ponderações acerca da teoria da aparência e do ato ultra vires nos

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ponderações acerca da teoria da aparência e do ato ultra vires nos
PONDERAÇÕES ACERCA DA TEORIA DA APARÊNCIA E DO ATO
ULTRA VIRES NOS CONTRATOS
GALINDO, Cleusy Araújo1
RESUMO: O Tema irá analisar a Teoria da Aparência e a Teoria do Ato Ultra Viris. Trará o debate
acerca da responsabilização do administrador e do sócio no âmbito contratual com suporte
doutrinário que discorrem sobre as temáticas. Será feita abordagem acerca dos atos praticados pelo
administrador ou sócio-gerente da sociedade, fora dos limites estabelecidos no estatuto social, no
âmbito regular de gestão. E responder se os bens particulares dos sócios e administradores irão
garantir a dívida junto aos terceiros de boa fé. Será feito um paralelo entre o Código Civil e a norma
processual vigente.
Palavras-chave: Responsabilização do administrador. Dolo ou culpa. Garantia da dívida.
ABSTRACT: The topic will examine the theory of Appearance and the Theory of Act Ultra Viris.
It will bring the debate about the administrator accountability and partner in the contractual
framework to support doctrinal which talk about the issues. Approach will be made about the
actions taken by the administrator or managing partner of the company, outside the limits
established in the bylaws, the regular management framework. And asked if the private property of
members and administrators will ensure debt with third parties in good faith. A parallel between the
Civil Code and the applicable procedural rule will be made.
Key-words: Administrator accountability. Fraud or negligence. Debt guarantee.
INTRODUÇÃO
A relevância do tema em face de perdas sofridas por terceiros de boa fé que confiam em
empresas cujo administrador age de forma danoso, comprometendo inclusive a continuidade da
atividade empresarial. Será feita uma abordagem doutrinária, com análise bibliográfica na qual irá
ser verificada se os bens dos sócios ou do administrador irão responder pelo débito gerado por ato
não garantido pelo estatuto empresarial.
Este estudo terá como objetivo geral buscar o suporte teórico sobre a temática, de modo
que seja possível a análise da garantia das obrigações contraídas com terceiros envolvidos pela
prática irregular do sócio ou administrador. Gerando a formulação de hipóteses acerca dos bens,
tanto dos sócios como do próprio administrador para solucionar o conflito. Estes bens responderiam
pelos prejuízos dos terceiros? De quem seriam: dos sócios ou do administrador?
1
Doutoranda em Direito do Trabalho pela Universidade de Buenos Aires/Argentina Endereço eletrônico:
[email protected].
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Assim, será possível visualizar a credibilidade e a forma inibitória de atos danosos a
terceiros, em face da confiança que as empresas deixam passar para o ambiente externo de suas
instalações. E, portanto, o compromisso social com aqueles que se envolvem em atos negociais sem
saber do risco que correm em ter seus ativos comprometidos por ações danosas praticadas pelo
administrador empresarial.
Assim, estudo norteando a pesquisa segundo os entendimentos acerca da Teoria do Ato
Ultra Vires Societatis que teve origem na Inglaterra no ano de 1856, com o objetivo de evitar
desvios de finalidade na administração de sociedades por ações, e preservar os interesses dos
investidores. Este estudo traz à baila várias estruturas esquecidas pela doutrina que sempre mais se
ateve a discorrer sobre Doutrina Ultra Vires Societatis, devido a pragmaticidade da questão. O art.
116, do Novo Código Civil trata da essência referente ao tema em estudo.
Será analisada a validade das ações praticadas pela pessoa jurídica empresarial, cuja
prática pode levar a atuação com excesso de poderes, uma vez que na maioria das situações, ele se
faz agir em nome da sociedade. Contudo, os atos praticados pelo administrador que vai além do seu
poder diretivo será de sua responsabilização exclusiva, ou a sociedade arcará com o ônus, em face
da atuação do administrador que extrapolou seus limites?
