83120971 - cobeq

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83120971 - cobeq
ENVELHECIMENTO DE CACHAÇA ARTESANAL EM TONÉIS DE DIVERSOS TIPOS
DE MADEIRA COM 20L DE CAPACIDADE
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Betania V. Silva, 2 João Nunes de Vasconcelos
Bolsista de iniciação Científica PIBIC/CNPQ/UFAL, discente do curso de Engenharia Química
Professor da Unidade Acadêmica Centro de Tecnologia da UFAL
1,2
Universidade Federal de Alagoas, Centro de Tecnologia, Av. Lourival Melo Mota, S/N - Campus A.C. Simões, BR
104 Norte Km 97 - Tabuleiro do Martins, Maceió – AL, Brasil, CEP.: 57.072-970.
e-mail: [email protected]
RESUMO – Este estudo foi realizado com o objetivo de estudar o envelhecimento da cachaça
artesanal, produzida em alambique de cobre, numa segunda etapa de utilização dos tonéis no
processo de envelhecimento. Numa etapa anterior foi estudado o comportamento do destilado
na primeira utilização pelo período de um ano utilizando os mesmos tonéis de madeira com 20
litros de capacidade cada e os resultados obtidos foram comparados com a cachaça branca
armazenada em recipientes de vidro, sob as mesmas condições. Os tonéis foram esvaziados e
completados seus volumes com cachaça recém-produzida e, partir de então, foi avaliado seu
comportamento numa segunda utilização. Os ensaios têm como base a cachaça em processo
de envelhecimento em tonéis de diferentes tipos de madeira: Bálsamo, Carvalho, Castanheira,
Ipê Amarelo, Jatobá, Jequitibá, Peroba, Umburana e Timborana. Os resultados obtidos nas
duas etapas de utilização dos tonéis foram comparados e indicam que, na segunda utilização, o
tempo de envelhecimento, para se obter as mesmas características físico-químicas e
sensoriais, é maior.
Palavras-Chave: envelhecimento, cachaça, tonéis de madeira.
INTRODUÇÃO
A cachaça é uma bebida tipicamente brasileira e é obtida a partir do caldo da cana-deaçúcar. De acordo com a legislação, possui graduação alcoólica de 38 a 48°GL, a 20°C e recebe
várias denominações, que varia de acordo com a
região do país.
O processo de produção é dividido em extração do caldo, preparo do mosto e do inóculo,
inoculação, fermentação e destilação.
Após a destilação a cachaça necessita de
um período de maturação, que pode variar de
dois a seis meses. E ainda com o objetivo de ajustar a composição, o aroma e o sabor do destilado é recomendado o processo de envelhecimento que pode variar de um a três anos. (Maia e
Campelo, 2005).
O envelhecimento é um processo de grande importância na produção de cachaça, porque a
aguardente possui um sabor ardente e seco por
melhor que tenha sido a fermentação e por mais
eficiente que tenha sido a destilação. O envelhecimento causa inúmeras alterações físicoquímicas que proporcionam o melhoramento de
suas propriedades organolépticas. (Aquarone et
al, 2001).
O hábito de envelhecer para alguns destilados é um processo indispensável, pois é exata-
mente o envelhecimento que garante as principais
características físico-químicas e sensoriais dos
mesmos.
A cachaça envelhecida é uma bebida requintada e possui alto valor agregado, pois o processo de envelhecimento garante à bebida uma
qualidade singular, devido às inúmeras reações
químicas como a oxidação de substâncias que
são desagradáveis ao olfato e ao paladar presentes na cachaça recém-produzida. Atualmente as
crescentes exigências do mercado têm feito crescer a preocupação com a qualidade da bebida,
como também o interesse dos produtores em envelhecer o destilado.
MATERIAIS E MÉTODOS
Obtenção da cachaça
As aguardentes utilizadas no estudo foram
produzidas de modo artesanal, o que consiste na
produção de cachaça a partir de mosto de canade-açúcar, destiladas em alambique de cobre no
Laboratório de Derivados da Cana-de-açúcar
(LDCA/UFAL), após a o processo de destilação
foram separadas as frações de cabeça, coração e
cauda, a fração utilizada para o estudo foi a
fração coração (destinada para o consumo
humano), que corresponde a 80% do volume total
VIII Congresso Brasileiro de Engenharia Química em Iniciação Científica
27 a 30 de julho de 2009
Uberlândia, Minas Gerais, Brasil
de destilado, separada esta fração, não houve
adição de açúcares, corantes ou quaisquer outros
ingredientes.
