Baixar este arquivo PDF
Transcrição
Baixar este arquivo PDF
1 A COMERCIALIZAÇÃO DA CULTURA GASTRONÔMICA PARAENSE ATRAVÉS DO PROJETO VISITA GOURMET EM BELÉM-PA Arielle Souza1 Fabrício Almeida2 Daniel dos Santos Fernandes3 RESUMO Este artigo trata da verificação, a partir de uma pesquisa de campo, sobre como ocorre a comercialização no Projeto Visita Gourmet (PVG) – promovido pelo restaurante Remanso do Bosque –, levando em consideração os aspectos da cultura paraense, em Belém-PA; partindo da gastronomia como um dos meios de projeção cultural dentro da perspectiva da prática turística, sabendo-se que o PVG utiliza elementos da gastronomia paraense para criar seus pratos. Palavras-Chave: Homogeneização. Diversidade Cultural. Turismo. Gastronomia. INTRODUÇÃO A prática turística concebida como um fenômeno social e em seu formato mais primitivo, o qual afirma que há Turismo quando há deslocamento de pessoas para fora do seu local cotidiano por diversos fatores, sobretudo, afim de lazer. Engloba os principais setores da vida humana, quais sejam: econômico, ambiental, social e cultural. Este fenômeno propicia o contato entre indivíduos de diferentes culturas e, por conseguinte, provoca o choque entre as mesmas. Do mesmo modo, atua como agente ativo capaz de modificações e impactos tanto positivos quanto negativos. A gastronomia, por sua vez, exerce um papel dentro da cultura a qual é partilhada entre os membros de determinada sociedade. Sua relevância, dentro do Turismo, ocorre a partir do correlacionamento entre necessidade fisiológica e potencialidade turística; haja vista que para o Turismo as simbologias envolvidas na alimentação impulsionam um possível diferencial e fator atrativo, do qual deve ser pautado em planejamento. Alfonso e Py-Daniel (2013), em seu artigo sobre o uso da Arqueologia como fator de atratividade turística na cidade de Santarém-PA, afirmam que os elementos que compõe a cultura podem ser comercializados sem deixarem de fazer parte do cotidiano local, bem como, a partir disto, projetos regionais podem direcionar parte de suas campanhas para este fenômeno. _________________________________ 1 Acadêmica do bacharelado de Turismo das Faculdades Integradas Ipiranga. Email: [email protected] Acadêmico do bacharelado de Turismo das Faculdades Integradas Ipiranga. Email: [email protected] 3 Doutor em Ciências Sociais – Antropologia. Coordenador do Núcleo de Pesquisa (NUP) e Docente nas Faculdades Integradas Ipiranga. Email: [email protected] 2 2 Em sua pesquisa quanto ao material arqueológico, os autores dizem que “alguns(indivíduos e/ou famílias) veem nesses vestígios uma representação de seus antepassados, enquanto outros, mesmo não reconhecendo uma ligação direta de ancestralidade, identificam esses bens como patrimônio” (ALFONSO e PY-DANIEL, 2013, p. 42). Com base nas informações acima, o presente artigo trata de uma pesquisa de campo referente à comercialização da gastronomia paraense por meio do Projeto Visita Goumert (PVG), cujo realizador é o chef Thiago Castanho4, levando em consideração os traços da cultura paraense, tais como sabores, cheiros, texturas e apresentações dos quais pressupõe-se estarem presentes no cotidiano local. Onde busca-se identificar os meios de comercialização deste produto; fazer levantamento dos elementos culturais gastronômicos comercializados; bem como também procura-se saber se tal comercialização não atinge à totalidade do público local e se os canais de comunicação auxiliam nesta comercialização. Partindo-se do questionamento se a gastronomia comercializada no projeto é a gastronomia paraense; e utilizando abordagens a respeito dos impactos do turismo na cultura. 