Leia ou baixe todos os artigos do Professor

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Leia ou baixe todos os artigos do Professor
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Crise pode ter fim em 18 meses,
estima bloco
DA REDAÇÃO
Os líderes da Apec (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico),
grupo de 21 países que conta com EUA, Japão e China,
disseram ontem que a crise global poderá ser superada em 18
meses. Reunidos em Lima (Peru), eles, porém, não deram
detalhes de como isso será alcançado.
"Nós já tomamos medidas extraordinárias e urgentes para
estabilizar nossos setores financeiros e reforçar nosso
crescimento econômico", disse o bloco em nota.
Mas mesmo entre alguns dos líderes que participaram do
encontro no Peru há dúvidas de que a crise global possa ser
vencida já em meados de 2010. Para o presidente mexicano,
Felipe Calderón, o prazo é mais uma estimativa do que uma
previsão. E o primeiro-ministro canadense, Stephen Harper,
foi mais além. "Eu acho que seria especulação se
comprometer com esse tipo de prazo."
Os líderes reafirmaram o compromisso contra novas
barreiras para investimentos e comércio exterior, em um
momento em que "o risco de menor crescimento mundial
pode levar a pedidos de medidas protecionistas".
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MARCOS CINTRA
O começo e o fim
Deixo de escrever neste espaço
porque passarei a integrar o
secretariado do prefeito Gilberto
Kassab
O ESCRITOR italiano Cesare Pavese descreveu com exatidão um prazer que usufruí
durante mais de cinco anos através desta coluna na Folha. Disse ele: "É bom escrever
porque reúne duas alegrias: falar sozinho e falar a uma multidão".
Esse prazer, infelizmente, será interrompido, ainda que por efeito de outra grande
satisfação: a de servir ao governo de minha cidade na condição de auxiliar direto do
prefeito Gilberto Kassab, que me honrou com o convite para ser seu secretário. Pelas
regras editoriais da Folha, detentores de cargos no Poder Executivo não podem manter
colunas fixas no jornal.
Portanto aproveito este espaço, e do qual abuso pela última vez, para agradecer a meus
estimulantes editores e a meus tolerantes leitores. Nunca tive a pretensão de ensinar,
mas tenho absoluta certeza de que o exercício periódico de ser um comentarista
econômico me fez aprender bastante, ainda que muito menos do que o necessário para
me igualar aos fantásticos economistas que, ao longo dos anos, dividiram comigo este
espaço privilegiado.
Foram mais de uma centena de artigos sobre os mais variados assuntos. Falei sozinho, e
com todos, sobre política, sobre erros e acertos de vários governos, e sobre a teoria e a
prática da lúgubre ciência, a economia ("the dismal science").
Mas desejo sair de cena reafirmando minha crença inabalável no bom senso que um dia
irá prevalecer na questão tributária, com a aprovação do Imposto Único sobre
Transações Financeiras. Foi o tema que representou, para mim, a alegria da descoberta,
ou a insolência da novidade, como o saudoso senador Roberto Campos o descreveu em
um de seus memoráveis artigos nesta mesma Folha.
A ousadia de enfrentar os velhos paradigmas tributários foi estimulada pelo inigualável
suporte que recebi do saudoso publisher da Folha, Octavio Frias de Oliveira. Se me
tornei um iconoclasta, penitenciado pela convicção do acerto da causa, foi em grande
parte pela oportunidade proporcionada por esta coluna, que ele generosamente me
ofereceu. E mais ainda pela reconfortante sensação de saber que um dos homens mais
perspicazes e sinceros que conheci manifestou inúmeras vezes seu apoio à tese do
Imposto Único que, preciso confessar, ele inspirou e ajudou a formular.
Aproveito esta despedida para dizer que terminarei em breve mais um ciclo de reflexões
e de pesquisas quantitativas sobre o Imposto Único, tese nascida na Folha através do
artigo "Por uma revolução tributária", publicado em janeiro de 1990. Simulações sobre
o impacto de diferentes modelos tributários na economia brasileira mostrarão
irretorquivelmente que o mito da cumulatividade e de seus malefícios precisa ser
repensado com maturidade e espírito crítico.
E que urge reconsiderar o preconceito nascido entre nós contra a tributação sobre
movimentação financeira, que Vito Tanzi, um dos maiores tributaristas do mundo,
considerou como uma das duas grandes inovações tecnológicas tributárias ocorridas no
século passado. Espero que este novo esforço para romper as unanimidades fáceis e
popularescas acerca da questão tributária brasileira seja repercutido nas páginas deste
mesmo jornal que vem me acolhendo com tanta fidalguia, em diferentes condições,
desde 1983.
Valeu.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 63, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003).
Internet: www.marcoscintra.org
[email protected]
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Internet vira aposta do varejo no
Natal
Crise ameaça consumo, mas preço e pagamento do
comércio eletrônico devem atrair mais clientes para lojas
virtuais
Estimativas indicam vendas on-line de R$ 1,35 bilhão na
semana do Natal e alta de 25%; expansão prevista era de
40% antes da crise
JULIO WIZIACK
DA REPORTAGEM LOCAL
Grupos varejistas com lojas no mundo real e no virtual estão
contando mais do que nunca com o braço eletrônico de sua
operação para aumentar o faturamento na semana do Natal,
mesmo diante da crise financeira. Estimativas da consultoria
e-bit indicam que, entre 15 e 24 de dezembro, as vendas online chegarão a R$ 1,35 bilhão, 25% superiores às do mesmo
período de 2007. Apesar do otimismo, previa-se que o índice
seria de 40% antes de a crise atingir a economia real.
"Os brasileiros estão preocupados, mas irão às compras", diz
Pedro Guasti, presidente da e-bit. Pesquisa do Provar
(Programa de Administração de Varejo) da FIA-USP mostra
que, neste Natal, 21% dos consumidores comprarão pela
rede, contra 11,6% no de 2007.
Segundo Paula Carvalho Pereda, pesquisadora do Provar, a
intenção de compra pela internet quase dobrou, enquanto no
varejo tradicional praticamente não houve alteração. "Só
74% dos consumidores pretendem fazer compras nas lojas
tradicionais neste ano, contra 73,8% em 2007", diz Pereda.
Nesse mesmo período, o número de consumidores
eletrônicos passou de 9,5 milhões para 13 milhões,
crescimento de 37%. A receita prevista para este ano é de R$
10 bilhões, contra os R$ 6,3 bilhões registrados em 2007.
"Hoje 25% dos internautas compram pela rede", afirma
Guasti. Há três anos, esse índice não chegava a 10%.
Comodidade e preço
Vários motivos explicam a preferência dos consumidores
pelo varejo eletrônico. O primeiro é prático. "Não tenho
tempo e as lojas nesta época ficam lotadas", diz Manoel
Netto, gerente de uma empresa de criação de produtos.
"Pesquisei produtos e preços e já escolhi tudo. Entregam na
minha casa, com embalagem especial."
Mas é o preço a principal atração da internet. Segundo o
Provar, algumas categorias apresentam deflação nos últimos
12 meses, queda que não ocorre no varejo convencional.
A pesquisa do Provar revela que, no acumulado do ano, as
maiores quedas foram as de aparelhos celulares (19,93%),
seguidas pelas de eletroeletrônicos (12,72%) e bens de
informática (11,85%). Há dois anos, CDs, livros e DVDs
tinham mais saída pela internet. "Agora são eletrônicos e
bens de informática," diz Guasti.
Além disso, as facilidades de pagamento pela internet são
maiores. "Boa parte dos produtos mais caros continua sendo
parcelada em até 12 vezes", afirma Guasti. "No varejo
tradicional dá para pagar em até seis vezes no cartão de
crédito. Dez vezes já é difícil de achar."
No Extra.com, a previsão é que os eletrônicos respondam por
até 70% das vendas no Natal. "Esperamos dobrar o
faturamento deste Natal", diz Oderi Leite, diretor do
Extra.com. "Vamos monitorar a concorrência com uma
ferramenta eletrônica e responderemos às promoções na
velocidade de um clique no mouse" diz Leite.
As previsões de vendas na internet são otimistas porque os
produtos deverão ter aumento só no próximo trimestre. As
dificuldades de crédito, no entanto, também se repetem na
rede.
Carlos Montenegro, sócio da Sack's, loja virtual de perfumes
e cosméticos importados, afirma que fornecedores tinham
estoque e não repassaram a variação cambial.
Mas, segundo ele, está mais caro oferecer o parcelamento. A
venda em até 12 vezes está mantida, mas, no mercado, houve
uma alta dos juros de 1,40% ao mês para 1,80% a quem vai
tomar financiamento para capital de giro. Para compensar,
uma saída é vender produtos mais baratos do que no mundo
real. Na Sack's, a diferença é de 15%.
Essa política comercial não chega a ser uma competição
entre o "real" e o "virtual". Afinal, as vendas pela internet
não chegam a 3% do total do comércio. Mas, em alguns
casos, essa atuação faz muita diferença.
Além disso, a maior parte das grandes lojas virtuais pertence
a grupos do mundo real. A Americanas, por exemplo,
faturou no terceiro trimestre R$ 1,7 bilhão. O braço
eletrônico do grupo, a B2W (Americanas.com, Submarino e
Shoptime), obteve receita de R$ 1,1 bilhão. Há nove anos, a
Americanas.com não respondia por 2% da receita do grupo.
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MARCOS CINTRA
Depois da tormenta
O ambiente econômico é negativo,
uma vez que os mercados reais já
foram contaminados pela crise
UMA TEMPESTADE , ou um incêndio, é terrível. Mas o pior pode vir depois, em seu
rescaldo. A atual crise financeira semeou o pânico em todos os mercados do mundo. A
globalização e os misteriosos instrumentos financeiros criados nas últimas décadas
fizeram um trabalho de quase completa destruição da credibilidade das instituições
financeiras mundiais.
Felizmente, tudo indica que esse tempo passou. Mas fica uma esteira de destruição de
valores por todo o espaço econômico global.
Cabe agora juntar os cacos e avaliar o que o futuro nos reserva.
Inicialmente, cabe apontar que, apesar de a violência do olho do furacão já haver se
dissipado, o ambiente econômico é alarmantemente negativo. A crise financeira já
contaminou os mercados reais. A falta de crédito, o entesouramento de valores e a
suspensão dos investimentos já comprometeram o crescimento econômico futuro pela
via dos canais de comércio e de transferências de capitais. A virulência da recessão que
se avizinha já assusta as economias de todo o mundo desenvolvido, e a expectativa
otimista de que os países emergentes seriam capazes de sustentar, ainda que
fragilmente, a economia mundial torna-se cada dia mais irrealista.
Nesse terreno desolado existe apenas a sensação confortadora de que a pronta ação das
autoridades econômicas em todo o mundo foi capaz de controlar o pânico. Balões de
oxigênio contendo pura liquidez foram distribuídos abundantemente, mas, como alertou
Anna Schwartz, em entrevista recente, o problema fundamental pode estar alhures, ou
seja, na perda de credibilidade do sistema quanto à sua solvência. Reconstruir esse
monumental edifício pode levar décadas.
O que esperar daqui para a frente? Certamente haverá um período de acomodação dos
mercados, como o que estamos adentrando no momento. Os fundamentos econômicos
passarão a ser reavaliados, e as oportunidades de investimento serão timidamente
avaliadas nos próximos seis meses a um ano. Os primeiros balanços e demonstrações de
lucros e perdas após a tormenta ainda irão assombrar os mercados e os investidores. A
volatilidade e a incerteza irão prevalecer, porém dentro de faixas estreitas e mais
racionais. Essa deverá ser a marca dos meses à frente. Determinar valor de qualquer
ativo será uma tarefa difícil e altamente arriscada. Será a hora das oportunidades,
quando surgirão os vencedores dessa crise, e quando o mundo estará escolhendo seus
novos jogadores estratégicos.
Mas, como afirmei no início, o pior será o rescaldo. Como o mundo irá drenar a
crescente liquidez que alaga os mercados mundiais? Como evitar as pressões
inflacionárias que surgirão? Como refluir os capitais públicos que invadiram os "board
rooms" das empresas em todo o mundo? Como evitar que a intervenção estatal,
necessária no momento como um típico "bem público", seja confundida com a
estatização da gestão e com os ultrapassados métodos de produção centralizados? Como
reconquistar credibilidade para o mercado e permitir que ele continue sendo o melhor
mecanismo gerador de riqueza já usado pela humanidade? Como administrar o
crescente endividamento do setor público e evitar o crescimento da carga tributária?
Que blindagens contra futuras crises serão erigidas e que restrições ao crescimento
econômico elas poderão implicar? Não temos respostas para essas dúvidas. O futuro
será um emocionante desenrolar de novos desafios.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 63, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
[email protected]
Frase
"Não é loteamento de cargo, não é apadrinhamento. Aliás, o meu perfil, graças a Deus,
sempre foi muito técnico. Vou levar pessoas que eu acho que têm uma colaboração
efetiva a dar"
MARCOS CINTRA
indicado para ocupar a Secretaria do Trabalho de Kassab
MARCOS CINTRA
No olho do furacão
A única opção é a compra de
participação acionária dos bancos
pelos tesouros dos países envolvidos
A CRISE financeira de 2008 pode ser explicada de forma bastante simples. Ela decorre
do descasamento entre o valor dos títulos financeiros em circulação e o valor do lastro
garantidor, como bens imobiliários e outros ativos. Durante anos, o estoque de crédito
cresceu a taxas elevadas, e o lastro desse espantoso crescimento financeiro aumentou
concomitantemente, impulsionado principalmente pelo mercado imobiliário americano.
Mas a bolha nos preços dos ativos imobiliários estourou quando os mutuários
começaram a tornar-se inadimplentes. Os financiamentos cresceram mais que a renda
dos mutuários, e o valor de mercado das garantias caiu. Os títulos lastreados por esses
imóveis tornaram-se ativos podres. Como haviam sido vendidos e refinanciados pelos
"hedge funds" em todo o mundo, sem limites e com precária regulamentação, as perdas
alastraram-se rapidamente. Para ter uma idéia, o BIS (Banco para Compensações
Internacionais) registra, em dezembro de 2007, o absurdo volume de US$ 596 trilhões
em contratos de derivativos, duas vezes o montante verificado no mesmo mês de 2005.
Foi uma crise previsível, na medida em que o processo de descasamento ocorreu ao
longo dos últimos dois anos, e não foram poucos os alertas emitidos por alguns
especialistas. Mas eles foram ignorados pelas autoridades financeiras norte-americanas,
entusiasmadas com a prosperidade do período.
Teoricamente, há duas soluções: 1) sustentar os preços das garantias, principalmente
dos ativos imobiliários, para tornar possível o início de um penoso, porém ordenado,
processo de desalavancagem financeira, ou 2) deixar os títulos perderem valor até que o
equilíbrio entre crédito e garantias seja restabelecido.
A primeira alternativa já foi perdida pelas autoridades norte-americanas, pois pouco foi
feito para sustentar os mutuários inadimplentes e preservar o valor de mercado dos
imóveis. Isso poderia ter sido feito mediante amplo programa público de
refinanciamento de hipotecas.
A segunda alternativa está em curso: deixar os ativos perderem valor, gerando perdas
nos balanços do setor financeiro. Isso, contudo, contamina o mercado real por causa da
perda de confiança no setor financeiro, da conseqüente queda de liquidez e da severa
restrição de crédito à produção e ao comércio. As engrenagens da economia param de
girar por falta de lubrificação.
Os líderes das principais economias se reuniram no fim de semana nos EUA para
encontrar soluções para o pânico que se instalou nos mercados mundiais. Uma coisa é
certa: não haverá recursos públicos capazes de absorver os agonizantes títulos podres,
nem mesmo se todos os governos dos países ricos se juntarem. A crise agora é de
confiança, e a única alternativa é a compra de participação acionária do setor bancário
pelos tesouros dos países envolvidos. Em face da gravidade do pânico, apenas os
governos são capazes de garantir liquidez e solvência. Nenhuma outra instituição é
capaz de reverter essa maré de desconfiança e sustar uma iminente corrida bancária
mundial.
Espero que, ao ser publicada, esta coluna, escrita na sexta-feira, possa ser seguida de
notícias positivas das autoridades do G7 reunidas no sábado e ontem nos EUA. Com
certeza, as soluções propostas não serão muito diferentes das que estão discutidas aqui.
Mas, se a cúpula do G7 não se entender, e a forte participação estatal no setor bancário
não for decidida rapidamente, há que esperar tempos bicudos à frente.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 63, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
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ARTIGO
Crise ressuscita Minsky
Obra de professor morto em 1996 sobre instabilidade financeira é reeditada nos
EUA
MARCOS ANTONIO CINTRA
DA EQUIPE DE EDITORIALISTAS
A CRISE financeira internacional aumentou o interesse pela obra do professor Hyman
P. Minsky (1919-1996). Seus dois principais livros, publicados inicialmente por editoras
universitárias, foram reeditados pela McGraw-Hill, possibilitando o acesso a uma nova
geração de economistas, analistas e investidores.
Vários analistas têm invocado suas idéias para tentar compreender a natureza da crise
iniciada no mercado americano de hipotecas de alto risco. O colunista do "Financial
Times", Martin Wolf, por exemplo, afirmou: "Eu reli a obra-prima de Minsky,
"Stabilizing an Unstable Economy" [Estabilizando uma economia instável]. (...) Minsky
estava certo. Um longo período de rápido crescimento, baixa inflação, taxas de juros
baixas e estabilidade macroeconômica estimulou a complacência e uma maior
disposição de assumir risco. A estabilidade levou à instabilidade".
Graduado em matemática pela Universidade de Chicago em 1941, Minsky realizou seu
doutoramento em economia na Universidade Harvard, em 1954, onde conviveu com
Alvin Hansen, um dos principais discípulos de John Maynard Keynes nos EUA, com
Joseph Schumpeter e com Wassily Leontief.
A partir de releitura da "Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda", de Keynes,
desenvolveu a "hipótese da instabilidade financeira". Para isso, analisou as decisões de
investimento dos empresários movidas pelas expectativas de ganhos futuros. A
concretização dessas decisões, porém, requer a disponibilidade de recursos financeiros.
As fontes de financiamento podem ser internas (lucros retidos) ou externas (crédito
bancário, ações etc.).
Os recursos externos permitem a expansão dos investimentos além da capacidade das
fontes internas, na expectativa de obtenção de receitas superiores aos custos dos
financiamentos. Trata-se, no entanto, de uma aposta de alto risco. As receitas esperadas
são incertas, mas as dívidas possuem desembolsos predefinidos.
A expansão dos lucros sanciona as projeções passadas e realimenta as expectativas
futuras. Isso contribui para a redução das margens de segurança dos empresários, que
ampliam os investimentos, com maior endividamento.
Tangidos pela busca do lucro em um ambiente de expectativas otimistas, os bancos
reduzem seus critérios de alocação do crédito e elevam a alavancagem (uso de capital de
terceiros para ampliar suas operações). A introdução de inovações financeiras e a sua
rápida difusão e imitação por outras instituições facilitam esse movimento expansivo do
crédito e da liquidez, em geral, por meio de brechas nas restrições impostas pelas
autoridades monetárias.
Com a expansão do endividamento, no entanto, as corporações ficam vulneráveis às
alterações nos fluxos de lucros, nas taxas de juros e de câmbio etc. Quando as
expectativas revertem, as estruturas financeiras construídas durante a euforia revelam-se
insustentáveis. Os bancos procuram reestruturar seus portfólios, buscando ativos mais
líquidos (títulos da dívida pública). Essa estratégia defensiva pode desencadear uma
abrupta contração do crédito e, por conseguinte, falência em diversos segmentos.
Para Minsky, portanto, os períodos de instabilidade financeira resultam do aumento da
fragilidade das estruturas de ativos e passivos dos agentes econômicos, engendrado
durante a fase de prosperidade. O boom econômico, a "exuberância irracional", o
endividamento excessivo, a busca pela liquidez, o pânico são fenômenos endógenos à
própria dinâmica de uma economia monetária.
A fim de conter essa instabilidade intrínseca, faz-se necessária a adoção de regras para
os mercados financeiros, tais como limites à alavancagem dos bancos, à interpenetração
patrimonial entre os agentes financeiros e não-financeiros, à exposição a determinados
setores e investidores etc. Caso contrário, os movimentos de euforia e de pessimismo
tendem a ser exacerbados.
Essa dinâmica, descrita em seus livros, tem aparecido de forma recorrente no
comportamento dos agentes econômicos e reproduzido nas reportagens dos jornais.
Durante o período de crescimento (2002-2006), as famílias e os bancos americanos
assumiram cada vez mais dívidas e mais complexas (inovações financeiras). A
incapacidade de honrar os compromissos e a desvalorização dos imóveis e dos ativos
lastreados nas hipotecas desencadearam o chamado "Minsky moment", em agosto de
2007. Os investidores começaram a vender as hipotecas e seus preços desabaram,
introduzindo uma ampla demanda por moeda. Os bancos centrais foram obrigados a
injetar montanhas de recursos para tentar preservar a liquidez dos mercados.
Infelizmente, não há nenhuma de suas obras editada no país, exceto um artigo publicado
na revista "Economia e Sociedade", do Instituto de Economia da Unicamp ("Integração
financeira e política monetária", 1994). As editoras brasileiras também poderiam
aproveitar esse "momento Minsky" e publicar seus principais livros, facilitando o acesso
de milhares de estudantes de graduação e pós-graduação em economia, administração e
finanças.
MARCOS CINTRA
As eleições de domingo
A política está repelindo o cidadão,
quando deveria convidá-lo para
participar do atual processo eleitoral
NÃO FOSSEM os estímulos da imprensa, as eleições do próximo domingo passariam
quase despercebidas em São Paulo. Na cidade que produz 12% do PIB (Produto Interno
Bruto) nacional, 36% do PIB estadual, e onde estão sendo jogados os lances estratégicos
da sucessão presidencial de 2010, o andamento da campanha dá a impressão de que se
está numa pequena cidade do interior do país.
