AlessandraMizuta
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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO stricto sensu - MESTRADO EM DIREITO ALESSANDRA MIZUTA PRAXE DO CONTRATO INTERNACIONAL E DIREITO BRASILEIRO: FUNDAMENTOS PARA A PRESERVAÇÃO DO CONTRATO DIANTE DO SEU DESEQUILÍBRIO SUPERVENIENTE CURITIBA 2008 ALESSANDRA MIZUTA PRAXE DO CONTRATO INTERNACIONAL E DIREITO BRASILEIRO: FUNDAMENTOS PARA A PRESERVAÇÃO DO CONTRATO DIANTE DO SEU DESEQUILÍBRIO SUPERVENIENTE Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba, como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Direito. Orientador: Professor Doutor Carlyle Popp CURITIBA 2008 ALESSANDRA MIZUTA PRAXE DO CONTRATO INTERNACIONAL E DIREITO BRASILEIRO: FUNDAMENTOS PARA A PRESERVAÇÃO DO CONTRATO DIANTE DO SEU DESEQUILÍBRIO SUPERVENIENTE Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Direito pelo Centro Universitário Curitiba. Banca Examinadora constituída pelos seguintes professores: Presidente: ___________________________________ CARLYLE POPP ___________________________________ PAULO NALIN (MEMBRO EXTERNO) ___________________________________ JOÃO BOSCO LEE (MEMBRO INTERNO) Curitiba, de de 2008. DEDICATÓRIA Dedico este trabalho à minha família, cuja orientação e amor incondicional garantiram que eu fizesse todas as boas escolhas que me fizeram chegar até o Direito, à academia e à advocacia. Dedico em especial ao meu pai, minha incansável fonte inspiradora, não apenas para as escolhas profissionais, mas em especial por sempre me mostrar o tipo de pessoa que aspiro ser. AGRADECIMENTOS Agradeço ao meu orientador, professor Doutor Calyle Popp, pelo aprendizado e por me guiar de forma tão serena e segura no desenvolvimento do presente projeto. À minha mãe, Helena H. Mizuta, pelos mimos que garantiram a possibilidade de manter minha casa em ordem, no momento de adaptação à vida conjugal, enquanto concluía a pós-graduação stricto sensu. Agradeço aos amigos e colegas do escritório Castro, Valença, Lee e Araújo, em especial ao Ivy Manfredini Barbosa, Paulo Henrique da Cruz, Eloísa Nava de Assis, Giovana Franzoni Maria, Janaina Comar, Gabriela Murara Vieira, Stela Wagner, Aline Nader da Rocha, Geovana Guimarães, Fausto Pereira de Carvalho, Dalton Eduardo Barreira e Nicole Castagnolli sem cuja compreensão e colaboração não teria sido possível a busca pelo título de mestre. Aos meus irmãos, Daniela e Paulo Eduardo, e sobrinhos, Natália, Fabinho, Bruno, Vitória e Luiz Miguel pelo incentivo e pelo aconchego nos momentos de descontração. Finalmente, meus agradecimentos ao meu marido, quem mais sofreu pelo inconstante humor, por aturar a casa virada com livros e textos por todos os cantos, pelo amor incondicional e pela participação ativa na revisão final deste trabalho. "Não mente nem peca, quem não cumpre o prometido por terem as coisas não permanecido as mesmas do momento em que foram prometidas." S. Tomás de Aquino RESUMO O trabalho tem por objetivo propor mecanismos para conferir maior segurança aos contratos firmados nacionalmente, utilizando como fonte inspiradora o Direito Internacional Privado. Foram selecionadas dentro deste âmbito especificamente a Lex Mercatoria, a Convenção de Viena e a Cláusula de Hardship e foram deles extraídos os remédios adotados para a manutenção dos contratos que se submetem a suas normas, diante de evento superveniente a sua formação, que venha a desequilibrar economicamente a relação e a partir desta análise, propor a combinação de meios no intuito de auxiliar na preservação dos contratos domésticos, possibilitando beneficiarem-se da experiência do comércio internacional. Palavras-chave: Contrato; Lex Mercatoria, Convenção de Viena, cláusula de hardship, onerosidade excessiva, preservação do contrato. ABSTRACT The present study has as principal objective propose mechanisms to confer more security to the contracts signed nationally, making use of principles of Private Internantional Law. It has been selected in this scope specifically the Lex Mercatoria, Vienna Convention on the Law of Treaties and the Hardship Clause and were extractec from them the solutions to maintain the contracts that are submitted to their terms, in face of events that happened afterwards its formation, that causes the economic imbalance of the relation and from this analysis, propose the combination of means with the purpose to help in the preservation of the domestic contracts, making it possible to benefit of the experience of the international commerce. Key Words: Contract; Lex Mercatoria; Vienna Covention on the Law of Treaties, Hardship Clause, Excessive Onerousness, preservation of the contract SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 11 1 CONTRATOS, SEGURANÇA JURÍDICA, ECONOMIA E GLOBALIZAÇÃO .......................... 15 2 LEX MERCATORIA .................................................................................................................... 26 2.1 ORIGEM ................................................................................................................................... 27 2.2 NOVA LEX MERCATORIA....................................................................................................... 30 2.3 NATUREZA JURIDICA............................................................................................................. 38 2.3.1 Lex Mercatoria como Sistema Jurídico................................................................................. 38 2.3.2 Inexistência da Lex Mercatoria como um ordenamento jurídico .......................................... 43 2.4 FONTES ................................................................................................................................... 45 2.4.1 Direito Internacional Público ................................................................................................. 46 2.4.2 Leis Uniformes/ Convenções ................................................................................................ 47 2.4.3 Princípios Gerais de Direito .................................................................................................. 47 2.4.4 Regras dos Organismos Internacionais/ Códigos de Conduta............................................. 48 2.4.5 Usos e Costumes .................................................................................................................. 48 2.4.6 Formas padrão de contratos ................................................................................................. 50 2.4.7 Sentenças Arbitrais ............................................................................................................... 51 2.5 APLICABILIDADE..................................................................................................................... 52 2.6 LIMITES.................................................................................................................................... 54 2.7 A LEX MERCATORIA E O DIREITO CONTRATUAL BRASILEIRO ........................................ 58 3 CONVEÇÃO DE VIENA.............................................................................................................. 62 3.1 ORIGEM ................................................................................................................................... 63 3.2 CAMPO DE APLICABILIDADE ................................................................................................ 65 3.2.1 Aplicação Material ................................................................................................................. 66 3.2.2 Aplicação Territorial............................................................................................................... 70 3.2.3 Aplicação Temporal............................................................................................................... 72 3.3 DIREITOS E OBRIGAÇÕES .................................................................................................... 73 3.4 INTERPRETAÇÃO ................................................................................................................... 75 3.4.1 Caráter Internacional............................................................................................................. 77 3.4.2 Necessidade de Promover a Uniformidade .......................................................................... 78 3.4.3 Boa-fé .................................................................................................................................... 79 3.5 PREENCHIMENTO DAS LACUNAS........................................................................................ 80 3.6 DA VIOLAÇÃO DO CONTRATO .............................................................................................. 84 4 CLÁUSULA DE HARSHIP ......................................................................................................... 89 4.1 INSTITUTO DE UNIDROIT....................................................................................................... 89 4.2 PRINCÍPIOS DE UNIDROIT..................................................................................................... 91 4.2.1 Condições contratuais gerais................................................................................................ 95 4.2.2 Nova Lex Mercatoria ............................................................................................................. 96 4.2.3 Princípios Gerais de Direito .................................................................................................. 97 4.2.4 Soft Law................................................................................................................................. 98 4.3 REQUISITOS DA CLÁUSULA DE HARSHIP........................................................................... 99 4.3.1 Alteração fundamental das condições econômicas............................................................ 103 4.3.2 Superveniência do evento................................................................................................... 104 4.3.3 Imprevisibilidade do evento................................................................................................. 105 4.3.4 Exterioridade ....................................................................................................................... 106 4.4 APLICABILIDADE................................................................................................................... 107 4.5 EFEITOS ................................................................................................................................ 111 4.6 CRÍTICAS ............................................................................................................................... 114 5 O CONTRATO NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO .................................................................. 117 6 DO EQUILÍBRIO CONTRATUAL ............................................................................................. 122 6.1 COMUTATIVIDADE: RELATIVIZAÇÃO DA FORÇA OBRIGATÓRIA DOS CONTRATOS... 123 6.2 TEMPORALIDADE................................................................................................................. 126 6.3 TEORIAS REVISIONISTAS ................................................................................................... 127 7 ONEROSIDADE EXCESSIVA NO DIREITO BRASILEIRO .................................................... 130 7.1 REQUISITOS DE APLICABILIDADE ..................................................................................... 132 7.1.1 Acontecimentos Extraordinários e Imprevisíveis ................................................................ 132 7.1.2 Contratos de Execução Continuada ou diferida ................................................................. 133 7.1.3 Prestação Excessivamente Onerosa.................................................................................. 133 7.1.4 Exagerada Vantagem.......................................................................................................... 134 7.1.5 Ausência de Mora do Devedor............................................................................................ 134 7.1.6 Resolução............................................................................................................................ 135 CONCLUSÃO .............................................................................................................................. 136 REFERÊNCIAS...........................................................................................................................141 INTRODUÇÃO A presente pesquisa está vinculada à linha de pesquisa 1 - Obrigações e Contratos Empresariais: Responsabilidade Social e Efetividade, do Curso de Mestrado das Universidades Integradas Curitiba - UNICURITIBA. Isto porque traz em seu tema central as obrigações e contratos, especificamente quanto de cláusulas contratuais e a necessidade de sua adaptação, diante de evento superveniente que desequilibre economicamente a relação. O contrato é aclamado pela doutrina jurídica como a figura mais importante dentro do direito privado. É por meio dele que as partes exteriorizam suas vontades e fazem circular riquezas. Para desenvolver o tema proposto, parte-se do seguinte problema: diante de uma situação imprevisível, superveniente a formação do contrato1, e que venha a onerar em excesso uma das partes, como evitar a resolução do contrato e propiciar a sua preservação? E este problema se agrava, se consideradas as atuais disposições do Código Civil Brasileiro, que incluiu a hipótese de onerosidade excessiva no capítulo que versa sobre a extinção do contrato, ou seja, pré-determina a sua resolução. Portanto, a questão está em torno da efetividade do contrato. Da mesma forma, está ligada a uma realidade internacional e complexa derivada da crescente mundialização das relações sócio-econômicas. Assim, tenciona-se com o presente trabalho buscar ferramentas dentro do Direito Internacional Privado que possam contribuir para que o contrato nacionalmente firmado se torne mais seguro e efetivo. Inicialmente, a fim traçar uma linha de raciocínio que leve do direito interno ao direito internacional, necessário se faz compreender os reflexos da segurança jurídica, da economia e da globalização sobre os contratos. A segurança jurídica está ligada ao risco do negócio. Em decorrência do risco é que serão estabelecidos importantes critérios no contrato, entre eles a escolha pela pessoa com quem será firmado o contrato e o custo que ele terá. Quando se escolhe a parte com quem se assumirá um compromisso, fator decisivo é a segurança de que ela cumprirá com suas obrigações. Não se pode 1 Esclareça-se que para o presente trabalho está sendo considerado o contrato de longa duração. 12 imaginar que alguém opte por firmar um contrato pensando em não cumpri-lo, até mesmo em razão da necessidade de observância aos princípios gerais do direito (dentre eles a boa-fé objetiva e a força obrigatória dos contratos). Assim, busca-se a segurança de que a obrigação será voluntariamente cumprida e, na hipótese de necessidade de intervenção do judiciário, segurança de que o caso será apreciado pelo juízo, mas principalmente, de que a decisão proferida será acatada e respeitada. Também influenciará no custo o ensinamento da economia de que quanto maior o risco do negócio, mais custo agregado ele terá, desta forma, a segurança jurídica influenciará diretamente no valor das prestações do contrato e portanto, no custo final do produto ou serviço. Por isto, para tornar o contrato menos oneroso, deve ele se tornar mais seguro e para isto se buscam mecanismos que o tornem mais confiáveis. Além do fator econômico ligado ao risco do negócio, que envolve a proporcionalidade do risco com relação direta ao valor das prestações, também se considera a escola de Direito e Economia. Seguindo seus preceitos, aplicando ao presente caso, haveria a maximização do proveito econômico do contrato decorrente de sua eficácia, que viria com a utilização dos mecanismos ao final propostos. Finalmente, o elemento globalização é a tradução da atualidade. Ela será analisada sob dois aspectos, o primeiro de que não existe hoje a possibilidade de se analisar as vantagens e desvantagens de uma contratação sem considerar fatores internacionais, tais como flutuação do dólar, preço do barril do petróleo, crise econômica e mesmo eleições presidenciais dos Estados Unidos. Muitas são as variáveis internacionais de potencial influência no contrato. O segundo aspecto da globalização é da experiência que o direito internacional privado extraiu em razão dela. Por ser um direito transnacional, foi necessário se adaptar a velocidade com que a comunicação ocorre, com que as pessoas interagem e que como os contratos são firmados. Também foi necessário encontrar remédios para as barreiras jurídicas existentes, por lidar com diferentes culturas e costumes e ainda assim ter que se manter harmônico para atender a todas as partes satisfatoriamente. Assim, nada mais lógico do que fazer a utilização desta experiência internacional, e extrair dos mecanismos desenvolvidos por este direito a-nacional, 13 aproxima-lo às necessidades do direito brasileiro e de encontrar o equilíbrio para os contratos dentro do âmbito nacional. A análise será restrita a alguns movimentos internacionais de uniformização das leis do comércio (Lex Mercatoria, Convenção de Viena e Cláusula de Hardship). Em relação à Lex Mercatoria ela não foi exatamente uma escolha, mas uma necessidade essencial, pois não há como abordar os demais mecanismos internacionais de regulamentação do contrato, sem considerá-la. A Lex Mercatoria é um conjunto de usos e costumes do comércio internacional, moldado desde a época dos fenícios e todos os demais institutos internacionais selecionados possuem sua influência. Portanto, mesmo que não tivesse sido objeto de análise, teria sido indiretamente mencionada. Mas, independente deste fato, a contribuição direta da Lex Mercatoria para o presente estudo também existe, pois acaba por apresentar caminhos na busca pela reequilíbrio do contrato. Em seguida, passa-se à análise da Convenção de Viena, que diferente da Lex Mercatoria, não depende apenas dos usos e costumes, ou da opção das partes para que venha a regulamentar o contrato. A convenção depende de ratificação dos seus termos pelo Estado. Portanto, necessariamente passa por uma aprovação política para se tornar aplicável dentro do Estado. Mas, embora seja um tema enfrentado (a aplicabilidade no direito brasileiro), sua maior contribuição para esta pesquisa está nos ensinamentos quanto a sua forma de interpretação e no preenchimento de lacunas. O último instrumento do direito internacional escolhido, a cláusula de hardship é o que mais se assemelha a hipótese utilizada para a formulação do problema da presente dissertação. Traz consigo requisitos de aplicabilidade muito parecidos com a onerosidade excessiva, mas, conta com instrumentos diversos para solucionar o problema do desequilíbrio da relação. Esclareça-se, também, que foi afastado do âmbito da presente pesquisa os contratos sob a égide do Código de Defesa do Consumidor, pois a revisão destes possui um fundamento diverso do que se busca no presente trabalho. A adaptação desta modalidade de relação está ligado à fundamentos diversos do que aqueles que estão sendo analisados. Além disso, não é possível tratar da aplicabilidade de 14 leis internacionais no âmbito do direito do consumidor, pois existe um barreira intransponível neste caso, que é a ordem pública. O direito do consumidor é tratado pela lei interna, por determinação expressamente prevista na Constituição Federal. Assim, trata-se de um impedimento legal (um limite) a aproximação do direito do consumidor às regras do comércio internacional. Após estas apresentações, serão, então trazidas noções sobre o contrato segundo o entendimento da doutrina brasileira e o seu desequilíbrio em decorrência de evento superveniente à sua formação, que deixa desproporcional a prestação e contra-prestação. Serão apresentados os requisitos da onerosidade excessiva, o comportamento do jurista brasileiro frente a esta situação e, por fim, traçados paralelos, extraindo dos institutos do direito internacional privado ferramentas capazes de auxiliar na manutenção do contrato. 15 1 CONTRATOS, SEGURANÇA JURÍDICA, ECONOMIA E GLOBALIZAÇÃO O tema central do presente trabalho são os contratos nacionais e traz-se, com o presente estudo, uma sugestão para a sua preservação com argumentos do direito internacional. Quando duas ou mais partes convergem em seus interesses, e decidem por formalizar as suas intenções por meio de um contrato, sua expectativa inicial é de que este contrato seja extinto por seu meio ordinário, que equivale a dizer, pelo total adimplemento de suas cláusulas previamente estipuladas. É a trajetória desde a formação do contrato, até a sua extinção, que determinará o custo desta contratação. Assim, um dos itens a ser considerado para a definição do valor do que está sendo contratado, além do próprio objeto principal, certamente é o risco do negócio2. Para o desenvolvimento do presente raciocínio, será tratado sobre o risco ligado a dois aspectos fundamentais: da necessidade de segurança jurídica no cumprimento do contrato e dos reflexos econômicos desta contratação. Acredita-se que a segurança jurídica deve ser levada em consideração como um elemento interno (psicológico) dos contratantes. O homem vive em busca da segurança, e esta é uma característica visível na sociedade, que sempre pretendeu atingir uma ordem estável e certa. Quando algo não está de acordo com o socialmente estipulado, seja na esfera criminal, familiar, do trabalho, eleitoral, militar ou cível, recorre-se, em última instância ao poder judiciário para se obter a almejada segurança. Neste particular, afirma Waldraff (2004, p. 405) que “Mais, porém, do que uma aspiração, tem-se a convicção de que, realmente, a ordem jurídica é uma ordem certa e capaz de propiciar a segurança de que todos necessitam.” Também entre os empresários a segurança é um fator a ser constantemente buscado, em especial nas relações negociais. Assim, em razão da insegurança econômica e política, os investidores nacionais e estrangeiros procuram garantias de 2 Esclareça-se que como objeto principal do contrato, quer significar o próprio objeto que se está contratando, como por exemplo, no contrato de compra e venda de um veículo para pagamento à prazo, o valor do objeto principal é o próprio valor venal do veículo. Os outros custos aos quais se referem neste caso ao risco do negócio são todos os demais valores agregados a esta operação, como a variação do índice de correção monetária escolhido, o histórico de solvência (ou insolvência) do comprador, entre tantos outros riscos assumidos pelo comprador e pelo vendedor no negócio realizado. 16 que o judiciário assegure o cumprimento dos contratos. É até mesmo instintivo e natural a necessidade de buscar segurança. O conceito de segurança ou certeza no Direito é contemporâneo à fase de preparação da Revolução Francesa. Neste período a grande corrente filosófica era dos Contratualistas, que objetivava justificar a sociedade humana pelo “estado de natureza” e “contrato social”. Hobbes, que possui como ponto central de sua doutrina a idéia de segurança, define o “estado de natureza” com a afirmação de que homo hominis lupus (o homem é o lobo do homem). Rosseau, por outro lado, defende que o homem é bom por excelência e Locke possui visão intermediária entre estes dois. O ponto convergente entre estes doutrinadores é de que “todos demonstram preocupação com a certeza e segurança nas relações humanas, como um dado essencial a toda e qualquer forma de convivência.” (WALDRAFF, 2004, P. 409). Portanto, a segurança é a fonte essencial do poder e da sociedade. Conforme Bobbio, a longo prazo é intolerável o “estado de natureza”, pois se fazem necessárias regras, para tornar a coexistência pacífica (WALDRAFF, 2004, P. 409). Durante a Revolução Francesa, buscava-se derrubar o Ancien Regime que possuía sua magistratura com fortes vínculos tanto históricos quanto classistas. A luta era por substituir uma magistratura vista até então com séria desconfiança, por um direito constituído com base nos ideais do racionalismo, e que assim, transmitiria maior certeza. Os economistas do século XVII eram em sua maioria mercantilistas, que sustentavam a necessidade do Estado dirigir e regular a economia, a fim de aumentar a produtividade e como conseqüência, a riqueza da nação. Neste período tem início uma forte distinção entre os sistemas jurídicos continental e anglo-saxão, pois em pleno advento da modernidade, a Inglaterra detinha-se nas leis e costumes. O ordenamento jurídico deveria servir a três objetivos: primeiro, garantir a justiça; segundo, promover o bem comum e terceiro, criar a segurança do direito. Em relação à segurança jurídica, enquanto a Inglaterra preocupava-se com a segurança do direito, em outras palavras, que o direito aplicado se aproximasse ao máximo de uma decisão justa, a Europa continental satisfazia-se com a segurança da lei do Estado. Assim, desvinculando a questão da segurança jurídica, com a justiça material (SILVA, 1996, p.105). 17 Numa retrospectiva histórica, Waldraff (2004) menciona que no Direito Romano o magistrado estava acima do direito, pois embora considerasse o Direito, não estava à ele subordinado. Mas, esta concepção tinha que ser superada, a fim de garantir estabilidade na interpretação de um direito único. Desta forma, embora o Código Civil francês (Código de Napoleão) tenha fontes romanas, ele subordina o juiz ao Código, pois este sim é tido como única fonte de direito privado na França e em toda a Europa unificada. Na verdade, a ênfase do Direito no século XIX foi a de que nele estivesse depositado todo o poder, mantendo o magistrado impossibilitado de qualquer forma de autonomia interpretativa. O anseio por segurança é refletido no Direito por todo o período, que pretende transforma-lo e adapta-lo às verdades matemáticas da época. Segundo Waldraff (2004), ainda que a busca pela segurança jurídica traga conforto ao homem, uma margem de incerteza e de insegurança no direito é inevitável e até mesmo necessário, posto que em caso contrário, ocorreria a estagnação social. Esta incerteza e insegurança são o preço do progresso e a busca de formas mais justas de organização social. Daí a necessidade de se conciliar equidade e segurança. Nesse contexto, ainda que a segurança jurídica seja desejável, é a insegurança que possibilita, muitas vezes, a evolução do próprio ordenamento jurídico. Trazendo este raciocínio como fator prático para o presente estudo, é a possibilidade de ocorrência de um imprevisto no contrato que deve fazer com a lei seja lida de forma maleável, sendo necessária a possibilidade de lhe dar uma interpretação divergente daquela estanque. Deste modo, ainda que o artigo 478 do Código Civil Brasileiro encontre-se dentro do Capítulo II “Da extinção do contrato”, há que se interpretar de forma a garantir a possibilidade de revisar o contrato para que ele tenha integral cumprimento, ainda que não exatamente como inicialmente estipulado. Em relação às inseguranças existentes em torno da previsibilidade no cumprimento dos contratos, Falcão (2007) aponta os cinco subtipos de insegurança jurídica que existem hoje no Brasil e nos países desenvolvidos. Menciona em primeiro lugar a insegurança administrativa, decorrente da incapacidade de prever o tempo e o custo de uma demanda judicial. Aponta, ainda, duas causas para esta lentidão: a cultura do recurso e o atraso gerencial (neste aspecto, cita que poderia ser dado o exemplo pelo Poder Executivo, de não recorrer a qualquer preço). 18 O segundo tipo de insegurança seria a inefetividade da decisão judicial, ou seja, as decisões proferidas pelo Juiz não são cumpridas. O terceiro tipo, a imprevisibilidade interpretativa, que equivale a dizer há incerteza quanto a interpretação que será dada pelo Juiz ao caso concreto. O quarto tipo seria a impossibilidade de uma empresa ou cidadão comum cumprir todas as normas estatais que pretendem regulamentar sua vida, pois impossível se ter domínio de todas as normas vigentes, em razão de sua quantidade. O quinto e último subtipo apontado é a insegurança contratual, pois em razão da própria natureza do contrato, pressupõe-se que as partes envolvidas não são iguais. Afirma que as diferenças nos interesses dos contratantes fazem parte da essência do contrato que podem vir um dia a aflorar, ou não. A conclusão aos apontamentos feitos pelo autor não é outra senão a já apontada vontade de que o imprevisto não aconteça e, consequentemente a segurança jurídica é parte desse desejo. Mas, segundo Falcão (2007), “ [...] a insegurança jurídica não é mera questão de interpretação contratual, nem devemos debitá-la prioritariamente ao Poder Judiciário e a seus profissionais. Ao sistema jurídico, enfim. O sistema econômico não deve exigir muito do sistema jurídico. Que pode muito, é verdade. Mas não tanto”. Daí uma justificativa de que se busque, desde a formação do contrato, os mecanismos a serem utilizados na hipótese de alteração superveniente a sua formação, que venha a comprometer o seu integral cumprimento, decorrente de um fator imprevisto. Feitas as considerações em torno da Segurança Jurídica, passa-se agora ao segundo aspecto anteriormente vinculado ao risco do negócio, desta vez, ligado aos reflexos econômicos da contratação. A análise dos reflexos econômicos, a exemplo da questão ligada a segurança jurídica, também pode servir de justificativa para a presente dissertação por dois argumentos. Conforme já esclarecido anteriormente, a intenção da presente pesquisa é apontar porquê motivo, diante de um desequilíbrio do contrato, advindo de fator imprevisível e superveniente a sua formação, seria de maior proveito a revisão a fim de preservar o contrato, ao invés de extingui-lo sem que tenha chegado à termo. 19 Para o presente estudo, será utilizada a idéia de que a manutenção do contrato nestas circunstâncias, mediante a revisão de suas cláusulas e sua conseqüente adaptação favorece às partes. Para tanto, o fator econômico importará para o presente trabalho tanto na análise da formação das cláusulas do contrato, quanto após a ocorrência do desequilíbrio. Na formação do contrato, o fator econômico possui especial importância quando se agrega ao contrato o valor do risco do negócio. Já foi esclarecido anteriormente que o risco, ligado a insegurança quanto ao cumprimento do contrato, reflete diretamente no preço final. Ou seja, quanto maior o risco de que ocorra algum imprevisto que impossibilite o cumprimento do contrato, mais alto será o valor agregado e, por outro lado, quanto menor o risco do credor, menor será o preço final a ser contratado. Além disso, o fator econômico também estará presente na oportunidade em que, finalmente, ocorre o fator superveniente e imprevisível que cause o desequilíbrio do contrato, pois para o máximo proveito da relação contratual, o ideal é que seja novamente estabelecido o equilíbrio, para se possibilitar o cumprimento integral do contrato, ainda que não exatamente como inicialmente estipulado. No estudo da análise econômica do direito, Posner (2003, p.3-4) defende que o homem deve tirar o máximo proveito em todas as áreas de sua vida, não apenas nas relações em que negocia compra e venda no mercado. Para isto, explica que as pessoas respondem á incentivos e assim, se com a mudança de seu comportamento seu grau de satisfação for aumentar, certamente ela optara por tal mudança e é desta proposta que surgem os fundamentos da economia, e que são passíveis de aplicação no direito (POSNER, 2003, p.3-4.). Neste sentido, defende Posner (2003) que o direito deve ser funcional, portanto, deve ter uma finalidade e não representar tão somente um ideal metafísico. Assim, conforme observado por Godoy (2004) “O direito poderia compor modelo de regulamentação com o objetivo de corrigir as externalidades negativas”. Exemplo citado pelo autor é a da previsão contratual de intervenção do judiciário para dirimir eventuais controvérsias oriundas do negócio. Na reflexão feita pelo autor, a demanda no judiciário elevaria os custos do negócio (pois exigiria o pagamento de advogados, taxas judiciais, perícias e a própria ansiedade decorrente de qualquer demanda). Ainda que provocado para corrigir uma externalidade 20 negocial, o direito acabaria apenas por prorrogar a indecisão, além dos já mencionados acréscimos dos custos. Isto porque, na demanda judicial não são trazidos apenas os aspectos práticos a fim de possibilitar a renegociação ou extinção do contrato, mas também todas outras questões periféricas. A proposta da escola Direito e Economia, que se utiliza como outra justificativa da presente pesquisa, é o aumento da eficiência do contrato, eliminandose questões periféricas, maximizando seu proveito, traçando desde logo o trajeto a ser seguido na hipótese de seu desequilíbrio superveniente. Nesta esteira, maximizando o proveito do contrato e tornando mais previsível um procedimento eficaz para promover o equilíbrio contratual, se ocorrer fator que o desequilibre durante sua execução, reduz-se o risco do negócio. Esclarecido, portanto, de que forma o fator econômico importa tanto para a formação do contrato quanto a sua importância após a ocorrência do desequilíbrio, passa-se a justificar a utilização da praxe internacional como argumento para a revisão das cláusulas do contrato. A escolha pela praxe internacional para se buscar um procedimento que aumente a segurança para a preservação do contrato, decorre da análise da recente realidade global sob dois aspectos: o primeiro, da inter-relação e da necessidade de interação dos Estados e dos direitos internos destes Estados; o segundo, decorre da possibilidade de aproveitar a experiência internacional em lidar com as diferentes legislações nacionais quando ocorre uma contratação dentro do campo do Direito Internacional Privado. Conforme observado por Luhmann (1997), não parece haver dúvidas quanto ao fato de se estar vivendo uma realidade dentro de uma sociedade global. Não obstante seja natural vermos os Estados como sistemas sociais mais ou menos bem definidos, não se pode deixar de analisar a globalização como uma ampliação destes sistemas sociais. Embora se possa fazer referência a uma comunidade global desde tempos remotos, mencionando como exemplo o comércio no mediterrâneo desde os tempos dos fenícios, o avanço desta globalização certamente acelerou nas últimas décadas, com a revolução tecnológica, notadamente nas áreas de comunicação, transporte e a verdadeira explosão da rede mundial de computadores 21 A economia mundial vem se integrando de forma acentuada, em especial a partir da década de 80, espalhando seus reflexos por todos os países ao redor do mundo, seja em maior ou menor grau. Exemplo prático dos efeitos da globalização foi a crise econômica iniciada nos Estados Unidos da América no segundo semestre de 2008, quando foi anunciada a instabilidade da seguradora American International Group (AIG), que acabou por desestabilizar as bolsas de valores do mundo. Para Giddens (1991), o termo globalização indica que estamos vivendo em um mundo de transformações, e um processo pelo qual tudo esta sendo afetado por uma ordem global que não se compreende plenamente, mas cujos efeitos se pode sentir nitidamente. A globalização pode assim ser definida como a intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa. [...] Assim, quem quer que estude as cidades hoje em dia, em qualquer parte do mundo, está ciente de que o que ocorre numa vizinhança local tende a ser influenciado por fatores – tais como dinheiro mundial e mercados de bens – operando a uma distância indefinida da vizinhança em questão. (GIDDENS, 1991, p.69-70) Cada vez mais, os efeitos dos eventos transpõem barreiras geográficas e políticas e, em especial, os eventos econômicos não encontram muita resistência para surtir efeitos praticamente de forma imediato em todo o resto do mundo. Embora diversos efeitos malignos da globalização sejam citados, em especial na esfera da sociologia, não se pode deixar de mencionar a infinita gama de possibilidades que ela propicia no âmbito da tecnologia, da medicina, da comunicação e tantas outras esferas do conhecimento. O mesmo intercâmbio de informações que possibilitam o caos econômico, também propicia que determinadas soluções sejam estudadas, compartilhadas e aprimoradas. Até mesmo pela fragilidade econômica compartilhada, como no caso do exemplo anteriormente citado, em que a economia norte americana acabou abalando o mercado mundial, exigindo inclusive a elaboração de diferentes pacotes econômicos para superar a crise, o estudo pelas soluções globais devem ser observadas. 