estudo da gramaticalização do termo/expressão tipo assim em

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ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 12 • maio 2014
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ESTUDO DA GRAMATICALIZAÇÃO DO TERMO/EXPRESSÃO
TIPO ASSIM EM “O DIÁRIO DE TATI”1
Tárcia Priscila Lima Dória2
[email protected]
Valéria Rios Oliveira Alves3
[email protected]
RESUMO: Este trabalho tem por objetivo analisar, sob o olhar da gramaticalização e dadiscursivização,
os usos do item tipo, bem como, da expressão tipo assim no português do Brasil. Utilizamos como
amostra, para nossas análises, as ocorrências dessa expressão em narrativas ficcionais que compõem o
livro “O diário de Tati”, material representativo da linguagem coloquial dos adolescentes brasileiros
contemporâneos. Para as análises, tomamos como modelo principal o estudo realizado por Bittencourt
(1999), que examinou os usos do item/expressão tipo (assim) em diferentes corpora de língua falada,
atestando os estágios do processo de gramaticalização já alcançados. Os dados analisados revelam que o
termo/expressão, ora analisado, parece seguir a direção do processo de discursivização: léxico >
gramática > discurso. O trabalho está organizado em quatro seções. Na primeira, discorremos,
brevemente acerca do paradigma funcional na linguística, no qual se insere os estudos da
gramaticalização; na segunda, definimos processo de gramaticalização e apontamos os princípios que
regem esse processo; na terceira seção, apresentamos a descrição do corpus a ser analisado; na quarta,
finalmente, analisamos os dados por nós coletado à luz dos estudos realizados por Bittencourt (1999). A
essas seções, seguem breves considerações, à guisa de conclusão. De acordo com as análises expostas
neste trabalho, e, a partir dos estudos de Bittencourt (1999), Castelano e Ladeira (2010), entendemos que
o item lexical tipo vem se desprendendo de seu estatuto nominal de origem, passando por um processo de
deslexicalização, assumindo traços gramaticais e pragmáticos, levando-se em conta também, sua
agregação, em certos contextos, ao advérbio de modo assim. Observa-se que no português do Brasil as
diferentes formas coexistem, de maneira que é possível identificarmos usos tanto do tipo como um
substantivo pleno, como em funções mais gramaticais, ou ainda, sem função gramatical demarcada no
interior da sentença, atuando como marcador discursivo.
PALAVRAS-CHAVE: funcionalismo; gramaticalização; discursivização; tipo assim.
RESUMEN: Este trabajo tiene como objetivo analizar, bajo la mirada de estudiar y dadiscursivização,
usos del tipo de elemento, así como el tipo de expresión en portugués de Brasil. Hemos usado el ejemplo
de nuestro análisis, la aparición de las palabras en forma ficticia narrativas que componen el libro "El
diario de Tati", representante de lenguaje coloquial de los adolescentes brasileños contemporáneos. Para
el análisis, se toma como modelo el principal estudio realizado por Bittencourt (1999), en la que se
examinaron los usos del tema/tipo de expresión (tan) en diferentes corpus de lengua hablada, mostrando
las diferentes etapas del proceso estudiado ya ha alcanzado. Los datos analizados revelan que la
palabra/expresión, hemos analizado, parece seguir la dirección del proceso de discursivização: léxico
gramática > > discurso. El trabajo está organizado en cuatro secciones. En la primera, hemos hablado
1
Artigo produzido na disciplina Gramaticalização, do mestrado em Estudos Linguísticos, da
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), orientado pela professora doutora Josane Oliveira.
2
Mestra em Estudos Linguísticos pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).
3
Mestra em Estudos Linguísticos pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).
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brevemente sobre el paradigma funcional de la lingüística, en los que los estudios de estudiado; en el
segundo, definir el proceso estudiado y hemos hablado de los principios que rigen este proceso; en la
tercera sección, se presenta una descripción de los corpus que deben ser examinados, en el cuarto, por
último, se analizaron los datos recolectados a la luz de los estudios realizados por Bittencourt (1999).
Estas secciones, tras unos breves comentarios, a modo de conclusión. De acuerdo con el análisis expuesto
en este trabajo, y, desde los estudios de Bittencourt (1999), Castelano y Hill (2010), creemos que el tipo
de elemento léxico se desgarro de su estado nominal de origen, pasando por un proceso de
deslexicalização, suponiendo que los guiones gramatical y pragmático, teniendo en cuenta además, su
agregación, en ciertos contextos, el adverbio de modo. Se observó que en portugués de Brasil las
diferentes formas coexisten, de manera que puede determinar usos tanto el tipo como un sustantivo, como
en funciones gramaticales, o más aún, sin función gramatical demarcada dentro de una frase, actuando
como marcador discursivo.
