2 Vol XIX 2010 - Revista Nascer e Crescer

Transcrição

2 Vol XIX 2010 - Revista Nascer e Crescer
Vol. 19, nº 2, Junho 2010
19|
2
Revista do Hospital de Crianças Maria Pia | Departamento de Ensino, Formação e Investigação | Centro Hospitalar do Porto
Ano | 2010 Volume | XIX Número | 02
Directora | Editor | Sílvia Álvares; Directora Adjunta | Associated Editor | Margarida Guedes
Presidente do CA do Centro Hospitalar do Porto, EPE | Director | Pedro Esteves
- Cidade Rodrigues, CHP - HMP
- Clara Barbot, CHP - HMP
- Conceição Casanova, CHPV-VC
- Eloi Pereira, H Maria Pia, CHP - HMP
- Eurico Gaspar, HS Pedro - CHTMAD
- Fátima Praça, CHVNG - E
- Filomena Caldas, CHP - HMP
- Gama Brandão, CHAA
- Gonçalves Oliveira, H Famalicão, CHMA
- Henedina Antunes, HBEB
- Hercília Guimarães, HSJ, FMUP
- Ines Lopes, CHVNG - UE
- José Barbot, CHP - HMP
- José Carlos Areias, FMUP
- José Carlos Sarmento, CHVS
- José Cidrais Rodrigues, HPH – ULSM
- José Pombeiro, MJDinis – CHP - MJD
- Lopes dos Santos, HPH – ULSM
- Lucília Norton, IPOPF-G
- Luís Almeida Santos, HSJ, FMUP
- Luís Januário, HPC
- Luís Vale, CHP - HSA
- Manuel Salgado, HPC
- Manuela Selores, CHP - HSA
- Marcelo Fonseca, HPH – ULSM
- Margarida Lima, CHP – HSA, ICBAS
- Margarida Medina, CHP - HSA
- Maria Augusta Areias, CHP - MJD
- Nuno Grande, ICBAS
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- Óscar Vaz, H Mirandela – CHNordeste
- Paula Cristina Ferreira, CHP - HSA
- Pedro Freitas, HS Oliveira, Guimarães – CHAA
- Raquel Alves, CHP - UMP
- Rei Amorim, HS Luzia - CHAM
- Ricardo Costa, H Pêro da Covilhã, CHCV
- Rodrigues Gomes, Fundação Calouste Gulbenkian
- Rosa Amorim, CHP - UMP
- Rui Carrapato, HS Sebastião – CHEDV
Secretariado Administrativo | Secretary
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Conselho Científico Internacional |
| International Scientific Board
tel: (+351) 226 089 900; fax: (+351) 226 000 841
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- Anabelle Azancot (Paris), Hôpital Robert Devré
- D. L. Callís (Barcelona), Hospitals Vall d’Hebron
- F. Ruza Tarrio (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz
- Francisco Alvarado Ortega (Madrid), Hospital Infantil
Universitario La Paz
- George R. Sutherland (Edinburgh), University Hospital
- Harold R. Gamsu (Londres), Kings College Hospital
- J. Bois Oxoa (Barcelona), Hospitals Vall d’Hebron
- Jean François Chateil (Bordeaux), Hôpital Pellegrin
- José Quero (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz
- Juan Tovar Larrucea (Madrid), Hospital Infantil Universitario
La Paz
- Juan Utrilla (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz
- Peter M. Dunn (Bristol), University of Bristol
Os trabalhos, a publicidade e a assinatura, devem ser
Corpo Redactorial | Editorial Board
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Carvalho, MJDinis - CHP; Conceição Mota, H Maria Pia - CHP;
Cristina Rocha, CHEDV; Gustavo Rocha, HS João, João
Barreira, HS João, Laura Marques, H Maria Pia - CHP; Miguel
Coutinho, H Maria Pia - CHP; Rui Almeida, HP Hispano, Rui
Chorão, H Maria Pia - CHP
Editores especializados | Section Editors
Artigo Recomendado – Helena Mansilha, H Maria Pia - CHP;
Maria do Carmo Santos, H Maria Pia - CHP; Tojal Monteiro,
ICBAS
Perspectivas Actuais em Bioética – Natália Teles, INSRJ-INSA
Pediatria Baseada na Evidência – Luís Filipe Azevedo, FMUP;
Altamiro da Costa Pereira, FMUP
Ciclo de Pediatria Inter-Hospitalar do Norte – Almerinda Pereira,
HBEB, Armando Pinto, IPOPFG; Carla Carvalho, HSM Maior;
Conceição Santos Silva, CHPV-VC; Fátima Santos, CHVNGVC; Fernanda Manuela Costa, HS António - CHP; Helena
Jardim, HS João; Isolina Aguiar, CHAA; Joaquim Cunha, CHVS;
Miguel Costa, CHEDV; Rogério Mendes, MJDinis - CHP; Rosa
Lima, H Maria Pia - CHP; Sofia Aroso, HP Hispano; Sónia
Carvalho, CHMA.
Caso Dermatológico – Manuela Selores, HS António - CHP;
Susana Machado, HS António - CHP
Caso Electroencefalográfico – Rui Chorão, H Maria Pia - CHP
Caso Endoscópico – Fernando Pereira, H Maria Pia - CHP
Caso Estomatológico – José Amorim, H Maria Pia - CHP
Caso Radiológico – Filipe Macedo, CHAA
Genes, Crianças e Pediatras – Esmeralda Martins, H Maria Pia
- CHP; Margarida Reis Lima, HPP
Pequenas Histórias – Margarida Guedes, HSAntónio – CHP, ICBAS
Coordenação Técnica | Editorial Coordenation
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- António Lima, CHEDV
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NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
índice
ano 2010, vol XIX, n.º 2
número2.vol.XIX
67 Editorial
68 Artigos Originais
Cristina Godinho
Aleitamento Materno – Análise da Situação num Meio Semi-urbano
Sandra Rebimbas, Camila Pinto e Rui Pinto
74 Casos Clínicos
Anomalias da Lateralização – Dois Casos Clínicos
Andreia Teles, Maria José Dinis, Lourdes Ferreira,
Isabel Carvalho, Pinho de Sousa e Anabela João
78
Pott’s Puffy Tumor – Caso Clínico
Ana Ramalho, Ana Faro, Glória Silva, José Rodrigues e Carlos P. Duarte
81
Teratoma Sacrococcígeo: Caso Clínico
Teresa Andrade, David Montes, Fátima Carvalho, Manuel Dias e Carmen Carvalho
85 Artigo de Revisão
Gastroenterite Aguda
Rosa Lima e Jorge Amil Dias
de Pediatria Inter-Hospitalar
91 Ciclo
do Norte
Algoneurodistrofia: Uma Entidade a Reconhecer
Susana Castanhinha, Vanessa Mendonça, Clara Vieira,
Cristina Miguel, Maria José Vieira e Sónia Carvalho
95 Artigo Recomendado
98
100
Helena Mansilha
Tojal Monteiro
Maria do Carmo Santos
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
102 Perspectivas Actuais em Bioética
Sobre o Ensino da Bioética: Um Desafio Transdisciplinar
António Carneiro Torres Lima
Cardiologia Pediátrica na Prática
109 AClínica
Manifestações Cardíacas nas Doenças Musculares
Sílvia Álvares
116 Pediatria Baseada na Evidência
Avaliação Crítica e Implementação Prática de Estudos
Sobre a Validade de Testes Diagnósticos – Parte I
Luís Azevedo
125 Qual o seu Diagnóstico?
Caso Electroencefalográfico
Rui Chorão
127
Caso Endoscópico
Fernando Pereira
129
Caso Estomatológico
José M. S. Amorim
131
Caso Radiológico
Filipe Macedo
134 Pequenas Histórias
A Grande Desilusão
Margarida Guedes
135 Normas de Publicação
NASCER E CRESCER
summary
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
number2.vol.XIX
67 Editorial
68 Original Articles
Cristina Godinho
Breastfeeding – Analysis of the Situation in Semi-urban Environment
Sandra Rebimbas, Camila Pinto e Rui Pinto
74 Case Reports
Anomalies of Lateralization – 2 Case Report
Andreia Teles, Maria José Dinis, Lourdes Ferreira,
Isabel Carvalho, Pinho de Sousa e Anabela João
78
Pott’s Puffy Tumor – case report
Ana Ramalho, Ana Faro, Glória Silva, José Rodrigues e Carlos P. Duarte
81
Sacrococcigeal Teratoma: Case Report
Teresa Andrade, David Montes, Fátima Carvalho, Manuel Dias e Carmen Carvalho
85 Review Articles
Acute Gastroentiritis
Rosa Lima e Jorge Amil Dias
91 Paediatric Inter-Hospitalar Meeting
Algoneurodystrophy: an Unrecognized Entity
Susana Castanhinha, Vanessa Mendonça, Clara Vieira,
Cristina Miguel, Maria José Vieira e Sónia Carvalho
95 Recommended Article
98
100
Helena Mansilha
Tojal Monteiro
Maria do Carmo Santos
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revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
102 Current Perspectives in Bioethics
Concerning Bioethical Training: a Multidisciplinary Challenge
António Carneiro Torres Lima
Cardiology in Clinical
109 Paediatric
Practice
Cardiac Manifestations in Neuromuscular Diseases
Sílvia Álvares
116 Evidence Based Paediatrics
Critical Appraisal and Practical Implementation
of Diagnostic Tests Accuracy Studies – Part I
Luís Azevedo
125 What is your diagnosis?
EEG Case Report
Rui Chorão
127
Endoscopic Case
Fernando Pereira
129
Oral Pathology Case
José M. S. Amorim
131
Radiological Case
Filipe Macedo
134 Short Stories
The Big Disappointment
Margarida Guedes
135 Instructions for Authors
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ano 2010, vol XIX, n.º 2
editorial
A propósito de bancos de leite humano, li no “site” da Human Milk Banking Association of North América, (www.hmbana.org/index/history), que “o marketing dos produtos
alimentares artificiais, iniciado nos finais de 1800 e que se manteve até à actualidade,
baseou-se numa mensagem consistente e de aprovação médica de desenvolvimento
científico e de boa nutrição. Esta foi a campanha de marketing de maior sucesso alguma
vez levada a cabo.” A espécie humana modificou a sua alimentação inicial, milhares de
crianças passaram a ser alimentados com leite modificado de uma espécie diferente.
Mais de uma geração de mulheres não amamentaram os seus filhos, interrompendo-se
a transmissão de conhecimentos intergeracionais, perdendo-se uma cultura.
Isto leva-nos a reflectir sobre as causas da baixa prevalência do aleitamento materno (AM), não só no nosso país como noutros países desenvolvidos. Estudos referem
que 90% das mães portuguesas iniciam o AM, mas 50% desistem da amamentação durante o 1º mês. Aos 6 meses só 39.7% das mães amamentam os seus filhos, dos quais,
apenas 23% fizeram AM exclusivo. As mães que mais amamentam, são as de nível de
escolaridade mais elevado e as multíparas com experiência favorável em gravidez
anterior. O reinício da actividade laboral materno não parece ter grande influência na
continuidade do AM - contrariamente ao que se poderia pensar, as mães desempregadas são as que menos amamentam!
A maior parte das razões evocadas para o abandono do AM é de carácter subjectivo e prende-se com o receio de que o bebé esteja a “passar fome”. Outro dos pontos em
comum nos estudos publicados sobre este assunto e que diz particular respeito a todos
os profissionais de saúde é o facto de que o leite de fórmula utilizado como suplemento
ser prescrito pelo médico assistente ou pediatra em 40-80%, dos casos, conforme os
estudos.
Será que, como diz Nancy E. Wight ( Journal of Pediatrics 2001), “In our hubris, we
have assumed we can do better than “Mother Nature”?
A amamentação não é um acto instintivo, necessita de aprendizagem e treino. O seu
sucesso depende da motivação da mulher, do desejo afectivo da mãe em amamentar e
mesmo do seu conjuge e ainda do apoio especializado dos profissionais de saúde.
Se nós, os maiores prescritores de leite artificial, não mudarmos a nossa atitude,
por indiferença ou ignorância, em termos de fisiologia da lactação, de apoio e suporte
ao processo, no estabelecimento da lactação, provavelmente teremos que esperar mais
algumas gerações para atingirmos o principal objectivo da “Healthy People 2010” e da
“Global Strategy on Infant and Young Child Feeding” da responsabilidade da OMS/UNICEF: que 50% das crianças sejam amamentadas exclusivamente até aos seis meses
de vida.
A nossa esperança reside, actualmente, no empenho de vários profissionais que,
aproveitando as políticas nacionais de promoção do AM, fizeram formação nesta área
e iniciaram a promoção do AM nos respectivos locais de trabalho. Um destes frutos é a
criação dos “Hospitais Amigos dos bebés”. É com esta dedicação que acreditamos que
em breve muitas outras Instituições, Hospitais ou Centros de Saúde, possam candidatar-se a este título. Todos, recém-nascidos, famílias e sociedade, ganhariam com isso.
Cristina Godinho
editorial
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ano 2010, vol XIX, n.º 2
Aleitamento Materno
Análise da Situação num Meio Semi-urbano
Sandra Rebimbas1, Camila Pinto2 e Rui Pinto3
RESUMO
Introdução: O leite materno é o melhor alimento que uma mãe pode oferecer
ao seu filho. Não existe outro leite que tenha as suas qualidades.
Objectivos: Conhecer a prevalência do aleitamento materno, os factores
de abandono e o período em que ocorre,
num meio semi-urbano específico.
Material e Métodos: Estudo descritivo, retrospectivo efectuado na Unidade
de Saúde Famílias em Lourosa, através
de questionário aplicado às mães com
filhos entre os 6 e os 18 meses de idade
inclusivé, de 1 Julho a 30 Setembro de
2007. O inquérito incluía dados demográficos como a idade da mãe e o nível
sócio-económico, e variáveis como o número de filhos, hábitos tabágicos, tipo de
parto, fontes de informação, intenção de
amamentar e duração da mesma, motivos evocados para o seu abandono.
Resultados: Efectuados 42 inquéritos, correspondentes a 45,6% das
crianças que se enquadravam no estudo.
Verificou-se que todas as mães tinham
a intenção de amamentar, destas 88,1%
iniciaram a amamentação e 30,9% amamentaram durante pelo menos 6 meses.
O maior declínio na prevalência deu-se
entre o primeiro e segundo mês de vida.
As mães possuíam bons conhecimentos
sobre a amamentação (90,5%) contudo,
persistiam alguns mitos de impacto desfavorável (35,7%). Os técnicos de saúde
foram a principal fonte de informação
seguindo-se a literatura e a família. Os
__________
1
Serv. Pediatria, CHVNGaia / Espinho EPE
2
Unid. Saúde Familiar, Lourosa
Unid. Neonatologia – Serviço de Pediatria,
CHVNGaia / Espinho EPE
3
68
artigo original
original article
principais motivos evocados para o abandono do leite materno são subjectivos nomeadamente a não satisfação do bebé, a
noção de pouca quantidade e qualidade
de leite. Iniciar leite adaptado foi aconselhado pelo médico assistente em 80,5%.
Conclusões: A taxa de início da
amamentação é aceitável mas ocorre declíneo acentuado durante o segundo mês
de vida. A insegurança materna quanto
à quantidade e qualidade do seu leite é
o principal motivo de abandono de leite
materno. Nesta unidade de cuidados de
saúde primários é necessário reforçar estratégias para promoção do início e principalmente manutenção da amamentação.
Palavras chave: Abandono precoce; Amamentação; Prevalência.
Nascer e Crescer 2010; 19(2): 68-73
INTRODUÇÃO
Amamentar é um acto fisiológico
característico dos mamíferos e constitui
a melhor fonte de alimento na fase inicial
da vida do ser humano.
A amamentação tem benefícios
para a mãe, filho e comunidade. As crianças amamentadas são mais saudáveis,
têm melhor desenvolvimento cognitivo,
maior protecção para doenças infecciosas, alérgicas e crónicas como obesidade, diabetes, hipercolesterolemia ou
mesmo doenças malignas e reduz o risco
de Síndrome de morte súbita. As crianças são expostas a uma maior variedade
de sabores de acordo com a alimentação
materna o que pode favorecer a sua aceitação futura. É considerada uma alimentação ecológica por não gastar recursos
da terra e não contribuir para a poluição.
A amamentação estreita o vínculo mãe-filho e é mais económico para as famílias
e comunidade nomeadamente ao reduzir
o custo da alimentação e tratamento das
doenças. A mãe também tem vantagens
pois a amamentação contribui para: involução uterina mais precoce, redução da
hemorragia pós-parto, recuperação do
peso, diminui risco de cancro da mama
e dos ovários e a probabilidade de nova
gravidez precoce(1,2,3,4,5,6).
Revisões sobre a amamentação
mostram que as mães lactantes que recebem apoio profissional amamentam
durante mais tempo que as restantes.
Factores que se sabe estarem relacionados com o abandono são: tabagismo,
exposição a ambientes com tabaco, medicação materna, problemas orgânicos
ou psicológicos como obesidade ou depressão e circunstâncias que dificultam
a amamentação como o regresso ao
trabalho(2).
A Declaração Innocenti, revista em
2005, para protecção, promoção e suporte da amamentação subscrita pela OMS,
UNICEF entre outras organizações de
apoio à criança, tem como objectivo que
o leite materno se mantenha único alimento e bebida nos primeiros 6 meses de
vida e como complemento à alimentação
até aos 2 anos ou mais(7). A Academia
Americana de Pediatria recomenda aleitamento materno exclusivo até aos 6 meses, prolongando como complemento até
aos 12 meses ou mais, de acordo com
o desejo da mãe e do bebé(5). Na União
Europeia não existe nenhum consenso
oficial relativo à amamentação(4).
A UNICEF e a OMS lançaram em
1991 a Iniciativa Hospitais Amigos dos
Bebés tendo proposto um conjunto de 10
medidas que os Hospitais devem pôr em
prática para serem considerados “Amigos
dos Bebés”. Em Portugal existem desde
2005 alguns hospitais certificados(8).
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ano 2010, vol XIX, n.º 2
A prevalência e duração da amamentação são muito variáveis. Os dados globais da OMS mostram que menos de 40%
dos lactentes até aos 6 meses de idade
são alimentados com aleitamento materno
exclusivo(9). Na União Europeia, encontramos aos 2 meses valores de 42% na Alemanha e 85% na Áustria e aos 6 meses
10% e 46% respectivamente(4). Nos EUA
os dados são muito heterogéneos mas
são geralmente inferiores(10). Em Portugal
não existem estatísticas nacionais sobre o
aleitamento materno(1). Em estudos locais
efectuados no nosso país a prevalência à
alta da maternidade varia de 91% a 99,2%,
aos 3 meses de 48.7% a 54,7% e aos 6
meses 22,4% a 34,1%(11-13).
OBJECTIVOS
A elaboração deste estudo pretende
uma melhor compreensão das decisões
e comportamento relativamente à amamentação, num meio semi-urbano, para
que nele se desenvolvam estratégias da
sua promoção nos períodos que se mostrem como mais vulneráveis ao abandono da amamentação. Assim teve como
objectivos:
- Avaliar a prevalência da amamentação nos primeiros 6 meses.
- Analisar os factores que contribuem
para o abandono da amamentação
relacionados com o bebé, a mãe e
variáveis socioeconómicas e culturais.
- Conhecer as fontes de informação
da mãe e o seu nível de conhecimentos.
- Conhecer o período crítico para o
abandono da amamentação.
- Relacionar a vontade de amamentação antes do parto com o comportamento posterior.
MATERIAL E MÉTODOS
Estudo retrospectivo efectuado na
Unidade de Saúde Familiar (USF)- Famílias em Lourosa, freguesia de Santa Maria
da Feira através do inquérito aplicado às
mães com filhos entre os 6 e os 18 meses
de idade inclusivé, que recorreram a esta
unidade para consulta de Saúde Infantil,
de 1 Julho a 30 Setembro de 2007.
Foram factores de exclusão a gemelaridade, prematuridade, recém nascidos
com baixo peso ao nascimento (<2500g)
e internamento neonatal(14).
Considerou-se aleitamento materno
quando o leite materno foi a única fonte
láctea ou suplementada com leite adaptado de forma ocasional, mas não de forma mantida(15).
O inquérito incluía para além dos
dados demográficos como a idade da
mãe e o nível de escolaridade, as seguintes variáveis: o número de filhos, hábitos
tabágicos, caracterização da gravidez
como desejada ou indesejada, vigilância
da gravidez, tipo de parto, forma de aleitamento da própria mãe, fontes de informação, intenção de amamentar e duração da mesma, motivos evocados para o
seu abandono e quem o aconselhou.
A avaliação do nível socio-económico foi efectuada com base na
escala do Censuses and Surveys que
classifica as populações de acordo com
a ocupação profissional(16).
Na avaliação de conhecimentos as
perguntas sobre as vantagens do leite
materno correspondem a 50% da classificação dos conhecimentos e as perguntas relacionadas com mitos os restantes
50%. Foram classificados da seguinte
forma:
Bom - 75 a 100%;
Razoável – 50 a 74%
Insatisfatório – 0 a 49%
RESULTADOS
Dados gerais
A USF tinha 92 crianças inscritas
que se enquadravam no inquérito. Foram preenchidos 42 questionários, o que
corresponde a informação de 45,6% das
crianças nesta USF.
Dados maternos e factores
socioculturais
A maioria das mães (69%) estava na
faixa etária dos 25 aos 34 anos (Quadro I).
Sessenta e sete por cento eram primíparas e 33% multíparas (Quadro I). Sete das
catorze multíparas (50%) amamentaram
pelo menos 6 meses. Todas as multíparas
amamentaram os filhos anteriores.
Nesta amostra 16,7% das mães
estava desempregada. Em termos de escolaridade 66,7% tinha o ensino básico,
com as restantes repartidas de igual for-
ma entre a escolaridade secundária e o
ensino superior. Das sete mães com ensino superior, cinco (71%) amamentaram
pelo menos 6 meses, enquanto das com
ensino básico e secundário o fizeram
25% e 14% respectivamente.
A classificação sócio-económica da
população activa mostrou predomínio
da classe V (57,1%), que corresponde
a operários e outros trabalhadores não
especializados, trabalhadores rurais e
outros trabalhadores manuais e pessoal serventário (Quadro II), em que 25%
amamentou pelo menos 6 meses. No extremo oposto, na classe I ou seja profissões liberais, dirigentes administrativos e
patentes superiores das forças armadas,
ficou 14,3% (5) das quais 60% (3) amamentou pelo menos 6 meses. Das sete
mães desempregadas só uma (14%)
amamentou até aos 6 meses.
As mães foram amamentadas em
64,3% (27). Destas, nove amamentaram
pelo menos 6 meses (33,3%). Relativamente aos hábitos tabágicos 23,8% (10)
fumaram nos 18 meses anteriores, três
das quais amamentaram pelo menos 6
meses (30%).
Quadro I - Faixa etária materna e número
de filhos.
Idade materna (Anos) (n=42)
≤ 19
3 (7,1%)
20-24
6 (14,3%)
25-34
29 (69%)
≥ 35
4 (9,5%)
Número de filhos (n=42)
1
28 (66,7%)
2
12 (4,8%)
≥3
2 (28,6%)
Quadro II - Nível sócio-económico com
base na escala do Censuses and Surveys.
Nível sócio-económico da
população activa (n=35)
I
5 (14,3%)
II
1 (2,8%)
III
4 (11,4%)
IV
5 (14,3%)
V
20 (57,1%)
artigo original
original article
69
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
Vigilância da gravidez e tipo de
parto
Neste estudo 92,9% das mulheres
tiveram uma gravidez vigiada sendo em
88,1% dos casos desejada. Uma das três
(33%) cuja gravidez não foi vigiada e três
das cinco (60%) que não a desejaram
amamentaram pelo menos 6 meses.
Todas as gravidezes não desejadas
foram vigiadas e todas as não vigiadas
eram desejadas.
Quanto ao tipo de parto 54,8% (23)
foram eutócicos, 14,3% (6) instrumentados (ventosa/fórceps) e 30,9% (13) por
cesariana, tendo amamentado pelo menos 6 meses oito (34,8%), duas (33,3%)
e três (23,1%) respectivamente.
Conhecimentos sobre o leite
materno
Os resultados dos conhecimentos
sobre a amamentação são apresentados
no Quadro III.
As mães foram unânimes a dizer
que o leite materno constitui a alimentação mais natural e económica para
os seus bebés. A vantagem menos conhecida foi que o leite materno contribui para a protecção de alergias 11,9%
(5). A grande maioria, 95,2% (40) sabe
que também tem benefícios para si
própria.
No Quadro IV apresenta-se a avaliação de conhecimentos e respectiva
classificação.
Verificou-se que 90,5% das mães tinha bons conhecimentos sobre leite materno, embora 35,7% acredite em um ou
mais mitos desfavoráveis nomeadamente de que a mãe pode enfraquecer por
amamentar (26,2% das mães) ou mesmo
ser causa de obesidade (14,3%).
Fontes de informação
A fonte de informação sobre a amamentação (Quadro V) mais frequente para
a mãe foi os técnicos de saúde (97,6%),
seguida dos livros/revistas (73,8%), e a
família (62%).
As mães que fizeram curso de preparação para o parto tiveram uma taxa de
prevalência da amamentação, semelhante à nossa amostra: 11% (1) não iniciaram a amamentação, e 33,3% (3) amamentaram pelo menos 6 meses.
70
artigo original
original article
Apenas uma mãe referiu não se
considerar bem informada sobre o aleitamento materno.
Início e duração da amamentação
Todas as mães referiram que antes
do parto desejavam amamentar mas só
88,1% a iniciaram. Essa percentagem foi
diminuindo progressivamente e pelos 6
meses só 30,9% a mantinha (Gráfico 1).
Abandono da amamentação
Os motivos de abandono da amamentação estão descriminados no Gráfico 2. Os mais frequentemente alegados
foram subjectivos, nomeadamente “o
bebé não ficava satisfeito” (61,1%), “tinha
pouco leite “(44,4%) e “o leite era fraco”
(41,7%). A razão mais objectiva, nomeadamente a má progressão ponderal, é
referida por apenas oito mães (22,2%).
Quadro III - Conhecimentos sobre as vantagens do leite
materno e crenças associadas.
Conhecimentos sobre as vantagens do leite materno (n = 42)
Mais económica
42 (100%)
Mais saudável para o bebé
40 (95,2%)
Alimentação natural
42 (100%)
Ligação emocional “mãe-bebé” mais forte
41 (97,6%)
Mais saudável para a mãe
40 (95,2%)
Protege das infecções
41 (95,2%)
Protege das alergias
37 (88,1%)
Crenças sobre amamentação (n = 42)
A mãe pode aumentar de peso
6 (14,3%)
A mãe pode enfraquecer
11 (26,2%)
Leite adaptado é melhor que o materno
0
Quadro IV - Avaliação dos conhecimentos sobre leite materno.
N.º de
Número de
vantagens do
crenças
LM conhecidas
7
0
6
0
7
1
6
1
5
1
7
2
n = 42 (%)
Classificação (%)
23 (54,8%)
4 (9,5%)
10 (23,8%)
1 (2,4%)
2 (4,8%)
2 (4,8%)
Bom (100%)
Bom (92,9%)
Bom (83,3%)
Bom (76,2%)
Razoável (69.0%)
Razoável (66,7%)
Quadro V - Fontes de informação sobre aleitamento materno
Fontes de informação (n = 42)
Pessoal de saúde
41 (97,6%)
Livros/Revistas
31 (73,8%)
Família
26 (62,0%)
Amigas/colegas
18 (42,8%)
Televisão/Rádio
18 (42,8%)
Curso de preparação para o parto
9 (21,4%)
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
O regresso ao trabalho foi evocado como
motivo de abandono precoce por 25%
das mães.
Relativamente à decisão de introdução de leite adaptado, 80,5% foi influenciada pelo médico assistente que em 21
casos (53,8%) o prescreveu, 38,9% foi
exclusiva da mãe e 11% sugerida por algum familiar.
DISCUSSÃO
A elaboração deste estudo, mais
do que determinar as causas, pretendeu
sobretudo obter dados que ajudem a pro-
mover uma amamentação com sucesso
na população de Lourosa, tal como recomendado pelas associações científicas a
favor da amamentação.
O estudo tem como limitação a dimensão da amostra. Embora corresponda a 45,6% (42) da população em estudo
é um número pequeno para se tirarem
relações causais estatisticamente significativas.
Embora se aproxime de outros estudos efectuados no nosso país, é preocupante que logo na alta hospitalar 11,9%
das mães que tinham intenção de ama-
Prevalência da amamentação
Gráfico 1: Prevalência do aleitamento materno nos primeiros 6 meses de idade.
Motivos de abandono da amamentação
Gráfico 2: Motivos evocados pela mãe para abandonar a amamentação.
mentar, nunca o fizeram, alertando para
falhas nas estratégias desenvolvidas a
nível hospitalar.
O período crítico para o abandono
foi entre o primeiro e o segundo mês de
vida onde ocorreu uma diminuição de
26,2%. A partir daí a diminuição foi mais
gradual. Aos 6 meses a prevalência era
de 30,9%, o que não difere significativamente de outros estudos efectuados em
Portugal(11-13). A consulta de vigilância ao
mês de idade é assim um dos momentos
essenciais para investir na manutenção
do leite materno.
A literatura diz-nos que a decisão
quanto ao tipo de aleitamento é efectuada na maioria dos casos, antes do parto
o que reforça a importância do trabalho
de promoção da amamentação durante
a gravidez, aproveitando as consultas de
vigilância pré-natal(10).
A maioria das famílias desta amostra é da classe sócio-económica V, e com
escolaridade básica. Uma vez mais os
dados sugerem que é a classe oposta (I)
e as mães que possuem ensino superior
que se associam a maior taxa de prevalência da amamentação (60% e 71% respectivamente amamentaram pelo menos
6 meses).
O parto distócico têm sido considerado factor de risco ao abandono(15,17),
e nesta amostra a ocorrência é elevada
(45,2%), comparativamente a outros estudos nomeadamente no Hospital Garcia
da Orta (36%)(13). Este parto, especificamente por cesariana, associou-se a menor prevalência da amamentação (23%
aos 6 meses).
Este estudo sugere que o facto de
uma gestação não ser desejada, não
deve ser motivo de desinvestimento na
amamentação uma vez que 60% das mulheres que não a desejaram, amamentaram pelo menos 6 meses.
A experiência materna de amamentar é a melhor arma para que de futuro
o volte a fazer, e ajude as suas filhas na
decisão de amamentar(1,15). Neste estudo
esse aspecto não foi evidente (33,3% nas
mães que tinham sido amamentadas versus 30,9%).
As mães apresentaram um bom nível de conhecimentos sobre as vantagens
do aleitamento, contudo não é de me-
artigo original
original article
71
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
nosprezar o facto de 35,7% possuir uma
ou mais crenças desfavoráveis, como o
risco de enfraquecer a mãe (26,2%), ou
ser causa de obesidade (14,3%). Este
aspecto chama a atenção para que nas
estratégias de esclarecimento e fomento
da amamentação, não seja esquecido a
importância da desmistificação dessas
crenças populares negativas.
Os técnicos de saúde foram o principal veículo de informação (97,6%) para
as mães ao contrário de outros estudos
em que foi a família, os livros/revistas e
meios, ficando a influência dos primeiros
limitada a valores na ordem dos 44% a
9%(10,11,15). Motivar os profissionais para
tornarem a sua mensagem mais eficaz e
duradoura e criar condições para o fazerem é fundamental.
A baixa percentagem de mães que
realizaram cursos de preparação para o
parto (21,4%) deve-se à existência única
desta formação no centro de saúde da
sede do concelho e com um número limitado de vagas para o curso. Contudo, na
nossa amostra, elas não tiveram melhor
desempenho que as restantes, ao contrário do sugerido por alguns autores(1).
As mães consideraram-se bem informadas sobre o aleitamento materno
(97,6%) o que difere de outros estudos
em que só 88% o consideraram(15). Os
motivos evocados para abandono do
leite materno revelam no entanto que
efectivamente não estão suficientemente informadas uma vez que são de longe
os mais subjectivos: “bebé não satisfeito”,” pouco leite”,” leite fraco”. A avaliação
ponderal, que atesta a sua suficiência
surge como um aspecto pouco evocado. Este dado é comum a muitas outras
séries sendo de reconhecer que a insegurança, comum a muitas mães, sobre a
quantidade e qualidades do seu leite, são
factores determinantes para o abandono.
Para ultrapassar a situação é fundamental a antecipação às dúvidas e a disponibilidade para as resolver.
O regresso à actividade profissional
foi evocado como motivo de abandono da
amamentação por um quarto das inquiridas. Isto alerta para a necessidade de
discutir com a mãe estratégias individualizadas que permitam manter a amamentação como a possibilidade de recorrer a
72
artigo original
original article
métodos de extracção e conservação do
leite materno, bem como do aconselhamento para a negociação e flexibilidade
laboral aproveitando das disposições legais de apoio à amamentação.
O facto de não trabalharem fora de
casa, não teve qualquer relação com o
amamentar durante um maior período
de tempo, uma vez que só uma das sete
mães desempregadas amamentou até
aos 6 meses.
Na maioria das vezes a decisão de
iniciar o leite adaptado coube ao médico
assistente tal como referido em outros estudos(14). Este facto deve alertar-nos para
o perigo do facilitismo na prescrição deste leite. O encorajamento e a detecção de
erros na amamentação consomem mais
tempo aos profissionais de saúde o que
deverá ser levado em conta pelos órgãos
de Direcção e Gestão dos Serviços de
Saúde.
Talvez a solução passe, à semelhança de outros países, pela presença
de um pediatra no ambulatório que nos
Centros de Saúde tenha a seu cargo um
programa de promoção e manutenção
da amamentação, e para o qual possa
contar com uma enfermeira com experiência na área materno infantil. Caberia
a esta equipa incentivar a prestação por
parte dos restantes profissionais de esclarecimentos nas consultas de vigilância da grávida, dar apoio e formação às
mães durante a gravidez (em cursos de
preparação para o parto ou em sessões
informativas) reforçando os benefícios da
amamentação, desmistificando crenças
e fornecendo informação sobre como ultrapassar os principais obstáculos. Esta
equipa deveria ter, nos primeiros meses
de vida dos lactentes, disponibilidade
diária para esclarecimento de dúvidas e
apoio às mães no sentido de ultrapassar dificuldades e transmitir segurança
quanto à satisfação, suficiência e qualidade do seu leite, comprovando com os
valores objectivos da progressão ponderal(1,2,10,18).