2 REFERENCIAL TEÓRICO Desde tempos primórdios, o homem se locomovia em busca de alimento, possuindo assim um modo de vida nômade. Neste contexto, tais alimentos se caracterizavam sobretudo como um dos instintos mais básicos do ser humano, qual seja: a sobrevivência. A vida em pequenos grupos convergia à conveniência para obtenção de alimentos e, por conseguinte, sobreviver. Contudo, com a passagem do modo de vida nômade para um modo sedentário, a sinergia entre os homens se intensificou e se modificou bem como a simbologia da alimentação. O homem que antes buscava seu alimento, agora cultiva-o, cria-o e domestica-o, desenvolvendo assim sentimentos para com sua produção (ARAÚJO et al, 2005, p.15-18). Na Grécia e Roma Antigas, a alimentação era tida como uma arte tão digna ao ponto de ser catalogada em uma obra chamada Hedypatheia, cujo nome significava “Tratado dos Prazeres” e codnome – Gastronomia – poderia dizer as leis do estômago. Sobretudo para os romanos, a alimentação se caracterizava como um fator social. _______________________________ 4 Thiago Castanho, 26 anos, formado em gastronomia pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) de Campos do Jordão (SP). Em 2011 foi eleito chef do ano pela revista Veja e chef revelação pela 3 Prazeres da Mesa. Viveu a infância ajudando os pais no antigo restaurante da família e há seis anos atua como cozinheiro profissional do restaurante Remanso do Peixe e Remanso do Bosque em Belém (PA). Para os patrícios, o cozinheiro era um profissional bem pago e estimado, bem como ter um bom cozinheiro simbolizava ascensão social. Nestas sociedades, a alimentação também era concebida como uma manifestação religiosa, bem como o ato de se alimentar exigia o cumprimento de determinados padrões sociais (FRANCO, 2001, p.36-54). Percebe-se, assim, que a Gastronomia se caracteriza como um padrão cultural, pois esta indica valores, padrões e símbolos de determinada sociedade. Padrão Cultural é concebido como um agrupamento de complexos culturais – estes são formados pelos menores elementos dentro da cultura chamados de traços – dos quais convergem para um tema ou interesse em comum que emerge em um significado. Este padrão (em sua forma física ou psicológica) é aceito pela sociedade em qual está alocado, do mesmo modo como é partilhado de forma homogênea (MARCONI e PRESOTTO, 2008, p.11). Por sua vez, a atividade turística é concebida como um fenômeno social: a locomoção do homem, motivada por diversos fatores, para um habitat diferente de seu cotidiano por um certo período de tempo. Esta estadia em determinado lugar desde o ato de sua motivação – seja por meio de propagandas, promoções, lazer, negócios, etc – até o retorno ao seu habitat natural – o sentimento de satisfação ou não, reações variadas entre algo positivo e negativo que determinam se o visitante retornará ou não. Esse deslocamento provoca invariavelmente o contato entre diversas sociedades e choques de suas respectivas culturas. Laplatine (2007) define cultura como “[...] o conjunto dos comportamentos, saberes e saber-fazer característicos de um grupo humano ou de uma sociedade dada, sendo essas atividades adquiridas através de um processo de aprendizagem, e transmitidas ao conjunto de seus membros” (LAPLATINE, 2007, p.02). O autor afirma que o que diferencia a sociedade humana das demais espécies, não é a divisão dos trabalhos, hierarquias, etc, porém as simbologias envolvidas nesses processos. Por sua vez, diferencia o que é social e o que é cultural: O social é a totalidade das relações (relações de produção, de exploração, de dominação...) que os grupos mantêm entre si dentro de um mesmo conjunto (etnia, região, nação...) para com outros conjuntos, também hierarquizados. A cultura por sua vez não é nada mais que o próprio social, mas considerado dessa vez sob o ângulo dos caracteres distintivos que apresentam os comportamentos individuais dos membros desse grupo, bem como suas produções originais (artesanais, artísticas, religiosas...) (LAPLATINE, 2007, p.01). 4 Sob o enfoque econômico, há geração de divisas das quais podem vir a sustentar a comunidade receptora do turismo; do mesmo modo, sob o enfoque social e cultural, pode promover melhorias em infra-estruturas básicas e a valorização da cultura local. Entretanto, a falta de planejamento pode vir a gerar impactos negativos por vezes irreversíveis. A utilização como bem mercadológico de determinada cultura acarreta a banilização da mesma, justaposição de culturas (sentimento de inferioridade), descaracterização local, modificações de símbolos, conflito de identidade e práticas de etnocentrismo. O Etnocentrismo, segundo Carvalho (1997, p.182), “consiste em privilegiar um universo de representações propondo-o como modelo e reduzindo à insignificância os demais universos e culturas ‘diferentes’”. Segue a corrente de pensamento preconceituoso da qual deturpa outras culturas, reduzindo-as às suas peculiaridades ou