Foram realizadas alambicadas até que se
completassem os volumes dos nove tonéis de
diferentes tipos de madeira com a fração coração
da destilação do mosto e ainda volume excedente
que não foi armazenado nos tonéis de madeira,
mas em garrafas de vidro sob as mesmas
condições dos tonéis de madeira, a qual foi
denominada de cachaça branca e utilizada como
comparativo em todas as análises realizadas
mensalmente durante o estudo.
Tonéis de madeira
Os tonéis de madeira utilizados possuem
20L de capacidade cada, conforme a Figura 1, e
encontravam-se numa segunda etapa de
utilização. Numa primeira utilização a cachaça foi
envelhecida por 12 meses e após este período,
os tonéis foram esvaziados e novamente
completados seus volumes com cachaça recémproduzida.
amostragens um mês após a transferência das
aguardentes para os referidos recipientes.
Durante a realização dos experimentos
tanto os tonéis como os recipientes de vidro
permaneceram em uma sala no prédio da
Unidade Experimental de Produção de Derivados
da Cana-de-açúcar, devidamente preparada para
o processo de envelhecimento.
As dimensões (interna e lateral total) assim
como a massa total de cada tonel vazio são
apresentadas na Tabela 1.
Tabela 1 – Dimensões e massa dos tonéis
utilizados nos ensaios experimentais.
Altura
Altura
Massa
Tonéis
interna
lateral
total (kg)
(cm)
total (cm)
Bálsamo
36,10
42,50
10,275
Carvalho
29,50
42,00
7,700
Castanheira
32,50
37,00
4,655
Ipê amarelo
34,00
42,10
8,615
Jatobá
33,00
37,00
7,300
Jequitibá
36,20
42,30
7,735
Peroba
40,00
44,00
9,010
Timborana
33,50
37,00
5,810
Umburana
36,10
42,10
6,725
Metodologia analítica
Figura 1 – Tonéis de madeira utilizados no
estudo.
As madeiras utilizadas foram:
Bálsamo - Myroxylon peruiferun L.F
Carvalho - Quercus SP
Castanheira - Terminalia catappa L.
Ipê Amarelo - Tabebuia spp
Jatobá - Hymenaea spp
Jequitibá - Cariniana estrelensis
Peroba - Paratecoma peroba
Umburana - Amburana cearensis
Timborana - Piptadenia suaveolens
Os
tonéis
foram
confeccionados
especialmente para este estudo de madeira nova
ou virgem e adquiridos de tanoarias do estado de
Minas Gerais.
Para a execução das análises foram
retiradas alíquotas mensalmente, durante um
período de 10 meses, iniciando-se as
A cada mês foram retiradas amostras das
cachaças e feitas às análises físico-químicas, que
objetivaram caracterizar e conhecer as mudanças
químicas do destilado durante o processo de envelhecimento.
Foram avaliados mensalmente: acidez volátil em acido acético, densidade, teor alcoólico,
taxa de evaporação, extrato seco e cor da cachaça em processo de envelhecimento de cada tonel
citado e como também das amostras da cachaça
branca.
As metodologias analíticas utilizadas, em
alguns casos com pequenas adaptações são as
preconizadas pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento - Mapa.
A acidez volátil em acido acético foi determinada por volumetria em alíquota de 25 mL da
amostra e expressa em miligramas de ácido acético por 100 mL de álcool anidro. Os valores de
pH foram determinados em potenciômetro digital
(Digimed DM2).
A densidade foi determinada utilizando balões de 25 mL de capacidade, onde os mesmos
foram pesados vazios e secos, e com amostra. A
densidade foi calculada dividindo-se a diferença
das massas dos balões pelo volume da amostra,
expressando os resultados em g/mL.
O teor alcoólico foi determinado utilizando
alcoômetro de Gay Lussac se corrigido o valor
para a temperatura de 20°C.
A taxa de evaporação foi obtida pela diferença de volume da aguardente armazenada ini-
cialmente e o encontrado a cada amostragem
mensal.
O extrato seco foi determinado através de
secagem em cápsula de porcelana por três horas,
seguido de secagem em estufa por 30 minutos.
As leituras de absorvância das amostras foram realizadas em um espectrofotômetro UV-VIS,
de 200 a 850nm, modelo MultiSpec-1501 da Shimadzu.
