- Polis Educacional
Transcrição
- Polis Educacional
FACULDADE DE JAGUARIÚNA FÁBIO HENRIQUE ABRUCEZ UNIÕES HOMOAFETIVAS COMO NOVO MODELO DE FAMÍLIA E A POSSIBILIDADE DE SUCESSÃO Jaguariúna 2008 FÁBIO HENRIQUE ABRUCEZ UNIÕES HOMOAFETIVAS COMO NOVO MODELO DE FAMÍLIA E A POSSIBILIDADE DE SUCESSÃO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Direito da Faculdade de Jaguariúna para obtenção do título de Bacharel. Orientador: Francisco de Assis Garcia. Jaguariúna 2008 UNIÕES HOMOAFETIVAS COMO NOVO MODELO DE FAMÍLIA E A POSSIBILIDADE DE SUCESSÃO Este exemplar corresponde à redação final da Monografia de graduação defendida por Fábio Henrique Abrucez e aprovada pela Comissão julgadora em 20/02/2008. Francisco de Assis Garcia Orientador Flavio Fernandes Pacetta Edi Aparecido Trindade Jaguariúna 2008 Dedico este trabalho a todos os homoafetivos que esperam da Justiça, a justiça! AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer ao meu orientador, profº. Drº. Francisco de Assis Garcia, por ter inicialmente aceitado me orientar, e por sua dedicação e paciência comigo. Também gostaria de agradecer aos membros da banca, por participarem e opinarem neste trabalho dando sua honrosa contribuição. Gostaria de agradecer aos meus amigos da faculdade, por todo o tempo que estivemos juntos, e ao colega de sala Deyverson Faria, que me ajudou com alguns materiais para este trabalho. Agradeço o apoio da família, pois sem vocês eu não chegaria até aqui. Sou muito grato ao grande apoio da Senhorita Cleide Alves da Silva, que muito me incentivou e me ajudou na elaboração deste trabalho deixando seus afazeres para se fazer presente grande parte do tempo. Sou grato a meu amigo Sandro Aparecido de Camargo com qual logrei muitas discussões esclarecedoras a cerca do tema. Agradeço a colega Tatiane Zoia pelas traduções que me foram muito úteis. Enfim, a todos que contribuíram direta ou indiretamente para a realização deste trabalho. Obrigado! ABRUCEZ, Fábio Henrique. UNIÕES HOMOAFETIVAS COMO NOVO MODELO DE FAMÍLIA E A POSSIBILIDADE DE SUCESSÃO. 2008. 85f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação)-Curso de Direito, Faculdade de Jaguariúna, Jaguariúna, 2008. RESUMO Este trabalho é uma pequena fração de um tema muito mais amplo que trata da homossexualidade e suas diversas facetas para o mundo, a homossexualidade pode ser analisada profundamente do ponto de vista histórico, social, científico, seja pela medicina, psicologia, antropologia, dos e pelo estudo do Direito, que é o que mais se focou o trabalho. Porém, mesmo em se tratando do ramo do Direito, ainda sim aqui o tema é muito amplo, podendo se abordar outros aspectos que não puramente a possibilidade da sucessão. Para melhor deslumbramento e compreensão, no trabalho será encontrada uma breve passagem pelas principais facetas acima aduzidas. Quanto a sucessão propriamente dita, se verificará que existe uma ausência de leis que pode ser resolvida pelo instituto da Analogia, utilizandose dos princípios constitucionais para se chegar até a lei que mais assegure o Direito dos homoafetivos, se constatará que as atuais decisões do judiciário não refletem a aplicação de uma analogia correta e sim de uma analogia viciada pelo preconceito ou pela hipocrisia. Visto isso, se analisará os resultados da aplicação da analogia correta. Visto que há uma ausência de lei, a última parte deste trabalho se dedicará a demonstrar, para efeito comparativo, as diversas legislações no mundo que tratam sobre o tema da homossexualidade e da homoafetividade, e também algumas legislações brasileiras sobre diversos aspectos da homossexualidade, também serão demonstrados os projetos legislativos brasileiros que pretendem regular o tema ao que nos interessa especificamente a sucessão. Palavras-chave: Homossexualismo – Homoafetivo – Sucessão. ABRUCEZ, Fábio Henrique. HOMOSEXUAL EMOTIONAL RELATIONSHIPS UNIONS AS NEW MODEL OF FAMILY AND THE POSSIBILITY OF SUCCESSION. 2008. 85f. Completion work course (Graduation)- Course of Law, Jaguariúna Faculty, Jaguariúna, 2007. ABSTRACT The succession in homosexual emotional relationship is just a small piece of an extended subject that deals with homosexuality and its several facets to the world. The homosexuality can be deeply analyzed from the historical, social and scientific point of view, being through the medicine, psychology, anthropology, preconceptions and even through the Legal practices, which is more focused in this studying. However, even in Legal practices, this subject still being ample, and it can be able to approach other aspects and not only the succession. For a better understanding, it will be found a brief of these main facets in this studying. About the succession properly said, it will be noted that there is an absence of laws that can be solved by the Analogy institute, using constitutionals principles to reach the law that more assures the legal practices of the homosexuals. It will be also noted that the current judiciary decisions do not reflect the application of a correct analogy but it reflects an analogy vitiated in preconception or hypocrisy. After this, it will be analyzed the results of a correct analogy application. Due the law absence for this subject the last part of this studying will be dedicated to demonstrate, for comparative purposes, the several legislation around the world that treats this subject of homosexuality and homosexual emotional relationships, and some Brazilian legislation about different homosexuality aspects, it will be also demonstrated the legislation projects that intend to regulate this subject specifically for succession purposes.. Keywords: Homosexuality. Homosexual Emotional Relationships. Succession . LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Mapa, legislação no mundo........................................................................... 81 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Exemplo seco de analogia............................................................................. 48 Quadro 2 - Exemplo de analogia infundada.................................................................... 48 Quadro 3 - Exemplo de analogia correta......................................................................... 49 Quadro 4 - Analogia entre União Homoafetiva e Sociedade de Fato............................. 49 Quadro 5 - Analogia entre União Estável e União Homoafetiva.................................... 50 Quadro 6 - Quadro usado para apresentação................................................................... 112 SUMÁRIO 1 – INTRODUÇÃO........................................................................................................................................ 10 2 - DO HOMOSSEXUALISMO ................................................................................................................... 11 2.1 – CONCEITO DE HOMOSSEXUAL.................................................................................................... 11 2.2 - ALGUNS MOMENTOS HISTÓRICOS RELACIONADOS À HOMOSSEXUALIDADE........... 11 2.3 - DO HOMOSSEXUALISMO E A CIÊNCIA....................................................................................... 14 2.4 - DO HOMOSSESUALISMO E AS RELIGIÕES................................................................................ 20 2.5 – DO PRECONCEITO............................................................................................................................ 26 2.6 – ANÁLISE DOS PONTOS ABORDADOS EM CONTRASTE COM O DIREITO........................ 30 3 - DA HOMOAFETIVIDADE..................................................................................................................... 34 3.1.1 - CONCEITO DE FAMÍLIA................................................................................................................ 34 3.1.2 - FAMÍLIA EM TRANSFORMAÇÂO............................................................................................... 34 3.1.3 - A CONSTITUIÇÃO E A FAMÍLIA................................................................................................. 36 3.2.1 - DA HOMOAFETIVIDADE............................................................................................................... 38 3.2.2 - IMPORTÂNCIA DA LEI 11.340 / 2006 PARA A COMPREENSÃO DA 39 HOMOAFETIVIDADE COMO ENTIDADE FAMILIAR....................................................................... 3.2.3 - DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E A HOMOAFETIVIDADE..................................... 40 3.3.1 - DA LACUNA LEGAL E DA ANALOGIA....................................................................................... 45 3.3.2 – O USO DA ANALOGIA, UNIÃO ESTÁVEL E UNIÕES HOMOAFETIVAS........................... 54 4 – DAS LEIS E PROJETOS DE LEIS........................................................................................................ 58 4.1.1 - LEGISLAÇÃO BRASILEIRA.......................................................................................................... 58 4.1.2 – PROJETOS DE LEIS NO BRASIL.................................................................................................. 62 4.2 - DAS MANIFESTAÇOES LEGAIS NO MUNDO.............................................................................. 66 5 – CONCLUSÃO........................................................................................................................................... 73 6 – REFERÊNCIAS ....................................................................................................................................... 78 ANEXOS.......................................................................................................................................................... 80 ERRATA ........................................................................................................................................................ 113 1 - INTRODUÇÃO A escolha do presente tema se deu primeiramente por sua atualidade que traduz um problema real em nosso país, o tema reflete a necessidade de uma melhor proteção jurídica e legal dos anseios de um seguimento da sociedade chamado homoafetivos. Porém, também existem outros problemas atuais, então, termo definitivo que direcionou a escolha do tema, foi a formação humanista oferecida pelo curso, formação que refletiu na escolha dos docentes e nos seus trabalhos em sala de aula, que por sua vez conseguiram permear no coração deste a responsabilidade e a consciência de ser um cidadão que deve contribuir para sua sociedade. O trabalho trata como tema central a constatação de um novo modelo de família, os homoafetivos, e a conseqüente necessidade de suceder, porém para melhor entendimento se fará uma ampla abordagem sobre o tema. Assim, o trabalho se divide em três partes: Na primeira parte se tenta conceituar o homossexualismo em seu contexto histórico, demonstrando sua presença em diversos povos que construíram a história do homem no mundo, com uma aceitação ou uma discriminação maior ou menor, conforme a cultura de cada povo. Neste momento também se abordará a homossexualidade sob o ponto de vista científico, do qual serão verificadas varias teorias de algumas áreas da ciência como a medicina, psicologia e a antropologia. Também serão abordadas questões de pontos de vista religiosos, demonstrando a opinião de igrejas e de ícones religiosos. Após essa ampla abordagem sobre o homossexualismo se fará uma análise de todos esses pontos abordados em contraste com a Ciência do Direito que norteia também a caminhada humana, tentando assim demonstrar qual é a atual e real situação do homossexualismo no mundo hoje. A segunda parte do trabalho cuida do tema propriamente dito, tentando demonstrar a justificativa da sucessão nas relações homoafetivas quanto atual legislação. Aqui se conceituará a família e sua conotação no universo jurídico, legal e social nos tempos remotos até o mais atual, demonstrando a transição do pensamento, caracterizando e pontuando cada evolução e modificação. Feito isto, se passará a discutir mais especificamente a homoafetividade. Demonstrar-se-á a existência de lacuna na lei e de como essa lacuna deve se superada conforme os princípios constitucionais e a analogia. A terceira parte do trabalho se incumbe em demonstrar os projetos legislativos que pretendem regular o tema, e demonstrar a evolução cronológica das leis brasileiras e mundiais em matéria de homossexualismo. 10 2 - DO HOMOSSEXUALISMO 2.1 - CONCEITO DE HOMOSSEXUALISMO; 2.2 - ALGUNS MOMENTOS HISTÓRICOS RELACIONADOS À HOMOSSEXUALIDADE; 2.3 - DO HOMOSSEXUALISMO E A CIÊNCIA; 2.4 - DO HOMOSSESUALISMO E AS RELIGIÕES; 2.5 – DO PRECONCEITO; 2.6 – ANÁLISE DOS PONTOS ABORDADOS EM CONTRASTE COM O DIREITO. 2.1 - CONCEITO DE HOMOSSEXUALISMO Inicialmente, para que haja um melhor entendimento sobre o tema, há que se verificar a origem etimológica do termo “HOMOSSEXUALISMO”, “HOMO” vem do Grego homos que significa, do mesmo, ou igual, e “SEXUAL” do latim sexus que significa sexo. A junção dos termos deu origem a palavra homossexual, que significa ter atração por um ser do mesmo sexo. 1 2.2 - ALGUNS MOMENTOS HISTÓRICOS RELACIONADOS À HOMOSSEXUALIDADE NO MUNDO E NO BRASIL Tem-se na história da humanidade diferentes povos, diferentes culturas e diferentes momentos históricos. A história humana está repleta de grandes exemplos de homossexualidade. Conforme a antropóloga e socióloga Margaret Mead 2, não existem povos na terra onde a homossexualidade não se manifeste. Na Grécia Antiga 3, o amor entre homens era considerado a mais alta forma de afeição, sendo que as relações entre homem e mulher tinham como fito apenas a reprodução, não envolvendo aquilo que atualmente designamos como amor. Geralmente havia relacionamentos homossexuais entre mestre e aprendiz ou mentor e tutelado durante o aprendizado. “Nas Olimpíadas gregas, os atletas competiam nus, exibindo sua beleza física. 1 GUIMARÃES, Luiz A. de F. Homossexualidade na Grécia Antiga. Disponível em http://www.cavtemplarios.hpg.ig.com.br/homossexualidade_na_grecia.htm acesso 10/11/2008 2 TRASFERETTI, José. Pastoral com homossexuais. Ed. Vozes. Disponível em http://www.armariox.com.br/conteudos/artigos/010-espiritismo.php acesso 10/11/2008 3 DOVER, Kenneth J. A homossexualidade na Grécia antiga. São Paulo, Editora Nova Alexandria, 1978. 11 Era vedada a presença das mulheres na arena, pois não tinham capacidade para apreciar o belo. Também nas manifestações teatrais os papéis femininos eram desempenhados por homens travestidos ou com o uso de máscaras. Manifestações evidentemente homossexuais” 4. Em Esparta, eram comuns os pares homossexuais guerrearem lado a lado, pois se acreditava que essa união fortalecia a unidade do exército e que a afeição de um pelo outro aumentaria sua capacidade de luta. Alexandre, o Grande (356 a.C. - 323 a.C.), grande admirador da cultura grega, conseguiu espalhar a cultura helênica através de suas conquistas, teve como seu grande amor Hephaistion. Entre as mulheres, Messalina, a terceira esposa do imperador Cláudio, se destacou por sua fúria sexual. Embora tivesse preferência pelos homens, não se furtava aos amores com as mulheres. 5 No poema épico grego Ilíada 6, parte da história gira em torno do relacionamento entre Pátroclo e Aquiles, claramente homossexuais. Na obra literária Satiricon 7, de Petrônio (14 a.C.), dos quinze imperadores romanos, somente Cláudio é considerado heterossexual. Julio César é considerado bissexual. Sobre ele se dizia que “era homem de todas as mulheres e mulher de todos os homens”. Durante a história do mundo existiram diversas manifestações legais e jurídicas referente ao homossexualismo. Uma das primeiras leis oficiais que regulou o tema foi o Concílio de Latrão 8 editado em 1179, declarava que o homossexualismo era crime, nos séculos XII e XIII a morte era a pena mais comum para sua prática. Em 1476 Leonardo da Vinci comparece perante o tribunal de Florença para responder à acusação de “sodomia”, juntamente alguns outros jovens. A pena legalmente prevista era a morte na fogueira, mas eles acabaram absolvidos por falta de provas. Ninguém testemunhou contra os cinco homossexuais, especialmente para não se indispor com Lourenço de Médici, soberano da cidade Toscana e primo de Tornabuoni. A absolvição permitiu que Leonardo da Vinci vivesse mais 43 anos deixando um acervo incomparável de obras artísticas, científicas e 4 DIAS, Maria Berenice. União Homossexual: o preconceito e a justiça, Ed. Revista do Advogado, 2000, p. 86 Tese Adoção de crianças por casais homossexuais, defendida por Padoveze, J. A. Disponível em http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=564 6 OMERO, Ilíada, disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2653 acesso 10/11/2008 7 PETRONIO. Satíricon, disponível em http://www.esnips.com/nsdoc/91389489-bae8-464f-8b0a93913d326b1b/?action=forceDL acesso 10/11/2008 8 Disponível em http://www.senhorverdugo.com/ler_inquisicao.asp?ID=239 acesso 12/11/2008 5 12 culturais. Uma fogueira chegou perto de privar o mundo de um dos homens mais extraordinários de todos os tempos. Quem passou pelas amarguras do preconceito foi também seu contemporâneo, Michelangelo Buonarotti. Viveu uma vida de asceta e de trabalho, dilacerando-se entre as paixões que lhe permitiram criar o "Juízo Final" da Capela Sistina no Vaticano e sua religiosidade de cristão convicto. Dele é a frase, “O meu contentamento é a melancolia”. 9 A França em 1810 passou a adotar o Código Napoleônico que retirou os delitos por homossexualidade do Código Penal. Recentemente os franceses aprovaram o chamado “Pacto de Solidariedade Civil”, uma polêmica lei que concede mais direitos a pares não-casados do que a casados, sejam heterossexuais ou homossexuais. 10 Dom Pedro I promulga em Portugal em 1830 o Código Penal Imperial e inspirando-se nos ideais iluministas franceses eliminou a figura jurídica da “sodomia”. 11 Foi introduzido em 1871 na legislação alemã, o polêmico e tão debatido parágrafo 175 para punir com até dez anos de prisão e reeducação o comportamento homossexual entre homens. Em 1933, 835 pessoas foram condenadas com base no parágrafo 175 e no ano seguinte 948 pessoas são condenadas por comportamento homossexual na Alemanha sob o governo de Hitler, dois anos depois, 5.321 pessoas são condenadas na Alemanha nazista, com base no parágrafo 175 da legislação penal alemã que vigorou até 1969. Ao todo se estima que houve 500.000 mil condenações por motivos políticos, militares, religiosos, racistas e ideológicos com base neste parágrafo. 12 No Texas, algumas décadas depois, mais especificamente em 1860, foi promulgada uma lei que prevê a prisão para os “sodomitas”. Essa lei vigorou até o ano de 2000. Com a revolução comunista na Rússia bolchevique, em 1917 são extintas antigas leis contra atos homossexuais. Na União Soviética em 1934 em razão de um decreto assinado por Maximo Kalinim, passa-se novamente a considerar as relações íntimas entre indivíduos do sexo masculino como puníveis com prisão de três a oito anos, conforme a gravidade daquilo que é então taxado e enquadrado como crime. Eliminam-se assim todas as conquistas sexuais libertárias da Revolução. 9 Anexo B: 09 de abril de 1476 Anexo B: 1810 11 Anexo B: 1830 12 Anexo B: 1871, 1933, 1934 10 13 Aproximando-se mais da nossa história, podemos verificar vários relatos de colonizadores das Américas apontando que índios tinham relações homossexuais entre si, e que consideravam normais tais atitudes, mas que pela cultura ocidental era considerado como pecado, então tais índios eram castigados ou mortos para purificar suas almas. Nossos índios chamavam os homossexuais masculinos de “tibira” e os femininos de “sacoaimbeguira”. Uma das primeiras leis Penais aplicadas no Brasil foram as Ordenações Manuelinas que em 1521 já previam a pena de morte na fogueira, confisco de bens e a infâmia sobre os filhos e descendentes do condenado por “sodomia”. 13 Com o fim da inquisição em 1821 é extinta no Brasil a pena de morte contra os “sodomitas”, e a nova Constituição do Império em 1823 deixou de citar a “sodomia” como crime no Brasil. 14 2.3 - DO HOMOSSEXUALISMO E A CIÊNCIA Em se falar de heterossexuais, a causa de tal comportamento fica clara para a ciência, que atribui este comportamento á necessidade de se relacionar com o sexo oposto por aquele impulso instintivo natural de perpetuar a espécie através da relação sexual entre macha e fêmea existente em quase todos os seres da natureza, instinto que provoca reações físicoquímicas no organismo capazes de manipular o comportamento e induzir a atração levando a relação sexual entre um homem e uma mulher. Porém, fica mais difícil para a ciência explicar aquele comportamento de um grupo menor de seres, que como já dito não só os humanos, mas da maioria das espécies, em se relacionar com indivíduos do mesmo sexo. Existem inúmeras teorias para tentar explicar o fato. A moderna psicanálise, com a teoria de Freud, tenta explicar o homossexualismo como sendo um distúrbio chamado de Sindrome Édipo que foi mal resolvida na infância, num conflito com os pais. Para se entender o que é a síndrome de Édipo vejamos a seguinte estória: 13 14 Anexo B: 1521 Anexo B: 1821 e 1823 14 Segundo a Mitologia Grega 15, Laio o rei de Tebas havia sido alertado pelo Oráculo de Delfos que uma maldição iria se concretizar: Seu próprio filho o mataria e se casaria com a própria mãe. Por tal motivo, ao nascer Édipo, Laio abandonou-o no monte Citerão pregando um prego em cada pé para tentar matá-lo. O menino foi recolhido mais tarde por um pastor e batizado como Edipodos, o de "pés-furados". Certo dia voltando a Delfos, Édipo encontrou um homem no seu caminho que o mandou sair de sua frente, o homem seria Laio, seu pai, mas sem saber disto, Édipo brigou com ele e o matou. Ele seguiu à sua cidade natural e casouse "por acaso" com sua mãe, com quem teve quatro filhos. Jocasta e Édipo descobrem que são mãe e filho, ela comete suicídio e ele fura os próprios olhos por ter estado cego e não ter reconhecido a própria mãe. Para Freud, “o complexo de Édipo implica duas situações opostas: uma, a aderência a imagem do pai do sexo oposto; e outra, o antagonismo do pai-irmão, uma vez que o irmão é um rival para o menino, porque este supõe que aquele é preferido pela mãe. Nos complexos inconscientes infantis, encontra-se o desejo de libertar-se do pai e do irmão. É um fenômeno primitivo de ciúmes.” 16 A teoria consiste em que a reação natural do complexo de Édipo é uma ruptura, uma separação entre a personalidade do filho e dos pais. A criança com predisposição para nevropata, ou que se desenvolve em ambiente inadequado encontra grandes obstáculos para livrar-se da influência paterna ou materna e uma das possibilidades para isso é identificar-se com o pai ou com a mãe. Na evolução dos instintos sexuais podem apresentar-se múltiplos transtornos. Em lugar de uma formação harmônica da vida instintiva, pode ocorrer a paralisação de alguns impulsos que permanecem em estágios anteriores, enquanto outros continuam se desenvolvendo. 17 “Um complexo de Édipo, defeituosamente desenvolvido, determina um homem com caracteres femininos ou vice-versa. Surge a homossexualidade, que é uma forma arcaica, infantil, da sexualidade. É um fenômeno de involução”. 18 “Impressões recebidas durante a infância podem levar o homem ao sadismo, masoquismo, ao incesto, a homossexualidade, ao fetichismo e a diversas neuroses” 19. 15 Mitologia Grega, Édipo disponivel em http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89dipo acesso 07/11/2008 FREUD, Sigmund. Apud SALVADOR, Humberto, Freud e o abc da psicanálise, Editora São Remo LTDA, São Paulo. p. 81 17 FREUD, Sigmund. Apud SALVADOR, Humberto, Op. cit. p. 31 18 FREUD, Sigmund. Apud SALVADOR, Humberto, Op. cit. p. 42 16 15 Há que se lembrar que no ano de 1999, o Conselho Federal de Psicologia no Brasil publica a portaria 01/99 que estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão de orientação sexual, segundo a qual o psicólogo deve colaborar para o desaparecimento de discriminações e está sujeito à sanção, caso direcione sua prática para cura da homossexualidade.Vejamos alguns artigos da resolução: Art. 1° - Os psicólogos atuarão segundo os princípios éticos da profissão notadamente aqueles que disciplinam a não discriminação e a promoção e bem-estar das pessoas e da humanidade. Art. 2° - Os psicólogos deverão contribuir, com seu conhecimento, para uma reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatizações contra aqueles que apresentam comportamentos ou práticas homoeróticas. Art. 3° - Os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados. Parágrafo único - Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades. Estudos demonstram que o homossexualismo é um comportamento que existe entre inúmeras espécies animais, incluindo a do gênero humano. No ano de 1999 foi publicado o livro Exuberância Biológica - Homossexualidade Animal e Diversidade Natural 20, um dos trabalhos mais completos sobre a natureza homossexual. O autor analisou 450 espécies, principalmente de mamíferos e aves, todas praticantes, em maior ou menor grau, de hábitos homossexuais, demonstrando que relações homossexuais na natureza não são confusão do instinto, aberração ou falta de fêmeas, e que a maioria dos animais homossexuais são assim porque são. O autor também assinala que o homossexualismo animal é muito comum em quase todas as espécies de mamíferos, às vezes em até 27% dos indivíduos de uma população da mesma espécie. Em dezembro de 2001 cientistas americanos observaram comportamento homossexual entre orangotangos selvagens 21em uma ilha isolada. Ao longo do estudo na ilha, a 19 FREUD, Sigmund. Apud SALVADOR, Humberto. Op. cit. p. 147 Biological Exuberance - Animal Homosexuality and Natural Diversity (anexo: 1999) 21 American Journal of Primatology (anexo: 13 de dezembro de 2001) 20 16 pesquisadora Elizabeth Fox observou que apenas quatro machos tinham comportamento homossexual, o que indicaria que a prática é rara. Dois deles eram adolescentes. Os outros eram sexualmente maduros e também se relacionavam com fêmeas. Segundo a pesquisadora as observações permitem acrescentar os orangotangos à lista de primatas que apresentam práticas homossexuais como parte de seu repertório natural de comportamentos sociais e sexuais. Em fevereiro de 2002 é descoberto no zoológico de Nova Iorque um casal de pingüins homossexuais na área reservada à espécie no New York Aquarium. Os pingüins de pés preto, com 14 anos de idade, já estavam juntos há 8 anos. Os funcionários descobriram que ambos são machos após fazer um exame de sangue no casal. Segundo o porta-voz do zoológico, Angie Pelekedis "Eles são um dos casais mais dedicados na área reservada aos pingüins.” 22. Com relação ao homossexualismo entre os seres humanos, há que se verificar que não se trata de comportamento recente. O homossexualismo acompanha a história do homem desde que conhecemos os vestígios da nossa própria história. Em 1998, arqueólogos austríacos encontraram nos Alpes um corpo de um guerreiro da idade da pedra, congelado, intacto pela baixa temperatura, estima-se que tenha morrido há aproximadamente 14000 anos atrás, pelas tatuagens pôde ser identificado como chefe da tribo. Estudos concluíram que se tratava de um homossexual, pois haviam resquícios de esperma, com características sangüíneas diferentes da sua, em seu reto 23. O homossexualismo esteve presente em todos os povos, historiadores, e arqueólogos ao longo do tempo reúnem um arcabouço de informações que podem ser usados para demonstrar tal fato, desde estatuetas antigas até desenhos pré-históricos em fundo de cavernas. Demonstra-se que não há como negar a existência do homossexualismo em diversos seres incluindo os humanos. A medicina e a Psicologia há muito vem tentando explicar tal comportamento. 22 23 Anexo B: fevereiro de 2002 Anexo B: 1998 17 Uma das teorias é de que haja um desequilíbrio hormonal dos hormônios responsáveis pelas características femininas e masculinas presentes no organismo dos indivíduos. Em 1935, pesquisas eram feitas no Rio de Janeiro pela Equipe do Laboratório de Antropologia, para estudar a constituição morfológica de 184 homossexuais visando identificar caracteres biotipológicos 24. Mais recentemente no ano de 1991, o pesquisador norte-americano Simon Le Vay 25, estudando as células do hipotálamo de homossexuais e heterossexuais masculinos e femininos, descobre que elas têm tamanhos diferentes para cada grupo. Foram realizadas ao todo 41 autópsias de pacientes falecidos em decorrência da AIDS, dentre mulheres e homens heterossexuais e homossexuais. O pesquisador concluiu que as células do hipotálamo dos homossexuais, têm um tamanho menor que as do hipotálamo de homens e mulheres heterossexuais. Tal descoberta remonta a uma relação direta entre orientação afetivo-sexual e a conformação celular do hipotálamo. É importante salientar que o hipotálamo é a região do cérebro responsável pela elaboração das emoções e dos sentimentos eróticos. A pesquisa não é conclusiva como comprovação da teoria genética, pois não há como provar que as células do hipotálamo dos homossexuais estudados já eram de tamanho inferior desde o nascimento ou "diminuíram" posteriormente. Por outro lado, não se tem notícia de redução de tamanho nesses grupos celulares. Este trabalho, mesmo não sendo conclusivo, suporta a hipótese de que a homossexualidade possa ser "inata". A revista Science 26 em 1993, publicou uma polêmica pesquisa desenvolvida pelo instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos sob a coordenação do professor Dean Hamer que selecionou 76 homens homossexuais, e passou a estudar seus familiares paternos e maternos. O resultado do estudo mostrou que entre os familiares paternos do pesquisado havia a incidência de 2% de pessoas homossexuais, índice que crescia para 7,5% quando se tratava do lado materno. Hamer levantou a hipótese de que a homossexualidade estaria vinculada a um fator genético do lado materno, mais diretamente relacionado com o cromossomo X. A equipe de Hamer selecionou posteriormente 40 pares de irmãos homossexuais que não tinham características semelhantes. Dentre essas 40 duplas, 33 deles, ou seja, 82,5% tinham a mesma seqüência de DNA de uma parte do cromossomo X da mãe. 24 Anexo B: 1935 Anexo B: agosto de 1991 26 Anexo B: junho de 1993 25 18 Uma pesquisa realizada em 2002 pelo professor Charles Roselli 27 da Oregon Health & Science University, estudou 27 carneiros, sendo 10 fêmeas e 9 machos que só se relacionavam com outros machos e 8 machos que só se relacionavam com as fêmeas. Constatou que as ovelhas homossexuais têm estruturas cerebrais diferentes das ovelhas heterossexuais, os carneiros estudados não cortejam ou acasalam com fêmeas, eles só procuravam os machos. Primeiro os cientistas observaram as ovelhas para terem certeza de seu comportamento, então eles analisaram seus cérebros e notaram diferenças no hipotálamo, uma pequena área do hipotálamo é maior nos machos do que nas fêmeas. Além disso, os pesquisadores descobriram que os hipotálamos dos carneiros homossexuais também eram menores do que os dos carneiros heterossexuais. Segundo Roselli, as diferenças são semelhantes àquelas constatadas em alguns humanos homossexuais. Outro estudo 28 também aponta diferenças em cérebros de homossexuais. Realizada por psiquiatras ingleses, a pesquisa revelou que os homossexuais masculinos pensam como mulheres heterossexuais e os cérebros das homossexuais femininas trabalham como os dos homens heterossexuais. Os cientistas do Instituto de Psiquiatria de Londres chegaram à conclusão de que os homossexuais masculinos são excelentes em tarefas mentais em que geralmente as mulheres realizam melhor que os homens, mas não são tão bons em outras tarefas vistas como "masculinas". Já as homossexuais femininas, se deram tão mal quanto os homens em testes mentais dirigidos às mulheres. Os pesquisadores realizaram várias séries de testes neurocognitivos para chegar às conclusões. Não foi dito o número de pessoas pesquisadas nem os parâmetros estatísticos de seleção e comparação. Os psiquiatras Qazi Rahman e Glenn Wilson afirmam que as variações de exposição do feto ao hormônio testosterona seriam as responsáveis pela determinação da orientação sexual. Rahman afirmou ainda que a homossexualidade é um fenômeno biológico normal. No entanto, não foi esclarecida a questão dos bissexuais. Há que se lembrar que desde o ano de 1948, a Organização Mundial de Saúde (OMS), catalogou na sua Classificação Internacional de Doenças (CID) a homossexualidade como um tipo de transtorno sexual. Em 1981 reúnen-se 16 mil assinaturas com o início da campanha contra o Código 302.0 da OMS que rotulava o homossexualismo como desvio e transtorno sexual. 29 27 Anexo B: 04 de novembro de 2002 Neuropsychology (Anexo B: 26 de março de 2003) 29 Anexo B: 1981 28 19 O Conselho Federal de Medicina do Brasil se adianta na história e em 1985 passa a desconsiderar o artigo 302.0 da Classificação Internacional de Doenças, onde se considerava a homossexualidade como doença. O homossexualismo passa para o código 206.9, considerado dentro da categoria de "Outras circunstâncias psico-sociais". 30 Só seis anos mais tarde a Organização Mundial de Saúde passa a desconsiderar a homossexualidade como doença. Conclui-se pelas diversas pesquisas realizadas que muitos dos casos de homossexualismo podem ser inatos, decorrentes da própria natureza do ser, e sua biologia natural. Mas, porém segundo a psiquiatria, também pode ser um comportamento provocado por fatores externos como traumas ou questões psicológicas mal resolvidas da infância. 2.4 - DO HOMOSSESUALISMO E AS RELIGIÕES Não se pode falar de Direito dos homossexuais sem falar sobre religião, pois as religiões são de grande influência na moral, costumes, comportamentos e pensamentos dos indivíduos, e essas influencias moldam os conceitos sociais, jurídicos e legais de um povo. De acordo com Gottfried Brakemeier 31, da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, existem duas fortes correntes nas Igrejas cristãs. Para uma corrente, o “homossexualismo é visto como grave pecado, ofensa a Deus, algo abominável em todas as suas formas, para o que se invoca o testemunho da Bíblia. É considerado um desvio da ordem original de Deus que criou homem e mulher para constituírem o matrimônio como lugar da vivência da sexualidade e da procriação da prole. Homossexualidade não é nada inato ou pré-fixado, portanto não faz parte da constituição do ser humano. Muito pelo contrário, seria uma opção capaz de ser alterada mediante tratamento ou esforço próprio. Não se submeter a tal tratamento seria agir culposo. Sob essas premissas, evidentemente, não há lugar para pessoas homófilas no ministério da Igreja. A discriminação é conscientemente assumida”. Para outra corrente segundo Brakemeier, o “homossexualismo é como algo absolutamente normal, sempre existente na história da humanidade. Tratar-se-ia de uma 30 Anexo B: 1985 BRAKEMEIER, Gottfried. Igrejas e homossexualidade, Ensaio de um balanço, disponível em http://www3.est.edu.br/publicacoes/estudos_teologicos/download/bhomosex.doc acesso 08/11/2008 31 20 predisposição da pessoa, impossível de ser corrigida. Nessa perspectiva, não há nada de detestável nas relações homossexuais. As passagens bíblicas, aduzidas como contraprova, estariam se referindo não à orientação homossexual como tal e, sim, a abusos nessa área. Caberia, portanto, reconhecer a homossexualidade como equivalente à heterossexualidade e destinar-lhe o mesmo amparo legal. Reivindicam tais grupos, enquanto cristãos, o livre acesso ao ministério da Igreja e a bênção matrimonial das parcerias do mesmo sexo. Lutam pelo fim de toda e qualquer discriminação em Igreja e sociedade”. De maneira superficial uma pesquisa 32 feita com as principais religiões, pode demonstrar a fragmentação do entendimento sobre o homossexualismo. Na pesquisa foi perguntado se são a favor ou contra o homossexualismo, bem como a união entre os homossexuais, e sobre as causas do homossexualismo. Inicialmente, antes da resposta dada na pesquisa, cabe salientar que o cristianismo e em especial a Igreja Católica, merecem uma especial atenção e comentários haja vista sua condição de supremacia nos poderes do Estado e religião predominante no mundo por muito tempo que influenciou praticamente todos os povos do planeta, principalmente na idade média, passou o homossexualismo a ser visto pela cultura majoritária como obra do demônio, e seus adeptos como profanos, pecadores ou mundanos a serem purificados pelo fogo. A posição radical da doutrina e seus seguidores transformaram o mundo em um lugar propício a fortes preconceitos que ainda hoje podem ser observados na sociedade. Vejamos algumas passagens bíblicas relativas ao homossexualismo. “É uma abominação um homem se deitar com outro homem como se fosse uma mulher, ou uma mulher se deitar com outra mulher como se fosse um homem” 33 “Não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas” “Por causa de certas 34 abominações, tal homossexualismo, a Terra vomitará os seus moradores” como o 35 32 Pesquisa disponível em http://www.edeus.org/edeus/resposta14.htm#a15 acesso 08/11/2008 Bíblia Sagrada, Editora Ave-Maria, 67ª Edição, São Paulo 2007, Levítico. 18.22; 20.13. p. 162 a 164. 34 Op. cit. Bíblia Sagrada, 1Corintios 6.9-10. p.1470. 35 Op. cit. Bíblia Sagrada, Levítico 18.25. p. 162. 33 21 “Fornicação: Relações sexuais antes do casamento, adultério, bestialidade, incesto e homossexualismo são todos pecados graves contra Deus.” 36 As citações mostram forte carga de emoção demonstrando que na época de sua escritura o homossexualismo era numeroso o suficiente para causar preocupações. O Novo Testamento tem por volta de 2.000 anos e o Velho Testamento surgiu durante a formação do povo israelita, portanto são doutrinas antiguíssimas, e que não se atualizaram durante os séculos e as mudanças da sociedade. A Bíblia, livro sagrado dos cristãos no qual o homem se justificou para cometer muitas atrocidades contra o ser humano, incluindo os homossexuais, é uma fonte que deve ser interpretada, o bom hermeneuta deve interpretar a leitura em seu contexto, além de levar em conta o momento histórico em que foi escrito, deverá neste último caso atentar-se as atitudes discriminatórias que não se justificam mais na sociedade de hoje. Com relação à interpretação pode-se citar o trabalho do teólogo anglicano Derrick S. Bailey 37 que publicou o primeiro desafio sério contra a condenação bíblica do homossexualismo, onde se destaca a tese de que Sodoma e Gomorra foram destruídas não por causa das práticas homossexuais, mas por falta de hospitalidade. Quanto à pesquisa realizada, para os católicos “os atos de homossexualismo são desordenados e não podem, em hipótese alguma, receber qualquer aprovação” (Declaração Sobre a ética sexual – 29/12/75). A Declaração, porém, reconhece a contribuição da psicologia para compreender o fenômeno da homossexualidade e que pode influir na avaliação moral das pessoas que têm esta tendência. A igreja faz duas avaliações diferentes de homossexuais. Uma avaliação é de que há homossexuais cuja tendência provém de uma educação falseada, de uma falta de evolução sexual normal, de um hábito contraído de maus exemplos. Outra avaliação feita é que há homossexuais que assim são definitivamente por força de uma espécie de instinto inato ou de uma constituição patológica considerada incurável, e que neste caso a responsabilidade individual fica comprometida. 