distorcendo do que realmente são. Isto geralmente ocorre por conta do julgamento do indivíduo para com a cultura do outrem a partir de sua própria cultura. Do ponto de vista estrutural do trade turístico, comumente pouco se utiliza a mão-deobra local ou, em casos que isto ocorre, é utilizado para cargos de baixa remuneração, do mesmo modo, pode haver um excedente da capacidade de carga de determinado lugar e a marginalização da comunidade em relação aos processos envolvidos na prática turística. A localidade ou recursos são vendidos como bem de consumo, por vezes sem o consenso da comunidade residente. Símbolos e esteriotipos são fabricados e comercializados no intuito de maior visibilidade. Neste sentido, para Hazin, Oliveira e Medeiros (2009), a prática turística é avassaladora; as autoras afirmam: “As pequenas localidades, povoados, vilas são invadidos e o seu cotidiano é moldado, muitas vezes, pela chegada dos viajantes com seus hábitos, costumes e tradições. O crescimento do turismo tem agredido, em variados graus, os recursos naturais, culturais e sociais das regiões receptoras” (HAZIN, OLIVEIRA e MEDEIROS; 2009, p.7). Por sua vez, Barreto (2003) discorre que, conquanto a atividade turística possa ser embasada em planejamento, ainda assim há determinado grau de imprevisibilidade a respeito das reações à comunidade anfitriã, prestadores serviços e visitantes. Contudo, um meio de minimizar esta imprevisibilidade seria utilizando as ciências sociais dentre este planejamento, haja vista que: de um lado, a atividade turística é enraizada ao caráter econômico e do outro provoca sinergia entre sociedades (BARRETO, 2003, p.21-22). Por muito tempo, diversos lugares no mundo procuram se reafirmarem quanto às suas especificidades e, com o avanço da tecnologia da informação e contato entre sociedades, 5 simultaneamente acabam se homogeneizando. Neste contexto, a gastronomia pode surgir como um meio de modificação forçada e também espontânea a respeito dos modos de preparo e simbologias dos alimentos espefícicos de um lugar. Muitos tentam fabricar e comercializar símbolos gastronômicos que, por vezes, não condizem com o cotidiano local. Rodrigues (2006) em sua obra “Cablocos na Amazônia: a identidade na diferença”, fala sobre a “pseudo” identidade cabloca e sua utilização na Amazônia. O termo “cabloco” é utilizado como um apontador de classificação social, a qual leva a crer que há uma população que se reconhece e é igualmente reconhecida por esta identidade cabloca. A autora afirma que tal identidade é algo forjado que tende a generalizar determinados grupos, quais sejam: ribeirinhos5, agricultores, entre outros; por meio da expressão “cabloco” (RODRIGUES, 2006, p.120-122). Seguindo esta corrente de pensamento, os símbolos gastronômicos supracitados podem vir a ser uma identidade forjada tal qual o exemplo da identidade cabloca. Nessa concepção, o PVG emerge com o marketing de propagador da cultura gastronômica paraense, a qual é concebida neste contexto como um conglomerado de elementos específicos e/ou formas de consumo da região em sua totalidade territorial. No entanto, esta gastronomia comercializada seria de fato a gastronomia da cultura paraense? Ou seria uma das possíveis culturas gastronômicas para determinados grupos dentre a complexidade cultural? 3 METODOLOGIA Esta pesquisa foi realizada no restaurante Remanso do Bosque, o qual se localiza na Av. Rômulo Maiorana, bairro do Marco (Belém-PA) (Map 01). Map 01. Restaurante Remanso do Bosque Fonte: Google Earth, 2013 ___________________________ 6 5 O termo “ribeirinho” neste artigo é utilizado como designação daqueles que vivem às margens dos rios (DICIONÁRIO AULETE. Ribeirinhos. Disponível em: <http://aulete.uol.com.br/ribeirinho>. Acesso em: 08 de mar de 14). Projeto Visita Gourmet é realizado a quase 2 anos, onde busca-se a valorização de ingredientes típicos regionais, com ênfase nas técnicas tradicionais gastronômicas, bem como a mistura entre culturas e criação de novos pratos, a partir da participação de chefes de cozinha convidados de outros lugares de dentro e fora do Brasil. Este tipo de pesquisa, de acordo com Bisol (2012), caracteriza-se como uma pesquisa de campo, onde tal campo é compreendido como “[...] um espaço social e físico cujas fronteiras são definidas em termos de instituições e pessoas ou atividades de interesse em um determinado espaço geográfico” (BISOL, 2012, p.722). Para este tipo de pesquisa, a autora indica dentre outras técnicas de entrevistas, a entrevista com informantes-chaves, a qual se aplicou com o Chefe-Proprietário Thiago Castanho. Em campo foi utilizado como instrumentos para coleta de dados: gravador de voz para registro total da entrevista e suas possíveis divagações da qual também se extraiu informações; caderno de campo para anotações e um questionário de perguntas abertas aplicadas ao informante-chave. 