Define, Roberto de Souza Neves, no dicionário de expressões latinas usuais, a teoria do
ato ultra vires como sendo “além das forças, além dos poderes concedidos”.(NEVES, 1996, p. 580)
Será feita pesquisa no sentido de identificar os pontos interessantes sobre os atos Ultra
Vires e como a Teoria da Aparência se equivalem. Nesse diapasão, a representação terá a definição
de ser um instrumento de um alieno nomine, implementar negócios jurídicos em nome de outrem,
porém em que limites de sua atuação e quais as conseqüências de sua extrapolação?
Em face do tema da representação existir em conjunto com as espécies que se
exterioriza, a doutrina achou por bem dividir a matéria segundo uma representação voluntária, a
Ultra Vires Mandati, e uma segunda a representação legal, a qual uma delas seria a Ultra Vires
Societatis para as pessoas jurídicas. Hoje, portanto, na busca por um sistema lógico e acessível, não
há mais esta dicotomia uma vez que a representação tornou-se foco central com suas regras
respectiva.
Analisar das duas teorias no ordenamento jurídico brasileiro, no qual será feita breve
análise dos conteúdos dos artigos referentes à matéria no Novo Código Civil Brasileiro 2 (NCC).
Neste ponto é bom frizar o conflito terminológico que circunda a questão de que os autores
2
BRASIL. Lei nº 10.406/2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em 25 out. 2015.
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costumam generalizar no trato com a matéria quanto à denominação de ‘Representação Imprópria’,
todas àquelas que não apresentam os elementos específicos caracterizadores da representação
propriamente dita. A doutrina mais balizada acredita que faltando a Contemplatio Domini o instituto
não deve ser chamado de Representação Imprópria por nada ter de representação.
1. A TEORIA DO ATO ULTRA VIRES E A TEORIA DA APARÊNCIA NOS CONTRATOS
Alega, Fábio Ulhoa Coelho, que “de acordo com a sua formulação estrita, qualquer ato
praticado em nome da pessoa jurídica que extrapole o objeto social é nulo”. Discorre, ainda, sobre o
rigor e um melhor entendimento da teoria: “ao rigor do século XX, dilui-se o rigor da teoria. De
nulo, o ato exorbitante do objetivo social passou a ser inimputável à pessoa jurídica. O terceiro
podia demandar o cumprimento das obrigações pelo diretor da sociedade”. (COELHO, 2002, p.
445).
Reza o art. 118, do Código Civil de 2002, a presunção de que o representante possui
qualidade e os limites de seus poderes. Visa proteger o terceiro de boa-sé e o representado, tendo
em vista que é norma imperativa ao representante incumbindo a este o ônus da prova do regular
exercício legal. (TANURE, 2004)
Sendo acolhida a teoria do Ato ultra vires no NCC, definido que sociedade não tem
vinculação com atos estranhos ao objeto social, in verbis:
Art. 1.015. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos
pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de
bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir.
Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a
terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses:
I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade;
II - provando-se que era conhecida do terceiro;
III - tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade.
Art. 1.016. Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros
prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções.
Observa-se um conflito de interesses entre a sociedade e os terceiros. Uma corrente
doutrinária aponta que a sociedade teria um vínculo com terceiros de boa-fé, e responderia perante
eles, cabendo um acerto de contas posterior com o administrador que usou seu poder de forma
inadequada, de modo que apenas nos casos de caracterização da má-fé do terceiro é que a sociedade
não seria imputada qualquer ônus de responsabilidade.
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No entendimento de Rubens Requião “o uso regular da firma cabe ao sócio-gerente.
Deve ele exercitar suas funções com zelo e lealdade, não só para com a sociedade como também em
relação aos seus companheiros. Os limites de sua ação determinados pelo objeto social.
Ultrapassando esses limites, caracteriza-se o abuso da firma social, é o ato ultra vires”.