PALABRAS-CLAVE: funcionalismo; estudiados; discursivização; escriba así.
INTRODUÇÃO
Este texto constitui-se de um exercício de reflexão, resultante de estudos
empreendidos ao longo da disciplina Sociolinguística e processos de gramaticalização,
ministrada pela professora Dra. Josane Moreira de Oliveira. Dentre as várias
possibilidades de estudo sob o olhar teórico da gramaticalização, optamos por averiguar
os usos do termo/expressão tipo (assim), uma vez que esta tem sido uma expressão
bastante recorrente na fala e, por vezes, na escrita informal de falantes brasileiros.
Tomamos como fundamentação teórica para esta reflexão, autores como: Pezatti
(2007) que nos ajuda a compreender o trajeto dos estudos linguísticos até a assunção da
visão funcionalista; Hopper (1991) de quem trazemos os princípios que regem a
gramaticalização; e, finalmente, Bittencourt (1999) que nos apresenta um modelo de
análise para os usos de tipo no português coloquial do Brasil.
Este artigo está organizado em quatro seções. Na primeira, discorremos,
brevemente acerca do paradigma funcional na linguística, no qual se insere os estudos
da gramaticalização; na segunda, definimos processo de gramaticalização e apontamos
os princípios que regem esse processo; na terceira seção, apresentamos a descrição do
corpus a ser analisado; na quarta, finalmente, analisamos os dados por nós coletado à
luz dos estudos realizados por Bittencourt (1999). A essas seções, seguem breves
considerações, à guisa de conclusão.
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1 O PARADIGMA FUNCIONAL NA LINGUÍSTICA
A tradição das pesquisas linguísticas nos mostra que os estudos pragmáticos, isto
é, aqueles voltados para a linguagem em situação real de uso, nem sempre foram
predominantes como hoje se vê. Sabe-se que durante longos anos as pesquisas
linguísticas estiveram fortemente inspiradas pela abordagem formalista, dentro da qual
se desenvolveram importantes correntes teóricas como o estruturalismo de Saussure e,
mais tarde, o gerativismo de Chomsky, ambos voltados para os estudos imanentes da
língua, tomando-a enquanto sistema abstrato, homogêneo e estável, não levando em
consideração as relações entre linguagem e contexto de uso. A partir dessa abordagem,
o foco recai sobre a observação das características estruturais de uma língua, ignorandose as análises os aspectos relacionados ao uso.
Na segunda metade do século XX, no entanto, um novo paradigma passa a
influenciar mais fortemente a ciência da linguagem, uma vez que as teorias formalistas
não davam conta de explicar toda a complexidade dos fenômenos linguísticos. Assim,
com as diversas abordagens teóricas abrigadas na corrente funcionalista, os usos
linguísticos ganham um lugar de destaque nas análises, provocando o surgimento de
novas subáreas na linguística que se ocupassem em observar, descrever e analisar a
língua em seu contexto social.
Deste modo, as tendências formalistas da linguística, compreendidas
especialmente no estruturalismo e no gerativismo que tomavam como objeto de análise
apenas a estrutura da língua, estabelecendo rígidas distinções entre língua e
fala/competência e desempenho, foram aos poucos perdendo espaço para as tendências
de enfoque funcionalista que reconhecem a importância dos usos e de suas condições de
produção, tomando-os como objeto de estudo.
Segundo Pezatti (2007) a desconsideração da teoria gerativa por questões
discursivas provocou na linguística uma reação generalizada que desencadeou o
surgimento de várias tendências, como a Sociolinguística, a Linguística Textual, a
Análise do Discurso, a Análise da Conversação, entre outras. Como se vê, são muitos
modelos teóricos abrigados sob uma mesma corrente, sendo impossível referir-se a uma
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teoria funcional homogênea. Entretanto, cabe lembrar, ainda segundo a autora que
embora sejam várias as vertentes funcionalistas, todas apresentam uma base em comum:
a de que uma análise linguística deve levar em conta a interação social, isto é, a
consideração metodológica de que o componente discursivo desempenha um papel
preponderante na gramática de uma língua.
