Seguro de crédito à exportação - Chalfin, Goldberg, Vainboim

Transcrição

Seguro de crédito à exportação - Chalfin, Goldberg, Vainboim
No 7  Março  2008
Nesta Edição
Seguro de crédito à exportação: Breves
considerações sobre seu funcionamento e seu
efeito na economia nacional Pág. 1
Considerações acerca da Lei 11.441/2007:
Inventário, Separação e Divórcio Consensuais por
Escritura Pública Pág. 4
Comentário à Jurisprudência Pág. 7
Seguro de crédito à exportação:
Breves considerações sobre
seu funcionamento e seu efeito
na economia nacional
1. Breve relato histórico:
1.1 – Histórico geral:
Após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o seguro
de crédito desenvolveu-se decisivamente devido à necessidade que vários países europeus tinham de proteger e
expandir suas reservas no exterior e estimular o desenvolvimento da exportação.
Devido à complexidade dos fatores envolvidos na exportação,
tais como, dependências da estabilidade monetária e cambial, seriedade do cliente importador e situação política do
país, podem-se supor as surpresas, preocupações e efetivos
prejuízos enfrentados pelo mercado segurador da época.
No início da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) teve
início, efetivamente, a atividade do segurador de crédito
em países como a Inglaterra (London Guarantee and Accidents), EUA (Export Indemnity of Chicago e National Surety), França (Urbaine – Crédit), entre outros.
Desde então, insuflados também pelo aumento de riscos
de incidentes políticos e no comércio internacional, houve
um enorme e progressivo crescimento no número de países que vêem a implantação e o estímulo do seguro de
crédito à exportação como importante instrumento promo-
tor de seu comércio,
auxiliar de sua balança comercial.
1.2 – Histórico
brasileiro:
Leonardo Joseph Burman*
[email protected]
A partir dos anos noventa, com a decisão de abertura da
economia e de participação ativa na OMC – Organização
Mundial de Comércio, o país perdeu o poder de utilizar medidas unilaterais para alterar a trajetória das exportações.
Neste ponto, a tendência à oscilação e à volatilidade do
crescimento das exportações se tornou mais pronunciada
devido a fatores como a impossibilidade de utilização de
mecanismos de estímulos ou corretivos pelo governo, via
desvalorização cambial ou via incentivos fiscais e de financiamentos, por exemplo, vedados pela OMC.
Essa é uma das principais razões da vulnerabilidade externa estrutural da economia brasileira.
Assim, a garantia de aumento das exportações, atualmente, depende muito dos investimentos realizados por empresas privadas.
*Leonardo J. Burman é advogado associado a Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados Associados, pós - graduado em Direito Privado pela
Universidade Federal Fluminense.
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O mercado doméstico conta com três seguradoras especializadas neste ramo: a Euler Hermes1, a SECREB2 e
principalmente a SBCE3, Seguradora Brasileira de Comércio Exterior, que será analisada adiante.
2. A definição, criação e função do SCE – Seguro de
Crédito à Exportação:
A relatada vulnerabilidade da economia brasileira, aliada à
burocracia e elevado ônus tributário envolvidos no processo de exportação nacional afastam desejos de investimentos por empresas privadas.
Por outro lado, instituído pela Lei n.º 6.704, de 26 de outubro de 1979 e regulamentado pelo Decreto n.º 3.937, de
25 de setembro de 2001, com alterações introduzidas pela
Lei nº 10.659, de 22 de abril de 2003, o SCE – Seguro
de Crédito à Exportação foi tido como um meio prático e
eficiente para afastar surpresas indesejáveis na balança
comercial nacional (seja por motivos econômicos, políticos
ou extraordinários) e, assim, atrair com mais segurança e
força o investimento privado em nosso país.
