VIDEOHACKERS

Transcrição

VIDEOHACKERS
VIDEOHACKERS
ou
O vídeo digital e a internet
como novas armas dos movimentos sociais
Miguel Bastos Viveiros de Castro
Maio de 2004
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INTRODUÇÃO
Neste texto pretendo falar sobre uma nova maneira de trabalhar com
audiovisual: vídeos que estão sendo produzidos e distribuídos
descentralizadamente, de maneira não-comercial, usando como ferramenta
fundamental a internet.
Nos últimos três anos, em que tenho estado envolvido com esta
forma de produção, acompanhei a criação de algumas técnicas e conheci o
que pode ser chamado de vídeo-ativismo. É uma forma de ativismo político
que ainda está sendo inventado, apesar de algumas características em
comum há grupos com propostas e trabalhos muito diferentes.
É tudo muito novo, tanto do ponto de vista da tecnologia, quanto da
linguagem e das formas de produção; e está longe de ter uma forma final
acabada e bem definida. Grandes problemas surgiram e estão sendo
esboçadas soluções.
Mas a novidade não está em uma proposta final que solucione todos
os problemas e, sim, na forma como o processo está se desenvolvendo e
as soluções estão sendo buscadas.
O VÍDEO DIGITAL
Na década de sessenta do século passado, a construção de câmeras
de cinema portáteis facilitou o surgimento de uma nova geração de
cineastas e a criação do Cinema Novo. Hoje, o advento do vídeo digital está
fazendo surgir uma nova e numerosa geração de video-makers.
É claro que há muita produção de baixa qualidade. Mas a facilidade
de acesso, a quantidade de gente produzindo e a grande possibilidade de
experimentação estão fazendo surgir propostas muito interessantes.
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Neste sentido, o vídeo digital vem se somar ao filme de 16mm e ao
super-8, que sempre foram tão importantes para possibilitar a
experimentação e aumentar a liberdade criativa dos realizadores.
Se, por um lado, a imagem em vídeo não tem a mesma beleza da
imagem em película, por outro lado, com uma câmera e um computador,
não se precisa mais do negativo, do laboratório, da truca, do estúdio de
som, etc. O custo de produção cai para níveis antes inimagináveis.
Este processo foi acelerado nos últimos anos com o surgimento do
formato DVCAM/miniDV, que, além do custo relativamente baixo, garante
uma qualidade de imagem numa relação qualidade/preço nunca vista. O
cabo firewire trouxe a grande inovação de transmitir da câmera para o
computador (e vice-versa), por um mesmo cabo, o sinal de vídeo, o das
duas faixas de áudio e, ainda, uma pista de subcódigos (o que possibilita ao
computador ler o t i m e c o d e das fitas de vídeo e, mesmo, operar
remotamente o videocassete).
Hoje, por um custo relativamente baixo, é possível ter uma boa
câmera e um computador portátil para produzir os vídeos que a pessoa
quiser, com qualidade suficiente para passar na tevê, ou fazer uma
kinescopagem. Pode-se ainda transformar os vídeos em arquivo de
computador e publicá-los na internet, gravá-los em VCD1 ou mesmo em
DVD.
O desenvolvimento do vídeo digital está inserido num contexto mais
amplo de profundas transformações tecnológicas.
VCD é um formato de mídia de vídeo muito popular no sudeste asiático e que tem
características híbridas entre o CD e o DVD. O suporte é um CD normal, mas a compressão e a
organização dos arquivos no disco são bem parecidas às de um DVD. Como o espaço no disco é
muito menor (num CD cabem 700MB e num DVD cabem pelo menos 4,7GB) a qualidade da
imagem é bastante inferior. Mas tem a vantagem de poder ser gravado em qualquer gravador de CD
e de poder ser lido tanto no computador quanto no aparelho doméstico de DVD. Esse formato
surgiu para distribuir cópias piratas de superproduções do cinema, via internet (muitas vezes antes
mesmo de serem lançadas comercialmente), e tende a desaparecer com a inevitável popularização
dos gravadores de DVD.
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A SOCIEDADE REDE
As sociedades evoluem e se transformam através de uma complexa
interação de fatores culturais, econômicos, políticos e também tecnológicos.
O tipo de tecnologia que se desenvolve em uma determinada sociedade
modela decisivamente sua estrutura material.
A tecnologia evolui em
pequenos aprimoramentos, até que se produzem grandes mudanças e se
estabelece um novo paradigma tecnológico.
Um exemplo de mudança de paradigma tecnológico que transformou
a estrutura da sociedade aconteceu com a revolução industrial. O novo
paradigma, provocado pela capacidade de gerar e distribuir energia com
artefatos feitos pelo ser humano, se caracterizou por revoluções associadas
na engenharia mecânica, metalurgia, química, biologia, medicina,
transportes e vários outros campos. E tornou possível a aparição de novas
formas de produção, consumo e organização social.
Para Manuel Castels (2001), estamos vivendo o informacionalismo,
uma mudança de paradigma tecnológico que proporciona a base de uma
estrutura social que ele chama de “sociedade rede”. O desenvolvimento dos
microchips, dos computadores pessoais, das telecomunicações e a sua
interconexão em rede, permitiram um extraordinário aumento na capacidade
de processamento de informação, não apenas quanto a volume, mas
também quanto a complexidade e velocidade das operações.
A metáfora da rede é uma interessante contraposição à idéia de
pirâmide. Enquanto nesta há uma hierarquia bem estabelecida, onde cada
um tem sua importância, função, posição e modo de operar bem definidos,
a rede é horizontal e se reestrutura a todo o momento de acordo com suas
necessidades.
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Uma rede é formada por nós interligados. Os nós não tem que
trabalhar sempre de uma mesma maneira. Eles
se adaptam às suas
funções e se associam livremente com outros nós à medida que precisam.
Neste sentido, a rede vai se refazendo a todo momento. Na rede, o principal
não é o centro ou o topo, e, sim, a comunicação entre os nós.
Por sua organização descentralizada, as redes possibilitam
processamentos paralelos, soluções alternativas e tomadas coletivas de
decisão num modelo interativo e flexível, que permite uma maior
capacidade de adaptação a situações novas.
Esta forma de organização em rede está presente nos mais variados
aspectos de nossa sociedade. As grandes empresas e a economia
funcionam assim. A comunicação também. Os governos dos estadosnações cada vez mais têm que se encaixar em mecanismos internacionais
como a OMC, a comunidade européia, o NAFTA, a ALCA, etc, para
manterem seu poder e influência. Ou seja, de alguma maneira eles também
estão tendo que se reconfigurar em rede.
Essa breve análise do modo de funcionamento da sociedade rede
não pretende levar à conclusão de que tudo isso é necessariamente
positivo. Muitas vezes, sob esse discurso de descentralização, o que
acontece são novas formas de dominação. Basta ver o controle que as
empresas dos EUA têm sobre praticamente todos os grandes acordos
internacionais. Há quem diga que acordos como a ALCA são a
perpetuação, em forma de contrato, da exploração que sempre sofremos.
Mas há indivíduos e grupos que sabem aproveitar o potencial
descentralizador da organização em rede para desenvolver criativas
experiências de colaboração, sem qualquer influência ou controle de
empresas ou governos. Nesse mundo que surge e ainda está sendo
inventado, cada sujeito pode criar pequenas mudanças e ir redefinindo
rumos. Em geral, quem está criando as últimas novidades da tecnologia não
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é o professor catedrático com décadas de universidade e, sim, algum
"moleque" que ainda tem a cara cheia de espinhas e maneja seu
computador como se fosse mais uma parte de seu corpo. Partes
fundamentais das pesquisas que levaram a criação do computador pessoal,
da internet e algumas das outras novidades que levaram ao
informacionalismo, foram desenvolvidas pelos chamados hackers.
