quinoa (chenopodium quinoa willd

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quinoa (chenopodium quinoa willd
Alim. Nutr., Araraquara
v.18, n.4, p. 413-419, out./dez. 2007
ISSN 0103-4235
QUINOA (CHENOPODIUM QUINOA WILLD):
DIGESTIBILIDADE IN VITRO, DESENVOLVIMENTO E
ANÁLISE SENSORIAL DE PREPARAÇÕES DESTINADAS
A PACIENTES CELÍACOS*
Luíla Ívini Andrade de CASTRO**
Camila Marinho VILA REAL**
Ivy Scorzi Cazelli PIRES***
Christiano Vieira PIRES****
Nísia Andrade Villela Dessimoni PINTO***
Lucilene Soares MIRANDA***
Betânia Cristina ROSA**
Poliana Aparecida DIAS**
RESUMO: A quinoa (Chenopodium quinoa Willd) é um
pseudocereal isento de glúten, oriundo dos Andes, onde
tem sido cultivado há milhares de anos. O objetivo deste
trabalho foi desenvolver e avaliar sensorialmente algumas
preparações contendo quinoa em grãos, flocos e farinha,
destinadas ao paciente celíaco, e determinar a digestibilidade in vitro de sua proteína, submetida ou não ao tratamento
térmico. As amostras foram avaliadas sensorialmente através de um teste de aceitação utilizando a escala hedônica
nominal de 9 pontos. O método utilizado na análise da digestibilidade protéica in vitro foi o da queda de pH após 10
minutos, com a adição das enzimas tripsina e pancreatina
às amostras de quinoa, tratadas e não tratadas termicamente. Das sete preparações testadas, seis foram bem aceitas, já
que apresentaram um Índice de Aceitabilidade maior que
70%. Os flocos e grãos de quinoa, após serem testados termicamente, tiveram sua digestibilidade otimizada. Portanto, a quinoa e seus derivados podem ser considerados uma
boa opção para a alimentação dos indivíduos portadores da
doença celíaca.
PALAVRAS CHAVE: Quinoa; paciente celíaco; análise
sensorial; digestibilidade in vitro.
INTRODUÇÃO
A quinoa (Chenopodium quinoa Willd) é uma
Chenopodiaceae oriunda dos Andes, onde tem sido cultivada há milhares de anos.3 Dentre os países que cultivam
a quinoa atualmente, pode-se citar a Argentina, Bolívia,
Chile, Colômbia, Equador e Peru.5
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(EMBRAPA), desde 1990, tem realizado trabalho pioneiro com a quinoa, com o intuito de adaptá-la ao cultivo no
Brasil,29 já que na região andina a planta crescia em altitudes elevadas (a partir de 2000 metros), com baixo índice
pluviométrico, atmosfera fria e rarefeita, sol forte e temperatura sobcongelante. Após várias experiências, em novembro de 1998 os pesquisadores conseguiram adaptá-la
ao cerrado brasileiro.11
Segundo Spehar,28 a proteína da quinoa apresenta
qualidade elevada, comparável à caseína do leite. Além do
fato de possuir teor elevado do aminoácido lisina, a quinoa
apresenta outras vantagens sobre os outros cereais, como
possuir quantidades elevadas de vitaminas como tiamina,
riboflavina, niacina, piridoxina e minerais como magnésio,
zinco, cobre, ferro, manganês e potássio.10,32 Os grãos desse
pseudocereal apresentam ainda teores de fibras maiores que
os do arroz, trigo e milho.6 Outra característica da quinoa
é a ausência das proteínas formadoras do glúten em sua
composição,23 aspecto nutricional interessante para o tratamento da doença celíaca.
O glúten presente no trigo, aveia, centeio e cevada,
e seus derivados,24 age agressivamente sobre a mucosa do
intestino delgado de indivíduos que apresentam a doença
celíaca,26 danificando suas vilosidades e prejudicando a absorção de alimentos.
O tratamento da doença celíaca é basicamente dietético, devendo-se excluir o glúten da dieta por toda a vida.23
Após realizá-lo, ocorre o desaparecimento dos sintomas
gastrointestinais dentro de dias ou semanas, assim como o
reaparecimento das vilosidades e recuperação da capacidade de digestão e absorção.4,23
*Trabalho elaborado com apoio financeiro do CNPq (Proc. nº 479172/2007-2).