36 37 (Levítico 18:6; Romanos 1:26, 27; 1 Coríntios 6:9, 10) (pags.162,1450,1470) Homossexuality and western Christian tradition (Anexo B: 1995) 22 O Espiritismo ensina que os espíritas devem sempre respeitar o comportamento das pessoas, procurando compreendê-las quando suas atitudes não estão de acordo com aquilo que é considerado normal; por isso não é contra os homossexuais, mas também não é a favor da homossexualidade. Entendem que as almas, ao longo da sua evolução, apresentam-se com caracteres acentuadamente masculinos ou femininos, e esse comportamento íntimo reflete-se no corpo físico, e que esta condição, todavia, não lhe dá o direito de agir de forma contrária à lei natural, porquanto se a homossexualidade fosse normal, a lei da reprodução não o seria, e não haveria necessidade de macho ou fêmea. Pela mesma razão compreende, mas não aprova a união entre homossexuais. O Espiritismo não é contra o sexo, mas contra o abuso da atividade sexual. Para a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias – Mórmons, a causa do homossexualismo é uma aberração. Sustentam que quando Deus organizou a Terra e fez a separação, criou o homem e a mulher, dizendo crescei e multiplicai-vos, portanto há um mandamento, para crescer e multiplicar. E que ele fez o homem com toda a sua organização genética (pênis, esperma, etc.), e fez a mulher com a sua funcionalidade única (útero, vagina, etc.) e para que se realizasse ou se perpetuasse a criação, o nascimento de uma criança, através do ato sexual criado pela sabedoria divina, unindo-os pelo amor e o casamento legal para a formação de uma família. É uma aversão, então se prevalecer o homossexualismo na Terra, o sacrifício de Cristo teria sido em vão. Portanto, a igreja é totalmente contra o homossexualismo, mas que havendo o arrependimento do homossexual, ele poderá ser aceito dentro da igreja como outra pessoa qualquer, um filho do Pai celestial. Acrescem ainda que têm até casos de adeptos que se arrependeram e voltaram a Cristo. Já o Judaísmo, para Henry Sobel, presidente do rabinato da Congregação Israelita Paulista entende que “o judaísmo encara a relação homossexual como antinatural, contrariando a própria anatomia dos sexos, visivelmente concebido para as relações heterossexuais. Além disso, o ato homossexual obviamente não leva à procriação, que é uma das principais funções da sexualidade humana, embora, certamente, não a única. É importante, entretanto, fazer uma nítida distinção entre o ato homossexual e o homossexual como ser humano. Acredito que o indivíduo, no caso o homossexual, tem que ser aceito pela sociedade, independentemente das suas tendências sexuais serem aprovadas ou condenadas. A meta é integrar o homossexual, e não aliená-lo. O dever da religião em geral e do judaísmo, 23 em particular, é estender a mão àqueles que se sentem marginalizados. Abrir as portas, abrir os nossos corações e não discriminar. Somos todos filhos de um único Deus" 38. O Islam não aceita os homossexuais, porque com isso contraria a normalidade humana e isso não acontece nem com os animais que não são seres racionais, e o motivo do homossexualismo é a má educação, é largar as instruções religiosas, é a procura de algo diferente pois “Deus criou os homens para as mulheres”. Testemunhas de Jeová dizem que a Bíblia repetidamente declara o homossexualismo como uma prática desnatural que é expressamente condenada, não apenas em uma, mas em várias passagens. Afirmam que ao contrário do que muitos pensam e apregoam, o homossexual não nasce assim, mas seu comportamento homossexual é aprendido. Para eles é imperativo que qualquer pessoa que realmente deseje servir a Deus abandone suas práticas homossexuais, o que, decididamente, pode e deve ser feito. É importante destacar que embora o homossexualismo seja uma prática condenada e odiosa, os homossexuais não devem ser odiados, mas antes, como todas as outras pessoas precisam ser amadas e principalmente ajudadas a entender que se faz necessário uma mudança de proceder visando sua própria felicidade eterna. Para a Igreja Presbiteriana, a sociedade está em acomodação com o barulho deste grupo pequeno, mas bastante barulhento (sic). Também sustentam com a Bíblia que o homossexualismo é antinatural, que Deus criou o homem e a mulher, e não tem nada que cita a criação do homossexual, que foi feita a criação de cada um com o seu respectivo órgão genital, mesmo no mundo animal. Mas lembram que a Bíblia não condena, e que existe interesse de Deus pela pessoa humana, sendo ou não sendo homossexual, e que Deus ama a pessoa e não ama o pecado. Segundo eles existem pessoas que interpretem a causa do homossexualismo como causa genética, psicológica, etc. Mas que a Bíblia leva a outra direção, e que a busca da felicidade deve ser constante, e em sua igreja existem pessoas que não eram felizes quando eram homossexuais. A Umbanda e o Candomblé são tolerantes quanto ao homossexualismo, porque acreditam ser opções individuais e que não compete às religiões condenar ou estigmatizar, mas tão somente orientar seus fiéis nos aspectos religiosos e morais. Quanto à união entre pessoas do mesmo sexo, dizem ainda não terem uma opinião definitiva a esse respeito. 38 SOBEL, Henry. Disponivel em http://www.desafiodasseitas.org.br/m-44.htm acesso 09/11/2008 24 Entendem que cada um é senhor de sua vida e de sua consciência, e é responsável por seus atos. Igreja Adventista do Sétimo Dia acha complicada esta pergunta. Principalmente porque se criou no Brasil a idéia de que se não concorda com o homossexualismo, se está fazendo uma cultura racista, podendo, talvez, ser até preso por isto. A Igreja aceita o homossexual, mas é totalmente contra o homossexualismo. São contra uma possível cultura que faça a idéia de preservar o homossexualismo, dizem ter adeptos que o são, e a Igreja os abraça. Não acreditam que o ser humano nasça com essa disposição a poder escolher entre ser homem ou mulher. Consideram que como regra geral o homossexualismo é um distúrbio emocional, e não distúrbio físico, um distúrbio de pessoas que não sabem ou aprendem controlar as suas emoções ou afeições. Dizem não entender ser nem “safadeza” (sic) ou doença, e sim um distúrbio emocional em que o indivíduo não teve a intenção de mudar esta situação, simplesmente aceitando-a. A Assembléia de Deus entende que como a Bíblia Sagrada faz menções reprovativas ao homossexualismo em vários de seus livros, isso demonstra que o homossexualismo é um grande erro diante de Deus, acreditam tratar-se de um problema psíquico e demoníaco, mas dizem não fazerem discriminação de nenhum tipo de pessoa, homossexuais, negros, pobres, doentes, e que Jesus ama a todos e quer ajudá-los. A Igreja Batista é a favor do homossexual, porém, contra o homossexualismo. Segundo sua doutrina, todos os pecados, são frutos do distanciamento de Deus que é conseqüência do egoísmo. O Budismo, em relação a homossexuais sustenta que “não tem nada contra” (sic), pois todos os seres humanos são dignos de respeito. Lembram que na lenda do nascimento do Buda há uma passagem em que o menino Buda, após nascer, caminha sete passos e, com a mão esquerda apontando para a terra e a mão direita apontando para o céu declara: "Entre o céu e a terra não há ser mais digno de respeito do que o ser humano". A união dos homossexuais não é criticada pelo Budismo, pois cada pessoa é responsável pelos seus atos e, se ela tiver consciência do que faz e agir com sabedoria, não sofrerá as conseqüências. Em relação às causas do homossexualismo, acreditam que existem várias causas e cada caso tem a sua história particular. A Seicho-No-Ie considera o homossexual como manifestação anômala da sexualidade, não se identificando com o seu tipo físico. Portanto, não é a favor nem contra, mas sua 25 postura é no sentido de as pessoas devem manifestar a perfeição interior, que compreende também a expressão plena de características masculinas e femininas, conforme o sexo com que nasceram. Usam a psicanálise como argumento, segundo a qual deduz que a homossexualidade ocorre pela rejeição inconsciente do seu sexo, em virtude de ter presenciado algum fato marcante protagonizado pelos pais, e que também pode ocorrer de a pessoa ter fortemente discriminado ou perseguido homossexuais na vida passada, e como conseqüência, pela lei da ação e reação, apresentar-se nessa vida como homossexual. Os seguidores do Hare Krishna dizem que “não é que são contra” (sic), e que nunca trataram mal, mas que não é algo normal, acreditam que o homossexualismo se deve ao karma da pessoa, que talvez tenha sido muito apegado a sua posição de homem ou mulher, e na outra vida veio com outro sexo, mas com as qualidades do sexo anterior, acham que nada é por acaso ou uma mera casualidade da genética. Desmond Tutu, ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1984, pediu perdão pelo tratamento dispensado pela Igreja Anglicana aos homossexuais, dizendo que: “ninguém que seja fiel aos ensinamentos de Cristo pode condenar pessoas com base em sua orientação sexual” 39. Ele iguala a discriminação sexual com as de raça ou gênero. 2.5 – DO PRECONCEITO O que é preconceito e porque as pessoas têm preconceitos? É importante nos fazer este tipo de pergunta para compreender o mecanismo de funcionamento social, pois muitas vezes a aprovação de leis, decisões judiciais e até mesmo uma conversa de esquina podem se basear em fundamentos preconceituosos. Dias concebe a idéia de preconceito na sociedade segundo a qual “É descabido continuar pensando a sexualidade com preconceitos, isto é, pré-conceitos, conceitos fixados pelo conservadorismo do passado e engessados para o presente e o futuro.” 40 , e que “Com desenvoltura, a sociedade faz surgir mecanismos de exclusão. Engessa as pessoas com rigidez dentro de estruturas cristalizadas, sistemas de alijamento do que refoge do padrão convencional. Toda e qualquer tentativa de fugir dos estereótipos estratificados é identificada 39 MARTINS, Ferdinando. Religião e homossexualidade, disponível em http://mixbrasil.uol.com.br/cultura/especiais/religioes.asp acesso 10/11/2008. 40 Op. cit. DIAS, Maria Berenice. p. 33 26 como vício, pecado ou crime e rotulada de imoral, um atentado a ética e aos bons costumes.” 41 São muitas as causas do preconceito homossexual, mas todas as causas têm um elemento em comum em sua formação. Este elemento pode ser demonstrado, de modo comparativo, na constatação de que em nossa sociedade ocorre interessante fenômeno observado por cientistas em experimentos com macacos em laboratório 42. O experimento foi feito da seguinte forma: Quatro macacos foram colocados em uma sala. No centro da sala havia um mastro alto com um cacho de bananas pendurado na extremidade. Um macaco particularmente faminto escalou afoitamente o mastro, querendo pegar uma banana. Assim que alcançou a extremidade do mastro para pegar a banana, foi atingido por um jato de água fria lançado por uma ducha acima de sua cabeça. Com um grito agudo, o macaco abandonou sua empreitada e desceu do mastro sem o prêmio. Os outros macacos ainda tentaram pegar as bananas, mas depois de várias duchas frias, os macacos finalmente desistiram das bananas. Depois que os primatas foram condicionados, um dos quatros macacos originais foi retirado da sala e substituído por outro macaco. Assim que esse novo e inocente começou a escalar o mastro, seus companheiros o alcançaram e fizeram a criatura surpresa descer. O macaco captou a mensagem - não suba naquele mastro. Após algumas tentativas interrompidas, sem receber uma única ducha fria, o novo macaco parou de tentar pegar as bananas. Um a um, todos os macacos originais foram substituídos. Cada macaco novo aprendia a mesma lição: Não suba no mastro. Até que foram substituídos todos os macacos. Nenhum dos macacos novos chegou ao topo do mastro; nenhum chegou a receber a ducha fria; nenhum sabia precisamente por que estava sendo desencorajado a subir no mastro, mas todos respeitaram o precedente bem definido. Mesmo depois da retirada da ducha, nenhum macaco se aventurou a subir no mastro. Em nossa sociedade nós fazemos muitas coisas que nem sabemos o porquê, mas fazemos porque sempre foi feito assim. Muitas coisas já perderam o sentido, assim como a ducha de água fria que atingia os antigos macacos e que foi retirada posteriormente, os macacos novos mesmo não havendo ducha e mesmo nunca terem sido atingidos pela ducha, não subiam para pegar as bananas. 41 42 Op. cit. DIAS, Maria Berenice. p. 10 Disponível em http://www.eps.ufsc.br/disserta98/waldemar/cap4.html acesso em 15/11/2008 27 Com os preconceitos contra os homossexuais ocorre o mesmo comportamento social constatado pelos cientistas em laboratório com os macacos, dos estereótipos apontados a seguir, alguns foram desmentidas pela ciência, outros superados pelo tempo, sendo que os preconceitos continuam existindo por falta de reflexão do homem que continua repetindo idéias imotivadas presentes na sociedade. Vejamos alguns estereótipos formadores de preconceitos que estão ligados a idéia de homossexualidade. Um forte estereótipo é de fazer conexões da homossexualidade com a pedofilia. Isto ocorre, pois normalmente a pedofilia nos choca muito e também tem grande destaque pela mídia. A pedofilia consiste no desejo ou prática de relações sexuais com crianças, independente do sexo, alguns pedófilos têm desejos por crianças do mesmo sexo ou do sexo oposto, o fato de existir pedófilos homossexuais ou heterossexuais não se correlaciona com o fato de existir vinculo entre o homossexualismo e a pedofilia, não se tem nenhuma notícia científica da existência de tal vínculo. O que se tem é o estereótipo de tal vínculo visto a supracitada repercussão causada pela pedofilia. Outro grande estereótipo também absorvido por uma parcela da sociedade é de fazer conexão do homossexualismo com a promiscuidade. O imaginário popular é de que todo homossexual é compulsivo ao sexo e se relaciona com o maior número de parceiros possíveis, de forma que diferente da mulher, que por sua vez tem seus ciclos de menstruação ficando indisponível ao sexo, os homossexuais então estariam a todo tempo e a toda oportunidade disponível ao sexo. Assim como existe a promiscuidade heterossexual, de certo que também existe a promiscuidade homossexual, porém é crença infundamentada imaginar a promiscuidade como elemento constitutivo do homossexualismo. Outro estereótipo que a sociedade criou foi o de fazer conexões entre o homossexualismo e as D.S.Ts. Doenças Sexualmente Transmissíveis, principalmente com relação a AIDS. Inicialmente quando se falou nesta doença, por serem detectadas em alguns homossexuais, imaginou-se por isso que a transmissão se realizava através de relação sexual anal, olvidaram-se depois notícias de que drogados que compartilhavam a mesma seringa também se contaminavam, até que a ciência desvendou a questão, a AIDS é uma D.S.T., ou seja, que se dissemina através do contato sexual seja homossexual ou heterossexual, e que, além disto, também se dissemina com o contado com sangue contaminado. 28 Outro estereótipo negativo vem do ponto de vista histórico e das religiões, este tema já foi abordado com maior profundidade anteriormente. Mas para se ter um entendimento sob o ponto de vista do preconceito, se fará uma previa para tanto. Para os gregos, berço do conhecimento da nossa civilização, o relacionamento com mulheres tinha apenas o intuito de procriação, com a ascensão do império romano também se tinha preocupação com a perpetuação da espécie, até mesmo por caráter logístico, haja vista que os romanos travavam muitas batalhas, mas principalmente em relação ao judaísmo havia uma forte preocupação de perpetuação de seu grupo étnico, sendo pecado o desperdício do sêmen, de forma a ser profundamente condenada as relações homossexuais, assim se refletiu nas religiões que conhecemos com origens judaico-cristãs, que por sua vez condenam o homossexualismo por este motivo. Vejamos também o exemplo dos nazistas, bem sabemos que o nazismo de Hitler faliu juntamente com a sua teoria ariana de purificação de raças, apesar de ainda existirem resquícios ideológicos preconceituosos. Observa-se hoje em todo mundo uma miscigenação genética, além do grande crescimento populacional mundial, de forma que não se tem mais sentido aqueles temores citados pelos antigos gregos, romanos, judeus ou nazistas. Uma outra causa do preconceito é também que Normalmente, tendemos a excluir o que é diferente, porque o diferente causa espanto, causa medo, e o que é diferente, o é por não fazer parte da maioria, por não fazer parte do que consideramos comum. Sendo assim, verifica-se que a classe dos heterossexuais humanos, pessoas que se sentem atraídas por indivíduos do sexo oposto, estão numericamente em maior quantidade do que a homossexual, menor classe de pessoas que tem atração por indivíduos do mesmo sexo. Segundo estudos da ONU, entre 10% e 14% da população mundial é composta por homossexuais. 43 Esta desproporção acaba por provocar uma exclusão dos interesses do grupo menor. Dias demonstra tal fato com sabedoria nas seguintes palavras: “Negar direitos a tudo que refoge à mesmice do igual é condenar à invisibilidade. A sociedade sempre utilizou – e ainda utiliza – tal mecanismo para alijar determinados 43 SEVERO, Julio. Resolução do Brasil na ONU disponível em http://www.cacp.org.br/movimentos/artigo.aspx?lng=PT-BR&article=1217&menu=12&submenu=5 acesso 07/11/2008. 29 segmentos que gostaria que não existissem. Isso ocorreu com o negro, que foi relegado à escravidão, com o índio, que é considerado semicapaz. E tal ainda acontece com as mulheres, não lhes sendo permitindo que alcancem o poder. Outra não poderia deixar de ser a arma utilizada contra quem se afasta do padrão tido como certo, correto, normal, no que diz com a identidade sexual” 44 . Para fechar este capítulo ilustro com a infeliz e hilária matéria que demonstra a presença do preconceito até mesmo no meio científico, o que acaba por influenciar os resultados e levar à conceitos destorcidos. Em 1987 foi publicado um artigo intitulado “Nota sobre a Aparente Queda dos Padrões Morais da Lepidóptera”, seu autor, o biólogo americano W.J. Tennent, após descrever o homossexualismo das borboletas do Marrocos, afirmou que “Talvez seja um sinal dos tempos o fato de a literatura entomológica estar no caminho da decadência moral e das ofensas sexuais” 45 . O cientista conseguiu, ou pensou que conseguiu, achar imoralidade nas borboletas. 2.6 – ANÁLISE DOS PONTOS ABORDADOS EM CONTRASTE COM O DIREITO Como demonstração da evolução social hoje não existe mais a supremacia da igreja católica e sua doutrina, mas existem outras religiões que tem entendimentos diversos sobre o assunto da homossexualidade. Verifica-se atualmente, com exceção ao islamismo, que a maioria das religiões não concordam com o homossexualismo e entendem que tal prática se trata de distúrbios de diversas naturezas conforme cada crença, porém, acolhem o homossexual, de maneira a respeitá-los e em alguns casos tentam ajudá-lo, ou seja, são contra o pecado mas não são contra o pecador. Não que manifestações culturais e religiosas sejam proibidas, cada grupo tem o direito de acreditar no que entende por ser verdade, o que não se pode é desrespeitar o próximo, pois o direito de cada um termina onde começa o direito do outro. O que não se pode admitir são atitudes como a do arcebispo de Porto Alegre, Dom Cláudio Colling 46, que critica as campanhas de combate à AIDS por enfocarem com 44 DIAS, Maria Berenice. Op. cit. p. 21 Anexo B: 1987 46 Jornal Folha de São Paulo (Anexo B: 6 de agosto de 1987) 45 30 tolerância as relações sexuais entre homossexuais. Ele afirma que “tem vontade de ser um Hitler, que capava as bichas e esterilizava as mulheres" (sic) afirma ainda que “diante de tais campanhas tem vontade de sair com uma faquinha bem afiada”. (sic) Como se verifica, apesar da posição de algumas religiões, existe nuances internas e interpretações diversas sobre o mesmo assunto, por isso, em determinadas ocasiões, cada religião, às vezes se apresenta mais ou menos favorável. Mas, em uma visão geral, apesar de o homossexualismo ser um tema polêmico, se comparado com tempos mais remotos pode-se constatar conforme a pesquisa realizada que existe um progresso contínuo de aceitação na maioria das religiões. Uma resposta equilibrada quanto ao tema foi dada pelo cardeal-arcebispo emérito de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, que respondeu em uma entrevista a seguinte pergunta: “Como o senhor vê o papel da Igreja Católica em relação aos homossexuais, principalmente entre os adolescentes que ainda estão se assumindo, que têm muita preocupação de ir para o Inferno?” Dom Paulo responde assim: “Você está apoiando uma tese em que a Teologia se mistura com a Ciência. Eu acho que os dois têm que andar no seu caminho. O homossexualismo tem de ser estudado e aprofundado pela Psicologia, pelo estudo do próprio corpo, em um trabalho em todas as universidades, em todo o mundo. Depois é que a Igreja devia ajudar, em primeiro lugar a animar o estudo, o que significa para uma pessoa ser homossexual. Depois a Igreja pode entrar para ajudar essas pessoas a não serem infelizes, a não serem perseguidas por uns e a serem amadas por outros” 47. Não foi a toa que houve uma cisão entre Estado e igreja, enxergou-se em um determinado momento que ao Estado caberia administrar e cuidar dos interesses políticos, econômicos e sociais do seu povo, e para a igreja, cuidar da fé e das crenças, cabendo a cada um escolher no que acredita, e seguir suas convicções filosóficas em um espaço laico. É um entendimento muito racional o do Cardeal-Arcebispo Arns, que percebeu que assim também deve ser quanto a Ciência e a Teologia, devendo cada um seguir o seu caminho, devendo a ciência se pautar em estudar o homossexualismo através dos mais variados ramos como o da medicina, psicologia, neurologia etc. num estudo aprofundado e despreconceituoso em todas as universidades, enquanto para a igreja cabe orientar e ajudar essas pessoas a serem felizes, a serem amadas, a superar suas dificuldades, e conforme a 47 Anexo B: abril de 2001 31 crença de cada um, entender e buscar o que acreditam por ser seu objetivo seu caminho espiritual. Em conexão com o pensamento do Cardeal, entende-se que ao que cabe a ciência, deve a ciência se prostrar, e ao que cabe a teologia e a religião, deve a fé se pautar conforme as variadas convicções, da mesma forma assim também deve ser quanto ao direito, a este último, não deve se debruçar sobre convicções, principalmente se preconceituosas, não deve se preocupar com as minúcias das descobertas científicas. O Direito deve sim, se integrar com outras áreas do conhecimento e se utilizar destas ferramentas para um melhor funcionamento, mas não deve perder seu objetivo, que não é religioso, nem científico. Deve o judiciário se pautar em garantir a aplicação dos princípios que norteiam nossas legislações e nosso comportamento na sociedade, garantindo a todos os seus direitos igualmente, sem discriminação e preconceitos. Conforme estudos da ONU chegam a 14% o número de homossexuais na população mundial. Se realmente o hipotálamo do cérebro de um homossexual é menor, esta é mais uma biodiversidade da natureza, assim como os negros tem uma camada de melanina mais espessa de baixo da pele que os protege do sol e os brancos não tem, assim como os japoneses tem olhos esticados, assim todos são seguimentos da sociedade humana e devem ter seus direitos respeitados igualmente. Mas se ora Freud, o pai da psicanálise estiver certo de que o homossexualismo é um comportamento derivado de questões na infância do indivíduo que foram mal resolvidas, assim também os alcoólatras tem questões familiares mal resolvidas, assim também são as crianças e adolescentes abandonados pelos pais tiveram em algum momento conflitos familiares. O alcoólatra, o homossexual, o abandonado, etc. continuam sendo seguimentos da sociedade e não podem ser discriminados, devem sim ter seus direitos protegidos. Se nem Freud, nem a medicina estiverem certos, se o comportamento homossexual for resultado do meio em que vivemos, do contato com pessoas, e apenas for uma escolha consciente de cada indivíduo, ainda sim eles serão um segmento da sociedade que formam 14% da população mundial. 32 Para o Direito não importa se todas estas teorias estejam certas ou erradas, o que importa é que os 14% estão aqui no mundo hoje. Como se constatou nas pesquisas supracitadas o homossexualismo esteve presente em todos os povos da história. Ao contrário do que muitos pensam, não adianta fechar os olhos que os alcoólatras não vão sumir, nem os negros, nem os indianos, nem os brancos nem os homossexuais, pois eles são apenas mais uma faceta da sociedade que merece tratamento digno e igualitário. 33 3 - DA HOMOAFETIVIDADE 3.1.1 - CONCEITO DE FAMÍLIA; 3.1.2 - FAMÌLIA EM TRANSFORMAÇÂO; 3.1.3 - A CONSTITUIÇÃO E A FAMÍLIA; 3.2.1 - DA HOMOAFETIVIDADE; 3.2.2 - DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E A HOMOAFETIVIDADE; 3.3.1 - DA LACUNA LEGAL E DA ANALOGIA; 3.3.2 - O USO DA ANALOGIA, UNIÃO ESTÁVEL E UNIÕES HOMOAFETIVAS; 3.1.1 - CONCEITO DE FAMÍLIA Quando se fala do meio social em que vivemos, também se fala da sociedade. Essa grande família formada por inúmeras e diferenciadas pequenas famílias. Lembramos aqui da celebre frase do filósofo Teilhard de Chardin, de que “nenhum homem é uma ilha”, desta forma a família tem especial função na sociedade, pois é nela que se estrutura o cidadão, o sujeito que vai atuar no mundo seja lá qual for o seu papel. O núcleo familiar é fonte de companheirismo, com valoração de cada membro, para permitir o desenvolvimento da personalidade de todos. Precedente ao próprio direito, a complexa estrutura familiar tem sido alvo de estudos sociológicos e jurídicos para se tentar legislar no sentido de protegê-la. 3.1.2 - FAMÍLIA EM TRANSFORMAÇÃO Em um determinado momento histórico, a sociedade consagrou o casamento como regra de conduta, assim o matrimônio entre um homem e uma mulher, então núcleo familiar, foi a única forma familiar aceita jurídica e socialmente. A família ainda para o Código Civil de 1916 tinha um conceito fechado, patriarcal, em que o homem era o chefe da sociedade conjugal, era uma família política, de aparência social e patrimonial, na qual os bem eram transmitidos, e se perpetuava o sobrenome daquele grupo, era “a um só tempo, necessidade econômica e firmação simbólica” 48 . A família foi o único meio de convivência social e jurídico aceito. 48 GIRARDI, Viviane. Famílias contemporâneas, filiação e afeto. A possibilidade jurídica da adoção por homossexuais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2005. p.28. 34 Mas como o mundo, as sociedades, e as culturas estão em transformação constante, ao longo do tempo modificações vão ocorrendo desde alterações climáticas até avanços científicos, esses eventos refletem mudanças nos costumes das sociedades e nos valores presentes em cada civilização. Um bom exemplo disso é a atual emancipação feminina que lentamente ganhou destaque. Essas ocorrências ganham sentido na sociedade humana quando são acobertadas pela ciência dinâmica e evolutiva do Direito, que deve acompanhar esse progresso, mas para que isso ocorra devemos afastar o preconceito e criar um arcabouço legislativo em nível de compatibilidade com os reais anseios da sociedade atual. E por esse motivo se prolifera o debate jurídico, científico, doutrinário e acadêmico, visando uma melhor adaptação do sistema jurídico e legal, as necessidades atuais. A família, que é um núcleo natural e fundamental da sociedade, sofreu ao longo dos anos modificações em sua definição. Para Viana, “O devenir jurídico da família parece caminhar para a disciplina dos fatos ocorrentes; questiona-se o direito familial moralista, com regras orientadoras e pedagógicas, devendo tender o legislador, em matéria de relações privadas, para uma absoluta neutralidade, limitando-se o direito a conformar-se aos fatos revelados pelos costumes, daí que não pode fechar seus olhos, o legislador, à realidade que se mostra e clama pelo acesso a legalidade”. 49 Para Dias, o próprio “surgimento dos métodos contraceptivos e a eclosão do movimento feminista concederam à mulher o livre exercício da sexualidade” 50 , demonstra mais uma vez as mudanças nos costumes. As atuais mudanças no comportamento social fazem desabar o mito da imagem antiga da família patriarcal, o marido não é mais considerado como o chefe da sociedade conjugal, casamento já não é mais perpétuo, a família já não é mais um fim em si mesma, e sexo não se destina somente à procriação. 49 VIANA, Rui G. C. Temas atuais de direito civil na Constituição Federal, São Paulo: RT, 2000, p. 38, apud SCALQUETTE. Op. cit. p. 166 50 Op. cit. DIAS, Maria Berenice. p. 40 35 3.1.3 - A CONSTITUIÇÃO E A FAMÍLIA O legislador, apesar do esforço, não conseguiu acompanhar na mesma velocidade essa evolução, essa transformação da sociedade, embora muito já se tenha feito, ainda se precisa de muitas atualizações. A recente modificação legal que introduziu e disciplinou no Código Civil e na Constituição Federal o conceito de União Estável e de entidade familiar monoparental, são exemplos do esforço de se legislar no sentido de acompanhar o progresso social no ramo do direito de família. Houve um deslocamento do núcleo da família patriarcal, solene, patrimonial e autoritária para uma família que se baseia nos princípios da compreensão, da solidariedade e do amor, o que reflete melhor sem dúvida o princípio básico, estrutural e fundamental de nosso sistema que é a dignidade da pessoa humana, o qual trata o primeiro artigo da nossa Carta Magna, a contemporânea Constituição Federal Brasileira. A nova Constituição enxergou a importância da família na sociedade, segundo a qual “a família é a base da sociedade e merece especial proteção do Estado”. C.F. “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana” “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...) § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a União Estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.” Esta abertura demonstra que o legislador tirou o foco daquele conceito antigo e fechado de família, os principais elementos de constituição da família não são mais apenas os laços de parentesco de natureza biológica ou civil, a família está em transformação. Os preconceitos estão sendo superados, percebeu-se a importância do sentimento e colocou-se a 36 família no patamar das relações de afeto na comunidade humana, foi um grande passo na elaboração da Constituição de 1988. A Constituição Federal e suas recentes alterações incluíram como entendimento de família além do casamento, a União Estável e o conceito de família monoparental. Os três tipos de família citados na Constituição não são taxativos ou fechados, são exemplos de famílias que existem, são diretrizes, mas não proíbe a existência de outros tipos de família, até mesmo pelo teor do artigo que transportou o conceito de família para as relações de afeto. Este Também é o entendimento de alguns tribunais como o do Rio de Janeiro, Vejamos: “AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL COM PEDIDO DE ALIMENTOS – SENTENÇA TERMINATIVA, PROFERIDA POR JUÍZO DE FAMÍLIA, COM BASE EM POSSIBILIDADE JURÍDICA DA DEMANDA. A Constituição Federal, nos artis. 3º, incisos I e X, veda qulquer tipo de preconceito ou forma de discriminação, inclusive à concernente ao sexo, elevando à categoria dos direitos e garantias fundamentais a igualdade de todos perante a lei. O art. 226 e seu parágrafo 3º e 4º da Magna Carta, ao estabelecerem que a família é base da sociedade e tem especial proteção do Estado, reconhecendo a União Estável entre homem e mulher como entidade familiar, bem como a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, não pretendeu excluir a existência e a possibilidade de reconhecimento de uniões homoafetivas, sob pena de violação dos preceitos constitucionais. O relacionamento entre dois homens ou entre duas mulheres é fato social aceito e reconhecido por toda a sociedade, não sendo possível negar-se a realidade que ocorre no País e no mundo, inclusive existe projeto de lei tramitando no Congresso Nacional para regulamentar o relacionamento homoafetivo. Na ausência de lei expressa sobre a matéria, aplica-se o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, cabendo ao juiz decidir o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito. A competência para processar e julgar a questão é de uma das Varas Cíveis, por falta de previsão expressa das Leis Processuais e do Código de Organização e Divisão Judiciais do Rio de Janeiro atribuindo a competência a uma das Varas de Família – prevalece a competência residual das Varas Cíveis. Assim, reforma-se a sentença, determinando-se o prosseguimento do feito perante uma das Varas Cíveis da Comarca de Niterói até ulterior sentença de mérito” 51 Não se trata mais a família apenas da questão sexual de procriação, pois desse modo casais que não podem ou não querem ter filhos não seriam considerados como família. Não se trata mais a família apenas da questão patrimonial, pois pessoas não se unem por patrimônio, e sim por afeto. 51 AC 2005.001.20610,17ª Câmara Cível, TJRJ, Dês. Canilo Ribeiro Ruliere, j. 19-10-2005 37 3.2.1 - DA HOMOAFETIVIDADE A palavra homo como já dito, significa do mesmo, ou igual, e a novidade do termo que substituiu o termo sexo por afeto, que significa o carinho, o sentimento solidário, que uma pessoa pode sentir pela outra. O termo “homoafetivo” então traduz a idéia de pessoas do mesmo sexo que sentem carinho uma pela outra. O afeto é algo diferente da pura atração e do ato sexual, o carinho é uma elevação espiritual humana que independe de sexo, podemos sentir carinho, afeto, solidariedade, compreensão, amor, por nossos pais, nossos, filhos, nossos amigos, nossos parentes etc. Nas Palavras de Dias “O amor não tem sexo, não tem idade, não tem cor, não tem fronteiras, não tem limites. O amor não tem nada disso, mas tem tudo. Corresponde ao sonho de felicidade de todos, tanto que existe uma parcela de felicidade que só se realiza no outro. Pelo jeito, ninguém é feliz sozinho” 52. Para o afeto não existe sexo, se é macho ou fêmea, para o afeto existe o eu interior, a importância e a significância do indivíduo e suas qualidades psicológicas. O afeto sem muito esforço de interpretação pode ser colocado no cabedal dos bons sentimentos do ser humano, diferente da raiva, do ódio, que são sentimentos ruins. O afeto tira o ser humano da pura condição instintiva de animal, dando a capacidade da compaixão por seu semelhante. É uma das bases da própria sociedade que possibilita que as pessoas não se destruam, mas que tenham a condição de se socializarem, de conviverem entre si, quanto mais afeto melhor será a socialização das pessoas. Se há algum problema social, de alguma forma ele deságua na falta de afeto por parte de alguém, seja do político, ou governante egoísta que não o sente por seus semelhantes, seja pela mãe que abandonou ou não educou seu filho. Tão importante o afeto é, tanto quanto temos que protegê-lo. Mas como dito o afeto tem inúmeras facetas, há diferentes modos de gostar, assim, como já dito, gostamos de nossos filhos, de nossos amigos, de nossos pais e irmãos, de nossos namorados, namoradas maridos e esposas. 52 Op. cit. DIAS, Maria Berenice. p. 39 38 3.2.2 - IMPORTÂNCIA DA LEI 11.340 / 2006 PARA A COMPREENSÃO DA HOMOAFETIVIDADE COMO ENTIDADE FAMILIAR Uma forma de reconhecimento e proteção nas uniões homoafetivas veio de onde muitos não esperavam. A Lei nº. 11.340 / 2006 de Violência Doméstica, mais conhecida como Lei Maria da Penha. A Lei de Violência Doméstica em seu 5º artigo trata de definir as modalidades de violência, o espaço em que se aplica a lei, e a quem se aplica a lei. Vejamos o artigo e seus incisos. Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I – (...) II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. (grifo nosso) Observam-se nos incisos grifados, no que nos interessa sobre homoafetividade, que se assume em Lei Federal que família é a comunidade de indivíduos que são ou consideram-se aparentados por afinidade ou vontade expressa. Além disso, a lei ainda usa a expressão “em qualquer relação íntima de afeto” para regular a aplicação da lei no âmbito familiar. E ainda por fim no parágrafo único do ártigo 5º fecha o entendimento sem margem de dúvidas quando diz que “As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.”. Segundo Dias “No momento em que é afirmado que está sob o abrigo da lei a mulher, sem se distinguir sua orientação sexual, alcançam-se tanto lésbicas como travestis, transexuais 39 e transgêneros que mantêm relação íntima de afeto em ambiente familiar ou de convívio. Em todos esses relacionamentos, as situações de violência contra o gênero feminino justificam especial proteção.”, e que não se justifica o banimento do amor entre iguais da proteção jurídica, visto que suas desavenças são reconhecidas como violência doméstica. Com a lei Maria da Penha fica claro que o conceito de família não é um conceito fechado, e sim que abre espaço nos vínculos de convivência e de afeto. 3.2.3 - DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E A HOMOAFETIVIDADE Não importa qual é a situação, o afeto não pode ser discriminado, seja qual for a sua faceta, seja qual for seu grupo, seja qual for seu número de indivíduos. O artigo 5º inciso XLI da Constituição garante que a lei punirá qualquer tipo de discriminação atentatória aos direitos de liberdade individual e a dignidade. A dignidade humana é “um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo um mínimo invulnerável que todo estatuto deve assegurar”. 