HACKERS
Hackers, no senso comum, quer dizer piratas informáticos. Pessoas
que pirateiam softwares, burlam sistemas de segurança de computadores e
criam vírus. Mas este não é o sentido que os próprios hackers utilizam e
não tem nada a ver com o que se quer dizer aqui. Esse tipo de usuário
“destrutivo” é chamado pelos próprios hackers de crackers, dos quais fazem
questão de se diferenciar.
Nesta visão, hacker não se refere apenas a experts em informática.
Uma pessoa pode ser hacker em qualquer área a que se dedique. O que a
caracteriza como hacker é a relação com o próprio trabalho. Dessa maneira,
uma pessoa pode ser um agricultor hacker, um professor hacker, ou um
videohacker.
A primeira vez que um grupo se auto-intitulou dessa forma foi na
década de 60. Alguns pesquisadores do MIT (Massachusetts Institute of
Technology) passaram a se identificar como hackers, ou seja, pessoas que
programam apaixonadamente e que consideram um dever compartilhar a
informação e elaborar software gratuito.
Em seu livro "A Ética Hacker e o Espírito da Era da Informação",
Pekka Himanen (2001) faz uma brincadeira com Max Weber e seu "A Ética
Protestante e o Espírito do Capitalismo". Ele faz uma comparação entre a
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ética protestante, com seu profundo respeito à hierarquia, seu apego ao
trabalho e ao dinheiro, e a extrema alienação com relação ao fruto e aos
objetivos do trabalho; e o que seria uma ética hacker.
O que motiva um hacker é o prazer ao realizar um trabalho e a crença
no valor do que está sendo desenvolvido. A pessoa não trabalha pela
remuneração. Exista ela ou não, o que motiva é o estímulo de estar
desenvolvendo algo que se crê útil para os outros. Quanto mais gente usar
algo que eu fiz, ou quanto mais bem isso causar à comunidade, mais valor
tem o meu trabalho, mesmo que eu não tenha recebido nada para fazê-lo.
E partilhar o conhecimento com os outros é considerado um dever.
Os hackers costumam dizer que a forma mais cruel de manter a ignorância
é vender o conhecimento. Quando um hacker inventa um programa novo,
coloca a disposição de todos, de forma gratuita, o resultado de seu trabalho.
E além disso disponibiliza também todos os passos de sua pesquisa e todo
o código de seu programa. Isso se chama programa de código aberto.
Uma pessoa pode dominar completamente o Microsoft Word e achar
que sabe tudo a seu respeito. Mas isso é um engano. O usuário não tem
acesso a como o programa realmente funciona. Ele sabe que se apertar o
tal botão acontece tal coisa. Mas não sabe como e nem por quê. O
consumidor pode comprar o programa e utilizá-lo. Mas o conhecimento é de
propriedade da Microsoft e todos os que quiserem usá-lo terão que pagar.
Por exemplo, se alguém não está satisfeito com o mecanismo de
auto-correção do Word, não tem apenas que conseguir criar uma solução
melhor. Além disso tem que realizar um complexo trabalho de
desconstrução do código do software proprietário. Burlando os mecanismos
de segurança desenvolvidos para manter esse conhecimento nas mãos da
Microsoft, para só então saber como ele funciona. E então ele pode
programar sua proposta de solução e encaixá-la no programa original. Sua
solução será ilegal e não poderá ser compartilhada com outros usuários.
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Se aplicamos o mesmo exemplo à um programa de código aberto, a
solução é muito mais simples. O programador baixa o código do programa
da internet, afinal ele está disponível pra quem quiser vê-lo. Analisa como
ele funciona e escreve sua proposta de melhoria. Seu único compromisso é
o de colocar à disposição de todos o resultado de seu trabalho. Esse
mecanismo de criar uma obrigação de também distribuir abertamente o que
se conseguiu de maneira aberta é uma das idéias básicas da licença de
direito autoral que se chama copyleft.
COPYLEFT
Richard Stallman criou este termo, para opô-lo à noção de copyright.
Se o direito autoral torna as idéias algo passível de comercialização, o
esquerdo autoral difunde o conhecimento de maneira muito mais livre. A
típica licença de copyleft diz que “é permitida a cópia desde que para fins
não-comerciais, que se cite o autor e a fonte e que esta nota seja incluída.”
Ou seja, não se deixa de reconhecer o mérito do autor, apenas se impede
que alguém deixe de ter acesso aos benefícios daquela boa idéia por não
ter dinheiro para comprá-la. Outra preocupação é impedir que alguém se
beneficie de algo distribuído em copyleft para criar uma outra coisa e
registrá-la com copyright. Aliás, foi exatamente isso o que levou Stallman a
criar o copyleft.
Ele mesmo tinha sido o autor de inúmeras invenções no campo da
informática e nunca tinha se preocupado em registrá-las como de sua
propriedade, acostumado que estava a compartilhar suas invenções com os
outros e também a se beneficiar das invenções dos outros. Mas um dia
chegou um equipamento novo em seu laboratório e ele quis aperfeiçoar seu
software. Então ele descobriu que não podia, porque o tal programa estava
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“protegido” por leis de copyright.
Pode-se dizer que eram os tentáculos do sistema capitalista
chegando a um novo campo. Como a informática ainda estava sendo
inventada, até ali ninguém tinha se preocupado muito em regulamentá-la.
Mas quando a coisa começou a crescer e foi ficando claro que seria
possível ganhar muito dinheiro naquela área, tudo começou a mudar. Vários
dos membros das primeiras gerações de hackers “mudaram de lado” e
resolveram ganhar (muito) dinheiro com suas invenções. O caso mais
famoso é o de Bill Gates, dono da Microsoft, que é odiado por todos os
hackers.
Mas esse não foi o caso de Stallman. Ele ficou tão irado de não poder
aperfeiçoar o tal software, que pediu demissão de seu emprego, criou a
Fundação do Software Livre e passou a se dedicar à divulgação das idéias
de copyleft e de compartilhamento não remunerado de conhecimento. Ele
se tornou uma espécie de guru das novas gerações de hackers, inclusive
assumindo um visual de acordo. Quando esteve no Brasil, ele podia ser
visto com seus longos cabelos e barba brancos, sempre digitando algo em
seu laptop.
Há muitos bons exemplos que servem para ilustrar essa lógica de
trabalho hacker que se baseia no compartilhamento de informação, no
código aberto e no copyleft. A internet mesmo seria um ótimo exemplo, já
que foi criada dessa maneira. Mas o melhor exemplo, provavelmente, é a
criação do sistema operacional Linux.
LINUX
Sistema operacional é o software principal do computador, aquele
que controla todo o resto. É em cima dele que são instalados os programas
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e é ele que controla e interliga as várias peças do hardware. A maioria das
pessoas nunca parou pra pensar na existência do sistema operacional, pois
só conhece o Windows. O sistema operacional da Microsoft domina o
mercado de informática no mundo inteiro e sofre vários processos por
formação de monopólio.
Mas existem outros sistemas operacionais. Eu destacaria o Mac OS,
da empresa Apple e os que são baseados em Unix2.
Unix é uma linguagem de sistemas operacionais muito usada por
empresas que, por terem necessidades específicas, desenvolvem seu
próprio sistema operacional e seus próprios programas. O Unix funciona no
sistema de código aberto. Foi baseado nessa linguagem que o jovem
estudante Linus Torvalds criou seu próprio sistema operacional, o Linux.