Esta intervenção seria não só de
grande benefício para a criança como
também uma boa oportunidade para
estreitar o relacionamento dos pais com
os Cuidados de Saúde Primários da sua
área de residência.
COMENTÁRIOS
A amamentação apesar de ser natural, não é uma realidade para a maioria
dos lactentes. O período crítico de abandono ocorre entre o primeiro e o segundo
mês de vida.
A reduzida dimensão da amostra
inviabilizou o tratamento estatístico dos
dados mas a multiparidade, mães com
ensino superior e nível socio-económico
mais elevado foi neste estudo associado
a maior duração da amamentação.
A insegurança materna sobre as
qualidades nutritivas e a quantidade do
seu leite são factores determinantes para
o abandono.
Neste meio semi-urbano especifico
ainda há muito por fazer, sendo necessário reforçar estratégias para promoção e
manutenção da amamentação.
BREASTFEEDING - ANALYSIS OF
THE SITUATION IN A SEMI-URBAN
ENVIRONMENT
ABSTRACT
Introduction: Breast milk is the best
food that a mother can give to her child.
There is no other milk that has its qualities.
Objectives: To determine the prevalence of breast-feeding, the reason for
abandonment and the period in which it
occurs, in a semi-urban environment.
Material and Methods: Descriptive retrospective study conducted at the
Health Unit in Lourosa, through a questionnaire applied to mothers with children
between 6 and 18 months of age inclusive, from July 1 to September 30, 2007.
The survey included demographic data
such as age of mother, socio-economic
status, the number of children, smoking
habits, type of delivery, sources of information, intention and duration of breastfeeding and the reasons given for its
abandonment
Results: We obtained 42 questionnaires, representing 45.6% of children
who were in the study. All mothers had
the intention to breastfeed, 88,1% started
breastfeeding and 30,9% breastfed for
at least 6 months. The largest decline
in prevalence was between the first and
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
second months of life. Mothers have good
knowledge about breastfeeding (90.5%)
however, there are still some unfavorable
myths (35.7%). The health staff was the
main source of information as also relevant
literature and family. The main reasons
given for the abandonment of breastfeeding are subjective including the unsatisfaction of the baby, the notion of low quantity
and quality of the milk. The invitation of
infant formula had the agreement of the
attending physician in 80.5%.
Conclusions: The rate of initiation
of breastfeeding is acceptable but it declined severely during the second month
of life. Maternal insecurity as to the quantity and quality of their milk were the main
reason for the abandonment of breastfeeding. In this unit of primary health care
it is necessary to strengthen strategies to
promote the initiation and maintenance of
breastfeeding.
Keywords: Early weaning; Breastfeeding; Prevalence.
Nascer e Crescer 2010; 19(2): 68-73
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CORRESPONDÊNCIA
Sandra Rebimbas
Rua Bispo Florentino Andrade e
Silva, 13 - 3º Esq
4520-290 Santa Maria da Feira
Telefone: 963 354 283
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artigo original
original article
73
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
Anomalias da Lateralização
Dois Casos Clínicos
Andreia Teles1, Maria José Dinis1, Lourdes Ferreira3, Isabel Carvalho2, Pinho de Sousa4 e Anabela João3
RESUMO
As anomalias da lateralização são situações raras e muitas vezes complexas,
podendo constituir uma anomalia isolada
ou integrar síndromes complexos.
Os autores apresentam dois casos
clínicos de recém-nascidos de termo com
anomalias da lateralização.
O primeiro tratava-se de um caso
de Situs Inversus Totalis diagnosticado
no período neonatal na sequência de
episódio de dificuldade respiratória do
recém-nascido. O segundo, um caso de
Situs Ambiguus com diagnóstico ecográfico pré-natal.
Com a apresentação destes casos os autores pretendem alertar para
a importância do diagnóstico precoce e
discutir a metodologia de estudo destas
anomalias que não é consensual no seio
da comunidade científica.
Palavras-chave: discinésia ciliar
primaria, heterotaxia, malrotação intestinal, situs.
Nascer e Crescer 2010; 19(2): 74-7
INTRODUÇÃO
O termo Situs significa posição ou
localização. Situs Solitus refere-se à disposição normal das aurículas cardíacas e
dos órgãos abdominais, correspondendo
à organização habitual dos órgãos torácicos e abdominais Situs Inversus Totalis
refere-se à inversão em espelho da loca-
__________
1
Serviço de Pediatria – Unidade de Neonatologia e Serviço de Cirurgia Pediátrica do
CHVNGaia/Espinho, EPE
74
casos clínicos
case reports
lização habitual dos órgãos torácicos e
abdominais. Qualquer alteração na organização destas estruturas, que não seja
um Situs Solitus ou um Situs Inversus,
denomina-se Situs Ambiguus(1,2) ou heterotaxia.
As anomalias da lateralização estão associadas a um largo espectro de
alterações das quais se destaca: doença
cardíaca congénita; malrotação intestinal,
discinésia ciliar primária (DCP) e síndromes de asplenia/poliesplenia. O principal
objectivo do seu estudo é o diagnóstico
de patologia associada e a detecção precoce de complicações.
Quando o diagnóstico é pré-natal
é mandatório a realização de ecocardiograma fetal para diagnóstico de patologia
cardíaca estrutural e /ou anomalias do
ritmo. A incidência de cardiopatia congénita associada a Situs Inversus Totalis
varia de 3 a 5% e na heterotaxia de 50 a
100%(2;3). Está também indicado a realização de estudo citogenético fetal.
No estudo pós-natal estão indicados a radiografia toracoabdominal, o
ecocardiograma e a tomografia computadorizada toracoabdominal, para clarificar
a anatomia e detectar anomalias associadas(3;4,5). Outros exames complementares de diagnóstico podem justificar-se
pela associação a patologias como por
exemplo malrotação intestinal ou DCP.
A realização de estudos gastrointestinais
contrastados para a detecção de malrotação, pelo risco aumentado de vólvulo
e isquemia intestinal, não é consensual.
Para alguns autores este estudo deve ser
efectuado(2;4,5) e se concluir haver malrotação os pacientes devem ser submetidos ao Procedimento de Ladd2,4. Para outros esta avaliação só é necessária se os
pacientes desenvolverem sintomatologia
sugestiva(6).
CASOS CLÍNICOS
Caso 1
Recém-nascido do sexo masculino,
filho de pais jovens, saudáveis e não consanguíneos.
Gestação vigiada, sem intercorrências e com ecografias no período prénatal sem alterações descritas.
Parto às 39 semanas, cesariana por
estado fetal não tranquilizador, com Índice de Apgar 9/10 e antropometria adequada à idade gestacional.
Internamento às 24 horas de vida na
Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais por quadro de dificuldade respiratória
ligeiro. Efectuou rastreio séptico que foi
negativo e radiografia de tórax (Figura 1)
que mostrou silhueta cardíaca invertida e
com ápex coincidente com a câmara gástrica. Realizou ecografia abdominal que
confirmou a existência de Situs Inversus
Totalis e presença de dois baços acessórios e sem outras alterações.
Figura 1 - radiografia de tórax com silhueta
cardíaca e câmara gástrica à direita
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
Boa evolução clínica durante o internamento sem necessidade de oxigénio suplementar. Alta ao quarto dia de
vida orientado para consulta externa.
Na segunda semana de vida iniciou
quadro de tosse produtiva com períodos
de exacerbação.
Internamento aos 30 dias de vida
por quadro compatível com bronquiolite
mas sem identificação de vírus nas secreções nasofaríngeas.
Foi orientado para a consulta externa
onde efectuou sequencialmente exames
complementares de diagnóstico abaixo
descritos: TAC torácico que revelou duas
atelectasias e uma área de «air trapping»;
teste do suor que foi negativo, estudo imu-
nológico que não mostrou alterações e
biopsia nasal que não foi conclusiva. Os
exames estão descritos no Quadro I.
Manteve infecções respiratórias
nomeadamente bronquiolite, rinosinusite, otite média aguda. Iniciou, aos 6 meses, terapêutica com corticóide inalado e
broncodilatador em fases de agudização
e efectua cinesioterapia respiratória duas
a três vezes por semana. Foi recomendada a prescrição precoce de antibioterapia
nas infecções respiratórias.
Actualmente com 21 meses, mantém infecções respiratórias muito frequentes. A evolução estatoponderal tem
sido normal.
Caso 2
Recém-nascido do sexo feminino filho de pais jovens, saudáveis e não consanguíneos. Gravidez vigiada diagnóstico
pré-natal de alteração da lateralidade visceral – Situs Ambiguus, sendo referido na
ecografia obstétrica: («…câmara gástrica
em posição oposta à ponta cardíaca. Vesícula biliar do mesmo lado das câmaras
cardíacas.»). Foi realizado ecocardiograma
fetal que revelou levocardia com levoápex
e interrupção da veia cava inferior com continuidade ázigus-veia cava superior.
Parto eutócico, às 40 semanas,
recém-nascido com Índice de Apgar 9/9
e antropometria adequada à idade gestacional.
Quadro I - Exames complementares de diagnóstico no Caso 1
Exame Complementar de Diagnóstico
Resultado
Tomografia computorizada tórax
Atelectasia na vertente porterior do lobo inferior direito;
atelectasia subsegmentar no lobo inferior esquerdo;
área de «air-trapping» na vertente medial do lobo superior direito
Teste de suor
Negativo
Estudo imunológico*
Sem alterações
Broncofibroscopia
Secreções mucopurulentas bilateralmente mais a nível dos basais, que apresentam sinais inflamatórios.
Lavado brônquico-microbiológico
Haemophilus influenzae
Biópsia nasal
Inadequada para avaliação estrutura segmentar por metaplasia pavimentar
* Imunoglobulinas ; C3 e C4; subpopulações linfocitárias; doseamento de α 1 antitripsina; testes multialergéneos alimentares e inalatórios.
Quadro II: Exames complementares de diagnóstico no Caso 2
Exame Complementar de Diagnóstico
Resultado
Radiografia de Tórax
silhueta cardíaca à esquerda e câmara gástrica à direita
Ecografia abdominal
Situs Inversus abdominal; um baço acessório.
Ecocardiograma
Sem alterações além de interrupção da VCI* intrahepática e continuidade ázigos – VCS**
Tomografia computadorizada
toracoabdominal
levocardia sem alterações morfo-estruturais valorizáveis. Fígado localizado à esquerda… Pâncreas
e baço com topografia invertida registando-se a presença de baço acessório pericentimétrico. Aorta
abdominal localizada à esquerda e de normal calibre. Ausência do segmento intra-hepático da VCI,
processando-se a drenagem para a VCS através do sistema ázigus. Estômago à direita. Intestino delgado
e grosso com topografia invertida, sem outras alterações
Clisteres opacos
1º - topografia anómala do cólon ascendente que apresenta orientação oblíqua para a esquerda,
situando-se o cego em posição alta e à esquerda da linha média, aspectos que fazem pressupor a
existência da malrotação intestinal. 2º - não se confirma malrotação apresentando o intestino configuração
normal mas invertida
* VCI – veia cava inferior; ** VCS – veia cava superior
casos clínicos
case reports
75
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
O recém-nascido manteve-se sempre clinicamente bem.
Após o nascimento efectuou o seguinte estudo: radiografia de tórax e
ecografia abdominal que confirmaram a
existência de Situs Ambiguus, ecocardiograma que confirmou a anomalia venosa
sistémica descrita no período pré-natal,
TAC toracoabdominal que descreveu
toda a anatomia e dois clisteres opacos
que excluíram malrotação intestinal. Os
exames estão descritos no Quadro II.
Os achados mencionados são compatíveis com síndrome de poliesplenia.
Actualmente com dois anos de idade, apresenta evolução estatoponderal
e desenvolvimento normais. Até à data,
não manifestou sintomas clínicos de obstrução intestinal.
DISCUSSÃO
As alterações do Situs são raras e
complexas e podem ser um diagnóstico
isolado ou fazer parte de síndromes mais
complexos com repercussões importantes na morbilidade e mortalidade dos pacientes.
No período pré-natal perante uma
suspeita de anomalia da lateralização o
ecocardiograma fetal é essencial. Embora as anomalias cromossómicas não
sejam frequentes está indicado o estudo
citogenético fetal.
No período pós-natal perante uma
suspeita diagnóstica de anomalia da lateralização o estudo imagiológico com
radiografia toracoabdominal, TAC toracoabdominal e ecocardiograma permitem
afirmar o diagnóstico. Em casos mais
difíceis de caracterizar anatomicamente
ou no pré operatório de patologia cardíaca associada, a ressonância magnética
pode estar indicada para completar o estudo(3).
Perante um recém-nascido com dificuldade respiratória inexplicada e Situs
Inversus o diagnóstico de DCP deve ser
fortemente considerado(7,8). Apenas 50%
dos indivíduos com DCP apresentam Situs Inversus e só 25% dos que têm Situs
Inversus apresentam DCP(7,9). O desenvolvimento de rinosinusite precocemente,
broncospasmo, tosse produtiva recorrente, e infeccções das vias aéreas superiores e inferiores irão corroborar o diagnós-
76
casos clínicos
case reports
tico. O teste do óxido nítrico exalado tem
alta especificidade e sensibilidade, mas
não é conclusivo porque pode estar alterado em outras patologias(7), mas pode
ser considerado um teste de exclusão
poque níveis altos de óxido nítrico exalado não são compatíveis com DCP(9). A
biopsia ciliar com observação de defeitos
específicos dos cílios por microscopia
electrónica é o teste diagnóstico apesar
de poder não apresentar alterações(9,10). A
suspeita ou o diagnóstico de DCP são indicação de monitorização da função respiratória, tratamento precoce e agressivo
das infecções respiratórias e cinesioterapia respiratória para compensar a alterada função ciliar. A antibioterapia precoce
pode prevenir ou atrasar o desenvolvimento de bronquiectasias, o factor mais
importante na afectação da qualidade de
vida(8).
No primeiro caso apresentado a
suspeita levantou-se no período neonatal e a evolução clínica foi compatível.
Para alguns autores pacientes com Situs
Inversus e com infecções respiratórias
recorrentes e/ou crónicas não necessitam de estudos adicionais previamente à
realização de biopsia(8). No nosso caso a
biopsia foi realizada apenas aos 16 meses de idade. As medidas preconizadas
foram instituídas precocemente e foram
excluídas outras patologias que clinicamente mimetizam DCP, como a fibrose
quística e imunodeficiências. A biopsia
nasal não foi conclusiva o que não exclui
o diagnóstico.
O síndrome de heterotaxia está frequentemente associado a anomalias da
rotação intestinal que podem predispor
a vólvulo e isquemia. Tal como mencionado anteriormente não é consensual o
rastreio destas anomalias, neste contexto assim como a sua correcção no caso
de estarem presentes. O procedimento
de Ladd parece ser seguro e eficaz na
prevenção do vólvulo e de obstrução2,4,5.
No segundo caso apresentado após o
diagnóstico de Síndrome de Heterotaxia
foi efectuado estudo de anomalias da rotação intestinal e dado o ângulo duodenal
apresentar configuração normal não existe risco aumentado de vólvulo pelo que
não está programada cirurgia. Este caso
é compatível com síndrome de poliesplenia. Para alguns autores, os síndromes
de asplenia/poliesplenia dada a grande
variabilidade de alterações passíveis de
serem encontradas, a terminologia a usar
será de síndrome de heterotaxia seguido
da descrição das alterações (ex: interrupção veia cava inferior, dextrocardiaca,
poliesplenia, entre outras)(3).
Dado a elevada taxa de associação entre alteração do situs e cardiopatia
congénita, o seu diagnóstico é urgente,
crucial e consensual, ao contrário do restante estudo a efectuar.
ANOMALIES OF LATERALIZATION
TWO CASES REPORT
ABSTRACT
The anomalies of lateralization are
rare and often complex, and may be isolated or integrate complex syndromes.
The authors present two clinical
cases of full-term infants with anomalies
of lateralization.
Case 1: situs inversus totalis diagnosed in the neonatal period following an
episode of respiratory distress. Case 2:
situs ambiguous diagnosed by prenatal
ultrasound.
The Authors emphasize the importance of an early diagnosis and discuss
strategy of these anomalies, still a matter
of controversy within the scientific community.
Keywords: primary ciliary dyskinesia, heterotaxy, intestinal malrotation,
situs.
Nascer e Crescer 2010; 19(2): 74-7
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CORRESPONDÊNCIA
Andreia Cristina Martins Oliva Teles
Rua Dr. Ferreira Leite,76
4400-648 Vila Nova Gaia
Tlm: (00351) 918 895 558
E-mail: [email protected]
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case reports
77
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
Pott’s Puffy Tumor
Caso Clínico
Ana Ramalho1, Ana Faro1, Glória Silva1, José Rodrigues1 e Carlos P. Duarte1
RESUMO
A osteomielite do osso frontal, também conhecida como tumor de Pott, é
uma complicação rara da sinusite frontal.
Manifesta-se mais vezes na adolescência
e geralmente quando há envolvimento intracraniano, em particular por um quadro
meníngeo, que pode ter uma evolução
insidiosa.
Relata-se o caso de um adolescente de 12 anos com uma apresentação
atípica.
Palavras-chave: Pott’s Puffy Tumor; sinusite
Nascer e Crescer 2010; 19(2): 78-80
INTRODUÇÃO
As complicações supurativas da sinusite são raras, mas com grande morbilidade e mortalidade.
Neste artigo descrevemos uma complicação de sinusite frontal e etmoidal,
descrita na literatura como Pott’s Puffy
tumor, uma tumefacção mole frontal que
traduz irritação meníngea por colecção
abcedada suprajacente a osteomielite.
De acordo com a literatura encontrada estão descritos apenas 21 casos na
era antibiótica e a última revisão de 2001
relata sete casos(1).
intensas referidas à região temporal esquerda, pulsáteis, acompanhadas de
vómitos, com cerca de doze horas de
evolução. Sem outros sinais de alarme, é
medicado com terapêutica sintomática.
Por agravamento volta ao terceiro
dia de doença ao SU, agora com tumefacção dolorosa na região parietal esquerda, lesão herpética labial, febre e
tosse produtiva. Apresenta dor à palpação dos seios frontais e maxilares. Nega
traumatismo de crânio.
Radiografia de crânio evidencia sinusite frontal (Figura 1), sem sinais de
fractura. Analiticamente com 13 500/uL
leucócitos com 80% neutrófilos e Proteína C Reactiva (PCR) de 25,7 mg/dL.
É medicado com amoxicilina e ácido
clavulâmico 875mg+125mg de 12/12h.
Volta ao quinto dia de doença por
agravamento dos sintomas e edema periorbitário bilateral. Apresenta-se prostrado, com queixas álgicas de maior intensidade, mantendo Glasgow de 15.
Analiticamente apresenta agora
11 500 leuc/uL com 88% de neutrófilos e
PCR de 17,8mg/dL.
Realiza Tomografia computadorizada craneo-encefálica (TC-CE) (Figuras
2A - 2D) que mostra empiema e colecção
gasosa fronto-parieto-occipital esquerda
e occipito-parietal direita supradjacente
aos locais de empiema e opacificação
dos seios esfenoidais, etmoidais e frontal
esquerdo.
Internado e medicado com ceftriaxone e metronidazol associados a dexametasona.
Ao sexto dia de doença há um agravamento do quadro, com rigidez da nuca,
aumento do edema peri-orbitário bilateral, irritabilidade, gemido, sem resposta
verbal e sem abertura expontânea dos
olhos (nove na escala de Glasgow).
É drenado o empiema do couro cabeludo, observando-se descolamento da
glia e abcesso sub-periósteo. O exame
bacteriológico é negativo em meio para
Figura 1 - Radiografia de crânio evidenciando
sinusite frontal esquerda.
Figura 2A - TC-CE com evidência de sinusite
etmoidal.
CASO CLÍNICO
Criança do sexo masculino, doze
anos de idade, sem antecedentes pessoais de relevo, com antecedentes familiares maternos de enxaqueca. Recorre ao
Serviço de Urgência (SU) por cefaleias
__________
1
Serviço de Pediatria do Hospital do Divino
Espírito Santo, Ponta Delgada
78
casos clínicos
case reports
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
aeróbios, estando presentes em exame
directo bacilos Gram+ e Gram-.
Por agravamento do quadro neurológico realiza nova TC-CE, agora com
maior edema cerebral e colecção falciforme infradjacente à calote em relação com
provável osteomielite, edema palpebral
pré-septal e sinusite etmoidal esquerda.
Transferido para Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) por bradicárdia, hipertensão e instabilidade neurológica.
Ao oitavo dia de doença realiza
nova TC-CE que evidencia maior herniação sub-falciana e nesse mesmo dia inicia quadro convulsivo, do hemicorpo drtº
e midríase à esquerda, com hemiplegia
direita pós ictal.
É realizada trepanação coronal esquerda com drenagem do empiema subdural e lavagem.
Inicia vancomicina em perfusão e
fenitoína.
Ao quarto dia pós-operatório mantém parésia membro superior direito e
afasia de emissão.
À data de alta completa 19 dias de
Ceftriaxone, 19 dias de metronidazol, 11
dias de vancomicina e está em desmame
gradual de fenitoína, ainda com parésia
do membro superior direito.
DISCUSSÃO
As complicações supurativas da
sinusite embora raras, podem ter sequelas neurológicas devastantes e até mes-
Figura 2B - TC-CE com evidência de sinusite
frontal.
mo mortais2. Como tal é importante que
o Pediatra esteja alerta para a clínica e
imagem associadas ao empiema intracraneano sinogénico de forma a permitir
diagnóstico e terapêutica atempadas.
Envolvem mais frequentemente a
órbita e/ou o Sistema Nervoso Central,
manifestando-se em graus tão variados
que se estendem desde a celulite peri-orbitária até à trombose do seio cavernoso,
empiema subdural e abcesso cerebral(2).
“Pott’s Puffy tumor” é uma entidade
inicialmente descrita por sir Percival Pott,
definida como tumefacção mole frontal(3)
que traduz irritação meníngea. Trata-se
de uma colecção abcedada supradjacente a osteomielite(4). As causas são várias
sendo a mais comum a sinusite frontal,
mas também a etmoidal, o traumatismo
de crânio, a radioterapia e transplante
capilar(5).
A maior frequência de infecção
intra-craneana na adolescência deve-se
segundo Kaplan a uma maior irrigação
sanguínea e fluxo pelo sistema diplóico
avalvular e crescimento dos seios frontais que tornam a parede mais fina. A estes factores de risco associam-se ainda
possíveis defeitos ósseos (congénitos ou
adquiridos) que permitem a penetração
da infecção através do crânio(2).
Em alguns estudos o seio frontal
foi mesmo definido como o principal catalizador e denominador comum às com-
plicações supurativas intra-cranianas;
igualmente provada a predominância no
sexo masculino e na adolescência(9).
Neste caso a sinusite surge num
adolescente cujo surto de crescimento
favorece a disseminação hematogénea
dos êmbolos sépticos.
Os agentes mais frequentes incluem bactérias anaeróbias e aeróbias,
com predomínio ao Streptococcus, Staphylococcus, Enterococcus e Bacterioides sp(2).
O diagnóstico exige elevada suspeição clínica e o auxílio de meios complementares de diagnóstico como a TC-CE e
Ressonância Magnética Nuclear (RMN).
A cintigrafia poderá ser útil na detecção e
diagnóstico de osteomielite(2).
A terapêutica passa por craniectomia urgente com remoção do abcesso
e do osso lesado o mais precocemente
possível; excepção feita ao doente com
pequeno abcesso subperiósteo, no qual
se deve iniciar terapêutica mantendo
vigilância apertada da sua acuidade visual e estado de consciência(1,2). A antibioterapia, segundo as recomendações
para terapêutica da sinusite aguda e
suas complicações da Academia Americana de Pediatria, inclui cefotaxime
ou ceftriaxone e vancomicina endovenosos, ajustada segundo resultados
culturais e prolongada, em média, por 6
a 8 semanas(4, 7).
A drenagem sinusal está indicada
Figura 2C - TC-CE: fina lâmina epidural fronto
temporal esquerda em relação com colecção
suprajacente à calote
Figura 2D - TC-CE: evidênciando presença
de bolhas na colecção suprajacente à calote
compatível com empiema
casos clínicos
case reports
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NASCER E CRESCER
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ano 2010, vol XIX, n.º 2
sempre que exista complicações intracraneana ou orbitaria de doença sinusal(8).
Neste caso em particular a protelação da craniectomia tendo em vista uma
maior estabilização do doente condicionou isquémia cerebral e convulsões tónico-clónicas com hemiparésia sequelar.
A drenagem sinusal não foi considerada
prioritária para a resolução do quadro
uma vez que se mantinha algum arejamento dos seios perinasais.
Recomenda-se, sempre que possível, a intervenção precoce com drenagem do empiema como forma de prevenir eventuais sequelas neurológicas ou
agravamento clínico(2).
A mortalidade elevada, atingindo os
12%(4), ocorre por aumento da pressão
intra-craneana e herniação transtentorial, trombose, isquémia e sépsis, mas
também os défices neurológicos condicionam uma considerável morbilidade a
longo prazo(2).
CONCLUSÃO
O diagnóstico precoce é de extrema
importância na orientação terapêutica do
Pott’s Puffy Tumor pela alta mortalidade
e morbilidade. O tumor mole craneano
necessita como tal de despertar a suspeita do Clínico de modo que a história,
exame físico e exames complementares
de diagnóstico permitam orientação e intervenção rápidas e adequadas.
80
casos clínicos
case reports
POTT’S PUFFY TUMOR
CASE REPORT
ABSTRACT
Osteomielitis of the frontal bone,
otherwise known as Pott’s pufft tumor, is
a rare complication of frontal sinusitis. It
affects mainly adolescents and presenting symptoms are usually of meningeal
involvement, which may be insidious.
We report the case of a 12 year-old
boy with an atypical presentation.
Keywords: Pott’s Puffy Tumor; sinusitis
Nascer e Crescer 2010; 19(2): 78-80
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70: 1383-7.
CORRESPONDÊNCIA
Ana Raquel Ramalho
R. Rodrigo Rodrigues, 36, 2º esq-sul
9500-180 Ponta Delgada
Tlm: (+351) 966 131 745
[email protected]
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ano 2010, vol XIX, n.º 2
Teratoma Sacrococcígeo
Caso Clínico
Teresa Andrade1, David Montes1, Fátima Carvalho2, Manuel Dias3 e Carmen Carvalho1
RESUMO
O teratoma sacrococcígeo, embora raro, é a neoplasia mais frequentemente diagnosticada no período
neonatal. O diagnóstico é geralmente
estabelecido após o nascimento, apesar do uso da ultrassonografia obstétrica permitir um número crescente de
sinalizações pré-natais. O principal
diagnóstico diferencial é o mielomeningocelo. A monitorização de marcadores
tumorais sugestivos da presença de
células malignas de um tumor do saco
vitelino associado, tal como a alfa-fetoproteína, e a ressecção precoce
do tumor são recomendáveis.
Apresenta-se o caso clínico de
um recém-nascido do sexo feminino a
quem foi detectado ao nascimento uma
massa sacrococcígea. A ressonância
magnética nuclear admitiu tratar-se de
um teratoma sacrococcígeo e o valor
de alfa-fetoproteína era normal para
a idade da doente. Foi realizada ressecção total do tumor com remoção do
cóccix e confirmado o diagnóstico em
estudo anátomo-patológico. A reavaliação posterior da criança revelou um
valor decrescente da alfa-fetoproteína,
ausência de défices motores e um bom
aspecto cosmético.
A apresentação deste caso clínico
pretende realçar a importância do diagnóstico precoce, fundamental para a
abordagem terapêutica adequada e melhor prognóstico.
Palavras-chave: Teratoma sacrococcígeo, tumor de células germinativas,
recém-nascido.
Nascer e Crescer 2010; 19(2): 81-4
INTRODUÇÃO
Os teratomas são neoplasias sólidas que derivam da diferenciação anormal das células germinativas primordiais.
Derivam das três camadas germinativas
(ectoderme, mesoderme e endoderme)
e podem ter localização gonadal ou extragonadal. A localização mais frequente
é a sacrococcígea, seguida da ovárica,
testicular e cerebral, entre outras(1). O
teratoma sacrococcígeo, embora raro,
é a neoplasia mais frequentemente diagosticada no período neonatal, com uma
prevalência de 1 em 35 000 a 40 000
recém-nascidos vivos(2,3). A maioria destes tumores tem ocorrência esporádica,
embora esteja descrita uma maior incidência familiar e um predomínio no sexo
feminino numa relação 1:4(1,3,4). É habitualmente uma lesão benigna e a etiologia
permanece desconhecida(5).
Tabela 1 - Classificação dos teratomas sacrococcígeos (American Academy of Pediatrics Surgery Section).
Teratoma
Sacrococcígeo
Características
Tipo I
Massa externa, com componente interno mínimo ou ausente
Tipo II
Massa predominantemente externa, com extensão interna para
o espaço pré-sagrado
Tipo III
Massa externa e interna com extensão para a cavidade
abdominal
Tipo IV
Massa totalmente interna, sem componente externo.
__________
1
2
3
Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais,
CHPorto - Maternidade de Júlio Dinis.
Serviço de Cirurgia Pediátrica, CHPorto Unidade Maria Pia.
Serviço de Anatomia Patológica, CHPorto Maternidade Júlio Dinis.
O teratoma sacrococcígeo é habitualmente suspeitado ao nascimento ou durante as primeiras semanas, embora cada
vez mais durante o período pré-natal,
como um achado ultrassonográfico(1,6).
Os diagnósticos diferenciais incluem o mielomeningocelo, o lipoma
e o quisto dermóide, mas também tumores malignos como o sarcoma de
Ewing/PNET, o neuroblastoma e o domiossarcoma(5). O diagnóstico de probabilidade é estabelecido com base na
detecção imagiológica do tumor, por
ecografia e ressonância magnética nuclear, e na constatação de níveis altos
de marcadores tumorais, tais como a
alfa-fetoproteína (AFP) e a hormona gonadotrófica coriónica humana (B-HCG).
Níveis elevados de AFP podem indicar
malignidade; infelizmente no periodo neonatal estes valores estão normalmente
elevados e só alcançam valores normais
cerca dos 9 meses de idade.
O diagnóstico definitivo é estabelecido após análise anátomopatológica e
estudos genéticos da massa tumoral(7,8).
Este tipo de tumor pode ser classificado,
de acordo com as características histoló-
casos clínicos
case reports
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ano 2010, vol XIX, n.º 2
gicas, em benigno (maduro, constituído
por tecidos diferenciados) ou maligno
(imaturo, composto por elementos embrionários) ou, de acordo com a extensão
interna ou externa da massa tumoral,
em 4 tipos diferentes (Tabela 1)(6). Virtualmente qualquer tecido pode estar presente num teratoma sacrococcígeo.
O tratamento de eleição é a ressecção completa do teratoma com excisão do cóccix para diminuir o risco de
recorrências, devendo verificar-se se há
adesão ao recto(5,8,9). A quimioterapia está
geralmente reservada para os teratomas
sacrococcígeos malignos(4,10). O prognóstico está dependente da idade do diagnóstico, da malignidade do tumor e facilidade da recessão cirúrgica(4).
CASO CLÍNICO
Recém-nascido do sexo feminino,
de raça caucasiana, fruto de gestação vigiada, sem intercorrências. As ecografias
pré-natais não revelaram alterações. An-
Figura 1 - Teratoma sacrococcígeo: aspecto no 1º dia de vida.
tecedentes familiares irrelevantes. O parto foi espontâneo, eutócico, hospitalar,
com Índice de Apgar 8/9/10 (aos 1°, 5° e
10° minutos, respectivamente). Somatometria adequada à idade gestacional. No
exame físico ao nascimento apresentava
uma tumefacção na região sacrococcígea, com 3 x 4 cm de diâmetro, redonda,
móvel, com consistência elástica, coberta por pele de tonalidade vinosa e com
pêlos (Figura 1). O restante exame era
normal, nomeadamente a motricidade
dos membros inferiores. O toque rectal
revelou ligeira proeminência anterior ao
cóccix, sem componente pré-sagrado.
A ressonância magnética nuclear da
região lombossagrada mostrou presença
de lesão predominantemente cística no
espaço pré-sagrado, localizado entre o
recto e a metade inferior do sacro e cóccix, estendendo-se até à gordura subcutânea, com topografia sugestiva de teratoma sacrococcígeo (Figura 2).
O doseamento sérico da AFP revelou um valor de 27 800 UI/L.
A ressecção cirúrgica da tumefacção
sacrococcigea, com remoção total do cóccix, decorreu sem intercorrências, no 11º
dia de vida. O exame histológico evidenciou presença de massa cística com 4,5 x
Figura 2 - Ressonância magnética nuclear da
região lombossagrada (corte sagital), mostrando
lesão com componente maioiritariamente cística
no espaço pré-sagrado (seta).
Figura 3 - Cortes histológicos do teratoma sacrococcígeo com evidência de tecidos diferenciados
(A- epitélio respiratório; B- epitélio intestinal; C- tecido cerebral; D- ácinos pancreáticos).
82
casos clínicos
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NASCER E CRESCER
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ano 2010, vol XIX, n.º 2
3,0 cm de diâmetro compatível com teratoma sacrococcígeo maduro, constituído
por retalhos de vários tecidos, nomeadamente esquelético, respiratório, intestinal,
pancreático e cerebral (Figura 3).
A reavaliação posterior revelou um
valor decrescente da AFP, ausência de
défices motores e um bom aspecto cosmético. Aos 3 anos de idade a criança
apresentava um crescimento estaturo-ponderal dentro dos percentis normais,
ausência de défices motores ou sensitivos e continência de esfíncteres. Os marcadores analíticos tumorais mantinham-se normais.