4 DADOS E RESULTADOS A gastronomia dentro da cultura funciona como um padrão cultural o qual interligada traços compartilhados dentro de uma mesma sociedade. Tais traços e padrões desencadeiam sentimentos relatados na antropologia de identificação e identidade, nos quais, para Oliveira (2000, p.07-11) em sua obra “Os (des)caminhos da identidade”, correlacionam-se com etnização e etnicidade, onde os primeiros relatam que há o sentimento de reconhecimento natural do indivíduo para com a cultura que o rodeia; enquanto os segundos correspondem à imposição inexorável cultural. Em campo, pode-se afirmar que os elementos utilizados no PVG, quando combinados, formam um padrão cultural, no entanto, nas edições do projeto, tais elementos combinados não condizem de fato com esse padrão, haja vista que são criados novos pratos dos quais mesclam elementos da cultura do chefe local com elementos da cultura do chefe convidado. Na primeira edição do projeto, 03 de dezembro de 2011, o chef convido foi o paulista Raphael Despirite (figura 01), o renomado chef formado na École Ritz de Paris, proprietario do restaurante Marcel, daí por diante vieram chefes como Thomas Troigros, Rodrigo Oliveira, Roberta Sudbrack, Shin Koeken, o portugues Vito Sobral, Alberto Landgraf, Alex Atala, o 7 peruano Virgilio Martinez e a ultima edição contou com a participação do chef Andre Mifano, que já passou por restaurantes como Cucina d”Autore e Cordon Bleu de Londres e restaurantes dos Estados Unidos, atualmente é chef proprietario do restaurante Vito (SP). Oliveira (2005), em sua obra “Identidade étnica, reconhecimento e o mundo moral”, diz que determinados elementos da cultura são conhecidos pelos habitantes locais e reconhecidos como específicos pela óptica externa, porém, a partir disto, modificados (OLIVEIRA, 2005, p. 10-38). Figura 01: Thiago Castanho (esquerda) e Raphael Despirite (direita) Fonte: Acervo Remanso do Bosque, 2011. Sendo assim, pode-se inferir que os elementos utilizados na construção dos pratos do PVG são elementos conhecidos pela população autoctone e, no entanto, o reconhecimento não condiz ao seu cotidiano (figuras 02 e 03). Figura 02: Modo de consumo do açaí na região metropolitana de Belém/PA. Fonte: Google, 2014. Figura 03: Ovo Molê, empanado na farinha de tapioca e acompanhado por farinha de açaí. Fonte: Acervo Remanso do Bosque, 2011. 8 A exemplo disto, está uma das edições do projeto, na qual o chefe residente utilizou uma espécie de tubérculo geograficamente específico do estado do Pará, porém, pouco consumido de fato pela comunidade local, chamado de ariá (figuras 04 e 05). Esta mistura de elementos comercializada pelo restaurante marca a construção de novos conceitos, dos quais são chamados por Spivak (1989, p.188-191) de apropriação da historia alternativa, onde esta nova historia (conceito) é criado e propagado de maneira distorcida à realidade, correspondendo assim à determinada homogeneização. Figura 04: Ariá in natura Fonte: Google, 2014. Figura 05: Ariá cozido com creme e farinha de pipoca. Fonte: Acervo Remanso do Bosque, 2013. O restaurante possui como estratégia de marketing para o projeto a denominação de gastronomia paraense, em que o meio de distribuição são as mídias (jornais, revistas, entrevistas e doscumentários) e redes sociais, estes últimos devido à interação dos proprietários às redes. A reputação dos chefes locais também contribui como um fator atrativo, haja vista que estes são renomados a nível nacional e internacional, bem como os chefes convidados (figura 06). Figura 06: Flyer do PVG com Alex Atala. Fonte: Acervo Remanso do Bosque, 2012. 