53 (grifo nosso) Chimenti entende por princípio da dignidade os “direitos que visam garantir o conforto existencial das pessoas, protegendo-as de sofrimentos evitáveis na esfera social” 54. A Constituição coloca a salvo o direito fundamental a inviolabilidade da intimidade, da vida privada de cada um, a orientação sexual é seguimento da intimidade, da honra, da vida privada, direitos esses fundamentais e invioláveis, pois seu desrespeito afronta a liberdade do ser humano conforme artigo 5°, X, da CF 88. A Constituição coloca a salvo o direito a isonomia, segundo a qual todos são iguais perante a lei, sejam homens, mulheres, negros, brancos, índios, heterossexuais e homossexuais. “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros 53 54 MORAES, Alexandre. Direito constitucional, Editora Atlas, São Paulo, 2005, p. 16. CHIMENTI, Ricardo. Direito constitucional, Editora Saraiva, São Paulo,2005, p. 33. 40 residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; (...) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XXX - é garantido o direito de herança; XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;;” A Constituição quando garantiu o direito de herança no art. 5º XXX, não excluiu os homossexuais, e no caput do artigo considerou que todos são iguais perante a lei, garantindo o direito a igualdade, a liberdade, etc., além do mais no mesmo artigo o inciso X garante a inviolabilidade da intimidade, e o inciso XLI diz que a lei punirá qualquer discriminação atentatória aos direitos fundamentais. Cada um tem o direito de seguir conforme a sua convicção o que acredita por ser o seu caminho, o que acredita ser seu projeto de vida, sua realização pessoal, o que por sua escolha acha que vai ser feliz, só assim se pode construir uma sociedade livre, justa e solidária, e que promova o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, Conforme o artigo 3º inciso I e IV da Constituição. “Art. 3º CF. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; (...) IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” No direito administrativo só se pode fazer o que está determinado na norma, ocorre ao contrário no direito civil, pois neste se pode fazer tudo o que não esteja proibido, quanto a isso, não havendo lei, se entende que o Estado atribuiu uma liberdade ao particular, desta liberdade sucede que, não interessa o que se escolhe, interessa que se pode escolher. Se a escolha foi a convivência familiar com alguém do mesmo sexo, ou de sexo diferente, para constituir uma família, construir um lar, passar sua vida em dedicação um com o outro, isso 41 faz parte da esfera privada de liberdade de escolha do indivíduo, e conforme a Constituição, esta intimidade não deve ser violada, assim como sua vida privada não deve o ser em nome da isonomia, sob pena de discriminação e violação a liberdade individual. O que compete ao Estado é proteger igualmente essa relação. Diante disto vejamos o que vem entendendo os tribunais. “APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente a União Homoafetiva mantida entre dois homens de forma pública e ininterrupta pelo período de nove anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetuou através dos séculos, não podendo o judiciário olvidar de prestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas no afeto, assumem afeição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de gêneros. E, antes disso, é o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações mantidas entre pessoas do mesmo sexo, constitui forma de privação de direito à vida, bem como viola os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. AUSÊNCIA DE REGRAMENTO ESPECÍFICO. UTILIZAÇÃO DE ANALOGIA DE DOS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO. A ausência de lei específica sobre o tema não implica ausência de direito, pois existem mecanismos para suprir as lacunas legais, aplicando-se aos casos concretos a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito, em consonância com os preceitos constitucionais (art. 4º da LICC). Negado provimento ao apelo, vencido o Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves (SEGREDO DE JUSTIÇA)” 55 A legislação não coloca a salvo direito nenhum às pessoas que se relacionam sexualmente, livremente e que não haja a concepção de um filho. O mero ato sexual não gera efeitos de proteção jurídica, seja ele homossexual ou heterossexual. O que gera vínculo entre as pessoas não é o ato sexual. Por exemplo, para se configurar União Estável não se leva em consideração um ato sexual, e sim uma convivência duradoura, com mútua assistência e outros requisitos. 55 AC 70009550070, 7ª Câmara Cível, TJRS, rel. Maria Berenice Dias, J. 17-11-2004. 42 Ao se falar em União Homoafetiva, não se fala de homossexuais que se relacionam, e sim de pessoas do mesmo sexo que se unem para uma convivência conjugal, comum, respeitando-se, ajudando-se, e construindo uma vida juntos. Segundo o princípio constitucional de isonomia, se pessoas do mesmo sexo se unem reunindo todas as características como de estabilidade, respeito, mútuo assistência etc., igualmente as relações heterossexuais, estas pessoas deveriam ter o mesmo direito, do contrário se estaria cometendo um preconceito a um grupo de pessoas específico, um preconceito a um seguimento da sociedade. Como visto, já está se admitindo outras formas de organização familiar que não somente aquela fundada no casamento, os arranjos familiares são plurais. Apesar de a União Homoafetiva não ser, como o casamento o é, regulada por nossa legislação vigente, ela se insere no âmbito social no sentido de constituir como uma família sob o aspecto da conjugalidade na união fática do par. Este argumento se baseia no princípio da igualdade visto sob o prisma da não discriminação por causa do sexo, garantindo a liberdade de opção sexual de cada pessoa, decorrente da autonomia ética que lhe deve ser assegurada para que possa escolher o que entende por ser seu caminho, seu projeto de realização pessoal e seu contexto de felicidade. O desrespeito e qualquer prejuízo a um ser humano, em função da sua orientação sexual, significariam faltar com tratamento digno a sua pessoa, desta dignidade que é inerente ao ser humano deriva que ele não seja vítima de ofensas e humilhações, e que cada um possa desenvolver com liberdade e respeito a sua personalidade própria. A sexualidade integra a própria condição humana, é um direito fundamental que acompanha cada indivíduo desde o nascimento, pois decorre de sua própria natureza. O direito de tratamento igualitário independe da tendência afetiva. Todo ser humano tem o direito de exigir respeito ao livre exercício da sexualidade. Assim como os casais, assim como os pares heterossexuais na União Estável, assim também os homoafetivos pertencem à mesma comunidade humana, e devem ter o direito à realização de suas capacidades e necessidades humanas respeitadas pelos demais e pelo Estado, o que não está ocorrendo ao ser negado o direito a suceder como as outras entidades familiares. É o que vem entendendo os tribunais. 43 “UNIÃO HOMOAFETIVA. UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA DE BENS. Inquestionada a existência do vínculo afetivo por cerca de 10 anos, atendendo a todas as características de União Estável, imperativo que se reconheça sua existência, independente de os parceiros serem pessoas do mesmo sexo. POR MAIORIA, DESACOLHEM OS EMBARGOS DA SUCESSÃO E ACOLHERAM OS EMBARGOS DE T.M.S.” 56 Maria Berenice também compartilha deste entendimento, segundo a qual é “Desarrazoada a eleição do fator sexista para subtrair dos homossexuais os direitos deferidos aos heterossexuais, postura que evidencia discriminação, infringência ao princípio da isonomia e desrespeito a cláusula constitucional de respeito a dignidade humana, bem como de forma reflexa, afronta a liberdade pessoal e sexual”. 57 Para Pizzolante “o desconhecimento das pretensões das minorias, em que pese não constituir nenhuma novidade em nosso País, não é bom indício de democracia, restando claro que a inexistência de regulamentação legal para a situação de convivência de parcela da população que não pode ser, por sua opção sexual, relegada a marginalidade constitui em cerceamento de direitos basilares da cidadania de tal segmento social, o que não pode ser admitido num Estado democrático de direito”. 58 Homoafetivos são cidadãos nacionais, que pagam seus débitos, contribuem dignamente perante o meio social com seus ofícios e são simplesmente marginalizados por uma escolha, pela omissão legal, resultante de preconceitos, e pela omissão judicial por temer a dar o que merecem. Para Berenice Dias “subtrair juridicidade a um fato social implica deixar o indivíduo a margem da própria cidadania, o que não se comporta no âmbito do Estado Democrático de Direito” 59. Trata-se de assegurar no plano individual a tutela ao direito personalíssimo de orientação sexual. 56 EI 70006984348, 4º Grupo de Câmaras Cíveis, TJRS, rel. Maria Berenice Dias, J. 14-11-2003. Op. cit. DIAS, Maria Berenice. p. 74 58 PIZZOLANTE, Francisco. União Estável. P.153, apud SCALQUETTE. Op. cit. p. 165 59 Op. Cit. DIAS, Maria Berenice. p. 74 57 44 3.3.1 - DA LACUNA LEGAL E DA ANALOGIA O que ocorre foi que o legislador não previu tal fato na legislação infraconstitucional, portanto o Código Civil é omisso em relação às relações homoafetivas. Ao disciplinar outras formações familiares como a União Estável e o casamento, o código nem proibiu, nem abordou, nem regulou tal situação fática. Trata-se então de lacuna na lei. Para Bobbio é natural que sempre exista um “desajuste entre o Direito constituído e a realidade social” 60, pois o mundo está em constante modificação. Em um mundo que está em constante transformação, mudanças geológicas, climáticas, tecnológicas, sociais e tantas outras que afetam nossas vidas, nossos comportamentos e costumes, é natural que a norma positiva não preveja tudo, daí temos lacunas legais. Para Savigny se “Falta a unidade , então trata-se de remover uma contradição; se falta a completude, então trata-se de preencher uma lacuna.” 61 Para Carnelutti 62 no caso em que há menos normas do que deveria haver, deve o intérprete acrescer daquilo que falta fazendo uma integração normativa para eliminar deficiência de normas ou lacunas. Para Bobbio a “lição dos fatos e maturidade científica se ajudam mutuamente a combater o monopólio jurídico do Estado, e com isso o dogma da completude”, ele chama de dogma da completude aquela ilusão de que a lei é completa e pode prever todos os casos. Em consonância com as constantes modificações sociais e prevendo que seria impossível uma legislação sempre atualizada, que previsse todos os fatos, e para amparar todos os casos concretos, a própria lei já previu que existiriam as lacunas e deu a fórmula para sua superação possibilitando que as regras de nosso ordenamento sejam interpretadas, complementadas ou estendidas. A ausência de lei não significa a inexistência do direito, pois o direito não é apenas aquilo que está no código. A omissão legal não significa que as relações homoafetivas não fazem jus a tutela jurídica. 60 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento Jurídico, Editora UnB, 10ª Edição, Brasília DF. p.125 SAVIGNY, Friedrich C. V. Sistema del diritto romano attuale, v.1,p.267 apud Bobbio Op. cit. p.117 62 CARNELUTTI, Francesco.Teoria geral del diritto, 2ª ed. 1946. p.76 apud Bobbio Op. cit. p.117 61 45 Se a lei não exclui expressamente algo, isto leva ao que Bobbio afirmava ser uma Norma Geral Exclusiva 63 “Tudo que não está explicitamente proibido, está implicitamente permitido” Esta idéia de Bobbio se baseia nas premissas básicas do pensamento kelsiano. O judiciário deve dar uma resposta ao caso concreto, conforme consta do artigo 126 do Código de Processo Civil e no artigo 5º inciso XXXV da Constituição Federal. “Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caberlhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.” “Art. 5 XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;” Sendo assim, a saída é o uso da analogia. Bobbio entende por analogia 64 “o procedimento pelo qual se atribui a um caso não regulado a mesma disciplina que a um caso regulado semelhante” e que “se uma controvérsia não pode ser decidida com uma disposição precisa, devem-se levar em conta disposições que regulem casos semelhantes”. Para Maria Berenice Dias “O direito deve acompanhar o momento social. Assim como a sociedade não é estática, estando em constante transformação, o Direito não pode ficar estático à espera da lei. Como o fato social se antepõe ao jurídico e a jurisprudência antecede a lei, devem os juízes ter coragem de quebrar preconceitos e não ter medo de fazer justiça”. 65 Segundo o artigo 4º da LICC. Lei de Introdução ao Código Civil, o juiz na ausência de norma poderá decidir inspirado na analogia de outros institutos legais parecidos, poderá basear-se nos costumes e nos princípios constitucionais. “Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.” 63 Op. cit. BOBBIO. p.133 Op. cit. BOBBIO. p. 150 a 160 65 Op. cit. DIAS, Maria Berenice. p.148. 64 46 Segundo o artigo 5º da Constituição Federal, o juiz deve ainda atender aos fins sociais e ao bem comum quando for decidir. “Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.” O judiciário não pode se escusar de dar uma resposta, indeferir pedidos alegando ausência de previsão legal, ou lacuna na lei, deverá de acordo com o artigo 4º e 5º da LICC. buscar a melhor solução que corresponda aos costumes e os princípios gerais de direito, e que atenda os fins sociais e o bem comum. Bobbio define um conceito chamado lacunas ideológicas 66 , segundo ele não falta norma a ser aplicada, falta de critérios válidos para saber qual norma será aplicada, ou falta critérios para se saber qual é a norma mais satisfatória. Não se trata a questão de lacuna ideológica, pois o artigo quarto definiu como achar a norma e no caso de se saber qual é a norma mais satisfatória o código também definiu que o juiz deve se pautar pelos costumes e pelos princípios, e que esta norma atenda os fins sociais e o bem comum. Para Bobbio, “a completude é algo mais que uma exigência, é uma condição necessária para o funcionamento do sistema.” 67 No caso das uniões homoafetivas, o que se tem feito hoje, além de negar pedidos por falta de previsão legal, é a extensão por analogia ao instituto da Sociedade de Fato. Assim, concede-se aos pares homoafetivos em uma eventual separação ou morte, o direito de receber o que conseguir provar ter acrescido no patrimônio do outro, e tudo mais volta como sucessão para a família. A decisão por analogia deve buscar o instituto que mais se assemelha ao fato que não está regulado pela lei. O judiciário então acredita que o instituto mais parecido com o que ocorre com as uniões homoafetivas é o instituto emprestado do direito comercial chamado de Sociedade de Fato. “C.C. Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, 66 67 Op cit. BOBBIO. p. 139 e 140 Op cit. BOBBIO. p.118 47 para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.” Normalmente as decisões são como esta: “SUCESSÃO – União entre casal homossexual – Em face da impossibilidade do reconhecimento da União Estável a meação de bens adquiridos na constância da Sociedade de Fato deve ser resolvida no âmbito do direito das obrigações, desde que comprovado o esforço comum – Recurso improvido. 68” Questiona-se este trabalho que a Sociedade de Fato não é o instituto que melhor reflete a situação. Bobbio dá a seguinte fórmula para a analogia: MéP S é semelhante a M SéP Quadro 1: Exemplo seco de analogia Fonte: BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento Jurídico, Editora UnB, 10ª Edição, Brasília DF. p. 152 Porém, Bobbio chama a atenção que para se obter bons resultados ou resultados verdadeiros, é necessário ter uma qualidade comparativa que tenham uma razão suficiente, não se deve tomar como elemento comparativo uma semelhança qualquer e sim uma semelhança relevante. No exemplo abaixo quer se descobrir se cavalos são mortais. Homens são Mortais Os Cavalos são semelhantes ao homem Os Cavalos são mortais Quadro 2: Exemplo de analogia infundada Fonte: Op cit. BOBBIO, p. 152 68 AP 368.426-4/3, Monte Azul Paulista, 1ª Câmara de Direito Privado, rel. De Santi Ribeiro, J. 06-09-2005, v.u., voto n.16371-SP. 48 A conclusão só é lícita, se os cavalos forem semelhantes ao homem em uma qualidade que seja razão suficiente para que os homens sejam mortais. O que não ocorre no exemplo dado acima. Mas, vejamos o exemplo abaixo em que a semelhança possui razão suficiente para demonstrar o alcance dos resultados. Os seres vivos são mortais Os cavalos são seres vivos Os cavalos são mortais Quadro 3: Exemplo de analogia correta Fonte: Op cit. BOBBIO, p. 153 A semelhança relevante entre homem e cavalo com o fim de deduzir a mortalidade dos cavalos é a de que ambos pertencem à categoria dos seres vivos. Então temos em comparação com o caso em tela em que da lacuna existente, quer se descobrir qual é o resultado analógico para o caso dos homoafetivos. Vejamos os quadros: Sociedade de Fato é igual ao que diz o artigo 981 do Código Civil Capítulo do Direito de Empresas “pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.” Parágrafo único “à atividade pode restringir-se a realização de um ou mais negócios.”. União Homoafetiva, união entre pessoas do mesmo sexo configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família e pautada nos deveres de lealdade, respeito e assistência, e no caso de adoção, o dever mútuo de guarda, sustento e educação dos filhos. Para efeito de completude de lacuna na lei união homoafetiva é analogicamente igual à Sociedade de Fato. Quadro 4: Analogia entre União Homoafetiva e Sociedade de Fato 49 Agora vejamos a seguinte comparação: União Estável, união entre homem e mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família e pautada nos deveres de lealdade, respeito e assistência e de guarda, sustento e educação dos filhos. União Homoafetiva, União entre pessoas do mesmo sexo configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família e pautada nos deveres de lealdade, respeito e assistência, e no caso de adoção, o dever mútuo de guarda, sustento e educação dos filhos. Para efeito de completude de lacuna na lei União Homoafetiva é analogicamente igual à União Estável. Quadro 5: Analogia entre União Estável e União Homoafetiva Para o Hermeneuta Carlos Maximiliano a analogia “se baseia na presunção de que duas coisas que tem entre si um certo número de pontos de semelhança (grifo nosso) possam consequentemente assemelhar-se quanto a um outro mais” 69 A Sociedade de Fato se trata no ramo do direito comercial porque se preocupa com o patrimônio, com a colaboração financeira dos sócios de uma empresa, seu epicentro é o investimento de pessoas que unem esforços, para ganhar mais dinheiro. A Sociedade de Fato não é tratada no ramo do direito de família porque nada tem a ver com o afeto, com carinho, amor, com compreensão, com assistência um ao outro. A Sociedade de Fato se preocupa somente com quanto dinheiro ou bens cada indivíduo colocou naquela sociedade, para que quando ela acabar passa as partes reaver seus investimentos e seus lucros. A Sociedade de Fato desprotege e desconsidera todo o vínculo afetivo que existia na relação homoafetiva. Para Dias “O tratamento diferenciado à situações análogas, acaba por gerar profundas injustiças” 70. 69 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, Editora forense, 19ª edição, Rio de janeiro 2003. p.168 70 Op. cit. BOBBIO. p. 56 50 Por conseqüência, em um julgamento que declarou a existência de Sociedade de Fato ao par homoafetivo, é analisada como prova a participação de cada um dos parceiros na formação do acervo patrimonial conquistado em conjunto. Tenta-se identificar o aporte econômico de cada parceiro para a aquisição dos bens, a fim de estabelecer a partilha proporcional. Essas precauções tomadas na investigação muitas vezes revelam resultados que se distanciam de uma solução justa, principalmente, naqueles relacionamentos que guardam descrição, dificultando a prova testemunhal de que existia uma União Homoafetiva entre os ex-parceiros e dificultando a comprovação da aquisição dos bens em conjunto. Para Dias “Tais soluções dão ensejo a um descabido beneficiamento dos familiares distantes que, normalmente, rejeitavam, rechaçavam e ridicularizavam a orientação sexual do de cujus. De outro lado, na ausência de parentes, acaba havendo a declaração de vacância e o recolhimento da herança ao Estado, em prejuízo de quem deveria ser reconhecido como o titular dos direitos hereditários”. 71 Para tentar amenizar a situação que já vinha ganhando força, o Supremo Tribunal de Justiça elaborou a súmula 380, a qual garantia desde que comprovada a existência de Sociedade de Fato entre os concubinos, poderia ser feita a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum. SÚMULA 380 STF - Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum. A interpretação desta súmula juntamente com o artigo 3º da lei 8.971/1994, levava ao entendimento que de que os homoafetivos poderiam amealhar na partilha a metade do patrimônio adquirido por esforço comum. Art. 3º Quando os bens deixados pelo(a) autor(a) da herança resultarem de atividade em que haja colaboração do(a) companheiro, terá o sobrevivente direito à metade dos bens. O Supremo Tribunal Federal, na verdade elaborou a súmula apenas para amenizar a pressão que se fazia sobre a sucessão nas relações homoafetivas, mas apesar da súmula ter ajudado em alguns casos, quanto a sucessão nada adiantou. Esclarece a situação Oliveira “a co-propriedade ou propriedade condominial ocorre por força da colaboração na formação do patrimônio. Advém direito a partilha em atenção aos 71 Op. cit DIAS,Maria Berenice. p. 111 51 princípios jurídicos de dar a cada um o que é seu, evitando-se, por parte daquele que registrou o bem em seu exclusivo nome, enriquecimento a custa de outrem” 72. Uma decisão que devolve o patrimônio do indivíduo homoafetivo, como sucessão à família, que muitas das vezes nem o aceitou por sua opção de vida, em detrimento daquele que logrou seus esforços, sua companhia, seu afeto, sua compreensão, sua assistência naquela relação, só porque era do mesmo sexo, enquanto se fosse de sexo contrário na mesma situação poderia suceder, esta decisão não se enquadra com os princípios constitucionais, não reflete igualdade ou isonomia, e sim uma violação a sua intimidade, um preconceito e uma discriminação de um grupo. Uma vez configurado os requisitos da convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família, se faz necessário conferir direitos e impor obrigações mútuas, independente da identidade de sexos convergentes. Quanto ao exposto vejamos o que vem entendendo alguns Tribunais: “AÇÃO DECLARATÓRIA. RECONHECIMENTO. UNIÃO ESTÁVEL. CASAL HOMOSSEXUAL. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. CABIMENTO. A ação declaratória é o instrumento jurídico adequado para reconhecimento da existência da União Estável entre parcerias homoeróticas, desde que afirmados e provados os pressupostos próprios daquela entidade familiar. A sociedade moderna, mercê das evoluções dos costumes e apanágio das decisões judiciais, sintoniza com a intenção dos casais homoafetivos em abandonar os nichos da segregação e repúdio, em busca da normalização de seu estado de igualdade às parelhas matrimoniadas. EMBARGOS INFRINGENTES ACOLHIDOS, POR MAIORIA (SEGREDO DE JUSTIÇA)”. 73 “UNIÃO HOMOAFETIVA. POSSIBILIDADE JURIDICA DO PEDIDO. Observância dos princípios da dignidade da pessoa humana. Pela dissolução da união havida, caberá a cada conivente a meação dos bens onerosamente amealhados durante a convivência. Falecendo o companheiro sem deixar ascendentes ou descendentes caberá à sobrevivente a totalidade da herança. Aplicação analógica das Leis n. 8.971/94 e 9.278/96. POR MAIORIA, NEGAM PROVIMENTO, VENCIDO O REVISOR”. 74 72 OLIVEIRA, Euclides de. União Estável. p.79. apud SCALQUETTE. Op. Cit. p. 168 EI 70011120573, 4º Grupo de Câmaras Cíveis, TJRS, rel. José Carlos Teixeira Giorgis, j. 10-06-2005 74 AC 70006844153, 8ª Câmara Cível, TJRS, rel. Catarina Rita Krieger Martins, J. 18-12-2003. 73 52 “UNIÃO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO. PARTILHA DO PATRIMÔNIO. CONTRIBUIÇÃO DOS PARCEIROS. MEAÇÃO. Não se permite mais o farisaísmo de desconhecer a existência de uniões entre pessoas do mesmo sexo e a produção de efeitos jurídicos derivados destas relações homoafetivas. Embora permeadas de preconceitos, são realidades que o Judiciário não pode ignorar, mesmo em sua natural atividade retardatária. Nelas remanescem conseqüências semelhantes às que vigoram nas relações de afeto, buscando-se sempre a aplicação da analogia e dos princípios gerais do direito, relevados sempre os princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade. Desta forma, o patrimônio havido na constância do relacionamento deve ser partilhado como na União Estável, paradigma supletivo onde se debruça a melhor hermenêutica. Apelação provida, em parte, para assegurar a divisão do acervo entre os parceiros. Voto vencido”. 75 No ano de 2006 homoafetivos entraram com uma Ação Declaratória de união homoafetiva no Estado do Rio de Janeiro, esta ação deu origem a um Recurso Especial no Superior Tribunal de Justiça que resultou no atual julgamento datado de setembro de 2008, e que merece ser exposto. Vejamos com atenção a Ementa: “PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO HOMOAFETIVA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. OFENSA NÃO CARACTERIZADA AO ARTIGO 132, DO CPC. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ARTIGOS 1º DA LEI 9.278/96 E 1.723 E 1.724 DO CÓDIGO CIVIL. ALEGAÇÃO DE LACUNA LEGISLATIVA. POSSIBILIDADE DE EMPREGO DA ANALOGIA COMO MÉTODO INTEGRATIVO. 1. Não há ofensa ao princípio da identidade física do juiz, se a magistrada que presidiu a colheita antecipada das provas estava em gozo de férias, quando da prolação da sentença, máxime porque diferentes os pedidos contidos nas ações principal e cautelar. 2. O entendimento assente nesta Corte, quanto a possibilidade jurídica do pedido, corresponde a inexistência de vedação explícita no ordenamento jurídico para o ajuizamento da demanda proposta. 3. A despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é que, para a hipótese em apreço, onde se pretende a declaração de união homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento do feito. 4. Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a possibilidade de união estável entre homem e mulher, dês que preencham as condições impostas pela lei, quais sejam, convivência pública, duradoura e contínua, sem, contudo, proibir a união entre dois homens ou duas mulheres. Poderia o legislador, caso desejasse, utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da abrangência legal. Contudo, assim não procedeu. 5. É possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau entenda existir lacuna legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive de situação fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente regulada. 75 Apelação Cível nº 70001388982, 7ª Câmara Cível TJRS. Tribunal de Justiça, rel. Desembargador José Carlos Teixeira Giorgis. J. 14/03/ 2001. 53 6. Ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento de ausência de previsão legal. Admite-se, se for o caso, a integração mediante o uso da analogia, a fim de alcançar casos não expressamente contemplados, mas cuja essência coincida com outros tratados pelo legislador. 5. Recurso especial conhecido e provido.” 76 (grifo nosso) Observa-se a clara e precisa posição do Superior Tribunal de Justiça e dos outros tribunais supracitados quanto às uniões homoafetivas e a existência de lacuna legal e a necessidade do uso da analogia, e também a necessidade de proteção desta família para que possa suceder. Diante do fato e dos inúmeros casos, deve o legislador disciplinar a questão, que na ausência da lei deságua em questões para o judiciário decidir. Mas, enquanto na ausência de lei, o melhor caminho a ser seguido é usar com sabedoria a analogia e se guiar pelos princípios constitucionais para achar qual é o melhor instituto a ser estendido para a proteção dos homoafetivos. 3.3.2 - O USO DA ANALOGIA, UNIÃO ESTÁVEL E UNIÕES HOMOAFETIVAS A sucessão dos pares homoafetivos vai de encontro com os princípios constitucionais, na ausência de legislação, deve o judiciário encontrar um instituto que supra os anseios daqueles indivíduos, que com certeza não são recuperar o que investiu em uma sociedade comercial, mas sim ser reconhecido como família, como sociedade de afeto, e por isso suceder. O instituto que mais se assemelha com a União Homoafetiva é o recentemente incluído instituto da União Estável. Na União Estável pode o indivíduo suceder, mas para que se configure a União Estável é necessário preencher os requisitos do artigo descritos no artigo 1723 e 1724 do Código Civil, convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família, além dos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos. 76 RE nº. 820.475 – (2006/0034525-4) Relator p/ Acórdão Ministro Luiz Felipe Salomão J. 02/09/2008 54 Na União Homoafetiva quando presente estes mesmos elementos com a exceção da dualidade sexual dos pares, deve por analogia o judiciário estender a aplicação do instituto a aquela classe. “Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.” “Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.” “Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.” Verifica-se também que, em questões patrimoniais (art. 1.725), na União Estável, será aplicado o regime de comunhão parcial de bens. Preenchidos os requisitos aduzidos nos artigos supracitados, será configurada a União Estável e capacidade de suceder conforme o artigo 1790 do Código Civil que regula a sucessão dos companheiros. “Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.” Como se verifica nos artigos, com relação à União Estável não se fala em Sociedade de Fato e sim de sucessão dos bens adquiridos onerosamente na vigência do casamento. 55 O artigo também regula os casos de concorrência com outros familiares sucessíveis, além da possibilidade de não havendo parentes sucessíveis, herdar todos os bens, e caso haja filhos terá uma cota equivalente a que por lei for atribuída ao filho, e no caso de descendentes do autor da herança, a um terço da herança. Como então ficaria a sucessão dos homoafetivos no regime de comunhão parcial de bens? O Código Civil regula este regime nos artigos 1658 a 1666, vejamos o que nos importa em questão de sucessão. No artigo 1790 do Código Civil se prescreve que a companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da União Estável, devemos entender quais são exatamente esses bens, e para tanto é necessário se interpretar tal artigo em consonância com o artigo 1725, segundo o qual as questões patrimoniais, na União Estável, serão reguladas pelo regime de comunhão parcial de bens. Nesta interpretação e para se saber o que se entende exatamente pelos bens adquiridos onerosamente na vigência da União Estável por se tratar de relação patrimonial. Vejamos o que diz o Regime de Comunhão Parcial. Art. 1.660. Entram na comunhão: I - os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges; II - os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior; III - os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges; IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge; V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão. Art. 1.662. No regime da comunhão parcial, presumem-se adquiridos na constância do casamento os bens móveis, quando não se provar que o foram em data anterior. 56 No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento e presumem-se adquiridos na constância do casamento os bens móveis, quando não se provar que o foram em data anterior. Conforme o artigo Art. 1.660 e incisos. Entram na comunhão: os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges; os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior; os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges; as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge; os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão. As normas acima, portanto, serão aquelas que regularão a separação dos bens nas Uniões Homoafetivas. Conforme todo visto, seria de estrema importância se utilizar do instituto da União Estável em analogia para se regular de forma justa e séria as Uniões Homoafetivas. Mas adverte Azevedo que perante as incertezas preconceituosas, e diante da fragmentação de decisões judiciais e de ausência legal, os parceiros homoafetivos “devem acautelar-se com realização de contratos escritos, que esclareçam a respeito de seu patrimônio, principalmente demonstrando os bens que existem, ou venham a existir, em regime de condomínio, com os percentuais estabelecidos ou não. Se for o caso, para que não esbarrem suas convenções no direito sucessório de seus herdeiros, devem realizar testamentos esclarecedores de suas verdadeiras intenções. Podem, ainda, os parceiros adquirir bens em nome de ambos, o que importa condomínio em partes iguais” 77 77 AZEVEDO, Álvaro V. Estatuto. p. 474 apud SCALQUETTE. Op. cit. p. 169 57 4 – DAS LEIS E PROJETOS DE LEIS 4.1.1 - LEGISLAÇÃO BRASILEIRA; 4.1.2 – PROJETOS LEGISLATIVOS BRASILEIROS; 4.2 - DAS MANIFESTAÇOES LEGAIS NO MUNDO 4.1.1 - LEGISLAÇÃO BRASILEIRA É de grande importância observarmos no decorrer do tempo quais são as manifestações legais relacionadas com a homossexualidade, incluindo os projetos legislativos, estas manifestações, de certa forma, demonstram qual é o estágio de sucesso do combate a discriminação e também a proteção de direitos dos diversos segmentos sociais. Antes de começar a falar de nossa legislação, há que se lembrar do fato que marcou muito nosso País aos olhos do mundo, que foi a participação do Brasil em 2003 com apoio de outros 19 países membros da ONU, propondo o projeto de resolução em que todos os membros da Organização teriam que promover e proteger os direitos humanos de todas as pessoas, não importando qual a sua orientação sexual. Seria uma resolução histórica, já que pela primeira vez a ONU abordaria a questão dos direitos humanos dos homossexuais. No entanto, uma aliança entre os países muçulmanos, com destaque para Egito, Paquistão, Arábia Saudita, Líbia e Malásia, além do Vaticano e do apoio dos Estados Unidos conseguiu impedir, a votação do projeto. 78 Quanto à legislação brasileira, se abordará a nossa Lei maior, atual Constituição de 1988 e também legislação infraconstitucional. Nossa Constituição sem dúvida trouxe grandes avanços quanto aos direitos de terceira geração, ou seja, os direitos que protegem ou garantem valores como os de fraternidade e solidariedade. Os princípios constitucionais basilares como a dignidade da pessoa humana, ou da isonomia, refletem bem o desenvolvimento dos direitos de terceira geração. Porém, ainda vestígios preconceituosos titubeavam a mente de nossos Constituintes no Congresso. Dois anos antes da promulgação da Constituição o Grupo Triângulo Rosa do Estado do Rio de Janeiro, GGB e Libertos do Estado de São Paulo iniciam campanha junto à Constituinte pela inclusão da proibição de discriminação por orientação sexual na 78 Anexo B: 25 de abril de 2003 58 Constituição. João Antonio Mascarenhas, o principal ativista nacional de então, representante e fundador do Grupo Triângulo Rosa/RJ, que encabeçara o "loby" pela inclusão da proibição do preconceito por orientação sexual na Constituição, cujo projeto tramitava na Assembléia Nacional Constituinte, torna-se o primeiro homossexual brasileiro a ser convidado a falar no Congresso Nacional. Ocorre que, durante a aprovação da Constituição Brasileira de 1988, em Brasília, a grande maioria do congresso votou contra a inclusão do item que proibia a discriminação por orientação sexual. Porém, com o passar dos anos muitas mudanças, emendas e atualizações legais mudaram esse cenário preconceituoso, inclusive leis Municipais nas quais o legislador percebeu a necessidade da regulamentação e proteção dos direitos dos homossexuais. 79 Apesar da posição preconceituosa do corpo de constituintes em ser omisso quanto a considerar criminoso o preconceito e a discriminação contra os homossexuais, o povo brasileiro através de seus representantes legislativos Estaduais e Municipais, demonstraram pela grande quantidade de leis regulando o assunto, que os anseios da sociedade é de punir a conduta discriminatória e preconceituosa, e em algumas vezes vão além, de forma a proteger alguns direitos dos homossexuais e dos homoafetivos. Apesar das boas intenções, as Leis Municipais e Estaduais, pouco podem fazer para punir a discriminação, pois é competência privativamente da União legislar em matéria penal, e qualquer lei que assim o faça é inconstitucional. CF. art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; Mas, apesar disso se tem tentado outras formas de punição como por exemplo a punição administrativa, com penas de multas. Há também leis que garantem a manifestação do afeto dos homossexuais em locais públicos sem que isso se configure atentado violento ao pudor, leis que garantem benefícios previdenciários, que garante a circulação de homossexuais nos estabelecimentos entre outras. 79 Anexo B: 1987 59 Vejamos alguns casos de leis Municipais e Estaduais. Salvador em 1990 torna-se a primeira cidade da América Latina a proibir discriminação por orientação sexual na Lei Orgânica Municipal, posteriormente foi sancionada a Lei Municipal nº 5.275 que institui penalidades à prática de discriminação em razão de opção sexual. 80 Em Juiz de Fora, Minas Gerais é aprovada a Lei Municipal 9791/2000 que garante aos homossexuais o direito de manifestar sua afetividade em locais públicos. 81 Em Belo Horizonte a Câmara Municipal aprovou o Projeto de Lei nº 1672/2000, que estabelece penalidades aos estabelecimentos comerciais que discriminarem pessoas em virtude de sua orientação sexual adotando atos de coação e violência. No ano seguinte é sancionada a Lei Municipal 8283/2001 que institui o Dia Municipal de Luta contra a Discriminação por Orientação Sexual. 82 Em 2001 a Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro aprova, por 28 votos a favor, 11 contra e 1 abstenção, o projeto de lei que modifica a lei vigente sobre pensões dos servidores do Estado e do Município do Rio, visando a garantir também aos funcionários públicos homossexuais o direito de deixar pensão previdenciária para o companheiro ou companheira de mesmo sexo. No mesmo ano também é sancionada a Lei Estadual 3406/2000, que estabelece penalidades aos estabelecimentos que discriminem pessoas em virtude de sua orientação sexual e também autorizou as visitas íntimas para presos homossexuais. O Rio de Janeiro também é o primeiro Estado do Brasil a garantir os direitos previdenciários aos companheiros de servidores estaduais homossexuais por efeito do vigor da Lei Estadual 3.786. 