Como definição, o artigo 1º do Decreto n.º 3.937, de 25 de
setembro de 2001 dispõe, verbis: “O seguro de Crédito à Exportação – SCE tem por objetivo segurar as exportações brasileiras de bens e serviços contra riscos comerciais, políticos
e extraordinários que possam afetar as transações econômicas e financeiras a operações de crédito à exportação”.
O SCE garante a indenização por perdas líquidas definitivas
que possam ocorrer em conseqüência do não recebimento de
créditos concedidos aos importadores no exterior. Constitui-se,
portanto, num importante instrumento de apoio à exportação.
Assim, o exportador poderá obter o Seguro de Crédito à
Exportação e, conseqüentemente, as instituições financeiras que financiarem ou, refinanciarem suas exportações.
O SCE possui a estrutura de funcionamento semelhante
aos demais tipos de seguro e, como tal, tem função de
indenizar o segurado, cujo crédito não foi recuperado.
No entanto, o SCE é mais que um simples seguro. Antes
de tudo, é um instrumento de prevenção, uma vez que a
análise financeira dos importadores é, em si, uma ferramenta comercial muito eficaz na seleção e concentração
de esforços de vendas para desenvolvimento de diferentes
mercados, inclusive o brasileiro.
3 – Garantia da União para riscos comerciais e para
riscos políticos e extraordinários:
A partir de 1979, a garantia da União, para riscos comerciais e para riscos políticos e extraordinários, manteve-se
possível, mediante autorização do Ministério da Fazenda.
Um dos riscos previstos no Seguro de Crédito à Exportação é, conforme artigo 3º do Decreto 3.937 de 2001, o
chamado “riscos políticos e extraordinários”.
Os incisos do mencionado dispositivo declaram, taxativamente, as hipóteses incluídas em tal cobertura. Dentre
outras, citamos principalmente a mora do devedor público
por prazo igual ou superior a cento e oitenta dias do vencimento (prazo de caracterização do sinistro), a rescisão arbitrária pelo devedor público e a moratória geral decretada
pelas autoridades do país do devedor.
Não obstante, tal ramo do SCE manteve-se modesto e,
resumia-se, na prática, às atividades desenvolvidas pelo
IRB – Brasil Re S/A, e, basicamente, relacionadas com
operações envolvendo recursos de governo.
Desinteresse do mercado privado em atuar no ramo, falta
de confiabilidade e tradição dos exportadores, custos envolvidos, podem explicar a pouca expressão desta modalidade de cobertura de risco no país.
Outra questão deve-se, muitas vezes, a opção da própria
empresa em assumir o risco do negócio e embutir no custo
do projeto eventual hipótese de sinistro motivado por alterações políticas inesperadas. Este foi o caso da Petrobrás,
que, em 2005, descartou a contratação do SCE e, mesmo
assim, resolveu investir na Bolívia.
Hoje, claramente se percebe que, caso a Petrobrás tivesse adotado estratégia diferente, contratando o Seguro de
Crédito à Exportação com cláusula de Risco Político, seus
prejuízos seriam minimizados, além de que, evitar-se-ia,
no período específico, repercussão de tal desentendimento político nos papéis da empresa, comercializados na Bolsa de Valores de São Paulo.
No mesmo sentido, constata-se ainda hoje que a Vale do
Rio Doce, na mesma esteira, está investindo em países de
alto risco político, como Gabão, Moçambique, Venezuela
e Peru. Pode-se especular que a referida empresa está
avaliando com cautela a contratação de apólice de Riscos
Políticos e Extraordinários4.
Independente de outros critérios analisados, a seguradora estuda a distribuição dos mercados de destino na composição de
sua carteira total. As seguradoras de crédito possuem equipes
específicas para analisar o risco – país, sendo atribuído um
código específico de acordo com a percepção de risco.
Quanto ao tema em análise, em tom de conclusão, vale
ressaltar que o valor do prêmio do seguro de Riscos Políticos é diretamente proporcional ao risco – país (relacionado
ao investiment grade). Ou seja, quanto maior o risco – país,
logicamente, maior o valor do prêmio do seguro em questão.