22 Nesse contexto, a mesma globalização que deixa vulnerável um contrato firmado internamente, também pode servir de fonte inspiradora para a busca pela solução de eventuais problemas que impeçam o cumprimento da obrigação em decorrência de um desequilíbrio entre as partes. Contudo, o aproveitamento das experiências de outros Estados para possibilitar o re-estabelecimento do equilíbrio impõe, em especial dentro da esfera jurídica, a compreensão da lei estrangeira. Para minimizar todas estas diferenças e distanciamento jurídico, Gama Junior (2006a), ilustra a busca pela convergência da seguinte forma: “Visando mitigar os efeitos da diversidade jurídica em determinadas circunstâncias, conceberam-se mecanismos de harmonização, unificação e uniformização do direito, como espécies de aproximação jurídica, que elegem diversos meios para alcançá-la, tendo em vista algum objetivo específico.” (GAMA JR, 2006a, p. 182) Conforme adiante se demonstrará, já existe a bastante tempo uma mobilização dos estudiosos e aplicadores do Direito Internacional Privado no sentido de reduzir ainda mais as fronteiras, promovendo estudos e elaborando ferramentas para a sua uniformização. O grande impeditivo da contratação célere e segura em se tratando do Direito Internacional Privado, sem dúvida está na diversidade de legislações existentes. Neste sentido, é cada vez maior a busca pela uniformização do direito contratual dos diversos países. Para minimizar a barreira jurídica existente (em razão desta diversificação normativa) os organismos internacionais têm se concentrado em formar regras factíveis e de grande aceitabilidade. Desde a revolução industrial até os dias de hoje, a economia mundial passou por diversas transformações. Em especial, chama a atenção a consolidação do capitalismo como modelo econômico predominante e este fato traz consigo algumas conseqüências. A urbanização crescente impulsionada pela industrialização, fez com que se tornasse necessária a adaptação dos usos e costumes do comércio. Na atualidade, as relações econômicas se caracterizam pela velocidade com que se concretizam negócios, bem como pela constante necessidade de que se 23 atravessem fronteiras para a expansão dos negócios e para atender a competitividade do mercado. Assim, levando-se em consideração a globalização crescente e a necessidade de expansão do mercado, é cada vez mais comum a formação de Contratos Internacionais. Entretanto, diante da diversidade de legislações internas, e ainda, do grande leque de opções e possibilidades de aplicação de diferentes regras para dirimir conflitos internacionais, a insegurança jurídica existente para Contratos Internacionais é evidente, pois sempre que duas ou mais partes decidem por celebrar um contrato, seja qual for o objeto, uma questão a ser observada e que certamente é a maior preocupação dos contratantes, é a segurança jurídica quanto ao cumprimento do contrato. Gama Junior (2006a). bem ilustra este cenário da seguinte forma: Situações como essa integram a vida real do comércio internacional e, à semelhança de outras relações jurídicas de caráter privado, conectam-se no espaço com mais de um sistema jurídico, suscitando problemas complexos, relacionados à aplicação do direito, que normalmente não ocorrem nas relações sujeitas ao império de uma única lei, nem são tratados de modo adequado pelos ordenamentos nacionais. As relações privadas internacionais são, portanto, caracteristicamente difíceis, porque o direito ainda é visto como prerrogativa de Estados soberanos e porque, apesar das fronteiras, as pessoas e suas relações jurídicas cada vez mais se deslocam no espaço, sobretudo no mundo globalizado atual. A permanente tensão entre soberania e mobilidade levanta várias questões, ora ligadas à jurisdição internacional, ora à determinação do direito aplicável, ora ao reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras, que compete ao operador do direito resolver. (GAMA JR, 2006a, p.2). Diante dos desafios existentes, em razão da diversidade de possibilidade de aplicação de leis internas e externas para os contratos internacionais e do dinamismo das relações comerciais, que prestigiam os usos e costumes mercantis, um grande esforço tem sido feito por organismos internacionais, na tentativa de unificar as normas de comércio. Isto porque, a harmonização das regras internacionais certamente trarão maior segurança para as contratações internacionais. Jo (2001) apresenta em sua obra duas soluções para esta tentativa de unificação: 24 Em primeiro lugar, o DIPr visa garantir a segurança das relações privadas internacionais, as quais estão em constante expansão. Em segundo lugar, ele se move na direção da unificação das leis privadas da sociedade internacional. Essa unificação está ocorrendo sob duas formas: uma delas tende a unificar as normas de DIPr e as suas normas processuais. Assim sendo, seja qual for a parte do mundo, seriam aplicadas as mesmas regras da determinação da jurisdição, transferindo-se o caso para o tribunal adequado. Em seguida, seriam aplicadas as mesmas regras da determinação de escolha da lei aplicável, que redundariam na indicação de uma mesma lei aplicável a fim de se obter sempre um mesmo resultado (sentença), o qual teria garantida a sua execução. Desse modo hipotético, a estabilidade da vida privada internacional estaria garantida com a unificação das normas do DIPr e das regras processuais internacionais (JO, 2001, p.61). A fim de garantir esta segurança jurídica, os organismos internacionais utilizam-se de alguns mecanismos como a criação de Institutos e Organizações. Para que as partes contratantes tenham ferramentas para viabilizar o surgimento e a manutenção de relações jurídicas de natureza econômica, buscamse soluções que variam da concepção de um direito comercial internacional autônomo e independente dos Estados e que compõem a ordem econômica internacional, até o entendimento de que existiria uma lei própria do contrato (proper law of the contrac3t), havendo variações nos estudos, mas todos eles voltados à mesma finalidade: a de conferir maior segurança ao cumprimento do contrato. Com o intuito de aproveitar todos estes esforços empregados em criar mecanismos de uniformização, e os estudos já realizados em torno dos contratos e suas cláusulas, pretende-se aproximar a figura da onerosidade excessiva tal como conhecida dentro do direito civil brasileiro, mas utilizando como remédio para que seja encontrado novamente o equilíbrio do contrato, possibilitando a sua preservação, aqueles estabelecidos no âmbito do Direito Internacional Privado. 3 A dinâmica do comércio internacional fez com que empresas multinacionais se organizassem em sociedades que atuam dentro do âmbito do espaço internacional econômico. No exercício de suas atividades criaram contratos internacionais e normas e procedimentos uniformes, dinamizando as operações econômicas (já que a lentidão dos sistemas jurídicos estatais não atendiam às suas necessidades). Dentro deste meio, criou-se um direito material das relações econômicas internacionais viabilizada por meio do contrato. Sua origem é atribuída às cortes inglesas do século XIX, que ao tratarem questões a ela submetidas, entendiam que a lei a ser aplicada ao caso era aquela previamente escolhida pelas partes e expressamente incluída no contrato. Diante do silêncio sobre esta questão, a Corte presumia qual a lei aplicável através dos termos do contrato e das circunstâncias sob as quais ele foi firmado. Mas, mesmo neste sistema, a autonomia da vontade das partes não é absoluta, pois também existe sua submissão à questão da ordem pública. (MELO, 2000. p. 67-69) 25 Para possibilitar esta aproximação, foram selecionadas como fontes para este estudo a Lex Mercatoria, a Convenção de Viena e a Cláusula de Harship. 26 2 LEX MERCATORIA A Lex Mercatoria é uma fonte do Direito do Comércio Internacional. De forma bastante simplificada, pode-se defini-la como sendo usos e costumes adotados de forma voluntária que passam a ser tidos como regras, decorrentes de atos praticados no comércio internacional de forma reiterada. Sua evolução ocorreu à medida que os mercados foram estabelecendo regras e princípios para regular suas transações. Tratam-se de regras que não estão ligadas a um corpo jurídico nacional. São regras criadas a partir dos usos e costumes do mercado e não baseada em leis, embora algumas legislações nacionais acabem adotando alguns princípios da Lex Mercatoria para a sua legislação interna. Sweet (2006). assim a conceitua: “The Lex Mercatoria – also called ‘the Law Merchant’ – is a multifaceted term which serve both to draw boundaries around a community and its practices, and to denote a legal system. Is describes the totality of actors, usages, organizational techniques, and guiding principles that animate private, trasnational trading relations, and it refers to the body of substantive law and dispute resolution procedures that govern these relations.”4 Para Trakman (2003) é importante diferenciar os costumes conforme a concepção medieval e o conceito de precedente nos termos do entendimento da Common Law. O precedente judicial seria o princípio de que razões e decisões similares devem ser aplicadas a casos similares e exigem que a lei aplique a decisão no mesmo sentido ou em sentido diverso, com a interpretação baseado tão somente em regras legais. Por outro lado, os costumes da concepção medieval da Lei do Mercado é mais maleável, pois é variável confome a prática do mercado. Para este autor, o espírito da Lex Mercatoria estaria baseado em três noções básicas: 4 Tradução livre: A Lex Mercatoria – também chamada de Lei do Mercado – é um termo multi facetado e serve tanto para traçar as fronteiras em torno da comunidade e suas práticas, e para indicar um sistema legal. Descreve a totalidade de atores, usos, técnicas organizacionais, e princípios que norteiam as relações de comércio privadas, transnacionais e se refere a um corpo de lei substantiva e procedimentos de resolução de litígios que regulam as relações. 27 The guiding spirit imputed to the Law Merchant, however, lay in these tripartite notions: that merchant law ought to envolve from commercial practice; that merchants – rather than local rulers – were the best source of that practice; and that, in chronicling that practice, the Law Merchant spoke to the needs of merchants as a class. The primary aim of the Law Merchant was to construct law out of merchant pratice and to render it both comprehensible and acceptable to those who were most impacted by it, merchant themselves.(TRAKMAN, 2003. p. 266) 5 Alguns dos princípios do Direito Internacional foram extraídos a partir da Lex Mercatoria, como a escolha de instituições e procedimentos arbitrais, a lei aplicável e o seu objetivo de manter a boa prática entre as partes, os usos e os costumes. A opção pela sua utilização deve ser expressamente determinada pelas partes como opção para regular o contrato. Fazendo a opção pela sua aplicação, as partes evitam regras que não são aptas a reger os contratos internacionais e evitam dificuldades criadas pelas leis nacionais. Além disso, possibilita que nenhuma das partes se beneficia de ter um eventual litígio decidido pelas suas próprias leis nacionais. 2.1 ORIGEM A fim de se analisar a origem da Lex Mercatoria, algumas passagens históricas devem ser mencionadas. Historicamente, o comércio internacional possui íntima ligação com o direito marítimo. Sabe-se que os Fenícios se destacaram por serem eminentemente comerciantes, cuja atividade se dava predominantemente pelo mar. A esta civilização é atribuída a Lex Rhodia de Jactu6, tida como um grande momento do 5 Tradução livre: O espírito que deve guiar a Lei do Mercado, entretanto, repousa nestas noções tripartidas: que a lei do mercado deve evoluir a partir da prática comercial; que o mercado – ao invés das regras locais - são a melhor fonte daquela prática; e que, de acordo com a evolução desta prática, a Lei do Mercado sempre falou pelas necessidades do mercado como uma classe. A principal preocupação da Lei do Mercado era de construir uma lei extraída da prática do mercado de modo a torná-la compreensível e aceitável para todos aqueles que foram os mais afetados por ela, o próprio mercado. 6 Ao tratar sobre a Lex Rhodia, a primeira questão a ser abordada é pertinente à receptividade formal do sistema jurídico romano quanto à “leis estrangeiras”. Lembrando que esta análise referente-se a alta antiguidade, em que o sistema jurídico era tido como um patrimônio imaterial do povo, como uma herança sagrada. Ao que tudo indica, em especial no Direito Público esta “importação” de regras ocorria, e em especial quando os romanos é que estavam adentrando a um sistema político já existente. Já no direito privado, a resistência quanto a lei estrangeira era maior, havendo mais indícios ficcionais deste fato do que reais. Neste sentido, existe a lendária influência grega sobre a Lei das XII Tábuas. 28 direito marítimo, em que continha disposições relacionadas com o comércio internacional. No mesmo sentido, Gregos e Romanos também contribuíram para o desenvolvimento do comércio internacional, com expedições marítimas pelo Mediterrâneo. Frank Baddack (2005) menciona seu surgimento da seguinte forma: With the emergence of the earliest forms of international trade there was an instant need to find a set of rules to govern these trade activities. The local laws were not harmonized and unsuitable to reign over these complex international trade activities. Therefor, the merchant community developed its own set of rules according to its needs and customs. (BADDACK, 2005, p. 5)7 Em Roma, o incentivo ao comércio internacional é atribuído ao jus gentium, que embora não contasse com uma sistematização, atuou como disciplinador das relações comerciais internacionais. O romano jus civile era aplicado apenas em casos que envolviam cidadãos romanos, independentemente da localização do contrato. Os negócios realizados com pessoas que não eram cidadãos romanos, não contavam com proteção legal. Estas relações, portanto, eram baseados tão somente na boa-fé e confiança mútua entre as partes. Entretanto, com o crescente comércio e sendo Roma uma grande potência e nação de negociantes, o jus civile não mais atendia as necessidades do mercado. Assim, o jus gentium foi desenvolvido para suprir esta lacuna. A partir de sua criação, o jus civile permaneceu sendo aplicado em casos entre cidadãos romanos e o jus gentium, por sua vez, passou a ser aplicado em Um exemplo concreto de legislação estrangeira incorporada pelo direito romano, no ramo privado, é a Lex Rohidua de Jactu. Esta contribuição seria para duas hipóteses: na necessidade de se lançar mercadorias ao mar (nesta hipótese, estipulou-se que todos deveriam arcar com o prejuízo, já que tal ato teria sido praticado para beneficiar a todos) e, a segunda hipótese, dizia respeito a casos de pagamento de resgate à piratas. Sabe-se que Roma não possuía frota própria, por isso se utilizava de transporte marítimo privado para o deslocamento de trigo. Assim, não possuía um corpo jurídico tão avançada quanto os Atenienses, razão pela qual se acredita na utilização da Lex Rhodia pelos romanos, embora este tema seja controvertido. (CHEVREAU, 2005) 7 Tradução livre: Com o surgimento das primeiras formas do comércio internacional houve a instantânea necessidade de se encontrar um conjunto de regras para reger essas atividades de comércio. As leis locais não eram harmônicas e não serviam para regulamentar esta complexa atividade do comércio internacional, assim a comunidade mercante desenvolveu seu próprio conjunto de regras de acordo com suas necessidades e costume. 29 casos que envolviam um cidadão romano e um estrangeiro ou em casos que envolviam dois estrangeiros. Além da diferenciação entre as partes envolvidas para distinguir o jus civile e o jus gentium, havia ainda uma distinção quanto às regras a serem aplicadas em uma e outra hipótese. Para aqueles litígios envolvendo ao menos um estrangeiro, aplicava-se os princípios gerais, comuns a todos os Estados, princípios da justiça natural, além dos usos e costumes do comércio internacional. Contudo, o jus gentium começou a perder a sua influência, pois gradativamente o jus civile acabou se tornando mais importante, na medida em que se tornou menos formal e passou a ter alguns de seus institutos aplicados também a estrangeiros. Mas foi no período medieval que a Lex Mercatoria mais se desenvolveu, com o crescimento do comércio da Europa. Este movimento ocorreu no início do Século XI e teve como fatores que contribuíram para o seu crescimento: a conquista da Sicília, Sardenha e Córsega8, as cruzadas, bem como a fundação de cidades que funcionavam como bases de troca por mercadores. Com o desenvolvimento destas bases, a sociedade medieval passou a ser isolada, fazendo com que cada cidade contasse com suas próprias leis e costumes, sendo que estas, por sua vez, eram desenvolvidas para suprir as necessidades locais. Tendo em vista a simplificação das atividades de troca, as leis romanas antes bastante desenvolvidas, praticamente deixaram de existir. A ius civile e ius gentium transformaram-se em uma lei simplificada e a diferenciação entre uma e outra chegou a um fim. Embora os mercados tenham se tornado fixos, os mercadores cruzavam fronteiras para fazer negócios e além da troca de mercadorias, trocavam também costumes e leis que eram incorporados às regras das cidades e portos. Esta troca teve início nas cidades italianas e espalhou-se pela França, Espanha e depois por toda a Europa. 8 No Século IV A.C. Roma iniciou seu plano de expansão, aproveitando-se do enfraquecimento de vários povos que viviam na Península Itálica. Possuía especial interesse em controlar a Sicília, pois esta era uma grande produtora de trigo e também pela dominação do comércio no Mediterrâneo, que se encontrava nas mãos de Cartago. Com a eclosão da Primeira Guerra Púnica (264 à 241 a.C.), Roma conseguiu dominar a Sicília, a Sardenha e a Córsega. 30 As leis dos maiores centros mercantes passaram a ser aplicados e aceitos cada vez de forma mais freqüente, até finalmente se tornarem dominantes. Tais regras possuíam a intenção de suprir a dificuldade de realização de negócios com mercadores advindos de outros países e se distinguiam das leis locais basicamente pelas seguintes características: eram regras trans-nacionas, ou seja, não seguiam a lei nacional de nenhum Estado; possuía um processo rápido e informal, pois a necessidade de se decidir as questões do comércio eram imediatas; preconizavam a liberdade contratual como norte a ser perseguido; mantinham estrita fidelidade aos costumes mercantes, e eram aplicadas pelos próprios mercantes, não por juízes profissionais. Para os julgamentos, formavam-se corporações ou cortes constituídas na própria feira. O termo Lex Mercatoria foi utilizado pela primeira vez durante o reinado de Eduardo I, em um manual de leis e costumes escrito em Latim, perto de 1290. Este manual, foi amplamente difundido e tornou-se quase uma lei universal na época medieval como uma lei canônica. A partir do Século XVII, em especial na Inglaterra, a Common Law passa a avançar, deixando a Lex Mercatoria em um segundo plano, ficando por um longo período sem aplicação prática. Na Idade Moderna, houve a necessidade de fortalecer as nações. O Estado passou a invocar para si o monopólio legislativo, tornando-se incompatível às normas emanadas dos usos e costumes comerciais. Neste período, as leis nacionais ganharam força, ficando mais e mais patenteada e imperativa no direito comercial. Assim, a Lex Mercatoria tornou-se incompatível com a soberania dos Estados, entrando em declíneo. Alguns autores defendem a idéia de que a Lex Mercatoria sofreu algumas adaptações para se enquadrar na nova realidade sócio-econômica global, surgindo uma nova Lex Mercatoria. 2.2 NOVA LEX MERCATORIA A normatização autônoma de cada país não consegue acompanhar a velocidade das práticas comerciais contemporâneas. Isto fez com que se tornasse imprescindível que as práticas do comércio internacional voltassem a ser adotadas, e segundo parte da doutrina, fazendo surgir a nova Lex Mercatoria. 31 Além disso, as decisões proferidas com a intervenção estatal demonstravam de forma clara a distância existente entre a prática comercial e as legislações nacionais, pois previam sanções severas pelo descumprimento de seus preceitos, que nem sempre estavam adequadas se considerada a realidade daqueles envolvidos com o comércio internacional. Em relação a defasagem da produção normativa nas legislações internas, a CCI (Câmara Internacional de Comércio de Paris) teve fundamental importância, pois empreendeu debates reforçando a insatisfação com a inadequação das leis nacionais em relação ao comércio internacional. A partir de 1920 as disputas envolvendo relações internacionais passaram a ser cada vez menos submetidas a cortes nacionais e cada vez mais, a escolha feita para decidir disputas surgidas das relações de troca internacional, passou a ser a arbitragem. Os árbitros, por sua vez, eram frequentemente mercadores e não tinham a obrigação de basear suas decisões em nenhuma lei interna ou se comprometer com fronteiras e limites geográficos. Em especial após a II Guerra Mundial a arbitragem passou a ser o método preferencial de resolver disputas do Comércio Internacional. A arbitragem comercial internacional e a Lex Mercatoria são bastante próximas, já que para a sua aplicação, ambas dependem de escolha das partes. Sobre este enfoque, deve-se destacar que em razão do comércio internacional ocorrer entre companhias que não compartilham a mesma origem geográfica, isto faz com que não se submetam às mesmas normas internas. Assim, a insegurança jurídica gerada pela incerteza da norma a ser aplicada em eventual conflito, aumenta o risco do negócio. Somado a este fato, existe ainda a questão da inexistência de uma autoridade que proteja estas relações, sendo elas regidas pelos costumes do comércio e regras informais de conduta. Contudo, observa-se que de um modo geral existem várias formas de negócios internacionais que possibilitam que as empresas se salvaguardem, mencionando como exemplo a formação de alianças estratégicas e os contratos de longa duração. Embora exista um alto risco envolvido nos contratos internacionais, nas palavras do Volckart e Mangerls (1999): 32 [...]. It therefore seems reasonable to assume that international trade occurs rarely as a spot transaction between anonymous buyers and sellers. Rather, it can be expected that groups of highly specialized business people exchange goods and services. Frequently, they are organized in trade and professional associations that bring together buyer and seller.9 Portanto, conforme se observa, trata-se até certo ponto de um risco calculado. Além disso, não se pode deixar de mencionar as facilidades modernas para garantir maior segurança como, por exemplo, os seguros. Embora, de um modo geral, o risco do negócio faça com que o valor do contrato seja maior, a moderna Lex Mercatoria possui um papel fundamental para a redução dos custos das transações dos negócios internacionais. Conforme já mencionado, a Lex Mercatoria não é criada por legislação nacional, muito menos se trata de uma lei internacional. Ela é um conjunto institucional de elementos, sendo eles, na concepção dos autores antes mencionados, os seguintes: usos comerciais, modelos de contratos, cláusulas padrão, princípios gerais legais e arbitragem comercial internacional.10 Ao descrever cada um destes elementos, Volckart e Mangerls (1999) defendem que estes são os indícios de que o próprio mercado é capaz de desenvolver espontaneamente institutos confiáveis para a cadeia de negócios que cruzam fronteiras e ao final do tópico concluem que, além destes cinco elementos, a reputação das partes envolvidas no negócio é um fator importante a ser considerado, para minimizar o risco do negócio. Portanto, a moderna Lex Mercatoria seria um conjunto de regras instituídas para reduzir o custo da compra e venda nos negócios internacionais. Strenger (1996, p. 146), ao fazer considerações a respeito da Lex Mercatoia nos dias atuais, assim o faz: Inegavelmente, a Lex Mercatoria é hoje extenso conjunto de regras emanado de entidades particulares, organismos internacionais, ou de origem convencional de natureza “quase-legal”, que atua desvinculada das jurisdições especificas ou de sistemas legais de qualquer país. 9 Tradução livre: Por conseguinte, parece razoável supor que o comércio internacional raramente possui transações entre compradores e vendedores anônimos. Em vez disso, observa-se a troca de bens e serviços entre pessoas altamente especializadas neste negócio. Frequentemente, eles estão organizados em associações profissionais que congregam compradores e vendedores. 10 Estes elementos serão tratados no tópico seguinte, em que serão apresentadas as fontes da Lex Mercatoria. 33 A Lex Mercatoria pode ser considerada uma aglomeração coerente de normas, tomadas estas no sentido mais amplo do termo, com força jurídica para resolver as relações de comércio internacional, investindo-as de eficácia e coercitividade, destinando-se inclusive a solucionar questões entre particulares e Estados no que concerne aos “mixed State-contracts”. Guerreiro (1993), por sua vez, entende que “A doutrina da Lex Mercatoria, formulada contemporaneamente, pretende deduzir da realidade atual a existência de um novo direito comercial internacional, com algumas das mesmas características daquela que vigorou na Idade Medieval, tendo sua expressão jurisdicional na arbitragem.” O autor sustenta que a exemplo da Lex Mercatoria medieval, pela nova Lex Mercatoria haveria a possibilidade de julgamento por normas não-estatais, por regras extraídas a partir de práticas profissionais, pelos usos e costumes e princípios gerais. Acredita o autor que houve o renascimento da Lex Mercatoria, com pontos de conexão com aquela que existia na era medieval, apontando em especial os seguintes aspectos em comum: (i) privilegia as normas originárias dos costumes; (ii) incorporação das práticas contratuais às regras consuetudiárias, com a generalização do seu conteúdo e (iii) não utilização de entidade política ou estatal para mediar suas decisões, construindo suas regras a partir do reiterado uso de regras gerais. Traz, ainda, como ponto em comum, a descentralização da administração da justiça pelos tribunais consulares, abrindo espaço para a arbitragem comercial internacional, a exemplo do que ocorreu com as regras aplicadas pelos senhores feudais, que da mesma forma teve sua descentralização de jurisdição em relação ao Estado. Afirma que estas transformações emergem a partir de um clamor social. Amaral (2005) esclarece que a Lex Mercatoria não seria um direito supranacional que derroga o direito nacional, pois não compete com a lei do Estado. Ela seria aplicada de forma paralela, pois é adotado especialmente na arbitragem comercial internacional ou outra forma de resolução de controvérsias. Baddack (2005. p. 42), ao expor sobre a doutrina de Clive Schmitthoff, explica que a nova Lex Mercatoria estaria sempre baseada em três elementos fundamentais: contratos, corporações e arbitragem. Os três elementos são descritos como: Contratos – sempre formados pela autonomia da vontade das partes e em 34 observância ao princípio da pacta sunt servanda. Corporações – grupo de pessoas que são autorizadas a agir como se um indivíduo fosse, tem direitos e pode figurar como parte em processos. Arbitragem – sempre baseado no consentimento das partes de que eventuais disputas serão analisadas por tribunais não vinculados ao direito estatal. Estes seriam fatores comuns a todas as leis nacionais. A idéia da nova Lex Mercatoria foi sugerida pela primeira vez em 1956 em um artigo publicado um dia após a nacionalização do Canal de Suez, no “Le Monde”11. Referido artigo é de autoria de Berthold Goldman e nele defende que a companhia não é Egípcia, Inglesa, Francesa ou de nacionalidade mista, ainda que possa ser considerada uma pessoa jurídica de direito privado. Sob seu ponto de vista, a Companhia do Canal de Suez era essencialmente internacional. Assim, não obstante as questões territoriais e funcionais, a Companhia era de natureza de direito privado, mas de caráter transnacional. Muito relevante é a contribuição de Berthold Goldman ao tema, incontestável segundo Strenger (1996). Foi ele o primeiro autor a considerar a existência da nova Lex Mercatoria. Para esse autor, a Lex Mercatoria seria a superação dos obstáculos impostos pelos sistemas nacionais, para as soluções a elas submetidas. Seria ainda uma escolha, pois sua aplicação decorreria da autonomia da vontade das partes, pela reiterada aplicação nas operações de comércio internacional e arbitragem e pela sua eficácia legitimada pelos envolvidos. Todos estes fatos teriam, então, emancipado os contratos do manto das ordens jurídicas nacionais, constituindo-se em um corpo autônomo de direito. Portanto, conforme se observa, a maior parte da doutrina até então apresentada se refere a atual fase vivida da Lex Mercatoria como “nova” e, para eles, esta nova Lex Mercatoria, teria surgido pela necessidade do mercado do comércio internacional, em decorrência da impossibilidade das legislações internas acompanharem as transformações das relações transnacionais, nem atenderem adequadamente a agilidade e a especificidade das relações comerciais internacionais. Por outro lado, Volckart e Mangerls (1999) pertencem à corrente doutrinária que sustentam que não há que se falar em nova Lex Mercatoria, pois em verdade 11 O artigo publicado por Berthold Goldman no “Le Monde”, em 04/10/1956, é intitulado “La Compagnie de Suex, société internationale.”. 35 teria ocorrido tão somente a continuidade daquela existente na época Medieval. Eles referem-se a esta nova fase como moderna Lex Mercatoria. Segundo esta corrente doutrinária, haveria um equívoco no entendimento daqueles que defendem a existência da “nova Lex Mercatoria”, na medida em que para se considerar a existência de uma nova e uma velha (ou medieval), fica subentendida a idéia de que haveria uma ruptura história, uma lacuna no curso do seu desenvolvimento. Defendem os autores que não existe qualquer similaridade entre os feudos e os impérios em relação aos Estados da Era Moderna. A fim de defender seu ponto de vista, inicialmente faz-se necessária explicar o raciocínio adotado pelos autores ao fazerem uma comparação entre as condições do comércio internacional na atualidade e daquelas existentes no que eles chamam de Dark-Ages12. Para estes autores, a diferença fundamental seria a inexistência da figura do Estado na Idade Medieval. Embora façam referências aos reinados dos AngloSaxões e do que eles chamam de Franks Oriental e Ocidental (que posteriormente se transformariam em Alemanha e França), lembram que estes não podem ser comparados ao Estado Moderno, pois a histórica acabou demonstrando que as regras daqueles reinados não foram o suficiente para prover os serviços básicos do Estado, como a segurança e a garantia ao direito de propriedade. Embora deixem claro que isto não quer dizer que o direito de propriedade não existisse. Enfatizam que na Idade Média havia um grande número de diferentes sistemas legais aplicados à pessoais diferentes, prevalecendo o princípio da personalidade ao critério do território, ou seja, a pessoa subordinava-se ao seu direito de origem e não ao do local onde se encontrava. Entre outras considerações, ao tratarem propriamente do comércio, enfatizam que os mercadores eram viajantes, carregavam consigo suas mercadorias adquiridas por meio de trocas ou de pessoas que conheceram durante suas jornadas. Os negócios eram arriscados, primeiro porque os comerciantes não tinham acesso a informações sobre os compradores e segundo porque não podia haver qualquer especialização em relação aos produtos, sendo feito negócios com qualquer coisa que pudesse lhes dar retorno. 12 Para os autores, o época que eles denominam Dark Ages compreende o período entre a queda do Império Romano, no Século V, até a metade do milênio seguinte. 36 De um modo geral, a troca era feita de forma simultânea, e não de forma diferida no tempo. Com o passar do tempo, os senhores feudais não mais aceitavam que a manifestação de um poder estranho preponderasse no território de seu domínio, fazendo com que o regime da personalidade das leis cedesse espaço ao regime da territorialidade das leis. Entretanto, conforme lembra Jacob Dolinger (2001), embora neste período de evolução preponderasse a autoridade imposta sobre um território, não se cria conflitos de leis no espaço. Isto porque, a regra é a de que todos ficam sujeitos à lei do local em que se encontram. O Direito Internacional Privado não existia na época, surgindo somente com posteriores transformações econômicas. Embora Volckart e Mangerls (1999) chamem a atenção para a inexistência de evidências de expansão do comércio durante o curso dos séculos IX e X, há uma transformação no status pessoal dos mercadores que deixaram de se subordinar aos senhores feudais e ao clero. Esta constatação foi assim feita: [...]. Nevertheless, there was one important development: The merchants´ personal status changed. Before, many of the traders mentioned in the sources had been unfree agents of secular or ecclesiastical landlords (Kuchenbuch 1978, p. 302 f.). Since the later Carolingian age, most merchants seem to have been personally free (Planitz, 1940). Probably because of the unstable political situation, landlords were unable to control the actions their traveling agents undertook, who consequently became independent: They did not owe allegiance to anybody. As will be seen, this contributed to the revival that set in at the close of the Dark Ages.13 (VOLCKART, MANGELS, 1999) Apontam estes mesmos autores que em decorrência desta liberdade, houve uma revolução comercial em que como solução aos problemas de segurança, os mercadores passaram a viajar em conjunto, formando as guildas. Sua principal função era proteger seus membros e suas propriedades, em especial em face de não-membros, sendo apontados como verdadeiras cooperativas protetivas. 13 Tradução livre: […] No entanto, houve uma transformação importante: O status pessoal dos comerciantes alterou. Antes, muitas fontes mencionavam os comerciantes como agentes vinculados (subordinados) aos senhores ou clérigos. Desde a idade carolíngio, a maioria dos comerciantes parecem ter sido pessoalmente livre. Provavelmente devido à situação política instável, senhorios eram incapazes de controlar as ações dos agentes viajantes ocasionando, consequentemente, que se tornassem independentes: Eles não deviam fidelidade a ninguém. Tal como será demonstrado, o que contribuiu para a revitalização do comércio que aconteceu no final da Dark Age. 37 Estas guildas trouxeram como conseqüência maior segurança aos comerciantes, pois estes passaram a contar com ajuda mútua inclusive para situações de assaltos. Mas além da questão da segurança, as guildas proviam mais incentivos para que os comerciantes fizessem parte delas, existindo indício de que no início no século XI tornou-se possível a concretização do comércio de forma até então não explorado, com transações comerciais não-simultâneas. Desta forma, um mercador ajudava o outro em troca de ajuda que havia recebido em ocasião anterior, fornecendo mercadorias para que pudesse continuar no mercado, até que o pagamento ocorresse. Em razão das transações comerciais com prestações de forma diferida, surgem regras internas do comércio. Conseqüência destas constatações, é que se tornou possível distinguir ao menos três formas de comércio: entre membros da mesma guilda, entre mercadores de diferentes organizações e entre mercadores e não mercadores. Destacam Volckart e Mangerls (1999) que surge naturalmente dentro destas guildas a troca de mercadorias e de serviços, inclusive sustentando que as relações creditícias se desenvolveram desta forma. Narram que haveria uma carta imperial que concedia às guildas permissão para resolverem litígios de acordo com suas próprias regras, ainda que pela competência pudesse a questão ser resolvida pela autoridade feudal. Mas, ainda que pudessem julgar, não podiam os mercadores criar leis. Isto acontecia de forma espontânea. Por este enfoque, percebe-se as semelhanças existentes entre a criação de regras naquela época e o que ocorre nas associações mercantis atuais. A diferença entre uma e outra, porém, reside no fato de que nos séculos X e XI o direito não regulamentava o comércio, pois as negociações eram via de regra simultâneas, conforme já visto. Assim, “unlike modern national law, feudal law did not have to be supplanted but rather supplemented by merchant-devised institutions.”14 (VOLCKART, MANGELS, 1999). Embora as guildas tenham contribuído para a questão da segurança e regulamentado o comércio entre seus participantes, havia ainda o problema do comércio entre guildas diferentes e entre mercadores e não mercadores, que veio a ser solucionado com o surgimento das cidades. 14 Tradução livre: diferente da legislação nacional moderna, a lei feudal não poderia ser suplantado, mas sim complementada pelas instituições de mercadores. 38 As cidades, por sua vez, possuíam mecanismos para compelir a obediência a instituições externas, tomando gradativamente o lugar das antigas guildas como fonte de regras do comércio. Não obstante a organização política e a autonomia das cidades, os mercadores mantiveram algumas regalias, tais como o liberdade de locomoção entre uma e outra cidade, a garantia de contratações respeitando a autonomia da vontade, além de liberação em relação a algumas taxas. Ainda que houvesse a contribuição dos comerciantes nas legislações das cidades, com a municipalização das leis gerou-se maior segurança jurídica, pois os negócios poderiam ser celebrados com base na proteção legal, havendo a certeza quanto à solução de eventuais conflitos surgidos entre comerciantes de guildas diferentes. Por fim, concluem dizendo que por meio desta análise histórica, foi possível demonstrar que existe similitude entre a forma que as instituições comerciais surgidas e se desenvolveram, desde a Idade Média, e a moderna Lex Mercatoria tal como a conhecemos. Mas isto é claro, guardando as devidas diferenças entre o comércio medieval e o atual. 2.3 NATUREZA JURIDICA Defende Strenger (1996, p. 79) que a Lex Mercatoria é uma realidade inconteste, pois “a sua incursão se realiza acima e além das fronteiras nacionais, criando, de modo mais ou menos completo, um conjunto de regras observáveis em maior ou menos dose”, havendo controvérsia tão somente em torno da sua natureza jurídica. A principal discussão doutrinária diz respeito a ser a Lex Mercatoria um ordenamento jurídico ou simples premissas, orientações, costumes adotados pelas partes em decorrência do exercício da autonomia da vontade. A seguir será feita uma exposição de ambos os posicionamentos, com as abordagens de seus principais defensores. 