PSICOLOGIA ANALÍTICA E FÍSICA QUÂNTICA INTEGRANDO

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PSICOLOGIA ANALÍTICA E FÍSICA QUÂNTICA INTEGRANDO
PSICOLOGIA ANALÍTICA E FÍSICA QUÂNTICA
INTEGRANDO PSIQUE E MATÉRIA NA NOVA
CIÊNCIA
Mércia Melo Silva
Resumo: O presente artigo se propõe a divulgar e a colaborar no entendimento do
paradigma da nova ciência, o qual ainda não foi claramente assimilado pela
consciência coletiva e se forma a partir das descobertas da física quântica e dos
conceitos de inconsciente coletivo e dos arquétipos, estudados pela psicologia
analítica de Carl Gustav Jung.
“Uma cosmovisão é uma hipótese e não um artigo de fé.
O mundo modifica a sua face – “tempora mutantis et nos
in illos” (os tempos mudam e nós com eles) pois, só
podemos apreender o mundo em uma imagem psíquica, e
nem sempre é fácil decidir quando a imagem muda: se foi
o mundo que mudou ou fomos nós, ou uma coisa e outra.
A imagem do mundo pode mudar a qualquer tempo, da
mesma forma como o conceito que temos de nós próprios
também pode mudar. Cada nova descoberta, cada novo
pensamento pode imprimir uma nova fisionomia ao
mundo. É preciso termos isto diante dos olhos, senão, de
repente, ver-nos-emos em um mundo antiquado, que é ele
próprio, um resto ultrapassado de níveis inferiores de
consciência.” (Jung, 1984)
No alvorecer do século XX parecia ao mundo ocidental que
todos os mistérios tinham sido desvendados. A visão de mundo segundo
a física newtoniana era de uma clareza reconfortante. Charles Darwin
explicava a origem das espécies, Karl Marx descobria as leis que regem
o desenvolvimento das sociedades, Sigmund Freud trazia à luz o
obscuro mundo do inconsciente, para o domínio da pesquisa cientifica,
ao demonstrar que os fenômenos psíquicos inconscientes, mesmo os
mais bizarros, estavam sujeitos às leis da causalidade. Dessa maneira, a
física moderna manteve a concepção construída pela física clássica, a
qual parecia absolutamente inquestionável até os fins do século XIX.
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Na Primeira metade do século XX, nossa compreensão do
universo foi “virada de pernas para o ar”. As antigas teorias clássicas da
física foram substituídas por uma nova maneira de olhar o mundo – a
mecânica quântica. Esta se revelava em flagrante desacordo, sob
vários aspectos, com as idéias propostas pela visão clássica, o que
logicamente, a colocava em desacordo com o nosso senso comum. No
entanto, essas novas teorias revelavam extraordinário sucesso em prever
o comportamento observado dos sistemas físicos.
A partir daí começaram a surgir “brechas” no clássico conceito
determinista: nem sempre os átomos comportavam-se de acordo com as
leis causais. Alguns fenômenos no campo da microfisica passaram a ser
estudados à luz das leis estatísticas – lei das probabilidades.
Albert Einstein provou que matéria e energia são equivalentes;
verificou-se que a luz apresenta, simultaneamente, os caracteres de onda
e de partícula; o tempo deixou de ser uma grandeza absoluta e se tornou
absolutamente relativo; opostos, até então irredutíveis e excludentes,
tornaram-se complementares. A teoria quântica passou a descrever o
comportamento das partículas subatômicas, em termos de distribuições
de probabilidades e verificou que a observação real das partículas
individuais, ocorre alheatoriamente dentro dessas distribuições. Que
revolução!
Assim, a mecânica quântica que, segundo Alfranc, tem
contribuído para o desenvolvimento dos microchips, do laser e
possibilitou a descoberta do DNA, nos apresenta novos parâmetros, os
quais ainda não conseguimos assimilar, devido à força do
“condicionamento” da visão newtoniana.
Temos agora, ao invés de determinismo, o principio da
incerteza de Heisenberg - “não podemos medir ao mesmo tempo o
„momentum„, ou seja, a velocidade de uma partícula, a quantidade de
movimento e a posição de um objeto quântico”. Isto porque, no nível
quântico, os objetos não existem independentemente uns dos outros,
mas se encontram interconectados numa teia, como foi desenvolvido
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pelo Teorema de Bell em 1964 e, posteriormente demonstrado pelo
experimento de Aspect em 1982. (Rocha Filho, 2005 in Alfranc)
No novo paradigma, o observador não se mantém “neutro”
como se acreditava, mas, interfere na natureza do fenômeno objetivo –
o estado partícula ou onda se define a partir da observação. Cai por
terra, o mito da “neutralidade cientifica”.