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4 - Criação da Seguradora brasileira de Comércio Exterior – SBCE:
Seguindo modelos internacionais (export credit agencies
– ECAs5), o Brasil criou a Seguradora Brasileira de Comércio Exterior (SBCE), em 1997, e o Fundo de Garantia das
Exportações (FGE), em 1999.
A Seguradora brasileira de Crédito à Exportação S/A é
uma companhia privada, constituída sob forma de sociedade anônima, que tem por finalidade exclusiva explorar a
atividade de SCE. Atualmente, é a única empresa autorizada a operar com o SCE no Brasil.
O modelo adotado, embora com acionista estrangeiro, conta
com a maioria do capital nacional e com a participação de dois
importantes bancos públicos, o Banco do Brasil e o BNDES.
Hoje, a SBCE teria participação no mercado ao redor de
78%6. Os outros 22% seriam referentes à contratação do
seguro com empresas estrangeiras.
A SBCE, vem sendo de fundamental importância para o
sucesso de inúmeras operações financiadas com recursos
do governo e pela crescente expansão de empresas atuantes no seguro de crédito à exportação.
No Brasil, um conjunto de iniciativas adotadas ao longo
dos anos 90 reformulou o sistema público de financiamento e seguro à exportação. Tem-se hoje, pelo menos em
tese, um quadro caracterizado pela oferta de um amplo
leque de mecanismos de apoio financeiro às exportações
com condições de suprir a demanda dos exportadores.
A história do seguro de crédito à exportação no Brasil deverá tomar novo rumo. O ritmo crescente das exportações
despertou o interesse de grandes seguradoras. Até o ano
passado, os exportadores tinham apenas uma opção - a
Seguradora Brasileira de Crédito à Exportação (SBCE).
Agora contam com mais duas: a Euler Hermes e a Seguradora de Crédito Brasileira (SECREB), ávidas para conquistar um mercado que tem grande potencial.
Quanto a SBCE, SECREB e outras congêneres no Brasil,
o modelo é positivo para o comércio exterior, tendo em
vista a estabilidade deste incentivo às exportações, o acúmulo de experiências no ramo específico. Não obstante,
questiona-se a necessidade de ampliar o leque de coberturas de riscos, como para produção, participação em
concorrências, variações cambiais, rescisão arbitrária do
importador, riscos de montagem, dentre outras.
O modelo atual , mesmo com a presença estrangeira, foi
conceitualmente previsto como empresa de maioria de
capital privado nacional, mas com participações de bancos públicos, visando incorporar à filosofia operacional da
empresa aspectos culturais próprios, além das forças e
conceitos de importantes agentes de crédito do governo,
à parte do aspecto lucro. Ao mesmo tempo, visava, sabiamente, resguardar as questões inerentes à estratégia de
política comercial exportadora.
Mesmo com deficiências e ainda reduzida utilização no
Brasil, o SCE – Seguro de Crédito à exportação tem sido
determinante para o sucesso de operações com a venda
de aviões e serviços de engenharia.
Hoje no Brasil, além da SBCE, foi criada também a Seguradora de Crédito do Brasil S.A. – SECREB , sendo a mais
nova seguradora de crédito à exportação no Brasil, que tem
como acionista o Consorcio Internacional de Aseguradores de
Crédito S.A. - CIAC, cujos sócios são a CESCE – Compañía
Española de Seguros de Crédito a la Exportación S.A. (pertencente ao Governo Espanhol), a Münchener Rückversicherungs Gesellschaft - Munich Re, Banco Santander Central Hispano S.A. e o BBVA - Banco Bilbao Vizcaya Argentaria S.A7.
No Brasil, a tendência é seguir o modelo americano. O
mercado nacional irá perceber a óbvia necessidade de
contratação do seguro pelas próprias instituições financeiras que emprestam capital às empresas exportadoras.
