Inter-Relações 39 - Daniel Lage

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Inter-Relações 39 - Daniel Lage
Publicação do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina / Ano 14 - Nº 39 / 1º Semestre 2014
Reflexões sobre a desigualdade
Daniel Lage
A desigualdade social – compreendida
aqui como desigualdade econômica e também
como desigualdade de acesso aos direitos
sociais – tem percorrido a história do
capitalismo desde seus primórdios. No
contexto atual, de forma imediata, a
desigualdade social aparece como fator
central do Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH) e também no debate político
como fator de preocupação de todos os
governantes e suas empreitadas eleitorais. No
mesmo sentido, ainda no contexto atual, a
desigualdade
tornou-se
uma
medida
civilizatória: o seu baixo nível indica sucesso
governamental e marca de sociedades
avançadas, já seu aumento é sintoma de
fracasso dos mandatários e retrocesso social.
Contudo, para retomarmos a desigualdade
como questão social, não é demais voltar às
bandeiras da revolução francesa, ou mesmo
um século antes dessa, na guerra civil inglesa
– a luta dos “niveladores” no início do século
XVII, não era outra senão o fim da
desigualdade econômica e jurídica entre a
população como única forma de alcançar a
liberdade. Para um homem comum as
palavras de Richard Overton, levantadas
contra a monarquia inglesa, ainda podem soar
contemporâneas:
(...) todo homem por natureza é rei,
sacerdote e profeta em seu próprio ambiente
natural, do qual ninguém pode participar
senão por delegação, comissão, e livre
consentimento dele, sendo esse um direito
natural e de liberdade8 (OVERTON, 1646).
Mais de três séculos depois das
palavras de Overton, o mandatário,
democraticamente eleito presidente da maior
economia do mundo, o estadunidense Barack
Obama, afirmou em janeiro de 2014, que com
ou sem o apoio do congresso tomará medidas
contra a desigualdade9, seu principal tema de
campanha e desafio de governo.
O que significa essa persistência da
desigualdade na trajetória do capitalismo?
Olhando a história dos últimos séculos, a
humanidade avançou ou retrocedeu nessa
questão? O que gera a desigualdade
econômica? De outra forma, o que impede a
igualdade econômica? Essas são grandes
questões cujas respostas, evidentemente, não
são unívocas. Diante disso, a proposta do
presente artigo é traçar algumas reflexões
sobre a desigualdade econômica e sua relação
com: o sistema capitalista; o Estado; a
democracia; e os movimentos sociais.
Evidentemente, que não há nenhuma
pretensão de esgotar o tema e as questões
colocadas.
Desigualdade e capitalismo
De diversos pontos de vista a
desigualdade, sobretudo econômica é inerente
ao sistema capitalista. Não é preciso grande
atenção para observar esse fenômeno em
diversos países – onde reina a lógica do
capital há sempre uma parte da sociedade rica
(banqueiros, empresários, rentistas) e outra
parte da sociedade muito menos abastada e
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Disponível em: http://www.bbc.co.uk/news/world-uscanada-25917009. Acesso em: 10/02/2014.
Tradução livre direto do texto em inglês.
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pobre em relação a outra (comerciários,
professores, trabalhadores da indústria e
etc...). Um passeio amplo pelos bairros de
qualquer cidade global como São Paulo,
Buenos Aires, Londres e Paris, revela nos
diferentes aspectos das habitações poderes de
compra e qualidades de vida muito distantes
entre os cidadãos de mesma nacionalidade.
No entanto, essa desigualdade
econômica é justificada pelos ideólogos do
capitalismo, através das garantias de
igualdade jurídica e de liberdade de compra e
venda. Esses ideólogos, presentes desde as
revoluções burguesas – diferente do nivelador
Overton citado na introdução – defendem a
igualdade perante as leis e a livre
concorrência nos mercados: por um lado,
querem a igualdade jurídica (diferente dos
aristocratas que querem direitos especiais),
mas por outro, são coniventes com a
desigualdade econômica, pois essa é uma
consequência natural da liberdade de comprar
e vender nos mercados. Além disso, a livre
concorrência para os liberais progressistas
significaria também um avanço societário,
pois, no frigir dos ovos, aqueles que ganham
no mercado, realmente produziram algo que é
bom para todos. Evidentemente, a crença que
o bem comum virá através da livre
concorrência não se sustentou durante muito
tempo, e a desigualdade e suas mazelas
sociais,
como
a
pobreza,
sempre
acompanharam as sociedades burguesas.