**Curso de Graduação em Nutrição – Univerdidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM – 391000-000 – Diamantina –
MG – Brasil.
***Departamento de Nutrição – UFVJM – 391000-000 – Diamantina – MG – Brasil.
****Departamento de Zootecnia – UFVJM – 391000-000 – Diamantina – MG – Brasil.
413
O maior problema da substituição dos cereais que
contêm glúten por outras matérias-primas que não o contêm é o fato de que este apresenta algumas propriedades
tecnológicas que conferem qualidade aos produtos, como
elasticidade, coesividade e hidratação, além de contribuir
para o aumento do rendimento.4
Para se garantir a qualidade adequada dos novos
produtos desenvolvidos, é imprescindível a utilização da
análise sensorial,1 na qual se convidam avaliadores treinados ou não treinados, com o intuito de medir as características e/ou aceitabilidade dos produtos alimentícios, por meio
da complexa interação dos órgãos dos sentidos.31
Outro fator que deve ser avaliado é a qualidade protéica desses novos ingredientes. Segundo Pires et al.,20 a
avaliação da qualidade de proteínas envolve, além da quantidade de nitrogênio total, sua composição aminoacídica e
digestibilidade. A determinação da digestibilidade de proteínas pode ser in vivo, utilizando-se ensaios com animais
experimentais, como ratos, ou in vitro, através de enzimas
proteolíticas em condições padronizadas, que irão digerir determinadas amostras de proteínas. A digestibilidade
in vitro tem sido muito usada, por se tratar de um método
rápido e prático, e ter uma boa correlação com o método
de digestibilidade in vivo e com os valores encontrados no
homem.12
Sendo assim, o presente estudo teve como objetivos determinar a digestibilidade protéica in vitro da quinoa
(Chenopodium quinoa Willd) e avaliar a aceitação da incorporação desta em preparações destinadas a indivíduos
portadores da doença celíaca.
MATERIAL E MÉTODOS
No presente estudo foram utilizadas amostras
de grãos, flocos e farinha de quinoa da variedade Real
(Chenopodium quinoa Willdenow), comercializadas em
Belo Horizonte e Diamantina, MG. A determinação da digestibilidade in vitro foi realizada no Laboratório de Enzimologia do Instituto de Biotecnologia Aplicada à Agropecuária (BIOAGRO) da Universidade Federal de Viçosa
(UFV), em Viçosa, MG. Já o desenvolvimento e análise
sensorial das preparações contendo quinoa foram realizados no Laboratório de Técnica Dietética e anexos, situados
no Campus II da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), em Diamantina, MG.
Determinação da Digestibilidade in Vitro
Foram realizadas análises da digestibilidade protéica in vitro de amostras de quinoa em grãos, flocos e farinha
crus e tratados termicamente, a 105oC por 5 horas, para a
retirada da umidade.
414
A digestibilidade in vitro das amostras foi determinada em triplicata, por meio do método descrito por Pires,19
que se baseia na queda de pH medida após 10 minutos da
adição de uma solução contendo as enzimas tripsina e pancreatina (2,5mg/mL de tripsina e 1,6mg/mL de pancreatina) a uma amostra de proteínas. Assim, na medida em que
ocorre a hidrólise das ligações peptídicas, há liberação de
prótons H+, e conseqüente queda de pH do meio. A digestibilidade é determinada quando a queda de pH se estabiliza,
o que indica término da hidrólise das ligações peptídicas.
Para o ensaio, ajustou-se o pH de 50 mL da suspensão protéica em água destilada (contendo 6,25 mg proteína/
mL), para pH 8,0, sob agitação, em banho-maria a 37ºC.