Uma vez que o paradigma funcional concebe a linguagem como um instrumento
de comunicação e de interação social, é natural que o seu objeto de estudo seja baseado
no uso real. Podemos entender, portanto, que uma das preocupações centrais da
abordagem funcionalista é examinar a maneira como determinada língua é usada por
seus falantes em situações de comunicação, interessando-lhe os propósitos e intenções
do falante no momento da enunciação. Para os funcionalistas, o que importa é o uso das
expressões linguísticas na interação verbal, pois é nela que se estabelecem as relações
comunicativas entre os sujeitos.
Ainda com base em Pezatti (2007, p. 168), parece-nos fundamental observar que
para a corrente funcionalista,
O princípio de que toda a explicação linguística deve ser buscada na relação
entre linguagem e uso, ou na linguagem em uso no contexto social, torna
obrigatória a tarefa de explicar o fenômeno linguístico com base nas relações
que, no contexto sócio-interacional, contraem falante, ouvinte e a pressuposta
informação pragmática entre ambos.
Dentro desse paradigma, entende-se que também a gramática emerge do uso. É
afiliada aos estudos de natureza funcionalista que surge a gramaticalização, vertente que
estuda processos de mudança linguística, a partir dos quais, itens lexicais passam a assumir
funções gramaticais. Nesses estudos, observam-se não só aspectos relacionados ao caráter
funcional da língua, mas também à sua dinamicidade. De acordo com Martellota, Votre e
Cezario (1996, p. 26) “A gramaticalização é uma manifestação do aspecto não-estático da
gramática, uma vez que ela demonstra que as línguas estão em constante mudança em
conseqüência de uma incessante busca de novas expressões e que, portanto, nunca estão
definitivamente estruturadas”.Tem-se por princípio, assim como em todos os estudos
sociolinguísticos, o caráter dinâmico e variável das línguas naturais.
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Na seção 2, buscaremos trazer com mais clareza a definição e os princípios que regem a
gramaticalização, tocando também em um processo paralelo, o da discursivização.
2 GRAMATICALIZAÇÃO E DISCURSIVIZAÇÃO
2.1 SOBRE A GRAMATICALIZAÇÃO: DEFINIÇÃO E PRINCÍPIOS
De maneira bastante simplista, podemos afirmar que a gramaticalização pode ser
definida como o processo de mudança linguística que ocorre quando um item lexical
adquire, em certos contextos, funções gramaticais ou quando um item gramatical se
torna ainda mais gramatical. Entendemos que um item lexical é aquele que contém uma
carga semântica expressiva, tais como os substantivos, adjetivos e verbos. Já um item
gramatical, seria aquele que serve de acessório aos itens lexicais, ligando orações,
determinando nomes, tais como as conjunções, as preposições, os artigos, os advérbios,
etc. que dependem necessariamente daqueles para terem significado.
Seguimos assim, a mesma definição de Gonçalves et al. (2007, p. 17) que
consideram,
[...] o predicado ser lexical identifica categorias prototípicas cujas
propriedades fazem referência a dados do universo bio-psíquico-social,
designando entidades, ações, processos, estados e qualidades, enquanto o
predicado ser gramatical identifica categorias prototípicas, cujas
propriedades cuidam de organizar, no discurso, os elementos de conteúdo,
por ligarem palavras, orações e partes do texto, marcando estratégias
interativas na codificação de noções como tempo, aspecto, modo,
modalidade, etc.
A gramaticalização investiga, então, o percurso que o item lexical atravessa até
se tornar um item gramatical, ou ainda o caminho que percorre um item gramatical a um
status mais gramatical. Traugott e König (1991, apud. PEZATTI, 2007) afirmam que “a
gramaticalização é um processo dinâmico, unidirecional e diacrônico mediante o qual,
na evolução temporal, um item lexical adquire um estatuto gramatical”. Embora o
processo seja definido numa perspectiva diacrônica, esse estudo pode se dar tanto sob a
perspectiva diacrônica como sincrônica ou mesmo pancrônica.
