cussy de almeida - ABCC - Associação Beneficente Criança Cidadã

Transcrição

cussy de almeida - ABCC - Associação Beneficente Criança Cidadã
IMPRESSO
ESPECIAL
9912248060/2010-DR/PE
Associação Beneficente
Criança Cidadã
GASTRONOMIA É COM O OLIVIER ANQUIER.
INVESTIMENTO É COM A CAIXA.
LCI, CDB, Fundos e muito mais. Na CAIXA, você encontra diversas opções de
investimentos e ainda conta com uma equipe sempre pronta para dar todas as
orientações. Tudo com a solidez que só um banco com 150 anos pode oferecer.
caixa.gov.br
SAC CAIXA – 0800 726 0101
Informações, reclamações, sugestões e elogios
0800 726 2492 – Atendimento a deficientes auditivos
0800 725 7474 – Ouvidoria
VEM INVESTIR NA CAIXA VOCÊ TAMBÉM, VEM.
U M A P U B L I C A Ç Ã O D A A S S O C I A Ç Ã O B E N E F I C E N T E C R I A N Ç A C I D A D Ã A N O 1 N Ú M E R O 3 A G O . - O U T. 2 0 1 0
Fundos de Investimento não contam com garantia do administrador do fundo, do gestor da carteira, de qualquer mecanismo de seguro ou, ainda, do Fundo Garantidor de Créditos (FGC). A rentabilidade
obtida no passado não representa garantia de rentabilidade futura. Ao investidor, é recomendada a leitura cuidadosa do prospecto e do regulamento do Fundo de Investimento ao aplicar seus recursos.
. . . CORREIOS . . .
E MAIS
O concerto de 4
anos da Orquestra
Criança Cidadã
CUSSY DE ALMEIDA
O SHOW CONTINUA
A motivação dos
Meninos do Coque
permanece firme,
honrando a história e
o legado de um homem
que viveu a música
intensamente
SUMÁRIO
GAROTADA APOIA CAMPANHA CLAREAR
09
COLUNA: A PROPÓSITO DE INCLUSÃO SOCIAL
12
CAPA: MAESTRO CUSSY: O SHOW CONTINUA
14
QUATRO ANOS DE SONS E ESPERANÇA
26
DESAFIOS E PERSPECTIVAS DO ECA
30
ARTE NA CERTIDÃO DE NASCIMENTO
32
UM LAR PARA QUEM PRECISA
36
BREAKDANCE NAS RUAS DO RECIFE
39
SEGUNDOS PASSOS DE VITOR ARAÚJO
42
REVISTA CRIANÇ A C I D A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
EDITORIAL
Nossa Associação Beneficente Criança Cidadã (ABCC) sofreu uma
perda irreparável no dia 23 de julho. O falecimento do maestro Cussy de
Almeida foi, de fato, um acontecimento doloroso para toda a sociedade
pernambucana – principalmente, para os meninos e meninas do Coque,
que tiveram o maestro como arauto da boa música, da educação e da
solidariedade. Nesta edição, as páginas especiais vão para Cussy, como
também a seção de textos das crianças da Orquestra, que vêm com
testemunhos doces e fortes sobre seu mestre.
O maior desejo de Cussy era que a Orquestra Criança Cidadã continuasse
no caminho do sucesso independentemente das inevitáveis mudanças
que atravessassem o percurso. Pois bem: o projeto segue em frente, e
fortalecido pelos anos e pelo reconhecimento. O aniversário de quatro
EXPEDIENTE
REVISTA CRIANÇA CIDADÃ
Rua General Estilac Leal, 439
Cabanga – Recife – PE
Telefones: (81) 3224-0305
(81) 3428-7600
CONSELHO EDITORIAL
(ASSOCIAÇÃO CRIANÇA CIDADÃ - ABCC)
Des. Nildo Nery dos Santos
Juiz João Targino
Dra. Nair Andrade
EDIÇÃO
Mariane Menezes (ABCC)
DRT/PE 4315
REDAÇÃO
Equipe de Comunicação da ABCC:
Carolina Barros, Daniel Leal, Milton Raulino e
Sthephanie Melo.
PROJETO GRÁFICO
Aliança Comunicação
DIAGRAMAÇÃO
Milton Raulino (ABCC)
anos dos Meninos do Coque lotou o Teatro Guararapes e justificou a
TIRAGEM:
1.000 exemplares
abrangência já internacional do grupo. O espetáculo será exibido pela
IMPRESSÃO:
Rede Globo Nordeste no próximo dia 13 de dezembro. Fiquemos atentos.
Uma boa novidade que contribui para a expansão dos projetos da ABCC
Esta publicação é um instrumento de
comunicação da Associação Criança Cidadã
/ Orquestra Criança Cidadã. Comentários e
sugestões devem ser enviados para o e-mail
é o reforço da tradicional Campanha Clarear, firmada com a Celpe. A
[email protected]
ABCC vem apostando na solidariedade dos estudantes pernambucanos
(www.associacaocriancacidada.org.br) informa sobre a possibilidade de
CONTRIBUA
Banco Real
Ag. 1001, C/C 1027155-2
Deposite a quantia que desejar.
ajudar crianças em situação de risco, objetivo maior da ABCC. Vale a
PARCEIROS:
para angariar mais colaboradores. Um banner no site da Associação
pena conferir.
E outras matérias discutem a problemática da infância em viés
questionador – e por que não positivo? Trazemos, nesta edição, a
questão dos nomes próprios, às vezes, elevados à esfera artística devido
à criatividade de mães e pais. A reportagem da Criança Cidadã descobriu
que muitos jovens e adultos convivem bem e até gostam de seus nomes
diferentes. Outro texto exibe a realidade de crianças e adolescentes que
usam talento na dança para sobreviver. É o caso do Breakdance, que
pode ser observado nas ruas do Recife.
Conheça, também, a ação da ABCC que ajuda moradores de rua, o
“Aluguel Temporário”, e siga os passos do pianista Vitor Araújo, que já
virou referência nacional. Vitor é a primeira personalidade jovem que
abordamos na Revista Criança Cidadã. Nossa ideia é, a partir deste
número, sair em busca desses talentos, inspiradores para quem deseja
seguir carreira nas artes – ou sente que pulsa, escondida, aquela vontade
perturbadora.
Boa leitura.
REVISTA CRIANÇA CI D A D Ã | A G O/ S E T / O U T. 2 0 1 0
REVISTA CRIANÇ A C I D A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
Talento jovem no
Encontro de Música
Antiga
Os prodígios da Orquestra Criança Cidadã dos
Meninos do Coque continuam se destacando
por onde passam. Convidados para participarem
do Oitavo Encontro de Música Antiga Recife e
Olinda, que aconteceu dos dias 6 a 11 de agosto,
no Mosteiro de São Francisco, em Olinda, alguns
dos 13 alunos da Orquestra foram tão bem que
acabaram sendo convidados pelos professores para
uma apresentação no último dia dos trabalhos.
O
evento,
Pernambucano
organizado
de
Música,
pelo
Conservatório
foi
especialmente
dedicado a composições do alemão Bach – um
organista do período barroco. Para a professora
e maestrina da Orquestra Criança Cidadã, Aline
Ananias, os garotos souberam aproveitar, de forma
sensacional, tudo o que o curso poderia oferecer.
“Aproveitaram até mais do que eu esperava. Na
verdade, cada aluno poderia fazer até dois cursos.
clássica. Mostra agilidade. São poucos que a tocam”,
disse Isaías. “Foi o nosso primeiro curso com
certificado. E foi excelente porque aprendemos com
ótimos professores, especialistas mesmo em música
barroca”, falou o jovem de 18 anos.
Doutor!
Graças à Unimed Recife,
meninos da Orquestra têm
plano de saúde garantido
Entre os benefícios estendidos aos 130 meninos
e meninas da Orquestra Criança Cidadã, está o
O professor de violino, o francês Xavier Julien-
atendimento médico gratuito por meio da Unimed
Laferrière, ficou impressionado com a capacidade dos
Recife. Há quatro anos, quando a Orquestra estava
garotos da Orquestra Criança Cidadã. “Fico feliz por
nascendo e buscava apoios, deu-se o primeiro
poder ajudá-los de alguma forma. Mas já vejo que
passo para a concretização da parceria: um
estão muito bem preparados. O grupo é realmente
encontro entre o coordenador geral da Orquestra
muito bom. Acredito que possam seguir uma carreira
profissional sem problemas”, garantiu o professor.
A professora paulista Raquel Aranha, que ensinou
dança barroca, também gostou do desempenho dos
meninos. “Os alunos são muito dedicados. Respeitam
bastante o professor e são bem atentos a todos os
detalhes que passamos. Você vê que eles têm gana
em aprender. Isso é satisfatório para a gente”,
concluiu Raquel, que dá aulas de Dança Barroca na
Universidade Estadual de Campinas.
No entanto, para a gente, foi aberta uma exceção,
que foi muito bem aproveitada pelos meninos”,
Criança Cidadã, juiz João Targino, e a presidente
da Unimed Recife, Maria de Lourdes Araújo, na
saída do Tribunal de Justiça de Pernambuco.
A doutora Maria de Lourdes conta como, a partir
daí, começou o relacionamento entre os parceiros.
Maria de Lourdes e Nildo Nery com o spalla da Orquestra, João Pedro Lima, na sede do projeto
O pedido de João Targino foi claro: que a Unimed
Recife ajudasse os meninos do Coque, que
os meninos. Principalmente porque esse é um tipo de
precisavam de atendimento de saúde.
colaboração que nós realmente vemos retorno. Nós
sabemos no que estamos contribuindo, não é algo
Maria de Lourdes, interessada no projeto, botou
abstrato. Isso é muito importante para quem ajuda”,
o pedido na pauta da reunião com o conselho
diz Maria de Lourdes.
da cooperativa. A aprovação foi imediata. “Todos
garantiu.
E eles foram além. Os alunos Isaías Tavares e
Alexsandro Castro foram convidados para se
adoraram a ideia de ajudar crianças em situação
A médica comenta sobre o retorno que tem dos
de risco”, conta. Um trabalho que é feito com
familiares dos meninos e, ao mesmo tempo,
muita dedicação e boa vontade.
dos médicos que os atendem. “Muitas vezes, os
profissionais terminam o atendimento de algumas
apresentarem em uma noite onde somente os
Com a contribuição da Unimed Recife, o fato é que
das crianças da Orquestra e depois me ligam para
todas as crianças vêm melhorando nos aspectos
dizer como foi bom recebê-las no consultório”.
de saúde, principalmente o odontológico. Desde
Acompanhando os passos da Orquestra Criança
Criança Cidadã, que compuseram uma orquestra
o início, foram feitos 24 atendimentos por mês em
Cidadã, Maria de Lourdes sempre visita o projeto
de câmara (ou mini-orquestra).“Levamos cerca
Odontologia e 18 atendimentos, também mensais,
e não deixa de assistir às apresentações. “Observo
em consultas variadas. “Todos os 1.816 médicos
o aprimoramento de cada um. O sentimento de
da cooperativa se sentem muito felizes em ajudar
felicidade me invade todas as vezes.”
professores estariam no palco. Ambos tocaram
uma peça de Bach, “Branderburg n° 6”, ao lado
de outros três companheiros também da Orquestra
de dois meses para aprontar tudo. É uma peça
em que a gente mostra a virtuosidade da música
6
Obrigado,
O curso foi especialmente dedicado a composições do
alemão Bach
7
Garotada
Orquestra
recebe prêmio apoia
REVISTA CRIAN Ç A C I D A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
em Brasília
O mais novo reconhecimento à Orquestra
Criança Cidadã, a Medalha da Ordem do
Mérito Judiciário do Trabalho, chegou às
mãos dos Meninos do Coque no último dia 11
de agosto. O coordenador geral da Orquestra,
juiz João Targino, recebeu a comenda do
presidente do Tribunal Superior do Trabalho
(TST), ministro Milton de Moura França,
em solenidade realizada na Corte Superior,
em Brasília. Criado em 1970, o prêmio
homenageia pessoas e instituições que se
distinguem profissionalmente ou servem de
exemplo para a sociedade. Trinta e nove
homenageados receberam a comenda este
ano.
Muitas personalidades marcaram a entrega.
“Tivemos destaque absoluto. A concessão
desse prêmio significa mais um estímulo
para continuarmos”, pontua João Targino.
Além da Orquestra, outra instituição ganhou
o prêmio: o instituto Ethos, cuja missão é
mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresas a
gerir em seus negócios de forma socialmente
responsável.
REVISTA CRIANÇA CI D A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
Campanha
Clarear
Projeto de arrecadação de
fundos através da conta da
energia está em expansão
Contribuir para o sucesso dos projetos de
inclusão social da Associação Beneficente
Criança Cidadã (ABCC) está cada vez mais
fácil. A Campanha Clarear, que consiste na
contribuição no valor de R$ 0,98 na conta de
energia da Celpe, está sendo aderida pelas
instituições de ensino do Recife. O lançamento
aconteceu no Colégio Motivo, no dia 12 de
o juiz joão targino e o ministro milton de moura frança,
na entrega do prêmio, em brasília
agosto.