Para a definição do comprimento de onda
mais adequado, na determinação da cor, foi feita
a determinação no espectrofotômetro citado.
Os valores obtidos nos 12 meses da 1ª utilização foram avaliados e definidos para cada
tipo de madeira o melhor comprimento de onda,
utilizando regressão linear.
Para cada tonel foi obtido um comprimento de onda correspondente que passou a ser utilizados nos ensaios seguintes.
Os resultados das análises das amostras
dos nove diferentes tonéis foram comparados
com a amostra controle (cachaça branca armazenada em garrafas de vidro) e os resultados obtidos na primeira etapa de envelhecimento foram
confrontados com os resultados da segunda utilização.
Figura 2 – Variação da acidez acética com o
tempo de envelhecimento, para as 1ª e 2ª utilizações do tonel de Bálsamo.
Densidade (g/mL)
Acidez acética (mg/100mL)
A Figura 4 apresenta os resultados de
densidade para a cachaça em processo de
envelhecimento em tonel de Castanheira, onde se
observa, na segunda utilização, uma tendência de
crescimento um pouco mais discreta em seus
valores se comparados ao primeiro ano de utilização.
Isto já era esperado, pois na primeira utilização, os tonéis eram novos e tanto a absorção
de umidade como a transferência de compostos
da madeira para a cachaça ocorrerá de modo
mais rápido principalmente nos primeiros meses
de envelhecimento da 1ª utilização. Por outro lado, nas utilizações sucessivas, este fenômeno
provavelmente ocorrerá.
Em função deste fato, o tempo de envelhecimento, nas utilizações sucessivas, certamente deverá ser maior a cada reutilização, para que
a cachaça obtenha os mesmos padrões físicoquímicos e sensoriais da 1ª utilização.
A acidez acética é um parâmetro
importante da qualidade da cachaça. No primeiro
mês de envelhecimento houve aumento
acentuado, decrescendo em seguida até o sexto
mês quando passou a apresentar valores
aproximadamente
constantes.
Este
comportamento foi semelhante nas duas
utilizações dos tonéis.
A Figura 2 apresenta os resultados para a
cachaça em processo de envelhecimento em
tonel de Bálsamo.
As pequenas variações nos primeiros
meses são justificadas pelo aparecimento de
componentes resultantes das reações químicas e
da interação da aguardente com os compostos
solúveis da madeira. Este comportamento indica
que o envelhecimento melhora a qualidade da
cachaça.
Figura 3– Variação da densidade com o tempo
de envelhecimento, para as 1ª e 2ª utilizações
do tonel de Castanheira.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
As Figuras de 2 a 7 apresentam os resultados analíticos comparativos das cachaças em
processo de envelhecimento, durante a primeira e
a segunda utilização dos tonéis de diferentes tipos
de madeira de 20L de capacidade volumétrica
cada.
Pela semelhança dos resultados obtidos
para os diversos tipos de madeira e devido ao
grande número de dados obtidos, a apresentação
e discussão dos resultados foram feitas de forma
aleatória de modo que é utilizado praticamente
um parâmetro para cada tipo de madeira.
Teor alcoólico (°GL)
Conforme se verifica na Figura 5, a variação do teor alcoólico durante o processo de envelhecimento apresenta comportamento similar nas
duas utilizações.
Os valores para a segunda utilização foram menores provavelmente pelo fato de o teor
alcoólico inicial (cachaça branca) ter sido menor.
Fatores como a temperatura, a umidade
do ar e a aeração do ambiente reduzem o volume
e, conseqüentemente, o teor alcoólico durante o
armazenamento em madeira. (Maia, 1994).
O comportamento decrescente do teor alcoólico se deve à porosidade da madeira e as
condições externas (temperatura e umidade) da
área de envelhecimento.
Figura 5– Variação da taxa de evaporação com
o tempo de envelhecimento, para as 1ª e 2ª
utilizações do tonel de Jequitibá.
Extrato seco (g/L)
Figura 4 – Variação do teor alcoólico com o
tempo de envelhecimento, para as 1ª e 2ª utilizações do tonel de Jatobá
O extrato seco apresentou crescimento,
justificado pelo aparecimento de componentes
resultantes de reações químicas e a transferência
dos componentes soluveis da madeira para a
cachaça.
Os valores menores deste parâmetro, na
segunda utilização, para o mesmo tempo de envelhecimento, se justifica pela diminuição da capacidade de transferência dos componentes citados no parágrafo anterior, com as utilizações sucessivas dos tonéis.
