O Psicopata, A Sociedade e o Direito The Psychopath

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O Psicopata, A Sociedade e o Direito The Psychopath
O Psicopata, A Sociedade e o Direito
The Psychopath, Society and Law
Tatiana Silva Dunajew Lemos Afonso1
Marcos Lemos Afonso2
Resumo
A psicopatia, sociopatia, ou transtorno de personalidade antissocial
apesar de representar apenas um por cento da população em geral,
quando se apresenta com alto grau de indiferença e ausência de empatia pelo outro se caracteriza por extrema violência e brutalidade.
Considerando o psicopata violento que apresenta algum grau de periculosidade e de reincidência no crime, este não pode cumprir pena
em presídio comum, uma vez que no atual regime de progressão de
pena o criminoso pode ser beneficiado e voltar a ameaçar a sociedade
civil, como já aconteceram inúmeras vezes. O presente artigo se propõe, pois, a refletir acerca da questão da psicopatia no atual sistema
judiciário brasileiro. Assim, concluímos que a medida de segurança é
o instrumento mais adequado para os psicopatas, pois não há no Brasil
estabelecimentos de custódia para os mesmos, e, portanto, estes só
voltariam ao convívio social mediante um laudo de periculosidade,
emitido por rigorosa perícia psiquiátrica e psicológica.
Palavras-Chave: Personalidade, Psicopatia, Delinqüência, Violência,
Judiciário.
Psicóloga ; Mestre em Filosofia pela UNICAMP; Psicóloga do IFTO; Docente da FACDO.
Endereço postal: IFTO – Campus Araguaína/ Av. Amazonas, Qd 56, Lt 01, Bairro CimbaAraguaína – TO, CEP 77.826-170. Fone: 63 3412-1905/63 9213-4450 email: tatianaduna@uol.
com.br
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Administrador; Doutor em Ciências Empresariais; Docente da UFT- Universidade Federal do
Tocantins.
Endereço postal: UFT - R. Paraguai, s/n (esquina com Urixamas) - Setor Cimba - CEP: 77.838-824
Fone: (63) 2112-2200 - Fax: (63) 2112-2201 email: [email protected]
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Tatiana Silva Dunajew Lemos Afonso, Marcos Lemos Afonso
Abstract:
Psychopathy, sociopathy or antisocial personality disorder although representing around one percent of the general population, when appears with high degree of indifference and empathy absence for other
people is characterized by extreme violence and brutality. Hence it
follows that violent psychopatic that shows high periculosity degree
and recidivation can´t get punished in common imprisonment once in
the actual progression penalty regime the criminal may be grantee and
become a threat to the civil society, as already happened many times.
The present article aims to ponder about the psychopathy matter in
the actual brazilian forensic sistem. Consequentely, we came to the
conclusion that the security measure is the most appropriate treatment to the psychopaths for there isn´t in Brazil custody institutions
for them, so it follows that they just regress to the social contact after a periculosity cessation award issued by a rigorous psychiatric and
psychologic specialized inspection.
Key-words: Personality, Psychopathy, Delinquency, Violence; Judiciary.
Na atualidade muito se tem dito a respeito das personalidades
psicopáticas, sociopáticas ou antissociais. Em apenas uma pesquisa rápida pode-se constatar que o imaginário ocidental contemporâneo encontra-se povoado de imagens cinematográficas de assassinos seriais
brilhantes os quais desafiam a lógica do senso comum. Estes seriam
autores de crimes hediondos perpetrados por pessoas cuja presença
enigmática torna pouco razoável qualquer definição da natureza humana. Uns dizem se tratar de loucos, outros não reconhecem nestas
pessoas o selo da humanidade; enfim, ainda que de maneira superficial
e imprecisa, o que estas definições entre outras coisas demonstram é a
dificuldade de enquadrar os comportamentos antissociais naquilo que
conhecemos como comportamento humano.
Há várias perguntas e, consequentemente, respostas ao antigo e insistente tema do comportamento humano. Desde a Grécia clássica, quando Platão (1989) através de uma analogia denominada “o
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mito da parelha alada” comparou a alma humana a uma carruagem3;
até Freud (2010) que descobriu ou inventou o domínio das pulsões
inconscientes, diferentes abordagens postularam diretrizes às quais
apontavam para esta tortuosa questão. Com efeito, dentre várias definições plausíveis, atreladas ao que as ciências humanas de modo geral
consideram quando pensamos em ser humano, torna-se indiscutível
sua natureza social. O ser humano, parafraseando Aristóteles (1996),
é um animal social e, fora deste domínio no qual seu comportamento
está circunscrito, só possui duas alternativas: ou é um deus ou uma
fera, um animal como qualquer outro.