(REQUIÃO, 2000, p. 442-443)
As sociedades comerciais as quais apresentam personalidade jurídica praticam seus atos
através de representantes legais, seus diretores, os quais não contraem responsabilidade pessoal
pelos atos praticados dentro da lei ou do estatuto, bem como, não respondem pelo cumprimento das
obrigações contraídas no exercício desta função, posto que, não são suas, mas da sociedade. Os atos
praticados por estes representantes legais apresentam direta vinculação com o objeto social, o qual
está devidamente determinado no estatuto social, não podendo praticá-lo fora da finalidade da
empresa, sob pena de serem considerados atos ultra vires societatis, na qual a sociedade não
responde pelos atos de seus representantes legais praticados com extravagância do objeto social.
Logo, o ato ultra vires societatis é aquele praticado pelo gerente fora ou além dos limites impostos
pelo objeto social, configurando o abuso da razão social.
No entanto, é possível que a administração da sociedade fique a cargo de uma ou mais
pessoas, sócias ou não, designadas no contrato social ou em ato separado. Elas são escolhidas e
destituídas pelos sócios, observando-se, em cada caso, a maioria qualificada exigida por lei. Para a
sociedade ser administrada por não sócio, é imprescindível que haja a expressa autorização no
contrato social. Caso contrário, só ao sócio podem ser atribuídos poderes de administrar.
A luz do entendimento do doutrinador José Edwaldo T. Borba, “os administradores que
agirem dentro dos padrões de regularidade exigidos pela lei não responde pessoalmente pelos atos
que praticarem, ainda que estes venham a causar prejuízo à sociedade”. (BORBA, 1998, p. 362363)
Entende Amanda Alves Moreira, que “aplicando essa teoria em termos absolutos, a
sociedade não se responsabiliza por tais atos, mesmo que eles trouxessem vantagens à empresa; os
atos estranhos ao objeto social são insanavelmente nulos, mesmo quando hajam sido deliberados
por decisão unânime dos sócios. Qualquer negócio realizado pela companhia além de seus poderes
é nulo e não pode ser ratificado de modo algum. Em termos relativos, a sociedade comercial só não
se responsabiliza pelos atos praticados fora do objeto social dos quais não tenha obtido vantagem
ou, no caso da sociedade anônima, não tenha sido ratificado pela assembleia geral”. (MOREIRA,
1998)
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Já Rubens Requião argumenta que “Pode ele, todavia, usar da razão social, dentro dos
objetivos da sociedade, mas pra fins pessoais, o que caracteriza seu uso indevido. Tanto no caso de
abuso como no de uso indevido da firma social, cabe ação de perdas e danos contra ele, promovida
pela sociedade ou pelos sócios individualmente, sem prejuízo da responsabilidade criminal”.
(REQUIÃO, 2000, p. 441)
É salutar mencionar que em contraposição à Teoria do Ato Ultra Vires, observa-se a
Teria da Aparência, na qual se preserva em maior conta o terceiro de boa-fé que contrata com a
sociedade, uma vez que este desconhece as linhas traçadas oi ato constitutivo da sociedade,
propiciando que o terceiro de boa-fé exija o devido cumprimento do contrato firmado com a pessoa
jurídica, fazendo valer seus direitos, uma vez que o ato foi válido e obriga a pessoa jurídica.
Portanto, diferentemente do que ocorre na teoria do ato ultra vires que coroa o ato como sendo nulo,
uma vez que foi praticado fora dos limites dos poderes do administrador.
