Aneurismas de Aorta: Até Onde Expandir a Indicação do Tratamento

Transcrição

Aneurismas de Aorta: Até Onde Expandir a Indicação do Tratamento
Rev Bras Cardiol Invas 2006; 14(1): 82-88.
Carnevale FC, et al. Aneurismas de Aorta: Até Onde Expandir a Indicação do Tratamento Endovascular? Rev Bras Cardiol Invas 2006;
14(1): 82-88.
Artigo de Revisão
Aneurismas de Aorta: Até Onde Expandir a
Indicação do Tratamento Endovascular?
Francisco César Carnevale1,2,3, Felipe Nasser1,3, Christian Oliveira2,
Marcus Vinícius Borges2, Breno Boueri Affonso1,3
RESUMO
SUMMARY
Até recentemente, as únicas opções de tratamento para os
aneurismas da aorta eram o reparo cirúrgico convencional
ou o tratamento clínico medicamentoso. As técnicas endovasculares têm demonstrado uma evidência crescente como
eficaz opção terapêutica, com a possibilidade de se tornar,
no futuro próximo, a abordagem de preferência para esta
entidade. À medida que estas técnicas continuam sendo
aperfeiçoadas, as técnicas endovasculares têm apresentado resultados cada vez mais animadores em situações
antes consideradas como desfavoráveis. As limitações para
o seu emprego residem, principalmente, nas características
anatômicas vasculares dos pacientes. O desenvolvimento
de materiais cada vez mais flexíveis e de menor perfil tem
possibilitado a superação destes problemas. Apesar disto,
algumas situações ainda são questionáveis e necessitarão
de mais dados para assegurar sua indicação. O objetivo
deste artigo é demonstrar os recentes avanços nas técnicas
endovasculares, que possibilitaram a expansão das indicações
desta modalidade terapêutica nos aneurismas da aorta torácica
e abdominal e sugerir suas indicações e limitações.
Aortic Aneurysm: To What Extent to Expand
Endovascular Treatment Indication?
Until recently, the only treatment options for aortic aneurysms
were conventional surgical repair or medical management.
Endovascular development techniques have been showing
increased evidence of good results suggesting this kind of
treatment is the preferred approach for this disease. As
endovascular development techniques are improved, successful results have been more and more encouraging for
scenarios previously considered unfavorable. Limitations
for regular use are mostly related to patients’ vascular
anatomy. The development of more flexible and small profile
materials have helped overcome those problems. In spite
of this, some procedures are still under investigation and
discussion; therefore, further data are required to support
indication. The purpose of this study is to present the latest
advances that have contributed for indication expansion of
this therapeutic modality for the treatment of thoracic and
abdominal aortic aneurysms, as well as to suggest indications
and limitations.
DESCRITORES: Aneurisma da aorta abdominal. Aneurisma
da aorta torácica. Contenedores, utilização.
DESCRIPTORS: Abdominal aortic aneurysm. Thoracic aortic
aneurysm. Stents, utilization.
A
literatura descrito por Volodos et al.2, no final da década
de 80. Esta terapêutica é variável nos diversos segmentos
da aorta no que diz respeito à sua indicação, técnica
utilizada e complicações.
incidência da doença aneurismática da aorta
varia de acordo com o setor acometido, sendo
mais freqüente no segmento abdominal1. O reparo endovascular tem obtido crescente importância no
tratamento desta entidade, sendo o primeiro relato na
1
Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo - HCFMUSP (InRad), São
Paulo, SP.
2
Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo - HCFMUSP (InCor), São
Paulo, SP.
3
Serviço de Radiologia Intervencionista do Hospital Israelita Albert
Einstein - São Paulo - Brasil.
Correspondência: Francisco César Carnevale. Ed. Central Offices.
Rua Teodoro Sampaio, 352, Cj. 17 - Pinheiros - São Paulo, SP, Brasil
- CEP 05406-000 - Tel: (11) 5096-1221 - Fax: (11) 3088-7749
e-mail: [email protected]
Recebido em: 16/01/2006 • Aceito em: 03/02/2006
Apesar do aumento das indicações, devido aos
menores índices de morbi-mortalidade, em comparação
ao tratamento cirúrgico convencional3, a técnica apresenta limitações relacionadas às características anatômicas próprias de cada segmento aórtico envolvido.