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Hopper (1991) sugere cinco princípios que ajudam a identificar estágios de
gramaticalização na língua em uso, a saber: estratificação, divergência, especialização,
persistência e descategorização. Parafraseando Gonçalves et al. (2007) passamos a
descrever tais princípios.
a) estratificação:
segundo
este princípio,
em
meio ao processo
de
gramaticalização, novas “camadas” ou novas formas surgem no sistema
linguístico, coexistindo com formas antigas. Assim, formas antigas não são
descartadas imediatamente, o que favorece sua interação com formas
emergentes, estabelecendo uma relação de alternância ou convivência entre
as duas estratégias.
b) divergência: proveniente do primeiro, por este princípio, também entende-se
que há uma coexistência das formas novas e formas originais em um
domínio funcional amplo, no entanto, mesmo com a gramaticalização, a
forma original do item se mantém plena.
c) especialização: entende-se, a partir deste princípio, que com o processo de
gramaticalização pode haver, em alguns contextos, o estreitamento entre as
opções de escolha, fazendo com que uma das formas se torne obrigatória.
d) persistência: postula-se, por este princípio, que há uma manutenção de traços
semânticos da forma-fonte na forma gramaticalizada, podendo ocorrer
restrições sintáticas para o uso desta última, como por exemplo, a não
admissão de modificação por quantificadores, numerais, especificadores,
diferentemente da forma-fonte que não apresenta tais restrições.
e) descategorização: este princípio se caracteriza pela perda, por parte da forma
em
processo
de
gramaticalização,
dos
marcadores
opcionais
de
categorialidade e de autonomia discursiva. Assim, as formas originais
perdem ou neutralizam marcas morfológicas e sintáticas características das
categorias plenas como nome e verbo, e assumem características próprias de
categorias secundárias como advérbios, pronomes, preposições, etc.
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Além dos princípios propostos por Hopper, consideramos relevante mencionar
os mecanismos postulados por Heine (2003) segundo os quais a estrutura dos itens
linguísticos pode ser afetada, seriam eles, a semântica, a sintaxe, a morfologia, a
pragmática. O autor sugere quatro fatores que influenciariam esse processo: a
dessemantização ou [bleaching] semântico, que diz respeito à perda de conteúdo
semântico por determinado item linguístico que perde sua referência concreta, passando
a carregar uma referência mais abstrata; a decategorização, entendida assim como em
Hopper; a extensão, pela qual um item passa a ser usado em contextos que antes não
eram possíveis na interação verbal; e a erosão que consiste na perda de substância
fonética.
Em síntese, é possível dizer que o processo de gramaticalização pode ser
encontrado em todas as línguas, podendo envolver qualquer tipo de função gramatical.
Entendemos, a partir dos autores citados, que através desse processo, itens lexicais e
construções sintáticas podem assumir funções diferentes de sua forma original, na
organização interna do discurso ou outras estratégias comunicativas.
2.2 O PROCESSO DE DISCURSIVIZAÇÃO
Além do processo de gramaticalização que buscamos definir no tópico anterior,
julgamos necessário, por conta do item/expressão que escolhemos analisar neste
trabalho, trazer breves definições de um processo paralelo àquele, o da discursivização.
De acordo com Martelotta, Votre e Cezario (1996)
Gramaticalização e discursivização constituem processos especiais de
mudança lingüística. Gramaticalização leva itens lexicais e construções
sintáticas a assumir funções referentes à organização interna do discurso ou a
estratégias comunicativas. Discursivização leva o item a assumir função de
marcador discursivo, modalizando ou reorganizando a produção da fala,
quando a sua linearidade é momentaneamente perdida, ou servindo para
preencher o vazio causado por essa perda da linearidade.
Esses mesmos autores, analisando o uso de assim, observam que a trajetória do
processo de discursivização é marcada por uma passagem do léxico para o discurso, via
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gramática. Ou seja, um elemento, inicialmente lexical, passa a ser usado com função
gramatical e, em seguida, assume função de marcador. Teríamos, portanto, o seguinte
esquema representativo da direção da mudança neste processo: léxico > gramática >
discurso.
Entende-se, então, que “os pontos de partida da discursivização tendem a ser
elementos lexicais que apresentam um valor semântico que se presta a ser estendido
para usos interativos e discursivos. (MARTELOTTA; VOTRE; CEZARIO, 1996, p.
39).
Conforme veremos nas análises dos dados, esse parece ser o caminho percorrido
pelo item tipo e pela expressão tipo assim, uma vez que percebemos uma tendência
muito maior de uso desses elementos como marcadores discursivos.