DISCUSSÃO
O teratoma sacrococcígeo é a neoplasia congénita mais comumente detectada no recém-nascido(2). Cerca de 80%
das crianças afectadas são do sexo feminino, tal como no caso descrito.
O prognóstico é habitualmente favorável, dependendo da idade do diagnóstico, das características anatomo-patológicas do tumor e da precocidade
da ressecção cirúrgica.
O diagnóstico foi suspeitado e estabelecido no período neonatal, facto
associado a um melhor prognóstico, visto
que a incidência de malignidade aumenta
com o aumento da idade do diagnóstico
(5% no período neonatal em comparação
com 75% após o ano de idade)(5).
Do ponto de vista anátomo-patológico, o teratoma sacrococcígeo
pode continuar a crescer em plano posterior, com formação de protusão externa, ou em plano anterior, com dissecção
de planos e distorção de órgãos, com
ou sem invasão (recto, vagina e bexiga)
(3)
. No caso que se descreve, a presença
de massa predominantemente externa,
com extensão interna para o espaço pré-sagrado permite a sua classificação em
teratoma sacrococcígeo tipo II, de acordo
com a classificação da Academia Americana de Pediatria. Histologicamente, a
classificação assenta no tipo de tecido
presente. Nos teratomas sacrococcígeos
maduros, como no caso apresentado, os
elementos mais frequentemente encontrados são tecido neuroglial, pele, epitélios respiratório e intestinal, cartilagem, e
músculos liso e estriado(3). Estão geral-
mente associados a melhor prognóstico
do que os teratomas sacrococcígeos com
tecidos imaturos.
A associação a outras malformações
congénitas ocorre em 5 a 26% dos casos, com destaque para as malformações
genito-urinárias, nomeadamente hidronefrose, displasia renal e atrésia uretral(3,6) .
O diagnóstico provável, tal como
descrito na literatura(7,8), foi estabelecido com base na clínica e na detecção
imagiológica do tumor, por ressonância
magnética nuclear. O valor da AFP, normal para a idade(14), apontava para um teratoma maduro. O diagnóstico definitivo
foi estabelecido após análise anátomo-patológica da massa tumoral. A diminuição significativa e progressiva dos valores da AFP após a ressecção cirúrgica
corroboraram o diagnóstico.
A abordagem clínica de um teratoma
sacrococcígeo deve ser interdisciplinar,
entre obstetrícia, neonatologia, cirurgia
pediátrica e oncologia pediátrica(3). A cesariana electiva está geralmente indicada
no feto com um teratoma sacrococcigeo
de grandes dimensões (> 5 cm), para evitar a ruptura do tumor e a distocia. Em
presença de hidropsia fetal está indicada
a cesariana assim que seja atingida a
maturidade pulmonar (> 30 semanas)(6).
A ressecção completa do teratoma,
com remoção do cóccix, realizado neste caso, é o tratamento de eleição(5,8,9),
sendo que a não excisão do cóccix está
associada a recorrência do tumor(5,8). Não
sendo um teratoma com características
malignas, não houve necessidade de
quimioterapia.
O seguimento pós-cirúrgico inclui o
doseamento seriado da AFP. A sua normalização ocorre ao longo de cerca de 9
meses por se manter a produção da mesma pelo fígado do lactente(7,10).
O mais importante factor prognóstico é o tamanho do componente sólido do
tumor. Tumores predominantemente císticos, tal como no caso descrito, mesmo
de grande tamanho, associam-se geralmente a melhor prognóstico, sobretudo
pela menor presença de rede vascular e
hemorragia(6).
As sequelas a longo prazo, são
relativamente comuns após ressecção
cirúrgica do teratoma sacrococcígeo e in-
cluem alterações da motilidade intestinal,
incontinência urinária, aspecto estético
da cicatriz e, consequentemente, diminuição da qualidade de vida11. No entanto,
tendem a melhorar com o tempo e, quando analisadas a nível individual, não têm
uma prevalência significativamente superior à população geral(13). Neste caso a
evolução foi favorável, com bom aspecto
cosmético e sem défices motores.
SACROCOCCYGEAL TERATOMA:
A CASE REPORT
ABSTRACT
Sacrococcygeal teratoma, although
rare, is the most common tumour detected in the newborn period. The tumour
is usually diagnosed after birth, but the
routine use of obstetric ultrasonography
has allowed an increasing prenatal detection rate. Myelomeningocel is the main
differential diagnosis. Tumour markers
monitorization, such as alpha-fetoprotein,
and prompt surgical excision is recommended.
The authors report the case of a term
newborn girl presenting a sacrococcygeal
mass. The magnetic resonance imaging
suggested corresponding to sacrococcygeal teratoma. Alfa-fetoprotein was in
the normal range for the age of the infant.
The total surgical resection of the tumour
and coccyx was performed. Follow-up revealed a decreasing alpha-feto-protein,
no adverse effects with no motor deficits
and a good cosmetic aspect.
The present report aims to emphasize the importance of an early diagnosis,
since it should carry a prompt management and a better outcome.
Keywords: Sacrococcygeal teratoma, germ cell tumour, newborn.
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α-fetoprotein (AFP) levels in normal
infants Pediatr Res. 1981; 15:50-2.
CORRESPONDÊNCIA
Teresa Andrade
Maternidade Júlio Dinis, CHP
Largo da Maternidade
4050-371 PORTO
Tlm: (00351) 919 742 860
[email protected]
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
Gastroenterite Aguda
Rosa Maria Lima1,2 e Jorge Amil Dias2
RESUMO
A gastroenterite aguda (GEA) na
criança é, ainda, uma das causas mais
comuns de hospitalização e importante
problema de saúde pública, no nosso país.
Resulta da infecção do tracto gastrointestinal por variados agentes patogénicos
que alteram a função intestinal. Assim
episódios frequentes contribuem para má-nutrição ao interferirem com a absorção
de nutrientes, pelo catabolismo aumentado provocado pela infecção e a redução
da ingestão calórica pelos vómitos.
O presente trabalho tem como objectivo fazer uma revisão sistemática de
aspectos clínicos relevantes e consensos terapêuticos de acordo com recomendações recentes das Sociedades
Europeia e Latino Americana de Gastrenterologia, Hepatologia e Nutrição
Pediátrica.
Palavras-chave: diarreia, gastroenterite, rotavírus, rehidratação
Nascer e Crescer 2010; 19(2): 85-90
INTRODUÇÃO
A gastroenterite aguda (GEA) permanece uma das causas mais comuns
de mortalidade em idade pediátrica, em
países em desenvolvimento. A maioria
das mortes acontece em zonas onde
o acesso a água potável e cuidados de
saúde são limitados. Neste contexto episódios frequentes de infecção intestinal
contribuem para a má-nutrição ao interferirem com a absorção de nutrientes, ao
catabolismo aumentado provocado pela
infecção e à redução da ingestão pelos
vómitos. Na Europa, a maioria dos casos
__________
1
2
Serv. Gastrenterologia Pediátrica - CHPorto
Unid. Gastrenterologia Pediátrica - HSJoão
de diarreia aguda do que o número de
dejecções(1,2).
apresenta um curso leve a moderadamente severo e a evolução fatal é rara.
Em Portugal a GEA é causa comum de
hospitalização e importante problema de
saúde pública.
A GEA resulta da infecção do tracto gastrointestinal por variados agentes
patogénicos que alteram a função intestinal. O presente trabalho consiste numa
revisão sistemática de aspectos clínicos
relevantes e consensos terapêuticos de
acordo com recomendações recentes
das Sociedades Europeia e Latino Americana de Gastrenterologia, Hepatologia e
Nutrição Pediátrica.
EPIDEMIOLOGIA
A GEA é problema bastante comum
na infância e em crianças pequenas.
Crianças até aos 3 anos têm em média
1 a 2 episódios por ano, com um pico de
incidência entre os 6 e os 23 meses(3). A
diarreia tem habitualmente duração média de 5,0±2,2 dias(4).
A etiologia da GEA varia entre os
países, dependendo de factores como a
localização geográfica, factores socioeconómicos e clima.
Cerca de 40% dos casos de diarreia
nos primeiros 5 anos de vida devem-se
ao Rotavírus, e 30% a outros vírus, nomeadamente Norovírus e Adenovírus.
Em 20 a 30 % são identificados agentes
bacterianos (Salmonella, Campylobacter
jejuni, Yersinia enterocolítica, E. coli enteropatogénica ou Clostridium difficile),
sendo que nos países do Norte da Europa o Campylobacter é o agente mais
frequente enquanto no Sul prevalece a
Salmonella (Tabela 1).
DEFINIÇÃO
Define-se como a diminuição de
consistência das fezes (líquidas ou semilíquidas) e/ou aumento na frequência das
dejecções para mais de 3 nas 24 horas,
com ou sem febre ou vómitos. A diarreia
habitualmente dura menos de 7 dias e se
prolongar por mais de 14 dias designa-se
por diarreia persistente. Nos primeiros
meses de vida, a alteração de consistência das fezes é um sinal mais significativo
Tabela 1
Agente
Frequência – Portugal (%)
Frequência – Europa (%)
Rotavírus
31 – 40
10 – 35
Adenovírus
11 – 13
2 – 10
Outros vírus
12
2 – 20
Salmonella spp
12 – 28
5–8
Campylobacter spp
2,1 – 2,4
4 -13
Shigella spp
0 – 0,6
0,3 – 1,4
Yersínia enterocolítica
0 – 1,6
0,4 – 3
S/ agente identificado
36
45 – 60
artigo de revisão
review articles
85
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revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
Os parasitas causam menos frequentemente diarreia aguda em crianças saudáveis, com maior frequência de
Giardia intestinal, Criptosporidium e Entamoeba histolytica(2,5,6).
Os vários estudos demonstram que
a etiologia vírica tem o pico de incidência
entre Janeiro a Março, e no nosso país a
Salmonella pode ser responsável por um
pico em Julho e Agosto(2,5).
FISIOPATOLOGIA
Os vários agentes infecciosos provocam lesão intestinal através de variados mecanismos que estão mencionados
na Tabela 2.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
A doença manifesta-se por diarreia líquida, por vezes com sangue,
após período de incubação de 1 a
7 dias. Os vómitos e a febre podem
estar ausentes, suceder ou preceder
a diarreia; quando presentes, habitu-
almente terminam em poucas horas
após hidratação adequada, e no máximo em 48 horas.
Alguns sintomas podem ser preditivos da etiologia. A febre elevada (>40ºC)
é comum na infecção por Shigella. A presença de sangue nas fezes é habitualmente preditiva de etiologia bacteriana.
O envolvimento do SNC é maior com
os agentes bacterianos, particularmente
Shigella e Salmonella. A associação de
sintomas respiratórios com as infecções
víricas está provavelmente relacionada
com a época sazonal(2).
Manifestações subsequentes dependem do grau de grau de desidratação. Raramente podem ocorrer complicações como invaginação intestinal,
choque tóxico ou hipovolémico com
insuficiência pré-renal na desidratação severa, convulsões resultantes
de alterações electrolíticas ou de hipoglicemia, ou ainda mais raramente
encefalite.
AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA
A história clínica bem elaborada e o
exame físico cuidado são fundamentais.
A história clínica fornece informação determinante para a orientação diagnóstica
e terapêutica. Os dados importantes a
colher são enumerados na Tabela 3.
No exame físico da criança com
GEA, é particularmente importante avaliar o grau de desidratação; a forma mais
exacta é através da percentagem de perda ponderal.
Todas as crianças devem ser examinadas despidas, pesadas e deve ser
calculado o grau de desidratação, que
pode ser dividido em 3 grupos: sem desidratação ( < 3% de perda ponderal),
leve a moderada (3 a 8 % de perda ponderal) e severa (> 9 % perda ponderal).
A Tabela 4 enumera os sinais físicos que
permitem calcular a gravidade da desidratação.
O tempo de reperfusão capilar, a
prega cutânea e o padrão respiratório
Tabela 2
Mecanismos de lesão
intestinal
Agentes infecciosos
Mecanismo fisiopatológico
Invasão e lesão da
mucosa
Shigella
Yersinia enterocolítica
Campylobacter jejuni
Estirpes invasoras de E. coli (EPEC)
9 Invasão da mucosa intestinal com ulceração e sangue
Secreção activa de
água e sódio
Vibrio cholerae
Estirpes enterotóxicas de E. coli (ETEC)
9 Libertação enterotoxina
Fixação em receptores específicos dos enterócitos
Activação de mediadores intracelulares (AMPc, GMPc, Ca++)
Secreção intestinal activa de Cl-, Na+ e H2O
Rotavírus
9 Invasão e destruição dos enterócitos maduros das vilosidades, sendo
substituídos por enterócitos imaturos, com ↓ capacidade de absorção e ↓
actividade enzimática (dissacaridases)
9 Infecção não é contínua (intervalos de mucosa normal)
Giardia lamblia
E. coli enteropatogénica
(EPEC-aderentes)
9 Adesão à mucosa → lesão das microvilosidadades
Lesões parciais da
mucosa
Clostridium difficile
Produção de citotoxinas
Estirpes de E. coli enterohemorrágica
(EHEC -O157:H7)
86
artigo de revisão
review articles
9 Alguns antibióticos (grupo da Clindamicina) desequilibram a flora
intestinal facilitando a proliferação deste agente
9 Produção de citotoxina que destrói a mucosa intestinal com produção de
pseudomembranas
9 Produção duma citotoxina (verotoxina), responsável pelo S. hemolíticourémico que, por vezes (5 a 10%) ocorre após diarreia com sangue
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Tabela 3
Dados importantes a obter da história
clínica de uma criança com diarreia
Idade, Peso anterior
Número de dias de diarreia
Número de dejecções nas últimas 24 horas
Consistência das fezes
Presença de sangue
Número de episódios vómitos
Febre, quantificar
Micções (N / <normal) (número de fraldas)
Quantidade de líquidos ingeridos
Ingestão alimentar
Aleitamento materno
Medicação já efectuada (SRO / antipiréticos
/ outros)
Viagem nas últimas 2 semanas
Contacto com outros casos (domicílio /
creche / escola)
Patologia pré-existente
anormal constituem os sinais mais fidedignos na avaliação da desidratação(2).
O tempo de reperfusão capilar
é avaliado num dedo da mão do doente ao nível do coração, em temperatura
ambiente agradável. A pressão deve ser
gradualmente aumentada, na superfície
palmar da falange distal e depois aliviada de imediato. O tempo normal é inferior
1,5 – 2 segundos.
A prega cutânea é avaliada na parede abdominal lateral ao nível do umbigo. A prega que se forma pela pressão do
polegar e indicador normalmente retorna
ao normal de imediato após ser libertada.
A hipernatremia e o excesso de gordura
subcutânea podem dar sinais falsos negativos de desidratação, a desnutrição
pode transmitir um sinal falso positivo.
Na diarreia severa, quando há complicações ou dúvidas sobre o diagnóstico,
deverão realizar-se outras investigações
de acordo com o quadro clínico.
O exame microbiológico de fezes
não deve realizar-se por rotina. A demonstração do agente, vírus ou bactéria
responsável pela GEA, não é relevante
para a decisão terapêutica para o doente
individual. No entanto em situações par-
ticulares (Tabela 5), a procura de agente
causal por exame cultural, demonstração
do antigénio ou toxina, ou por detecção
de DNA pode ser importante e, como tal,
recomendada.
Em caso de infecção nosocomial
em doentes hospitalizados, isto é, início
de diarreia há mais de 3 dias após admissão, deve ser pesquisado Rotavírus
e/ou toxina de Clostridium difficile. O isolamento de agente bacteriano é raro, e o
exame cultural de fezes não deve fazer
parte da avaliação inicial de um doente
com diarreia nosocomial.
As análises de sangue não são habitualmente necessárias em casos de
desidratação leve a moderada, uma vez
que os resultados não influenciam o tratamento. A etiologia vírica ou bacteriana
não se esclare com parâmetros como a
PCR e a velocidade de sedimentação.
Estão indicadas para crianças com desidratação severa ou se necessitam de
rehidratação endovenosa e devem incluir
o hemograma completo, equilíbrio ácido-base, electrólitos, ureia e creatinina(2).
A identificação de leucócitos nas
fezes em exame a fresco com coloração
por azul de metileno pode sugerir etiologia bacteriana invasiva da mucosa embo-
Tabela 4
Sem desidratação
(<3% perda ponderal)
Desidratação leve a
moderada (3 – 8%)
Desidratação severa (> 9 %)
Estado geral/ nível de consciência
Bom, acordado
Agitado, irritável ou prostrado
Apático, letárgico
Sede
Normal
Com sede, ávido de líquidos
Bebe muito pouco ou recusa
Freq. Cardíaca
Normal
Normal a elevado
Taquicardia e se agravamento bradicardia
Pulso
Normal
Normal a diminuído
Fraco ou não palpável
Respiração
Normal
Normal ou profunda
Profunda, respiração acidótica
Olhos
Normal
Encovados
Profundamente encovados
Lágrimas
Presentes
Diminuídas
Ausentes
Mucosas
Húmidas
Secas
Muito secas
Prega cutânea
Desaparece de imediato
Desaparece após <2’’
Permanece> 2 ‘’
Tempo de reperfusão capilar
Normal
Lento
Muito lento
Extremidades
Quentes
Frias
Frias, cianóticas
Diurese
Normal a diminuída
Diminuída
Mínima
artigo de revisão
review articles
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Tabela 5
Exame cultural das fezes, quando pedir:
Evolução severa, com perda ponderal
estimada> 9%
Diarreia com sangue
Viagem recente para países de risco (África,
Ásia, América do Sul)
Imunodeficiência congénita ou adquirida ou
terapia imuno-supressora
Suspeita de colite por Clostridium difficile ou
S. hemolítico-urémico
Diarreia persistente (mais de 2 semanas)
Surtos epidémicos
Quando infecção intestinal tem de ser
excluída para confirmar outras etiologias
como a Doença Inflamatória Intestinal.
ra tenha alguma significativa margem de
erro. Contudo, não existe nenhum marcador nas fezes seguramente preditivo de
infecção bacteriana(2).
TRATAMENTO
O tratamento essencial da GEA consiste na reposição de fluidos e electrólitos
e na manutenção da alimentação entérica
para prevenir o catabolismo e promover a
regeneração dos enterócitos.
Rehidratar
A rehidratação oral deve ser a primeira linha no tratamento de crianças
com GEA.
A Solução de Rehidratação Oral
(SRO) foi desenvolvida depois da descoberta do mecanismo de co-transporte de
sódio e glicose nos enterócitos. A água
segue passivamente o influxo de sódio e
glicose. Ficou demonstrado que as bactérias enterotoxinogénicas como o Vibrio
cholerae e as estirpes enterotóxicas de
E. coli mantêm intactas a morfologia da
mucosa intestinal e as suas funções absortivas e, apesar da lesão dos enterócitos pelo Rotavírus a SRO também se
mostra eficaz(7).
As SRO de osmolaridade reduzida
(conteúdo em sódio de 75 mmol/L) ou
hipotónica (Na+ 60 mmol/L) são recomen-
88
artigo de revisão
review articles
dadas como tratamento da GEA na Europa. A solução hipertónica (Na+ 90 mmol/L)
foi inicialmente recomendada, mas vários
trabalhos demonstraram de forma consistente que menores concentrações de
sódio e glicose aumentam a absorção de
água podendo ser mais eficazes que as
soluções com osmolaridade mais elevada, e ao mesmo tempo reduziam o risco potencial de induzirem hipernatrémia
por perda aumentada de água(2,7,8). Uma
revisão sistemática de Hahn incluiu 15
ensaios controlados randomizados em
2397 crianças menores de 5 anos, com
diarreia aguda, tratados com SRO de
osmolaridade reduzida ou hipotónica vs
SRO hipertónica; esta revisão demonstrou que as crianças tratadas com SRO
de osmolaridade reduzida ou hipotónica
tiveram menor necessidade de rehidratação endovenosa, excreção fecal e risco
de vómitos, quando comparados com
crianças tratadas com SRO hipertónica e
sem risco significativo de hiponatrémia(9).
Assim, a SRO hipertónica não é actualmente recomendada em crianças. Os
refrigerantes e Colas contêm muito elevada concentração de açúcar (> 110 g/L),
concentrações mínimas de sódio ou de
potássio e possuem osmolaridade demasiado elevada (> 780 mOsm/L) pelo que
estão fortemente contra-indicados.
Na desidratação leve a moderada
(3 a 5% de perda ponderal) a quantidade
de líquidos a ser ministrada é de 30 a 50
ml/Kg de peso corporal; na desidratação
moderada (> 5 a 8%), a quantidade é de
60 a 80 ml/Kg, durante um período de 3
a 4 horas.
Quando a rehidratação oral não é
possível, a rehidratação enteral por sonda nasogástrica é tão eficaz e mais correcta do que a rehidratação endovenosa.
Está associada a menos efeitos adversos
e internamentos mais curtos.
Uma revisão da Cochrane, envolvendo 1811 crianças com GEA, mostrou
não existir diferença significativa entre a
terapia oral e endovenosa no que respeita ao risco de hipo ou hipernatremia
e ganho ponderal. A diarreia terminou em
média cerca de 6 horas mais cedo nos
doentes tratados com rehidratação oral, e
o tempo de internamento foi significativamente mais curto, em média de 1.2 dias.
A mortalidade foi rara, mas ocorreu em
6 crianças com terapia endovenosa e 2
crianças com rehidratação oral. Apenas
em 1 de cada 25 crianças que iniciaram
rehidratação oral foi necessário mudar
para terapia endovenosa(10).
Não é recomendado o uso de SRO
com outros substractos por falta de evidência científica conclusiva(2,8).
O internamento na GEA deve ser
limitado de forma a prevenir a infecção
nosocomial, garantindo-se um tratamento seguro e eficaz.
As crianças que se apresentam desidratadas e/ou tiveram mais de 8 episódios de diarreia e/ou mais de 4 episódios
de vómitos nas últimas 24 horas ou com
menos de 6 meses de idade, têm risco
elevado de complicações pelo que devem ficar em vigilância, e só poderão ter
alta quando a ingestão de fluidos e alimentar é satisfatória.
Recomendações dietéticas
A alimentação deve ser mantida e
não se recomendam pausas alimentares superiores a 4 horas. Devem manter
a dieta habitual, não se justificando a
mudança para dietas especiais, nomeadamente com baixo teor de lactose e/ou
gorduras ou hidrolisados proteicos(2,8).
Tratamento farmacológico
Na maior parte das diarreias infecciosas, o tratamento com fármacos não
está indicado. Revêem-se brevemente os
principais produtos descritos para a GEA.
Anti-eméticos
Não devem ser usados por rotina
em crianças com GEA e vómitos, pela
elevada percentagem de efeitos colaterais, no entanto podem ser úteis em
crianças com vómitos severos(2,8). A
metoclopramida está frequentemente
associada a síndrome extra-piramidal,
particularmente nos casos de sobredosagem, já que as crianças podem vomitar o medicamento e levar os pais a
repetir a dose!
Anti-peristálticos
A loperamida é um agonista dos
receptores opióides provocando redução da motilidade intestinal. Está
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ano 2010, vol XIX, n.º 2
contra-indicada no tratamento da GEA
em crianças, pelos efeitos colaterais
sérios, nomeadamente distensão abdominal, ileo paralítico, letargia e morte, relatados em crianças com menos
de 3 anos(2,8).
Anti-secretórios
O racecadrotil é um fármaco anti-secretor que exerce o seu efeito antidiarreico através da inibição da encefalinase intestinal, reduzindo activamente a
secreção de água e electrólitos. Pode ser
útil na fase inicial (em que o componente secretor é mais relevante) de diarreias
víricas. Pode ser considerado no tratamento de crianças com GEA, no entanto serão necessários mais estudos de
eficácia e segurança para fazer essa
recomendação(2,8, 1).
Micronutrientes
O zinco tem funções tróficas anti-oxidativas, com efeitos que favorecem
as funções imunológicas e de barreira
da mucosa intestinal. Embora o seu
mecanismo de acção seja desconhecido, o tratamento com zinco demonstrou
aumentar a absorção de água e electrólitos pelo intestino, favorece a rápida regeneração do epitélio intestinal
aumentando os níveis de enzimas das
microvilosidades, reduz a gravidade e
duração da diarreia aguda e persistente. Estes efeitos foram demonstrados
em crianças que vivem em países em
desenvolvimento, onde a deficiência de
zinco é comum. Não existem provas de
eficácia do seu uso em crianças europeias com GEA. No entanto, levando
em conta as recomendações da OMS,
deve suplementar-se com zinco qualquer criança malnutrida. A dose é de
10 mg/dia em menores de 6 meses e
20 mg/dia após essa idade durante 10
a 14 dias(2,8,14,13).
Probióticos
Podem ser efectivos no tratamento da diarreia de etiologia vírica. Apesar
de numerosos estudos com resultados
contraditórios, meta-análises revelam
que o Lactobacillus GG e o Saccharomyces boulardii se mostraram benéficos(2,8).
Antibióticos
Não são recomendados na grande
maioria das crianças com diarreia aguda. Nas GEA de etiologia bacteriana só
são recomendados para patogéneos específicos, nomeadamente nos casos de
Vibrio cholerae, Entamoeba histolytica,
Shigella e Giardia intestinal(2,7).
Os antibióticos estão indicados no
tratamento de diarreia por agentes bacterianos nas seguintes situações: menos
de 3 meses de idade, imunodeficiência
primária ou secundária, terapia imunosupressora ou se existe sepsis como complicação.
O tratamento antibiótico da infecção
por Shigella reduz de forma significativa
a duração da febre, diarreia e a excreção
fecal do agente e, portanto, a infectividade. É recomendado o tratamento antibiótico na diarreia com confirmação cultural
ou na suspeita. O tratamento empírico
preferencial é a azitromicina durante 5
dias. No tratamento empírico endovenoso a primeira escolha é o ceftriaxone durante 2 a 5 dias(2).
Na GEA por Salmonella não se recomenda tratamento antibiótico em crianças saudáveis, uma vez que, não afecta
a duração da febre ou diarreia e pode induzir o estado de portador(2).
Na diarreia por Campylobacter jejuni, o tratamento reduz a duração dos
sintomas, sobretudo em crianças com
diarreia disentérica, e reduz a duração da
excreção fecal e portanto reduz a infectividade, sendo recomendada em creches
ou instituições(2).
Diarreia persistente
Designa-se diarreia persistente (DP)
quando se inicia de forma aguda e dura
14 dias ou mais, habitualmente associada a má evolução ponderal(14,15). É importante factor de morbilidade e mortalidade em todo o mundo, e ao contrário da
diarreia aguda em que a desidratação é
o mais importante factor de mortalidade,
a DP pode ter vários efeitos no desenvolvimento da criança, nomeadamente deficiências de micronutrientes, paragem do
crescimento e atraso cognitivo.
Existem poucos dados acerca dos
factores de risco para o desenvolvimento
de diarreia persistente nos países desen-
volvidos. Os dados acerca dos países em
desenvolvimento revelam que as crianças com menos de 6 meses têm um risco mais elevado de desenvolver diarreia
persistente.
Um estudo de Vernacchio, realizado
nos Estados Unidos, que seguiu prospectivamente 604 crianças com idades
entre os 6 meses e os 3 anos, revelou
uma incidência da diarreia persistente de
0,18 episódios por criança por ano, ocorrendo mais frequentemente no Inverno
e Primavera, com duração média de 22
dias (14–64 dias) e sendo o Norovirus,
Rotavirus e Sapovirus os agentes habitualmente associados. Estes dados estão
em contradição com estudos realizados
em países em desenvolvimento em que
a etiologia bacteriana é mais frequente e
com maior morbilidade e mortalidade(16).
Embora o conhecimento da patogenese da diarreia intratável e de lesão da
mucosa tenha aumentado, ainda estamos longe de conhecer os mecanismos
moleculares que levam à lesão intestinal
prolongada na DP de etiologia infecciosa.
Duas formas de lesão podem ocorrer, colonização infecciosa persistente e enteropatia pós-infecciosa que não recupera
ou com recuperação muito lenta. A atrofia
vilositária e a infiltração da lâmina própria
resultantes levam a perda da barreira epitelial e perda das funções de absorção
com desnutrição e consequente atraso
de reparação epitelial (14,15).
O tratamento da diarreia persistente
inclui as medidas de rehidratação, reabilitação nutricional e terapêutica farmacológica.
A rehidratação deve obedecer aos
mesmos princípios da GEA. As medidas
dietéticas incluem a manutenção do aleitamento materno. Nas crianças alimentadas com fórmula láctea, em que se evidencie acidez das fezes e presença de
açúcares redutores (método de execução
simples com 5 gotas da parte líquida das
fezes, 10 gotas de água e 1 pastilha de
Cliniteste®) deverá suspender-se a ingestão de lactose através leite próprio e
manter-se bom aporte calórico. Se a diarreia persiste deverá ponderar-se dieta
elementar e proceder-se a estudo adicional etiológico (outros défices enzimáticos
ou de transporte da glicose no epitélio
artigo de revisão
review articles
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NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
intestinal). É recomendada a suplementação com zinco. Devem ser tratadas
infecções extra-intestinais. Deve ser investigada possível infecção intestinal se
a diarreia se mantém após a abordagem
dietética inicial. Em caso de insucesso terapêutico com estas medidas e se não há
ganho ponderal deve iniciar-se nutrição
parentérica para controlar a desnutrição
e promover a recuperação nutricional durante as investigações subsequentes(14).
Prevenção
Estão disponíveis duas vacinas
contra o Rotavirus. A eficácia contra a doença severa por Rotavírus está demonstrada ser superior a 95%. A vacinação é
recomendada pelas Sociedades Europeias de Infecciologia e Gastrenterologia
Pediátrica (ESPID, ESPGHAN), para todas as crianças entre as 7 semanas e as
26 semanas de vida(17).
Do mesmo modo, a Sociedade de
Infecciologia Pediátrica e a Secção de
Gastrenterologia Pediátrica da Sociedade Portuguesa de Pediatria recomendam
que devem ser levadas em conta as recomendações das Sociedades Europeias,
e a decisão sobre a vacinação deve ser
feita em conjunto com os pais tendo em
consideração a segurança e eficácia(18).
ACUTE GASTROENTERITIS
ABSTRACT
Acute gastroenteritis in children is still
one of the most common causes of hospitalization and a major public health problem in our country. It is caused by various
pathogens that alter the intestinal function.
Therefore frequent episodes contribute to
malnutrition by interfering with the absorption of nutrients, an increased catabolism
due to infection and the reduction of caloric intake by vomiting.
This paper aims to review systematically the clinical relevance and therapeu-
90
artigo de revisão
review articles
tic consensus in accordance with recent
guidelines of European and Latin American Societies of Gastroenterology, Hepatology and Pediatric Nutrition.
Keywords: diarrhea, gastroenteritis, rotavirus, rehydration
Nascer e Crescer 2010; 19(2): 85-90
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NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
Algoneurodistrofia
Uma Entidade a Reconhecer
Susana Castanhinha1, Vanessa Mendonça1, Clara Vieira2, Cristina Miguel3, Maria José Vieira3 e Sónia Carvalho2
RESUMO
A algoneurodistrofia é uma doença
rara e subdiagnosticada, cujo diagnóstico
é clínico e assenta nos sintomas típicos
de dor neuropática, pseudoparalisia, tumefacção e sinais vasomotores e autonómicos num membro na ausência de lesão
nervosa identificável. Em idade pediátrica
apresenta geralmente um prognóstico favorável, sendo essencial o diagnóstico e
a intervenção terapêutica multidisciplinar
precoces para evitar sequelas ou evolução para a cronicidade.
Os autores descrevem o caso de
uma adolescente de 11 anos com algoneurodistrofia com evolução clínica favorável após diagnóstico e tratamento precoces. Pretendem com este caso alertar
para a importância da sua identificação
precoce, fazendo uma breve revisão desta entidade nosológica.
Palavras-chave: algoneurodistrofia, síndrome da dor regional complexa,
dor neuropática, pseudoparalisia
Nascer e Crescer 2010; 19(2): 91-4
INTRODUÇÃO
A algoneurodistrofia, também conhecida como Síndrome da Dor Regional Complexa tipo I, Distrofia Simpática
Reflexa ou Atrofia de Sudeck, é uma doença rara que se caracteriza por dor neuropática, pseudoparalisia, tumefacção,
sinais vasomotores e autonómicos num
membro, na ausência de lesão nervosa
identificada.
__________
1
Serviço de Pediatria, CH Médio Ave, Unidade
de Famalicão
Trata-se de uma entidade clínica
descrita pela primeira vez em 1864 pelos médicos Mitchell, Moorehouse and
Keen, durante a Guerra Civil Americana(1)
e classificada em 1994 como Síndrome
da Dor Regional Complexa (SDRC) tipo
I pela International Association for the
Study of Pain (IASP)(2). Diferencia-se da
SDRC tipo II, também chamada causalgia, por esta ocorrer, geralmente, após
lesão nervosa.
No entanto, os critérios de diagnóstico ainda não são universalmente aceites(3).
É uma doença muitas vezes subdiagnosticada, da qual se desconhece a
prevalência. Em idade pediátrica afecta
principalmente o sexo feminino (67-84%)
(4,6-9)
durante a adolescência (média 12,4-13,4 anos(4,6-9); idade mínima descrita: 2
anos(5)). O tempo entre o início dos sintomas e o seu diagnóstico pode variar, em
média, entre 4 e 12 meses(4,6,8).
A sua etiologia e fisiopatologia são
controversas, não sendo identificável o
factor desencadeante em pelo menos
metade dos casos(4,6).
CASO CLÍNICO
Adolescente do sexo feminino, 11
anos de idade, caucasóide, natural e residente em Vila Nova de Famalicão, internada no Serviço de Pediatria por dor
intensa no membro superior esquerdo.