83 No Estado de São Paulo é sancionada em 2001 a lei 10948 que pune a discriminação contra orientação sexual. O projeto de lei prevê multa de até R$ 29.490,00 a toda empresa, organização social e cidadão que submeterem “gueis, lésbicas, bissexuais ou transgêneros” a qualquer tipo de discriminação. Empresas e organizações podem ter, ainda, a suspensão ou mesmo cassação da licença estadual para funcionamento. 84 80 Anexo B: 1990 e dezembro de 1997 Anexo B: 12 de maio de 2000 82 Anexo B: 13 de dezembro de 2000 83 Anexo B: 15 de maio de 2005, 08 de dezembro de 2001 e 20 de março de 2002 84 Anexo B: 05 de novembro de 2001 81 60 Ainda no Estado de São Paulo na cidade de São José do Rio Preto, em 2002, é aprovado e sancionado o projeto de lei 181/01, proibindo a discriminação por orientação sexual. A lei prevê multas de 1 a 3 mil reais ou a cassação do alvará de estabelecimentos que discriminarem homossexuais. 85 É sancionada em Minas Gerais, em 2002, a Lei 14170 que coíbe a discriminação contra pessoas em virtude de sua orientação sexual. A Lei prevê a criação de um centro de referência voltado para a defesa do direito à liberdade de orientação sexual. Entre as penalidades está a multa que pode chegar a R$50.000,00. A conquista maior desta lei, considerada a mais avançada do país, é a de permitir a livre manifestação de afeto entre homossexuais em espaço público, sem que isto possa ser interpretado como atentado ao pudor. 86 No Rio Grande do Sul, no mesmo ano é aprovado na Assembléia Legislativa, o Projeto de Lei 185/02, que dispõe sobre a promoção e reconhecimento da liberdade de orientação, prática, manifestação, identidade, preferência sexual e dá outras providências. O projeto considera como discriminatório proibir o ingresso ou permanência de cidadão homossexual em estabelecimento público ou privado, praticar atendimento selecionado, preterir, sobretaxar ou impedir a hospedagem em hotéis, motéis ou pensões ou demitir em função da orientação sexual do empregado. Em 2002 o Município de Recife torna-se o primeiro do Brasil a incluir no benefício da concessão de pensão, em caso de morte, os companheiros e filhos dos servidores públicos homossexuais. A regulamentação atendeu a 1,3 mil casais heterossexuais e outros cinco casais homossexuais identificados no censo realizado em janeiro passado pela Secretaria de Administração. Os servidores do Recife ganharam o direito de deixar uma pensão, em caso de morte, para seus filhos e seus companheiros, sejam eles hetero ou homossexuais. Também em 2002 é aprovada pela Câmara dos Vereadores de Londrina, no Paraná, a lei nº 117/02, que penaliza com multas qualquer estabelecimento que discrimine homossexuais. O projeto de lei, de autoria da vereadora Elza Correia, foi aprovado por dezenove votos a dois. Ainda em 2002 é sancionada em Pelotas Rio Grande do Sul, a Lei Municipal 4.798/02, que reconhece a união entre parceiros do mesmo sexo para fins de Previdência Municipal, 85 86 Anexo B: 14 de maio de 2002 Anexo B: 15 de janeiro de 2002 61 garantindo a concessão de benefícios a cônjuges de uniões homossexuais e a eventuais filhos do casal que passam a receber os benefícios do Sistema da Previdência Social dos Servidores Municipais. 87 No ano seguinte Santa Catarina promulga uma lei que pune a discriminação por orientação sexual. É prevista punição a toda e qualquer manifestação atentatória ou discriminatória praticada contra qualquer cidadão ou cidadã homossexual, bissexual ou transgênero. Também há previsão de punição quando aos cidadãos é impedido o ingresso baseado na orientação sexual, quando há humilhação, atendimento selecionado, preterição, sobretaxa, demissão, proibição à livre expressão da afetividade, sendo estas expressões e manifestações permitidas aos demais cidadãos e cidadãs. Qualquer organização social ou empresa com ou sem fins lucrativos instaladas em Santa Catarina; na área pública, militar, poderá ser objeto de penalidade que varia entre advertência; multa de R$ 1.000,00 até multa de R$ 3.000,00; suspensão de licença da empresa e cessação. Os valores serão ajustados pela taxa SELIC. 88 Com todas essas leis Municipais e Estaduais o brasileiro deve comemorar pelas vitórias contra o preconceito e a discriminação, mas temos que ter consciência que a caminhada continua e ainda falta conquistarmos muito mais, a começar de uma legislação Federal de proteção dos direitos dos homossexuais e dos homoafetivos. 4.1.2 – PROJETOS DE LEIS NO BRASIL Para salientar a importância de se desenvolver uma legislação que proteja os direitos de todos os seguimentos da sociedade se pode citar as palavras de Maria Berenice que demonstra com exatidão esta necessidade “(...) não basta o julgamento de um processo, cuja decisão fica circunscrita ao recinto do foro. Fazer justiça a uma única pessoa não é o suficiente para que novos horizontes sejam descortinados. Também a publicação dos julgados apenas em repertórios de jurisprudência é insuficiente para incentivar a mudança de determinadas posturas (...)”. 89 87 Anexo B: 27 de março de 2002 Anexo B: 04 de abril de 2003 89 Op. cit. DIAS, Maria Berenice. p.13 88 62 “É claro que essa omissão da lei tem um preço alto: alimenta a discriminação e o preconceito, e até serve como fundamento para legitimar os atos de violência de grupos homofóbicos”. 90 Conforme visto no título anterior, existem várias manifestações legais para proteger os homossexuais do preconceito por orientação sexual. Mas, não há uma Legislação Federal. Porém, há que se saber que existe um projeto lei que define como crime a discriminação contra homossexuais. O projeto lei nº 1904/1999 já previa uma alteração da Lei 7.716/1989 que define os crimes resultantes de preconceito. O artigo primeiro da lei 7.716 de 1989 tem atualmente a seguinte redação. “Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.” Se o projeto lei supracitado fosse aprovado, passaria o artigo primeiro da lei 7.716 de 1989 a vigorar com a seguinte redação. “Art. 1º Serão punidos na forma desta lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceitos de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional ou orientação sexual.” Desta forma então incluindo a punição de discriminação por orientação sexual. Portanto agora sabemos que existe um projeto de lei para se criminalizar condutas de preconceito e discriminação dos homossexuais, porém é de se estranhar que tal projeto desde 1999 nunca foi aprovado. Olhando por outro lado que não a questão criminal, e partindo para a proteção civil dos direitos dos homoafetivos, temos o famoso e tão discutido Projeto Lei nº. 1.151/1995 de autoria da Deputada Federal Marta Suplicy. 90 Op. cit. DIAS, Maria Berenice. p. 75 63 O foco principal do projeto é a Parceria Civil Registrada, e prevê os benefícios e direitos já conquistados pelos heterossexuais na União Estável, tais como a possibilidade de partilha dos bens, direito a herança, benefícios de previdência social, direitos relativos a planos e seguros de saúde, declaração conjunta de imposto de renda, possibilidade de composição conjunta de renda a fim de adquirir financiamento para moradia, abertura de contas correntes bancárias, dentre outros. Para não fugir ao tema se abordará apenas os aspectos da lei inerentes a sucessão dos homoafetivos, porém o Projeto Lei estará disponível em seu teor integral em anexo. O fragmento do projeto que mais nos interessa para tanto é artigo 14. Art. 14 - São garantidos aos contratantes de união civil entre pessoas do mesmo sexo, desde a data de sua constituição, os direitos à sucessão regulados pela Lei nº 8.971, de 28 de novembro de 1994. O artigo supracitado garante a sucessão dos contratantes da União Civil entre pessoas do mesmo sexo, os direitos a sucessão que eram dados aos companheiros heterossexuais, e remete a lei 8.971/1994. Por sua vez então temos que verificar quais são os direitos garantidos pela lei 8.971/1994. “Art. 2º As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão do(a) companheiro(a) nas seguintes condições: I - o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito enquanto não constituir nova união, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujos, se houver filhos ou comuns; II - o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens do de cujos, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes; III - na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança.” “Art. 3º Quando os bens deixados pelo(a) autor(a) da herança resultarem de atividade em que haja colaboração do(a) companheiro, terá o sobrevivente direito à metade dos bens.” Desta forma podemos entender que de forma prática, se o projeto fosse sancionado, os homoafetivos que registrassem por contrato a parceria civil em cartório, passariam a ter 64 direitos sucessórios em primeiro lugar, do fruto, direito que se condiciona ao exercício enquanto não constituir nova união e da quarta parte dos bens do de cujos, na condição de existência de filhos em comum ou comuns. Como no caso dos homoafetivos não há a possibilidade de se ter filhos comuns, mas há possibilidade de adoção ou de um dos parceiros trazer para convivência familiar filhos de outra relação, então neste artigo há uma incoerência que precisa ser debatida e resolvida. O homoafetivo, na falta de ascendente ou descendeste, teria direito a totalidade da herança. E por fim, quando os bens deixados pelo autor ou autora da herança forem resultado de constituição em conjunto com o parceiro ou parceira, terá o sobrevivente direito à metade dos bens. Este último artigo da lei não foi uma novidade, da súmula 380 combinada com o artigo 3º da lei 8.971/1994 já se podia chegar a tal entendimento. Súmula 380 do STF.. Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum. Art. 3º Quando os bens deixados pelo(a) autor(a) da herança resultarem de atividade em que haja colaboração do(a) companheiro, terá o sobrevivente direito à metade dos bens. Em suma, as intenções do projeto são de ajudar e pretende regular várias situações que há muito aguardam pela boa vontade do legislador. Se aprovado já seria uma grande vitória. Porém, quanto a sucessão, poderia o projeto ter protegido mais os parceiros, mas cabe aqui apenas a estudá-lo sem acrescentar o que se acha por justo. No Rio Grande do Sul a Corregedoria Geral de Justiça editou o provimento nº006/2004 que acrescentou um parágrafo ao art. 215 da Consolidação Normativa Notarial Registral, nos termos seguintes: “As pessoas plenamente capazes, independente da identidade ou posição de sexo, que vivam uma relação de fato duradoura, em comunhão afetiva, com ou sem compromisso patrimonial, poderão registrar documentos que digam respeito a tal relação. As pessoas que pretendam constituir uma união afetiva na forma anteriormente 65 referida também poderão registrar os documentos que a isso digam respeito.” Na verdade esta edição foi quase que inútil, pois só serviu para esclarecer á alguns cartórios que vinham agindo preconceituosamente, do serviço que eles já tinham que fazer haja vista o artigo 5º inciso XXXIV alínea b da Constituição Federal. C.F. art. 5º (...) XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: (...) b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal. Dias comenta que “É demorada a aprovação de leis destinadas a segmentos com pouca expressão numérica e que são alvo de uma forte rejeição da maioria do eleitorado” 91. E que “O imobilismo é confortável. Não gera questionamentos. Repetir o modelo que está aí, aceitar o que está posto como verdade possui outras vantagens: garante a aceitação geral, não suscita discussões, além do que, é claro, não dá o mínimo de trabalho”. 92 E assim os homoafetivos terão que aguardar mais um pouco para ter seus direitos resguardados. 4.2 - DAS MANIFESTAÇOES LEGAIS NO MUNDO Nos últimos anos, o mundo tem percebido o valor do afeto, e a necessidade de proteção da dignidade da pessoa humana, esta é uma caminhada lenta e cheia de conquistas e retrocessos, muito sucesso se tem alcançado principalmente com o conceito de direitos humanos tratado pela ONU e já enraizado em muitos países que tem prostrado esforços para superar preconceitos e melhorar seus sistemas jurídicos e legais. 91 92 Op. cit. DIAS, Maria Berenice. p. 20 Op. cit. Maria Berenice p. 13 66 Essa superação de preconceitos e proteção dos direitos dos mais diversos seguimentos da sociedade pode ser observada na repúdia da discriminação dos homossexuais e a proteção dos direitos dos homoafetivos que já se faz presente em muitas legislações, até mesmo de países mais conservadores. Segundo Gama “mais uma vez a realidade fática se impôs, exigindo uma reavaliação do tratamento social e jurídico sobre o tema, a ponto de ter sido introduzido em alguns ordenamentos jurídicos estrangeiros o casamento entre homossexuais, tal ocorre na Suécia, Dinamarca e Noruega. Na Maioria dos ordenamentos jurídicos vigentes, no entanto, a matéria continua sendo relegada ao tratamento jurídico legal, como se não existisse” 93. Maria Berenice Dias 94entende que os ordenamentos jurídicos, em se tratando do reconhecimento da homossexualidade podem se dividir em quatro categorias. A primeira categoria ela chama de modelo expandido, são ordenamentos que adotam políticas de não-discriminação, descriminaliza condutas, institui ações afirmativas e apóia organizações de homossexuais. A Holanda, Dinamarca, Suécia, Noruega, Groelândia, Islândia e Constituição da África do Sul são países que se encaixam na primeira categoria citada por dias, mais adiante se verificará as particularidades legais de alguns desses países. A segunda categoria ela define como intermediária, segundo a qual os ordenamentos abrangem a descriminalização e proíbem medidas discriminatórias, sem apontar iniciativas positivas. Encaixam-se nesta categoria a França, Austrália e alguns Estados americanos como New York e New Jersey. Na terceira Categoria ela entende que se encontram em grau inferior, os ordenamentos que simplesmente impedem a criminalização, não articulando, no entanto, qualquer medida eficaz de proteção aos direitos fundamentais dos homossexuais. E, por fim, ela coloca na quarta categoria os países que consideram o homossexualismo um crime. Esta última categoria está especialmente reservada aos países islâmicos, como se verá mais adiante. 93 NOGUEIRA, Guilherme Calmon. O companheirismo, p. 490 apud SCALQUETTE. Ana C. S. Coleção prática do direito, Editora Saraiva, São Paulo, 2ª Edição p. 165. 94 Op. cit. DIAS, Maria Berenice. p. 92 67 A seguir se demonstrará vários exemplos de evolução na legislação mundial, mas também será demonstrado alguns retrocessos históricos, culturais e religiosos, quanto a proteção dos direitos deste seguimento da sociedade. Comecemos pela Alemanha que, no cenário mundial, presenciou nos últimos anos uma das mais radicais mudanças de conceito. Em 1998 a Alemanha que tanto condenou homossexuais no passado, promulga uma nova lei que prevê a suspensão das sentenças nazistas prolatadas contra homossexuais e desertores condenados com base no antigo parágrafo 175, mas exige a apresentação de provas referentes a cada caso. Já no ano de 2000, a tão conservadora Alemanha surpreende aprovando a lei que permite que casais de pessoas do mesmo sexo tenham direitos e deveres semelhantes aos pares heterossexuais, estabelece questões em matéria de herança, doações, impostos imobiliários, seguros de enfermidade e desemprego incluindo até se o desejar, o sobrenome do parceiro. Está lei significa uma grande conquista para os homossexuais, considerando que até o final dos anos 60 eles ainda eram condenados a penas de prisão por perversão sexual. No ano seguinte a Corte Constitucional Alemã valida a lei que instaura um contrato de vida em comum para os homossexuais. Dois anos após a nova lei, deputados alemães completam o processo de perdão aos homossexuais processados e enviados a campos de concentração pelo parágrafo 175 que criminalizava a homossexualidade, e somente agora seus registros serão limpos novamente. 95 Apesar dos progressos em algumas partes do mundo, em 1991 é aprovado o Código Penal Islâmico que é contra o homossexuais, no qual se destacam os seguintes artigos: “Artigo 110 - A punição pela “sodomia” é a morte; (...) Artigo 129 - A punição para o lesbianismo é 100 chicotadas para cada mulher envolvida. (...) Artigo 131 - Se o ato do lesbianismo for repetido por 3 vezes, e a punição tiver sido aplicada a cada vez, a quarta vez será punida com a pena de morte.” 96 95 96 Anexo B: 1998, 02 de dezembro de 2000, 18 de julho de 2001 e 21 de maio de 2002 Anexo B: 1991 68 Já na Europa em 1981 o Conselho Europeu emitiu uma resolução exortando os países membros da Comunidade Européia à descriminalização da homossexualidade e à instituição de direitos iguais. Três anos depois uma resolução do Parlamento Europeu propõe medidas contra a descriminalização das relações homossexuais, igualdade na idade de consentimento sexual entre heterossexuais e homossexuais, realização de campanhas contra a discriminação por orientação sexual, igualdade de condições entre associações civis homossexuais e heterossexuais e adoção de um regime de igualdade na legislação militar, laboral, administrativa, civil e comercial. No ano seguinte o Parlamento Europeu vota a recomendar o reconhecimento das parcerias registradas, contratos de coabitação e casamentos homossexuais em toda a União Européia, de forma que deve ser levada em consideração por todos os países membros. 97 A Noruega em 1993 torna-se o segundo país, depois da Dinamarca, a permitir o registro oficial da união de parceiros homossexuais através de um contrato de casamento que dá ao casal quase os mesmos direitos de que gozam os parceiros heterossexuais. 98 Novidade também na lei inglesa, em 1998 é incluída a cláusula de número 28 que põe fim a qualquer ação nas salas de aula que dificultem a aceitabilidade das relações homossexuais como sendo uma relação familiar. 99 Começa a vigorar na Bélgica uma lei aprovada em 1998 que permite a união de pessoas do mesmo sexo, e através do empenho da comunidade homossexual local e de Kristien Grauwels do Partido Verde, o Parlamento da Bélgica em 2003 vota pela abolição de todas as leis que proibiam a União Civil Homossexual. Assim, a Bélgica torna-se o segundo país do mundo a legalizar a União Civil entre homossexuais que passam a ter todos os diretos de um casal heterossexual, com exceção do direito de adotar crianças. A medida foi aprovada por 91 votos a favor e 22 contra, pela Câmara dos Deputados. 100 Começa a vigorar em 2000 no Estado de Vermont (EUA.), a lei de União Civil entre homossexuais que garante cerca de 300 direitos, entre os quais os de assistência médica, herança e pensão em caso de morte de um dos membros. No mesmo ano a Holanda, que há muito tempo lidera na vanguarda dos direitos dos homossexuais, aprova uma lei que converte a relação entre pessoas do mesmo sexo em 97 Anexo B: 01 de outubro de 1981, 13 de março de 1984, 1985 Anexo B: 1993 99 Anexo B: 1998 100 Anexo B: 1998 e 30 de janeiro de 2003 98 69 casamento completo, com direito a divórcio e adoção de filhos. O projeto foi aprovado no Parlamento por 107 votos a 33, e entrou em vigor em 2001. O Governo Romeno também em 2001, aprova um decreto pelo qual deixam de ser crime as relações homossexuais entre adultos. Esse decreto revogou um artigo do Código Penal que previa penas de até cinco anos de prisão para quem mantivesse relações homossexuais, se ocorressem em público ou se causassem escândalo público. Em sua nova versão, o Código Penal Romeno pune as relações homossexuais e heterossexuais de menores de idade. Em 2001 na Colômbia é aprovado o projeto de lei que legaliza as uniões homossexuais no país. A partir do estabelecimento da lei, pares homossexuais vão poder constituir sociedades, ou parcerias civis registradas, através das quais os direitos patrimoniais e de assistência familiar serão respeitados. 101 A Bélgica em 2001 torna-se o segundo país do mundo, depois da Holanda, a aprovar parceria civil entre pessoas do mesmo sexo. Na Finlândia começam a ser registradas parcerias entre pessoas do mesmo sexo com a entrada em vigor da lei aprovada em setembro de 2001 que legaliza a União Civil Homossexual. Assim, qualquer cidadão finlandês maior de 18 anos de idade já pode registrar sua união com outra pessoa do mesmo sexo, em uma cerimônia parecida com o casamento tradicional. A nova lei concede quase todos os direitos do casamento heterossexual aos pares homossexuais, como herança e divórcio, mas deixa de fora a adoção de crianças por casais homossexuais, que continua proibida, assim como não vai ser possível o uso do sobrenome do parceiro. 102 No ano seguinte, na Califórnia, Estados Unidos, entra em vigor a lei que oferece aos homossexuais união com direitos semelhantes aos do casamento heterossexual. Passa a ser permitida a tomada de decisões médicas em relação a parceiros incapacitados, processar por homicídio, adotar o filho do parceiro e deixar propriedades como herança para o parceiro, sem direito à contestação da família, aumentando para 62 anos o limite da idade para ser habilitado a tomar decisões financeiras e legais com relação ao parceiro. Cerca de 140 casais GLS (Gueis, Lésbicas e Simpatizantes) se registraram somente em um dia na nova parceria doméstica. Ao todo cerca de 400 casais se beneficiaram da nova parceria doméstica GLS e 101 102 Anexo B: 2001 Anexo B: 01 de março de 2002 70 estima-se que há 10 mil casais homossexuais no Estado, segundo um membro do governo de Gray Davis. 103 Buenos Aires em 2002 aprova a legalização da União Civil entre pessoas do mesmo sexo, tornando-se a primeira cidade da América Latina a reconhecer legalmente os direitos dos casais de fato, inclusive homossexuais. A aprovação da nova lei ocorreu após intenso debate, com 29 votos a favor e 10 contra á legalização da união homossexual. O projeto de lei estava sendo discutido há um ano e meio. Redigido por uma juíza especializada em Direito de Família, o projeto de lei aprovado inclui o reconhecimento de todo casal que mantenha uma convivência "estável e pública" de dois anos na cidade de Buenos Aires, passando o casal a deter todos os direitos de casais tradicionais legalmente casados. Em outras palavras, a Lei Argentina reconhece o direito de o homossexual ser incorporado ao serviço social, receber uma pensão no caso do falecimento de seu parceiro e fixar uma cota alimentar mensal para os filhos, se ocorrer a separação. 104 Em Nova Iorque no ano de 2002 é aprovada uma lei que reconhece a parceria entre homossexuais. A lei visa beneficiar os parceiros GLS das vítimas dos atentados terroristas de 11 de setembro. É a primeira lei nova-iorquina a incluir parceiros domésticos de mesmo sexo em qualquer contexto em toda a história. A lei vai ajudar a assegurar que os familiares sobreviventes das vítimas dos atentados recebam os benefícios a que têm direito. Mais de 20 homossexuais foram mortos nos ataques de 11 de setembro, de acordo com ativistas locais. E para aprovar a lei, uma união inesperada entre republicanos e democratas surgiu e frutificou. E no ano seguinte entra em vigor em Nova Iorque a lei anti-discriminação por orientação sexual. A lei passa a proteger homossexuais de abusos, ameaças e discriminação nas questões de moradia, emprego, educação e serviços públicos. A discriminação por raça, credo, sexo, cor, nacionalidade, deficiência, idade e estado civil já era proibida em Nova Iorque. 105 Apesar da quantidade de leis citadas, este trabalho não pretende ser um compendio legislativo internacional, e está longe disto, os diversos exemplos citados, tem por finalidade demonstrar a quebra de paradigmas e a mudança de estereótipos que está ocorrendo no mundo, e também para que possamos nos atentar aos mais diversos casos através da comparação com nosso atual sistema e poder verificar as possibilidades de evolução do nosso ordenamento. 103 Anexo B: 10 de janeiro de 2002 Anexo B: 18 de dezembro de 2002 105 Anexo B: maio de 2002 e 16 de janeiro de 2003 104 71 Além das atualizações legais mundiais demonstradas aqui, certamente há muitas outras que não foram citadas, mas que estão em vigor em outras partes do mundo, além de também haver muitos outros projetos de leis sendo elaborados ou aguardando sua aprovação. (ver Mapa 01). Apesar de algumas exceções, percebe-se nos exemplos qual é o movimento e a direção da maioria dos países quanto a proteção contra a discriminação dos homossexuais e também quanto a proteção dos direitos dos homoafetivos. 72 5 - CONCLUSÃO Constatou-se que a homossexualidade, que compreende os seres que tem atração por outros seres do mesmo sexo, é um comportamento que se faz presente na maioria das espécies do mundo animal, incluindo os primatas e os humanos, quanto aos últimos, descobrimos através da arqueologia e da história, que esse comportamento não é recente, pelo contrário, esteve presente em todos os povos que tivemos a oportunidade de estudar, de forma que se pode concluir que apesar de ser um comportamento de um seguimento minoritário, não se trata de comportamento anormal na natureza dos seres. Quanto à ciência, várias pesquisas mostram que o homossexualismo pode ser um comportamento inato, da própria natureza do ser. Para psicologia os resultados são outros, e demonstram que se trata de comportamento resultante de transtornos na infância, apesar disto é proibido atualmente o tratamento de homossexuais no sentido de tentar curá-los, além disso, o termo foi desclassificado como doença pela Organização Mundial de Saúde. Quanto às religiões, verifica-se que no passado houve muitas condenações dos indivíduos homossexuais, mas atualmente mesmo não concordando com tal comportamento a maioria das igrejas acolhem o indivíduo, e tentam ajudá-lo. Cabe aqui salientar que dos assuntos da ciência, cabe a ciência cuidar, e dos assuntos da fé, cabe a fé cuidar, sendo assim cabe a ciência estudar o comportamento homossexual, seja pela medicina, seja pela psiquiatria ou por outro ramo da ciência. Cabe a religião, respeitando as crenças de cada um, ajudar o indivíduo conforme suas convicções a ser feliz no seu contexto e na sua fé. Assim, cabe ao direito utilizar-se das outras áreas do conhecimento, mas sem desviar do seu foco, desta forma independe se o homossexualismo é inato, genético, ou transtorno psicológico, ou se é um problema espiritual conforme algumas religiões, para o direito importa que os homossexuais constituem um seguimento de cerca de 14 % da população mundial que precisam de amparo legal e judicial, assim também como precisam os brancos, negros, mulheres, homens, gestantes, crentes, católicos, casados, solteiros, viúvos, etc., sendo a sociedade multifacetada, é necessário proteção a todos os seguimentos. Constatou-se que o preconceito social é um resquício de idéias antigas, muitas vezes infundadas, que não fazem mais sentido na sociedade atual, mas que por falta de reflexão ou de conhecimento, pessoas continuam repetindo esses comportamentos desatualizados. 73 Verificaram-se mudanças de conceito da família na sociedade, na qual diante da atual situação do mundo, a imagem da família patriarcal e política, constituída por mãe e pai biológicos que se funda na transmissão do patrimônio e do sobrenome, acabou por se fragmentar, pessoas formam famílias diferenciadas, muitas vezes são os avós que cuidam dos netos, ou os próprios irmãos cuidam uns dos outros, ou o tio cuida dos sobrinhos como se filhos seus fossem etc. A imagem de família transformou-se socialmente e sua nova concepção fundamenta-se no afeto. Entende-se que o afeto é um sentimento bom e importante na sociedade e que para o afeto não importa o sexo e sim o sentimento que se tem pelas qualidades psicológicas de um indivíduo, e que existem varias formas de afeto, assim podemos gostar diferentemente de nossos filhos, de nossos irmãos, de nossos amigos, de nossos pais, de nossos namorados, namoradas, maridos e esposas etc. O constituinte, observando tal situação social, refletiu na norma tais preceitos, dando proteção as atuais formas de família demonstrando na nossa Carta Magna que o novo conceito de família passa agora a fundamentar-se no afeto como elemento primordial, e que as entidades familiares citadas na Constituição não são taxativas, e sim exemplificativas, e que não há norma dizendo que não se aceita outras entidades familiares diferentes, mas sim que as entidades familiares devem se pautar no afeto. Verificou-se a existência de mais uma forma de família, os homoafetivos. Porém, para proteção desse novo tipo de família, verificou-se que há uma ausência legal, uma falta de regulamentação, salienta-se que não existe norma negativa, que exclua este tipo de família, e sim realmente uma ausência de norma. A ausência normativa não é nenhum absurdo, tanto que está prevista na própria lei, e também estão previstos os mecanismos de superação desta ausência, isto porque o legislador entendeu que a lei não poderia prever absolutamente todos os fatos, e que além disso nosso mundo está em constante transformação, surgindo eventos novos a cada momento e que precisam ser disciplinados e assegurados juridicamente. Desta forma a Lei de Introdução ao Código Civil e a Constituição já prescreveram que o juiz não pode se eximir de sentenciar ou despachar alegando lacuna da lei, e a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. O atual mecanismo consagrado em nosso ordenamento para superação de ausência normativa é o uso, pelo juiz, da analogia os costumes e os princípios gerais do direito. 74 Na falta de norma que regule um fato, o juiz então buscará e utilizará uma outra norma que regule um fato parecido. Vimos que a maioria das decisões judiciais consagram o entendimento de que o instituto que regula um fato mais parecido com a união homoafetiva é o da Sociedade de Fato. Configura-se Sociedade de Fato conforme o artigo 981 do Código Civil Capítulo do Direito de Empresas, as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados, podendo esta atividade restringir-se a realização de um ou mais negócios. Há que se verificar, portanto, que Homoafetivos não celebram um contrato de negócios de atividade econômica empresarial, são sim uma sociedade de afeto. Homoafetivos são cidadãos nacionais do mesmo sexo que se unem por carinho, por afeto, com intuito de formar família, tendo uma convivência pública, contínua e duradoura, pautada nos deveres de lealdade, respeito e mutuo assistência, com base em sentimentos de solidariedade, tendo a convicção de que este é seu caminho, seu projeto de vida e de realização pessoal, seu contexto de felicidade. Para se utilizar da analogia, em nosso Estado Democrático de Direito, o juiz não pode simplesmente apontar um instituto que acredite ser o mais parecido, deve ele com sabedoria verificar se a norma que será aplicada atende aos fins sociais e ao bem comum, deve não lesar ninguém e dar a cada um o que é seu evitando o enriquecimento sem causa, respeitar o princípio da dignidade da pessoa humana, da isonomia, da inviolabilidade da intimidade e da vida privada, e ainda deverá punir qualquer ameaça a todos esses preceitos entre outros aspectos que também devem ser levados em conta. Levando em conta todos esses preceitos constitucionais, a definição de Homoafetivos, e a definição de Sociedade de Fato, é inaceitável acreditar que este último é o melhor instituto a ser aplicado por analogia. Na falta de norma que regule a União Homoafetiva, a norma que regula um fato parecido, e que atenda todos os preceitos fundamentais citados é o da União Estável. A União Estável é a união entre um homem e uma mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família e pautada nos deveres de lealdade, respeito e assistência e de guarda, sustento e educação dos filhos. 75 Desta forma quando o juiz entende por analogia a união homossexual, o Instituto da Sociedade de Fato e não o da União Estável, ele comete uma agressão aos direitos individuais do ser humano. Comete uma agressão ao princípio da isonomia segundo o qual todos são iguais perante a lei em direitos e obrigações, pois se na União Estável as pessoas podem ser consideradas como família e para tanto suceder, então igualmente como família deverá suceder na união homoafetiva, mas o homoafetivo não sucede só porque são do mesmo sexo, enquanto se fossem de sexo contrário na mesma situação poderiam suceder. Comete uma agressão ao princípio da inviolabilidade da intimidade e da vida privada, pois a opção sexual é direito de dada um. Deixa de atender aos fins sociais e ao bem comum, pois uma decisão que devolve o patrimônio do indivíduo homoafetivo, como sucessão à família, que muitas das vezes nem o aceitou por sua opção de vida, em detrimento daquele que logrou seus esforços, sua companhia, seu afeto, sua compreensão, sua assistência naquela relação, não atende ao fim social e ao bem comum. E de forma geral comete um atentado à dignidade da pessoa humana ao desconsiderar todo o afeto, ao descaracterizar a personalidade familiar e transformá-la apenas em um negócio entre pessoas que se unem visando o lucro. Conforme as considerações acima aludidas, a partir da analogia entre união homoafetiva e União Estável ficaria a sucessão da seguinte forma. Segundo o artigo 1790 do Código Civil, e adaptado os termos para a nova situação, a companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da União Estável, se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança. Como na União Estável toda relação patrimonial é regulada pelo regime de separação parcial de bens, neste regime comunicam os bens que sobrevierem ao par na constância da união e presumem-se adquiridos na constância da união os bens móveis, quando não se provar que o foram em data anterior, aqui já podemos vislumbrar a melhora para os homoafetivos que acabavam por não conseguir provar quais os bens adquiridos onerosamente na vigência da união homoafetiva. Quanto a atual Legislação Brasileira, demonstrou-se que a sociedade através das leis Municipais e Estaduais, emanam o reflexo social da aceitação e da necessidade de regulamentação Federal dos temas que protegem os homoafetivos, verificou-se também que 76 existe um projeto de lei que criminaliza a conduta preconceituosa por orientação sexual, mas que estranhamente aguarda a sua aprovação desde 1989. E que também existe um projeto lei para regulamentar as parcerias civis entre homoafetivos, de autoria da Deputada Federal Marta Suplicy, e que este projeto ao que nos interessa, pretende garantir o direito a sucessão deste grupo, que deverá ser regulado pela lei 8.971/1994, a mesma lei que regula a sucessão no caso dos companheiros heterossexuais. Desta forma podemos entender que de forma prática, se o projeto fosse sancionado, os homoafetivos que registrassem por contrato a parceria civil em cartório, passariam a ter direitos sucessórios. Quanto à legislação no mundo se percebe uma quebra paradigmas e uma mudança de estereótipos, diante do estudo destas leis podemos nos atentar aos mais diversos casos através da comparação do nosso atual sistema com os demais, e poder verificar as possibilidades de evolução do nosso ordenamento. Apesar de algumas exceções, percebe-se pela legislação internacional, a direção da maioria dos países que rumam para a proteção contra o preconceito e a discriminação dos homossexuais e também quanto à proteção dos direitos dos homoafetivos. Em resumo, o mundo está mudando, sempre esteve, temos que acompanhar as mudanças, temos que superar os preconceitos e dar a proteção jurídica adequada para a nova modalidade de família chamada homoafetivos, temos que refletir os sábios princípios do direito e os princípios constitucionais que norteiam nossa caminhada. Temos que garantir não só o direito á sucessão desta família, mas também outros inúmeros direitos inerentes à própria condição humana. A sucessão nas uniões homoafetivas não é uma opção ou possibilidade, é uma necessidade da qual o mundo não pode mais fechar os olhos. 77 6 - REFERÊNCIAS BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento Jurídico, Editora UnB, 10ª Edição, Brasília DF. CHIMENTI, Ricardo. Direito constitucional, Editora Saraiva, São Paulo,2005. DIAS, Maria Berenice. União Homossexual, Editora Revista do Advogado, 2000. DOVER, Kenneth J. A homossexualidade na Grécia antiga. São Paulo, Editora Nova Alexandria, 1978. GIRARDI, Viviane. Famílias contemporâneas, filiação e afeto. A possibilidade jurídica da adoção por homossexuais. Editora Livraria do Advogado. Porto Alegre, 2005. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, Editora forense, 19ª edição, Rio de janeiro 2003. MORAES, Alexandre. Direito constitucional, Editora Atlas, São Paulo, 2005, p. 16. SALVADOR, Humberto, Freud e o abc da psicanálise, Editora São Remo LTDA, São Paulo. SCALQUETTE. Ana C. S. Coleção prática do direito, Editora Saraiva, São Paulo, 2ª Edição. Sites utilizados: BRAKEMEIER, Gottfried. Igrejas e homossexualidade, Ensaio de um balanço, disponível em http://www3.est.edu.br/publicacoes/estudos_teologicos/download/bhomosex.doc acesso 08/11/2008 GUIMARÃES, Luiz A. de F. Homossexualidade na Grécia Antiga. Disponível em http://www.cav-templarios.hpg.ig.com.br/homossexualidade_na_grecia.htm acesso 10/11/2008 http://www.eps.ufsc.br/disserta98/waldemar/cap4.html acesso em 15/11/2008 78 http://www.senhorverdugo.com/ler_inquisicao.asp?ID=239 acesso 12/11/2008 MARTINS, Ferdinando. Religião e homossexualidade, disponível em http://mixbrasil.uol.com.br/cultura/especiais/religioes.asp acesso 10/11/2008. Mitologia Grega, Édipo disponivel em http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89dipo acesso 07/11/2008 OMERO, Ilíada, disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2 653 acesso 10/11/2008 Pesquisa das Igrejas http://www.edeus.org/edeus/resposta14.htm#a15 acesso 08/11/2008 TRASFERETTI, José. Pastoral com homossexuais. Ed. Vozes. Disponível em http://www.armariox.com.br/conteudos/artigos/010-espiritismo.php acesso 10/11/2008 SEVERO, Julio. Resolução do Brasil na ONU disponível em http://www.cacp.org.br/movimentos/artigo.aspx?lng=PTBR&article=1217&menu=12&submenu=5 acesso 07/11/2008. SOBEL, Henry. Disponivel em http://www.desafiodasseitas.org.br/m-44.htm acesso 09/11/2008 PETRONIO. Satíricon, disponível em http://www.esnips.com/nsdoc/91389489-bae8-464f8b0a-93913d326b1b/?action=forceDL acesso 10/11/2008 PIRES, Thereza. Os tupinambás e a sexualidade, disponível em http://mixbrasil.uol.com.br/cultura/especiais/iande/iande1.asp acesso 07/11/2008. 