3 CARACTERIZAÇÃO E DESCRIÇÃO DO CORPUS NESSE ESTUDO
Nosso estudo tem por propósito estudar a diversificação semântica e funcional
que o termo ou expressão tipo (assim) vem assumindo no português do Brasil, mais
notadamente no discurso de adolescentes e jovens em contextos informais. Essa
expressão é, geralmente, uma marca da oralidade, no entanto, já é possível notar sua
presença em registros escritos. Nesse artigo, tomamos como objeto de análise o livro “O
diário de Tati” de autoria da escritora e atriz Heloísa Périssé (2003), criadora da
personagem Tati, uma típica adolescente da classe média brasileira, que resolve
escrever um diário confidencial para contar as experiências de seu dia a dia.
A personagem adolescente foi criada no ano 2000 pela escritora e acabou
estreando, simultaneamente, em 2001, no teatro com a peça Cócegas e no programa
televisivo Escolinha do professor Raimundo. Entretanto, o sucesso nos palcos e no
programa, por conta da identificação do público jovem e adolescente com a linguagem e
o comportamento da personagem, fez com que “Tati” se transformasse no ano seguinte
em um dos quadros mais populares do Fantástico, programa semanal de televisão. Em
2003, “O diário de Tati” foi lançado como livro pela editora Objetiva e, finalmente, em
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2012, foi lançado como longa-metragem no cinema, o que comprova a aceitação obtida
pela personagem criada por Périssé.
O livro, material analisado aqui, é composto de 126 páginas e foi produzido no
formato de um diário pessoal, seguindo as características do gênero, sendo assim, é
constituído do registro das vivências e sentimentos da protagonista, feito em anotações
curtas, organizadas em ordem cronológica com o predomínio da linguagem informal e
escritas em primeira pessoa.
Embora seja um material escrito, as anotações de Tati assemelham-se ao registro
de conversas informais, uma vez que a personagem sempre se refere ao seu diário como
um amigo, apelidado por ela de “Di”, com quem estabelece seus diálogos sobre os
acontecimentos do dia. Como exemplificamos no trecho a seguir:
Fala sério, a vida te reserva tantas coisas maneiras, que cara, é lance você
guardar isso – não só na memória, mas tipo assim, escrevendo mesmo. A
partir de hoje eu vou ter mais esse grande amigo na minha vida, que é você,
Diário. Mas cara, Diário é muito formal, eu vou te chamar de Di, afinal de
contas, é superfofo você ter apelidinhos para seus amigos mais íntimos.
(PÉRISSÉ, 2003, p. 5)
Escolhemos o livro como corpus de nossa análise, primeiro, por considerarmos
um material representativo da modalidade oral coloquial dos adolescentes brasileiros da
atualidade. Outro motivo, não menos relevante, que influenciou nossa escolha reside na
grande quantidade de ocorrências do termo/expressão tipo (assim), tendo sido
encontrados setenta enunciados com tipo, sendo sessenta e quatro da expressão tipo
assim e seis do termo tipo, desacompanhado do advérbio de modo. Dessas ocorrências,
selecionamos vinte exemplos para serem analisados.
Para as análises que faremos na seção subsequente, tomamos como modelo, os
estudos realizados por Bittencourt (1999) que realizou suas pesquisas em dados de fala
de adolescentes, registrando diversos usos do termo/expressão tipo (assim), com o
objetivo de “averiguar o grau e a qualidade da sua deslexicalização nos planos intra- e
inter-sentencial” estendendo-se às esferas discursivo-textual e conversacional.
4 ANÁLISE DOS DADOS
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Antes de passarmos às análises, propriamente ditas, julgamos importante
ressaltar a relevância de se estudar o uso desse termo/expressão pelo viés da
gramaticalização, a fim de se perceber que se trata de um processo natural de mudança
linguística, ocorrido e constatado em diversos outros itens, já gramaticalizados e
plenamente aceitos pela gramática normativa. Chamamos a atenção para isso, pois o uso
de tipo ou tipo assim por jovens e adolescentes é visto, por muitos, como um acinte à
norma culta, sendo rotulado de forma bastante preconceituosa, como podemos perceber
na acepção que trazemos a seguir, registrada no Dicionário informal4, que traz como
significados de tipo, “expressão idiomática, indicando miséria vernacular absoluta [...]
pense num desconhecimento bem enorme de grande e eleve ao infinito..., já pensou?
Pois é, é muito mais infinitamente maior é... tipo.” (sic. Disponível em:
http://www.dicionarioinformal.com.br/tipo/). Infelizmente, acepções como esta são
comuns também em jornais, revistas e programas de televisão, nos quais professores de
“gramática”, ou mesmo jornalistas são, constantemente, convocados a apreciar
determinados “desmandos” linguísticos.