Durante a abertura do evento, crianças e
E MAIS PRÊMIOS
adolescentes lotaram a quadra de esportes do
Motivo para viverem um momento atípico: ver
Estudantes do Colégio de São José também entraram na Campanha
Haja prêmios para a Orquestra Criança Cidadã. Os Meninos
meninos da mesma idade – e vindos de uma
do Coque estão na lista dos 13 cases vencedores da 9ª edição
comunidade carente – tocar música clássica.
da comenda Marketing Best Sustentabilidade. A premiação
“Achei muito bonita a apresentação. É legal
de sucesso: a credibilidade de quem está organizando,
acontece desde 2002 e vem crescendo a cada ano, trazendo
existir essa oportunidade para os jovens do
o cuidado com a educação dos jovens e a oportunidade
espaço para projetos sociais. A escolha dos vencedores
Coque”,
de uma carreira profissional”, comentou o empresário
foi feita pela Associação Latino-Americana de Agências de
Travassos sobre a Orquestra Criança Cidadã.
Eduardo Belo.
O lançamento contou com a demonstração
O colégio entregará, aos estudantes, a circular de
do vídeo institucional da Orquestra e com a
adesão à campanha. O representante de cada sala ficará
Do lado da Associação Beneficente Criança Cidadã (ABCC),
presença do desembargador Nildo Nery e da
responsável pelo recolhimento dos papéis. “Muita gente
o presidente Nildo Nery expressou satisfação. “Essa é
equipe da ABCC, além de representantes do
deixa de ajudar projetos sociais porque não encontra
disse
o
pré-vestibulando
Pedro
Publicidade, comandada pelo presidente Jomar Pereira da
8
Dia do Advogado - O dia 11 de agosto, que
marca a entrega das comendas do Mérito
Judiciário do Trabalho, não foi escolhido
arbitrariamente pelo TST. Trata-se do Dia
do Advogado, além de constituir data da
Silva.
mais uma grande conquista, que mostra a abrangência já
Movimento Pró-Criança. “Há três pilares que
uma forma. Desse jeito, ficou muito simples”, afirmou o
fundação dos cursos jurídicos no país.
internacional do nosso projeto”, comentou.
fazem da Orquestra Criança Cidadã um projeto
estudante do 3º ano do Ensino Médio Rodrigo França.
9
REVISTA CRIAN Ç A C I D A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
REVISTA CRIAN Ç A C I D A D Ã | A G O / S E T. 2 0 1 0
Outras instituições de ensino também estão
abraçando a Campanha Clarear. O Colégio de
São José recebeu a equipe da ABCC um dia
depois. Voluntários da Associação apresentaram
o documentário da Orquestra e falaram um
pouco sobre como ser solidário cooperando
com apenas R$ 0,98. “Nós somos um
colégio católico. Está dentro da nossa
proposta a formação humanitária do
estudante. Com a Campanha, vamos por
em prática o nosso trabalho, preparando
o aluno para ser um cidadão consciente”, disse a
coordenadora do São José, Suely Amorim.
Após aprenderem um pouco sobre a realidade dos
Meninos do Coque, os alunos do Colégio de São
José estão mais engajados em ajudar os projetos
sociais da ABCC, através da Campanha Clarear.
“Fiquei muito emocionada vendo o documentário
da Orquestra. Fiz música também e sei como é
difícil. Tive que parar de tocar instrumentos por
causa da minha coluna”, disse a aluna Diana
Flávia de Paiva, que canta e já estudou violão,
piano e violino.
Saiba mais sobre o Clarear
A Campanha Clarear é um projeto que visa à
arrecadação de fundos para auxiliar na inclusão
social de crianças e adolescentes em situação
de risco. Ao todo, são cerca de 160 mil crianças
beneficiadas através das ações de quatro
Nildo Nery e Eduardo Belo, do Colégio
Motivo, estão juntos na expansão do
Clarear
entidades: Associação Beneficente Criança Cidadã
(ABCC), Movimento Pró-Criança, Pastoral da Criança
e Organização do Auxílio Fraterno (OAF). Quem ajuda
a ABCC contribui com os dois projetos principais da
Associação: a Orquestra Criança Cidadã Meninos
do Coque e o Espaço Criança Cidadã Dom Helder
Camara, que fica no Parque do Caiara, no Cordeiro.
Através da Campanha, é possível ajudar essas
organizações,
exercitando
a
cidadania
e
a
solidariedade. A contribuição é feita através da conta
de energia. Cadastrando-se, o usuário permite a
subtração de R$0,98 pela Celpe, quantia que será
revertida para o auxílio de crianças e jovens carentes.
Como contribuir
Para se cadastrar na Campanha Clarear, basta acessar
o site da ABCC (www.associacaocriancacidada.org.br)
e clicar no banner “Participe da Campanha Clarear”.
Depois, é só digitar o nome do titular da conta de
energia e o número do contrato, que também aparece
Lançamento aconteceu na quadra do Colégio Motivo,
com presença da Orquestra Criança Cidadã
10
na fatura. Um funcionário da ABCC se encarregará de
ligar para o titular para confirmar o cadastro.
14
REVISTA CRIANÇ A C I D A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
REVISTA CRIANÇA CID A D Ã | A G O/ S E T / O U T. 2 0 1 0
A propósito
de
de Farias Reis e desembargadora Helena Caúla Reis)
Dentre tantos, escolhemos a poesia de Fernando
Limoeiro “O menino iluminado”, por ser a preferida
“Ao olhar nos olhos de cada um desses jovens
inclusão
social
do próprio Cussy de Almeida:
músicos, enxergamos um brilho alegre de novas
vidas
surgindo.”
(Desembargador
Bartolomeu
Bueno)
Eu vi um anjo menino
Tocando seu violino
Sabendo que cada nota
“Sabemos que, para ensinar música a cada
Pode mudar seu destino
uma dessas crianças, gasta-se a metade do valor
Vi um maestro regendo
para manter um presidiário atrás das grades.”
A orquestra da esperança
(Desembargador José Fernandes de Lemos)
Refinando mão e almas
E a vida dessas crianças
especialmente, na proposta de oferecer oportunidade
O desportista Hildo Nejar, comissário da FIFA, ao
E vi como um deslumbrado
visitar a Escola, disse: “Acho que o mundo todo tem
Naquele momento exato
de saber da existência desse projeto”.
Que o Brasil tinha jeito:
O aprendiz bem treinado
para fazer florir trabalhadores e homens de bem,
para colorir um mundo que, infelizmente, toca fora
Registramos, nesta oportunidade, os comentários
Não era mecânico ou pedreiro
da harmonia e da paz.” (Nando Cordel)
dos militares. Eles afirmaram:
Na cena estava surgindo
Um iluminado menino
“...Esses meninos serão os músicos do futuro e
“Observar esses meninos continua sendo estimulante
vão renovar a estrutura orquestral brasileira...”
para mim. Esse fenômeno merece ser estudado e
(Dominguinhos)
apoiado.” (General Santa Rosa)
de Almeida dedicou os quatro últimos anos de
“...Foi
transformação
“Que bom seria se existisse, em cada recanto deste
sua vida aos Meninos do Coque, preparando-os
acontecendo. A música é capaz disso...” (Yamandu
Brasil, um projeto de similar magnitude.” (Coronel
“Maestro, amigo, pai, que, para defender seus
cuidadosamente para um futuro promissor. Adaptou
Costa)
Robson Roger)
filhos, é capaz de brigar com tudo e com todos!
O DES. NILDO NERY DOS SANTOS É PRESIDENTE
DA ABCC E EX-PRESIDENTE DO TJPE.
Acima de tudo, o trabalho de Cussy será sempre
Mandado pelo Divino Pai Eterno, o maestro Cussy
lembrado por seus alunos:
emocionante
ver
a
Com a gente, foi assim. Um excelente maestro,
o método SuzukI de ensino instrumental para a
nossa realidade, objetivando o desenvolvimento
“Que sorte a desses garotos do Coque. Eles
Na mesma linha, está o depoimento do chefe do 7°
que nos ensinou a fazer uma boa música. Um
rápido de educação artística das crianças carentes.
encontraram, em seus caminhos, nada menos que
DSUP, tenente-coronel Edvaldo Santos, que afirma:
grande amigo, que, nas horas ruins, estava ali para
Cussy trabalhava duas prioridades: o cidadão e o
um dos mais competentes violinistas que o Brasil
“O projeto irradia luz e esperança a uma camada
levantar nossa cabeça e dizer: ‘não desista’. Um
profissional.
já produziu para abrir-lhes a passagem que leva ao
da sociedade ávida por oportunidades. O talento
paizão, que nos defendia com unhas e dentes e
existe, não há dúvidas para quem ouve as crianças
fazia de tudo para que ninguém nos magoasse.
do Coque”.
Cussy, se soubéssemos o quanto sua falta dói,
mundo da música e do sonho.” (Elyanna Caldas)
Graças ao rígido sistema de disciplina comportamental
e de um acompanhamento psicológico e pedagógico
teríamos aproveitado melhor cada minuto em
Por sua vez, magistrados reconhecem:
com especialistas nos ramos, os alunos do maestro
viram rapidamente abrir-lhes o caminho do sucesso.
“A Orquestra Criança Cidadã é um dos melhores
projetos de responsabilidade social atualmente em
É certo que todos que conhecem a Escola de Música
trabalho maravilhoso tiveram um privilégio no
momento, porém, o mais importante foi a conquista
“... A beleza não está só nos acordes e arranjos, mas,
que você estava presente. Para encerrar, eu digo:
pronunciamentos da elite intelectual pernambucana
Cussy não morreu. Ele se eternizou, como as
sobre
estrelas do infinito”. (Thamires Maria, 15 anos,
a
Orquestra
Waldenio
Porto,
Criança
Cidadã,
presidente
da
como
o
Academia
toca contrabaixo na Orquestra Criança Cidadã)
Pernambucana de Letras e autor do romance
“As crianças e adolescentes engajados nesse
Os artistas afirmam:
Neste breve espaço, seria impossível registrar os
de
execução no País.” (Juiz Élio Braz Mendes)
não poupam aplausos ao vitorioso projeto.
12
O novo músico brasileiro!
“Violinos do Coque”; Antônio Correia de Oliveira;
O maestro deixou a Orquestra, consciente de que a
Rostand Paraíso; Amaury Medeiros; Milton Lins;
sua obra no Coque permanecerá como um projeto
Reinaldo Oliveira; Josué Oliveira Lima; Clóvis Cabral;
modelar de inclusão social.
Alfredo Bertini; Geninha Rosa Borges; Aldo Paes
de uma oportunidade para construírem um futuro,
Barreto; e Sebastião Barreto Campello.
9
13
REVISTA CRIANÇ A C I D A D Ã | J U N / J U L . 2 0 1 0
Cussy de
Almeida:
...E o show
continua
REVISTA CRIANÇA C I D A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
A estrela do homem que dedicou a vida
à música e à solidariedade permanece
brilhando
O dia 24 de julho de 2010 amanheceu com
um céu limpo e o sol radiante. No entanto,
o tempo mudou bruscamente, e o resto do
dia seguiu sob tempo nublado e chuvoso. De
um susto, Pernambuco e a música clássica
se deram conta da perda que sofreram –
e prosseguiram, à tarde e à noite, em um
ritmo triste e saudoso. No dia anterior, às
21h30, o maestro Cussy de Almeida, aos
74 anos, perdeu a luta contra a insuficiência
pulmonar que o acometia nos últimos anos.
O maestro, referência em todo o Brasil, já
enfrentava problemas respiratórios há algum
tempo e contava com a ajuda de um aparelho
para respirar. Ele estava há 55 dias internado
no Hospital Santa Joana, no Recife, onde
Cussy teve a missão
faleceu.
de levar a música e
O Corpo foi velado e cremado no cemitério
a cidadania para crianças e adolescentes
Morada da Paz, em Paulista. No velório do
do Coque, dando-lhes um novo rumo a
maestro, muita emoção entre os presentes.
seguir. Com apenas 28% de sua capacidade
Familiares, amigos e admiradores se juntaram
respiratória, o maestro formou uma orquestra
à missa, celebrada na capela central do
com jovens que, até então, diferentemente
cemitério às 15h, pelo amigo e pároco da
dele, nunca haviam tido a oportunidade de
Igreja de Casa Forte, Padre Edvaldo Gomes.
experimentar a música. Hoje, a Orquestra
Coroas de flores, vindas dos mais diversos
Criança Cidadã é um grupo conceituado e
lugares, adornavam o local e simbolizavam
reconhecido nacionalmente. Ela se tornou
as condolências de instituições amigas e
um dos projetos sociais mais bem sucedidos
conhecidos, que expressavam apreço e
do Brasil.
admiração por Cussy e sua trajetória de vida.