Numa crítica generosa o sociólogo Karl
Polanyi alerta os liberais de seu erro teórico:
A filosofia liberal jamais falhou tão
redondamente como na compreensão do
problema da mudança. Animada por uma fé
emocional na espontaneidade, a atitude de
senso comum em relação à mudança foi
substituída por uma pronta aceitação mística
das consequências sociais do progresso
econômico, quaisquer que elas fossem
(POLANYI, 2000: 51).
Para Polanyi, o grosseiro erro liberal
foi não perceber que o capitalismo move-se
através de um “moinho satânico” pelo qual
parte da população é jogada na miséria e em
condições
de
vida
degradantes.
Invariavelmente, o ininterrupto avanço
industrial, como na China de hoje, traz
consigo processos de desapropriação das
populações do campo e a chegada de uma
massa de proletários às cidades. As descrições
feitas por Engels, sobre os trabalhadores
pobres da Inglaterra e Marx (1998) no famoso
capítulo “A acumulação primitiva” em O
Capital ainda são de uma atualidade
espantosa:
Se, em geral, a população das cidades
já é demasiada densa, são os pobres os mais
amontoados em espaços exíguos. Não
contente com a atmosfera envenenada das
ruas, encerra-os às dezenas em habitações de
um único cômodo, de tal modo que o ar que
respiram à noite é ainda mais sufocante (…)
E se os pobres resistem a tudo isso, sobrevém
uma crise que os transformam em
desempregados e lhes retira o mínimo que até
então a sociedade lhes destinara (ENGELS,
2010: 138).
Na esteira de Marx, o fundamento da
desigualdade econômica, ou, usando o termo
de Polanyi, o motor do “moinho satânico”,
não pode ser encontrado na esfera da
circulação das mercadorias, isto é, no próprio
mercado onde reina a livre concorrência. Para
o autor o fundamento do sistema capitalista
está nas relações de produção da vida, ou seja,
na forma pela qual os homens se relacionam
para produzir o que lhes é necessário (seja
para o estômago ou para a fantasia). Nas
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relações de produção do sistema capitalista
impera a exploração do trabalho assalariado.
Para todos aqueles que não são proprietários
de meios de produção, mas são apenas
proprietários de sua força-de-trabalho, a
principal opção de sobrevivência é ir ao
mercado, e procurar um emprego – isto é,
procurar um comprador de sua força-detrabalho. Os burgueses são os que compram
meios de produção e força-de-trabalho, os
proletários são os que a vendem. O processo
de exploração da força-de-trabalho, só se
revela dentro da jornada de trabalho, na qual
os trabalhadores envolvidos no processo de
produção de mercadorias produzem um valor
maior do que vale sua própria força-detrabalho. A diferença entre o que vale a forçade-trabalho e a quantidade de valor por ela
produzida é o que Marx chamou de maisvalia: o trabalho excedente apropriado de
forma privada pelos proprietários dos meios
de produção. O encanto desse processo é que
a exploração do trabalho está oculta no
produto final: a mercadoria esconde o
processo pela qual ela é produzida – e quando
disposta nas prateleiras dos mercados ganha
“propriedades mágicas”. Por outro lado,
revelada a forma pela qual os trabalhadores
são explorados, não é difícil compreender a
desigualdade escancarada nas ruas e bairros
das cidades modernas.
Portanto, podemos afirmar que o
motor
principal
da
persistência
da
desigualdade
social
nas
sociedades
capitalistas é o seu próprio fundamento: a
exploração do trabalhador assalariado. Diante
desse fato, ocultado no mercado e nas teorias
dos ideólogos burgueses, não há discurso
sobre a livre concorrência que se sustente.