9 Conquanto seja divulgado em diversos meios de comunicação, o produto do PVG não atinge à totalidade da população local, haja vista que este produto é direcionado às classes de maior poder aquisitivo. Levando em consideração o alto custo de sua realização o que acarreta um valor elevado para classes menos favorecidas. Todavia, parte-se da premissa que não há como delimitar classes sociais, a partir do parâmetro da cultura; ou seja, as classes existentes em determinada cultura partilham dos mesmos códigos. De um lado a cultura é dinâmica e se reinventa. Do outro, tal reinvenção se desprende cada vez mais da cultura tradicional. Nessa concepção, o açaí – exemplificado mais acima – se apresenta como um dos alimentos que compõe a dieta de determinada parte da população paerense; cujo consumo é feita em um suco com farinha de tapioca. Em contraponto, o PVG reinventa esta combinação e modifica a forma de consumo. Para Trigueiro (2005), isto se caracterizaria como um processo de apropriação de determinado traço cultural, o qual é diulgado como uma espetacularização pelas mídias e comercializado para um seleto grupo de participantes, promovendo assim a exclusão dos agentes envolvidos anteriores ao processo. O autor diz que “[...] Hoje em dia a classe média consome mais os produtos da cultura popular, a exemplo dos artefatos de decoração, nas festas populares, no consumo de produtos naturais e a crescente preferência por restaurantes de comidas regionais” (TRIGUEIRO, 2005, p.03). 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A gastronomia está intimamente ligada à cultura, por meio dela conhecemos padrões, traços, hábitos e outros possíveis pormenores – como status, crenças, entre outros – de determinada sociedade. Por conseguinte, a cultura atrela-se ao turismo, o qual usufrui das peculiaridades locais como um meio de projeção – tanto social quanto cultural e, 10 primordialmente, econômica. A promoção da cultura através do turismo arraiga desde sempre problemáticas severas quando há neglicência e deficiência no planejamento. Invariavelmente, a presença do Turismo acarreta modificações na cultura da comunidade anfitriã, pois tal cultura é dinâmica e, com as influências de agentes externos desregrados e oriundos do Turismo, tal dinamismo tende a acelerar, gerando impactos negativos nessa sociedade. Por vezes, comunidades têm seus modos de vida alterados, bem como suas fontes primárias de renda e o espaço onde se localizam. Se de um lado o espaço físico é modificado, do outro as simbologias existentes neste também sofrerão alterações. O Projeto “Visita Gourmet” emerge como uma potencialidade turística, tendo em vista que da maneira como se apresenta e como o projeto decorre, o PVG possivelmente é pioneiro na premissa de Turismo Gastronômico em Belém-PA. Tendo o diálogo desta vertente direcionado a uma minoria local – a qual possui maior poder aquisitivo, igualmente, recebe e possui destaque para com os visitantes de outros lugares do Pará e do país –, onde se utiliza elementos comuns e/ou conhecidos pelo público-alvo de um jeito que difere dos hábitos e costumes locais, bem como agrega elementos de agentes (chefes) externos. Observou-se que em seu formato atual esta utilização dos elementos culturais se distingue do padrão local, criando assim um paradigma referente às questões de identidade e identificação, onde uma nova “historia” está sendo contada (e comercializada). Do mesmo modo a maior parte da população não se enquadra no modelo do produto comercializado pelo PVG, tendo em vista seu alto custo. Do ponto de vista do planejamento turístico, o qual visa a inclusão e amortecimento de impactos negativos da prática turística, o fenômeno social precisa acontecer de maneira espontânea, porém simultaneamente direcionada, proporcionando o contato construtivo entre as pessoas. Nesta perspectiva, Lima (2010) afirma que este aspecto de apropriação cultural comercializado a determinado segmento da mesma sociedade não promove este contato construtivo; a autora diz que “nos locais turísticos há uma oferta e uma demanda onde são praticados os maiores preços, afastando, assim, a comunidade local. [...] Alguns aspectos da vida da população aparecem nas apresentações aos turistas, mas quando isso ocorre, é de forma estilizada ou deturpada” (LIMA, 2010, p. 155). Sabe-se que o PVG possui grande destaque entre os visitantes das demais localidades do Pará e do Brasil, estes que