Como um último gesto de gratidão e afeto,
Cussy de Almeida sempre se dedicou à
a Orquestra compareceu ao Morada da
música
inúmeros
Paz para homenagear o homem que, para
trabalhos realizados, no Brasil e no exterior,
aqueles garotos, foi mais que um professor
o mais recente foi a criação da Orquestra
– foi alguém que lhes estendeu a mão. Um
Criança Cidadã dos Meninos do Coque, que
amoroso e rigoroso amigo. Os garotos se
reuniram e, sob a regência da professora
desde
criança.
Entre
este ano completou quatro anos. Em 2006,
17
15
REVISTA CRIAN Ç A C I D A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
REVISTA CRIANÇA CID A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
E os sentimentos não paravam de transbordar.
Após as canções, no fim da cerimônia, as pessoas
exaltando a vida e a obra de Cussy. Entre elas,
MENINOS DO COQUE SE EMOCIONAM AO SE DESPEDIREM
DO MAESTRO CUSSY
ocorreu a cerimônia de cremação, mais íntima e
perto ao regente. Cussy de Almeida repousava
limitada à família. A tarde, no entanto, já havia sido
tranquilo. Na cabeça, levava a boina que tanto
suficiente para se despedir. A saudade seria inevitável.
gostava de usar. No peito, o broche do Clube Náutico
Mas Cussy de Almeida ainda permanece entre os vivos:
do maestro junto com sua família e a música. No
rosto, um semblante calmo e sereno, como quem
tem a consciência leve por ter cumprido com êxito
a sua missão. Cada um que passava fazia uma
Nathália Wicks Almeida e o juiz e amigo João
Rio Grande do Norte, em 10 de março de 1936.
Targino, coordenador geral da Orquestra. Até
Seu pai, o compositor e pianista Waldemar de
mesmo o próprio Dom Fernando se pronunciou,
Almeida, transmitiu-lhe o gosto pela música
enaltecendo o trabalho feito pelo maestro junto às
clássica desde cedo. Começou com o violino, aos
crianças do Coque. “De todas as obras realizadas
seis anos. Aos 14, quando estudava com o maestro
que está chegando a seus quatro
anos, encerrou sua vida com chave
de ouro. E ele não pode parar. Que
Deus o abençoe cada vez mais”,
disse o arcebispo. A cerimonialista
Tatiana Marques, ao término de sua
em cada trabalho que construiu e em cada pessoa
que cativou. Os Meninos do Coque continuarão o seu
“Em vez de fazermos um minuto de
caminho. E um pouco de Cussy ainda viverá dentro
silêncio, vamos fazer um minuto de
de cada membro da Orquestra Cidadã. Porque ali ele
aplausos e bravos para o maestro”. E
sempre será lembrado. E a lembrança nunca morre.
assim, durante um minuto, uma longa
salva de palmas ecoou pela igreja,
juntamente com inúmeros bravos.
O SÉTIMO DIA
A atriz Geninha da Rosa Borges
Orquestra. Os garotos se aglomeraram em torno
do amado mestre. Abraçados, lamentavam a dor
Depois de uma semana, parentes e amigos de Cussy
encerrou as homenagens, recitando
de perder um grande amigo que lhes deu um novo
de Almeida se reuniram para lembrá-lo mais uma vez.
e interpretando o poema de
sentido de vida.
A igreja do Colégio Salesiano Sagrado Coração ficou
Cecília Meireles “O último
pequena para acolher os que vieram prestigiar Cussy.
andar”.
Um último acorde de violino soou pela capela. Pouco
A noite foi repleta de homenagens comoventes.
A missa de sétimo dia foi celebrada pelo arcebispo
de Olinda e Recife, Dom Fernando Saburido, que
deu início à missa com a leitura do evangelho de São
Lucas, que narra a saga da morte e da ressurreição
de Jesus Cristo. Entre os intervalos das leituras, a
O ÚLTIMO ANDAR
profissional ingressando na Orquestra
No último andar é mais bonito:
do último andar se vê o mar.
É lá que eu quero morar.
Sinfônica do Recife. Era o mais jovem
O último andar é muito longe:
custa-se muito a chegar.
Mas é lá que eu quero morar.
Todo o céu fica a noite inteira
sobre o último andar.
É lá que eu quero morar.
Quando faz lua no terraço,
fica todo o luar.
É lá que eu quero morar.
músico do grupo. Nela, se destacou
como solista.
Nessa época, o jovem Cussy conseguiu
seu primeiro emprego. Aos 16 anos,
também tocava em casas noturnas do
Recife. Quando trabalhou na Rádio
Jornal do Commercio, teve contato
com grandes artistas e músicos
populares dos anos 50. Confundia-se
Os passarinhos lá se escondem
para ninguém os maltratar:
no último andar.
diante de tantas atividades, mas, ao
De lá se avista o mundo inteiro:
tudo parece perto, no ar.
É lá que eu quero morar:
no último andar.
formas, fascinava-o. Tinha vocação
mesmo tempo, sabia o que queria:
música. A música, em suas diversas
para o violino, mas se interessava
também por piano popular e pelo
jazz norte-americano.
Com as economias que juntou, se
mudou para Paris em 1958, onde
foi se especializar em violino no
Conservatório Superior de Música.
Orquestra Criança Cidadã, que não poderia deixar de
O incentivo veio, nada mais, nada
estar presente e prestigiar o maestro, fez performances
menos,
formidáveis, como “Czardas”, “Carinhoso”, “Cinema
Paradiso”
ORQUESTRA CRIANÇA CIDADÃ HOMENAGEIA O MAESTRO
CUSSY DE ALMEIDA no VELÓRIO
Vicente Fittipaldi, iniciou sua carreira
(Cecília Meireles)
a pouco, as pessoas foram saindo. No início da noite,
e
“Abôio”,
sendo
esta
última
uma
do
que
do
consagrado
compositor Heitor Villa
Lobos,
com
quem
composição do próprio Cussy de Almeida. O auge da
conviveu na Cidade
emoção foi durante a execução de “My Way”. Lágrimas
Luz e de quem obteve
corriam silenciosas pelos rostos atentos à missa. Os
grande
aprendizado.
músicos da orquestra e a maestrina, Aline Ananias, se
comoveram bastante na hora da performance.
16
Cussy de Almeida Netto nasceu em Natal, no
fala, fez uma proposta inusitada.
prece; uns sorriam com ternura, davam um aceno;
outros choravam – principalmente as crianças da
encontravam-se seu irmão, Clóvis Almeida, a filha
por Cussy de Almeida, este trabalho,
formaram fila para dar um último adeus mais de
Capibaribe, time que dividia espaço no coração
VIDA E OBRA
No final do evento, cinco pessoas fizeram discursos
Aline Ananias, executaram três canções:
“Carinhoso”, de Pixinguinha; “My Way”, de Paul
Anka; e “Czardas”, de Vittorio Monti. Não poderia
haver modo melhor de rememorar Cussy: a música
foi uma grande paixão sua. Ali, à sua maneira, os
Meninos do Coque fizeram o que aprenderam a
fazer de melhor: expressar seus sentimentos através
da música.
A noite ainda reservou mais surpresas aos presentes.
Thialyson Phillipe
executando o solo de
“my way”
17
REVISTA CRIANÇA C I D A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
REVISTA CRIAN Ç A C I D A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
“Cussy de Almeida será
imortalizado como o
melhor exemplo do
maestro que, com sua
batuta, ergueu sólidas
pontes, regendo os
melhores sentimentos
do ser humano.”
Aldo paes barreto
(Jornalista)
preciso ter disciplina, força de vontade e
difícil, mas muito oportuno para investir
humildade, humildade e humildade”. E
no aprimoramento musical. Lá, atuou
foi isso o que ele transmitiu àqueles que
como solista na Orquestra Internacional
viviam a sua volta. Cussy recebeu várias
da Cidade Universitária e obteve uma
condecorações. No exterior, recebeu os
bolsa para um curso superior em
prêmios Alberto Lulin e Virtuosidade, em
Genebra, na Suíça. Em 1962, formou-
Genebra. No Brasil, recebeu prêmios
se; em seguida, passou à pós-graduação
como a Medalha Pernambucana do
na Classe de Virtuosidade, destinada
Mérito, a Medalha do Mérito da Cidade
apenas aos músicos mais talentosos.
do Recife e o título de Cidadão de
Atuou também na Orquestra de Jovens
Pernambuco. O maestro atuou também
Músicos da Suíça e na Orquestra de
como compositor. Entre as muitas obras
João Targino // Juiz de Direito e coordenador geral
Câmara de Bienne.
que compôs, destacam-se “Cipó branco
da Orquestra Criança Cidadã
de
Macaparana”,
“Kyrie”,
Após retornar ao Brasil, no início dos
“Cirandância”,
“Cussy foi sucesso.
Tenho muito orgulho
dele como irmão,
compositor... Que
tudo o que ele fez se
perpetue. Que essas
crianças do Coque
continuem juntamente com todas as
obras que ele fez.”
anos 60, Cussy de Almeida atuou como
“Glória” e “Ave Maria”.
clóvis almeida
(irmão)
“A orquestra tomou proporções e
importância que vão
além das pessoas. Ele
queria continuidade.
E É isso que faremos.
Vamos realizar os
planos do maestro
Cussy, como forma de
homenageá-lo.”
João Targino
(Juiz e Coordenador
da Orquestra Criança
Cidadã)
Memorial
ao maestro
Cussy
“Abôio”,
“Nordestinados”,
É muito difícil, quase impossível nesta hora de luto para
a Orquestra Criança Cidadã dos Meninos do Coque,
Oficial de Chancelaria no Itamaraty, sob
traçar algumas considerações sobre o ilustre e quase
indicação do presidente João Goulart,
Por
e foi professor da Universidade Federal
Conservatório
o
insubstituível maestro Cussy de Almeida, conhecedor
de
profundo dos mestres clássicos. Nestes quatro anos
do Rio Grande do Norte (UFRN). Nas
Música – de 1967 a 1979 e de 1991
de ensinamentos quase ortodoxos, onde a disciplina
décadas de 70 e 80, fundou orquestras
a 1994, tendo fundado, nesta segunda
e o aprendizado se confundiam, foi uma honra e um
memoráveis,
Orquestra
vez, a Orquestra Suzuki do Alto do
privilégio para estas crianças serem educadas pelo
Armorial de Câmara de Pernambuco
Céu. O projeto, que há muito tempo
internacional maestro. Isso não tem preço. Como não
(1970) e a Orquestra de Cordas
era almejado pelo maestro, ousava
tem preço uma sonata de Mozart, os quartetos de
Dedilhadas (1982). E não parou por aí.
no intuito do resgate da cidadania de
Beethoven ou as grandes sinfonias de Brahms.
Em 1974, foi o primeiro a adquirir um
crianças e jovens carentes através
violino Stradivarius no Brasil e solou em
da música, demonstrando interesse
Diante da figura imponente do grande mestre,
diversas orquestras, sendo considerado
pelo engajamento social. Em 1995, a
exornado dos mais peregrinos dotes de capacidade
o maior violinista brasileiro. Entre outras
projeto foi encerrado, mas o sonho de
musical, todos se curvavam. Era um líder nato. Para
atividades, presidiu o Instituto Nacional
Cussy não havia morrido. Dez anos
ele, não havia obstáculos, muito menos empecilhos
de Música da Funarte e a Fundação de
depois, ao realizar um concerto com
quando se tratava de elevar o nome da Orquestra e o
Cultura da Cidade do Recife, além de
a extinta Orquestra do Alto do Céu, o
conhecimento musical dos alunos. Ele era o próprio
haver fundado o museu Murilo Lagreca,
maestro chamou a atenção do juiz João
espetáculo. Intenso em todas as suas emoções.
o Teatro Barreto e a Casa do Frevo.
Targino, que, mais tarde, o convidou
Da alegria estampada na face pela ida do spalla da
para, juntos, delinearem o esboço do
Orquestra para Varsóvia à tristeza porque outro não
Cussy de Almeida é um exemplo de
que hoje se chama Orquestra Criança
conseguira o mesmo feito. Impunha castigos, ao
determinação e dedicação. Pai de cinco
Cidadã dos Meninos do Coque. Nos
mesmo tempo em que demonstrava gestos de ternura.
filhos, foi casado duas vezes. Ao mesmo
últimos quatro anos de sua vida,
tempo em que sabia ser paciente e
Cussy
a
Era o contraditório maestro possuidor de raros dotes
sensível, era rigoroso e exigente –
esses meninos, deixando-lhes uma
de combatividade. Essa sua personalidade marcante
principalmente, no que diz respeito
rica herança com lições de disciplina,
fará com que sejamos fiéis à sua memória. Os seus
à música. Segundo o próprio, “para
cidadania, humildade e, claro, música.
exemplos irão continuar a ser nossa bússola na
como
a
chegar a qualquer lugar, com sucesso, é
18
Artigos
O tempo que permaneceu na Europa foi
duas
se
vezes,
Cussy
dirigiu
Pernambucano
dedicou
inteiramente
luta pelo bem-estar da Orquestra. Onde estiver,
querido mestre, pode ter certeza que seremos seus
continuadores da luta por esse ideal. O tempo, que
tudo embota, não conseguirá apagar a saudade que
habita no coração destas crianças e em todos nós.