4 - CONCLUSÕES:
Este artigo se propõe a fazer uma análise dos fatores que
condicionam à contratação do seguro de crédito à exportação no Brasil, tanto do ponto de vista do segurador, quanto
das empresas exportadoras, potenciais clientes do produto, sendo ainda elaborada uma análise econômica superficial das condições de contratação, regulação e liquidação
do referido seguro.
Em países desenvolvidos, como EUA, as seguradoras de
crédito à exportação possuem sinergia com os bancos,
tendo em vista o empréstimo efetuado pelos mesmos às
inúmeras empresas exportadoras.
Notas
1
www.eulerhermes.com
2
www.secreb.com.br
3
www.sbce.com.br
4
Fonte: Reuters, abril de 2006, matéria assinada por Denise Luna e divulgada no site www.ccfb.com.br
5
Os países desenvolvidos, visando o fortalecimento de suas exportações,
criaram as ECAs – entidades que administram sistemas de garantia/financiamento como incentivo de governo para apoio das operações e indução à maior disposição do setor privado em financiar as exportações.
6
Fonte: www.aeb.org.br Associação de Comércio Exterior do Brasil
7
Blumenschein, Fernando. Mercado de financiamento e seguro à expo
tação no Brasil. Publicações Seriadas FGV-SP (2002).
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Considerações acerca da
Lei 11.441/2007:
Inventário, Separação e
Divórcio Consensuais por
Escritura Pública
Thalita Quintans Porto*
[email protected]
N
o dia 4 de janeiro de 2007, entrou em vigor no Ordenamento Jurídico Brasileiro a Lei 11.441/2007.
A referida Lei, que alterou os artigos 982, 983 e 1.031
e acrescentou o artigo 1.124–A ao Código de Processo Civil, tem por objetivo instituir a adoção do procedimento extrajudicial para a realização de separações, divórcios e inventários consensuais, desde que
inexistentes filhos e herdeiros menores e incapazes.
Para Paulo Roberto Gaiger Ferreira 1, este dispositivo legal foi criado diante da necessidade de se reduzir o volume de processos tramitando perante o
Poder Judiciário, uma vez que, não havendo litígio
ou necessidade de intervenção do Ministério Público, a presença do Estado-Juiz caracteriza-se como
desnecessária. Conseqüentemente, haveria uma
maior celeridade nos procedimentos, uma vez que
as partes, quando em comum acordo, desde que
cumpridos os requisitos previstos, não seriam instadas a se submeter a um processo judicial moroso
e desgastante, que ficaria reservado, apenas, para
os casos de jurisdição contenciosa ou quando a Lei
assim o exigisse.
Além disso, afirma Cristiano Chaves de Farias que
a Lei em comento representa um avanço no Direito
de Família brasileiro, pois “retira o Estado do âmbito
da vida privada e põe fim a um indevido intervencionismo que atentava contra a dignidade humana” 2.
Segundo ele, deverá ser garantida às partes, no momento da separação e do divórcio, a mesma liberdade que estas tiveram ao estabelecer a sociedade
conjugal.
No entanto, apesar da Lei em estudo representar um
avanço no Direito de Família e no Direito Sucessório,
a mesma apresenta inúmeras lacunas e omissões,
ocasionando dúvidas quanto a sua aplicabilidade. Por
essa razão, o Conselho Nacional de Justiça publicou,
no dia 24 de abril de 2007, a Resolução nº. 35 que,
dentre outras deliberações dispõe, em seu artigo 2º,
que a adoção da via administrativa é uma faculdade
das partes, sendo esta uma das principais controvérsias doutrinárias.
Isso porque, com a entrada em vigor da Lei
11.441/2007, muitos questionavam acerca da obrigatoriedade ou facultatividade de sua aplicação, uma
vez que os artigos 982 e 1.124-A do Código de Processo Civil mencionam, apenas, que o procedimento
extrajudicial “poderá” ser adotado nos casos de inventário, separação e divórcio consensuais.