buscam possíveis especificidades locais também motivados pela vasta reputação dos chefes convidados que passam pelas edições e propagam o nome do restaurante Remanso do Bosque. Assim, constrói-se uma nova historia na qual se apresenta 11 mediaticamente como um traço cultural tipicamente paraense a partir de identidades reconstruídas, simbologias modificadas em prol de um pequeno segmento social qualificado socioeconomicamente para integrar a construção de um novo traço cultural gastronômico. THE COMMERCIALISATION OF PARAENSE GASTRONOMIC CULTURE BY THE PROJECT GOURMET TOUR IN BELÉM-PA ABSTRACT This article deals with the verification from a field research about how the commercialization occurs in the Project Visita Gourmet (PVG) - promoted by the Remanso do Bosque restaurant - taking into account the aspects of Pará cultural in Belém, capital of Pará state; starting the gastronomy as a means of cultural projection from the perspective of touristic practice, knowing that the Project Visita Gourmet (PVG) uses elements of Pará gastronomy to create their dishes. Keywords: Homogenization. Cultural Diversity. Tourism. Gastronomy. REFERÊNCIAS ALFONSO, Louise Prado; PY-DANIEL, Anne Rapp. Uma viagem pelo rio Tapajós: narrativas do presente sobre o passado na região de Santarém. Arqueologia/Artigos, Abril/2013. ARAÚJO, Wilma Maria Coelho. Da alimentação à gastronomia. – Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2005. p.15-18. BARRETO, Margarita. O Imprescindível Aporte das Ciências Sociais para o Planejamento e a Compreensão do Turismo. In: Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 9, n. 20, p. 15-29, outubro de 2003. BISOL, Cláudia Alquati. Estratégias de pesquisa em contextos de diversidade cultural: entrevistas de listagem livre, entrevistas com informantes-chave e grupos focais. Estudos de Psicologia. Campinas. 29(Supl.). 719s-726s. Outubro - dezembro 2012. CARVALHO, José Carlos de Paula. Etnocentrismo: inconsciente, imaginário e preconceito no universo das organizações educativas. Palestra proferida nos Seminários de Cultura, Escola e Cotidiano Escolar - FEUSP – 1996. Publicado em Ago/97. FRANCO, Ariovaldo. De caçador a gourmet: uma historia da gastronomia. – São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2001. Cap. 2. HAZIN, Ana Lúcia; OLIVEIRA, Cleide Galiza de; MEDEIROS, Rejane Pinto de. Cultura e Turismo: Interação ou Dominação? – Disponível em: <http://www.fundaj.gov.br/tpd/121.html>. Acesso em: 03 fev 09. LAPLATINE, François. Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2007. Capítulo 4. LIMA, Luana Nunes Martins de. A apropriação da cultura pelo Turismo, a revalorização e a ressignificação das identidades culturais. Revista Geographia. Revistas do Programa de Pós- 12 Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense – UFF. Vol. 12, No 24 (2010). Disponível em: < http://www.uff.br/geographia/ojs/index.php/geographia/article/viewFile/387/306>. Acesso em 09 de mar 14 MARCONI, Marina de Andrade; PRESOTTO, Zélia Maria Neves. Antropologia: uma introdução. São Paulo: Atlas, 2008. Cap. 2. OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. Os (Des)Caminhos da Identidade. Versão revisada de conferência proferida no XXIII Encontro Anual da Anpocs, Caxambu, MG, outubro de 1999. RBCS Vol. 15 nº 42 fevereiro/2000. ______. Identidade étnica, reconhecimento e o mundo moral. Texto da conferência de abertura da I Jornada de Estudos sobre Etnicidade, organizada pelo PPGA/UFPE e realizada na UFPE, 21 e 22 de setembro de 2005. Revista Anthropológicas, ano 9, volume 16(2): 9-40 (2005). RODRIGUES, Carmen Izabel. Caboclos na Amazônia: a identidade na diferença. Novos Cadernos NAEA v. 9, n. 1, p. 119-130, jun. 2006, ISSN 1516-6481. SPIVAK, Gayatri. Quem reivindica alteridade? In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de (Org.). Tendências e Impasses: O Feminismo como Crítica Cultural. – Rio de Janeiro: Rocco, 1994. TRIGUEIRO, Osvaldo Meira. A espetacularização das culturas populares ou produtos culturais folkmidiáticos. Comunicado apresentado no Seminário Nacional de Políticas Públicas para as Culturas Populares, fev./ 2005 em Brasília –DF. Evento promovido pelo Minc. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/trigueiro-osvaldo-espetacularizacaoculturas-populares.pdf>. Acesso em: 26 fev 14.