Todavia, concordamos com Bittencourt (1999, p. 70), ao afirmar que
[...] um exame mais acurado de ocorrências como essas nos leva ao
reconhecimento de que estamos, muitas vezes, em face a um processo de
alteração que consubstancia um distanciamento semântico, fônico e
morfossintático de alguns desses termos e expressões, relativamente ao seu
item lexical-fonte, em direção a novas funções não só de caráter gramatical
como discursivo e conversacional.
Dessa forma, é inadmissível que os usos de quaisquer expressões, como é o caso
de tipo ou tipo assim, sejam avaliados tão negativamente, uma vez que são resultantes
de processos de mudança linguística naturais. Os estudos de gramaticalização podem
contribuir na elucidação de alguns fenômenos, ajudando a compreender os diferentes
usos que um termo ou expressão podem assumir no sistema linguístico.
4
O Dicionário informal é um dicionário de português gratuito para internet, onde as palavras são
definidas pelos usuários. De acordo com a página inicial do site, trata-se de “uma iniciativa de
documentar on-line a evolução do português”. No entanto, o que percebemos, é que, como qualquer
pessoa pode acessar e atribuir definições aos termos, se verifica um desconhecimento em relação ao que
seria a “evolução do português”, de forma que muitas palavras recebem acepções incabíveis do ponto de
vista dos estudos linguísticos funcionais, como no exemplo que ilustramos no texto.
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Começando pelo item lexical fonte, temos as seguintes acepções para o item
tipo, encontradas no Dicionário Aurélio (2005, p. 848, 849)
ti.po subst.. masc. 1. Coisa que reúne em si os caracteres distintivos duma
classe. 2. Exemplar, modelo. 3. Popular Pessoa esquisita, excêntrica. 4.
Qualquer indivíduo. 5. Ciências naturais Espécime que é tido como padrão
de uma espécie. 6. Peça de metal fundida, cujo relevo imprime determinada
letra ou sinal. 7. Letra impressa; caractere.
De acordo com as definições acima, observamos que o termo tipo originalmente
é empregado como um substantivo, categoria gramatical plena, autônoma, possuindo
uma carga semântica expressiva. Hoje, este termo tem sido empregado muito
comumente em conversas entre adolescentes, jovens e mesmo adultos, mas com um
sentido bastante diferente de sua forma-fonte, caracterizando o que Heine et al. (1991,
apud GONÇALVES et al. 2007) chama de desbotamento semântico, o que significa que
o item perdeu sua carga semântica original, assumindo caráter cada vez mais gramatical.
Bittencourt (1999, p. 69-70) traz como exemplos os casos de gramaticalização
em itens como: inclusive, a nível de, de repente e onde, mostrando diferentes contextos
em que essas palavras já não usadas no sentido mais estrito da forma-fonte, mas
revelam uma expansão de sua atuação para os limites intra- e inter-sentenciais, numa
invasão aos territórios do discurso e da conversação. Segundo a autora, esse também é
um dos rumos que o termo/expressão tipo (assim) vem tomando na fala coloquial de
nossos adolescentes, estendendo-se à linguagem adulta e até mesmo à escrita.
Conforme demonstram os estudos de Bittencourt (op. cit, p. 70-71)
Circunscrito, pelo que se pode perceber, ao campo semântico da
modalidade, esse item léxico vem se desprendendo de seu estatuto nominal
primitivo e, num processo de deslexicalização em curso [...], assumindo
traços gramaticais e pragmáticos, provavelmente por contaminação com o
advérbio de modo assim, ao qual passou a se agregar. Como os diferentes
passos dessa trajetória coexistem em nossa língua, é possível inferir a fase de
transição, em que o elemento tipo, ainda que coligado ao referido advérbio ,
mantém ainda resguardada sua autonomia de substantivo [...] A etapa
seguinte se desenvolve no sentido de uma conjunção fônica e condensação
semântico-funcional desses dois figurantes, que passam a formar uma
unidade maior, carreadora, muitas vezes, do traço de modalidade.