Estamos longe da excitação democrática que marcou as eleições anteriores. O processo
de escolha dos governantes municipais neste ano ocorre como se fosse um mero
exercício de reflexão pessoal, destituída da presença visual, sonora e midiática dos
candidatos. O único instrumento eleitoral de massa que sobrevive é o horário eleitoral
gratuito, ameaçado pelo crescimento da TV por assinatura.
Isso é bom ou é ruim? Avanço ou retrocesso?
Ambas as coisas.
O lado bom é que os excessos eleitorais praticamente desapareceram na cidade. As
restrições da Lei Cidade Limpa foram assimiladas pela população. A campanha está
mais madura, mais reflexiva e menos teatral. Serenidade e civilidade estão marcando
positivamente o atual processo.
Porém, nem tudo são flores. A essência do processo de livre escolha dos candidatos está
sendo prejudicada pelo excesso de regulamentação. Receio que isso reflita a rejeição da
sociedade brasileira aos políticos. Se isso estiver de fato acontecendo, urge reverter essa
tendência, e dignificar o debate político, sob pena de favorecer os que fazem da política
uma profissão e um meio de vida, em vez de uma contribuição de cada cidadão à
comunidade.
Há restrições a tudo, sempre sob o manto cívico do controle do abuso do poder
econômico. Proíbe-se a distribuição de material publicitário e há excessiva burocracia
na prestação de contas. Restringe-se até o uso da internet, um instrumento de
comunicação moderno, limpo, barato e altamente democrático.
Restam poucas alternativas aos candidatos. A primeira é a campanha boca a boca,
pessoal, olho no olho, a democracia em puro estágio ateniense. Isso, no entanto, é
impraticável numa cidade com 11 milhões de habitantes e durante o prazo de apenas 90
dias. A alternativa restante é o uso da dispendiosa propaganda na mídia impressa. É 8
ou 80.
A Justiça Eleitoral (que, aliás, nem existe nas grandes democracias como os Estados
Unidos) criou no Brasil um sistema híbrido. Há, de um lado, o candidato comum,
condenado à invisibilidade política, incapaz de transmitir sua mensagem, e, de outro, os
atuais detentores de mandatos, ou aos ricos e famosos. Com isso, as poucas
possibilidades que um candidato novo tem para atingir a opinião pública restringem-se
aos jornais e às revistas, cujos anúncios têm custos elevados. A estrutura favorece os
políticos de carreira e dificulta a participação de quem está fora da vida pública. A
renovação e a alternância, valores básicos da democracia, sairão prejudicadas.
A sociedade brasileira deve punir o mau político, restringir os excessos, porém jamais
estigmatizar a política. A impressão é que isso está ocorrendo em nosso país. Sinto que,
no comportamento dos eleitores e também no marco regulatório vigente, o atual
processo eleitoral reflete um clima de rancor, de raiva e de desconfiança com a política.
A política está repelindo o cidadão, quando deveria convidá-lo para participar.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 63, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
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MARCOS CINTRA
Direitos do trabalhador doméstico
A mudança na legislação para
domésticos pode ser um brutal
retrocesso social oculto sob o manto
da igualdade de direitos
O INFERNO está repleto de almas bem-intencionadas.
Pode ser o caso dos que defendem a PEC em estudo no governo que pretende
"conceder" ao trabalhador doméstico o "direito" a jornada de oito horas, pagamento de
hora extra, adicional noturno, salário-família e FGTS obrigatório.
É "politicamente correto" aplaudir essas medidas. Afinal, dirão os mais ingênuos, por
que discriminar contra os trabalhadores domésticos? Mas o que eles não percebem é que
cada país tem suas instituições peculiares, que não devem ser autoritariamente alteradas,
mas, quem sabe, preservadas quando são funcionais e produzem bons resultados.
Quanto ao trabalho doméstico, os costumes e as instituições brasileiros, em vez de
serem discriminatórios contra esses trabalhadores, são favoráveis a eles. E as alterações
em estudo podem gerar mais perdas do que ganhos para todos.
Apenas para exemplificar o risco que se corre no caso de uniformização trabalhista para
os empregados domésticos, cumpre lembrar o mal causado pelo Estatuto da Terra para
os trabalhadores rurais. O sistema de colonato, instituição secular brasileira, permitia
aos empregados nas fazendas fazer o cultivo intercalar nos cafezais. Ao mesmo tempo
em que colhiam frutos de seu trabalho em benefício próprio, ainda ajudavam a manter
limpas as lavouras cafeeiras, aumentando a produtividade e a rentabilidade do café no
Brasil, que se tornou o maior produtor e exportador mundial. Além disso, os fazendeiros
forneciam casas nas colônias para os trabalhadores, que complementavam os
rendimentos com atividades como o cultivo próprio de hortas e a criação de animais.
Toda essa estrutura social foi subitamente desmontada pelo Estatuto da Terra, que
incorporou os rendimentos paralelos ao salário dos trabalhadores. Isso gerou conflitos
insuperáveis e passivos trabalhistas para os fazendeiros. O resultado foi o êxodo para as
cidades, o abandono de residências rurais, o afluxo de milhões para favelas nas cidades
e um enorme déficit habitacional, que ainda onera nossa sociedade.
Portanto, o governo deve ser cauteloso ao considerar o desmonte de instituições criadas
ao longo dos anos no tocante ao trabalho doméstico. Erros poderão resultar em aumento
do desemprego, prejudicando os milhões de trabalhadores nessa atividade. Ademais,
não há sinais de rejeição ou de desconforto na relação patrão-empregado.
É importante dizer que hoje os domésticos são, no meu entender, discriminados a seu
favor. Há exceções, mas a regra no Brasil é a de um relacionamento cordial entre
patrões e empregados domésticos, em que o binômio trabalho-descanso segue, de
comum acordo, as especificidades de cada domicílio. A esses funcionários são
concedidos habitação, alimentação, vestuário e, não raro, tratamento médico. É mais
comum a empregada doméstica ser tratada como membro da família do que como
mucama escrava, como querem fazer crer alguns membros do governo que desejam
mexer em vespeiro, achando que isso poderá lhes trazer dividendos políticos.
Cuidado com o andor, pois a mudança pode ser um brutal retrocesso social oculto sob o
manto da modernidade e da igualdade de direitos.
PS: convido os leitores para o lançamento de meu livro "Os Riscos de São Paulo" na
Livraria Martins Fontes (Paulista, 509), hoje, às 17h30. Nele trato dos grandes temas
que emergem em metrópoles mundiais como São Paulo. A presença dos amigos e
leitores será uma honra para mim.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 63, doutor pela Universidade Harvard,
professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor
de "A Verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas, a cada 15 dias, nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
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MARCOS ANTONIO CINTRA
Gestão de ativo
COM A desregulamentação financeira, a gestão da riqueza passou a depender,
crescentemente, de estratégias de diversificação dos ativos (compra e venda de moedas,
commodities, petróleo, título de dívidas, ações, derivativos etc.). Por conseguinte, a
negociação de ativos (trading) transformou-se na principal atividade dos sistemas
financeiros.
A concorrência levou os administradores de portfólio a utilizar derivativos e tomar
créditos no mercado, oferecendo a própria carteira como garantia, para operar volumes
crescentes de recursos, às vezes muito acima do patrimônio, com o objetivo de
maximizar ganhos de capital. Nesse processo, houve a junção das estratégias das
grandes instituições financeiras com a expertise dos fundos hedge.
A despeito de possuírem ativos de US$ 1,4 trilhão, os fundos hedge, com os recursos
emprestados, multiplicam suas aplicações por meio de operações complexas e opacas.
Os bancos (com ativos globais de US$ 63,5 trilhões) e os investidores institucionais
(com US$ 46 trilhões) emulam suas estratégias e amplificam o volume de capital nos
movimentos iniciados pelos "hedge funds". Os sistemas financeiros interligados passam
a ser condicionados pelas decisões desses fundos de investimento, que determinam o
sentido dos movimentos de valorização e desvalorização dos estoques de ativos
mobiliários e imobiliários mundiais.
Em momentos de estabilidade, esses investidores ampliam suas aplicações de maiores
riscos. Na incerteza, com o aumento excessivo das oscilações dos preços dos ativos,
precipitam uma busca frenética pela redução das posições mais arriscadas, e ordens
maciças de venda são disparadas pelos modelos de avaliação. Como todos os agentes
relevantes acabam seguindo a mesma estratégia de gestão de riscos para orientar seus
investimentos, o mercado financeiro global fica sujeito a ondas de euforia, que podem
gerar bolhas especulativas, e ondas de turbulências.
Nesse momento de aversão ao risco, os grandes investidores globais vendem ações,
moedas e bônus de países emergentes, como o Brasil, commodities, petróleo e compram
títulos do Tesouro americano, a despeito da crise em seu sistema financeiro.
Até o momento, as medidas tomadas para conter essas ondas de instabilidade têm sido
ad hoc sob o ímpeto das necessidades mais prementes para evitar a propagação do risco
sistêmico. Todavia, vai ficando evidente a necessidade de uma re-regulação desse
sistema, em que todos os agentes (e indivíduos) viraram fundos hedge, pois adotam
agressivas estratégias financeiras.
O Congresso americano discute amplo projeto de reforma de suas instituições de
supervisão e regulação. Pode ser um começo.
MARCOS ANTONIO CINTRA é da equipe de editorialistas da Folha . Hoje, excepcionalmente, não é
publicado o artigo de Kenneth Maxwell, que escreve às quintas-feiras nesta coluna.
MARCOS CINTRA
Conselho da Cidade
Repensar São Paulo deve ser a
palavra de ordem para os gestores
urbanos; a proposta é criar um
fórum de discussão
AS CIDADES abrigam 3,4 bilhões de pessoas e até 2025 a esse contingente será
adicionado mais de 1,5 bilhão de indivíduos. Esse crescimento causa apreensão,
principalmente nas megacidades de países em desenvolvimento, como São Paulo. A
capital paulista registra inúmeros problemas por causa de sua acelerada expansão
populacional. Entre 1960 e 2008, sua população quase triplicou, passando de 3,8
milhões de habitantes para 11 milhões. Ou seja, em apenas 48 anos, aumentou em 7,2
milhões o número de pessoas na cidade -isso equivale a uma Londres, por exemplo.
Até 2025, São Paulo terá mais 1,5 milhão de pessoas. É fundamental repensar a cidade e
seus problemas. A dinâmica urbana assume novas formas e gera novas demandas que
precisam ser criteriosamente analisadas. A ocupação do solo se deu desordenadamente
devido à proliferação de favelas e de loteamentos irregulares. Áreas de preservação
ambiental e terrenos públicos e privados continuam sendo ocupados ilegalmente,
gerando benefícios privados e grandes transtornos públicos.
A água é um das grandes questões. A carência dela na região metropolitana é maior do
que nas áreas mais secas do Nordeste. São 165 mil litros por pessoa por ano na Grande
São Paulo, contra 400 mil litros per capita no sertão nordestino.
Quanto ao lixo, São Paulo gasta R$ 1 bilhão por ano para processar as 13 mil toneladas
produzidas diariamente. A reciclagem ainda é insuficiente, e os aterros estão próximos
do esgotamento. A destinação de esgoto "in natura" nos rios, córregos e represas
também angustia os paulistanos. Só no entorno das represas Guarapiranga e Billings,
responsáveis pela maior parte da água consumida na cidade, moram mais de 2 milhões
de pessoas, e o esgotamento hídrico dessas moradias é jogado nelas sem nenhum
tratamento.
A poluição do ar também atenta contra a qualidade de vida. Inala-se em São Paulo uma
quantidade diária de poluentes que, segundo a USP, reduz em um ano e meio a
expectativa de vida da população.
O trânsito é o problema imediato que mais tem atormentado o paulistano. Locomover-se
por São Paulo é uma tortura cada dia mais cruel e que gera prejuízos de mais de R$ 33
bilhões por ano, como avaliei em estudo sobre o tema. Trata-se de um dos maiores
desafios na elaboração de políticas urbanas. O colapso é iminente porque o número de
veículos em circulação cresce assustadoramente. Um "mix" de medidas é necessário,
mas o fundamental é rever o modelo viário, tão dispendioso quanto ineficiente.
Repensar São Paulo deve ser a palavra de ordem para os gestores urbanos. Um ponto de
partida para discutir esses problemas foi minha sugestão de criação do Conselho da
Cidade, em evento no Sindicato dos Engenheiros, que teve a presença do prefeito
Gilberto Kassab.
A proposta é criar um fórum de discussão cuja diretriz básica é a elaboração de um novo
modelo urbano para São Paulo. Técnicos têm participado, e uma agenda de temas vem
sendo apresentada e será publicada em livro em setembro.
O Conselho da Cidade é uma iniciativa pioneira que surge em resposta à expectativa de
degradação ainda maior da qualidade de vida em metrópoles como São Paulo. É preciso
criar alternativas para os sofridos moradores dessa e de outras megametrópoles que
estão surgindo no mundo. Velhas soluções não serão respostas adequadas aos novos
desafios. É preciso repensar as cidades. Sugestões e colaboração serão bem-vindas.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 63, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
[email protected]
MARCOS CINTRA
Do caos ao equilíbrio
A boa saúde financeira da cidade de
São Paulo interessa a todos e os
dados mostram que ela tem
melhorado
FELIZMENTE a saúde financeira da Prefeitura de São Paulo vem se recuperando
durante a gestão Serra/Kassab, após se encontrar em situação falimentar quatro anos
atrás. Segundo o relatório de gestão fiscal do primeiro quadrimestre de 2008
apresentado pela Secretaria das Finanças do município, o resultado primário (diferença
entre a arrecadação de tributos e as despesas sem o serviço da dívida) caiu durante a
gestão petista a níveis extremamente críticos, passando de R$ 1,5 bilhão em 2001 para
R$ 612 milhões em 2004. Vale citar que a situação só não foi pior no último ano do
período analisado porque houve forte elevação da carga tributária municipal em razão
da criação de taxas e contribuições. Em 2001, a dívida consolidada da prefeitura
paulistana representava 193% da receita corrente líquida. Nos anos seguintes, ela passou
para 236% em 2002, 245% em 2003 e 247% em 2004. Mas a pior herança foi a dívida
não fundada, oculta, com fornecedores, com a Eletropaulo, com a Sabesp e com o
Iprem, cujo montante chegou a R$ 2,2 bilhões. A partir de 2005, após a derrota do PT,
iniciou-se um programa de recuperação financeira na cidade de São Paulo e já naquele
exercício o saldo primário saltou para R$ 1,8 bilhão, mesmo com a extinção de tributos
como a taxa do lixo e a isenção da taxa da luz para imóveis localizados em logradouros
sem iluminação pública. Nos dois anos seguintes, o resultado manteve-se na casa de R$
1,7 bilhão, e, em abril deste ano, já na gestão Kassab, a prefeitura registrou um superávit
primário superior a R$ 2,9 bilhões. Em 2005, a relação dívida/receita corrente líquida
caiu para 221% e nos anos seguintes manteve uma trajetória decrescente. Foi para 197%
em 2006, 189% em 2007 e em 2008 está em 186%. Ainda há desafios que o prefeito e a
Câmara dos Vereadores devem levar adiante para consolidar um quadro fiscal-tributário
que permita ao Executivo promover os investimentos que se fazem necessários. A
questão da dívida ainda preocupa porque não foi exercida pelo governo petista a opção
de amortização extraordinária de 20%, o que elevou os juros cobrados pela União de
6% para 9%. Ademais, a correção pelo IGP-DI não permite a redução do saldo devedor.
Além disso, o Executivo e o Legislativo devem atuar em conjunto para reduzir tributos
e simplificar a vida do contribuinte. Há categorias, como os representantes comerciais,
que poderiam ter as alíquotas do ISS revistas dos atuais 5% para 2%. A prefeitura não
perderia receita, já que muitos profissionais que hoje se estabelecem em cidades
vizinhas, mesmo prestando serviço em São Paulo, voltariam à cidade e passariam a
recolher o tributo nela. Cumpre ressaltar que a recuperação financeira de São Paulo
ocorreu concomitantemente a importantes reduções de tributos. Foi reduzido o ISS para
instituições de ensino, para empresas de informática e outras mais; o IPTU caiu até
100% para contribuintes que se adequaram à Lei Cidade Limpa, e houve isenção desse
imposto para imóveis prejudicados por enchentes. A boa saúde financeira da principal
cidade do país interessa a todos e os dados mostram que ela tem melhorado,
principalmente nos últimos dois anos. Ainda há muito para ser feito, mas passos
importantes foram dados para que a prefeitura aumente seus investimentos (como vem
sendo feito no Metrô), sem novos aumentos da carga tributária para o contribuinte
paulistano.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org
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MARCOS CINTRA
Golpe na democracia
A Justiça Eleitoral liquidou a forma
mais democrática e barata de
propaganda política: a internet
IMAGINE uma democracia ideal.
Você com liberdade total para analisar a proposta do seu candidato, no momento que
lhe fosse mais oportuno. Nada de horário político obrigatório, nada de bueiros entupidos
com santinhos dos candidatos, nada de muro pichado ou poluição sonora. Todos os
candidatos, ricos e pobres, com direitos e recursos iguais para transmitir suas idéias.
Essa democracia ideal já existe em alguns lugares do mundo. No Brasil, ainda não.
Aqui, a Justiça Eleitoral "legislou" por meio da resolução nº 22.718/2008, que acabou
por liquidar a forma mais democrática, barata e ecologicamente correta de propaganda
política: a internet.
Quem tem bastante dinheiro não se aflige com a resolução nº 22.718, pois pode comprar
propaganda em jornais e em revistas ou imprimir centenas de milhares de folhetos.
Afinal, a nova legislação preservou o ranço das campanhas políticas antigas, dominadas
pelos coronéis, pelo poder econômico e pelos currais eleitorais.
Imagine só. De um lado da balança, os velhos caciques da política brasileira vão poder
mostrar seus nomes e seus números na mídia impressa. Eles podem pagar por isso. Do
outro lado da balança, os novos candidatos, ainda desconhecidos, que têm propostas
boas, mas que não têm nem dinheiro e muito menos redutos (currais) eleitorais, vão
continuar na obscuridade.
Segundo o artigo 18 da resolução nº 22.718, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o
candidato pode ter uma página da internet, mas não pode fazer propaganda eletrônica.
Ora, quem entende um pouquinho de internet sabe que o fato de ter um site não
significa necessariamente que ele será acessado. Como alguém vai acessar um site se
não souber que ele existe? Se não souber seu endereço eletrônico?
Qualquer jovem eleitor de 16 anos sabe que não basta ter uma página na internet para
ser conhecido. Para isso, é necessário ter uma ampla divulgação. Isso é feito pelos
mecanismos de busca ou por meio de propaganda em sites, em portais e em blogs. Sem
isso, o site não ganha visibilidade e será como uma página de um livro fechado e
perdido nos porões das bibliotecas eletrônicas da web.
O TSE tirou dos candidatos pobres o único espaço gratuito (ou barato) que teriam para
fazer propaganda de suas idéias. Espaço em que se poderia propagar e discutir idéias
livremente, como na ágora da Grécia Antiga.
Diante disso, para que servem os projetos de inclusão digital tão propalados hoje em
dia?
Proibindo a propaganda na internet, a resolução nº 22.718 obriga indiretamente o
candidato a recorrer aos dispendiosos e poluidores "santinhos". Aqueles que você
recebe ao parar nos semáforos.
Quantas árvores serão necessárias derrubar nas eleições deste ano para garantir a
impressão de milhões de santinhos dos candidatos? Para publicar "banners" na internet,
não é necessário derrubar árvores, muito menos entupir bueiros e a rede de esgotos no
dia das eleições.
Diante da proibição de uma propaganda barata e ecologicamente correta pela internet,
fica aqui a pergunta: teria a Justiça Eleitoral, às cegas, dado um golpe de espada na
democracia?
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 62, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org
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MARCOS CINTRA
O "affair" Daniel Dantas
Se a Justiça fosse mais eficaz, a
ânsia por punições midiáticas
exemplares seria saciada pela
certeza das condenações
ECONOMISTA festejado, estudou no MIT, onde o famoso professor Dornbusch
afirmava ter sido seu melhor aluno em toda a sua carreira. Cercado de admiradores
influentes, como Mário Henrique Simonsen, galgou degraus no mundo empresarial
durante os anos 90. Foi confidente, consultor e quem sabe até co-autor na elaboração
dos planos de estabilização econômica com importantes economistas, como André Lara
Rezende e Pérsio Arida. Enfim, uma carreira brilhante, mas que tragicamente
descambou para o lado oculto da vida empresarial.
Contudo Daniel Dantas e seus sequazes podem deixar um legado didático para o país.
Sua prisão abriu uma intensa discussão sobre a Justiça. O cidadão sente-se inseguro
quando sua privacidade e sua liberdade são subitamente ameaçadas por grampos e por
ações policialescas espalhafatosas.
Mas, por outro lado, o homem comum sente-se agredido ao ver que o mal campeia solto
e que a impunidade estimula a criminalidade.
O mais notável na discussão que seguiu as prisões e solturas sucessivas de Daniel
Dantas é que, de todas as posições do espectro ideológico, ouvem-se manifestações
tanto de apoio como de crítica à Polícia Federal, ao STF, aos métodos autoritários da
polícia e à excessiva complacência da Justiça.
Todos têm suas razões.
Quem pode criticar o ministro Gilmar Mendes quando afirma que "é necessário que o
ato judicial constritivo de liberdade especifique, de modo fundamentado, elementos
concretos que justifiquem a medida"?
Como discordar de Vinicius Mota, na Folha do dia 13 último, quando afirma que "a
prisão, antes de uma sentença, deveria ser exceção, e não regra, como está se tornando"?