De início, foi quase que só uma brincadeira. Ele tinha comprado um
computador novo e quis experimentar como seria criar um sistema
operacional. Só que a brincadeira foi virando séria. E não somente pelo
sistema que ele criou, mas pela maneira que ele o fez e distribuiu. Desde o
começo, Linus discutia muito com outros programadores, ouvindo opiniões
e trocando sugestões. Quando finalmente a primeira versão do sistema
operacional ficou pronta, Linus lançou ela como software livre, e milhares de
pessoas começaram a aperfeiçoá-lo voluntariamente. Hoje o Linux tem
milhões de usuários e algumas centenas de programadores desenvolvendo
melhorias no sistema e criando programas para rodar nele. Já existe até um
bom software para edição de vídeo no Linux, o Cinelerra.
O Mac OS foi um sistema operacional com logica própria até a versao 9.2.2, a
partir da versao X ele também se baseia em Unix).
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HACKERS FAZENDO MÍDIA
Essa atitude hacker se desenvolveu em muitas direções, sua
expressão mais radical em termos de mídia é o Centro de Mídia
Independente.
O CMI começou em Seattle, no final de 1999, mas para contar a sua
história precisamos voltar um pouco no tempo e ir ao México no dia 1 de
janeiro de 1994.
Neste dia entrou em vigor o NAFTA (North American Free Trade
Agreement – Acordo de Livre Comércio da América do Norte). E este
também foi o dia escolhido pelos indígenas mexicanos para fazer o levante
armado do EZLN (Exército Zapatista de Libertação Nacional).
Como de costume, a grande imprensa noticiou o fato em muito pouco
espaço e explicava pouco ou nada de suas intenções. Como já esperavam
isso, os zapatistas fizeram um grande trabalho de contra-informação,
principalmente na internet. Lançavam periodicamente comunicados,
dizendo o que queriam, o que pretendiam e o que iriam fazer. Falando
sobre a importância que esta tática teve para o sucesso de seu levante,
defenderam a criação de uma grande rede, descentralizada e com nós
autônomos, de contra-informação, onde os movimentos sociais de todos os
lugares do mundo pudessem se manifestar, contar a sua versão da história.
Um depoimento do sub-comandante Marcos (que é "sub" porque se
submete ãs decisões da autoridade máxima, a assembléia geral) no filme
Revolution Through Communication registra isso.
Estava lançada a idéia do que viria a ser o CMI.
Claro que perceber a importância da contra-informação não é uma
coisa nova. Desde a invenção da imprensa, ela foi muito usada pelos
movimentos sociais. Já no começo do seculo XX, no Brasil, jornais anarcosindicalistas como A Plebe e A Voz do Trabalhador, tinham grandes
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tiragens, falando da situação nas fábricas, das greves e também de
questões políticas mais amplas. Ao longo do século XX novas tecnologias
surgiram e com elas novas maneiras de disseminar idéias e lutas. Se por
um lado, existe a desconfiança de que Afonso Segreto, o primeiro operador
de câmera do cinema brasileiro, tinha ligação com anarquistas (cogita-se,
inclusive, de que seu desaparecimento misterioso deva-se a isso), por outro
lado não há dúvidas de que inúmeras rádios, tevês e projetos de vídeo
comunitário tiveram (e têm) motivações políticas.
Hoje os tempos são outros, vivemos um novo paradigma tecnológico
e a internet possibilita distribuição de informação em tempo real para os
quatro cantos do mundo. Desde o seu surgimento ela serviu para divulgar
todo o tipo de idéias. De maneira caótica e imprevisível é possível encontrar
de tudo na rede: de receita de bomba a música medieval, de manifestos de
indígenas mexicanos a anúncios de livros nazistas. E esse é justamente o
maior problema dela – para quem não está acostumado, é muito difícil
achar algo, são tantas as opções que não se sabe onde está o que se
busca.
Para quem procura notícias sobre os movimentos sociais, a tarefa
começou a ficar um pouco mais fácil depois das manifestações em Seattle e
da criação do indymedia.
INDYMEDIA
No final de novembro de 1999, a Organizaçao Mundial do Comércio
(OMC) tentou se reunir em Seattle. 50.000 pessoas de várias partes do
mundo foram à cidade, dispostas a impedir a reunião (o que realmente
conseguiram). Muitas delas, sabendo da importância que tem a repercussão
das manifestações na mídia e já prevendo o enfoque que seria dado pela
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grande imprensa, foram munidas de câmeras de vídeo, máquinas
fotográficas, gravadores, etc. Em algum momento surgiu a proposta de se
tentar fazer uma espécie de coordenação dessas pessoas, para aumentar o
espectro da cobertura e potencializar a distribuição.
Foi convocada uma primeira reunião, nela apareceram 500 pessoas.
Na segunda já eram mil. Um grupo de hackers (strictu senso) fez um site de
publicação aberta, onde todos podiam publicar as notícias do que estava se
passando na cidade, em tempo real. Estava criada uma potente ferramenta
de contra-informação, o Centro de Mídia Independente ou CMI, ou ainda
Indymedia.
Na noite do primeiro dia de conflitos, a rede de tevê CNN noticiou que
havia baderneiros pela cidade, mas que a polícia estava conseguindo
controlá-los sem violência. Em minutos, os manifestantes subiram para o
site centenas de imagens da brutalidade policial. A própria CNN voltou atrás
e disse que havia, sim, violência policial.
A guerra de informação se seguiu. E a distorção dos fatos não deixou
de existir, mas o mundo todo soube que algo novo havia acontecido em
Seattle.
Essa não foi a primeira “manifestação antiglobalização”, basta ver o
filme sobre a reunião do FMI com o Banco Mundial, em Berlim, em 1988,
para perceber que várias das características dessas manifestações já
estavam lá. A maior diferença está na maneira como as manifestações de
Seattle repercutiram. E isso está diretamente ligado à maneira como os
manifestantes souberam usar a contra-informação. Claro que o CMI não foi
a única iniciativa nesta área, mas provavelmente foi a mais poderosa.
Aqui vale a pena fazer uma observação sobre o nome que foi dado ao
movimento pela grande mídia. Ele é contra esta globalização que está
acontecendo. Uma globalização feita de acordo com os interesses das
grandes corporações transnacionais; onde se extingue barreiras ao dinheiro
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dos grandes especuladores, para que eles possam rodar o mundo
ganhando milhões sem produzir nada; e por outro lado se vigia e se pune
cada vez mais os fluxos de migração dos países pobres para os ricos. Mas
o movimento não é antiglobalização. Pelo contrário, é extremamente
globalizado. Como diz um dos slogans da Ação Global dos Povos3
“Estamos em todas as partes”.
Onde quer que os poderosos do mundo se reúnam, seja em Berlim
ou em Seattle, em Gênova ou no Catar, acontecem protestos e ações
diretas. Antes, os grandes organismos econômicos e os chefes de estado
dos países ricos faziam reuniões festivas e posavam sorridentes para a
imprensa. Agora têm que esvaziar cidades, construir muros e se cercar de
milhares de policiais para poderem se encontrar.
Mas voltemos à internet e ao CMI. Somente durante a semana dos
protestos em Seattle, o recém-criado site do Indymedia recebeu mais de um
milhão de visitas. E à medida que os dias iam passando, as pessoas
subiam mais e mais material para o site. Fotos, vídeos e relatos na primeira
pessoa contavam o que tinha acontecido lá. Todos queriam dar a sua
versão dos fatos e também ajudar essa boa idéia a se espalhar. E ela se
espalhou pelo mundo todo.