Trata-se da terceira filha de pais
não consanguíneos e saudáveis, sem
doença heredo-familiar conhecida. Dos
antecedentes pessoais, destacava-se um
internamento aos 9 anos por suspeita de
abuso sexual. O contexto socio-familiar
era desfavorável: residia com os pais
(mãe empregada doméstica; pai operário
fabril) numa habitação rural com quintal
e animais e cumpria tarefas domésticas
diárias (engomar roupa e lavar louça),
estando os irmãos (13 e 15 anos) institucionalizados por negligência parental.
Frequentava o 5º ano com razoável aproveitamento e apresentava bom relacionamento com os colegas.
Seria saudável até três dias antes
do internamento, altura em que iniciou
dor no punho esquerdo, sem factor
desencadeante aparente. Verificou-se
agravamento progressivo do quadro
com hiperestesia, edema e rubor da
mão e punho esquerdos, motivo pelo
qual recorreu ao Serviço de Urgência
(SU) do nosso hospital. À admissão
apresentava dor com extensão em luva
até à metade distal do antebraço esquerdo, com hiperestesia (intolerância
ao toque e roupa), associada a cianose,
edema ligeiro (Sinal de Godet negativo)
e hipotermia na mesma localização (Figura 1). Verificava-se hipersudorese da
mão, dedos em semi-flexão (postura em
garra) e aparente incapacidade funcional. Os pulsos radiais eram amplos e simétricos e os reflexos osteo-tendinosos
dos membros superiores eram normais
e simétricos.
Não apresentava outros sintomas
associados e o restante exame objectivo
era irrelevante, à excepção de humor triste. Negava história recente de traumatismo, patologia infecciosa ou medicação.
Realizou exames complementares
de diagnóstico que não revelaram alterações, nomeadamente: radiografia dos
punhos e mãos, hemograma, bioquímica
com avaliação da função renal e do metabolismo fosfo-cálcico, velocidade de sedimentação, proteína C reactiva, estudo
imunológico (imunoglobulinas, anticorpos
anti-nucleares, factor reumatóide) e serologias (TASO, EBVe CMV).
ciclo de pediatria inter hospitalar do norte
paediatric inter-hospitalar meeting
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NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
Figura 1 – Pseudoparalisia e pele marmoreada do membro superior esquerdo
da adolescente com algoneurodistrofia.
Ficou internada no Serviço de Pediatria com o diagnóstico provável de algoneurodistrofia. Foi medicada com ibuprofeno oral (40 mg/kg/dia), fisioterapia
diária e apoio psicológico. Efectuou-se
igualmente intervenção familiar, de modo
a atenuar as tarefas domésticas. A evolução clínica foi favorável, com recuperação funcional progressiva, regressão do
edema e das alterações tróficas da pele e
diminuição da área de hiperalgesia.
Teve alta após dez dias de internamento apresentando dor ligeira e circunscrita à eminência óssea da apófise
cubital. Manteve medicação com ibuprofeno e exercícios de fisioterapia durante
um mês. Teve alta da consulta externa
quatro meses após o início dos sintomas, encontrando-se nessa altura assintomática e com exame físico normal
(Figura 2).
DISCUSSÃO
A fisiopatologia proposta para a algoneurodistrofia assenta na criação de
um arco nervoso reflexo anómalo, que se
propaga da periferia até ao córtex cerebral com posterior transmissão eferente à
medula espinhal(10). A partir desta, surge
um impulso do sistema nervoso simpático (SNS), que resulta numa hiperestimulação da actividade simpática periférica,
com correspondente resposta inflamatória neurovascular, que origina dor. Este
estímulo doloroso activa o reinício do
arco reflexo por “curto-circuito”.
A dor intensa resulta da acção de
neuropéptidos do sistema nervoso periférico e mediadores inflamatórios (citocinas, IL-1, IL-6, TNF-alfa) e de uma maior
sensibilidade dos axónios lesados à epinefrina e outras substâncias libertadas
por nervos simpáticos locais. Este pro-
Figura 2 – Mãos da adolescente após meses de tratamento, na altura da alta da Consulta.
92
ciclo de pediatria inter hospitalar do norte
paediatric inter-hospitalar meeting
cesso de inflamação neurogénica origina
dor e hiperestesia(12). A imobilização pode
perpetuar o arco reflexo, sendo crucial a
sua evicção de modo a interromper este
circuito.
Actualmente não existem marcadores bioquímicos, histológicos ou anatomopatológicos específicos(18).
Geralmente são crianças com patologia psiquiátrica, com dor abdominal
recorrente e cefaleias, que têm excessiva responsabilidade, disfunção socio-familiar ou escolar e vítimas de abuso
sexual(4,11-14). Podem ter sinais de hipersensibilidade simpática (hipersudorese
palmo-plantar) e baixo limiar à dor.
Os sintomas são variados e
localizam-se geralmente no membro inferior (87% numa série(3)), podendo também afectar os membros superiores. Em
37% dos casos pode haver atingimento
contralateral(4). Tipicamente os doentes
manifestam dor neuropática, pseudoparalisia, tumefacção, sinais vasomotores
e autonómicos num membro, sem identificação de lesão nervosa. O mesmo doente pode apresentar diferentes sintomas
que variam ao longo do curso da doença, indicando que diferentes fenómenos
disautonómicos podem ocorrer ao longo
da doença.
A dor neuropática é caracterizada
como intensa, contínua, tipo queimadura,
em luva ou em meia, não se localizando a
um dermátomo. Associa-se a hiperestesia (hiperalgesia e alodinia) e hiperpatia.
O edema ou tumefacção não apresenta
sinal de Godet. O membro afectado apre-
NASCER E CRESCER
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ano 2010, vol XIX, n.º 2
senta postura bizarra devido a pseudoparalisia. Das alterações do SNS, destaca-se hipotermia com cianose (em fases
precoces pode existir hipertermia com
rubor), pele marmoreada, hipersudorese e mais raramente queixas urológicas
(hiper ou arreflexia do detrusor, urgência
miccional). Podem estar associados movimentos involuntários dos membros (tremor, espasmos musculares, distonia)(15).
Numa fase tardia, a doença pode evoluir
com alterações tróficas cutâneas, ungueais ou musculares (contracturas).
Na apresentação clínica precoce,
pode ser necessário realizar o diagnóstico diferencial com várias patologias,
nomeadamente: 1) patologia reumática
(artrite idiopática juvenil, febre reumática,
lúpus sistémico, artrite reactiva, esclerodermia, fasceíte eosinofílica); 2) ortopédica (tendinite, sinovite, artrite séptica,
osteomielite, neoformação óssea, fractura, síndrome do canal cárpico, síndrome costo-clavicular); 3) vascular (oclusão arterial, tromboflebite); 4) infecciosa
(celulite); 5) psicossomática (reacção de
conversão)(14).
Os exames auxiliares de diagnóstico, tanto laboratoriais como imagiológicos, têm um papel relevante em casos
de diagnóstico duvidoso. O hemograma,
os marcadores de função renal e hepática, a proteína C reactiva e a velocidade
de sedimentação são normais. A radiografia óssea não revela alterações na
maioria dos casos embora possa evidenciar osteopenia em estadios avançados.
Em casos duvidosos, a cintigrafia óssea
pode ser orientadora, revelando tipicamente hipoperfusão nas zonas afectadas numa fase precoce e hiperperfusão
numa fase mais avançada, mas os estudos existentes são contraditórios(7,16,17).
A tomografia computorizada e a ressonância magnética são normais. Outros
exames auxiliares, como a termografia
ou testes específicos do sistema nervoso autónomo, não têm lugar na prática
clínica diária.
O tratamento tem como objectivo
recuperar a função do membro afectado.
Para tal, a intervenção deve ser precoce,
multidisciplinar (médico, fisioterapeuta,
psicólogo e anestesista) e envolver activamente a família(11).
A terapêutica conservadora implica
fisioterapia intensiva (dentro do limiar
da dor), apoio psicológico e terapêutica
médica. Na fase inicial da doença, os
fármacos de primeira linha podem ser
os anti-inflamatórios não esteróides em
dose anti-inflamatória (ex.: ibuprofeno
40 mg/kg/dia), com o intuito de moderar
a dor e permitir a fisioterapia intensiva.
Em estadios mais avançados, poderá
ser necessário o recurso a outros fármacos e modalidades terapêuticas, nomeadamente: antidepressivos tricíclicos,
calcitonina, bifosfonatos, corticóides,
nifedipina, bloqueio regional do SNS,
simpatectomia e estimulação eléctrica
nervosa transcutânea. Em casos de difícil controlo ou perante sequelas persistentes (alterações tróficas, perda de
função ou dor crónica), os doentes deverão ser referenciados para a Consulta
de Dor(11).
O prognóstico é favorável quando
a terapêutica é iniciada precocemente
(nos primeiros três meses) esperando-se resolução completa em semanas a
meses(13,14). As formas persistentes ou
associadas a sequelas são geralmente
consequência de atraso no diagnóstico.
No entanto, o curso da doença é variável
e estão descritas formas recorrentes(8).
No presente caso, a adolescente
apresentava os sintomas típicos, o que
possibilitou um diagnóstico precoce.
Apresentava alguns factores predisponentes, nomeadamente o encargo diário
com as tarefas domésticas, a história prévia de suspeita de abuso sexual e o contexto socio-familiar desfavorável. Não foi
identificado nenhum agente causal agudo (nomeadamente episódio de traumatismo, que pudesse ter originado lesão
nervosa “minor”), indicando um quadro
conversivo inicial.
Não foi necessário recorrer a exames imagiológicos além da radiografia
simples dada a clínica típica, a ausência
de sinais de compromisso neurocirculatório, a exclusão de patologia ortopédica
e a resposta favorável ao tratamento com
resolução quase completa do quadro
em 10 dias após o diagnóstico. Tanto a
fisioterapia como o apoio psicológico e a
intervenção psico-familiar tiveram um papel fundamental.
O presente caso ilustra uma apresentação clínica muito típica, em que foi
possível iniciar precocemente a terapêutica adequada, com boa resposta clínica
e prognóstico favorável.
CONCLUSÃO
A algoneurodistrofia é uma entidade
rara e subdiagnosticada, cujo diagnóstico
é essencialmente clínico. É importante o
tratamento precoce para evitar sequelas.
Perante uma criança ou adolescente com dor neuropática, pseudoparalisia
e sintomas disautonómicos num membro,
deve sempre considerar-se como hipótese de diagnóstico a algoneurodistrofia.
ALGONEURODYSTROPHY
– AN UNRECOGNIZED ENTITY
ABSTRACT
Algoneurodystrophy is a rare and
underdiagnosed disease, with clinical
diagnosis based on typical signs of neuropathic pain, pseudoparalysis, swelling
and vasomotor and autonomic signs localized in an extremity without an identifiable nervous lesion. Prognosis is usually
favorable in children. An early diagnosis
and multidisciplinary treatment are essential to avoid sequels or evolution to
chronicity.
The authors describe the clinical
case of an eleven-year-old adolescent
with algoneurodystrophy with good clinical outcome after early diagnosis and
treatment. They present a short review of
this entity emphasizing the importance of
an early diagnosis.
Keywords: algoneurodystrophy,
complex regional pain syndromes, neuropathic pain pseudoparalysis
Nascer e Crescer 2010; 19(2): 91-4
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Enteral Nutrient Supply for Preterm Infants: Commentary
from the European Society for Paediatric Gastroenterology,
Hepatology, and Nutrition Committee on Nutrition
Agostini C, Buonocore G, Carnielli VP, De Curtis M, Darmaun D, Decsi T, et al.
J Pediatr Gastroenterol Nutr, 2010; 50(1):85-91.
Abstract: The number of surviving
children born prematurely has increased
substantially during the last 2 decades.
The major goal of enteral nutrient supply to these infants is to achieve growth
similar to foetal growth coupled with satisfactory functional development. The
accumulation of knowledge since the
previous guideline on nutrition of preterm
infants from the Committee on Nutrition
of the European Society of Paediatric
Gastroenterology and Nutrition in 1987
has made a new guideline necessary.
Thus, an ad hoc expert panel was convened by the Committee on Nutrition of
the European Society of Paediatric Gas-
troenterology, Hepatology, and Nutrition
in 2007 to make appropriate recommendations. The present guideline, of which
the major recommendations are summarised here (for the full report, see http://
links.lww.com/A1480), is consistent with,
but not identical to, recent guidelines
from the Life Sciences Research Office of the American Society for Nutritional Sciences published in 2002 and
recommendations from the handbook
Nutrition of the Preterm Infant. Scientific
Basis and Practical Guidelines, 2nd ed,
edited by Tsang et al, and published in
2005. The preferred food for premature
infants is fortified human milk from the
infant’s own mother, or, alternatively,
formula designed for premature infants.
This guideline aims to provide proposed
advisable ranges for nutrient intakes for
stable-growing preterm infants up to a
weight of approximately 1800 g, because
most data are available for these infants.
These recommendations are based on
a considered review of available scientific reports on the subject, and on expert
consensus for which the available scientific data are considered inadequate.
Keywords: child development,
embryonic and foetal development, nutritional requirements, premature infant
feeding
Este documento ( position paper) da ESPGHAN vem actualizar o documento prévio de 1987.
COMENTÁRIOS
De facto, nos últimos 20 anos a mortalidade neonatal dos prematuros diminuiu de forma sustentada, especialmente
a mortalidade dos de prematuridade extrema (23-28 semanas) e dos de muito baixo peso (<1000 g). Esta melhoria
notável deve-se sem dúvida a avanços
major em técnicas especializadas, como
a ventilação de alta frequência, à administração materna de corticoide prenatal,
à administração pósnatal de surfactante
artificial, entre outras, mas também à experiência crescente de neonatologistas e
enfermagem especializada, neste âmbito.
A associar a estes melhoramentos, nos
cuidados de saúde dados a estes prematuros, é necessariamente forçoso incluir
um conjunto de estratégias nutricionais
em expansão, que passam certamente
por novas fórmulas e suplementos, bem
como soluções intravenosas de nutrientes. Intensa investigação tem vindo a ser
levada a cabo no sentido da aquisição de
evidência científica no reconhecimento
das melhores práticas na estratégia nutricional do prematuro(1,2).
Mais ou menos consensual, e segundo a Academia Americana de Pediatria, o crescimento posnatal ideal do prematuro deve ser o mesmo do feto normal
da mesma idade gestacional a crescer no
útero da sua mãe, não só em termos de
índices antropométricos mas também em
termos de composição corporal(3). No entanto, a abordagem terá que ser necessariamente mais complexa uma vez que
é claro haver diferentes gastos energéticos inerentes ao ambiente de cuidados
intensivos, e doenças e condições adversas acompanhantes à prematuridade;
o crescimento normal do feto dará uma
estimativa razoável da nutrição exigida
para pelo menos possibilitar esse crescimento(2). Mesmo assim, será que asseguraremos o máximo potencial de crescimento e funcionalidade, para os quais o
feto está previamente determinado gene-
ticamente, tendo como referência apenas
a conquista de uma taxa de crescimento
fetal normal?
Ainda actualmente, quase todos os
prematuros ficam aquém desta taxa de
crescimento, especialmente aqueles com
idades gestacionais e/ou pesos mais baixos, apresentando quase todos restricção
do crescimento quando atingem a idade
gestacional de termo. Ou seja, apesar de
todos os avanços dos últimos anos em
Neonatologia, o suporte nutricional dos
prematuros não acompanhou a melhoria
da sua taxa de sobrevivência(4). De facto,
não é fácil conseguir fornecer os aportes
de energia e proteínas que estes necessitam.....
E porque é este o ponto?
Nutrir um prematuro é um enorme
desafio; se as exigências do crescimento
e maturação de órgãos são grandes, tendo em conta as referências intrauterinas,
artigo recomendado
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95
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
como anteriormente referido, o handicap
intestinal deste grupo constitui um óbice
árduo de transpôr. A intolerância alimentar
é muito frequente e díficil de contornar, estando sempre presente, em Neonatologia,
que alimentar um prematuro se associa a
um receio major: o risco de despoletar o
desenvolvimento de enterocolite necrotizante (NEC). Este trabalho dá um enorme
contributo na orientação do cálculo das
necessidades nutricionais do prematuro,
que se não conseguidas por via entérica
pode ser complementada ou substituída,
no limite e temporariamente, pela nutrição
parentérica, com os seus riscos inerentes(5). Ainda neste âmbito, a insulina é a
principal hormona anabólica do feto, estimulando a síntese proteica e diminuindo
o seu catabolismo; é segregada desde
muito precocemente, cerca das 15 semanas de gestação, e a sua produção cresce com a idade gestacional; no entanto,
o benefício da suplementação extra de
insulina aos prematuros, com o objectivo
de melhorar os aportes de nutrição entérica ou parentérica, carece de evidência
científica(6). E, em acrescento na complexidade deste tema, este trabalho também
faz referência à possível importância da
velocidade de aquisição de peso; ou seja,
um catch-up growth rápido poder estar
relacionado com o desenvolvimento de
obesidade e doença cardiovascular mais
tarde, possivelmente por mecanismos de
programming metabólico(7).
Ainda, cada vez é mais robusta a
evidência científica de que défices nutricionais ocorridos em janelas críticas do
desenvolvimento limitam componentes
fundamentais do crescimento com influências/consequências duradouras. Recentemente, grupos independentes demonstraram que o crescimento cerebral
dos prematuros é menor que o dos lactentes com crescimento normal nascidos
de termo, cujo restricção estaria associada a atrasos cognitivos; ao contrário, a
melhoria da nutrição dos prematuros com
fórmulas mais ricas e específicas dava
origem a cérebros maiores (e também
maior número de neurónios e sinapses)
e com melhores desempenhos cogniti__________
1
Serviço de Pediatria, H Maria Pia / CHP
96
artigo recomendado
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vos, mesmo na adolescência(8). De facto,
a substância cinzenta cerebral e a retina são particularmente ricas em ácidos
gordos poliinsaturados de cadeia longa,
estando funções neurológicas complexas
relacionadas com o aporte energético/
proteico bem como com a composição
dos ácidos gordos da dieta(9).
Assim, será da mestria da gestão
deste balanço e do equilíbrio destes diferentes parâmetros, que poderá resultar
maior ou menor eficácia e sucesso, na
nutrição do prematuro.
É mandatório, ao abordar nutrição
entérica dos prematuros, considerar a
importância da alimentação trófica ou
mínima, ou priming feeding. É claro que
a nutrição entérica precoce é benéfica:
previne a atrofia intestinal e por outro
lado, estimula a maturação morfológica
e funcional do sistema gastrointestinal,
parecendo promover a tolerância alimentar e reduzir a incidência de NEC,
especialmente se usados o colostro ou o
leite materno. De facto, provavelmente o
modo de iniciar com sucesso a nutrição
enteral no prematuro é usando este tipo
de alimentação, ou seja, a administração
enteral de pequenas quantidades de leite materno ou fórmula (5-25 ml/kg/dia).
Será certamente um modo de combater
a inanição intestinal determinada pelo
jejum, tendo com certeza também uma
influência major na manutenção das funções de barreira e imunológica da mucosa intestinal, importantes na protecção de
mecanismos de translocação bacteriana
e de sensibilização a macromoléculas
por aumento da permeabilidade, não esquecendo o seu papel na modulação da
microbiota intestinal(10,11).
E, mais uma vez, o leite materno é o
melhor alimento para o prematuro...(2) Particularmente importante para este grupo,
é a existência de evidência científica robusta de que o leite materno confere protecção para o desenvolvimento de NEC;
esta vantagem parece ser específica para
o leite fresco da própria mãe do lactente, e não do leite humano em geral, dos
bancos de leite(12,13). Mais uma vez, esta
especificidade mãe-filho, é possivelmen-
te baseada em sinaléptica bioquímica e
microbiológica, em que certamente os
oligossacarídeos têm um papel importante. De facto, estes constituem o terceiro
maior componente do leite materno, atingindo o seu teor máximo ao quarto dia
de colostro, decrescendo depois com a
duração da amamentação. A complexidade da sua composição (existem mais de
200 formas de carácter ácido ou neutro)
é influenciada pela genética materna e
resultam da elongação da lactose. Estes
oligossacarídeos parecem ser elementos
chave na prevenção da adesão bacteriana intestinal neonatal, conseguida por
mimetismo molecular. Muitos microorganismos iniciam o processo infeccioso
pela adesão, via proteínas ligadoras de
carbohidratos, aos oligossacarídeos expressos nas membranas das células epiteliais. Os oligiossacarídeos do leite materno parecem ser potentes inibidores da
adesão bacteriana às superfícies epiteliais, interferindo na interaccção ligando-receptor entre o microorganismo e a célula da superfície mucosa do hospedeiro.
Assim, será fácil de perceber que sendo
esta especificidade determinada pela sua
natureza química, e esta dependente da
genética materna, então talvez o leite da
própria mãe confira esta pessoalização
ao par mãe-filho(1,14,15).
Em suma, os oligossacarídeos do
leite materno no intestino do recém–
nascido são resistentes à hidrólise,
conferindo-lhe potenciais efeitos benéficos na sua saúde intestinal neonatal e
de defesa do hospedeiro, particularmente
importantes no prematuro e com especificidade mãe-filho.
Por tudo o que foi dito, é urgente
melhorar as estratégias nutricionais deste grupo em particular, sendo que talvez
a consciencialização e o reconhecimento
do problema, não o aceitando passivamente e como uma inevitabilidade, possa
ser o primeiro passo para a mudança.
Helena Ferreira Mansilha1
Nascer e Crescer 2010; 19(2): 95-7
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
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artigo recomendado
recommended article
97
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
The Pediatric Obesity Epidemic Continues Unabated
in Bogalusa, Louisiana
Stephanie Broyles, Peter T. Katzmarzyk, Sathanur R. Srinivasan, Wei Chen,
Claude Bouchard, David S. Freedman, Gerald S. Berenson
Pediatrics 2010; 125:900-5
Objectives: To examine 35-year
trends in the prevalence of overweight
and obesity among children and adolescents from Bogalusa, Louisiana.
Patients and methods: Height
and weight were measured for 11653
children and adolescents between 5 and
17 years of age in 8 cross-sectional surveys. The Bogalusa Heart Study contributed data from 1973–1994, and routine
school screening provided 2008–2009
data. Trends in mean BMI, mean gen-
COMENTÁRIOS
Chegam-nos más notícias deste
conhecido estudo prospectivo iniciado na
década de 70 do século passado, em Bogalusa, Louisiana: desde 1973 que a proporção de crianças e adolescentes com
excesso de peso mais do que triplicou, o
que conduziu a que cerca de metade das
crianças apresente excesso de peso ou
obesidade. A pandemia do século XXI,
o excesso de peso/obesidade, está assim para durar. As consequências serão
dramáticas pois estando e continuando
a haver cada vez mais uma população
adulta com excesso de peso/obesidade,
aumentará de tal modo a morbilidade e
a mortalidade que pela primeira vez na
nossa história recente, os filhos de hoje
poderão ter uma esperança de vida menor do que a dos seus pais(1). Urge assim
combater este flagelo: mudar o estilo de
vida no que respeita, por exemplo, ao
regime alimentar, exercício físico e padrões de sono. De fora, porque incontrolável na prática actual, ficam os genes,
poderosos determinantes da obesidade.
De facto, os genes alteram-se ao longo
de milhões de anos, e não em 30 ou 40
anos, e sendo assim, terá que ser no am-
98
artigo recomendado
recommended article
der-specific BMI-for-age z scores, prevalence of overweight/obesity (BMI 85th
percentile), and prevalence of obesity
(BMI 95th percentile) according to age,
race, and gender were examined.
Results: Since 1973–1974, the
proportion of children and adolescents
aged 5 to 17 years who are overweight
(overweight plus obese) has more
than tripled, from 14.2% to 48.4% in
2008–2009. Similarly, the proportion of
obese children and adolescents has in-
biente, o “local”onde procurar os factores
influenciadores da mudança epidemiológica do fenótipo. Identificando os factores
ambientais, estaremos em condições de
podermos procurar a via mais eficaz de
combate à epidemia, que é a prevenção.
Tratar a obesidade não é fácil e ainda
que o fosse, prevenir será sempre a via
mais adequada. Mas como prevenir na
prática? Alguns factores estão identificados: obesidade dos pais, elevado peso
ao nascer, demasiado aumento de peso
no primeiro ano de vida, elevado índice
de massa corporal pelos 3-4 anos, passar mais de 8 horas por semana a ver
televisão e dormir pouco ( <10,5 h) pelos
3 anos(2). Pragmaticamente, como actuar
no dia-a-dia?
Tem-se afirmado que amamentar
contribui para prevenir a obesidade(3). No
entanto, parece que mais do que a duração da amamentação, será a introdução
mais tardia da diversificação alimentar o
que mais contribui para proteger os adultos da obesidade(4). Amamentar a pedido
poderá contribuir para a epidemia da obesidade, pois muitas destas refeições serão como que lanches e então estaremos
a condicionar as crianças a maus hábitos
creased more than fivefold from 5.6% in
1973–1974 to 30.8% in 2008–2009. The
prevalence of overweight or obesity, and
secular changes, were similar among
black and white boys and girls.
Conclusions: In semirural Bogalusa, the childhood obesity epidemic has
not plateaued, and nearly half of the
children are now overweight or obese.
Keywords: overweight, obesity,
trends, rural
alimentares, ao habituá-las a querer continuar a lanchar frequentemente, ou seja
a comer de mais(5). A amamentação em
regime de quase exclusividade durante
6 meses é recomendada. Devemos ter
em conta a diferença do padrão de crescimento observado com esta prática alimentar com o das crianças alimentadas
artificialmente, que é o que está expresso nas habituais curvas de crescimento
do Boletim de Saúde Infantil. Nas crianças amamentadas regista-se um maior
aumento de peso nos primeiros meses,
seguido de um progressivo declínio nos
últimos meses. Um padrão semelhante,
mas menos pronunciado, regista-se na
curva de comprimento(6).
O rápido aumento de peso nos três
primeiros meses de vida relaciona-se
com várias determinantes da doença cardiovascular observadas no adulto jovem,
nomeadamente obesidade e diabetes.
Resta saber que factores condicionam
este rápido aumento de peso para que
se possa intervir, prevenindo(7). Um deles
poderá ser a maior quantidade de adiponectina do leite materno(8).
A introdução precoce (antes dos 4
meses) da diversificação alimentar pare-
NASCER E CRESCER
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ano 2010, vol XIX, n.º 2
ce levar a um risco aumentado de obesidade(9).
Adultos que dormem pouco podem
ser mais obesos(10,11,12). A razão está na
desregulação endócrina da privação do
sono, traduzida pela diminuição dos níveis de leptina, aumento dos da grelina
e o consequente aumento do apetite e diminuição da saciedade. O mecanismo da
desregulação induzido pelo sono parece
estar relacionado com o desequilíbrio do
sistema nervoso vegetativo induzido pelas alterações do sono(13). Igualmente na
criança, a privação do sono eleva o risco
de obesidade(14).
Depois do ano de vida, a introdução
de um regime alimentar saudável como
é o padrão mediterrânico, na alimentação da criança e da família constituirá
uma garantia de um risco diminuído de
obesidade. Como sabemos, este padrão
alimentar é essencialmente um regime
vegetariano. Com efeito, a carne, o leite
e ovos são discretos fornecedores proteicos, assegurando os aminoácidos essenciais, sendo os grandes fornecedores os
cereais, as leguminosas e o peixe. Arroz
com feijão e massa com grão constituem
poderosas e equilibradas fontes proteicas. Os principais fornecedores energéticos são cereais de reduzida refinação, a
batata e a castanha e, mas muito menos,
a gordura animal, contando a da vaca
muito pouco. As principais gorduras de
adição são o azeite e a banha de porco.
Quantidades generosas de legumes, hortaliças e fruta fresca e seca asseguram
água, fibras, minerais, vitaminas e “misteriosos” fitoesteróis, anti-oxidantes, etc.
Os benefícios deste padrão estão continuamente a ser demonstrados(15).
Finalmente, a prática regular de
exercício físico e a redução de actividades sedentárias como a exposição ao
vídeo contribuem para se reduzir o risco
de obesidade. O envolvimento firme da
família em todos estes comportamentos
é fundamental para que se passe de um
bem arquitectado projecto a uma prática
realista e duradoura.
Tojal Monteiro1
Nascer e Crescer 2010; 19(2): 98-9
BIBLIOGRAFIA
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__________
1
Professor de Pediatria do ICBAS/HGSA
artigo recomendado
recommended article
99
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
Longer-term Psychiatric Adjustment of Children and
Parents After Meningococcal Disease
Garralda ME; Gledhill J; Nadel S; Neasham D; O’Connor M; Shears D.
Pediatr Crit Care Med 2009 Vol. 10, No. 6
Objective: To ascertain whether
increases in psychological symptoms in
children and parents post meningococcal disease are sustained over time, and
to examine the psychosocial and illness
associations of 12-mo psychological
outcome.
Design: A prospective, cohort
study using repeated measures.
Setting: Three pediatric intensive care units and 19 general pediatric
wards across greater London.
Patients: Fifty-six children, aged 3
to 16 yrs, admitted to hospital with meningococcal disease and their parents.
Measures and Main Results:
Child and parent psychological symptoms were measured, using the
Strengths and Difficulties Questionnaire
(SDQ) and the General Health Ques-
COMENTÁRIOS
A doença meningocócica, tal como
outras doenças pediátricas potencialmente fatais, causam um stress agudo
em crianças e pais, sendo frequentes os
sintomas psicológicos que fazem parte
de um sistema de alarme que é disparado em situações de crise. Estudos têm-se
debruçado sobretudo nos sintomas de
stress pós-traumático em situações graves como acidentes de tráfico, cancro ou
queimaduras. Por outro lado, a admissão
em unidades de cuidados intensivos, por
si só é causadora de intensa ansiedade
e angústia para crianças e pais. Os mesmos autores já tinham verificado, no caso
da doença meningocócica, um aumento
de problemas emocionais e comportamentais nas crianças, e de perturbação
mental nos pais, três meses após a alta.
Neste trabalho, pretendem avaliar se es-
100
artigo recomendado
recommended article
tionnaire (GHQ) at three time points: before/during hospital admission, 3 mos,
and 12 mos post discharge. The Impact
of Event Scale (IES) was used at the
two follow-up points. Child outcomes:
During the follow-up period, there were
statistically significant increases over
preillness levels in parent-rated emotional, conduct, hyperactivity, and impact SDQ scores; the most significant
change at 12-mo follow-up was an increase in impact on daily living scores.
At 12 mos, five (11%) of 43 children
were at risk for posttraumatic stress disorder. The strongest correlations of 12mo child psychological symptoms (total
SDQ scores)—in addition to premorbid
total SDQ score—were illness-related
changes in parenting, maternal IES
and GHQ scores. Parental outcomes:
sas alterações são persistentes no tempo
e a sua associação com a doença e factores psicossociais.
Os autores avaliaram crianças
acometidas de doença meningocócica
e seus progenitores em serviços de pediatria e cuidados intensivos de Londres.
Essa avaliação focalizou-se para termos
uma apreciação do estado pré-mórbido
da criança, tendo sido repetidos os mesmos instrumentos de avaliação, três e
doze meses depois da alta hospitalar. A
hipótese de trabalho era a de que estes
sintomas iriam diminuindo ao longo do
tempo, para níveis próximos do estado
prévio à doença.
Foram envolvidas neste estudo
prospectivo 56 crianças, entre os 3 e 16
anos. Às crianças admitidas foi avaliada
a gravidade da doença, incluindo a presença de meningite e de sépsis. O instru-
At 12 ms, 13 (24%) of 54 mothers and
six (15%) of 40 fathers scored at high
risk for posttraumatic stress disorder.
The strongest correlation of maternal
posttraumatic stress disorder symptoms
(IES scores) was paternal posttraumatic
stress disorder symptoms.
Conclusions: Admission to hospital with meningococcal disease is followed by an increase in psychological
symptoms in children at home, some
of which are persistent and impairing,
and by continuing posttraumatic stress
symptoms in a proportion of children
and parents. Psychosocial (pre- and
postmorbid) factors predict problems at
12-mo follow-up.
Keywords: psychological; meningococcal disease; children; parents;
pediatric intensive care unit; outcomes
mento escolhido para avaliação do estado
psicológico da criança, através dos pais e
professores – o Strengths and Difficulties
Questionnaire (SDQ), é de fácil e rápida
utilização, apropriado para situações de
elevado stress experimentado pelos pais,
e está aferido para a população portuguesa, por Loureiro, Fonseca e Gaspar(1).
Além disso, este questionário permite
ainda avaliar o impacto dos sintomas,
isto é, em que grau é que esses sintomas
incomodam ou aborrecem a criança, e o
grau em que interferem com as actividades do quotidiano, as relações de amizade, a aprendizagem e as actividades de
lazer. Por exemplo, uma criança pode ter
problemas de atenção e concentração,
mas isso não prejudicar a aprendizagem
ou o seu funcionamento em geral.
O Impact of Events Scale (IES)(2)
permite avaliar a existência de sintomas
NASCER E CRESCER
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ano 2010, vol XIX, n.º 2
de stress pós-traumático, nas crianças e
nos pais, explorando sinais de reviver o
trauma de modo intrusivo (imagens súbitas, sonhos com as vivências, recordações que causam ansiedade) ou de evitamento de estímulos relacionados com
o trauma.
Para avaliar as mudanças nas práticas parentais que podem surgir após uma
doença que coloque os filhos em risco de
vida, foi utilizada uma versão modificada
da Parenting Assessment (PA) – tornar-se menos severo, mais protector, mais
restritivo de actividades, tornar-se mais
impaciente, mais crítico com a criança,
por exemplo.
Das 56 crianças avaliadas, 42 tiveram uma permanência em serviços de cuidados intensivos. Após um ano, quatro das
crianças apresentavam sequelas físicas:
amputações, enxertos de pele e fraqueza muscular transitória. Do ponto de vista
emocional, os resultados apontam para
um aumento sustentado e significativo de
sintomas e do seu impacto nas actividades do quotidiano, relativamente ao período prévio à doença. A hiperactividade,
tem uma expressão mais importante aos
três meses, diminuindo com o tempo. Pelo
contrário, os sintomas emocionais como a
criança ter preocupações, apresentar-se
chorosa ou triste ou assustar-se facilmente, tinham ainda um forte impacto ao fim
de um ano. Cerca de 11 e 12% das crianças apresentavam sintomas de stress
pós-traumático aos 3 e 12 meses, respectivamente. Curiosamente, as correlações
mais significativas verificavam-se com as
mudanças das práticas parentais relacionadas com a doença.