Ou como não dar crédito ao alerta de Alberto Zacharias Toron, que na mesma edição
relembra que "o combate à criminalidade deve ser feito dentro dos marcos da legislação
e com a rigorosa observância do devido processo legal, pois, do contrário, campeará o
autoritarismo de quem se julga intérprete dos interesses do povo"?
Por outro lado, ante a inoperância, a ineficiência e a incrível morosidade do Poder
Judiciário brasileiro, o princípio basilar dos direitos dos cidadãos, de não ser punido
sem julgamento, assume ares de privilégio e na prática garante impunidade aos
criminosos.
Estão certos, portanto, os que exigem mais rigor e se insurgem contra a leniência da
Justiça, pois concretamente implica impunidade, principalmente para os ricos e
poderosos. Assim, como discordar de Frei Betto, que também na mesma edição da
Folha diz: "Agora nem o flagrante merece punição (...) o círculo vicioso se confirma: a
polícia prende, a Justiça solta. E alguns disso se aproveitam e fogem. Ou a pena
prescreve, sacramentando a impunidade"? Como não dar ouvidos a Eliane Cantanhêde,
ainda na mesma edição do jornal, quando afirma que "o povão está cansado de lero-lero
e de ver os céus coalhados de gaviões e as gaiolas entupidas de pardais"?
O trágico nessa situação é que todos estão certos. A situação é que está dramaticamente
errada. Com Justiça morosa e ineficiente, o devido processo legal, que é precioso direito
dos cidadãos, acaba se transformando em privilégio dos malfeitores.
Se a Justiça fosse mais rápida e mais eficaz, certamente essa ânsia por punições
midiáticas exemplares seria saciada pela certeza das condenações tempestivas e a crise
entre magistrados e opinião pública não teria razão de ser.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 62, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org
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MARCOS CINTRA
Caminhões, trânsito e custo urbano
A restrição à circulação de
caminhões é um ponto de partida
para São Paulo desatar o nó no
trânsito
A IMINÊNCIA de um colapso no trânsito paulistano levou a prefeitura a restringir a
circulação de caminhões na região central da cidade como forma de minimizar a crise
de mobilidade instalada no município. Os primeiros dias dessa restrição mostraram
resultados satisfatórios e revelaram que a medida pode ajudar a reduzir os bilionários
prejuízos que a lentidão no trânsito impõe a todos.
Ainda que alguns técnicos argumentem que é cedo para avaliar os efeitos das medidas,
vale comparar os congestionamentos nos primeiros quatro dias de funcionamento das
restrições com as médias observadas em julho de 2007.
Segundo a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), a média dos engarrafamentos
no período da manhã em julho do ano passado atingiu o pico de 61 km; com a restrição
aos caminhões, a maior extensão ficou, na média dos quatro primeiros dias, em 48 km,
ou seja, houve redução de 21,3%. No período da tarde/noite, os congestionamentos
atingiram, respectivamente, os índices máximos de 134 km e 126 km às 19h, com queda
de 6%. Vale citar que às 20h, período em que a lentidão historicamente ainda é crítica
na cidade, a diminuição foi de 24%.
Em determinados períodos do dia, o impacto positivo das medidas tem sido bastante
significativo. Entre 8h e 10h, houve queda nas médias dos congestionamentos de em
torno de 20%. Já no período de 12h30 às 14h, a redução foi da ordem de 35% e, das 17h
às 20h, os engarrafamentos foram quase 10% menores.
A conclusão é que as novas regras de circulação para os caminhões na cidade de São
Paulo estão gerando benefícios significativos. A retirada de metade da frota que circula
na região central da cidade está reduzindo os congestionamentos e, conseqüentemente, a
velocidade média dos veículos aumenta, provocando redução nos prejuízos que o
trânsito travado impõe à sociedade.
Se a queda nas extensões dos congestionamentos provocasse elevação da ordem de 25%
na velocidade média dos veículos, os ganhos econômicos seriam expressivos. Os
cidadãos deixariam de desembolsar mais de R$ 1 bilhão por ano -cerca de R$ 2,74
milhões por dia- apenas com o consumo adicional de combustíveis e com os gastos
relacionados ao tratamento dos efeitos da poluição sobre a saúde.
Além disso, haveria a redução no custo por quilômetro das mercadorias transportadas na
cidade e o resultado final seria um ganho pecuniário anual da ordem de R$ 1,6 bilhão.
Se a esse valor for adicionado o custo relacionado ao menor tempo que as pessoas vão
permanecer paradas durante os horários de pico, os benefícios seriam superiores a R$ 8
bilhões por ano -cerca de R$ 22 milhões por dia.
A restrição à circulação de caminhões é um ponto de partida para São Paulo começar a
desatar o nó no trânsito. Outras medidas devem se somar a ela como forma de enfrentar
uma situação que se tornou crítica e que ameaça se aprofundar. É preciso que o poder
público e o setor produtivo atuem em sintonia visando aliviar o estresse diário imposto
aos paulistanos quando se deslocam pela cidade e reduzir os elevados custos que a
lentidão gera.
É importante que a administração municipal adote uma posição aberta e participativa
para que a solução a ser implantada, após anos de descaso, resulte em uma situação
compatível com os interesses de todos os envolvidos.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org
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MARCOS CINTRA
IR, gastos públicos e desigualdade
De nada adianta arrecadar tributos
progressivamente e gastá-los
regressivamente, pois uma ação
anula a outra
O IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) divulgou o estudo "Justiça
Tributária: Iniqüidades e Desafios", mostrando uma realidade inquestionável: no Brasil,
a renda continua fortemente concentrada, e o sistema tributário é altamente regressivo.
O trabalho afirma que uma das causas dos desequilíbrios distributivos é a concentração
da arrecadação nos tributos indiretos.
A alternativa apresentada pelo presidente do Ipea, Marcio Pochmann, em evento no
CDES, seria eliminar tributos indiretos, como a Cofins, e compensar a perda de
arrecadação através do aumento do número de alíquotas do Imposto de Renda da pessoa
física -de 3 para 12-, elevando sua progressividade.
Contraditoriamente, o estudo mostra que o quadro tributário brasileiro vem se ajustando
positivamente quanto a sua progressividade nos últimos anos. Entre 1995 e 2007, a
carga tributária dos tributos indiretos passou de 12,7% do PIB para 14,4% (mais 1,7
ponto) e a dos tributos diretos saltou de 5,8% para 10,3% (mais 4,5 pontos). Nesse
sentido, as radicais alterações sugeridas pelo Ipea perdem motivação.
Surpreende que uma instituição que deveria estar sintonizada com as tendências
tributárias modernizantes se prenda a conceitos e a propostas ultrapassados. Instituições
internacionais como o Institute for Policy Innovation, e acadêmicos renomados, como
Larry Kotlikoff, da Universidade de Boston, vêm defendendo, por questões de custo e
eficiência, a substituição da tributação sobre a renda e o patrimônio por tributos sobre o
consumo.
No mundo globalizado, tributar a renda de forma excessivamente progressiva, como
propõe o Ipea, é um equívoco. Essa é uma base com grande mobilidade, sobretudo num
ambiente de grande mobilidade de capitais, como ocorre atualmente.
As práticas evasivas contra a elevada tributação pelo Imposto de Renda variam desde o
profissional com alto rendimento que estabelece domicílio fiscal onde a tributação é
menor até o contribuinte que opta pela sonegação ou pela informalidade.
Ademais, o Ipea procura resolver o problema da desigualdade agindo pela ótica da
arrecadação de tributos, quando o enfrentamento dessa anomalia seria mais eficiente se
as ações ocorressem através do aumento da progressividade do gasto público.
Ao mostrar em seu estudo que os gastos com previdência social e com o pagamento de
juros são elevados no Brasil, o Ipea deveria notar que nessas variáveis se encontram
mecanismos de distribuição de renda. Os gastos previdenciários distribuem, ao passo
que o serviço da dívida concentra renda. De que vale arrecadar progressivamente e
gastar regressivamente? Uma ação anula a outra.
Vale notar que entre 2001 e 2007 os gastos com benefícios previdenciários se
mantiveram em torno de 28% do total das despesas do Tesouro Nacional, enquanto os
encargos com a dívida mobiliária saltaram de 7,6% para 13%. Ou seja, nos últimos anos
a carga tributária cresceu com ênfase nos tributos diretos, como mostrou o Ipea, mas as
despesas financeiras, absorvidas pelos rentistas, quase duplicaram. A idéia de tributar
progressivamente a renda para combater as desigualdades, como propõe o Ipea, é
ineficaz e ultrapassada. Reestruturar os gastos públicos poderia gerar resultados muito
mais satisfatórios na correção da distribuição de renda no país.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
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MARCOS CINTRA
Tapa na cara
Não há como continuar com uma
política pública que jogue a classe
média assalariada aos leões
A CRIAÇÃO da nova CPMF, batizada de CSS, revela mastodôntica inabilidade política
do governo petista e de sua base parlamentar. Apesar de ser um bom tributo, como
tenho reiteradamente afirmado neste espaço, o "imposto do cheque" foi travestido de
vilão.
Houve mesquinharia política, e outras razões menos nobres, para explicar por que
condenaram a CPMF -referida pelo renomado tributarista Vito Tanzi como uma das
mais importantes inovações tecnológicas tributárias dos últimos anos- a assumir o papel
de bode expiatório.
Análises incompletas e equivocadas foram manipuladas para serem tidas como
verdadeiras e hoje poucos têm a coragem de defender esse tributo, apesar de suas
reconhecidas qualidades.
No entanto, cabe lembrar que a CPMF é repudiada se for um tributo a mais a elevar a
carga tributária brasileira. Porém seria amplamente aceita pela sociedade se fosse
instituída como substituta de outros tributos. Levantamento realizado pela empresa
Cepac - Pesquisa & Comunicação revela que 64% das pessoas a aceitariam se ela
substituísse, por exemplo, a contribuição ao INSS incidente sobre a folha de pagamento
das empresas.
Nesse sentido, há em tramitação na Câmara dos Deputados a PEC 242/08, do Partido da
República, que propõe a criação de um tributo de 0,5% sobre débitos e créditos
bancários, que permitiria a total eliminação da contribuição ao INSS sobre a folha de
pagamento das empresas e também uma significativa elevação dos limites de isenção do
Imposto de Renda da pessoa física incidente sobre os rendimentos do trabalho.
A PEC do PR, batizada de Imposto Mínimo, foi discutida com a cúpula do governo
(Dilma Rousseff, Guido Mantega e José Múcio Monteiro).
Todos demonstraram interesse na proposta e acenaram com a possibilidade de apoio do
governo desde que o projeto tivesse origem no Congresso. O plano foi posto em marcha
e o texto encontra-se na Comissão de Reforma Tributária como emenda do partido.
Em vez de caminhar nessa direção, que com certeza encontraria apoio da sociedade,
principalmente dos assalariados e da sofrida classe média brasileira, o governo e sua
base parlamentar metem-se nessa esparrela de simples e bruta recriação da CPMF.
É possível que o rolo compressor do governo resulte em aprovação da CSS no
Congresso, mas as querelas jurídicas poderão inviabilizar sua efetiva implementação.
Será uma vitória de Pirro para o governo, para o PT e para a bancada da saúde.
A ex-ministra Marta Suplicy, em entrevista publicada pela Folha, afirmou que precisa
reconquistar a classe média que a abandonou nas últimas eleições municipais e deu a
vitória a José Serra. O presidente Lula não deve se esquecer de que foi o voto da classe
média que o levou à Presidência e também que ele perdeu disputas todas as vezes em
que as bandeiras desfraldadas a afrontaram.
Hoje, a criação da CSS representa uma agressão à classe média brasileira. O presidente
Lula parece não enxergar o que Marta Suplicy já percebeu: não há como continuar com
uma política pública que privilegie apenas os interesses da base e do topo da pirâmide
econômica, jogando a classe média assalariada aos leões.
Mas tudo indica que o erro será repetido. Marta perdeu o PMDB e o PR, típicos partidos
de classe média, para o prefeito Gilberto Kassab. E Lula quer criar a CSS, um tapa na
cara da burguesia.
Mas, se o PT tiver juízo, ainda há tempo para usar a emenda do PR para desonerar o
trabalho e reconquistar a classe média.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
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MARCOS CINTRA
À beira de um colapso
O prejuízo anual causado pela
lentidão do trânsito na capital
paulista é estimado em mais de R$
33 bilhões
DADOS DA Anef (Associação das Empresas Financeiras das Montadoras) mostram
que o saldo de recursos para financiamento de veículos saltou de R$ 42,4 bilhões em
2004 para R$ 120 bilhões no primeiro trimestre de 2008, e a expectativa é que essa
trajetória ascendente continue. Com tanto dinheiro financiando veículos, as vendas no
mercado interno ultrapassaram 1 milhão de unidades em maio deste ano. Em 2007, essa
quantidade foi alcançada em junho.
O recorde de automóveis vendidos no ano passado será certamente batido neste ano,
devendo se aproximar de 2,5 milhões de unidades. Em apenas oito anos, as vendas de
veículos no mercado interno brasileiro dobraram. Saltaram de 1,1 milhão de unidades
em 1999 para o recorde de 2,2 milhões em 2007. As indústrias automobilísticas têm
investido grandes somas em suas linhas de produção para explorar o promissor mercado
nacional.
Dados da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores)
mostram que, enquanto a relação habitante-automóvel é de 1,2 nos Estados Unidos, de
3,1 na Coréia do Sul e de 4,7 no México, no Brasil ela é de 7,9. Ou seja, há um
contingente enorme de pessoas no mercado brasileiro contido na estratégia das
montadoras de expandir mercados, uma vez que nos países ricos essa meta está restrita.
Por conta do potencial de expansão da frota de veículos, do volume de crédito crescente
e da estabilidade econômica, as montadoras estão investindo neste ano um montante
recorde de recursos no Brasil para aumentar a produção. Estão previstos cerca de US$ 5
bilhões em investimentos em 2008, 130% a mais comparativamente ao valor investido
no ano passado.
O cenário descrito causa apreensão porque, com mais veículos em circulação, a
tendência é que, em muitos centros urbanos, a situação do trânsito se torne crítica em
pouco tempo e em cidades como São Paulo, que tem a maior frota nacional e já convive
com um trânsito caótico, há a perspectiva de um colapso iminente. Os
congestionamentos na capital paulista crescem rapidamente e já ultrapassam, com
freqüência, 200 quilômetros de extensão.
Nos últimos anos entraram em circulação na cidade de São Paulo quase 700 veículos,
em média, por dia, gerando um rápido aumento na demanda por vias de circulação.
Como em curto prazo a oferta de vias é inelástica, e os investimentos em infra-estrutura
e em transporte de alta capacidade foram insuficientes para criar alternativas de
locomoção de pessoas e de mercadorias, a crise de mobilidade foi inevitável na
principal economia do país, e o prejuízo que essa situação causa impressiona.
O prejuízo anual causado pela lentidão do trânsito na capital paulista é estimado em
mais de R$ 33 bilhões. São cerca de R$ 27 bilhões referentes ao tempo que as pessoas
perdem nos congestionamentos e mais de R$ 6,5 bilhões de custos relacionados ao
consumo adicional de combustíveis, ao impacto dos poluentes sobre a saúde das pessoas
e ao efeito sobre o transporte de cargas.
A expectativa é que o custo bilionário dos congestionamentos em São Paulo cresça por
conta da projeção de mais carros em circulação. Em breve, a cidade pode parar de vez.
A luz amarela está acessa aos gestores públicos e isso exige uma posição mais efetiva
dos três níveis de governo e a celebração de parcerias entre os setores público e privado
para que o caos instalado não se aprofunde.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
[email protected]
MARCOS CINTRA
O império da Lei
No rol de causas institucionais do
crescimento, incluem-se fatores
como ética, moralidade pública e
privada, segurança
ADVOGADOS especializados acham que o julgamento dos acusados pelo animalesco
assassinato da pequena Isabella levará de três a quatro anos para ser concluído. O
acusado de ser o mandante do assassinato da religiosa Dorothy Stang no Pará acabou de
ser inocentado pela Justiça, contrariando todas as expectativas e as provas apresentadas.
O caso da morte da jornalista Sandra Gomide levou quase seis anos para ser julgado e o
assassino ainda pôde recorrer em liberdade. Invasores de propriedades agem livremente,
como os sem-terra, os sem-teto e outros sem-vergonha.
Em nosso país, essa lista macabra é interminável.
Mas por que falo sobre essas coisas em uma coluna econômica? Um dos grandes
desafios para os economistas, desde a economia política dos mercantilistas, dos
fisiocratas e dos clássicos como David Ricardo, Malthus e Adam Smith, seguidos por
Kuznets, Solow, Galbraith, Kindleberger, North, Celso Furtado, Arrow, Barro, Alesina,
Rodrik e tantos outros, tem sido encontrar as causas do crescimento econômico.
Acreditou-se inicialmente que seria causado pela disponibilidade de recursos naturais.
Mas ao longo da história do pensamento econômico essa questão tem gerado várias
outras explicações, todas não plenamente satisfatórias, entre elas a oferta de alimentos, a
taxa de natalidade, o progresso tecnológico, as taxas de poupança e investimento, o
capital humano e várias outras causas.
Mais modernamente, os economistas se encontram debruçados, e convencidos, de que a
causa eficiente do crescimento econômico pode ser encontrada nas instituições, mais
especificamente no que chamam de "rule of Law" (império da Lei), de segurança
jurídica, de estabilidade institucional etc. Recente reportagem publicada na revista "The
Economist" de 15 de março apresenta uma excelente síntese desse tema e analisa o
potencial explicativo dessas variáveis institucionais, bem como a polêmica causada por
algumas limitações desses conceitos.
Resumidamente, o "state of the art" nesse texto afirma que, se as regras e as instituições
são instáveis e ineficientes, a política macroeconômica torna-se menos eficaz e não
produz os resultados esperados. Os exemplos lembrados são os países da ex-Cortina de
Ferro, que logo após a democratização adotaram políticas econômicas corretas com
grande rapidez, mas com resultados pífios dadas as falhas de governança, a má
qualidade da burocracia pública e a pouca confiabilidade institucional vigentes durante
sua implementação.
No rol de causas institucionais do crescimento, incluem-se fatores como ética,
moralidade publica e privada, segurança pública, agilidade e rapidez no funcionamento
do sistema judiciário, garantias de direito de propriedade, direitos humanos, respeito
ambiental e muitos outros temas correlatos.
Os fatos que ocorrem no Brasil com trágica regularidade nos fazem questionar até que
ponto o país está institucionalmente preparado para oferecer aos cidadãos uma vida sob
o império da Lei, com segurança institucional e respeitos aos direitos coletivos e
individuais.
O noticiário dos jornais é desapontador. Temo que ainda tenhamos um longo caminho a
percorrer e que as bases de um crescimento auto-sustentado ainda não estejam
firmemente implantadas.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
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MARCOS CINTRA
O custo econômico do congestionamento
A lógica que tem prevalecido nos
últimos anos em São Paulo é a das
grandes obras, caras e ineficientes
AO LER este artigo, muitos leitores o farão antes, após ou, quem sabe, até mesmo
durante os gigantescos congestionamentos de São Paulo. Esse problema atinge
diretamente, todos os dias, milhões de pessoas que precisam se deslocar pelo município.
O trânsito paulistano se tornou uma calamidade que vai muito além do estresse diário
que causa no cidadão. As horas perdidas todos os dias nos engarrafamentos, que com
freqüência ultrapassam 200 km, implicam custos bilionários que estão sendo objeto de
um estudo voltado para mensurar sua grandeza.
No período entre fevereiro de 2003 e fevereiro de 2008, a quantidade de automóveis em
São Paulo aumentou 768.931 unidades; 12.815 novos carros todo mês ou 427 por dia.
Quando se considera no mesmo intervalo de tempo a frota total (carros, motocicletas,
caminhões, utilitários e outros), observa-se um crescimento de 1.213.935 veículos,
equivalente a 20.232 por mês ou 674 a mais por dia na frota paulistana, que cresceu em
média mais de 5% ao ano.
Mas a infra-estrutura viária não foi capaz de atender essa expansão.
O modelo viário do município vem há décadas privilegiando grandes obras, de custo
elevado, que hoje apenas transferem pontos de congestionamentos para alguns metros
adiante. São Paulo precisa de uma nova concepção viária, que invista na
revascularização do trânsito.
Um exemplo disso seria a construção de pontes sobre os rios Pinheiros e Tietê. Se os
quase R$ 3 bilhões espalhafatosamente gastos nos túneis Ayrton Senna, Jânio Quadros,
Rebouças, Faria Lima e na ponte estaiada do Real Parque tivessem sido utilizados para
construir 80 pequenas pontes com três vias em cada sentido, como existem em profusão
na Europa, a cidade teria menos congestionamentos. Outro exemplo seria a remoção de
obstáculos para o uso mais intenso das vias paralelas às grandes artérias, sempre
entupidas, criando um sistema reticular de ruas na cidade, permitindo assim a
desconcentração do fluxo de veículos.
A lógica que tem prevalecido nos últimos anos é a das grandes obras, caras e
ineficientes. A cidade está prestes a parar de vez por conta da combinação da
precariedade dos sistemas viário e de transporte coletivo com o aumento acelerado da
quantidade de carros.
O custo que essa situação impõe é espantoso. Eles podem ser classificados em dois
tipos: o tempo ocioso das pessoas no trânsito e os gastos pecuniários impostos à
sociedade.
O primeiro tipo é um conceito chamado em economês de "custo de oportunidade".
Considerando apenas os períodos críticos dos congestionamentos pela manhã e tarde/
noite e o custo da hora de trabalho em São Paulo, esse valor teórico hoje é de R$ 26,8
bilhões. Há quatro anos, era de R$ 15,4 bilhões.