Vale citar a Teoria da Aparência tem sua origem no instituto da Gewere, instituto antigo
do Direito germânico de importância para o conhecimento da posso no direito moderno, cuja
vigência foi desde o período medieval até o início do século XIX. Frise-se que o Código Civil
brasileiro seguiu, em pontos de importância singular, a mesma codificação germânica, podendo ser
citado o art. 486, que traz a distinção entre a posse direta e a indireta, que nada mais é que a
reprodução do § 868 do Bürgerliches Gesetzbuch (B.G.B.), como menciona o Professor José Carlos
Moreira Alves.3
A Teoria da Aparência tratava-se, estruturalmente, de uma propriedade de fato, afinal,
podia reter ou reaver a coisa, aquele que possuísse uma disponibilidade física desta. Garantia-se,
dessa maneira, uma rápida circulação de direitos reais e, para que se demandasse a coisa, bastava
que fosse comprovada a posição de possuidor e a ausência de justo título de terceiro. Dessa
maneira, observa-se que podia exercer o direito de sequela sobre a coisa e dela dispor aquele que
era possuidor e, por isso, aparentemente, proprietário. E essa aparência é que fazia surgir, em
terceiro adquirente, a relação de confiança. (KUMPEL, 2004, p. 48)
Conclui-se que a teoria da aparência é a exteriorização de um erro justificável que surte
consequências jurídicas, nas quais o direito reconhece eficácia a situações meramente aparentes,
uma vez que, dada sua relevância social, não podem ser ignoradas. Doutrinadores justificam a
incidência da teoria da aparência como sendo um desdobramento da aplicação do princípio geral da
boa-fé objetiva. Porquanto, nessas hipóteses, privilegia-se a aparência em detrimento da realidade,
3
http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/66559/69169. Acesso em 08/11/15.
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justamente, com a finalidade de preservar terceiro que cometeu, de boa-fé, um equívoco justificável
que, a princípio, levaria à privação dos efeitos de seu ato.
Há, contudo, os que defendem, simplesmente, a elevação da regra específica,
legalmente prevista, aplicada em relação aos herdeiros aparentes (jus singulare) a status de
princípio geral. Afinal, dispõe o artigo 1.827 do Código Civil que: “São eficazes as alienações
feitas, a título oneroso, pelo herdeiro aparente a terceiro de boa-fé”. Argumentam-se,
contrariamente a esta corrente, que não é possível interpretação analógica em relação ajus
singulare. Todavia, é de se reconhecer que, se as situações jurídicas, na essência, são idênticas, não
existe razão para não se presumir que o legislador as teria regulado da mesma forma se houvesse
considerado outras hipóteses. Nesse sentido, caso haja uma situação em que a aplicação da norma
tenha a mesma utilidade que a aplicação para a hipótese prevista em lei, não há porque afastar a
interpretação analógica. (GOMES, 2007, p. 114-115).
Independentemente de qual linha doutrinária será adotada, é certo que a incidência da teoria da
aparência aplicada ao caso concreto requer a presença de certos requisitos, pois, não será a qualquer ato
aparente, desprovido de existência validade ou eficácia que será conferido efeitos jurídicos. Faz-se
necessária a verificação de um ato baseado em um erro gerado em virtude de confiança legítima, de modo
que este erro seja justificável, invencível, uma vez que sustentado por suporte fático. Isto significa dizer que
foi praticado por pessoa que agiu com precauções, usualmente adotada para evitar o equívoco e apenas
equivocou-se por haver um suporte fático objetivo, divorciado da realidade, que o levou ao erro. Até porque
se trata de erro invencível, fundado em confiança legítima, que caracteriza a boa-fé objetiva e subjetiva da
pessoa que pratica o ato inválido, ineficaz ou inexistente.
Demonstrando, assim, ser a boa-fé elemento fundamental para a aplicação desta teoria, na
qual um ato ou negócio jurídico insubsistente provoca efeitos jurídicos regulares. Por conseguinte,
ato inválido ou inexistente praticado por terceiro que age de boa-fé (padronizada e psicológica)
pode produzir efeitos como se existente e válido fosse. (KÜMPEL, 2002, p. 50)
Portanto, esta nova teoria, é estruturada na proteção do terceiro de boa-fé, apesar de, em
determinadas situações específicas, tem a possibilidade de proteger, também, uma das partes do
negócio jurídico, cite-se o caso do cônjuge de boa-fé no casamento nulo.