Relativamente aos pais, apesar da
diminuição dos sintomas de perturbação
emocional ao longo do tempo, ao fim de
um ano, cerca de 23% das mães e 11%
dos pais apresentavam níveis elevados
de sintomas de stress pós-traumático.
Por esta altura, verificavam-se ainda
mudanças significativas nas atitudes e
práticas parentais: mais protector(a) e
preocupado (a) com a saúde da criança,
fazer mais as vontades e ser menos severo (a).
Do ponto de vista clínico, este trabalho permite-nos afirmar que é importante
prestar atenção a eventuais perturbações
emocionais nas crianças que sofreram
uma doença meningocócica e que algumas padecerão de stress pós-traumático,
mesmo passado um intervalo de tempo
considerável. Para além de poderem prejudicar o funcionamento psicossocial da
criança e serem fonte de sofrimento, poderão também interferir com os cuidados
de saúde futuros: reacções de angústia
com consultas médicas ou procedimentos de diagnóstico.
Segundo recomendações do National Institute for Clinical Excellence(3)
(NICE), os profissionais de saúde deveriam alertar os pais ou cuidadores para
o risco do desenvolvimento do stress
pós-traumático quando as crianças se
confrontam com um incidente traumático.
Este quadro pode ser explicado de uma
forma sucinta, com o aparecimento de
sintomas como pesadelos (que se relacionam ou não com o evento traumático),
perturbações do sono, medos e comportamento “pegajoso”, ansiedade ou evitamento de qualquer estímulo que faça
recordar o acontecimento. A criança deveria então ser observada ao fim de um
mês: estes problemas, que habitualmente vão diminuindo com o tempo, se forem
intensos por esta altura, devem levar à
decisão de orientar a criança para tratamento psicológico ou psiquiátrico.
Também os serviços deverão estar
atentos às repercussões nas famílias,
cujas crianças estiveram gravemente doentes, já que uma proporção de mães e
pais desenvolverão sintomas de stress
pós-traumático, podendo beneficiar de intervenções de suporte social e familiar(4).
Maria do Carmo Santos1
Nascer e Crescer 2010; 19(2): 100-1
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1
Departamento de Pedopsiquiatria do Hospital
Maria Pia / CHPorto
artigo recomendado
recommended article
101
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
Sobre o Ensino da Bioética:
Um Desafio Transdisciplinar*
António Carneiro Torres Lima1
RESUMO
Perante a nova realidade de modelação da vida pelas biotecnologias,
cientistas, humanistas e pedagogos, na
sua irreprimível inquietude e capacidade
de questionamento, têm procurado encontrar respostas para os problemas em
aberto, neste imparável movimento e incontestável sucesso da Bioética. Por ser
uma área do conhecimento, que engloba
várias disciplinas e devido ao seu grande
desenvolvimento num curto espaço de
tempo, colocam-se, hoje, novos desafios.
O ensino da Bioética configura-se como
nova experiência sem modelo didáctico
definitivo. E a forma tradicional de ensino radicada na concepção disciplinar já
não é eficaz para a completa compreensão da Bioética. A natureza transdisciplinar da sua reflexão e a incidência da
sua prática, na singularidade do humano,
atribuem-lhe um estatuto epistemológico
ainda por definir claramente. Por isso,
a Bioética lida com saberes na encruzilhada de várias disciplinas e daí alguns
autores sugerirem uma concepção interdisciplinar ou transdisciplinar para o seu
ensino. Veremos, também, que a concepção filosófica, de inspiração personalista,
desenvolvida nos países europeus, por
__________
1
Mestre em Bioética e Ética Médica, pela
Faculdade de Medicina da Universidade do
Porto. Membro da Sociedade Portuguesa de
Bioética e perito para a área da Antropologia. Doutorando em Bioética e Investigador
no Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa no Projecto “Natureza e
Ética” (POCI/FIL/60410/2004).
__________
* Este ensaio é dedicado aos Sres. Professores Doutores Daniel Serrão, Walter Osswald
e Luís Archer pelo ensino da Bioética em
Portugal.
102
comparação com os modelos de reflexão
anglo-americanos, fortalece a sua dimensão transdisciplinar e reconhece, na antropologia, o suporte fundamentador para
o seu ensino. Assim, considerando a proximidade e a permeabilidade das culturas
e dos valores morais das sociedades portuguesa e da Europa continental, a concepção europeia da Bioética parece ser a
mais apropriada para o ensino entre nós.
Palavras-chave: Bioética; educação; ensino e antropologia.
Nascer e Crescer 2010; 19(2): 102-8
INTRODUÇÃO
Neste breve ensaio “Sobre o Ensino da Bioética: Um Desafio Transdisciplinar”, partimos do facto inovador de a
Bioética configurar uma área de conhecimento que engloba várias disciplinas e
ter tido um grande desenvolvimento em
pouco tempo, suscitando vários desafios.
O ensino da Bioética configura uma nova
experiência académica sem paradigma
didáctico definitivo. A forma tradicional de
ensino radicada na concepção disciplinar
não é eficaz para a completa compreensão desta nova área do saber, como expressão de uma nova sabedoria prática.
Assim sendo, a Bioética lida com saberes
na encruzilhada(1) de várias disciplinas,
configurando saberes de âmbito pluridisciplinar e pluralista, integrante e unitivo(2),
interdisciplinar e transdisciplinar para o
seu ensino. A concepção hodierna da
Bioética, sobretudo a que se tem vindo a
desenvolver nos países europeus, vinca
a sua dimensão transdisciplinar e reconhece, na antropologia, o suporte para
o seu fundamento. Assim, considerando
a proximidade e permeabilidade das culturas e dos valores morais das socieda-
perspectivas actuais em bioética
current perspectives in bioethics
des portuguesa e europeia, a concepção
europeia da Bioética parece ser a mais
adequada para o ensino.
Ainda neste nosso trabalho reflexivo, daremos conta do tipo de interacção
que os múltiplos participantes na teorização em Bioética vêm exercendo entre si,
apresentaremos as diversas formas de
convivência multidisciplinar e interdisciplinar, procuraremos definir as características de uma verdadeira transdisciplinaridade e tentaremos caracterizar a Bioética
como uma reflexão transdisciplinar.
Isto porque — como enunciam Patrão Neves e Walter Osswald —“a Bioética
é um domínio transdisciplinar da reflexão e
da prática sobre as implicações éticas decorrentes dos progressos biotecnológicos
no plano humano, animal e ambiental. De
origem ainda recente, a Bioética tem vindo
a desenvolver-se por diferentes vias complementares como sejam a académico-científica, através da investigação e do
ensino, e a institucional, através das comissões que se lhe dedicam.
Hoje é indispensável para cientistas, urgente para diferentes profissionais,
estimulante para académicos, pertinente para a sociedade, desenvolvendo-se
tanto ao nível de um saber e acção especializados, como ao nível do debate
público”(3).
POR QUÊ ENSINAR A BIOÉTICA?
Os novos conhecimentos sobre a
vida e a natureza, decorrentes dos progressos biotecnológicos no plano humano, animal e ambiental, geraram técnicas
com arrojado poder de manipulação da
vida, com poder de a artificializar, modificar por parte da acção humana, mediada
pelas biotecnologias e que estão na base
do surgimento e avassalador desenvolvimento da Bioética(2). Por conseguinte, o
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
crescente uso dessas técnicas foram revelando a discrepância entre o progresso
das tecnologias e a maturidade das reflexões morais sobre as suas consequências. Facto evidente dessa discrepância
é o próprio surgimento da Bioética, na
década de setenta, pelo seu rápido desenvolvimento, e o reconhecimento da
necessidade de ensiná-la, nas universidades, ao lado do ensino das ciências
e sua aplicação. Estamos face a uma
abordagem que marca a mundividência
de todos aqueles que se têm dedicado
à reflexão teórica e implementação prática do processo ensino-aprendizagem
da educação/formação graduada e Pós-graduada em Bioética.
Ideias, reflexões e análises, que
ofereçam padrões, daquilo que é bom e
do que é mau, do que é certo e do que é
errado, do que é legítimo e do que é ilegítimo, à luz dos valores morais vigentes,
estão a ser implementadas como parte
integrante da formação profissional nas
áreas da biologia, da saúde, do ambiente,
do direito, da economia, entre outras. No
dealbar deste novo milénio, já se percebeu que biólogos, médicos, enfermeiros,
ecologistas, etc, somente estarão preparados para o exercício profissional, se, na
sua competente formação teórica, científica e técnica, também forem treinados
para o reconhecimento de situações de
conflitos éticos, análise crítica das suas
implicações, apurado sentido de (co-)
responsabilidade(s) e obrigação moral de
tomar decisões relacinadas com as implicações éticas decorrentes dos progressos biotecnológicos no plano humano,
animal e ambiental.
Como nos lembra Pellegrino(5), a exigência deste perfil profissional surge, não
como inovação do academismo teórico,
mas como reivindicação das sociedades
modernas e pluralistas. O crescente número de cursos de Bioética em universidades americanas, latino-americanas,
canadianas, australianas, europeias, brasileiras, portuguesas, etc., estão a proporcionar não apenas o ensino da Bioética,
ao nível de graduação, aperfeiçoamento
e especialização, mas também, em algumas delas, surge a oferta de formação
específica, com atribuição do título de
mestre e/ou doutor em Bioética.
Por conseguinte, nos países com
forte desenvolvimento biotecnológico, o
ensino da Bioética está predominantemente voltado para os problemas éticos,
gerados pela aplicação das novas tecnologias, tendo, porém, maior amplitude
noutras latitudes os de cariz biotecnológico emergente, bem como os problemas nacionais específicos(6,7), inerentes
à diversidade cultural, social, económica
e ambiental. A depender da área de ensino (Biologia, Medicina, Filosofia, Direito, Teologia, Economia, Tecnologias da
Comunicação e da Informação, etc.), ou
da região em que se ministrem cursos
de Bioética, é importante que problemas
específicos de cada país, tanto quanto
problemas pertinentes dos desenvolvimentos da tecnologia, sejam reflectidos
e analisados à luz dos valores morais,
prevalecentes nessa sociedade(8), reconhecendo que a idoneidade moral que
se exige, a par com a competência nos
seus respectivos domínios académico-profissional, não invalidam os benefícios
de uma formação em Bioética, como contributo para um juízo moral criterioso(9).
COMO ENSINAR A BIOÉTICA?
Porque a Bioética é uma nova e
complexa área de novos saberes, com
uma história recente, com pouco mais
de três décadas, foi-se desenvolvendo
e diversificando numa rapidez de crescimento sem precedentes na história das
ciências, configurando, na actualidade,
uma ampla variedade de áreas tematizadas e questionamentos fundamentais
sobre o seu próprio significado. Assim
— mais do que uma “moda efémera” —
segundo os primeiros críticos da Bioética — ela é, sobretudo, como gostam de
afirmar Patrão Neves e Walter Osswald,
“filha do seu tempo: por um lado porque
emerge na intercepção de uma pluralidade de circunstâncias, apresentando-se espácio-temporalmente situada e
profundamente enraizada nas necessidades concretas de uma sociedade; por
outro, porque se desenvolve ao ritmo da
sua capacidade de ir respondendo satisfatoriamente aos problemas reais que
aborda. Eis o que justifica o sucesso e
a consequente expansão ou efectiva
globalização da Bioética”(3). Porém, no
contexto do tema que estamos a abordar, o ensino da Bioética, com Lenoir(10)
podemos perguntar: É a Bioética uma
disciplina? Um movimento? Ou — como
também se questiona Bernard(11) — uma
nova ciência a exigir métodos próprios
para a produção de conhecimento?
Aprendemos que a Bioética é mais
do que uma disciplina, é também mais
do que uma Ética Médica e — o tempo
o confirmará — talvez não seja apenas
uma ética aplicada, mas uma “ética implicada” na reflexão-acção, com sentido(12), desenvolvendo-se ao nível de um
saber e acção especializados, sobre os
progressos biotecnológicos no plano
humano, animal e ambiental. Por consequência, como ensinar a Bioética é o
desafio pedagógico da actualidade. E, a
este desafio responde, com intenção e
preocupações de promoção do ensino
da Bioética no mundo, Lenoir : “Se o escopo da Bioética deve ser multidisciplinar, resta saber se é preferível tê-la dentro de uma formação clássica — com o
educador encarregado, responsável por
recorrer às competências de outros participantes, segundo as modalidades que
ele pode definir — ou se deve constituir
uma nova disciplina. Nesta última hipótese, coloca-se o problema da concepção da formação a ser usada por futuros
professores de Bioética”(10).
Este magno desafio exige reflexões
sobre dois aspectos essenciais, que discutiremos de seguida: primeiro, a busca
de uma concepção pedagógica, que melhor possa responder às exigências da
Bioética; segundo: a compreensão dos
fundamentos da antropologia da Bioética, tanto nos países anglo-americanos
como nos europeus.
QUE BASES CONCEPTUAIS PARA O
ENSINO DA BIOÉTICA?
A Bioética desenvolve-se num contexto caracterizado pela confluência de
saberes de várias disciplinas e em plena
era da ciência moderna. Como indicaremos de seguida, assim aconteceu, por
exemplo, no âmbito da Epistemologia da
Biologia(13) e da Epistemologia das Ciências da Educação, que apresentaremos
adiante, em nota de fim do documento,
no presente ensaio.
perspectivas actuais em bioética
current perspectives in bioethics
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NASCER E CRESCER
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ano 2010, vol XIX, n.º 2
E ainda que a divisão do conhecimento em disciplinas seja arbitrária (o
objecto das ciências é a natureza que,
em si, é único e indivisível), cientistas e
educadores foram no passado, e continuam no presente, a ser herdeiros de uma
cultura que identifica as disciplinas como
algo inerente ao conhecimento científico.
Consequentemente, os saberes existentes na interface das disciplinas, apresentam difícil consolidação por pertencerem
a áreas, supostamente, diferentes. Assim
se foram forjando termos e conceitos
que, na encruzilhada das disciplinas, procuram sistematizar as suas imbricações.
Para vários autores, os termos multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade devem ser entendidos
do seguinte modo:
• Multidisciplinaridade ou pluridisciplinaridade: Consiste na simples
justaposição de disciplinas. Por conseguinte, nenhum pressuposto de ligação
entre elas é exigido;
• Interdisciplinaridade: Requer o conhecimento do conceito de cada disciplina envolvida a fim de integrá-las.
• Transdisciplinaridade: Requer uma
unidade conceptual entre as disciplinas
e uma “metateoria” das mesmas.
Na elaboração geral de cursos e
currículos, a multidisciplinaridade é a
forma mais simples e a mais usada em
qualquer parte do mundo.
A interdisciplinaridade, por sua vez,
é mais difícil, porém vamos encontrá-la
em certas áreas do saber interdisciplinar
da Biologia, da Química, da Genética, do
Desenvolvimento Pessoal e Social, etc.
A transdisciplinaridade é considerada extremamente difícil de ser alcançada devido à ausência de conhecimentos
profundos em mais do que uma disciplina
prevista para a sua integração. É oportuno verificar que esta magna dificuldade
decorre, precisamente, da tradição histórica de produzir e transmitir conhecimento em unidades didácticas, chamadas
disciplinas, as quais descaracterizam a
unidade existente na ciência.
Hoje, perceber que para ser bioeticista é preciso sensibilidade e abertura
ao contributo específico da Biologia, Me-
104
dicina, Filosofia, Enfermagem, Sociologia, Economia, Política, Teologia, Direito,
Comunicação Social, etc., enquanto âmbitos do saber e da prática para a problematização e elucidação das temáticas da
Bioética, num cumprimento amplo do desígnio de transdisciplinaridade que caracteriza a Bioética e que se vai constituindo
em países europeus, como proposta de
concepção didáctica.
Porém, numa lista de quarenta e
quatro cursos de Bioética, divulgados
em vários sites de universidades norte-americanas, a maioria não define a concepção da disciplina, e, em apenas cinco (11%), o termo interdisciplinaridade é
usado para definir a concepção didáctica do curso. Na mesma linha de pensamento existe quem admita ser a Bioética
o protótipo do conhecimento interdisciplinar. Em contrapartida, para outros que
verificam a complexidade do ensino da
Bioética, assinalam a possibilidade de
se adiar a definição de uma concepção
didáctica, propondo, contudo, que o objectivo do seu ensino cumpra a finalidade de fazer com que os alunos tenham
a capacidade de articular as diferentes
visões disciplinares.
Fazendo um ponto da situação sobre o actual cenário do ensino da Bioética, apercebemo-nos que os países
europeus se direccionam no sentido
da transdisciplinaridade, enquanto as
universidades americanas acentuam a
interdisciplinaridade. E sendo a interdisciplinaridade uma ponte para a transdisciplinaridade é legítimo aceitar modelos
didácticos que não querem atravessá-la.
Porém, à medida que o tempo ajuda a
decantar ou consolidar as experiências
pedagógicas, nas várias partes do mundo, a Bioética, colhendo o contributo das
várias experiências do seu processo de
aprendizagem, verá melhor compreendida a sua concepção didáctica. Por
conseguinte, o desiderato da transdisciplinaridade, eventualmente debilitado por alguns pedagogos, emerge não
como termo da esperança didáctica da
sua implementação, mas como fronteira
pedagógica da acção humana no ensino
da Bioética.
perspectivas actuais em bioética
current perspectives in bioethics
SÍNTESE DE FACTORES PARA O
PARADIGMA TRANSDISCIPLINAR
NO ENSINO DA BIOÉTICA.
Sintetizamos o conjunto de condicionantes ou pressupostos para o emergir de
um paradigma transdisciplinar, no ensino
da Bioética, nos seguintes factores:
• Nova consciência e responsabilidade
ética da opinião pública;
• Possibilidades acrescidas das ciências
biomédicas;
• Complexificação das ciências da vida,
da saúde e do ambiente;
• Eventual uso indevido das novas tecnologias e abusos cometidos por clínicos;
• Complexidade dos problemas no campo da biomedicina, tecnicização da
medicina e desumanização das terapias médicas;
• Insegurança ética de alguns profissionais da saúde devido a uma formação em ética menos sólida que a
desejável;
• Infracção da congruência e da coerência exigível a todo o sistema teórico ou
o resvalar para uma postura eclética no
exercício da actuação bioética;
• Pluralismo ético da sociedade;
• Pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na abordagem dos temas, assuntos, problemas e dilemas éticos;
• Maior consciência da importância dos
direitos do homem;
• Implementação do consentimento informado, livre e esclarecido;
• Crise da noção de progresso como
essencialmente positivo e a intensificação do questionar da ciência;
• A problematização de uma adequada
distribuição dos recursos técnicos e
humanos;
• A convivência de diferentes convicções
religiosas e seculares.
Todos estes factores indicados convergem para a preocupação fundamental, que está na base do nascimento da
Bioética, do surgimento da necessidade
do ensino da Bioética e do “desafio transdisciplinar que faz incidir a sua reflexão
sobre as questões que decorrem da
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ano 2010, vol XIX, n.º 2
aplicação das biotecnologias ao homem
e que ameaçam a dignidade da pessoa
humana, na integralidade da sua singularidade e na universalidade da sua
humanidade”(2), em ordem a uma visão
global que promova um desenvolvimento
harmónico e leve a uma abordagem holística da pessoa humana. Enfim, a Bioética especifica-se como novo domínio
do saber, fundamentando-se sobretudo
na transdisciplinaridade da sua reflexão-acção e, também, no ineditismo das
suas temáticas(2).
ALGUNS DESAFIOS
Sabemos, por experiência própria,
que a Bioética é, reconhecidamente, um
saber que exige práticas pedagógicas
específicas. A diversidade de saberes
que constitui a Bioética e o seu objectivo didáctico de abrir horizontes, para a
percepção e compreensão de responsabilidades morais, traduzem a sua complexidade. Atingir este objectivo será difícil
se a reflexão e a transmissão de conhecimentos de forma compartimentada,
ministrados por docentes, muitas vezes,
sem compromisso académico com a própria finalidade de ensinar a Bioética. Por
isso, é fundamental que os docentes, directamente responsáveis pelo ensino da
Bioética, dominem o conceito de cada
disciplina envolvida (interdisciplinaridade) ou, melhor ainda, consigam, com
esforço, tempo e dedicação, perceber
a unidade conceptual entre as disciplinas que integram um curso de Bioética
(transdisciplinaridade).
E porque a bioética se situa em
zonas de intersecção de vários saberes, designadamente das tecnociências
(sobretudo a Biologia e a Medicina), das
humanidades (Filosofia, Ética, Teologia,
Psicologia, Antropologia), das ciências
sociais (Economia, Politologia e Sociologia) e doutras disciplinas como o Biodireito, a transdisciplinaridade significa que os
cientistas têm de integrar, na sua estrutura mental, os valores, as normas morais,
as jurídicas e os critérios humanistas,
assim como estes têm de incorporar, nos
seus paradigmas, os métodos e critérios
científicos(14).
Esta busca transdisciplinar faz-se,
além disso, numa sociedade plural (nem
sempre pluraista) de horizontes ideológicos heterogéneos acerca do valor da
vida e da morte. Esta heterogeneidade
que constitui mesmo a causa de múltiplos problemas bioéticos. Por isso ela
não deve ser negada, sob pena de desvirtuar a Bioética, que deverá até dar voz
àqueles que a não têm, registando as diferentes vozes que compõem o discurso
bioético, rumo a espaços dinâmicos de
estudo fundamentado e por muitas outras
actividades6, de investigação e de diálogo profícuo, capaz de fornecer, ao grande
público e aos governos, as perspectivas
capazes de fundamentar a definição das
grandes opções oficiais sobre a política
educativa, científica e tecnológica.
Finalmente, para o ensino da Bioética, compreende-se que uma concepção
multidisciplinar em sentido estrito não satisfará. A simples justaposição de conhecimentos de Antropologia, Filosofia, Biologia, Genética, Ética, Direito, Teologia,
etc., sem que os professores e os alunos
percebam a interdependência destas
disciplinas, a sua unidade e conheçam
a especificidade dos seus conteúdos,
jamais resultará em processo de ensino-aprendizagem eficaz.
FUNDAMENTAÇÃO
TRANSDISCIPLINAR DA BIOÉTICA
Do estudo comparado e do percurso
pelos paradigmas dos países europeus e
dos anglo-americanos, Patrão Neves(15)
traça o processo de surgimento da Bioética, os diversos factores que moldaram
o seu desenvolvimento, salientando a
necessidade e a importância de uma fundamentação filosófica para a Bioética e
afirmando que é a tradição filosófica de
uma comunidade que molda a sua mentalidade analítica e crítica(7). Com base
nesta concepção, salienta, ainda, que
foi nos países anglo-americanos que a
Bioética se desenvolveu e criou as condições favoráveis à sua tecnicização e funcionalização, existindo, portanto, a figura
do profissional bioeticista nas instituições
de saúde norte-americana. Salienta, também, que, nestes países, a tradição filosófica que fundamenta a Bioética conduz
ao desenvolvimento de normas, isto porque, nos países anglo-americanos, prevalece o entendimento de que “o conjun-
to de regras, que conduzam a uma boa
acção, caracteriza uma moral”(15).
Na Europa continental, pelo contrário, prevalece a tendência para se
compreender a Bioética como uma nova
disciplina filosófica de dimensão transdisciplinar, embora com “diferentes perfis e
diferentes espaços geoculturais”(16). Na
Europa, a figura do bioeticista é substituída pela do consultor, e a tradição filosófica que fundamenta a Bioética inquire
“acerca do fundamento do agir humano,
dos princípios que determinam a moralidade da acção, constituindo-se numa
ética”. Estas diferenças decorrem dos
diferentes factores que modelaram o
desenvolvimento da bioética nos países
anglo-americanos e europeus, respectivamente.
Nos Estados Unidos, mais do que
na Europa, existe um conjunto de modelos de análise teórica para a fundamentação da Bioética, dos quais mencionamos
alguns, a saber:
• O modelo principalista (Beauchamp
e Childress)(16), amplamente divulgado,
no qual os princípios da beneficência,
não maleficência, justiça e autonomia
(denotando preferência por este último), são os norteadores das decisões.
Este modelo foi muito bem recebido
pelos profissionais da saúde, na prática clinica e tem as suas raízes na história da filosofia ou na tradicional ética
médica;
• O modelo libertário (Engelhardt)(17),
inspirado no liberalismo americano,
parte das concepções expressas por
Robert Nozick(8) sobre o valor central
da autonomia e do valor do indivíduo,
levando-as ao extremo;
• O modelo da virtude (Pellegrino e
Thomasma)(18), parte da tradição grega
de uma ética da virtude, colocando a
tónica no agente, especialmente orientado para despertar nos profissionais
da saúde o valor da virtude e incorporando plenamente o paciente no seu
processo de decisão;
• O modelo casuístico (Josen e Toulmin)(19), radicando na ausência de
quaisquer princípios orientadores
para a acção, preconizando que cada
caso seja analisado como um caso,
perspectivas actuais em bioética
current perspectives in bioethics
105
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revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
estabelecendo-se comparações e analogias com outros casos;
• O modelo do cuidado (Gilligan)(20),
contrapondo o valor do cuidado ao da
justiça, defendendo o valor do cuidado
como o mais personalizado e atendendo ao valor dos indivíduos envolvidos;
é um esquema mais fundamentado na
psicologia do que na filosofia;
• O modelo contemporâneo (Finnis)(21)
que afirma que o conhecimento, a vida
estética, a vida lúdica, a racionalidade
prática, a religiosidade e a amizade são
bens fundamentais em si mesmos;
• O modelo contratualista (Veatch)(22)
radicado na importância de um tríplice contracto: entre médico-e-paciente,
entre médico-e-sociedade e entre
médico-e-princípios orientadores da
relação médico-doente.
Nos países europeus, de um modo
geral, não existe uma atitude de boa aceitação dos modelos anglo-americanos.
Segundo Patrão Neves, o paradigma europeu prevalecente é de inspiração personalista, enraizado na filosofia europeia
contemporânea — na fenomenologia, no
existencialismo, na perspectiva narrativa,
na hermenêutica, enfatizando a interpretação na bioética, contribuindo como
“ética interpretativa” para uma melhor
assistência ética no contexto de cuidados de saúde, pela sua repercussão de
dimensões do humano tantas vezes negligenciadas(15).
Por conseguinte, a tendência personalista radica na dignidade universal
da pessoa como valor supremo, coloca a
pessoa no centro das acções e das decisões e enuncia as categorias essenciais
da pessoa como pessoa. Por ter a pessoa como centro, o modelo personalista
busca, na fundamentação antropológica,
um desenvolvimento harmonioso entre
teoria e prática. A pessoa torna-se o fundamento da ordem ética e a antropologia
o fundamento da bioética(15).
Desta forma, Patrão Neves estabelece que, para os países europeus, é na
antropologia que se encontra a fundamentação filosófica da Bioética. Entende-se,
assim, que são os saberes da antropologia filosófica e também da antropologia
cultural, que constituem os pilares (refe-
106
renciais teóricos) desta fundamentação.
Depreende-se também que, para que se
compreenda o valor intrínseco da pessoa
como fundamento da ordem ética, é necessário que se compreenda o que é a
pessoa humana na plenitude das suas
dimensões: a dimensão cultural (linguagem, história, crenças, arte e ciência);
a dimensão metafísica (transcendência,
espiritualidade, morte, imortalidade); a
dimensão corpórea (funções, propriedades e valores do corpo humano), conhecimentos estes que constituem o conteúdo de livros didácticos de Antropologia
Filosófica(9). Também “o sucessivo alargamento temático da Bioética terá contado, necessariamente, com um crescente
número de intervenientes de formação
académico-profissional cada vez mais diversificada. A sua identificação contribuirá para consolidar a Bioética como uma
reflexão e uma prática de natureza transdisciplinar, isto é, que envolve diferentes
domínios académico-científicos e técnico-profissionais sem, todavia, se reduzir ao
seu campo de intersecção (interdisciplinaridade), mas antes projectando-se
num plano epistemológico e num campo
de actividades específicos, que se situam
para além das perspectivas particulares
das disciplinas que a constituem”(15). Portanto, “... a perspectiva europeia tende a
compreender a Bioética como uma nova
disciplina filosófica de dimensão transdisciplinar, a expressão de uma nova
sabedoria” e que “já se constitui, em países europeus, como uma proposta de
concepção didáctica”, num esforço para
garantir a prossecução do desenvolvimento científico-tecnológico, no respeito
pela dignidade humana e ao serviço da
humanidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dos autores compulsados para a
elaboração deste nosso breve ensaio
“Sobre o Ensino da Bioética: Um Desafio Transdisciplinar”, podemos apresentar
as seguintes considerações finais e perspectivas:
Para aqueles que consideram a Bioética como uma área do saber complexa e
recente, não existe, para o seu ensino,
uma tradição pedagógica específica nem
uma experiência didáctica consolidada.
perspectivas actuais em bioética
current perspectives in bioethics
No percurso feito por Luís Archer
“Da Genética à Bioética”, verificamos
que, nesse itinerário, o Autor coloca-nos
face à incorporação de conhecimentos
de várias disciplinas para a construção
do conteúdo específico do seu saber,
apresentando-nos a reflexão feita por
geneticistas no início deste século, na
qual o conceito de “transdisciplinaridade”
estava implícito e que acaba por fundamentar. Na verdade, é necessário fazer a
distinção entre a Bioética como um conjunto de assuntos, temas, problemas e dilemas, em áreas interdisciplinares diversificadas, e a sua vertente multidisciplinar
e transdisciplinar. Assim, apontando o
carácter multidisciplinar e transdisciplinar
da Bioética — enquanto saber multidisciplinar, “a Bioética é uma disciplina nova
do conhecimento que os homens lúcidos
do nosso tempo reclamam com urgência
das ciências ‘duras’, das ciências humanas e das ciências sociais (…)”, e, como
sabedoria transdisciplinar, a Bioética
“pretende manter a autonomia e independência tanto das áreas científicas quanto
das humanistas, respeitando e aceitando
os seus diferentes métodos, linguagem,
objectivos e conclusões, mas procurando
encontrar a sua complementaridade na
busca de respostas consensuais para a
defesa da dignidade humana”(23) sendo,
“hoje, a nossa melhor ponte para um futuro que não seja a catástrofe da humanidade”. Quanto ao tratamento da bioética
como metodologia, este proporciona-nos
traçar uma fronteira entre mundividências
distinguíveis e, por vezes, até opostas. E
é claro que numa dessas mundividências,
o questionamento pelo genuinamente
humano no Homem é um problema com
sentido. Porque o homem, não sendo
coisificável, nem objectivável, enquanto
sujeito, iniciativa ou centro de actos que,
por essência, é, nem susceptível de definição, enquanto processo de realização
de si. A atenção ao humano no Homem
mantém-se como questionamento, inquietação ou apelo constante para todo o
agir humano com sentido, no cumprimento do “desejo de viver bem com e para
os outros em instituições justas”. Mas
dizer que questionamento e inquietação
fazem sentido, não significa dizer de forma assertiva que a dimensão responso-
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
rial é acessível de modo inquestionável
e fixada de uma vez por todas. Significa
antes, dizer de modo afirmativo que o
Mundo e o Homem são e que, portanto,
a verdade ética consiste na adequação
e coincidência entre a narrativa da vida,
o discurso vivenciado, a autobiografia ou
a biografar na coerência com uma finalidade unificadora e da “visée do bem”, a
experiência moral referente às realidades
vividas pelo ser humano, as acções do
nosso recto agir humano e a realidade do
nosso mundo circundante, na sua globalidade, completude e veracidade. Mesmo
que essa verdade, na sua globalidade, só
seja alcançável no infinito, rasgando as
amarras que, por vezes, nos prendem à
telúrica finitude.
Por conseguinte, neste sentido, a
Bioética configura-se como uma busca
permanente de respostas consensuais,
para a defesa da dignidade da pessoa
humana, bem como da verdade como expressão do eschaton, a advir, um sempre
a vir, ( Zu-Kunft ), na enunciação feliz de
Jean Ladrière, de Paul Ricoeur, de Joseph Ratzinger, etc.
Ora, se partirmos deste princípio,
então a liberdade do agir genuinamente
humano consiste em dar o nosso assentimento, consciente, livre e responsável
à verdade, reconhecendo, porém, que
esse é sempre um assentimento dado
sob a forma de uma busca permanente
e persistente. De uma verdadeira busca
do Outro que plenifica e dá sentido incondicional, insuperável, inultrapassável ao
nosso ser, viver e existir, também como
seres educáveis/formáveis pela Bioética,
“a grande e generosa utopia do século
XXI, sobre a qual se irá construir uma
economia global mais justa, uma ecologia
mais sensata, uma política mais responsável e uma religião mais alegre — tudo
contribuindo para a realização do melhor
bem dos seres humanos em paz”(23).
E como a Bioética enfrenta o excesso do limite da acção humana sobre o próprio homem — o excesso do limite entre o
verdadeiramente humano e o não humano, o excesso do limite entre o dever austero e integral e o seu repúdio, podendo
promover apenas os direitos individuais à
autonomia, ao desejo e à felicidade light,
o excesso do limite entre o que é legítimo
e o que não é legítimo, o excesso do limite
entre o bem e o mal, o excesso de limite
entre a prudência e a imprudência. Como
ensina Aristóleles, na Ética a Nicómaco
“... é impossível ser prudente, não sendo
bom”. Portanto, a grande questão suscitada pela Bioética, de acordo com esta nossa perspectiva, continua a ser: até onde é
que se pode introduzir o artificial na vida
humana sem fazer perigar a integridade
da sua natureza bio-psico-social e espiritual? Ou, quais são os limites éticos para
a acção médica ou científico-técnica? Ou,
então, num registo de ampliação valencial, extensivo às questões humanas ou
antropológicas, a saber: o que é o homem? Quem somos e a que aspiramos?
Que tipo de homem queremos e devemos
construir para o futuro?