Quanto ao custo pecuniário, ele deriva de uma comparação entre o trânsito fluindo e
congestionado.
Consideram-se os gastos referentes ao consumo de gasolina pelos carros e do diesel
pelos ônibus, o impacto dos poluentes na saúde da população e o aumento no custo do
transporte de carga. O resultado foi um custo total superior a R$ 6,5 bilhões por ano. Há
quatro anos, ele era de R$ 5,3 bilhões.
Ademais, os custos se mostram crescentes e causam forte impacto negativo na estrutura
econômica da cidade e do país, na saúde das pessoas, no bolso do cidadão e na
qualidade de vida da população.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
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MARCOS CINTRA
A esquecida classe média
A classe média só tem sido lembrada
na hora de pagar a conta tributária
da significativa expansão dos gastos
públicos
TEME-SE QUE a proposta de reforma tributária do governo aumente a pesada carga
tributária de 36% do PIB que incide sobre a população brasileira. Se isso ocorrer, será
mais uma vez a classe média que sofrerá a maior parte das conseqüências.
Vale lembrar que os ganhos econômicos atuais têm excluído a classe média. Na base da
pirâmide econômica, os avanços têm sido significativos com o Bolsa Família, a
elevação do salário mínimo para mais de US$ 200 mensais e o aumento do emprego e
da renda familiar. Da mesma forma, o topo da pirâmide não pode reclamar de Lula, que
tem praticado uma política econômica reconhecidamente pró-mercado e que tem
produzido altos lucros e polpudos rendimentos financeiros para os setores rentistas e
empresariais. Nada a criticar.
Contudo a classe média só tem sido lembrada na hora de pagar a conta tributária da
significativa expansão dos gastos públicos. Entendem-se nesse estrato social os
assalariados que pagam Imposto de Renda, ou seja, cujos rendimentos situam-se acima
do limite de isenção de R$ 1.372,81. Esse grupo tem sido onerado implacavelmente
pelos impostos diretos e indiretos.
Nesse sentido, vale ressaltar uma importante iniciativa do Partido da República batizada
de Imposto Mínimo, que busca complementar o projeto de reforma tributária do
ministro Guido Mantega por meio da desoneração do trabalho, tanto para o empregador
como para o empregado.
O Brasil tributa em excesso os rendimentos do trabalho. A proposta, discutida com os
ministros Guido Mantega e Dilma Rousseff, elimina a partir de janeiro de 2009 os 20%
do INSS patronal. Em seu lugar, seria criada uma contribuição previdenciária de 0,5%,
que incidiria sobre o débito das movimentações financeiras. Conforme simulações com
base na matriz insumo-produto do IBGE, essa medida promoveria uma expressiva
redução na carga tributária e nos preços em todos os setores da economia.
Para beneficiar a classe média assalariada, o projeto do Imposto Mínimo do PR propõe
uma significativa elevação do limite de isenção do IRPF, que poderia chegar a até R$ 30
mil por mês, e a perda de arrecadação seria compensada por meio da cobrança de até
0,5% sobre o crédito das movimentações financeiras. Não haveria cobrança das pessoas
que movimentam até o limite de isenção do IRPF.
Vale ressaltar que o projeto elimina o IR para o trabalho assalariado. O Imposto de
Renda incidente sobre rendimentos de capital, remessas ao exterior e outros continuaria
sendo cobrado da mesma forma como ocorre atualmente.
Alguns críticos são contra a eliminação do IRPF para níveis de renda como o previsto
na proposta, sob a alegação de que o patamar de isenção é relativamente alto quando
comparado com a renda per capita e que essa medida criaria uma espécie de "paraíso
fiscal" no país. Essas conclusões são falsas: primeiro porque não é correto definir classe
média por meio de conceitos relativistas. Quanto à crítica de que se estaria criando um
"paraíso fiscal", cabe citar que, conforme apurou o Banco Mundial em 2003, 40% do
Brasil é informal. Ou seja, o país já é um "semiparaíso fiscal", e a substituição do IRPF
por um tributo sobre a movimentação financeira seria a vacina contra essa anomalia.
A desoneração do trabalho é um projeto viável para o Brasil: valoriza a classe média,
base do crescimento sustentado; combate a sonegação de impostos; e minimiza a
metástase dos nódulos de "paraísos fiscais" disseminados entre nós.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
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MARCOS CINTRA
Trânsito. Coragem, prefeito
Há medidas que poderiam melhorar
o transporte da cidade, mas é preciso
coragem para implementá-las
EM 2000 , na preparação de plano de governo para São Paulo, propus a alteração do
modelo viário, promovendo sua urgente revascularização. A proposta era parar de
concentrar o fluxo viário nas grandes artérias, onde ocorrem os congestionamentos,
fazendo-o fluir pelas vias secundárias ociosas.
Como diz o secretário municipal dos Transportes, "uma viagem de helicóptero no
horário de pico permite ver que o trânsito está carregado em grandes avenidas e livre em
vias paralelas". A observação é pertinente, mas pouco resolverá apontar 140 rotas
alternativas, como prometido, pois, suspeito eu, todos já as conhecem e delas já se
utilizam.
As autoridades perderam tempo e dinheiro quando mantiveram o modelo arterial no
trânsito paulistano. A construção de dispendiosas artérias (que são os focos de
congestionamentos) custaram quase R$ 3 bilhões (túneis subaquáticos, pontes estaiadas
que comportam navegação de transatlânticos, vias monumentais e outras
extravagâncias).
Se, em vez disso, a cidade tivesse gastado esses recursos para promover a remoção de
obstáculos viários, para a construção de dezenas de pequenas pontes e viadutos nas
marginais e para a configuração de uma rede reticular de ruas, o trânsito fluiria mais
livremente ocupando a totalidade do leito carroçável, em vez de se concentrar nos 5%
das pistas arteriais, totalmente ateroscleróticas.
Nova York tem 22 mil veículos por km2, e em São Paulo ainda são 4.500 veículos por
km2. Porém aqui há congestionamentos mais graves que lá, pois Manhattan possui um
sistema quadriculado de vias que são homogeneamente utilizadas. Aqui existem
serpentes de congestionamentos cercadas de ruas vazias.
Nos artigos "Neuróticos e improdutivos" e "Revascularização do trânsito em São
Paulo", publicados nesta coluna em 26/11/2007 e em 10/12/2007, respectivamente,
procurei mostrar as implicações econômicas da calamidade que virou o trânsito
paulistano. O caos verificado diariamente no principal centro econômico do país (o
município representa 12% do PIB brasileiro) compromete a competitividade da
produção nacional. O custo de transporte, de carga e passageiros, aumenta. O custo de
oportunidade das pessoas paradas no trânsito é de mais de R$ 27 bilhões por ano, sem
contar o desperdício de combustível e os efeitos maléficos da poluição.
A impressão que se tem é que as autoridades têm medo de agir. Há medidas que
poderiam melhorar o transporte na cidade, mas é preciso coragem e determinação para
implementá-las. Algumas delas são:
1) Agir com rigor na fiscalização de veículos velhos e inseguros. Nas ruas, circulam até
carrinhos de mão e carroças com tração animal;
2) Restrição à circulação de caminhões de grande porte. São Paulo precisa funcionar 24
horas por dia, e horário para transporte de carga deve ser entre as 22h e as 6h;
3) Investir em terminais de transbordo. Isso evitaria os ridículos comboios de ônibus
vazios em fila indiana na região central e grandes avenidas (vale a pena verificar a
avenida Paulista!);
4) Implantar pedágio urbano, como em Londres, Milão, Estocolmo, Cingapura e Oslo. É
preciso igualar a utilidade marginal privada ao custo social pelo uso do automóvel.
Essas ações, e inúmeras outras, seriam paliativos para amenizar a absurda crise de
mobilidade na cidade, enquanto se espera pela solução definitiva, que é o transporte de
massa eficiente. Esperar passivamente vai matar a cidade e muitos de nós iremos juntos.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
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MARCOS CINTRA
Boazinha, mas com problemas
A proposta de reforma tributária é
limitada, silencia sobre importantes
tributos, como o IR e o IPI
A PROPOSTA de reforma tributária tem um defeito de fundo: não contribui para
aumentar o número de contribuintes e assim reduzir a carga tributária individual.
Ela centraliza a legislação do ICMS e quase cria um imposto único federal sobre valor
agregado. Isso simplifica, unifica e poderá resultar em economias operacionais e
administrativas importantes para o governo federal.
Mas, por outro lado, cria para o governo central um grande imposto cujos fatos
geradores serão em grande parte coincidentes com a base do ICMS (a única exceção são
os serviços, que serão tributados pelo novo IVA-F, e não pelo ICMS, com algumas
exceções). Os fatos geradores sofrerão tributação dupla, estadual e federal, cujas
alíquotas devem ser somadas para caracterizar a carga tributária total incidente sobre
eles.
Com certeza será superior a 20%-22%, o que deverá estimular a evasão e a sonegação.
A proposta é limitada. Ela silencia sobre importantes tributos. Há inúmeros detalhes,
alguns oportunisticamente inseridos em meandros pouco explícitos do projeto e que
demandarão análise detalhada. Mas chamo a atenção inicialmente para alguns aspectos
gerais.
1) A reforma é parcial. Não abrange tributos como o IR, o IPI e os impostos municipais,
contemplando apenas tributos sobre o consumo. É perfunctória quanto à desoneração da
folha de pagamentos;
2) Não há indicações quantitativas sobre os impactos das medidas nem sobre alíquotas,
bases e formas de cálculo. Convém lembrar que, em matéria tributária, o diabo mora
nos detalhes;
3) Altera critérios de partilha fiscal. Como ponto positivo, inclui novos tributos federais
nos mecanismos de divisão da arrecadação. Por outro lado, dificulta a apuração para
saber se Estados e municípios vão receber mais ou menos recursos;
4) Desconstitucionaliza critérios de partilha do ICMS. Isso vai prejudicar as capitais e
os grandes municípios brasileiros;
5) Critérios de partilha incertos. Os métodos de "enforcement" não estão claramente
definidos principalmente porque os repasses não serão de cima para baixo (União para
Estados e municípios). As transferências serão laterais (entre Estados). Não se sabe
quanto vai custar a estrutura de fiscalização, quem irá fiscalizar nem se os mecanismos
de punição de Estados que não repassarem o ICMS serão eficazes;
6) Incertezas dos impactos do ICMS no destino. As compensações pelo Fundo de
Equalização são incertas e subjetivas, não dando garantias seguras aos Estados
perdedores;
7) Reforma protelatória. O governo pressupõe que governadores e prefeitos só pensam
em seus respectivos mandatos e que aceitarão azedumes se ocorrerem daqui a 10 ou 20
anos;
8) Nota fiscal eletrônica. É uma medida ingênua e de difícil execução, já que gera
custos para sua instalação, não considera o ambiente socioeducacional da população
nem que a informalidade é quase uma regra no Brasil. Será uma "espada de Dâmocles"
sobre a cabeça dos Estados, na medida em que sua não-implementação fará com que
eles não participem do Fundo de Equalização. Se o governo acha que ela resolve o
problema da sonegação, é bom lembrar que basta tirar o aparelho da tomada que a
operação não será registrada;
9) Abertura para a multiplicação de alíquotas. Os especialistas em IVA consideram
ideal a existência de apenas uma alíquota ou, no máximo, duas ou três. Voltaremos ao
tema.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
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MARCOS CINTRA
Fim da CPMF e inflação
A hipótese mais provável é que o fim
da CPMF serviu para aumentar as
margens de lucro das empresas
OS CRÍTICOS da CPMF diziam que ela era altamente inflacionária. Segundo eles, o
tributo tinha um peso de 2% nos preços. Portanto, dada a magnitude do choque ocorrido
com sua extinção, era de esperar que poderia ocorrer deflação. Mas nada disso
aconteceu.
Com base na matriz interindustrial do IBGE, calculei o impacto da CPMF sobre os
preços em 42 setores da economia brasileira. Em seguida, comparei essa carga com os
dados do IPCA de janeiro, divulgados na semana passada, para aferir se a extinção do
"tributo do cheque" teve efeito sobre a inflação. A precisão dessa análise requer
avaliações mais pormenorizadas, mas a comparação entre o que ocorreu com os preços
no primeiro mês sem a contribuição e o peso que ela tinha nos setores produtivos é um
sinalizador imediato para que se apure se, do ponto de vista da inflação, a extinção da
CPMF foi um avanço.
A CPMF representava, em média, 1,61% no preço dos bens e serviços. Portanto, sua
extinção deveria reduzir os preços em torno disso, supondo repasse total desse impacto
nos preços ao consumidor. Porém o IBGE apontou que em janeiro o IPCA subiu 0,54%.
Obviamente, fatores como sazonalidade, a estrutura de cada setor produtivo e o ritmo da
atividade econômica devem ser considerados para fazer uma análise mais precisa. Mas,
neste primeiro momento, a expectativa que se criou é que os preços cairiam sem o
tributo, dada a magnitude do esperado choque de preços causado pela extinção da
CPMF.
É oportuno primeiramente fazer algumas considerações a respeito de índice global.
Quando se compara janeiro de 2007 com o mesmo mês de 2008, vê-se que o IPCA atual
se posicionou 0,10 ponto percentual acima do registrado no ano passado.
Já o acumulado de 12 meses no primeiro mês deste ano (4,56%) manteve a trajetória de
crescimento observada em dezembro de 2007 (4,46%).
Quanto ao núcleo do IPCA, observa-se que o índice saiu de 0,35% em janeiro de 2007
para 0,41% no mesmo mês de 2008. O acumulado de 12 meses passou de 3,62% em
dezembro de 2007 para 3,68% no mês seguinte. Portanto, observa-se que em todas essas
comparações a inflação global subiu em vez de cair.
Em termos de comparação setorial, o peso da CPMF é de no máximo 2,25% na
indústria do café. Segundo alguns críticos do tributo, esse setor deveria reduzir seus
preços em torno disso, mas o IPCA mostrou que no caso do café moído houve inflação
de 0,16% e, no solúvel, a redução de preços foi de apenas 0,73%.
No setor de eletroeletrônicos, a CPMF tinha custo tributário de 1,74% sobre o
faturamento, mas seus preços aumentaram 0,11%; na indústria automobilística, o tributo
pesava 1,69% e houve inflação de 0,26%; na indústria farmacêutica, o tributo
representava 1,49%, mas o IPCA registrou 0,15%. Na área de transportes, que tem peso
elevado para os consumidores, a CPMF representava 1,33%, mas os preços aumentaram
0,4%; e, nos serviços pessoais, em que o ônus do tributo era de 1,31%, os preços
cresceram 0,64%.
A inflação mensal de janeiro perdeu fôlego em relação a dezembro, mas isso está longe
de ser explicado pelo fim da CPMF. Muito pelo contrário, a comparação setorial mostra
que a hipótese mais provável é que a redução do custo tributário serviu para aumentar as
margens de lucro das empresas.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
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MARCOS CINTRA
Delírio burocrático
Na questão tributária, o país precisa
mudar paradigmas em vez de
aprofundar seus defeitos, como tem
ocorrido
ENTENDER a confusa legislação tributária no Brasil é uma tarefa difícil até para os
mais experientes tributaristas. Para o contribuinte é um fator de risco considerável, já
que qualquer falha de interpretação pode significar indício de fraude para o fisco,
expondo-o a severas punições.
A burocracia tributária no Brasil é uma praga cada vez mais resistente. A produção de
normas não cessa e torna a vida do contribuinte um inferno. Há estimativas mostrando
que, desde a promulgação da Constituição Federal, em 1988, até 2007 foram editadas
nos três níveis de governo quase 236 mil normas tributárias no país. Isso equivale a 50
novas regras por dia útil. É uma proliferação insana de leis, decretos, medidas
provisórias, emendas, normas complementares, entre outros instrumentos jurídicos, que
acabam impondo pesados custos aos contribuintes, sobretudo às empresas.
Se já não bastasse a opressão fiscal que extrai cerca de 36% da renda do setor produtivo,
as empresas no Brasil são obrigadas a conviver com gastos adicionais para atender às
imposições acessórias do fisco. Esse "custos de conformidade", como a literatura
especializada vem chamando esses encargos impostos aos contribuintes, chegam a
0,75% do PIB (tomando por base pesquisas feitas junto à média das empresas abertas
brasileiras). E podem atingir o equivalente a 5,82% do PIB, quando se considera esse
desembolso para as companhias abertas com receita bruta anual de até R$ 100 milhões,
classe que inclui a ampla maioria das empresas brasileiras.
Recentemente o Banco Mundial, em parceria com a consultoria
PricewaterhouseCoopers, publicou um estudo comparando o tempo que as empresas
gastam para apurar tributos a pagar em 178 países. Uma empresa submetida à legislação
tributária brasileira gasta por ano 2.600 horas (equivalente a 108 dias e oito horas) com
a burocracia nos três níveis de governo, enquanto que a média mundial é de 1.344 horas
(equivalente a 56 dias no ano). No Chile são necessárias 316 horas; na China, 872; na
Índia, 272; na Rússia, 448; e, na Argentina, 615.
A estrutura tributária brasileira como um todo é muito ruim, mas há tributos que são
símbolos do caos que prevalece no país. Continuam vigindo, por exemplo, o PIS e a
Cofins, contribuições que passaram a ter uma calamitosa proliferação de normas e
procedimentos regulatórios desde quando os críticos da cumulatividade impuseram a
tese de que a solução seria cobrá-las sobre o valor agregado.
E, sintomaticamente, o único tributo que era simples, transparente, sem custo para o
governo ou para o contribuinte e altamente produtivo na arrecadação, a CPMF, foi
sumariamente trucidada por uma bem urdida ação política, e que irá acarretar impactos
altamente nocivos à economia do país.
Surge agora mais uma fonte para alimentar o apetite burocrático de nossos tributaristas:
a Nota Fiscal Eletrônica. Será mais uma tentativa de "aperfeiçoar o obsoleto", como
diria o saudoso Roberto Campos. Será mais um instrumento para aumentar o custo
tributário das empresas, a tornar ainda mais complexa a vida dos agentes econômicos
em nosso país, e que em nada irá diminuir os estímulos à evasão e à sonegação que a
complexidade e a alta carga tributária inevitavelmente produzem em nossa economia.
Na questão tributária, o país precisa mudar paradigmas em vez de aprofundar seus
defeitos, como nossa burocracia pública vem insistindo em fazer.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
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nesta coluna.
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MARCOS CINTRA
Escolha perigosa
O Brasil, com carga tributária de 33,4%, escolheu o modelo europeu, típico de
países que optaram pelo "welfare state"
AGORA QUE a reforma tributária volta a ser discutida, cabe avaliar o que se pretende
fazer no Brasil e o que se passa em outros países, notadamente nos mais avançados.
Usando dados da OCDE para 2005, reuni alguns países membros, em três grupos: o dos
países ricos, com carga tributária média de 41,8% (Suécia, França, Reino Unido e
Alemanha); o dos países intermediários, com carga tributária média de 34,9% (Itália,
Hungria, Espanha e Coréia do Sul); e o das economias emergentes, com carga tributária
média de 33,8% (República Tcheca, Grécia, Portugal, Turquia e Eslováquia). Ao final,
adicionei os dados referentes ao mesmo ano em questão para os Estados Unidos e o
Brasil.
Há dois grandes padrões de tributação em uso no mundo de hoje. Em primeiro lugar, o
padrão europeu de tributação, caracterizado por alta carga tributária, sempre superior a
30% do PIB, independentemente da renda per capita, e em alguns casos supera 40%,
podendo até chegar a 51,2%, como é o caso da Suécia.
A composição da carga tributária nesse padrão mostra que o maior componente na
arrecadação de tributos oscila entre os impostos indiretos sobre venda (IVAs) e as
contribuições sociais sobre folha de pagamento. Em relação à arrecadação total, os
tributos sobre vendas representam de 28% nos países ricos a até 40% nos emergentes, e
a participação dos tributos sobre a folha de pagamentos situa-se entre 30% nas
economias intermediárias e 33% nos países desenvolvidos.
Já o Imposto de Renda no modelo europeu tem um peso de 14% nos países emergentes
e de 25% nas economias ricas para as pessoas físicas , enquanto para as empresas ele
pesa 7% na arrecadação das economias avançadas e 10% nos países intermediários e
emergentes. Esse padrão vem se acentuando ao longo do tempo, com o Imposto de
Renda perdendo espaço para tributos indiretos e sobre folha de salários.
O segundo padrão, o americano, em uso principalmente nos Estados Unidos,
caracteriza-se por maior dependência do Imposto de Renda, principalmente das pessoas
físicas, ao passo que as tributações sobre folha de pagamentos e sobre vendas vêm em
segundo e terceiro lugares, respectivamente. Nesse modelo, a carga tributária é mais
baixa, como é o caso dos Estados Unidos, com carga de impostos de 26,8% do PIB.
O Brasil, com carga tributária de 33,4%, escolheu o modelo europeu, típico de países
que optaram pela economia do "welfare state".
O que mais chama a atenção nessa tipificação tributária é que o modelo europeu tributa
mais pesadamente a circulação, ao passo que o modelo americano concentra seu esforço
de arrecadação na renda das pessoas.
Os Estados Unidos, por exemplo, não possuem IVA, que, além de ser impróprio para
uso em países com estrutura política federativa, se caracteriza por pesada burocracia de
apuração e recolhimento, dando ampla margem para a prática de evasão e sonegação.
Na Europa, ele vem sendo questionado por conta de fraudes freqüentes nas operações
entre países daquele continente.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 62, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
[email protected]
MARCOS CINTRA
O pior dos mundos
A oposição deu boa desculpa ao
governo para justificar a sua
incompetência na gestão dos
serviços públicos
NUM ATAQUE de "delirium juvenilis" (não sei se isso existe), a oposição resolveu
mostrar que é macha... e deu no que deu.