Se então nascemos constituídos por instintos básicos e emoções primitivas (FREUD, 2010), nossa entrada no mundo de signos e
símbolos humanos forja esta segunda natureza: a dos vínculos sociais.
É o outro que possibilita ao incipiente ser, ainda em processo de humanização, a construção dos laços sociais, os quais serão paulatinamente
internalizados, dando forma a alguém que faz parte de do mundo social. Não nascemos civilizados e nem aptos a, de bom grado, fazermos
parte dos ritos sociais, mas assim o somos e o fazemos porque fomos
disciplinados. Se nossos corpos são dóceis e, razoavelmente, adequados ao tempo e espaço sociais assim o é menos por uma disposição
natural de assim fazê-lo, mas por uma força externa chamada processo
civilizatório (FOUCAULT, 2009 p. 43)4. Sendo assim, os preceitos morais
não fazem parte do repertório inato do ser humano, mas surgem à força das demandas sociais através da educação - em sentido lato.
Assim a partir dos preceitos morais expressos através dos parâmetros de conduta é que nos reconhecemos como fazendo parte da
sociedade humana. Mesmo agindo de forma ofensiva a algum mandamento moral, seja matando, roubando ou caluniando, o grau do arrependimento ou da culpa – internalizados pela educação – denota a
Esta alegoria faz uma alusão ao modo como o ser humano lida com a razão, as pulsões e as
emoções. A carruagem é conduzida por um cocheiro o qual representa a razão e seu papel é o
de com mestria saber como manejar dois cavalos: um é portador das emoções mais elevadas
e o outro representa os impulsos mais carnais, grosseiros. Um bom cocheiro sabe que se o segundo cavalo – os instintos - não for domado pode comprometer a viagem. Idem, Fedro, p. 36.
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Foucault não utiliza o termo processo civilizatório, mas evidencia o papel da sociedade disciplinar na docilização do corpo. Idem, Vigiar e punir.
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intensidade do vínculo de alguém ao grupo social ao qual pertence.
A transgressão aos valores morais ou legais é um fato tipificado pela
natureza da mesma, contudo a motivação, a intenção e a repercussão
desta transgressão no agente é o indicador do grau de consciência deste; entendendo neste contexto a consciência como todo o espectro de
saber que um sujeito possui sobre si, sobre a natureza de suas ações e
o provável efeito destas em outrem, também como a responsabilidade
sobre suas ações e o grau de compromisso com outros seres humanos.
É importante dizer que a consciência envolve não apenas julgamento
deliberativo, mas também a emoção, pois a avaliação do impacto das
ações por alguém envolve sentimentos complexos, tais como amor ou
a capacidade de amar o outro (STOUT, 2010).
A CID5-10 (2007) – Classificação internacionais de doenças quando trata dos transtornos de personalidade, caracteriza um tipo de
sujeito em cuja conduta não estão presentes muitos dos elementos
os quais expressam alguns dos valores humanos eleitos como intrínsecos ao agir humano, trata-se do já citado transtorno de personalidade
antissocial, comumente conhecido como Sociopatia ou Psicopatia. É
importante dizer que utilizaremos os termos Psicopatia, Sociopatia e
Transtorno de Personalidade antissocial como termos sinônimos; contudo, há várias controvérsias acerca desta classificação, bem como autores que preferem utilizar apenas um dos termos. Como em linhas gerais os três termos em muito se assemelham nós logicamente fizemos
tal escolha.6 Uma definição breve, porém concisa pode nos oferecer
mais esclarecimentos:
A psicopatia não é exatamente um problema mental, no sentido
da loucura, sobre o qual estávamos acostumados a pensar, considerando-a um distúrbio qualitativo; trata-se, isto sim, de uma zona
fronteiriça entre a sanidade mental e a loucura, pois, na prática, os
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O código do transtorno de personalidade antisocial na CID-10 é F60.2 e possui as seguintes
características: indiferença pelos sentimentos alheios; desrespeito pelas normas e obrigações;
incapacidade de manter relacionamentos; baixa tolerância à frustração; baixo limiar para descarga de agressão; incapacidade de sentir culpa e de aprender com a experiência; propensão
a responsabilizar outrem por suas próprias ações. (Idem, pp. 199-200).