Menciona Orlando Gomes de forma escorreita que esta teoria da aparência prestigia-se
aquele que se porta com lealdade, uma vez que a confiança nas declarações de vontade é
fundamental para a segurança e celeridade das relações jurídicas. Isto porque, evidentemente, se o
terceiro de boa-fé se visse obrigado a verificar, preventivamente, a realidade do que evidencia a
aparência, toda a atividade jurídica seria, sem dúvidas, mais lenta e custosa. Nesse sentido, a
aplicação da teoria da aparência visa facilitar a circulação de riquezas, garantir segurança jurídica,
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dar ensejo a confiança legítima entre as partes de um negócio jurídico, proteger a boa-fé subjetiva
do terceiro, proteger a boa-fé objetiva nos negócios e evitar o enriquecimento ilícito. (GOMES,
2002, p. 117)
Existem três concepções distintas: a alemã, a francesa e a italiana. No caso da
concepção alemã, a teoria se aplica apenas em casos que o aparente titular do direito estiver
investido de um título formal. No caso da posição francesa, faz-se necessário a existência de
um error communis, o qual gerar uma convicção geral de que o indivíduo era titular do direito, não
se atendo ao comportamento e ao engano do terceiro. Já a concepção italiana, leva em conta o
efetivo equívoco do terceiro e não somente a convicção geral de que a pessoa era titular do direito,
respaldando, sobretudo a boa-fé objetiva do terceiro. No caso brasileiro, também adota como sendo
indispensável a boa-fé do terceiro que, aliás, tem o ônus de prová-la. Importante ressaltar que é
irrelevante a culpa do verdadeiro titular no que se refere ao erro. Conclui-se, nesse sentido, que, no
direito brasileiro, a aparência foi considerada objetivamente. (KÜMPEL, 2002, P. 53)
Leciona, ainda, José Edwaldo Borba, que qualquer deslize cometido, levará o
administrador a ter conduta apreciada sob três ângulos distintos: a) o da responsabilidade
administrativa; b) o da responsabilidade civil; c) o da responsabilidade penal. Resta analisar nos
artigos da Lei 6.040/76 que trata da responsabilidade dos administradores, conforme disposto no art.
158, tratando, basicamente, das três possibilidades concernentes à prática de atos dentro e fora dos
poderes a eles conferidos, e suas consequências civis. (BORBA, 1998, p. 362)
Enfim, não se discute que o crescimento da sociedade de massa, houve uma latente
perda de força do contrato tradicional, caracterizado pela autonomia de vontade. Afinal, na era dos
direitos de terceira geração, ganharam relevo outros valores que relativizaram pacta sunt servanda,
tais como a boa-fé, o afastamento da onerosidade excessiva e da lesão, a vedação ao enriquecimento
e a própria aparência. Nesse sentido, a função econômica e social dos contratos passa a ser
agasalhada pela própria Constituição da República, caracterizando o Estado neoliberal. Diante disto,
a proteção do terceiro, em prol da confiança e segurança jurídica torna-se, totalmente, justificável,
como aduz Erika C. de Nicodemos.4
4
http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,a-teoria-da-aparencia,45041.html#_edn3. Acesso em 08/11/15.
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2. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA, CIVIL E PENAL DO ADMINISTRADOR
E SEU MANDATO NA SOCIEDADE
Primeiramente, no âmbito da responsabilidade do administrador a má gestão pura e
simples, ocorre por incompetência, por falta da necessária de dedicação ao cargo, pelo
desentrosamento com os demais administradores ou com as diretrizes baixadas pelos órgãos
superiores. Tais falhas podem acarretar o rebaixamento do administrador para uma posição
modesta, como também a sua destituição do cargo. No entanto, ele não será responsabilizado pelos
atos que contrair em nome da sociedade, mesmo que haja prejuízo a esta ou a terceiro, constante do
caput do artigo.
Na segunda hipótese, expressa no inciso I, cabe ao administrador indenizar a sociedade
por perdas e danos, sempre que proceder no âmbito de suas atribuições com culpa ou dolo. Na
prática de ato que viole a lei ou o estatuto da sociedade, proporcionando uma ação passível de
responsabilidade civil. Em suma, os atos praticados dentro do âmbito regular de gestão, porém com
culpa ou dolo por parte do administrador, a sociedade responderá pelo prejuízo, contanto, terá ação
regressiva contra o administrador, devendo provar o dolo ou a culpa nos atos deste.
