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A COMERCIALIZAÇÃO DA CULTURA GASTRONÔMICA PARAENSE ATRAVÉS
DO PROJETO VISITA GOURMET EM BELÉM-PA
Arielle Souza1
Fabrício Almeida2
Daniel dos Santos Fernandes3
RESUMO
Este artigo trata da verificação, a partir de uma pesquisa de campo, sobre como ocorre a
comercialização no Projeto Visita Gourmet (PVG) – promovido pelo restaurante Remanso do Bosque
–, levando em consideração os aspectos da cultura paraense, em Belém-PA; partindo da gastronomia
como um dos meios de projeção cultural dentro da perspectiva da prática turística, sabendo-se que o
PVG utiliza elementos da gastronomia paraense para criar seus pratos.
Palavras-Chave: Homogeneização. Diversidade Cultural. Turismo. Gastronomia.
INTRODUÇÃO
A prática turística concebida como um fenômeno social e em seu formato mais
primitivo, o qual afirma que há Turismo quando há deslocamento de pessoas para fora do seu
local cotidiano por diversos fatores, sobretudo, afim de lazer. Engloba os principais setores da
vida humana, quais sejam: econômico, ambiental, social e cultural. Este fenômeno propicia o
contato entre indivíduos de diferentes culturas e, por conseguinte, provoca o choque entre as
mesmas. Do mesmo modo, atua como agente ativo capaz de modificações e impactos tanto
positivos quanto negativos.
A gastronomia, por sua vez, exerce um papel dentro da cultura a qual é partilhada
entre os membros de determinada sociedade. Sua relevância, dentro do Turismo, ocorre a
partir do correlacionamento entre necessidade fisiológica e potencialidade turística; haja vista
que para o Turismo as simbologias envolvidas na alimentação impulsionam um possível
diferencial e fator atrativo, do qual deve ser pautado em planejamento.
Alfonso e Py-Daniel (2013), em seu artigo sobre o uso da Arqueologia como fator de
atratividade turística na cidade de Santarém-PA, afirmam que os elementos que compõe a
cultura podem ser comercializados sem deixarem de fazer parte do cotidiano local, bem como,
a partir disto, projetos regionais podem direcionar parte de suas campanhas para este
fenômeno.
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1
Acadêmica do bacharelado de Turismo das Faculdades Integradas Ipiranga. Email: [email protected]
Acadêmico
do
bacharelado
de
Turismo
das
Faculdades
Integradas
Ipiranga.
Email:
[email protected]
3
Doutor em Ciências Sociais – Antropologia. Coordenador do Núcleo de Pesquisa (NUP) e Docente nas
Faculdades Integradas Ipiranga. Email: [email protected]
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2
Em sua pesquisa quanto ao material arqueológico, os autores dizem que “alguns(indivíduos
e/ou famílias) veem nesses vestígios uma representação de seus antepassados, enquanto
outros, mesmo não reconhecendo uma ligação direta de ancestralidade, identificam esses bens
como patrimônio” (ALFONSO e PY-DANIEL, 2013, p. 42). Com base nas informações
acima, o presente artigo trata de uma pesquisa de campo referente à comercialização da
gastronomia paraense por meio do Projeto Visita Goumert (PVG), cujo realizador é o chef
Thiago Castanho4, levando em consideração os traços da cultura paraense, tais como sabores,
cheiros, texturas e apresentações dos quais pressupõe-se estarem presentes no cotidiano local.