2.3.1 Lex Mercatoria como Sistema Jurídico 39 A Lex Mercatoria é entendida como um direito autônomo, não vinculado a legislações nacionais e nascida a partir dos usos e costumes internacionais, graças a aplicação repetida nas operações de comércio e arbitragem internacional (GOLDMAN, 1993). Strenger (1996, p. 72), ao comentar sobre o entendimento de Goldman, esclarece que a Lex Mercatoria formou um corpo autônomo de direito, graças à repetida aplicação de normas resultantes da autonomia da vontade das partes nas operações de comércio internacional e arbitragem. Complementa dizendo que a obrigatoriedade no cumprimento destas regras é garantida pela aplicação de sanção ‘sui generis’ ao infrator. Lagard (1981), em análise às contribuições de Goldman, questiona se a Lex Mercatoria seria um conjunto de regras, primeiro demonstra a existência de normas da Lex Mercatoria, para depois demonstrar que estas somadas formam um sistema. Inicialmente o autor excluiu de seu inventário as regras de direito material internacional de natureza estatal ou interestadual (como por exemplo, a cláusula compromissória, códigos estrangeiros de comércio internacional, entre outros), ressaltando que a Lex Mercatoria vem do direito espontâneo (LAGARDE, 1981), devendo buscar fora das fontes estatais as suas manifestações. Algumas organizações voltadas ao comércio internacional, como, por exemplo, a Câmara de Comércio Internacional, por certo consolidaram regras pontuais, todas elas adaptadas às necessidades do comércio internacional. Estas regras serão apresentadas no próximo tópico, em que serão abordadas especificamente as fontes da Lex Mercatoria. Contudo, embora Lagard (1981) traga a informação de que na visão de Goldman a utilização repetida e efetiva destas regras constitua prova inequívoca de uma regulamentação profissional, o próprio autor indica a necessidade de um olhar crítico sobre tal afirmação, pois poderia o uso de tais regras serem decorrentes do simples exercício da liberdade contratual das partes. Parece claro que os agentes do comércio internacional inspirem-se fora do direito estatal, pois este historicamente não abarca as peculiaridades necessárias a dirimir as questões dele decorrentes. Assim, Lagard (1981) é bastante cauteloso para não qualificar como elemento qualificador de ordem jurídica a existência de regras, tais como a cláusula contratual de hardship15, pois estas não demonstram de 15 A cláusula de hardship será objeto de estudo ainda neste mesmo capítulo, especificamente ao tratar sobre o UNIDROIT. 40 forma inequívoca que a Lex Mercatoria seria uma ordem jurídica não estatal, podendo ser tão somente a prática contratual internacional. A análise de Lagard (1981) quanto ao questionamento de se a Lex Mercatoria constituiria ou não um sistema de normas, é respondida por meio da análise de dois artigos de Goldman16 em momentos históricos diferentes. No primeiro deles, publicado em 1964, embora fosse capaz de demonstrar o caráter de regra dos elementos constitutivos da Lex Mercatoria, é somente em 1979 que afirma de forma categórica que ela preenche a função de conjunto de regras de direito, pois foi durante o lapso temporal entre um e outro artigos que a Lex Mercatoria absorveu os princípios gerais do comércio internacional. Com isto, ela passaria a regular o conjunto de questões envolvendo o direito das obrigações contratuais, extracontratuais e do procedimento. Em relação aos princípios gerais, para Goldman, estes possuem caráter positivo, pois foram legitimados pelo artigo 38 do estatuto da Corte Internacional de Justiça, derivam dos princípios do direito econômico comum, cujos sujeitos principais são os Estados e não os agentes do comércio internacional e que a sociedade internacional se familiarizaria por meio da jurisprudência internacional, enriquecida pelos tribunais arbitrais de direito privado. Contudo, para Lagard (1981) a positivação destes princípios gerais não decorreria da simples transmissão do direito internacional para a Lex Mercatoria. Aliás, aqui o raciocínio adotado é o de que tendo os princípios gerais da ordem jurídica estatal a mesma origem dos princípios do direito internacional, então devese reconhecer o caráter de positividade de ambos – raciocínio este refutado pelo autor. O autor considera que a Lex Mercatoria é constituída pelos contratos celebrados entre Estados e pessoas privadas. Foi a partir dos litígios surgidos destas relações é que se tornou necessário recorrer aos princípios gerais e de lhes opor ao direito estatal, a fim de garantir que o Estado não fizesse uso de seu direito nacional, tirando proveito desta situação para se beneficiar. Assim, pode-se extrair de suas palavras que: 16 A análise é feita com base em dois artigos de Berthold Goldman: Frontières du droit et “Lex Mercatoria”. In: C.N.R.S. (coord.). Archives de philosophie du droit: Le droit subjetif em question. Paris, Sirey, p. 177-192, publicado em 1964 e o Segundo intitulado La Lex Mercatoria dans les contrats et l’arbitrage internationaux: réalités et perspectives: Trav. com. fr. dr. int. pr., 1977-1979, 221 e Clunet 1979, 475 41 O procedimento empregado consiste, portanto em içar a situação jurídica nascida do contrato e coloca-la no nível do direito internacional público, aqui qualificado algumas vezes de direito internacional econômico, cujos preceitos têm por destinatário direto o Estado, se impondo a ele. E, já que falamos de um direito internacional que se impõe ao Estado, devemos postular que se trata de um sistema jurídico completo e autônomo, superior à ordem nacional. E, sendo o conteúdo desse direito ainda incerto, é admissível deduzi-lo a partir dos “princípios gerais”. (LAGARDE, 1981) No artigo em comento, o autor deixa claro o posicionamento de Goldman, mas ele próprio não se mostra convencido de que a Lex Mercatoria efetivamente seria uma ordem jurídica privada. Por este motivo, além de trazer este autor dentre os que defendem ser ela um sistema jurídico, ele será novamente analisado dentre os autores que não a consideram uma ordem jurídica. Deve-se esclarecer a utilização de seu artigo também neste tópico, em especial em decorrência de sua análise ao trabalho de Berthold Goldman. Strenger (1996), ao analisar os ensinamentos de Goldman, expõe que a Lex Mercatoria teria emancipado os contratos internacionais das ordens públicas, pela repetida aplicação das normas resultantes da autonomia da vontade. Afirma ao se tratar de relações comerciais internacionais, não se deve excluir do domínio do direito nem mesmo as relações decorrentes de amizade ou solidariedade profissional, pois é justamente desta participação de todos que resulta a observação espontânea de normas não estatais. Ao analisar a natureza da Lex Mercatoria, e considerar se dela emanam regras com força de comando, Goldman teria afirmado que as cláusulas dos contratos (que serão expostos quando do estudo das Fontes da Lex Mercatoria) decorrem de manifestação de vontade de forma espontânea, são na maior parte das vezes estabelecidas por agências profissionais não ligadas ao poder público, ou seja, por operadores do comércio internacional. Para Strenger (1996), ainda que alguns operadores do direito chamem a Lex Mercatoria por outro nome, é inegável a sua aplicação prática e todos os contratos e sentenças assim a ela se referem, sempre que consideram aplicável àquele caso regras não ligadas ao direito nacional. Ainda segundo Strenger (1996), Goldman afirmaria que existe uma ordem pública da Lex Mercatoria e sempre que aplicado o direito estrangeiro, o árbitro teria 42 que considerar além da ordem pública do direito escolhido, também a ordem pública da Lex Mercatoria, pois entre uma e outra não haveria concorrência e sim hierarquia. Segundo Baddack (2005), pode-se ainda citar como defensores da Lex Mercatoria: Clive Schmitthoff, Haroldd J. Berman, Colin Kaufman, Roy Good, Ole Lando, Laurence Craig, Willian W. F. Park, Jan Paulsson e Julian D. M. Lew, entre outros. A uniformização da lei do comércio internacional traz consigo a segurança necessária para encorajar as atividades do comércio. Neste sentido, a nova Lex Mercatoria seria um avanço em direção a uniformização e fLexibilização das regras, traduzindo os usos e costumes do comércio internacional e dos princípios gerais. Huck (1994), ainda que considere a Lex Mercatoria um consagrado corpo de regras costumeiras que efetivamente vigora no comércio internacional, entende que para que tenha eficácia, ela depende de reconhecimento de um Estado Soberano. Amaral (2006) resume os argumentos favoráveis a aceitação da Lex Mercatoria como um ordenamento jurídico em quatro itens: Primeiro, seria ela produto da criatividade dos operadores do comércio, decorrente do reconhecimento pela comunidade de negócios e não da aceitação do Estado. Por isto qualquer alegação no sentido de que qualquer lei é decorrente da aceitação do Estado soberano não é capaz de explicar a repetida aplicação das regras do mercado, muito menos a submissão dos operadores do comércio a elas; Segundo, nenhum dos defensores desta linha afirma ser a Lex Mercatoria um conjunto de norma completas, contando ela também com lacunas, a exemplo de outros sistemas jurídicos nacionais; Terceiro, embora as decisões proferidas com base na Lex Mercatoria possa ser conflitante e contraditória, assim também o são as decisões embasadas em leis dos Estados e, por fim quarto, os juízes dos tribunais estatais não estão suficientemente amparados para decidir questões do comércio internacional, ainda que amparados por peritos, dificilmente teriam elementos ou conhecimentos o suficiente para chegar a uma decisão equilibrada. Por outro lado, o recurso da arbitragem garante decisões de melhor nível, pois são proferidas por especialistas. É claro que se analisada cada uma das explicações dos autores mencionados, haverá algumas lacunas quanto a sustentação da Lex Mercatoria como um sistema jurídico. Entretanto, conforme observado por Amaral (2006), não se pode deixar de considerar que os ordenamentos jurídicos nacionais também são 43 cheios de falhas e lacunas. Cite-se como exemplo o próprio ordenamento jurídico brasileiro, cheio de leis complementares e que ainda assim não suprem a totalidade das situações que deveriam ser positivadas pelas leis internas. A conclusão dos doutrinadores que defendem ser a Lex Mercatoria um sistema jurídico é a de que é inegável a sua existência e a sua aplicação em casos concretos, sendo ela um corpo de normas costumeiras, com observância aos princípios gerais de direito e na boa-fé, que norteiam os negócios internacionais. 2.3.2 Inexistência da Lex Mercatoria como um ordenamento jurídico Embora os defensores da Lex Mercatoria tenham fortes argumentos para justificar a sua natureza jurídica como um sistema jurídico, por outro lado, alguns doutrinadores contradizem até mesmo a sua existência. Estes doutrinadores afirmam que não se pode falar em Lex Mercatoria como um conjunto de regras sem qualquer conexão com uma lei nacional. Seria ela, em verdade, regras comuns a todos os ordenamentos jurídicos e por esta razão seriam bastante lógicas e gerais, a exemplo do princípio da pacta sunt servanda. Entretanto, por ser assim tão genéricas (a ponto de todos os ordenamentos jurídicos nacionais, por mais diferentes que possam ser uns dos outros, possam abarcá-las), não poderiam por si regularem um contrato. Assim, nos casos de arbitragem, os árbitros teriam que analisar todas as leis nacionais e localizar uma regra aceita universalmente para aplicar a uma controvérsia do comércio internacional (BADDACK, 2005). Conforme se adiantou no tópico anterior, Lagarde (1981) não se mostra convencido de que a Lex Mercatoria constitui um sistema jurídico independente de qualquer ordem jurídica nacional. Pelo contrário, ele a descreve como uma lei supranacional de caráter limitado, pois ele somente existe se apoiada em uma lei nacional, escolhida pelas partes ou pelos árbitros. Para este autor, a inclusão de cláusulas similares de forma reiterada em contratos internacionais, não quer dizer que elas pertenceriam a Lex Mercatoria ou mesmo demonstraria a sua existência como princípios gerais da lei. Esta utilização repedida de cláusulas e condições gerais dos contratos são decorrentes, tão somente, do exercício da autonomia da vontade das partes. 44 O autor defende, ainda, que uma forma tradicional de contrato, disposições gerais e usos são a expressão da vontade das partes e elas podem nunca as ter considerado como regras legais a serem observadas. Consequentemente, não podem ser consideradas fontes formais da Lex Mercatoria Observa-se, ainda, que os princípios gerais do artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça não fazem parte da Lex Mercatoria, que não parece crível que os princípios possam ter passado por uma espécie de osmose. Para ele, os princípios fazem parte de uma lei internacional, concebida pelos Estados e não pelo mercado. Assim, o único contato existente entre os princípios gerais e a Lex Mercatoria seriam os contratos entre Estado e partes privadas, pois serviriam como regulador para que o Estado não utilize seu poder como legislador para se beneficiar quando a lei aplicável ao caso fosse a sua lei nacional. E mais, defende que em verdade existem varias sub-comunidades e não apenas uma grande comunidade de mercado internacional. Assim, não haveria uma única Lex Mercatoria, mas uma para cada sub-comunidade. Na concepção de Baddack (2005), Lagarde (1981) apresenta uma visão bastante reduzida do que seria a Lex Mercatoria, inclusive defendendo que nem o Estado, nem a Convenção das Nações Unidas sobre Contratos para a Venda Internacional de Mercadorias podem se submeter a arbitragem. Para ele, as convenções internacionais e regras substitutivas do direito internacional são provenientes dos Estados ou entidades estatais e, portanto, não fazem parte da lei do mercado. Nesta corrente, merece especial destaque Antoine Kassis. Para Strenger (1996), este seria o mais contundente crítico da Lex Mercatoria. Baddack (2005) apresenta alguns doutrinadores contrários a idéia de que a Lex Mercatoria seria um ordenamento jurídico, e extrai argumentos desde os mais extremistas, como de Georges R. Delaume que sustenta que a necessidade pela utilização da Lex Mercatoria deixou de existir, pois afirma que até mesmo os países de terceiro mundo são capazes de regular contratos estatais com sofisticação (BADDACK, 2005); até os que poderiam ser considerados moderados, como Mustill (1988), para quem a Lex Mercatoria não está ligada a nenhum sistema legal nacional, tem valor normativo independente, mas ainda não constitui um sistema de lei que possa ser escolhido pelas partes para dirimir um conflito. Ele nega qualquer 45 ligação da Lex Mercatoria com a tentativa de harmonizar as leis do comércio, afirmando que esta tentativa diz respeito exclusivamente às legislações nacionais tentando facilitar o comércio internacional. Adotando a mesma sistemática feita por Amaral (2006) quanto ao posicionamento doutrinário em favor da Lex Mercatoria como um sistema jurídico, ele também simplifica os argumentos dos que defendem não ser a Lex Mercatoria um ordenamento jurídico em três pontos: Primeiro, falta à Lex Mercatoria uma base metodológica e um sistema legal que a suporte. Ela não está amparada por uma autoridade estatal para garantir a obrigatoriedade de suas normas; Segundo, em razão da vastidão de sistemas legais nacionais existentes, são poucos os princípios comuns entre estas. Assim, a Lex Mercatoria é incompleta e vaga, contendo princípios muito amplos e gerais e, por fim terceiro, em decorrência de sua fLexibilidade, isto faria com que as decisões nela embasadas sejam arbitrárias. Aparentemente, os argumentos utilizados pela corrente que defende a inexistência da Lex Mercatoria são inconsistentes. De um modo geral, apontam como falhas da Lex Mercatoria todas as lacunas e inconsistências existentes dentro dos sistemas jurídicos nacionais. O crescente movimento para uniformizar as regras para o comércio internacional é uma tendência evidente. Além dos argumentos já apresentados no decorrer deste tópico, os próximos temas a serem tratados apresentação ainda mais indícios de que seria sim a Lex Mercatoria um sistema ordenado de normas, cuja observância e aplicabilidade existem. 2.4 FONTES Não existe um consenso no tocante as fontes da Lex Mercatoria. Esta também é uma questão controvertida e dependendo do enfoque em que se faz a presente análise, as fontes seriam diferentes. Baddack (2005) aponta as fontes da Lex Mercatoria sob dois enfoques diferentes, um sendo mais amplo e outro restrito. Para o enfoque amplo, em que é considerado o caráter espontâneo e não estatuário da Lex Mercatoria, deve-se excluir toda regra que surge de lei nacional ou internacional pública. Portanto, não podem ser consideradas fontes as Convenções 46 Internacionais, nem as leis uniformes, posto que são originárias da força e transformadas em lei nacional. Por outro lado, sob o enfoque restrito, as fontes seriam todas as regras aplicadas nas relações do comércio internacional. Assim, seriam elas as convenções internacionais, leis uniformes, princípios gerais do direito, códigos de conduta, usos e costumes, formas padrão de contrato e regras de organismos internacionais. Além da classificação hora apresentada, existem outras capazes de justificar as fontes da Lex Mercatoria. Ilustrativamente, cita-se a classificação extraída da própria tese de Baddack (2005), de Clive Schmitthoff, divididas entre produtos da legislação internacional – dentre elas as convenções internacionais e modelos de lei, que seriam mais ou menos uniformes em todos os estados que as incorporaram em suas leis nacionais; e usos do comércio internacional – são as regras incorporadas no contrato pela vontade das partes. Mas a classificação comumente utilizada pela doutrina são as fontes de Lando (1985, 1991), num total de sete: Direito Internacional Público, Convenções, Princípios Gerais de Direito, Regras dos Organismos Internacionais/ Códigos de Conduta, Usos e Costumes, Formas padrão de contratos e Sentenças Arbitrais. Mustill (1988) acrescenta às fontes a “public policy of the country in which the enforcement of the award is likely to be requested”17, com base no entendimento do próprio Lando (1991). Considerando principalmente o entendimento de Lando (1991), a seguir, serão apresentadas as fontes da Lex Mercatoria. 2.4.1 Direito Internacional Público Direito Internacional Público seriam as leis dos sistemas políticos nacionais. Embora este conjunto normativo seja distinto e independente em relação ao sistema legal nacional, ambos interagem. Este corpo de leis do Direito Internacional Público é aplicado em contratos celebrados entre o Estado e um ente privado, pois para as relações apenas entre entes privados outras regras são aplicadas (LANDO, 1991). 17 Tradução livre: ordem pública do local onde se pretenda executar o laudo arbitral. 47 2.4.2 Leis Uniformes/ Convenções Lando (1991) cita também como fonte da Lex Mercatoria as leis uniformes, criadas e adotadas por países que participam do movimento de uniformização das leis do comércio internacional. Assim, todas as lides que envolvam partes, cujos países aderiram às Leis Uniformes, ficam obrigadas a aplicar as Leis Uniformes. Contudo, observa que embora utilize expressão “obrigado a”, em verdade os árbitros não podem ser obrigados a aplicá-las e em algumas vezes a utilizam somente como guia para fundamentar suas deciões. Lando (1991) cita como exemplo de Leis Uniformes a Venda de Bens de 1964 e sua sucessora, a Convenção e Contratos para a Venda Internacional de Bens de 1980 (Convenção de Viena). Entretanto, faz-se necessário distinguir Leis Uniformes e Convenções Internacionais. As convenções, quando ratificadas pelos países, tornam-se legalmente vinculativas, o que possibilita um maior grau de uniformização. São exemplos: o Institut pour l’Unification du Droit (UNIDROIT), a já mencionada Convenção de Viena, de 1980, a United Nations Comissiono n International Trade Law (UNICITRAL) (BADDACK, 2005). Por outro lado, as Leis Uniformes seriam meras orientações para as legislações nacionais, não havendo um comando imperativo, o que possibilita tão somente a harmonização das regras do comércio internacional e não sua uniformização (BADDACK, 2005). 2.4.3 Princípios Gerais de Direito Para Lando (1991), os princípios gerais de direito são um elemento importante pela lei do mercado e cita como exemplo a pacta sunt servada. Entretanto, reconhece a dificuldade em determinar exatamente quais regras seriam princípios gerais de direito. Sugere que estes princípios sejam observados por meio do direito comparado e prossegue esclarecendo que por meio desta análise comparativa das leis é possível constatar que existem várias regras nos sistemas legais que, embora formulados de forma variada, ao final produzem o mesmo resultado. 48 Para Mustill (1998), embora a essência da Lex Mercatoria seja o desprendimento dos sistemas nacionais, apresenta sua crítica no sentido de que não existe explicação lógica suficiente para a noção de que os princípios gerais emergem a partir da comparação entre as diferentes legislações nacionais, e não constituído pelo Poder Judiciário. Até mesmo porque, existe uma dificuldade muito evidente de ordem prática que seria a localização dos tais princípios comuns a todos os ordenamentos jurídicos dos diferentes países que praticam o comércio internacional. Outro esclarecimento que parece ser oportuno feito por Baddack (2005), é o de que os princípios gerais mencionados no artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, mencionado por Lagarde (1981)em sua análise quanto a ser ou não a Lex Mercatoria um ordenamento jurídico, em verdade referem-se a princípios de direito nacionais, e não princípios de direito internacional. 2.4.4 Regras dos Organismos Internacionais/ Códigos de Conduta São resoluções, recomendações e códigos de conduta referente ao direito contratual, adotados pelos organismos internacionais. Embora não tenham caráter vinculativo, refletem a boa-fé e o equilíbrio do negócio. Lando (1991) ainda faz menção aos esforços das comissões para estabelecer princípios contratuais gerais, para promover a harmonização do comércio internacional. Esclareça-se que tais organismos têm grande importância nas relações internacionais e seus membros têm capacidade para criar regras, no limite de sua competência. Para Baddack (2005), as decisões referentes a aplicação ou interpretação da lei feita pelos organismos internacionais, são vinculativas. Por outro lado, os códigos de conduta não seriam vinculativos, sendo chamado de soft law. Defende que estes códigos refletem somente expectativas de círculos políticos e econômicos em relação ao comportamento das grandes empresas e multinacionais, especialmente para o relacionamento entre estas empresas e o Estado em que elas estão operando. 2.4.5 Usos e Costumes 49 Sempre que se estuda sobre a Lex Mercatoria, independente do posicionamento que o doutrinador adote, se a favor ou contra a constituição de um ordenamento jurídico, se classifica as fontes de acordo com uma concepção geral ou restrita, se por produtos da legislação internacional ou usos do comércio internacional, não importa o ponto de vista, os usos e costumes necessariamente são mencionados. Derivam da adoção, pelos operadores do comércio internacional, de procedimentos de forma voluntária e repetida. Estes são, por excelência, fontes da Lex Mercatoria. Lando (1991) defende que para que sejam aplicáveis ao caso concreto, é necessário que as partes tenham concordado em aplicá-las, embora tenham os usos e costumes guiados as cortes e arbitragens, mesmo não tendo sido escolhidos pelas partes. Contudo, para Volckart e Mangerls (1999) não é necessário o expresso consentimento das partes para a aplicação dos usos e costumes, se razoável presumir que tivessem conhecimento sobre eles. Lando (1991) entende que os usos e costumes se aplicam tanto para contratos domésticos quanto para internacionais, embora existam alguns usos e costumes específicos que se limitam aos contratos internacionais. Em relação aos usos e costumes, Mustill (1998) alerta para o risco de se utilizar a mesma expressão para mais de um significado, pois tais palavras podem significar simplesmente uma prática e assim, não podendo ser considerada uma fonte do direito. Para este autor, somente poderia ser considerado uma fonte se existe a obrigatoriedade em seguir tal prática, na ausência de uma expressão estipulado o contrário. Neste sentido, os usos e costumes seriam elementos importantes a orientar os direitos e deveres, porque seria então codificado ou tacitamente incorporado no contrato, ou, então, porque teria sido formalmente incorporado em uma lei interna. Continua sua linha de raciocínio afirmando que se considerado desta forma, não haveria nada de especial em relação à Lex Mercatoria ou mesmo na arbitragem, pois “Any worthwhile national court ought to be capable of taking usage into account, without the need to accord to usage the status of a prime element in self-contained system of law” (MUSTILL, 1998. p. 94) 50 Além disso, ainda em relação aos usos e costumes, Lando (1991) menciona o que chama de “costumes codificados”, como por exemplo, os INCOTERMS Segundo Volckart e Mangerls (1999) tratam-se “cláusulas standard” e tem como objetivo a facilitação dos contratos, pois assim os contratantes podem definir suas obrigações e calcular os seus custos (VOLCKART, MANGELS, 1999). Lando (1991) cita, ainda, como exemplos de “costumes codificados” as Cláusulas de força maior e de Hardship. 2.4.6 Formas padrão de contratos Também chamados de contratos-tipo. São formas pré-estabelecidas de contratos ou cláusulas contratuais com termos legais e condições padrão, utilizado por empresas ao contratarem com clientes ou outros comerciantes. Não existe a possibilidade de negociação das cláusulas nele estabelecidas (BADDACK, 2005). São desenvolvidas por organizações privadas do comércio e geralmente são específicos para um tipo de negócio. Estes contratos de um modo geral incluem cláusulas de arbitragem, seguindo a tendência comercial de submeter eventuais litígios à tribunais privados de arbitragem (VOLCKART, MANGELS, 1999). Engelberg (1997) acresce a explicação, informando que estas organizações privadas do comércio são a reunião de comerciantes de um mesmo ramo profissional. O exemplo por ela citado é a London Corn Trade Association, constituída em 1877 e reformulada em 1886. Estas associações têm o objetivo de estabelecer um padrão, no que diz respeito à regulamentação jurídica que rege o contrato de venda, bem como todos os contratos acessórios, buscando o introduzir princípios justos e eqüitativos. Lando (1991), por sua vez, sugere outra origem para os as formas padrão de contratos. Para ele os contratos-tipo são cláusulas, ou seja, fórmulas e contratos padronizados. Este padrão é obtido a partir de reiteradas decisões proferidas por tribunais de diferentes países e sentenças arbitrais, a respeito do mesmo tema e que sempre apontam para o mesmo entendimento. A crítica feita por Mustill (1998) é a de que não fica claro de que forma os contratos-tipo se tornam uma fonte de direito, nem qual é a sua qualificação para tanto, pois são simples contratos de adesão. Neste modelo, a parte mais fraca da relação não opina sobre as cláusulas nele existentes, tornando-se um modelo longe 51 dos ideais da justiça. Ademais, não existe qualquer força obrigatória para que um ou outro modelo de contrato seja mantido, nada impedindo, inclusive, que sejam alterados. 2.4.7 Sentenças Arbitrais As atividades de um Tribunal Internacional de Arbitragem são diferentes de um Tribunal Nacional. O regime arbitral exprime de forma bastante clara a independência do comércio internacional, no tocante à solução de seus litígios. Conforme esclarece Strenger (1996), os árbitros internacionais não são obrigados a aplicar as leis nacionais, o que lhes garante maior flexibilidade, podendo inclusive combinar textos estatais, garantindo-lhes a possibilidade de criar regras materiais. Embora para Lowenfeld (1990) o árbitro não tenha liberdade para criar regras, ele busca chegar a uma decisão dentro de um sistema legal, sendo este sistema maior que a fronteira de qualquer Estado. O desprendimento dos árbitros em relação às leis nacionais se explica, também, porque eles são acionados para resolver disputas envolvendo partes de diferentes Estados e contratos vinculados a mais de uma lei nacional, além do dever de considerar as peculiaridades do comércio internacional. Portanto, as decisões proferidas a partir dos tribunais arbitrais formam uma fonte da Lex Mercatoria. Entretanto, conforme bem observa Lando (1991), a maior parte do repertório das decisões arbitrais é mantida sob sigilo, o que é um problema, porque são um elemento importante da Lex Mercatoria. Mas, é crescente o número de sentenças arbitrais publicadas. A intenção é de que cada vez mais sentenças sejam publicadas, possibilitando a comunicação entre doutrinadores e árbitros, a fim de alcançar a uniformização dos entendimentos, embora saliente que o árbitro não está obrigado a seguir um entendimento específico. Deve-se, mais uma vez, lembrar que esta não é uma relação exaustiva das fontes da Lex Mercatoria. Conforme se adiantou, além de haver divergência sobre quais seriam as fontes da Lex Mercatoria, existem, ainda, discussões doutrinárias em torno de cada 52 uma destas fontes. Assim, por certo, estas que foram apresentadas no presente tópico não são pacificamente aceitas (como demonstrado em alguns dos casos). 2.5 APLICABILIDADE Para tratar sobre a aplicabilidade da Lex Mercatoria, inicialmente deve-se fazer menção sobre a autonomia da vontade para o direito internacional privado. Dolinger (2007) traz em sua obra a noção de que a autonomia das partes é o princípio mais antigo do direito internacional privado e ele estabelece que a vontade faz lei entre as partes. Embora seja suscetível de diferentes interpretações, afirma que por este princípio é possibilitado às partes escolher a lei a ser aplicada para as suas relações jurídicas. Portanto, no tocante à autonomia da vontade, além do fato de que as partes possuem a faculdade para contratar livremente, de selecionar com quem realizará o negócio, estabelecer o objeto, bem como as cláusulas contratuais, a esta noção foi adicionada pelo direito internacional privado, a possibilidade de escolher a lei ser aplicada. Sobre o tema, Jo (2001, p. 448) sintetiza a orientação doutrinária, da seguinte forma: A autonomia da vontade das partes no DIPr significa a aceitação da livre vontade das partes como elemento de conexão sobre a constituição e o efeito de atos jurídicos obrigacionais, ou seja, as próprias partes podem escolher, explícita ou implicitamente, o direito aplicável sobre a constituição e os efeitos do contrato no âmbito do direito obrigacional. Lando (1991) aponta que, embora para alguns possa parecer mera questão axiológica, o autor entendeu como necessário salientar que se houver expresso consenso e previsão pelas partes de que será aplicada a Lex Mercatoria, esta manifestação deve ser respeitada pelos tribunais e pelas partes, ressaltando que trata-se de um princípio de direito reconhecido pelo comércio internacional. De acordo com Mustill (1998), é possível que esta escolha pelas partes ocorra de duas formas: expressa ou tácita. 53 Seria da modalidade expressa, quando as partes determinam como cláusula no contrato, qual a lei será aplicada para solucionar eventuais controvérsias. Alguns destes contratos não prevêem aplicação de nenhuma lei nacional. De um modo geral, os árbitros respeitam a escolha feita pelas partes. Normalmente, a escolha é feita por leis neutras e bem desenvolvidas para serem aplicadas. Já a escolha tácita, pode ocorrer de duas formas: (i) quando as partes demonstram por meio das cláusulas contratuais ou que pelas circunstâncias seja possível que se interprete a lei escolhida e (ii) quando, embora não seja possível pelos fatos constatar qual a lei escolhida, mas o árbitro presume a intenção das partes para dar suporte a escolha feita por ele mesmo. Para Lando (1991), na ausência de expressa manifestação quanto a vontade das partes em relação à lei aplicável, deve o arbitro se questionar primeiro se a aplicação de qualquer sistema nacional é apropriado, segundo, se ele deve tentar uma composição amigável e, terceiro, qual regras não nacionais são aplicáveis para aquele caso. Rodrígues (2008) considera que se a escolha das partes é pela Lex Mercatoria, a interpretação é de que elas optaram por incorporar os usos e costumes internacionais no contrato, mas estão sujeitas a regras cogentes de outra lei aplicável ao caso. Para Baddack (2005) a Lex Mercatoria é aplicável somente para relações comerciais, realizadas entre pessoas de diferentes nações e quando comerciantes profissionais ou comerciantes e Estados ou entidades estatais estão envolvidos, não sendo possível a sua aplicação em relações de consumo. Diante do que foi até agora exposto, parece razoável concluir que a nova Lex Mercatoria é um meio que os operadores do comércio internacional encontraram para diminuir as insegurança jurídica causada pela diversidade de leis nacionais, cuja aplicabilidade está condicionada à sua escolha pelas partes (por sua autonomia de vontade), ou na ausência de manifestação das partes, pode ser utilizada pela escolha do árbitro ou da Corte Nacional. 54 2.6 LIMITES Diante de toda a exposição sobre a Lex Mercatoria, fora a questão das divergências doutrinarias quanto a sua natureza jurídica e fontes, uma constante na pesquisa é a menção a contraposição sobre a fLexibilidade, uniformização das regras do comércio internacional como vantagens para a sua aplicação, e do outro lado, desvantagens do direito interno dos países, com suas diferentes disposições, sua inaptidão para atender as especificidades do comércio internacional, bem como a rigidez legislativa, incapaz de acompanhar as transformações ocorridas neste segmento. Conforme o próprio debate demonstra, portanto, o embate encontra-se na oposição Lex Mercatoria versus legislações internas dos Estados, quando não compatíveis. Quando não existe compatibilidade entre a regra sugerida pela Lex Mercatoria e as regras internas de determinado Estado, a limitação para a aplicação da regra do Direito Internacional Privado está na barreira imposta pela ordem pública. Para Dolinger (2007), a ordem pública é a grande dama do Direito Internacional Privado. Sua função é “garantir que leis estrangeiras não sejam aplicadas no foro se e quando vulnerarem seus padrões morais, econômicos e jusfilosóficos.” Para este autor, portanto, a ordem pública é um princípio, cuja aplicação é obrigatória, que limita a aplicação de normas estrangeiras, sempre que estas contrariarem os princípios e valores fundamentais do sistema jurídico do foro. Esclarece que não se trata de uma categoria estanque, pois possui como característica a relatividade, instabilidade e variabilidade no tempo e no espaço, pois reflete a mentalidade de determinada sociedade em determinada época. Já Araújo (2006), defende que a ordem pública seria uma exceção, que poderá ser invocada para afastar a indicação da lei selecionada pelo juiz a ser aplicada ao caso concreto, quando a utilização da lei designada ocasionar um resultado incompatível com a ordem pública do foro. Especificamente quanto a Lex Mercatoria, Goldman (1993) defende que ela possui uma ordem pública própria decorrente da incorporação de regras internacionais de ordem pública. 55 No direito brasileiro é possível verificar norma explícita protegendo a ordem pública na Lei de Introdução do Código Civil, em que dispõe: “Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.” No mesmo sentido, a Lei n° 9.307 de 23 de setembro de 1996, publicada em 24 de setembro de 1996 (Lei de Arbitragem), prevê que é de livre escolha das partes o direito que se aplicará à arbitragem, desde que não violem os bons costumes e à ordem pública: Art. 2º A arbitragem poderá ser de direito ou de eqüidade, a critério das partes. § 1º Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública. § 2º Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio. Da mesma forma, no momento da homologação de sentença arbitral estrangeira pelo Superior Tribunal de Justiça18, a ordem pública novamente será observada, conforme determina o inciso II do artigo 39: Art. 39. Também será denegada a homologação para o reconhecimento ou execução da sentença arbitral estrangeira, se o Supremo Tribunal Federal constatar que: I - segundo a lei brasileira, o objeto do litígio não é suscetível de ser resolvido por arbitragem; II - a decisão ofende a ordem pública nacional. Parágrafo único. Não será considerada ofensa à ordem pública nacional a efetivação da citação da parte residente ou domiciliada no Brasil, nos moldes da convenção de arbitragem ou da lei processual do país onde se realizou a arbitragem, admitindo-se, inclusive, a citação postal com prova inequívoca de recebimento, desde que assegure à parte brasileira tempo hábil para o exercício do direito de defesa. Também o artigo 5° da Convenção de Nova York, sobre Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeira, prevê também a permissão de 18 A competência do Superior Tribunal de Justiça para homologar sentenças estrangeiras decorre da redação dada aos artigos 102 e 105 da Constituição Federal Brasileira, pela Emenda Constitucional 45, de 8 de dezembro de 2004 (publicada no diário Oficial da União de 31/12/2004) 56 recusa de homologação ou execução de laudo arbitral estrangeiro, na hipótese de ofensa à ordem pública. Referida convenção foi ratificada pelo Brasil, promulgada pelo Decreto n. 4.311, de 23 de julho de 2002, publicado no Diário Oficial da União de 24/07/2002 e está disposto da seguinte forma: Article V 1. Recognition and enforcement of the award may be refused, at the request of the party against whom it is invoked, only if that party furnishes to the competent authority where the recognition and enforcement is sought, proof that: (a) The parties to the agreement referred to in article II were, under the law applicable to them, under some incapacity, or the said agreement is not valid under the law to which the parties have subjected it or, failing any indication thereon, under the law of the country where the award was made; or (b) The party against whom the award is invoked was not given proper notice of the appointment of the arbitrator or of the arbitration proceedings or was otherwise unable to present his case; or (c) The award deals with a difference not contemplated by or not falling within the terms of the submission to arbitration, or it contains decisions on matters beyond the scope of the submission to arbitration, provided that, if the decisions on matters submitted to arbitration can be separated from those not so submitted, that part of the award which contains decisions on matters submitted to arbitration may be recognized and enforced; or (d) The composition of the arbitral authority or the arbitral procedure was not in accordance with the agreement of the parties, or, failing such agreement, was not in accordance with the law of the country where the arbitration took place; or (e) The award has not yet become binding on the parties, or has been set aside or suspended by a competent authority of the country in which, or under the law of which, that award was made.19 19 Fonte: <http://www.uncitral.org/pdf/english/texts/arbitration/NY-conv/XXII_1_e.pdf>.Acesso em 02 ago 2008. Tradução livre: Artigo V 1. O reconhecimento e a execução de uma sentença poderão ser indeferidos, a pedido da parte contra a qual ela é invocada, unicamente se esta parte fornecer, à autoridade competente onde se tenciona o reconhecimento e a execução, prova de que: a) as partes do acordo a que se refere o Artigo II estavam, em conformidade com a lei a elas aplicável, de algum modo incapacitadas, ou que tal acordo não é válido nos termos da lei à qual as partes o submeteram, ou, na ausência de indicação sobre a matéria, nos termos da lei do país onde a sentença foi proferida; ou b) a parte contra a qual a sentença é invocada não recebeu notificação apropriada acerca da designação do árbitro ou do processo de arbitragem, ou lhe foi impossível, por outras razões, apresentar seus argumentos; ou c) a sentença se refere a uma divergência que não está prevista ou que não se enquadra nos termos da cláusula de submissão à arbitragem, ou contém decisões acerca de matérias que transcendem o alcance da cláusula de submissão, contanto que, se as decisões sobre as matérias suscetíveis de arbitragem puderem ser separadas daquelas não suscetíveis, a parte da sentença que contém decisões sobre matérias suscetíveis de arbitragem possa ser reconhecida e executada; ou 57 Contudo, embora o direito brasileiro imponha de forma expressa a necessidade de observância à ordem pública, não fica à margem das transformações globais. A internacionalização das empresas fez surgir um mercado global, e a circulação das grandes corporações empresariais em todo o globo, deixa claro a impossibilidade de imposição de barreiras legislativas rígidas ligadas a fronteiras geográficas. Por este motivo, o direito encontra-se em movimento, fazendo com que a jurisprudência e legislação acabem por se adaptar às transformações sociais, políticas e econômicas. Por outro lado, não se pode deixar de mencionar o fato de que esta transformação é bastante lenta, cite-se como exemplo o Código Civil Brasileiro atualmente em vigor, que desde a sua que tramitou por mais de duas décadas até a sua promulgação em dezembro de 200120. Mas, ainda que não se possa ignorar a morosidade no trâmite legislativo, também não se pode deixar de mencionar os esforços nacionais realizados no sentido de acompanhar o mercado internacional. Sugere Strenger (1996) que a ordem pública é flexível, atenuando-se a cada dia a sua irredutibilidade, afirma que a mutação dos tribunais tem ocorrido ao sabor dos inúmeros fatores sóciopolíticos o que possibilita os ajustes clausulados. Assim, a Lex Mercatoria é um fator de uniformização do comércio internacional e sem dúvida traz contribuições para a segurança jurídica nos negócios internacionais. Os esforços em traçar de forma clara as principais características e discussões doutrinárias nos tópicos anteriores é imprescindível para se ter a compreensão não apenas sobre este tema específico, mas principalmente, sobre o próprio comércio internacional. d) a composição da autoridade arbitral ou o procedimento arbitral não se deu em conformidade com o acordado pelas partes, ou, na ausência de tal acordo, não se deu em conformidade com a lei do país em que a arbitragem ocorreu; ou e) a sentença ainda não se tornou obrigatória para as partes ou foi anulada ou suspensa por autoridade competente do país em que, ou conforme a lei do qual, a sentença tenha sido proferida. 