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pacientes não apresentam quadros produtivos, com delírios e alucinações (...), e tampouco perdem o senso de realidade, alterando-se somente a quantidade de reações que eles apresentam. (EÇA,
2010, p.282)
Ou seja, o psicopata, diferente do que sugere o senso comum,
não é um louco, uma vez que suas funções básicas mentais e cognitivas estão intactas. Um paciente esquizofrênico, por exemplo, pode
cometer um crime sob a ação de um delírio paranóide, por isso é inimputável e sua doença possui um curso, um início, um desenvolvimento
e prognóstico de cura. Um sociopata, se assassino, comete o crime de
forma racional, sem prejuízo ou déficit cognitivo, conhece perfeitamente as condições nas quais está envolvido e delibera sobre o efeito
de suas ações sobre outrem. Contudo, delibera de forma fria, sem o
comprometimento da emoção compassiva, pois desconhece a empatia por outro ser humano em sofrimento. Sua consciência é meramente deliberativo-racional, posto que nele estão ausentes as emoções
e juízos mais refinados que fazem com que seja incapaz de exercer o
autocontrole, bem como colocar-se no lugar de outro e agir visando o
bem comum:
Os psicopatas em geral são indivíduos frios, calculistas, inescrupulosos, dissimulados, mentirosos, sedutores e que visam apenas o
próprio benefício. Eles são incapazes de estabelecer vínculos afetivos ou de se colocar no lugar do outro. São desprovidos de culpa ou remorso e, muitas vezes revelam-se agressivos e violentos.
(NUNES, 2009, p.37)
É no relacionamento interpessoal que o transtorno ganha
evidências, uma vez que o portador deste transtorno, de traço eminentemente narcisista, desconhece a natureza das trocas humanas
sensivelmente baseadas na expressão da afetividade. Invariavelmente
estes não conseguem estabelecer vínculos afetivos produtivos, têm
dificuldade de relacionamento, envolvem-se em brigas, disputas, estelionatos, fraudes e outros comportamentos desviantes. Ou seja, a conduta sociopática é pautada preponderantemente por uma ausência de
reconhecimento dos limites alheios, o que muitas vezes resultam em
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demandas judiciais:
De fato, os indivíduos portadores desse tipo de transtorno podem
ser vistos pelos leigos como pessoas problemáticas e de difícil relacionamento interpessoal (...) O comportamento é muitas vezes turbulento, as atitudes incoerentes e pautadas por um imediatismo
de satisfação. Assim, os TP se traduzem por atritos relevantes no
relacionamento interpessoal, que ocorrem devido à desarmonia da
organização e da integração da vida afetivo-emocional. No plano
forense, os TP adquirem uma enorme importância, já que seus portadores se envolvem, não raramente, em atos criminosos e, conseqüentemente, em processos judiciais, especialmente aqueles que
apresentam características anti-sociais. (MORANA, 2003, p.64)
Há diferenças de grau entre os sociopatas sendo que quanto
mais elevada for a indiferença afetiva, maior a probabilidade da ocorrência criminal. Os assassinos seriais retratados pelo cinema refletem
os sociopatas com alto grau de indiferença pelo outro, entretanto, há
aqueles os quais manifestam esta indiferença através das fraudes, das
mentiras, da exploração sexual e/ou financeira, entre outros. Trata-se
de um número considerável de pessoas sem respeito pelos sentimentos alheios, para quem as pessoas não são dignas de consideração;
pois para aquelas, estas são tão valiosas quanto um objeto e, muitas
vezes, até menos que isso.
Segundo Hare (2009), a média da população portadora do
transtorno de conduta psicopática é de aproximadamente 1%, sendo
que na população carcerária este número é de 15 a 20%. Apesar de o
número parecer pouco expressivo, pesquisas apontam que nos EUA
quase 50% dos crimes são cometidos por psicopatas (HARE, 2008). O
transtorno de personalidade antissocial é para os profissionais de saúde mental um desanimador desafio, pois além de ser de difícil diagnóstico, não há respostas conclusivas para o mesmo. O tratamento
mostra-se pouco responsivo, uma vez que tanto as terapias medicamentosas quanto as psicoterapias mostraram-se ineficientes na modificação em seu padrão de comportamento.