Onde busca-se identificar os meios de comercialização deste produto; fazer levantamento dos
elementos culturais gastronômicos comercializados; bem como também procura-se saber se
tal comercialização não atinge à totalidade do público local e se os canais de comunicação
auxiliam nesta comercialização. Partindo-se do questionamento se a gastronomia
comercializada no projeto é a gastronomia paraense; e utilizando abordagens a respeito dos
impactos do turismo na cultura.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
Desde tempos primórdios, o homem se locomovia em busca de alimento, possuindo
assim um modo de vida nômade. Neste contexto, tais alimentos se caracterizavam sobretudo
como um dos instintos mais básicos do ser humano, qual seja: a sobrevivência. A vida em
pequenos grupos convergia à conveniência para obtenção de alimentos e, por conseguinte,
sobreviver. Contudo, com a passagem do modo de vida nômade para um modo sedentário, a
sinergia entre os homens se intensificou e se modificou bem como a simbologia da
alimentação. O homem que antes buscava seu alimento, agora cultiva-o, cria-o e domestica-o,
desenvolvendo assim sentimentos para com sua produção (ARAÚJO et al, 2005, p.15-18).
Na Grécia e Roma Antigas, a alimentação era tida como uma arte tão digna ao ponto
de ser catalogada em uma obra chamada Hedypatheia, cujo nome significava “Tratado dos
Prazeres” e codnome – Gastronomia – poderia dizer as leis do estômago. Sobretudo para os
romanos, a alimentação se caracterizava como um fator social.
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Thiago Castanho, 26 anos, formado em gastronomia pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
(SENAC) de Campos do Jordão (SP). Em 2011 foi eleito chef do ano pela revista Veja e chef revelação pela
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Prazeres da Mesa. Viveu a infância ajudando os pais no antigo restaurante da família e há seis anos atua como
cozinheiro profissional do restaurante Remanso do Peixe e Remanso do Bosque em Belém (PA).
Para os patrícios, o cozinheiro era um profissional bem pago e estimado, bem como ter um
bom cozinheiro simbolizava ascensão social.
Nestas sociedades, a alimentação também era concebida como uma manifestação
religiosa, bem como o ato de se alimentar exigia o cumprimento de determinados padrões
sociais (FRANCO, 2001, p.36-54).
Percebe-se, assim, que a Gastronomia se caracteriza como um padrão cultural, pois
esta indica valores, padrões e símbolos de determinada sociedade. Padrão Cultural é
concebido como um agrupamento de complexos culturais – estes são formados pelos menores
elementos dentro da cultura chamados de traços – dos quais convergem para um tema ou
interesse em comum que emerge em um significado. Este padrão (em sua forma física ou
psicológica) é aceito pela sociedade em qual está alocado, do mesmo modo como é partilhado
de forma homogênea (MARCONI e PRESOTTO, 2008, p.11).
Por sua vez, a atividade turística é concebida como um fenômeno social: a locomoção
do homem, motivada por diversos fatores, para um habitat diferente de seu cotidiano por um
certo período de tempo. Esta estadia em determinado lugar desde o ato de sua motivação –
seja por meio de propagandas, promoções, lazer, negócios, etc – até o retorno ao seu habitat
natural – o sentimento de satisfação ou não, reações variadas entre algo positivo e negativo
que determinam se o visitante retornará ou não.
Esse deslocamento provoca invariavelmente o contato entre diversas sociedades e
choques de suas respectivas culturas. Laplatine (2007) define cultura como “[...] o conjunto
dos comportamentos, saberes e saber-fazer característicos de um grupo humano ou de uma
sociedade dada, sendo essas atividades adquiridas através de um processo de aprendizagem, e
transmitidas ao conjunto de seus membros” (LAPLATINE, 2007, p.02). O autor afirma que o
que diferencia a sociedade humana das demais espécies, não é a divisão dos trabalhos,
hierarquias, etc, porém as simbologias envolvidas nesses processos. Por sua vez, diferencia o
que é social e o que é cultural:
O social é a totalidade das relações (relações de produção, de exploração, de
dominação...) que os grupos mantêm entre si dentro de um mesmo conjunto
(etnia, região, nação...) para com outros conjuntos, também hierarquizados.