Contudo, o forte impulso sob o qual
se desenvolve a Bioética, no mundo actual, reflecte concepções filosóficas diferentes e distinguíveis nos países anglo-americanos e nos países europeus.
Desta forma, é possível que concepções
antropológicas e formulações pedagógicas diferentes também prevaleçam nestes
dois conjuntos de países, fundamentando
distintamente o ensino da Bioética.
Considerando que a sociedade portuguesa se integra, como membro de
pleno direito na União Europeia, é naturalmente herdeira de tradições, culturas
e valores morais que comunga e partilha
mais com os países europeus do que
com os anglo-americanos, esperando-se
que também aqui predomine uma Bioética, ora como fundamentação filosófica na
antropologia, ora como uma concepção
pedagógica transdisciplinar.
Ainda de considerar que a Bioética,
na sua origem, natureza e dimensão ergonómica global, como afirma Patrão Neves(15), é essencialmente um novo modo
de pensar, a partir do humano como valor
fundamental; de agir, a partir de regras
que salvaguardem o homem; e de ser,
na mais plena realização de si. Porém,
esta dimensão ergonómica global, a ter
presente numa concepção pedagógica
transdisciplinar, deve incorporar, também — conforme propõe Garrafa — “a
preservação da biodiversidade, a finitude
dos recursos naturais, o equilíbrio dos
ecossistemas, os alimentos trangénicos,
o racismo e outras formas de discriminação, a questão da alocação dos recursos
escassos, bem como as macro-questões
como as gritantes disparidades sócio-económicas e sanitárias colectivas e
persistentes verificadas na maioria dos
países pobres do Hemisfério Sul”. Assim
a Bioética, sob a sua actual perspectiva
ergonómica global, (a ter presente numa
concepção pedagógica transdisciplinar,
não perdendo, como já salientámos, a sua
perspectiva biomédica), reforça a sua dimensão ambiental, ganha uma dimensão
social, contemplando o ser humano na
sua dimensão comunitária e socialmente
organizado no âmbito das ciências sociais, pugna por um ethos social centrado
no impacto que as biotecnologias podem
ter nas relações humanas, nas relações
da pessoa humana e das comunidades
com as diversas instituições e nas relações entre Estados.
Em síntese, “a Bioética, — como
afirmam Patrão Neves e Walter Osswald
— na transdisciplinaridade da sua dimensão teórica e na projecção pública
da sua dimensão prática, permanece
radicalmente aberta a todos quantos se
interessem pelos temas e problemas que
a constituem, além de mobilizadora do
envolvimento das sociedades em que se
desenvolve como uma nova ética social.
Neste contexto, a Bioética é hoje também expressão privilegiada e específica
de uma longa tradição humanista numa
civilização científico-tecnológica”(3).
CONCERNING BIOETHICAL
TRAINING: A MULTIDISCIPLINARY
CHALLENGE
ABSTRACT
In confronting the new realities of
life modelling effected through biotechnologies, humanists, scientists and pedagogues in their eternal insuppressible
inquietude and capacity for questioning,
have sought answers for the open problems in the unstoppable movement and
incontestable success in Bioethics. Being
an area of knowledge that encompasses
various disciplines and due to its great development in a short space of time, new
challenges are presented today. Thus
perspectivas actuais em bioética
current perspectives in bioethics
107
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
the teaching of Bioethics is a new experience with no definitive didactic model.
The traditional form of teaching following
the concept of disciplines is clearly inefficient for the complete understanding of
Bioethics. The multidisciplinary nature of
its aspects and practice in the individual
human being gives it an epistemological
status that has yet to be clearly defined.
Therefore Bioethics deals with knowledge on the frontiers between various
disciplines and thus several authors have
suggested an interdisciplinary or multidisciplinary approach to its teaching. When
the philosophical basis of personalised inspiration that has been developed in the
European countries is compared with the
Anglo-American working model the multidisciplinary dimension is strengthened
and recognises in anthropological terms
the fundamental support for its teaching. To conclude it is considered that the
proximity and permeability of the cultures
and moral values or Portuguese society
and continental Europe that the European conception of Bioethics seems to be
more appropriate for teaching purposes
in Portugal.
Keywords: Bioethics, education,
training, philosophical foundations, and
anthropology.
Nascer e Crescer 2010; 19(2): 102-8
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NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
Manifestações Cardíacas nas
Doenças Neuromusculares
Sílvia Álvares1
RESUMO
As distrofias musculares são um
grupo heterogéneo de doenças que se
associam a alterações cardíacas (cardiomiopatia, arritmias), que podem ser determinantes no prognóstico destes doentes.
O objectivo desta revisão foi apresentar as manifestações cardíacas de
várias doenças neuromusculares, a estratégia actual de tratamento e as recomendações para a periodicidade e modo
de avaliação cardíaca.
Palavras-chave: distrofias musculares; criança; cardiomiopatia; arritmias;
defeitos de condução; seguimento cardiaco.
Nascer e Crescer 2010; 19(2): 109-15
INTRODUÇÃO
A grande maioria das doenças neuromusculares associa-se a alterações
cardíacas que são responsáveis por elevada morbilidade e mortalidade. Constituem um grupo heterogéneo de doenças,
causadas por anomalias dos genes que
codificam varias proteínas com funções
diferentes na célula muscular. Algumas
destas proteínas são componentes da
membrana da célula muscular, outras do
envelope nuclear ou podem ser enzimas
específicas do músculo(1).
As manifestações cardíacas dependem do tipo da doença e possivelmente
da localização da anomalia genética, envolvendo geralmente o desenvolvimento
de cardiomiopatia dilatada ou hipertrófica
e arritmias (Quadro I)(2).
__________
1
Serviço de Cardiologia Pediátrica do Hospital Maria Pia – CHP
AVALIAÇÃO CARDÍACA EM DOENTES
COM DISTROFIA MUSCULAR
A avaliação cardíaca deve ser
efectuada em todas as crianças com
doença neuromuscular com atingimento cardíaco. A Academia Americana de
Pediatria estabeleceu recomendações
para o seguimento cardíaco nos vários
tipos de doença(3). A avaliação cardíaca
inclui uma história clínica e um exame
físico pormenorizados para identificar
sinais e sintomas de insuficiência cardíaca (IC) e arritmias. É difícil valorizar
os sintomas e sinais de IC em doentes
com fraqueza muscular generalizada. A
perda de peso, tosse, náusea, vómitos,
ortopneia e aumento da fadiga podem
representar sinais de falência cardíaca
e devem ser investigados. Queixas de
síncope ou tonturas e taquicardia ou
palpitações podem ser sinais de bradi
ou taquiarritmias(4).
O electrocardiograma e ecocardiograma devem ser efectuados como parte da avaliação inicial. A Monitorização
Electrocardiográfica Ambulatória Contínua (MEAC-Holter) é recomendada em
doenças associadas a perturbações do
ritmo e da condução.
Em doentes com má janela ecocardiográfica, devido às deformidades esqueléticas, pode ser necessário recorrer
à ressonância magnética cardíaca para
uma avaliação mais exacta da disfunção
ventricular.
Os peptídeos natriuréticos (BNP
e NT- proBNP) são usados frequentemente nos adultos para distinguir a
doença pulmonar da insuficiência cardíaca. Conquanto os estudos nesta população sejam escassos, estes marcadores bioquímicos podem ser úteis na
abordagem diagnóstica e seguimento
dos doentes(4).
Distrofia Muscular de Duchenne
(DMD)
É a forma mais frequente de distrofia muscular com uma incidência de
1:3500 nados vivos do sexo masculino e
uma prevalência de 1:100 000 homens.
O envolvimento cardíaco é frequente,
mas os sintomas estão habitualmente
ausentes, devido às limitações musculo-esqueléticas dos doentes. O desenvolvimento de cardiomiopatia (CMP)
geralmente precede o aparecimento de
sintomas sendo importante a sua identificação precoce. A avaliação cardíaca é
recomendada entre os 6 e os 10 anos, ou
à data da apresentação, e a periodicidade de avaliação deve ser de 2/2 anos até
aos 10 anos e posteriormente anualmente ou mais frequente dependendo das alterações encontradas(3).
As alterações electrocardiográficas
estão já presentes antes dos 10 anos de
idade e são variadas: ondas R elevadas e
uma relação R/S anormal nas precordiais
direitas, ondas Q profundas em D1, aVL, V5
e V6(5). A partir dos 10 anos, desenvolve-se
o processo cardiomiopático; aos 14 o ecocardiograma mostra CMP dilatada em 50%
dos doentes (Figura 1), dos quais 36% são
sintomáticos. Acima dos 18 anos de idade
praticamente todos os doentes apresentam
CMP (57% sintomáticos)(6).
O tratamento inicial preconizado da
CMP na DMD são os inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA).
Estudos recentes mostraram benefício
adicional com a adição do beta bloqueante Carvedilol, à semelhança do que
ocorre em adultos com cardiomiopatia dilatada(7). O uso de beta bloqueante em 22
doentes com DMD mostrou uma melhoria
ligeira, mas estatisticamente significativa,
da fracção de ejecção avaliada por ressonância magnética(8).
a cardiologia pediátrica na prática clínica
paediatric cardiology in clinical practice
109
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
Estes fármacos diminuem os sintomas de insuficiência cardíaca, melhoram
a fracção de ejecção e o estado neurohormonal. Quando iniciados precocemente no curso da disfunção cardíaca
podem também diminuir a progressão
das alterações cardíacas(9), embora não
haja consenso em torno desta questão.
Continua a ser controversa a utilização
dos IECA em doentes ainda com função
ventricular esquerda dentro da normalidade(2). Em 2005 Duboc e al, num estudo
com 57 doentes com DMD, mostraram
uma resposta favorável à terapêutica
com perindopril ao fim de um seguimento de cinco anos(10). Os mesmos autores,
verificaram uma menor mortalidade nos
indivíduos randomizados inicialmente a
perindopril, após um seguimento de dez
anos(11). Também Ramaciotti investigou a
utilização de enalapril na disfunção ventricular esquerda em doentes com DMD
e encontrou uma melhoria da fracção de
ejecção em 43% dos doentes(12).
Como é prática habitual, os inotrópicos e diuréticos estão também indicados
na insuficiência cardíaca descompensada(4). Também deverá ser ponderada
a introdução de anticoagulação / antiagregantes planetários, nos doentes com
disfunção cardíaca severa, como prevenção de eventos tromboembólicos sistémicos(3,4).
Até recentemente os doentes com
DMD faleciam entre os 15 e os 20 anos
de idade por complicações respirató-
Quadro I - Manifestações cardíacas em diferentes doenças neuromusculares
Doença
DM
Duchenne
DM
de Becker
DM EmeryDreifus
(forma
autossómica
dominante)
DM Emery-Dreifuss Ligada
ao Cromossoma X
Distrofia Miotonica
Ataxia de
Friedreich
Mutação
genética
Manifestações
cardíacas
Distrofina
Frequentes
CMP dilatada
Distrofina
Frequentes
CMP dilatada/
Idade de início
das manifestações
cardíacas
Sintomas
cardíacos
Meios de
diagnóstico
Terapêutica
Pouco frequente
antes dos 10 anos
Ausentes
habitualmente
Exame clínico
ECG
Eco
Rx tórax
BNP/NT Pro BNP
Sintomático para a
insuficiência cardíaca
Pouco frequente
em crianças.
Adolescência ou
adulto jovem
Os sintomas
cardíacos podem
ser o quadro de
apresentação
Exame clínico
ECG
Eco
Rx tórax
BNP/NT Pro BNP
Sintomático para a
insuficiência cardíaca
Transplante cardíaco
Sincope, pré-sincope,
palpitações,
dispneia,
intolerância ao
esforço
Lamina A/C
Disfunção do nó
sinusal
FA frequente
Arritmias V
Incidência de
CMP variável
Emerina
Defeitos de
Condução
Arritmias V e SV
CMP rara
Adolescente,
adulto jovem
Sincope, pré-sincope,
palpitações,
dispneia,
intolerância ao
esforço
DMPK
Frequentes
Alterações da
condução
Arritmias SV e V
Disfunção
miocárdica rara
Arritmias graves
na infância
Envolvimento
cardíaco
geralmente mais
progressivo do
que o muscular
Frequentemente
sem sintomas
Morte súbita em
10-30%
Bradicardia
e taquicardia
sintomaticas
Frataxina
Frequentes
CMP hipertrófica.
Pode progredir
para CMP dilatada
Arritmias V
Pouco frequente
antes dos 5 anos
Sintomas
cardíacos
ausentes ou
ligeiros
Geralmente 2ª
década mas pode
surgir na infância
Exame clínico
ECG
Holter
Eco
Exame clínico
ECG
Holter
Eco
Exame clínico
ECG
Holter
Eco
Exame clínico
ECG
Eco
Colocação de pace-maker
CDI
Antiarritmicos
Anticoagulação (FA)
Tca sintomática para a
insuficiência cardíaca
Colocação de pace-maker
Antiarritmicos
Anticoagulação (FA)
Colocação de pace-maker
EEF se sintomas de
bradicardia e Holter
normal.
Antiarritmicos
(taquiarritimias)
Alguma evidência que a
idebenona pode reduzir
o grau de hipertrofia
cardíaca
Abreviaturas: CDI- cardiodesfibrilador implantável; CMP- cardiomiopatia; ECG- electrocardiograma; ECO- ecocardiograma; EEF- estudo electrofisiológico; FA - fibrilação auricular; Rx-radiografia;Tca- terapêutica; V- ventricular
(Adaptado de: English KM, Gibbs JL.Cardiac monitoring and treatment for children and olescents with neuromuscular disorders. Dev Med Child Neurol. 2006;48(3):231-5).
110
a cardiologia pediátrica na prática clínica
paediatric cardiology in clinical practice
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
rias, ICC ou arritmias. Com a evolução
dos meios terapêuticos, nomeadamente
as técnicas de ventilação não invasiva,
registou-se um aumento da esperança
de vida na DMD. A disfunção cardíaca é
observada mais frequentemente e a insuficiência cardíaca crónica é uma das causas de morte mais importante(13), o que
despertou um maior interesse na vigilância e seguimento cardiovascular desta
patologia.
Os doentes em tratamento com corticoides devem ter um seguimento cardíaco mais frequente com monitorização
da tensão arterial e peso.
Relativamente às arritmias, estas
são frequentes, nomeadamente extrassístoles ventriculares, podendo ocorrer
associadas à disfunção ventricular. Quando identificadas pode haver indicação
para terapêutica médica. A implantação
de cardiodesfribilador (CDI) é dificultada
pelas alterações músculo-esqueléticas e
pela atrofia muscular.
Distrofia Muscular de Becker
(DMB)
A incidência de DMB é de 1:18450
NV do sexo masculino. É causada por
níveis reduzidos ou variantes anormais
de distrofina e não à sua ausência. Embora a distribuição da fraqueza muscular
seja semelhante à DMD, a idade de início
da sintomatologia muscular é variável,
podendo surgir manifestações aos 12
anos, conquanto habitualmente ocorram
mais tarde. Na DMB o grau de envolvimento cardíaco é desproporcionado relativamente ao atingimento do músculo
esquelético. Cerca dos 20 anos, 50%
dos doentes têm alterações electrocardiográficas e aos 30 anos, 40% apresentam cardiomiopatia na ecocardiografia(14);
70% desenvolve insuficiência cardíaca
congestiva (ICC) acima dos 40 anos de
idade(4). Podem ocorrer arritmias ventriculares, tal como na DMD.
A avaliação cardíaca na DMB é recomendada aos 10 anos, ou à data do
Figura 1 - Ecocardiograma bidimensional/modo M (eixo longo para-esternal) – CMP dilatada
do VE num doente com Distrofia Muscular de Duchenne: observa-se dilatação do ventrículo
esquerdo e hipomotilidade global, com fracção de ejecção de cerca de 34%; no interior do VE
é visível uma imagem ecodensa (T) correspondendo a um trombo intracardíaco.
Legenda: CMP – cardiomiopatia; AE – aurícula esquerda; AO – aorta; S – septo interventricular; VD – ventrículo direito; VE – ventrículo esquerdo; T – trombo intracardíaco
diagnóstico e posteriormente anual, de
2/2 anos ou mais frequente conforme a
evolução clínica.
O tratamento médico da IC é sobreponível ao que foi descrito anteriormente
para a DMD. O transplante cardíaco e o
“pacing” biventricular foram utilizados em
alguns doentes. A colocação de CDI está
indicada na presença de arritmias ventriculares graves(4,6,9,14).
Mulheres Portadores de DMD ou
DMB
Estão descritas alterações cardíacas em mulheres heterozigotas para a
DMD e DMB, embora o desenvolvimento
de insuficiência cardíaca seja raro. A avaliação cardíaca (incluindo ECG e ecocardiograma) deverá realizar-se entre os 16
e 25 anos, ou mais cedo na presença de
sintomas. A periodicidade de avaliação é
recomendada de 5 em 5 anos a partir dos
25 anos de idade(3).
Distrofia muscular de Emery
Dreifuss
A distrofia muscular de Emery Dreifuss (EDMD) pode ocorrer como uma doença recessiva ligada ao cromossoma X
(XL- EDMD), causada por uma mutação
no gene que codifica a proteína emerina,
ou como autossómica dominante (AD- EDMD) originada por uma mutação no
gene da lamina(6).
Na XL- EDMD a doença inicia-se na
infância, mas tem uma progressão lenta.
As manifestações cardíacas traduzem-se
pela ocorrência frequente de bradicardia
(entre os 20 e os 40 anos), evoluindo para
bloqueio aurículo-ventricular (Figura 2).
As arritmias são mais frequentes que as
alterações cardiomiopáticas. A fibrilação
auricular e flutter auriculares são comuns,
obrigando a medicação antiarritmica e a
hipocoagulação no caso de fibrilação.
Pode haver indicação para a implantação
de pace-maker por bradiarritmia. Actualmente recomenda-se a implantação de
pacemaker em doentes assintomáticos
que mostram sinais de doença do nó sinusal ou do nó aurículo ventricular. A avaliação cardíaca deve ser feita na altura do
diagnóstico (incluindo ECG, ecocardiografia e Holter), repetindo-se anualmente
a realização de ECG e Holter. A ecocar-
a cardiologia pediátrica na prática clínica
paediatric cardiology in clinical practice
111
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
Figura 2 - Bloqueio AV 1º grau - prolongamento anormal do intervalo PR (maior que 0,20 s)
mantendo-se a relação 1:1 entre P e QRS.
Figura 3 - Traçado de Holter – período de taquicardia ventricular
diografia deverá ser efectuada quando
entendido necessário.
Na AD- EDDM (laminopatias) a variabilidade fenotipica é maior do que na
XL_EDDM. Há disfunção do ventrículo esquerdo, que progride com a idade, paralelamente às alterações do ritmo: arritmias
ventriculares e supraventriculares (Figura 3) (sendo a abordagem semelhante à
anterior) e alterações da condução. Podem existir alterações cardíacas graves
com envolvimento músculo-esquelético
ligeiro. Recomenda-se a implantação de
pace-maker na presença de doença do
nó sinusal ou aurículo-ventricular. A incidência de morte súbita é elevada e não
parece ser reduzida pela implantação de
pace-maker, o que sugere uma causa arritmogénica ventricular. Deverá ser pon-
112
derada a implantação de um CDI perante
a necessidade de pace-maker.
A insuficiência cardíaca é tratada
como habitualmente; se são usados os
betabloqueantes, deve haver uma monitorização frequente da situação clínica(6).
A avaliação cardíaca deve ser feita
na altura do diagnóstico (incluindo ECG,
ecocardiografia e Holter), repetindo-se
anualmente ou mais frequente se necessário.
Distrofia muscular das cinturas
Actualmente estão reconhecidas
vários subtipos geneticamente diferentes de distrofia muscular das cinturas
(LGMD), cuja hereditariedade é recessiva em 90% dos casos ou autossómica
dominante nos restantes.
a cardiologia pediátrica na prática clínica
paediatric cardiology in clinical practice
As manifestações cardíacas são
específicas da doença, daí a importância
do diagnóstico genético exacto. Surgem
com maior frequência nas sarcogliconopatias (LFMD2C a 2F), sobretudo sob a
forma de cardiomiopatia. A incidência de
arritmias é baixa. As arritmias e alterações
da condução são mais prevalentes nas
formas autossómicas dominante. A monitorização cardíaca depende do diagnostico genético, mas é recomendado que as
sarcogliconopatias e a LGMD2I tenham
um seguimento como preconizado para a
DMD e DMB(6,16,17).
DISTROFIA MIOTÓNICA
A distrofia muscular miotónica é a
forma mais frequente de distrofia muscular nos adultos, com uma prevalência
de 2-14:100 000 indivíduos e incidência
de 1:8000 NV. É devida a expansão na
repetição dos trinucleotídeos citosina,
timina e guanina (CTG) do gene proteína quinase situado no cromossoma 19.
Estão identificadas duas variantes, a tipo
1 (DM1), mais frequente, e a tipo2 (DM2),
só recentemente classificada.
Na DM1 podem reconhecer-se três
formas: uma forma congénita com manifestações cardíacas graves neonatais:
cardiomiopatia hipertrófica, miocárdio
não compactado, alterações do ritmo e
morte súbita; uma forma leve que se detecta acima dos 50 anos e está associada
a fraqueza muscular ligeira e uma expectativa de vida normal; e a forma clássica,
mais frequente, que se manifesta entre
os 20-40 anos(4,6).
As manifestações cardíacas na
DM1 são frequentes e ocorrem sob a
forma de arritmias supraventriculares
em 25% dos doentes (flutter e fibrilação
auricular, taquicardia auricular) e ventriculares (taquicardia ventricular mono
e polimórfica e fibrilação ventricular).
Outras alterações incluem PR prolongado, bloqueio de ramo. Aparentemente a
cardiomiopatia é rara e predominam as
alterações do ritmo que são mais graves
quanto mais cedo for a idade de diagnóstico. Estas alterações tendem a progredir
com a idade dos doentes, sendo responsáveis por 20% das mortes, que ocorre
em média aos 53 anos. O risco de morte
súbita é também importante (é causa de
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
morte em 10% dos casos), pelo que queixas como sincope e pré-sincope devem
ter uma investigação aprofundada com a
realização de estudo electrofisiológico se
necessário(4,6,17,18).
A necessidade de implantação de
pace-maker/CDI deve ser ponderada em
função dos sintomas do doente e das
alterações encontradas no ECG ou Holter(17,18).
A avaliação cardíaca deve fazer-se
aquando do diagnóstico (incluindo ECG,
ecocardiografia e Holter) e posteriormente anualmente(4).
ATAXIA DE FRIEDREICH
A Ataxia de Friedreich (FRDA) é
uma doença autossômica recessiva, causada por uma expansão na repetição dos
trinucleotídeos GAA no gene da frataxina
situado no cromossoma 9. É uma doença em que há envolvimento do sistema
nervoso periférico ( neuropatia) e dos sistema nervoso central. A incidência é de
1 em cada 50.000 indivíduos e a doença
manifesta-se entre os dez e os quinze
anos de idade. A cardiomiopatia hipertrófica (Figura 4) está presente em cerca de 2/3 dos doentes. A ecocardiografia
revela habitualmente hipertrofia concêntrica do ventrículo esquerdo. Os achados electrocardiográficas relacionam-se
com a hipertrofia ventricular esquerda
(inversão das ondas T, desvio esquerdo
do eixo eléctrico, anomalias da repolarização ventricular) (Figura 5) e arritmias
ventriculares e supraventriculares. Nos
estádios finais da doença pode haver
progressão para cardiomiopatia dilatada. A insuficiência cardíaca e arritmias
representam as causas de morte mais
frequentes(4,16). A vigilância cardíaca deve
iniciar-se precocemente, com realização
de ecocardiograma e electrocardiograma. As arritmias devem ser tratadas com
antiarritmicos ou implantação de dispositivos médicos. A idebenona tem sido utilizada no tratamento destes doentes e em
cerca de 50% mostrou reduzir a hipertrofia cardíaca(4,16,19-21).
CONCLUSÃO
As manifestações cardiovasculares
mais frequentes das doenças neuromusculares são a cardiomiopatia, alterações da
Figura 4 - Ecocardiograma bidimensional, eixo longo (A) e eixo curto (B) para-esternal, – CMP
hipertrófica do VE (doente com ataxia de Friedreich): observa-se hipertrofia simétrica das paredes do VE
Legenda: CMP – cardiomiopatia; AE – aurícula esquerda; AO – aorta; S – septo interventricular; VD – ventrículo direito; VE – ventrículo esquerdo; PP – parede posterior do VE
Figura 5 - Electrocardiograma mostrando alterações de repolarização ventricular esquerda
(criança com ataxia de Friedrich e cardiomiopatia hipertrófica do ventrículo esquerdo)
condução e arritmias. A avaliação cardíaca
é fundamental no seguimento dos doentes
e deve ser feita na altura do diagnóstico e
depois regularmente dependendo do tipo
de doença em causa (Quadro II) e das alterações mais frequentes.
A terapêutica anticongestiva está
indicada na presença de cardiomiopatia.
Continua a ser controversa a utilização
dos IECA/ beta-bloqueantes numa fase
pré- clínica da cardiomiopatia. O transplante cardíaco poderá ter indicação
a cardiologia pediátrica na prática clínica
paediatric cardiology in clinical practice
113
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
Quadro II - Recomendações para a avaliação cardíaca em varias doenças neuromusculares
Doença neuromuscular
Ecocardiograma
ECG
Holter
DMD
Inicial aos 6 anos
6- 10 anos: de 2/2 anos
>10 anos: anual
Inicial aos 6 anos
6- 10 anos: de 2/2 anos
>10 anos: anual
Inicial aos 6 anos
>6: 1-2 anos
Mulher Portadora de DMD
Inicial aos 16 anos
>16 anos: 5/5 anos
Inicial aos 16 anos
>16 anos: 5/5 anos
Inicial aos 16 anos
>16 anos: 5/5 anos
DMB
Inicial aos 10 anos
> 10 anos: 1-2 anos
Inicial aos 10 anos
> 10 anos: 1-2 anos
Inicial aos 10 anos
> 10 anos: 1-2 anos
AD-EDMD
(laminopatia)
Inicial ao diagnóstico
Depois anualmente
Inicial ao diagnóstico
Depois anualmente
Quando indicado
XL-EDMD
Inicial ao diagnóstico
Depois de 5/5 anos
Inicial ao diagnóstico
Depois anualmente
Quando indicado
Sarcoglicanopatias/
LGMD2I
Inicial ao diagnóstico
Depois anualmente
Inicial ao diagnóstico
Depois anualmente
Quando indicado
Distrofia miotónica
(forma clássica)
Inicial ao diagnóstico
Quando indicado
Inicial ao diagnóstico
Depois anualmente
Quando indicado
Legenda: DMD – Distrofia Muscular de Duchenne; DMB – Distrofia Muscular de Becker
(adaptado de HSU DT. Cardiac manifestations of neuromuscular disorders in children. Paediatr Respir Rev. 2010;11(1):35-8).
nalgumas doenças neuromusculares em
insuficiência cardíaca terminal.
Determinadas doenças associam-se a alterações da condução graves
com indicação para implantação de pace-maker. A implantação de cardiodesfribilador terá que ser ponderada na presença de taquiarritmias com risco de morte
súbita. Dada a maior sobrevida destes
doentes a elevada prevalência de alterações cardiovasculares, cada vez mais
estão a ser adoptadas estratégias de prevenção, nomeadamente relativamente à
morte súbita.
CARDIAC MANIFESTATIONS IN
NEUROMUSCULAR DISEASES
ABSTRACT
The muscular dystrophies are a
heterogeneous group of conditions associated with cardiac disturbances (cardiomyopathy, arrhythmias) that may be the
major determinants of the prognosis of
the disease.
The aim of this review is to summarize the cardiac features seen in patients
114
with different muscular dystrophies, the
diagnostic approach and therapeutic intervention and to present the recommendations for cardiac follow-up.
Keywords: muscular dystrophy;
child cardiomyopathy, arrythmias, conduction defects, cardiac monitoring.
Nascer e Crescer 2010; 19(2): 109-15
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revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
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a cardiologia pediátrica na prática clínica
paediatric cardiology in clinical practice
115
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
Avaliação Crítica e Implementação Prática de
Estudos Sobre a Validade de Testes Diagnósticos
– Parte I
Luís Filipe Azevedo1, Altamiro da Costa Pereira1
RESUMO
Na rubrica de Pediatria Baseada na
Evidência têm vindo a ser abordados os
aspectos conceptuais, metodológicos e
operacionais relativos à prática da MBE
no âmbito específico da Pediatria. Neste
artigo é apresentado um exemplo prático
de aplicação dos conceitos, métodos e
competências abordados nos artigos anteriores, debruçando-se especificamente sobre a avaliação crítica e aplicação
prática de estudos sobre a validade de
testes diagnósticos. É apresentado um
cenário clínico em que surge a necessidade de encontrar e avaliar a evidência
científica existente sobre a validade e
utilidade da determinação da procalcitonina na distinção entre pneumonia de
etiologia bacteriana e vírica em crianças.
São discutidos os métodos de pesquisa
da evidência mais actual e apropriada à
questão; e é sugerida uma metodologia
sistemática para a avaliação crítica de
estudos sobre a validade de testes diagnósticos, incluindo três fases distintas:
(1) avaliação da qualidade metodológica
do estudo; (2) avaliação da importância
científica e prática dos seus resultados e
(3) avaliação da aplicabilidade prática dos
mesmos. Neste artigo será desenvolvido
o processo até à avaliação da qualidade
metodológica do estudo, sendo no próximo número desta rubrica abordadas as
questões relacionadas com a avaliação
quantitativa e qualitativa da importância
dos resultados e a avaliação da sua aplicabilidade prática.
__________
1
Serviço de Bioestatística e Informática Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e Centro de Investigação em
Tecnologias e Sistemas de Informação em
Saúde – CINTESIS.
116
pediatria baseada na evidência
evidence based paediatrics
Palavras-chave: Medicina baseada
na evidência, diagnóstico, testes diagnósticos, especificidade, sensibilidade, valores preditivos, razões de verosimilhança,
curvas ROC, procalcitonina, pneumonia,
criança.
Nascer e Crescer 2010; 19/(2): 116-24
INTRODUÇÃO
A Pediatria Baseada na Evidência
foi genericamente definida, no primeiro
artigo desta série(1), como a aplicação
consciente, explícita e criteriosa da melhor evidência científica disponível na
tomada de decisões sobre o cuidado individual dos doentes pediátricos(2-4). No
segundo e terceiro artigos da série(5,6) foram desenvolvidos em maior detalhe os
aspectos relacionados com a formulação
de questões clínicas, a eficaz pesquisa da
evidência científica e a avaliação crítica
da mesma. No quarto e quinto artigos(7,8)
iniciou-se a apresentação de um conjunto de cenários práticos que exemplificam
a aplicação dos métodos e competências abordadas, tendo sido o primeiro
exemplo dedicado à avaliação crítica e
implementação prática de revisões sistemáticas e estudos de meta-análise e o
segundo dedicado aos ensaios clínicos
aleatorizados. No sexto e sétimo artigos
da série, será apresentado um cenário
prático no qual é exemplificada a pesquisa, avaliação crítica e implementação
prática de estudos sobre a validade de
testes diagnósticos. No sexto artigo será
apresentado o cenário prático e serão
discutidas questões relacionadas com a
pesquisa bibliográfica dirigida à questão
clínica formulada e com a avaliação crítica de estudos sobre a validade de testes
diagnósticos, no respeitante à avaliação
da qualidade metodológica dos mesmos.
No próximo número desta rubrica, no sétimo artigo da série, será completada a
discussão da avaliação crítica dos estudos sobre a validade de testes diagnósticos, focando as questões relacionadas
com a avaliação quantitativa e qualitativa
da importância dos resultados e a avaliação da sua aplicabilidade prática.
CENÁRIO CLÍNICO
Maria, de 5 anos de idade, é trazida
pelas sua mãe ao serviço de urgência de
pediatria com febre, há cerca de 8 dias,
tosse e expectoração abundante e de
coloração amarelada, sem sangue. Refere dor tipo pelurítico na face anterior do
hemitórax direito, agravada pela tosse.
Há cerca de uma semana teve rinorreia
e odinofagia que entretanto melhoraram.
A mãe sublinha o agravamento da prostração, anorexia e febre nas últimas 48h.
Nega queixas urinárias ou abdominais.
No exame físico a Maria apresenta-se hipoactiva, tem febre de 39,2ºC e não apresenta sinais de dificuldade respiratória. À
auscultação pulmonar é possível verificar
crepitações e roncos dispersos bilateralmente e presença de sopro tubar no lobo
inferior direito, associado a broncofonia.
Tem abdómen mole e depressível e não
tem sinais meníngeos. A Maria não tem
outras alterações relevantes no exame
físico, é uma criança sem antecedentes
patológicos ou familiares relevantes e
vive com a mãe, que está desempregada, vive só, tem baixa escolaridade e parcos recursos económicos.
O clínico responsável pela Maria –
um interno de pediatria – após a recolha
da história clínica e a realização do exame
físico senta-se por um momento, enquanto a mãe da Maria veste de novo a criança, e começa a tratar dos pedidos dos
NASCER E CRESCER
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ano 2010, vol XIX, n.º 2
exames complementares de diagnóstico
que pretende requisitar, tendo em conta
que no topo da sua lista de diagnósticos
diferenciais está um quadro de pneumonia. Faz o pedido de uma radiografia do
tórax, face e perfil direito, e preenche o
pedido de um hemograma, ionograma,
bioquímica simples e determinação da
proteína C reactiva (PCR), dado que são
os testes que considera necessários e
que habitualmente são pedidos na sua
instituição nestes casos. Ao fazer estes
pedidos tenta lembrar-se das razões
porque considera necessários cada um
dos testes que solicita, tornando-se claro no seu espírito que uma das principais
questões a que tenta responder é a da
etiologia vírica ou bacteriana do eventual
quadro de pneumonia, dado que isto terá
consequências extremamente importantes na decisão sobre o plano terapêutico.