Continuaremos cultivando a música, o que de mais
nobre existe no nosso espírito.
***
O último tributo ao maestro Cussy De
Almeida
Graça Salsa // Advogada e voluntária da Orquestra
Criança Cidadã
Pelo lapso temporal de quatro anos da Orquestra
Criança Cidadã,
presenciei os mais emocionantes
concertos regados
a fortes emoções em teatros
suntuosos, de palcos e cenários deslumbrantes. Mas
nenhum foi tão comovente quanto o que testemunhei
diante do corpo inerte do talentoso e glamoroso
maestro Cussy de Almeida. Em volta do esquife, os
meninos do Coque deram o melhor de si. Eles estavam
muito mais preocupados com notas de afeto e acordes
de gratidão, do que mesmo com as partituras. Sabiam
que o mestre já não poderia corrigir nenhum deslize
musical. Tinham sido preparados durante 4 anos
por aquele que ali permanecia imóvel. Teriam que
provar ao próprio mestre, nessa despedida, que
a luta incansável não foi em vão. E aí, diante da
adversidade dessa perda tão grande, para quem teve
tão pouco da vida como eles, se superaram. Tocaram
tão sublimemente que pareciam querubins enviados
do céu. Talvez, enquanto seguravam os instrumentos
musicais, perpassasse, por suas mentes, porque
motivo mais um pai lhes era tirado, naquele momento
em que ainda precisavam tanto de seus ensinamentos.
Com certeza, em sua percepção, estão sem entender
os desígnios de Deus. A face transtornada de cada
um deles, as lágrimas sinceras que não estancavam
de suas faces, comoveram não só a mim, mas a todos
os presentes. Foi a cerimônia mais enternecedora que
presenciei nos últimos tempos. Não pelo sepultamento
19
REVISTA CRIANÇA CI D A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
REVISTA CRIANÇ A C I D A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
em si, mas pela história de um ser humano que foi
ouvida. Eu vi D. Fernando Saburido, arcebispo de
declamando a poesia de Cecília Meirelles, “No
de orfandade. De repente, após a chegada e fala
enviado por Deus àquele projeto com a intenção de
Olinda e Recife, oficiando a missa e distribuindo
último andar”, em que se sentiu a presença dele
do juiz João Targino, a Orquestra começa a tocar,
que se construíssem sonhos. O maestro arrebatou
centenas de hóstias consagradas aos fiéis amigos de
em nuvem distante.
estranhamente, sem ninguém na frente para regê-
os
Cussy. Eu vi choros contidos e liberados, carimbando
Meninos do Coque a lugares inimagináveis. A
história da Orquestra nunca mais será a mesma.
o sentimento da perda irreparável.
la. Todos sentem, então, a presença de Cussy de
Foi uma noite linda, digna da memória de Cussy.
Pode repousar em paz, maestro, que seus meninos
Almeida, com seu boné imaculadamente branco, na
cadeira de rodas, o cateter no nariz e o torpedo de
ficarão entregues aos dois outros excelentes pais,
Eu ouvi a Orquestra dos Meninos do Coque, que
o desembargador Nildo Nery e o juiz João Targino.
aprendeu as lições do mestre e maestro Cussy, com
Deus, na sua infinita sabedoria, determinou três
apenas uma facção dos que dispunham de energias
pais para as crianças quase órfãs, sabendo que eles
para tocar o repertório escolhido, sob a batuta da
não poderiam perdê-los ao mesmo tempo ao longo
maestrina Aline Ananias de Lima. Eu ouvi o início da
da vida. Internacional maestro Cussy de Almeida,
missa com a execução da música de Cussy “Cipó
ficamos tristes e com saudades, mas tenha a certeza
Branco de Macaparana”. Eu ouvi as “Czardas”, de
Waldenio
de que sua obra não se calará, e muitas vidas serão
Monti, música preferida dele, num solo magistral que
Pernambucana de Letras
transformadas.
eu vi de um violinista mirim, João Pedro.
E me vi, ouvi e senti... chorando.
oxigênio de lado, a batuta na mão, se emocionando
e enternecendo a plateia inteira.
***
Adianta-se Thialyson Phillipe e inicia o concerto
O último concerto de Cussy
com “My way” (Meu Caminho), uma das canções
preferidas do maestro e que tem tudo a ver com
Porto
//
Presidente
da
Academia
o instante que presenciamos. As cordas do
violino contam, naquele momento derradeiro, em
harmonias saudosas, as lembranças de toda a vida
de Cussy de Almeida. Depois do solo inicial, toda
***
Eu vi, ouvi e senti
Eu vi e ouvi o arranjo feito pelo Cussy de “Carinhoso”,
Não havia velário. Cussy estava ali, imóvel, em
a Orquestra entra de vez, e dá para se ver a mão
de Pixinguinha e João de Barro, tocado pelo jovem
campo aberto, como se descansando antes de
levantada do regente dirigindo a partitura, como
Júlio Carlos, egresso da Polônia, detentor de bolsa de
começar a função. O velário era a tristeza expressa
se acenando para os seus Meninos e Meninas do
estudos, ora renovada, para aprimoramento técnico.
em todos os semblantes. O tempo nublado
Coque, num gesto final, se despedindo. A chuva
atravessava os vidros das janelas e, quieto, vinha
que cai lá fora então escorre pelas suas faces e
marca o momento da separação.
Reinaldo de Oliveira // Membro da Academia
Pernambucana de Letras e dos Conselhos de Cultura
O momento máximo artístico da solenidade foi a
trazer a luz amortecida do pesar. Chovia lá fora.
do Estado e do Município
execução de “My Way”, em que a criança violinista
E seu ruído nas janelas e no chão percutia em
Thialyson Phillipe interpretou em solo ao longo do
surdina, trazendo, para dentro da sala, a música
O violino, que toca “My way”, relembra, também
Eu vi, ouvi e senti a Missa de Sétimo dia de Cussy de
corredor da Igreja, acompanhado, maravilhosamente,
dolente do inverno que feria o silêncio consternado.
para mim, uma manhã quando Cussy de Almeida
Almeida. Foi na Igreja do Colégio Salesiano, repleta
pela Orquestra, indiferente ao pranto de seus
A chuva chegava também aos olhos rasos d’água
me procurou na Academia Pernambucana de
de amigos. Eu vi seus filhos da primeira mulher,
componentes.
e nublava a visão da cena. Uma quietação de
Letras. Logo estava ensaiando ali os alunos de
igreja se acamava na câmara ardente. Os círios
sua Orquestra do Alto do Céu e, depois, o Grupo
Nelly, Henrique, Isabela Corintha, Maria Gabriela e
Waldemar, ainda descrentes da realidade maldita,
Sentado, ao fundo do altar, D. Fernando parecia elevar
se extinguiam e acompanhavam os minutos
Orange. O violino de “My way” me recordou também
com as faces úmidas. Eu vi Suzana, a esposa com
as suas preces para cada músico, como a reforçar a
finais daquela tarde esmorecida. Então, chegam
o concerto no Santa Isabel e o lançamento de um
quem foi feliz na última metade de seus anos,
ideia inicial do desembargador Nildo Nery e do Juiz
os Meninos do Coque com seus instrumentos.
CD do Grupo Orange, no qual Cussy me faz uma
abraçada a Nathália, a caçula. Eu vi o desembargador
João Targino tornada realidade pela determinação e
Esgueiram-se de uma porta lateral, portando
dedicatória preciosa.
Nildo Nery com os olhos turvos de lágrimas. Vi a irmã
pelo ânimo de Cussy de Almeida.
violinos, sustentando violoncelos e baixos, sem
Ana Corintha, que veio dos Estados Unidos para
O maestro compareceu à Camara Municipal do
acreditar na tragédia. Vi a Orquestra Criança Cidadã
Eu senti, no semblante das fisionomias, a dor de cada
perturbarem o sossego ambiente. Faces sérias,
Recife, com Orquestra, quando recebi o Título de
dos Meninos do Coque, calada, muda, chorando.
alma ali presente. Eu senti as palavras do juiz João
vão se postando ao lado de Cussy e arrumam a
Cidadão do Recife. São coisas para não serem
Targino, emocionado. Eu senti o sofrimento de Clóvis
Orquestra. Ficam quietos na ansiedade costumeira
esquecidas. A feliz e rica oportunidade de conviver
Eu vi as lágrimas de Waldenio Porto, presidente
Almeida, irmão de Cussy, ao dar seu depoimento,
de iniciarem a apresentação. Observam de pé os
com Cussy, ao escrever “Violinos no Coque”, a
da Academia Pernambucana de Letras, esquecido
úmido, sobre o irmão. Senti as palavras doces de
outros colegas que tomam assento no auditório.
convite do desembargador Nildo Nery. Tudo isso
daquele dia, que era de sua alegria íntima por
Nathália, sua caçula, dominando a plateia que,
Viro-me para trás e vejo a pequenina Stephany, que
me lembrou o violino tocando “My way”, na tarde
ser seu aniversário. Eu vi as lágrimas da jovem
tantas vezes, o pai dominou.
me encantou outro dia, e a chamei Flor de Lotus
ensombrecida de sábado.
violoncelista Bianca de Cássia correndo cordas
abaixo, emprestando uma sonoridade úmida jamais
20
arrastá-los, no cuidado respeitoso para não
no livro “Violinos no Coque”. Agora, lacrimosa,
Eu vi, ouvi e senti Geninha da Rosa Borges
junto de Daniel, experimenta o sentimento geral
21
REVISTA CRIAN Ç A C I D A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
Cantinho
das Letras
O dia 23 de julho foi de grandes emoções para a Orquestra
Criança Cidadã. Com tristeza, todos se despediram do
maestro Cussy de Almeida, em especial, as crianças e
jovens do Coque que foram seus alunos. Como forma de
agradecimento por tudo o que aprenderam na Orquestra
Criança Cidadã, os alunos da Escola de Música Maestro
Cussy de Almeida expressam algumas palavras de
gratidão ao grande mestre:
“O maestro Cussy foi muito importante para nós. Ele
nos ajudou a tocar com amor e carinho. Nos ensinou a
crescer.” (Estudante de violino Tamires Alves de Oliveira,
10 anos)
“Vamos superar essa dor envolvidos pela saudade.
Vamos continuar de cabeça erguida, como era o desejo
do maestro Cussy, o meu melhor professor de música.”
(Estudante de viola Anderson Rodrigues, 15 anos)
“Maestro Cussy, um homem muito difícil de encontrar.
Demonstrou força de vontade e perseverança. Ele
mostrou, para todos, que pobreza não é doença nem
sinônimo de ignorância. Ao contrário, ensinou que ‘o
dom não escolhe cor nem classe social. Deus toca a
cabeça de cada um’, com muito estudo, a pessoa pode
vencer na vida.” (Estudante de violoncelo Vanessa
Mouta, 15 anos)
“Maestro Cussy de Almeida Netto: um pai e um amigo.
Todo o seu jeito rígido era apenas um método para
formar um cidadão do bem.” (Estudante de viola Rebeka
Muniz, 14 anos)
“O meu futuro foi mudado completamente por um
anjo, que, por pura vontade de fazer crianças felizes,
tornou possível uma utopia. Há quatro anos, eu nunca
me imaginava tocando um instrumento clássico como
22
Meninos do Coque
ganham reforço
REVISTA CRIANÇA CI D A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
o violoncelo. Um anjo chamado Cussy
de Almeida, com olhos azuis, sorriso
incompreendido e o jeito rigoroso, mas, ao
mesmo tempo, doce e singelo, me ensinou três regras,
que, para sempre, vão complementar meu caráter:
disciplina, aproveitamento e, o maior de todos: a
humildade.” (Estudante de violoncelo Genilza Bezerra
da Silva, 16 anos)
“Desde quando entrei no projeto, percebi que o
maestro Cussy era uma pessoa que só queria o bem
dos outros. Ele foi uma pessoa muito especial para
mim e sempre estará no meu coração.” (Estudante de
viola Ivanise Silva, 14 anos)
“O maestro nos ensinou a gostar de música. Sentiremos
sua falta, Cussy.” (Estudante de violoncelo Nivaldo
Raimundo da Silva, 13 anos)
“Eu não queria que o maestro Cussy fosse embora.