O desenvolvimento tecnológico das endopróteses, atualmente com a utilização de sistemas fenestrados e ramificados, tem possibilitado a expansão das indicações
em situações anteriormente desfavoráveis4.
A principal complicação do tratamento endovascular é o vazamento (endoleak), um diferencial desta
terapêutica, pois exige o seguimento diferenciado e
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maior número de exames complementares de imagem,
acarretando, conseqüentemente, maior custo3.
Além da utilização desta terapêutica em procedimentos eletivos, os resultados na ruptura, complicação
mais freqüente desta doença, parecem promissores5.
Nem todos os pacientes são candidatos ao tratamento endovascular, sendo a anatomia desfavorável a
principal limitação a esta técnica. Estas limitações devem
ser avaliadas individualmente, considerando-se a experiência do grupo, as características observadas à tomografia
computadorizada e a endoprótese a ser utilizada.
Os maiores determinantes anatômicos da possibilidade de tratamento endovascular são o diâmetro e tortuosidade da aorta, a extensão do colo proximal (área de
fixação da endoprótese) e as vias de abordagem no
segmento ilíaco-femoral. Fatores secundários incluem a
angulação da aorta (colo proximal) e artérias ilíacas,
calcificação e presença de trombo mural no colo proximal.
DIÂMETRO E TORTUOSIDADE DA AORTA
Os sistemas disponíveis no mercado foram confeccionados para o implante em diâmetros de aorta prédeterminados, portanto, existem limitações na aplicabilidade destes dispositivos em pacientes com ectasia
nas zonas de ancoragem ou quando as mesmas apresentam calibre muito diminuído. Nestas situações, vale
recordar a importância da familiaridade com os diversos dispositivos disponíveis e a sua correta aplicação
(Tabelas 1 e 2).
A capacidade de navegação dos dispositivos pela
aorta pode ser um fator limitante da técnica e isto
pode estar relacionado tanto com as características da
endoprótese, quanto ao padrão de desenho da árvore
arterial. Como regra geral, as endopróteses confeccionadas com esqueleto em liga de nitinol apresentam
maior flexibilidade em comparação aos sistemas de
aço inoxidável.
Em algumas situações, a navegabilidade dos sistemas pode estar dificultada e algumas táticas poderão
ser úteis. O uso de fios-guias rígidos, como o de
Lunderqüist (Cook®) e Amplatz (Boston Scientific®) permite, em muitos casos, a retificação do segmento aórtico
tortuoso. Outra tática que pode ser utilizada é a “técnica do varal”, que consiste na passagem do fio-guia
desde a artéria femoral até a braquial e posterior tração
da suas extremidades com retificação por um mecanismo
de estiramento, proporcionando, desta forma, uma melhor navegabilidade do sistema condutor da endoprótese.
TABELA 1
Principais endopróteses torácicas disponíveis no mercado e suas características específicas
Endoprótese
Sistema
de Introdução
Diâmetros
Disponíveis
Comprimentos
Disponíveis
Características Específicas
GORE TAG®
20 e 24 French
26 a 40 mm
10,15 e 20 cm
ZENITH TX1®
18 a 22 French
22 a 42 mm
8 e 10 cm
MEDTRONIC
TALENT®
22 e 25 French
34 a 42 mm
130 mm
20 French
25 a 35 mm
40 a 155 cm
22 e 25 French
34 a 42 mm
130 mm
Boa flexibilidade
Mecanismo de liberação ágil
Balão trilobulado
Stents de nitinol
Revestimento em PTFE
Free-flow distal
Liberação precisa
Stents de aço inoxidável
Revestimento em Dacron
Stents de nitinol
Revestimento em Dacron
Futuro sistema Valient estará disponível
com maiores comprimentos (200 mm)
Open web
Menor custo
Tecnologia nacional
Stent de nitinol
Revestimento em PTFE
Stents de aço
Revestimento em Dacron
Baixo custo
Free-flow
NANO APOLO®
BRAILE®
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TABELA 2
Principais endopróteses abdominais disponíveis no mercado e suas características específicas
Endoprótese
Sistema
de Introdução
Diâmetros
Proximais
Introdutores
Contralaterais
Características Específicas
18 French
23 a 28 mm
12 a 18 French
COOK ZENITH FLEX®
18 a 20 French
22 a 32 mm
14 a 16 French