Segundo o principio de complementaridade de Bohn, onda e
particula são maneiras complementares do objeto quântico se
apresentar, embora sejam mutuamente excludentes. Isto significa que,
quando uma medição (observação) é feita, percebe-se o objeto em
apenas um estado possível. A isto se dá o nome de colapso de função
de onda, e nos remete ao fato de que observar é interagir – o objeto
deixa de ser aquilo que era, a partir da interação, ou seja, deixa de estar
numa superposição de todos os estados possíveis, (uns mais prováveis
que outros) e se apresenta num único estado no momento da medição
(observação). É importante salientar que, em termos quânticos, um
estado descreve a condição de um sistema físico e este é o conceito
básico da teoria quântica – a melhor descrição que se pode ter do
mundo real.
Na nova ciência, portanto, a visão mecanicista e objetiva da
realidade, cede lugar a uma visão holística, que inclui o que está sendo
observado, o contexto em que ocorre a observação, bem como o
observador. A consciência assume aqui, um papel interativo: não há
realidade objetiva, independente da interferência da consciência do
observador.
Este novo paradigma nos confirma a existência de uma realidade
quântica subjacente, que se expressa na realidade macrofisica: “quem
tem olhos para ver...e ouvidos para ouvir...”. Infelizmente, a consciência
coletiva ainda se encontra aprisionada nos parâmetros clássicos,
resistindo à compreensão das consequências da existência dessa outra
realidade.
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Na psicologia, por exemplo, quando Freud falou da existência
do inconsciente, desferiu um golpe difícil de ser assimilado, mas como
ele se deteve na descrição do inconsciente pessoal, a noção pôde ser
englobada ainda dentro dos parâmetros conhecidos, da perspectiva
determinista causal. Assim, o que ocorrera no passado de um individuo
(e se mantinha inconsciente), poderia ter efeito determinante na situação
atual de sua existência. Poderíamos, então, tornar consciente o conteúdo
recalcado (por meio da psicanálise) e, com isso, permanecer no
comando da situação. Até aí, portanto, dava para aceitar.
No entanto, a mente humana (psique) está fora do mundo
material, (que é governado pelas leis da mecânica clássica) e, por isso,
não se restringe a essas leis. “Temos a habilidade de ver as coisas, por
exemplo, como só nós podemos; não podemos escolher o que vemos,
mas aquilo que vemos se torna realidade no mundo, (ao menos
enquanto estamos observando). Assim, quando encerramos a nossa
observação, o mundo pode novamente adentrar em sua condição de
estados misturados” (Gilmore, 2000).
Segundo Jung, as teorias psicológicas são nada mais nada menos
do que auto-confissões de seus autores, pois as idéias verdadeiramente
significativas têm sempre origem nas profundezas da psique. Assim,
toda experiência, mesmo quando realizada nas melhores circunstâncias,
se constitui de, pelo menos, 50% de interpretação subjetiva. Por outro
lado, o sujeito é também um fato objetivo, um pedaço de mundo e
aquilo que vem dele vem, em última instância, da própria substância do
mundo.
Estas idéias de Jung, que levantariam veementes protestos há 60
anos atrás, já não causam efeitos dramáticos, depois que nos vamos
habituando ao novo olhar da ciência pós-moderna.
Ao mesmo tempo em que a física foi descobrindo a existência
do fenômeno quântico, Jung foi descobrindo e conceituando a
existência de uma instância que ia além do inconsciente pessoal descrito
por Freud e se ampliava em direção às experiências de toda a
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humanidade. Diferente do inconsciente pessoal, essa instância à qual
chamou de inconsciente coletivo, não deve sua existência às
experiências pessoais.
Da mesma forma que ocorre na realidade quântica, a realidade
da psique “colapsa”, ou seja, se define na realidade macrofisica – a
consciência se forma a partir do inconsciente. Assim, também a
psicologia constata que, subjacente à realidade consciente há uma
realidade muito mais ampla, anterior, que dá origem à consciência.
Quando nos referimos ao inconsciente coletivo, não podemos
deixar de falar nos arquétipos – que se constituem como centros
neuropsíquicos, que têm a capacidade de iniciar, controlar e medir
comportamentos característicos e experiências comuns a todos os seres
humanos.