A cultura por sua vez não é nada mais que o próprio social, mas considerado
dessa vez sob o ângulo dos caracteres distintivos que apresentam os
comportamentos individuais dos membros desse grupo, bem como suas
produções originais (artesanais, artísticas, religiosas...) (LAPLATINE, 2007,
p.01).
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Sob o enfoque econômico, há geração de divisas das quais podem vir a sustentar a
comunidade receptora do turismo; do mesmo modo, sob o enfoque social e cultural, pode
promover melhorias em infra-estruturas básicas e a valorização da cultura local. Entretanto, a
falta de planejamento pode vir a gerar impactos negativos por vezes irreversíveis. A utilização
como bem mercadológico de determinada cultura acarreta a banilização da mesma,
justaposição de culturas (sentimento de inferioridade), descaracterização local, modificações
de símbolos, conflito de identidade e práticas de etnocentrismo.
O Etnocentrismo, segundo Carvalho (1997, p.182), “consiste em privilegiar um
universo de representações propondo-o como modelo e reduzindo à insignificância os demais
universos e culturas ‘diferentes’”. Segue a corrente de pensamento preconceituoso da qual
deturpa outras culturas, reduzindo-as às suas peculiaridades ou distorcendo do que realmente
são. Isto geralmente ocorre por conta do julgamento do indivíduo para com a cultura do
outrem a partir de sua própria cultura.
Do ponto de vista estrutural do trade turístico, comumente pouco se utiliza a mão-deobra local ou, em casos que isto ocorre, é utilizado para cargos de baixa remuneração, do
mesmo modo, pode haver um excedente da capacidade de carga de determinado lugar e a
marginalização da comunidade em relação aos processos envolvidos na prática turística.
A localidade ou recursos são vendidos como bem de consumo, por vezes sem o
consenso da comunidade residente. Símbolos e esteriotipos são fabricados e comercializados
no intuito de maior visibilidade. Neste sentido, para Hazin, Oliveira e Medeiros (2009), a
prática turística é avassaladora; as autoras afirmam: “As pequenas localidades, povoados,
vilas são invadidos e o seu cotidiano é moldado, muitas vezes, pela chegada dos viajantes com
seus hábitos, costumes e tradições. O crescimento do turismo tem agredido, em variados
graus, os recursos naturais, culturais e sociais das regiões receptoras” (HAZIN, OLIVEIRA e
MEDEIROS; 2009, p.7).
Por sua vez, Barreto (2003) discorre que, conquanto a atividade turística possa ser
embasada em planejamento, ainda assim há determinado grau de imprevisibilidade a respeito
das reações à comunidade anfitriã, prestadores serviços e visitantes. Contudo, um meio de
minimizar esta imprevisibilidade seria utilizando as ciências sociais dentre este planejamento,
haja vista que: de um lado, a atividade turística é enraizada ao caráter econômico e do outro
provoca sinergia entre sociedades (BARRETO, 2003, p.21-22).
Por muito tempo, diversos lugares no mundo procuram se reafirmarem quanto às suas
especificidades e, com o avanço da tecnologia da informação e contato entre sociedades,
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simultaneamente acabam se homogeneizando. Neste contexto, a gastronomia pode surgir
como um meio de modificação forçada e também espontânea a respeito dos modos de preparo
e simbologias dos alimentos espefícicos de um lugar. Muitos tentam fabricar e comercializar
símbolos gastronômicos que, por vezes, não condizem com o cotidiano local.
Rodrigues (2006) em sua obra “Cablocos na Amazônia: a identidade na diferença”,
fala sobre a “pseudo” identidade cabloca e sua utilização na Amazônia. O termo “cabloco” é
utilizado como um apontador de classificação social, a qual leva a crer que há uma população
que se reconhece e é igualmente reconhecida por esta identidade cabloca. A autora afirma que
tal identidade é algo forjado que tende a generalizar determinados grupos, quais sejam:
ribeirinhos5, agricultores, entre outros; por meio da expressão “cabloco” (RODRIGUES,
2006, p.120-122).