A rede Indymedia está presente em mais de 150 cidades, pelos cinco
continentes. Existem grupos do CMI no Japão, na África do Sul, na
Palestina, na Colômbia e até no Iraque existe um grupo se organizando. O
CMI já é o maior grupo trabalhando na internet, em qualquer área, e é
também a maior rede completamente baseada em trabalho voluntário no
mundo, seja dentro ou fora da internet.
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A Ação Global dos Povos, ou AGP, é uma rede de grupos e movimentos que ajudou a
estruturar o chamado movimento antiglobalização. Dela partiu a iniciativa dos “Dias de
Ação Global Contra o Capitalismo” incluindo aí as manifestações de Seattle.
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Aqui no Brasil, o CMI começou em janeiro de 2001, a partir de um
grupo em São Paulo que tinha organizado uma manifestação no dia 26 de
setembro de 2000, para protestar contra a reunião do Banco Mundial com o
FMI em Praga. No Rio, começou alguns meses depois, de maneira
independente. Através da própria rede, soube-se que havia um grupo em
São Paulo e fez-se contato. Depois disso foram criados coletivos em outras
oito cidades (Belo Horizonte, Fortaleza, Goiânia, Porto Alegre, Salvador,
Caxias do Sul, Brasília e Campinas) e se estruturou uma rede CMI-Brasil.
Hoje estão em processo de organização mais nove coletivos.
ORGANIZAÇÃO VIRTUAL
Quando a rede começou a se espalhar, ficou claro que teriam que ser
criados critérios para estabelecer o que significava fazer parte da rede, ou
seja, quem podia se considerar um novo coletivo do CMI. Pelo caráter
global da rede, seria impossível resolver tudo em reuniões cara a cara.
Apesar desse ser o melhor jeito de se discutir as coisas, não havia dinheiro
para financiar todos esses deslocamentos.
Foram criadas, então, as listas de discussão por e-mail. Desde então,
o CMI tem uma lista de e-mail para cada assunto novo que se torna
importante. Quando surgiu o CMI-Brasil, foi criada uma lista de e-mails do
CMI-Brasil (o endereço é [email protected]). Quando
começaram a ter diferentes grupos fazendo vídeo e participando do CMIBrasil, foi criada a lista cmi-brasil-ví[email protected]. Recentemente,
a discussão sobre o processo de crescimento e organização da rede CMIBrasil começou a gerar muitos e-mails na lista cmi-brasil. Decidiu-se, então,
criar
uma
lista
só
pra
esse
assunto,
a
lista
cmi-brasil-
[email protected]. E por aí vai. Só no Brasil são dezenas de
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listas e no mundo todo chegam a centenas. Para se conhecer todas as
listas, basta ir no site http://lists.indymedia.org.
Além das listas de e-mail, outro recurso da internet que é muito
utilizado são as salas de IRC, ou bate-papo, onde se pode conversar em
tempo real com pessoas do mundo todo. Através do endereço
irc.indymedia.org pode-se entrar em centenas de salas, todas discutindo o
CMI. Algumas delas não fecham nunca, outras são criadas e extintas de
acordo com necessidades momentâneas.
A pessoa pode entrar na sala #tech para tirar uma dúvida técnica e lá
encontrará, a qualquer hora do dia ou da noite, dezenas de pessoas de
várias nacionalidades e diferentes níveis de conhecimento, dispostas a
ajudar.
Da mesma maneira pode-se entrar no canal #Barcelona, p o r
exemplo, para encontrar amigos daquela cidade. Para acessar um canal, o
usuário só precisa digitar /join # e o nome do canal onde quer entrar ou
criar.
Para conhecer as salas abertas no momento é só digitar /list e
aparecerá uma lista com todas.
Muita gente entra no IRC apenas para bater papo e conhecer outros
voluntários da rede. Outros entram rapidamente para tirar alguma dúvida.
Mas também acontecem reuniões lá. Volta e meia a rede CMI-Brasil precisa
resolver alguma coisa e marca uma reunião. Todos entram na mesma sala
virtual numa determinada hora e a reunião acontece quase como se fosse
uma reunião cara a cara. A primeira coisa é escolher alguém para organizar
a reunião, em seguida se definem os pontos da pauta e, a partir daí, quem
quiser falar deve escrever que está levantando a mão. A pessoa vai
digitando e quando acaba deve escrever "fim", para que o organizador
possa passar a vez.
Foi dito que as reuniões são quase como se fossem cara a cara. Na
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verdade, não é bem assim. Elas são bem mais aborrecidas e demoradas
que as reuniões “ao vivo”. Este problema será, em parte, solucionado,
quando os participantes das reuniões por IRC puderem ver, falar e escutar
uns aos outros, ao invés de apenas lerem e escreverem.
Para isto é necessário um programa de IRC que suporte áudio e
vídeo, um microfone simples e uma webcam. Toda essa tecnologia já está
disponível e precisa apenas se popularizar um pouco mais, para poder ser
usada nas reuniões.
CONSENSO
Um dos primeiros consensos sobre a identidade da rede foi
justamente de que as decisões deveriam acontecer por consenso. Não
bastaria o tradicional critério de maioria para uma decisão ser tomada.
Funciona da seguinte maneira: primeiro se apresentam as diferentes
opiniões e se tenta compor as propostas para que não haja oposição. Se
não for possível, os grupos ou pessoas que discordam argumentam,
tentando convencer os outros. Se, ainda assim, não houver consenso, a
discussão recomeça. Chega-se num ponto em que o lado minoritário é
estimulado a abrir mão de sua posição, em nome da superação do impasse.
Mas ninguém é obrigado a fazê-lo. Se alguém, mesmo que seja só uma
pessoa, discorda tão veementemente dos outros que não aceita a proposta
deles, essa pessoa pode bloquear aquela proposta e ela não será
encaminhada.
É claro que se uma pessoa mal-intencionada ficar bloqueando as
propostas com o único objetivo de sabotar o grupo, este pode deixar de
levar a opinião daquela pessoa em consideração. Mas até agora isso
parece não ter acontecido nem uma única vez.
O processo de decisão por consenso pode parecer lento e ineficaz.
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Lento, ele muitas vezes é mesmo. Mas é extremamente eficaz e
democrático. As decisões tomadas dessa maneira têm o apoio de todos e
muitas vezes as soluções são criativas e eficientes. Pode parecer inviável
decidir tudo sempre assim. Mas até hoje a rede vem conseguindo e é
importante dizer que já são mais de dez mil pessoas participando das
discussões.
Esta forma de tomar decisões exige amadurecimento politico, e quem
não está acostumado a participar de processos de formação de consenso é
estimulado a observar, antes de participar mais ativamente. Mas ninguém é
impedido de dar sua opinião.
O que realmente torna possível este processo é a quase total
ausência de intrigas internas. E uma importante razão é que, dentro da rede
CMI, não existem disputas por poder, dinheiro ou status.
TRABALHO VOLUNTÁRIO E SEM HIERARQUIA
No CMI não há centralização de poder. Não existe qualquer tipo de
hierarquia. Ninguém é obedecido ou comandado. As decisões são coletivas
e, se alguém exerce mais influência no grupo, é porque os outros estão de
acordo com suas opiniões. Alguém que tente controlar ou manipular o grupo
é imediatamente mal-visto pelos outros e perde completamente sua
influência sobre o coletivo.