Independentemente da reutilização, provavelmente haverá tendência de crescimento,
porém de forma mais lenta nas reutilizações sucessivas. Estes resultados estão explicitados na
Figura 7.
Taxa de evaporação (%)
Vários componentes das aguardentes têm
suas concentrações modificadas durante o envelhecimento, devido à evaporação parcial do etanol
e da água, que pode representar 1 a 3% do volume do ano precedente. (Maia, 1994).
A Figura 6 evidencia os valores da taxa
de evaporação acumulada, que é crescente ao
longo dos meses de envelhecimento nos dois casos. Na 2ª utilização, os valores, apesar de crescentes, são menores que na 1ª utilização.
Figura 6– Variação do extrato seco com o
tempo de envelhecimento, para as 1ª e 2ª utilizações do tonel de Umburana.
Cor (absorvância - nm)
A variação da cor durante o envelhecimento apresenta comportamento crescente nas
duas utilizações.
Durante o envelhecimento, a cachaça
passa por inúmeras transformações, entre elas a
incorporação de componentes solúveis extraídos
da madeira, como flavonóides e taninos. A decomposição parcial de macromoléculas de madeira (lignina, celulose, hemicelulose) em monômeros solúveis, como aldeídos e ácidos fenólicos,
que são incorporados a cachaça. A oxidação de
aldeídos fenólicos, que se convertem em ácidos
fenólicos. Todas estas transformações provocam
aumento progressivo da coloração, viscosidade.
(Maia e Campelo, 2005).
Os resultados obtidos podem ser evidenciados na Figura 8. As fotos ilustrativas das colorações das cachaças estão nas Figuras 9, 10, 11
e 12, respectivamente para os terceiro, quinto,
oitavo e décimo meses de comparação.
Fica evidente, portanto, a diminuição da
capacidade de transferência de compostos da
madeira para a cachaça com as utilizações sucessivas dos tonéis, onde na primeira utilização, a
cor é mais intensa que na segunda, para o mesmo tempo de permanência da cachaça em processo de envelhecimento e nas mesmas condições de armazenamento.
utilização dos tonéis e o segundo representa o
mês da amostragem.
Figura 9 – Foto comparativa da cachaça no
terceiro mês de armazenamento em tonel de
Bálsamo, na 1ª e 2ª utilizações.
Figura 10– Foto comparativa da cachaça no
quinto mês de armazenamento em tonel de Ipê
Amarelo, na 1ª e 2ª utilizações.
Figura 7 – Variação da cor com o tempo de
envelhecimento, para as 1ª e 2ª utilizações do
tonel de carvalho.
As Figuras evidenciam, portanto, a
mudança de coloração entre o primeiro ano de
utilização do tonel para o envelhecimento e no
segundo ano de envelhecimento para o mesmo
tempo de armazenamento da cachaça.
É notável a mudança de cor, pois no
primeiro ano de envelhecimento houve uma maior
transferência de componentes da madeira para a
cachaça resultando em cores mais intensas das
cachaças em processo de envelhecimento.
O primeiro número significa a série de
ensaios, ou seja, o primeiro e o segundo anos de
Figura 11– Foto comparativa da cachaça no
oitavo mês de armazenamento em tonel de
Jatobá na 1ª e 2ª utilizações.
Figura 12– Foto comparativa da cachaça no
décimo mês de armazenamento em tonel de
Umburana, na 1ª e 2ª utilizações.
CONCLUSÃO
A partir dos resultados obtidos neste estudo
pode-se concluir que as reutilizações sucessivas
dos tonéis de madeira, para o envelhecimento de
cachaça, influem de forma significativa no comportamento físico-químico e sensorial desta bebida.
O processo de envelhecimento se dá até se
atingir um estágio de saturação, mas para se atingir o mesmo padrão físico-químico e sensorial,
numa reutilização, o tempo de envelhecimento
será superior ao de uma utilização anterior.
O envelhecimento, independentemente do
tipo de madeira utilizada, desde que adequada,
proporciona melhoria de qualidade da cachaça.
Os resultados obtidos das análises físicoquímicas realizadas estiveram de acordo com o
que é prescrito pela legislação, nos nove tonéis
de diferentes tipos de madeira utilizados no processo de envelhecimento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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gard Blucher LTDA, São Paulo, v.5, cap.5,
p.79-103.