Em particular, relativamente à questão
típica e fundamental da necessidade de
prescrição ou não de antibióticos. Pondera sobre quais os dados mais úteis nesta
distinção entre pneumonias bacterianas
e víricas, para além da história clínica
e do exame físico, que neste caso não
eram muito esclarecedores. A radiografia torácica ajudará, assim como o hemograma (nível e tipo de leucocitose) e
a PCR, no entanto, não pode deixar de
suspirar ao pensar que nestas situações,
não raras vezes, mesmo depois destes testes, continua com dúvidas. Neste
exercício, acaba por lembrar-se que, na
semana anterior, os técnicos do laboratório de bioquímica do hospital tinham
estado, numa reunião de serviço, a falar
sobre um teste que tinham implementado
recentemente no hospital – a procalcitonina – e que era útil na distinção entre
infecções víricas e bacterianas. Perante
uma hipótese de reduzir a sua incerteza
e ansiedade num problema com que se
depara comummente na urgência, e porque nunca antes tinha ouvido falar da determinação da procalcitonina neste contexto, o interno decide, enquanto espera
pelos resultados dos exames solicitados,
procurar qual a evidência científica existente sobre a utilidade da determinação
da procalcitonina na discriminação entre
pneumonias de etiologia bacteriana e vírica na criança.
FORMULAÇÃO DA QUESTÃO
Neste contexto, coloca-se ao interno uma questão relativa à utilidade, e em
particular a validade, da utilização da determinação da procalcitonina no diagnóstico de pneumonia de etiologia bacteriana, e mais especificamente na distinção
entre pneumonias de etiologia bacteriana
e vírica. Assim, ao pensar na formulação
da questão clínica, deverá ter em atenção os seus quatro elementos essenciais,
seguindo o acrónimo que os identifica
– PICO(5): (1) a população são crianças
com sinais e sintomas compatíveis com
pneumonia; (2) a intervenção a avaliar
será a determinação da procalcitonina
e (3) a variável de resultado clínico será
a determinação da existência e etiologia
da pneumonia através de um teste (ou
conjunto de testes) padrão de referência,
neste caso, a identificação bacteriológica
ou serológica do agente vírico ou bacteriano responsável pela infecção.
PESQUISA DA EVIDÊNCIA
Tendo em conta a questão clínica de
interesse, a procura de evidência científica deverá focar-se, essencialmente, em
estudos sobre a validade do teste diagnóstico em avaliação – procalcitonina na
distinção entre pneumonias de etiologia
vírica ou bacteriana.
Neste caso, o interno começou por
fazer uma pesquisa bibliográfica utilizando o serviço de acesso à base de dados
Medline da PubMed(5). Para isto, começou
por identificar termos MeSH(5) associados
ao termo “procalcitonin”, tendo verificado
que este termo MeSH existe classificado
como “Substance name” (“procalcitonin”
[Substance Name]). Em seguida, decidiu
utilizar, para a identificação do problema
e patologia, os termos genéricos (bacterial AND viral AND infection). Adicionou
termos para identificação do grupo etário
de interesse (crianças, usando a definição
dos 0 aos 18 anos de idade), com auxílio dos termos MeSH aplicados através
da utilização da funcionalidade Limits do
Pubmed (infant [MeSH] OR child[MeSH]
OR adolescent [MeSH]). Por último, utilizando estas três partes da query ligadas
por operadores booleanos AND utilizou a
funcionalidade clinical queries do Pubmed
para adicionar filtros de pesquisa metodo-
lógicos específicos para questões de diagnóstico, optando por um modo de pesquisa
mais sensível (“broad, sensitive search”)
(5)
. Esta versão final da query de pesquisa ((“procalcitonin” [Substance Name])
AND (bacterial AND viral AND infection)
AND (infant [MeSH] OR child[MeSH] OR
adolescent [MeSH]) AND (Diagnosis/
Broad[filter])) permitiu-lhe, à data de realização da pesquisa, a identificação de 40
artigos. Uma rápida análise dos títulos e
resumos destes resultados permitiu-lhe
identificar vários artigos altamente relevantes, sobre a questão em análise e no
grupo etário pretendido. Na posição 7 da
lista, encontrou o artigo de Don et al., publicado em 2007, no Scandinavian Journal
of Infectious Diseases e intitulado “Efficacy of serum procalcitonin in evaluating
severity of community-acquired pneumonia in childhood”(9). Na verdade, este é só
um dos vários estudos encontrados e que
respondem à questão em análise, sendo
a sua escolha ditada por ser um dos mais
recentes e um dos que responde de forma
mais específica à questão, após análise
do seu resumo. Neste caso, poderia ser
de enorme utilidade a existência de uma
revisão sistemática e eventual estudo de
meta-análise sobre esta matéria, no entanto, a discussão será desenvolvida relativamente à avaliação crítica deste artigo
original em particular. O passo seguinte foi
aceder à versão integral do artigo e iniciar
a sua análise crítica.
AVALIAÇÃO CRÍTICA DA EVIDÊNCIA
– ESTUDOS SOBRE VALIDADE DE
TESTES DIAGNÓSTICOS
O diagnóstico é um dos mais nobres actos da prática médica. O diagnóstico poderá ser genericamente definido como um processo probabilístico
e iterativo de decisão que, fazendo o
melhor uso possível de toda a informação disponível a cada momento, visa
classificar o indivíduo numa determinada entidade nosológica à qual estão
associados um determinado plano terapêutico e um determinado prognóstico.
O diagnóstico implica, antes de mais,
ter a capacidade de discriminar entre
indivíduos com e sem a entidade nosológica em análise (por simplicidade,
fala-se habitualmente em doentes e não
pediatria baseada na evidência
evidence based paediatrics
117
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
doentes, mas de uma forma mais geral
pode ser contemplada a discriminação
entre diferentes formas de uma doença
ou, eventualmente, estádios diferentes
de gravidade, progressão ou impacto
da doença). Neste contexto, definem-se como testes diagnósticos quaisquer
dados, medições ou classificações que
permitam discriminar entre populações
com e sem a entidade nosológica em
consideração. Nesta definição genérica
incluem-se quer os habituais exames
complementares de diagnóstico (imagiológicos, hematológicos, bioquímicos,
microbiológicos, imunológicos, genéticos, etc.), quer os dados provenientes
da história clínica, antecedentes pessoais e familiares e exame físico.
A utilização adequada e consciente
dos testes diagnósticos exige o conhecimento e compreensão das propriedades
fundamentais que os caracterizam. Destas, destacam-se as seguintes:
(a) A reprodutibilidade (reliability ou reproducibility), definida como a concordância entre medições ou classificações repetidas de um mesmo
fenómeno (intra-observador, intra-instrumento, inter-observadores ou
inter-instrumentos). Esta é uma das
propriedades mais importantes, e
muitas vezes esquecida, de um teste diagnóstico, sendo obvio, por
exemplo, que não faz sentido falar
em validade de um teste se primeiro
não for garantido que o mesmo é
adequadamente reprodutível(10). É
importante sublinhar que para qualquer teste diagnóstico, e ao contrário do que é habitual fazer-se, é recomendada a prévia confirmação
da sua reprodutibilidade, antes mesmo de olhar à sua validade.
(b) A validade (accuracy ou validity) do
teste diagnóstico, que será abaixo
definida e abordada em detalhe ao
longo deste artigo.
(c) A caracterização da aceitabilidade,
riscos e custos associados ao teste
diagnóstico.
(d) A caracterização dos efeitos da
utilização do teste diagnóstico nas
decisões e variáveis de resultado
clínico relevantes e a sua custo-efectividade.
118
pediatria baseada na evidência
evidence based paediatrics
Sendo várias as suas características ou propriedades relevantes, é muito
comum, no entanto, colocar uma ênfase
especial na validade dos testes diagnósticos, entre outras razões, porque é nesta
propriedade que assenta a aplicação dos
resultados do teste no processo de tomada de decisão clínica, tal como ao longo
deste artigo iremos demonstrar. A validade
de um teste diagnóstico pode ser definida como a sua capacidade de medir ou
classificar aquilo que realmente pretende
medir ou classificar. Assim, a validade
mede a capacidade do teste classificar
adequadamente o indivíduo como não
doente quando este é não doente e doente quando este é doente. Este estudo é
feito através da comparação do resultado
do teste em avaliação com aquilo que é
considerado, num determinado momento
no tempo, como sendo o resultado mais
próximo da verdade, ou seja, o resultado
de um teste diagnóstico padrão de referência (gold standard), aceite consensualmente para a situação em apreço. Tal
como acontece noutras áreas da investigação clínica, quando pretendemos estudar a validade ou utilidade diagnóstica de
um determinado teste diagnóstico existem
várias fases ou questões de complexidade crescente que podem ser colocadas e
cujas respostas exigem o adequado desenho de estudos com características, dificuldades e viéses específicos(11-13). Neste
contexto Sackett e Haynes definem quatro
fases com questões distintas no âmbito do
estudo da validade ou utilidade diagnóstica de um teste(11):
Fase 1
Tenta responder à questão “será
que os resultados do teste em indivíduos com a entidade nosológica em consideração (doentes) são diferentes dos
resultados do teste em pessoas normais/
saudáveis?”.
Fase 2
Tenta responder à questão “será
que os indivíduos com determinados resultados do teste têm maior probabilidade de ter a doença do que indivíduos com
outros resultados diferentes?”.
Fase 3
Tenta responder à questão “será
que os resultados do teste diagnóstico
em avaliação conseguem discriminar
adequadamente entre indivíduos com e
sem a doença, no âmbito da população
de indivíduos em quem faria sentido suspeitar da presença da mesma no contexto real da prática clínica onde o teste será
potencialmente utilizado?”.
Fase 4
Tenta responder à questão “será
que os indivíduos submetidos ao teste
diagnóstico em avaliação acabam por
atingir os resultados clínicos pretendidos
(probabilidade e tempo de sobrevivência,
capacidade funcional, qualidade de vida,
etc.) de forma mais eficaz?”.
A discussão que se segue refere-se
essencialmente aos estudos de fase 3,
que são os mais habitualmente encontrados na literatura desta área.
O interno que atendeu a Maria no
SU já encontrou o estudo sobre a validade
da procalcitonina sérica na discriminação
entre pneumonias de etiologia bacteriana
e vírica que procurava. Assim, o desafio
seguinte será o de definir e aplicar um
conjunto de critérios que lhe permitam
avaliar este artigo relativamente a três
aspectos fundamentais (Tabela 1): (A) a
qualidade metodológica do estudo; (B)
a importância dos seus resultados e (C)
a aplicabilidade prática dos mesmos. No
presente artigo será desenvolvida a discussão dos aspectos relacionados com
a avaliação da qualidade metodológica
do estudo e no número seguinte desta
série discutir-se-ão as questões relativas
à avaliação quantitativa e qualitativa da
importância dos resultados e a sua aplicabilidade na prática clínica.
(A) AVALIAÇÃO DA QUALIDADE
METODOLÓGICA DO ESTUDO
O estudo da validade de um teste
diagnóstico faz-se, habitualmente, através da comparação concorrente e independente do seu resultado com o resultado de um teste padrão (gold standard),
assumido para determinada situação clínica e num determinado momento no
tempo. Desta forma, o tipo de estudos
geralmente encontrados, e mais apropriados neste âmbito, são estudos observacionais, tipicamente transversais (pros-
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ano 2010, vol XIX, n.º 2
Tabela 1: Critérios de avaliação de estudos sobre a validade de testes diagnósticos
relativamente à: (A) qualidade metodológica, (B) importância dos resultados e (C) aplicabilidade prática dos resultados.
(A) Avaliação da qualidade metodológica do estudo:
1. O espectro de doença nos participantes do estudo é representativo do da população
que irá, potencialmente, ser submetida ao teste no contexto clínico real de utilização
do mesmo
2. Os critérios de selecção dos participantes, o contexto, o local e o período em que o
estudo foi realizado são claramente descritos?
3. Os métodos de amostragem dos participantes são claramente descritos? Foi usado um
método de amostragem consecutiva seguindo os critérios de selecção estabelecidos?
4. O estudo e a recolha dos dados foram planeados antes da aplicação do teste em avaliação e do teste padrão (estudo prospectivo) ou depois da realização destes (estudo
retrospectivo)?
5. O teste padrão de referência (gold standard) utilizado é adequado à situação clínica
e consegue discriminar adequadamente entre os indivíduos com e sem a entidade
nosológica em consideração?
6. O espaço temporal entre a aplicação do teste padrão e do teste diagnóstico em avaliação foi suficientemente curto de modo a poder assumir-se que não existiram alterações
relevantes do estado do indivíduo entre estes dois momentos?
7. Todos os participantes, ou uma amostra aleatória dos participantes, foram submetidos
ao teste padrão de referência?
8. Todos os participantes receberam o mesmo teste padrão de referência independentemente do resultado do teste diagnóstico em avaliação?
9. O teste padrão de referência é independente do teste diagnóstico em avaliação (i.e. o
teste em avaliação não é parte integrante do teste padrão de referência)?
10. A aplicação e execução do teste padrão de referência e do teste em avaliação são
descritas em suficiente detalhe que permita a sua replicação?
11. O resultado do teste em avaliação foi obtido e interpretado sem o conhecimento prévio
do resultado do teste padrão (ocultação)? O resultado do teste padrão foi obtido e interpretado sem o conhecimento prévio do resultado do teste em avaliação (ocultação)?
12. Quando o resultado do teste em avaliação foi obtido e interpretado, a informação clínica disponível era semelhante àquela que está habitualmente disponível no contexto
clínico real de utilização do mesmo?
13. Os resultados dos testes classificados como ambíguos, intermédios, não interpretáveis
ou omissos são descritos e os métodos e procedimentos usados no seu tratamento
explicados?
14. Os participantes que abandonaram o estudo ou que tiveram um seguimento incompleto
são descritos, as razões de perda ou abandono descritas e os métodos e procedimentos usados no seu tratamento explicados?
(B) Avaliação da importância científica e prática dos resultados
15. São apresentadas medidas adequadas à quantificação da validade do teste
diagnóstico em avaliação? O teste diagnóstico em avaliação demonstra uma
importante capacidade de discriminação?
16. É apresentada a precisão das estimativas das medidas de validade do teste
diagnóstico em avaliação?
(C) Avaliação da aplicabilidade prática dos resultados
17. Serão os resultados do estudo aplicáveis ao meu doente, tendo em conta as suas
características específicas? Serão os resultados do estudo generalizáveis para o meu
contexto específico?
18. O teste diagnóstico em avaliação está disponível e é aplicável, válido e reprodutível no
contexto onde me insiro?
19. Estará o doente disposto a ser submetido ao teste diagnóstico? Existem riscos ou
eventos adversos eventualmente associados à sua aplicação?
20. Será possível encontrar estimativas clinicamente relevantes das probabilidades préteste, de forma a optimizar a utilização da informação diagnóstica proveniente do
teste?
21. Serão os resultados do teste diagnóstico úteis para a resolução do problema do meu
doente?
22. Quais são as opiniões, valores e expectativas do meu doente relativamente aos
objectivos ou resultados clínicos esperados e poderá a realização do teste diagnóstico
contribuir para a concretização dos mesmos?
pectivos ou retrospectivos), com aplicação
concorrente e independente do teste em
avaliação e do teste padrão numa amostra apropriada de indivíduos da população em estudo. Neste contexto, e tendo
em atenção as várias fontes de erros sistemáticos e aleatórios que podem surgir
neste tipo de estudos(12,13), definem-se
habitualmente os seguintes critérios (Tabela 1) para avaliação da qualidade metodológica de estudos sobre a validade
de testes diagnósticos(4,12-18):
1) O espectro de doença nos participantes do estudo é representativo do da população que irá,
potencialmente, ser submetida
ao teste no contexto clínico real
de utilização do mesmo?
Diferenças sócio-demográficas e
clínicas entre populações podem levar
a que as estimativas de validade de um
determinado teste diagnóstico variem
bastante. Este fenómeno deve-se mais à
natural heterogeneidade destas medidas
e à impossibilidade de generalização dos
resultados do estudo do que à existência
de reais erros sistemáticos ou viéses.
As estimativas da validade dos testes diagnósticos poderão ter utilidade
clínica muito limitada se o espectro de
doença nos participantes seleccionados
para o estudo não é representativo daquele encontrado na população que irá,
potencialmente, ser submetida ao teste
no contexto clínico real de utilização do
mesmo. O termo espectro de doença
refere-se não só à gravidade e evolução
da entidade nosológica em consideração,
mas também às características sócio-demográficas dos indivíduos e à presença e frequência de outros diagnósticos
diferenciais e/ou comorbilidades. Os estudos mais úteis são aqueles que incluem
participantes que reflectem adequadamente a diversidade encontrada no contexto prático real. Estudos que comparam
indivíduos nos extremos do espectro da
doença (ex: comparações de indivíduos
definitivamente doentes com indivíduos
saudáveis) tendem a sobrestimar a validade e utilidade dos testes diagnósticos
(11,19,20)
. É fundamental que o estudo inclua
um espectro adequado de participantes e
que os critérios e métodos de selecção
pediatria baseada na evidência
evidence based paediatrics
119
NASCER E CRESCER
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ano 2010, vol XIX, n.º 2
dos mesmos sejam descritos de forma
adequada e completa.
No estudo de Don et al.(9), cuja análise crítica agora iniciamos, verifica-se que
os autores descrevem na subsecção “Study subjects” da secção de métodos que
recrutaram consecutivamente 125 crianças previamente saudáveis e com suspeita clínica de pneumonia, no contexto de
um serviço de urgência hospitalar numa
cidade italiana. Os autores excluíram 25
das crianças por não terem amostras sanguíneas (n=17) ou exames radiográficos
não compatíveis com pneumonia (n=8).
As 100 crianças finalmente incluídas no
estudo tinham uma mediana de idades de
3,7 anos, 19% tinham < 24 meses, 38%
tinham ≥ 5 anos e 49% eram do sexo masculino. Destes 100 doentes com pneumonia confirmada, 74 foram tratados em
ambulatório e 26 necessitaram de internamento hospitalar; 18 tinham pneumonia
de etiologia pneumocócica, 25 bacteriana
atípica (Mycoplasma + Clamídia), 23 vírica e 34 eram de etiologia indeterminada.
A descrição feita pelos autores sugere que
a amostra estudada seja adequadamente
representativa da população de doentes a
quem se aplicaria o teste da procalcitonina
na prática clínica em contexto real para a
discriminação entre pneumonias de etiologia bacteriana e vírica.
2) Os critérios de selecção dos participantes, o contexto, o local e o
período em que o estudo foi realizado são claramente descritos?
Os testes diagnósticos podem ter
propriedades distintas em função do espectro de doença, características sócio-demográficas, presença e frequência
de diagnósticos diferenciais e/ou comorbilidades, contexto de aplicação do teste (cuidados primários de saúde versus
cuidados secundários ou terciários) ou
objectivo da sua aplicação (rastreio versus confirmação diagnóstica). Por isto, e
em íntima ligação com o descrito no ponto anterior, os estudos sobre validade de
testes diagnósticos deverão conter uma
descrição adequada e completa dos critérios de selecção (inclusão e exclusão)
dos participantes, do contexto e local nos
quais o estudo foi realizado e do período temporal de recrutamento considera-
120
pediatria baseada na evidência
evidence based paediatrics
do. Esta informação é fundamental para
poder fazer-se um adequado julgamento
sobre o espectro de participantes estudados e sobre a generalização possível dos
resultados do estudo.(14,19,20)
No estudo de Don et al.(9), na secção de métodos, tal como mencionado no
ponto anterior, são referidos adequadamente os critérios de selecção dos participantes(21), o contexto, o local e o período
em que o estudo foi realizado. É, assim,
possível confirmar a adequação e representatividade da amostra de crianças analisada. Os critérios de inclusão e exclusão
utilizados sugerem que os resultados do
estudo, se válidos, possam ser generalizáveis para crianças sem patologias crónicas com suspeita de pneumonia vistas
em serviços de urgência de qualquer país
europeu, nomeadamente, generalizáveis
para o nosso contexto português.
3) Os métodos de recrutamento/
amostragem dos participantes
são claramente descritos? Foi
usado um método de amostragem
consecutiva seguindo os critérios
de selecção estabelecidos?
Um outro elemento fundamental
neste tipo de estudos é o método de recrutamento dos participantes. Existem vários possíveis métodos de recrutamento
neste tipo de estudos(19). Um dos métodos
mais típico e adequado é o recrutamento
consecutivo de indivíduos apresentando
sinais e/ou sintomas sugestivos ou compatíveis com a entidade nosológica em
consideração ou referenciados por outros
profissionais de saúde com esta suspeita.
Outros métodos de recrutamento possíveis, eventualmente menos apropriados,
incluem(11,19): (a) recrutamento de indivíduos após aplicação do teste de referência e
com aplicação subsequente do teste padrão; (b) recrutamento após aplicação do
teste padrão de referência e confirmação
da presença ou ausência da doença, com
aplicação subsequente do teste em avaliação; (c) recrutamento de indivíduos com
confirmação prévia da presença da doença (casos) e recrutamento independente
de indivíduos sem doença (controlos), na
forma de estudos de casos e controlos;
(d) estudos retrospectivos baseados em
registos hospitalares e com identificação
de indivíduos a quem foi aplicado o teste
em avaliação, o teste padrão ou ambos.
Quanto ao processo de amostragem, os
métodos mais apropriados são a amostragem consecutiva, sistemática ou aleatória.
Obviamente, estas diferentes opções de
recrutamento/amostragem de participantes terão implicações directas nas características dos mesmos, no espectro de
doença e na frequência de diagnósticos
alternativos e comorbilidades. Assim, uma
descrição clara do desenho do estudo e
métodos de recrutamento e amostragem
é fundamental na avaliação crítica deste
tipo de estudos.
No estudo de Don et al.(9), na secção de métodos, tal como mencionado no
ponto anterior, são descritos adequadamente e de uma forma completa o desenho do estudo e os métodos de amostragem e recrutamento dos participantes(21).
Foi feito o recrutamento de uma amostra
consecutiva de 100 crianças com suspeita de pneumonia seguindo os critérios de
selecção previamente definidos.
4) O estudo e a recolha dos dados
foram planeados antes da aplicação do teste em avaliação e do
teste padrão (estudo prospectivo) ou depois da realização destes (estudo retrospectivo)?
O planeamento do estudo e da recolha de dados previamente à realização
dos testes envolvidos (estudos prospectivos) permite um controlo mais adequado
dos dados e a obtenção de dados mais
completos e apropriados, garantindo uma
qualidade muito superior dos mesmos e
do estudo em geral (menor quantidade
de variáveis em falta e de dados omissos
ou ininterpretáveis).(14)
Os estudos planeados após a realização dos testes em avaliação e dos
testes padrão de referência (estudos retrospectivos), geralmente dependem da
consulta e recolha de informação a partir
de registos clínicos e/ou administrativos,
e por esta razão estão geralmente associados a dados de menor qualidade, menos completos, eventual enviesamento
na selecção e recrutamento dos participantes e eventual violação do princípio
da independência entre os resultados
dos testes comparados.(13,14,20)
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
No estudo de Don et al.(9), a descrição dos métodos utilizados torna claro
que o estudo foi planeado previamente,
sendo um estudo transversal e prospectivo com medição concorrente do teste
em avaliação (procalcitonina) e do teste
padrão de referência (diagnóstico clínico,
radiológico e confirmação serológica da
etiologia da pneumonia), utilizando um
protocolo previamente definido.
5) O teste padrão de referência (gold
standard) utilizado é adequado à
situação clínica e consegue discriminar adequadamente entre os
indivíduos com e sem a entidade
nosológica em consideração?
Um teste padrão de referência (gold
standard) é genericamente definido como
o teste ou conjunto de testes que, num
determinado momento no tempo, é aceite
consensualmente como sendo o que melhor consegue reflectir o verdadeiro estado
de doença ou não doença do indivíduo, no
contexto em consideração. É a partir da
comparação entre os resultados deste e do
teste em avaliação que podemos estimar
as suas medidas de validade. As metodologias habituais para a estimação da validade
de um teste diagnóstico assumem implicitamente que o teste padrão de referência tem
uma validade perfeita (100% de sensibilidade e de especificidade) e que, portanto,
quaisquer discrepâncias entre este e o teste em avaliação são fruto das deficiências
deste último. No entanto, dever-se-á ter em
atenção que (1) em muitas circunstâncias
não existem, de facto, testes padrão de referência; (2) muitas vezes existe discordância entre os especialistas quanto ao padrão
mais adequado; (3) o padrão disponível
pode não ter validade perfeita (e pode até,
eventualmente, não ser melhor que o teste em avaliação) e (4) o teste padrão pode
implicar riscos ou ser demasiado invasivo,
sendo necessário substituí-lo por alternativas menos invasivas. Assim sendo, a escolha do padrão de referência é um aspecto
de extrema importância e, por vezes, difícil.
O julgamento sobre a adequação do teste
padrão de referência é um aspecto fundamental na avaliação da qualidade deste
tipo de estudos e exige conhecimentos e
experiência específicos na área clínica em
consideração.(13,14,18)
No estudo de Don et al.(9) interessava dispor de um teste padrão de referência
que, em doentes com sinais e sintomas
compatíveis com pneumonia, distinguisse entre etiologias bacterianas e víricas.
Os testes padrão utilizados pelos autores
e descritos na subsecção de “Aetiological
classification” dos métodos foram os testes
serológicos para detecção de 5 tipos diferentes de bactérias e 9 tipos de vírus mais
frequentes(21). Genericamente estes testes
padrão de referência poderiam ser potencialmente adequados ao diagnóstico da
etiologia da pneumonia, no entanto, deverá
ser sublinhado que em 34 dos 100 participantes não foi possível, com a bateria utilizada, identificar especificamente o agente
causador da pneumonia. Este facto torna
difícil a interpretação dos resultados e pode
condicionar potenciais viéses associados
a sobre ou subestimação das medidas de
validade do teste em avaliação. Apesar de
serem explícita e adequadamente descritos, estes casos de etiologia desconhecida
têm importantes implicações e pela sua
magnitude (34%) limitam a utilidade dos
resultados do estudo.
6) O espaço temporal entre a aplicação do teste padrão e do teste
diagnóstico em avaliação foi suficientemente curto de modo a poder assumir-se que não existiram
alterações relevantes do estado
do indivíduo entre estes dois momentos?
Idealmente a aplicação do teste em
avaliação e do teste padrão deverão ser
feitas concorrentemente. Quando não é
possível obter simultaneamente os resultados de ambos os testes existe sempre
um risco de má classificação, crescente
com a magnitude do período temporal,
devido à eventual alteração do estado do
indivíduo ou a sua doença. Os períodos
temporais que poderão de facto levar à
existência deste tipo de viéses são variáveis em função do tipo de doença ou
situação clínica.(13,14,18)
No estudo de Don et al.(9), o protocolo de recolha de dados implicava a
colheita de sangue periférico segundo
rotina habitual na altura da admissão no
serviço de urgência e este servia para a
determinação quer do teste em avalia-
ção (procalcitonina) quer da bateria de
testes serológicos usados como padrão
de referência. A realização dos testes
propriamente ditos foi feita nos dias que
se seguiram à colheita, não havendo um
espaço temporal significativo entre a aplicação do teste e do padrão.
7) Todos os participantes, ou uma
amostra aleatória dos participantes, foram submetidos ao teste
padrão de referência?
Idealmente todos os participantes
deveriam ser submetidos ao teste em
avaliação e ao teste padrão de referência. Na impossibilidade de serem todos
submetidos a ambos os testes, uma alternativa aceitável é a de submeter ao teste
padrão apenas uma amostra aleatória
dos participantes, garantindo a representatividade e não enviesamento das
estimativas de validade. Infelizmente, em
muitas circunstâncias verifica-se que os
testes padrão de referência só são aplicados numa amostra dos participantes
que é seleccionada por conveniência ou
na dependência do resultado do teste em
avaliação. Estas opções levam a estimativas enviesadas da validade do teste e
deverão ser evitadas, estando associadas ao chamado viés de verificação parcial (partial verification bias, work-up bias
ou sequential ordering bias).(13,18)
No estudo de Don et al.(9), todos os
doentes foram submetidos ao teste padrão de referência, no entanto, é de salientar que em 34 dos 100 doentes não
foi possível identificar o agente causador
da patologia, levantando a hipótese destas etiologias desconhecidas poderem
condicionar enviesamento na estimativa
das medidas de validade do teste.
8) Todos os participantes receberam o mesmo teste padrão de
referência
independentemente
do resultado do teste diagnóstico
em avaliação?
O chamado viés de verificação diferencial (differential verification bias) acontece quando para alguns dos participantes do estudo os resultados do teste em
avaliação são verificados/comparados
com os resultados de testes padrão de
referência diferentes daqueles aplicados
pediatria baseada na evidência
evidence based paediatrics
121
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
nos restantes participantes. Isto é particularmente problemático se os testes
padrão utilizados são diferentes quanto
à definição ou capacidade de discriminação da entidade nosológica em consideração ou quando a aplicação dos diferentes padrões está associado ao resultado
do próprio teste a avaliar (ex: utilização
de um padrão mais invasivo e mais válido em doentes que tenham resultados
positivos no teste em avaliação). Estas
situações estão, naturalmente, associadas a enviesamento na determinação da
validade do teste.(13,14,18)
No estudo de Don et al.(9), todos os
participantes receberam o mesmo conjunto de testes padrão seguindo um protocolo comum e independentemente do
resultado do teste em avaliação.
9) O teste padrão de referência é independente do teste diagnóstico
em avaliação (i.e. o teste em avaliação não é parte integrante do
teste padrão de referência)?
Quando o próprio teste em avaliação é utilizado para estabelecer o diagnóstico final, ou seja, quando este faz
parte integrante do padrão de referência
utilizado, as medidas de validade obtidas
serão, muito provavelmente, enviesadas
(incorporation bias).(13,18) Este aspecto só
é aplicável quando o teste padrão de referência é constituído por um conjunto de
testes, em vez de um teste único, e o resultado do teste em avaliação, para além
de ser conhecido, é incorporado de facto
nesse conjunto.
No estudo de Don et al.(9), que temos vindo a avaliar criticamente, quer os
critérios de selecção quer o teste padrão
de referência são independentes do teste
em avaliação (procalcitonina).
10) A aplicação e execução do teste
padrão de referência e do teste
em avaliação são descritas em
suficiente detalhe que permita a
sua replicação?
A forma de aplicação e execução do
teste padrão de referência e do teste em
avaliação deverão ser descritas de forma
detalhada e completa ou dadas referências adequadas para o efeito. Este aspecto é importante para controlar a varia-
122
pediatria baseada na evidência
evidence based paediatrics
bilidade que poderá surgir na sequência
de protocolos distintos de aplicação dos
testes e para garantir a possibilidade de
replicação dos mesmos noutros contextos.(14,18)
No estudo de Don et al.(9), nas subsecções de “Aetiological classification” e
“Laboratory studies” da secção de métodos são descritos em detalhe e devidamente referenciados os protocolos de
execução técnica dos testes padrão de
referência e do teste em avaliação.
11) O resultado do teste em avaliação
foi obtido e interpretado sem o conhecimento prévio do resultado
do teste padrão (ocultação)? O resultado do teste padrão foi obtido
e interpretado sem o conhecimento prévio do resultado do teste em
avaliação (ocultação)?
Os resultados do teste padrão e do
teste em avaliação deverão ser obtidos
e interpretados sem o conhecimento do
resultado um do outro. A ocultação dos
resultados dos testes é importante uma
vez que o conhecimento prévio dos resultados poderá levar a estimativas enviesadas da validade do teste em avaliação (review bias). A importância deste
aspecto poderá ser tanto maior quanto
mais afectada de subjectividade estiver a
obtenção e interpretação dos resultados
dos testes.(13,14,18)
No estudo de Don et al.(9), na secção de métodos é descrito o protocolo de
execução dos testes padrão e do teste
em avaliação, sendo possível verificar
que as execuções dos mesmos foram
feitas em laboratórios independentes e
sem conhecimento prévio dos resultados
uns dos outros.
12) Quando o resultado do teste em
avaliação foi obtido e interpretado, a informação clínica disponível era semelhante àquela que
está habitualmente disponível no
contexto clínico real de utilização
do mesmo?
A obtenção e interpretação dos resultados de testes diagnósticos podem
ser afectadas pela existência, nesse momento, de outra informação clínica relevante. Assim, e para que as estimativas
das medidas de validade de um teste
diagnóstico não sejam enviesadas, o ideal será que a informação disponível na
altura da obtenção e interpretação do resultado do teste seja idêntica àquela que
estará disponível no contexto clínico real
de utilização do mesmo.(14,18)
No estudo de Don et al.(9), o protocolo de selecção de participantes e
de recolha de dados reproduz de forma
bastante próxima aquilo que aconteceria
a uma criança com suspeita de pneumonia que recorre a um serviço de urgência
num contexto clínico real. Desta forma, é
seguro assumir que a informação clínica
disponível era semelhante àquela que
está habitualmente disponível no contexto clínico real de utilização do teste.
13) Os resultados dos testes classificados como ambíguos, intermédios, não interpretáveis ou omissos são descritos e os métodos
e procedimentos usados no seu
tratamento explicados?
Não raramente os testes diagnósticos têm resultados classificados como
ambíguos, intermédios ou não interpretáveis. Muitas vezes os investigadores
optam por ignorar na análise e não reportar estes resultados, sendo que isto
pode levar ao enviesamento das estimativas de validade dos testes diagnósticos, especialmente se, por qualquer
razão, estes resultados estão associados ao verdadeiro estado do indivíduo
(doente ou não doente). Frequentemente, também, existem situações em que
por uma ou outra razão os resultados
dos testes não estão disponíveis (dados
omissos). Da mesma forma, estas situações podem levar ao enviesamento das
estimativas de validade, especialmente
quando associadas ao verdadeiro estado do indivíduo. Idealmente, os investigadores deverão sempre reportar este
tipo de situações e as eventuais razões
pelas quais estas surgiram, de forma a
que o leitor possa julgar o impacto real
da sua existência nas estimativas de validade do teste.(13,14,18)
No estudo de Don et al.(9) é particularmente relevante a existência de 34%
de testes padrão de referência classificados como tendo “etiologia desconhecida”.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
Os resultados destes testes padrão não
interpretáveis são adequada e explicitamente descritos neste artigo, no entanto,
podem condicionar potenciais viéses na
estimação das medidas de validade. Relativamente ao teste em avaliação (procalcitonina), todos os 100 participantes
finais do estudo tiveram a sua determinação realizada e devidamente reportada.