São extremamente valorizados o respeito aos companheiros, a
humildade na hora de expor idéias e o trabalho para a construção da rede.
Isso é o que mais dá “poder” dentro do grupo.
Outra coisa importante é que nenhum trabalho é remunerado no CMI,
seja a cobertura jornalística ou o trabalho organizativo. Todos os que
trabalham o fazem porque querem e acham que é politicamente importante.
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Esses dois aspectos da organização do CMI fazem com que dentro
dele não aconteçam as intrigas que costumam ser tão destrutivas dentro de
partidos políticos e ONGs. Nos partidos, as disputas por poder na hierarquia
do partido fazem aliados virarem inimigos. E nas ONGs, é freqüente que as
campanhas pelas quais trabalham fiquem em segundo plano, por conta das
disputas, e muitas vezes até pelo dinheiro, vindo de outros países, para
financiar projetos sociais.
Na minha opinião, o trabalho ser voluntário e não haver hierarquia
são dois fatores fundamentais para manter o CMI funcionando e tendo a
força que tem. Mas há outras características que são importantes para fazer
o CMI ser o que é.
PUBLICAÇÃO ABERTA:
ODEIA A MÍDIA? SEJA A MÍDIA!
Esta é a característica mais importante do site do CMI4. Não há um
grupo de repórteres ou mesmo um editor definidos. Não há pauta. Quem
escolhe as matérias que entram são as pessoas que se dispõem a escrever
sobre os assuntos que julgam importantes. Cada leitor pode se tornar um
repórter quando queira. Como diz um dos slogans do CMI: Odeia a mídia?
Seja a mídia!. Os movimentos sociais, que estão tão acostumados a se
verem completamente deturpados na grande mídia, são estimulados a
darem a sua versão dos fatos.
Para publicar no site, não é necessário qualquer conhecimento
técnico de informática. O leitor pode clicar no link “publique”, que fica em
destaque na página principal do site, ou ir diretamente ao endereço
4
Ver Anexo 1.
20
http://publique.midiaindependente.org.5 Lá, ele encontra um formulário
simples, onde deve dar um nome ao artigo, dizer quem é o autor, pode
colocar ou não endereços para contato, deve fazer um resumo da matéria e
colocar o texto em si. No caso de querer publicar arquivos que estão em
seu computador (que podem ser fotos, áudios ou vídeos) ele deve dizer
onde esses arquivos estão. No final ele clica em um botão escrito “publicar”
e em seguida seu artigo entra em posição de destaque no alto da página. À
medida que vão entrando matérias novas, as outras vão descendo, mas
nunca saem da página, apenas ficam no arquivo de notícias antigas. E
quando alguém discorda de algo dito em uma matéria ou mesmo quer
apenas fazer um comentário sobre ela, basta clicar no link “envie um
comentário”, que está presente em todos os artigos, preencher um
formulário parecido com o do "publique" e seu comentário também entra em
tempo real. Pode demorar um pouco até o servidor se atualizar, mas é
pouca coisa.
A publicação aberta rompe com o padrão tradicional da comunicação,
onde há um emissor e um receptor, se comunicando em uma via de mão
única. Aqui a comunicação se dá em mão dupla. Como diz o CMI
Barcelona, são “as verdades de todos contra a mentira única”.
Muito se fala de como a tevê manipula as pessoas e forma seres
acríticos. O cidadão comum assiste a tevê e acredita que ela pode ser
imparcial e dizer apenas a verdade. Obviamente isso não existe e o CMI é
um bom lugar para se perceber isso. Pela variedade de opiniões e visões, o
próprio leitor é que tem que juntar os fatos, comparar a informação e formar
a sua própria visão da realidade. Como dizem os do CMI Equador, “é você
quem maneja a informação”.
Recentemente, tive a oportunidade de participar da 4a Cúpula
Mundial de Mídia para Crianças e Adolescentes. Uma das coisas mais
5
Ver Anexo 2.
21
importantes que ouvi foi a de que é necessário educar as crianças para
terem uma relação crítica com o que recebem da mídia. E uma das
maneiras de lidar com isso seria justamente ensinar a criança a fazer mídia.
Alguém que já escreveu um jornal, fez um programa de rádio ou editou um
vídeo sabe o quanto qualquer visão de qualquer fato é manipulável. Depois
dessa experiência, a pessoa passa a fazer uma leitura muito mais crítica do
que recebe dos grandes meios de comunicação. A publicação aberta
estimula o desenvolvimento dessa leitura crítica.
POLÍTICA EDITORIAL
Se por um lado a publicação aberta facilita a colaboração de todos os
que querem ajudar, por outro ela também é uma porta aberta para os
sabotadores. Desde que o CMI começou a ser mais conhecido, muitos
artigos, que não têm a menor intenção de contribuir, começaram a
aparecer. Há dias em que toda a coluna da publicação aberta é ocupada
por matérias de direita.
Para evitar este problema, foi criada uma política editorial. Ela tem
poucos itens e está aberta à discussão. Se alguém discorda dela ou acha
que é insuficiente, pode sugerir mudanças. Os itens da políca editorial
atualmente são:
1) Serão imediatamente retiradas da coluna da direita as
publicações que:
- sejam de cunho racista, sexista ou em qualquer sentido
discriminatórias;
- contenham ofensas pessoais;
- façam qualquer tipo de propaganda comercial;
22
- visem promover algum candidato ou partido político;
- estejam em oposição aos princípios e valores do CMI Brasil.
As matérias retiradas da coluna da direita são enviadas para a
coluna de artigos escondidos.
2) Textos buscando apenas contatar pessoas ou o próprio Centro
de Mídia Independente não podem ser publicados como matérias. Para
contatar pessoas, utilize as listas de discussão; para contatar o CMI,
escreva para [email protected];
3) As matérias não podem ser publicadas duas vezes e um texto
publicado como comentário a uma matéria não pode ser publicado
novamente como matéria independente;
4) As matérias publicadas, normalmente não têm copyright. Os
interessados podem reproduzir e distribuir essas matérias para fins não
comerciais desde que mencionem o autor e a fonte. Matérias com
copyright podem ser publicadas desde que a situação seja indicada e
haja permissão do detentor dos direitos;
5) O coletivo editorial não edita o conteúdo das matérias mas se
reserva o direito de fazer pequenas modificações de formatação para
compatibilizar a informação com padrões técnicos do site.
É muito importante esclarecer que essa política editorial não define o
que vai entrar no site, e, sim, o que vai sair. Ou seja, todos os artigos
entram, sem passar por nenhum filtro prévio; quando um leitor acha que um
artigo está fora da política editorial, ele escreve para a lista de e-mails [email protected] e, se for consenso nessa lista, o artigo
sai da coluna de notícias. Mas para que o processo seja bem transparente e
democrático o artigo continua no site, numa coluna que se chama “lixo
23
aberto”; assim todos os leitores podem acompanhar qual é o tipo de matéria
que é retirado.
INDEPENDÊNCIA FINANCEIRA
Uma pergunta muito freqüente feita ao CMI é o que possibilita afirmar
essa independência com "i" maiúsculo. E a resposta está em ter muito
cuidado com a origem do dinheiro aceito pela rede.
Não se veicula qualquer tipo de propaganda comercial. Também não
se aceita dinheiro de instituições governamentais e nem mesmo de partidos
políticos. Recusam-se doações de qualquer corporação, por mais bem
intencionada que ela possa parecer.
Para muitos isso pode parecer uma loucura. Mas é o que nos dá a
liberdade de poder dizer sempre o que pensamos, de poder criticar a tudo e
a todos. E essa liberdade não tem preço.