79 ANEXOS 80 Figura 1: Mapa, legislação no mundo Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:World_homosexuality_laws.svg 81 ANEXO A: Projeto de Lei nº 1.151, de 1995. Disciplina a união civil entre pessoas do mesmo sexo e dá outras providências. O Congresso Nacional decreta: Art. 1º - É assegurado a duas pessoas do mesmo sexo o reconhecimento de sua união civil, visando a proteção dos direitos à propriedade, à sucessão e dos demais assegurados nesta Lei. Art. 2º - A união civil entre pessoas do mesmo sexo constitui-se mediante registro em livro próprio, nos Cartórios de Registro de Pessoas Naturais. § 1º - Os interessados e interessadas comparecerão perante os oficiais de Registro Civil exibindo: I - prova de serem solteiros ou solteiras, viúvos ou viúvas, divorciados ou divorciadas; II - prova de capacidade civil plena; III - instrumento público de contrato de união civil. § 2º - O estado civil dos contratantes não poderá ser alterado na vigência do contrato de união civil. Art. 3º O contrato de união civil será lavrado em Ofício de Notas, sendo livremente pactuado. Deverá versar sobre disposições patrimoniais, deveres, impedimentos e obrigações mútuas. Parágrafo único - Somente por disposição expressa no contrato, as regras nele estabelecidas também serão aplicadas retroativamente, caso tenha havido concorrência para formação do patrimônio comum. Art. 4º - A extinção da união civil ocorrerá: I - pela morte de um dos contratantes; II - mediante decretação judicial. Art. 5º - Qualquer das partes poderá requerer a extinção da união civil: I - demonstrando a infração contratual em que se fundamenta o pedido; II - alegando desinteresse na sua continuidade. § 1º - As partes poderão requerer consensualmente a homologação judicial da extinção da união civil. § 2º - O pedido judicial de extinção da união civil, de que tratam o inciso II e o § 1º deste artigo, só será admitido após decorridos 2 (dois) anos de sua constituição. Art. 6º - A sentença que extinguir a união civil conterá a partilha dos bens dos interessados, de acordo com o disposto no instrumento público. 82 Art. 7º - O registro de constituição ou extinção da união civil será averbado nos assentos de nascimento e casamento das partes. Art. 8º É crime, de ação penal pública condicionada à representação, manter o contrato de união civil a que se refere esta lei com mais de uma pessoa, ou infringir o § 2º do art. 2º Pena - detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. Art. 9º - Alteram-se os artigos da Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que passam a vigorar com as seguintes redações: "Art. 33 - Haverá em cada cartório os seguintes livros, todos com trezentas folhas cada um: (...) III - B - Auxiliar - de registro de casamento religioso para efeitos civis e contratos de união civil entre pessoas do mesmo sexo. Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos: I - o registro: (...) 35 - dos contratos de união civil entre pessoas do mesmo sexo que versarem sobre comunicação patrimonial, nos registros referentes a imóveis ou a direitos reais pertencentes a qualquer das partes, inclusive os adquiridos posteriormente à celebração do contrato. II - a averbação: (...) 14 - das sentenças de separação judicial, de divórcio, de nulidade ou anulação do casamento e de extinção de união civil entre pessoas do mesmo sexo, quando nas respectivas partilhas existirem imóveis ou direitos reais sujeitos a registro." Art. 10 - O bem imóvel próprio e comum dos contratantes de união civil com pessoa do mesmo sexo é impenhorável, nos termos e condições regulados pela Lei 8.009, de 29 de março de 1990. Art. 11 - Os artigos 16 e 17 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, passam a vigorar com a seguinte redação: "Art. 16 (...) § 3º. Considera-se companheiro ou companheira a pessoa que, sem ser casada, mantém com o segurado ou com a segurada, união estável de acordo com o parágrafo 3º do art. 226 da Constituição Federal, ou união civil com pessoa do mesmo sexo nos termos da lei. Art. 17 (...) 83 § 2º. O cancelamento da inscrição do cônjuge e do companheiro ou companheira do mesmo sexo se processa em face de separação judicial ou divórcio sem direito a alimentos, certidão de anulação de casamento, certidão de óbito ou sentença judicial, transitada em julgado". Art. 12 Os artigos 217 e 241 da Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, passam a vigorar com a seguinte redação: "Art. 217. (...) c) a companheira ou companheiro designado que comprove a união estável como entidade familiar, ou união civil com pessoa do mesmo sexo, nos termos da lei. (...) Art. 241. (...) Parágrafo único. Equipara-se ao cônjuge a companheira ou companheiro, que comprove a união estável como entidade familiar, ou união civil com pessoa do mesmo sexo, nos termos da lei." Art. 13 - No âmbito da Administração Pública, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal disciplinarão, através de legislação própria, os benefícios previdenciários de seus servidores que mantenham a união civil com pessoa do mesmo sexo. Art. 14 - São garantidos aos contratantes de união civil entre pessoas do mesmo sexo, desde a data de sua constituição, os direitos à sucessão regulados pela Lei nº 8.971, de 28 de novembro de 1994. Art. 15 - Em havendo perda da capacidade civil de qualquer um dos contratantes de união civil ente pessoas do mesmo sexo, terá a outra parte a preferência para exercer a curatela. Art. 16 - O inciso I do art. 113 da Lei 6.815, de 19 de agosto de 1980 passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 113. (...) I - ter filho, cônjuge, companheira ou companheiro de união civil ente pessoas do mesmo sexo, brasileiro ou brasileira". Art. 17 - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 18 - Revogam-se as disposições em contrário. 84 ANEXO B: Eventos por ordem cronológica. Fonte: Disponível para consulta em http://www.estoufelizassim.hpg.ig.com.br/cronologia1.html 1476 - (09 de abril) - Leonardo da Vinci comparece perante o tribunal de Florença para responder à acusação de sodomia, juntamente com um tal de Baccino alfaiate, Jacopo Saltarelii ourives, Bartolomeo de Pasquino ourives e Lionardo de Tornabuoni que, como Saltarelli, vestia-se de negro. A pena legalmente prevista era a morte na fogueira, mas eles acabaram absolvidos por falta de provas. Ninguém testemunhou contra os cinco homossexuais, especialmente para não se indispor com Lourenço de Médicis, soberano da cidade toscana e primo de Tornabuoni. A absolvição permitiu que Leonardo da Vinci vivesse mais 43 anos deixando um acervo incomparável de obras artísticas, científicas e culturais. Uma fogueira chegou perto de privar o mundo de um dos homens mais extraordinários de todos os tempos. Quem passou pelas amarguras da homossexualidade foi também seu contemporâneo, Michelangelo Buonarotti. Viveu uma vida de asceta e de trabalho, dilacerando-se entre as paixões que lhe permitiram criar o "Juízo Final" da capela Sistina no Vaticano e sua religiosidade de cristão convicto. Dele é a frase, "O meu contentamento é a melancolia". 1500 - Ao desembarcar no Brasil, os portugueses encontram muitos índios e índias praticantes do "abominável pecado de sodomia". 1521 - As Ordenações Manuelinas, o mais antigo Código Penal aplicado no Brasil, prevê a pena de morte na fogueira, confisco de bens e a infâmia sobre os filhos e descendentes do condenado por sodomia (atividades homossexuais). 1532 - Nas Cartas Régias de doação das capitanias hereditárias el Rei determina a pena de morte aos sodomitas, que pode ser aplicada sem consulta prévia à Metrópole. 1547 - O jovem criado em Lisboa, Estêvão Redondo, tido como o primeiro homossexual degredado para o Brasil, chega em Pernambuco. 1557 - Em Viagem à Terra do Brasil, Jean de Lery refere-se à presença entre os Tupinambá de índios "tibira", praticantes do pecado nefando de sodomia. 1575 - André Thevet em Singularités de la France Antarctique, refere-se à presença de "berdaches" (índios travestidos) entre os Tupinambá. 1576 - Pero M. Gandavo no Tratado da Terra do Brasil afirma: "Há índias entre os Tupinambá que se comunicam como marido e mulher". 1580 - Isabel Antônia, natural do Porto, considerada a primeira lésbica a ser degredada para o Brasil, é processada pelo Bispo de Salvador. 1580 - Fernão Luiz, professor mulato, morador na Bahia, mata seu jovem parceiro e sua família para não ser denunciado à Inquisição: é a primeira reação conhecida de um sodomita do Brasil para escapar da ameaça da Inquisição. 1586 - Gaspar Roiz, feitor e soldado da Bahia, suborna um padre para queimar o sumário de culpas que o acusava de sodomia - é a segunda reação conhecida de um sodomita contra a repressão inquisitorial. 1587 - Gabriel Soares de Souza, em seu Tratado Descritivo do Brasil, afirma: "Os Tupinambá são muito afeiçoados ao pecado nefando". 1591 - Padre Frutuoso Álvares, na Bahia, torna-se o primeiro homossexual a ser inquirido pela Inquisição no Brasil. 1591 - Tem-se conhecimento de Francisco Manicongo, escravo africano de Salvador, que passa a ser considerado o primeiro travesti do Brasil. 1592 - Na Bahia, Felipa de Souza passa a ser considerada a primeira lésbica a ser açoitada publicamente pela Inquisição no Brasil. 1613 - Em São Luís, Maranhão, o índio Tibira, um tupinambá, é executado como bucha de canhão pelos capuchinhos franceses, sendo considerado o primeiro homossexual condenado à morte no Brasil. 1621 - No Vocabulário da Língua Brasílica, dos Jesuítas, aparece pela primeira vez referência a "Çacoaimbeguira", entre os Tupinambá, que quer dizer mulher macho que se casa com outras mulheres. 1678 - Um moleque escravo de um Capitão de Sergipe é açoitado até à morte, quando se descobre que era sodomita. 1810 - A adoção do Código Napoleônico retirou os delitos "homossexuais" do Código Penal da França. (ressaltese que na época a palavra e o conceito de homossexual ainda não existiam como hoje o entendemos). 1821 - A inquisição é extinta no Brasil e põe-se fim à pena de morte contra os sodomitas. 1823 - A nova Constituição do Império deixa de citar a sodomia como crime no Brasil. 1826 - Morre a Imperatriz Leopoldina, que trocara diversas cartas de amor com sua ex-dama de companhia, Maria Graham. 1830 - Inspirando-se nos ideais iluministas franceses, D. Pedro I promulga o Código Penal Imperial, eliminando a figura jurídica da sodomia. 1846 - Para aplacar a grande grande quantidade de uranistas (homossexuais), o Rio de Janeiro, por iniciativa 85 oficial, importa prostitutas européias. 1859 - É publicado o livro O Bom Crioulo, de Adolfo Caminha, o primeiro romance das Américas a tratar de forma realista o homoerotismo. 1860 - No Texas, Estados Unidos, lei prevê a prisão para os "sodomitas". Tal lei vigoraria até o ano de 2000. 1869 - O médico austro-húngaro Karoly Maria Benkert cria o termo homossexual que passa a ser usado amplamente, passando o homossexualismo a ser tratado como categoria científica, uma "anomalia" a ser estudada pela ciência. 1871 - O parágrafo 175 é introduzido na legislação penal alemã para punir o comportamento homossexual entre homens. É prevista pena de até dez anos de prisão e reeducação para os gueis. 1894 - O termo lésbica é publicado no Brasil pela primeira vez em Atentados ao Pudor, de Viveiros Castro. 1897 - Surge o Comitê Científico Humanitário, primeiro grupo dedicado à defesa dos direitos de homossexuais. Seu fundador é o médico Magnus Hirschfeld, alemão de origem judaica. Através do Comitê, por muito tempo Hirschfeld lutou contra o parágrafo 175 da lei alemã, defendendo os direitos dos homossexuais ao lado de Adolf Brandt, Fritz Radzuweit e outros. 1900 (30 de novembro) - Morre Oscar Wilde, poeta inglês que manteve um relacionamento apaixonado e conturbado com o jovem Lord Alfred Douglas, apelidado de "Bosie". Por ter sido acusado de "sodomita afetado" pelo pai de Bosie, o Marquês de Queensberry, Oscar, em resposta, o processa por calúnia. Porém, a homossexualidade ainda era ilegal na Inglaterra e Oscar acaba por ser destruído pelas provas apresentadas, sendo preso pelo rei e condenado por conduta homossexual a 2 anos de prisão com trabalhos forçados. As condições da prisão causaram-lhe uma série de doenças que o levaram às portas da morte. No cárcere escreveu a Bosie uma carta épica profundamente emocionante: "De Profundis", explicando por que ele não poderia mais vê-lo. Quando foi solto, em 1897, procurando aplacar a culpa que sentia, Oscar resolve voltar para junto de seus filhos e sua mulher Constance, dos quais havia se separado para ficar com Bosie. No entanto, a situação não durou por muito tempo e não resistindo à separação do companheiro, Oscar retorna para Bosie, mesmo sabendo que a relação estava condenada. Ele termina a vida como um homem arruinado. É sua a famosa frase: "Neste mundo há somente duas tragédias. Uma é não conseguir o que se quer, a outra é consegui-lo". 1906 - O termo "homossexual" é publicado no Brasil pela primeira vez em Pires de Almeida, Homossexualismo, a libertinagem no Rio de Janeiro. 1910 - João do Rio, guei assumido, é eleito imortal da Academia Brasileira de Letras. 1914 - Publicado o livro O Menino Gouveia, com o primeiro conto homoerótico brasileiro. 1917 (outubro) - Com a revolução comunista na Rússia bolchevique, são extintas antigas leis contra atos homossexuais. 1920 - Magnus Hirschfeld abre em Berlim o Instituto de Ciências Sexuais, que se mantém único e foi altamente comentado pelo mundo. 1928 - Em uma tese defendida na Faculdade de Medicina de São Paulo o médico-legista Viriato Fernandes Nunes alertava: "Toda perversão sexual atenta violentamente contra as regras sociais" e "estes criminosos tem perturbadas as suas funções psíquicas". 1930 - Homossexuais são encaminhados ao Laboratório de Antropologia Criminal de São Paulo, como alvo de pesquisas biológicas. 1930 - Comissão legislativa cria um projeto de novo Código Penal para o Brasil, que previa que os "atos libidinosos entre indivíduos do sexo masculino serão reprimidos, quando causarem escândalo público, impondose a ambos os participantes detenção de até um ano". Este código não foi aprovado e no Código Penal de 1940 a recomendação não foi incluída. 1932 - A Polícia Civil do Rio de Janeiro prende 195 homossexuais para serem objeto de estudo do Dr. Leonídio Ribeiro, do Instituto de Identificação. 1933 - 835 pessoas são condenadas na Alemanha em base ao parágrafo 175 do código penal que se referia às punições ao comportamento homossexual. 1934 (março) - Na União Soviética em razão de um decreto assinado por Maximo Kalinim passa-se novamente a considerar as relações íntimas entre indivíduos dos sexo masculino como puníveis com prisão de três a oito anos, conforme a gravidade daquilo que é então taxado e enquadrado como "crime". Elimina-se assim todas as conquistas sexuais libertárias da Revolução de Outubro. 1934 - Neste ano, em base ao parágrafo 175 do código penal, 948 pessoas são condenadas por comportamento homossexual na Alemanha de Hitler. 1935 - Equipe do Laboratório de Antropologia do Instituto de Identificação do Rio de Janeiro estuda a constituição morfológica de 184 homossexuais visando a identificar caracteres biotipológicos. 1936 - A partir da aplicação do parágrafo 175 do código penal, 5.321 pessoas são condenadas na Alemanha nazista, incluindo-se aí muitos heterossexuais opositores do regime ou inimigos pessoais dos poderosos. Impingia-se aos inimigos a acusação considerada mais degradante. 1939 - São enviadas para os campos de concentração alemães 24.450 pessoas acusadas de atos homossexuais. 86 1942 - Entre 50 mil e 80 mil homossexuais permanecem presos nos campos de concentração da Alemanha nazista, estando estigmatizados com um triângulo rosa nos uniformes de trabalho. 1943 - Na Alemanha Henrich Himmler autoriza a prática da castração dos deportados homossexuais. 1946 - Nasce, ao fim da Segunda Guerra, a Associação dos Homossexuais Holandeses, conhecida pelo discurso de vanguarda. 1948 - Alfred Charles Kinsey, biólogo e estatístico norte-americano, publica Sexual behavior in human male (Comportamento sexual do macho humano). Kinsey é responsável pelo chamado "mito dos 10%". Ele surpreendeu o mundo inteiro ao concluir que um em cada dez homens é homossexual, propagando a idéia de que o homossexualismo é muito mais comum do que se pensava. 1951 - Cassandra Rios publica seu primeiro romance com temática lésbica. A autora seria alvo de censura na época da ditadura, tendo trinta e seis (36) livros proibidos. 1954 (7 de junho) - Suicida-se Alan Turing, matemático homossexual e inventor da Colossus, precursora do moderno computador, com a qual os ingleses decodificaram os códigos secretos de Adolf Hitler e mudaram o rumo da Segunda Guerra. Em 1952 Turing havia sido preso pela polícia inglesa acusado de indecência (homossexualismo), tendo que interromper suas pesquisas e ser submetido a tratamento corretivo à base de hormônios. 1955 - O teólogo anglicano Derrick S. Bailey publica o primeiro desafio sério contra a condenação bíblica do homossexualismo, intitulado Homossexuality and western Christian tradition (Homossexualismo e tradição cristã ocidental). É nesse livro que aparece a tese de que Sodoma e Gomorra foram destruídas não por causa das práticas homossexuais, mas por falta de hospitalidade. Tal explicação produziu um grande alívio entre os homossexuais. 1959 - Surge no Rio de Janeiro o primeiro jornal guei do Brasil: o "Snobe". 1961 - O filme britânico Victim torna-se o primeiro filme em língua inglesa onde é pronunciada a palavra "homosexual". Pela primeira vez um homem diz a outro: "I love you". 1968 - Ativistas homossexuais fazem demonstrações públicas, uma na convenção da Associação Médica Americana, em São Francisco, e outra na Escola de Médicos e Cirurgiões da Universidade de Colúmbia, onde se realizava um congresso sobre homossexualismo. Usam panfletos, fazem protestos e apelos ao senso público de justiça para colocar suas posições. 1968 (6 de outubro) - Troy Perry, ex-pastor pentecostal, funda a primeira denominação evangélica guei, com o pomposo nome de Universal Fellowship of Metropolitan Community Churches (UFMMC). Com 28 anos, Perry estava divorciado da esposa e já havia sido excluído da Igreja de Deus, carismática, por sua conduta homossexual. A Universal Felloship é tida como a maior organização que congrega homens e mulheres homossexuais, com cerca de 300 igrejas em pelo menos dez países, inclusive, por último, o Brasil. 1969 (28 de junho) - Nove detetives à paisana entram no bar Stonewall, no bairro Greenwich Village, em Nova York, expulsam cerca de 200 fregueses que lá estavam e prendem o gerente, um porteiro e três travestis. Ao se retirarem do bar com os detentos, encontram uma multidão irritada, que começa a atirar-lhes pedras e garrafas. Os policiais se entrincheiram dentro do bar até a chegada de reforços. O tumulto envolve a polícia e cerca de 400 manifestantes, e só acaba 45 minutos depois. Os distúrbios de Stonewall dão origem ao Gay Power (poder guei) e marcam o início do protesto público contra a discriminação de homossexuais. A data 28 de junho passa a ser "o dia do orgulho guei". 1969 (16 de julho) - Três semanas depois dos distúrbios de Stonewall, uma igreja episcopal de Nova York abre suas portas para o segundo encontro de planejamento do Gay Power. A essa altura o homossexual Robert Williams já havia sido ordenado pastor episcopal. 1969 - Deixa de vigorar na Alemanha o parágrafo 175 da legislação penal alemã de 1871, que visava a punir o "comportamento homossexual entre homens". Este parágrafo nunca provocou muitos problemas até o momento em que os nazistas conquistaram o poder e decidiram usá-lo como arma política e de vingança pessoal. Houve 500 mil condenações por motivos políticos, militares, religiosos, racistas e ideológicos. Os tribunais militares condenaram à morte mais de 30 mil desertores da Wehrmacht, o Exército de Hitler. 1970 - O Movimento Guei se radicaliza com a criação da Frente de Libertação em Londres. Dois anos depois, a primeira marcha do orgulho guei reúne 2 mil participantes. 1971 - É realizada pelo Dr. Roberto Farina a primeira operação em transexual no Brasil. 1973 (15 de dezembro) - A diretoria da American Psychological Association (APA) retira o homossexualismo da sua lista de disfunções, que até então era um desvio sexual. Bem antes era considerado um distúrbio sociopático de personalidade (até 1968). A decisão foi tomada sob pressão muito forte da parte dos líderes dos movimentos favoráveis ao homossexualismo e em ambiente de intimidação. 1974 (abril) - Reúne-se a assembléia da American Psychological Association para referendar a decisão da diretoria tomada quatro meses antes. Dos cerca de 10 mil votantes, 40% se opõem à decisão da diretoria de normalizar o homossexualismo. Os 60% restantes votam a favor. O resultado, afirma o psiquiatra Ronald Bayer, "não foi uma conclusão baseada na aproximação da verdade científica ditada pela razão, mas, antes, foi uma ação exigida pela emoção ideológica da época". Esse comentário tem muito valor especialmente porque Bayer 87 era simpático à causa homossexual. Trabalhos como os da Dra. Evelyn Hooker, apresentados nos Encontros da American Psychological Association, em 1954, e Western Psychological Association, em 1956, também eram favoráveis à revisão de conceitos, pois concluíam que os homens gueis eram tão bem resolvidos e ajustados quanto os homens heterossexuais. 1975 (junho) - É realizada no Rio de Janeiro a 17ª Conferência Mundial da International Lesbian and Gay Association. 1976 - Dois anos depois de os luteranos terem organizado os Luteranos Interessados, outras redes de homossexuais foram formadas em várias confissões cristãs: a Afirmação, entre os metodistas unidos; o Integridade, entre os episcopais; o Dignidade, entre os católicos; o Afinidade, entre os adventistas do sétimo dia; a Convenção de Lésbicas Católicas; os Amigos dos Assuntos que Interessam a Lésbicas e Gueis, entre os quacres; e a Associação para Assuntos de Lésbicas e Gueis, na Igreja de Cristo Unida. 1976 - O pastor episcopal de renome e escritor de sucesso Malcoln Boyd revela sua condição de homossexual por meio do documento Off the mask (Tire essa máscara!). 1977 (janeiro) - O jornalista Celso Curi é processado em razão de artigo publicado em coluna homossexual do jornal 'Última Hora' de São Paulo. Tratou-se do primeiro processo no Brasil em que o homossexualismo foi objeto de denúncia. Segundo o promotor público promoviam-se "encontros de anormais". Porém o juiz Celso Castilho Barbosa da 14° vara criminal de São Paulo considerou não ser crime que os homossexuais tentem se organizar como segmento. A absolvição de Curi abre um importante precedente jurídico para a defesa dos direitos homossexuais no Brasil. 1977 - João Antônio Mascarenhas, advogado gaúcho residente no Rio de Janeiro, convida Winston Leiland, Editor do Gay Sunshine, de S.Francisco, para conferências no Brasil: é o primeiro ato político de fundação do Movimento Homossexual Brasileiro. 1977 (janeiro) - A Igreja Episcopal de Nova York ordena a primeira pastora abertamente lésbica. 1977 - O padre valenciano Antonio Roig da Congregação das Carmelitas Descalças, na Espanha, é expulso da Igreja Católica após ter revelado sua homossexualidade. Ele passou a viver com um companheiro e em seguida passou a garantir o próprio sustento vivendo como professor de inglês. 1977 - Tem início o San Francisco's International Gay and Lesbian Film Festival, o mais antigo festival guei de filmes. 1977 - Os homossexuais peruanos em Lima e os húngaros em Budapeste, realizam as suas primeiras paradas do orgulho guei. 1978 - Alguns ativistas, entre os quais João Silvério Trevisan, fundam em São Paulo o grupo Somos, que teria a sua primeira aparição pública em fevereiro do mesmo ano. Este é o primeiro grupo de direitos homossexuais no Brasil e a matriz de todos os que vieram depois. No mesmo período, Trevisan, João Antônio Mascarenhas e outros intelectuais, jornalistas e artistas criam no Rio de Janeiro o Jornal O Lampião, especialmente dirigido à comunidade guei. Estes são os marcos iniciais do movimento homossexual no Brasil. 1978 - Leci Brandão torna-se a primeira artista da MPB a assumir publicamente a sua orientação sexual, e também a primeira a falar da homoafetividade abertamente em suas composições. 1978 - Letha Scanzoni e Virginia Ramey Mollenkott publicam Is the homossexual my neighbor? (Meu próximo é homossexual?), um livro discretamente a favor dos homossexuais cristãos, que conseguiu obter lugar nas prateleiras de livrarias cristãs e elogios da parte de críticos seculares e cristãos em revistas sérias, como Christianity Today, The Christian Century, The Journal of the Evangelical Theological Society e The Christian Ministry 1979 (julho) - Surge na Baixada Fluminense, região dormitório do operariado fluminense, o primeiro grupo de ativistas homossexuais do Brasil de composição majoritariamente lésbica, sendo também o primeiro grupo organizado no Estado do Rio de janeiro. 1979 - O Jornal O Lampião, visto como pornográfico, é vítima juntamente com outras publicações alternativas de campanha de setores paramilitares autodenominados Falange Pátria Nova, Brigadas Moralistas e Comando de Caça aos Comunistas. No inquérito policial o juiz Regis de Castilho Barbosa da 14º Vara Criminal de São Paulo considerou não ser crime o fato dos homossexuais pretenderem se impor como segmento estruturado dentro da sociedade. 1979 - Início de um período em que surgiram diversos grupos homossexuais organizados no Brasil: Triângulo Rosa no Rio de Janeiro, Grupo Gay da Somos/SP, Somos/RJ, Dialogay de Sergipe, Um Outro Olhar de São Paulo, Grupo Dignidade de Curitiba, Grupo Gay do Amazonas, Nuances de Porto Alegre, Grupo Arco-Íris do Rio de Janeiro, Grupo Lésbico da Bahia, Grupo Gay da Bahia, este último que seria talvez o primeiro a ser registrado como sociedade civil em 1983. 1979 (outubro) - More aos 68 anos a poeta americana Elisabeth Bishop, uma das mais importantes da geração que brilhou após a II Guerra Mundial. Ela adotou o Brasil nos anos 50 e por aqui permaneceu por cerca de vinte anos. Mereceu o principal prêmio da literatura americana, o Pulitzer, por sua obra 'Norte e Sul', de 1946. Em 1965, lançou Questões de Viagem, registrando o período em que viveu no Brasil, com residências fixas no Rio de Janeiro, Petrópolis e Ouro Preto, além de aventuras pela Amazônia e pela bacia do Rio são Francisco. Em 88 1951 Bishop conheceu a aristocrática brasileira Lota Macedo Soares e durante 15 anos, elas mantiveram uma relação marcada pela paixão e pela tragédia. Lota e Bishop nunca fizeram segredo de sua união. 1979 (dezembro) - Realiza-se no Rio de Janeiro o I Encontro de Homossexuais Militantes, com representantes de 9 grupos: Somos/RJ, Auê, Somos/SP, Libertos Guarulhos, Grupo de Atuação e Afirmação Gay/Caxias, Somos/Sorocaba, Grupo Lésbico-Feminista, Beijo Livre Brasília, Terceiro Ato/BH. 1979 - Uma pesquisa realizada pelo periódico Medical Aspects on Homosexuality entre 10 mil psiquiatras revela uma preocupante discrepância entre a posição oficial da Associação Americana de Psiquiatria e a opinião de muitos de seus membros. Dos entrevistados, 60% disseram que os homens homossexuais eram menos capazes de "relacionamentos maduros e amorosos" do que os homens heterossexuais. E 69% disseram "sim" à pergunta: "O homossexualismo geralmente representa uma adaptação patológica?" 1980 - Realiza-se uma passeata no centro de São Paulo com homossexuais e militantes de outros movimentos, contra a repressão policial aos travestis, prostitutas e gueis. 1980 - Surge o Grupo Gay da Bahia (Salvador) - que permaneceria como o mais antigo grupo homossexual em atividade na América Latina. 1980 - Em abril é realizado no Centro acadêmico da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) o I Encontro Brasileiro de Grupos Homossexuais Organizados, com a presença de nove grupos e mais de duzentos participantes. O encontro foi dominado por disputas de grupos políticos partidários que pretenderam atrelar o movimento guei às suas estratégias. 1980 - Realiza-se no Rio de Janeiro a prévia do II Encontro Brasileiro de Grupos Homossexuais Organizados com a presença de 15 grupos: Somos/RJ, Auê, Bando de Cá/Niterói, Somos/SP, Outra Coisa/SP, Eros/SP, Convergência Socialista/SP, GALF, Terra Maria, Alegria-Alegria, Grupo de Opção e Liberdade Sexual/Santo André, GGB, Grupo de Atuação Homossexual de Pernambuco (GATHO).· 1980 - Acontece a primeira passeata com participação de homossexuais em São Paulo. 1980 - Gilberto Freire, célebre sociólogo pernambucano, torna-se o brasileiro mais ilustre a assumir a prática de relações homoeróticas. 1980 - Morre Pascoal Carlos Magno, teatrólogo e embaixador, fundador do Teatro do Estudante do Brasil, RJ, homossexual assumido e discriminado pelo Itamaraty no tempo da Ditadura. 1980 - Pelo menos oito livros a favor da posição homossexual já estão no mercado americano: Homosexuality and the western Christian tradition (Homossexualismo e tradição cristã ocidental), Homosexual behavior among males (Comportamento homossexual entre homens), Jonathan loved David (Jônatas amou Davi), Homosexuality and counseling (Homossexualismo e aconselhamento), The Church and the homosexuality (A Igreja e o homossexualismo), The Lord is my shepherd and he knows I'm gay (O Senhor é meu Pastor e sabe que sou guei), Time for consent (Tempo para consentir) e Another kind of love (Outro modo de amar). A maioria deles foi publicada por editoras importantes (Westminster Press, SCM Press e Thomas Moore Press). 1980 - É diagnosticado em São Paulo o primeiro caso de Aids no Brasil, doença que inicialmente alastrou-se entre a comunidade homossexual. 1981 (julho) - Por divergências no Conselho editorial, O Jornal O Lampião, que era distribuído com freqüência mensal em todo o território brasileiro, é fechado após terem sido publicados 37 números. 1981 - Acontece a primeira celebração do dia do orgulho guei em Salvador. 1981 - O CONAR determina a retirada do ar propaganda homofóbica na TV de Salvador. 1981 (abril) - Realiza-se em Olinda o I Encontro de Grupos Homossexuais do Nordeste com a presença de 5 grupos: GATHO, Nós Também/Pb, Dialogay, GGB, Adé Dudu/Ba. 1981 - Reúne-se 16 mil assinaturas com o início da campanha contra o Código 302.0 da OMS que rotulava o homossexualismo como desvio e transtorno sexual. 1981 (setembro) - John Boswell, por muitos anos professor de História na Universidade de Yale, publica Christianity, social tolerance and homosexuality (Cristianismo, tolerância social e homossexualismo). O livro de Boswell é tão importante para a causa guei quanto A cabana do Pai Tomás foi para a causa abolicionista. O professor apresenta dois argumentos básicos: 1) a Igreja nem sempre desaprovou o homossexualismo; 2) os textos bíblicos que parecem condenar o homossexualismo na verdade não se referem ao homossexualismo, mas a várias outras formas de imoralidade. Boswell, porém, além de homossexual, não é "nem um lingüista, nem um especialista em literatura, mas um historiador", como observa Elodie Ballantine Emig, sua contestadora. 1981 (09 de setembro) - A Universal Fellowship of Metropolitan Community Churches, denominação que abriga gueis em seu seio, fundada 13 anos antes por Troy Perry, solicita sua filiação no Conselho Nacional de Igrejas (americano). Embora ecumênico e liberal, o Conselho nega o pedido e explica que qualquer tentativa de filiação seria uma "burrice impertinente". 1981 (01 de outubro) - O Conselho da Europa emite resolução exortando os países membros da Comunidade Européia à descriminalização da homossexualidade e à instituição de direitos iguais. 1982 - O primeiro folheto de prevenção da AIDS é produzido por um grupo guei, o Grupo Gay da Bahia (GGB). 1982 - Aprovadas moções de apoio aos homossexuais pela SBPC, ABA, Anpocs, ABEP. 89 1982 (abril) - Realiza-se em São Paulo o I Encontro Paulista de Grupos homossexuais, EPGHO, com a participação de 4 grupos: Alegria-Alegria, GALF, Outra Coisa, Somos. 1983 - O grupo Somos de São Paulo, o primeiro e mais bem estruturado grupo de homossexuais ativistas do Brasil, depois de sofrer por alguns anos um processo de cooptação e institucionalização por parte de grupos militantes de esquerda ligados à luta política, se esvazia, perde seus ideais de autonomia e suas características de instigação. Por fim é abandonado também pelos militantes esquerdistas. 1983 - O Grupo Gay da Bahia (CGB) torna-se a primeira ONG a ser registrada como sociedade civil. 1983 - Rosely Roth, líder do Grupo de Atuação Lésbico-Feminista de São Paulo, torna-se a primeira lésbica a se assumir na televisão brasileira. 1984 (junho) - Ruth Escobar, então deputada estadual por São Paulo, é atacada em sua honra pessoal por ter defendido na tribuna da Câmara Paulista uma moção solicitando ao Presidente da República a exclusão do artigo 302 do Código de Classificação de Doenças do então INAMPS, que considerava a homossexualidade como doença. 1984 - A Câmara Municipal de Salvador comemora pela primeira vez no Brasil o Dia do Orgulho Guei. 1984 (janeiro) - Realiza-se em Salvador o II Encontro Brasileiro de Grupos Homossexuais Organizados com a participação de 5 grupos: GGB, Dialogay, GATHO, GLH, Adé Dudu. 1984 (13 de março) - Resolução do Parlamento Europeu propõe medidas contra a descriminalização das relações homossexuais, igualdade na idade de consentimento sexual entre heterossexuais e homossexuais, realização de campanhas contra a discriminação por orientação sexual, igualdade de condições entre associações civis homossexuais e heterossexuais e adoção de um regime de igualdade na legislação militar, laboral, administrativa, civil e comercial. 1985 (14 de janeiro) - A propósito da epidemia de AIDS, um editorialista do Jornal A Tarde, o mais importante da cidade de Salvador, afirma na coluna "Tempo presente": "Quando houve a peste suína no Brasil, a solução foi a erradicação completa dos porcos ameaçados de contágio. Portanto, a solução tem que ser a mesma: erradicação dos elementos que podem transmitir a peste guei.". 1985 - João Silvério Trevisan escreve a 1º edição de Devassos no paraíso, o mais completo e importante trabalho de pesquisa sobre a história da homossexualidade no Brasil. Por ter formado uma geração de homossexuais o livro é considerado uma referência obrigatória na trajetória de luta pelos direitos homossexuais no Brasil. 1985 - O Conselho Federal de Medicina do Brasil passa a desconsiderar o artigo 302.0 da Classificação Internacional de Doenças, onde considerava-se a homossexualidade como doença. O homossexualismo passa para o código 206.9, considerado dentro da categoria de "Outras circunstâncias psico-sociais". 1985 (agosto) - Durante o XIX Congresso Brasileiro de Patologia Clínica, o médico João Lélio Mattos Filho, como conclusão de sua tese de doutoramento, afirma que os homossexuais, sem distinção, são portadores de imunodeficiência precoce, sendo mais predispostos à AIDS e doenças venéreas e, sem base científica alguma, afirma ainda que a promiscuidade sexual traz um caráter imunodepressor. 1985 - O radialista Afanásio Jazadji, em programa de rádio líder de audiência em São Paulo, propõe: "os homossexuais, essas lésbicas, esses pederastas sejam isolados, alijados." porque "essa bicharada anda agora com essa peste matando pessoas. Como anormais que são, devem ficar confinados não sei lá onde". 1986 - Grupo Triângulo Rosa, do RJ, GGB e Libertos (SP) iniciam campanha junto à Constituinte pela inclusão da proibição de discriminação por orientação sexual na Constituição. 1986 - Edward MacRae, realiza pesquisa histórica sobre o GRUPO SOMOS/SP para a sua tese de doutoramento na USP, com o título: O militante homossexual no Brasil da abertura - e publicada em 1990 - A Construção da Igualdade: identidade sexual e política no Brasil da "abertura". 1987 (6 de agosto)- No jornal Folha de São Paulo, O arcebispo de Porto Alegre, Dom Cláudio Colling, critica as campanhas de combate à AIDS por enfocarem com tolerância as relações sexuais entre homossexuais. Afirma que tem "vontade de ser um Hitler, que capava os bichos e esterilizava as mulheres" afirma ainda que diante de tais campanhas tem vontade de sair "com uma faquinha bem afiada". 1987 - Através do empenho do Grupo Triângulo Rosa/RJ aliado ao grupo Lambda, através do jornalista Antônio Carlos Tosta, o código de ética dos jornalistas (modificação no artigo 10, letra D - XXI Congresso Nacional dos Jornalistas) passa a incluir a proibição de discriminação por orientação sexual. 1987 - O Grupo Gay da Bahia (CGB) torna-se a primeira ONG guei a ser declarada de Utilidade Pública Municipal. 1987 - É publicado o livro O Lesbianismo no Brasil, de Luiz Mott, considerada a obra pioneira e mais completa sobre a homossexualidade feminina. 1987 - João Antonio Mascarenhas, o principal ativista nacional de então, representante e fundador do Grupo Triângulo Rosa/RJ, que encabeçara o "loby" pela inclusão da proibição por orientação sexual na Constituição de 1988, cujo projeto tramitava na Assembléia Nacional Constituinte, torna-se o primeiro homossexual brasileiro a ser convidado a falar no Congresso Nacional. 1987 - O pintor Jorge Guinle Filho falece no Recife. Soropositivo, em 1985 havia registrado um testamento em 90 que deixava metade dos bens para o companheiro, o fotógrafo Marco Rodrigues, com quem viveu por 17 anos. Entretanto, dias antes de morrer em Nova York, Jorginho assinou novo documento, deixando tudo para a mãe. Inconformado, Rodrigues entra na justiça em processo que se estenderia por sete anos. 1987 - O biólogo americano W.J. Tennent publica um artigo intitulado "Nota sobre a Aparente Queda dos Padrões Morais da Lepidoptera". Após descrever o homossexualismo das borboletas do Marrocos, afirmou: "Talvez seja um sinal dos tempos o fato de a literatura entomológica estar no caminho da decadência moral e das ofensas sexuais". O cientista achou imoralidade em borboletas. 1987 - Em Amsterdã, Holanda, é inaugurado o Homomonument, criado por Karin Daan. O monumento possui três triângulos rosa em granito, uma homenagem às vítimas da homofobia. 1988 (janeiro) - Uma viúva é expulsa da Igreja Assembléia de Deus porque o filho homossexual contraiu a AIDS. Segundo o pastor: "uma punição de Deus por um ato condenado pela Bíblia". 1988 - Durante a aprovação da constituição Brasileira de 1988, em Brasília, a grande maioria do congresso votou contra a inclusão do item que proibia a discriminação por orientação sexual. 1988 - O Grupo Gay da Bahia (CGB) passa a integrar Comissão Nacional de AIDS do Ministério da Saúde. 1988 (maio) - A Anistia Internacional relata que o líder talibã afegão Mohammad Omar mandou jogar uma parede sobre três homens homossexuais, procedimento comum naquele país para punir os gueis. Em seguida mandou colocar fogo nos escombros. Mesmo assim, após 30 minutos, os três continuavam vivos, porém dois deles morreram no hospital no dia seguinte. 