Nesse sentido, podemos exemplificar, a partir das ocorrências encontradas em
nosso corpus, casos em que o item tipo ocorre de forma autônoma, desprendido do
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advérbio
assim,
ainda
como
substantivo,
portanto,
passível
de
determinação/modificação, como ilustramos abaixo:
(1) Ela é do tipo que já fez várias plastiquinhas [...] (p. 103)
Em 2 e 3,observamos que a expressão tipo (assim) funciona como advérbio de
modo, exercendo a função de qualificador ou modificador das formas verbais “falei” e
“vem”. Nos dois casos, a expressão poderia ser substituída pelo assim, apenas, o que
comprova a condensação-semântica dos dois itens. Vejamos.
(2) Aí eu falei: “Até o final do ano”, tipo assim, tentando disfarçar [...] (p.8)
(3) [...] Ela vem, “e aí, Tati? Beleza?, tipo assim, se enturmando? (p. 103)
Ainda em Bittencourt (1999, p.71) temos que o neologismo composicional tipo
assim, agindo na esfera intra- ou inter-sentencial, consubstancia um processo de
gramaticalização, extrapolando, não raras vezes, um papel de índice modal ou
especificador, podendo atuar como uma espécie de marcador/delimitador “mais ou
menos vago de tempo, lugar, número, etc.”. Um exemplo citado pela autora é: “eu tô
pensano em chegá LÁ... tipo assim DEZ horas...”. Nesse aspecto, não encontramos
nenhum dado em nosso corpus que possa exemplificar esses usos, embora sejam
bastante comuns no português falado.
No nível inter-oracional, a autora salienta que a nova locução exerce o papel
sintático de conjunções e expressa muitas das relações semânticas veiculadas por
aquelas. Isso fica evidente em contextos em que tipo assim ou tipo (sem assim),
traduzem uma explicação, causalidade e finalidade. No exemplo abaixo, temos uma
ocorrência em que a expressão traz a ideia de finalidade, podendo ser substituída pela
conjunção a fim de.
(4) Minha mãe ligou pra ele e pediu pra ele dar “uma de pai” e tentar conversar
comigo e tipo assim me convencer que o primeiro amor é difícil [...] (p. 81)
Os estudos de Bittencourt (1999) mostram ainda que a expressão, ora analisada,
invade também os espaços discursivo-textual e conversacional. Em relação ao primeiro,
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a autora revela que há um alto índice de utilização de tipo (assim) como estratégia de
remissão a discurso reportado (ou discurso direto). Em nosso corpus, encontramos os
seguintes exemplos, que se aplicam a esta função:
(5) Mas falando isso aos prantos, tipo assim, “não vivo sem esse moleque”. (p. 45)
(6) Eu dei um suspiro tão profundo, que ele me olhou assim, tipo, “o que houve?”
(p. 60)
Em ambos os exemplos, percebemos que a expressão tipo (assim) ou apenas o
item tipo, são empregados com a função de resgatar a fala de uma atividade enunciativa
anterior.
Outra função identificada por Bittencourt (1999) para a locução em estudo é a de
codificar um sentimento de hesitação por parte do interlocutor. Nesse aspecto,
encontramos as seguintes ocorrências em nosso corpus:
(7) [...] sei lá, tipo assim, rola uma adrenalina tão grande[...] (p. 80)
(8) [...] fui à praia com o Maurinho e foi simplesmente assim, tipo assim, TUDO.
(p. 81)
(9) Cara, tipo assim, eu sou muito apaixonada por ele. (p. 82)
(10)
Acho que tipo assim, ele gosta muito de mim [...] (p. 92)
(11)
Eu, tipo assim, amo conversar com ele, sabe. (p. 109)
Embora, não sejam casos citados nos estudos de Bittencourt (1999), nossos
dados registram algumas ocorrências em que a expressão tipo assim, ou também o item
tipo desacompanhado do seu par, poderiam ser naturalmente substituídos por como,
estabelecendo uma relação de comparação, encaixando-se no conjunto das conjunções
comparativas. Vejamos os exemplos:
(12)
[...] eu iria para um lugar bem diferente, tipo, Fernando de Noronha, sei
lá. (p. 57)
(13)
[...] eu posso sonhar com alguém mais rápido de se encontrar, mais
possível, tipo assim, Rodrigo Santoro. (p. 70)
(14)
A gente é tipo irmão. (p. 93)
(15)
[...] ela precisa se dedicar a algum esporte de gente altona, tipo vôlei,
basquete, etc... (p. 119)
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Em Castelano e Ladeira (2010), trabalho que versa sobre as funções das expressões
assim, tipo e tipo assim pelo viés da Análise da Conversação, encontramos as seguintes
funções discursivas, não citadas por Bittencourt (1999): marca sequencial e inserção de
sequência explicativa. Comparando as análises das autoras com nosso corpus, foi
possível identificar os seguintes casos:
Marca sequencial:
(16)
(17)
(18)
Aí, tipo assim, eu joguei pra ver o que ele ia falar... (p. 63)
Aí ele, tipo assim, foi começar a conversa. (p. 82)
Daí, tipo assim, ele meio que veio vindo, querendo sentar. (p. 110)
Inserção de sequência explicativa:
(19)
Hoje acordei com a macaca, tipo assim, a fim de dar um giro de 180
graus na minha vida. (p. 56)
(20)
Saí muito, conheci muita gente, fui a muito show irado, tipo assim, vivi
bem a vida [...] (p.7)
Nos exemplos 16, 17 e 18, temos a locução tipo assim empregada em conjunto
com aí e daí, elementos que não exercem nenhuma função sintática na estrutura
oracional, traço definidor dos marcadores conversacionais.