Há cerca de dois anos atrás a Fundação Ford quis doar 50 mil
dólares para a rede Indymedia. Foi uma grande discussão. Muitos coletivos
do CMI chegaram a cogitar de aceitar o dinheiro, principalmente usando o
argumento de que nada nos era pedido em troca. Eles não queriam nem
saber no que a doação seria investida.
Um dos argumentos a favor de aceitar o dinheiro foi a história de um
grupo de anarquistas espanhóis, antes da guerra civil, que assaltava bancos
e queimava o dinheiro em praça pública, enquanto discursava sobre os
males do capitalismo. Um dia, um deles teria dito aos companheiros que
talvez valesse a pena pegar parte daquele dinheiro e investir no movimento,
fazer jornais, fortalecer os sindicatos e etc.
Mas o argumento decisivo viria em seguida. Mesmo sem convencer a
todos, ele acabou por encerrar a discussão. Tudo em nome da decisão por
24
consenso. O grupo do CMI Argentina apresentou um bloqueio à proposta de
se aceitar o dinheiro.
Eles diziam que a Fundação Ford tinha sido um dos financiadores
privados da ditadura argentina. Garantiram que, se aceitassem o dinheiro,
deixariam de ser respeitados por todos os movimentos sociais organizados
em seu país. Como já foi dito, eles não convenceram a todos. Mas como
apresentaram um bloqueio a essa proposta, em nome da decisão por
consenso e da unidade da rede Indymedia, o dinheiro da Fundação Ford
não foi aceito.
Até hoje essa discussão não foi completamente superada. Depois
disso, a Fundação Open Society, do mega-especulador George Soros, quis
doar 500 mil dólares ao CMI. De certa maneira ele é o símbolo de tudo
contra o que luta a rede. Ainda assim, algumas pessoas foram a favor de
receber o dinheiro. Mas não foi consenso e, até hoje, nenhuma dessas
doações de fundações foi aceita.
O CMI só aceita doações de pessoas. Militantes políticos que tenham
algum dinheiro e queiram doá-lo ao CMI. A maior doação que já recebemos
foi da banda punk Chumbawamba.
Eles foram procurados pela General Motors, que queria comprar uma
de suas músicas para servir de trilha sonora de um comercial de tevê. A
princípio eles recusaram. Mas depois lembraram do CMI e fizeram uma
proposta à rede. Se, e somente se, o CMI aceitasse o dinheiro ganho no
comercial como doação, eles venderiam a música. Após muita discussão a
decisão foi de aceitar, já que a doação vinha da banda e não da General
Motors. Essa foi a única grande doação que já recebida e foi de 35 mil
dólares.
É claro que tudo isso - ser uma rede tão grande e só aceitar doações
pessoais de ativistas - só é possível porque os gastos são muito pequenos.
25
Os sites estão hospedados em computadores dos voluntários,
montados a partir de peças de computadores usados e reaproveitados. Os
programas são feitos pelos membros do coletivo técnico. E a conexão à
internet não é paga.
Para realizar os projetos no dia a dia, os gastos quase sempre são
pagos pelos próprios voluntários, seja a xerox de um jornal, as fitas para se
gravar um vídeo ou os deslocamentos para fazer uma cobertura. Os
equipamentos usados, em geral, são pequenas doações recebidas ou são
do próprio voluntário que os utiliza. Esse é também o caso dos vídeos,
como o que serve de base a este trabalho.
A206
Este vídeo começou a ser gravado no dia 20 de abril de 2001. O
coletivo do CMI no Rio estava começando a se formar e queríamos
conhecer melhor a experiência do coletivo de São Paulo. Eles estavam
organizando uma grande manifestação por ocasião do encontro que os
chefes de estado de 34 países teriam em Quebec, no Canadá, para discutir
a formação da ALCA.
Eu já trabalhava com vídeo digital, mas ainda não conhecia nada
sobre vídeo na internet. Esta me pareceu a oportunidade perfeita para
tentar aprender a partir da prática. Então resolvi levar a câmera e gravar a
manifestação.
Ao longo dos preparativos fomos tendo mais informação, pelo próprio
site do CMI. Pessoas faziam pesquisas sobre a Alca e escreviam artigos;
Os dias de ação global são conhecidos pela primeira primeira letra do mês e o
número do dia em que acontecem. Dessa maneira a manifestação em São Paulo
do dia 20 de abril de 2001 ficou conhecido como A20, o 30 de novembro em
Seattle virou N30...
6
26
manifestantes publicavam chamados para as reuniões, ensaios e
preparativos em geral; traduziam notícias de outros CMIs, sobre como iam
os preparativos em outras partes da América.
DICAS DE MODA PARA O MANIFESTANTE ELEGANTE
A propósito dessa manifestação, vale citar um artigo que ocupou meia
página da Folha de São Paulo, e que é um ótimo exemplo do bom humor e
o tom de informalidade que permeia a maior parte de nosso trabalho. Com o
título “Dicas de moda para o manifestante elegante”, era redigido como se
fosse um editorial de moda mas, na verdade, convocava as pessoas para a
manifestação, explicando nossas razões, e, de quebra, dando dicas de
como se preparar para um eventual enfrentamento com a polícia.
“Uma manifestação é, antes de tudo, um evento social
– principalmente as manifestações anti-globalização que são
grandes eventos internacionais. Quando você for a uma
manifestação, lembre-se que haverá muitas câmeras e há
uma grande chance de você ser visto no mundo inteiro. Você
não quer aparecer desarrumado e deselegante, quer?” 7
O autor assinou como se fosse a colunista de moda Gloria Kalil. Um
repórter da Folha de São Paulo acreditou e quis fazer uma entrevista. Ela
assumiu a autoria, o que nos rendeu um bom espaço na mídia, divulgação
do site e convocou muita gente para a manifestação.
7
Ver texto integral do artigo no Anexo 3.
27
O VÍDEO COMO TESTEMUNHA DA VIOLÊNCIA POLICIAL
Os manifestantes sabiam que havia a possibilidade de repressão
violenta pela polícia. Todas as últimas manifestações na Avenida Paulista
tinham terminado na base do cacetete. A última, do Sindicato dos
Professores, tinha sido dispersada dez minutos depois de começar.
Mas a violência foi muito maior do que podíamos imaginar. E as
imagens que gravei revelam isso com uma força surpreendente. Além de
mostrar inúmeros atos ilegais cometidos pelos policiais, como o fato de
estarem sem identificação, o vídeo desmonta as explicações da polícia para
justificar as agressões e prisões. Dizem que estávamos nos preparando
para agredi-los, que tínhamos objetos que mostravam que queríamos briga.
Ora, só o que portávamos eram escudos, ninguém usa escudo para bater
nos outros. Escudo é um instrumento de defesa. Dizem que fechamos o
tráfego na Avenida Paulista, impossibilitando a passagem de ambulâncias
(notem aqui a tentativa de apelo sentimental, não estávamos simplesmente
atrapalhando o tráfego, estávamos atrapalhando as ambulâncias).
O vídeo revela que quem fechou a avenida foram os próprios
policiais. E, por ironia, também foram eles que impediram o acesso de
vários feridos aos hospitais da região. Policiais foram aos hospitais dizer
aos médicos que não deveriam atender os manifestantes pois eram
baderneiros. Em pelo menos um caso, um grupo de policiais chegou a fazer
disparos para o alto, na porta do Hospital Nove de Julho, para dispersar os
manifestantes, que tentavam fazer pressão para serem atendidos
(infelizmente isso não gravei, porque não vi, mas entrevistei pessoas que lá
estavam).