Dessa maneira, alguns autores, como Christiano Cassetari 3, afirmam que a utilização do verbo “poderá”
pelos aludidos artigos demonstra a verdadeira intenção do legislador em tornar facultativa a adoção da
via extrajudicial, visando tão somente criar um procedimento mais simplificado para os casos em que a
intervenção do Estado é dispensável.
Somando-se a isso, de acordo com o Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição, preconizado pelo artigo
5º, inciso XXXV da Constituição Federal de 1988 4, é
facultado as partes, sempre que julgarem necessário, recorrer ao Judiciário, uma vez que este, quando
requerido, não poderá negar-se a prestar tutela jurisdicional. Nesse sentido, deverá ser assegurada aos
interessados a possibilidade de escolha entre a via
judicial e extrajudicial, para a realização do inventário, separação e divórcio consensuais.
*Thalita Porto é bacharel em Direito, formada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).
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Em contrapartida, há doutrinadores que entendem ser
obrigatória a observância do procedimento extrajudicial nos casos estabelecidos em Lei.
Para Cristiano Chaves de Farias, “não é toda e qualquer relação jurídica que exige a intervenção do Estado”, devendo existir uma valorização dos poderes
jurisdicionais, para que atuem apenas nas hipóteses
em que haja conflito de interesses 5. O citado Doutrinador acredita também que, quando não há interesse
de menores ou incapazes em discussão e nem disposição testamentária, não existe razão para se falar em
adoção das vias judiciais para realização de inventário, separação e divórcio consensuais, tendo em vista
a falta de interesse de agir.
Cumpre esclarecer que o interesse de agir consiste
em uma das condições da ação e significa que a parte
só terá necessidade na demanda quando o direito que
titulariza não puder ser conferido sem a intervenção
do Estado-Juiz.
Portanto, torna-se desnecessária a propositura de uma
ação de inventário, separação ou divórcio quando há
consenso entre os interessados, uma vez que, com
a previsão legal do procedimento extrajudicial, faltará
uma das condições da ação, o que, conseqüentemente, implicará na extinção do processo sem apreciação
do mérito, conforme disposto no artigo 267, do Código
de Processo Civil.
Insta salientar que norma processual é norma de direito público e, assim, a relação jurídica que se estabelece no processo não é de “coordenação, mas sim de
poder e sujeição, predominando sobre os interesses
divergentes dos litigantes o interesse público na resolução (processual e, pois, pacífica) dos conflitos e
controvérsias” 6.
cabilidade contestada, pois não possui caráter de Lei,
uma vez que a mesma não possui força vinculante
como norma regulamentadora, que submeta os tabeliães à sua utilização obrigatória.
Outro questionamento iniciado com a vigência da
mencionada legislação se prende a possibilidade de execução da escritura pública de separação e divórcio, para fins de obtenção dos alimentos estabelecidos extrajudicialmente, mas não
cumpridos pelo devedor, na forma do artigo 733
§ 1º do Código de Processo Civil 7.
Nesse sentido, autores como Cristiano Chaves de
Farias e Alexandre Freitas Câmara encampam entendimento no sentido de que somente com respaldo judicial seria possível a execução de alimentos
com pedido de coerção pessoal, em caso de eventual
descumprimento da obrigação por parte do alimentante. Ainda de acordo com Alexandre Câmara, “não
se poderia admitir a utilização de um procedimento
em que se prevê um meio de coerção tão poderoso
como é a prisão do devedor, sem que tenha havido
um prévio controle judicial da existência do dever de
alimentar” 8.
Já Francisco José Cahali e Karin Regina Rick Rosa
entendem que a escritura pública poderá ser equiparada a uma sentença judicial homologatória de acordo, admitindo-se, portanto, a execução de alimentos
prevista no artigo 733 do Código de Processo Civil
apenas com base na escritura.