A solução enzimática contendo 2,5 mg de tripsina e 1,6
mg de pancreatina por mL de solução, foi preparada antes
de cada série de testes e mantida em banho de gelo. Cinco
mililitros da solução enzimática foram então adicionados à
suspensão protéica mantida em banho-maria a 37ºC. A queda do pH foi medida após a adição da solução enzimática,
a partir de 15 segundos e posteriormente de 1 em 1 minuto,
por um período de 10 minutos, usando um potenciômetro
da marca Analion. A digestão enzimática foi caracterizada
pela queda do pH após 10 minutos da adição da solução
enzimática, sendo a digestibilidade in vitro calculada utilizando a seguinte equação, segundo Pires:19 % D = -122,53
pH2 + 1725,3 pH – 5986,7, onde %D é a digestibilidade in
vitro e pH a medida do pH após 10 minutos de adição da
solução enzimática
Obtenção das Preparações
As preparações utilizadas no presente estudo foram
adaptadas do livro contendo preparações destinadas ao paciente celíaco de autoria de Silva.27 Foram considerados
para a seleção das preparações, fatores como praticidade
de preparo, preço acessível das matérias-primas, e aspectos
sensoriais como cor, aroma, textura e sabor.
Por meio de um teste prévio, as receitas originais
foram preparadas, e posteriormente foram desenvolvidas
novas receitas com adaptações como a redução do percentual de alguns ingredientes e a introdução da quinoa
(grãos, flocos e farinha). A adaptação de algumas receitas
conduziu a produtos com características sensoriais pouco
aceitáveis, principalmente com relação ao sabor e textura.
Foram escolhidas então para a análise as preparações e que
apresentaram aspectos sensoriais semelhantes às tradicionais, ou seja, aquelas em que não foram verificadas grandes
diferenças com relação a características como cor, sabor,
aroma e textura. Desse modo, as melhores preparações que
foram utilizadas na análise sensorial foram: biscoito de
queijo com flocos de quinoa, bolo de cenoura com quinoa
em grãos, bolo de farinha de milho com farinha de quinoa,
bolo de mandioca com farinha de quinoa, bolo de farinha
de milho com flocos de quinoa, bolo de banana com farinha
de quinoa e tareco de fubá com flocos de quinoa. Na Tabela
1 estão especificados os ingredientes e as quantidades utilizadas em cada preparação submetida à análise sensorial.
Tabela 1 – Ingredientes utilizados em cada preparação submetida à análise sensorial, pelo método da escala hedônica de
nove pontos.
Ingredientes (g)
A
B
C
D
E
F
G
Quinoa grãos
Quinoa flocos
Quinoa farinha
Margarina
Açúcar
Sal
Ovo
Queijo ralado
Polvilho doce
Cenoura
Creme de arroz
Óleo
Fermento em pó
Leite
Farinha de milho
Coco ralado
Mandioca
Clara em neve
Banana amassada
Fubá
Bicarbonato
125
200
198
5
50
90
125
-
248
396
150
376
200
126
16
-
136
392
200
160
16
320
154
50
-
136
150
320
16
160
50
364
115
-
72
330
200
144
16
330
104
50
-
136
50
148
5
100
16
300
-
125
150
176
5
100
250
260
5
A: Biscoito de queijo com flocos de quinoa
B: Bolo de cenoura com quinoa em grãos
C: Bolo de farinha de milho com farinha de quinoa
D: Bolo de mandioca com farinha de quinoa
E: Bolo de farinha de milho com flocos de quinoa
F: Bolo de banana com farinha de quinoa
G: Tareco de fubá com flocos de quinoa
Análise Sensorial
mente = 4, indiferente = 5, gostei regularmente = 6, gostei
ligeiramente = 7, gostei muito = 8 e gostei muitíssimo = 9).
Avaliação da aceitação
A análise da aceitação foi realizada em cabines individuais, por uma equipe de 62 provadores (46,79% homens e 53,21% mulheres), com idade variando de 17 a 39
anos, não treinados, abordados aleatoriamente na UFVJM,
incluindo alunos, professores e funcionários. Os testes sensoriais foram realizados durante três dias consecutivos e
as amostras foram apresentadas aleatorizadas e de forma
monádica. Orientou-se que os provadores ingerissem água
após cada degustação. O método utilizado foi o da escala
hedônica estruturada nominal de 9 pontos, e na Figura 1
encontra-se a ficha através da qual os voluntários expressaram sua aceitação pelos produtos.