MEDTRONIC TALENT®
22 e 24 French
30 a 34 mm
18 French
20 French
25 a 34 mm
16 French
22 e 25 French
34 a 42 mm
130 mm
Possibilidade de introdução de
extensão contralateral percutânea
Boa flexibilidade
Mecanismo de liberação ágil
Stents de nitinol
Revestimento em PTFE
Free-flow proximal
Liberação precisa
Stents de aço inoxidável
Revestimento em Dacron
Stents de nitinol
Revestimento em Dacron
Sistema de liberação preciso
e diferenciado
Menor custo
Tecnologia nacional
Stent de nitinol
Revestimento em PTFE
Stents de aço
Revestimento em Dacron
Baixo custo
Free-Flow
GORE EXCLUDER®
NANO APOLO®
BRAILE®
EXTENSÃO DO COLO PROXIMAL
Aneurisma da Aorta Torácica
Os aneurismas que envolvem a aorta torácica,
nas proximidades da artéria subclávia esquerda, ou
que se estendem para o próprio arco, podem se apresentar com características desafiadoras, necessitando do
recobrimento de um ou mais ramos do arco para
estabelecer uma zona de ancoragem proximal adequada6. Para a programação do local de implante proximal
da endoprótese, durante o procedimento endovascular,
utilizamos um sistema de classificação anatômica descrita por Balm et al.7 e modificado por Mitchell et al.8
(Figura 1).
A revascularização cirúrgica dos vasos componentes dos troncos supra-aórticos pode ser necessária em
situações em que se planeja o seu revestimento com
a endoprótese e existe a possibilidade de sofrimento
isquêmico cerebrovascular ou do membro superior.
Várias técnicas de ligadura e revascularização extraanatômica dos ramos do tronco supra-aórtico têm sido
descritas em combinação com o emprego de endopróteses em zonas mais proximais9 (Figura 2). Apesar
disto, existem poucos relatos publicados descrevendo
procedimentos endovasculares em lesões proximais6,10.
Quando a fixação da endoprótese for necessária
nas proximidades da origem da artéria subclávia esquerda (Zonas 2 e 3), é aceitável a sobreposição da origem
deste vaso para fixação adequada da endoprótese e
Figura 1 - Zonas de ancoragem na aorta torácica (Balm-Mitchell).
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Figura 2 - Exemplos das diversas possibilidades de revascularização cirúrgica dos troncos supra-aórticos.
seu selamento11. Opiniões divergem acerca da necessidade de revascularização extra-anatômica da artéria
subclávia esquerda nestas circunstâncias. A sobreposição com a endoprótese tem o potencial de complicações, incluindo um vazamento retrógrado via artéria
subclávia, isquemia do membro superior, evento isquêmico cerebral e pode aumentar o risco de paraplegia.
Apesar destes eventos serem infreqüentes, vários investigadores sugerem a rotineira revascularização da artéria subclávia esquerda12-15. A cobertura da artéria subclávia tem sido considerada segura16, no entanto, a
indicação da revascularização não deve ser uma regra17.
à parede. Influencia, conseqüentemente, os resultados
a curto e longo prazo. Os parâmetros a serem considerados são a extensão, o diâmetro, a angulação e a
presença de trombo ou calcificação aórtica.
Observa-se que não existe um consenso na literatura sobre a necessidade de revascularização da artéria
subclávia esquerda. A necessidade de revascularização
pode ser amparada segundo alguns critérios por meio
da avaliação clínica da viabilidade do membro superior
esquerdo, índice pressórico com ajuda de ultra-som
Doppler e a própria angiografia digital para caracterizar a inversão do fluxo através da artéria vertebral.
O diâmetro do colo proximal pode limitar a possibilidade de correção endovascular do aneurisma devido
à indisponibilidade no mercado de diâmetros adequados. Aceita-se, universalmente, que sempre se deva
sobredimensionar o tamanho da endoprótese em 10%
a 20% nos locais de fixação. Na atualidade, pode-se
tratar com êxito aneurismas com colos proximais de
até 30-32 mm de diâmetro.
Vale a pena lembrar do desenvolvimento da síndrome do roubo da subclávia pós-procedimento, a
importância da artéria mamária na revascularização
miocárdica e o papel no fornecimento sangüíneo espinhal medular.