Após a peça orçamentária para 2008 estar negociada no Congresso, cortou subitamente
R$ 40 bilhões da CPMF, que representam quase 8,5% da receita federal e praticamente
a metade dos gastos discricionários da União. Uma barbárie desse tipo jamais foi
praticada pela oposição, nem mesmo nos tempos mais raivosos do PT na oposição.
A realidade é que não se pode cortar na carne do orçamento público e ficar impune.
Outros impostos serão aumentados (vide IOF e CSLL) e, pior, o déficit público poderá
aumentar (o que se espera não venha a ocorrer, mas poderá ser inevitável).
Apesar de a CPMF ser um bom imposto, como tenho insistentemente afirmado, ela é
rejeitada por 75% da população. A oposição poderia capitalizar politicamente aceitando
a prorrogação (o que seria bom para o país) e, sob protestos, culpar o governo pela
"odiosa" prorrogação do tributo. Mas preferiu se entrincheirar heroicamente em praça
pública. Colheu uma autêntica vitória de Pirro.
O governo poderá agora, com a maior desfaçatez, adotar medidas que não ousaria
praticar até o fatídico 13 de dezembro e jogar tudo no colo da valente oposição, que
agora diz se sentir "traída".
A teoria de que a única maneira de reduzir a carga tributária é cortar o suprimento de
oxigênio do orçamento público é ingênua e revela desconhecimento da máquina
governamental. Os economistas sabem que alguns fenômenos são assimétricos quando
vão em direções opostas. Chamam isso de "ratchet effect", ou efeito anzol. Por
exemplo, a velocidade e a fluidez no aumento de gastos são sempre mais suaves do que
na redução, sempre marcada por atritos e resistências.
Nesse sentido, a luta contra a carga tributária e contra o aumento de gastos exige mais
do que atos heróicos de suspensão de receitas, pois os gastos continuarão a serem feitos;
exige trabalho penoso, persistente, para fazer a própria população entender que o
governo não é a solução de todos os seus problemas. A maioria é contra impostos, mas
não se cansa de exigir mais serviços do poder público. É correto lutar com unhas e
dentes contra o aumento de impostos e de gastos, como a sociedade brasileira fez contra
a MP 232. Mas outra coisa totalmente diferente é decepar do orçamento público
pedaços inteiros já comprometidos, como aconteceu com a CPMF.
A culpa é da oposição, dirá o governo, que agora, cândida e inocentemente, pode adotar
medidas como violar abertamente o sigilo fiscal e pessoal dos brasileiros, ao seqüestrar
suas movimentações bancárias e seus extratos de cartões de créditos (o que já foi feito),
aumentar impostos por decreto (o que também já fez), punir bancos e comerciantes com
elevações no custo do crédito (idem) e jogar água fria nas expectativas de manutenção
do superávit primário e na obtenção do grau de investimento, que já está deixando de
orelha em pé as agências de avaliação de risco.
A oposição conseguiu o pior dos mundos. Não vai reduzir a carga tributária, deu de
bandeja boa desculpa ao governo para justificar sua incompetência na administração dos
serviços públicos e perdeu de vez a legitimidade para negociar desonerações tributárias
(como a desoneração da folha de salários), a reforma tributária e mais recursos para
áreas essenciais (como a saúde) que haviam sido arrancadas do governo a fórceps na
discussão da CPMF.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
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MARCOS CINTRA
As abusivas tarifas bancárias
A redução no nº de tarifas e seu
congelamento por 6 meses não
impedem que o setor bancário
continue praticando abusos
OS BANCOS não têm do que reclamar. Lucros bilionários recordes têm sido
registrados todo ano, e em 2007 não será diferente. A rentabilidade deve superar a do
setor petrolífero, que tradicionalmente lidera o ranking. Nada contra altos lucros, desde
que sejam produzidos por atividades justificáveis e socialmente responsáveis.
De janeiro a setembro de 2007, os cinco maiores bancos (Bradesco, Itaú, ABN Real,
Santander e Unibanco) anunciaram lucros líquidos de R$ 18,5 bilhões -alta de 90% ante
o mesmo período de 2006. O aumento do volume de crédito e o maior número de
pessoas utilizando os serviços bancários contribuíram para inflar os ganhos do setor, o
que é bom. Mas um item que tem sido determinante para os resultados são as tarifas
cobradas, que são abusivas e precisam ser coibidas. Se o setor bancário fosse
plenamente competitivo, elas não teriam mostrado a evolução vista nos últimos anos.
Entre 1994 e 2006, a receita dos bancos com a prestação de serviços subiu sete vezes, de
R$ 6,4 bilhões para R$ 52,8 bilhões. A participação das tarifas na receita total no
período saltou de 6,5% para 17,7% e deve superar 20% em 2007.
Um estudo do Dieese, publicado em 2006, mostra a evolução do peso das tarifas. Em
1994, essa receita equivalia a 26% das despesas com pessoal nos 50 maiores bancos.
Em 2005, ela representou 102,3%.
O aumento do peso das tarifas na receita do setor bancário não aconteceu por acaso. Em
1994, o BC deu total liberdade para os bancos cobrarem pelos serviços que prestavam
como forma de compensá-los pela perda do "floating", um ganho expressivo que eles
obtinham na época da inflação galopante e que o Plano Real fez desaparecer.
Hoje, os bancos ganham mais com a cobrança de tarifas do que com o "float"
inflacionário dos anos 80 e 90. O tema ganhou destaque quando o Ministério Público
abriu inquérito contra o BC e o CMN argumentando que os órgãos, que deveriam coibir
os abusos praticados pelos bancos, permitiram que o setor explorasse seus clientes. O
governo federal, pressionado, resolveu intervir para regulamentar o preço dos serviços
cobrados pelas instituições.
As despesas que os bancos lançam nas contas dos clientes muitas vezes passam sem
serem notadas pois muitos valores são pequenos. Mas, se forem somados no fim do mês
ou do ano, compondo um extrato unificado, o consumidor perceberá que cada vez mais
esses serviços abocanham uma fatia considerável de seu orçamento. Em realidade, as
tarifas funcionam como uma CPMF, abocanhando parcelas crescentes dos recursos
financeiros da população que movimenta contas bancárias.
A questão das tarifas bancárias no Brasil envolve tanto sua proliferação como os valores
cobrados e os reajustes aplicados. Segundo a consultoria Vida Econômica, em 13
bancos pesquisados foram apurados 58 serviços tarifados para as empresas e 41 para as
pessoas físicas, sendo que esses clientes chegaram a arcar com aumentos tarifários de
4.661% e 49.900%, respectivamente, no período entre 2001 e 2006.
A redução da quantidade de tarifas para 20 e seu congelamento por seis meses, a partir
de abril de 2008, não impedem que o setor bancário continue praticando abusos. As
medidas não enfrentam o problema da promiscuidade que reina entre os bancos e o BC.
É preciso rever a legislação antitruste e acabar com a imunidade dos bancos às análises
do Cade, da SDE e da Seae. Seria importante para estimular a concorrência e conter a
escalada tarifária.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da FGV, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A
verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas, a cada 15 dias, nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
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MARCOS CINTRA
Revascularização do trânsito em SP
A revascularização do trânsito em
SP, fazendo-o fluir por um número
maior de vias, deveria ser a diretriz a
ser seguida
SÃO PAULO é vitima de uma concepção urbanística ultrapassada, que vê a cidade
como um núcleo central rodeado por centros periféricos residenciais e comerciais de
segunda ordem. O sistema viário segue essa lógica, com a construção de grandes
artérias radiais para onde flui o trânsito, na expectativa de os veículos circularem em
velocidades mais elevadas em direção a esses pontos centrais. A perdurar esse modelo,
os problemas de congestionamento irão se agravar com o tempo, como vimos no artigo
"Neuróticos e improdutivos", publicado nesta coluna em 26/11/07.
Se o leitor sobrevoar a cidade em um helicóptero, verificará que os congestionamentos
se concentram nas grandes vias arteriais e em seus acessos, ao passo que o restante do
leito carroçável fica quase sem fluxo de veículos, mesmo nos horários de pico. A
perversa lógica viária arrasta os motoristas para essas artérias por meio de complexo
sistema de mão e contramão, bloqueios de vias e redes de semáforos que privilegiam as
grandes correntes de tráfego.
Essa concepção viária induz à execução dos megaprojetos de vias arteriais como os de
gigantescos túneis, avenidas, viadutos e pontes (a grandiosidade da ponte estaiada da
Berrini deixa a impressão de que transatlânticos irão circular abaixo dela nas raquíticas
águas do rio Pinheiros!!). Essas grandes obras têm se revelado inúteis, pois apenas
deslocam os congestionamentos para alguns metros adiante.
Vale uma comparação de São Paulo com a ilha de Manhattan, em Nova York. Na
capital paulista, são 1.509 km2, por onde circulam quase 6 milhões de veículos, ou seja,
cerca de 4.000 veículos por km2. Em Manhattan, com área de 87,5 km2, circula 1,9
milhão de veículos, ou 22 mil carros por km2. Mesmo tendo densidade de veículos 4,5
vezes maior, os congestionamentos lá são bem menos intensos. Os veículos ocupam de
maneira mais ou menos homogênea toda as vias da ilha, fazendo o trânsito fluir por toda
a superfície com mais velocidade. Essa comparação mostra que a revascularização do
trânsito em São Paulo, fazendo-o fluir por um número maior de vias, deveria ser a
diretriz a ser seguida em curto prazo. O sistema arterial concentrador não funciona mais.
O modelo arterial demanda investimentos pesados em grandes obras viárias, como a
ponte estaiada da Berrini (R$ 230 milhões orçados) e os túneis Jânio Quadros (R$ 1,2
bilhão), Ayrton Senna (R$ 1,02 bilhão) e os Rebouças e Faria Lima (R$ 220 milhões),
apenas para citar as mais conhecidas. Com os mesmos recursos teria sido possível
revascularizar o trânsito construindo 88 novas pontes de porte médio, como a da Cidade
Jardim, por exemplo, com seis vias cada uma, ao custo unitário de R$ 30 milhões.
Seriam criadas 528 novas pistas em pontes que atravessariam os rios Pinheiros e Tietê a
cada 500 metros, complementando as atuais 30, que viraram pontos de estrangulamento.
O objetivo deve ser revascularizar o trânsito. Em vez de grandes obras, bastaria um
conjunto de obras de porte menor por todos os pontos críticos da cidade de forma a criar
um sistema integrado de circulação paralela às grandes artérias.
A médio prazo se estaria criando uma malha de vias reticulares por toda a cidade,
desconcentrando fluxos de veículos, retirando-os das artérias entupidas e aproveitando
melhor cada metro quadrado dos mais de 16 mil quilômetros de vias existentes em São
Paulo e que hoje ficam ociosas, exceto para o trânsito local.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 62, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
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MARCOS CINTRA
Neuróticos e improdutivos
O sistema viário de São Paulo é
arterial; é preciso revascularizá-lo,
pois as artérias entupiram
PODE PARECER que hoje não escreverei sobre economia. Mas o tema que abordarei
tem profundas implicações econômicas. Trata-se da calamidade nos transportes e nos
congestionamentos na cidade de São Paulo.
Hoje já não é preciso muito para que os congestionamentos ultrapassem 200
quilômetros. Uma blitz policial, um ou dois carros quebrados e mais alguns acidentes
nas principais vias de circulação e a cidade pára. A probabilidade de que uma
combinação desses fatores ocorra aumenta a cada momento, na medida em que a frota
paulistana supera 5,9 milhões de veículos e todo mês 30 mil novas unidades são
adicionadas a ela.
As conseqüências dessa situação são dramáticas. Estimar o que isso significa em valor
produziria números assustadores, que certamente agravam o "custo Brasil" e reduzem as
vantagens competitivas das produções paulistana e brasileira.
O desgaste dos equipamentos causados pelos congestionamentos, a poluição que geram
e o aumento do consumo de combustíveis já são aspectos negativos consideráveis em
qualquer análise econômica. Contudo isso será pouco quando comparado ao valor
econômico das horas de trabalho desperdiçadas e na perda de qualidade de vida dos
habitantes da cidade, causada pelo desgaste físico e psicológico do trânsito parado.
Hoje, durante o período do rodízio, os congestionamentos em São Paulo atingem em
média 85 quilômetros pela manhã e 120 quilômetros à tarde/noite. Considerando que
essa situação ocorre em vias duplas (quatro pistas) temos cerca de 615 mil carros. Caso
sejam ocupados em média por duas pessoas, são cerca de 3,7 milhões de trabalhadores
parados por hora. Se nesse período eles pudessem produzir, ao custo de três salários
mínimos, a previsão de perda diária supera R$ 105 milhões, ou mais de R$ 27 bilhões
no ano. Há solução?
Transportes coletivos, com ênfase em investimentos em metrô, são sempre citados
como a solução futura para esses problemas. Mas até lá o que poderá acontecer? A
carência de recursos é enorme e nem sequer iremos atingir níveis de investimento para
começar a resolver a situação.
Essa posição passiva implica dizer que não haverá solução até o país se tornar rico e ter
recursos para investir ou atrair investimentos externos. Mas isso não ocorrerá com essas
condições de trânsito, que geram deseconomias externas e restringem a capacidade de
crescimento da renda, do emprego e dos recursos para investimento.
Provavelmente o problema se encontre no modelo de circulação adotado em nossa
cidade. Creio que há como reduzir os congestionamentos e assim esperar até que os
investimentos em transportes coletivos sejam aumentados e gerem efeitos positivos.
Buscar soluções deve ser a prioridade de qualquer governo, mas simplesmente não fazer
nada até que isso ocorra é suicídio econômico e tortura mental e psicológica para a
população.
O sistema viário de São Paulo é arterial, herança dos planos urbanos do passado e do
conluio entre grandes empreiteiros e administradores públicos. É preciso revascularizar
com urgência a estrutura viária paulistana, pois as artérias entupiram. Voltarei a tratar
do tema no próximo artigo. Só lamento que as autoridades de nossa cidade se omitam, e
simplesmente esperem recursos para investir em transporte e trânsito.
Enquanto isso, o "custo São Paulo" explode, e a população é obrigada a ficar cada vez
mais tempo dentro de seus veículos, tornando-se mais neurótica e menos produtiva.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
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MARCOS CINTRA
O IVV é um retrocesso
O potencial de sonegação, já elevado
no varejo, crescerá com um tributo
cobrado na ponta do consumo
OS MUNICÍPIOS podem perder o ISS com o projeto de reforma tributária que deve
chegar ao Congresso neste mês. Em seu lugar, o governo propõe que passem a cobrar
um novo imposto -o IVV (imposto sobre venda a varejo).
O IVV é um tributo pago no último estágio do processo de fabricação e distribuição de
mercadorias, como ocorre nos Estados Unidos. É adicionado na nota fiscal quando o
consumidor adquire um bem em um estabelecimento varejista. Ou seja, ao efetuar uma
compra em uma loja, farmácia ou restaurante, por exemplo, o cliente teria o imposto
somado ao preço final, e o comerciante seria o responsável pelo seu recolhimento ao
fisco municipal.
O IVV é uma espécie tributária que causará prejuízos ao setor produtivo e aos
municípios. É um motivo de preocupação para o comércio varejista e para as prefeituras
e vai aprofundar uma das principais anomalias que a reforma tributária deveria corrigir,
que é a sonegação.
Os varejistas devem ver o IVV com muita apreensão porque ele irá impor ao segmento
novos custos de administração tributária, subtraindo-lhes capital de giro e pressionando
suas margens de lucro. Outro aspecto a ser considerado desse imposto refere-se ao fato
de que o potencial de evasão tributária, que já é elevado no varejo, irá crescer com a
criação de um tributo cobrado na ponta do consumo. As grandes redes varejistas devem
ser as mais prejudicadas, uma vez que, até pela necessidade de planejamento, elas
precisam formalizar suas operações mercantis, enquanto no pequeno comércio a
informalidade será estimulada, aumentando o peso da sonegação como fator de
competitividade.
Para os prefeitos, a proposta também é motivo de preocupação. Eles vão perder a base
de incidência tributária que mais cresce na economia moderna, que é a prestação de
serviços. Entre 2002 e 2006, o ISS foi a receita que mais aumentou (11,4%), somando
mais de R$ 15 bilhões no ano passado.
O governo propõe que a perda do ISS seja compensada com um IVV com alíquota de
cerca de 1,5% e que a União transfira recursos para as prefeituras no primeiro ano de
sua vigência. No segundo ano, essas transferências cessariam, e os municípios poderiam
reduzir ou aumentar a alíquota do IVV em um ponto percentual.
As administrações municipais devem atentar para o fato de que elas passariam a ter
competência sobre uma espécie tributária extremamente complexa, que exigiria a
manutenção de pesadas estruturas para administrar e fiscalizar um imposto no qual não
têm tradição.
Um dos principais desafios na implementação da reforma tributária é o efetivo combate
à sonegação. A ética tributária está destroçada no país.
A evasão fiscal é uma prática socialmente aceita, e não dá para imaginar que um
imposto que seria cobrado em milhões de pontos-de-venda no território nacional possa
ser adequadamente arrecadado. Negociar preço de mercadoria com base no diferencial
"com nota" ou "sem nota" faz parte da rotina dos consumidores no Brasil.
Vale lembrar que nos Estados Unidos a sonegação do imposto sobre vendas ("sales
tax") é considerada uma prática generalizada. O problema não é tão grave nos EUA pelo
fato de a base de incidência ter peso relativamente baixo. No Brasil, ela é o principal
item da arrecadação.
O burocrático IVV é um retrocesso para o país. É um imposto que prejudica as
prefeituras, impõe mais custos tributários aos varejistas e acentua a sonegação e a
corrupção.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
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MARCOS CINTRA
O mito da regressividade da CPMF
O ônus da CPMF sobre o orçamento
das famílias fica na casa de 1,3% uniforme em qualquer faixa de
renda
ESTE ARTIGO é apenas para registrar a existência de um mito cuja inveracidade
precisa ser revelada: a inerente regressividade dos impostos indiretos em geral, e da
CPMF em particular.
Em exercício que produzi utilizando quatro faixas mensais de renda familiar da POF
(Pesquisa de Orçamentos Familiares) 2002/2003 do IBGE, onde apliquei em cada item
que compõe a estrutura de gastos familiares a carga direta e indireta desse tributo
(calculada com o uso do modelo de Leontieff com base na matriz interindustrial do
IBGE), o resultado mostrou que a regressividade do imposto não é significativa,
devendo mais corretamente ser classificado como proporcional. Na menor faixa de
rendimento (R$ 454,69) a CPMF (direta e indireta) representa 1,64% da renda; na
segunda (R$ 1.215,33), 1,58%; na terceira (R$ 2.450,05), 1,51%; e na quarta (R$
8.721,92), 1,41%.
No artigo Imposto sobre Circulação Financeira, publicado na Folha em 24/9/95, a então
deputada federal Maria da Conceição Tavares descreveu o resultado de uma simulação
para apurar a suposta regressividade do IPMF (atual CPMF) sobre as pessoas físicas e
concluiu que esse tipo de tributo "recai fundamentalmente sobre o segmento de maiores
rendas". Segundo ela é falso o argumento de que o imposto pune basicamente os mais
pobres, uma vez que, em seus exercícios, constatou-se que as alíquotas médias efetivas
são maiores para as camadas de renda mais alta.
Conclusões semelhantes foram publicadas por Nelson Leitão Paes e Mirta Noemi
Sataka Bugarin no estudo "Parâmetros Tributários da Economia Brasileira", publicado
na Revista de Estudos Econômicos - FEA-USP (out-dez/2006). Os autores concluem
que a CPMF é o imposto mais harmonioso do sistema tributário brasileiro.
A tabela desta página, extraída do trabalho citado e que reproduz faixas de renda
selecionadas, mostra que a CPMF é um imposto proporcional. O ônus desse tributo
sobre o orçamento das famílias se mantém na casa de 1,3%, ou seja, ele é uniforme em
qualquer faixa de renda, não é regressivo.
Os dados da tabela revelam ainda que a tese de que a tributação sobre o consumo é mais
injusta também não se sustenta. A distribuição da carga entre as faixas de renda
praticamente não se altera, ficando na casa dos 28% para quase todos os níveis de renda
familiar.
Vale a pena chamar a atenção na tabela para a regressividade do ICMS, um imposto
sobre valor agregado. Essa sistemática é considerada muitas vezes como justa e o estudo
revela que nela as pessoas mais pobres são mais oneradas.
Pode-se concluir que a tese da regressividade essencial dos tributos indiretos e da
CPMF tem pés de barro. É um mito que se desfaz. Antes de repetir, sem a necessária
crítica, alguns conceitos heurísticos de livros-texto de economia, os leitores cuidadosos
devem saber que a questão exige análise caso a caso.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 62, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
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MARCOS CINTRA
Tributos, salários e empregos
A movimentação financeira se
revela um tributo simples,
insonegável e de robusta capacidade
arrecadatória
A DISCUSSÃO sobre a reforma tributária trouxe à tona a necessidade de desonerar os
rendimentos do trabalho. Somando as contribuições tributárias de patrões e empregados,
o ônus sobre os salários no país supera 40%, uma extravagância considerando o nível de
renda per capita nacional, sem falar na urgente necessidade de ampliar as oportunidades
de emprego formal. Hoje, os gastos das empresas com as contribuições para a
Previdência são de 36% do salário nominal, que, somados aos custos relacionados ao
tempo não-trabalhado, dobram a despesa das empresas com a contratação de um
funcionário.
A discussão sobre a prorrogação da CPMF também evidenciou que a excessiva carga
tributária poderia ser combatida de forma mais inteligente se, em vez de extinguir a
CPMF, ela fosse utilizada para substituir outros encargos mais perniciosos à economia.
O governo identificou a folha de salários das empresas como forte candidata para dar
início a esse processo gradual de redimensionamento dos ônus tributários que agravam
a economia.