Para cada impressão dos provadores, registrada na
escala hedônica, foi atribuída uma nota, de 1 a 9, por ordem
crescente de aceitação (desgostei muitíssimo = 1, desgostei
muito = 2, desgostei regularmente = 3, desgostei ligeira-
TESTE DE ACEITAÇÃO – ESCALA HEDÔNICA
Sexo: M ( )
F( )
Você irá receber uma amostra que será servida individualmente. Prove
cuidadosamente e avalie conforme escala abaixo:
( ) Desgostei muitíssimo
( ) Desgostei muito
( ) Desgostei regularmente
( ) Desgostei ligeiramente
( ) Indiferente
( ) Gostei ligeiramente
( ) Gostei regularmente
( ) Gostei muito
( ) Gostei muitíssimo
Comentários:_________________________________________________________
FIGURA 1 – Ficha para avaliação da aceitação de preparações contendo quinoa (Chenopodium quinoa Willd).
415
Índice de aceitabilidade
Para o cálculo do Índice de Aceitabilidade (I.A) de
cada preparação, foi utilizada a seguinte expressão:
IA (%) = A X 100/B, onde A = nota média obtida para o
produto e B = nota máxima dada ao produto.30
Análise Estatística
A análise estatística dos dados foi realizada submetendo-se os resultados à Análise de Variância e ao teste de
comparação de médias de Tukey, com a utilização do programa SAS.22
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Digestibilidade in Vitro
Os valores de digestibilidade protéica in vitro das
amostras de quinoa (grãos, flocos e farinha), crus e tratados
termicamente estão apresentados na Tabela 2.
Tabela 2 – Digestibilidade in vitro da quinoa em grãos, flocos e farinha, tratados e não tratados termicamente, obtida
a partir da queda de pH após 10 minutos.
Matéria-prima
% Digestibilidade*
Flocos de quinoa tratados termicamente
81,36a
Grãos de quinoa tratados termicamente
71,45b
Farinha de quinoa sem tratamento térmico
66,68b,c
Grãos de quinoa sem tratamento térmico
63,56c
Farinha de quinoa tratada termicamente
61,49c
Flocos de quinoa sem tratamento térmico
52,66d
DMS (T)
5,75
*As médias seguidas da mesma letra não diferem entre si, pelo
teste de Tukey, a 5% de probabilidade.
DMS: Diferença mínima significativa
O maior valor de digestibilidade encontrado foi para
flocos de quinoa tratado termicamente (81,36%) e o menor
para flocos de quinoa sem tratamento térmico (52,66%).
Desse modo, pode-se dizer que o tratamento térmico otimizou a digestibilidade das proteínas dos flocos de quinoa.
O mesmo pôde ser observado com relação aos grãos de
quinoa, que antes de ser submetido ao tratamento térmico,
tinham digestibilidade de 63,56% e após o tratamento térmico aumentou para 71,45%.
Sabe-se que o calor é responsável pelo aumento da
digestibilidade, devido à inativação de alguns fatores antinutricionais, como inibidores de proteases. Os inibidores
de proteases são substâncias de natureza protéica, presentes
naturalmente em alguns alimentos, que interferem na atividade de sistemas enzimáticos do trato digestivo, inibindo
especialmente proteases, que são enzimas que hidrolisam
as ligações peptídicas como primeiro passo para a assimi-
416
lação das proteínas.18 O tratamento térmico moderado em
proteínas de origem vegetal é benéfico, levando à inativação de inibidores de proteases e aumentando a digestibilidade e a biodisponibilidade de aminoácidos. Já tratamentos
térmicos severos podem levar à formação de ligações cruzadas entre o grupo amino da lisina e o grupo amida do ácido glutâmico ou aspártico, impedindo a ação das proteases
e diminuindo assim a digestibilidade.2
Portanto, o tratamento térmico severo pode ser uma
possível explicação para a diminuição da digestibilidade da
farinha de quinoa após o tratamento térmico (de 66,68%
para 61,49% - diferença não significativa, p>0,05), pois
apesar da distribuidora do produto ter informado que este
não foi submetido a tratamento térmico, pode ser que tenha
recebido algum tratamento industrial no país de origem.