Minhas imagens foram arroladas como provas num processo contra a
polícia.
28
O VÍDEO COMO FATOR DE MOBILIZAÇÃO
Além de se tornar uma prova da violência policial, o vídeo também
serviu para mobilizar pessoas. Organizamos muitas sessões para a sua
exibição, nos mais diferentes lugares: favelas, escolas, universidades,
praças públicas, festivais de cinema. Onde fosse possível exibimos o filme e
contamos o que tinha acontecido. E as reações sempre são fortes. A
sensação de impotência se mistura com a raiva e muitos reagem: “Quando
vai ser a próxima manifestação? Eu quero estar lá”.
CONTRA-INFORMAÇÃO
Na mesma noite, os telejornais mostraram cenas da manifestação. As
versões apresentadas chegavam a ser cômicas. “Manifestantes, que nem
sabem o que é Alca, atacam a polícia, que se defende”. “Arruaceiros de
toda a grande São Paulo vieram à Avenida Paulista para o conflito”. Mas o
máximo do sensacionalismo foi a manchete do Jornal do Brasil no dia
seguinte: “Punks e Neonazistas fazem arruaça na Avenida Paulista”.
Neonazistas?!
A necessidade de contar o nosso lado da história era evidente. No
mesmo dia, antes de voltar para o Rio de Janeiro, fiz cópias da fita bruta,
para serem exibidas em São Paulo a partir do dia seguinte. Assim que
cheguei ao Rio preparei um primeiro corte, com as cenas mais importantes.
Já começamos a distribuir cópias sistematicamente. Depois veio uma
edição mais cuidada. O vídeo “Não começou em Seattle, não vai terminar
em Quebec” teve mais de mil cópias distribuídas até agora e alguns
subprodutos.
29
Como os direitos autorais do vídeo estão em copyleft, muitas pessoas
reaproveitaram o material, fazendo seus próprios vídeos. Uma manifestante
gravou todos os noticiários da tevê e editou com as minhas imagens; uma
banda punk de Santos fez seu videoclipe e três bandas de hip hop, da
periferia de São Paulo, fizeram o mesmo. Dessa maneira, aquelas imagens
chegaram a pessoas que nunca se interessariam em assistir um vídeo
sobre uma manifestação contra a ALCA.
PAREM O MUNDO, QUERO DESCER
Hoje o vídeo está fazendo parte de dois longa-metragens. Um eu
mesmo estou fazendo, está em fase de edição e se chama “Parem o
mundo, quero descer”. Ele usa a manifestação do dia 20 de abril de 2001
como linha narrativa para falar do movimento, de uma maneira geral. Além
das imagens do próprio dia, tenho depoimentos dos presos, dos feridos e de
membros das várias comissões que organizaram a marcha. Minha idéia é
intercalar imagens da passeata na Paulista com movimentos em várias
partes do mundo, mostrando semelhanças e diferenças e ajudando a
construir essa rede de movimentos sociais autônomos e interligados que a
mídia gosta de chamar de movimento antiglobalização.
Esse texto seria originalmente sobre o “ Não começou em Seattle…”
mas o projeto cresceu, minha experiência e envolvimento na área
cresceram muito e resolvi ampliar o assunto para o longa “Parem o mundo,
quero descer” e o vídeo-ativismo de uma maneira geral. Relendo o livro de
Pekka Himanen sobre a ética hacker, me veio a cabeça o título de
videohackers, o que, a meu ver, define bem o que fazemos.
30
TRADDING FREEDOM: THE SECRET LIFE OF FTAA
Mas voltemos aos produtos derivados das gravações de São Paulo.
Ainda antes da manifestação, fiquei sabendo de um projeto muito
interessante. Algumas pessoas do CMI de Washington D.C. estavam
propondo que equipes de vídeo por toda a América se coordenassem para
realizar um vídeo sobre as manifestações daquele dia. Foi criada uma lista
de e-mails onde todos os interessados em fazer parte do projeto poderiam
trocar informações e planejar o trabalho. Eventualmente houve também
reuniões por IRC, onde as pessoas das várias partes do continente
decidiram algumas questões mais polêmicas e urgentes. A idéia, além de
interessante, era inovadora. Num mesmo dia, grupos em várias partes do
continente, gravavam imagens sobre uma mesma coisa, para o mesmo
vídeo.
Na fase seguinte, de pós-produção, a idéia era continuar trabalhando
da mesma maneira. Mas havia um desafio a ser superado. A edição tinha
que ser realizada em algum lugar real. Mesmo que pudéssemos ter mil
reuniões virtuais onde nos encontrássemos para discutir o projeto, as fitas
tinham que estar em alguma ilha de edição real. Foi decidido que todos
enviariam as fitas para o grupo que teve a idéia original, em Washington
D.C.. Quem quisesse, poderia também enviar uma versão já editada, para
formar um seqüência do filme.
Para pessoas que gravaram em uma mesma cidade, caso
principalmente dos que estavam em Washington e Quebec, era difícil a
montagem pois seria preciso cortar de uma câmera para a outra, e,
portanto, tomar decisões coletivas. Não era possível que cada um editasse
seu material. Mas em casos como o meu, que era o único do Brasil, ( havia
vários outros cinegrafistas gravando a manifestação em São Paulo, mas a
demora na articulação e troca desses materiais acabou impedindo a
31
participação deles) a minha edição se manteve praticamente intocada,
sendo apenas um pouco reduzida.
Nos casos em que a edição teve que ser feita com o material de
muitas pessoas, houve brigas. Havia os que achavam que um pequeno
grupo deveria tocar a edição com autonomia, havia os que queriam discutir
todo o projeto, passo a passo. Numa verdadeira reedição da eterna
discussão sobre autonomia, autoritarismo, democracia e eficiência.
Se, por um lado, a idéia de editar coletivamente mantinha o espírito
do projeto, por outro era muito pouco realizável. Uma coisa é idealizar um
projeto coletivamente, outra é fazer uma edição resolvendo cada corte entre
dezenas de pessoas que sequer estão no mesmo país.
No final, algumas pessoas saíram da equipe descontentes. Mas o
importante é que o filme foi feito. Aprendemos muita coisa, com erros e
acertos, e hoje há novas experiências que procuram contornar esses
problemas. As soluções vão em caminhos variados.
ESSA É A CARA DA DEMOCRACIA
Para fazer um pequeno histórico desta nascente maneira de produzir
filmes, eu gostaria de ir um pouco atrás no tempo e falar da experiência
que, apesar de não tão radical na descentralização, já tinha o embrião
dessa idéia de filmes com produção descentralizada. E para isso temos que
voltar às manifestações de Seattle.
Quando acabaram as manifestações, as pessoas voltaram para casa
e foram editar seus vídeos. Quando esses documentários começaram a
circular, fizeram muito sucesso. Quem esteve lá, revia as situações pelas
quais havia passado e quem não tinha estado, conhecia em imagens as
coisas de que só tinha ouvido falar.
32
Cada vídeo era muito diferente do outro; haviam visões ideológicas
diferentes (um vídeo era mais anarquista, outro mais reformista…); havia
vídeos que estavam no meio dos conflitos com a polícia; outros que
mostravam mais reuniões e palestras. E logo ficou claro que, de certa
maneira, todos eram incompletos e complementares.
Alguns ativistas da produtora de vídeo Big Noise Films, que são
também voluntários do Centro de Mídia Independente, resolveram tentar
fazer um filme que mostrasse uma visão mais completa daqueles dias.
