileiras teriam aceitado passivamente a ideia de que a universalização do ensino era inviável por falta de recursos. Com a democratização, universalizamos em 10 anos. E hoje a questão não é de recursos, é qualidade. Aponta o que seria, no seu entender, o principal óbice para que possamos ter um ensino público de qualidade: a ausência de um sistema de gestão meritocrático e competitivo. O corporativismo trabalharia no sentido de não deixar que se façam as mudanças necessárias. No entanto, o eleitor mediano ainda não teria percebido PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA que esse é um dos principais óbices para a melhoria do ensino. A negligência com o ensino básico teria sido uma das causas mais importantes do alto índice de desigualdade de rendas e pobreza aos quais chegamos ao fim do século XX. Uma vez que conseguimos praticamente universalizar o acesso ao ensino básico, nossa questão passa a ser a melhoria da qualidade de ensino. Diversos pensadores aqui analisados enfatizaram que a principal dificuldade para a melhoria do nosso ensino básico não passa pela falta de recursos financeiros, como visto pelo senso comum. Um dos principais entraves estaria no corporativismo, que impede políticas de gestão que utilizem a meritocracia como instrumento básico de análise. Leis como as que exigem a isonomia salarial e outras que, na prática, tornam quase impossível a demissão de maus profissionais, precisariam ser flexibilizadas para que ocorresse um salto qualitativo. Cristovam Buarque é um ferrenho defensor da ideia de que somente através da educação poderemos chegar a uma sociedade mais desenvolvida. De acordo com Buarque, o programa de transferência de rendas condicionado à educação está baseado em uma constatação evidente: a de que se faz necessário quebrar o círculo vicioso da pobreza propagada através de gerações, indenizando as famílias pobres para que deixem as crianças na escola, abrindo mão de enviálas precocemente para o mercado de trabalho. Atualmente a desigualdade de renda 149 se dá pela desigualdade no acesso ao conhecimento, porque um profissional bem educado e qualificado tem hoje um padrão de vida próximo ao do dono de sua empresa. Camargo considera que existe uma sinalização no sentido de que a sociedade está priorizando mais a educação, adiando a entrada no mercado de trabalho para apostar num aumento da renda do mercado de trabalho. Para Samuel Pessôa, a negligência com a educação teria sido o maior erro por nós cometido nos últimos séculos. Considera, no entanto, que essa questão vem conseguindo melhoras. O país teria percebido o problema, e a situação começou a mudar quando viramos uma democracia. A população tornou a educação uma questão importante. Poderíamos dizer que a sociedade parece estar demandando mais PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA educação. No entanto, esse aspecto necessitaria ser aprofundado em investigação posterior. Os governos mudaram e passaram a dar mais prioridade à educação básica porque a sociedade mudou e demanda isso, ou foi o contrário? Amaury de Souza e Bolívar Lamounier comentam a chegada de milhões de brasileiros a um padrão mais elevado de consumo nos últimos anos. A educação é vista como um símbolo de identidade da classe média e como um dos principais fatores de ascensão social. Esta percepção faz com que melhorar a educação dos filhos seja uma aspiração dos brasileiros. Em suas pesquisas verificaram que o percentual de pais que desejam que os filhos tenham um nível de educação de ensino superior ou de pós-graduação era de 96% para os pais com nível superior de escolaridade; 88% para os pais com nível médio; 83% para os pais com nível fundamental; e 70% para os pais semi-escolarizados. Os anos 1990 foram ricos com relação ao debate sobre as formas para combater a pobreza e desigualdade no Brasil. A questão do combate à inflação obrigava que fosse dada prioridade à politica econômica, condicionando as demais políticas. A discussão sobre a eficiência de qualquer política social surgia em um ambiente de escassez e restrição orçamentária, e com a influência das políticas liberais apontando para uma redefinição das funções do Estado, abrindo espaço para a iniciativa privada. 