Seguindo esta corrente de pensamento, os símbolos gastronômicos supracitados
podem vir a ser uma identidade forjada tal qual o exemplo da identidade cabloca. Nessa
concepção, o PVG emerge com o marketing de propagador da cultura gastronômica paraense,
a qual é concebida neste contexto como um conglomerado de elementos específicos e/ou
formas de consumo da região em sua totalidade territorial. No entanto, esta gastronomia
comercializada seria de fato a gastronomia da cultura paraense? Ou seria uma das possíveis
culturas gastronômicas para determinados grupos dentre a complexidade cultural?
3 METODOLOGIA
Esta pesquisa foi realizada no restaurante Remanso do Bosque, o qual se localiza na
Av. Rômulo Maiorana, bairro do Marco (Belém-PA) (Map 01).
Map 01. Restaurante Remanso do Bosque
Fonte: Google Earth, 2013
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O termo “ribeirinho” neste artigo é utilizado como designação daqueles que vivem às margens dos rios
(DICIONÁRIO AULETE. Ribeirinhos. Disponível em: <http://aulete.uol.com.br/ribeirinho>. Acesso em: 08 de
mar de 14).
Projeto Visita Gourmet é realizado a quase 2 anos, onde busca-se a valorização de
ingredientes típicos regionais, com ênfase nas técnicas tradicionais gastronômicas, bem como
a mistura entre culturas e criação de novos pratos, a partir da participação de chefes de
cozinha convidados de outros lugares de dentro e fora do Brasil.
Este tipo de pesquisa, de acordo com Bisol (2012), caracteriza-se como uma pesquisa
de campo, onde tal campo é compreendido como “[...] um espaço social e físico cujas
fronteiras são definidas em termos de instituições e pessoas ou atividades de interesse em um
determinado espaço geográfico” (BISOL, 2012, p.722). Para este tipo de pesquisa, a autora
indica dentre outras técnicas de entrevistas, a entrevista com informantes-chaves, a qual se
aplicou com o Chefe-Proprietário Thiago Castanho.
Em campo foi utilizado como instrumentos para coleta de dados: gravador de voz para
registro total da entrevista e suas possíveis divagações da qual também se extraiu
informações; caderno de campo para anotações e um questionário de perguntas abertas
aplicadas ao informante-chave.
4 DADOS E RESULTADOS
A gastronomia dentro da cultura funciona como um padrão cultural o qual interligada
traços compartilhados dentro de uma mesma sociedade. Tais traços e padrões desencadeiam
sentimentos relatados na antropologia de identificação e identidade, nos quais, para Oliveira
(2000, p.07-11) em sua obra “Os (des)caminhos da identidade”, correlacionam-se com
etnização e etnicidade, onde os primeiros relatam que há o sentimento de reconhecimento
natural do indivíduo para com a cultura que o rodeia; enquanto os segundos correspondem à
imposição inexorável cultural.
Em campo, pode-se afirmar que os elementos utilizados no PVG, quando combinados,
formam um padrão cultural, no entanto, nas edições do projeto, tais elementos combinados
não condizem de fato com esse padrão, haja vista que são criados novos pratos dos quais
mesclam elementos da cultura do chefe local com elementos da cultura do chefe convidado.
Na primeira edição do projeto, 03 de dezembro de 2011, o chef convido foi o paulista Raphael
Despirite (figura 01), o renomado chef formado na École Ritz de Paris, proprietario do
restaurante Marcel, daí por diante vieram chefes como Thomas Troigros, Rodrigo Oliveira,
Roberta Sudbrack, Shin Koeken, o portugues Vito Sobral, Alberto Landgraf, Alex Atala, o
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peruano Virgilio Martinez e a ultima edição contou com a participação do chef Andre Mifano,
que já passou por restaurantes como Cucina d”Autore e Cordon Bleu de Londres e
restaurantes dos Estados Unidos, atualmente é chef proprietario do restaurante Vito (SP).