20 O Código Civil Brasileiro tramitou por 11 anos na Câmara dos Deputados, ficou outros 14 anos no Senado Federal para revisão. Retornou para a Câmara, onde permaneceu por mais 3 anos, até que finalmente foi promulgado em dezembro de 2001. (fonte: www.senado.gov.br. Acesso em 02 ago 2008). 58 2.7 A LEX MERCATORIA E O DIREITO CONTRATUAL BRASILEIRO O fenômeno da globalização, além de possibilitar maior dinamização nas relações mercantis, também fez com que surgisse alguns tipos contratuais bastante específicos, ocasionando a necessidade da adaptação do judiciário no que diz respeito à compreensão deste fenômeno. Rava e Da Ros (2008), ao analisarem a questão dos contratos diante da nova Lex Mercatoria chamam a atenção quanto a sua característica uniformizadora. Em especial no que diz respeito aos Contratos-tipo. A análise está centrada nos contratos cuja receptação ocorre não pelo Poder Legislativo, a quem está vinculada a criação e aceitação de novos tipos contratuais no ordenamento jurídico, mas pelo Poder Judiciário. Desta forma, o papel da magistratura seria não apenas de verificar a regularidade de acordo com os padrões determinados pelo legislador, mas principalmente de decidir se as cláusulas gerais do contrato estão ou não dentro dos padrões aceitos pelos bons costumes e pela própria ordem pública nacional. Tratam-se de contratos padronizados por grandes empresas, para suprir a necessidade do mercado quanto a venda de produtos ou prestação de serviços, de forma até então não contemplados pela legislação vigente. Cita como exemplos os contratos de leasing, franchising, factoring e etc. Para estes autores, “a situação legal com relação a estes institutos, no país, é bastante variada, uma vez que tais modelos encontram-se dispersos na legislação, havendo uma sistematização normativa rarefeita ou mal articulada com o conjunto do restante do ordenamento jurídico” (RAVA; DA ROS, 2008). Em decorrência desta situação, algumas das questões levadas até o tribunal têm características tão singulares, que a simples técnica jurídica não é capaz de solucionar. Daí entra a necessidade de se introduzir uma compreensão mais interdisciplinar, envolvendo além do próprio direito, outros argumentos mais afeitos à política e à economia que a própria ciência jurídica. Estes autores criam três categorias de aceitação de contrato internacionalmente uniforme. Seriam elas formas em que os judiciários nacionais aceitam em seu plano interno os contratos-tipo, sendo elas (i) aceitação explícita, em que os julgadores se utilizariam de critérios políticos e econômicos, enfrentando as implicações da decisão tomada, e com base nestes argumentos dando validade 59 ao modelo contratual, (ii) aceitação explícita mista, caso em que além dos fundamentos políticos e econômicos, enfrentam-se ainda os critérios jurídicos, dando ênfase ao tema da autonomia contratual e (iii) aceitação jurídica, para o qual a aceitação se daria pela ótima estritamente jurídica, sopesando tão somente os princípios e regras do ordenamento jurídico nacional e considerando, também, a declaração da vontade das partes. Entretanto, seria o Direito Brasileiro um caso híbrido, pois não se encaixaria em nenhuma das categorias expostas. Segundo Rava e Da Ros (2008), seria o caso brasileiro de uma “aceitação implícita”, pois embora o julgador esteja diante de um novo modelo contratual, ele ignora este fato e considera como um contrato já aceito internamente, não se cogitando a respeito da validade ou aceitação pelo ordenamento nacional. Além disso, poderia se considerar também em parte, a aceitação jurídica, pois, a magistratura brasileira se ateria tão somente nos requisitos formais de adequação do contrato. De qualquer sorte, o que se torna claro, é que ainda que tenha em parte um cunho político ou econômico nas decisões tomadas nos julgados destes novos tipos contratuais, o judiciário brasileiro não se declara um agente político. Exemplo deste entendimento seria o julgado publicado no Diário da Justiça de 19 de março de 2001, do Recurso Especial n. 164.929-RS, em que é Recorrente Plásticos Sant Cruz Ltda e outros e Recorrido Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul - BRDE, em que o STJ se manifesta a respeito da chamada taxa LIBOR21 (London Interbank Offered Rate). Observa-se que a jurisprudência brasileira dá aplicabilidade a esta taxa, ainda que não se trate de índice comumente praticado no mercado financeiro interno. Em julgado proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, em que este índice foi contratualmente pactuado para um Contrato de Repasse de Empréstimo Externo. Neste caso, a validação da taxa selecionada ocorreu, sendo o entendimento do STJ de que se trata de percentual flutuante de acordo com as variações do mercado, tendo aplicação em decorrência da vontade das partes e não por imposição do credor sobre o devedor. Seria, então, segundo os autores, uma aceitação jurídica da cláusula. 21 LIBOR é a taxa de juros que vigora no mercado financeiro internacional de Londres, cobrada sobre os empréstimos em moeda estrangeira. É normalmente utilizada para grandes empréstimos entre bancos internacionais que operam em dólares e euros. Segundo o Glossário no sitio oficial do Banco Central do Brasil, seria “Taxa de juros preferencial, do mercado internacional, utilizada entre bancos de primeira linha no mercado de dinheiro (money market).”(Disponível em <http://www.bcb.gov.br/glossario.asp?id=GLOSSARIO&Definicao=libor>. Acesso em 03 ago 2008) 60 Referido acórdão restou assim ementado: DIREITO CIVIL. CONTRATO DE REPASSE DE EMPRÉSTIMO EXTERNO. CORREÇÃO CAMBIAL ATÉ O DESEMBOLSO DO NUMERÁRIO EM FAVOR DO CREDOR ESTRANGEIRO. A PARTIR DESTA DATA, CORREÇÃO PELOS ÍNDICES INTERNOS DE ATUALIZAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I - O contrato de repasse de empréstimo externo, regulado por meio de resolução do Banco Central, abrange dupla relação obrigacional: uma, entre o banco nacional e o estrangeiro, com pagamento em dólar; outra, entre aquele e a empresa tomadora do dinheiro. Em outras palavras, a instituição brasileira assume a posição de repassadora do numerário adquirido no exterior, tornando-se devedora perante o banco estrangeiro e credora perante a empresa, no Brasil. II - A correção cambial deve estender-se até o efetivo desembolso do numerário, pelo banco nacional, para satisfazer a dívida em dólares, perante o banco estrangeiro; a partir daí, a correção será pelos índices internos de atualização das dívidas. III - Na linha de precedente desta Quarta Turma, é válida a taxa Libor como indexadora dos juros remuneratórios, desde que prevista no contrato, uma vez que não decorre de imposição unilateral do credor, tratando-se de percentual flutuante conforme as variações do mercado internacional. (grifo nosso) (BRASIL, 2001) Quanto a aceitação implícita, pode-se citar o argumento utilizado pelo Ministro José Delgado, ao julgar questão posta no Recurso Especial n. 426.945-PR, referente à Dupla Tributação em relação ao Imposto de Renda de Pessoa Física. A ação foi proposta pela Volvo do Brasil Veículos Ltda. objetivando o reconhecimento da inexistência de relação jurídica que a obrigue à retenção na fonte e ao recolhimento de imposto de renda sobre os dividendos enviados a seu sócio residente na Suécia no ano-base de 1993. Para tanto, invocou o Decreto nº 70.053/76, que recepcionou em nosso ordenamento jurídico a Convenção entre o Brasil e a Suécia, que tem por finalidade evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre a renda. O impasse estaria no sentido de que as pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no País estão isentas do pagamento do imposto sobre o lucro líquido apurado no ano de 1993 (art. 75), mas por outro lado, para pessoas não residentes no País, haveria a tributação em 15%. Para esta questão, prevaleceu o entendimento pelo STJ no sentido de que o tratado possui relação de especialidade, e foi desconsiderado o princípio da isonomia tributária entre sócios, pois um estaria sendo tributado enquanto o outro 61 não, baseando-se esta decisão no fato de um residir no Brasil e outro no Exterior. Assim, estariam sendo violados o artigo 98 do Código Tributário Nacional e o artigo 24 da Convenção Brasil – Suécia. Assim, o recurso foi provido para afastar a tributação sobre o sócio residente na Suécia. TRIBUTÁRIO. REGIME INTERNACIONAL. DUPLA TRIBUTAÇÃO. IRRPF. IMPEDIMENTO. ACORDO GATT. BRASIL E SUÉCIA. DIVIDENDOS ENVIADOS A SÓCIO RESIDENTE NO EXTERIOR. ARTS. 98 DO CTN, 2º DA LEI 4.131/62, 3º DO GATT. - Os direitos fundamentais globalizados, atualmente, estão sempre no caminho do impedimento da dupla tributação. Esta vem sendo condenada por princípios que estão acima até da própria norma constitucional. - O Brasil adota para o capital estrangeiro um regime de equiparação de tratamento (art. 2º da Lei 4131/62, recepcionado pelo art. 172 da CF), legalmente reconhecido no art. 150, II, da CF, que, embora se dirija, de modo explícito, à ordem interna, também é dirigido às relações externas. - O art. 98 do CTN permite a distinção entre os chamados tratadoscontratos e os tratados-leis. Toda a construção a respeito da prevalência da norma interna com o poder de revogar os tratados, equiparando-os à legislação ordinária, foi feita tendo em vista os designados tratados, contratos, e não os tratados-leis. - Sendo o princípio da não-discriminação tributária adotado na ordem interna, deve ser adotado também na ordem internacional, sob pena de desvalorizarmos as relações internacionais e a melhor convivência entre os países. - Supremacia do princípio da não-discriminação do regime internacional tributário e do art. 3º do GATT. - Recurso especial provido. (grifo nosso) (BRASIL, 2004) Observa-se pelo argumento em destaque, que a decisão não se apega tão somente à racionalidade jurídica, levando-se em consideração a lógica política, na qual o julgador possui ciência das conseqüências com reflexos mais amplos, que pode gerar o posicionamento por ele adotado. Embora o enfoque dado se baseie em um único artigo, o que certamente empobrece a análise, não se pode deixar de considerar a escassez de material sobre o tema. Em especial, sendo o artigo dedicado á análise específica sobre o posicionamento da magistratura Brasileira quanto a receptividade de normas alienígenas, pareceu ser propício a sua colaboração ao presente trabalho. 62 3 CONVEÇÃO DE VIENA Enganam-se aqueles que vêem no Direito Internacional Privado apenas regras para escolher a lei aplicável aos conflitos que envolvem mais de um sistema jurídico. Como já adiantado, os organismos internacionais têm tomado medidas para possibilitar a uniformização de regras, para que sejam estabelecidas normas comuns para diferentes jurisdições. Dolinger (2007. p. 335) menciona em sua obra o entendimento do holandês Josephus Jitta, para quem harmonizar (Direito Internacional Privado) e uniformizar (Direito Uniformizado) o direito internacional seriam dois métodos diferentes, embora aliados. A harmonização ocorreria por meio de regras de conflito, enquanto a uniformização por meio de regras matérias uniformes, sendo os dois sistemas plenamente compatíveis, estando apenas em níveis diferentes no que diz respeito ao entendimento entre Estado e instituições privadas. As leis uniformes tratam normalmente de relações jurídicas internacionais, e possuem especial relevância neste aspecto as regras concernentes ao contrato de compra e venda internacional que é o tipo mais comum de contrato internacional, pois a venda é tema central do direito comercial internacional. O direito internacional privado, por sua vez, ao harmonizar por meio de regras de conflito, deve considerar e incluir regras substantivas do direito uniforme. Assim, a combinação entre o método de harmonização e da uniformização de normas são o objeto de convenções internacionais. Em razão da relevância em relação ao tema escolhido para a presente dissertação e pela necessidade de delimitação do tema, dentre as convenções será analisada somente a Convenção das Nações Unidas para a Venda Internacional de Mercadorias22, de 1980, ocorrida em Viena (doravante Convenção de Viena). Inicialmente deve-se salientar o desafio em delimitar o conteúdo dentro deste único tema, já que se trata de terreno fértil ao debate acadêmico, tendo sido objeto de teses e outros tantos artigos. Este tema isoladamente já seria rico o suficiente para servir de objeto de pesquisa para uma aprofundada dissertação de mestrado. 22 Convention on Contracts for the International Sale of Goods – CISG. 63 Assim, desde logo, deve-se deixar claro que os tópicos serão tratados de forma sucinta. No presente trabalho, serão introduzidos os conceitos e apresentadas informações, tendo por destinatário o leitor que até então conhece superficialmente o tema, assim a profundidade dada será apenas o suficiente para a compreensão de forma global, para que as regras Convenção de Viena que dizem ao incumprimento do contrato possa ser apresentada como argumento para a manutenção ao final do presente estudo. 3.1 ORIGEM A necessidade de criar uma disciplina uniforme para tratar sobre a venda internacional, para maximizar a utilização de recursos e reforçar a segurança, já havia sido reconhecida em 1920, quando Ernst Rabel sugeriu pelo início dos trabalhos para unificar o Direito de Venda Internacional de Bens. Baseada nesta sugestão o Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (UNIDROIT) decidiu aprofundar seus estudo nesta área em 1935. Fruto destes estudos foi o primeiro projeto de lei uniforme sobre venda internacional de mercadorias. Os trabalhos foram interrompidos durante a segunda guerra mundial e, posteriormente, retomados, oportunidade em que se realizou a Conferência de Haia de 1951. Mais tarde, na Conferência Diplomática de Haia em 1964, os vinte e oito países participantes aprovaram duas leis uniformes: a Lei Uniforme sobre a Venda Internacional de Bens (LUVI) e a Lei Uniforme sobre a formação dos Contratos de Venda Internacional de Bens (LUFC). Mesmo diante dos esforços desprendidos, estas leis não tiveram o sucesso esperando, pois não entraram em vigor em nove países (FERRARI, 2005). Assim, surge em 1966 a United Nations Comission for International Trade 23 Law – UNCITRAL, criada pela ONU, para iniciar a revisão das leis uniformes de Haia. Esta comissão possui como objetivo fomentar a harmonização e uniformização das regras do direito comercial internacional, em razão da reconhecida disparidade nas legislações nacionais que regem o comércio 23 Comissão das Nações Unidas sobre o Comércio Internacional. 64 internacional e cria obstáculos para o fluxo do comércio, promovendo o debate sobre o tema. Para isto, a UNCITRAL auxilia na coordenação dos trabalhos de organizações diversas, a fim de preparar novas convenções e legislações nacionais. A UNCITRAL percebeu que meras revisões nos textos das leis uniformes de Haia, sem uma alteração profunda, não seria o suficiente para a facilitação do comércio internacional. Por isto foi criado um grupo de trabalho para criar um novo projeto de lei, até que, finalmente, em 1978, a Assembléia Geral das Nações Unidas autorizou a realização de uma conferência diplomática para tratar sobre a venda de bens no comércio internacional, que passou a ser conhecida por Convenção sobre Contratos para Internacionais de Compra e Venda de Mercadorias24, doravante Convenção de Viena. A conferência aconteceu na cidade de Viena, dos dias 10 de março à 11 de abril de 1980, contando com a participação de 62 Estados e 8 Organismos Internacionais. Dela surgiu a Lei Uniforme sobre a Venda Internacional de Mercadorias, que entrou em vigor em 1° de janeiro d e 1988. Conforme salientado por Araújo (2004, p. 142), “uma das características mais importantes da Convenção de Viena é não pretender eliminar ou substituir regras internas que regulam certas transações, ou que protejam o consumidor.” A sua principal preocupação foi proteger os acordos das partes, bem como sua liberdade, sem causar qualquer tipo de interferência quanto a escolha pela utilização ou não da Convenção. A Convenção de Viena vigora atualmente em mais de 7125 países em torno do mundo e tem sido amplamente aplicada nas transações comerciais internacionais. Em relação aos países signatários da Convenção, uma observação importante foi feita por Butler (2002), no sentido de que, ainda que o País adote a Convenção de Viena, ele possui a opção de declarar certos pontos da convenção não aplicáveis, no momento de sua ratificação. 24 CISG – Convention on Contracts for the International Sale of Goods. Alemanha, A Antiga República Jugoslava da Macedônia, Argentina, Austrália, Áustria, Bielorrúsia, Bélgica, Bósnia e Herzegovina, Bulgária, Burundi, Canadá, Chile, China, Cingapura, Colômbia, Croácia, Cuba, Chipre, República Checa, Dinamarca, Egito, El Salvador, Equador, Espanha, Estados Unidos da América, Estônia, Federação Russa, Finlândia, França, Gabão, Geórgia, Gana, Grécia, Guiné, Holanda, Honduras, Hungria, Islândia, Iraque, Israel, Itália, Japão, Quirguizistão, Letônia, Lesoto, Libéria, Lituânia, Luxemburgo, Mauritânia, México, Moudávia, Mongólia, Monte Negro, Noruenga, Nova Zelândia, Paraguai, Peru, Polônia, República Árabe da Síria, República da Corea, Romênia, São Vicente e Granadinas, Sérvia, Slováquia, Slovenia, Suécia, Suíça, Ucrânia, Uganda, Uruguai, Uzbequistão, Venezuela e Zâmbia. (dados extraídos do site oficial da Uncitral: www.uncitral.org, em 04 de agosto de 2008.) 25 65 Até hoje, já foram contabilizadas mais de 1.500 decisões de Cortes e Tribunais Arbitrais embasados na Convenção. 3.2 CAMPO DE APLICABILIDADE A doutrina consultada a respeito da Convenção de Viena mostrou-se uníssona no sentido de não estar ela a reivindicar um monopólio na área da venda internacional. Muito pelo contrário, pois deixaria a convenção espaço para aplicação de outras fontes do direito, como o direito interno que trata sobre vendas, bem como para diferentes metodologias, dando espaço para o conflito de leis em contraposição à lei substantiva uniforme. Exemplos, neste sentido, citados por De Ly (2005) são os artigos 7 (2)26 e 9027. Segundo o autor, o artigo 7 (2) seria um exemplo deste balanceamento pois prevê que as questões que poderão ser resolvidas com a utilização da unidade e da diversidade, onde a unidade prevaleça, ainda assim há espaço para regras de conflitos de leis. Aqui se entenda a unidade como leis uniformes, ou neste caso específico, a própria Convenção de Viena e, a diversidade, as demais leis, sendo elas internacionais ou internas ou princípios gerais que tratam sobre o tema. Reflexo desta disposição é a formação de um modelo eclético constituído por leis uniformes, complementada por regras de conflito e disposições de legislações internas. Da mesma forma, o artigo 90 seria exemplo da inexistência de intenção em monopolizar as regras de compra e venda internacional, pois prevê a possibilidade para os Estados contratantes de contrair outras obrigações, nos termos de leis distintas que digam respeito às leis de vendas internacionais, diversas da LUVI ou LUFC, sem que com isto ocorram problemas práticos (DE LY, 2005). O artigo em questão trata da pré-existência de tratado internacional a que o Estado tenha 26 Article 7 (1) In the interpretation of this Convention, regard is to be had to its international character and to the need to promote uniformity in its applications and the observance of good faith in international trade. (2) Questions concerning matters governed by this Convention which are not expressly settled in it are to be settled in conformity with the general principles on which it is based or, into the absence of such principles, in conformity with the law applicable by virtue of the rules of private international law. 27 Article 90 - This Convention does not prevail over any international agreement which has already been or may be entered into and which contains provisions concerning the matters governed by this Convention, provided that the parties have their places of business in States parties, to such agreement. 66 aderido, dispondo que a convenção não se sobreporá a tal entendimento, ainda que referida questão também seja tratada pela convenção. Butler (2002), por sua vez, cita como exemplo do espírito de nãomonopolização, o artigo 6°28 em que é possibilitado às partes a escolha pela submissão à convenção apenas em partes, ou a ela como um todo. Seu âmbito de aplicação está previsto entre os artigos 1º à 6º. Schilechtriem e Schwezner (2005) esclarecem que as previsões para aplicação estão divididas em dois grupos, da seguinte forma: Chapter I concerns the scope of applications of the CISG and contains two groups of provisions: Articles 1, 2, 3 and 6 lay down which contracts fall within the scope of the CISG; Articles 4 and 5 determine the extent to which they are governed by the Convention, i.e. which parts of sales law and general contract law are to be governed by the CISG. Article 6 also belongs in the second group in so far as it makes it possible for the parties partially to exclude the CISG. The sphere of applications of the CISG is defined by geographical criteria (Article 1 in conjunction with Article 10) and substantive criteria (Article 1 (1), Articles 3-5). Its temporal scope is laid down by Article 100.29 Ferrari (2005) afirma que somente a análise dos campos de aplicação territorial, temporal e pessoal não são o suficiente para determinar se ao contrato será ou não aplicada a Convenção de Viena, fazendo-se necessário analisar o âmbito ratione materiae, da Convenção. 3.2.1 Aplicação Material Embora a própria denominação da convenção já traga a sua esfera de aplicação (é aplicada para compra e venda internacional de mercadorias), ainda assim, Butler (2002) esclarece por meio da análise de seus termos, qual, exatamente é o escopo da Convenção. 28 Article 6 - The parties may exclude the application of this Convention or, subject to article 12, derogate from or vary the effect of any of its provisions. 29 Tradução livre: Capítulo I – Diz respeito ao escopo de aplicação da CISG e contem dois grupos de previsões: Artigos 1,2,3 e 6 discorrem sobre quais contratos estão dentro da esfera de aplicação da CISG; Artigos 4 e 5 determina o grau em que são regidos pelas Convenção, ou seja, quais as áreas da lei de compra e venda e lei geral dos contratos estão a ser regidos pela CISG. O artigo 6 também pertence ao segundo grupo na medida em que torna possível para as partes excluir parcialmente a CISG. A esfera de aplicação da CISG é definido pelo critério geográfico (Artigo 1 em consjunto com o artigo 10) e critério substantivo (Artigo 1 (1), Artigos 3-5). O seu escopo temporal está no Artigo 100. 67 Segundo ele, a expressão contratos de compra e venda traz consigo o óbvio, que seria a noção de que a Convenção regulamenta a formação do contrato de compra e venda, bem como direitos e obrigações dele decorrentes. Ferrari (2005), por sua vez, aprofunda esta discussão, dizendo que justamente pelo fato de Convenção afirma expressamente que se aplica aos contratos de compra e venda de bens e mercadorias vendas, vale a pena perguntar o que deve ser entendida pela expressão venda. Neste sentido, tal como a Convenção de Haia, a Convenção de Viena não define o conceito de Contrato de Compra e Venda. Alguns autores defendem que a falta de definição para os contratos de compra e venda se deve ao fato de que não existem grandes diferenças entre as definições nos diferentes sistemas jurídicos, o que tornaria essa conceituação desnecessária. Mas, por outro lado, também traz o posicionamento daqueles que entendem justamente o oposto; que devido a grande diferença de conceituações é impossível encontrar uma definição autônoma, que consiga superar todas estas diferenças (FERRARI, 2005). A ausência de expressa definição não significa que da Convenção não possa resultar um conceito. Uma noção mais precisa do 'contrato de compra e venda' pode resultar da análise dos direitos e as obrigações das partes previstos nos artigos 30 e 53 da Convenção de Viena, bem como a função econômica que constitui uma referência válida para unificar o conceito de venda. Independentemente do caráter civil ou comercial das partes ou do contrato, o contrato de compra e venda é definido, tanto para a doutrina quanto para a jurisprudência, como “le contrat em vertu duquel le vendeur s’oblige à livrer les marchandises, à em transférer la propriété et, s’il y a lieu, à remettre les documents s’y rapportant, tandis que l’acheteur este obligé d’em payer le prix et d’en prendre livraison” (FERRARI, 2005. p. 75.)30 Mas logo que traz o citado conceito, o autor já alerta que a mencionada obrigação de transferência de propriedade está excluída da aplicação da Convenção. 30 Tradução livre: o contrato em virtude daquele o vendedor é obrigado a entregar a mercadoria, em transferir propriedade e, se necessário, a apresentar documentos relacionados, enquanto o comprador é obrigado a pagar o preço e um receber a entrega. 68 Mas, além disso, deve-se observar pelas excludentes qual o seu intento, ou seja, fazer a análise a partir do que não faz parte de seu objeto, assim, é possível enumerar que: (i) a Convenção não possui previsões sobre a validade do contrato, (ii) também não se preocupa com qualquer uso ou seus efeitos, que por ventura o contrato tenha em relação à propriedade na venda de mercadorias, (iii) não se aplica à responsabilidade do vendedor por eventual morte ou danos pessoais causados pela mercadoria vendida (BUTLER, 2002. p. 24). No mesmo sentido, Honnold, (1999) também esclarece que não se aplica a Convenção à relações de consumo, pois em alguns países as regras são desenvolvidas em razão da difícil situação dos consumidores poderiam ser substituídas pelas regras uniformes desenvolvidas pelo comércio internacional. Portanto, para evitar que a substituição desta legislação protetiva é que ela a Convenção foi excluída para as relações de consumo. Em relação às mercadorias, o artigo 2°31 estabelece um rol de bens aos quais a Convenção não se aplica, servindo de guia para a construção de um conceito básico, aliado a outras previsões. Para Honnold (1999), as mercadorias devem ser bens corpóreos, tangível, excluindo os direitos intangíveis (como aqueles excluídos pelo artigo 2 – ações, investimentos securitários, instrumentos que evidenciam dívidas, obrigações e direitos à pagamento). Da mesma forma, o artigo 3 (2)32 exclui os contratos em que parte preponderante da obrigação “consiste na oferta de trabalho ou outros serviços”. Qualquer divergência a respeito da eletricidade (sendo ela tangível ou intangível) foi afastada, com a previsão de que a ela não se aplica a Convenção. Diferente do gás, que ficou sendo considerado mercadoria dentro do âmbito da Convenção. 31 Article 2 – This Convention does not apply to sales: (a) of goods bought for personal, family or household use, unless the seller, at any time before or at the conclusion of the contract, neither knew nor ought to have known that the goods were bought for any such use; (b) by auction; (c) on execution or otherwise by authority of law; (d) of stocks, shares, investment securities, negotiable instruments or money; (e) of ships, vessels, hovercraft or aircraft; (f) of electricity. 32 Article 3 (1) Contracts for the supply of goods to be manufactured or produced are to be considered sales unless the party who orders the goods undertakes to supply a substantial part or the materials necessary for such manufacture or production. (2) This Convention does not apply to contracts in which the preponderant part of the obligations of the party who furnishes the goods cosists in the supply of labor or other services. 69 A conclusão apresentada pelo autor é de que não são mercadorias para a Convenção os meios corpóreos de venda de direitos patenteados, direitos autorais, marcas registradas e “know-how”, a venda de terras (conforme disposições expressas dentro da própria Convenção), qualidade e embalagem, reposição ou reparação de partes defeituosas, transferência e danos durante o transporte, entrega em parcelas, preservação e armazenamento para evitar perda ou deterioração. Também não é mercadoria o contrato para construir pontes, prédios ou qualquer outra estrutura permanente. Segundo Gama Jr. (2006b), as matérias que se encontram fora do âmbito de aplicação da Convenção, quer em razão de sua finalidade, em decorrência da natureza jurídica do negócio ou por conta da natureza dos bens, são excluídos via de regra, porque os direitos nacionais prevêem normas especiais para estes casos específicos, algumas inclusive de caráter imperativo, citando como exemplo o Código de Defesa do Consumidor no Brasil. Também menciona a exclusão da compra e venda de bens imóveis e intangíveis, bem como serviços, venda internacional de empresas ou estabelecimentos mercantis, por tais bens se caracterizarem como universalidades - por envolverem direitos e obrigações que não podem ser enquadrados como mercadorias. Em relação aos contratos mistos, esse autor afirma que a Convenção se aplica somente à compra e venda, submetendo-se o restante do contrato ao direito aplicável, conforme estabelece as normas de direito internacional privado. Já, em se tratando de softwares, encontra-se dentro do âmbito da Convenção apenas aqueles programas padronizados, vendidos em suporte material (por exemplo, CD com programas do Office da Microsoft), excluindo-se os que são feitos sob encomenda, pois estes são considerados “simples transmissão de direito à utilização das idéias materializadas através do software” (GAMA, 2006b. p. 140). Finalmente, para que a Convenção seja aplicável, é necessário que se esteja diante de uma relação de compra e venda de mercadorias, sendo referido contrato internacional. Quanto a interpretação deste último elemento que compõe o âmbito de aplicação da Convenção (compra e venda + mercadorias + internacional), não existe qualquer dificuldade, pois ele está elucidado no artigo 1°33. 33 Article 1 70 3.2.2 Aplicação Territorial Foi mencionado que para que seja aplicável a um contrato a Convenção, além de a mercadoria se encaixar dentro dos parâmetros acima descritos (ou seja, de ser ela um bem corpóreo e tangível, bem como não se encontrar em nenhuma das hipóteses de exclusão), deve também ser o contrato internacional. Portanto, este é um critério a ser observado para a aplicação da Convenção, o do escopo territorial, que está previsto no seu artigo 1°. Nas notas explicativas elaboradas pelo Secretariado34 da UNCITRAL sobre a Convenção35, é esclarecido que ela se aplica os contratos entre partes cujos negócios estejam estabelecidos em Estados diferentes, sendo qualquer dos Estados um signatário da Convenção, ou que as regras do direito internacional privado levem a uma lei de um Estado contratante. Esclarece, ainda, que alguns Estados se utilizaram da autorização prevista no artigo 9536 para declarar que a Convenção somente se aplica na hipótese de o Estado de ao menos uma das partes ser signatária, excluindo a aplicabilidade para a segunda hipótese, em que se chegaria até a Convenção pelas regras do direito internacional privado. Para Honnold (1999) o principal objetivo da Convenção é o de dar maior segurança jurídica para as trocas comerciais entre diferentes sistemas jurídicos. Em (1) This Convention applies to contracts of sale of goods between parties whose places of business are in different States: (a) when the States are Contracting States; or (b) when the rules of private international law lead to the application of the law of a Contracting State. (2) The fact that the parties have their places of business in different States is to be disregarded whenever this fact does not appear either from the contract or from any dealings between, or from information disclosed by, the parties at any time before or at the conclusion of the contract. (3) Neither the nationality of the parties nor the civil or commercial character of the parties or of the contract is to be taken into consideration in determining the application of this Convention. 34 Honnold esclarece que a Comissão das Nações Unidas sobre o Comércio Internacional se reúne anualmente para sessões de duas ou três semanas, e é composta por grupos de trabalho, com integrantes de várias nacionalidades, com diferentes origens jurídicas e lingüísticas. Todos os integrantes possuem responsabilidades em tempo integral, ligados as suas universidades ou ministérios. Assim, para garantir o bom andamento legislativo nas sessões, é necessário um trabalho preparatório do Secretariado, que é responsável por organizar material de estudos apontando as divergências das normas jurídicas, esboço de textos legais sobre pontos específicos e cruciais para facilitar o debate e para que se chegue a uma decisão de forma clara e sem desentendimentos e elaborar relatórios sobre práticas comerciais para auxiliar na escolha dentre diferentes soluções. 35 Comentários anexos à Convenção, disponível pelo site www.uncitral.org 36 Article 95 – Any State may declare at the time of the deposit of its instrument or ratification, acceptance, approval or accession that it will be boud by subparagraph (1) (b) of article 1 of this Convention. 71 razão da insegurança existente quanto a qual das normas do direito internacional privado seria aplicável, bem como da incerteza inerente à probabilidade de desconhecimento da legislação nacional para ao menos uma das partes, a Convenção serviria para minimizar estas situações, reduzindo consequentemente os custos agregados ao risco do negócio. Assim, a aplicabilidade poderia ser analisada de duas formas: em primeiro lugar, não está sujeita às incertezas inerentes às normas gerais de conflito e em segundo, quando os negócios das partes tenham base em Estados diferentes, e se tiver chego ao direito nacional como sendo o aplicável ao caso, seja por escolhida das partes ou por força de regras de conflito, esta dará lugar a uma única lei uniforme para o qual ambos os países tiverem ratificado. Assim, afastam-se eventuais incertezas pelo desconhecimento da regra interna. Gama (2006b) adiciona que para a sua aplicação é irrelevante a nacionalidade dos contratantes, pois o critério da territoriedade não exclui de sua esfera os contratos entre pessoas de uma mesma nacionalidade, mas que possuam estabelecimentos comerciais em Estados diversos. Neste mesmo sentido, Ferrari (2005) observa que o artigo 1 (1) (a) estabelece a ausência de necessidade de uso de regras de direito internacional privado para a aplicação da Convenção, quando as partes têm os seus lugares de negócios em diferentes Estados, ainda que as partes não estejam cientes de que os Estados tenham ratificado a Convenção. No entanto, quando as partes possuem negócios em Estados contratantes e o foro de eleição está localizado em um Estado não contratante, cujas regras de direito internacional levem a aplicação da Lex fori de um Estado não contratante, a Convenção não se aplicará. Isto se deve ao fato de que logo que a Convenção entrou em vigor poucos Estados o haviam ratificado. Entretanto, atualmente esta realidade é diferente, fazendo com que na maior parte das vezes a Convenção torne-se aplicável (FERRARI, 2005). Embora o Brasil não seja signatário da Convenção, este fato não o exclui do âmbito de sua aplicação. Explica-se, a Convenção se aplica aos contratos de compra e venda de mercadorias entre partes cujo estabelecimento seja um Estado contratante da convenção, conforme disposto no artigo 1º, I, a. Além disso, regula contratos aos 72 quais se aplicar, pelas regras do direito internacional, a lei de um Estado contratante (art. 1º, I, b). Assim, diante do disposto no artigo 9º § 2º37 da LICC, tem-se que na hipótese em que o país da parte proponente do contrato for signatário da Convenção, ou ainda, se a obrigação se constituir num país que a tenha aderido, e no outro pólo do contrato encontrar-se o Brasil, é possível a aplicação da Convenção de Viena, na forma do artigo 1º, I, b. 3.2.3 Aplicação Temporal O critério temporal está ligado a entrada em vigor da Convenção no Estado contratante e está previsto no artigo 10038,.em que é feita a distinção entre regras de formação39 do contrato e outras regras da Convenção. Segundo o artigo 100 (1) a Convenção se aplica na formação do contrato apenas quando a conclusão da proposta ocorre na própria data ou depois da entrada em vigor da Convenção no Estado Contratante (referidos no artigo 1 (1) (a) e (b)). Da mesma forma, o artigo 100 (2), determina que a Convenção se aplicará em contratos já concluídos apenas quando a conclusão ocorrer na própria data ou depois da entrada em vigor da Convenção no Estado Contratante. Observam Schilechtriem e Schwezner (2005, p. 938) que para o caso do parágrafo 1º, a aplicabilidade da Convenção está condicionada a emissão da oferta, e não apenas o seu recebimento. Quanto ao parágrafo 2º, basta que a declaração de aceitação chegue até o proponente após a entrada em vigor da Convenção. 