No intuito de avaliar o efeito do uso da arrecadação da CPMF como alternativa para a
desoneração da folha de pagamento, a FGV avaliou qual seria o efeito sobre os
investimentos e os níveis de emprego e dos preços caso as contribuições previdenciárias
incidentes sobre a folha fossem extintas e a receita que elas geram tivessem como base
alternativa as movimentações financeiras, a mesma da CPMF. Esse estudo acha-se
disponível em http://www.marcoscintra.org/novo/geral.asp?id=702 e teve como
referência dados da Previdência Social e do IBGE para o ano de 2004.
Inicialmente, apurou-se que os encargos totais recolhidos ao INSS pelas empresas sobre
a folha de salários foi superior a R$ 57,5 bilhões, incluindo contribuições específicas ao
Sistema "S" e demais encargos como seguros etc. No caso da CPMF, a arrecadação no
mesmo período foi um pouco superior a R$ 26,4 bilhões, o que implica uma base de
incidência de quase R$ 7 trilhões. Ou seja, com base nesses números, o trabalho estima
que, para substituir aquela arrecadação previdenciária, obtendo uma receita equivalente,
seria preciso uma contribuição sobre a movimentação financeira (CMF) de 0,8153%.
O segundo passo no estudo foi avaliar qual o impacto dessa CMF com alíquota de
0,8153% sobre os principais agregados macroeconômicos. No caso do PIB, haveria uma
expansão adicional real de 1,75%, e, no nível de emprego, o aumento seria de 1,65%.
No nível de preços, haveria uma redução de 0,86% no IGP (Índice Geral de Preços) e de
0,57% no IPC (Índice de Preços ao Consumidor). Quanto ao consumo, o estudo também
revela um resultado positivo. A demanda global teria uma expansão de 1,96%.
Foram produzidas ainda simulações alternativas considerando a substituição parcial das
contribuições previdenciárias. A primeira considerou a eliminação só dos 20% incidente
sobre a folha e sua substituição por uma CMF de 0,45820%. Nesse caso, o PIB real
cresceria 0,98%, e o nível de emprego, 0,92%. O IGP cairia 0,48%, e o IPC, 0,32%. A
demanda global teria expansão de 1,09%.
A movimentação financeira vem se revelando um tributo de excelente relação custobenefício, simples, insonegável e de robusta capacidade arrecadatória. Sua
continuidade, portanto, deve ser defendida, desde que sua arrecadação seja utilizada
para permitir a eliminação de outros tributos mais prejudiciais à economia brasileira.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 62, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas, a cada 15 dias, nesta
coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
[email protected]
MARCOS CINTRA
A esquecida classe média
A intuição de sindicalista de Lula
lhe indicou que haveria que
compensar o destituído se quisesse
favorecer o opulento
O GOVERNO Lula vem praticando uma política econômica totalmente "market
friendly". Os negócios prosperam, os investimentos aumentam, e os lucros atingem
volumes recordes.
Isso é bom, pois o emprego e a renda nacional aumentam. Por outro lado, o presidente
afirma orgulhosamente que "o legado do nosso governo é a consolidação das políticas
sociais". Novamente, isso é bom, ainda que custe muito dinheiro.
A intuição de sindicalista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva lhe indicou que
haveria que compensar os destituídos se quisesse favorecer os opulentos. Pratica-se,
portanto, uma política positiva nos dois extremos da pirâmide econômica, no topo e na
base. Essa política vem funcionando. Mas a que custo?
O resultado do Tesouro Nacional referente ao período de janeiro a julho de 2007 revela
alguns dados importantes. O saldo primário do governo central se expandiu, dando a
impressão de maior capacidade de solvência do país, o que é muito bom. Relativamente
ao PIB (Produto Interno Bruto), o superávit primário aumentou de 3,19% para 3,35%,
crescendo nominalmente de R$ 41,5 bilhões para R$ 47,7 bilhões.
Surpreendentemente, no entanto, no mesmo período, a dívida líquida total do Tesouro
Nacional cresceu, ao invés de encolher, de 23,2% para 26% do PIB, o que é muito ruim.
O aumento fica mais dramático quando se considera que, na composição da dívida
líquida total, a dívida externa caiu de R$ 140,6 bilhões para R$ 115,5 bilhões, o que
evidencia a explosiva elevação da dívida interna líquida, de R$ 379 bilhões em julho de
2006 para R$ 520 bilhões no mesmo mês de 2007, um crescimento de mais de 37% no
período.
Vale lembrar que a elevação do superávit primário ocorreu durante um período de forte
crescimento dos gastos do governo central. No período janeiro-julho entre 2006 e 2007,
as despesas saltaram de 16,25% para 16,75% do PIB, um expressivo aumento de meio
ponto percentual. Nominalmente, as despesas aumentaram 12,87%.
O aumento do superávit primário, portanto, é o resultado de um enorme sacrifício para a
sociedade brasileira, pois as receitas do governo central aumentaram ainda mais que as
despesas, passando de R$ 240 bilhões entre janeiro-julho de 2006 para R$ 271,7 bilhões
no mesmo período de 2007. O aumento na receita foi de 13,2%, contra 12,9% das
despesas, levando à absorção, apenas pelo governo central, de 23,5% do PIB em 2006 e
de 24,3% do PIB em 2007. Ou seja, no período em questão, o poder público federal
absorveu 0,8 ponto percentual a mais da riqueza nacional.
Vêem-se, portanto, dois fatos preocupantes: em primeiro lugar, que o superávit primário
aumentou por conta de novas elevações das receitas, e não da parcimônia nas despesas,
como seria desejável. Em segundo lugar, que, mesmo com o aumento do saldo primário
do governo central, a dívida líquida não caiu, pelo contrário, aumentou.
O governo continua gastando muito, sempre mais e, dizem alguns, cada vez pior. Esses
dados preocupam e merecem uma reflexão.
O custo dessa política pró-mercado com políticas sociais é o achatamento da classe
média, pagadora de impostos e que tem sido forçada a suportar uma crescente e
asfixiante carga tributária.
A corda sempre estoura em algum ponto. Resta saber até quando a classe média
suportará tanto arrocho.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 60, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
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MARCOS CINTRA
"Cansei", "Cansamos" e outras manifestações públicas estão se tornando rotina,
mas são vazias de conteúdo
O BRASILEIRO não sabe, ou não quer, exercer sua cidadania. Um exemplo de
complacência no tocante à defesa de seus direitos é a tolerância com os desmandos da
administração pública. Felizmente, isso começa a mudar.
Pouco, mas surge uma movimentação social em defesa de direitos e contra abusos. Mas
ainda estamos longe do exercício da cidadania como se vê nos países avançados. O
brasileiro está aprendendo a reclamar, mas ainda não sabe reivindicar, até porque em
geral os movimentos sociais de protesto têm se limitado a serem isso mesmo, protestos.
Não são acompanhados de propostas e de cobrança por ações específicas.
Neste mesmo espaço, em 10/7/ 2006, critiquei essa situação no artigo "Está péssimo,
mas qual a proposta?". Afirmei que a mobilização de protesto é louvável, mas que seus
efeitos se esgotariam se não for seguida de ações práticas.
Havia dito que movimentos como o da Rádio Jovem Pan -"Brasil, país dos impostos"haviam cumprido importante papel. E depois? O que fazer? Nesse ponto, a cidadania se
silencia e tudo fica como antes.
Da mesma forma, o milionário movimento "Quero mais Brasil", que uniu em 2006
entidades empresariais e sindicais, só resultou em mais faturamento para a mídia. Pouco
restou de concreto.
Por que esses milhões de reais não são usados no financiamento de "think tanks", usinas
de estudos e de propostas concretas para os problemas brasileiros? Por que sindicatos,
federações e centrais de trabalhadores não investem na elaboração de caminhos a serem
trilhados pelo país, em vez de só se queixarem?
Aliás, essa questão começa a ser levantada, como pode ser averiguado no artigo ""Think
tanks" - por que o Brasil precisa deles", de Raymundo Magliano Filho e Carlos Eduardo
Lins da Silva ("Valor", 26/7/2007).
A incompetência na gestão pública já está se tornando um caso de morticínio no
transporte aéreo. As vítimas do acidente da TAM mostram que o limite já foi
ultrapassado.
Em vez de só reclamarem, as pessoas precisam propor soluções em todos os setores, dos
transportes à violência, da corrupção à sonegação, da política aos serviços sociais.
Em breve, o trânsito na cidade de São Paulo irá paralisar a cidade, fazendo as pessoas
abandonarem seus veículos nos congestionamentos.
Na questão tributária, por exemplo, em vez de bater em uma mesma tecla, a da abusiva
tributação e a da pantagruélica burocracia, a mobilização dos cidadãos deveria evoluir
para a apresentação de projetos. O risco é que, sem isso, a reforma tributária vire um
bordão sem conteúdo, ou, pior ainda, seja transformada em instrumento políticoeleitoral, como tem acontecido ultimamente.
Temo que hoje se estejam repetindo esses erros. "Cansei", "Cansamos" e outras
manifestações públicas, organizadas ou não, estão se tornando rotina. Mas são
movimentos vazios de conteúdo. Servem apenas para desopilar fígados, mas não
produzem resultados visíveis. E o mais desanimador é que, apesar dessas manifestações
de puro descontentamento, na hora decisiva das eleições o povo não muda sua atitude e
mantém as coisas como sempre estiveram.
Cadê as propostas? Os formadores de opinião (entidades empresariais e de
trabalhadores, partidos políticos, universidades etc.) devem cumprir seu papel de
estabelecer um debate público de qualidade, sob pena de os politiqueiros, e seus
marqueteiros de ocasião, continuarem ocupando esse vazio que se estabeleceu em nosso
país.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 60, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas, a cada 15 dias, nesta
coluna.
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A prorrogação da CPMF
A CPMF poderia, e deveria, ser
gradualmente aumentada para
substituir impostos convencionais
A EXPERIÊNCIA de quase 15 anos de um imposto sobre a movimentação financeira
no Brasil vem deixando por terra vários argumentos contrários a esse tipo de tributo.
Uma das mais fortes críticas à CPMF se refere à desintermediação bancária que ela
provocaria. Afirmam que 0,38% da CPMF é o máximo suportável e que acima disso
haveria estimulo à sonegação e à "desbancarização" da economia.
Os fatos desmentem essas previsões. Em dezembro de 1996 (a CPMF começou a ser
cobrada em 1997), os depósitos à vista representavam 1,8% do PIB, e, no mesmo mês
de 2006, a participação era de 4,4% do PIB. Vale citar que a Receita Federal publicou
em setembro de 2001 o "Texto para Discussão" nº 15 ("CPMF - Mitos e Verdades sob
as Óticas Econômica e Administrativa"), em que conclui que "a própria experiência
brasileira tem demonstrado que a maioria das teses pessimistas divulgadas na
implementação do imposto não ocorreu".
A remonetização (fuga bancária) no atual estágio globalizado da economia é tese
improvável. As operações mercantis são efetuadas cada vez mais por meio eletrônico, e
a operação com moeda manual implicaria custo e risco elevados.
Um caso evidente de que as pessoas utilizam cada vez mais os meios eletrônicos para
efetuar pagamentos pela internet é o da empresa norte-americana PayPal. O preço do
serviço equivale ao custo de transação causado pela CPMF.
No PayPal, há casos como o de recebimento via cartões (débito e crédito), em que a
tarifa chega a 4,9% mais US$ 0,30. Isso mostra que o argumento de que a alíquota da
CPMF não poderia ser superior a 0,38% é falso. O custo de operação financeira
oferecido pela empresa americana chega a ser mais de dez vezes maior que o da CPMF,
e o número de pessoas que utilizam o serviço continua crescendo geometricamente.
Outra evidência nesse sentido é percebida no Brasil. Estudo da Anefac de 2000 avaliou
o custo das tarifas bancárias no país. Os valores, em termos equivalentes sobre a
movimentação bancária dos clientes, são superiores à CPMF. No caso das empresas, os
serviços bancários chegaram a 1,43% sobre o faturamento. Para as pessoas físicas, a
renda equivalente para igualar as tarifas cobradas pelos bancos com a CPMF de 0,38%
está acima do 97º percentil da distribuição de renda no Brasil.
Estudo do site Vida Econômica mostra que, entre janeiro de 2001 e o mesmo mês de
2006, as tarifas bancárias cresceram consideravelmente (para as empresas, 50% das
tarifas subiram acima da inflação, e, para as pessoas físicas, 90% tiveram aumento
acima do IPCA). Isso leva a crer que esse custo cresceu em relação ao estudo de 2000
da Anefac.
Portanto o argumento de que um imposto sobre movimentação financeira, por implicar
custos de transação mais altos, levaria a desintermediação bancária não se sustenta e a
CPMF poderia, e deveria, ser gradualmente aumentada para substituir impostos
convencionais e para desonerar a folha de salários via redução das contribuições ao
INSS pagas pelas empresas.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 60, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
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MARCOS CINTRA
Inacreditável: vem aí mais um imposto
Com o IVV, cria-se uma combinação perfeita para novos focos de sonegação, de
evasão e de corrupção
PASMEM! O governo cogita criar mais um imposto. Sugiro aos varejistas que
coloquem suas barbas de molho, uma vez que eles podem ser a bola da vez na nova
investida que o poder público ensaia contra os contribuintes.
A investida coloca na linha de tiro do fisco os comerciantes, uma vez que se cogita
resgatar o nefasto projeto do imposto sobre venda a varejo (IVV), apresentado pelo
deputado Mussa Demes quando elaborou o substitutivo à PEC (Projeto de Emenda à
Constituição) nº 175/95.
A instituição do IVV alcançaria milhões de pequenos estabelecimentos na cadeia
varejista de comércio, impondo-lhes novos custos de administração tributária e
subtraindo-lhes capital de giro. O governo pretende enviar ao Congresso Nacional, a
partir de agosto, sua nova proposta tributária: a criação de um IVA federal e outro
estadual. No âmbito dos tributos da União, pretende-se unificar o PIS (Programa de
Integração Social), a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social),
o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e a Cide (contribuição sobre
combustíveis) e na esfera estadual a intenção é integrar o ISS (Imposto Sobre Serviços)
à base do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).
Se de um lado a proposta em estudo causa apreensão aos varejistas, de outro os
prefeitos devem ver no projeto um motivo de preocupação, já que teriam de abrir mão
da receita que mais cresceu entre 2002 e 2006 (o ISS aumentou 11,4%) e, como
compensação, passariam a cobrar um tributo absurdamente complexo como o IVV. Ou
seja, os municípios perderiam a base "serviços", em expansão no mundo globalizado e
terceirizado da atualidade, e teriam pesados custos de administração e fiscalização de
um imposto no qual não têm tradição.
Cabe citar que há estimativas apontando que 30% das prefeituras perderão um terço ou
mais de suas receitas próprias se o ISS for incorporado ao IVA. Na região paulista do
Grande ABC, por exemplo, a expectativa dos prefeitos é que as perdas sejam da ordem
de R$ 400 milhões.
O IVV é um tributo ultrapassado sob todos os pontos de vista, e que não se enquadra na
tradição tributária brasileira. Num país onde a sonegação destroçou a ética tributária e
onde a evasão passou a ser costume socialmente ratificado, como imaginar que o IVV
seja adequadamente arrecadado em cada um dos milhões de pontos-de-venda a varejo?
É um tributo que pode funcionar em economias como a norte-americana, mas jamais na
brasileira.
Esse sistema tributário vai na contramão de tudo o que a sociedade espera. O
contribuinte quer menos tributos, menos burocracia, menos fiscais e menos corrupção.
Nada disso será conseguido se o IVV for aprovado. Trata-se de uma proposta
burocrática, convencional e conservadora. Vai prejudicar os municípios e infernizar a
vida do comércio varejista e do consumidor final. Com o IVV, cria-se uma combinação
perfeita para gerar novos focos de sonegação, de evasão e de corrupção. O deformado
sistema tributário brasileiro ficará ainda mais horripilante.
Em suma, a instituição de um tributo como o IVV trará sérios prejuízos aos
comerciantes e às prefeituras. Além disso, vai aprofundar as graves anomalias sobre a
economia do país provocadas pela caótica estrutura tributária. O novo imposto é um
golpe contra os municípios, um abuso contra os comerciantes e uma afronta contra os
contribuintes em geral.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 60, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
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MARCOS CINTRA
A função dos impostos
A ênfase na extrafiscalidade dos
tributos, ainda que seja legítima,
vem se sobrepondo aos seus
objetivos fiscais
OS CRÍTICOS dos impostos não-declaratórios sobre movimentação financeira, mais
especificamente ao projeto do Imposto Único, afirmam que, por serem gerais, universais
e com estrutura simplificada de alíquotas, o governo perde a capacidade de calibrar o
sistema de acordo com seus propósitos e de praticar políticas econômicas seletivas. Daí
surge uma questão: afinal, qual é a função dos impostos? Ao longo dos tempos, os
tributos passaram a ter funções extrafiscais.
Passou-se a acreditar que a redistribuição de renda e de riqueza, pela cobrança punitiva
de impostos dos mais eficientes e mais poderosos, seria sua função essencial. O
ativismo governamental e a política econômica keynesiana enfatizaram o papel dos
impostos, e da isenção deles, como meios para alcançar o desenvolvimento econômico.
Ecologistas e sanitaristas passaram a usar o sistema tributário como forma de proteção
do ambiente e de punição para infratores. Planejadores urbanos e regionais enxergam no
sistema tributário mecanismos de indução para alcançar objetivos socialmente
desejáveis. Agricultores querem a reforma agrária pela tributação dos latifúndios.
Instituições policiais enxergam nos impostos uma forma de identificar meliantes.
Em suma, todos procuram no sistema tributário solução de seus problemas. Em 2001, o
então secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, disse: "Isso serve apenas para
demonstrar que o debate sobre matéria tributária pode tomar rumos imprevisíveis,
ditados por razões fortuitas ou motivos insondáveis".
A ênfase na extrafiscalidade dos tributos, ainda que legítima, vem se sobrepondo aos
objetivos fiscais, tornando o sistema tributário brasileiro complexo e pouco funcional
em sua função essencial, que é a de arrecadar recursos para financiar o Estado. A
estrutura tornou-se cara, ineficiente, corrupta e indutora das mais variadas formas de
evasão.
O formalismo teórico, típico da burocracia pública e da academia, que busca identificar
os impactos alocativos e distributivos dos tributos com milimétrica precisão, revela-se
cada vez mais ilusório, dado que construído no campo da alta abstração. No artigo
"Impostos e paradoxos", publicado nesta Folha em 28/4/98, Mangabeira Unger, atual
ministro-chefe da Secretaria de Planejamento de Ações de Longo Prazo, abrange a
necessidade de resgatar a função fiscal do sistema tributário, afirmando que a visão
acadêmica desdobra-se em meio a "ilusões edificantes e tranqüilizadoras", mas "o
mundo é selvagem e obscuro". O autor afirma que mesmo impostos indiretos, e por que
não cumulativos, podem "gerar muito dinheiro com pouco desarranjo econômico", ao
passo que impostos diretos e progressivos, tão caros aos economistas de gabinete,
"como o Imposto de Renda sobre a pessoa física, não produzem a receita necessária.
Nem pode fazê-lo, por enquanto, sem acarretar desincentivos, fugas e evasões
devastadoras". Unger vai além e diz que o essencial é gerar "dinheiro para o Estado
investir no social".
É preciso resgatar a função arrecadatória dos impostos no Brasil. Criar exceções
beneficiando esse ou aquele segmento deforma cada vez mais o atual "Frankenstein"
tributário brasileiro. Ademais, a ênfase nesse princípio básico das finanças públicas
deve estar em sintonia com a realidade da estrutura do país, onde predominam a absurda
complexidade, a brutal sonegação e o elevado custo para os agentes públicos e privados.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 60, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
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MARCOS CINTRA
Globalização e tributos
Tributos como a Cofins poderiam
ser substituídos por um imposto
sobre movimentação financeira
UM DOS mais expressivos desafios que se apresentam aos legisladores, tributaristas,
economistas e administradores ante o processo de globalização refere-se à adequação da
estrutura de financiamento do Estado a uma conjuntura internacional regida por uma
estratégia fiscal competitiva e baseada em sofisticados sistemas da era da informática.
Nesse sentido, nota-se um esforço para reformar os sistemas tributários convencionais,
que vêm se mostrando crescentemente desgastados pela corrosão da eficácia dos
mecanismos de exação das estruturas burocráticas, que se tornam cada vez mais
impotentes para dirigir e controlar o processo fiscal em seus respectivos Estados
nacionais.
A tônica dominante nesse esforço renovador tem sido a busca de métodos formais de
controle e fiscalização cada vez mais onerosos para o poder público e para o setor
privado.
Os gastos da administração tributária pública se agigantam. Ao mesmo tempo, os custos
de conformidade impostos ao setor privado para atender as novas obrigações tributárias
acessórias estimulam a concorrência desleal mediante a crescente sofisticação dos
mecanismos de planejamento tributário, de evasão e de movimentação de fatores de
produção e de capitais em todo o mundo.
Ademais, cabe lembrar que os agentes privados atuam em um ambiente que conta com
paraísos fiscais e zonas preferenciais que potencializa dramaticamente os efeitos
deletérios de uma reforma convencional. Igualmente perturbador é que essas tendências
acham-se presentes com maior intensidade em países como o Brasil, onde a atual
estrutura já impõe pesados custos para os agentes públicos e privados e estimulam
fortemente a sonegação.
É imprescindível a identificação de uma base imponível tributária, mais adequada à
realidade em curso.
Há que evitar reformas baseadas na estrutura clássica de impostos, que, no dizer do
saudoso Roberto Campos (1917-2001), "é uma curiosa relíquia artesanal na era
eletrônica".