Oliveira (2005), em sua obra “Identidade étnica, reconhecimento e o mundo moral”, diz que
determinados elementos da cultura são conhecidos pelos habitantes locais e reconhecidos
como específicos pela óptica externa, porém, a partir disto, modificados (OLIVEIRA, 2005,
p. 10-38).
Figura 01: Thiago Castanho (esquerda) e Raphael Despirite (direita)
Fonte: Acervo Remanso do Bosque, 2011.
Sendo assim, pode-se inferir que os elementos utilizados na construção dos pratos do
PVG são elementos conhecidos pela população autoctone e, no entanto, o reconhecimento não
condiz ao seu cotidiano (figuras 02 e 03).
Figura 02: Modo de consumo do açaí na região
metropolitana de Belém/PA.
Fonte: Google, 2014.
Figura 03: Ovo Molê, empanado na farinha de tapioca
e acompanhado por farinha de açaí.
Fonte: Acervo Remanso do Bosque, 2011.
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A exemplo disto, está uma das edições do projeto, na qual o chefe residente utilizou
uma espécie de tubérculo geograficamente específico do estado do Pará, porém, pouco
consumido de fato pela comunidade local, chamado de ariá (figuras 04 e 05). Esta mistura de
elementos comercializada pelo restaurante marca a construção de novos conceitos, dos quais
são chamados por Spivak (1989, p.188-191) de apropriação da historia alternativa, onde esta
nova historia (conceito) é criado e propagado de maneira distorcida à realidade,
correspondendo assim à determinada homogeneização.
Figura 04: Ariá in natura
Fonte: Google, 2014.
Figura 05: Ariá cozido com creme e farinha de pipoca.
Fonte: Acervo Remanso do Bosque, 2013.
O restaurante possui como estratégia de marketing para o projeto a denominação de
gastronomia paraense, em que o meio de distribuição são as mídias (jornais, revistas,
entrevistas e doscumentários) e redes sociais, estes últimos devido à interação dos
proprietários às redes. A reputação dos chefes locais também contribui como um fator
atrativo, haja vista que estes são renomados a nível nacional e internacional, bem como os
chefes convidados (figura 06).
Figura 06: Flyer do PVG com Alex Atala.
Fonte: Acervo Remanso do Bosque, 2012.
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Conquanto seja divulgado em diversos meios de comunicação, o produto do PVG não
atinge à totalidade da população local, haja vista que este produto é direcionado às classes de
maior poder aquisitivo. Levando em consideração o alto custo de sua realização o que acarreta
um valor elevado para classes menos favorecidas. Todavia, parte-se da premissa que não há
como delimitar classes sociais, a partir do parâmetro da cultura; ou seja, as classes existentes
em determinada cultura partilham dos mesmos códigos.
De um lado a cultura é dinâmica e se reinventa. Do outro, tal reinvenção se desprende
cada vez mais da cultura tradicional. Nessa concepção, o açaí – exemplificado mais acima –
se apresenta como um dos alimentos que compõe a dieta de determinada parte da população
paerense; cujo consumo é feita em um suco com farinha de tapioca. Em contraponto, o PVG
reinventa esta combinação e modifica a forma de consumo. Para Trigueiro (2005), isto se
caracterizaria como um processo de apropriação de determinado traço cultural, o qual é
diulgado como uma espetacularização pelas mídias e comercializado para um seleto grupo de
participantes, promovendo assim a exclusão dos agentes envolvidos anteriores ao processo. O
autor diz que “[...] Hoje em dia a classe média consome mais os produtos da cultura popular, a
exemplo dos artefatos de decoração, nas festas populares, no consumo de produtos naturais e
a crescente preferência por restaurantes de comidas regionais” (TRIGUEIRO, 2005, p.03).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A gastronomia está intimamente ligada à cultura, por meio dela conhecemos
padrões, traços, hábitos e outros possíveis pormenores – como status, crenças, entre outros –
de determinada sociedade. Por conseguinte, a cultura atrela-se ao turismo, o qual usufrui das
peculiaridades locais como um meio de projeção – tanto social quanto cultural e,
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primordialmente, econômica. A promoção da cultura através do turismo arraiga desde sempre
problemáticas severas quando há neglicência e deficiência no planejamento.