O superaquecimento pode, além de diminuir o valor nutricional da proteína, afetar a funcionabilidade desta
no alimento, por diminuir a solubilidade. Esta última propriedade está diretamente relacionada com a capacidade
de formar emulsão, formação de espuma, gelatinização e
viscosidade.17
Outros compostos que podem modificar e diminuir
a digestibilidade das proteínas, por aumentar a excreção de
nitrogênio, são as fibras presentes em alimentos vegetais.14
A fibra alimentar provém de alimentos de origem vegetal, e é formada principalmente de celulose, hemicelulose,
pectinas, gomas e lignina.25 Grãos, flocos e farinha têm sua
mesma origem, entretanto cada um passa por um processo
de beneficiamento específico, tais como moagem e peneiragem. A forma de preparo pode fazer com que estes produtos apresentem composição físico-química e teores de
fibras diferentes.
Pires,19 utilizando o mesmo método de determinação de digestibilidade in vitro encontrou os seguintes valores para algumas fontes de proteína de origem vegetal:
trigo (85,85%), proteína texturizada de soja (86,58%), milho (84,55), feijão pérola (77,72%), soja KTI-LOX- isenta
de inibidor de trispina kunitz e de lipoxigenase (72,49%)
e soja convencional (74,11%). Quinoa em flocos tratada
termicamente apresentou digestibilidade superior a amostras de feijão, soja KTI-LOX- e soja convencional. Tal fato
representa elevada importância, uma vez que o feijão pode
ser considerado uma das principais fontes de proteínas consumidas pela população brasileira. Já o grão de quinoa tratado termicamente apresentou um valor de digestibilidade
in vitro (71,65%) bem próximo ao da soja KTI-LOX-.
Sendo assim, pode-se dizer que a quinoa apresentou
valores consideráveis de digestibilidade, o que evidencia
sua qualidade protéica. Outro fator a ser considerado na
avaliação da qualidade de uma proteína é sua composição
aminoacídica, e Koziol13 relatou que a qualidade da proteína dos grãos de quinoa é superior à dos outros cereais,
incluindo o trigo, já que apresenta elevado teor de lisina,
histidina e metionina. Além disso, o conteúdo de aminoácidos essenciais da quinoa é também maior que o dos demais
cereais.21 De acordo com Bhargava et al.,3 os percentuais de
lisina, isoleucina, treonina, metionina, histidina, cistina e
glicina da proteína da quinoa são 6,6; 6,4; 4,8; 2,4; 2,7; 2,4
e 5,2%, respectivamente, e esses valores são maiores quando comparados com os da proteína do trigo, soja e cevada.
Análise Sensorial
Todos os ingredientes utilizados na obtenção das
preparações submetidas à análise sensorial são isentos de
glúten, uma vez que estas foram elaboradas principalmente
com o objetivo de melhorar a qualidade de vida do paciente
celíaco, oferecendo-lhes alternativas melhores em relação
aos alimentos que irão compor sua dieta, tanto em termos
sensoriais quanto nutricionais.
Na Tabela 3 são apresentados os resultados do teste
de médias de Tukey, obtidos para cada preparação testada.
Tabela 3 – Comparação dos valores médios dos escores de
aceitação das preparações contendo quinoa (grãos, flocos
e farinha).
Preparação
Escore
médio*
Biscoito de queijo com flocos de quinoa
7,15a
Bolo de farinha de milho com farinha de quinoa
7,10a
Bolo de mandioca com farinha de quinoa
6,95a,b
Bolo de farinha de milho com flocos de quinoa
6,92a,b
Bolo de cenoura com quinoa em grãos
6,85c
Tareco de fubá com flocos de quinoa
6,74a,b
Bolo de banana com farinha de quinoa
5,97b
DMS (T)
1,06
*As médias seguidas da mesma letra não diferem entre si, pelo
teste de Tukey, a 5% de probabilidade.
DMS: Diferença mínima significativa
Observou-se que o biscoito de queijo com flocos de
quinoa e o bolo de farinhas de milho e quinoa apresentaram
um padrão de aceitação maior do que o bolo de banana com
farinha de quinoa, não havendo diferenças significativas
entre as demais.