Adotam idêntico posicionamento, Maria Berenice
Dias 9 e Luiz Felipe Brasil, ambos desembargadores
do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, conforme
verificado no trecho abaixo transcrito:
Além disso, a já mencionada Resolução nº. 35 do
Conselho Nacional de Justiça enumera os requisitos
para a lavratura da escritura pública de inventário, separação e divórcio consensuais, bem como a obrigatória presença do advogado no referido ato, que poderá ser comum às partes, caso estejam presentes no
momento da lavratura da escritura, a necessidade de
nomeação de inventariante, nos procedimentos extrajudiciais de inventário, a inaplicabilidade das regras
de competência prevista no Código de Processo Civil,
dentre outros.
“[...] Ora, se ficar mantida a restrição da
execução coercitiva exclusivamente aos
alimentos fixados em juízo, em muito restará desestimulada a pactuação extrajudicial que agora se busca incentivar, o que
configura uma contradição insuperável,
que não deve sobreviver no âmago de um
mesmo ordenamento jurídico. Por isso entendemos doravante deve ser admitida
a execução coercitiva aparelhada também em pacto formalizado por instrumento público”10 (grifo nosso).
No entanto, a referida Resolução, apesar de apresentar soluções para maior parte dos questionamentos
suscitados pela supracitada legislação, tem sua apli-
Outra questão importante sobre o tema refere-se ao
momento oportuno para recolhimento dos impostos
incidentes na transmissão dos bens na partilha, bem
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como a possibilidade de parcelamento dos mencionados impostos.
Isso porque a Lei Estadual nº. 1.427/89 prevê o parcelamento dos tributos incidentes nos inventários,
separações e divórcios judiciais. Com isso, no que
concerne ao inventário, separação e divórcio extrajudiciais, muito se tem discutido sobre o momento oportuno para o recolhimento dos impostos devidos, bem
como acerca da possibilidade de seu parcelamento,
tendo em vista a ausência de dispositivos legais para
regulamentar as questões tributárias.
A fim de dirimir controvérsias e omissões suscitadas,
a Secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro,
juntamente com a Procuradoria Geral de Justiça do
mesmo Estado, publicou uma Resolução (Resolução
Conjunta nº. 003), na qual é previsto que o recolhimento dos tributos devidos será efetuado antes da
lavratura da escritura pública.
Posteriormente, o Conselho Nacional de Justiça, através dos artigos 15 e 38 de sua Resolução de nº. 35,
publicada no dia 24/04/2007, adotou o mesmo entendimento.
No entanto, não há qualquer orientação por parte dos
Tabelionatos de Notas ou do Conselho Nacional de
Justiça quanto à possibilidade de parcelamento dos
impostos devidos, o que gera uma grande insegurança jurídica. A ausência de regulamentação quanto ao
parcelamento dos tributos poderá desestimular os interessados a optarem pela adoção do procedimento
extrajudicial em prol da via judicial, uma vez que somente nesta é permitido o parcelamento das obrigações tributárias.
Notas
1
CAHALI, Francisco José; FILHO, Antonio Herance: ROSA Karin Regina
Rick; FERREIRA, Paulo Roberto Gaiger. Escrituras Públicas: Separação, Divórcio, Inventário e Partilha Consensuais: Análise civil, processual civil, tributária e notarial. 1ª edição. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007. p. 12.
2
FARIAS, Cristiano Chaves. O Novo Procedimento da Separação e do
Divórcio (de acordo com a Lei nº. 11.441/07). 1ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2007. p. xxiii.
3
CASSETARI, Christiano. Separação, Divórcio e Inventário por Escritura
Pública; teoria e prática. São Paulo: Método, 2007. p. 23.
4
Art. 5º, XXXV CF/88: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”
5
FARIAS, Cristiano Chaves.op. cit. p. 60.
6
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 21ª edição.
São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 92.
7
Art. 733 CPC: “Na execução de sentença ou de decisão, que
fixa os alimentos provisionais, o juiz mandará citar o devedor para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetua-lo”.