1989 (janeiro) - Realiza-se no Rio de Janeiro o III Encontro Brasileiro de Grupos Homossexuais Organizados, com a participação de 6 grupos: Atobá, Grupo de Resistência Asa Branca/CE GRAB, Dialogay, GGB, Comunidade Pacifista, Movimento Antônio Peixoto (PE). 1989 - A pastora Sylvia Pennington publica uma crítica mordaz ao movimento de ex-homossexuais com o título: Ex-gays? There are none! (Ex-gueis? Não há nenhum!) O livro contém histórias de homens e mulheres que tentaram inutilmente mudar da homossexualidade para a heterossexualidade. Esse é o primeiro ataque pesado a qualquer movimento cristão de auxílio aos homossexuais. A partir daí o debate entre os "homossexuais cristãos" e os "ex-homossexuais" torna-se comum em programas de televisão e na imprensa. 1989 - A Dinamarca torna-se o país pioneiro em permitir o casamento guei. O país garante todos os benefícios sociais ao casal, só proibindo a adoção de crianças. 1990 (janeiro) - Realiza-se em Aracaju o IV Encontro Brasileiro de Grupos Homossexuais Organizados, com a participação de 6 grupos: Dialogay, GGB, Atobá, GRAB, Free(PI), NIES(RJ). 1990 - Salvador torna-se a primeira cidade da América Latina a proibir discriminação por orientação sexual na Lei Orgânica Municipal. 1990 (junho) - No programa de televisão de Sílvia Popovic o ator Jece Valadão afirma: "homossexualismo é sem-vergonhice". 1990 (07 de julho) - Morre aos 32 anos Agenor de Miranda Araújo Neto, conhecido como Cazuza, o cantor de rock e compositor pertencente à jovem geração de artistas homossexuais que expressou o pensamento de grande parte da juventude dos anos 80. É considerado o maior poeta daqueles anos, que falou sobre o Brasil e suas mazelas de uma forma que ninguém fizera antes. Ousou verbalizar seu amor no gênero masculino, levantando discussões sobre temas como a sexualidade e as drogas. Em uma de suas últimas canções, de 1989, dizia: "Quero ele, menino triste/ Quero ele, por trás dele/ Por cima da mesa/ Quero (...) seus bagos, suas orelhas/ Quero ele brocha, quero ele rocha". 1990 - A médica norte-americana Judith Reisman põe por terra todas as conclusões e os métodos do biólogo Alfred Kinsey, com a publicação do livro Kinsey, sex and fraud: the indoctrination of a people (Kinsey, sexo e fraude: a doutrinação de um povo). Uma das descobertas de Reisman é que 25% dos homens que Kinsey pesquisou eram prisioneiros, em especial criminosos sexuais. Isso quer dizer que os dados do livro Comportamento sexual do macho humano, publicado 42 anos antes, não foram tomados de uma população que representava com exatidão os homens americanos. O livro de Reisman e estudos subseqüentes desautorizaram, ainda que tardiamente, o mito de que 10% da população masculina dos EUA seriam homossexuais. 1990 - Troy Perry, fundador da primeira denominação cristã homossexual (outubro de 1968) publica seu segundo livro: Don't be afraid anymore (Nunca mais tenha medo). O primeiro (The Lord is my shepherd and he knows I'm gay) saiu 18 anos antes. 1991 (novembro) - Realiza-se em Recife o V Encontro Brasileiro de Grupos Homossexuais Organizados, com a participação de 6 grupos: Movimento Antônio Peixoto, Atobá, Dialogay, GGB, GRAB, Um Outro Olhar, e Toni e David (futuros fundadores do Dignidade/PR). 1991 (agosto) - O pesquisador norte-americano Simon Le Vay, estudando as células do hipotálamo de homossexuais e heterossexuais masculinos e femininos, descobre que elas têm tamanhos diferentes para cada grupo. Foram realizadas, ao todo, 41 autópsias de pacientes falecidos em decorrência da AIDS, dentre mulheres, homens heterossexuais e homens homossexuais. O pesquisador concluiu, que as células do hipotálamo dos homossexuais, têm um tamanho menor que as obtidas nas autópsias do hipotálamo de homens e mulheres heterossexuais. Tal descoberta remonta a uma relação direta entre orientação afetivo-sexual e a conformação 91 celular do hipotálamo. É importante salientar que o hipotálamo é a região do cérebro responsável pela elaboração das emoções e dos sentimentos eróticos. A pesquisa, que foi publicada na revista Science, não é conclusiva como comprovação da teoria genética, pois não há com provar que as células do hipotálamo dos homossexuais estudados já eram de tamanho inferir desde o nascimento ou "diminuíram" posteriormente. Por outro lado, não se tem notícia de redução de tamanho nesses grupos celulares, e este trabalho, mesmo não sendo conclusivo, suporta a hipótese de que a homossexualidade pode ser "inata". 1991 - A Organização Mundial de Saúde também passa a desconsiderar a homossexualidade como doença. 1991 - Aprovado o Código Penal Islâmico contra Homossexuais, no qual se destacam os seguintes artigos: Artigo 110 - A punição pela sodomia é a morte; Artigo 129 - A punição para o lesbianismo é 100 chicotadas para cada mulher envolvida. Artigo 131 - Se o ato do lesbianismo for repetido por 3 vezes, e a punição tiver sido aplicada a cada vez, a quarta vez será punida com a pena de morte. 1992 (maio) - Realiza-se no Rio de Janeiro IV Encontro Brasileiro de Grupos Homossexuais Organizados, com a participação de 11 grupos: Atobá, GRAB, Dialogay, GGB, Movimento Homossexual de Belém, Grupo Gay do Amazonas, UOO, Deusa Terra, Dignidade, Turma OK/R, Associação Gay de Nova Iguaçu, Triângulo Rosa RJ. 1993 (Março) - Realiza-se em Belo Horizonte o I Encontro Mineiro, com 45 pessoas e 2 grupos: Dialogay e Núcleo de Orientação e Saúde Sexual RJ. 1993 - O Grupo Dignidade PR, torna-se o primeiro declarado de Utilidade Pública Estadual. 1993 (junho) - Realiza-se em Florianópolis o primeiro encontro regional Sul Brasileiro de Homossexuais, com 4 grupos: Ass. de Defesa e Emancipação Homossexual, Dignidade, Nuances, Cidadania Plena/Paranaguá. 1993 (setembro) - Realiza-se em Cajamar SP o VII Encontro de Lésbicas e Homossexuais, 21 grupos, UOO, Deusa Terra, ETC e tal, Grupo GL/PT, entre outros. 1993 - Primeiro Encontro Nacional de Travestis, RJ. 1993 - É realiza-se a primeira edição do Festival Mix Brasil da Diversidade Sexual, um amplo painel de filmes sobre as expressões marginais da sexualidade. 1993 (10 de março) - É barbaramente assassinado Renildo José dos Santos, 26 anos, vereador do município de Coqueiro Seco, no Estado de Alagoas. Após confessar-se bissexual em um programa de rádio, passou a sofrer ameaças de morte, tendo sido afastado da Câmara Municipal e depois seqüestrado e assassinado. As suas unhas foram arrancadas, os dedos cortados e as pernas quebradas. Ele foi castrado e teve o anus empalado. Decapitado, a cabeça foi encontrada boiando num rio do estado de Pernambuco, sem olhos, língua, orelha e nariz e com dois tiros no ouvido. Naquele ano seu nome foi conferido ao Prêmio da Associação Bissexual da Austrália. 1993 (julho) - A revista Science publica uma pesquisa que estava sendo desenvolvida pelo instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos, sob a coordenação do professor Dean Hamer. Hamer selecionou 76 homens homossexuais, e passou a estudar seus familiares paternos e maternos. O resultado do estudo mostrou que entre os familiares paternos do pesquisado havia a incidência de 2% de pessoas homossexuais, índice que crescia para 7,5% quando se tratava do lado materno. Isso levantou a hipótese de que a homossexualidade estaria vinculada a um fator genético do lado materno, mais diretamente relacionado com o cromossomo X. A equipe de Hamer também selecionou, posteriormente, 40 pares de irmãos homossexuais, que não tinham características semelhantes. Dentre essas 40 duplas, 33 deles, ou seja, 82,5%, tinham a mesma seqüência de DNA de uma parte do cromossomo X da mãe. (Castro, 1994) 1993 - Os produtores Teodoro Maniaci e Francine Rzenik filmam um documentário de 90 minutos sobre o Exodus International (entidade de apoio ao homossexual que deseja abandonar seu estilo de vida), sob o título One nation under God (Uma nação sob Deus). O filme reproduz entrevistas com homossexuais que tentaram inutilmente assumir o estilo heterossexual com o auxílio de ministérios como o do Êxodus. O propósito do documentário é provar, só com o peso dos testemunhos e da emoção, que nenhum homossexual jamais poderá viver de outro modo. 1993 - A Noruega torna-se o segundo país, depois da Dinamarca, a permitir o registro oficial da união de parceiros homossexuais, um contrato de casamento que dá ao casal quase os mesmos direitos de que gozam os parceiros heterossexuais. 1994 - Em decisão inédita, o juiz José Bahadian, então da 28ª Vara Cível, reconhece a Sociedade de Fato entre o fotógrafo Marco Rodrigues e o artista plástico Jorge Guinle Filho, que viveram juntos por 17 anos até a morte deste em 1987, equiparando-a a um casamento em comunhão de bens. Dessa forma, foi novamente alterado em benefício de Rodrigues o testamento em que, pouco antes de morrer, Guinle havia deixado todos seus bens para a mãe. No entanto, o advogado da mãe de Guinle recorreu e Rodrigues acabou ficando apenas com a metade dos objetos de arte do antigo companheiro. 1994 - Greg Louganis assume oficialmente sua homossexualidade durante os IV Gays Games, em New York. Em 1982, ele foi campeão olímpico de saltos ornamentais e o primeiro a receber nota 10 de todos os jurados em uma competição internacional. 1994 - John Boswell, autor do mais importante livro em defesa da homossexualidade, morre de Aids. 1994 - A Suécia formaliza relacionamentos estáveis entre casais gueis. 1994 - O canal PBS projeta o documentário de Teodoro Maniaci e Francine Rzenik em sua série "Pontos de 92 Vista". Pela primeira vez, todos os Estados Unidos são expostos aos argumentos dos homossexuais cristãos que zombam da idéia de que alguém pode mudar sua orientação sexual, mesmo por Cristo. 1995 - O ex-guerrilheiro e escritor Herbert Daniel torna-se o primeiro candidato assumidamente homossexual no estado do Rio de Janeiro, pleiteando uma vaga na Câmara Estadual pelo PT. 1995 - Por iniciativa do Grupo Nuances de Porto Alegre é aprovada a Lei Municipal contra a discriminação por orientação sexual. 1995 (janeiro) - Realiza-se em Curitiba o VIII Encontro Brasileiro de Gays e Lésbicas, com a presença de 40 grupos: Dignidade; 34 grupos GL, 3 grupos lésbicos, 3 grupos travestis. Fundação da ABGLT: Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis. 1995 - Para coordenar ações em todo o Brasil, é fundada em Curitiba, com a presença de 120 participantes, a Associação Brasileira de Gueis, lésbicas e Travestis (ABGLT). 1995 (outubro) - Em razão de conflito entre sua orientação homossexual e a condenação da homossexualidade feita pela Igreja Universal do Reino de Deus, um fiel decepa o próprio pênis e afirma: "fiz como Cristo: derramei sangue por amor da humanidade". 1995 (26 de outubro) - Apresentado na Câmara dos Deputados em Brasília, o Projeto de lei n.º 1.151, de autoria da deputada Federal Marta Suplicy (PT-SP), propondo a legalização da união civil entre pessoas do mesmo sexo - a chamada Parceria Civil Registrada. O país não veria aprovada a Lei que visava a garantir os direitos dos parceiros do mesmo sexo, assegurando a formação de um patrimônio comum a partir do esforço de ambos. A Lei pretendia estender para a Parceria Civil Registrada os benefícios e direitos já garantidos aos heterossexuais, tais como a possibilidade de partilha dos bens, direito a herança (quando o parceiro falecido não tivesse herdeiros, ascendentes ou descendentes, o parceiro sobrevivente seria o herdeiro da totalidade do patrimônio), benefícios de previdência social, direitos relativos a planos e seguros saúde, declaração conjunta de imposto de renda, possibilidade de composição conjunta de renda a fim de adquirir financiamento para moradia, abertura de contas correntes bancárias, aquisição de nacionalidade (o parceiro estrangeiro ficaria habilitado a requerer a cidadania brasileira), dentre outros. 1995 - O presidente do Zimbábue, Robert Mugabe, afirma que os homossexuais não têm nenhum tipo de direito. 1995 - Com 14 anos de atraso, saem as duas primeiras refutações ao livro Christianity, social tolerance and homosexuality (Cristianismo, tolerância social e homossexualismo), do professor homossexual John Boswell. Thomas E. Schimidt publica Straight & narrow? Compassion and clarity in the homosexual debate (Reto & estreito? Compaixão e clareza no debate homossexual). E Marion Soards publica Scripture and homosexuality: Biblical authority and the Church today (Escritura e homossexualidade: Autoridade bíblica e igreja hoje). O primeiro foi publicado pela Intervarsity Press. Boswell havia morrido no ano anterior, não tendo tido a oportunidade de ler esses dois livros. 1996 - Decisões isoladas da justiça reconhecem a união de pessoas do mesmo sexo. O desembargador Mello Serra, no Rio de Janeiro, permite que Henrique Berbert Silveira herde o patrimônio de seu parceiro homossexual, Ary Pinto Mesquita. 1996 - O Projeto de lei n.º 1.151 de autoria da deputada Marta Suplicy (PT-SP) é aprovado na Comissão especial da Câmara dos Deputados. 1996 (11 de outubro) - Renato Russo morre aos 36 anos, à 1h15min de uma sexta-feira, depois de abandonar uma luta de seis anos contra a Aids. Junto com Cazuza, Cassia Eller e outros formou uma geração de artistas que superaram os receios e assumiram a própria homossexualidade em público. Em 1984, já HIV positivo, Renato lançara o CD The Stonewall Celebration Concert que comemorava os 25 anos da revolta no bar Stonewall nos Estados Unidos, marco do movimento guei. O CD foi uma espécie de testamento com que, segundo Trevisan, Renato vinculou sua imagem ao movimento homossexual, com o qual contribuíra ativamente no final de sua vida. 1996 - Pela primeira vez os homossexuais são citados em um documento oficial do Governo, o Plano Nacional de Direitos Humanos. 1996 - O Presidente do Grupo Gay da Bahia GGB, Luiz Mott, é convidado pela Presidência da República ao lançamento do Programa Nacional de Direitos Humanos, no Palácio da Alvorada. 1996 - Uma organização municipalista de Londres publica um livro chamado "As Cores do Arco Iris", que dizia: "homossexualidade e heterossexualidade - ambas são igualmente válidas". A partir deste guia, de 160 páginas, a oposição à política de algumas administrações regionais de Londres (quase todas em mãos dos trabalhistas da época) cresce e leva à inclusão do parágrafo 28 na lei que rege a conduta municipal. 1997 - O Grupo Gay da Bahia GGB publica o primeiro boletim sobre assassinato de homossexuais no Brasil. 1997 - O Grupo Dignidade/PR, torna-se o primeiro a ser declarado de utilidade pública federal. 1997 - O Conselho Federal de Medicina autoriza operação de transexuais. 1997 (fevereiro) - Realiza-se em São paulo o IX EBGLT, com a presença de 30 grupos: UOO, Corsa, Caheusp, AMHOR, Arco Iris, Arte de Ser, Astral, Cidadania Gay, Dignidade, Esperança, Expressão, Filadélfia, PSTU, G.Brasileiro de Transexuais, GH de PE, GGAL, GGB, GLB, Habeas Corpus, Ipe Rosa, Dellas, Espírito Lilas, M.Gay Independente, Nuances, GL/PT/GO, GL/PT/SP, Quimbanda:Dudu, RENTRAL, Sapho, 28 de Junho, 93 entre outros. 1997 - A 1º Parada GLBT (Guei, Lésbica, Bissexual e Transgênero) reúne 2.000 pessoas em São Paulo. 1997 (9 de setembro) - É sancionada pelo prefeito de Salvador, Antônio Imbassahy (PFL), a Lei Municipal nº 5.275 que institui penalidades à prática de discriminação em razão de opção sexual. 1997 (dezembro) - Em debate para a aprovação do Projeto de lei n.º 1.151 na Câmara dos deputados em Brasília, deputados fazem gestos obscenos, vaiam e gritam grosserias à autora, Marta Suplicy, e aos deputados favoráveis ao projeto. Consideraram a proposta um desrespeito à casa e a homossexualidade uma aberração da natureza. Em razão de fortíssima pressão, o projeto é retirado do Congresso pela proponente. 1998 (31 de janeiro) - Já instalada na América Latina e em várias partes do mundo, o ministério Êxodus, que propõe a "cura" dos homossexuais, é organizado no Brasil. O presidente provisório é o engenheiro agrônomo Affonso Henrique Lima Zuin, professor da Universidade Federal de Viçosa e presbítero da Igreja Presbiteriana da mesma cidade. 1998 (10 de fevereiro) - Os ministros da 4 Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidem, por unanimidade, garantir ao empresário mineiro Milton Alves Pedrosa o direito à metade do patrimônio constituído durante os sete anos de convivência com o bancário Jair Batista Prearo, que morreu vítima da AIDS. O ministro Ruy Rosado, então relator do recurso, reconheceu a união do empresário e de seu companheiro como uma Sociedade de Fato, ao relevar as provas e argumentos indicando que os bens foram adquiridos através do esforço comum. 1998 (11-14 de junho) - Realiza-se em Viçosa, MG, o III Encontro Cristão sobre Homossexualismo, promovido por Êxodus Brasil. A Associação Brasileira de Gueis, Lésbicas, Travestis e Simpatizantes reage violentamente, denuncia na mídia o Encontro como fraudulento solicitando à Ordem de Advogados do Brasil que impeça a realização do evento e ao Conselho Federal de Psicologia e Medicina que casse o registro de todos os psicólogos e psiquiatras que participaram do evento. 1998 (23 de junho) - Os homossexuais brasileiros Luiz Fernando, 27 anos, e Victor, 26 anos, são ordenados pastores na Comunidade Cristã Guei, em São Paulo. A cerimônia é presidida por Neemias Marien, ex-pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil. 1998 (28 de junho) - Nas comemorações do Dia Internacional do Orgulho Guei, superando em mais do que o dobro as expectativas dos organizadores, compareceram por volta de 7000 participantes, que fizeram a até então maior parada guei do Brasil. 1998 (agosto) - Realizado o I Juiz de Fora Rainbow Fest, um evento que se propunha a discutir as questões afetas aos homossexuais, trazê-las à baila, provocar o debate, gerar ações, diminuir o preconceito e melhorar a vida dos gueis. Antecedeu o famoso concurso "Miss Brasil Guei", então em sua 22ª edição. 1998 - Morre João Antônio Mascarenhas, fundador do Movimento Homossexual Brasileiro. 1998 (13 de janeiro) - Alfredo Ormando, um escritor de 40 anos de San Cataldo (Sicília) derrama gasolina, ateia fogo no próprio corpo e corre envolto em chamas até o centro da Praça de São Pedro em Roma, em protesto contra a posição oficial da Igreja que condena o comportamento homossexual. Policiais o socorrem e um deles tenta apagar as chamas com a própria jaqueta. Antes de perder a consciência Alfredo disse: "Nem mesmo morrer eu consigo". Foi levado ao Hospital Sant'Eugenio onde morreu após 10 dias de agonia. 1998 - Uma nova lei alemã prevê a suspensão das sentenças nazistas promulgadas contra homossexuais e desertores em base ao parágrafo 175 da legislação penal alemã do ano de 1871, mas exige a apresentação de provas referentes a cada caso. O governo da coalizão CDU/CSU e Partido Liberal impediu a aprovação de um projeto de lei visando a suspender todas a penas contra os homossexuais. 1998 - É incluída na lei inglesa que disciplina as municipalidades a cláusula de número 28 que põe fim a qualquer ação nas salas de aula para exortar a aceitabilidade da relação homossexual como sendo uma relação familiar. 1998 (outubro) - Matthew Sheppard, 22 anos, calouro da Universidade de Wyoming, é assassinado com requintes de crueldade por dois colegas homofóbicos nos Estados Unidos. Ele foi seqüestrado de uma mesa de bar e levado num caminhão até uma área deserta, na periferia da cidade. No local, Russel Henderson, 21 anos e Aaron McKinney, 22, sob os olhares das namoradas, bateram e o feriram a golpes de murros e facas, enquanto ele implorava por sua vida. 1998 - Arqueólogos austríacos encontraram na fronteira da Áustria com a Itália, nos Alpes, um corpo congelado datando de 14000 anos atrás. Tratava-se de um guerreiro da idade da pedra, que estava perambulando pelos Alpes quando deve ter sido pego por uma nevasca e sucumbiu. Graças as baixas temperaturas, o guerreiro, que pelas tatuagens pôde também ser identificado como chefe da tribo, foi preservado intacto. Estudos minuciosos concluíram que se tratava um homossexual, pois haviam resquícios de esperma, com características sangüíneas diferentes da sua, em seu reto. Isto remete que o homossexualismo era natural da espécie humana (assim como é aos leões) antes do aparecimento da cultura Judaico-Cristã. 1999 - Conselho Federal de Psicologia aprova Resolução proibindo que psicólogos participem de clínicas ou terapias visando "curar" homossexuais. 1999 (20 de janeiro) - No Congresso em Brasília, deputados católicos e evangélicos ameaçam boicotar a votação 94 do ajuste fiscal do orçamento da União caso o Projeto de Parceria Civil Registrada, da Deputada Marta Suplicy fosse mantido na pauta. "Avisei que se fosse colocado o casamento guei, que é uma indecência, eu inviabilizaria a votação do ajuste fiscal", disse o deputado Severino Cavalcanti (PPB-PE). "Isso é uma palhaçada", reagiu o deputado evangélico Philemon Rodrigues (PTB-MG), que também ameaçou boicotar o ajuste. 1999 (12 de março) - Uma gigantesca bandeira com as cores do arco-íris, cobre a Praça da Cinelândia, no centro do Rio, em um protesto realizado por 50 homossexuais contra a "impunidade" e a falta de investigações sobre o assassinato do vereador alagoano Ronildo José dos Santos. Ele havia sido morto no dia 12 de março de 1993, após assumir que era homossexual em entrevista a uma rádio de Coqueiro Seco, Alagoas. Segundo dados da Associação Brasileira de Gueis e Lésbicas, dois mil homossexuais em todo o Brasil tinham sido assassinados nos dez anos anteriores e 30% dos crimes tinham ocorrido no Rio. 1999 (07 de abril) - O Parlamento Francês aprova legislação alterando o Código Civil mediante a instituição do "Pacto de Solidariedade" e a modificação do comcubinato. Assim, a orientação sexual dos contratantes do Pacto de Solidariedade e daqueles que vivem em regime concubinário passa a não ser fator de discriminação. 1999 (maio) - Sete casais homossexuais se unem civilmente pela primeira vez na Alemanha, na cidade de Hamburgo, a única a aceitar legalmente este tipo de união. 1999 (13 de junho) - A Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano condena um padre e uma freira norteamericanos, Robert Nugent e Jeannine Gramick, a cessarem suas atividades no movimento de homossexuais católicos. A notificação, datada de 31 de maio e publicada nesta data, determinava que os religiosos não deveriam mais ocupar-se com a pastoral dos homossexuais e não seriam eleitos, "por tempo indeterminado", para ocupar cargos em suas ordens religiosas. De acordo com o documento, a sanção foi resultado das opiniões "ambíguas" defendidas pelos religiosos - autores de dois livros sobre catolicismo e homossexualidade - e que desde 1984 tornaram-se posições "disformes" a respeito da doutrina católica. A causa da sanção foram as afirmações dos dois religiosos norte-americanos com relação à "malícia intrínseca dos atos homossexuais e a desordem da inclinação homossexual", como sustentam os documentos do Vaticano de 1976 e 1987, reafirmados pelo Catecismo. A notificação afirmava que o padre Nugent e a freira Gramick "mostraram uma clara compreensão conceitual do ensinamento da Igreja sobre a homossexualidade, porém se abstiveram de difundir qualquer adesão a este ensinamento". O texto do Vaticano acrescentava ainda que "algumas declarações dos religiosos eram incompatíveis com os ensinamentos da Igreja e que a divulgação desses erros por meio de suas publicações e de suas atividades estava preocupando os bispos dos Estados Unidos". 1999 - Realiza-se no auditório da Câmara Federal, em Brasília, um Seminário Nacional de Cidadania Homossexual. 1999 (4 de julho) - Em Colônia na Alemanha cerca de 600 mil pessoas participam da passeata guei. Eles protestaram contra a discriminação sexual e exigem plena igualdade de direitos. Ao ritmo de música "techno", os gueis alemães e de outras partes da Europa desfilaram em carros alegóricos cantando e dançando pelas ruas do centro da histórica cidade alemã. Entre as várias personalidades presentes à parada, que comemorou os 30 anos da luta pelos direito dos homossexuais, estava a ministra da Saúde Pública, Andrea Fischer (Partido Verde). "Minha presença tem por objetivo destacar que também o governo considera necessário melhorar os direitos de lésbicas e homossexuais masculinos", disse a ministra. 1999 (27 de julho) - A 3º Parada GLBT (Guei, Lésbica, Bissexual e Transgênero) reúne cerca de 15.000 pessoas em São Paulo. Os homossexuais reivindicam mais respeito a seus direitos, a aprovação da parceria civil entre pessoas de mesmo sexo, prevenção e combate ao vírus da Aids e campanhas contra a violência. A passeata terminou na praça da República, no centro de São Paulo. Cerca de 70 policiais militares e 10 viaturas acompanharam os manifestantes. A ex-deputada federal Martha Suplicy acompanhou a passeata do alto de um dos carros de som: "Todos os cidadãos têm que ter direitos iguais. Essa passeata está linda e mostra a força que vocês têm!", discursou a autora do projeto de lei que regulamenta a parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo. 1999 (24 de agosto) - O ministro da Justiça, José Carlos Dias, reúne-se com os secretários-gerais da Associação Brasileira de Gueis, Lésbicas e Travestis, Cláudio Nascimento e Jane Pantel. Os dois pedem ao ministro a inclusão de um artigo no anteprojeto de reforma do Código Penal que classifica como crime a discriminação, aberta ou velada, de homossexuais. A expectativa é de que, com base na política de direitos humanos, o governo use sua força no Congresso para aprovar uma lei que seja um marco na história dos gueis. 1999 - Publicado nos Estados Unidos um dos trabalhos mais completos sobre a natureza homossexual: Biological Exuberance - Animal Homosexuality and Natural Diversity (Exuberância Biológica Homossexualidade Animal e Diversidade Natural). O livro de Bruce Bagemihl é uma revisão bibliográfica sobre os trabalhos "esquecidos" nas gavetas de Zoólogos de todo mundo. Bagemihl analisou 450 espécies, principalmente de mamíferos e aves, todas praticantes, em maior ou menor grau, de hábitos homossexuais. O livro mostra que as relações homossexuais na natureza não são confusão do instinto, aberração ou falta de fêmeas. A maioria dos animais homossexuais são assim porque são. Em alguns casos, como o dos leões, há vantagens na relação macho macho. Sendo bissexuais os leões criam os filhotes juntos, aumentando a taxa de sobrevivência de seus genes. Bagemihl também assinala que o homossexualismo animal é muito comum em 95 quase todas as espécies de mamíferos, às vezes em até 27% dos indivíduos de uma população da mesma espécie. 1999 (29 de setembro) - O secretário de Justiça de Pernambuco, Humberto Vieira de Melo, decide que detentos e detentas podem receber a visita de parceiros do mesmo sexo para encontros conjugais em todo o sistema penitenciário do Estado. Ele resolveu deferir o pedido depois que o jardineiro Jonas José dos Santos, condenado a 40 anos, requereu oficialmente à Ouvidoria do Sistema Penitenciário do Estado que lhe permitisse receber o companheiro Arnaldo Guilhermino dos Santos, "para visitas e pernoites". 1999 (13 de outubro) - A França aprova o chamado Pacto de Solidariedade Civil, uma polêmica lei que concede mais direitos a casais não-casados, sejam heterossexuais ou homossexuais. 1999 (24 de outubro) - Projeto do deputado federal Nilmário Miranda (PT-MG) prevê alteração da Lei 7716, definindo como crime também a discriminação contra homossexuais, da mesma forma como atualmente o são os atos de preconceito contra a raça, cor, etnia, religião e procedência nacional. 1999 - Site da internet de conteúdo nazista, hospedado no provedor StarMedia, coloca no ar 18 receitas para confecção de bombas caseiras. O site fornece detalhes sobre como montar as bombas além de orientar seus autores a evitar acidentes. Há ainda um "manual do terrorista" ensinando como se comportar e não deixar pistas de seus atos. Entre diversos ataques a negros, judeus, homossexuais e nordestinos, a página faz apologia a Adolf Hitler e traz fotos do líder alemão junto com imagens de judeus mortos. 1999 (2 de dezembro) - Ativistas gueis dos grupos Arco-íris e Atobá entram na Justiça pedindo a revogação da portaria 1376/93, do Ministério da Saúde, que regulamenta a doação de sangue. Eles consideram a norma preconceituosa por impedir que pessoas dos chamados "grupos de risco" doem sangue. Os grupos também vão pretendem processar o Instituto Estadual de Hematologia Hemo-Rio, por discriminar homossexuais que se oferecem como voluntários. 2000 - O INSS concede o direito previdenciário de pensão aos parceiros gueis por falecimento ou detenção, iniciativa do grupo Nuances de Porto Alegre. 2000 (21 de janeiro) - É lançado o livro "Violação dos Direitos Humanos e Assassinatos de Homossexuais no Brasil", feito pelo Grupo Gay da Bahia, GGB, com o patrocínio da Unesco e entidades alemãs. Segundo denuncia a publicação, o Brasil é campeão mundial em assassinatos de gueis e São Paulo o Estado onde mais se mata homossexuais. De acordo com o levantamento do GGB, que serve de base para o livro, em 1999 foram assassinados no País 169 gueis, travestis e lésbicas. Em 1998 foram 116 mortes. Para se ter uma idéia de como esse número é alarmante, nos Estados Unidos, ocorreram nos últimos dois anos 150 casos de assassinatos de homossexuais. Das 169 mortes de 1999, 31 foram em São Paulo, 26 em Pernambuco e 19 no Rio de Janeiro. 2000 (06 de fevereiro) - É assassinado Edson Neris da Silva, 35 anos, quando passeava de mãos dadas com o amigo Dario Pereira Netto, 34 anos, na Praça da República em São Paulo. Os dois foram surpreendidos por uma gangue de skinheads da organização neonazista auto denominada Carecas do ABC. Atacados, Dario consegue escapar em busca da polícia, mas Neris é linchado pelo grupo. Ele chegou a ser socorrido, mas faleceu antes de chegar ao hospital. 2000 (22 de fevereiro) - O bancário brasileiro Joaquim de Abreu de 47 anos, vítima de um atentado cometido por quatro skinheads em São Paulo, pede asilo nos EUA. A Corte de Imigração de São Francisco, na Califórnia, em audiência prevista para o dia 20 de março, ficaria de decidir sobre a concessão do asilo. Ele é garçom num restaurante e milita no movimento guei da cidade. No pedido de asilo, os advogados de Abreu descrevem o Brasil como "uma sociedade homofóbica que não pode garantir a segurança dos cidadãos". A juíza Beverly Philips aceitou a inclusão nos autos de um relatório sobre o assassinato de Édson da Silva, morto por skinheads dia 6 na Praça da República, para subsidiar sua decisão. O pedido de asilo é sustentado pela Comissão de Direitos Humanos da influente ONG americana International Gays and Lesbians. 2000 (28 de fevereiro) - O vice-presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, desembargador Francisco de Assis Figueiredo, ao proferir palestra na aula inaugural do curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), defendeu a legalização da união de pessoas do mesmo sexo no País, na forma do projeto apresentado no Congresso pela deputada Marta Suplicy e lamentou que a própria parlamentar tenha retirado o projeto. Ele lembrou que o Tribunal de Justiça de São Paulo já teve vários acórdãos, em que é reconhecida a legitimidade da união de homossexuais. 2000 (7 de abril) - O Superior Tribunal de Justiça decide que companheiro de funcionário homossexual da Caixa Econômica Federal, portador do vírus HIV, pode ser incluído como dependente no Plano de Assistência Médica Suplementar da CEF. Em 1996, o juiz Roger Raupp Rios, da 10 Vara Federal de Porto Alegre, ordenou que o convênio cobrisse o atendimento médico prestado ao companheiro do titular. Na época, o casal vivia junto há cerca de sete anos. O funcionário da CEF á estava aposentado por ser portador do HIV. 2000 (9 de abril) - Governo propõe Projeto de Lei para reforma o Código Penal, instrumento jurídico mais importante do país depois da Constituição. Elaborado por um grupo de juristas designado pelo Ministério da Justiça, entre outros temas ele legitima a relação entre homossexuais e seria a primeira grande reforma desde que o Código Penal foi editado, em 1941. 2000 (12 de maio) - Em Juiz de Fora, Minas Gerais, é aprovada a Lei Municipal 9791/2000 que garante aos homossexuais o direito de manifestar sua afetividade em locais públicos. 96 2000 (15 de maio) - No Rio de Janeiro é aprovada, mas não sancionada, a Lei Estadual 3406, que estabelece penalidades aos estabelecimentos que discriminem pessoas em virtude de sua orientação sexual. 2000 (01 de junho) - O clube SoGo Disco Bar, uma casa noturna GLS, que situa-se na região dos Jardins, em São Paulo, é invadida por policiais civis tendo como pretexto a suspeita de que a casa seria "lugar de prostituição e drogas". A partir de tal presunção, sem flagrante, o prédio é cercado por três viaturas. Os policiais teriam se apropriado de garrafas de água mineral e abusado de violência física e verbal, humilhando os clientes com frases como: "Os gueis são a vergonha do mundo". 2000 (09 de junho) - Homossexuais brasileiros conquistam direito à pensão no INSS. A Instrução do INSS é resultado de uma decisão do Tribunal Regional Federal que manteve a liminar concedida pela juíza federal da 3º Vara Previdenciária de Porto Alegre, Simone Barbisan Fortes. A ordem impede a discriminação de homossexuais no caso de pagamento de auxílio-reclusão e pensão por morte de companheiro do mesmo sexo. 2000 (14 de junho) - A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulga não mais se opor ao uso do preservativo, pelo menos entre prostitutas e homossexuais. A decisão foi anunciada durante o 1 Encontro sobre DST-Aids promovido pela Pastoral da Saúde, em Idaiatuba (SP), e sacudiu a comunidade religiosa criando polêmica na igreja e recebendo elogios do grupo de apoio e prevenção da aids (Gapa). A igreja ressalta que a melhor maneira de se evitar a doença é adotar um comportamento ético e sem vícios. O texto do panfleto que seria distribuído para paróquias diz que: "se você não aceita estes ideais ou tem dificuldades em vivê-los, as recomendações da medicina são: evitar o uso comum de seringas, evitar relações sexuais sem preservativo e evitar transfusões sem conhecer a procedência do sangue". No entanto, o presidente do Pontifício Conselho da Pastoral da Saúde da Santa Sé, monsenhor Javier Lozano Barragán critica a posição pessoal de alguns bispos sobre o assunto e desautoriza setores da Igreja Católica a admitem o uso da camisinha como meio de evitar a contaminação pelo vírus HIV. 2000 (10 de fevereiro) - Na Câmara dos Comuns, na Inglaterra, é aprovada a redução da maioridade dos homossexuais de 18 anos para 16 anos, colocando-os no mesmo plano dos heterossexuais que para relações sexuais nesta idade são considerados maiores naquela idade. 2000 (20 de abril) - Edimburgo, recebe a primeira delegacia de polícia do Reino Unido para homossexuais, com agentes especialmente treinados para atender as vítimas de delitos homofóbicos. 2000 (29 de abril) - Animados com a lei de união civil entre homossexuais aprovada no Estado de Vermont (EUA), milhares de casais homossexuais se reúnem nos degraus do Lincoln Memorial para uma gigantesca cerimônia de casamento coletiva. A manifestação é uma tentativa de pressionar a opinião pública a estender o direito às uniões civis entre gueis a todo o país. Cerca de mil casais homossexuais trocam alianças e votos diante de amigos e parentes como parte do protesto de final de semana pelos direitos de gueis, lésbicas e bissexuais que culminará, no dia seguinte, com a Marcha do Milênio. 2000 (10 de junho) - Em entrevista ao pequeno jornal de Milão "Il Foglio", o padre italiano Gianni Baget Bozzo defende uma "homossexualidade casta" e reconhece ter experimentado sentimentos homossexuais. declara que "dando ênfase à castidade, a Igreja pode admitir a homossexualidade". 2000 (01 de janeiro) - Começa a vigorar na Bélgica uma lei aprovada em 1998 que permite a união de pessoas do mesmo sexo. 2000 (24 de junho) - Cerca de 350 mil homossexuais participam em Berlim do tradicional desfile do Christopher Street Day. O desfile, sob o lema "nossa diversidade avança", parte de Kurfuerstendamm, a avenida comercial de Berlim ocidental, até a entrada de Brandeburgo, no centro da cidade. Os manifestantes desfilam dançando e cantando, acompanhados por 80 carros de som. Alguns com roupas mínimas, outros vestidos de lantejoulas e adornos de plumas. Gueis, lésbicas e travestis se reunirão ontem à noite em torno da coluna da Vitória, no centro da capital, para continuar a festa, acompanhados por uma queima de fogos com as cores do arco-íris, símbolo do movimento guei. 2000 (24 de junho) - Paris celebra o Dia do Orgulho Guei e a tradicional manifestação é realizada com a participação de políticos de direita e esquerda, entre os quais o candidato socialista à Prefeitura de Paris, Bertrand Delanoe, homossexual declarado. Os jornais parisienses divulgam uma pesquisa informando que aumenta na França a tolerância para com os homossexuais. Segundo o trabalho, mais da metade dos franceses, precisamente 56%, revelaram que viveriam sem traumas se tivesse um filho homossexual. Há cerca de cinco anos, em resposta à mesma questão, a porcentagem era de 41%. 2000 (25 de junho) - Mais de 120 mil pessoas saem pelas avenidas centrais de São Paulo para celebrar o seu amor, na 4ª Parada do Orgulho GLBT, genericamente conhecida como Parada Guei. 2000 (28 de junho) - Os atos de intercurso sexual entre dois homens adultos que não envolvam dinheiro deixam de ser considerados crimes, de acordo com o Código Criminal aprovado no Azerbaijão a ser efetivado em setembro. Quando o país fazia parte da União Soviética o artigo 133 previa pena de 3 anos de prisão por tais atos. De acordo com o artigo 150 do Código Criminal do país somente a sodomia forçada continua crime. As modificações fizeram parte de uma série de medidas exigidas pela Comunidade Européia para que o país fosse aceito como integrante. Sob a lei antiga, os gueis tinham freqüentemente que oferecer dinheiro à polícia para não serem presos. Na Europa, ainda restam três países onde a sodomia é crime: Armênia, Bosnia Herzegovina e 97 Chechênia. 2000 (01 de julho) - Começa a vigorar, assinada em abril pelo governador do Estado de Vermont (EUA), Howard Deam, a lei de união civil entre homossexuais, que garante 300 direitos, entre os quais os de assistência médica, herança e pensão em caso de morte de um dos membros. 2000 (14 de julho) - Na Arábia Saudita três homens são condenados e decapitados por práticas homossexuais e pedofilia. Os juízes consideraram que eles violaram a Shari'a, a severa lei islâmica. O Ministro do Interior, em nota enviada aos jornais, declarou que o tribunal os considerava culpados de "cometer a obscenidade extrema da homossexualidade e imitar mulheres". Além deles, outros 3 homens também tinham sido sentenciados à morte 3 dias antes, culpados das mesmas acusações. 