37 Art. 9º. Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem. § 1º Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato. § 2º A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente. 38 Article 100 (1) This Convention applies to the formation of a contract only when the proposal for concluding the contract is made on or after the date when the Convention enters into force in respect of the Contracting States referred to in subparagraph (1) (a) or the Contracting State referred to in subparagraph (1) (b) or article 1. (2) This Convention applies only to contracts concluded on or after the date when the Convention enters into force in respect of the Contracting States referred to in subparagraph (1) (a) or the Contracting state referred to in subparagraph (1) (b) of article 1. 39 As regras de formação do contrato estão previstas na Parte II, entre os artigos 14 à 24 da Convenção. 73 Feitas estas observações referente ao campo de aplicação da Convenção, deve-se esclarecer em relação às lacunas existentes na Convenção. Sobre esta questão, alerta Gama (2006b) que primeiro são remetidos aos princípios gerais de direito em que se baseia a Convenção, e depois ao direito aplicável em virtude de regras de conflito, todas as matérias por ela não disciplinadas. 3.3 DIREITOS E OBRIGAÇÕES Já que a presente dissertação tem por objeto a análise específica da contratação dentro do direito brasileiro e a possível utilização das orientações da Convenção de Viena (assim como a Lex Mercatoria e Cláusula de Hardship) para a preservação do contrato, torna desnecessária uma análise aprofundada dos direitos e obrigações das partes conforme previstos pela Convenção de Viena. Contudo, nem por isto, torna-se dispensável a sua apresentação, já que para que se compreenda a intenção da Convenção, o seu espírito, deve-se compreender não apenas a sua aplicação e forma de interpretação, mas também qual a postura se espera que as partes adotem. Assim, não serão trazidas considerações dos artigos de forma individualizada, mas de uma forma geral. Os Direitos e Obrigações das partes podem estão concentradas principalmente na Parte III da Convenção. Ali estão contidas algumas orientações gerais sobre a compra e venda de mercadorias, os direitos e obrigações do vendedor, do comprador, previsões a respeito do risco do negócio. O Secretariado da Convenção descreve como obrigações do vendedor o de entregar mercadorias, objeto do contrato, bem como qualquer documento relacionado com a sua transferência de propriedade. Na ausência de previsão quanto ao dia, o local e a forma como o vendedor deve praticar tais obrigações, a própria convenção possui regras suplementares para serem utilizadas nesta hipótese. Também são obrigações do vendedor a entrega de bens na exata quantidade, qualidade e conforme descrição do contrato, respeitando inclusive as previsões contratuais quanto a forma de embalagem, não podendo a mercadoria 74 possuir qualquer impedimento em decorrência de direito de terceiros (inclusive de propriedade industrial ou intelectual)40. Huber e Mullis (2007, p. 106) de forma bastante sucinta, complementam o disposto no artigo 3041 alertando sobre a importância de que os termos do contrato sejam bastante claros quanto as obrigações das partes, aplicando-se a Convenção na hipótese da ausência de especificação expressa quanto aos direitos e deveres de cada um. Conforme o autor, “it follows that in cases of conflict between the contract and provisions of the Convention, the seller must fulfil his obligations as required by the contract” 42 até mesmo porque, conforme já mencionado, o artigo 6 permite que as partes excluam a aplicabilidade da Convenção nos trechos que lhe convierem. Quanto ao procedimento para a entrega dos bens, objeto do contrato, e dos documentos a eles pertinentes, estes estão previstos nos artigos 31 à 34. Neste aspecto, conforme já mencionado, a transmissão de propriedade e às providências que cabem ao vendedor para a transferência de titularidade do bem, para o comprador, são temas não tratados pela Convenção. Conforme disposto no artigo 4 (b)43, a Convenção não tem por objeto os efeitos que o contrato possa ter em relação à propriedade dos bens vendidos. Lando (1987) lembra que as questões relacionadas à propriedade são decididas pelas regras de conflito de lei do foro. Esclarece, ainda, que para a maior parte dos sistemas legais a propriedade é transmitida de acordo com o entendimento das partes e se nada ficou convencionado neste sentido, as regras quanto a transmissão de propriedade e de sua titularidade difere de país para país. Nos termos do artigo 31, a obrigação do vendedor está cumprida no momento em que faz a entrega da mercadoria, tal como condicionada no contrato, tendo assim realizado a transferência para todos os efeitos. Segundo Huber e Widmer (2005), este entendimento ocorre, porque para a convenção o termo entregar compreende todos os atos que o vendedor deve praticar para que o 40 Comentários anexos à Convenção, disponível pelo site www.uncitral.org Article 30 – The seller must deliver the goods, hand over any documents relating to them and transfer the property in the goods, as required by the contract and this Convention. 42 Tradução livre: “ocorre que em casos de conflito entre o contrato e previsões da Convenção, o vendedor deve cumprir suas obrigações conforme requisitos do cotnrato.” 43 Article 4 – This Convention governs only the formation of the contract of sale and the rights and obligations of the seller and the buyer arising from such a contract. In particular, except as otherwise expressly provided in this Convention, it is not concerned with: (a) the validity of the contract or of any of its provisions or of any usage; (b) the effect which the contract may have on the property in the goods sold. 41 75 comprador passe a ter a posse do bem. Nas leis internas dos países que são aplicáveis, em que seja determinado que além da entrega dos bens, existem ainda outras obrigações entre as partes no que diz respeito a transferência da propriedade, pelos termos do artigo 30, deve o vendedor fazer uma declaração para este efeito. Em relação ao comprador, este possui as obrigações de pagar o preço e receber as mercadorias, tudo de acordo com o pactuado entre as partes (Artigo 5344), constituindo-se na contraprestação do artigo 30. Portanto, os artigos 53 e 30 reúnem a essência do contrato de compra e venda. Hager (2005) observa que o comprador pode ter outras obrigações além daquelas já mencionadas, podendo ser elas resultantes dos usos e costumes comerciais ou mesmo de previsão contratual, fazendo menção aos artigos 61 à 65. Também é seu dever o de inspecionar a mercadoria, para se certificar de sua qualidade, devendo notificar o vendedor na hipótese de não estar em conformidade com as previsões do contrato. Esta notificação deve ocorrer dentro de um prazo razoável após a constatação da irregularidade, tendo o prazo máximo de dois anos, contados da data em que as mercadorias foram entregues ao comprador, a menos que este prazo não seja compatível com o período de garantia contratual45. Referida notificação também compreende a cientificação do vendedor na eventual hipótese de as mercadorias estarem sujeitas ao direito de terceira pessoa, e se houver falha em notificar, isto equivale a dizer que o comprador não poderá mais se opor à conformidade dos bens, perdendo o direito a qualquer reclamação, com exceção daquelas previstas no artigo 40. Pelos termos do artigo 44, o comprador poderá solicitar a redução do preço e danos, não incluindo a perda de lucro, caso demonstre que a ausência de notificação ocorreu por um motivo razoável (HUBER; MULLIS, 2007). 3.4 INTERPRETAÇÃO Para melhor interpretação da Convenção, segundo as notas explicativas elaboradas pelo Secretariado da UNCITRAL, deverá ela ser considerada de forma harmoniosa com todos os sistemas legais. 44 Article 53 – The buyer must pay the price for the goods and takedelivery of them as required by the contract and this Convention. 45 Comentários anexos à Convenção, disponível pelo site www.uncitral.org 76 Embora se tenha tomado bastante cuidado para que seus artigos fossem elaborados de forma clara e fácil de compreender, sabia-se de antemão que nas disputas que surgissem, o seu significado seria objeto de discussão. Assim, alerta a UNCITRAL que quando isto ocorrer, devem as partes, os tribunais nacionais e internacionais observarem o caráter de uniformidade da sua aplicação e à observância da boa fé no comércio internacional46. Ressalta a necessidade de se interpretar a Convenção de acordo com os princípios sobre os quais está ela baseada e somente na ausência destes é que a questão deverá ser resolvida de acordo com a lei aplicável em virtude das regras do direito internacional privado. Ademais, quanto a sua interpretação Honnold (1999) observa que de uma forma geral, as leis que devem vigorar por longo período de tempo, encontram maior dificuldade em pormenorizar suas regras. Por isto chama a atenção para o fato de que deve a Convenção ser lida e aplicada de forma a permitir que ela se amplie e se adapte a novas circunstâncias e as mudanças decorrentes do tempo (HONNOLD, 1999). Schilechtriem e Schwezner (2005) trazem notícias históricas a respeito da interpretação das convenções, a iniciar pelos artigos 2 e 17 da ULIS, em que aquele estabelecia a aplicação das leis do direito internacional privado e este, o preenchimento de lacunas com a aplicação dos princípios gerais da Convenção. Estas orientações foram objeto de discussão na UNICITRAL e não foram adotados da mesma forma da Convenção de Viena (SCHLECHTRIEM; SCHWENZER, 2005). Quanto à utilização dos princípios gerais para a interpretação da Convenção, a exemplo do disposto no artigo 17 da ULIS, sua aplicação era defendida pela UNICITRAL, pois assim a sua interpretação não estaria vinculada às leis nacionais. Contudo, muitas delegações entenderam que desta forma a interpretação ficaria muito vaga. Houveram algumas tentativas fracassadas até que se decidiu, inicialmente, por incluir uma referência geral à necessidade de se observar o caráter internacional das convenções ao fazer sua interpretação. Esta orientação, com algumas adaptações, formou o artigo 13 do esboço de Genebra de 1976 (SCHLECHTRIEM; SCHWENZER, 2005). 46 Comentários anexos à Convenção, disponível pelo site www.uncitral.org 77 Após longo debate a respeito dos princípios, foi adicionado ao artigo 6°, no esboço de Nova York, a necessidade de observância à boa-fé no comércio internacional quando realizada interpretação de convenções internancionais. Finalmente, na Conferência Diplomática aquela parte referente à interpretação (atual parágrafo 1º do artigo 7 da Convenção de Viena) manteve-se tal como deliberado, e formou-se, também, o parágrafo 2º com a contribuição de alguns membros, em que se dispõe a respeito de lacunas por ventura existentes (SCHLECHTRIEM; SCHWENZER, 2005). Para abordar a questão da interpretação, HONNOLD inicialmente chama a atenção para dois princípios; o primeiro, é o de que a legislação exige que para a sua interpretação leve-se em consideração o seu caráter e o seu propósito e, o segundo, é o de que a Convenção tem uma função especial, que é a de substituir a diversidade de leis domésticas com uma lei internacional uniforme (HUBER; MULLIS, 2007). Portanto, as regras para a interpretação da Convenção de Viena estão em seu artigo 7 (1), em que está previsto que deve ser observado o seu caráter internacional e a necessidade de promover a uniformidade na sua aplicação e a observância da boa-fé do comércio internacional. Diante disto, torna-se necessário uma breve análise das três diretrizes para a interpretação da convenção: Caráter Internacional, Uniformidade e Boa-Fé. 3.4.1 Caráter Internacional Salientam Huber e Mullis (2007) que a primeira coisa a ser observada é o fato de que a Convenção deve ser interpretada de forma autônoma. Com isto, ele quer dizer que as palavras e frases existentes na Convenção não devem ser necessariamente compreendidas com o mesmo significado daquelas existentes nos sistemas de leis domésticas, mas, ao invés disso, devem ser interpretadas com significado próprio, com base na estrutura e nas políticas subjacentes da Convenção, bem como em seus esboços elaborados no decorrer da história. Neste particular, deve-se chamar a atenção para o fato de que, por vezes e de forma excepcional, um termo pode ser utilizado especificamente em razão do seu significado dentro do direito interno, ou seu lugar no contexto das regras da 78 convenção não deu a ele um novo significado funcional (SCHLECHTRIEM; SCHWENZER, 2005). Além disso, Honnold, (1999) lembra que os esforços da Convenção são no sentido de evitar idiomas legais que possuam significação locais divergentes, utilizando no lugar termos de eventos físicos que ocorrem no comércio internacional. Também deve ser excluída qualquer teoria metodológica de interpretação de textos nacionais (domésticos), bem como não deve ser interpretada em conformidade com princípios de interpretação do direito internacional público. Estes princípios possuem ênfase na intenção dos Estados Contratantes, foram criados para tratativas bilaterais e para estabelecer as obrigações deles, portanto não são apropriados para interpretação de regras de direito civil, com algumas exceções (SCHLECHTRIEM; SCHWENZER, 2005). 3.4.2 Necessidade de Promover a Uniformidade Conforme antecipado, a segunda diretriz é a necessidade de promover a uniformidade na aplicação da Convenção. Huber e Mullis (2007) consideram que o ideal seria que a sua aplicação ocorresse por todos os tribunais exatamente da mesma forma, e produzindo os mesmos resultados, o que é praticamente impossível. Entretanto, as cortes devem levar em consideração tanto a jurisprudência como a produção acadêmica como fontes obrigatórias quando interpretando a Convenção. Neste particular, é importante observar que não existe uma instância superior internacional para decidir questões vinculadas à divergência de interpretação, sendo imprescindível que ao aplicarem a Convenção, os tribunais o façam em observância às decisões de outros Estados e assim cheguem a uma interpretação uniforme, a exemplo do que ocorre para uniformização de entendimentos de regras pertinentes ao direito interno. Para garantir que a preservação da uniformidade seja a interpretação uníssona e não apenas o sinônimo de palavras, a UNCITRAL tomou a iniciativa em sua 21ª sessão, em 1988, de estabelecer o sistema de informação CLOUT47 (Case 47 Por este sistema, é possibilitada a troca de decisões que envolvem a Convenção. Para que isto aconteça, o mecanismo estabelecido é de que os Estados Contratantes encaminhe todas as decisões para o Secretariado em Viena, que fica responsável por centralizar as informações. 79 Law On UNCITRAL Texts). Pela sistemática sugerida, os Estados Contratantes encaminham para o Secretariado as decisões e um resumo do caso em uma das línguas pré estabelecidas, sendo então traduzido o material para todas as demais línguas com as quais a Convenção trabalha e são elas publicadas pela UNCITRAL (SCHLECHTRIEM; SCHWENZER, 2005). Alias, quanto à sugestão dada, de que sejam observadas jurisprudência e produção acadêmica, os esforços neste sentido tem sido visíveis, pois já existe vasto material disponibilizado on line e em revistas especializadas, compondo um grande repertório à disposição para servir de base para futuras interpretações da Convenção. Mas para que esta sistemática funcione é imprescindível a colaboração dos Estados Contratantes no sentido de que mantenham alimentadas as bases de dados existentes. 3.4.3 Boa-fé Ainda, para que se faça a interpretação da Convenção, é indispensável a observância á boa-fé no comércio internacional. Mas para que este requisito seja observado, inicialmente deve-se estabelecer de que forma a boa-fé deve ser compreendida, quando inserida no contesto da Convenção de Viena. Conforme observa Honnold, (1999), a boa-fé do artigo 7 deve ser visto apenas como um guia para a interpretação, com uma abrangência menor do que boa-fé geral prevista em alguns sistemas jurídicos. Para Huber e Mullis (2007), em razão da interpretação autônoma que se deve dar a este princípio, de plano se afasta a simples importação da significação dada pelas leis domésticas, para dentro da Convenção. Este, aliás, foi o resultado indicado no caso Dulces Luisi, S.A. de C.V. v. Seoul International Co. Ltd y Seolia Confectionery Co. (Dulces Luisi)48, em que o Tribunal Estadual confirmou que o princípio da boa fé deve ser interpretado de forma autônoma, e não de acordo como significado dado pela lei Mexicana. 48 Original language (Spanish): CISG-Spain and Latin America database "http://www.uc3m.es/cisg/smexi3.htm"; Diario Oficial (México) 29 January 1999, I, 69-74; UniLex database <http://www.uniLex.info/case.cfm?pid=1&do=case&id=374&step=FullText> 80 Contudo, deve ser possível traçar a diferenciação da boa-fé dos usos e costumes do comércio internacional (vide art. 9 da Convenção), dos outros instrumentos internacionais, da jurisprudência e dos trabalhos acadêmicos que estabeleçam padrões de comportamento do que seria justo e razoável nas relações do comércio internacional. Embora esta diferenciação no plano teórico seja possível, na prática parece de aplicação mais difícil (HUBER; MULLIS, 2007. p. 8). Por outro lado, Schilechtriem e Schwezner (2005) entendem que não existe uma fonte independente e autônoma produzindo um significado diferente para o princípio da boa fé, nas relações internacionais, além daquela prevista o artigo 9. Para este autor, elas podem refletir nas Convenções ou em seus esboços, na prática observado em algumas compras e vendas, nos usos e costumes não encontrados nos requisitos do artigo 9 (2), nos Princípios Internacionais dos contratos, nos contratos de forma padrão e cláusulas-tipo (vistos no capítulo sobre a Lex Mercatoria), entre outros exemplos, embora saliente que estas regras não tenham como rótulo uma boa-fé padrão. É, portanto, uma questão para as cortes e tribunais arbitrais decidirem e elevar estas regras à um padrão de boa-fé no comércio internacional (SCHLECHTRIEM; SCHWENZER, 2005, p. 100). Por este raciocínio, quanto mais aplicado pelos tribunais o artigo 7 (1) como padrão de boa-fé na compra e venda internacional, mais este requisito se tornará concreto. Independente do posicionamento adotado, se entendida a boa-fé como uma fonte autônoma ou não, uma constante é a de que ela não deve ser vista como uma “super-ferramenta” (como referida por Huber e Mullis) capaz de resolver qualquer caso ou problema, sendo uma regra que deve ser observada em conjunto com outras tantas, quando interpretada a Convenção. 3.5 PREENCHIMENTO DAS LACUNAS Embora se deva reconhecer os esforços da Convenção, traçando seus dispositivos de forma clara para não gerar dúvidas quanto a sua interpretação e de especificar o que, dentro das relações de compra e venda internacional de mercadorias, está sob sua abrangência, no tópico anterior demonstrou-se que ainda assim, podem surgir conflitos em sua interpretação. Assim, foram apresentados os critérios a serem adotados para que seus artigos tenham a interpretação mais 81 próxima possível, da intenção dos membros da Convenção, quando de sua elaboração. Da mesma forma, embora se encontre especificado o que, nas relações de compra e venda, está abrangido pela Convenção, é razoável considerar que uma ou outra situação não esteja especificada em detalhes de que forma ela será aplicada, embora dentro do seu escopo de aplicação. Estas situações, para Huber e Mullis (2007, p. 8), são as lacunas dentro da Convenção. Por outro lado, para John Felemegas (2008) as lacunas da Convenção seriam decorrentes de sua incompletude, pois sua abrangência se limita à formação do contrato e os direitos e obrigações das partes resultantes de tal contratação. Defende que, assim como qualquer outro ordenamento limitado a determinadas questões, as lacunas existentes são pela não cobertura de outros temas além daqueles pré-definidos. Huber e Millus (2007) ponderam que embora os redatores da Convenção tivessem a opção de deixar que estas lacunas fossem preenchidas por meio da aplicação de leis internas, eles não escolheram este caminho. Ao invés, previram de que forma as lacunas seriam preenchidas, sugerindo que a solução fosse encontrada da seguinte maneira: “[…] questions concerning matters governed by the CISG which are not expressly settled in the CISG are to be settled in conformity with the general principles on which the CISG is base or, in the absence of such principle, in conformity with the law applicable by virtue of the rules of private international law (of the forum).”49 (HUBER, MULLIS, 2007. p. 34.) O parágrafo 2° do artigo 7, por sua vez, determina o procedimento pelo qual se deve solucionar questões, diante de eventuais lacunas existentes na Convenção. Schilechtriem e Schwezner (2005) descrevem o preenchimento das lacunas em duas etapas. A primeira etapa é aquela pela qual o preenchimento das lacunas ocorre por meio de regras uniformes, em que inicialmente deve-se ficar atento às questões contidas na Convenção e após, a verificação dos princípios gerais nas quais ela se 49 Tradução livre: […] questões concernentes a assuntos tratados pela CISG em que não estiver expressamente resolvido pela CISG deve ser tratado em conformidade com os princípios geais em que a CISG está baseada ou, na ausência de tal princípio, em conformidade com a lei aplicável em virtude de regras do direito internacional privado (do foro). 82 baseia. Se este recurso falhar, passa-se, então, para uma outra alternativa, em que se lança mão das leis domésticas determinadas como aplicáveis pelas regras de conflito. Somente se esta primeira etapa não solucionar o problema é que se lança mão da segunda etapa (SCHLECHTRIEM; SCHWENZER, 2005). Este mesmo autor apresenta três dificuldades em relação à primeira etapa, dividindo-as: em lacunas e interpretação, questões subordinadas à convenção e princípios gerais. Para ele, as questões não respondidas expressamente pela Convenção, podem ser solucionadas a partir de uma interpretação liberal das provisões, termos legais e termos não-legais, utilizando seus significados para que o preenchimento das lacunas se torne desnecessário. A primeira dificuldade apontada por este autor, está no fato de que é tênue a fronteira entre interpretação e preenchimento de lacunas, por vezes não se sabendo por qual dos dois quesitos se está dando significado à Convenção. Mas, de plano já afasta qualquer tipo de insegurança que pudesse surgir a partir desta difícil distinção, esclarecendo que se trata de problema meramente teórico (SCHLECHTRIEM; SCHWENZER, 2005). Quanto às questões subordinadas à Convenção, apontam Schilechtriem e Schwezner (2005) que a Parte III da Convenção não é exaustiva no que concerne aos direitos e obrigações do vendedor e comprador, havendo lacunas nesta seara. Assim, ressalta que a lacunas não são apenas decorrentes de falta de previsão sobre determinado tema que a Convenção não abarca, mas também por questões que ela se pré-dispõe regulamentar, mas que deliberadamente deixa de prever nos mínimos detalhes e por outras que acaba negligenciando. Ademais, também pondera que este ordenamento reflete os conhecimentos e experiências existentes em 1980, não havendo meios de antever o desenvolvimento da economia e das novas técnicas atualmente existentes, citando como exemplo a comunicação eletrônica e os contratos que envolvem software (SCHLECHTRIEM; SCHWENZER, 2005). Assim, aponta que o preenchimento de lacunas se torna um instrumento de desenvolvimento da própria Convenção, bem como um método para adaptá-la às novas necessidades decorrentes da evolução. Os princípios da Convenção devem ser um recurso para preencher as lacunas e também servem de influência no ambiente de questões governadas por ela. Ainda, entende que se houverem novas regras, para as quais não existirem princípios em que possam se basear, ou se o princípio for muito vago não permitindo sua aplicação para questões específicas, 83 estas questões (SCHLECHTRIEM; devem ser tidas como não reguladas pela Convenção SCHWENZER, 2005) Finalmente, quanto aos Princípios Gerais, observa Schilechtriem e Schwezner (2005) que os comentaristas da Convenção de Viena citam uma longa lista de princípios gerais e suas fontes, mencionando como exemplos, questões ligadas à autonomia das partes, a prioridade de seus entendimentos (artigo 6), a liberdade na forma (artigo 11), entre outros. Contudo, chamam a atenção para o fato de que para resolver casos concretos, devem eles ser observados de forma individualizada e antes de recorrer a um princípio geral. Deve-se primeiro examinar se a questão pode ou não ser resolvida mediante a interpretação da intenção das partes, de acordo com o disposto no artigo 850, bem como pelos usos e costumes aos quais tenham concordado em observar (artigo 9 (1)). Além disso, também chamam a atenção para a possibilidade de aplicação de regras por analogia, que seria um artifício similar ao preenchimento de lacunas por meio do uso de princípios gerais. Por estas razões, os autores concluem que no tratamento das lacunas por ventura existentes deve ser levando em consideração uma questão específica, observando seu contexto. Seja o seu preenchimento pela interpretação do contrato individual de acordo com o artigo 8 (primeira etapa), pela interpretação liberal das provisões existentes na Convenção, sua aplicação por analogia (segunda etapa), ou desenvolvendo e estabelecendo uma regra geral derivada de um princípio, (SCHLECHTRIEM; SCHWENZER, 2005, p. 105). No mesmo sentido, para De Ly (2005) o artigo 7(2) confirma a fLexibilidade da Convenção, que trata do compromisso entre a autonomia das soluções das leis uniformes de compra e venda e a necessidade de recorrer em certo ponto às leis domésticas. Ainda, esclarece que o artigo 7 se aplica somente a questões tratadas pela Convenção, excluindo qualquer outra matéria expressamente excluída dela. 50 Article 8 (1) For the purposes of this Convention statements made by and other conduct of a party are to be interpreted according to his intent where the other party knew or could not have been unaware what that intent was. (2) If the preceding paragraph is not applicable, statements made by and other conduct of a party are to be interpreted according to the understanding that a reasonable person of the same kind as the other party would have had in the same circumstances. (3) In determining the intent of a party or the understanding a reasonable person would have had, due consideration is to be given to all relevant circumstances of the case including the negotiations, any practices which the parties have established between themselves, usages and any subsequent conduct of the parties. 84 Para as questões tratadas pela Convenção, o referido artigo se refere aos princípios gerais em que ela se baseia ou, na ausência de tais princípios, para a lei aplicável pelas regras do direito internacional privado. A fim de determinar de que forma a questão será solucionada, primeiro sugere o autor que seja determinado se a questão é ou não governada pela convenção e, na seqüência, deve-se constatar se existe ou não um princípio geral em que a solução do problema possa se basear. 3.6 DA VIOLAÇÃO DO CONTRATO Feitas as considerações gerais sobre a Convenção e especificado o seu âmbito de aplicação, passa-se a esclarecer os pressupostos para a resolução ou revisão dos contratos de compra e venda internacional, com base na Convenção. Inicialmente cabe esclarecer que a resolução é a forma de extinção do contrato, pelo fato superveniente do incumprimento do devedor. Sendo a Convenção o instrumento para regulamentar a compra e venda internacional de mercadorias, os contratos a ela subordinados são todos bilaterais e, portanto, comportam a resolução, dispensando que as partes expressamente prevejam esta possibilidade. Mas, diferente do direito civil brasileiro, em que o direito de resolver é garantido às partes contratantes, é possível para o contrato submetido à Convenção de Viena, fazer a opção pelo afastamento da possibilidade de se resolver o contrato (em razão do disposto no artigo 6 da Convenção). No âmbito da Convenção a resolução se dá extrajudicialmente, mediante a declaração do credor ao devedor por meio de notificação prévia, nos termos do artigo 2651. Segundo Ruy Rosado de Aguiar Júnior, esta exigência impossibilita ao devedor a resolução automática do contrato pelo incumprimento e mantém sob o controle do credor a possibilidade de manutenção ou não do contrato. Ao estabelecer o procedimento de necessária declaração da intenção do credor em resolver o contrato, a Convenção impossibilitou de forma preventiva, duas situações: primeiramente, excluiu a obrigatoriedade da intervenção judicial como requisito para a extinção do contrato, e segundo, eliminou a possibilidade anteriormente admitida pela ULIS, em que era possível a resolução ipso facto. Para Ruy Rosado Aguiar, o sistema atual é melhor: 51 Article 26. A declaration of avoidance of the contract is effective only if made by notice to the other party. 85 [...], pois deflui do bom-senso que o credor notifique o devedor de seu propósito contrário à continuidade do negócio, definindo a situação; além disto, mantém com o credor a decisão sobre a resolução, que não deve resultar apenas e automaticamente do incumprimento – como se ao devedor fosse dado, descumprindo, extinguir a resolução – mas sim da vontade expressa do credor (AGUIAR JR, 2008). Quanto à forma da notificação, Peter Huber e Alastair Mullis esclarece que não existe uma exigência quanto a este requisito, mas, sendo imprescindível que esteja absolutamente claro a intenção do comprador de não mais manter o contrato: The declaration need not be made in any particular form. Neither is it necessary that it contains the Word “avoidance”. It mast however make clear that the buyer is no longer prepared to perform the contract as a result of the seller´s breach. Declarations of avoidance falls under the provision of Art. 27 CISG. Thus if it is made by means appropriate in the circumstances, a delay or error in the transmission of the communication or its failure to arrive does not deprive the buyer of the right to rely on the declaration ( HUBER; MULLIS, 2007) Entretanto, a exemplo do que ocorre com a lei brasileira, a resolução não é tida como opção subsidiária do credor, como última alternativa para garantir o cumprimento do contrato. Os artigos 45, 1, A52 e 6153 concedem, alternativamente, ao credor a oportunidade de executar o contrato, ser indenizado ou resolver o contrato. Além disso, os artigos 47 (2), art. 62 (2), proíbem qualquer ação do credor enquanto estiver fluindo o prazo suplementar por ele concedido para a execução. Ainda, uma vez notificada a parte da declaração resolutória, torna-se inviável ao credor mudar de idéia quanto a sua intenção e optar por executar o contrato. Mas, o caminho inverso é possível, ou seja, uma vez iniciada a execução do contrato, é o possível ao credor notificar o devedor de sua intenção em resolver o contrato. A segunda opção parece ser justificável, pois a tentativa de execução do contrato ocorre em busca da preservação da obrigação contraída pelas partes 52 Article 45. 1. If the seller fails to perform any of his obligations under the contract or this Cnventions, the buyer may: (a) exercise the rights provided in Articles 46 to 52. 53 Article 61. 1. If the buyer fails to perform any of his obligations under the contract or this Convention, the seller may: (a) exercise the rights provided in Articles 62 to 65; (b) claim damages as provided in Articles 74 to 77. 86 (ainda que de forma forçada), ou seja, a movimentação é no intuito de preservar o contrato celebrado. Mas uma vez detectado pela parte Exeqüenda que sua manutenção tornou-se inviável, parece razoável a possibilidade de notificação da parte devedora do desinteresse no prosseguimento do pacto. Quanto à eventual pretensão de um dos contratantes obter indenização por perdas e danos pela resolução do contrato, a Convenção impõe empecilhos para a utilização do judiciário ou dos tribunais arbitrais a fim de garantir maior celeridade no recebimento de eventual indenização, conforme exposto por Ruy Rosado Aguiar: Nesse intento, de afastar os contratantes dos tribunais, a Convenção ainda vai mais longe: proíbe a interferência do juiz ou do árbitro na concessão de prazo suplementar ao vendedor inadimplente, depois de exercido pelo comprador o seu direito resolutivo (arts. 43,3). Essa mesma preocupação de manter o litígio longe dos tribunais se manifesta também no capítulo sobre as perdas e danos (arts. 74 e seguintes), onde são estabelecidos critérios objetivos e pormenorizados para o cálculo da indenização (art. 76) e autorizados comprador e vendedor a efetuarem compras substitutívas ou vendas compensatórias (art. 75), (AGUIAR JR, 2008). Portanto, a busca pela efetiva e célere indenização na hipótese de prejuízo da parte é evidente. Entretanto, existem critérios a serem observados quanto à conduta daquele que deixou de cumprir o contrato, de acordo com a Convenção. O artigo 7954 traz uma exceção à imputabilidade do inadimplente, pois determina que, na impossibilidade de cumprimento da obrigação, deve ser afastado o dever de indenizar nas hipóteses de caso fortuito ou força maior. Ademais, sempre que o cumprimento do contrato como um todo ou parte depende de terceira pessoa, e a inadimplência decorrer da falha desta terceira 54 Article 79. 1. A party is not liable for a failure to perform any of his obligations if he proves that the failure was due to an impediment beyond his control and that he could not reasonably be expected to have taken the impediment into account at the time of the conclusion of the contract or to have avoided or overcome it or its consequences. 2. If the party´s failure is due to the failure by a third person whom he has engaged to perform the whole or a part of the contract, that party is exempt from liability only if: he is exempt under the preceding paragraph; and the person whom he has so engaged would be so exempt if the provisions of the paragraph were applied to him. 3. The exemption provided by this article has effect for the period during which the impediment exists. 4. The party who fails to perform must give notice to the other party of the impediment and its effect on this ability to perform. If the notice is not received by the other party within a reasonable time after the party who fails to perform knew or ought to have know of the impediment, he is liable for damages resulting form such non-receipt. 5. Nothing in this article prevents either party from exercising any right other than to claim damages under this Convention. 87 pessoa, igualmente não haverá o dever de indenizar. Entretanto, para que esta hipótese vigore, é necessário observar se a impossibilidade de cumprimento do contrato por esta terceira pessoa também se estende ao próprio contratante. Sobre o tema, Schilechtriem e Schwezner (2005, p. 820) assim observam: Article 79 (2) establishes a comprehensive liability or the promisor for third persons engaged for the performance of the contract: he is basically liable for the third person´s conduct unless he can show that as impediment was insuperable for him and furthermore the third person would himself have been exempted under Article (1) had the been the promisor. The principle involved is that the promisor ought not to benefit from third person´s assumption of performance; it occurs at his risk. The fact that the third person was carefully selected or supervised is irrelevant. Since the conditions of argument in favour of this increase in liability may have been the fact that the prmisor normally has right or recourse against a third party who has undertaken performance and cause the impairment. Even so, the strict liability of the promisor for the third person does not depend on the availability of such a recourse. Embora contemple a isenção de responsabilidade pelo incumprimento do contrato em decorrência de caso fortuito ou força maior, a Convenção determina que tão logo constatada a impossibilidade de cumprimento do contrato, deve a parte em mora notificar prontamente a outro contratante para cientificá-lo da situação. Na hipótese de não haver tão notificação, mesmo diante da existência de um fato impeditivo para o cumprimento do contrato, a parte em mora estará automaticamente obrigada a indenizar a parte contrária. Não existe dentre as regras da Convenção uma referência específica quanto a alteração superveniente das condições do contrato que acarrete um desequilíbrio econômico, tornando o contrato muito oneroso e de difícil cumprimento para uma das partes. Contudo, é possível aplicar a interpretação ao termo “impedimento” do artigo 79 da Convenção de forma extensiva, como sendo não apenas os casos em que o cumprimento do contrato torne-se impossível, mas também quando as circunstâncias tornem o cumprimento muito mais oneroso. Outra solução viável quanto ao silêncio da Convenção em relação à onerosidade excessiva superveniente a formação do contrato, existe a proposta de se aplicar a Clausula de Hardship, dos Princípios do Unidroit, como uma forma de preencher uma lacuna existente dentro da Convenção. 