Chama-se, no entanto, a atenção para a
existência de 17 crianças das 125 inicialmente recrutadas para as quais não foi
possível obter amostras de sangue que
permitissem a realização dos testes. Esta
situação é devidamente reportada no artigo e os indivíduos foram excluídos da
análise.
14) Os participantes que abandonaram o estudo ou que tiveram
um seguimento incompleto são
descritos, as razões de perda ou
abandono descritas e os métodos e procedimentos usados no
seu tratamento explicados?
O abandono do estudo ou a perda de seguimento, no caso de estudos
prospectivos, são fenómenos importantes e por vezes de magnitude preocupante. Estes fenómenos podem enviesar
de forma importante as estimativas de
validade, especialmente quando a sua
ocorrência não acontece de forma aleatória, mas antes associada ao verdadeiro estado de doente ou não doente dos
participantes. Este enviesamento existe
porque os indivíduos que abandonam ou
são perdidos são tipicamente diferentes
daqueles que permanecem no estudo.
Razões frequentes para este tipo de
ocorrências são os eventos adversos, a
invasividade dos testes ou o estado de
saúde (eventualmente diminuído) dos
indivíduos, estando, por exemplo, estas
razões associadas geralmente à presença de doença, e por isso ligadas a um
eventual enviesamento das medidas de
validade.(13,14,18)
No estudo de Don et al.(9), não existe registo de quaisquer abandonos ou
perdas de seguimento nos participantes
do estudo, não constituindo este último
ponto um problema para a qualidade metodológica do artigo em avaliação.
(B) E (C)
AVALIAÇÃO DA IMPORTÂNCIA E
DA APLICABILIDADE PRÁTICA
DA EVIDÊNCIA
A avaliação da importância científica
e prática dos resultados passa pela adequada interpretação e contextualização
das medidas de validade do teste diagnóstico (sensibilidade, especificidade, valores preditivos, likelihood ratios, etc.) e
subsequente verificação, em última análise, da real capacidade de discriminação
do teste diagnóstico entre os indivíduos
com e sem a entidade nosológica em
consideração. A definição, cálculo e demonstração da interpretação e relevância
destes conceitos serão discutidos no próximo número desta série.
A última questão no processo de
avaliação crítica da evidência será a
questão da aplicabilidade prática da mesma. O objectivo do profissional de saúde
será a eventual aplicação da evidência
científica aos seus problemas clínicos e
aos seus doentes, logo, a avaliação da
aplicabilidade prática é uma questão fulcral neste contexto. Na segunda parte
deste artigo, serão também exploradas
as questões e critérios aplicáveis à avaliação da aplicabilidade prática dos resultados deste tipo de estudos.
CONCLUSÃO
O diagnóstico é um dos actos mais
nobres da prática clínica. A utilização adequada dos testes diagnósticos depende
do conhecimento das suas propriedades
e características operacionais, em particular da sua validade, e do desenvolvimento de competências que permitam
maximizar a utilização da informação que
a partir deles é possível obter. Ao longo
deste artigo foi possível verificar que a
qualidade dos estudos sobre validade
de testes diagnósticos está dependente do controlo de um vasto conjunto de
fontes de erros sistemáticos e aleatórios
que devem ser conhecidas, prevenidas e
detectadas. A aplicação de uma conjunto
de critérios básicos para a avaliação da
qualidade metodológica destes estudos
foi discutida e ilustrada através de um
exemplo prático. Na segunda parte deste
artigo, serão discutidos a aplicação prática das medidas de validade dos testes
diagnósticos e os princípios quantitativos
que permitem integrar a informação dada
pelo resultado de um teste no processo
de decisão diagnóstica.
O estudo de Don et al.(9) sobre a validade da procalcitonina na discriminação
entre pneumonias de etiologia bacteriana
e vírica na criança foi apresentado e discutido ao longo deste artigo. Verificou-se
que este artigo, apesar de globalmente
adequado quanto à sua qualidade metodológica, tem dois problemas importantes:
(1) a utilização de um teste padrão de referência que, sendo genericamente adequado, não consegue identificar a etiologia específica em 34% dos doentes, com
o potencial de enviesamento associado
e a consequente redução da amostra a
analisar e (2) o estudo tem um tamanho
de amostra limitado (agravado pelos resultados inconclusivos do padrão de referência), com consequentes estimativas de
validade do teste diagnóstico de precisão
muito limitada (erros aleatórios associados
às pequenas amostras) e, para além disto,
os autores não reportam explicitamente a
precisão das suas estimativas, não dando
oportunidade aos leitores de avaliar criticamente este aspecto.
No próximo número desta série será
discutido o desfecho do cenário clínico
apresentado e, à luz da avaliação quantitativa e qualitativa da importância dos
resultados do estudo e da aplicabilidade
prática dos mesmos, dando continuidade
à avaliação crítica do artigo de Don et
al.(9), será discutida a relevância e adequação da utilização da procalcitonina na
discriminação entre pneumonias de etiologia vírica e bacteriana na criança.
CRITICAL APPRAISAL AND
PRACTICAL IMPLEMENTATION OF
DIAGNOSTIC TESTS ACCURACY
STUDIES – PART I
ABSTRACT
This section of Evidence Based Paediatrics has been covering the conceptual, methodological and operational issues
related to the practice of EBM in the field
of Paediatrics. In the present article a
practical example is developed allowing
the application of concepts, methods and
pediatria baseada na evidência
evidence based paediatrics
123
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
competencies covered in previous articles and specifically devoted to the critical
appraisal and practical implementation of
diagnostic tests accuracy studies. A clinical scenario is presented and explored
regarding the search and critical appraisal
of scientific evidence about the accuracy
of serum procalcitonin in the distinction of
bacterial from viral pneumonia in children.
Methods for searching the current best
evidence are discussed and a systematic approach for the critical appraisal of
diagnostic tests accuracy studies is suggested, including: (1) assessment of the
methodological quality of the study; (2)
assessment of the scientific and practical
impact of its results and (3) assessment of
their practical applicability. In the present
article we will discuss the search and critical appraisal process covering only the
assessment of the methodological quality of the study, in the next article of this
section matters regarding the quantitative
and qualitative assessment of the impact
of results and their practical applicability
will be covered.
Keywords: Evidence based medicine, diagnosis, diagnostic tests, specificity, sensitivity, predictive values, likelihood ratios, ROC curves, procalcitonin,
pneumonia, childhood.
Nascer e Crescer 2010; 19/(2): 116-24
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CORRESPONDÊNCIA
[email protected].
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
Caso Electroencefalográfico
Rui Chorão1
Apresenta-se o caso de lactente do
sexo feminino, com 9 meses de idade,
enviada por neurologista do hospital da
área por suspeita de crises epilépticas.
Aos 8 meses de idade começou a
apresentar episódios descritos como de
versão cefálica para a direita, por vezes
com revulsão ocular, e postura em flexão
dos membros superiores e inferiores e
mãos fechadas. Duravam segundos a
minutos e repetiam-se ao longo do dia
em diferentes situações. Parava se fosse interceptada e retomava depois. Não
tinha cianose (antes, ficava ruborizada),
sialorreia ou clonias.
À observação mostrava muito bom
contacto e ausência de sinais neurológicos focais. O desenvolvimento era adequado à idade.
Foi pedido aos familiares vídeo dos
episódios, que não foi possível obter.
Quando reavaliada para a realização de electroencefalograma (EEG) com
vídeo vinha medicada com valproato de
sódio, instituído por pediatra, que atribuiu
aos fenómenos natureza epiléptica.
O vídeo-EEG mostrou um traçado
normal (Figura 1), nomeadamente durante episódios, semelhante aos descritos.
Nestes ficava ruborizada e apresentava
movimentos de báscula da bacia, com os
membros inferiores aduzidos e mãos fechadas (figura 2); se distraída, parava de
imediato e interagia normalmente.
Qual o seu diagnóstico?
Figura 1 - Traçado de repouso vigil normal para a idade, com ritmo de base a 5-6 Hz, simétrico e
reactivo e ausência de elementos gráficos anómalos.
Figura 2 – Sequência do vídeo, com ar sonhador, mãos apertadas, movimentos de baloiço da anca e
adução dos membros inferiores (última imagem).
__________
1
Unidade de Neurofisiologia Pediátrica, Hospital Maria Pia, Centro Hospitalar do Porto
caso electroencefalográfico
EEG case report
125
NASCER E CRESCER
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ano 2010, vol XIX, n.º 2
DIAGNÓSTICO
Episódios de auto-gratificação
DISCUSSÃO
As situações de auto-gratificação
ou auto-estimulação (ou masturbação infantil) são muitas vezes confundidas com
quadros neurológicos (mais frequentemente crises epilépticas, mas também
distonia ou discinésias paroxísticas) ou
outros quadros médicos (dor abdominal)(1,2). Não é raro, como no caso que
se apresenta, ser instituída medicação
antiepiléptica(2,3). O facto de a auto-estimulação, nesta faixa etária, não envolver
manipulação dos genitais pode dificultar
o diagnóstico(1,3). Assim, estas crianças
são muitas vezes submetidas a diversos
exames complementares de diagnóstico
mais ou menos inócuos, que poderiam
ser dispensados.
Nas poucas séries publicadas de
crianças referenciadas a consultas de
Neurologia Pediátrica, verificou-se que
a síndrome de auto-gratificação se inicia
quase sempre durante o primeiro ano
de vida, sendo muito mais comum em
lactentes do sexo feminino(1-4). Os episódios ocorrem em situações de tédio ou
fadiga, ou, pelo contrário, de satisfação
ou ansiedade, e geralmente na cadeira
dos bebés. Estes apresentam-se com
contracção dos membros superiores e
inferiores, geralmente com os inferiores
“em tesoura”, e fazem movimentos de
balanceio da anca ou também do tronco
e pescoço e têm um ar distante, “desligado”, com olhar fixo e por vezes pestanejo.
Frequentemente ocorre rubor facial e diaforese; muitas vezes emitem sons(1-3). Ao
contrário das crises epilépticas, cessam
126
caso electroencefalográfico
EEG case report
de imediato se se distrair a criança ou se
esta iniciar outra actividade, o que confirma a ausência de alteração do estado de
consciência e o seu carácter voluntário.
Por vezes, no entanto, a criança pode
mostrar-se aborrecida, mesmo irritada,
ao ser interrompida(3).
Apesar de fisiológico, este comportamento poderá ser mais frequente em
crianças com pouco afecto ou ansiosas.
Ainda alguns autores sugerem a necessidade de excluir irritação perineal e história de abuso sexual(2).
A observação directa dos episódios,
geralmente através de um vídeo caseiro,
pode ser diagnóstico(2,4). O EEG, sobretudo se acompanhado de registo dos episódios em vídeo, sendo normal, é útil e
pode ser mais tranquilizador. É necessário
explicar-lhes que se trata de um comportamento normal, transitório e sem qualquer
risco(2). Por outro lado, deve explicar-se
que não devem reprimir a criança e que
poderão interromper este comportamento
simplesmente brincando com ela.
Palavras-chave: Auto-gratificação,
vídeo, lactentes
EEG CASE REPORT
ABSTRACT
Auto-gratification disorder is often misdiagnosed as other paroxysmal
events, namely epileptic seizures. It typically occurs in female infants and begins
during the first year of life. The episodes
are stereotyped and some clinical issues
can strongly suggest the diagnosis. Home
video may lead to the diagnosis and avoid
unnecessary investigations.
An illustrative case of a 9 month-old
baby female is presented. The events
had been initially diagnosed as epileptic
fits. Video-EEG disclosed a normal tracing, even during the typical “attack”: posture with contraction of the limbs, rubbing
hands, hip flexion and knee extension
with scissoring of the lower limbs, facial
flush and perspiration; it was stopped by
distracting her.
Keywords: Auto-gratification, video,
infant
Nascer e Crescer 2010; 19(2): 125-6
BIBLIOGRAFIA
1. Nechay A, Ross LM, Stephenson
JBP, O’Regan M. Gratification disorder (“infantile masturbation”): a review. Arch Dis Child 2002;89:225-6.
2. Yang ML, Fullwood E, Goldstein J,
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3. Omran MS, Ghofrani M, Juibary
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4. Casteels K, Wouters C, Van Geet
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AGRADECIMENTO
Adriana Ribeiro, Técnica Superior de
Neurofisiologia
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
Caso Endoscópico
Fernando Pereira1
Uma criança de 6 anos, sexo masculino, raça caucasiana, filha de pais não
consanguíneos foi enviada à consulta
externa de Gastroenterologia Pediátrica
pelo seu médico especialista de Otorrinolaringologia, por apresentar tosse crónica
nocturna de longa data.
Tratava-se de criança com rinite e
asma brônquica conhecidas desde os
primeiros anos de vida e controlada com
tratamento médico (Fluticasona, Montelucaste, Cetirizina e Brometo de Ipatrópio
SOS) alérgico aos ácaros e pó da casa,
sem história de regurgitação ou vómitos
frequentes, disfagia, odinofagia ou em-
Figura 1
pactamento alimentar e com normal desenvolvimento estaturo-ponderal e psicomotor. Observado por ORL por apresentar
“ronqueira” nocturna e obstrução nasal
frequente, foi-lhe diagnosticada hipertrofia das adenóides vindo a ser operado. A
tosse persistiu após a cirurgia pelo que foi
solicitada a nossa colaboração.
O exame objectivo da criança era
normal, pesava 31kg e media 122cm e o
estudo analítico de rotina era também normal sendo positivos os testes cutâneos
para ácaros e pó da casa.
Decidimos efectuar uma pHmetria
de 24h que não evidenciou a presença
de refluxo patológico e uma endoscopia
digestiva alta que permitiu observar ao
nível do esófago os aspectos que mostramos nas figuras 1 e 2.
Qual lhe parece ser a situação responsável pelo aspecto endoscópico:
1 – Infecção por Cândida Albicans
2 – Presença de restos alimentares
3 – Esofagite com abcessos eosinofílicos
4 – Variante do normal
Figura 2
__________
1
Serviço de Gastroenterologia
Hospital Maria Pia / CHPorto
caso endoscópico
endoscopic case
127
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
COMENTÁRIOS
As imagens que mostramos são do
esófago médio (Figura 1 ) e do esófago
distal (Figura 2). Em ambas se verifica
a existência de áreas de congestão da
mucosa, com estriação longitudinal mais
evidente na figura 2 e áreas de mucosa,
recobertas de exsudado branco, que parece assumir também uma distribuição
longitudinal seguindo as linhas de estriação. Foram efectuadas biópsias a diversos níveis do esófago que revelaram
permeação intra-epitelial da mucosa esofágica por abundantes eosinófilos (mais
de 100 por campo de ampliação). As biópsias do estômago evidenciaram discretas lesões de gastrite crónica superficial
sem participação de eosinófilos e sem H
pylori. Não foram observadas estruturas
sugestivas de fungos.
Mediante este resultado histológico está excluída a possibilidade de
infecção por Cândida Albicans, naturalmente também a hipótese de restos
alimentares que não apresentam aque-
128
caso endoscópico
endoscopic case
le aspecto endoscópico e seguramente
que não se poderia tratar de variante do
normal.
Este quadro clínico, com pHmetria
de 24h normal e com o intenso infiltrado
eosinofílico observado é compatível com
o diagnóstico de esofagite eosinofílica. O
doente efectuou tratamento com fluticasona deglutida verificando-se acentuada
melhoria do seu quadro. Foi enviado à
consulta de Alergologia para estudo de
alergia alimentar.
Conclusão: esofagite eosinofílica
em doente com asma brônquica.
ABSTRACT
A six year-old boy presented with
chronic nocturnal cough. History of bronchial asthma controlled with medical treatment, alergy to house dust and acarus.
Upper endoscopy and biopsy confirmed
criteria for eosinophilic esophagitis. There
was a good response to swallowed fluticasone.
Keywords: Nocturnal Chronic
cough, bronchial asthma, eosinophlic esophagitis.
Nascer e Crescer 2010; 19(2): 127-8
BIBLIOGRAFIA
1. Liocouras C.A., Spergel JM, Ruchelli
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and Hepatology 2005; 3: 1198-206.
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symptoms, Histology and pHprobe
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NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
Caso Estomatológico
José M. S. Amorim1
Criança de 11 anos de idade que foi
enviada à consulta de Estomatologia devido a neoformação a nível do dorso da
língua, de crescimento lento, indolor, sem
hemorragia espontânea, ocorrendo esta
por traumatismo ocasional nos dentes ou
com os alimentos.
Ao exame objectivo a criança apresenta bom desenvolvimento estato-ponderal.
Ao nível oral apresenta boa higiene
oral, não sendo visíveis cáries dentárias.
Apresenta tumefacção no dorso da língua à esquerda, de contornos bem definidos, de consistência mole, revestida
por mucosa normal e de cor amarelada
(Figura 1).
Antecedentes pessoais e familiares
irrelevantes.
Face ao descrito:
Qual o seu diagnóstico?
Qual a sua atitude?
Figura 1
__________
1
Serviço de Estomatologia Hospital Maria Pia / CH Porto
caso estomatológico
oral pathology case
129
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
No caso exposto o diagnóstico a colocar é o de Papiloma da língua.
As lesões vegetantes da cavidade oral englobam o papiloma, a verruga
vulgar e o carcinoma verrugoso. São caracterizadas por apresentarem um crescimento exofitico, lento e podem surgir
em qualquer área da mucosa oral, independentemente desta ser ou não queratinizada.
O papiloma é a lesão tumoral benigna mais frequente, não apresentando
predisposição por género e os locais de
aparecimento mais frequente são a língua e o palato. Histopatologicamente,
esta lesão tem um crescimento exofitico pedunculado, com núcleos de tecido
conjuntivo fibroso revestidos por projecções epiteliais papilares. O epitélio apresenta paraqueratose e hiperqueratose. A
papilomatose e a acantose também se
observam e sugerem possível infecção
por vírus do papiloma (HPV), embora
só algumas destas lesões apresentem
antigénios do vírus. Os HPV são vírus
130
caso estomatológico
oral pathology case
que podem induzir lesões hiperplásicas,
papilomatosas e verrugosas no epitélio
escamoso estratificado da pele e das
mucosas.
Outra lesão verrugosa benigna muito frequente na pele e raramente na boca
é a verruga vulgar, estando esta directamente relacionada ao HPV. A infecção
ocorre por auto-inoculação ou por contágio directo sendo os lábios a região mais
afectada. A verruga e o papiloma podem
ser indistinguíveis do ponto de vista clínico e apresentam muitas semelhanças
histológicas.
O carcinoma verrugoso é uma neoplasia maligna da cavidade oral que surge pela 5ª década de vida e tem como
factores de risco o consumo de tabaco e
a infecção por HPV, apresentando também crescimento exofitico.
Neste caso foi realizada biópsia
excisional da lesão com margem de segurança e realizada a sutura com fio
reabsorvível. O pós-operatório decorreu
sem intercorrências. O estudo histológico
revelou que a exérese da lesão tinha sido
completa e que se tratava de um papiloma escamoso.
ABSTRACT
An 11 year-old boy was referred to
our department due to a slow growing
and painless neoformation of the dorsum of the tongue. Excisional biopsy was
performed, and the histology revealed a
squamous papiloma.
Keywords: papiloma, warty carcinoma, HPV
Nascer e Crescer 2010; 19(2): 129-30
BIBLIOGRAFIA
Regezi JA, Sciubba JJ. Tumores odontogênicos. In: Patologia bucal: correlação clínica patológica. 3ed. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan; 2000.
292-308.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
Caso Radiológico
Filipe Macedo1
Lactente com 2 meses de idade, com suspeita de torcicolo
congénito por apresentar desde o nascimento inclinação lateral
da cabeça. Ecografia cervical sem alterações dos músculos esternocleidomastoideus. Sem melhorias com a fisioterapia. Faz
radiografia da coluna cervical e dorsal.
Qual o seu diagnóstico?
Figura 1 – radiografia de face da coluna cervical e dorsal.
__________
1
SMIC - Porto
caso radiológico
radiological case
131
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
ACHADOS
Observa-se inclinação lateral esquerda da cabeça e pescoço por escoliose de convexidade direita de curto raio,
a nível dorsal alto. Existem anomalias da
formação das 3 primeiras vértebras, com
hemivértebra em D3 e aspecto de bifidez
em D1 e D2.
DIAGNÓSTICO
Escoliose congénita por anomalias
da formação vertebral.
DISCUSSÃO
A escoliose congénita é causada
por erros embriológicos precoces na formação da coluna vertebral, de etiologia
mal conhecida. Resulta em deformidades
vertebrais, de formação (hemivértebra,
vértebra em borboleta), de segmentação
(vértebra em bloco) ou mistas.
A idade de diagnóstico varia muito
podendo fazer-se nos primeiros dias de
vida ou só na vida adulta(1).
Em alguns casos pode fazer-se o
diagnóstico pré-natal por ecografia(2).
É frequente a existência de outras
alterações associadas, nomeadamente
do foro genito-urinário ou cardiovascular.
O tratamento depende da deformidade específica, podendo fazer-se apenas o acompanhamento radiográfico, colocar coletes ou ser necessário cirurgia.
132
caso radiológico
radiological case
IMAGIOLOGIA
1- Rx convencional
É o primeiro exame. Faz o diagnóstico e o acompanhamento. Envolve radiação ionizante.
2- TC
É o melhor método para caracterizar
detalhadamente as anomalias ósseas,
sobretudo com reconstruções 3D, sendo
muito útil na avaliação pré-operatória(3).
Envolve bastante radiação ionizante.
tion in certain vertebras. The diagnosis of
congenital scoliosis must be considered
in cases of abnormal tilting of the head
and neck.
Keywords: congenital scoliosis, imaging
3- Ressonância magnética
Para além de caracterizar a escoliose é o melhor método para avaliar anomalias neurológicas intra-espinais associadas(4). Sem radiação ionizante.
1. Shahcheraghi GH, Hobby MH. Patterns and progression in congenital
scoliosis. J Pediatr Orthop 1999; 19:
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2. Benacerraf BR, Green MF, Barss
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200 Aug; 86-A(8): 1704-10
A possibilidade de uma escoliose
congénita deve ser considerada na investigação da criança com desvios da
cabeça e pescoço.
ABSTRACT
We present a case of a two month
old infant with clinical suspicion of congenital torticollis because of lateral flexion
of the head and neck since birth. There
was no response to physiotherapy and
the neck ultrasound was normal. An x-ray
of the cervical and dorsal spine showed
congenital scoliosis with failure of forma-
Nascer e Crescer 2010; 19(2): 131-2
BIBLIOGRAFIA
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
Cuidados
ConƟnuados ee
Cuidados ConƟnuados
PaliaƟvos
PaliaƟvos
Cursos
CursosPré-Congresso
Pré-Congresso
Suporte
Suportede
deVida
VidaPediátrico
Pediátrico
VenƟlação
VenƟlaçãoNão
NãoInvasiva
Invasiva
Doenças
Infecciosas
Doenças Infecciosas
Curso
CursoPós-Congresso
Pós-Congresso
Imagiologia
ImagiologiaPediátrica
Pediátrica
Ginecologiaem
emPediatria
Pediatria
Ginecologia
Contracepçãoeegravidez
gravidez
Contracepção
Grande Prematuridade
Prematuridade
Abusoeeviolência
violênciasexual
sexual
Abuso
Prematuridade
Tardia
Prematuridade Tardia
Cirurgiade
demínimo
mínimoacesso
acesso
Cirurgia
Apoio: BIAL
BIAL
Apoio:
Inscriçõeseeenvio
envio de
de resumos
resumos em
em
Inscrições
hƩp://www.reuniao-cmin-hmp.co.cc
hƩp://www.reuniao-cmin-hmp.co.cc
DataLimite
Limite--23
23de
de Outubro
Outubro de
de 2010
2010
Data
Organização
Organização
Departamento da Infância e da Adolescência
Departamento da Infância e da Adolescência
do Centro Hospitalar do Porto
do Centro Hospitalar do Porto
Colaboração
Colaboração
CH Alto Ave, CH Entre Douro e Vouga, CH Médio Ave,
CH Alto Ave, CH Entre Douro e Vouga, CH Médio Ave,
CH Nordeste, CH Póvoa de Varzim | V. Conde, CH Tâmega e
CH Nordeste, CH Póvoa de Varzim | V. Conde, CH Tâmega e
Sousa, CH Trás-os-Montes e Alto Douro, CH V. Nova de Gaia e
Sousa, CH Trás-os-Montes e Alto Douro, CH V. Nova de Gaia e
Espinho, Hospital de Braga | Escala Braga, Hospital de S. João,
Espinho, Hospital de Braga | Escala Braga, Hospital de S. João,
Hospital Santa Maria Maior (Barcelos), ULS Alto Minho, ULS
Hospital Santa Maria Maior (Barcelos), ULS Alto Minho, ULS
Matosinhos, ACeS Gondomar, ACeS Porto Ocidental
Matosinhos, ACeS Gondomar, ACeS Porto Ocidental
Secretariado
Secretariado
Rua da Boavista, 827 | 4050 Porto
Rua da Boavista, 827 | 4050 Porto
E-mail: [email protected]
E-mail: [email protected]
Tel.: 925542332 | 226089900 - Ext 3188
Tel.: 925542332 | 226089900notícias
- Ext 3188
133
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
A Grande Desilusão
Ela sempre foi a menina alegre e brincalhona da rua. Orgulhava-se de conhecer
toda a gente, e não perdia nenhum dos preparativos das festas da padroeira ou dos
ensaios para as marchas de São Pedro. Tinha lá vivido dez anos até ser internada no
grande hospital da cidade. Transferida com suspeita de trombose pulmonar, rapidamente generalizada. Foram semanas de prognóstico incerto, com muitas dúvidas colocadas
na melhor abordagem, mas seis meses mais tarde, a mãe foi informada que o provável
síndrome antifosfolipidico catastrófico estaria estabilizado, e poderia reiniciar as suas
rotinas.
Que histórias incríveis ela iria contar a todos, nem conseguia esperar.
Mas, na aldeia uma história paralela corria….de uma pneumonia inicial, passou
para um sangue contaminado que se foi estendendo pelo corpo e a teria paralisado,
podendo a qualquer altura voltar.
Na manhã seguinte entrou na camioneta que levava as crianças da aldeia à escola,
e não ouviu as palmas ou as saudações de alegria que mil vezes imaginara, e muito
menos conseguiu perceber porque é que todos colocavam a mochila a ocupar o assento
do lado, não lhe dando lugar…
A mãe, ao ver a sua tristeza, foi falar com o director de turma, que teve uma excelente ideia…E se ela começasse a ter aulas em casa?
Margarida Guedes1
__________
1
Serviço de Pediatria, Hospital de Santo António,
CHPorto
134
pequenas histórias
short stories
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
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A Revista NASCER E CRESCER dirige-se
a todos os profissionais de saúde com interesse
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clínicos e artigos de opinião. Os artigos propostos
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casos clínicos devem ser exemplares, devidamente
estudados e discutidos e conter uma breve introdução, a descrição do(s) caso(s) e uma discussão
sucinta que incluirá uma conclusão sumária. As
abreviaturas utilizadas devem ser objecto de especificação anterior. Não se aceitam abreviaturas
nos títulos dos trabalhos. Os parâmetros ou valores
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WHO, 1977), utilizando para tal as respectivas abreviaturas adoptadas em Portugal. Os números de 1 a
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Bibliografia: As referências devem ser classificadas e numeradas por ordem de entrada no
texto, com algarismos árabes. Os números devem
seguir a ordem do texto, e ser colocados superiores à linha. Serão no máximo 40 para artigos
originais e 15 para casos clínicos. Os autores devem verificar se todas as referências estão confor-
mes aos Uniform Requirements for Manuscript
submitted to biomedical journals (www.nlm.nih.
gov/bsd/uniform_requirements.html) e se utilizam
os nomes abreviados das publicações adoptadas
pelo Índex Medicus. Os autores devem consultar
a página NLM’s Citing Medicine relativamente às
recomendações de formato para os vários tipos de
referência. Seguem-se alguns exemplos:
a) Revistas: listar os primeiros seis autores,
seguidos de et al se ultrapassar 6, título
do artigo, nome da revista (utilizar as abreviaturas do Index Medicus), ano, volume e
páginas. Ex.: Haque KN, Zaidi MH SK,et al.
Intravenous Immunoglobulin for prevention
of sepsis in preterm and low birth weight infants. Pediatr Infect Dis 1986; 5:622-65.
b) Capítulos em livros: nome(s) e iniciais do(s)
autor(es) do capítulo ou da contribuição.
Nome e iniciais dos autores médicos, título
do livro, cidade e nome da casa editora, ano
de publicação, primeira e última páginas do
capítulo. Ex.: Phillips SJ, Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner
BM, editors. Hypertension: pathophysiology,
diagnosis, and management. 2nd ed. New
York: Raven Press; 1995. p. 465-78.
c) Livros: Nome(s) e iniciais do(s) autor(es).
Título do livro. Número da edição. Cidade e
nome da casa editora, ano de publicação e
número de página. Ex.: Berne E. Principles
of Group Treatment. New York: Oxford University Press, 1966:26.
Figuras e Quadros: Todas as ilustrações
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135
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 2
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136
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9- Acknowledgements; 10- Highlights.
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contain the title in Portuguese and English. The
title should be concise and revealing. A separate
page should contain name(s) degree(s), the authors’ professional affiliations, the name and the
contact details of the corresponding author (postal
address, electronic address and telephone), and
the name of the Institutions where the study was
performed.
Abstract and Key-words: The abstract
should be written in the same language of the text
and always in Portuguese and English, provide on
a separate page of not more than 250 words for
original papers and a 150 words for case reports.
For original papers the abstract should consist of
four paragraphs, labelled Background, Methods,
Results and Conclusions. Review articles should
obey the following: Introduction, Past landmarks
and Present developments and Conclusions. Case
report abstracts should contain an Introduction,
Case report and Discussion/Conclusions. Do not
use abbreviations. Each abstract should be followed by the proposed key-words in Portuguese
and English in alphabetical order, minimum of three
and maximum of ten. Use terms from the Medical
Subject Headings from Index Medicus (MeSH).
Text: The text may be written in Portuguese,
English, French or Spanish. The original articles
should contain the following sections: Introduction; Material and Methods; Results; Discussion
and Conclusions. The structure of review articles
should include: Introduction, Past landmarks and
Present developments and Conclusions. The case
reports should be unique cases duly studied and
discussed. They should contain: a brief Introduction, Case description and a succinct Discussion
or Conclusion. Any abbreviation used should be
spelled out the first time they are used. Abbreviations are not accepted in the titles of papers. Parameters or values measured should be expressed
in international (SI units, The SI for the Health
Professions, WHO, 1977), using the corresponding abbreviations adopted in Portugal. Numbers 1
to 10 should be written in full, except in the case
of decimals or units of measurements. Numbers
above 10 are written as figures except at the beginning of a sentence.
References: References are to be cited in the
text by Arabic numerals, and in the order in which
they are mentioned in the text. They should be limited to 40 to original papers and 15 to case reports.
The journal complies with the reference style in the
Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals (www.nlm.nih.gov/
bsd/uniform_requirements.html). Abbreviate journal
titles according to the List of Journals Indexed in Index Medicus. Authors should consult NLM’s Citing
Medicine for information on its recommended formats for a variety of reference types. The following
details should be given in references to (a) journals,
(b) chapters of books by other authors, or (c) books
written or edited by the same author:
a) Journals: Names of all authors (except if there
are more than six, in which case the first three
are listed followed by “et al.”), the title of the
article, the name of the journal (using the abbreviations in Index Medicus), year, volume
and pages. Ex: Haque KN, Zaidi MH SK,et al.
Intravenous Immunoglobulin for prevention of
sepsis in preterm and low birth weight infants.
Pediatr Infect Dis 1986; 5:622-65
b) Chapters of books: Name(s) and initials of the
author(s) of the chapter or contribution cited.
Title and number of the chapter or contribution. Name and initials of the medical editors,
title of book, city and name of publisher, year
of publication, first and last page of the chapter. Ex: Phillips SJ, Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner BM,
editors. Hypertension: pathophysiology, diagnosis, and management. 2nd ed. New York:
Raven Press; 1995. p. 465-78.
c) Books: Name(s) and initials of the author(s).
Title of the book. City and name of publisher,
year of publication, page. Ex: Berne E. Principles of Group Treatment. New York: Oxford
University Press, 1966:26.
Tables and Figures: All illustrations should
be in digital format of high quality. Each table
and figure should be numbered in sequence,
in the order in which they are referenced in the
text. They should each have their own page and
bear an explanatory title and caption when necessary. All abbreviations and symbols need a
caption. If the illustration has appeared in or has
been adapted from copyrighted material, include
full credit to the original source in the legend and
provide an authorization if necessary. Any patient photograph or complementary exam should
have patients’ identities obscured and publication should have been authorized by the patient
or legal guardian.
The total number of figures or tables must
not exceed eight for original articles and five for
case reports. Figures or tables in colour, or those in
excess of the specified numbers, will be published
at the authors’ expense in the paper version
Acknowlegments: All authors are required
to disclose all potential conflicts of interest.
All financial and material support for the research and the work should be clearly and completely identified in an Acknowledgment section of
the manuscript.
Highlights: They should include two to four
short sentences that summarize the results and
conclusions, highlighting the most important message of the work. These should be written in Portuguese and English.
Modifications and revisions: If the paper
is accepted subject to modifications, these must be
submitted within fifteen days of notification. Proof
copies will be sent to the authors in electronic form
together with an indication of the time limit for revisions, which will depend on the Journal’s publishing schedule. Failure to comply this deadline will
mean that the authors’ revisions may not be accepted, any further revisions being carried out by
the Journal’s staff.
Vol. 19, nº 2, Junho 2010
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