Gostaria que ele tivesse passado seu último dia comigo
no projeto.” (Estudante de violino Wellington Ezequiel,
10 anos)
“Maestro Cussy de Almeida, um grande homem,
um idealizador. Seu sonho era formar músicos
profissionais. Que Deus o tenha.” (Estudante de violino
João Carlos Oliveira, 18 anos)
“Cussy era forte e carismático. Com aquele enorme
sorriso no rosto, dava a entender que o mundo era
maravilhoso. Nós temos orgulho de dizer que ele foi
nosso maestro e continuará sendo o nosso maestro,
onde quer que ele esteja. Ele se foi, mas deixou coisas
boas aqui na Terra que vão virar história. A maior
forma de homenagearmos Cussy é continuando esse
trabalho, que ele tanto amava. Ele não formou apenas
musicistas, formou Crianças Cidadãs. Cussy, te amo
eternamente.” (Estudante de violoncelo Bianca de
Cássia, 14 anos)
musical
Maestro convidado e novo professor
de violino chegam ao projeto
Dois profissionais dão novos ares musicais à Orquestra
Criança Cidadã neste segundo semestre: o maestro
italiano Vittorio Ceccanti, já parceiro do grupo, e o
professor de violino José Ademar Teixeira Rocha,
especialista no método Suzuki. Enquanto Vittorio fica
como regente convidado até dezembro, quando poderá
renovar a parceria, Ademar tem contrato por tempo
indeterminado.
Depois de ministrar máster classes aos Meninos em abril
deste ano e conduzir o grupo no quarto aniversário, em
agosto, Vittorio agora assume a regência da Orquestra,
auxiliado pela professora Aline Ananias. Ele já tem
três visitas marcadas ao Recife até o final do ano. Os
principais concertos serão acompanhados pelo italiano.
Já Ademar Teixeira chega para reforçar o naipe de
violinos, ele que foi o introdutor do método Suzuki
no Conservatório Pernambucano de Música (CPM).
Muitos daqueles que foram alunos de Ademar Rocha
no Conservatório hoje ensinam na Orquestra. Ele conta
que, por isso, já conhecia bem o projeto. “De certa
forma, eu já sou parte desse grupo. É gratificante estar
num trabalho maravilhoso como esse, que está dando
certo”, orgulha-se o professor. As aulas de Ademar na
Orquestra têm calendário definido: acontecem todas as
quartas-feiras, durante o dia inteiro.
O novo professor de violino da Orquestra
Criança Cidadã
Ademar Rocha começou a estudar violino aos 15
anos com o professor Albert Jaffé no Serviço Social da
ADEMAR ROCHA VEM DAR SUPORTE AOS VIOLINISTAS DA
ORQUESTRA
Indústria (Sesi) de Fortaleza. Na Universidade Federal
da Paraíba, tornou-se bacharel no instrumento.
A pedido do professor e pianista Geraldo Parente,
Ademar vem ao Recife em 1988, para participar de
um curso sobre o Método Suzuki, que consiste em
ensinar música às crianças de forma divertida e com
amor. Assim, começa a nascer um vinculo forte entre
o violinista e a capital pernambucana.
Em 1989, o violinista teve a oportunidade de ir ao
Japão assistir às aulas do próprio Shinichi Suzuki,
idealizador do método homônimo, no Talent Education
Institute / Suzuki Method Music School. “Foi uma
grande experiência. Conheci professores de música
de todo o Brasil e passei a fazer parte desse ciclo”,
disse.
Desde sempre, a correria é o ritmo de vida que o
professor Ademar leva. No início da semana, ele se
dedica ao CPM e, recentemente, à Orquestra dos
Meninos do Coque. Durante a outra metade, volta para
a família na Paraíba, onde dirige e ensina no Centro
Musical Suzuki e é membro da Orquestra Sinfônica
da cidade.
23
REVISTA CRIAN Ç A C I D A D Ã | A G O / S E T. 2 0 1 0
27
REVISTA CRIANÇ A C I D A D Ã | A G O / S E T. 2 0 1 0
28
Quatro anos
de sons e
REVISTA CRIAN Ç A C I D A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
esperança
O silêncio que tomava conta do
ambiente antes dos sons de violinos,
cellos e zabumbas se unirem em
uma só música parecia prenunciar
uma noite inesquecível. Aos poucos,
o público foi chegando, e a plateia,
enchendo-se. Um a um, os convidados
se acomodaram nas duas mil poltronas
do Teatro Guararapes, no Centro
de Convenções, em Olinda. Todos
esperavam por uma apresentação
memorável na noite do dia 5 de agosto.
No palco, toda uma produção,
literalmente, global. O clima estava
perfeito.
E
quem
compareceu
certamente jamais se esquecerá de
um dos momentos mais bonitos de
uma história que ainda se equivale à de
uma criança. No aniversário de quatro
anos da Orquestra Criança Cidadã
dos Meninos do Coque, todos que
circundam o projeto de maior sucesso
em Pernambuco ficaram encantados
com o talento das crianças. Com menos
26
da metade de uma década de estudos
musicais, o grupo é reconhecido pelo
profissionalismo.
Na noite preparada para brilhar, a
Orquestra fez reviver a estrela do
Rei do Baião, homenageado no
“Concerto para Gonzaga”, em que
72 garotos do projeto estiveram
no palco ao lado do cantor Alcymar
Monteiro – intérprete das músicas
do forrozeiro. Como convidado
especial, o maestro italiano
Vittorio Ceccanti, que já
se apresentou em toda
a Europa, além da Ásia,
Estados Unidos e vários
outros países da América
do Sul - incluindo o Brasil -, foi o
responsável por reger a Orquestra
Criança Cidadã.
Em uma apresentação de mais
de duas horas, os meninos da
Orquestra não puderam deixar de
REVISTA CRIANÇA CID A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
homenagear o maestro Cussy de Almeida,
falecido no último dia 23 de julho. Os alunos
do mestre tocaram “Carinhoso”, de Pixinguinha
– música preferida do maestro. Além disso, a
diretoria da Orquestra também resolveu nomear
a sua escola de música com o nome Escola de
Música Maestro Cussy de Almeida, em mais
uma homenagem póstuma a Cussy.
Como atração da festa, o concerto ainda contou
com a participação do coral dos garçons-cantores.
Tudo foi devidamente registrado pela TV Globo,
que ajudou a produzir o evento. A gravação será
veiculada pela Rede Globo Nordeste para o Brasil
e mais 160 países no dia 13 de dezembro – Dia
Nacional do Forró e data em que Luiz Gonzaga
completaria 98 anos de vida.
PRESENÇAS ILUSTRES
Além de toda a beleza de uma noite inspiradora,
o evento que marcou o aniversário da Orquestra
ainda contou com presenças bastante ilustres.
A que chamou mais a atenção foi a do ator
global Marcos Palmeira. E a presença do
artista tinha um motivo especial. Ele está no
Recife captando recursos a fim de filmar um
documentário sobre a Orquestra, que será,
provavelmente, veiculado no próximo Cine PE.
Além do ator, destacou-se também a presença
do apresentador do evento, o jornalista
Francisco José. Na plateia, outras figuras
ilustres como a primeira-dama de Pernambuco,
Renata Campos; o desembargador Eduardo
Sertório; o produtor de cinema Alfredo Bertini;
o empresário Queiroz Galvão; e o comandante
do Comando Militar do Nordeste (CMNE), o
general Salvador.
NADA COMO MERECIDOS ELOGIOS
Durante a festa que marcou a comemoração
dos quatro anos da Orquestra, o que não
faltaram foram elogios ao trabalho realizado
pelo coordenador geral do projeto, o juiz João
Targino, e pelo presidente da entidade, o
desembargador Nildo Nery dos Santos. Alcymar
Monteiro, Francisco José, o maestro italiano
Vittorio Ceccanti e o ator Marcos Palmeira não
economizaram nas parabenizações à Orquestra.
O primeiro foi o maestro. Convidado para reger os
garotos e já íntimos deles – após uma passagem
pela Orquestra em abril –, demonstrou grande
carisma ao se esforçar para colocar em prática
um recém-aprendido português. Sobre o palco,
o italiano revelou uma enorme simpatia com
o projeto pernambucano e garantiu: “Não há
27
REVISTA CRIAN Ç A C I D A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
REVISTA CRIANÇA CID A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
SONS DA ESPERANÇA
um projeto igual a esse no mundo. O que acontece
aqui é digno de muito orgulho. Essas crianças são
maravilhosas e têm um talento incrível.”
Francisco José, comandando a cerimônia, também
não poupou elogios. Em um determinado momento,
lembrou a história difícil dos jovens que moram em
uma das comunidades mais violentas do Recife, o
Coque. “São garotos que estão vencendo na vida
e são exemplos para qualquer jovem no mundo”,
afirmou.
Ao subir ao palco, todo de branco, com uma estilosa
roupa sertaneja, Alcymar Monteiro reverenciou
a Orquestra com uma saudação com os braços.
Ao fim, agradeceu a plateia e mandou um bonito
recado a todos. “Fico feliz de ter participado desse
momento. Queria que vocês nunca esquecessem
essa Orquestra, que é um exemplo claro que o ser
humano nasceu para o bem”, disse Alcymar.
Por fim, o ator Marcos Palmeira teve o seu momento
de astro ao ser convidado por Francisco José para
subir ao palco. “É bonito ver essa perspectiva
de cidadania através da música. Fiquei muito
impressionado com a capacidade desses meninos e
encantado com o talento de todos. É incrível poder
ver de perto que é possível”, elogiou o ator.
ALCYMAR MONTEIRO: PARCERIA MUSICAL EM SINTONIA COM A
ORQUESTRA CRIANÇA CIDADÃ
Todo bom filme parte de uma boa história. E toda
boa história é potencialmente um prato cheio
para um bom filme. Contando com essa recíproca
lógica, já está confirmado: a história da Orquestra
Criança Cidadã vai virar filme. O documentário
longa-metragem em 35 mm será dirigido por Zelito
Viana, o mesmo de Villa-Lobos: Uma Vida de
Paixão. Zelito leva consigo o ator Marcos Palmeira
para narrar Sons da Esperança, que mostrará o
dia a dia das crianças através de entrevistas com
alunos, dirigentes e funcionários, além de uma
coleta de material audiovisual.
GPCA inaugura
nova sede e
planeja expansão
Sons da Esperança está na fase de captação de
recursos. No entanto, já se sabe que será produzido
por Alfredo Bertini, da Bertini Produções e Eventos.
O plano é exibi-lo no próximo Cine-PE. “Está tudo
muito no início. Mas a pretensão é começar assim
que a gente conseguir patrocinadores. Na verdade,
é só isso o que está faltando. Uma boa história já
existe, com certeza”, afirmou Viana, em entrevista
antes de assistir à apresentação da Orquestra no
Teatro Guararapes.
Zelito Viana também se prepara para gravar
uma possível apresentação dos meninos no
prêmio “Melhores Práticas de Inclusão Social do
Mundo”, da Organização das Nações Unidas,
que acontecerá no dia 3 de novembro em Dubai,
Emirados Árabes. Tudo está, entretanto, no campo
dos projetos. “A intenção é voltar no Cine PE 2011,
apesar de sabermos que o tempo é curto. Vamos
tentar contar essa história do modo como ela
merece”, falou.
O ator Marcos Palmeira, filho de Zelito, também
conversou com a nossa reportagem e revelou a
satisfação em fazer parte do documentário que
mostrará a história da Orquestra. “Quero muito
voltar aqui no ano que vem com esse filme pronto.
Seria um grande orgulho para mim. Estamos no
início da produção. Espero que dê tudo certo”,
disse o artista, que se mostrou muito empolgado
1ª Circunscrição Judiciária, duas Varas de
Crimes Contra a Criança e o Adolescente,
a Comissão Estadual Judiciária de Adoção,
dez Promotorias da Infância e a Unidade de
Atendimento Inicial (Uniai) da Secretaria
Estadual de Desenvolvimento Social e
Direitos Humanos.
Para Zanelli Gomes Alencar, as novas instalações
refletem em melhor atendimento
A Gerência de Polícia da Criança e do Adolescente
está de cara nova. Além da inauguração de uma
nova sede em Paulista, a GPCA localizada na Rua
Fernandes Vieira, na Boa Vista, foi reformada.
Prédios que compõem o Centro Integrado da
Criança e do Adolescente (Cica), reunindo a
GPCA, também foram aperfeiçoados e ampliados.
Já visando uma maior expansão, é prevista a
inauguração de uma nova instalação da GPCA em
Prazeres. Além dos novos alojamentos da GPCA,
no Cica já funcionam quatro Varas da Infância e
da Juventude da Capital, uma Vara Regional da
O gestor da GPCA, Zanelli Gomes Alencar,
reforça a importância das modificações.
Além das instalações adequadas, as
reformas irão evitar problemas que
envolvem a chuva. “O novo prédio na
Fernandes Vieira está mais confortável.
Garante mais espaço, o que reflete no bom
desempenho para a realização do trabalho
e no atendimento às pessoas”, disse.