88 Para tanto, a Cláusula de Hardship (art. 6.2.3 dos Princípios do Unidroit, que será tratada no Capítulo Seguinte) seria considerada um costume do comércio internacional, nos termos do artigo 9 (2) da Convenção e assim passaria a ser uma solução viável para a revisão do contrato, na hipótese de onerosidade excessiva. 89 4 CLÁUSULA DE HARSHIP Uma questão que certamente mobiliza a doutrina que trata sobre o comércio internacional é a necessidade de uniformização das regras que regulam os contratos internacionais, pois as atuais trocas comerciais tem se dado num contexto de intercâmbio econômico globalizado. Foram tratados nos capítulos anteriores a Lex Mercatoria, que pode ser vista como uma tentativa de uniformização pela própria prática do comércio, em que as regras mercantis são adotadas como padrão de comportamento entre compradores e vendedores; a Convenção de Viena, elaborada a partir de estudos e consolidada na conferência realizada na cidade de Viena, em abril de 1980, contando com a participação de 62 Estados e 8 Organismos Internacionais. A seguir, será tratada sobre Cláusula de Harship que, por sua vez, será apresentada como uma terceira fonte de interpretação do contrato, a ser aplicado analogamente aos contratos firmados nacionalmente. Antes de se tratar sobre a Cláusula de Harship, faz-se necessário primeiro tratar sobre o Instituto que a originou. 4.1 INSTITUTO DE UNIDROIT O Instituto de Unidroit é uma organização intergovernamental independente e busca a uniformização das normas de Direito Internacional Privado. Sua finalidade é de preparar gradualmente a adaptação, por diversos Estados, de uma legislação de direito civil uniforme. Foi criado em 1926, pela Liga das Nações, como órgão auxiliar da Sociedade das Nações (SDN), tendo funcionado entre os anos de 1920 e 1946, tendo precedido a Organização das Nações Unidas (ONU) (GAMA JR, 2006a). Em 1940 passou por uma reformulação, com base em um acordo multilateral, oportunidade em que foi consolidado o Estatuto Orgânico do Unidroit. A adesão ao Instituto é feita pelo prazo de seis anos e terá sua renovação tácita, de seis em seis anos, salvo denúncia por escrito um ano antes da expiração de cada período. As adesões e denúncias serão notificadas aos Governos participantes pelo Governo Italiano. 90 Foi primeiramente reconhecido pelo Governo Brasileiro como importante organização para unificação do direito privado por Clovis Beviláqua, então Consultor Jurídico do Itamaraty. O Brasil depositou sua Carta de Adesão ao Instituto em 11 de janeiro de 1993 e entrou em vigor pelo decreto nº 884, de 2 de agosto de 1993 e permanece como membro do Instituto até os dias atuais. Ele possui sua base em Roma e é constituído por três órgãos: Secretariado, o Conselho de Direção e a Assembléia Geral. As funções destes órgãos, respectivamente, são de órgão executivo, órgão supervisor da observância das diretrizes impostas pela Assembléia Geral e órgão deliberativo máximo (GAMA JR, 2006a). As línguas oficiais do Instituto são o italiano, alemão, inglês, espanhol e Francês. Conforme disposto no artigo primeiro do Estatuto, o Instituto de Unidroit possui como finalidades: (a) prepare drafts of laws and conventions with the object of establishing uniform internal law; (b) prepare drafts of agreements with a view to improving international relations in the field of private law; (c) undertake studies in comparative private law; (d) participate in projects already undertaken in any of these fields by other organisations with which it may maintain relations as necessary; (e) organise conferences and publish works considered worthy of a wide circulation (EOU, 2008)55 Quanto ao fato de servir de fonte de inspiração para leis internas, pode-se citar como exemplo a Alemanha, que modificou sua lei de introdução nos anos oitenta e incorporou as regras do Unidroit na nova lei. Além disso, os estudos são dirigidos não apenas para a transformação de textos em convenções internacionais, mas ainda, para serem utilizados como uma fonte para os tribunais que precisam cuidar das questões internacionais. Os membros do Instituto estão distribuídos entre os cinco continentes e representam diversos sistemas jurídicos, econômicos e políticos. Atualmente, o Unidroit possui sessenta e um membros, sendo eles: Argentina, Austrália, Áustria, Bélgica, Brasil, Bulgária, Canadá, Chile, China, 55 Tradução livre: (a) preparar projetos de leis e convenções com o objetivo de estabelecer leis internas uniformes; (b) preparar projetos de acordos com vista a melhorar as relações internacionais no campo do direito privado; (c) realizar estudos comparativos de direito privado; (d) participar em projetos já realizados em qualquer um destes campos por outras organizações com as quais ele pode manter relações tão necessárias; (e) organizar conferências e publicar obras consideradas dignas de um grande circulação. 91 Colômbia, Croácia, Cuba, Chipre, República Tcheca, Dinamarca, Egito, Estônia, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Hungria, Índia, Irã, Irlanda, Israel, Itália, Japão, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, México, Países Baixos, Nicarágua, Nigéria, Noruega, Vaticano, Paquistão, Paraguai, Polônia, Portugal, República da Coréa, República da Sérvia, Romênia, Federação Russa, San Marino, Eslováquia, Eslovênia, África do Sul, Espanha, Suécia, Suíça, Tunísia, Turquia, Reino Unido de Grã Bretanha e Irlanda do Norte, Estados Unidos da América, Uruguai e Venezuela56. É importante mencionar a independência do Instituto em relação à qualquer pressão política interna e mesmo internacional. Segundo Gama Jr (2006b, p. 202): “Sua independência em relação às demais organizações governamentais com atribuições assemelhadas – a Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional (CNUDCI) e a Conferência da Haia de Direito Internacional Privado -, bem como a expertise e neutralidade de seus órgãos superiores tem-lhe permitido adotar metidos de trabalho menos influenciados por questões político-diplomáticas. Nesse tocante, um notável exemplo de resultado políticamente neutro são os Princípios do UNIDROIT relativos aos Contratos do Comércio Internacional, adiante examinados.” Esta independência do Instituto garante maior segurança quanto a utilização de suas ferramentas, para dirimir conflitos. Conforme já adiantado na citação acima, uma das ferramentas mais famosas deste Instituto, a fim de possibilitar esta uniformização do direito internacional, são os Princípios do Unidroit. 4.2 PRINCÍPIOS DE UNIDROIT Depois das convenções sobre a lei uniforme sobre a compra e venda (finalizada em 1964), posteriormente substituídas pela Convenção de Viena, o UNIDROIT iniciou, na década de 70, estudos para um projeto sobre “Princípios para os Contratos do Comércio Internacional”. Estes estudos foram finalizados em 1994 e se materializou na forma de disposições normativas e em sua versão final contemplou aproximadamente 120 56 Dados extraídos do site oficial do Unidroit (http://www.unidroit.org/english/members/main.htm) em 20 de outubro de 2008. 92 artigos e seus comentários. Estes artigos estão divididos em 7 capítulos, representando as diversas áreas do direito contratual. Os capítulos estão divididos por assunto: Normas Gerais; Formação do Contrato; Validade; Interpretação; Conteúdo; Execução e Inexecução. Em 2004 o Conselho do Unidroit adotou uma nova edição dos Princípios do Unidroit do Comércio Internacionais, em que foi expandido o Preâmbulo e foram adicionados cinco capítulos àqueles publicados em 1994, de maneira a comportar a própria evolução do comércio internacional, em especial no que diz respeito às necessidades decorrentes do crescente uso das contratações por eletrônicos. Com a nova edição, os princípios passaram a contar com um Preâmbulo (versão de 1994 com adição dos parágrafos 4 e 6, além de notas de rodapé) e 185 artigos, divididos em dez capítulos.57 Quanto a sua apresentação, inspiraram-se os Princípios do Unidroit no Restatement (Second) of Contracts norte americano, sendo cada norma precedida de um título que antecipa seu conteúdo e é acompanhada por comentários oficiais, que embora não tenha efeito vinculante auxilia na interpretação e sua compreensão pelo operador do direito (GAMA JR, 2006c). Em sua terminologia deu preferência a expressões de uso do cotidiano da prática contratual internacional e traz em seu conteúdo normas gerais sobre contratos e com Princípios com normas inovadoras. Gama JR (2006c) aponta como traços fundamentais dos Princípios do Unidroit a observância daqueles princípios fundamentais dos contratos comerciais 57 Os Princípios do UNIDROIT de 2004 consistem em um Preâmbulo (com a adição dos parágrafos 4 e 6 e notas de rodapé) e nos seguintes capílos: Capítulo 1 – Previsões Gerais (com a inclusão dos artigos 1.8 e 1.12 aos princípios de 1994); Capítulo 2 – manteve a Seção 1 da versão de 1994, trata sobre a formação contrato e adicionou a Seção 2, que regulamenta sobre a autoridade dos agentes; Capítulo 3 – Validade (mantida a redação da versão de 1994); Capítulo 4 – Interpretação (mantida a redação da versão de 1994); Capítulo 5 – Seção 1, versa sobre o conteúdo do contrato (acionado o artigo 5.1.9 às previsões anteriores, da versão de 1994) e incluiu a Seção 2, sobre os direitos de terceiros Capítulo 6 – mantida a integral versão de 1994 a respeito da Execução em geral (Sessão 1) e Hardship (Sessão 2); Capítulo 7 – Seção 1 sobre a inexecução em geral, Seção 2 sobre direto de execução, Seção 3 sobre resolução e Seção 4 sobre perdas e danos, todas elas mantidas como a versão de 1994; Capítulo 8 – Compensação, introduzido pela versão de 2004. Capítulo 9 – Seção 1 contém previsões a respeito da cessão de crédito, Seção 2 sobre cessão de débitos e Seção 3, cessão de contratos, sendo todas esta seções novas inclusões feitas pelos princípios da versão de 2004, e, por fim; Capítulo 10 – Prazos de prescrição, também não existente na versão de 1994. (Informação extraída do site oficial do Unidroit (http://www.unidroit.org), ultima consulta em 24 de outubro de 2008.) 93 internacionais (e que se encontram incluídos no elenco das disposições gerais), além de outros princípios espalhados nas demais previsões dos Princípios, mencionando como exemplos o Princípio da liberdade contratual; Princípio do consensualismo (liberdade de forma e de prova); Princípio da força obrigatória do contrato; Princípio da primazia das regras imperativas; Princípio da natureza dispositiva dos Princípios; Princípios da internacionalidade e uniformidade; Princípio da boa-fé e lealdade negocial; Vedação do venire contra factum proprium; Princípio da primazia dos usos e práticas; Princípio do favor contractus e Princípio da sanção aos comportamentos desleais. Atualmente existem versões dos princípios traduzidos para os seguintes idiomas: Inglês, Francês, Alemão, Italiano, Espanhol, Chinês, Farsi, Japonês, Coreano, Polonês, Português; Romeno, Russo, Sérvio, Turco e Vietnamita, todos disponíveis no site oficial do Unidroit em sua íntegra, com exceção da versão em Português, cuja remissão é feita à obra de Lauro Gama Jr., que traz como anexo ao seu livro “Contratos Internacionais à luz dos Princípios do Unidroit 2004” a tradução dos princípios. Para Lando (1991) os Princípios do Unidroit reproduzem a preocupação com a necessidade de harmonizar os princípios gerais dos contratos e as partes contratantes têm refletido esta crescente preocupação, na medida em que tem incluído a previsão de que seus contratos serão regidos pelos Princípios. Neste mesmo sentido, os tribunais do comércio internacional tem utilizado cada vez mais as suas disposições. Lando (1991) descreve com tanto entusiasmo a contribuição dos Princípios para a uniformização das leis civis ao comércio internacional, que se refere ao seu sucesso como uma fantasia legal que se tornou realidade, e a fim de dimensionar a proporção desta fantasia, faz uma comparação dos Princípios do Unidroit para a uniformização do Direito Internacional Privado, com a viagem à lua em relação à obra de Jules Verne escrita a mais de um século atrás. Diferente da Convenção de Viena que lida com um tipo específico de contrato (compra e venda de mercadorias), os Princípios de Unidroit cobrem contratos em geral. Além disso, a Convenção é um acordo de Estados e tornando-se o Estado signatário. Pode ser vista para as partes como um instrumento obrigatório para a comercialização trans-nacional e contem o âmago de um verdadeiro código comercial internacional, ao passo que os Princípios de Unidroit são provisões não 94 investidas de obrigatoriedade e por conseqüência sua aceitação depende de estipulação entre as partes. Em comum, possuem o fato de que ambos tratam de questões internacionais, portanto, não domesticas e nenhum dos dois trata sobre contratos que envolvam relação de consumo (GAMA JR, 2002). Os princípios são uma clara manifestação da atual tendência de formação de um direito transnacional para regulamentar as relações do comércio internacional e demonstra a crescente desterritorizalização e desnacionalização destas relações. Para Gama Jr (2002), os Princípios suprem uma importante lacuna no direito do comércio internacional, até então não normatizado por nenhuma convenção de direito uniforme. Tem como principal objetivo promover os agentes do comércio internacional e trazem consigo elementos de conceitos existentes em vários sistemas jurídicos, refletindo, assim, um elevado grau de coerência e uniformidade. Seus destinatários são todos aqueles que participam do comércio internacional, independente da tradição jurídica e condições econômicas e políticas de seus países de origem, ou daquele em que os Princípios serão aplicados. Para os operadores do direito internacional, os Princípios representam, nas palavras desse autor uma língua franca dos contratos comerciais, em razão da sua simplicidade, clareza e objetividade. E principalmente, representa um ponto neutro entre as nações, pois não favorece nenhum ordenamento de direito nacional. A utilização dos princípios pode ocorrer tanto para Contratos Internacionais, como por contratos internos e decorre da autonomia da vontade das partes, pois são elas que farão a escolha pela lei aplicável ao contrato internacional. Aliás, esta é a previsão do artigo 1.2 dos Princípios, em que estabelece que sua aplicabilidade seja conseqüência do acordo de vontade entre as partes. Entretanto, uma ressalva deve ser feita, a escolha pela utilização dos princípios como lei aplicável deve ser combinada com uma cláusula arbitral.58 58 Ao tratar sobre a complementariedade entre a Convenção de Viena e os Princípios do Unidroit, Joachim Bonell, no artigo The Unidroit Principles and CISG (disponível na base de dados do site oficial da Convenção de Viena - http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/bonell.html) esclarece que seria possível aplicar os Princípios do Unidroit como uma forma de preencher eventuais lacunas existentes, em razão do disposto no artigo 7 (2) da Convenção. Para tanto, sugere a inclusão no contrato de uma cláusula similar à existente no projeto do Modelo de Contratos de Compra e Venda Internacional, elaborado pela Câmara do Comércio Internacional, nos seguintes termos: "any questions relating to this contract which are not expressly or impliedly settled by the provisions contained in the contract itself [. . .] shall be governed by the United Nations Convention for the 95 Não a controvérsia surgida no contrato submetida a um tribunal arbitral, a referência aos Princípios como lei aplicável pode não ser aceita por um tribunal nacional, que utilizará suas próprias regras de conexão. Para Gama Jr. (2002, p. 49), ao se analisar e interpretar os princípios devese ter em mente que estão inseridos num contexto de globalização econômica, [...] na emergência de um novo paradigma da confiança na disciplina das contratações em massa, feita sob a epígrafe das relações de consumo, assim como no desenvolvimento da Internet e do comércio eletrônico. Quanto a sua natureza jurídica, o autor analisa os princípios sob a ótica de quatro teorias doutrinárias: das Condições Contratuais Gerais, da Nova Lex Mercatoria, dos Princípios Gerais do Direito e da Soft Law. 4.2.1 Condições contratuais gerais Embora historicamente as condições gerais tivessem o condão de garantir a certeza jurídica na compra e venda internacional de bens e serviços, nos tempos modernos, muito além disso, elas visam garantir a rapidez na contratação, principalmente entre ausentes. Além disso, visa, também, assegurar uma ampla proteção à parte contratual que faça parte de associação (isto em razão das cláusulas contratuais gerais elaboradas por associações profissionais). Conforme observa Gama Jr. (2002, p. 230), “Evidentemente, quanto mais o mercado for cartelizado ou oligopolizado, ou nele existir um número pequeno de compradores, maior será a eficácia das cláusulas contratuais-gerais utilizadas”. Conforme já informado, os princípios são aplicados em decorrência de expresso acordo de vontade entre as partes contratantes, e sempre que isto ocorre, sua natureza jurídica se assemelharia à qualquer outro contrato. Assim, defende-se que os Princípios seriam um conjunto de condições gerais do contrato, tendo como limites aqueles impostos pelo direito interno ao qual se submetem. International Sale of Goods (Vienna Convention of 1980, hereafter referred to as CISG) and, to the extent that such questions are not covered by the CISG, by such rules and principles as are common to the national laws of the countries of the Seller and the Buyer, and in the absence of such rules and principles, by the rules and principles of law generally recognised in international trade as applicable to international sales contracts [. . .]." 96 A critica feita a este posicionamento, seria de que, em verdade, os princípios não se destinam a uma espécie específica de contrato, nem busca defender uma categoria determinada de contratante, mas reflete uma relação de conteúdo econômico geral, em que não se busca garantir a redução dos riscos de apenas uma das partes e sim a justiça contratual. 4.2.2 Nova Lex Mercatoria Na segunda metade do século XX, diante da crescente internacionalização das trocas comerciais, surgem obras codificadas das normas utilizadas pelos comerciantes em suas relações internacionais. Merece especial intergovernamentais a destaque Câmara de dentre Comércio os organismos privados Internacional (CCI/ICC) e e a CNUDCI/UNCITRAL. Decorrente do comércio crescente, surgem os conflitos e os litígios destas relações passaram a ser resolvidos pelos usos e costumes do comércio internacional e estas decisões formaram uma jurisprudência arbitral. Estas decisões revelavam princípios gerais de direito específicos. Embora este procedimento (adoção dos usos e costumes do comércio) se assemelhem à Lex Mercatoria medieval, esta nova fase de solução de conflitos antes descrita passou a ser denominada de nova Lex Mercatoria. Por se considerar os Princípios de Unidroit como a codificação destes usos e costumes do comércio, tem-se que alguns juristas os consideram como uma nova Lex Mercatoria. Aliás, este é o entendimento de Prado (2003b). O posicionamento desse autor quanto a natureza jurídica dos Princípios de Unidroit pode ser observado em suas análises de jurisprudências quanto a aplicabilidade da Cláusula de Hardship. Dentre suas manifestações é possível extrair este entendimento do seguinte trecho: “ao invés de rejeitar a regra do hardship, muitas vezes reconheceu seu lugar na Lex Mercatoria”. (PRADO, 2003b. p. 33.) Entretanto Gama Jr. (2006a, p. 238) posiciona-se de forma contrária a este entendimento ao defender que as fontes da Lex Mercatoria são incertas. Para ele: Como as fontes da nova Lex Mercatoria – os princípios gerais de direito, as leis uniformes do comércio internacional, os usos e 97 costumes e as decisões arbitrais – contêm elementos cuja determinação jurídica é imprecisa, seja pelo reduzido grau de generalidade, seja em razão de sua fluidez no tempo e no espaço, torna-se impossível estabelecer com segurança, o conteúdo e os objetivos da Lex Mercatoria, o que enseja decisões discricionárias sobre o tema. Diferente dos Princípios do UNIDROIT, a Lex Mercatoria não contém regras emprestadas às principais legislações nacionais e internacionais. Ela se constrói no espaço transnacional, pelas condições, usos e costumes gerais decorrentes do comércio internacional. 4.2.3 Princípios Gerais de Direito Os Princípios Gerais do direito contam com algumas características fundamentais, sendo elas: normas de valor genérico (que não reflete uma situação específica); que subordinam e orientam a interpretação do ordenamento jurídico como um todo (portanto, que devem ser observados em toda e qualquer relação existente), bem como para a criação de novas normas. Portanto, partindo desta definição, os princípios gerais do direito seriam os mesmos, independente de onde, quando ou para quem se estão aplicando. Como jurisprudência em que os Princípios foram interpretados desta forma, pode-se citar o Caso CCI n. 711059. Trata-se de caso em que uma companhia inglesa e uma agência do governo do oriente médio celebraram contratos de venda, estoque, modificação, manutenção e operação de equipamentos e serviços relacionados. Conforme os contratos foram terminando, passaram a surgir disputas relacionadas a quantias devidas entre as partes. Nenhum continha previsão expressa a respeito da lei doméstica a ser aplicada, mas alguns dos contratos incluíam a previsão de “leis ou regras de justiça natural”. Sustentava a agência do governo do oriente médio que estas referências refletiam a intenção das partes em se submeter aos princípios gerais do direito. Por outro lado, a companhia inglesa sustentou que a expressão “justiça natural” era tão somente uma referência às regras processuais (como por exemplo, o due processo f 59 Disponível no site UNILEX http://www.uniLex.info/case.cfm?pid=2&do=case&id=713&step=Abstract 98 law) e invocando o artigo 4 (2) da Convenção de Roma de 1980, pretendia a aplicação da lei inglesa. Na primeira parte da decisão, que dizia respeito à lei aplicável ao caso, por maioria o Tribunal Arbitral decidiu a favor da agência do governo (querelante), entendendo que as partes haviam feito uma escolha negativa. Para o Tribunal, as partes tinham a intenção de excluir a aplicação de qualquer lei doméstica específica e, quando firmaram os contratos, pretendiam que elas fossem regulamentadas pelos princípios gerais do direito, pois embora não contidos em nenhuma lei doméstica, são plenamente adaptáveis às necessidades do comércio internacional. Da sentença arbitral, merecem destaque os seguintes trechos: general rules and principles enjoying wide international consensus […] are primarily reflected by the UNIDROIT Principles (ICC, 1999)60 without prejudice to taking into account the provisions of the Contracts and relevant trade usages […] the Contracts are governed by, and should be interpreted in accordance to, the UNIDROIT Principles with respect to all matters falling within the scope of such Principles and for all other matters, by such other general legal rules and principles applicable to international contractual obligations enjoying wide international consensus which would be found relevant for deciding controverted issues falling under the present arbitration.61 Na outra parte do julgado, em que foram objeto de discussão os artigos 1.7, 2.4, 2.14, 2.18, 7.1.3 e 7.4.8 dos Princípios do Unidroit, todos eles foram considerados expressão de princípios gerais do direito plenamente aceitos. Entretanto, o entendimento de Gama Jr. (2006) é em outro sentido. Segundo ele, diferente da situação acima exposta, os Princípios do Unidroit refletem uma normatização elaborada em decorrência da busca de melhor solução para determinados assuntos e não para a universalidade das relações jurídicas. 4.2.4 Soft Law 60 Tradução livre: regras gerais e princípios que gozam de consenso internacional [...] podem ser plenamente refletidos nos Princípios do Unidroit. 61 Tradução livre: sem prejuízo de se levar em consideração as previsões do Contrato e o costumes do comércio [...] os Contratos são governados, e devem ser interpretados de acordo com os Princípio do Unidroit no que diz respeito a todas as questões que recaiam sobre o escopo de tais Princípios e para todas as outras questões que por outras regras gerais legais e princípios aplicáveis aos contratos de obrigações internacionais que gozem de amplo consenso internacional que seja considerado relevante para decidir questões controvertidas que recaiam sobre a presente arbitragem. 99 Para Gama Jr. (2006a. p. 246), soft law são Normas de um direito flexível, que servem basicamente como critério de fundamentação de decisões ou de legitimação de práticas e de comportamentos típicos de natureza profissional no domínio do comércio internacional, embora sejam desprovidas de caráter vinculativo e atuem mediante a persuasão ou pelo convencimento da sua conformidade com o direito, em sentido lato, ou com a deontologia comercial. Segundo este autor, e partindo desta definição, é possível traçar os paralelos entre a soft Law e os Princípios de Unidroit. Conforme se observa, ambos traduzem uma tendência global da busca pela harmonização do comércio internacional e, ainda, procuram integrar elementos da common law oriundos das decisões judiciais. Utilizam os usos e costumes comerciais como fonte primária de suas normas e dão especial importância à autonomia privada das partes. Deixando de lado a discussão acadêmica sobre a natureza jurídica dos princípios, fato inegável é que eles representam uma conseqüência direta da busca pela segurança jurídica e da uniformização das regras para o comércio internacional. A par desta busca pela tentativa de minimizar o risco nos contratos, é interessante que ainda durante a formação do contrato, este contenha mecanismos de preservação da relação contratual. Dentre os Princípios de Unidroit, possui especial relevância para o tema proposto, a Cláusula de Hardship, inserida no Capítulo 6, Seção 2. 4.3 REQUISITOS DA CLÁUSULA DE HARSHIP Desde o início do presente trabalho tem sido esclarecido que a intenção da presente pesquisa é a utilização de remédios do Direito Internacional Privado, na hipótese das partes se depararem com um evento imprevisível, que venha a desequilibrar economicamente a relação. Na hipótese de se depararem as partes contratantes com tal imprevisto, sustenta-se a necessidade de reencontrar o equilibrado do contrato, por meio da revisão de seus termos, a fim de possibilitar a sua manutenção até seu integral cumprimento. 100 Adiante será apresentada de forma mais detalhada o desequilíbrio econômico do contrato com o advento da chamada Onerosidade Excessiva, sendo esclarecido de que forma identifica-la por meio de estudo na doutrina brasileira. Mas antes, será apresentada o Hardship, que se pode descrever como uma figura do Direito Internacional Privado equivalente à Onerosidade Excessiva para o Direito Brasileiro, cada uma com suas peculiaridades. Quando se fala em contrato, deve-se ter em mente que ele surge em um ambiente político e econômico em constante transformação. E dentro de um contexto atual, estes elementos não são aqueles restritos aos Estados cujas partes fazem parte, mas deve-se levar em consideração a globalização econômica e os reflexos que os eventos ocorridos no mundo inteiro possam vir a acarretar para o contrato. Além disso, conforme lembra Melo (2000), as alterações contratuais também estão sujeitas às evoluções dos métodos de produção e de transformação dos bens. Estas variações e a superveniência de algum destes eventos pode provocar variações de tal ordem, que o contrato pode se tornar economicamente inviável para as partes se mantidas as mesmas condições contratadas inicialmente. Assim, os operadores do Direito Internacional Privado tomam a iniciativa de incluírem nos contratos internacionais as chamadas cláusulas exoneratórias de responsabilidade, tendo como uma de suas variantes as chamadas cláusulas de revisão. Destas cláusulas de revisão, são citados ao menos dois exemplos pela maioria da doutrina consultada, sendo elas a cláusula de força maior e a cláusula de hardship. Contudo, ainda que o presente estudo esteja direcionado à preservação do contrato, deve-se também lembrar que é possível às partes simplesmente optarem pela rescisão do contrato, podendo, inclusive, preverem desde o início da contratação que em havendo algum evento superveniente que desequilibre a relação, o contrato não será revisado, sendo ele simplesmente rescindido. Pode a rescisão ocorrer, também, independente de prévia previsão, desde que as partes submetam ao Judiciário ou ao Juízo Arbitral a questão com o intuito de extinguir o contrato. Para elucidar a diferença entre clausula de força maior e a cláusula de harship, seguem breves considerações. 101 Embora Strenger (1998) mencione que parte da doutrina identifique a força maior (force majeure) como sinônimo de hardship, para o presente trabalho elas serão consideradas situações diferenciadas, como a maior parte da doutrina consultada as classifica. Gavazzoni (2006) também faz menção a esta confusão, chamando a atenção para miscelânea feita por alguns negociadores, que acabam utilizando características ora de um instituto, ora de outro, como se ambos fossem uma coisa só. Neste contexto, menciona que alguns contratos descrevem os mecanismos de hardship, mas nominando-os de força maior, e em outras ocasiões, descrevem os casos provocadores de força maior, mas com a obrigatoriedade de renegociação e adaptação contratual (mecanismos típicos das cláusulas de hardship). Em comum, elas possuem o fato de se tornarem ativas no momento em que ocorre a alteração das circunstâncias em que o contrato foi concluído, e esta a nova realidade acarreta grave efeito sobre o contrato. Ainda, o fato que alterou as circunstâncias da contratação deve ser imprevisível e inevitável. Contudo, no caso da força maior, o fato superveniente torna impossível a execução do contrato, enquanto para o hardship, torna o contrato substancialmente mais oneroso para uma das partes, mas passível de execução. Portanto, o contrato pode ser modificado pelas partes, mediante a renegociação. Em relação à força maior, embora nas oportunidades em que ela venha a ser invocada o devedor seja eximido de qualquer responsabilidade, existe a obrigatoriedade de o devedor não tenha contribuído de forma alguma para a impossibilidade de execução do contrato, que tenha ele previamente comunicado o credor dentro de certo prazo, para possibilitar a reunião de esforços pela recuperação da normalidade. Existe ainda a possibilidade das partes preverem a suspensão da execução, enquanto se exerce a força maior, até o decurso do prazo (que tem sido pactuado entre seis meses à um ano).( STRENGER, 1998) Gama Jr. (2006c) apresenta uma distinção lógica entre um e outro Princípios, reforçando que se a execução se torna impossível, como no caso da força maior, suas regras necessariamente devem estar situadas entre as normas que tratem da inexecução do contrato, enquanto o hardship deve estar inserido na matéria pertencente à execução, tal como estão organizados dentre os Princípios do Unidroit de 2004. 102 Vale mencionar que as cláusulas ora em comento são complementares e não excludentes uma da outra, sendo plenamente possível que um mesmo contrato contenha ambas as previsões. Como a intenção é explorar a clausula de hardship como fundamento para a preservação do contrato, as considerações a respeito da cláusula de força maior ficarão restritas a esta introdução ao tema, não sendo ela aprofundada pois a única intenção em traze-la ao presente trabalho é diferencia-la da cláusula de hardship. A vantagem da cláusula de hardship sobre a força maior é que em razão de sua generalidade, ela acaba por abarcar uma gama maior de situações que possam desequilibrar o contrato e assim, teria aplicabilidade em várias circunstâncias. Além do fato de possibilitar a preservação do contrato, o que está sendo defendido no presente trabalho, por todas as razões expostas no primeiro capítulo. Oppettit (1974, p.797) conceitua a cláusula de Harship da seguinte forma: La clause hardship, peut se define comme celle aux cernes de laquella les parties pourront demander un réaménagement du contrat qui les lie si un changement intervene dans les données initiales au regard desquelles elles s´étaient engages vient à modifier l´équilibre de ce contrat au point de faire subir à l´une d´elles une rigueur hardship injuste.62 Prado (2003, p. 32), por sua vez, assim a conceitua: Podemos conceituar o hardship como o remédio jurídico aplicado às situações onde a ocorrência de fatos ou eventos, razoavelmente imprevisíveis (quanto da conclusão do contrato) e fora do controle das partes, perturba o equilíbrio do contrato, seja pelo aumento dos custos e sua execução, seja pela redução do valor da contraprestação. Trata-se, portanto, da concepção moderna do princípio rebus sic stantibus Nos Princípios do Unidroit, mais especificamente no artigo 6.2.2 é dada a definição de Hardship, para os efeitos desta normatização: ARTICLE 6.2.2 (Definition of hardship) 62 Tradução livre: “A cláusula de hardship pode ser definida como aquela em cujos termos as partes poderão demandar uma reorganização do contrato que as liga, se uma modificação produzida nos dados iniciais em vista dos quais elas se comprometeram, venham a modificar o equilíbrio desse contrato, a ponto de criar, para uma das partes um rigor hardship injusto. 103 There is hardship where the occurrence of events fundamentally alters the equilibrium of the contract either because the cost of a party's performance has increased or because the value of the performance a party receives has diminished, and (a) the events occur or become known to the disadvantaged party after the conclusion of the contract; (b) the events could not reasonably have been taken into account by the disadvantaged party at the time of the conclusion of the contract; (c) the events are beyond the control of the disadvantaged party; and (d) the risk of the events was not assumed by the disadvantaged party.63 Para Gama Jr. (2006a) o hardship, tal como previsto no artigo 6.2.2 dos Princípios, representa uma exceção ao Princípio da obrigatoriedade do vínculo e se aplica aos contratos que se submetem aos Princípios do Unidroit, Gavazzoni (2006) considera que a inclusão da Cláusula de Hardship confere ao contrato um status de figura evoluída, pois retira do contrato a aspecto de imutável e estanque, permitindo que as relações que se desequilibrem possam ser revistas e reavaliadas pelas partes, permitindo sua adaptação acompanhando a evolução dos tempos e refletindo verdadeiramente a vontade das partes. Para que a Cláusula de Hardship produza efeitos são necessários a presença de alguns elementos, a seguir descritos. 4.3.1 Alteração fundamental das condições econômicas A fim de justificar a renegociação do contrato com fundamento na Cláusula de Hardship, existe a necessidade de que tenha ocorrido evento que altere profundamente a relação contratual. Este evento deve afetar o equilíbrio econômico do contrato de forma a aumentar os custos envolvidos, ou diminuir o valor da contraprestação. Os comentários aos Princípios advertem que a simples alteração da opinião do credor quanto ao valor da prestação não é o suficiente para justificar a revisão 63 Definição extraída da versão em inglês dos Princípios do Unidroit, disponível no site oficial do Intituto do Unidroit. Tradução livre: Artigo 6.2.2 (Definição de Hardship) – “Ocorre hardship quando um evento superveniente altera o equilíbrio do contrato ou porque o custo da performance tenha aumentado ou porque o valor da performance do credor tenha diminuído e; (a) os eventos tenham ocorrido ou tornado-se conhecido para a parte lesada após a conclusão do contrato; (b) os eventos não poderiam ter sido razoavelmente levados em consideração pela parte em desvantagem no momento da celebração do contrato; (c) os eventos estão além do controle da parte em desvantagem e (d) o risco do evento não tenha sido assumido pela parte lesada. 104 das cláusulas contratuais. É necessário que esta onerosidade altere de forma substancial o equilíbrio da relação. Para Oppetit (1974) é possível invocar a Clausula por alteração das circunstâncias do contrato, mas sem especificar as condições da modificação. Assim, abre-se um leque para uma generalidade de eventos que poderiam ser levados em consideração. Gavazzoni (2006) se refere a este requisito como “desequilíbrio” do contrato e especifica que este abalo na relação econômica deve tornar a prestação de uma das partes substancialmente mais penosa do que para a outra. Para ela, não é necessário que a parte já esteja sofrendo com a sobrecarga na prestação, pois pode recorrer à hardship ainda na iminência de ter a sua parte do negócio muito mais pesada do que a obrigação da outra parte. Os Comentários dos Princípios do Unidroit esclarecem que as prestações não precisam ser pecuniárias para se desencadear a alteração fundamental das condições da relação. O requisito implica em obrigatoriamente afetar a economia do contrato, sendo as prestações em pecúnia ou não. Portanto, não importa se o que acarretou o desequilíbrio seja decorrente de questões políticas, sociais, tecnológicas ou de flutuações econômicas. Prado (2003) esclarece que as cláusulas não impõem restrições sobre o tipo de evento que pode acionar o aplicativo. Ao invés disso, deixa a critério das partes estabelecerem cláusulas prevendo situações genéricas, a fim de cobrir a maior quantidade de eventos possíveis, ou estabelecerem uma lista limitada de situações, assim como também é lícito às partes excluírem certos acontecimentos em seu escopo. Por fim, quanto a este requisito deixa claro que “la clause de hardship peut ainsi viser un champ d´application dont l´ampleur peut être établie, en fonction de l´intérêt des parties, à partir de la définition de la nature des événements auxquels elle s´applique” 4.3.2 Superveniência do evento A alínea “a” do artigo 6.2.2 determina que o evento que alterar fundamentalmente as condições do contrato deve ter ocorrido ou se tornado conhecido da parte lesada somente após a conclusão do contrato. 