A despeito de tomografias computadorizadas atestarem diferenças no padrão de funcionamento cerebral do psicopata, não há
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nenhum tratamento psicofarmacológico específico no manejo deste transtorno7. As terapias em grupo, ou terapias de insight, as quais
nos casos de delinquência de gênese social mostram-se eficientes na
diminuição da recidiva para crimes violentos, com os psicopatas não
apenas mostram-se insuficientes, mas danosas uma vez que pesquisas
experimentais demonstraram significativo aumento das recidivas. Isto
aconteceria, segundo alguns autores, ao fato de que as sessões psicoterápicas desenvolveriam aptidões na arte da simulação. Ou seja, ao
invés de as terapias proporcionarem um maior grau de empatia dos
psicopatas com outros seres humanos apenas “...os ensinam a manipular as vulnerabilidades e inseguranças humanas” (MORANA, 2003 p.
89). Por isso é fundamental, a identificação dos psicopatas, seu grau
de periculosidade e dependendo do caso, o afastamento destes do
convívio social, uma vez que este transtorno apresenta-se como “...a
condição mais grave de desarmonia na integração da personalidade.”
(MORANA, 2003, p.26).
Alguns críticos colocam em dúvida a questão de um tratamento diferenciado aos psicopatas assassinos, uma vez que a afirmação
de que estes não poderiam ser ressocializados implicaria na suspensão dos direitos civis fundamentais. Ou seja, que a figura do psicopata
assassino seria uma criação midiática a qual careceria de sustentação
epistemológica. Tratar-se-ia da invenção de um monstro moral “...cuja
natureza impede que ele seja juridicamente responsável”. (BELO, 2009,
p. 4). Certamente, como já dissemos, a mídia desde há muito destacou
em grau superlativo a questão da psicopatia no imaginário coletivo ocidental eivado de exuberâncias e excessos. Entretanto, cabe dizer que a
psicopatia não se trata de uma mera construção cujo propósito seria o
de influenciar mentes impressionáveis, mas, como inúmeras pesquisas
apontam, um dado de realidade.
Se a psicopatia“...é o construto clínico de maior relevância para
o sistema jurídico penal...” (HARE apud MORANA, 2003, p.26) o que
infelizmente acontece com certa frequência na justiça brasileira é que
Pesquisas mostram que no cérebro dos psicopatas há um hipofuncionamento do lobo frontal superior, região responsável, entre outras coisas, pelo julgamento moral e empatia. Ana
Beatriz B. Silva. Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado.
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pouca ou quase nenhuma atenção é dada a questão do destino dado
ao delinquente psicopata. Na realidade, pode-se perceber a ausência
de critérios precisos os quais diferenciem o delinquente social, ou seja,
aquele que possui histórico de abusos, violência e privação e que possui consideráveis chances de reintegração à sociedade8, daquele que
comete o crime pela premente ausência de empatia, compaixão e sensibilidade humanas. Nem todo delinquente é psicopata, assim como
nem todo psicopata é delinquente, entretanto quando este o é suas
feições são caracterizadas por alto grau de periculosidade, brutalidade
e violência. Os crimes perpetrados pelos psicopatas apresentam algumas características tais como: “... multiplicidade de golpes, ausência de
motivos plausíveis, ferocidade na execução, instantaneidade na ação e
falta de remorso” (NUNES, 2009, p.30).
No que se refere à aplicação da pena para o portador de
transtornos mentais o Código Penal brasileiro adota quatro critérios:
1) doença mental; 2) desenvolvimento mental incompleto; 3) desenvolvimento mental retardado; 4) perturbação da saúde mental. Os
portadores de personalidade psicopática, segundo o parágrafo único
do artigo 26 do Código Penal, são considerados semi-imputáveis uma
vez que, segundo o mesmo código, sofrem de perturbação mental;
compreendem a ilicitude de suas ações, porém não são capazes de
controlar seus atos. É praticamente comum a opinião dos especialistas
em saúde mental que a psicopatia é de fato uma zona fronteiriça da
doença mental, e por este motivo tratar-se-ia, então, de uma perturbação da saúde mental, segundo Eça (2010, p.326), “deve ser ressaltado
que os portadores de personalidade psicopática não têm a capacidade
necessária de autodeterminação. Serão, portanto, considerados semi-imputáveis, pois conseguem entender o caráter criminoso do fato,
mas não têm capacidade de se determinar frente ao cometimento do
ilícito”.