A angulação é definida como o ângulo formado
entre o colo aórtico proximal e o eixo longitudinal
A extensão do colo proximal é medida desde a
artéria renal principal mais baixa até o início do saco
aneurismático. O comprimento mínimo aceitável e seguro é de 15 mm, ainda que alguns autores comecem
a insistir na viabilidade dos colos de comprimento de
10 mm e menores, sobretudo naqueles pacientes considerados de risco elevado para a cirurgia aberta18.
É importante que tenhamos em mente que o desenvolvimento tecnológico e das técnicas endovasculares
ampliará a utilização das endopróteses fenestradas e
ramificadas, com o objetivo de evitar os procedimentos
cirúrgicos associados. A complexidade e as técnicas
utilizadas podem ser os fatores limitantes atuais para
o desenvolvimento destas endopróteses. No entanto,
ainda não se dispõe, no mercado nacional, destas
endopróteses para uso rotineiro (Figura 3).
Aneurisma da Aorta Abdominal
A anatomia do colo proximal determina a eficácia
da exclusão e a durabilidade da adesão do dispositivo
Figura 3 - Angiotomografia de seguimento em paciente tratado com
endoprótese torácica fenestrada (Cortesia do Dr. Roy Greenberg,
Cleveland Clinic Foundation, Cleveland, USA).
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principal do aneurisma da aorta abdominal, considerado
como a linha que vai desde a sua porção proximal até
a bifurcação ilíaca. Quando este ângulo é muito acentuado, isto é, maior que 60 graus, pode ser considerado
um fator limitante. No entanto, endopróteses com grampos (barbs) de fixação proximal podem ser utilizadas19.
do conhecimento técnico e a familiarização do intervencionista com as técnicas endovasculares para os
implantes destes sistemas devido a sua complexidade.
A presença de trombo mural extenso pode dificultar
a fixação segura a longo prazo no colo proximal20-22.
Deve-se ter cuidado nas manobras de liberação e dilatação, já que podem ocasionar embolias por fragmentação do trombo. De uma forma geral, se aceita, como
máximo, a presença de trombo cuja espessura seja
menor que 2 mm e que comprometa menos de 25%
da circunferência aórtica.
O implante de uma endoprótese requer características anatômicas adequadas para o acesso arterial. Os
diâmetros das artérias femorais e ilíacas devem ser
avaliados. Deve-se estudar o diâmetro das artérias ilíacas
para avaliar a passagem do mecanismo liberador da
endoprótese e para calcular o diâmetro do ramo que
assegure um adequado posicionamento distal, no caso
dos aneurismas da aorta abdominal. O diâmetro mínimo para a passagem do mecanismo de liberação é
de 7,5 mm, visto que a maioria dos mecanismos de
liberação atualmente disponíveis possui calibre pouco
menor que este (Tabelas 1 e 2). Em casos de diâmetro
menor que 7,5 mm, estenose grave ou oclusão, devese tratar previamente o segmento doente através de
angioplastia transluminal percutânea. Se a grande quantidade de cálcio na parede da artéria ou o pequeno
diâmetro em toda a sua extensão impedirem o avanço
do sistema de liberação da endoprótese, pode-se realizar um bypass temporário para a artéria ilíaca, deixando
uma extremidade da prótese livre, permitindo a passagem da endoprótese.
A presença de calcificação circunferencial no colo
é um fator prognóstico negativo para a fixação adequada, favorecendo a presença de vazamentos. Aceita-se
como limite máximo tolerável a calcificação mural linear que não supere os 25% do perímetro aórtico.
O alargamento do colo no sentido crânio-caudal
constitui uma contra-indicação relativa para o tratamento
endovascular, considerando-se que o desenho cônico
do colo proximal impede a boa adaptação entre a
endoprótese e a parede do vaso, favorecendo a migração e o vazamento. Os colos cônicos têm difícil tratamento e, nos casos em que opta-se pelo tratamento
endovascular, deve-se eleger uma endoprótese que
permita a fixação supra-renal.
Algumas das características anatômicas desfavoráveis para o método endovascular já estão sendo suplantadas pela técnica. As endopróteses fenestradas e ramificadas estão sendo implantadas em diversos pacientes.