Para que um produto seja considerado como aceito, em termos de suas propriedades sensoriais, é necessário
que obtenha um Índice de Aceitabilidade (I.A) de no mínimo 70%.30
Os I.A encontrados para as preparações biscoito de
queijo com flocos de quinoa, bolo de cenoura com quinoa
em grãos, bolo de farinhas de milho e quinoa, bolo de mandioca com farinha de quinoa e bolo de farinha de milho
com flocos se encontram na Tabela 4.
Tabela 4 – Índice de aceitabilidade das preparações avaliadas sensorialmente pelo método da escala hedônica de
nove pontos.
Preparação
Índice de
Aceitabilidade
Biscoito de queijo com flocos de quinoa
79,44%
Bolo de farinhas de milho e quinoa
78,89%
Bolo de mandioca com farinha de quinoa
77,22%
Bolo de farinha de milho com flocos de
quinoa
76,89%
Bolo de cenoura com quinoa em grãos
76,11%
Tareco de fubá com flocos de quinoa
74,89%
Bolo de banana com farinha de quinoa
66,33%
Desse modo, pode-se dizer que dentre as preparações analisadas, a única que não foi aceita foi a do bolo
de banana com farinha de quinoa. Isto pode ser explicado,
em parte, por comentários observados nas fichas de análise
sensorial, em que alguns julgadores atribuíram a esta amostra gosto amargo e sabor desagradável de banana.
Já a maioria dos avaliadores que gostaram das preparações biscoito de queijo com flocos de quinoa e bolo de
farinhas de milho e quinoa, relataram serem estas bastante
palatáveis, com aroma e textura agradáveis.
Observou-se que o bolo de farinhas de milho e quinoa e o bolo de mandioca com farinha de quinoa não diferiram entre si quanto à aceitação (Tabela 5). Ambas apresentaram diferença significativa com a preparação do bolo
de banana com farinha de quinoa, talvez pela utilização da
banana na preparação e forma de processamento, como relatado anteriormente.
A média da aceitação para a amostra de bolo de farinhas de milho e quinoa se situou entre “gostei regularmente” e “gostei muito”, enquanto o bolo de mandioca com
farinha de quinoa, entre “gostei regularmente” e “gostei
ligeiramente”. Já o bolo de banana com farinha de quinoa,
ficou entre “indiferente” e “gostei ligeiramente”.
Tabela 5 – Comparação dos valores médios dos escores de
aceitação das preparações contendo farinha de quinoa.
Preparação
Bolo de farinha de milho com farinha de quinoa
Bolo de mandioca com farinha de quinoa
Bolo de banana com farinha de quinoa
DMS (T)
Escore
médio*
7,10a
6,95a
5,97b
0,8304
*As médias seguidas da mesma letra não diferem entre si, pelo
teste de Tukey, a 5% de probabilidade.
DMS: Diferença mínima significativa
Analisando-se somente as preparações contendo
flocos de quinoa (Tabela 6), pode-se dizer que o biscoito de
417
queijo com flocos de quinoa situou-se entre “gostei regularmente” e “gostei muito”, e o bolo de farinha de milho com
flocos de quinoa e o tareco de fubá com flocos de quinoa,
entre “gostei regularmente” e “gostei ligeiramente”. Observou-se, portanto, que não houve diferença significativa
entre a aceitação das três preparações, as quais são consideradas boas opções.
Tabela 6 – Comparação dos valores médios dos escores de
aceitação das preparações contendo flocos de quinoa.
Preparação
Escore
médio*
Biscoito de queijo com flocos de quinoa
7,15a
Bolo de farinha de milho com flocos de quinoa
6,92a
Tareco de fubá com flocos de quinoa
6,74a
DMS (T)
Ante os resultados deste estudo, conclui-se que é
viável a utilização da quinoa em substituição aos produtos
que contêm glúten, como o trigo, na elaboração de preparações destinadas ao paciente celíaco, devido ao fato das preparações analisadas terem sido bem aceitas sensorialmente
pelos avaliadores.
Pode-se dizer também que o tratamento térmico
ocasionou um aumento da digestibilidade da quinoa em
grãos e flocos, mas não da farinha de quinoa, evidenciando
a necessidade de mais estudos quanto a sua forma de processamento e composição nutricional. Torna-se necessário
ainda, para um melhor esclarecimento sobre a digestibilidade da quinoa, um estudo detalhado da composição físico-química e dos teores de fatores antinutricionais e fibras
alimentares.