Segundo o livro clássico de Winnicott há uma intrínseca relação entre abusos, privação de
amor e de cuidados maternos e delinquência. Certamente isto explica, mas não determina a
conduta delinquente, pois nem todo delinquente tem, necessariamente, histórico de abusos
e ausência de cuidados maternos, a experiência mostra que o contrário também é verdadeiro.
Idem, Privação e delinquência.
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Na medida de segurança a pena poderá ser reduzida, então,
de um a três terços ou substituída por um tratamento ambulatorial a
ser cumprida em um Hospital de Custódia, instituição destinada aos
inimputáveis e semi-imputáveis, excluída a hipótese de tratamento
ambulatorial para o psicopata. O prazo de internação é indeterminado, sendo que este apenas deixa de vigorar se após perícia psiquiátrica
houver a constatação da cessação da periculosidade. Deste modo, assim o é na compreensão dos Tribunais:
A personalidade psicopática se revela pelas perturbações da conduta e não como enfermidade psíquica. Destarte, embora não enfermo mental, é o indivíduo portador de anomalia psíquica, que se
manifestou quando do seu procedimento violento ao cometer o
crime, justificando, de um lado, a redução da pena, dada sua semi-responsabilidade; e de outro, a imposição por imperativo legal da
medida de segurança. (TJSP- Revisão Criminal – Relator Adriano
Marrey – RT 442/412, p.11).
É fundamental, pois que o criminoso que apresente perfil psicopático com alto grau de periculosidade seja devidamente diagnosticado, pois não deve cumprir pena em presídio comum, uma vez que a
prisão, pelo menos em tese, teria a função não apenas de punir, mas
também de prevenir e de ressocializar. Já a medida de segurança tem
o caráter, sobretudo, preventivo, como vemos a seguir:
... enquanto a pena é retributiva-preventiva, tendendo a readaptar
socialmente o delinqüente, a medida de segurança possui natureza
ssencialmente preventiva, visto que evita que um sujeito que praticou um crime e se mostra perigoso venha cometer novas infrações
penais. Na pena prevalece o cunho repressivo, ao passo que na
medida de segurança predomina o fim preventivo; porém, como já
fez sentir, a prevenção também não é estranha à pena. (DAMÁSIO
apud WAGNER, 2007, p. 12).
Com efeito, o paciente deve ser acompanhado e avaliado de
forma minuciosa em seu período de internação, estando sempre evidente que as chances de recuperação são mínimas e, portanto, reinte-
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grá-lo ao convívio social é algo bastante questionável. Esta afirmação
encontra suporte em várias pesquisas as quais demonstram que nestes indivíduos há a conjugação de dois fatores perniciosos: compulsão
ao crime violento e impulsividade; ou seja, por maior que seja o tempo
de internação estes voltarão a cometer crimes:
A experiência do judiciário revela também que psicopatas são
reincidentes, e devem ficar reclusos para sempre, para a segurança da sociedade, a despeito das leis brasileiras que não permitem
que alguém cumpra mais de trinta anos de reclusão. [...] Perversa,
portanto, é a lei que deixa a sociedade desprotegida [...] Da psicopatia não se pode esperar cura, redenção ou reabilitação social”
(PIMENTEL, 2010, p.4)
Este parece ser também o entendimento do penalista Mirabete
(2005, p.12):
Já se tem decidido que, reconhecida no laudo pericial a necessidade de isolamento definitivo ou por longo período, como na hipótese de ser o réu portador de personalidade psicopática, deve
o juiz, inclusive por sua periculosidade, optar pela substituição da
pena por medida de segurança para que se proceda ao tratamento
necessário.
O caso de Adimar Jesus da Silva, conhecido como “maníaco
de Luziânia”, é um exemplo triste e com consequências trágicas de
como é fundamental que a perícia psiquiátrica e psicológica esteja amparando de forma efetiva e diligente as decisões judiciais nos casos
de psicopatia. Após receber a sentença de quatorze anos por crimes
sexuais perpetrados contra crianças e adolescentes, Adimar cumpriu
quatro anos e foi beneficiado pelo regime de progressão de pena a
ser cumprida em regime semi-aberto. Sem acompanhamento judicial,
psicológico ou psiquiátrico, após uma semana, ele começou a cometer crimes e matou seis adolescentes. Adimar era polido, tinha bom
comportamento, não apresentava sinais aparentes de brutalidade e
violência, também não fazia uso de medicamentos controlados. Com
estes elementos ganhou liberdade e não estava apto a recebê-la uma
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vez que seis vidas foram retiradas de forma brutal (MENDES, 2010).