Além do quesito comodidade, as reformas
também foram pensadas para aproximar a
GPCA dos órgãos judiciais – o que acarreta
em maior agilidade na resolução dos
casos. A delegacia vai funcionar integrada
às varas da Infância e da Juventude e
à representação do Ministério Público
presente no local.
com o documentário.
28
29
REVISTA CRIAN Ç A C I D A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
REVISTA CRIANÇA C I D A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
O que diz o ECA
Estatuto da
Criança e do
Adolescente
20 anos de desafios e conquistas
Maior responsável por assegurar os direitos
da infância e juventude no Brasil, o Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA) completou
20 anos no último mês de julho. Nessas
duas décadas de história, conquistas foram
alcançadas e obstáculos foram vencidos. No
entanto, o maior dos problemas permanece: a
falta de conhecimento da população sobre o
que diz, ao menos em linhas gerais, o ECA.
A defensora pública Maria Luísa Mendonça
alerta sobre a carência de discussão do tema
nas instituições de ensino como um dos motivos
para a dificuldade no cumprimento dos direitos
e deveres das crianças e jovens. “São poucas
as Universidades que têm disciplinas como
o direito específico dessa faixa etária. Como é
que você pode tornar conhecida uma lei que
você não estuda e que carece de divulgação?”,
questiona.
Assim como a defensora pública, o juiz da Vara da
infância e da juventude, Paulo Brandão, aponta
o desconhecimento do público em geral como
maior problema para o exercício do Estatuto. “A
sociedade só discute sobre o ECA quando ocorre
algum acontecimento, como um crime bárbaro.
Nesse caso, se busca alguma informação, e,
normalmente, ela vem deformada”, afirma.
30
Segundo o juiz, outro fator que
precisa ser revertido é a persistência
na implantação de medidas no combate
à violência, como a redução da maioridade
penal. Ele acredita que a construção da paz
é o caminho mais eficaz para o bem-estar
das crianças. “É preciso garantir, para as
crianças, seus direitos desde o nascimento,
dar um direcionamento a partir do qual elas
tenham uma perspectiva real de vida. Que
elas possam sonhar e ter dignidade. Partes
dessas preocupações teriam que ser em
realizar projetos sociais, de reintegração,
apoio e acolhimento a esses
jovens”, reitera.
PARA PAULO BRANDÃO, O ESTATUTO
AINDA TEM MUITO O QUE MELHORAR
Lei número 8.069, de 13 de julho de 1990
Considerada uma das disposições mais importantes
do documento, o quarto artigo do ECA discorre
As conquistas também devem ser lembradas
sobre os direitos da criança e do adolescente: “É
na comemoração dos 20 anos do ECA. Houve
dever da família, da comunidade, da sociedade em
um grande avanço em relação ao abandono dos
geral e do Poder Público assegurar, com absoluta
menores. “Hoje, não se usa mais as instituições
prioridade, a efetivação dos direitos referentes à
como meio de criar crianças. O lugar delas é
vida, saúde, alimentação, educação, ao esporte,
com a família. O abrigo é uma etapa para que
lazer,
o menor e os pais sejam orientados. Logo se
respeito, liberdade e à convivência familiar e
procura a própria família para que a criança
comunitária”.
profissionalização,
cultura,
dignidade,
tenha uma melhor condição de vida”, afirma a
defensora pública Maria Luísa.
Destacamos, também, os artigos terceiro e quinto:
Além disso, é necessário reconhecer a
“A criança e o adolescente gozam de todos os
importância da existência do Estatuto
direitos fundamentais inerentes à pessoa humana,
no Brasil. “Acredito que ainda seja
sem prejuízo da proteção integral de que trata esta
necessário fazer muitas observações
Lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios,
para a melhoria dentro da estrutura
todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes
do ECA, mas é inegável a relevância
facultar o desenvolvimento físico, mental, moral,
dele como documento garantidor
espiritual e social, em condições de liberdade e de
dos direitos da criança e
do
adolescente”,
dignidade.”
disse
Brandão.
“Nenhuma criança e adolescente será objeto de
qualquer forma de negligência, discriminação,
exploração,
PARA MARIA LUÍSA, O ECA DEVE SER MAIS
DISCUTIDO NAS ESCOLAS E UNIVERSIDADES
violência,
crueldade
e
opressão,
punido na forma da lei qualquer atentado, por ação
ou omissão, aos seus direitos fundamentais.”
31
REVISTA CRIAN Ç A C I D A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
REVISTA CRIANÇA CI D A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
Arte na
certidão de
nascimento
A criatividade de alguns pais se eleva às alturas na hora de escolher
o nome do filho. Para evitar as denominações muito inusitadas,
existe uma Lei de Registro pouco conhecida
Por Daniel Leal
Imagine você, no auge dos seus 15 anos.
Está pronto para ir àquela festa onde todos
os seus amigos estão te esperando. E mais.
Lá, vai estar aquela menina linda de uma
série acima da sua no colégio. A garota não
faz ideia de que você existe. No entanto, um
detalhe, apenas um, te deixa com o pé atrás
nessa situação: o seu nome. Se, quando o
pronuncia, todos riem de você, o que fazer
para evitar mais essa vergonha na sua vida?
É justamente para evitar situações hipotéticas
como a descrita acima que há uma lei federal,
de pouco conhecimento da população. Essa
Lei de Registros Públicos, existente desde
1973, prevê que o nome que possa expôr ao
ridículo o seu portador será proibido de ser
registrado até a autorização de um juiz.
32
Um escrevente de um grande cartório do
Recife já passou por inúmeras situações
inusitadas. Segundo o profissional, todos
os dias chegam pais querendo registrar os
filhos com nomes diferenciados. “Sempre
nos deparamos com novidades por aqui.
Estamos acostumados com a situação
e explicamos todo o procedimento. Tem
gente que entende; outras pessoas ficam
zangadas. Mas veja se eu posso permitir
que uma criança seja chamada de Antônio
Querido Fracasso? Sem contar outros nomes
que a gente já ouviu falar, como Janeiro
Fevereiro de Março Abril. Os muitos nomes
estranhos que aqui passaram, desde quando
eu assumi o cartório, jamais foram aprovados
por aqueles que tentaram ir ao juiz”, garantiu
Fernando Salazar.
O escrevente explicou detalhadamente o que
diz a Lei. “Se o oficial verificar que tal nome
pode levar a criança ao constrangimento ou ao
ridículo no futuro, ou que elas venham a ser
motivos de chacotas pelo nome, ele não deve
registrá-la. Se o pai, mesmo com a recusa do
oficial, insistir, aí a gente leva o caso ao juiz, que
dará a palavra final”, minuciou Salazar, que já
trabalha “com nomes” há mais de 15 anos.
Um nome de muitos músicos
Uma pessoa possuir o nome próprio composto
por dez nomes já soa bastante estranho, não é
verdade? Imagine, então, que esses dez nomes
sejam de origem russa. A criança, nesse caso,
no entanto, não é russa. É brasileira, nasceu
no Recife. A primeira coisa que vem à mente?
Provavelmente, algo como: “Quem teve uma
ideia dessas?” ou “Deve ser complicado falar o
nome desse garoto, não?” ou até “Essa pessoa
existe? Mesmo?!” As respostas são todas
positivas: a pessoa existe, o nome é difícil de
falar, e a ideia tem um dono – é válido ressaltar,
bem orgulhoso da autoria.
Tchaikovsky Johansen Adler Pryce Jackman
Faier Ludwin Zolman Hunter Lins, 19 anos, é
estudante de administração. Segundo ele mesmo,
jamais sofreu qualquer tipo de discriminação
ou gozação pelo nome. Problemas, sim. Vários.
Para tirar o CPF e o RG, foi aquela complicação.
Matrícula na escola e na faculdade, mais
dificuldades. “Tivemos que esperar três meses
para autorizarem a abreviação do nome dele
no CPF em Brasília, porque não cabia tudo, e
abreviar no CPF é proibido”, lembrou a mãe
do garoto, Jane Oliveira.
A ideia de colocar tal nome em Tchaikovsky
foi do pai. Ricardo Lins Lima, 43 anos,
técnico em contabilidade, fala com orgulho
que foi ele quem teve a ideia de registrar o
garoto com um nome que chamasse atenção.
“Quando namorávamos, eu e minha esposa
já pensávamos em ter um filho e colocar
um nome diferente nele. Eu queria algo que
ficasse marcado mesmo. Fui destacando
alguns nomes de músicos em uma revista e,
com duas semanas, o nome do meu filho já
estava pronto”, revelou.
Na primeira tentativa de registrar o filho, no
cartório João Romão, no bairro da Boa Vista,
o dono da entidade se negou a permitir o
registro. Na segunda tentativa, sucesso. “Eu
lembro que o rapaz de lá adorou o nome.
Disse que, se eu quisesse por mais nome
ainda, poderia. Se eu soubesse que não seria
tão difícil, eu teria posto 20 nomes, que é
como eu queria mesmo. Ainda pensei em
acrescentar na hora. Mas não lembrava os
nomes que eu queria e desisti. Mas minha
vontade mesmo, no começo, era uns 20
nomes”, recordou Ricardo.
O que diz a Lei:
Para mudança de nome:
Para proteger as pessoas de qualquer constrangimento ou
ridicularização, o artigo 55 da Lei de Registros Públicos
(de 1973) prevê, em seu parágrafo único, que “os oficiais
do registro civil não registrarão prenomes suscetíveis de
expor ao ridículo os seus portadores. Quando os pais não
se conformarem com a recusa do oficial, este submeterá
por escrito o caso, independentemente da cobrança de
quaisquer lucros, à decisão da Justiça especializada no
assunto.”
O artigo 56 da mesma Lei afirma que “o interessado, no primeiro ano após ter atingido
a maioridade civil, poderá, pessoalmente
ou por procurador bastante, alterar o nome,
desde que não prejudique os apelidos de
família, averbando-se a alteração que será
publicada pela imprensa.”
33
REVISTA CRIANÇA C I D A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
REVISTA CRIANÇ A C I D A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
Antes de conhecer uma garota com esse nome, o
Com a voz, Tchai
Xérox
que viria à sua mente? Possivelmente uma figura,
Com um nome tão complexo de ser pronunciado,
difícil seria não haver um apelido para Tchaikovsky.
Uns chamam “Tchai”; outros, somente de “Kovsky”.
O fato é que o estudante de administração garantiu
no mínimo, tão diferente quanto é chamada,
Se Autenticada e Fotocópia nem pensam em
certo? Pois é. Mas o fato é que Autenticada
dar seguimento na família com a leva de nomes
só não pode ser tratada como absolutamente
diferenciados, não se pode dizer o mesmo do
comum porque está grávida de sete meses.
músico Xérox Porfírio. Esse pernambucano parece
que gostou mesmo do fato de inovar nos prenomes.
jamais ter sofrido pelos nomes que tem. “Nunca sofri
preconceito nem nada parecido pelo nome. O que
sempre aconteceu foi a surpresa das pessoas pelo
tamanho dele. Mas nunca me incomodei por isso”,
pontuou o tranquilo menino.
Muito tranquila, a cantora de música gospel
Segundo ele, “o meu pai, na época, disse que havia
Autenticada Porfírio, 33 anos, explicou que os
muitas mortes por matar gente com nome igual por
nomes foram ideia do pai dela, que gostaria de
engano. E, por isso, ele disse que queria nome
ter filhos como o nome diferente. “Ele sonhava
diferente porque se a gente errasse, ia pagar”,
em pôr nomes nos filhos que ninguém mais
lembrou.
tivesse. Eu nunca sofri, muito pelo contrário.
piotr tchaikovsky
Piotr Tchaikovsky é um
músico
contemporâneo
de Johannsen, que é da
Orquestra
Sinfônica
de
Sincinato; Adler também
era um grande pianista;
Pryce e Jackmam também
foram grandes músicos ;
Faier foi da Orquestra do Teatro Bolshoi;
Ludwin vem de Ludwig van Beethoven; já
Zolman era um judeu; e Hunter era um
americano. Todos músicos.
ludwig van
beethoven
Jane de Oliveira, mãe:
“Por mim, tudo bem. Eu apoiei
a decisão do meu marido. Só
vetei alguns nomes como
Beethoven e Mozart. Porque
o primeiro era o nome de
um cachorro que eu tive,
e o segundo, achei muito
comum.”
O meu nome sempre me abriu portas para eu
E para manter a linha do seu pai, Xérox não poupou
realizar algo porque sempre chamou muita,
criatividade na hora de colocar o nome dos filhos.
muita atenção”, afirmou Autenticada, que está
Dentre alguns, estão Sherlaine, Shequira e, para
lançando o cd “A Luz”.
manter mesmo a tradição e o mesmo seguimento
do pai, Carimbo. Haja criatividade para uma família.
Segundo a cantora, o nome dela tem muito a
ver com a sua personalidade: “Porque eu sou
mesmo autêntica no que eu faço, no que eu falo.