Sob a novidade do moderno desenvolvimento
capitalista, até os dias atuais, subsiste a
exploração. Como cantou Gilberto Gil,
anunciando a chegada do “mundo moderno”
aos trópicos, “a novidade veio dar na praia/
(…) e a novidade era guerra/ entre o feliz
poeta e os esfomeados”.
Desigualdade e políticas públicas
Partindo da constatação que o motor da
desigualdade é a exploração do trabalho,
pode-se indagar sobre o papel do Estado
Moderno no combate a essa mazela social. Se
compreendermos o Estado Moderno como a
representação máxima da ordem social, cujo
papel é defender, no limite com armas, a
constituição
jurídica
da
sociedade,
chegaremos a conclusão de que o Estado está
diante de um aparente paradoxo no que toca a
questão da desigualdade. Por um lado, é
preciso combater a desigualdade para o bem
da própria sociedade e a sobrevivência do
próprio Estado enquanto aparato de
governança, por outro, no entanto, o motor da
desigualdade é fundamento intocável através
do qual se ergue o próprio Estado. O Estado
está pronto para defender que a propriedade
dos meios de produção continue privada e
esteja sob controle de um punhado de
cidadãos notáveis e burgueses. O que lhe
resta, assim, é um combate os sintomas da
desigualdade, na medida necessária para não
colapsar o conjunto da sociedade. O paradoxo
é aparente, pois o Estado não está interessado
por si só em combater a desigualdade. Na
prática as políticas que combatem essa mazela
surgem em contextos de luta social e são
frutos das organizações dos trabalhadores,
como medida mais de contenção dos ânimos
do que de avanço civilizatório.
Lena Lavinas (2013), em recente
artigo a New Left Review, analisa os diversos
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momentos das políticas de proteção-social
aplicadas em vários países no longo período
do século XIX ao século XXI. Segundo a
autora, essas políticas, relacionadas sempre
aos movimentos dos trabalhadores e suas
reivindicações por melhores condições de
vida, são marcadas por fracassos e resultados
temporários. Para ela há três grandes
momentos desse tipo de política: inicia-se no
século XIX, junto ao movimento operário, e
tem como marca principal o embate direto
com os patrões para a garantia de melhores
condições de vida, sobretudo para os que
recebem salários mais baixos; já durante o
século XX o movimento volta-se para uma
política geral de proteção e igualdade de
acesso e oportunidades, independente da faixa
de renda ou status social, tendo como marca
principal a igualdade de condições; e,
finalmente, no século XXI, com a decadência
do estado de bem-estar social nos moldes
anteriores, essas políticas se alteram para
programas de transferência de renda
condicionadas (como o caso do programa
Bolsa Família), e estão baseadas na integração
ao mercado, tendo como objetivo principal a
diminuição da miséria e como resultado
secundário a diminuição da desigualdade.
Essa terceira fase, de integração pelo
mercado, é para a autora, uma fase muito
frágil de combate a desigualdade e representa
um recuo em relação à situação que estava
colocada no estado de bem-estar social
anterior.
Um aspecto desse percurso chama a atenção
para o contexto brasileiro. É que foi na
América Latina, principalmente no Brasil que
esse tipo de política popularizou-se, sendo
hoje utilizada em vários países e cidades,
como Nova York, por exemplo (LAVINAS,
2013:05). Sobre essa popularização, é
possível pensar que o sucesso dessas medidas
tem uma relação estreita com a sua eficiência
eleitoral para os políticos que as iniciam.
Desde Roosevelt, nos EUA, se sabe que o
combate a desigualdade tem poder eleitoral
surpreendente. E certamente no contexto
brasileiro, os recém completados 10 anos de
gestão presidencial sob comando do Partido
dos Trabalhadores (PT) tem relação estreita
com as políticas de transferência de renda
condicionadas.
Desigualdade e Democracia
Não é obvia a relação entre democracia e a
diminuição da desigualdade. Por mais que
alguns teóricos da democracia, como
Schumperter (1984), afirmem que sob o
regime democrático a desigualdade tende a
diminuir, a última década demonstrou o
contrário
para
os
países
centrais.