Invariavelmente, a presença do Turismo acarreta modificações na cultura da
comunidade anfitriã, pois tal cultura é dinâmica e, com as influências de agentes externos
desregrados e oriundos do Turismo, tal dinamismo tende a acelerar, gerando impactos
negativos nessa sociedade. Por vezes, comunidades têm seus modos de vida alterados, bem
como suas fontes primárias de renda e o espaço onde se localizam. Se de um lado o espaço
físico é modificado, do outro as simbologias existentes neste também sofrerão alterações.
O Projeto “Visita Gourmet” emerge como uma potencialidade turística, tendo em vista
que da maneira como se apresenta e como o projeto decorre, o PVG possivelmente é pioneiro
na premissa de Turismo Gastronômico em Belém-PA. Tendo o diálogo desta vertente
direcionado a uma minoria local – a qual possui maior poder aquisitivo, igualmente, recebe e
possui destaque para com os visitantes de outros lugares do Pará e do país –, onde se utiliza
elementos comuns e/ou conhecidos pelo público-alvo de um jeito que difere dos hábitos e
costumes locais, bem como agrega elementos de agentes (chefes) externos.
Observou-se que em seu formato atual esta utilização dos elementos culturais se
distingue do padrão local, criando assim um paradigma referente às questões de identidade e
identificação, onde uma nova “historia” está sendo contada (e comercializada). Do mesmo
modo a maior parte da população não se enquadra no modelo do produto comercializado pelo
PVG, tendo em vista seu alto custo.
Do ponto de vista do planejamento turístico, o qual visa a inclusão e amortecimento de
impactos negativos da prática turística, o fenômeno social precisa acontecer de maneira
espontânea, porém simultaneamente direcionada, proporcionando o contato construtivo entre
as pessoas. Nesta perspectiva, Lima (2010) afirma que este aspecto de apropriação cultural
comercializado a determinado segmento da mesma sociedade não promove este contato
construtivo; a autora diz que “nos locais turísticos há uma oferta e uma demanda onde são
praticados os maiores preços, afastando, assim, a comunidade local. [...] Alguns aspectos da
vida da população aparecem nas apresentações aos turistas, mas quando isso ocorre, é de
forma estilizada ou deturpada” (LIMA, 2010, p. 155).
Sabe-se que o PVG possui grande destaque entre os visitantes das demais localidades
do Pará e do Brasil, estes que buscam possíveis especificidades locais também motivados pela
vasta reputação dos chefes convidados que passam pelas edições e propagam o nome do
restaurante Remanso do Bosque. Assim, constrói-se uma nova historia na qual se apresenta
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mediaticamente como um traço cultural tipicamente paraense a partir de identidades
reconstruídas, simbologias modificadas em prol de um pequeno segmento social qualificado
socioeconomicamente para integrar a construção de um novo traço cultural gastronômico.
THE COMMERCIALISATION OF PARAENSE GASTRONOMIC CULTURE BY
THE PROJECT GOURMET TOUR IN BELÉM-PA
ABSTRACT
This article deals with the verification from a field research about how the commercialization occurs
in the Project Visita Gourmet (PVG) - promoted by the Remanso do Bosque restaurant - taking into
account the aspects of Pará cultural in Belém, capital of Pará state; starting the gastronomy as a means
of cultural projection from the perspective of touristic practice, knowing that the Project Visita
Gourmet (PVG) uses elements of Pará gastronomy to create their dishes.
Keywords: Homogenization. Cultural Diversity. Tourism. Gastronomy.
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