Eu gosto muito mesmo do meu nome”, garante
Autenticada, que já chegou a sair no Fantástico
e em outros diversos programas de televisão pelo
seu nome. “Até hoje, recebo convite. O último foi
o do Programa do Ratinho. Mas não fui porque
hoje estou trabalhando muito no meu novo
disco”, disse.
UM FAMOSO TRIO DE IRMÃOS
Quando se fala em nomes “diferentes” no Recife, logo
surge, na conversa, a discussão sobre um famoso trio
de irmãos. Xérox, Fotocópia e Autenticada são logo
lembrados como exemplos de prenomes diferenciados.
O que é questionado mesmo é se essas pessoas
realmente existem. A reportagem da Revista Criança
Cidadã foi atrás para descobrir até onde isso é mesmo
verdade. E a resposta foi surpreendente.
Os irmãos não só são reais, como também gostam dos
seus nomes e jamais pensaram em trocá-los. Só tivemos
acesso a conversar pessoalmente com Autenticada.
34
Ricardo Lins Lima, pai:
“Hoje eu sei que não seria
mais tão fácil colocar esse
nome em um filho. Mas eu
faria novamente. Como eu
disse, a diferença, talvez,
seria a quantidade de nome.
Porque eu queria uns 20 em
vez dos dez que eu pus.”
Autenticada explica que o único dos três nomes
que não há mesmo fundamento é o de Fotocópia.
“O meu nome ainda não é comum, mas pode
ficar. Vem da mesma linha de Socorro, Rosa,
Graça, Glória. Só que esses já são comuns,
vêm de longa data. No meu, eu serei apenas
a primeira de várias que virão. Já Xérox, esse
é o sobrenome de um inventor norte-americano.
Então, é mesmo um nome. Só Fotocópia mesmo
que não tem cabimento. Eu até aconselhei para
ela trocar de nome, mas ela já está acostumada
e vai deixar”, explicou Autenticada, que, com
a beleza, já chegou a ser Miss Fernando de
Noronha.
A cantora gospel autenticada porfírio chama
atenção pelo nome e pela beleza
35
REVISTA CRIA N Ç A C I D A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
Orquestra
Um lar para
quem precisa em Notas
Por Stephanie Melo
REVISTA CRIANÇA CI D A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
PARA CUSSY
Não poderia ser diferente: a escola
onde os Meninos do Coque se
preparam diariamente se chamará,
a partir de agora, Escola de
Música Maestro Cussy de Almeida.
A novidade foi anunciada no
aniversário da Orquestra, no dia 5
de agosto.
CONSULADO AMERICANO
A Orquestra Criança Cidadã se apresentou na comemoração da
Independência dos EUA, no dia 1° de julho, no Forte do Brum.
Com muito talento e entusiasmo, os meninos e meninas do Coque
chamaram a atenção de todos que estavam presentes, arrancando
muitos aplausos.
Sempre em busca do exercício da inclusão social, a
Associação Beneficente Criança Cidadã (ABCC) e o
Instituto de Assistência Social e Cidadania da Prefeitura
do Recife (Iasc) são parceiros no programa “Aluguel
Temporário”. O principal objetivo da ação é retirar
adultos e crianças das ruas para reinseri-los na vida
AGRADECIDO
Feliz por ter recebido o DVD documentário da Orquestra Criança Cidadã,
o presidente Luiz Inácio Lula da Silva expressou sincero agradecimento
pela gentileza ao desembargador Nildo Nery no dia 24 de julho.
comunitária e, assim, reestruturar vínculos familiares.
A cama é um banco ou uma calçada. O cobertor, um
papelão. O frio é a realidade daqueles que não têm
lar. Foi assim que o ex-morador de rua Agnaldo Nunes
da Silva viveu durante um bom tempo, nas esquinas
do Marco Zero. Hoje é diferente, graças ao “Aluguel
Temporário”. Através do programa, a ABCC doa o valor
de R$ 100,00 para o aluguel de um quarto. Nunes,
agora, dorme sob um teto e numa cama simples,
mas que, em comparação ao chão das ruas, é muito
aconchegante. “Tenho tuberculose e passava a noite no
frio. Aqui, estou me tratando, recebendo alimentação e
ajuda com os medicamentos”, disse.
De acordo com a gerente operacional do Iasc,
Jaqueline Oliveira, para chamar os moradores de rua
para o programa, equipes de áreas RPAs e educadores
Agnaldo e Moisés não precisam mais dormir na
rua
Agnaldo Nunes e o colega Moisés Ferreira residem
na pensão do programa, na Rua da Glória, há
cinco meses, mas nem todos que participam do
“Aluguel Temporário” passam tanto tempo como
eles. “Muita gente abandona o espaço. Na verdade,
se acostumam a viver na rua. Já teve morador
que vendeu utensílio do quarto para conseguir
dinheiro”, lamentou a assistente social do Iasc,
Maria das Graças Marques.
abordam-nos, geralmente famílias com crianças,
sobre o aluguel e, posteriormente, solicitam a entrada.
de saúde, registro de documentos e apoio psicológico
Os benefícios do programa, no entanto, são
publicamente reconhecidos. “O sonho dessa
parceria é oferecer condições para que os
moradores de rua, a princípio, tenham onde dormir
e, futuramente, possam se sustentar por conta
para os atendidos.
própria”, finaliza Maria das Graças.
Cerca de 20 famílias são atendidas mensalmente. Elas
recebem o “kit reinserção”, utensílios básicos para
se manterem. Além disso, o Iasc disponibiliza serviço
36
NAS LIVRARIAS
A
história
da
Orquestra
Criança Cidadã pelas mãos
do presidente da Academia
Pernambucana de Letras (APL),
Waldenio Porto, já está à venda
na Livraria Saraiva. “Violinos no
Coque” é a 10ª obra do escritor
pernambucano.
CONTAGIANTE
Muito animada a apresentação
da Orquestra no Encontro
Internacional
da
Ordem
do Carmo, no Convento
do Carmo, Recife. O prior
provincial, frei Francisco de
Sales Alencar, era um dos
mais entusiasmados.
ALMOÇO DO BEM
A Associação Beneficente Criança Cidadã (ABCC)
foi uma das entidades sociais que marcou presença
no Almoço do Bem, evento de divulgação da 314ª
edição da Festa da Nossa Senhora do Carmo,
padroeira do Recife. As festividades em celebração
à Padroeira aconteceram do dia 6 a 16 de Julho
e contaram com o apoio da Orquestra Criança
Cidadã, numa apresentação no dia 14 de Julho.
PARABÉNS
A Associação Beneficente
Criança Cidadã parabeniza
dois importantes parceiros:
a Organização do Auxílio
Fraterno (OAF), pelos seus
50 anos, e o Imip, pela
inauguração
do
Hospital
Pedro II.
UNIÃO SOLIDÁRIA
Para celebrar o 18° aniversário do Quartel do 7º
Depósito de Suprimentos, a Orquestra Criança
Cidadã uniu-se à Banda Militar do Exército,
resultando em uma noite de muita música no
Teatro de Santa Isabel. A apresentação, realizada
no dia 21 de julho, também simbolizou a parceria
entre a Orquestra e o Exército Brasileiro, que
disponibiliza o 7º Dsup como sede para o projeto.
37
REVISTA CRIAN Ç A C I D A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
REVISTA CRIANÇA CI D A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
FENEARTE
A Orquestra Criança Cidadã se apresentou na noite de encerramento
na Feira Nacional de Negócios do Artesanato, no dia 11 de Julho,
com uma performance curta, mas muito bonita. O show atrasou
e foi reduzido por causa das outras apresentações que ainda iam
acontecer, devido à final da Copa do Mundo, mas isso não impediu
que a Orquestra brilhasse, como sempre.
SOLIDARIEDADE
Movidos pelo espírito de solidariedade, os Meninos do Coque
visitaram Barreiros, Mata Sul pernambucana, e doaram mantimentos
para os desabrigados da enchente que devastou a região. Um
galpão virou palco, e toda a atenção se virou para o talento dos
sete instrumentistas, que levaram um pouco de emoção e magia
para as vítimas.
AMIGOS DO EXÉRCITO
Outra comemoração simbolizou a união entre a Orquestra
Criança Cidadã e o Exército Brasileiro. Dessa vez, a homenagem
foi dedicada a integrantes do projeto: aos professores Fabiano
Menezes, Aline Ananias e Nilzeth Galvão e ao gerente geral e
executivo, Rosélio Pedroza. Eles receberam, na manhã do dia 26
de Julho, o diploma de Amigos do 7º Depósito de Suprimentos,
na cerimônia do 18º Aniversário do Quartel, que aconteceu no
Pátio de Formatura do local. Durante o evento, o comandante e
coronel Edvaldo Marques prestou homenagem ao maestro Cussy de Almeida.
PARCEIROS
Um parceiro dos Meninos do Coque que marca constante presença é a Martur Viagens e Turismo,
agência que há 20 anos operacionaliza serviços de receptivo em Recife, Porto de Galinhas, Natal
e, mais recentemente, Fernando de Noronha. A Martur está sempre ajudando a Orquestra no
deslocamento para as apresentações, inclusive, para outros estados.
NOVO PRÊMIO
A Orquestra Criança Cidadã está na lista
dos treze cases vencedores da 9ª edição da
comenda Marketing Best Sustentabilidade.
A premiação acontece desde 2002 e vem
crescendo a cada ano, trazendo espaço
para projetos sociais.
38
JÚLIO CARLOS
Um dos jovens talentos da Orquestra Criança
Cidadã está de volta ao Recife depois de passar
doze meses na Polônia num intercâmbio de
estudos. Júlio usa a palavra “inexplicável” para
designar a experiência. “Não consigo arrumar
palavras para definir”, diz o violinista.
Breakdance
nas ruas
do Recife
Por Carolina Barros
Tensão. Stress. Correria. Tumulto. Ruas
barulhentas, quentes, e carros velozes.
E lá estão eles: meninos e meninas
se virando como podem nos sinais da
cidade. De carro em carro, arrumam um
trocado. É a busca pela sobrevivência.
O dia a dia das metrópoles tem levado
os jovens brasileiros ao trabalho infantil,
de semáforos para subempregos. Quem
anda pelas ruas de uma cidade como o
Recife, assiste, diariamente, faça chuva
ou faça sol, a crianças e adolescentes
explorados, desamparados, com seu
futuro comprometido.
Normalmente, pedem para limpar os
vidros dos carros, vendem chicletes
ou chocolates. Há um novo grupo,
no entanto, de veia mais artística: no
intervalo do sinal vermelho para o
verde, crianças e adolescentes fazem
algum tipo de número performático,
que abrange desde malabarismo com
pauzinhos e fogo a uma inovadora
prática de dança de rua. Caracterizados
com roupas de artistas do hip hop, eles
pulam, rodam, se jogam no chão, giram
e se equilibram – um grande esforço,
que se compensa com a crescente
qualificação, dança após dança. Esse é
o Breakdance.
Que dança é essa?
O Breakdance é um estilo de dança de
rua que faz parte da cultura do hip hop.
Surgiu em Porto Rico, na década de
70, em protesto aos aviões que caíam
no período da Guerra do Vietnã. As
pessoas começaram a girar de pontacabeça, como um moinho de vento,
imitando helicópteros caindo. Logo,
chegou aos Estados Unidos, servindo
como alternativa para a diminuição da
criminalidade entre as grandes gangues
de rua que tomavam Nova York. Os
grupos rivais continuaram competindo
entre si, mas sem armas e brigas –
apenas através da dança.
39
REVISTA CRIAN Ç A C I D A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
O Breakdance vai muito além de uma forma
simples de dança. É, mesmo, mais do que
um modo de vida para aqueles que amam
o hip hop: é atitude, arte, paixão. O Break
expandiu-se para o mundo em 1981, sendo
que, no Brasil, ganhou novos elementos,
novos passos característicos da cultura
tupiniquim.
REVISTA CRIANÇA CI D A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
ali. Depois de responder ao questionário da
simpática moça, uma proposta: a participação
em um comercial para uma faculdade do
Ceará.
que sua avó preparou e começa a ensaiar,
ao som do hip hop, novos passos para serem
feitos nas próximas apresentações. Thiago
conta que resolveu ir aos sinais dançar
quando fazia capoeira – através dela, passou
a ter mais facilidade com o Breakdance. Há
três anos, vem seguindo a mesma rotina,
trabalhando de segunda a sábado e, caso
necessário, aos domingos também.
Lógico que Thiago aceitou. Ele ficou muito feliz
com o convite, não só pelo dinheiro, faz questão
de ressaltar, mas pela oportunidade de mostrar
o talento na TV. “Isso caiu do céu pra mim.
Estou muito empolgado. Vai ser muito bom,
comemora o garoto, com um sorriso maior que
o rosto.
Enfim, a popularização
Já não causa estranheza observar as
crianças artistas nos sinais da cidade. Elas
se juntam principalmente nos semáforos
dos bairros da Torre, das Graças, de Boa
Viagem e da Avenida Agamenon Magalhães.