Ironicamente, o país berço da democracia, a
Grécia, foi justamente um dos países, ao lado
de muitos outros estados europeus e os
Estados Unidos, onde a desigualdade (junto
com a pobreza e a miséria) aumentou
gravemente. Diante da crise econômica de
2008-9, a pressão dos proprietários de capital
para que o Estado pagasse suas dívidas,
venceu a pressão dos trabalhadores por
proteção social – cortou-se gasto com
políticas públicas para garantir o pagamento
dos juros e empréstimos. Sem emprego e sem
renda mínima, os gregos são o exemplo de
como as sociedades avançadas podem
retroceder em suas conquistas civilizatórias.
Nesse ponto, o aparente paradoxo do Estado
frente à desigualdade se desfaz, e a burguesia
mostra suas garras numa cruel demonstração
de poder.
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Um dos grandes teóricos da democracia
contemporânea,
Robert
Dahl
(2012),
preocupou-se com essa relação. Para Dahl a
democracia é um processo de decisão que
envolve um campo amplo de conhecimentos e
valores políticos, e pode avançar e retroceder
em diversos aspectos. A desigualdade para o
autor é um desses aspectos cruciais, no qual a
capacidade de destruição do processo
democrático é eminente. Em países de grande
desigualdade a camada detentora do poder
econômico tem tantos meios de barganha que
a democracia, apesar de existir formalmente,
não se efetiva. Nas palavras do autor:
As
consequências
da
ordem
econômica para a distribuição de recursos,
posições estratégicas, poder de barganha, e
portanto para a igualdade política, fornecem
um motivo adicional de preocupação quanto
à propriedade e ao governo das empresas
econômicas. Pois os sistemas dominantes de
propriedade e controle resultam em
desigualdades substanciais não apenas na
riqueza e na renda, mas também numa série
de outros valores ligados ao trabalho, ao
emprego, à propriedade, à riqueza e à renda
(DAHL, 2012: 533).
Nesse ponto Dahl chega à beira de
uma crítica a democracia sob o sistema
capitalista. No entanto, em postura de recuo
diante da possibilidade mesma da crítica, o
autor limita-se a pedir atenção extrema para
essa questão, e afirma que a democracia não
funciona com altos índices de desigualdade.
No entanto, avançando para o abismo
colocado pelo norte americano, vale resgatar a
crítica a democracia sob o capitalismo feita
por Lenin (2007) em seu polêmico “O Estado
e a Revolução”. Lenin, próximo de Dahl (com
o perdão do anacronismo), argumenta que sob
o sistema capitalista a desigualdade impede a
democracia, pois é desproporcional o poder
de barganha dos empresários diante dos
trabalhadores. No entanto, a desigualdade
colocada por Lenin está relacionada não
apenas a esfera política, mas também a esfera
econômica e as relações de produção, de
modo que o problema ganha força: como uma
sociedade baseada em relações de exploração
pode pretender-se democrática? Para Lenin a
separação entre a política (todos votam como
iguais) e a econômica (mas a propriedade dos
meios de produção é privada) é fatal para um
regime democrático. Pois mesmo na república
mais democrática que possa existir, se for sob
o sistema capitalista, reinará a exploração do
trabalho, isto é, a exploração de uma parcela
da população sobre a outra, ou seja, de uma
classe social sobre a outra, e o regime
democrático servirá apenas como forma de
dominação. Nas palavras do autor:
Decidir periodicamente, para um
certo número de anos, qual o membro da
classe dominante que há de oprimir e
esmagar o povo no Parlamento, eis a própria
essência do parlamentarismo burguês, não
somente nas monarquias parlamentaristas
constitucionais, como também nas repúblicas
mais democráticas (LENIN, 2007: 66).
A crítica de Lenin se completa com a
afirmação de que a democracia só poderá ser
realizada plenamente sob o regime socialista,
pois nele as relações de produção estarão
guiadas pelo conjunto da sociedade e não por
uma classe sobre a outra. Nesse sentido, o
autor resgata a Comuna de Paris como
exemplo dessa possibilidade:
É esse, justamente, um caso de
'transformação de quantidade em qualidade':
a democracia, realizada tão plenamente e tão
metodicamente quanto é possível sonhar-se,
tornou-se proletária, de burguesa que era: o
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Estado (essa força destinada a oprimir uma
classe) transformou-se numa coisa que já não
é, propriamente falando, o Estado (Idem, 63).