Para a identificação da culpa, o administrador deve atua em consonância com o seu
mandato, tendo como fato definidor do ilícito civil a comprovação da prática culposa, nos casos de
negligência, imprudência e imperícia, ou em segundo plano, a prática dolosa se caracteriza por
haver a intenção da prática delituosa, com resultado danoso.
Nos casos em que o administrador infrinja o estatuto da sociedade ou a legislação
aplicável, já se presume a ocorrência de culpa como consequência da infração cometida. Conclui-se
que a configuração do ilícito pelo administrador depende tanto de elemento material, por ato danoso
à sociedade, bem como de um elemento subjetivo, a culpa real ou presumida do administrador.
Assim, para os atos que praticar violando a lei e os estatutos, de nada serve ao sóciogerente o anteparo da pessoa jurídica da sociedade. Sua responsabilidade pessoal e ilimitada emerge
dos fatos, quando resultarem de sua violação da lei ou do contrato, causando sua imputabilidade
civil e penal.
A imputação da responsabilidade civil ao administrador o obriga ao ressarcimento dos
prejuízos por ele causados. Entretanto, nos casos de exclusão da responsabilidade do administrador,
por ato de boa-fé, na busca dos interesses da sociedade, haverá a isenção da responsabilidade, a qual
será proferida judicialmente ou através de assembleia-geral, instância originária na apreciação da
matéria.
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A assembleia pode ser ordinária ou extraordinária para deliberar sobre a propositura da
ação de responsabilidade civil contra o administrador, o qual será de imediato destituído do cargo.
No entanto, passado três meses, sem que a sociedade ingresse com a ação, qualquer acionista
poderá postular ação em nome próprio como substituto processual.
Nos casos de dolo, não há a exclusão da responsabilidade, posto que a negligência não
se coaduna com a boa-fé, e muito menos com a busca dos interesses da empresa.
Afirma José Edwaldo Tavares Borba que “a responsabilidade do administrador é
pessoal, exceto quando houver conivência ou negligência em relação às irregularidades de que
tiverem conhecimento. Pela adoção das providências necessárias ao funcionamento normal da
sociedade, salvo nas companhias abertas, todos os administradores são, contudo, solidariamente
responsáveis. Solidária é ainda a responsabilidade dos administradores nos casos de distribuição
irregular de dividendos” (BORBA, 1998, p. 364).
No liame da responsabilidade penal do administrador, prevista no inciso II, é a
que realmente interessa, posto que trata da prática do ato ultra vires societatis. Ocorre por ato
irregular cometido, devidamente tipificado por um ilícito penal. O Código Penal, no título de
“Crimes contra o patrimônio”, capítulo destinado ao “Estelionatário e outra Fraudes”, em seu art.
177, arrola alguns crimes típicos de administradores de sociedades anônimas. Como a Leis nº.
8.137/90 que trata de crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo,
a Lei nº 7.492/86 que trata dos crimes contra o sistema financeiro e a Lei de Economia Popular.
Nas obrigações assumidas com violação da lei ou do estatuto acarretam a
responsabilidade do administrador que agiu dessa forma, independentemente da prova do dolo ou
culpa, pois, nesta situação, presume-se a culpa. É o princípio da inversão da prova, já que a culpa do
diretor é presumida, e a ele incube provar que a violação do estatuto resultou de circunstância
anômala, não provocada por sua culpa ou relativamente às quais não podia ter nenhuma influência,
ou ainda, que os prejuízos decorrentes da prática de seus atos ocorreriam de qualquer forma.
É salutar mencionar a distinção entre ação social e ação individual. A primeira compete,
em princípio, à sociedade, a quem reverte sempre o resultado; a ação individual cabe ao acionista
lesado e a ele serão ressarcidos os prejuízos que foram causados. A ação de indenização, também
conhecidas como ação de responsabilidade ou ação social é a garantia da sociedade para com o
administrador que lhe causa prejuízo. É evidente que o prejuízo à pessoa jurídica atinge também o
patrimônio dos sócios. É por isso que a nossa legislação, como vemos a seguir, lhes confere uma
ação contra o administrador que causa prejuízo à sociedade, quando esta permanece inerte em
determinado espaço de tempo.