150 Um fator importante para que os programas de renda mínima passassem, nas últimas décadas do século XX, a serem vistos como alternativas para as políticas de proteção social universalistas foi o enfraquecimento do Estado de bem-estar social nos países desenvolvidos. Na década de 1990, começou a prosperar no Brasil a ideia de que um programa de transferência de algum tipo de renda seria uma política pública eficiente no combate à pobreza. Carlos Alberto Ramos destaca que nos anos 1980, na Europa e também nos Estados Unidos, ampliou-se o debate sobre a viabilidade da manutenção dos sistemas de proteção social em vigor. Esses passaram a ser criticados por sua ineficiência e por sua duvidosa viabilidade econômica. A crise econômica dos anos 1970 estava colocando obstáculos ao Estado de bem-estar social, que se apoiava em contínuo crescimento econômico e em baixas taxas de desemprego. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA Os programas pioneiros de transferência de renda condicionada no Brasil ocorreram, no Brasil na década de1990, em unidades subnacionais. Podemos destacar os de Campinas e do Distrito Federal. O Programa Bolsa Escola Federal foi criado no segundo governo de Fernando Henrique Cardoso. Inspirado em experiências similares que tiveram início em Campinas, Distrito Federal e Ribeirão Preto, tinha como objetivos declarados assegurar a educação para crianças de baixa renda e realizar transferências diretas condicionadas de renda. Foram criados parâmetros de faixa etária e renda, e a obrigatoriedade de as crianças entre 6 e 15 anos frequentarem as escolas para receber o benefício do Bolsa Escola Federal. O Programa Bolsa Família, implantado no primeiro governo Lula, é o estágio atual de políticas sociais de transferência direta focalizadas nos pobres. O Programa Bolsa Família, ao condicionar o recebimento dos benefícios às famílias que cumprirem exigências que dizem respeito à educação e à saúde, procura reduzir a pobreza extrema, assim como interromper o vicioso ciclo intergeracional de pobreza. Os programas de transferência de renda condicionados à presença dos filhos nas escolas, tanto sob a perspectiva do PSDB com o Bolsa Escola Federal, quanto na perspectiva do PT com o Bolsa Família, contemplam os argumentos fundamentais da Teoria do Capital Humano. O programa Bolsa Família foi a 151 consolidação de diversos programas de transferência de renda, iniciados na esfera federal, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Focalizado nos pobres, exigem a contrapartida de que seus filhos sejam mantidos na escola, adiando sua entrada no mercado de trabalho. Essas ideias, presentes na Teoria do Capital Humano, foram difundidas no Brasil por Carlos Langoni, e tornaram-se políticas sociais após décadas de debate com diversos opositores. Os seguidores de Langoni aqui estudados foram, em grande parte, responsáveis por essa vitória. É importante ressaltar que o Programa Bolsa Família e suas condicionalidades foram legitimados pelo eleitorado brasileiro nas eleições presidenciais de 2006 e 2010. As principais forças políticas do cenário nacional reconhecem o apoio popular ao programa. No entanto, somente a universalização da frequência escolar não tem produzido resultados promissores para se conseguir PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA a quebra do ciclo mencionado. Temos que investir na melhoria da qualidade do nosso ensino básico, e esse investimento provavelmente está mais ligado à melhoria da gestão do que à necessidade de mais recursos financeiros. Embora as teses baseadas na Teoria do Capital Humano apresentadas por Langoni em 1973 estivessem corretas, o ambiente político e acadêmico dos anos 1970 e as próprias circunstâncias da pesquisa e do lançamento do livro terminaram por inibir a repercussão do mesmo. Apenas a partir de 1990, tendo à frente seus seguidores, aquelas ideias e a própria Teoria do Capital Humano passaram a influenciar governos, políticas sociais, e de alguma forma as escolhas da sociedade brasileira. 7. Referências bibliográficas BACHA, Edmar Lisboa; UNGER, Roberto Mangabeira. Participação, salário e voto: um projeto de democracia para o Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. BALBACHEVSKY, Elizabeth. Processos decisórios em política científica, tecnológica e de inovação no Brasil: análise crítica. In: Nova geração de política em ciência, tecnologia e inovação: Seminário internacional. Brasília: Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, 2010. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011784/CA BALEEIRO, Aliomar; LIMA SOBRINHO, Barbosa. Constituições Brasileiras: 1946. Brasília: Senado Federal Subsecretaria de Edições Técnicas, 2012. BARBOSA FILHO, Fernando de Holanda; PESSÔA, Samuel de Abreu; VELOSO, Fernando A. 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