A performance começa com o cumprimento
às pessoas que estão paradas em seus
carros esperando o sinal abrir; depois, vem
a dança. Os pequenos artistas realizam seus
passos, agradecem, tiram o chapéu de pano
e partem em direção aos carros. Com sorte,
recebem algo em troca.
Thiago Trajano, 17 anos, morador do
Alto José Bonifácio, é uma das inúmeras
crianças que passam o dia na rua,
realizando pequenos bicos. Geralmente, ele
fica nos sinais do bairro da Torre. Sua rotina
é bastante puxada: acorda cedo e chega às
ruas às 7h30. Pausa na hora do almoço e,
quando tem sorte, consegue uma quentinha
em algum barzinho por perto. Se não
conseguir, tem que comprar alguma coisa,
mas nem sempre tem dinheiro suficiente
para comprar uma refeição. Se o bolso está
vazio, fica sem comer e continua o trabalho.
Thiago trabalha até as 20h, normalmente.
Porém, se o lucro estiver bom, fica até mais
tarde. Volta pra casa, toma banho, janta o
40
Mesmo tendo pai, mãe e irmãos,
Thiago mora com a avó, Ivonete.
Com os ganhos que obtém, ajuda
na renda da casa – é ele que,
basicamente, sustenta o lar.
Thiago estudou até a quinta
série do ensino fundamental.
Sabe ler e escrever, mas,
como muitas crianças,
teve que largar os
estudos para ajudar nas
despesas.
As
crianças
artistas não vivem
isoladas. Muitas
formam grupos
para ensaiar.
Existe, por
exemplo, um que
treina no Parque
da Jaqueira. Thiago
faz parte dele. Não há
uma organização que
ajuda ou orienta esses
jovens. “É simplesmente
algo que parte da gente.
Somos amigos, mas o lucro
é individual. A gente até curte
o hip hop juntos, mas, na rua,
é cada um por si”, conta.
Entrar em contato com uma criança artista é
uma experiência única. São pessoas que, em
demonstração invejável de paciência, toleram
cara feia, mau humor e desrespeito. São
crianças e jovens que acham, nas ruas, uma
oportunidade de desenvolver suas habilidades.
São cheias de surpresas, brasileiros e brasileiras
que lutam, todos os dias, por uma vida melhor.
O que se pode fazer por elas? Muita coisa! O
mínimo: dar um sorriso.
O trabalho que Thiago tem feito é
fruto de uma necessidade. Apesar
disso, ele pratica o Breakdance por
amor à arte. E, justamente por gostar
muito, resolveu usá-la como meio de
vida. “Eu danço e tal... trabalho porque
eu amo o hip hop. Três anos não é
brincadeira”, diz.
Um dia, Thiago estava dançando em
um sinal perto da lanchonete Bugaloo,
nas Graças. De repente, um carro para,
baixa o vidro, e uma mulher aparece. Ela
perguntou o nome dele, quantos anos ele
tinha, onde morava, se ficava sempre por
41
REVISTA CRIAN Ç A C I D A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
REVISTA CRIANÇA C I D A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
Segundos
de ouvido por diversão. Daí, quando entrei no
conservatório, escolhi o piano, até hoje não sei
passos de
por quê. Geralmente os jovens querem aprender
violão, guitarra, bateria... Eu fui diferente”.
Vitor
Araújo
E foi assim que a trajetória de Vitor Araújo começou.
Como ele mesmo diz, “sem nada de especial”, além
da vontade e da paixão que o movem. Ao longo
dos últimos anos, fez apresentações pelo Recife
e ganhou destaque. Antes mesmo de completar
19 anos, gravou seu primeiro trabalho, o CD/DVD
TOC – Ao vivo no Teatro Santa Isabel, em 2008.
Apesar da bagagem erudita do conservatório, a
proposta de Vitor, aliando o moderno ao clássico,
foi inovadora – e primordial para definir seu
Por Milton Raulino
estilo e conquistar seu espaço. “Tenho um olhar
jazzista, faço rearranjos, improvisos. Também
Com talento e ouvidos apurados, Vitor Araújo começou a carreira artística
aos 17 anos, revelando-se um dos novos rostos da música clássica e
popular contemporânea. Logo, o jovem tornou-se figura consagrada no
cenário pernambucano e brasileiro. Hoje, aos 21 anos, ele lança seu
segundo trabalho, “Paixão e Fúria”, apostando nas composições próprias
e na maturidade musical. Com exclusividade, a Revista Criança Cidadã
conversou com o pianista, que falou um pouco sobre o início da carreira,
fama e música.
O espetáculo começa. As luzes se apagam. Uma
toco para um público que não é acostumado
à música erudita, e isso chama mais atenção.
É a inserção de um mundo em outro”, afirma.
Vitor já participou de grandes eventos, como
rádio antigo de pilha e um megafone.
o Festival de Inverno de Garanhuns (2007),
Além disso, um quinteto de cordas
o Abril Pro Rock (2008) e a Virada Cultural de
contribuiu para incrementar o espetáculo.
São Paulo (2008). Entre tantas apresentações,
pianista com a música – causando sua a angústia.
música de fundo soa instigante, aguçando ainda
42
teatral com forte apelo sonoro, como um
Vitor ressalta a participação no show de abertura
Vitor, no auge dos seus 21 anos, já tem uma história
do Carnaval do Recife de 2009. “Desde 2004,
mais a espera do público. De repente, sob a
O pianista, que engatou a carreira aos 17 anos,
antiga com a música. Seus primeiros passos foram
2005, eu vou à abertura do carnaval. Sempre
penumbra, Vitor Araújo entra em cena. O palco
hoje é figura reconhecida nacionalmente pelo
dados aos nove anos, quando começou a estudar
sonhei em estar ali, tocando junto com todos
se ilumina e uma enxurrada de aplausos invade
seu estilo e personalidade ao tocar. Em seu
no Conservatório Pernambucano de Música (CPM).
aqueles batuqueiros. E pra mim foi uma honra ter
o teatro. Como em um acesso de fúria, o jovem
novo concerto, que já estreou em Goiás e em
“No começo, a música era mais um hobby, uma
tocado com um ídolo, que é o Naná Vasconcelos.
pianista se debruça sobre a calda do piano e, de
São Paulo, o rapaz trabalha obras eruditas e
atividade fora da escola, mas eu acabei me
Naquele mesmo dia, conheci o Caetano Veloso
lá, retira papeis e partituras, atirando-os ao alto.
composições
concerto
apaixonando, e ela se tornou minha profissão”.
pessoalmente, e ele gostou muito de mim”, diz o
Em seguida, com uma rapidez sutil, Vitor senta-se
é diferente do primeiro. O primeiro tem onze
Segundo ele, uma vez demonstrado o interesse, a
pianista, conhecido por suas versões de “Samba
calmamente ao piano e toca com ternura e amor
músicas, mas só duas são minhas. Este novo tem
família lhe deu suporte para começar. “Meus pais me
e Amor”, de Chico Buarque, e de “Paranoid
indescritíveis. Assim inicia o novo espetáculo
oito músicas. São um pouco mais longas, têm
incentivaram muito. Eu tive essa vontade, e eles me
Android”,
de Vitor Araújo, “1º Ato – Paixão e Fúria (ou A
muito texto, muita coisa cênica. Cinco são minhas,
deram apoio. Tanto que não tive influências. Não tenho
angústia)”, que estreou no Teatro de Santa Isabel,
e três são eruditas. Não entrou música popular”,
músicos na família e, naquela época, não tinha amigos
no último dia 28 de agosto. Trata-se da primeira
explica Vitor. Os elementos cênicos fazem toda a
músicos também. A vontade partiu de mim”, afirma.
etapa de uma trilogia musical sobre a paixão.
diferença durante o espetáculo. Entre as peças
O instrumento escolhido, o piano, espelhou toda
As influências e inspirações de Vitor Araújo vêm,
No 1º ato, o tema é a relação entre paixão e
apresentadas, Vitor mescla recitação de poemas.
a carreira de Vitor. “Quando criança, eu tinha um
especialmente, da música brasileira. Apesar do
fúria, conectada com a relação do personagem-
Outros elementos também compõem a cena
teclado aqui em casa e eu costumava a tirar músicas
gosto musical eclético, ele revela o que tem escutado
próprias.
“Esse
novo
da
banda
inglesa
Radiohead.
MÚSICA, CINEMA... E VITOR
43
REVISTA CRIAN Ç A C I D A D Ã | A G O / S E T / O U T. 2 0 1 0
REVISTA CRIANÇ A C I D A D Ã | A G O / S E T. 2 0 1 0
ultimamente. “Tenho ouvido música brasileira antiga,
é só você se forçar a fazer algo que você não gosta,
o cancioneiro popular desde a década de 1930
mas isso também é tornar concreto um objetivo. Eu
até 1960, desde Pixinguinha e Noel, até a Era dos
acho que eu poderia me aperfeiçoar mais”, declara.
Festivais, passando por Caetano, Edu Lobo, Tom,
Vinícius, Baden Powell, Lupicínio Rodrigues... É
VIDA DE ARTISTA
uma época que me encanta e me inspira muito.
Dos eruditos, gosto muito de ouvir Villa-Lobos,
Vitor Araújo, já consagrado em Pernambuco, parte
Cláudio Santoro e Edino Krieger. Este último, eu tive
para outros estados, buscando ampliar o seu público.
a oportunidade de conhecer pessoalmente”, afirma.
Atualmente morando em São Paulo, o rapaz, dono
de um talento e um estilo cheios de atitude, se revela
Outra vertente musical inspiradora para Vitor é o
cada vez mais familiarizado com a vida de artista.
jazz. O estilo afroamericano, que surgiu nos Estados
Devido à experiência, Vitor Araújo se apresenta mais
Unidos no início do século XX, é um dos elementos
maduro musicalmente, passando a desfrutar de
presentes na obra de Vitor, além de compositores
uma fase muito positiva e estável em sua carreira.
eruditos como Chopin, Beethoven e
Bach. O jovem artista não esconde
sua paixão pelo estilo. “O jazz me
inspira muito artisticamente. Não
consigo escutar um jazz e depois
não ter vontade de tocar piano”, diz.
Além das influências musicais, o
teatro e o cinema também foram
Contudo,
“ Não sou
exatamente
criativo. Na
verdade, eu
tenho uma
memória muito
boa. ”
importantes na formação artística
o
músico
reconhece
os
obstáculos que enfrentou na fama,
no início da carreira. “Não foi difícil
nem ruim, mas foi muito estranho.
Tive que envelhecer muito rápido;
tive que adquirir uma maturidade
que não tinha com 17, 18 anos”, diz.
No entanto, Vitor não se arrepende
do caminho que seguiu e reconhece
de Vitor Araújo. Não é à toa que seu novo espetáculo
as coisas boas que lhe chegaram desde então. “A
traz muitos elementos cênicos e leitura de textos e
primeira entrevista que eu dei foi no Jô Soares. Então
poemas. “O cinema me inspira muito. Gosto, em
foi uma responsabilidade grande. Tive que aprender
especial, do cinema europeu. Admiro cineastas como
a me portar nos lugares que ia, a conhecer os
Chaplin, Kubrick, Lars Von Trier, Truffaut, Godard
diversos públicos, porque a diferença de um estado
e Fellini”. Em especial, o pianista ressalta a peça
pra outro, no Brasil, é muito grande” afirma Vitor.
“Mercadorias e Futuro”, um monólogo de José Paes
de Lira, o “Lirinha”, do Cordel do Fogo Encantado.
Apesar da fama, o rapaz não abandonou a
“Assisti à peça e foi algo impressionante. Muito do meu
simplicidade e a paz de uma pessoa comum. Como
trabalho eu me inspirei nesse espetáculo”, afirma Vitor.
qualquer bom anônimo, Vitor também se diverte e
relaxa nas horas vagas, sem deixar de cumprir seus
44
E falando em se inspirar, segundo Vitor, essa é sua
deveres como artista. “Eu estou sempre tocando ou
grande qualidade. Com muita modéstia, o rapaz atribui
estudando música. Quando não, estou vendo filme
uma parcela de seu sucesso a seus ídolos. “Não
ou lendo um livro. Fora o universo da arte, que ocupa
sou exatamente criativo. Na verdade, eu tenho uma
cerca de 90% do meu tempo, gosto de encontrar os
memória muito boa. Meus ouvidos são muito abertos,
amigos. E o assunto não é só música. Conversamos
e tudo o que vejo e ouço eu sei que um dia eu vou usar
muita besteira e jogamos videogame também”,
em meus trabalhos”, diz. Por outro lado, Vitor Araújo
diz. “Estava meio que de férias em julho, aí vim ao
é crítico e também reconhece suas dificuldades. “Sou
Recife pra assistir à Copa do Mundo. Mas aí o Brasil
muito indisciplinado. As pessoas acham que disciplina
acabou saindo”, lamenta o pianista, entre risos.
48