Em 19 e 20, percebemos a utilização do marcador tipo assim para articular uma
explicação a respeito do que foi dito anteriormente, nos mesmos moldes dos dados
apresentados por Castelano e Ladeira (2010), exercendo, portanto, a função de inserção
de sequência explicativa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com as análises expostas neste trabalho, e, a partir dos estudos de
Bittencourt (1999), Castelano e Ladeira (2010), entendemos que o item lexical tipo vem
se desprendendo de seu estatuto nominal de origem, passando por um processo de
deslexicalização, assumindo traços gramaticais e pragmáticos, levando-se em conta
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também, sua agregação, em certos contextos, ao advérbio de modo assim. Observa-se
que no português do Brasil as diferentes formas coexistem, de maneira que é possível
identificarmos usos tanto do tipo como um substantivo pleno, como em funções mais
gramaticais, ou ainda, sem função gramatical demarcada no interior da sentença,
atuando como marcador discursivo.
Percebemos, portanto, que o comportamento do termo/expressão, ora analisado,
assemelha-se ao processo de discursivização, já que é possível registrar, em diversos
contextos, o distanciamento semântico do termo em relação à forma-fonte e a assunção
de funções gramaticais e discursivas.
O caso aqui em estudo tem sido investigado mais acuradamente por pesquisadores
especializados na área que poderão trazer respostas mais conclusivas acerca da trajetória de
mudança do item tipo. Quisemos com este trabalho de análise superficial, tão-somente
realizar um exercício de reflexão em torno da teoria da gramaticalização, objetivando
compreender como esse processo se dá em situações de uso efetivo da língua.
REFERÊNCIAS
BITTENCOURT, V. O. Rumos da gramaticalização no português oral do Brasil.
Philologus,
v.
1,
n.13,
p.
69-75,
1999.
Disponível
em:
http://www.filologia.org.br/revista/artigo/5%2813%2969-75.html.
Acesso
em
15/12/2012.
CASTELANO, K. L.; LADEIRA, W. T. Funções discursivo-interacionais das
expressões “assim”, “tipo” e “tipo assim” em narrativas orais. In: Letra Magna. Ano
06 n.12 - 1º Semestre de 2010- ISSN 1807-5193. Disponível em:
http://www.letramagna.com/artigo24_XII.pdf. Acesso em: 02/01/2013.
GONÇALVES, S. C. L.; LIMA-HERNANDES, M. C.; CASSEB-GALVÃO, V. C.
(org.) Introdução à gramaticalização: princípios teóricos e aplicação. São Paulo:
Parábola editorial, 2007.
FERREIRA, A. B. de H. Dicionário Aurélio: dicionário escolar da língua portuguesa.
Curitiba: Positivo, 2005.
MARTELOTTA, M. E.; VOTRE, S. J.; CEZARIO, M. M. O paradigma da
gramaticalização. In: Idem (org.) Gramaticalização no português do Brasil: uma
abordagem funcional. Rio de Janeiro: UFRJ, 1996. (versão digital). Disponível em:
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http://www.discursoegramatica.letras.ufrj.br/download/publicacao_livro_gramaticalizac
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PEZATTI, E. G. O funcionalismo em linguística. In: BENTES, A. C; MUSSALIM, F.
(Org.) Introdução à linguística: fundamentos epistemológicos. v. 3. São Paulo: Cortez,
2007.
Recebido Para Publicação em 16 de abril de 2014.
Aprovado Para Publicação em 5 de maio de 2014.
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