0,87
*As médias seguidas da mesma letra não diferem entre si, pelo
teste de Tukey, a 5% de probabilidade.
DMS: Diferença mínima significativa
Assim como as preparações do presente estudo foram consideradas bem-aceitas pelos avaliadores, outros
trabalhos foram realizados com o intuito de verificar a
viabilidade sensorial de produtos contendo quinoa e também outro pseudocereal andino denominado amaranto, e
obtiveram bons resultados. Caperuto et al.7 desenvolveram
um macarrão à base de milho e quinoa e os testes sensoriais, utilizando também o método da escala hedônica de
9 pontos, indicaram que 67% dos provadores atribuíram
nota igual ou superior a 7 para o sabor do macarrão, evidenciando assim a boa aceitação de um produto contendo
quinoa. Outro tipo de macarrão, à base de quinoa e amaranto foi desenvolvido por Chillo et al.,9 em que uma equipe
constituída de 5 provadores treinados o compararam a um
macarrão tradicional à base de sêmola e concluiram ser ambos semelhantes com relação a adesividade, volumosidade
e consistência.
Biscoitos tipo cookie foram desenvolvidos com farinha de amaranto, e através da escala hedônica estruturada
de 9 pontos, verificou-se que estes apresentaram elevada
aceitabilidade sensorial, sendo considerados produtos com
alto potencial de mercado.8,16 Em outro trabalho foram desenvolvidos pães, bolos e biscoitos com misturas das farinhas de trigo e quinoa, sendo que a farinha de quinoa foi
utilizada nas proporções de 5, 10, 20 e 30% da mistura.
Utilizando-se 5 e 10% de farinha de quinoa, obteve-se produtos de alta qualidade, sendo que o sabor destes foi melhor com a adição da farinha nestas proporções. Já com a
utilização de quantidades maiores da farinha verificou-se
pequeno gosto residual e coloração escura nos produtos.15
418
CONCLUSÕES
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem a Universidade Federal dos
Vales do Jequitinhonha e Mucuri e a Universidade Federal
de Viçosa, pelo espaço físico cedido para a realização deste
trabalho.
CASTRO, L. I. A.; VILA REAL, C. M.; PIRES, I. S. C.;
PIRES, C. V.; PINTO, N. A. V. D.; MIRANDA, L. S.;
ROSA, B. C.; DIAS, P. A. Quinoa (Chenopodium quinoa
Willd): in vitro digestibility, development and sensorial
analysis of preparations for celiac patients. Alim.Nutr.,
Araraquara, v.18, n.3, p. 413-419, out./dez. 2007.
ABSTRACT: The quinoa (Chenopodium quinoa Willd)
is a pseudocereal with no gluten, native of Andes, where
it has been cultivated for hundred of years. The main point
of this project was develop and sensorially analyse some
preparations with quinoa grain, flake and flour, destined to
celiac patient, such as to determinate in vitro digestibility of
proteins, submitted to thermal treatment or not. The analyze
was carried out by using the 9-point hedonic scale method
to check the acceptance of the preparations. For that, 436
non-trained panelists, randomly selected, took part at the
sensorial tests. The method used to analyse the proteinaceous
in vitro digestibility was pH-lowering after 10 minutes, on
which pepsin and pancreatin enzymes were added to the
quinoa sample, thermally treated ad not. Seven preparations
were tested. Six of them had satisfactory results, sce they
had acceptability index over 70%. Quinoa’s flakes and
grains, after thermal treatment, had an optimized digestion.
Therefore, quinoa and its derivers can be considered a good
nourishment option for celiac patient.
KEYWORDS: Quinoa; celiac patient; sensorial analysis;
in vitro digestibility.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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2. ARAÚJO, J. M. A. Química de alimentos: teoria e
prática. 2. ed. Viçosa: UFV. 1999. 416p.
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v.23, p.73-87, 2005.
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à base de farinha integral de quinoa (Chenopodium
quinoa Willd) e de farinha de arroz (Oryza sativa, L)
polido por extrusão termoplástica. B.CEPPA, Curitiba,
v.21, n.2, p.303-322, 2003.
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