105 Isto equivale a dizer que se uma das partes tiver conhecimento do evento danoso que altera o equilíbrio das prestações, antes da conclusão do contrato não poderá ela invocar o hardship. Caso a parte tenha prévio conhecimento do evento e depois queira acionar a Cláusula de Hardship em decorrência dele, estará agindo com abuso de direito. Gavazzoni (2006) reforça a interpretação deste requisito, que identifica como “Tempo”, e esclarece que para existir a situação de hardship deve ter transcorrido certo lapso temporal entre a conclusão do contrato, sua assinatura e sua execução. Não existe um consenso na doutrina quanto a questão da duração do contrato, se deve ele se aplica somente aqueles de execução prolongada ou se também tem aplicabilidade em contratos de curta duração. Mas, fato incontroverso, é o de que deve haver um lapso temporal entre a data da conclusão e da execução, pois a situação inusitada deve ocorrer ou torna-se conhecida das partes dentro deste espaço de tempo. 4.3.3 Imprevisibilidade do evento O requisito da imprevisibilidade do evento está disposto na alínea “b” do artigo 6.2.2, e estabelece que o evento não poderia razoavelmente ter sido levado em consideração pela parte lesada, no momento da conclusão do contrato. Inicialmente deve-se esclarecer qual o grau de imprevisibilidade deve ter o evento que provoca o uso da cláusula; se deve ser absolutamente imprevisível, ou se pode haver alguma relativização deste requisito. Pelos comentários extraídos dos Princípios do Unidroit é possível deduzir ao menos duas conclusões a respeito do que se deve entender pela imprevisibilidade que caracterizem uma situação de hardship. A primeira esclarece que se a parte podia razoavelmente levar em consideração o evento ao tempo da conclusão do contrato, quando ocorre a alteração superveniente das circunstâncias, estas não podem ser alegadas pela parte em desvantagem como causa possibilitadora do uso da cláusula de hardship. Observa Glitz (2008) que caso o evento fosse previsível, as partes deveriam contratar soluções para ele no próprio instrumento, por isto a presunção de que os contratantes tinham conhecimento dos riscos não os exonera de qualquer 106 responsabilidade, inviabilizando a renegociação do contrato com fundamento na cláusula de hardship. Mas, por outro lado, a segunda conclusão dos comentários dos Princípios do Unidroit é a de que mesmo que a alteração das circunstâncias já viessem acontecendo de forma gradativa durante a celebração do contrato, ainda assim será considerado um evento imprevisível caso o ritmo da mudança acelere de forma fulminante durante a vigência do contrato e isto venha a alterar fundamentalmente o seu equilíbrio. Portanto, embora a superveniência do evento seja relativa, é fundamental que a alteração radical das circunstâncias seja imprevisível. Neste particular, Gavazzoni (2006) esclarece que não haverá hardship se a execução do contrato estiver prevista para um local em situação de grande instabilidade econômica, e que as partes tenham conhecimento de que em razão disso existem grandes chances de mudanças, após a assinatura do contrato. (GAVAZZONI, 2006. p. 115) A autora entende que não se deve aplicar a este requisito a interpretação do significado puro da imprevisão. Isto porque, embora não se saiba exatamente quando ou se haverão mudanças políticas, econômicas, ações terroristas, entre outras tantas crises, a que se reconhecer que todas estas possibilidades não fogem ao conhecimento das partes e ainda assim, não se pode negar certo grau de imprevisibilidade no seu acontecimento. Portanto, o mais lógico, seria considerar que dadas as circunstâncias durante a negociação, fugiu à visão e ao controle das partes a ocorrência e o impacto do evento sobre o contrato. Por fim, cabe observar que a imprevisibilidade do evento, como requisito de aplicabilidade da cláusula de hardship, se afasta em parte da Teoria da Imprevisão (que será tratada adiante) na medida em que esta visa a resolução do contrato, enquanto aquela é um fundamento para a renegociação de suas cláusulas, a fim de que as partes possam dar seguimento a seu acordo de vontades. Para Baptista (1994), a imprevisão seria um contra-ponto da harship. Para ele, a própria a autonomia da vontade seria o fundamento da cláusula, em razão da incerteza da interpretação a ser dada ao contrato, caso venha a ser submetido a julgamento. 4.3.4 Exterioridade 107 Para que se cumpra o requisito da exterioridade no hardship é necessário que as partes não tenham qualquer envolvimento no acontecimento do evento superveniente e imprevisto. Estabelece a alínea “c” do artigo 6.2.2 que o evento danoso deve estar fora do controle da parte em desvantagem, ou seja, não é resultado da vontade, mas sim de circunstâncias alheias e posteriores à conclusão do contrato. Conforme Oppetit (1974) a parte que pretende ter as clausulas do contrato renegociada, não pode ter concorrido de forma alguma para o evento que causou o desequilíbrio da relação. Não pode o evento ser imputável às partes, devendo ser ele exterior ao controle razoável delas. Para Glitz (2008), além da ausência de participação das partes para o evento, devem, ainda, ter se ausentado de qualquer responsabilidade de que ele viesse a acontecer. Trata-se de requisito decorrente do princípio da boa-fé, afinal se as partes tivessem assumido o risco de que o evento viesse ele a acontecer ou tivessem controle sobre suas conseqüências, teoricamente a relação não estaria desequilibrada. Neste mesmo sentido, Prado (2003) defende que se as partes tinham condições de prever a ocorrência do evento e de suas conseqüências, presume-se que elas tiveram condições de se prevenir e inserir no contrato uma cláusula específica a este respeito. Se não o fizeram, assumiram tacitamente o risco. 4.4 APLICABILIDADE Lando (1991), ao explorar a questão da globalização econômica, chama a atenção para o fato de que se está formando um mercado global e traz a notícia de que Gerold Herman propôs a preparação de um Código Comercial Global para atender então este mercado. Referido código seria composto de regras especiais para os tipos mais importantes do comércio. Embora algumas regras esparsas já existam neste sentido, a intenção era de incluir outras regras àquelas já existentes. Neste Código, os Princípios do Unidroit ocupariam status de normas legais e todas as Cortes a ela se submeteriam. Desta forma, a aplicabilidade dos Princípios seria obrigatória a todos os contratos que fizessem parte do Código e este, por sua vez, substituiria todas as leis nacionais sobre o assunto. 108 Por outro lado, Hardtkamp (2008) entende que não há necessidade de unificar as leis que tratam sobre os contratos internacionais, mas que seria útil que as leis tornassem-se mais harmônicas e em vista das dificuldades tidas no passado da prática do comércio, novas formas devem ser exploradas para atingir referida harmonia. Hardtkamp (2008) já em 2002, defendia que a criação desta lei única para o comércio internacional além de ser extremamente compLexa e difícil de se atingir (já que haveria a necessidade de torna-la compatível com inúmeros ordenamentos jurídicos internos), seria um desperdício de esforços. Para ele, estes esforços seriam melhor aplicados na criação de tópicos seletos, que tragam maior funcionalidade ao processo de compra e venda internacional. Por este motivo defende que os Princípios do Unidroit merecem destaque, pois além de terem sido elaborados por um organismo internacional de grande prestígio, os resultados se deram em forma de previsões legais, cuja aplicabilidade é de livre escolha das partes. Além disso, ainda podem os Princípios servir de modelo a inspirar legisladores nas reformas de leis, nas legislações ainda em desenvolvimento, bem como em países que buscam modernizar as legislações já existentes. Os Princípios do Unidroit podem ser aplicados no contrato por expressa escolha das partes (neste caso, podendo servir de fundamento para decisões em âmbito nacional, ou seja, em Cortes nacionais; ou ainda, pode ser aplicado em Tribunais Arbitrais). Também pode ser aplicado na ausência de escolha das partes, nesta hipótese podendo servir de Princípios Gerais do Direito ou como fonte de interpretação e suplemento da lei uniforme internacional. O preâmbulo dos princípios traz o propósito e a aplicabilidade dos princípios, com a seguinte descrição: PREAMBLE (Purpose of the Principles) These Principles set forth general rules for international commercial contracts. They shall be applied when the parties have agreed that their contract be governed by them. They may be applied when the parties have agreed that their contract be governed by general principles of law, the Lex Mercatoria or the like. They may be applied when the parties have not chosen any law to govern their contract. 109 They may be used to interpret or supplement international uniform law instruments. They may be used to interpret or supplement domestic law. They may serve as a model for national and international legislators.64 Conforme esclarecimentos feitos pela ICC a respeito da Cláusula de Hardship, não se trata de uma cláusula padrão.65 Prado (2003) elenca em sua obra alguns exemplos de cláusulas em que são estabelecidos os requisitos de aplicabilidade do hardship. Exemplificativamente, serão extraídas algumas destas cláusulas, a fim de ilustrar a redação que ganharam em alguns casos concretos, pela expressa escolha das partes. Quanto a natureza do evento que altera as condições do contrato, pode-se citar: “A contractually bound party may request a revision of the terms of the contract by the other party under extraordinary circumstances founded in the rupture of the economic and financial equilibrium of balance of the concession…”66 Esta seria uma regra genérica, intencionalmente redigida desta forma, a fim de garantir a aplicação da cláusula a uma grande gama de possíveis eventos. Mas, podem as partes optaram por limitar a lista de eventos que poderiam resultar na aplicação da cláusula: 64 Texto extraído da versão em inglês dos Princípios do Unidroit, disponível no site oficial do Instituto <http://www.unidroit.org/english/principles/contracts/principles2004/blackletter2004.pdf>. Último acesso em 25 de outubro de 2008. Tradução livre: Preâmbulo (Propósito dos Princípios) Os princípios indicam regras gerais para contratos de comércio internacional; Eles devem ser aplicados quando as partes concordaram que o contrato será regido pelos princípios; Podem ser aplicados quando as partes concordaram que o contrato será orientado por princípios gerais de direito, pela Lex Mercatoria ou similares. Eles poderão ser aplicados quando as partes não tiverem feito escolha por nenhuma lei para submeter seu contrato; Podem ser utilizados para interpretar ou integrar outros instrumentos de direito internacional uniforme; Podem ser usados para interpretar ou complementar leis nacionais (domésticas); Podem servir de modelo para legisladores nacionais e internacionais 65 Para consultar o esboço de sugestões, quanto às previsões de hardship e suas conseqüências, feitas pela Câmara de Comércio Internacional consultar o artigo: ICC (ed.), Force Majeure and Hardship, Paris 1985 (ICC Publ No. 421). Disponível em <http://www.tldb.net/>. Acesso em 12 out 2008. 66 Tradução livre: A parte contratualmente obrigada pode requerer a revisão dos termos do contrato para outra parte sobre circunstâncias extraordinárias decorrentes de ruptura da economia ou do equilíbrio financeiro que balanceia a concessão... 110 “the parties are aware that during the term of this Contract, there may be substantial lasting technical and economical changes (except short term lower hydrogen peroxide price or events described in article 13), beyond the parties control, unforeseeable at the date of signature of this Contract...”67 (PRADO, 2003. p. 134) Neste exemplo, além de apresentar um limitador nos eventos que poderiam resultar na aplicação da cláusula de harship, também fica expresso os requisitos de exterioridade do evento e de imprevisibilidade. Mas, ainda que as partes expressamente façam a opção por se submeterem aos Princípios do Unidroit, e aí incluída a cláusula de hardship, importa esclarecer que se submetida eventual controvérsia a uma corte doméstica, a lei a ser aplicada ao contrato será determinada pelas regras de conflito do direito internacional privado ou pela lei do foro, e nesta hipótese os princípios só terão aplicabilidade até o limite onde não afete as previsões mandatórias daquela lei considerada adequada para dirimir o conflito (BONELL, 2000). Por esta razão é que nos Comentários aos Princípios, existe a recomendação de que as partes que desejam aplicar ao seu contrato os Princípios, que também incluam entre suas cláusulas, uma em que façam a expressa escolha pelo uso de arbitragem na eventual necessidade de dirimir controvérsias. Esta hipótese é diferente da situação anterior, porque os árbitros não estão obrigados a basear suas decisões em leis domésticas. Desta forma, podem os árbitros fazerem uso exclusivamente dos Princípios para decidirem questões, ou combiná-las com leis domésticas ou outras fontes do direito internacional privado. Diferente das situações acima, caso as partes se abstenham de fazer qualquer referência à aplicabilidade dos Princípios, ainda assim é possível que os Princípios venham a ser aplicados. Isto porque, os próprios árbitros podem optar por aplicar suas decisões em leis de direito transnacional. Quanto a aplicabilidade dos Princípios do Unidroit especificamente no Brasil, à que se considerar que a lei que vigorou entre o Código de 1916 e a Lei de Introdução ao Código Civil, em 1942, continha previsão que tornava possível que as partes escolhessem a lei que regularia suas obrigações. Esta previsão suscitava o debate a respeito do limite da autonomia da vontade das partes, e conforme notícia 67 Tradução livre: As partes estão cientes de que durante o tempo de vigência deste contrato, pode haver mudanças substanciais de longa duração ocasionando mudanças técnicas e econômicas (exceto a baixa de preço da água oxigenada por curto período e outros eventos descritos no artigo 13) além do controle das partes, e imprevisível na data da assinatura deste Contrato... 111 trazida por Araujo (2006), a vontade seria exercida com relação à substância e aos efeitos do ato, mas não em relação à capacidade e à execução. Entretanto, o sistema atual (Lei de Introdução ao Código Civil de 1942) surge uma nova discussão. A controvérsia está na supressão da expressão “salvo estipulação em contrário” que antes servia de brecha para que a interpretação de que poderiam as partes determinar qual a lei aplicável ao contrato. Araujo (2006) e Gama Jr (2002) mostram-se contrários a interpretação de que as partes possuem autonomia na eleição do direito aplicável aos contratos, por não ser mencionado no artigo 9°, da LICC. Portanto, pela interpretação deste artigo a autonomia da vontade é um princípio não contemplado pelo direito brasileiro. Embora interprete o artigo 9° da LICC de forma desf avoravel à possibilidade das partes optarem pela lei a ser aplicada ao contrato, por entender que o princípio da autonomia não está inserido no ordenamento jurídico brasileiro, Araujo (2006) faz uma forte crítica a esta situação. Para ela, o “custo Brasil” para negócios internacionais coloca o país em grande desvantagem frente ao comércio internacional, em especial em razão da insegurança jurídica das regras internas. Embora faça uma análise de forma não muito otimista a respeito do avanço do direito brasileiro em relação a esta questão, Gama (2002) enumera as Convenções Internacionais ratificadas pelo Brasil e noticia que a Lei 9.307/96 (sobre arbitragem) finalmente adotou a autonomia da vontade em matéria conflitual, o que possibilita a utilização dos Princípios do Unidroit, ao menos nos casos submetidos a arbitragem. 4.5 EFEITOS Em sendo feita opção pelas partes de inserir uma cláusula de hardship no contrato, traz-lhes como primeiro efeito prático, o dever de renegociar o contrato em caso de desequilíbrio da relação. No caso de se verificarem todos os pressupostos do hardship, pode a parte lesada requerer a renegociação do contrato à outra parte. Este é o primeiro efeito previsto no Artigo 6.2.3 dos Princípios. Neste particular, importa observar que a alteração fundamental das condições do contrato em razão de evento superveniente, imprevisível e fora do controle razoável das partes não ocasiona automaticamente a revisão do contrato. A 112 somatória destes fatores confere a parte lesada, tão somente, o direito de requerer a sua renegociação. Mas, conforme alerta Gavazzoni (2006), não basta a simples renegociação para cumprir o requisito previsto no artigo 6.2.3 (1), se as partes não desarmarem seus espíritos e mantiverem-se com o propósito de frustrar a negociação. É necessário que sejam apresentadas propostas proporcionais e compatíveis com a nova realidade, e que sejam elas analisadas pelas partes com o intuito de re-equilibrar a relação, sempre com empenho e boa-fé para que se possibilite um acordo e para que o contrato seja concluído com integral cumprimento do propósito pelo qual foi firmado inicialmente. Portanto, espera-se que as partes cooperem mutuamente, conforme prevê o Artigo 5.1.368. Segundo Glitz (2008), haveria, portanto, dupla finalidade nesta cláusula: uma positiva, que visa renegociar e possibilitar a revisão do contrato e outra negativa, que pretende evitar a dissolução. O mesmo artigo 6.2.3 prevê em seus parágrafos o procedimento a ser seguido, caso as partes se deparem com uma situação de harship. ARTICLE 6.2.3 (Effects of hardship) (1) In case of hardship the disadvantaged party is entitled to request renegotiations. The request shall be made without undue delay and shall indicate the grounds on which it is based. (2) The request for renegotiation does not in itself entitle the disadvantaged party to withhold performance. (3) Upon failure to reach agreement within a reasonable time either party may resort to the court. (4) If the court finds hardship it may, if reasonable, (a) terminate the contract at a date and on terms to be fixed, or (b) adapt the contract with a view to restoring its equilibrium.69 68 ARTICLE 5.1.3 (Co-operation between the parties) Each party shall cooperate with the other party when such co-operation may reasonably be expected for the performance of that party’s obligations. Tradução livre: Artigo 5.1.3 (Cooperação entre as partes) Cada parte deve cooperar uma com a outra quando tal cooperação é razoavelmente esperada para que a parte contrária possa cumprir sua obrigação. (Texto extraído da versão em inglês dos Princípios do Unidroit, disponível no site oficial do Instituto <http://www.unidroit.org/english/principles/contracts/principles2004/blackletter2004.pdf>. Último acesso em 25 de outubro de 2008.) 69 Texto extraído da versão em inglês dos Princípios do Unidroit, disponível no site oficial do Instituto <http://www.unidroit.org/english/principles/contracts/principles2004/blackletter2004.pdf>. Último acesso em 25 de outubro de 2008. Tradução livre: Artigo 6.2.3 (Efeitos do hardship) (1) Em caso de hardship a parte em desvantagem esta autorizada a requerer a renegociação. O pedido deve ser feito sem atraso indevido e deve indicar os fundamentos sobre os quais é baseado. (2) O pedido de renegociação não confere, por si só, à parte lesada o direito de suspender a execução de suas obrigações. 113 Conforme se verifica das disposições acima transcritas, o pedido de revisão deve ser feito sem demora injustificada e deve ser instruído com os fatos e fundamentos pelos quais o contrato deve ter suas cláusulas revisadas, bem como os meios propostos para remedia-lo. Quanto ao prazo para se chegar ao acordo, a própria cláusula poderá prédeterminar a quantidade de dias para que se cheguem a um entendimento, contados a partir do momento da ocorrência do evento ou da notificação pela da parte lesada com o pedido de renegociação (MELO, 2000). O parágrafo segundo alerta para a questão de que não é permitido à parte lesada suspender a execução do contrato durante as negociações, nem alterar as condições do contrato unilateralmente, ficando as partes durante este período sujeitas às condições pactuadas originariamente, em razão do previsto nos artigos 1.370 e 6.2.171. Não é permitido às partes se negarem a renegociar, sob pena de que tal atitude represente violação ao contrato, sujeito a condenação em perdas e danos. Contudo, o artigo em comento prevê a necessidade de tentativa, de união de esforços, para buscar a adaptação do contrato, mas não impõe o êxito nestas tratativas. Por isto, pode-se afirmar que a cláusula de hardship é uma obrigação de meio, e não de resultado. Neste sentido foi a decisão de 1989 do caso n. 5.953, da CCI (GAVAZZONI, 2006, 121). Se as partes não chegarem a um consenso e a renegociação restar infrutífera, as partes deverão submeter a questão a um tribunal (art. 6.2.3(3)). Aliás, sempre que houver no contrato a cláusula de hardship, não podem as partes se (3) Na hipótese de falhar a tentativa alcançar um acordo em um período de tempo razoável ambas as partes podem recorrer ao tribunal. (4) Se o tribunal considerar que se trata de hipótese de hardship ele poderá, se considerar razoável: (a) pôr termo ao contrato em data e nas condições a serem fixados, ou (b) adaptar o contrato a fim de restaurar o seu equilíbrio. 70 ARTICLE 1.3 (Binding character of contract) A contract validly entered into is binding upon the parties. It can only be modified or terminated in accordance with its terms or by agreement or as otherwise provided in these Principles. Tradução livre: Artigo 1.3 (Carater obrigatório do contrato) A validade do contrato gera a sua obrigatoriedade entre as partes. Somente poderá ser modificado ou extinto de acordo com seus termos, por comum acordo ou como pelas disposições destes Princípios. 71 ARTICLE 6.2.1 (Contract to be observed) Where the performance of a contract becomes more onerous for one of the parties, that party is nevertheless bound to perform its obligations subject to the following provisions on hardship. Tradução livre: Artigo 6.2.1 (Obrigatoriedade do contrato) Quando o cumprimento do contrato se tornar mais oneroso para uma das partes, esta parte continuará obrigada a cumprir com suas obrigações, sem prejuízo das disposições seguintes relativas ao hardship. 114 negarem a submeter a questão a um tribunal, caso frustrada a tentativa de renegociação amigável. Uma vez submetida a questão ao tribunal, ele terá como opção resolver a obrigação ou adaptar o contrato, de forma a reequilibrá-lo, levando em consideração as novas circunstâncias. Ainda, dos Comentários aos Princípios é possível extrair duas outras possiblidades de solução a serem dadas pelo tribunal, que seriam de confirmar as condições atuais do contrato ou determinar o prosseguimento da renegociação entre as partes. 4.6 CRÍTICAS Embora a interpretação utilizada para o presente trabalho seja daquela parte da doutrina que vê a cláusula com otimismo, não se pode deixar de mencionar a outra parte que se apresenta resistente a esta ferramenta do direito internancional privado. Esta oposição decorre do entendimento de que a cláusula de hardship representaria uma ameaça ao conceito do contrato, reduzindo-o a um acordo de vontades e deixando de lado elementos objetivos tais como equivalecência dentre os deveres das partes, bem como seria um problema em razão de sua generalidade, pois impossibilita a compreensão de que existem problemas específicos, vinculados a certos tipos de contratos. Além de apontar outro problema que normalmente não é percebido que se refere “à concepção do acordo como uma realidade instantânea, o que significa que o contrato é perspectivo como um fenômeno com limites temporais precisos e bem definidos” (GOMES, 1997, p. 169). Para esta parte da doutrina, poderia se comparar os juristas com românticos que acreditam em amor à primeira vista, pois estariam limitando a sua análise ao contrato naquelas relações sem grandes percalços, em que não existe envolvimento pessoal entre as partes e a troca entre elas se restinge a dinheiro, ou mercadorias facilmente convertíveis em dinheito. Mas, diferente disto, a relação contratual envolveriam fatores tais como a consciência humana do tempo, divisão de trabalho, necessidade de intercâmbio, matriz social, além de se considerar outros objetos negociados (tais como transferência de tecnologia, pesquisa científica, produção, marketing entre outros) e terceiros envolvidos na relação. 115 Em relação ao tempo, entendem que a consideração quanto ao passado e o futuro do contrato, implica na forma de planificação. Segundo este entendimento, a Planificação seria pré-negocial e cercada de debate, enquanto a transação é isolada e rígida. A flexibilização, decorrente da possibilidade de renegociação, só é obtida quando as partes têm acesso ao mercado e é capaz de que nele se realizem outras transações para comportar esta nova negociação. Portanto, o momento apropriado para as partes acordarem, seriam na Planificação. Entretanto, se considerados os requisitos da cláusula de hardship, percebese que estão inseridos entre eles elementos tais como a imprevisibilidade, o que quer dizer que se tratam de eventos que a parte não tinha como prever no momento da celebração do contrato, portanto, impossível de fazer parte da fase pré-negocial. A cláusula existe justamente para garantir alguma segurança quanto a continuidade do contrato. Nada impede que as partes se cerquem de todas as formas durante a fase de formação do contrato. Na verdade, é até mesmo recomendável que sejam inseridas cláusulas sobre os eventos que são capazes de antever, e desde logo especificando quais as conseqüências de tais eventos. Contudo, conforme se verificou, as cláusulas de hardship servem para deixar estabelecido, que se houver o desequilíbrio do contrato, estão as partes obrigadas a renegociação, não que sejam obrigadas a chegar a bom termo ao final destas tratativas. Os críticos utilizam também como argumento contrário à cláusula, o de que os contratos de longa duração não seriam benéficos. Melhor seriam vários contratos de curta duração. Isto porque, o custo deste de longa duração tendem a aumentar, pois as partes querem projetar seus lucros futuros e incorpora-los no contrato, para garantir o máximo proveito deles. Por isto não seriam recomendáveis. Entretanto, esta seria uma nítida hipótese em que a cláusula de hardship seria extremamente benéfica, pois possibilitaria às partes a possibilidade de renegociação futura, caso a relação se tornasse desequilibrada. Crítica também é feita no sentido de que ela representaria um risco e que não seria recomendável que estejam presentes em contratos que envolvam partes com background econômico e diferente, sob pena de se converterem em desculpa para o não cumprimento do contrato. Mas, esquecem-se que aliado aos requisitos apresentados no tópido 4.3, devem também ser observados princípios gerais do direito, tais como a boa-fé, o que inibiria a sua utilização de forma leviana. 116 De um modo geral, a resistência reside na insegurança e na incerteza sobre o cenário futuro em que se daria a renegociação. Segundo o entendimento dos críticos, melhor seria antever todas as situações que poderiam desequilibrar a relação e dispo-las de forma especificada, já estabelecendo efeito, reação e consequencia, para não submeter às partes a necessidade de retomar a fase negocial do contrato, em outro momento político e econômico (o que gera insegurança) Mas, a opção para o desenvolvimento do presente trabalho é pela corrente que vê com bons olhos a cláusula de hardship, pois é um contra-senso falar em se antever de forma especificada eventos futuros e imprevisíveis. Assim, o entendimento a ser aplicado é o de que a cláusula de hardship serve não para os casos mencionados pelos críticos, mas para aqueles que fogem ao conhecimento e ao controle das partes, tal como especificado nos ao longo do presente capítulo. Por fim, reconhece-se que existem outras tantas formas e remédios desenvolvidos com a mesma finalidade da cláusula de hardship, ou seja, a de buscar o equilíbrio da relação contratual. Gomes (1997) traz exemplos neste sentido, tais como cláusulas automáticas de adaptação e a nomeação de uma pessoa encarregada de acompanhar permanentemente a execução do contrato, Neste sentido, a que se respeitar todas as opções existentes para tentativa de preservar o contrato, cabendo às partes fazer a opção por aquela que melhor atender às suas expectativas. 117 5 O CONTRATO NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO A fim de contextualizar o contrato dentro do modelo atualmente conhecido, faz-se uma breve remissão histórica. O modelo absolutista, em que se tinha um Estado sem limites, com intervenções abusivas no setor privado, encontrou violenta reação ao final do século XVIII, com a Revolução Francesa. Nesta transição do absolutismo para o liberalismo encontram-se as raízes ideológicas mais fortes do Direito Civil: o liberalismo econômico, o individualismo e o voluntarismo. Ocorre que a classe burguesa, classe econômica emergente, encontrava suas atividades limitadas à mentalidade feudal, isto significa dizer que havia grande dificuldade para a livre circulação de riquezas e o livre acesso à aquisição de bens, entre outras questões políticas. Os ideais da Revolução Francesa eram exatamente o que a Burguesia precisava para expandir suas atividades, principalmente se observados os ideais de igualdade e fraternidade. Assim, os princípios da revolução foram introduzidos no discurso jurídico e fundamentaram dois princípios da teoria clássica dos contratos: a igualdade formal das partes nos contratos e a liberdade de contratar. Desta forma, foram atendidos os interesses burgueses, garantindo acesso a qualquer forma de bens, inclusive aqueles que até então eram reservados à nobreza e ao clero. Conclusão decorrente deste período, era a de que se todos são iguais perante a lei e podem livremente contratar entre si e perante o Estado, poderiam contratar livremente e esta relação refletiria sempre um pacto justo. 72 Portanto, para a mentalidade vigente no liberalismo, a contratação ocorria com base na autonomia da vontade das partes, sem a intervenção do Estado no conteúdo da relação contratual, salvo exceções de ordem pública e contrariedade aos bons costumes. O contrato representava, em muitas oportunidades, o instrumento de exploração do ser humano sob o manto do direito, já que se presumia que todo o 72 Para Antônio Jeová Santos (2004) as liberdades individuais aliada à concepção econômica liberal no século XVIII, decorrentes da Revolução Francesa, fez com que os grandes capitais diminuíssem e a relação entre empregadores e empregados ficassem mais equilibrada, tendo o contrato se constituído em uma garantia contra a exploração de um contratante por outro. 118 contrato ocorria de relações entre iguais, representando sempre a vontade de ambas as partes. O triunfo da soberania da vontade, como a grande máxima de todos os direitos e obrigações, tomou tamanha proporção que o sistema contratual passou a ser o centro de todo o regime jurídico. Novamente, diante dos abusos decorrentes do liberalismo exacerbado, acabou por gerar uma reação, pois cada vez mais havia a necessidade de intervenção do Estado nas relações privadas, com o objetivo de equilibrar as relações contratuais, possibilitando condições de igualdade e proteger os que se obrigassem em condições de vulnerabilidade. Este fato era inevitável diante da revolução industrial, da urbanização, da economia de massas e guerras. Esta intervenção pública nos contratos provocou reação, em que houve a denúncia da publicização do direito civil, pelos civilistas clássicos. Neste período, em que se buscou com a intervenção do Estado o equilíbrio de fato, e não apenas fictício, nas relações contratuais, bem como um protecionismo ao pólo hipossuficiente das relações, surgem novos ramos do Direito Civil, como o Direito do Trabalho e do Consumidor, que formaram micro-sistemas cujos fundamentos são diversos da doutrina liberal clássica. Além disso, a intervenção do Estado vem no sentido de promover a repersonificação do Direito Civil, introduzindo cláusulas gerais de proteção em especial à dignidade da pessoa humana. Embora esta descentralização tenha causado um certo esvaziamento da teria geral dos contratos, pode-se dizer que a importância das relações contratuais ainda são as mais relevantes no direito privado. Tanto o Código Civil de 1916, como o de 2002 não possuem um livro próprio para a teoria geral dos contratos, nem para os contratos em espécie. As disposições correlatas à matéria encontram-se na Parte Especial do Código, no Livro das Obrigações (Livro I). Juntamente com os atos unilateriais e os atos ilíticos, os contratos constituem uma fonte de obrigação. Segundo Borges (2004), a maior expressão da teoria geral do negócio jurídico é o contrato: Além da relação de pertinência para com o Direito das Obrigações, há uma proximidade com a Parte Geral do Código Civil. Por 119 influência padectista, sobretudo a partir do BGB, o Código Civil alemão, o texto do nosso Código Civil (tanto de 1916 como o de 2002) apresenta, no seu início, uma teoria geral, com conceitos básicos genéricos e altamente abstratos sobre os elementos da relação jurídica, quais sejam: as pessoas, os bens e os fatos. Na disciplina dos fatos jurídicos encontra-se a teoria geral do negócio jurídico, cuja maior expressão é o contrato. Embora o estudo dos contratos se inicie já na Parte Geral do Código Civil (com a teoria geral do negócio jurídico), pode-se afirmar que os contratos se relacionam com os demais Livros do Código Civil. Cite-se, por exemplo, a relação com o direito das coisas, na medida em que o contrato certamente se constitui no instrumento essencial para a circulação de riquezas e transmissão de propriedade. Da mesma forma, no Direito de Família, os contratos possuem sua relevância e podemos citar como exemplos os pactos antenupciais, de união estável. Portanto, a aplicabilidade do contrato abrange-se a todas as ramificações do Direito e está presente em todas as figuras jurídicas que nascem do concurso de vontades, independentemente da modalidade ou eficácia (GOMES, 2008, p. 10). Mesmo diante da sua visível importância do contrato73, existe uma teoria geral a ele superior, que estabelece de que maneira deverá ser aplicado, interpretado e integrado o contrato. A teoria geral dos contratos possui cláusulas gerais, cuja observância é obrigatória indepedentemente do objeto do contrato e serve como vigas mestras para a interpretação de todas as demais disposições contratuais. Podemos citar como exemplos o princípio da Autonomia Privada, da Boa-Fé Objetiva, da Equidade e Justiça Contratual e da Função Social. O princípio da autonomia privada, ou da autonomia da vontade, é a liberdade subjetiva do indivíduo de querer ou não alguma coisa. Especificamente no Direito Contratual, corresponde a liberdade de contratar. Optando por contratar, esta, ainda livre a escolha pelo parceiro contratual. Da mesma forma, é livre a possibilidade para estabelecer o conteúdo do contrato. Mas, não se trata de principio imune à limitações. Esses limites são decorrentes não apenas do dever de observância a ordem pública e bons costumes, 73 O vocábulo contrato pode ser interpretado em seu sentido amplo ou restrito. Amplo, quando quer significar negócio jurídico decorrente do concurso de vontades e restrito, quando deste acordo de voltades resultam efeitos obrigacionais na esfera patrimonial (GOMES, 2008, P. 10) 120 as são consequencia da necessidade de garantir que as relações jurídicas observem aspectos decorrentes da constitucionalização do direito civil, priorizando assim a solidariedade, a justiça social, a igualdade e a liberdade. O princípio da boa-fé objetiva está mais ligada a interpretação do contrato, do que com sua estrutura. Significa que a intenção manifestada na declaração de vontades, quando da formação do contrato, deve prevalescer sobre o literal significado da linguagem. (GOMES, 2008, p. 43) Por uma visão geral, deve-se observar que o comportamento humano, teoricamente, deve se pautar pelos ditames da simplicidade, da honestidade e da boa-fé. Presume-se, portanto, que por ocasião da ocorrência de um litígio, as partes procedam de maneira lisa, honesta, conduzindo-se dentro dos parâmetros legais, morais e éticos, de modo a propiciar a busca da verdade com serenidade e clareza. O princípio da boa-fé74 no direito contratual tem natureza efetivamente ética. Não se trata, porém, de exigir que a parte se comporte de maneira ingênua, mas sim, de que ambas conduzam-se sem malícia, dolo, sem o uso de artifícios ou fraudes ou outros elementos que possam macular essa postura. No Códigio Civil Brasileiro encontra-se inserida no artigo 42275, tendo sido lá incluída em decorrência da necessidade de se obter mais segurança e razoabilidade, impondo de forma expressa a obrigatoridade quanto ao dever de respeitar um conjunto de deveres, especificamente ligados à boa-fé. (TEPEDINO, 2002a, p. 56) Possui como funções a de preencher lacunas, servir de elemento de interpretação das cláusulas contratuais (tendo sempre em conta a eticidade e a socialidade). Ademais, conforme anteriormente mencionado, é um limitador ao exercício dos direitos subjetivos, pois “como corolário da dignidade da pessoa humana, e integrado pela solidariedade, constitui-se em verdadeiro limire da autonomia pivada” (POPP, 2001, p. 22). O princípio da equidade e justiça contratual, por sua vez, visa garantir o equilíbrio da relação. 74 No direito processual civil, pode ser observado no artigo 14, II, do Código de Processso Civil, que determina expressamente: Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: I – expor os fatos em juízo conforme a verdade; II – proceder com lealdade e boa-fé; [...] 75 Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. 