Jung desenvolveu a noção de arquétipo desde 1912, quando se
referia a imagens primordiais. Em 1919, conceituou o arquétipo como
sendo a auto-percepção do instinto, dando sua elaboração final em
1947. Passa a compreender o arquétipo como um fator de organização
bipolar, psíquico e físico, que se expressa por meio de imagens
simbólicas (Jung, 1981). Símbolo, aqui, deve ser compreendido como a
expressão de algo totalmente novo para a consciência. Por meio de
símbolos, os arquétipos se expressam na polaridade psíquica como
imagens oníricas, fantasias, projeções, transferências e sintomas
psíquicos e, coletivamente, nos mitos, lendas, nas religiões e nas
artes.
Na polaridade física, os símbolos se manifestam nas vivências
corporais e nos sintomas físicos. Isto significa que, nos arquétipos, se
encontra o potencial para o desenvolvimento psíquico e corporal, que
poderá ser atualizado de acordo com as situações dadas.
É importante salientar que os arquétipos representam, (para falar
na linguagem do novo paradigma), probabilidades. No inconsciente
coletivo existem inúmeras possibilidades (arquétipos). Durante o
desenvolvimento da consciência são consteladas algumas possibilidades
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e, no interjogo de feedback, algumas vão se definindo e se atualizando
na realidade consciente enquanto que na realidade inconsciente, outras
probabilidades vão se formando. “Dessa forma, o destino vai sendo
forjado; uma mudança na consciência altera o encaminhamento das
probabilidades consteladas no inconsciente”. (Alfranc, 2006).
A conscientização do material simbólico arquetípico traz para o
indivíduo, a possibilidade de escolher e é, nesse momento, que ele
exerce, verdadeiramente, o livre arbítrio podendo, portanto, alterar
aquilo que se constela no inconsciente, a cada momento.
Segundo Carol (in Silveira, 1981), quando a física quântica
chegou ao irrepresentável nas partículas elementares (que constituem
toda a matéria do universo), precisou incorporar à sua pesquisa (até
então supostamente objetiva), o elemento subjetivo do observador.
Jung, por sua vez, por meio da pesquisa da psique humana chegou à
mesma questão do irrepresentável, a partir da descoberta dos arquétipos.
A exploração em profundidade do inconsciente levou Jung ao
curioso achado de que os mais universais símbolos do Self (si mesmo),
pertencem ao reino mineral; são eles: “a pedra preciosa” e o “cristal”
(substância de estrutura geométrica exata por excelência). Segundo Von
Franz (in Silveira, 1981), o fato de que o símbolo mais elevado e mais
freqüente do Self (eu quântico), pertença à matéria inorgânica, abre
novo campo à investigação e à especulação. Refiro-me às relações ainda
desconhecidas entre aquilo que chamamos psique inconsciente e aquilo
que chamamos matéria.
Dessa maneira, a psicologia, na sua investigação das camadas
mais profundas da psique encontra a matéria, ao mesmo tempo em que
a física, nas suas pesquisas mais refinadas sobre a matéria, encontra a
psique.
Portanto, a psicologia profunda de Jung, ao estudar a natureza
subjetiva da psique, chegou à realidade objetiva dos arquétipos. E,
estando o arquétipo, como vimos, na origem da psique e da matéria,
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encontra-se, também na origem da estrutura básica do universo, o que
nos autoriza a dizer que psique é universo, universo em potencial.
Para concluir, esperamos com este artigo, contribuir para o
conhecimento e compreensão deste tema, tão instigante e atual, que nos
convoca a repensar a realidade em que vivemos e, principalmente,
resgatar a psicologia analítica de Carl Gustav Jung para o âmbito
acadêmico.
REFERÊNCIAS
AUFRANC, A.L – A dimensão espiritual na atualidade – Junguiana nº.
22, São Paulo: Paulus, 1982.
___________ – A psique e o universo - Junguiana nº. 24, São Paulo:
Paulus, 1983.
BOHN, D – A totalidade e a ordem implicada – São Paulo: Cultrix,
1980.
GOSWAMI, A – O universo auto-consciente: como a consciência cria o
mundo material - Rio de Janeiro: Rosa dos Ventos, 2000.
GILMORE, Robert – Alice no País do Quantum – Rio de Janeiro:
Zahar editores, 2000.
JUNG, C.G – A natureza da psique – Petrópolis: Vozes, 1984
__________ – O segredo da flor de ouro – Petrópolis: Vozes, 1994
ROCHA FILHO, J.B – Física e psicologia: as fronteiras do
conhecimento cientifico – Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.
SILVEIRA, Nise – Jung: vida e obra – Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1981.
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