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Em que pese à proibição estatutária, cumpre resguardar os interesses de quem
transaciona de boa-fé. A jurisprudência vem se orientando no sentido de resguardar os terceiros de
boa-fé. Contudo, o princípio da boa-fé que norteia o direito comercial não deve ser levado às
últimas consequências, como regra geral. Pois se assim fosse, o patrimônio social correria grandes
riscos frente a gestões desastrosas de má administradores. O terceiro de boa-fé, por ser um homem
comum, deve ser protegido, já que não é hábito desta categoria a verificação de poderes dos
diretores no registro de comércio. Em sendo assim, não deve ser prejudicado se não houver razões
concretas para presumir que tinha conhecimento da irregularidade.
No entanto, não deve restar protegido o terceiro que tenha conhecimento ou devesse ter
do objeto social e dos limites da atuação dos gerentes em razão da profissionalidade de seus atos.
Há doutrinadores que entendem que mesmo que o administrador aja com
excesso de poderes, os atos ultra vires obrigam a sociedade, não podendo esta repudiá-los e
atribuir a responsabilidade aos seus representantes. São os casos em que tal prática ocasione
benefícios à empresa, melhor dizendo lucros, ou se ratificados pela assembleia geral dos
acionistas. E pelos princípios basilares do Direito, é vedado o enriquecimento sem causa,
devendo, pois a sociedade arcar com o ônus da ação ultra vires do administrador.
A classificação dos atos ultra vires societatis como válidos funda-se na teoria da
representação orgânica, na qual o diretor ou gerente não é um mero mandatário ou representante da
pessoa jurídica que está a frente, mas, sim, um órgão desta. Sendo que a sociedade faz-se presente
através de seus diretores, parte de seu organismo. É fato que o administrador responderá
pessoalmente pela prática de atos dessa natureza, conforme dispositivo legal.
O mandato do administrador, cujas regras estão contidas entre os arts. 653 a 692, do
Novo Código Civil de 2002, pode ser por prazo indeterminado ou determinado. O contrato social
ou o ato de nomeação em separado definem, para cada administrador ou em termos gerais, se há
termo ou não para o exercício do cargo de administrador. Em caso de renuncia, que deve ser feita
por escrito, o ato só produz efeitos Junta Comercial e publicação, mas, para a sociedade, é eficaz
desde o momento em que ele tomou conhecimento.
O legislador nos arts. 665 e 673, do NCC de 2002, preserva novamente a questão do
terceiro de boa-se e do mandatário, ao ceifar de qualquer pleito contra o mandatário p terceiro de
má-fé, ou seja, até aqui nada de diferente em relação às normas gerais da representação em relação
aos Atos Ultra Vires. No entanto, trás duas novidades específicas do mandato, as quais sejam a
possibilidade de ratificação pelo dominus negotii dos Atos Ultra Vires, outra novidade é a
equiparação do representante ao Gestor de Negócios até a ratificação.
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Por fim, o artigo 661 do mesmo dispositivo legal, traça os limites gerais dos poderes do
mandatário como sendo estes os de mera administração, podendo, porém serem convencionados
poderes específicos. Todas as regras referentes ao Mandato já haviam sido contempladas no Código
Civil de 1916. Basicamente, a única modificação foi a retirada da norma imperativa de o
representante provar seus poderes a terceiros, que saiu do antigo art. 1305 e foi inserido no art. 118
da parte geral, passando a ser válido para todos os institutos de representação.
3. PRESTAÇÃO DE CONTAS DO ADMINISTRADOR
Os administradores devem, anualmente, prestar contas aos sócios reunidos em
assembleia anual (ou por outro modo previsto no contrato social). Junto com as contas, apresentarão
aos sócios os balanços patrimoniais e de resultados que a sociedade limitada, na condição de
empresária, é obrigada a levantar. O prazo para estas providências é de quatro meses seguintes ao
término do exercício social.