O avanço tecnológico e a revolução da informática afetam em profundidade as formas
como as trocas econômicas se realizam nas economias contemporâneas. A moeda
manual vem sendo substituída pela escritural, em suas várias modalidades, como o
cheque, o cartão e a moeda eletrônica. Em breve as economias serão desmonetizadas.
O termo "cashless society", criado pela revista "The Economist" em 2001, resume um
novo ambiente econômico em gestação no mundo moderno. Alvin Toffler, em sua
recente obra, "Revolutionary Wealth", indica que a produção e as relações comerciais
poderão no futuro dispensar a existência de moeda manual.
A única base imponível que pode reduzir custos e combater a evasão tributária não
reside no lado real da atividade econômica, mas no circuito monetário. A
informatização dos bancos e a predominância da moeda eletrônica convergirão para a
adoção de sistemas baseados em impostos sobre movimentação financeira em várias
partes do mundo.
Nesse sentido, o Brasil se encontra em uma posição privilegiada no cenário mundial,
uma vez que seu sistema bancário é um dos mais modernos e a moeda manual
representa cerca de 3% do PIB, uma das proporções mais baixas do mundo. Tributos
como a Cofins e o INSS patronal, por exemplo, poderiam ser gradualmente substituídos
por um imposto sobre a movimentação financeira, tendo a CPMF como embrião desse
processo.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 60, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
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MARCOS ANTONIO CINTRA
Banquete especulativo
Restringir as transações na BM&F
pode conter o processo de compra
especulativa do real
AS AUTORIDADES econômicas brasileiras apostam que a integração do sistema
financeiro doméstico aos mercados globais promoverá a convergência da taxa de juros
interna aos padrões internacionais. Com isso, espera-se construir uma curva de juros -a
curto, médio e longo prazos-, reduzindo o custo do capital e possibilitando ao país
ingressar em um ciclo de crescimento sustentado. Há indicações de que o mercado
externo já absorveria títulos da dívida pública brasileira de 30 anos, em reais. Fato
realmente auspicioso, produto da elevada liquidez financeira internacional.
Essas mesmas autoridades, no entanto, têm pautado um ritmo muito lento de redução
dos juros domésticos, dificultando a convergência das taxas, mesmo diante da queda nas
expectativas de inflação. Os investidores, liderados pelos "hedge funds", montam
diferentes operações -arbitragens, contratos a termo de venda de dólar e compra de real
("Non-Deliverable Forward") e posições nos mercados de derivativos de câmbio da
BM&F (Bolsa de Mercadorias & Futuros)-, efetuando um agressivo processo
especulativo a fim de absorver os altos juros internos e ampliar seus ganhos com a
valorização da taxa de câmbio.
Se o diferencial de juros não pode ser reduzido de forma abrupta para não comprometer
a meta de inflação, se controles sobre os fluxos de capitais externos não podem ser
introduzidos para não prejudicar a formação da curva de juros, outros caminhos podem
ser buscados.
Já ficou evidente que a venda de "swaps" reversos na BM&F e a compra de dólares no
mercado à vista realizadas pelo BC apenas sancionam as operações dos especuladores,
garantindo seus lucros. As duas modalidades de intervenção cambial são favoráveis à
especulação, e os investidores ganham nas duas pontas, contra o BC e, no limite, contra
o Tesouro. Todo ataque especulativo é uma investida contra os cofres públicos (ou as
reservas, no caso de uma desvalorização da moeda).
Além do assalto ao Tesouro, as operações forçam a valorização excessiva do real, com
repercussões na estrutura produtiva e no estoque da dívida pública, pois o BC é forçado
a esterilizar as compras de dólares por meio de emissões de títulos, dificultando a gestão
da política fiscal.
As autoridades econômicas poderiam ao menos conter essas ações mais especulativas.
Diferentes economistas têm feito diversas propostas: proibir os investidores estrangeiros
de operar com derivativos na BM&F; aumentar as margens nas operações de
derivativos, reduzindo a alavancagem; exigir maior capitalização dos bancos nas
operações com moeda estrangeira e com derivativos que envolvam moeda estrangeira;
tributar os ganhos de capital obtidos por meio de especulação e arbitragem com o real.
Essas decisões não comprometem as estratégias privadas de ganho de capital investimentos na Bovespa, fusões e aquisições, em imóveis. Tampouco comprometem
os objetivos do BC, seja para ampliar as reservas para reduzir os prêmios de riscos dos
empréstimos externos tomados pelo setor privado para financiar o investimento
produtivo, seja para formar a curva de juros.
São medidas que visam defender os interesses da República, da esfera pública da nação,
contendo as investidas ao Tesouro Nacional e, portanto, de uma parte expressiva da
renda e da riqueza da imensa maioria da população brasileira que paga impostos e não
participa do banquete especulativo. Isso exige tão somente que as autoridades
econômicas restaurem o caráter público de seus cargos, salvaguardando os interesses do
Tesouro, protegendo os bens públicos da sangria especulativa.
MARCOS ANTONIO CINTRA , doutor em economia pelo IE/Unicamp, é da equipe de editorialistas.
Hoje, excepcionalmente, não é publicada a coluna de JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN .
MARCOS CINTRA
Sigilo e imposto "dedo-duro"
Se for único, um tributo sobre
movimentação financeira será
simpático e aceito; se for mais um,
será rejeitado
APESAR DA retórica oficial, o governo considera a CPMF um tributo eficaz, de baixo
custo, transparente e, sobretudo, insonegável. Mas não tem coragem de dizer isso, como
fez a Receita Federal em 2001, quando afirmou que o tributo é altamente produtivo, tem
excelente relação custo-benefício (sua arrecadação ocorre sem praticamente nenhum
custo para o governo e para o contribuinte), é o único a alcançar plenamente a economia
informal ou ilegal e é moderno (alcança operações que estão se tornando comuns, como
o comércio eletrônico). Esse testemunho desmentiu teses pessimistas de que sua
cobrança, iniciada em 93 como IPMF, provocaria inflação e desintermediação
financeira.
Vale lembrar que os males do efeito cascata, sempre apontados pelos críticos, são mais
do que compensados pela alíquota baixa e pela impossibilidade de sonegação e evasão,
típicas de tributos sobre movimentação financeira, se cotejados com modelos
convencionais declaratórios do tipo IVA.
A sociedade também já percebeu que a CPMF é um tributo justo, que todos pagam, e
que não recai preferencialmente sobre os que não podem se defender da sanha fiscalista
do governo, como os assalariados e as empresas formais. Essa constatação ficou clara
na manifestação dos leitores da coluna, que declararam preferência pela extinção de
outros tributos, e não pela eliminação da CPMF, como pode ser verificado na edição de
30 de abril.
Mas não se pode negar que a mobilização contra a prorrogação da CPMF encontra
algum respaldo localizado e que pode ter origem mais acentuadamente no que chamei,
no passado, de efeito "dedo-duro" (vide artigo "O efeito dedo-duro", na Folha de 10 de
abril de 1994), do que na "cascata" de seu efeito cascata.
Quando foi instituída em 1996, a legislação da CPMF proibia, em nome do sigilo
bancário, o cruzamento da movimentação financeira com o Imposto de Renda. Dizia o
artigo 11 da lei 9.311/96, que "a Secretaria da Receita Federal resguardará (...) o sigilo
das informações prestadas, vedada sua utilização para constituição de crédito tributário
relativo a outras contribuições e impostos". Essa proibição foi extinta com a lei 10.174/
2001, e o leão passou a atemorizar os contribuintes. A partir de então a oposição à
CPMF se agigantou.
O fato é que um tributo sobre movimentação financeira granjeia simpatia e aceitação se
for único -e rejeição e antipatia se for um a mais. A sociedade agradeceria se o governo
e a oposição, em vez de discutirem o falso problema da cumulatividade, unissem
esforços para apoiar uma ampla reforma tributária. Impostos sobre movimentação
financeira deveriam substituir os tributos convencionais, cuja falência, explicitada pela
complexidade, sonegação e corrupção do atual sistema,está cada dia mais exposta.
No fundo, governo e sociedade já se convenceram de que um imposto cumulativo com
alíquota baixa e universal é melhor do que um imposto sobre o valor agregado com
alíquota alta, complexo e alvo de forte sonegação. Aperfeiçoar o tributo, desonerando
da CPMF os mercados financeiro e de capitais, é o caminho correto, pois preserva as
vantagens do tributo sobre movimentação financeira, que, como afirmou Maria da
Conceição Tavares em artigo na Folha de 24 de setembro de 1995, é "uma das poucas
bases potenciais de arrecadação futura na qual é possível ancorar o aumento da receita
pública sem penalizar os setores produtivos e segmentos sociais".
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 60, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
[email protected]
MARCOS CINTRA
95% preferem a CPMF
O contribuinte não vê a CPMF com um "mau" tributo, caso contrário seria o
primeiro que ele gostaria de eliminar
NA COLUNA DE 16 deste mês, tentei mostrar que a guerra santa contra a CPMF nada
mais é do que uma luta política sem sentido, tendo como principais contendores o
governo e os partidos de oposição, capitaneados pelos Democratas. O debate se mostra
contraditório e insincero de ambas as partes.
Ambas alegam que a CPMF é um tributo ineficiente, em cascata, mas ao mesmo tempo
reivindicam os méritos pela criação de outros tributos igualmente cumulativos, como é
o caso do Supersimples e da tributação sobre o lucro presumido. Esquecem que tributos
como o ICMS, que se deseja federalizar, é parcialmente cumulativo quando a cadeia de
débito e crédito se rompe, como ocorre rotineiramente no setor de serviços (que abarca
65% do PIB brasileiro) ou nas atividades rurais regidas em grande parte pelas relações
informais de produção, ou quando os créditos dos exportadores viram pó, como ocorre
no país.
Igualmente incoerente é a posição de ambos, que não se posicionam contra o ISS, um
tributo cumulativo e que tem sido alvo da ganância arrecadatória do governo federal,
que deseja incluí-lo em seu projeto de criação de um IVA estadual.
Esse debate parece confirmar a opinião do saudoso Roberto Campos (1917-2001),
quando se referiu à intrigante distinção feita no Brasil entre dois tipos de cascata, uma
benigna e outra maligna. A cascata maligna inclui tributos odiados como a CPMF e
parte do PIS/Cofins. Contra eles são disparadas as mais violentas críticas. Já a cascata
benigna diz respeito a tributos classificados como notáveis contribuições à ciência
tributária. São eles o Simples e o IRPJ sobre o lucro presumido.
O que mais intriga, no entanto, é saber por que o governo luta por um tributo como a
CPMF, que alega ser ruim, como afirmou recentemente o ministro Paulo Bernardo? Por
que não a eliminam e compensam a arrecadação com aumento de tributos "bons" como
o Imposto de Renda, o ICMS e a Cofins não-cumulativa?
O governo faz um discurso maroto. Sabe que a população é contra a CPMF, como é
contra qualquer outro tributo. Ao mesmo tempo, faz de conta que considera o tributo
um mal necessário, esperando com isso atenuar a rejeição que a defesa de qualquer
imposto acarreta contra sua imagem.
Na tentativa de aferir a opinião dos contribuintes, fiz uma pergunta a meus leitores na
coluna de 16 deste mês, que responderam o seguinte:
- 5% apenas preferem acabar com a CPMF e manter os demais tributos como se acham;
- 95% preferem que a CPMF continue, mas pedem a redução de outros tributos nestas
proporções: - 20% desejam reduzir o IR das empresas de 25% para 11%; - 24% desejam
reduzir o ICMS de 17% para 14%;
- 29% desejam reduzir o INSS patronal de 20% para 4%; e - 22% desejam eliminar o
IPI e reduzir a Cide-combustíveis em 50%.
Minhas expectativas foram confirmadas. Os contribuintes não consideram a CPMF um
"mau" tributo, caso contrário seria o primeiro que eles gostariam de eliminar do sistema
tributário nacional.
Esse resultado, quando comparado com as opiniões dos tecnocratas econômicos, nos
leva a duas possíveis conclusões alternativas:
1) os contribuintes são imbecis e não sabem o que é bom para a economia nem para eles
mesmos, ou
2) a tecnocracia econômica está muito distante da realidade, vivendo encastelada em
suas torres de marfim e perdida em modelos teóricos divorciados da economia real.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 60, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
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MARCOS CINTRA
CPMF: vai para o trono ou não vai?
Em vez de extinguir a CPMF, é
preciso pôr fim aos tributos como
IR, IPI, INSS patronal e ICMS, que
infernizam a vida dos contribuintes
do país
NÃO É A CPMF que deve ser extinta, como querem seus opositores. São os impostos
que infernizam a vida do contribuinte -IR, IPI, INSS patronal e ICMS- que devem ser
substituídos.
Façamos um teste de múltipla escolha, perguntando aos pagadores de impostos
brasileiros. A receita da CPMF em 2006 foi de R$ 32,1 bilhões. Sabendo que todas as
alternativas apresentadas abaixo têm idêntico impacto orçamentário, qual delas é
preferível para você?
1) A eliminação da CPMF e a continuidade de todos os outros tributos com suas
alíquotas atuais;
2) A redução da alíquota do IR das empresas de 25% para 11%, e a continuidade da
atual CPMF;
3) A redução do ICMS de 17% para 14%, e a continuidade da atual CPMF;
4) A redução da contribuição patronal sobre a folha de salários das empresas de 20%
para 4%, e a continuidade da atual CPMF.
5) A extinção do IPI e a redução da Cide-Combustíveis em 50%, e a continuidade da
atual CPMF.
Aposto que a alternativa 1 não seria a preferida. Convido os leitores a enviarem suas
opções para meu e-mail. Divulgarei o resultado em minha próxima coluna, mantendo
em sigilo a identidade dos votantes.
Em 1990, quando propus o imposto único sobre transações, estava criando um
carneirinho angelical, que agora desejam transformar em um bode fedorento, o que ele
não é. O imposto veio para ficar, ainda que o tema tenha sido transformado em uma
oportunista disputa política.
De um lado está o governo, que, apesar da retórica dúbia de seus representantes, luta
intransigentemente para manter a vigência do tributo. Do outro, um partido político, os
Democratas (ex-PFL), que se contradiz, pois ataca a cascata tributária presente na
CPMF, mas esquece que a mesma cascata se acha presente no Super-Simples, inovação
que não se cansa de elogiar e cuja paternidade não cessa de reivindicar.
Os Democratas, agora na oposição, querem a imediata extinção da CPMF, mas omitem
da sociedade três informações fundamentais:
1) A de que se for preciso substituir a receita perdida, deverá haver aumento de alíquota
de outro tributo para gerar receita equivalente;
2) Que, alternativamente, há que se apontar onde serão efetuados os cortes de gastos
sociais e previdenciários custeados pela receita do tributo que desejam extinguir; e
3) A de que o tributo foi instituído por esse mesmo partido, que apoiou a criação e todas
as suas prorrogações anteriores enquanto era governo. Vejamos o seguinte:
A CPMF foi criada em 1996, sob a liderança do partido que hoje defende sua extinção;
na época, seu líder na Câmara afirmou que o partido "vota "sim" com o Brasil pela
CPMF"; o líder do governo, também desse partido, "recomenda o voto "sim" para esse
projeto de maior importância para o Brasil"; o líder no Senado elogiou "o bom senso
dos deputados federais que aprovaram a CPMF".
Primeira prorrogação (1997): na Câmara, o líder desse partido, que compunha a base
governista, pede urgência para o projeto; 93% da bancada vota pela prorrogação.
Segunda prorrogação (1999): o autor e um dos relatores do projeto de prorrogação e de
elevação da alíquota da CPMF (de 0,20% para 0,38%) no Senado foram desse partido;
na Câmara, o relator era desse mesmo partido, e declarou que "a instituição da CPMF
não trouxe conseqüências negativas à vida econômica nacional, não causou inflação,
não acarretou desintermediação financeira, não ocasionou verticalização do sistema de
produção, não afugentou o capital estrangeiro, não assustou as Bolsas de Valores (...); a
experiência brasileira com a CPMF foi positiva (...)"; 100% da bancada daquele partido
votou "sim".
Terceira prorrogação (2001): liderança do partido, que compunha o governo, recomenda
voto "sim" pela prorrogação, e 97% da bancada acompanha o líder.
Quarta prorrogação (2003): já na oposição, o PFL recomenda "não".
Quinta prorrogação (2007): na oposição, os Democratas dizem "Xô, CPMF".
Não menciono os nomes dos parlamentares, mas eles podem ser encontrados nas atas do
Congresso.
Nessa patética contenda política, os argumentos técnicos estão cheios de contradições e
incoerências das duas partes, situação e oposição, como veremos na próxima coluna.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 60, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
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MARCOS CINTRA
O bom combate
O "bom combate" está nas reformas
necessárias para aperfeiçoar de
maneira institucional a economia
NO ARTIGO anterior, publicado em 19 de março passado, foi mostrado que:
a) Inicialmente o Plano Real adotou uma política de estabilização composta de câmbio
administrado (valorizado) e política fiscal expansionista; essa combinação resultou em
déficits nas contas externas, expansão da dívida pública, juros reais elevados e explosão
da carga tributária, ao mesmo tempo em que o crescimento do PIB (Produto Interno
Bruto) foi pressionado fortemente para baixo;
b) a política recente de metas de inflação, câmbio flexível e superávits primários teve
resultados favoráveis, mas o crescimento continua pífio;
c) a recomendação quase unânime dos economistas é cortar os gastos públicos para
permitir a redução mais rápida das taxas de juros reais e a correção da excessiva
depreciação do real.
Existem, contudo, insuperáveis dificuldades políticas e sociais para cortar gastos do
governo. Assim, o melhor caminho a ser seguido é acelerar o crescimento econômico,
mantendo constantes os gastos nominais. Vale lembrar que a aceleração do crescimento
teria que vir de fontes exógenas, independentemente de qualquer alteração voluntarista
em variáveis como juros e câmbio.
O debate sobre como retomar o crescimento não deveria mais se situar no campo da
política macroeconômica de estabilização, mas, sim, no âmbito específico da teoria do
desenvolvimento e crescimento econômicos. Essas duas áreas da economia não devem
ser confundidas.
É um erro acreditar que, reduzindo os custos da política de estabilização, como
administrar o câmbio e acelerar a redução das taxas de juros, se estará criando
condições sustentadas de crescimento. Pelo contrário, o resultado poderá ser a
desestabilização da economia, pondo a perder as conquistas obtidas ao longo dos
últimos anos.
As variáveis tradicionais, como recursos naturais, poupança e investimentos,
determinam apenas parcialmente o crescimento econô- mico.
Fatores intangíveis como capital humano, educação, nível tecnológico, segurança
jurídica, respeito a contratos, estabilidade institucional, marcos regulatórios bem
definidos, bem-estar pessoal como saúde e segurança, credibilidade política, tamanho
adequado do Estado e carga tributária suportável são as verdadeiras determinantes do
crescimento. As variáveis de política macroeconômica influenciam o crescimento
apenas de forma transitória.
Em resumo, como afirmou recentemente Otávio de Barros em debate no Conselho
Superior de Economia da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), o
"bom combate" não está na crítica aos juros ou ao câmbio, mas, sim, nas reformas
necessárias para aperfeiçoar institucionalmente a economia brasileira. E, infelizmente,
nesse campo somente existe espaço para pessimismo.
As reformas política, tributária, do judiciário, previdenciária e trabalhista não têm
andamento; o ambiente político se deteriora a olhos vistos. Não há avanços na questão
da segurança pessoal e patrimonial; cresce o desrespeito à propriedade e às decisões
judiciais. Os investimentos em saúde e educação mostram-se cada vez mais
insuficientes para equiparar o Brasil aos padrões internacionais.
É preciso se concentrar nessas variáveis instrumentais de aceleração do crescimento
econômico e deixar o Banco Central e as autoridades monetárias prosseguirem com seu
trabalho, que, em termos gerais, só merecem elogios pelos resultados alcançados.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 60, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
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MARCOS CINTRA
É preciso cortar gastos públicos
O quadro econômico e social atual
não dispensaria as ações
distributivistas que o governo vem
adotando
O CORTE NOS gastos públicos é quase unanimemente recomendado como a receita
para corrigir supostos desequilíbrios nos juros e no câmbio, e para acelerar o
crescimento do PIB. Vale lembrar que no início do Plano Real o controle da inflação e o
crescimento econômico foram obtidos com a combinação de câmbio valorizado e
política fiscal expansionista. Segundo cálculos de Amir Khair, entre 1995 e 2004 as
despesas consolidadas de custeio saltaram de 28% para 32% do PIB, sendo metade
desse aumento devido à previdência, 32% a pessoal e 18% a outros custeios.
O resultado foi a geração de déficits nas contas externas, o crescimento da dívida
pública interna, a escalada dos juros e o aumento da carga tributária. O "crowding-out"
do setor privado reduziu os investimentos e inibiu o crescimento econômico.
No entanto, durante os últimos anos, a aplicação de uma política econômica baseada nas
metas de inflação, na liberdade cambial e na contenção fiscal produziu resultados
positivos no controle inflacionário (o IPCA, que fora de 8,9% em 1999, caiu para 3,1%
em 2006), na superação dos déficits externos (o saldo saiu de déficit de US$ 6,6 bilhões
em 1998 para superávit de US$ 46,1 bilhões em 2006) e na contenção da dívida pública.
A continuidade dessa política poderá conceder ao Brasil a qualidade de "investment
grade".
Contudo ainda não chegamos lá. A dívida líquida interna pública ultrapassa 50% do PIB
e as despesas com juros nos setores público e privado absorvem 18% do PIB, em parte
por causa da Selic e dos "spreads" bancários elevados. Apesar da carga tributária de
40% do PIB, o déficit público é de cerca de 3,5% do PIB.
Esse quadro de forte extração fiscal e de alto custo do capital reduz investimentos no
setor privado que, de outro lado, sofre pela falta de infra-estrutura, totalmente
negligenciada pelo governo federal como parte de seu esforço de obtenção de superávits
primários. Não surpreende, portanto, que o crescimento econômico acha-se estagnado.