2000 (29 de julho) - A Corte Européia de Direitos Humanos condena a Grã-Bretanha a pagar uma indenização de cerca de US$ 50.000 a um homem guei para cobrir as custas do processo e danos morais por sentenciá-lo com base numa legislação que discrimina homossexuais. De acordo com o Ato de Ofensas Sexuais da Grã-Bretanha, sexo entre gueis não é permitido quando feito por mais de duas pessoas, não importa o local. 2000 (08 de agosto) - Em Belo Horizonte a Justiça concede guarda provisória de criança ao casal de homossexuais constituído pelo cabeleireiro Jarbas Santarelli Porto e o pedreiro José Geraldo Dias de 34 e 29 anos respectivamente. No pedido encaminhado ao juiz, o casal de homens preferiu não omitir a opção sexual. Assim como muitos casais que procuram a Justiça com o mesmo propósito, se submeteram a um detalhado estudo social. A conclusão norteou a inovadora e corajosa decisão do magistrado. "A menor tem sido tratada como uma princesa, além do grande afeto e amor que demonstram por ela", definiu a assistente social que acompanhou o cotidiano da família. Os dois dividem o mesmo teto há 13 anos. Um desentendimento os separou durante algumas semanas, período em que o pedreiro, pai biológico da menina, engravidou a empregada doméstica Ilma Ogando. 2000 (17-19 de agosto) - Realiza-se o "III Juiz de Fora Rainbow Fest". Ele passa a ser o carro chefe de uma organização séria que já nasce vitoriosa: o MGM - Movimento Guei de Minas - organização social que surge a partir do evento e que tem como objetivo o combate à discriminação e ao preconceito contra os gueis, além de promover a cidadania dos homossexuais e a luta pelos seus direitos. 2000 (22 de agosto) - É lançada a 3º edição do histórico livro Devassos no paraíso. Ampliada e modificada, a obra pioneira de João Silvério Trevisan é considerada a referência mais completa para o conhecimento da história da homossexualidade no Brasil. 2000 (12 de setembro) - Há muito tempo na vanguarda dos direitos dos homossexuais, a Holanda aprova uma lei que converte "a relação entre pessoas do mesmo sexo" em casamento completo, com direito a divórcio e adoção de filhos. O projeto foi aprovado no Parlamento por 107 votos a 33. 2000 (19 de setembro) - Um manifesto assinado pelo "Movimento em Defesa da Família Cristã", publicado no jornal Diário do Rio Doce, de Governadores Valadares MG, pede que os evangélicos não votem no candidato a prefeito João Domingos Fassarela (PT). Algumas semanas antes, cerca de três mil panfletos assinados pelo mesmo movimento foram encontrados em um galpão do comitê do candidato Bonifácio Mourão (PMDB) e apreendidos pela Justiça. Os panfletos traziam foto de um casal homossexual se beijando logo abaixo da inscrição: "É isso que o PT quer para as nossas famílias. Diga não a essa aberração". 2000 (24, 25 e 26 de setembro) - Realizado em Belo Horizonte, o I Encontro Estadual de Lésbicas, Bissexuais e Simpatizantes, com o apoio de diversos órgãos públicos e entidades, entre as quais, o Ministério da Saúde, a Secretaria de Estado da Saúde, o Sindicato dos Bancários, Sind-UTE e a Astrea Foundation. 2000 (outubro) - 24 gueis assumidos disputam as eleições para vereador em 13 estados brasileiros, numa ação em bloco pioneira no País. O único vereador homossexual assumido já eleito era a travesti Kátia Tapeti, do município de Colônia, Piauí (cabo eleitoral do senador Hugo Napoleão, do PFL), que disputou a sua terceira eleição consecutiva. Os gueis defenderam três pontos principais em suas plataformas: a defesa dos direitos humanos, a distribuição grátis de preservativos e a educação sexual nas escolas. Não houve preocupação ideológica dos candidatos, inscritos em 11 partidos de todas as tendências políticas, embora somente o Partido dos Trabalhadores e o Partido Verde defendam declaradamente os direitos dos homossexuais. 2000 (9 de novembro) - O juiz da 2º Vara de Fazenda Estadual de Minas Gerais, Pedro Carlos Bitencourt Marcondes, determina a reintegração do soldado da Polícia Militar que havia sido surpreendido em agosto de 1977 beijando um homem na boca durante um baile de gueis, em Juiz de Fora MG, o que motivou a sua exclusão da Polícia Militar. Em sua sentença, o juiz Marcondes ressalta que a "homossexualidade deixou de ser considerada crime há muito tempo, haja vista decisões judiciais reconhecendo direitos do parceiro homossexual sobrevivente à indenização pelo tempo de vida em comum e o deferimento da guarda de criança a homossexuais". Segundo o magistrado, "em face aos direitos e garantias individuais existentes no nosso ordenamento jurídico, não se pode fazer discriminação pelo sexo, tampouco pela opção sexual das pessoas". Além de anular o ato de exclusão, Marcondes determinou que o Estado pague os vencimentos que o soldado deixou de receber no período. Mas a sentença ainda terá que passar pela revisão obrigatória do Tribunal de Justiça por envolver o Estado. As circunstâncias da exclusão do soldado, acabou gerando também um puxão de orelha do magistrado em relação à manutenção de outros empregos por integrantes da corporação, o que é 98 vedada pela lei. Ele afirma que quando foi visto na boate, o militar "estava à paisana, em um baile guei e neste tipo de ambiente, beijar um homem é comum, é aceito e aplaudido". No entanto, se o soldado foi reconhecido por colegas militares que faziam a segurança da boate, eles estavam em "lugar errado". Mesmo tendo determinado a reintegração do soldado, considerado exemplar em sua ficha funcional, o juiz Bitencourt Marcondes não aceitou as alegações dele de que não teve direito à ampla defesa. 2000 (12 de novembro) - O Ministério da Justiça apóia a criação de uma rede nacional de proteção aos homossexuais. Uma das principais ações do projeto seria a implementação de cursos especializados para policiais civis e militares com o objetivo de estimular uma conduta mais respeitosa com os gueis. O anúncio foi feito pelo assessor especial da Secretaria de Direitos Humanos do Ministério, Ivair dos Santos, durante a II Conferência da América Latina e Caribe da Associação Internacional de Gueis e Lésbicas. A rede de proteção é desenvolvida em parceria com a Associação Brasileira de Gueis e Lésbicas. 2000 (15 de novembro) - A ex-deputada Marta Suplicy (PT), autora do projeto de parceria civil entre pessoas do mesmo sexo, é eleita prefeita da cidade de São Paulo com grande votação. O adversário Paulo Maluf tentou, sem sucesso, usar a homofobia como meio de criar uma rejeição da população à adversária. 2000 (2 de dezembro) - Aprovada na Alemanha, pela Câmara Alta do Legislativo (Bundesrat), Lei que permite que casais de pessoas do mesmo sexo tenham direitos e deveres semelhantes aos pares heterossexuais. Com a iniciativa - que partiu da coalizão que sustenta o governo - milhares de homossexuais passaram a ter o direito de herança, de adoção do sobrenome do parceiro e de uma pequena tutela para administrar o cotidiano dos filhos que os companheiros trouxerem para a união. Eles só não podem adotar filhos. Os homossexuais podem, porém, trazer para a Alemanha seus parceiros estrangeiros. Esta lei significa uma grande conquista para os homossexuais, considerando que até o final dos anos 60 eles ainda eram condenados a penas de prisão por perversão sexual. 2000 (dezembro) - O Parlamento Federal da Alemanha decide por unanimidade reabilitar efetivamente as vítimas homossexuais do nazismo. Segundo as estimativas, durante o regime nazista foram promulgadas cerca de 500 mil condenações por motivos políticos, militares, religiosos, racistas e ideológicos. Os tribunais militares condenaram à morte mais de 30 mil desertores da Wehrmacht, o Exército de Hitler. Cerca de 50 mil homens foram presos e torturados por homossexualismo na Alemanha nazista, sendo que 15 mil foram arrastados aos campos de concentração. As lésbicas não foram perseguidas. Em 2000 restavam cerca de 300 sobreviventes. 2000 (13 de dezembro) - Aprovado em 2º turno, pela Câmara Municipal de Belo Horizonte o Projeto de Lei nº 1672/2000, de autoria do vereador Leonardo Matos (PV), que estabelece penalidades aos estabelecimentos comerciais que discriminarem pessoas em virtude de sua orientação sexual, adotando atos de coação e violência. Este é o primeiro projeto de Lei a dar garantias concretas de direitos aos homossexuais de Belo Horizonte. 2000 - O censo demográfico revela que a sociedade brasileira ainda tem muito a evoluir. A opção sexual dos brasileiros é desconsiderada, a contagem dos negros é questionada e os mendigos passaram em branco nas perguntas. O silêncio da pesquisa ao deixar de questionar a orientação sexual, irá dificultar a elaboração de políticas de assistência social e a superação de preconceitos contra os homossexuais no País. 2000 - Anwar Ibrahim, ex-vice-primeiro-ministro da Malásia é condenado a nove anos de prisão sob a acusação, feita pelo primeiro-ministro Mahahtir Mohamad, de "praticar sodomia com outros homens". 2001 (19 de janeiro) - O Prefeito de Belo Horizonte Célio de Castro (PSB) veta a Proposição de Lei nº 1.094/00 originada do Projeto de Lei nº 1672/2000, de autoria do vereador Leonardo Matos (PV). O projeto de lei previa a imposição de penalidade para estabelecimento que discriminasse pessoas em virtude de sua orientação sexual. O prefeito considerou a proposição inconstitucional por tratar de matéria de competência da União e alegou que o município não tinha condições de apurar a infração à lei. No entanto, na época já existiam em outros municípios brasileiros legislações semelhantes. 2001 (29 de janeiro) - Pressionado por representantes das entidades gueis de Belo Horizonte, que pretendiam ir às ruas protestar contra o veto à proposição de Lei nº 1.094/00, o Prefeito de Belo Horizonte, Célio de Castro (PSB), solicita à Procuradoria Geral do Município a revisão das justificativas apontadas para o veto e considera, ao decidir sancioná-la, o 'interesse coletivo que deve pautar as decisões do poder público no estado democrático de direito'. De acordo com a nota, a revisão do veto fundamentou-se ainda no amparo legal no momento em que o processo legislativo encontrava-se paralisado em função do recesso da Câmara Municipal. 2001 - Cláudio Nascimento, do Grupo Arco Íris e ABGLT participa da comitiva oficial do Governo Brasileiro na conferência contra o racismo e xenofobia na África do Sul. 2001 - É fundada a Associação Nacional de Travestis (Antra). 2001 - É realizado em Maceió o X Encontro Brasileiro de Gays, Lésbicas e Travestis. 2001 (janeiro) - José Cláudio de Araújo (PMDB), homossexual assumido, toma posse na prefeitura de Paraty no Estado do Rio de Janeiro. 2001 ( janeiro) - Fundada em São Paulo a Associação dos Empresários Gueis de São Paulo (AEG). 2001 ( janeiro) - Criado em Brasília o Disque Cidadania Homossexual, que atende pelo telefone 0800-611024. 2001 (13 de fevereiro) - Caso Neris: Acontece o primeiro julgamento no Brasil de um caso envolvendo crime de ódio, tese defendida pelo Promotor Marcelo Milani, do Ministério Público. Foram julgados dois dos acusados 99 pelo homicídio ocorrido no dia 06 de fevereiro de 2000, do adestrador de cães Edson Neris da Silva. O Promotor foi enfático na defesa da homossexualidade de Edson e de seu companheiro Dário e na caracterização da intolerância contra os homossexuais, transformada em crime de ódio. Juliano Filipini Sabino e José Nilson Pereira da Silva foram considerados culpados pelo júri popular e condenados a pena em regime fechado de 19 anos por homicídio triplamente qualificado – motivo torpe, crueldade dos métodos e recurso para dificultar a defesa da vítima, e 2 anos por formação de quadrilha. Em sua sentença o juiz Luis Fernando Camargo de Barros Vidal afirmou: "Dois homossexuais têm o direito de andar de mãos dadas tanto quanto dois carecas, com suas cabeças raspadas, roupas e bijuterias exóticas.". 2001 (14 de março) - A 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, em Porto Alegre profere decisão reconhecendo a uma união de homossexuais os mesmos direitos conferidos à união estável, deferindo a meação ao companheiro, não como uma Sociedade de Fato mas a uma sociedade de afeto. Diz o texto da justiça: "Não se permite mais o farisaísmo de desconhecer a existência de uniões entre pessoas do mesmo sexo e a produção de efeitos jurídicos derivados destas relações homoafetivas. Embora permeadas de preconceitos, são realidades que o Judiciário não pode ignorar, mesmo em sua natural atividade retardatária. Nelas remanescem conseqüências semelhantes às que vigoram nas relações de afeto, buscando-se sempre a aplicação da analogia e dos princípios gerais do direito, relevados sempre os princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade.". 2001 (março) - A Igreja Presbiteriana Unida Bethesda, no Rio de Janeiro, celebra o primeiro casamento homossexual realizado em uma igreja no Brasil. 2001 (março) - Bertrand Delanoë, homossexual assumido, é eleito prefeito de Paris. 2001 (15 de março) - Aprovada em Portugal a lei que estende aos casais homossexuais os mesmos direitos reconhecidos às "uniões de facto" heterossexuais, porém não atribuindo direitos novos aos casais gueis. O processo iniciou-se em 1997 quando o lider da JS, Sérgio de Sousa Pinto, levantou a questão no Parlamento. Posteriormente, durante a revisão constitucional portuguesa, os Verdes tentaram sem êxito introduzir na Lei Fundamental do país o direito à não discriminação em razão da orientação sexual. 2001 (01 de abril) - Em um fato pioneiro no mundo, entra em vigor na Holanda lei que torna acessível o matrimônio civil aos casais do mesmo sexo. A comunidade guei da Holanda conta nesta data com cerca de 400 mil integrantes. 2001 (23 de abril) - O americano Scott Evertz, 38 anos, em um feito inédito na história dos Estados Unidos, toma posse como diretor do Departamento Nacional de Política contra a Aids, tornando-se o primeiro guei assumido em um alto cargo na Casa Branca. A indicação feita pelo presidente George W. Bush é uma decorrência de sua militância como líder da ala homossexual do Partido Republicano. 2001 (abril) - O cardeal-arcebispo emérito de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, concede uma entrevista em que responde à seguinte pergunta: "Como o senhor vê o papel da Igreja Católica em relação aos homossexuais, principalmente entre os adolescentes que ainda estão se assumindo, que têm muita preocupação de ir para o Inferno?" Don Paulo responde assim: "Você está apoiando uma tese em que a Teologia se mistura com a Ciência. Eu acho que os dois têm que andar no seu caminho. O homossexualismo tem de ser estudado e aprofundado pela Psicologia, pelo estudo do próprio corpo, em um trabalho em todas as universidades, em todo o mundo. Depois é que a Igreja devia ajudar, em primeiro lugar a animar o estudo, o que significa para uma pessoa ser homossexual. Depois a Igreja pode entrar para ajudar essas pessoas a não serem infelizes, a não serem perseguidas por um, amadas por outros, a passar pelo Mar Vermelho. Eles estão sendo ameaçados por ondas e essas ondas são contrárias a toda evolução da Ciência e a evolução da Igreja.". 2001 (maio) - O Instituto Nacional do Seguro Social amplia a resolução que prevê o pagamento de pensão a viúvos de casamentos homossexuais, agora também extensivo a membros de casais formados antes de outubro de 2000. 2001 (maio) - A Congregação para a Doutrina da Fé da Igreja Católica convence o teólogo espanhol Marciano Vidal García, ex-diretor do Instituto Superior de Ciências Morais de Madri e professor de teologia moral da Universidade Pontifícia de Comillas, a reelaborar seus escritos. A respeito do homossexualismo, Vidal havia alegado que "não cabe à reflexão moral criar instâncias - que seriam fictícias - de juízo absolutório ou condenatório". Segundo ele, "a tarefa é a de iluminar as pistas de uma autêntica realização humana, partindo da condição homossexual". Em seu "Dicionário de Moral", diz: "Como entender então a homossexualidade? Nem como doença nem como simples variante da sexualidade, mas como a condição sexual - não doença - de uma pessoa que parou no processo de diferenciação... A condição sexual não inclui, per si, nenhum traço de patologia somática ou psíquica". 2001 (09 de maio) - A a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) reage à votação do projeto de lei n°1.151/95, de autoria da ex-deputada Marta Suplicy (PT). O projeto estava pronto para ir a votação na forma do substitutivo do deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ), garantindo direitos de herança e previdência a casais do mesmo sexo. Incluído na pauta da Câmara dos Deputados pelo presidente da Casa, Aécio Neves (PSDB-MG) o projeto acabou não sendo apreciado e votado. A CNBB enviara a todos os 513 deputados uma carta em que falava do "perigo" de uniões "antinaturais". A carta, tinha sido assinada pelo secretário-geral da CNBB, d. Raymundo Damasceno Assis, e pelo bispo responsável pelo setor Família e Vida da entidade, d. 100 Aloysio José Leal Penna. 2001 (junho) - Klaus Wowereit, homossexual assumido, é eleito prefeito de Berlim. 2001 (junho) - São divulgados os números do censo 2000 nos Estados Unidos revelando que mais de 3.500 casais do mesmo sexo moram em Washington - um aumento de 66% em relação ao Censo de 1990. Cerca de três quartos vivem fora da vizinhança do Dupont Circle, que há muito é conhecida como o centro da vida guei na capital. Os números também cresceram significativamente em dez Estados cujos dados foram divulgados: mais de 700% em Delaware e Nevada; mais de 400% em Vermont, Indiana, Louisiana e Nebraska; e mais de 200% em Connecticut, Illinois, Massachusetts e Montana. A nova informação não engloba toda a população guei, mas oferece uma mostra dos gueis e lésbicas que chegaram a um acordo para dividir os afazeres domésticos. O censo revela que eles normalmente vivem em grandes cidades, cidades costeiras, capitais de Estados e comunidades universitárias. Os números do censo de Washington, segundo pesquisadores, também refletem um padrão típico no qual os gueis homens são mais encontrados em áreas cêntricas e as lésbicas, nos subúrbios. Segundo especialistas, os aumentos refletem mais uma mudança de atitude do que um crescimento no número de casais gueis. 2001 (junho) - A Bélgica torna-se o segundo país do mundo, depois da Holanda, a aprovar parceria civil entre pessoas do mesmo sexo. 2001 (11 de junho) - Um catecismo escrito pelo influente teólogo britânico, Edward Norman, do arcebispado de York, com um prefácio do bispo de York, monsenhor David Hope, segunda autoridade na hierarquia da Igreja Anglicana, afirma que a homossexualidade pode não ser um estado lamentável e sim obra de Deus, tendo aspectos positivos. O texto afirma ainda que é necessário encorajar os cristãos homossexuais a encontrar em sua preferência sexual elementos de beleza moral, que melhorem sua compreensão geral da mensagem de Cristo. Apesar disso, o porta-voz da Igreja Anglicana, Steve Jenkins, negou que o catecismo tenha sido aprovado. "Este texto não tem caráter oficial, como não teria um romance que eu decidisse escrever", acrescentou Jenkins. A posição oficial da Igreja Anglicana, segundo um documento redigido em 1991, é que a homossexualidade não é um estado que corresponde ao ideal divino, mas que apesar disso os homossexuais são bem-vindos na comunidade cristã. Pelas conclusões da última conferência episcopal, os atos homossexuais são incompatíveis com as escrituras e os homossexuais devem adotar a abstinência, assim como os sacerdotes são convocados a evitarem qualquer relação homossexual. O texto foi adotado por iniciativa do chefe da Igreja Anglicana, o arcebispo de Canterbury, monsenhor George Carey. Apesar disso, o catecismo de Norman afirma que em geral a homossexualidade não é escolhida, mas determinada no nascimento ou em episódios da infância. A Igreja Anglicana não se pronunciou oficialmente sobre este aspecto do assunto, alegando falta de informações científicas claras. 2001 (22 de junho) - Homossexuais palestinos da Cisjordânia furaram o cerco do Exército de Israel para participar do Dia da Parada do Orgulho Guei, em Tel-Aviv. Vários foram bloqueados nas estradas. Vestido de preto, um grupo marchou ao lado de israelenses que protestavam contra a ocupação na Cisjordânia e Faixa de Gaza, sob o slogan "Não há orgulho em oprimir os outros" e "Não temos orgulho da ocupação militar". Um advogado de Ramallah, que não quis dar seu nome, disse que os gueis, por serem oprimidos, conseguem buscar pontos em comum. Ele trazia um cartaz dizendo "Guei e palestino: liberdade duas vezes negada". 2001 (17 de junho) - Em São Paulo, a 5º Parada do Orgulho Guei reúne aproximadamente 200.000 pessoas. 2001 (24 de junho) - Em Porto Alegre, cerca de 10.000 pessoas acompanharam a V Parada Livre do Orgulho Guei, que lotou o parque da Redenção. Em Curitiba foram 2.000 pessoas e em Brasília 1.000 participantes. 2001 (08 de julho) - É realizada em Belo Horizonte, organizada pelos principais movimentos homossexuais de Minas, a 4ª Marcha do Orgulho Guei. Houve recorde de público em comparação aos anos anteriores. Cerca de 3.000 pessoas, segundo dados da Polícia Militar, seguiram em passeata da Praça 7 até a Praça da Liberdade. A concentração começou às 9h da manhã, com várias apresentações culturais durante todo o dia. Com quatro carros de som, faixas e muitos transformistas, a marcha seguiu pela Avenida Afonso Pena, Rua da Bahia e Rua Gonçalves Dias, até chegar à Praça da Liberdade, onde foi realizado o show de encerramento com cantores GLS (gueis, lésbicas e simpatizantes). 2001 (18 de julho) - A Corte constitucional alemã valida a lei que instaura um contrato de vida em comum para os homossexuais, rechaçando um recurso apresentado pelos Estados regionais da Baviera (Sul) e Saxônia (Leste), que queriam bloquear sua aplicação. A lei, aprovada em dezembro de 2000 pelo Parlamento alemão entra em vigor, como estava previsto, no dia 1º de agosto. De acordo com a nova lei, cada membro do casal homossexual poderá, se o desejar, adotar o sobrenome do outro. A lei também estabelece questões em matéria de herança, doações, impostos imobiliários, seguros de enfermidade e desemprego. 2001 (19 de julho) - O governo romeno aprova um decreto pelo qual deixam de ser crime as relações homossexuais entre adultos que consintam com elas, informaram fontes governamentais. Esse decreto derrubou um artigo do código penal que previa penas de até cinco anos de prisão para quem mantivesse relações homossexuais, se ocorressem "em público ou se causassem escândalo público. Em sua nova versão, o código penal romeno pune as relações sexuais com menor do mesmo sexo ou do sexo oposto, assim como o estupro, sem levar em conta o sexo da vítima. A União Européia e o Conselho da Europa tinham criticado energicamente 101 as penas contra os homossexuais e reprovaram Bucareste por não respeitar as normas em matéria de direitos humanos. 2001 (agosto) - O pesquisador britânico Alan Bray, professor do Birkbeck College, da Universidade de Londres, revela que a Igreja Católica sancionava e abençoava relações entre pessoas do mesmo sexo, desde a Idade Média até o século XIX. Para isso, Alan fez uma pesquisa em várias tumbas, que com suas inscrições mostram vários casais que quiseram ser enterrados juntos, jurando amor eterno. Segundo o pesquisador, mesmo que não se possa provar que todos eram amantes, alguns deles o seriam e a Igreja Católica fazia vista grossa. Na capela do colégio Gonville e Caius, por exemplo, um memorial de 1619 mostra Thomas Legge e John Gostlin com o coração em chamas, e sobre eles duas mãos com uma inscrição latina, que pode ser traduzida por: "O amor os uniu na vida. Que a terra os una em seu sepultamento". Ó Legge, o coração de Gostlin você ainda o carrega contigo" 2001 (14 de agosto) - Caso Neris: O 1º Tribunal do Júri do Fórum da Barra Funda em São Paulo condena a 3 anos e 4 meses em regime de prisão domiciliar o skinhead Jorge Conceição Soler, de 21 anos, acusado de participar do assassinato do adestrador de cães Edson Neris da Silva em 6 de fevereiro de 2000. Soler foi sentenciado por 7 votos a 0 por crimes de formação de quadrilha e tentativa de homicídio do companheiro de Silva, Dário Pereira Neto. A pena, no entanto, foi reduzida a 1 ano e 8 meses, em prisão domiciliar, pois o réu colaborou com a policia e já estava preso. O terceiro julgado, Marcelo Pereira Martins, de 21 anos, foi absolvido da acusação do assassinato, mas culpado por formação de quadrilha e recebeu liberdade provisória. 2001 (agosto) - O Grupo Arco-Íris inaugura, no estado do Rio de Janeiro, o primeiro departamento jurídico gratuito de defesa dos direitos dos homossexuais. 2001 (agosto) - É transmitido pela MTV o programa Fica Comigo guei, onde é exibido na TV o primeiro beijo entre gueis no Brasil. 2001 (agosto) - É realizado o IV Juiz de Fora Rainbow Fest, o maior fórum de debates sobre a homossexualidade no Brasil. 2001 (07 de setembro) - O Canadá torna-se o primeiro país do mundo a estrear um canal de TV paga com programação voltada a homossexuais, lésbicas, bissexuais e transexuais. O PrideVision estreou via cabo e satélite, exibindo 24 horas diárias de programação sobre viagens, esporte, finanças, música, culinária, além de séries e filmes com temas homossexuais. 2001 (23 de outubro) - A justiça de Minas Gerais em sentença proferida pelo Juiz da Vara Criminal e Menores da Comarca de Santa Luzia, na região metropolitana de Belo Horizonte, concede ao casal homossexual José Geraldo Dias e Jarbas Santarelli Porto o direito de criar e educar uma menina de dois anos, filha de Dias com a empregada doméstica Ilma Ogando. Ele relacionou-se sexualmente com a empregada durante uma crise conjugal com o parceiro, com quem vive há 15 anos. O juiz Marcos Henrique Caldeira Brandt baseou sua decisão em pareceres favoráveis do Conselho Tutelar. É o reconhecimento da paternidade guei. Porém a decisão ainda não fora confirmada em segunda instância e poderia ser reformada por um tribunal superior. 2001 (outubro) - Começa a funcionar em São Paulo a primeira Defensoria Homossexual do Brasil cujo telefone é: (11) 276-9249. 2001 (05 de novembro) - É sancionada pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) a lei 10948 que pune a discriminação contra orientação sexual no estado de São Paulo. O projeto de lei é de autoria do deputado Renato Simões (PT) e prevê multa de até R$ 29.490,00 a toda empresa, organização social e cidadão que submeterem gueis, lésbicas, bissexuais ou transgêneros a qualquer tipo de discriminação. Empresas e organizações podem ter, ainda, a suspensão ou mesmo cassação da licença estadual para funcionamento. Para que a pessoa física ou jurídica seja punida, a pessoa discriminada deve encaminhar a denúncia através de carta, telegrama, e-mail ou fax para à Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania e/ou às organizações não governamentais de defesa da cidadania e direitos humanos. É dada garantia de sigilo do denunciante. 2001 (14 de novembro) - A justiça egípcia condena 23 jovens homossexuais egípcios a penas de prisão de até cinco anos. Eles foram acusados de "desprezo pela religião" ou "práticas sexuais contrárias ao Islã". A homossexualidade não figura entre os crimes sexuais mencionados explicitamente na lei egípcia, baseada no Shari'a (lei islâmica). No entanto, naquele país a legislação sobre práticas que prejudicam a moral pode ser aplicada à homossexualidade, desde que os atos sejam provados. O veredicto suscitou numerosos protestos no exterior. Esse "escândalo dos homossexuais permitiu às autoridades desviarem a atenção da crise econômica e financeira existente no Egito", disse o cineasta egípcio Yussef Chahin. 2001 (22 de novembro) - Apesar da pressão do governo, tanto por parte do presidente Andrés Pastrana como do Ministro da Justiça Rómulo González Trujillo, é aprovado na Colômbia, pela primeira comissão do Senado, o projeto de lei que legaliza as uniões homossexuais no país. A partir do estabelecimento da lei, casais de gueis e lésbicas vão poder constituir sociedades, ou parcerias civis registradas, através das quais os direitos patrimoniais e de assistência familiar serão respeitados durante a vigência e no final de uma união homossexual. O projeto de lei é uma iniciativa do líder indígena Jesús Enrique Piñacué. Falta, no entanto, a aprovação da Câmara e do Senado. 2001 (30 de novembro) - A Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro aprova, por 28 votos a favor, 11 contra e 1 102 abstenção, o projeto de lei de autoria dos deputados Carlos Minc (PT) e Sérgio Cabral (PMDB). O projeto modifica a lei vigente sobre pensões dos servidores do Estado e do município do Rio, visando a garantir também aos funcionários públicos homossexuais o direito de deixar pensão previdenciária para o companheiro ou companheira de mesmo sexo. 2001 (07 de dezembro) - Fato inquietante para quem ainda acredita que a homossexualidade é uma aberração ou comportamento amoral do ser humano: cientistas americanos observaram pela primeira vez comportamento homossexual entre orangotangos selvagens, animal que está na lista dos ameaçados de extinção. O estudo foi feito na ilha de Sumatra, na Indonésia, e reforça a teoria de que o homossexualismo é um traço natural entre os grandes primatas - incluindo os seres humanos. A pesquisa, realizada por especialistas da Sociedade de Preservação da Vida Selvagem do Zoológico do Bronx, em Nova York, foi publicada na edição de novembro de 2001 da "American Journal of Primatology". As observações permitem acrescentar os orangotangos à lista de primatas que apresentam práticas homossexuais como parte de seu repertório natural de comportamentos sociais e sexuais - afirmou Elizabeth Fox, que estuda os grandes primatas desde 1994. Ao longo do estudo na ilha, a especialista observou que apenas quatro machos tinham comportamento homossexual, o que indicaria que a prática é rara. Dois deles eram adolescentes. Os outros eram sexualmente maduros e também se relacionavam com fêmeas. 2001 (08 de dezembro) - É sancionada pelo Governador do Rio de Janeiro Antony Garotinho (PSB) a Lei Estadual 3406 de 15 de maio de 2000, que estabelece penalidades aos estabelecimentos que discriminem pessoas em virtude de sua orientação sexual. No início do mês de novembro o governador havia provocado polêmica ao declarar-se "contra o homossexualismo" em um programa de TV em São Paulo. Dias depois veio a público pedir desculpas à comunidade guei e regulamentou a lei. Além disso, como forma de retratação, também autorizou as visitas íntimas para presos homossexuais, um gesto resultante do pedido de presidiárias lésbicas da Penitenciária Talavera Bruce, também do ano passado. 2001 (27 de dezembro) - É sancionada em Belo Horizonte pelo Prefeito em exercício Fernando Pimentel (PT), a Lei Municipal 8283 que institui o Dia Municipal de Luta contra a Discriminação por Orientação Sexual. O projeto foi uma iniciativa da vereadora Neila Batista (PT). O dia escolhido para marcar a comemoração da data é 28 de junho, que é também o Dia Internacional do Orgulho Guei, comemorado pelos ativistas e marcado pela primeira resistência de gueis a invasões da polícia no bar Stonewall, em Nova Iorque, em 1969. A vereadora justificou o projeto afirmando que apesar dos avanços obtidos os últimos anos na questão da garantia dos direitos dos homossexuais, os índices de violência contra os homossexuais no terceiro mundo, e em particular no Brasil, continuam altos. 2001 (29 de dezembro) - Morre no Rio de Janeiro a cantora Cássia Eller, 39 anos. Durante 14 anos Cássia viveu uma relação homossexual com Maria Eugênia Vieira Martins. Entretanto, em 1992, anunciou sua gravidez. O pai era seu baixista, Fialho, que morreu pouco depois do nascimento de Francisco (Chicão). A roqueira era mãe extremada, vivia falando do menino em todas as ocasiões. Nas entrevistas, brincava com sua opção sexual, assumida com tranqüilidade, mas se recusava a ser porta-voz de qualquer grupo. No mês seguinte ao de sua morte, a Justiça carioca entregaria a guarda provisória de Chicão, seu filho, à companheira Eugênia. Sobre Cássia disse Eugênia: "Era a pessoa mais linda e generosa que eu conheci.". 2002 (01 de janeiro) - Na Arábia Saudita são executados 3 homens acusados de sodomia e condenados pelo tribunal religioso do fundamentalismo islâmico. Os três homens foram decapitados, já que este é o método tradicional de execução nos Emirados Árabes. As mortes aconteceram na cidade de Abha, localizada no sudoeste do país. Ali ibn Hatan ibn Saad, Mohammad ibn Suleiman ibn Mohammad e Mohammad ibn Khalil ibn Abdullah foram considerados culpados de "participar de atos extremamente obscenos e nojentos de homossexualidade, se casarem e molestarem jovens". Um tribunal da Shari'a os condenou à morte e o julgamento foi confirmado pelos tribunais superiores. 2002 (09 de janeiro) - O INSS é obrigado a considerar a companheira ou companheiro homossexual como dependente preferencial dos segurados do Regime Geral de Previdência Social. A decisão é da 3ª Vara da Justiça Federal do Rio Grande do Sul. A Ação Civil Pública foi impetrada pela Procuradoria da República no Rio Grande do Sul. A sentença é válida para todo o país. Segundo o procurador da República, Paulo Gilberto Cogo Leivas, o INSS deve estender os benefícios de pensão por morte e auxílio-reclusão a todo o companheiro homossexual, independente da data de óbito ou do encarceramento. A ação movida pela Procuradoria da República obrigou, em junho de 2001, o INSS a editar a Instrução Normativa número 50 que trata do assunto. 2002 (10 de janeiro) - Entra em vigor na Califórnia, Estados Unidos, lei que oferece aos homossexuais união com direitos semelhantes ao casamento heterossexual. Passa a ser permitida a tomada de decisões médicas em relação a parceiros incapacitados, processar por homicídio, adotar o filho do parceiro e deixar propriedades como herança para o parceiro, sem direito à contestação da família, aumentando para para 62 anos o limite da idade para ser habilitado a tomar decisões financeiras e legais com relação ao parceiro. Cerca de 140 casais GLS se registraram somente em um dia na nova parceria doméstica. Ao todo cerca de 400 casais se beneficiaram da nova parceria doméstica GLS e estima-se que há 10 mil casais homossexuais no estado, segundo um membro do governo de Gray Davis. 103 2002 (15 de janeiro) - O ministro das Finanças da Noruega, Per-Kristian Foss, casa-se na com seu parceiro em uma cerimônia que os defensores dos direitos dos homossexuais celebraram como um momento histórico na luta por uma maior aceitação da minoria. Foss, 52, parlamentar pelo Partido Conservador, confirmou ter registrado formalmente sua união com Jan Erik Knarbakk, diretor do grupo de comunicação norueguês Schibsted. 2002 (15 de janeiro) - É sancionada pelo Governador de Minas Gerais, Itamar Franco (PMDB), a Lei 14170 de autoria do deputado João Batista de Oliveira (PDT), coibindo a discriminação contra pessoas em virtude de sua orientação sexual. A Lei prevê a criação de um centro de referência voltado para a defesa do direito à liberdade de orientação sexual. Entre as penalidades está a multa que pode chegar a R$50.000,00. A conquista maior desta lei, considerada a mais avançada do país, é a de permitir a livre manifestação de afeto entre homossexuais em espaço público, sem que isto possa ser interpretado como atentado ao pudor. 2002 (22 de janeiro) - Pelo menos mais 8 homens foram presos no Egito, na cidade de Damanhour, a sudeste de Alexandria, sob suspeita de comportamento homossexual, no que a imprensa islâmica de Cairo chamou de batida em uma "rede de pervertidos". A polícia invadiu o apartamento de um deles, que estava dando uma festa privada, e prendeu os homens, mandando ainda examinar seus genitais. A polícia também confiscou um livro de anotações, com nomes e endereços de outros homossexuais. As prisões de gueis no Egito têm sido denunciadas e criticadas por ativistas homossexuais e de direitos humanos de todo o mundo, chamando inclusive as ações da polícia egípcia de perseguição. Mas a lei islâmica, adotada pelo Egito, embora não condene a homossexualidade, abre brechas para que os gueis sejam presos e enquadrados em crimes até de terrorismo. 2002 (01 de fevereiro) - José Mantero Garcia, 39 anos, pároco de Alverde del Camino, na província de Huelva, região de Andaluzia, na Espanha, declara abertamente sua homossexualidade, na edição de fevereiro da revista homossexual Zero. "Dou graças a Deus por ser guei", diz o título da reportagem, explicando que só descobriu sua homossexualidade aos 31 anos, quando se apaixonou. "Tive muitos problemas no começo, mas agora vivo bem", disse o sacerdote, que se confessou enojado pelo "silêncio e a culpabilidade" em torno da homossexualidade na Igreja. "É preciso uma defesa de dentro. De fora, não é mais difícil, é impossível. A luta de dentro inclui um fator importante: o amor à instituição", afirma o padre. "Amo muitíssimo a Igreja e o amor tem que ser beligerante", conclui. Dias depois O bispo de Huelva, José Ramos, condenou o alarde feito pelo padre do não-seguimento do celibato, o que teria causado escândalo "tanto para a comunidade cristã como para a sociedade em geral. A Igreja, por fidelidade aos sagrados dons recebidos e a seus crentes, não pode tornar compatível o exercício de funções sacerdotais com a ruptura de compromissos também sagrados", disse o bispo. Da mesma forma, o bispo auxiliar de Barcelona, Joan Carrera disse que a polêmica não está na orientação sexual do padre mas pelo fato dele não respeitar o celibato. Em seguida ao episódio, o bispo José Gea Escolano, de Mondoñedo-Ferrol, na Galícia, chamou Mantero de doente comparando a hommossexualidade à cegueira e a surdez e afirmou que "um homossexual não é normal". No entanto, o presidente da Associação de Teólogos Juan XXIII, Enrique Miret Magdalena, declarou que a homossexualidade é uma opção que merece respeito. 2002 (13 de fevereiro) - O padre Franco Barbero, 63 anos, de Pinerolo, no norte da Itália, é expulso de sua diocese por celebrar cerimônias de casamento entre homossexuais e divorciados. "Seu ponto de vista moral e a celebração de pseudo-casamentos entre homossexuais estão em grave contraste com a doutrina da Igreja Católica", declarou em um comunicado o bispo Pier Giorgio Debernardi. 