§ 1º. “Se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á
a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses”.
8
CÂMARA, Alexandre. Lições de Direito Processual Civil, vol. II. 12ª
edição. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. p. 346.
9
DIAS, Maria Berenice. Texto “Os alimentos nas separações e divórcios
extrajudiciais”. In www. Migalhas.com.br. Acesso aos 20.03.2007.
10
BRASIL, Luiz Felipe. Texto “Anotações acerca das separações e divórcio extrajudiciais (Lei 11.441/2007)”. In www.migalhas+.com.br.
Acesso aos 14.03.2007.
Assim, apesar do objetivo da Lei 11.441/2007 representar uma grande evolução no Direito Brasileiro,
suas inúmeras lacunas e imperfeições prejudicam a
aplicabilidade no Ordenamento Jurídico, fazendo com
que alguns doutrinadores opinem pelo insucesso da
referida Lei.
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Comentário à Jurisprudência
Ementa
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS. MORTE. PENSÃO. FIXAÇÃO. EXPECTATIVA DE VIDA DA VÍTIMA. CÁLCULO. EXPECTATIVA MÉDIA
DE VIDA DO BRASILEIRO. INDICADOR DEMOGRÁFICO
EM CONSTANTE TRANSFORMAÇÃO. APLICAÇÃO. REALIDADE EXISTENTE NA ESPÉCIE. TABELA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CABIMENTO:
OMISSÕES, CONTRADIÇÕES, OBSCURIDADES E ERROS
MATERIAIS. EFEITO INFRINGENTE. POSSIBILIDADE.
ANULAÇÃO DAS PREMISSAS DO JULGADO. - A indenização, em forma de pensão, em caso de dano material, perdura
até a expectativa de vida da vítima, que deve ser fixada com
base na média de vida do brasileiro. - A expectativa de vida é
um indicador demográfico em constante transformação, que
reflete a realidade de um determinado local em um dado período de tempo, cujo cálculo está sujeito a diversas variáveis, tais
como avanço da medicina, violência, mortalidade infantil, saneamento básico, grau de desenvolvimento econômico, entre
tantos outros. Diante disso, a jurisprudência deve acompanhar
constantemente a evolução desses indicadores, corrigindo
eventuais defasagens e distorções, de modo a refletir a realidade existente em cada particular. - Para tanto, convém aplicar
a tabela de expectativa de vida no Brasil elaborada pela Previdência Social, a partir da qual é possível estimar a esperança
média de vida no território nacional, de acordo com a idade
presente. - Os embargos de declaração constituem a via adequada para sanar omissões, contradições, obscuridades ou
erros materiais do decisório embargado, admitida a atribuição
de efeitos infringentes quando esses vícios sejam de tal monta
que a sua correção necessariamente infirme as premissas do
julgado. Recursos especiais não conhecidos.
(STJ, Resp 885126 / RS, 3ª Turma, Relatora Ministra
NANCY ANDRIGHI, j. 21/02/2008)
Comentários:
O caso trata de ação indenizatória por danos morais e materiais ajuizada contra o Clube dos Jangadeiros, em decorrência do falecimento do marido e pai dos Autores, em virtude
de acidente ocorrido nas dependências do referido clube.
completaria 65 anos,
ao
ressarcimento
dos gastos efetuados com o funeral,
ao pagamento de indenização por danos morais no valor
Úrsula Goulart*
correspondente a
[email protected]
500 salários mínimos, bem como
a constituir capital que garanta o pagamento da pensão.
Quanto à lide secundária, esta também foi julgada procedente para condenar a Seguradora a efetuar o reembolso
da quantia despendida pelo Clube, nos limites da apólice.