Por outro lado, qualquer tentativa voluntarista de alterar os juros e administrar a taxa de
câmbio poderia desajustar gravemente as condições macroeconômicas atuais.
Nessas circunstâncias, o corte nos gastos públicos é de fato uma importante variável de
ajuste, capaz de manter o atual "equilíbrio" macroeconômico e, ao mesmo tempo, criar
condições para reduzir os juros e desvalorizar o real, o que resultaria em aceleração do
crescimento e formação de um círculo virtuoso de crescimento.
Infelizmente, cortar gastos públicos não é tão simples. A atual administração, que
manteve a política macroeconômica iniciada nos governos anteriores, foi eleita com a
marca política do "welfare state". O quadro econômico e social brasileiro não
dispensaria com facilidade as ações distributivistas que o governo vem adotando.
Mesmo que a concepção e a gestão desses programas possam ensejar fortes reparos, a
verdade é que a adoção dessa política tem sido capaz de trazer maior estabilidade
política, menos "social unrest", a expansão do mercado interno e maior inclusão social.
Graças a isso, o núcleo moderno e globalizado da economia brasileira tem sido capaz de
crescer continuamente, sem sobressaltos, e prosseguir absorvendo novos espaços
econômicos e sociais de expansão.
Sem o corte de gastos o país estará condenado à estagnação econômica e fadado a ser
um gigante emasculado, flácido, modorrento e incapaz de assumir um papel de
relevância na economia mundial? Ou haveria como manter os programas sociais e ao
mesmo tempo ampliar os investimentos em infra-estrutura e reduzir a relação dívida
pública/PIB, abrindo caminho para mais crescimento econômico?
Creio que sim. Basta que o crescimento ocorra a taxas mais elevadas que a expansão
dos gastos. Maior crescimento e continuidade do atual sistema de metas de inflação, do
câmbio flutuante e da contenção fiscal reduziriam a relação dívida/PIB e os juros e
permitiriam a desvalorização do real.
Mas esse é o dilema. Como acelerar o crescimento sem cortar os gastos públicos?
Voltaremos ao tema na próxima coluna.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 60, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
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MARCOS CINTRA
China: ajuste ou crise?
Apesar do crescimento espetacular
da China nos últimos 20 anos, seus
fundamentos preocupam
NA TERÇA-FEIRA, uma crise financeira originada na China atingiu as Bolsas de
Valores em todo o planeta, causando quedas comparáveis às verificadas após os ataques
terroristas de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos.
Até o momento, a repercussão do estouro da Bolsa de Xangai continua reverberando em
cadeia por todos os continentes. O que muitos afirmaram que poderia ser um fato
passageiro e de impacto declinante ao longo dos dias seguintes acabou revelando
possuir uma capacidade de contágio e de difusão que justifica a questão colocada agora
perante todos nós: o mundo está passando por um ajuste, possivelmente saudável e
necessário, ou corre-se o risco de surgimento de uma crise financeira global, com
repercussões no Brasil?
Poucos arriscariam uma resposta taxativa a essa questão. É importante saber que o
mundo globalizado pode fazer com que uma economia estruturalmente saudável e com
bons fundamentos macroeconômicos seja arrastada por uma crise totalmente alheia a
qualquer causa interna.
A evolução das Bolsas no Brasil, por exemplo, já não reflete apenas as avaliações
fundamentalistas feitas por auditores e analistas de mercado com relação à eficiência,
produtividade e lucratividade das empresas nacionais. Em longo prazo, a correlação
entre preços de ativos e seus fundamentos mostram evidentemente uma maior
correlação. Mas cada vez mais são as avaliações e as estratégias de investidores
estrangeiros que determinam a evolução dos preços desses ativos, seguindo uma nova
lógica globalizada.
Ajuste ou crise?
É sabido que a economia chinesa adquiriu grande importância como condutora da
economia mundial. Seu gigantesco mercado interno, seus "greenfields" totalmente
abertos a receber novos investimentos, seus custos de mão-de-obra competitivos e a
pressão que exerce nos mercados internacionais de insumos e commodities fazem com
que o mundo caminhe cada vez mais no ritmo ditado pela China. A importância dos
EUA é preponderante, mas se trata de uma economia madura e que foi capaz de ajustar
sua política econômica de forma a evitar que a bonança dos últimos anos termine em
crise recessiva profunda. Nesse sentido, mudanças súbitas de rumo na economia
mundial devem vir mais provavelmente da China e de alguns outros países emergentes
importantes.
E quando se fala em China, quem a controla? As decisões econômicas são políticas, os
mercados ainda são incipientes, e a insegurança é enorme.
Os analistas estão prevendo, há meses, o estouro da bolha nos preços dos ativos
chineses. Apesar do crescimento espetacular da China nos últimos 20 anos, seus
fundamentos começam a preocupar.
Os salários estão aumentando cerca de 10% ao ano; a inflação está em elevação, embora
ainda em patamares baixos, de 2% a 3% ao ano; a moeda continua desvalorizada; as
reservas atingem US$ 1 trilhão e, mesmo que represadas no financia mento do déficit
americano, são constante fonte de dúvidas e incertezas para a estabilidade mun dial. A
qualidade dos créditos e a exposição ao risco preocupam. Os marcos regulatórios
financeiros são precários, e surgem demandas por ações corretivas por parte do governo.
Contudo o fator causal mais evidente para a atual instabilidade na China é o excesso de
liquidez causado pelos juros reais negativos. A inflação nos preços dos ativos, inclusive
imobiliários, é uma realidade que as recentes elevações das reservas bancárias não
controlaram.
Se os incidentes de Xangai na terça-feira se transformarão ou não em uma crise mundial
dependerá de como as autoridades reagirão ao excesso de liquidez. A tradição indica
que a resposta para evitar a bolha especulativa que acometeu aos chineses poderá ser
prioritariamente regulatória, com maiores controles e aperfeiçoamentos institucionais.
Porém se a dose das medidas restritivas, como a imposição de maior tributação e a
elevação dos juros, for excessiva, sempre haverá o risco de uma desaceleração mais
forte da economia chinesa, o que poderá, com o enfraquecimento da economia norteamericana, dar início a uma gripe recessiva que certamente se transformará em uma
pneumonia dupla para países emergentes como o Brasil.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 60, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A Verdade Sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15
dias, nesta coluna.
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MARCOS CINTRA
Contabilidade de padaria e o INSS
Os que criticam a alteração no
cálculo do déficit da Previdência
estão adotando a contabilidade de
padaria
O MINISTRO Nelson Machado, responsável pelo INSS, deseja separar as despesas e
receitas previdenciárias das que são subsídios e transferências unilaterais desvinculadas
do sistema brasileiro de previdência propriamente dito. Há programas, como a
aposentadoria rural e para os idosos, que, ainda que tomem a forma de pagamentos
chamados de "aposentadorias", em realidade são transferências assistenciais
desvinculadas de financiamento previdenciário e que, portanto, deveriam ser
contabilizadas em contas separadas.
A tabela nesta página revela que os benefícios rurais representam cerca de dois terços
do déficit do RGPS (Regime Geral de Previdência Social).
Da mesma forma, as isenções de contribuições previdenciárias concedidas a entidades
ligadas à saúde (como as Santas Casas) e à educação (ProUni) não se justificam por
critérios atuariais previdenciários, como seria o caso se os funcionários desses setores
tivessem características laborais e expectativa de vida diferentes dos demais
trabalhadores.
Tais vantagens são concedidas para favorecer setores considerados pelo governo como
prioritários. Assim, os valores correspondentes a tais gastos (ou renúncias de receitas)
deveriam ser contabilizados como receitas do INSS e constar do orçamento da saúde e
da educação como despesas.
Essa questão serve para mostrar a diferença entre a contabilidade da padaria da esquina
e o orçamento público.
A contabilidade da padaria é muito simples: tudo o que entra vai para o bolso direito, e
tudo o que sai vem do bolso esquerdo. Esse tipo de contabilidade só nos permite aferir
se entrou mais do que saiu, ou vice-versa. Nada mais.
A contabilidade pública é muito diferente. Ela explicita todos os valores arrecadados e
todos os gastos, classificando-os por tipos e categorias de receitas e desembolsos. É
possível saber o quanto se gasta em cada programa de custeio ou de investimento e de
onde vêm os recursos para sua cobertura.
A contabilidade pública produz uma enorme quantidade de informações e permite
análises mais criteriosas das relações custo-benefício de cada programa ou projeto. Na
contabilidade da padaria da esquina, só se sabe se há déficit ou superávit.
Curiosamente, muitos criticam as alterações contábeis propostas pelo ministro
Machado. Afirmam que se trata apenas de uma artimanha do governo para se esquivar
da reforma da Previdência. E complementam a crítica dizendo que as alterações
propostas não resolvem o problema de caixa do governo.
Os que externam essa opinião estão implicitamente adotando o princípio da
contabilidade da padaria. É verdade que o Brasil gasta em previdência pública e privada
cerca de 12,2% do PIB. É demais, e provavelmente há muita ineficiência, privilégios e
distorções nesses programas, que ademais incluem indevidamente gastos assistenciais
não-previdenciários. Contudo, para resolver esses problemas, é necessário dispor de
informações corretas, que os critérios contábeis e orçamentários atuais ocultam. E, nesse
sentido, estimulam as soluções simplistas, em geral erradas e injustas, como cortes
indiscriminados de benefícios, aumentos gerais de alíquotas das contribuições, criação
de novos tributos etc.
Em realidade, existe déficit previdenciário no sentido estrito do termo, mas menor do
que os alardeados R$ 42,1 bilhões. Os benefícios urbanos do RGPS em 2006 custaram
R$ 146,3 bilhões (incluindo despesas administrativas), e as receitas líquidas chegaram a
R$ 123,5 bilhões (receita previdenciária bancária de R$ 122,9 bilhões; outras receitas
previdenciárias próprias, R$ 10,1 bilhões; deduzidas as transferências a terceiros,
principalmente ao sistema "S", de R$ 9,5 bilhões). O déficit é de R$ 22,8 bilhões.
Considerando que a Previdência possui arrecadação tributária própria (0,1% da CPMF),
o déficit do regime geral pode cair para cerca de R$ 14 bilhões.
Tais informações podem auxiliar, e muito, na busca de soluções corretas para o
problema.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 60, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
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MARCOS CINTRA
A fábula dos porcos assados
Qualquer semelhança com sistemas
tributários só pode ser mera
coincidência!
CERTA VEZ , ocorreu um incêndio num bosque onde havia alguns porcos, que foram
assados pelo fogo. Os homens, que até então os comiam crus, experimentaram a carne
assada e acharam-na deliciosa. A partir daí, toda vez que queriam comer porco assado,
incendiavam um bosque. O tempo passou, e o sistema de assar porcos continuou
basicamente o mesmo.
Mas as coisas nem sempre funcionavam bem: às vezes os animais ficavam queimados
demais ou parcialmente crus. As causas do fracasso do sistema, segundo os
especialistas, eram atribuídas à indisciplina dos porcos, que não permaneciam onde
deveriam, ou à inconstante natureza do fogo, tão difícil de controlar, ou, ainda, às
árvores, excessivamente verdes, ou à umidade da terra ou ao serviço de informações
meteorológicas, que não acertava o lugar, o momento e a quantidade das chuvas.
As causas eram, como se vê, difíceis de determinar -na verdade, o sistema para assar
porcos era muito complexo. Fora montada uma grande estrutura: havia maquinário
diversificado, indivíduos dedicados a acender o fogo e especialistas em ventos -os
anemotécnicos. Havia um diretor-geral de Assamento e Alimentação Assada, um diretor
de Técnicas Ígneas, um administrador-geral de Reflorestamento, uma Comissão de
Treinamento Profissional em Porcologia, um Instituto Superior de Cultura e Técnicas
Alimentícias e o Bureau Orientador de Reforma Igneooperativas. Eram milhares de
pessoas trabalhando na preparação dos bosques, que logo seriam incendiados. Havia
especialistas estrangeiros estudando a importação das melhores árvores e sementes,
fogo mais potente etc. Havia grandes instalações para manter os porcos antes do
incêndio, além de mecanismos para deixá-los sair apenas no momento oportuno.
Um dia, um incendiador chamado João Bom-Senso resolveu dizer que o problema era
fácil de ser resolvido -bastava, primeiramente, matar o porco escolhido, limpando e
cortando adequadamente o animal, colocando-o então sobre uma armação metálica
sobre brasas, até que o efeito do calor -e não as chamas- assasse a carne.
Tendo sido informado sobre as idéias do funcionário, o diretor-geral de Assamento
mandou chamá-lo ao seu gabinete e disse-lhe: "Tudo o que o senhor propõe está correto,
mas não funciona na prática. O que o senhor faria, por exemplo, com os anemotécnicos,
caso viéssemos a aplicar a sua teoria? E com os acendedores de diversas especialidades?
E os especialistas em sementes? Em árvores importadas? E os desenhistas de
instalações para porcos, com suas máquinas purificadoras de ar?
E os conferencistas e estudiosos, que ano após ano têm trabalhado no Programa de
Reforma e Melhoramentos? Que faço com eles, se a sua solução resolver tudo? Hein?".
"Não sei", disse João, encabulado. "O senhor percebe agora que a sua idéia não vem ao
encontro daquilo de que necessitamos? O senhor não vê que, se tudo fosse tão simples,
nossos especialistas já teriam encontrado a solução há muito tempo?" "O senhor, com
certeza, compreende que eu não posso simplesmente convocar os anemotécnicos e
dizer-lhes que tudo se resume a utilizar brasinhas, sem chamas?
O que o senhor espera que eu faça com os quilômetros de bosques já preparados, cujas
árvores não dão frutos e nem têm folhas para dar sombra? E o que fazer com nossos
engenheiros em porcopirotecnia? Vamos, diga-me!" "Não sei, senhor."
"Bem, agora que o senhor conhece as dimensões do problema, não saia dizendo por aí
que pode resolver tudo. O problema é bem mais sério do que o senhor imagina. Agora,
entre nós, devo recomendar-lhe que não insista nessa sua idéia -isso poderia trazer
problemas para o senhor no seu cargo."
João Bom-Senso, coitado, não falou mais um "a". Sem despedir-se, meio atordoado,
meio assustado com a sua sensação de estar caminhando de cabeça para baixo, saiu de
fininho e ninguém nunca mais o viu. Por isso é que até hoje se diz, quando há reuniões
de Reforma e Melhoramentos, que falta o Bom-Senso.
Será que o cidadão brasileiro fará como o João Bom-Senso, mesmo com a arrecadação
federal tendo batido novo recorde em 2006 e a burocracia galopante continuar a ser
estímulo para a sonegação e a corrupção fiscais?
O texto original, de autoria desconhecida, circulou entre alunos de pós-graduação em Piracicaba em 1981.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 60, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A Verdade Sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15
dias, nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
[email protected]
MARCOS CINTRA
Imposto único fajuto
A tese do imposto único venceu.
Mas, ainda que a filosofia de ação
seja correta, a aplicação é
equivocada
O BRASIL está aderindo à filosofia do imposto único, mas de forma totalmente errada.
O governo adotou a unicidade tributária para as micro e pequenas empresas, que
representam quase 95% das pessoas jurídicas no país.
Trata-se do Supersimples, que, aliás, deveria ser chamado de supercomplicado. Esse
sistema unifica impostos federais, estaduais e municipais em uma só base de cálculo e
em apenas uma guia de arrecadação. Para as demais empresas, o governo acena com a
criação de um "único imposto sobre valor agregado", como reiterou o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva em seu discurso de posse, que unificaria o IPI, o ICMS, o ISS, o
PIS-Cofins, a CPMF e possivelmente as contribuições previdenciárias ao INSS sobre
folha de salários.
Como se vê, a tese do imposto único venceu no Brasil. Mas, ainda que a filosofia de
ação seja correta, a forma de sua aplicação é equivocada. No Supersimples, a unificação
tomará por base de cálculo a receita bruta das empresas; e, no caso do imposto único
sobre valor agregado, a base de cálculo será o faturamento.
Nas duas situações, a base tributária continuará sendo declaratória, como é hoje. A
arrecadação dependerá do faturamento registrado mediante a emissão de nota fiscal. E,
como a alíquota deverá ser alta para manter a atual arrecadação, todos os vícios e
distorções já verificados em nosso modelo tributário, como a sonegação e a evasão,
serão perpetuados e contaminarão o novo modelo simplificado que se pretende
implantar.
Nesse sentido, por que não dar o passo final na direção de um modelo tributário
universal, insonegável, menos iníquo e de mais baixo custo, adotando a movimentação
financeira como base de cálculo desses novos modelos unificados e simplificados?
A CPMF é um tributo em uso no Brasil há mais de 15 anos, sem nenhuma comprovação
de haver causado distorções no funcionamento da economia. Porém os ferrenhos
adeptos da ortodoxia e da "sabedoria convencional" (no sentido pejorativo que
Galbraith lhe atribuiu) insistem em apontá-la como um tributo a ser eliminado,
xingando-lhe de "tributo cumulativo" e de "em cascata". O argumento contra a CPMF é
que, por ser cumulativa, altera os preços relativos, causa distorções no processo
produtivo e prejudica as exportações.
Trata-se de uma discussão antiga, e recomendo aos que desejam tomar conhecimento
desse debate que consultem o livro "Tributação no Brasil e o Imposto Único",
disponível em www.marcoscintra.org/novo/cadastro/index.asp?tag=tributacao, com
especial referência às páginas 169 a 176, e entendam as razões que me levam a acreditar
que todas as objeções foram devidamente refutadas.
Recentemente, surgiram propostas de transformação da CPMF em um tributo
permanente. O ministro Paulo Bernardo (Planejamento) propôs torná-la definitiva, mas
com a redução da alíquota do atual 0,38% para 0,08% num prazo de "dez ou 15 anos".
A mesma proposta foi aventada por Fabio Giambiagi, que propõe uma alíquota
declinante até chegar a 0,01% em 2010, para detectar indícios de fraudes pela Receita
Federal.
A intenção de transformar a CPMF em um tributo dedo-duro é mais uma criação
incompreensível da tecnocracia brasileira. Afinal, a CPMF nada mais é do que a
multiplicação do valor da movimentação bancária pela alíquota de 0,38%. A
obrigatoriedade de reportar às autoridades fazendárias o valor dessa conta pode ser
replicada de forma absolutamente equivalente simplesmente reportando o volume da
própria movimentação bancária, que é a informação relevante para a Receita Federal.
Não há, portanto, nenhuma justificativa lógica para a perpetuação da CPMF se o que se
deseja é apenas utilizá-la como instrumento de fiscalização.
Acredito que a CPMF deva ser utilizada de forma mais nobre, como ponto de partida
para fazer uma faxina no sistema tributário brasileiro. Se não for assim, deve ser
imediatamente eliminada. A sua convivência com tributos convencionais é incompatível
com a filosofia que levou à proposta de sua criação como um imposto único.
Ser um imposto a mais contradiz a sua natureza.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 60, doutor pela Universidade Harvard
(EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003).
É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
MARCOS ANTONIO CINTRA
A integração financeira
APÓS 2003, os bancos, o mercado de capitais e de derivativos no Brasil aprofundaram
seus vínculos com o sistema financeiro internacional. Os bancos nacionais e
estrangeiros desenvolveram estratégias para expandir o crédito pessoal, mediante
associação com financeiras e com redes de varejistas e o crédito corporativo. Até
novembro de 2006, a concessão de empréstimos alcançou R$ 125 bilhões, o mesmo
valor emitido pelo mercado de capitais.
Essa expansão da Bolsa de Valores de São Paulo esteve associada com a entrada dos
investidores estrangeiros, os quais passaram a responder por 35% do volume negociado.
Nas emissões de ações, os estrangeiros subscreveram mais de 60% da oferta.
Simultaneamente ampliou-se o volume médio de negócios com American Depositary
Receipts de empresas brasileiras na Bolsa de Valores de Nova York.
Até o início de novembro, o volume negociado em ADRs de empresas brasileiras em
Nova York ultrapassou o total transacionado no mercado à vista da Bovespa. A
dinâmica do mercado doméstico ficou condicionada às operações dos investidores
estrangeiros na Bovespa e em Nova York.
Na Bolsa de Mercadorias & Futuros, o volume de negócios atingiu o recorde de US$
8,8 trilhões (R$ 19,1 trilhões) até novembro. Ao mesmo tempo, o interesse do investidor
internacional pelos altos juros praticados no Brasil fervilhou os negócios com contratos
futuros de reais no exterior conhecidos como Non Deliverable Forward (NDF). Por
meio desses contratos, os investidores estrangeiros podem comprar reais e vender
dólares em uma data no futuro sem entrega física da moeda. A taxa de câmbio real/dólar
passou a ser fortemente condicionada por essas operações e pelos contratos futuros de
real negociados na Bolsa de Mercadorias de Chicago.
Finalmente, ampliou-se internacionalização de parte da riqueza das famílias e das
empresas brasileiras. Segundo o BC, o estoque de capitais brasileiros no exterior atingiu
US$ 111,7 bilhões em dezembro de 2005, um crescimento de 20% sobre o ano anterior.
Essa integração crescente dos mercados e dos agentes sofisticou o sistema financeiro
doméstico e fomentou uma nova coalizão de interesses bastante distinta daquela que
impulsionou o crescimento do setor industrial brasileiro (1930-1980). O atual modelo
de desenvolvimento liderado pelas finanças e pelos setores exportadores de
commodities contém muitas semelhanças com o padrão de crescimento característico da
República Velha (1889-1930), exportador de café e integrado ao sistema financeiro
internacional. Enfim, o êxito de alguns segmentos da sociedade não necessariamente
garante os interesses da nação.
MARCOS ANTONIO CINTRA é editorialista da Folha.

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