2002 (15 de fevereiro) - Em Montgomery, no Estado do Alabama, Estados Unidos o juiz titular da Suprema Corte retira a guarda dos três filhos adolescentes de uma lésbica argumentando que o homossexualismo é 'intrinsecamente mal' e não deve ser tolerado. O parecer do juiz Roy Moore foi seguido unanimemente pelos nove integrantes da magistratura. Nele, o homossexualismo é descrito como 'aberrante, imoral, detestável, crime contra a natureza e violação das leis naturais'. Conhecido por sua religiosidade Moore citou a Bíblia, documentos históricos e a jurisprudência para respaldar suas teses. O pai dos adolescentes, de 15, 17 e 18 anos, respectivamente - teve a custódia deles até 1999. Mas, por infligir-lhes maus tratos, perdeu-a em junho de 2000. 2002 (21 de fevereiro) - Mais um fato inquietante para quem acredita que a homossexualidade é uma aberração ou comportamento amoral do ser humano: é descoberto no zoológico de Nova Iorque um casal de pingüins gueis na área reservada à espécie no New York Aquarium. Os pingüins de pé preto com 14 anos de idade, já estavam juntos há 8 anos. Os funcionários descobriram que ambos são machos após fazer um exame de sangue no casal. Angie Pelekedis, porta-voz do zoológico, disse: "Eles são um dos casais mais dedicados na área reservada aos pingüins. Eles dormem no mesmo ninho. Eles até fazem sexo, embora eu não saiba ainda se eles têm sucesso nisto". 2002 (01 de março) - Começam a ser registradas parcerias entre pessoas do mesmo sexo na Finlândia com a entrada em vigor da lei aprovada em setembro de 2001, que legaliza a união civil homossexual. Assim, qualquer cidadão finlandês maior de 18 anos de idade já pode registrar sua união com outra pessoa do mesmo sexo, em uma cerimônia parecida com o casamento tradicional. A nova lei concede quase todos os direitos do casamento heterossexual aos pares homossexuais, como herança e divórcio, mas deixa de fora a adoção de crianças por casais homossexuais, que continua proibida, assim como não vai ser possível o uso do sobrenome do parceiro. 2002 (06 de março) - Um pastor da Igreja Episcopal, Rev. David L. Moyer, que atua na diocese de Pennsylvania, nos Estados Unidos, é suspenso pelo bispo episcopal Charles E. Bennison Jr., em razão de suas atitudes 104 homofóbicas. Os escalões superiores da igreja resolveram mantê-lo suspenso por 6 meses, podendo ser forçado a deixar de exercer as funções de pastor, caso não se retrate. Moyer sempre deixou claro que é conservador e afirma que estas iniciativas da igreja são contra a ética cristã, enquanto o bispo episcopal Charles E. Bennison Jr. é favorável à ordenação de mulheres e gueis que estejam em relações afetivas estáveis. 2002 (16 de março) - O Recife torna-se o primeiro município do Brasil a incluir no benefício da concessão de pensão, em caso de morte, os companheiros e filhos dos servidores públicos homossexuais. A regulamentação atendeu a 1,3 mil casais heterossexuais e outros cinco casais homossexuais identificados no censo realizado em janeiro passado pela Secretaria de Administração. Os servidores do Recife ganharam o direito de deixar uma pensão, em caso de morte, para seus filhos e seus companheiros, sejam eles hetero ou homossexuais. A regulamentação do decreto do prefeito João Paulo foi publicada no Diário Oficial do dia 16 de março de 2002. 2002 (20 de março) - O Rio de Janeiro torna-se o primeiro estado do Brasil a garantir os direitos previdenciários aos companheiros de servidores estaduais homossexuais. Com efeito, entra em vigor a Lei Estadual 3.786, uma vez que a Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro derrubou por 43 votos a 13 o veto do governador Anthony Garotinho (PSB) ao projeto de lei de autoria dos deputados Carlos Minc (PT) e Sérgio Cabral Filho (PMDB). (ver também 30 de novembro de 2001 e 10 de abril de 2002) 2002 (27 de março) - É sancionada em Pelotas RS a Lei Municipal 4.798/02, de autoria do vereador Eduardo Abreu PSB, que reconhece a união entre parceiros de mesmo sexo para fins de previdência municipal, garantindo a concessão de benefícios a cônjuges de uniões homossexuais e a eventuais filhos do casal que passam a receber os benefícios do Sistema da Previdência Social dos Servidores Municipais (Prevpel). 2002 (março) - Os parceiros de servidores públicos homossexuais sul-africanos passam a ter direito integral à pensão no caso de morte do companheiro. A mudança é decorrência de um processo movido pelo grupo ativista Lesbian and Gay Equality contra o Ministro das Finanças, Trevor Manuel. O acordo foi firmado após 2 anos de luta na Justiça e beneficia cerca de 100 mil servidores GLS no país, incluindo tanto os servidores que comprovarem a relação como aqueles cujo companheiro falecido era servidor público. 2002 (27 de março) - Caso Neris: Wanderlei Cardoso de Sá é condenado a 19 anos e 6 meses, além de uma multa de 10 dias por ter sido considerado um dos agressores de Edson Neris da Silva. As acusações eram de homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, impossibilidade de defesa da vítima e forma violenta), formação de quadrilha e tentativa de homicídio de Dario Pereira Neto, que passeava com a Edson na Praça da República, no dia 6 de fevereiro de 2000. Outra acusada, Regina Saran Velasco, foi absolvida por falta de provas conclusivas sobre sua participação. Das 18 pessoas que estão sendo processadas pelo crime, outras 4 já foram sentenciadas: José Nilson Pereira da Silva e Juliano Filipini Sabino pegaram 21 anos de prisão (em 13 de fevereiro de 2001), Jorge da Conceição Soler foi condenado a 3 anos e 4 meses em regime aberto e Marcelo Pereira recebeu liberdade provisória (em 14 de agosto de 2001). 2002 (01 de abril) - Morre José Márcio Santos Almeida, 33 anos, militante do Grupo Guei de Alagoas. Ele havia sido transferido para o hospital Armando Lages de Maceió na quinta-feira 28 de março. No dia anterior fora atacado por jovens da cidade de Maribondo, município alagoano de 15.145 habitantes a 80 km de Maceió. Além de ser alvejado por pedras, ato de violência que se transformou em um espetáculo público no centro da cidade, o militante guei sofreu golpes com pedaços de pau e foi cuspido pelos agressores. Segundo o delegado Ailton Cavalcante, que iniciou as investigações sobre a autoria do crime, Almeida teria sido amarrado a uma moto e arrastado pela cidade. Três possíveis autores do homicídio, dois menores e um adulto, tiveram prisão preventiva decretada, mas negaram participação. Há a suspeita de que o grupo responsável pelo assassinato seja composto por pelo menos dez pessoas. Pouco antes de morrer, na Unidade de Terapia Intensiva do hospital, o militante teria citado os nomes de vários rapazes que teriam iniciado o apedrejamento. Nos quatro primeiros meses do ano ocorrera quatro assassinatos de homossexuais no Estado de Alagoas - o mesmo número de 2001. As mortes tiveram requintes de barbárie, Um travesti, conhecido como Priscila, foi encontrado morto, com os olhos arrancados. Outra vítima, Antônio Laudemir de Lima, foi atingido por dez golpes de tesoura. 2002 (01 de abril) - A Igreja Luterana da Suécia, país onde 65% da população são de luteranos, mostra-se receptiva à possibilidade de oficializar uniões homossexuais na igreja. O arcebispo Karl Gustav Hammar disse que embora a questão não seja imediata, ela passa pela compreensão de que o amor entre duas pessoas é sagrado, e "Deus está no amor". Em um artigo publicado no mês de março, a posição da Igreja Luterana mostrou-se clara com relação aos homossexuais, não permitindo a discriminação e nem impedindo a ordenação de pastores em razão de sua orientação sexual. 2002 (02 de abril) - Realizada, sob cerradas críticas do regime comunista, a primeira parada guei do Vietnã, com centenas de homossexuais que se agruparam em um hotel na cidade de Long Hai, no sul do país. O governo, através do jornal oficial Thanh Nien qualificou classificou o evento de "monstruosidade" e "fenômeno anormal e estranho à tradição cultural do Vietnã". As festividades, que duraram o dia inteiro, incluíram um desfile de moda homossexual assistido por centenas de pessoas e que aconteceu durante um festival na cidade portuária de Vung Tau, a 1.800 quilômetros no sul de Hanói. 2002 (10 de abril) - Atendendo a pedido do deputado estadual Carlos Dias (PPB), o desembargador Jose Carlos Schmidt Murta Ribeiro, do Tribunal de Justiça-RJ, concede liminar tornando sem efeito a Lei Estadual 3.786, 105 que estende a companheiros de servidores homossexuais do Estado do Rio de Janeiro o direito à pensão para fins previdenciários, equiparando à condição de companheira ou companheiro os parceiros do mesmo sexo que mantenham relacionamento de união estável. Co-autor da lei - em parceria com o deputado Sérgio Cabral Filho (PMDB) - o deputado estadual Carlos Minc (PT) anunciou no dia seguinte, que entraria com um recurso pedindo a cassação da liminar. (ver também 30 de novembro de 2001 e 20 de março de 2002) 2002 (08 de maio) - O prefeito de Cehegín, em Murcia, Espanha, aprova a efetivação de um registro para casais, com objetivo a atender todos os parceiros sem distinção de sexo. A iniciativa de Pedro Abellán vem para compensar o impasse jurídico para casais que não podiam se beneficiar com os direitos concedidos a casais heterossexuais. A medida foi aprovada na Câmara municipal e afeta não somente casais homossexuais como casais heterossexuais. O registro de união de casais também pode ser utilizado por casais informais, e até de uma relação extra-conjugal. 2002 (maio) - Por unanimidade a assembléia estadual de Nova Iorque aprova, na primeira semana de maio, lei que reconhece a parceria entre homossexuais. A lei visa beneficiar os parceiros GLS das vítimas dos atentados terroristas de 11 de setembro. É a primeira lei nova-iorquina a incluir parceiros domésticos de mesmo sexo em qualquer contexto em toda a história. A lei vai ajudar a assegurar que os familiares sobreviventes das vítimas dos atentados recebam os benefícios a que têm direito. Mais de 20 gueis e lésbicas foram mortos nos ataques de 11 de setembro, de acordo com ativistas locais. E para aprovar a lei, uma união inesperada entre republicanos e democratas surgiu e frutificou. Se antigamente os legisladores rejeitavam uma lei inteira somente pela referência ou inclusão de gueis, desta vez foi diferente e a lei foi aprovada rapidamente. 2002 (13 de maio) - O presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) lança o segundo plano de ação do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH). Criado há quase seis anos o plano prevê o apoio à união civil de pessoas do mesmo sexo e a mudança do registro civil para os transexuais. Além disso, propõe a retirada do Código Penal Militar a palavra "pederastia". Fernando Henrique assinou ainda os decretos que criam o Conselho Nacional dos Direitos dos Idosos e o Conselho Nacional de Promoção do Direito à Alimentação, o que permite que a República Federativa do Brasil possa receber e analisar denúncias de discriminação. O presidente assina também o decreto que institui o Programa Nacional de Ações Afirmativas reforçando o plano de combate a discriminação dos afrodescendentes, dos deficientes físicos, dos homossexuais, dos idosos, das mulheres e das crianças. 2002 (14 de maio) - A Câmara de São José do Rio Preto, São Paulo, aprova o projeto de lei 181/01 de autoria do vereador Marcio Ladeia (PT), proibindo a discriminação por orientação sexual. A lei prevê multas de 1 a 3 mil reais ou a cassação do alvará de estabelecimentos que discriminarem homossexuais. Para ser regulamentada a lei precisa ser sancionada pelo prefeito Edinho Araújo (PPS), o que deve acontecer nos próximos dias. 2002 (21 de maio) - Deputados alemães completam o processo de perdão aos gueis processados e enviados a campos de concentração durante o período nazista. Cerca de 50 mil homens gueis foram vítimas da lei conhecida como Parágrafo 175, que criminalizava a homossexualidade, e somente agora seus registros serão limpos novamente. O governo alemão reconheceu que a medida chegou com 50 anos de atraso e mesmo assim os parlamentares conservadores foram contra a medida, argumentando que os casos deveriam ser analisados individualmente. 2002 (22 de maio) - Arqueólogos britânicos finalmente conseguiram juntar as peças, após 20 anos de trabalho, e descobriram uma mulher transgênero, do século IV, ou seja, com 1700 anos de idade. O arqueólogo responsável pela pesquisa, Dr. Pete Wilson, disse que a descoberta mostra uma face até hoje desconhecida da História Antiga britânica. Os restos do jovem romano trangênero foram encontrados há 20 anos próximo da cidade de Catterick, no norte da Inglaterra. O corpo foi cuidadosamente cremado e a pessoa estava usando gargantilha, bracelete, entre outros acessórios femininos da época. Este é o único homem que vestia este tipo de jóias encontrado até hoje em um cemitério romano antigo na Grã-Bretanha. Testes forenses mostraram que o esqueleto nasceu biologicamente como homem, mas era adornado com jóias de mulher. Além disso, o rapaz era castrado, ou seja, assumira as características de uma mulher transexual. Segundo Dr. Pete Wilson o rapaz pode ter sido também um 'gallus' - ou seja, um dos seguidores da deusa Cybele, que castravam a si mesmos em sua honra. 2002 (23 de maio) - É aprovada pela Câmara dos Vereadores de Londrina, no Paraná, a lei nº 117/02, que penaliza com multas qualquer estabelecimento que discrimine homossexuais. O projeto de lei, de autoria da vereadora Elza Correia, foi aprovado por 19 votos a 2. Houve presença de gueis, lésbicas e travestis, com faixas e cartazes, nas galerias da Câmara. 2002 (31 de maio) - "Permitir esta manifestação é como servir porcos no paraíso", afirma o deputado do partido ultra-ortodoxo Shas, ao tentar impedir a realização da parada guei em Jerusalém. 2002 (06 de agosto) - Publicado acórdão no Diário da Justiça em que a decisão inédita da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reconhece, por dois votos a um, identidade de efeitos entre união homossexual e união estável, legitimando a união de pessoas do mesmo sexo como verdadeira família. A decisão também avança em outros dois pontos: concede usufruto de 25% do patrimônio ao parceiro sobrevivente e considera que esse não precisa provar que contribuiu para a constituição do patrimônio do casal. Foi garantido ainda o direito à divisão da metade dos bens adquiridos. 106 2002 (27 de setembro) - O novo líder da igreja Anglicana, arcebispo Rowan Williams, tido como simpatizante da causa guei, é constrangido a condenar a homossexualidade como condição para assumir a liderança da Igreja Anglicana. O grupo que ameaçou o arcebispo contava com 1.500 membros, incluindo mais de 500 clérigos e 1 bispo. 2002 (31 de outubro) - A Justiça do Rio de Janeiro decide que a guarda do filho de Cássia Eller ficará com a companheira da cantora, Maria Eugênia Martins. 2002 (04 de novembro) - É divulgado resultado de estudo realizado pelo professor Charles Roselli da Oregon Health & Science University (Universidade de Saúde e Ciência do Oregon) em conjunto com o Departamento Americano de Agricultura, na Estação Experimental de Carneiros de Dubois, em Idaho (EUA). O grupo estudou 27 carneiros, sendo 10 fêmeas, 9 machos que só transavam com outros machos e 8 machos que só transavam com as fêmeas. Constatou-se que as ovelhas homossexuais têm estruturas cerebrais diferentes das ovelhas "normais", uma descoberta que pode influenciar na sexualidade humana. As diferenças são semelhantes àquelas constatadas em alguns humanos homossexuais, mas provavelmente farão pouca diferença na explicação das causas das diferentes preferências sexuais. Os carneiros estudados não cortejam ou acasalam com fêmeas. Eles só procuravam os machos. Primeiro os cientistas observaram as ovelhas para terem certeza de seu comportamento - algo que não pode ser feito com humanos. Então eles analisaram seu cérebro. Foram notadas diferenças no hipotálamo. Uma pequena área do hipotálamo é maior nos machos do que nas fêmeas. Além disto, os pesquisadores descobriram que os hipotálamos dos carneiros gueis também eram menores do que os dos carneiros heterossexuais. 2002 (04 de dezembro) - Após Recife e Rio de Janeiro, agora também os companheiros(as) homossexuais de servidores públicos da Prefeitura da capital paulista passam a ter direito a receber pensão do Instituto de Previdência Municipal de São Paulo - Iprem. A Orientação Normativa no. 06/2002 garante o direito e completa uma lacuna importante. 2002 (13 de dezembro) - A Associação Psiquiátrica Americana (APA), que já incluíra em anos anteriores a homossexualidade como doença mental em seus anais, pronuncia-se a favor da adoção de crianças por casais GLS. Em comunicado declara: "A APA apóia iniciativas que permitam a casais de mesmo sexo a adoção de crianças ou custódia de filhos e apóia todos os direitos legais, benefícios e responsabilidades associados ao fato e que sejam conseqüência de tais iniciativas". A APA é uma das associações de classe mais poderosas dos Estados Unidos e representa cerca de 38 mil profissionais da área no país. O comunicado cita ainda os 30 anos de pesquisa que comprovam que filhos criados por pais gays ou lésbicas têm o mesmo desenvolvimento que os outros. A APA vem se adaptando aos tempos. Em 2000, a associação recomendou oficialmente que os estados americanos reconhecessem legalmente os casais de mesmo sexo. Outros grupos médicos que apóiam os direitos de adoção de filhos por casais homossexuais nos EUA são a Academia Americana de Pediatras e a Associação Americana de Médicos de Família. 2002 (16 de dezembro) - É aprovado na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, o Projeto de Lei 185/02, que dispõe sobre a promoção e reconhecimento da liberdade de orientação, prática, manifestação, identidade, preferência sexual e dá outras providências. O projeto considera como discriminatório proibir o ingresso ou permanência de cidadão homossexual em estabelecimento público ou privado, praticar atendimento selecionado, preterir, sobretaxar ou impedir a hospedagem em hotéis, motéis ou pensões ou demitir em função da orientação sexual do empregado. 2002 (18 de dezembro) - Buenos Aires aprova a legalização da união civil entre pessoas do mesmo sexo, tornando-se a primeira cidade da América Latina a reconhecer legalmente os direitos dos casais de fato, inclusive homossexuais. A aprovação da nova lei ocorreu após intenso debate, com 29 votos a favor e 10 contra a legalização da união homossexual. O projeto de lei estava sendo discutido há um ano e meio. Redigido por uma juíza especializada em Direito de Família, o projeto de lei aprovado inclui o reconhecimento de todo casal que mantenha uma convivência "estável e pública" de dois anos na cidade de Buenos Aires, passando o casal a deter todos os direitos de casais tradicionais legalmente casados. Em outras palavras, a lei argentina reconhece o direito de o concubino ser incorporado ao serviço social: receber uma pensão no caso do falecimento de seu parceiro e fixar uma cota alimentar mensal para os filhos, se ocorrer a separação. 2003 (03 de janeiro) - A Paraná Previdência, empresa que gerencia o pagamento de pensões e aposentadorias do funcionalismo público estadual do estado do Paraná, reconhece pela primeira vez a relação entre um servidor guei e seu companheiro. O servidor e seu companheiro, um policial civil, não tiveram a suas identidades divulgadas. O policial passa a ter o direito de receber assistência médica por conta do estado e também pensão, caso o servidor venha a falecer. A decisão é resultado do processo que pediu o reconhecimento da relação de dependência entre os dois homens, que tramitou na Paraná Previdência durante cinco meses. O parecer favorável é baseado na Lei 12.398/98, que criou o atual sistema previdenciário do estado. O artigo 42 da lei diz que são dependentes do segurado "o cônjuge ou convivente na constância, respectivamente, do casamento ou da união estável", desde que morem sob o mesmo teto há pelo menos dois anos e comprovem que um depende economicamente do outro. As condições são as mesmas para casais heterossexuais e homossexuais. Para requisitar os benefícios, além de apresentar documentos que mostrem a relação de dependência, o casal deve ter 107 sua situação comprovada, como aconteceu neste caso, por uma assistente social, que entrevistou o servidor, seu companheiro, familiares e amigos. 2003 (11 de janeiro) - Morre de complicações cardíacas o humorista homossexual Jorge Lafond, autor do personagem Vera Verão que surgiu no programa humorístico do SBT "A Praça é Nossa", em 1997. A sua caricatura excessivamente estereotipada da "bicha louca" era considerada politicamente incorreta pelo movimento homossexual organizado. Em 1988, o Grupo Gay da Bahia havia outorgado-lhe o diploma "Pau de Sebo", conferido anualmente aos inimigos da libertação homossexual. Posteriormente, o Grupo QuimbandaDudu, de gueis negros, protestou quando o comediante ofereceu-se ao Ministério da Saúde para encabeçar campanha de prevenção da Aids: "seu personagem repete o estereótipo do guei ultra-desmunhecado, palhaço, tirano e sobretudo, inimigo e agressivo com as mulheres. É um desrespeito à dignidade dos gueis e mesmo das travestis, fornecendo munição para os heterossexuais continuarem a agredir e desrespeitar os homossexuais". 2003 (16 de janeiro) - Entra em vigor em Nova Iorque a lei anti-discriminação por orientação sexual. Com o nome de Ato de Não-Discriminação por Orientação Sexual, a lei havia sido aprovada no mês anterior, após uma batalha de 31 anos e passa a proteger gueis e lésbicas de abusos, ameaças e discriminação nas questões de moradia, emprego, educação e serviços públicos. A discriminação por raça, credo, sexo, cor, nacionalidade, deficiência, idade e estado civil já era proibida em Nova Iorque. 2003 (17 de janeiro) - Em documento de 17 páginas intitulado "Nota Doutrinária sobre Algumas Questões em Relação à Participação dos Católicos na Vida Política", o Vaticano reforça os ensinamentos mais intransigentes e tradicionais da Igreja Católica, lembrando aos políticos que eles não podem se comprometer com a tolerância, pluralismo ou liberdade de escolha ao fazer ou aprovar leis favoráveis à união entre homossexuais: "a democracia deve ser baseada na verdade e em fundação sólida de princípios éticos inegociáveis". Aprovado pelo Papa, o documento reafirma que o casamento deve ser "monogâmico entre um homem e uma mulher, e protegido em sua unidade e estabilidade" e que "Nenhuma outra forma de coabitação pode ser colocada no mesmo nível do casamento, nem pode receber o reconhecimento legal como se fosse". 2003 (21 de janeiro) - Em mais um caso de jurisprudência favorável aos casais homossexuais, a juíza federal Caroline Medeiros e Silva, de São João de Meriti, no estado do Rio de Janeiro, reconhece uma relação guei para fins de pensão do INSS. O caso refere-se ao casal Vicente Bezerra da Silva e Sebastião das Graças Amorim, que viveram juntos por 33 anos. Com a morte de Amorim, Vicente resolvera entrar com processo pelo reconhecimento da relação. No Brasil, até esta data, já tinham sido registradas outras decisões favoráveis ao casal e contra ao INSS. Com efeito, em Recife a desembargadora federal Margarida Cantarelli determinara, em agosto de 2001, que o INSS pagasse a pensão por morte para um companheiro de homossexual, assim como ocorrera desde janeiro de 2001 no Rio Grande do Sul, Paraná, Goiás e São Paulo. 2003 (23 de janeiro) - Os homossexuais presos na Colômbia obtêm o direito de receber visitas íntimas nos presídios assim como os heterossexuais, após a justiça aprovar uma ação movida pelo casal de lésbicas Martha Lucía Silva e Martha Isabel Alvarez, que estão presas nos presídios femininos das cidades de Manizales e de Ibagué (centro-oeste). "Os homossexuais têm também o direito de receber a visita daquela pessoa com quem mantenham uma relação estável de casal", determinou o Conselho Superior do Judiciário (CSJ). 2003 (26 de janeiro) - O Papa faz sua mais forte condenação dos relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo, em seu discurso dominical na sacada do Palácio do Vaticano, sobre a Praça de São Pedro. Ele alertou os fiéis contra as versões "não autênticas" de famílias. O pontífice declarou que "uma união entre um homem e uma mulher é a única verdadeira aos ohlos de Deus" e que "este tipo de união é o sinal autêntico de vida e esperança para a humanidade". 2003 (30 de janeiro) - Através do empenho da comunidade guei local e de Kristien Grauwels do Partido Verde, o Parlamento da Bélgica vota pela abolição de todas as leis que proibiam a união civil homossexual. Assim, a Bélgica torna-se o segundo país do mundo a legalizar a união civil entre gueis que passam a ter todos os diretos de um casal heterossexual, com exceção do direito de adotar crianças. Para a aprovação da união civil pelo menos um dos componentes do casal deve ser cidadão belga. A medida foi aprovada por 91 votos a favor e 22 contra, pela Câmara dos Deputados, tendo já passado pelo Senado em 2002, mas deverá ser aprovada pelo Rei e publicada para que entre em vigor. A Bélgica já possuía lei de parceria civil aprovada em junho de 2001. 2003 (31 de janeiro) - Em documento confidencial assinado pelo cardeal Eduardo Martínez Somalo, prefeito da Congregação Vaticana para os Religiosos, o Vaticano afirma: "O membro de um instituto religioso, de uma sociedade de vida apostólica ou de um instituto secular que se submeter a uma cirurgia para a mudança de sexo deve ser expulso de sua casa religiosa, para o bem das almas". Afirma ainda: "No que diz respeito à condição sexual de um fiel, o que conta é a inscrição feita originalmente nos registros paroquiais diocesanos. Portanto, inclusive em casos de mudança de sexo via cirurgia ou de mudança de sexo aceita pelo registro de estado civil, nada muda na condição canônica inicial". Sobre a admissão de um transexual na vida religiosa, a negativa do cardeal Ratzinger é taxativa: "O candidato não será aceito nem em caso de dúvida, quando não se pode garantir uma identidade plena e clara". 2003 (fevereiro) - O Arcebispo da Região Sul Africana, Reverendo Njongonkulu Ndungane, faz uma convocação para todos os 10 milhões de membros batizados na Igreja Anglicana, de todos os setores, para 108 urgentemente abordar a questão da homossexualidade e assim fazer de uma maneira que se gere uma compreensão mútua e que se tire as pessoas para fora de suas "certezas mais absolutas". Isso acontece após uma resolução adotada no recente Sínodo Anglicano, onde foram consideradas as necessidades espirituais das pessoas com orientação homossexual. Com efeito, o Arcebispo Ndungane fez circular um documento de oito páginas sobre sexualidade humana. Esse material tem sido enviado para os bispos, oficiais, paróquias, faculdades de teologia e organizações Anglicanas na África do Sul, Lesoto, Suazilândia, Moçambique, Angola, Namíbia, e Santa Helena. O documento alerta que, além de ameaçar a unidade da Comunhão Anglicana, a questão da homossexualidade tem causado profunda dor para as pessoas que estão dos dois lados desse debate. "Pessoas estão se machucando por se sentirem rejeitadas, enganadas, mal compreendidas, possessas e excluídas da igreja por causa de suas orientações e convicções. Em nome da compaixão e do cuidado mútuo no Corpo de Cristo, nós não temos outra opção senão se familiarizar e buscar melhor compreensão." E mais ainda, o documento coloca que outros estão se machucando porque eles acreditam que as demandas centrais do Evangelho estão sendo comprometidas e têm que ser protegidas, defendidas e evidenciadas. "Eles acreditam que de alguma maneira a Fé está em jogo. O nosso zelo pela verdade do Evangelho e pela direção do Espírito nos constrange". O primeiro passo é achar pontos comuns. "Nós todos estamos comprometidos em buscar a verdade de Deus e respeitar a autoridade das Escrituras; o desentendimento apenas surge quanto nós tentamos entender e articular a natureza dessa autoridade. Existe também um ponto de convergência na nossa fé de que sexualidade humana é um dom de Deus, mas que promiscuidade, comportamento sexual mutilador, pedofilia e pornografia sejam pecados. Nós todos acreditamos em padrões morais e que todos os seres humanos são amados por Deus e nós somos chamados a amar o nosso próximo". Numa abordagem amadurecida da interpretação das Escrituras, o documento de discussão cita diversos exemplo, como escravidão, a posição das mulheres, casamento após divórcio e o empréstimo de dinheiro com juros, onde a Igreja passou a entender os ensinamentos de Deus de uma outra maneira. "isso", diz o Arcebispo, "Não é uma questão que irá se dissipar, nós devemos não somente conversar uns com os outros, mas estarmos preparados para igualmente ouvir". 2003 (06 de fevereiro) - O Grupo Gay da Bahia (GGB) lança em Salvador o Livro de Registro de União Estável entre Homossexuais. O objetivo é que se torne o documento legítimo para que casais do mesmo sexo provem junto ao INSS e à Justiça a existência de uma relação estável, e com isso adquiram os mesmos direitos conjugais garantidos aos heterossexuais. Pretende-se que os 100 grupos da ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transexuais), espalhados nos 27 Estados do País, passem a funcionar como uma espécie de "cartório guei" e tenham os seus próprios livros. 2003 (13 de fevereiro) - O Parlamento Europeu (PE) vota a recomendação pelo reconhecimento das parcerias registradas, contratos de coabitação e casamentos gueis em toda a União Européia (UE), de forma que deve ser levada em consideração por todos os países membros. Assim, no caso em que um casal guei holandês tenha que se mudar para um país membro que não reconheça parcerias, como é o caso da Itália, Espanha, Grécia, Irlanda, Luxemburgo e Áustria, bastará que apenas um dos membros do casal tenha obtido trabalho no país de destino. Desta forma, ambos os parceiros passam a receber o direito à residência e trabalho no novo país. 2003 (26 de março) - Estudo aponta diferenças em cérebros de homossexuais. Realizada por psiquiatras ingleses, a pesquisa revelou que os gueis pensam como mulheres e os cérebros das lésbicas trabalham como os dos homens heterossexuais. Os cientistas do Instituto de Psiquiatria de Londres chegaram à conclusão de que os homens gueis são excelentes em tarefas mentais em que geralmente as mulheres realizam melhor que os homens, mas não são tão bons em outras tarefas vistas como "masculinas". Já as lésbicas se deram tão mal quanto os homens em testes mentais dirigidos às mulheres. Os pesquisadores realizaram várias séries de testes neurocognitivos para chegar às conclusões. Não foi dito o número de pessoas pesquisadas nem os parâmetros estatísticos de seleção e comparação. Os resultados encontrados pelos psiquiatras Qazi Rahman e Glenn Wilson foram publicados no jornal Neuropsychology. Eles afirmam que as variações de exposição do feto ao hormônio testosterona seriam as responsáveis pela determinação da orientação sexual. Rahman afirmou ainda que a homossexualidade é um fenômeno biológico normal. No entanto, não foi esclarecida a questão dos bissexuais. 2003 (março) - O Vaticano resolve publicar um dicionário com mil páginas, o Lexicon, esclarecendo termos como "direitos reprodutivos", "gênero" e outros ligados à sexualidade, com o objetivo de esclarecer sobre todas as formas de comportamento contrárias aos ensinamentos da Igreja Católica Romana. O dicionário também aconselha contra a "estigmatização" de pessoas que questionam a homossexualidade como homofóbicos. No glossário considera-se a homossexualidade "um conflito psíquico não resolvido que a sociedade não pode institucionalizar". 2003 (31 de março) - Um pediatra da Escola de Medicina da Universidade de Indiana divulga um estudo onde mostra que as diferenças no desenvolvimento emocional entre adolescentes hétero e homossexuais praticamente não existem. O Dr. Tom A. Eccles, responsável pelo estudo, declarou que, apesar de vários adolescentes gueis terem um comportamento de maior risco nesta fase, os médicos e profissionais de saúde não devem assumir que eles tenham experimentado algum tipo de stress psicológico. Uma descoberta crucial na pesquisa foi a importância da interação com colegas em um desenvolvimento social saudável de adolescentes gueis, lésbicas ou bissexuais. "No momento que estes jovens têm contato com colegas que também sejam homossexuais, seu senso 109 de estar atrasado no desenvolvimento de aspectos sociais, como namoro, acabam", disse o médico. 2003 (01 de abril) - A chefe do Serviço de Orientação e Reconhecimento Inicial de Direitos do INSS do Paraná, Neide Garcia Sestren, conforme Oficio N.o 14-501.12/2003, reconhece o LIVRO DE UNIÃO ESTÁVEL do 'INPAR 28 DE JUNHO" como documento de comprovação de União Estável entre casais do mesmo sexo. O Livro é o segundo no Brasil, a exemplo do Grupo GGB da Bahia, que obteve o reconhecimento do INSS na semana anterior. 2003 (03 de abril) - O Grupo Gay da Bahia anuncia seus prêmios anuais. Como acontece todos os anos, pelo décimo terceiro ano consecutivo, são premiados com o Troféu Triângulo Rosa as personalidades e instituições que deram maior apoio aos direitos humanos dos homossexuais, outorgando o Troféu Pau de Sebo, aos inimigos dos gueis, lésbicas e transgênero. O GGB dá a Fernando Henrique Cardoso o prêmio Triângulo Rosa de maior amigo dos homossexuais em 2002, por ter sido o primeiro Presidente da República a pronunciar em público o termo HOMOSSEXUAL. Na lista dos dez amigos dos gueis e lésbicas, constam também a Fiat, o Ministério da Saúde, o Banco Morgan Chase e o Conselho Nacional de Imigração do Ministério da Justiça. Para o troféu Pau de Sebo, outorgado aos dez inimigos dos homossexuais, o primeiro lugar foi para a Assembléia de Deus que chamou os gueis de "raça diabólica", incluindo também a apresentadora Luciana Gimenez, o jornalista Tutty Vasques, a Volkswagen do Brasil, o ator Vitor Fasano, este último, re-incidente. 2003 (04 de abril) - Mais um estado brasileiro consegue vitória contra a homofobia. Santa Catarina promulga lei que pune a discriminação por orientação sexual. É prevista punição a toda e qualquer manifestação atentatória ou discriminatória praticada contra qualquer cidadão ou cidadã homossexual, bissexual ou transgênero. Também há previsão de punição quando aos cidadãos é impedido o ingresso baseado na orientação sexual, quando há humilhação, atendimento selecionado, preterição, sobretaxa, demissão, proibição à livre expressão da afetividade, sendo estas expressões e manifestações permitidas aos demais cidadãos e cidadãs. Qualquer organização social ou empresa com ou sem fins lucrativos instaladas em Santa Catarina; na área pública, militar, poderá ser objeto de penalidade que varia entre advertência; multa de R$ 1.000,00; multa de R$ 3.000,00; suspensão de licença da empresa e cessação. Os valores serão ajustados pela taxa SELIC. 2003 (25 de abril) - O Brasil, com apoio de outros 19 países membros da ONU, propõe projeto de resolução em que todos os membros da organização teriam que promover e proteger os direitos humanos de todas as pessoas, não importando qual a sua orientação sexual. Seria uma resolução histórica, já que pela primeira vez a ONU abordaria a questão dos direitos humanos dos homossexuais. No entanto, uma aliança entre os países muçulmanos, com destaque para Egito, Paquistão, Arábia Saudita, Líbia e Malásia, além do Vaticano e do apoio dos Estados Unidos (abstenção) conseguiu impedir, a votação do projeto. Os países muçulmanos introduziram emendas ao projeto com intenção de eliminá-lo sem votação. As emendas removeram qualquer referência à discriminação com base na orientação sexual. Assim, as relações homossexuais continuam sendo ilegais em quase metade dos países que formam a ONU e quase 70 países as consideram crime, chegando até à pena de morte em alguns, como é o caso de países fundamentalistas islâmicos. 2003 (09 de maio) - O 4° Grupo Cível do Tj-RS reconhece, por maioria, o julgamento de um pedido de reconhecimento de união estável entre homossexuais. O processo teve início em 1996, quando I.L.M. ingressou com ação para ver reconhecido o direito de herdar os bens de V.D., comerciante de Porto Alegre, de quem era funcionário e com quem alegava ter mantido relacionamento de 1981 até o falecimento deste, em 1995. Sem herdeiros diretos, os bens do comerciante passariam ao Município de Porto Alegre - configurada a hipótese de herança jacente. Foi a primeira vez em que o 4° Grupo Cível do Tj-RS, que reúne as 7ª e 8ª Câmaras Cíveis, enfrentou a questão. Ao desempatar este julgamento controverso, o desembargador Carlos Alberto Bencke, considerou que a prova oral colhida demonstrou "que o autor da ação estava sempre em companhia do falecido, e que o comportamento de ambos demonstrava a intenção de viverem maritalmente". "Não se poder mais negar que as uniões homossexuais são uma realidade que não se pode mais desconhecer". Bencke admitiu que "o Direito evoluiu, não se podendo esquecer que a base jurídica existe para a proteção dessas situações de fato. 2004 (09 de janeiro) - O juiz Maurício Goyatá Lopes, da Vara da Fazenda Pública de Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, condenou o Instituto de Previdência dos Servidores do Estado, o Ipsemg, a pagar pensão por morte para um homossexual que viveu amancebado com seu parceiro, um professor da rede pública estadual mineira, até o falecimento deste, há cerca de dois anos. Esta seria a primeira sentença do gênero no Estado de Minas Gerais. O beneficiado, um bibliotecário que não permitiu sua identificação, viveu com o professor por mais de dez anos. Além da pensão, o bibliotecário deve receber o pecúlio e auxílio funeral. Inicialmente, o Ipsemg se recusou a conceder pensão, alegando que a Constituição Federal e a própria legislação do Instituto não reconhecem a relação homossexual como entidade familiar. O bibliotecário moveu então uma ação ordinária, cuja sentença foi assinada no dia 30 de dezembro, um ano e meio depois de impetrada. 2004 (03 de março) - Publicado no do Diário Oficial do Estado do Rio Gande do Sul que através de representação do Ministério Público Estadual, a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio Grande do Sul proveu o Parecer 006/2004-CM/GE, em que o Des. Aristides P. de Albuquerque Neto, Corregedor-Geral da Justiça, afirma: "As pessoas plenamente capazes, independente da identidade ou oposição de sexo, que vivam uma relação de fato duradoura, em comunhão afetiva, com ou sem compromisso patrimonial, poderão registrar 110 documentos que digam respeito a tal relação. As pessoas que pretendam constituir uma união afetiva na forma anteriormente referida, também poderão registrar os documentos que a isso digam respeito." 111 ANEXO C: Quadro usado para apresentação Quadro 6: Quadro usado para apresentação 112 ERRATA Folha Linha Onde se lê Leia-se 113 114