Todas as partes interpuseram apelações. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul negou provimento aos apelos do
Clube e da Seguradora, e deu parcial provimento à apelação
dos Autores para alterar o valor do salário mínimo a servir
de base para o pensionamento e para majorar a idade limite
para tanto de 65 anos para 70 anos. Ao julgar os embargos
declaratórios opostos pelas partes, o Tribunal manteve o valor da pensão mensal conforme fixada na sentença.
O Clube e a Seguradora interpuseram Recurso Especial,
cujas razões foram, respectivamente, que o acórdão recorrido divergiu da jurisprudência de outros Tribunais ao
elevar o limite de idade do pensionamento, e a afronta aos
arts. 463 e 535 do CPC ao acolher os embargos declaratórios opostos pelos Autores.
Verifica-se, portanto, que a controvérsia cinge-se em determinar a idade limite para pagamento de pensão fixada
a título de indenização por danos materiais, discussão que
nos importa neste momento, bem como se, no caso, era
dado ao Tribunal de origem acolher os embargos declaratórios opostos pelos Autores.
Na contestação, por força da existência de contrato de seguro, o Clube denunciou à lide a Sul América Terrestres,
Marítimos e Acidentes Cia. de Seguros.
A Ministra Relatora Nancy Andrighi argumentou, inicialmente, que consoante entendimento sedimentado do STJ,
a indenização, em forma de pensão, em caso de dano material, perdura até a expectativa de vida da vítima, a qual
deve ser fixada com base na expectativa média do brasileiro, desconsiderando-se indicadores regionais, até mesmo
para que se realize a uniformização da jurisprudência.
A sentença proferida pelo juízo de 1ª instância julgou parcialmente procedente o pedido para condenar o réu ao
pagamento de pensão mensal até a data em que a vítima
*Úrsula Goulart é advogada associada a Chalfin, Goldberg & Vainboim
Advogados Associados, pós-graduada em Direito do Consumidor
pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro e Mestranda
em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
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A despeito de admitir a existência de diversos precedentes
fixando em 65 anos a expectativa de vida para fins de pensionamento, a Ministra ressaltou que a grande maioria destes
julgados data do início da década de 90, momento em que a
realidade no que tange àquela expectativa era bem diferente.
Para tanto, trouxe as informações divulgadas pelo IBGE no
sentido de que, entre 1980 e 2006, a expectativa de vida do
brasileiro elevou-se em 9,7 anos, atingindo os 72,3 anos, e
devendo chegar aos 78, 3 anos em 2030.
fatídico acidente, ocorrido em 15.06.1996, de sorte que, com
Além disto, a Ministra Relatora asseverou que, diante da impossibilidade de fixação de um único limite temporal de pensão, convém aplicar a tabela de expectativa de vida no Brasil
elaborada pela divisão de estatística da Previdência Social,
com base em projeção de população do IBGE, a partir da
qual é possível estimar a esperança média de vida no território nacional, de acordo com a idade presente.
mutação e, sobretudo, as particularidades de cada caso, ser
Nesta linha, concluiu a Ministra: “Na espécie, a vítima completaria 30 (trinta) anos uma semana após (21.06.1996) o
base na Tabela da Previdência Social, sua expectativa de
vida era aproximadamente 70 (setenta) anos, refletindo o
acerto da decisão recorrida, que deve ser mantida”.
Verifica-se, portanto, que esta recente decisão reforça o entendimento do STJ de que não se deve fixar um único limite temporal
de idade a título de pensionamento1, devendo, sim, levando-se
em conta o fato de a esperança de vida estar em permanente
aplicada a referida tabela de expectativa de vida da Previdência
Social, que é baseada em dados científicos sobre esta mesma
expectativa de acordo com a idade de morte da pessoa.
Notas
1
Conforme aduzido pela própria Ministra Relatora em seu voto, esta
solução já foi adotada no julgamento dos Recurso Especiais 37.765/
RJ, 4ª Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 28.02.1994 e 43.304/
SP, 4ª Turma., Rel. Ministro Ruy Rosado Aguiar, DJ de 07.08.1995)
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