No tocante aos débitos da sociedade enquadráveis como dívida ativa, de a natureza
tributária ou não tributária (Lei nº 6.830/80, art. 2º), os administradores, sócios ou não, respondem
por inadimplemento da sociedade limitada. É o que dispõe o art. 135, III, do CTN. Sendo ato
administrativo e, portanto, presumivelmente verdadeiro, a Certidão da Dívida Ativa emitida contra
a sociedade pode ser executada diretamente no patrimônio particular do administrador, a quem cabe
demonstrar, por embargos do devedor, que o inadimplemento não teria importado descumprimento
de lei ou contrato.
Em se tratando de sociedade limitada, está sujeita à regência supletiva do regime das
sociedades simples, ela não responde pelos atos praticados em seu nome que forem evidentemente
estranhos ao objeto social ou aos negócios que ela costuma desenvolver. Estabelece a
irresponsabilidade o art. 1.015, parágrafo único, III, do CC. É a primeira manifestação do Direito
Positivo brasileiro, da Teoria Ultra Vires.
CONCLUSÃO
A Teoria Ultra Vires traz uma nova forma de pensar e agir na aplicação dos Princípios
Fundamentais da administração das sociedades. Assim, percebe-se que a Teoria Ultra Vires
Societatis não é mais tratada com a severidade que foi concebida, já que os atos praticados com
excesso de poder, fora do objeto social, pelo administrador, não são sempre nulos.
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Inicialmente, deve-se considerar uma gama de fatores, quais sejam: o fato de gerar
benefícios à sociedade; de serem ratificados pela assembleia geral; de serem ultra vires, já que
mesmo
não
estando
expressos,
vinculam-se
aos
atos
legítimos.
Cabendo,
também,
responsabilização civil aos administradores perante terceiros de boa-fé, que contratam com quem
aparentemente estava no âmbito de suas atribuições, e também frente aos acionistas que não devem
sofrer prejuízos pelo fato do representante da sociedade que fazem parte ter agido com violação do
estatuto social, ao qual àqueles se submeteram.
Não se esquecendo de mencionar que a teoria da aparência, foca a proteção do terceiro
de boa-fé quando da celebração de negócio jurídico. Propiciando a ampliação da confiança na
relação traçada, e ainda a celeridade e eficiência na circulação de riquezas. Frise-se que para ser
considerada a boa-fé, deve ter havido concomitantemente a diligência normal, para que seja
caracterizado o erro justificável, dando suporte fático-jurídico.
Mesmo que não haja previsão da Teoria da Aparência no Código Civil brasileiro, sua
incidência foi regulada expressamente em artigos como os que tratam de herdeiro aparente e da
aquisição a título oneroso por terceiro de boa-fé. Porém, mesmo sem que haja previsão legal
explícita, tem sido aplicada em diversos campos do direito, como em casos de aquisição a non
domino.
O administrador poderá praticar: atos regulares de gestão, onde irá agir em nome da
sociedade, e se em virtude de ato regular de gestão resultarem obrigações este não poderá ser
pessoalmente responsabilizado; e atos ultra vires, na prática de atos em desacordo com o objeto
social, a sociedade não se obrigará, conforme discorre o art. 1.015 do NCC, exceto se tratar-se de
terceiros de boa-fé, ou se a sociedade obtiver alguma vantagem proveniente do ato.
Nos dias atuais verifica-se que a teoria do ato ultra vires societatis não se aplica com
a mesma severidade de outrora, uma vez que os atos praticados com excesso de poder, fora do
objeto social, não são sempre nulos. Para tanto, deve-se levar em conta fatores como:
proporcionar benefícios à sociedade; serem os atos ratificados pela assembleia geral; de os atos
serem intra vires, já que mesmo não estando expressos, relacionam-se aos atos legítimos. Sem
falar na possibilidade de responsabilização civil aos administradores perante terceiros de boa-fé,
que contrataram com quem aparentemente estava no âmbito de suas atribuições, e também com
relação aos acionistas que não devem ser prejudicados por ação praticada pelo representante da
sociedade que agiu contrário sensu ao teor do estatuto social, ao qual eles se submeteram.
Edição 10 – Dezembro de 2015
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