Estudos com estas endopróteses já estão sendo realizados e os sistemas desenvolvidos. Em relação aos
sistemas fenestrados (Figura 4), a limitação da sua utilização reside nos estudos tomográficos adequados
para realização das medidas e a fabricação das endopróteses. Por esta razão, ainda não estão disponíveis
para comercialização. As endopróteses ramificadas,
especificamente as com ramos para as artérias ilíacas
internas, provavelmente estarão disponíveis para utilização brevemente. Vale a pena salientar a necessidade
Figura 4 - Exemplo de endoprótese fenestrada para aorta abdominal
analisada pela angiotomografia.
VIAS DE ABORDAGEM NO SEGMENTO
ILÍACO-FEMORAL
Em situações de oclusão do fluxo ilíaco, devemse utilizar sistemas monoilíacos, sendo necessária a
confecção de uma ponte fêmoro-femoral cruzada23.
Nos casos de aneurisma da aorta abdominal, a
calcificação grave do eixo ilíaco pode comprometer a
capacidade da endoprótese em selar o ponto de ancoragem distal, predispondo a vazamentos. Além disto,
a calcificação associada à tortuosidade pode limitar
seriamente a capacidade destes vasos de servirem de
acesso para o transporte das endopróteses24.
Ambas as artérias femorais comuns constituem a
porta de entrada para todos os elementos necessários
para o implante das endopróteses. É necessário descartar
a presença de calcificações maiores que dificultem a
abordagem, passagem dos instrumentos e sutura posterior do ponto de arteriotomia. Quando o acesso é
tortuoso, prefere-se uma prótese com sistema de liberação de pequeno calibre e flexível. Apesar disto, estudos
prévios têm estimado que, com estes critérios, somente
30% a 60% dos pacientes com aneurismas de aorta
são candidatos ao tratamento endovascular25,26. Para o
contorno destas situações, a confecção de um acesso
retroperitoneal limitado para a introdução da endoprótese
poderá ser realizada para abordagem de vasos ilíacos
mais calibrosos e adequados, preservando os benefícios
das técnicas minimamente invasivas27,28.
Quando há extensão do aneurisma da aorta abdominal para o segmento ilíaco, os vasos hipogástricos
(artérias ilíacas internas) eventualmente necessitarão
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ser recobertos e, nestas situações, aumenta o risco de
isquemia colônica grave, especialmente porque, inevitavelmente, ocorre a sobreposição pela endoprótese da
artéria mesentérica inferior durante o tratamento endovascular 29. No entanto, este risco tem se mostrado
menor do que se imaginava anteriormente30, provavelmente em virtude desta técnica preservar artérias colaterais importantes, as quais são freqüentemente lesadas durante a cirurgia convencional. Alguns estudos
têm demonstrado até mesmo que a interrupção hipogástrica bilateral pode ser aceitável31,32. Apesar destas
evidências, alguns grupos optam por uma postura mais
conservadora, revascularizando sistematicamente pelo
menos uma das artérias hipogástricas pelo método
cirúrgico convencional, evitando este tipo de complicação, a impotência sexual e claudicação glútea33.
CONCLUSÃO
O tratamento endovascular do aneurisma de aorta
é, sem dúvida, um método seguro, eficaz e se firma
como fundamental no tratamento da doença aneurismática da aorta.
O método, devido às suas características de pequena
invasividade, possibilidade de ser realizado com anestesia
local ou bloqueio regional, além de vantagens descritas, tais como a menor estadia hospitalar, menor necessidade de hemotransfusão e recuperação mais rápida,
além de menores taxas de morbi-mortalidade quando
comparada à cirurgia convencional, tem se tornado de
eleição na maioria dos centros, sobretudo para a população mais velha e de elevado risco operatório.
A razão mais comum para se contra-indicar o
tratamento endovascular é a anatomia desfavorável,
sobretudo a falta de um colo proximal com características anatômicas adequadas.
Assim sendo, as limitações do método seriam basicamente duas: anatomia desfavorável e a “idade precoce
do procedimento”, o que ainda não permitiu a obtenção de resultados a longo prazo, sobretudo a respeito
do comportamento das endopróteses disponíveis no
mercado. Deve-se, portanto, individualizar as indicações
de correção endovascular do aneurisma de aorta e
selecionar criteriosamente os grupos de pacientes a
serem tratados com esta técnica, levando-se em consideração a idade, estilo e expectativa de vida, fatores de risco
associados, características anatômicas e experiência do
grupo na realização de procedimentos endovasculares.
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