Adimar não era doente mental, por isso não fazia uso de medicamentos. Também, provavelmente, simulou o comportamento de
um cidadão apto a conviver entre outros, fingiu ser alguém que durante seu tempo de prisão refletiu sobre sua conduta e resignificou seu
modo de ser e de agir. Era um psicopata e conseguiu seu intento, enganou várias pessoas. Jamais saberemos, efetivamente, quais monstros e
fantasmas habitavam Adimar, pois ele foi encontrado morto na prisão.
Contudo, sabemos que ele era psicopata e que o diagnóstico desde sua
primeira condenação parece não ter sido adequado, pois ele foi para
um presídio comum e depois posto em liberdade. Erraram psicólogos,
psiquiatras e o Juiz.
Este e outros casos evidenciam a questão já apontada de que
há a necessidade premente da atenção da Justiça Criminal na questão
da psicopatia. Isso porque, como já foi dito, os criminosos psicopatas
violentos não são criminosos comuns e por isso não devem ser presos,
uma vez que não há, em linhas gerais, chances dos mesmos serem
reintegrados ao convívio social. Considerando que a função da pena é,
sobretudo, a de readaptar o indivíduo para o convívio em sociedade,9
ao psicopata violento a medida de segurança seria a sanção mais adequada, uma vez que após o término do prazo de internação o indivíduo
só é posto em liberdade mediante rigorosa perícia psiquiátrica e psicológica a qual será avaliada pelo juiz.
Conclusão
É importante ressaltar o fato já citado de que as medidas de
segurança têm tempo indeterminado; ou seja, elas subsistem enquanto durar a periculosidade. Mas se em nossa legislação não há pena
perpétua qual a solução para o psicopata cuja perícia oferece parecer
Quando dizemos sobretudo queremos enfatizar a concepção da pena como um meio de reintegrar o apenado ao convívio social após o cumprimento da sentença, mas não desconhecemos que “...as finalidades das penas e medidas de segurança são as de prevenir novos crimes,
como forma subsidiária de proteção dos bens jurídicos. Paulo Queiroz, Inconstitucionalidade
das medidas de segurança?, p. 22.
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contrário ao laudo de cessação de periculosidade? Situação controversa que divide doutrinadores, pois se no sentenciado persistir a periculosidade a execução da medida de segurança durará por toda sua vida.
Entretanto, se toda execução penal deve ter um limite, uma vez que
“...o contrário seria admitir a privação perpétua da liberdade, que é
proibida pela Constituição Federal...” (FRANCO; STOCCO, 2007, p.486)
o que fazer com o psicopata que não pode ser posto em liberdade, sob
a pena de colocar em evidente risco outras pessoas?
Vemos, pois, três pontos de vistas doutrinários divergentes: o
primeiro apoiado na medicina forense o qual apóia a medida de segurança como meio paliativo, porém necessário, de proteger a sociedade
do psicopata com alta periculosidade; o segundo ponto de vista discorda veementemente de que o psicopata seja semi-imputável, e por isso
este deve ser apenado como qualquer outro criminoso e, finalmente,
o terceiro ponto de vista de cunho eminentemente positivista diz que a
medida de segurança deve ter um tempo determinado, pois, se assim
não for, coloca-se em risco a segurança jurídica, pois os princípios de
legalidade e de igualdade resguardam os direitos de todos e a indeterminação da privação da liberdade fere estes mesmos princípios.
Certamente o ideal, como já se dá em outros países, seria
a criação de instituições para os portadores de transtornos crônicos
oriundos dos Hospitais de Custódia. Com isso, em 2004 a psiquiatra
forense Hilda Morana conseguiu criar um projeto de lei para a criação destas instituições, entretanto tal projeto não foi aprovado. Se tais
instituições existissem não apenas trariam solução para esta delicada
questão abordada neste trabalho como ensejaria novas possibilidades
de intervenção e pesquisas no terreno dos transtornos de personalidade as quais ainda, no Brasil, são bastante incipientes. Sendo assim,
a medida de segurança pode não ser caminho ideal para a resolução
desta questão, mas apresenta-se até então como o meio mais viável
diante do grau de periculosidade do psicopata assassino.
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