121 Ele alcança um perfil não somente de supressor de lacunas ou de ferramenta de interpretação de regras jurídicas, mas visa o efetivo equilíbrio econômico das obrigações pecuniárias. (NALIN, 2006, p. 144) Desta forma, procura garantir a adequação entra a contrapartirda e os sacrifícios assumidos pelas partes contratantes. Reflete a preocupação da teoria contratual contemporânea com o contratante vulnerável; observando a disparidade de poder negocial entre os contratantes. A inobservância a este princípio pode ocasionar a declaração de nulidade de cláusula abusiva ou a revisão do contrato, ou especificamente da cláusula que ocasionou o desquilíbrio econômico da relaçã, “pois o que é injusto nunca poderá ser reputado como obrigatório.” (NALIN, 2006. p. 145) A função social do contrato, por sua vez, é um princípio ético-social e se consubstancia em um limitador da liberdade do contratante de promover a circulação de bens. Por este princípio, existe uma interferência profunda no conteúdo do negócio em virtude do papel que o contrato desempenha na sociedade. Especial destaque para o solidarismo, relevante para os contratantes e para toda a sociedade. Os princípios acima mencionados são aqueles que possuem maior relevância em relação ao tema escolhido. Eles são apenas alguns exemplos dentre tantos outros mencionados pela doutrina. 122 6 DO EQUILÍBRIO CONTRATUAL “O contrato é um ato jurídico bilateral, pois depende de no mínimo duas declarações de vontade, visando criar, modificar ou extinguir obrigações (direitos relativos de conteúdo patrimonial)”. (WALD, 2001, p. 183) Portanto, para a formação do contrato é necessária a existência de duas ou mais partes que expressam vontades convergentes a uma mesma finalidade, sendo estas vontades individualmente válidas e eficazes. Deve o acordo, ainda, versar sobre a constituição e disciplina de uma relação jurídica de natureza patrimonial. Surgido no direito romano, o contrato se firmou no direito canônico como um instrumento capaz de garantir a possibilidade de criar direitos e obrigações a partir da vontade das partes. (WALD, 2001, p. 183) Dissecando o conceito do contrato, Roppo (1988, p. 10-11) aponta três termos combinados que o compõe: contrato, operação econômica e direito dos contratos. Segundo seu entendimento, a operação econômica é um elemento imprescindível para a formação do contrato, representa a sua materialidade, o seu substrato, o seu objetivo final. O contrato, por sua vez, é a formalização jurídica da operação econômica, porque esta deve ser regulada pelo direito, inclusive para atestar a idoneidade da transação que se realiza. E o direito dos contratos, por fim, como conjunto de regras e princípios a reger o contrato, para conferir lhe funcionalidade. Assim, observa-se que a idéia de contrato está ligado a duas questões: a primeira diz respeito à comutabilidade, ou seja, ao prévio conhecimento dos contratantes quanto às obrigações que se está voluntariamente assumindo. Nesta esteira a noção de proporcionalidade entre as prestações e contra-prestações. Além disso, outro fator primordial à análise do equilíbrio do contrato, diz respeito ao futuro, ou seja, ao tempo em que o contrato estará sendo executado e no que circunstâncias futuras poderam influenciar sobre ele. Não existe nenhuma norma no direito positivo que defina o que vem a ser o equilíbrio contratual, mas é possível reconhece-lo diante de situações práticas e em especial, diante do próprio princípio do equilíbrio contratual (apresentado no capítulo anterior). Desta forma, para se identificar o equilíbrio contratual serão brevemente analisadas a questão da comutatividade e da temporalidade. 123 6.1 COMUTATIVIDADE: RELATIVIZAÇÃO DA FORÇA OBRIGATÓRIA DOS CONTRATOS Para a análise do contrato visto sob o aspecto da comutatividade, inicialmente faz-se necessário analisar a autonomia da vontade. Isto porque, as partes contraem obrigações (ou seja, firmam contratos) pelo exercício da autonomia da vontade. Assim, é em razão deste princípio que decorrem os demais, como o dever boa-fé, de equilidade e de justiça. No período da Revolução Francesa a autonomia da vontade ganhou especial visibilidade. A este respeito, cabe a seguinte observação: Liberdade contratual e igualdade formal dos contratantes apareciam como os pressupostos, não só da prossecução dos interesses particulares destes últimos, mas também do interesse geral da sociedade. As teorias econômicas então prevalentes – traduzidas no plano prático, na directiva do laissez-faire, laissez-passer – pretendiam, de facto, que o bem estar coletivo podia conseguir-se da melhor forma, não já com intervenções autoritárias do poder publico, mas só deixando livre curso às iniciativas, aos interesses, aos egoísmos individuais dos particulares, que o mecanismo do mercado e da concorrência – a “mão invisível” de Adam Smith – teria automaticamente coordenado e orientado para a utilização óptima dos recursos, para o máximo incremento da “riqueza da Nação”. E é claro que esta liberdade de iniciativa econômica, considerada socialmente útil e necessária, traduz-se no plano jurídico precisamente na liberdade, entendida igualmente como conforme ao interesse social, de estipular contratos quando, como e com quem se queira.(ROPPO, 1988. p. 35-36) O princípio da autonomia da vontade é o poder das partes de estipular livremente, como melhor lhes convier, mediante acordo de vontades, a disciplina de seus interesses, suscitando efeitos tutelados pela ordem jurídica. O princípio envolve, além da liberdade de criação do contrato, a liberdade de contratar ou não contratar, de escolher o outro contraente e de fixar o conteúdo do contrato. Por sua vez, para o direito internacional privado, este princípio tem um significado um pouco diferente, ele quer dizer que as próprias partes podem escolher o direito aplicável em caso de controvérsias futuras envolvendo seu contrato. Segundo Rechster (2003), se o Estado admite a autonomia da vontade como elemento de conexão, isto quer dizer que será aplicada a lei escolhida pelas 124 partes contratantes, considerando a sua vontade subjetiva e não a vontade objetiva do legislador. Embora a regra aplicável ao contrato internacional dependa da escolha das partes, essas regras possuem limitações. Para Strenger (1998), os limites para a autonomia da vontade nos Contratos Internacionais são as leis imperativas internas do território no qual o contrato deve ser executado e as regras de ordem pública.76 O desenvolvimento do princípio da autonomia da vontade no Direito Internacional Privado é atribuída a Charles Dumolin (jurista francês do séc. XVI). Naquela época, não havia um código francês unificado e as leis das diversas províncias eram tidas como direito estrangeiro. Dumolin defendia a aplicação de uma lei a ser escolhida pelas partes para os contratos internacionais e para os regimes patrimoniais. Para ele, haviam os estatutos cuja vigência independia da vontade das partes e outro cuja vontade das partes era fator decisivo. Os que independiam da vontade das partes era subdividido entre (i) aqueles referentes às pessoas e às coisas e (ii) aqueles referentes à forma dos atos e dos juízos. Sua teoria veio a ser utilizada na prática somente nos séculos XIX e XX e tornou-se universalmente aceita, com adoção expressa tanto em convenções internacionais, quanto em legislações internas de diversos países. (ARAÚJO, 2004) As considerações feitas a respeito da autonomia da vontade para o Direito Internacional Privado são para melhor compreensão e diferenciação em relação a este mesmo princípio no direito brasileiro. Embora seja importante que se entenda o significado deste princípio no Direito Internacional, uma vez que ela é fundamental para a interpretação das ferramentas apresentadas nos capítulos 2, 3 e 4, a autonomia da vontade da qual estaremos nos referido para identificar o equilíbrio contratual, é aquela aplicada pelo direito interno. Voltando ao conceito da autonomia da vontade para o direito brasileiro, ela possui suas limitações, sendo elas as normas que tem como finalidade a proteção de interesses tidos como superiores (como por exemplo, os bons costumes, a moral 76 Strenger (1998. p. 121), citando Elisa Pérez Vera, define a Ordem Pública da seguinte forma: “A ordem pública é, pois, o esquema axiológico de todo grupo normativo articulado e que, plasmado umas vezes em preceitos e outras em principios, cumpre a função positiva de dotar de caráter formal de jus cogens as proposições jurídicas que substancialmente o definem e a função negativa de ministrar ao intérprete jurídico o filtro técnico que lhe permitira atender a defesa dos valores esenciáis do sistema, tanto diante de normas alheias como de situações criadas fora desta.” 125 e a ordem pública). Além disso, embora conferida autonomia aos contratantes, devem eles guardar tanto na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. Estas limitações são impostas com o objetivo de proporcionar equilíbrio contratual. Neste ponto o equilíbrio é fundamental. Nem o cego pacta sunt servanda, nem o fraco e simples descumprimento sob qualquer pretexto. O respeito pela palavra empenhada continua sendo o fundamento moral da força vinculante do contrato. Mas essa força deve ser interpretada rebus sic stantibus, ou seja, desde que as circunstâncias que cobriam a formação e conclusão do contrato não tenham se modificado durante o período da sua execução e tenham se mantido inalteradas. (SANTOS, 2004. p. 51) Uma vez empenhada a palavra da parte e tendo ela optado por firmar o contrato, escolhido com quem contratar, qual o objeto, as prestações, pode-se dizer que estará sob a força vinculativa do contrato. Pelo lado oposto a este pensamento, para NALIN (2006) a boa-fé passou a ter um papel subtitutivo, antes ocupado pela vontade das partes no contrato. Menciona, também, que tem a boa-fé relação inversamente proporsional à vulnerabilidade subjetiva de um dos contratantes. Se analisado o conceito de contrato na atualidade, tem-se que a autonomia da vontade não representa mais uma “livre” manifestação. Portanto, não é o sufienciente para se atingir a justiça contratual. Defende este autor que embora o contrato sem vontade não exista, não se deve empregar à vontade contratual tanta relevância, chamando a atenção para a massificação das relações e a pré-elaboração do conteúdo do contrato, considera necessário que se tenha um contrato de direito, subordinado à exigência da justiça. Mas, a falta de previsão expressa no Código Civil de norma capaz de possibilitar a leitura do contrato sem levar em conta a comutabilidade, dificulta que se faça uma aproximação do contrato à justiça comutativa, limitando a justiça nele contida ao mero exercício da librevontade contratual. Portanto, justo e equitativo neste senário, seria a relativização da compreensão da rebus sic stantibus e da comutabilidade, dando vez à boa-fé e a equidade, possibilitando-se a renegociação do contrato para atingir o seu equilíbrio. 126 6.2 TEMPORALIDADE Além do requisito que da comutatividade, o equilíbrio do contrato pode ser medido pelo critério da temporalidade. Para falar sobre a questão econômica do contrato, breves considerações sobre o conceito atual do contrato devem ser feitas. Atualmente não se pode falar em um conceito único e fechado de contrato em virtude da hipercomplexidade do mundo, tanto na esfera econômica – em especial em razão da globalização, em que praticamente não existem mais eventos isolados, pois um incidente ocorrido em uma localidade pode refletir seus efeitos no restante dos países dos cinco continentes - como na esfera jurídica. Nexte contexto, por ser o vínculo contratual dinâmico, quaisquer mudanças nas condições econômicas objetivas acabam por afeta-lo. Se houver a ocorrência de um fato imprevisto e inerente ao tempo, e sendo o contrato de execução diferida ou continuada, desencadeará o desequilíbrio das prestações. Correspondendo estas situações a um risco normal do contrato, as partes terão que administrar esta instabilidade, mas se a carga onerar em excesso uma parte, deve-se buscar a equivalecência das prestações, por meio da revisão ou da resolução do contrato. A fim de buscar a revisão contratual, se faz útil a apresentação de algumas teorias de forma e pela maior aderência ao tema proposto passaremos pela cláusula rebus sic stantibus (criada na Idade Média), pela teoria da pressuposição (de Windscheid, 1900) e com maior minuscia, pela teoria da onerosidade excessiva. Para todas estas teorias encontra-se presente o fator da onerosidade excessiva, devendo ele ser demonstrado em juízo, caso a parte pleiteie a revisão do contrato. A possibilidade da revisão está na obrigatoriedade em se demonstrar a alegada onerosidade é excessiva e extraordinária, e afastar a onerosidade razoavelmente compatível com o risco natural do negócio. 127 6.3 TEORIAS REVISIONISTAS A Pacta sunt servanda foi consagrada no Código Napoleônico, que equivale a dizer que o contrato tem entre as partes a mesma força mandamental que a lei. Assim, remete-se à primeira noção dos contratos: o contrato faz lei entre as partes. Pela nova concepção, o contrato e as constantes transformações política e econômica na sociedade e no Estado moderno exigiu-se, por exceção, uma atenuação deste princípio geral. Até então, as partes poderiam modificar, revisar e até mesmo resolver o contrato, sendo preponderante a autonomia da vontade (autonomia contratual). Como exceção, poderia o Estado intervir na relação, com a intenção de conferir ao pólo frágil da relação uma superioridade jurídica para compensar a inferioridade econômica (normas cogentes – que não podem ser alteradas, e normas supletivas – que operam no silêncio das partes). Essa possibilidade passou a ser admitida em razão de elementos inusitados e surpreendentes, circunstâncias novas no curso do contrato, que colocavam uma das partes em extrema dificuldade, ocasionado uma excessiva onerosidade. Importante ressaltar que o princípio da obrigatoriedade dos contratos não pode ser violado por dificuldades comezinhas de cumprimento ou por fatores externos perfeitamente previsíveis. Aliás, a questão da imprevisibilidade merece destaque no que se refere à possibilidade de revisão dos contratos em razão da onerosidade excessiva. Surgem, então, as quatro teorias já mencionadas, para a revisão dos contratos: a cláusula rebus sic stantibus, que é construção antiga do direito canônico, a teoria da imprevisão (uma releitura desta cláusula), e a teoria da onerosidade excessiva. A cláusula rebus sic stantibus foi desenvolvida pelo direito canônico e por ela entende-se implícito em todos os contratos um dispositivo que estabelece que as obrigações contratuais somente podem ser integralmente cumpridas se subsistirem as condições econômicas do contrato existente no momento da conclusão do negócio. No início deste século, no entanto, doutrina e jurisprudência vinham admitindo uma revisão das condições dos contratos mediante a intervenção judicial em casos de: (i) enriquecimento sem causa: quando o fato externo acarreta 128 injustificado aumento de patrimônio de uma parte e correspondente diminuição do patrimônio do outro, (ii) abuso de direito: um dos contratantes aproveita das conseqüências do evento inesperado exercendo imoderadamente o seu direito em prejuízo do outro e (iii) onerosidade excessiva e reequilíbrio da relação contratual. Segundo a teoria da pressuposição de Windscheid, quem contrata deve estar ciente e ter a certeza de que tudo transcorrerá sem qualquer anormalidade, desde o nascimento até a execução da obrigação. Mas, se houver qualquer incidente no percurso, que não tenha sido ocasionada por quem contratou, não haverá qualquer responsabilização sobre ele, estando liberado da obrigação assumida, com base na pressuposição de que alterações deveriam ser normais, todas dentro do que se pode considerar comum dos contratos em geral. Na hipótese de ocorrer uma alteração anormal, impunha-se a resolução. A resolução se imporia porque a cláusula rebus sic stantibus se entende implícita em todos os pactos de execução diferida de caráter patrimonial, fazendo-se, então, uma remissão à doutrina de Bartolo. De outra forma: se a pressuposição não se confirmasse, em um certo estado, para ele não haveria a representação do “querer verdadeiro”, pressuposto pela parte. Constatados a iminência de prejuízo (desvantagem que advinha em razão dos eventos extraordinários) e o possível benefício da outra parte, a que se visse em desvantagem oideria se defender contra aquela situação por via de ação destinada a fazer cessaros efeitos da obrigação que lhe seria exigível. (BORGES, N. , 2002. p. 169) Esta teoria (da pressuposição) foi concebida como tentativa de resgatar a cláusula da imprevisão, mas conferindo-lhe características que a tornariam mais específica. Foi vislumbrada para ser incluída no Código Civil Alemão de 1896 (BGB), mas acabou não sendo incluída no primeiro projeto, embora tenha sido parcialmente aceito pela doutrina. A teoria da imprevisão é construção jurisprudencial francesa, desenvolvida na ocasião de sucessivos pedidos de revisão de contratos administrativos durante a Primeira Guerra Mundial. Tem correspondente nos países que adotam a common law, no qual leva o nome de frustation. Constitui exceção aos princípios da intangibilidade e inalterabilidade do negócio jurídico, serve para os casos de trato sucessivo ou de execução diferida, quando ocorrem eventos supervenientes, imprevisíveis para as partes ou para a sociedade em geral e que acarretam a onerosidade excessiva em prejuízo de uma 129 das partes contratantes. Difere da cláusula rebus sic stantibus porque na imprevisão exige-se a presença de um fator exógeno (externo) imprevisível (caso fortuito, força maior ou fato de terceiro – factum principis). No Brasil a teoria da imprevisão foi aplicada pela primeira vez apenas no anos 30 pelo Ministro Nelson Hungria. Já em 1938 o STF reconhecia a possibilidade de se resolverem contratos em razão da onerosidade excessiva. E nos últimos tempos o número de casos que requerem a aplicação desta teoria se multiplicou. Embora não faça parte do objeto do presente estudo, cita-se apenas como ilustração que a positivação desta teoria ocorreu com o Código de Defesa do Consumidor em 1990, em que está disposta expressamente no inciso V do artigo 6°, e posteriormente na alínea “d”, do inciso II, do art. 65 da Lei 8.666/93 (Lei de Licitações). 130 7 ONEROSIDADE EXCESSIVA NO DIREITO BRASILEIRO Por meio do princípio do equilíbrio econômico do contrato visa-se alcançar a justiça contratual, este último com fundamento no princípio da igualdade substancial (previsto no artigo 3°, III da Constituição Federal ). Sobre o tema, Negreiros (2002) entende que não basta um equilíbrio meramente formal do contrato. As prestações devem ser eqüitativas, não podendo gerar lucro exagerado em detrimento do outro contratante. Verifica-se pela doutrina consultada, que deste mesmo princípio resultam duas vertentes, uma referente à formação do contrato, resultante do instituto da lesão e o outra, que diz respeito à execução do contrato sendo este resultante da resolução por onerosidade excessiva. A teoria da onerosidade excessiva é uma abordagem mais objetiva da teoria da imprevisão. O que as diferencia é que na onerosidade excessiva o principal motivo de sua aplicação é a desproporção das prestações, enquanto a teoria da imprevisão está fundamentada na imprevisibilidade. Para Loureiro (2002), a onerosidade excessiva se assemelha ao fato fortuito ou força maior, mas esclarecendo que naquele o evento é extraordinário e imprevisível, o que torna a obrigação de difícil cumprimento, mas não impossível. Para este autor, a opção pela resolução do contrato ou sua modificação eqüitativa depende unicamente da parte contrária se oferecer para rever as cláusulas do contrato. Por outro lado, a força maior ou caso fortuito decorre a necessária extinção do contrato, pois resulta impossibilidade de cumprimento das obrigações prometidas. O instituto da resolução por onerosidade excessiva não possuía previsão no Código civil de 1916. Gomes (2008) aponta como um dos principais avanços do Código Civil de 2002, especificamente quanto aos contratos, a disposição dos artigos 478 a 48077, 77 Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação. Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato. Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva 131 que o autor aponta como sendo correspondentes à excessiva onerosidade superveniente. O entusiasmo deste jurista se deve ao fato de que segundo sua interpretação, a excessiva onerosidade seria causa não somente de resolução do contrato, mas eventualmente de sua revisão. Para ele, esta seria uma resposta do legislador ao problema da alteração das circunstâncias. Em suas palavras, “a onerosidade excessiva da prestação é apenas obstáculo ao cumprimento da obrigação. Não se trata portanto, de inexecução por impossibilidade, mas de extrema dificuldade.” (GOMES, 2008, p. 214) Emílio Betti (apud RODRIGUES JR., 2002) defende que havendo perturbação do equilíbrio econômico, tendo as prestações se tornado excessivamente onerosas em razão de evento extraordinário e imprevisível, cabe ao contraente em vez de rescindir o contrato, resolve-lo. Entretanto, prossegue confirmando a possibilidade de modificação do contrato, a fim de tornar a relação harmônica e proporcionar a satisfação do devedor com o custo da prestação e rendimento útil ao credor. Percebe-se que a teoria da onerosidade excessiva está fundada na desproporção das prestações e em decorrência deste fato, a preocupação da doutrina é de equilibrar novamente a relação. Mas para isto, credor e dever devem cooperar quanto à divisão dos riscos. Entretanto, verificadas determinadas situações, é possível que em decorrência da onerosidade excessiva seja facultada à parte prejudicada a rescisão do contrato dispensando a responsabilização de qualquer das partes e, segundo este entendimento, a parte onerada seria simplesmente liberada de suas obrigações. Fator importante, é o de que somente o credor pode demandar a revisão do contrato, enquanto é facultado ao devedor propor a resolução. São apontados alguns requisitos de aplicabilidade, para que se torne possível a resolução por onerosidade excessiva. Além destes, pode-se também mencionar o artigo 317 do Código Civil, que dispõe o seguinte: “quando, por motivos imprevisíveis sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto ao possível, o valor real da prestação.” 132 7.1 REQUISITOS DE APLICABILIDADE Para que se torne possível aplicar a resolução por onerosidade excessiva, é necessário que estejam presentes os seguintes requisitos: 7.1.1 Acontecimentos Extraordinários e Imprevisíveis Se o desequilíbrio for decorrente de negligência de um dos contratantes, o contrato não poderá ser resolvido pela onerosidade excessiva. Deve o acontecimento ser incomum, inesperado no momento da contratação para ambas as partes, que não podem ser exclusivamente subjetivos e que devem atingir uma camada mais ou menos ampla da sociedade. Devem, ainda, os acontecimentos refletir diretamente sobre as prestações do devedor, aumentando o sacrifício do obrigado. Frise-se que se o acontecimento for previsível para uma das partes, mas para a oura não, parte-se para os vícios da vontade, daí a tratar de lesão. Assim, não sendo possível a utilização da forma de resolução ora debatida. Neste caso, entenda-se como acontecimento extraordinário aquele que se afasta do curso ordinário das coisas e imprevisível quando as partes não possuírem condições de prever, por maior diligência que tiverem. Este requisito se constitui da somatória destes dois fatores, portanto, não basta que o acontecimento seja apenas imprevisível, mas normal. Da mesma forma, não seria o suficiente que seja o evento extraordinário, mas previsível para as partes. Quando a este requisito, deve-se esclarecer que ainda que um fato seja genericamente previsível, pode ele provocar efeitos imprevisíveis e isto basta para preencher este requisito, pois é relevante as conseqüências que ele produz (GOMES, 2008). Por outro lado, há que se observar que a lei não tutela o contratante se este não utilizou da prudência necessária, portanto o risco das circunstâncias ordinárias e previsíveis devem ser suportados pelos contratantes. Ainda em relação ao acontecimento, deve ele ser superveniente a formação do contrato. Afinal, se considerados fatos pré-existentes, presume-se que a parte o 133 deveria ter levado em consideração nas tratativas e estipulação das cláusulas do negócio. Por fim, deve o evento extraordinário e imprevisível ser de âmbito geral, que não se limite a esfera individual do contratante. Deve ter o caráter de generalidade, portanto, atingir todo um mercado. (LOUREIRO, 2002) 7.1.2 Contratos de Execução Continuada ou diferida A fim de possibilitar a resolução por onerosidade excessiva é preciso que os contratos tenham execução continuada ou diferida. Contratos de execução continuada ou periódica são aqueles que se cumprem por meio de atos reiterados e, portanto, em que a prestação é cumprida continuamente durante certo período de tempo. Já os contratos de execução diferida são os que devem ser cumpridos em só ato, mas em momento futuro, quando existem cláusulas que se subordinam a um termo, um evento futuro como, por exemplo, a entrega da mercadoria. Também se aplica ao contrato A fim de possibilitar a aplicação do instituto da onerosidade excessiva, não pode o contrato ter sua execução instantânea. Ao invés, deve ela ser continuada ou diferida, pois ele deve se somar ao requisito de que a onerosidade seja decorrente de um evento superveniente. Assim, a atuação se restringe aos contratos bilaterais comutativos e unilaterais onerosos, pois estas são as hipóteses em que existe um lapso temporal entre a conclusão do contrato e sua execução. Exclui-se os contratos de execução instantânea, pois para estes o requisito da superveniência do evento não poderia ser preenchido, na medida em que se consumam em um só ato. Também não se aplica a resolução por onerosidade excessiva a eventos posteriores à execução do contrato, por ter ele se esgotado. 7.1.3 Prestação Excessivamente Onerosa Alteração do montante da prestação de forma grave, substancial e custosa, ao ponto de tornar o seu cumprimento um sacrifício muito além do que poderia 134 antever o prejudicado no momento da celebração do contrato, comprometendo a viabilidade econômica do mesmo. Deve a onerosidade ser objetivamente excessiva, isto é, excessivamente onerosa para qualquer pessoa que se encontrasse no lugar do devedor. 7.1.4 Exagerada Vantagem Aliado à excessiva onerosidade da prestação, deve estar correlata a extrema vantagem para a outra parte. Isto é, o enriquecimento indevido de lucro exorbitante aproveitado pela parte contratante, com aumento patrimonial significativo a seu favor. Para Gomes (2008) este requisito seria compreensível, porque se o fundamento da resolução por onerosidade excessiva é o desequilibrio entre as prestações, a perda excessiva de um lado, equivaleria ao ganho exagerado de outro. Este não é um requisito apontado de forma uníssona na doutrina, isto porque, casos existem em que a onerosidade excessiva para uma das partes não implica necessariamente num lucro excessivo para a outra, e sim até num prejuízo por sofrer também com as conseqüências da alteração das circunstâncias do contrato. 7.1.5 Ausência de Mora do Devedor Ainda, existe um último requisito para a aplicação da Teoria da Onerosidade Excessiva. Alguns doutrinadores falam na necessidade de ausência de mora do devedor. Neste caso, o devedor onerado ingressa com a ação judicial requerendo a sua liberação da obrigação, bem como a redução do montante da prestação, não se limitando apenas à resolução. O pedido tem em mira as obrigações ainda não cumpridas, aquelas já cumpridas estão extintas. Contudo, a mesma regra não se aplica às prestações pagas no decorrer do processo, pois a sentença produzirá efeitos retroativos à data da citação. 135 Ligada a ausência de mora, menciona-se também o devedor de boa-fé, pois os de má-fé seriam aqueles que de alguma forma contribuíram para a ocorrência do evento que desequilibrou a relação, e também aquele que se encontra em mora. Além da discussão em torno dos requisitos autorizadores para aplicação da Teoria da Onerosidade Excessiva, outra de grande relevância surge, quando estudado o artigo 478 do Código Civil. A doutrina analisa, ainda, a necessidade/possibilidade de apenas se revisar o contrato, ao invés de extingui-lo quando constatada a Onerosidade Excessiva. 7.1.6 Resolução Os artigos sobre a resolução por onerosidade excessiva, dentro do Código Civil Brasileiro de 2002, encontram-se dispostos no Título V “Dos contratos em geral”, no Capítulo II “Da extinção do contrato”, ou seja, uma vez detectada a excessividade das prestações, prevê-se a resolução do contrato. Alguns autores sugerem a mudança do capítulo para “Da revisão e da extinção do contrato”, para viabilizar que da interpretação do código se extraia como possibilidade aquilo que a doutrina já vem mencionando, ou seja, a revisão do contrato. Ainda que exista a boa-vontade por parte da doutrina, tal como se encontram as disposições do Código Civil atualmente a insegurança quanto ao cumprimento do contrato é evidente. Atualmente, ficam as partes sujeitas à interpretação que será dada pela parte contrária e pelo juízo, caso a questão seja levada aos tribunais. Portanto, a sugestão é de por meio das próprias cláusulas do contrato se assegure às partes que diante do desequilíbrio econômico das prestações, não seja facultado à parte a resolução do contrato, sem que antes se busquem todos os meios de manutenção do contrato. 136 CONCLUSÃO Ultrapassada a análise de todos os elementos, agora é possível apresentar a conclusão ao problema proposto. Da análise feita há razões para acreditar que algumas sugestões que contribuirião para segurança jurídica dos contratos. Algumas ferramentas localizadas nos três grupos normativos do direito internacional privado poderiam ser utilizados no âmbito do direito nacional. Passa-se, então a analisar as próprias ferramentas já disponíveis dentro do ordenamento jurídico pátrio. Deve-se ter em mente que a intenção do presente trabalho é avaliar a possibilidade de aplicação de instrumentos do direito internacional privado para aqueles contratos que se encontram em situação de onerosidade excessiva, portanto, para aqueles que sejam de execução continuada (portanto excluindo o de imediata execução), que tenham sido acomedidos por uma situação extraordinária e imprevista e em decorrência disto, as prestações tenham se tornado excessivamente onerosa para uma das partes. Inicialmente, quanto à aplicabilidade das teorias revisionistas apresentadas, observou-se ao longo das pesquisas que a própria doutrina pátria é bastante confusa a respeito da utlização destas possibilidades. A começar pela própria distinção entre uma teoria e outra, é notório que dificilmente os autores fazem uma elaboração de raciocínio clara. Embora sejam praticamente uma decorrente da outra, e daí talvez acarrete alguma confusão, observou-se que em não raras vezes, a própria doutrina especializada utiliza uma teoria como sinônimo da outra. A falta de entusiasmo decorrente desta observação é de ordem prática. Questiona-se, se a doutrina que tem como função elucidar um assunto sem se preocupar em fazê-la coerente a um caso concreto, ou seja, faz o estudo apenas como intuito literário, como pensar em aplicar com segurança tais princípios e ainda, fazê-los se encaixar perfeitamente a uma lide? Quanto à teoria da onerosidade excessiva, embora esta traga alguma vantagem sobre as demais teorias, ainda assim existe o desencontro quanto aos requisitos para a sua aplicabilidade. Por exemplo, alguns autores apontaram como imprescindível a constatação da inexistência de mora por parte do devedor. Extretanto, a realidade fática é de que possívelmente se a parte estiver diante de uma situação de extrema dificuldade em razão do fato superveniente e imprevisto 137 que a deixou impossibilitada de cumprir a obrigação contraída, primeiro, em razão de eventual prazo decorrido em tentativas de acordo e segundo, em vista da realidade do judiciário brasileiro, dificilmente a parte lesada não ficará em mora. Não bastasse este fato, existem ainda os doutrinadores que vêem como requisito, o pedido de resolução do contrato, até mesmo em razão da disposição do próprio código civil brasileiro. Por outro lado, quando analisada a Lex Mercatoria, quanto à aplicabilidade no direito interno, observou-se que embora não aconteça em grande escala, casos existem em que foi submetida à magistratura brasileira usos e costumes do comércio. Portanto, existe receptividade para se incluir a Lex Mercatoria em algum grau nos contratos. A contribuição que se pôde extrair foi, em especial, a permeabilidade dos contratos, a maleabilidade que possibilita que os negócios acompanham a evolução do tempo e mesmo eventuais instabilidades do mercado. A atual sistemática utilizada que tem como base uma legislação rígida, impossibilita o acompanhamento simultâneo das transformações e necessidades decorrentes do mercado. Assim, a proposta seria de utilizá-la em especial no que diz respeito na interpretação e a sua maleabilidade na eventual necessidade de revisão do contrato. É claro que a questão da autonomia da vontade ficaria prejudicada, pois seria precipitado, e até mesmo audacioso, propor que se confira às partes a possibilidade de escolher pela lei a ser aplicada em um contrato dentro do âmbito nacional (já que neste sentido estariam obrigatoriamente vinculada as leis vigentes dentro do território nacional e dentre estas, respeitando a sua hierarquia). Mas a intenção seria de que na interpretação sejam privilegiados os usos e costumes do mercado, sobrepondo as infindáveis discussões a em torno do excesso de formalismo. Com isto, deixar-se-ia de sobrepor eventuais falhas nas formais servirem de pretexto e como impeditivas de que a relação seja preservada. Esta atitude impediria que discussões de arrastassem no judiciário em batalhas homéricas, em discussões infindáveis sobre questões periféricas. Assim, a lei do mercado servia de baliza para a interpretação e para a solução de eventuais controvérsias. A sugestão é de ainda que não se utilize os exatos termos (Lex Mercatoria, Convenção de Viena, cláusula de hardship), sejam descritas nas cláusulas os seus fundamentos, adaptando-as nos itens que se fizerem necessários, para incorporálas à realidade dos contratos nacionais. 138 Como exemplo, seria possível incluir a disposição informando expressamente a intenção das partes em firmar referido negócio jurídico e de que a vontade das partes é de que o objetivo do contrato se sobreponha a eventual imperfeição formal de determinada ordem. Quanto a Convenção, sua aplicabilidade é plenamente possível, em decorrência da Lei de Arbitrágem. Mas, ainda que as partes não façam a opção de submeterem eventual litígio a um tribunal arbitral, existe a já mencionada possibilidade de não utilizar o fundamento encontrado neste trabalho como sucedâneo da Convenção. Neste caso, não só ela, mas todos os mecanismos ora analisados, foram fontes mais fontes inspiradoras, do que fontes para servir de sustentação legal para um contrato interno. Além destas considerações, outras tantas ainda seriam possíveis, pois toda a principiologia do Direito Internacional Privado é bastante rica e atual. Mas dentre todas as contribuições, a que pareceu ser de maior utilidade e de aplicabilidade imediata, é o previsto a própria cláusula de hardship, combinada com a forma de extinção das obrigações pela Convenção de Viena. Inicialmente, retira-se a critia já feita ao Código Civil Brasileiro que incluiu no rol das extinções contratuais a hipótese de onerosidade excessiva. Isto porque, aparentemente traria maior segurança jurídica para as partes se elas tivessem de antemão o compromisso de negociarem as clausulas do contrato na hipótese de evento superveniente e imprevisível que acarrete no desequilíbrio econômico do contrato. Esta obrigatoriedade de negociação, combinado com a obrigatoriedade de que as partes apresentassem propostas sérias, e com estrita observância aos princípios regentes, provavelmente auxiliaria na preservação de vários contratos. Mesmo a proposta da teria da força maior, de suspender a execução do contrato enquanto perdura o evento, parece ser uma alternativa melhor do que a possibilidade de a parte propor a resolução do contrato, sem antes tentar qualquer tentativa de composição. Assim, ficam as partes obrigadas por força do próprio contrato (relativização da autonomia da vontade, mas somando-se a força obrigatória dos contratos) a unirem esforços para manutenção do contrato. 139 Portanto, diferente da previsão do CCB, em que é conferida a opção (na verdade inclusive como sugestão do próprio legislador, ao incluir a onerosidade excessiva no rol das possibilidades de extinção dos contratos por incumprimento) de resolver o contrato, haverá uma etapa a ser percorrida, em que as partes tentarão de forma séria, ética e com observância aos princípios gerais do direito (boa-fé, função social, etc) adaptar o contrato, reequilibrá-lo e mantê-lo, para que seja possível seu integral cumprimento. Estas sugestões extraídas do comércio internacional contribuiria para combater a insegurança jurídica instalada nas relações contratuais. Com o espírito do fair dealing e da boa fé guiam os contratos internacionais (visto bastante de perto nos três institutos) acredita-se que mudir o próprio contrato com os mecanismos a serem utilizados em hipótese de onerosidade excessiva, e a descrição exata do roteiro a ser seguido passo a passo para a negociação, tornaria o contrato mais claro e como conseguencia mais atrativo. 140 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGUIAR JR., Ruy Rosado de. Extinção dos Contratos por Incumprimento do Devedor: Resolução. 2ª ed. Rio de Janeiro: Aide, 2003. ALVES, Jonas Figueiredo. A teoria do adimplemento substancial (“substancial Perfornance”) do negócio jurídico como elemento impediente do direito de resolução do contrato. In: DELGADO, Mario Luiz. ALVES, Jonas Figueiredo. Questões controvertidas no direito das obrigações e dos contratos São Paulo: Método, 2005, p. 405-414. AMARAL, Ana Paula Martins. Lex Mercatoria e Autonomia da Vontade. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 592, 20 fev. 2005. 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