Certamente, o desfecho dramático da
União Soviética acrescentou duras tintas às
palavras do revolucionário. No entanto, sua
crítica permanece atual e avança para
transformações mais profundas na medida em
que toca nos fatores que produzem a
desigualdade, e não apenas em sua aparência,
como as políticas que estão colocadas para o
Estado Moderno atual.
Desigualdade e movimentos sociais
Vimos que há uma relação estreita
entre as políticas públicas de combate a
desigualdade e os movimentos sociais – os
últimos são o fator determinante da existência
delas. No período recente essa estreita relação
tem se reafirmado em manifestações de massa
como houve no Egito ou mesmo nos Estados
Unidos com o movimento Occupy. Nesses
casos, é sabido que um dos fatores que
ascendeu o estopim para a explosão do
movimento popular foi o aumento do preço
dos alimentos somado ao desemprego
naqueles países. No entanto, a relação entre
aumento da desigualdade e manifestações não
é direta e depende de muitos fatores, como a
qualidade das organizações que estão no jogo
e as pautas que essas organizações levantam.
Nesse sentido, Singer (2012), ao tratar da
atualidade brasileira traça uma reflexão
importante sobre o assunto. Segundo o autor,
a diferenciação entre pobreza e desigualdade é
divisora de águas na compreensão das
possibilidades políticas dos movimentos
sociais. Para ele a pauta central do
subproletariado – a fração mais pobre da
classe trabalhadora e a parcela mobilizada
pelo governo Lula – é a diminuição da
pobreza. Essa pauta tem relação com a
diminuição da desigualdade, contudo não leva
necessariamente a uma sociedade mais
igualitária, seu limite é uma sociedade sem
pobres. Por sua vez, é o proletariado – na
definição de Singer, a parcela de
trabalhadores com empregos formais –, que
tem entre suas pautas a diminuição da
desigualdade e poderia levar a cabo mudanças
mais radicais na sociedade (SINGER, 2012:
161).
Essa distinção proposta por Singer é
interessante, pois delimita dentro dos
movimentos sociais como a questão da
diminuição
da
desigualdade
opera.
Certamente que a mobilização de todas as
parcelas da classe trabalhadora passa por
questões que tocam a desigualdade, mas a
capacidade de levar a frente um projeto de
sociedade que supere o motor da desigualdade
não está colocado diretamente para todas as
parcelas. Daí a importância do movimento
operário na transformação radical da
sociedade.
Nesse sentido, o sociólogo Göran
Therborn (2006, 2011, 2012), que se dedica
ao estudo da desigualdade como tema central
de suas pesquisas, tem alertado para um
fenômeno recente: o aumento da desigualdade
mundial
e,
em
consequência,
o
reaparecimento do conceito de classes sociais
economicamente definidas no centro das
análises da sociologia. Além disso ele ressalta
em texto especialmente sobre a América
Latina, que há uma diminuição considerável
na desigualdade nessa região, no entanto,
comparativamente o índice de desigualdade
ainda é muito alto nesse território em relação
aos países centrais. Não obstante, tanto aqui
como lá, a desigualdade tem colocado em
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movimento organizações sociais cujas pautas
e características exigem a retomada do
conceito em questão. Em outras palavras, a
luta de classes se intensifica.
Inspirado
pela
constatação
de
Therborn, cabe dizer que mundialmente as
classes se movem em proporção inédita, numa
luta vital contra a desigualdade. Luta que pelo
fundamento do próprio sistema capitalista só
tem desfecho através da superação das
relações de exploração do trabalho: a chave
para patamares superiores de sociedade.
Daniel Lage é Cientista Social pela
Universidade de São Paulo; Técnico do
DIEESE (Departamento Intersindical de
Estatísticas e Estudos Socioeconômicos);
Educador do Fórum de Monitores 13 de Maio
e professor da Escola de Ciências do Trabalho
do DIEESE.
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