Fizeram chamados nos sites do CMI, fizeram circular mensagens por
correio eletrônico, divulgaram no boca a boca, e conseguiram reunir
imagens de mais de cem cinegrafistas que estiveram em Seattle nos dias
dos protestos. Conseguiram também a colaboração de pessoas famosas
que estavam lá, dessa maneira parte da narração do filme é da Susan
Sarandon e a trilha sonora é da banda Rage Against The Machine.
Foi um grande sucesso. O filme “Essa é a cara da democracia” ficou
muito bom e rodou o mundo, mostrando a violenta repressão policial num
país que se acha polícia do mundo e, contraditoriamente, se diz o defensor
da democracia.
O FUTURO
Depois do “Essa é a Cara da Democracia”, grupos começaram a se
organizar localmente e produzir vídeos coletivamente em algumas cidades.
Não conheço todo o desenvolvimento do processo, mas o grande passo
seguinte, e o primeiro de que participei, foi o vídeo “Trading Freedom”. Do
qual já falei e que trazia como grandes novidades o fato de haver uma préprodução (ao contrário do “Essa é a Cara da Democracia”, onde só houve
contato entre os ativistas posteriormente às gravações) e a tentativa de se
33
descentralizar mais o trabalho.
Hoje há dois rumos sendo investigados.
Por um lado temos o vídeo “Web of Dissent”, que pragmaticamente
assume um certo grau de centralização. E por outro temos diferentes
coletivos tentando criar a ferramenta por excelência da produção
descentralizada de filmes, o drop box, um lugar onde todos podem trocar
material bruto e/ou editado e desenvolver seus próprios projetos, de
maneira completamente descentralizada. Mas vamos por partes.
WEB OF DISSENT
Web of Dissent é um documentário sobre vídeo-ativistas cobrindo as
manifestações contra a guerra no Iraque, que aconteceram em todo o
mundo no final de semana dos dias 11, 12 e 13 de abril de 2003.
Há equipes em lugares tão variados como São Paulo, Roma,
Jerusalém e Seul.
A idéia surgiu em Vancouver, no Canadá. Um grupo de pessoas
procurou outros ativistas que também estivessem interessados, dessa vez
além dos anônimos chamados pela internet. O que funcionou bem foi uma
rede informal de ativistas de vídeo que já se conheciam, pois nesses
poucos anos muitos contatos foram feitos, graças à facilidade da internet.
No meu caso, por exemplo, uma amiga de Houston, que tinha participado
do Trading Freedom comigo, me indicou ao pessoal do Canadá, e eu acabei
sendo da única equipe latinoamericana a participar do filme.
Dessa vez o grupo que iniciou o projeto foi bem pragmático e deixou
claro desde o início que eles iriam editar os vídeos. Enviaram para cada
participante um texto dando orientações de direção, dizendo a maneira
como eles gostariam que tudo fosse gravado. Claro que eles estão abertos
34
a sugestões, o processo será discutido passo a passo e sugestões são
bem-vindas. Mas a última palavra é deles.
Outra novidade é que dessa vez a maneira como se está produzindo o filme
é o assunto central dele mesmo. Em cada cidade em que há gravações, há
dois operadores de câmera: um que grava a manifestação e é personagem
na história, e outro que grava o processo de fazer o filme: os preparativos,
entrevistas com o câmera-personagem (sobre quem ele é, como trabalha,
que filme é esse, explicando como serão feitas as gravações), o trabalho na
manifestação e todo o processo de pós-produção.
Cada equipe, quando voltou da manifestação, foi pra alguma ilha de
edição, selecionou o material (alguns já editaram) e já "subiu" para a
internet as primeiras versões de vídeos e fotos para seus próprios sites, já
que a internet exige rapidez. Uma notícia fica velha logo. E depois disso
subiram as melhores partes do vídeos, em alta resolução para um servidor
de internet, onde os membros das outras equipes também tinham acesso as
imagens.
A idéia é que uma primeira versão seja editada, que num dia
combinado todas as equipes assistam a esse primeiro corte e, em seguida,
discutam online mudanças e desenvolvimentos. A seguir, o grupo de
Vancouver edita a versão final e a reapresenta a todas as equipes, que
mais uma vez assistem e dão suas opiniões. Todos esse processo de troca
de vídeos pela internet também vai ser gravado, assim como as
particularidades de cada equipe e local. Tudo isso entrando no material final
do filme.
DROP BOX
A outra tentativa de produção descentralizada de vídeo que está em
desenvolvimento é o Drop Box, que tenta solucionar as dificuldades de se
35
editar vídeo de maneira descentralizada, quando diferentes equipes, e
portanto diferentes enfoques, têm que trabalhar juntos e chegar a uma
forma final que agrade a todos.
A experiência do Trading Freedom já tinha mostrado que isso era um
problema consideráve, seja por discordâncias estéticas, pequenas
diferenças culturais ou mesmo por vaidade, na hora da edição todos
querem ter a palavra final.
A solução foi abrir mão de se ter uma única forma final, uma edição
fechada. Na verdade essa solução surgiu informalmente, aos poucos foi
sendo posta em prática, até se desenvolver na forma do drop box.
A cooperação entre os grupos era simples. Todos tinham como
objetivo principal denunciar questões políticas. Quanto mais visibilidade os
vídeos tivessem melhor. A grande dificuldade não estava na colaboração,
mas na forma final, e nenhum dos grupos se importava que houvesse
diferentes versões, editadas pelos diferentes grupos e portanto com
particulariedades da forma de ver de cada um. Os vídeos passaram a ter
várias edições. Ao inves de trocar versões prontas e editadas dos vídeos,
as pessoas passaram a trocar material bruto (ou cenas pré-selecionadas
mas não editadas). Só que isso era feito informalmente, entre pessoas que
eram amigas ou tinham alguma forma de contato.
Um tempo depois, em diferentes coletivos espalhados pelo mundo,
foram surgindo (com particularidades locais) os Drop Box.
É basicamente um computador servidor conectado à internet onde
todos os vídeo ativistas interessados podem colocar os vídeos que forem
gravando, para que os outros possam baixá-los e reutilizar como quiserem.
A forma de funcionamento varia em cada caso, mas a idéia básica é
de que quem produz o vídeo sobe para o servidor uma versão editada e o
material bruto, junto com uma explicação do que é aquele material. Todos
36
os que quiserem podem ter acesso, descem os vídeos que quiserem e os
utilizam como quiserem, desde que respeitando as regras do copyleft.
CONCLUSÃO
Essa ferramenta ainda está sendo desenvolvida e é impossível dizer
onde ela vai parar. No CMI há um grupo que pretende lançar em poucos
meses um Drop Box sediado em um servidor nosso e onde tudo poderá ser
feito com software livre (inclusive a compressão do vídeo, o que até agora é
impossível).
Independente do que venha a se tornar, o Drop Box já é uma grande
invenção para essa maneira de produzir filmes de maneira descentralizada.
Além disso, ele também é uma ótima ferramenta de distribuição.
Mesmo que a pessoa não queira disponibilizar o seu material bruto, ela
pode usar o Drop Box para distribuir seu filme. Ela sobe para o servidor o
filme pronto, com a qualidade máxima e divulga para quem quiser o filme o
endereço na internet onde ele está disponível.
A distribuição é um eterno problema do cinema brasileiro. Ter um
filme bem distribuído sempre foi coisa para poucos. Mas a mesa pode estar
começando a virar. O futuro está por ser inventado e pode estar escapando
das mãos das grandes corporações. Mãos à obra.
37
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