reforma processual penal

Transcrição

reforma processual penal
REFORMA
PROCESSUAL
PENAL
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OCEDIMENT
OS
PROCEDIMENT
OCEDIMENTOS
LEI 11.719/08
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OVAS
PRO
LEI 11.690/08
São Paulo, 2008
Ano 1 - Volume 2, nº 1, julho/dezembro 2008
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Governador
José Serra
ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO
PÚBLICO DE SÃO PAULO
Diretor
Assessores
Coordenador Editorial
Jornalista Responsável
Capa
Mário de Magalhães Papaterra Limongi
Fabrício Tosta de Freitas
Felipe Eduardo Levit Zilberman
Marcelo Duarte Daneluzzi
Tatiana Viggiani Bicudo
Tatiana Viggiani Bicudo
Rosangela Sanches (MTb 23.566)
Luís Antônio Alves dos Santos
“Revista da ESMP”, co-edição ESMP/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, é semestral, com tiragem de 3 mil exemplares
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Ficha catalográfica elaborada pela
Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo
___________________________________
Revista Jurídica. São Paulo: Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, 2008
Semestral
ISBN: 85-7060-206-5 (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo)
1. Direito - periódicos I. Escola Superior do Ministério Público de São Paulo
___________________________________
Escola Superior do Ministério
Público do Estado de São Paulo
R. Minas Gerais, 316 - Higienópolis
01244-010 - São Paulo - SP - Brasil
Tel.: (11) 3017-7776/3017-7777
Fax: (11) 3017-7754
www.esmp.sp.gov.br
e-mail: [email protected]
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Apresentação
Mário de Magalhães Papaterra Limongi
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Alcance e Natureza Jurídica do Instituto Previsto pelo
Artigo 396 do Código de Processo Penal.....................
Cleber Rogério Masson
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Os Novos Contornos da Emendatio Libelli e da Mutatio
Libelli.................................................................................
Luís Fernando de Moraes Manzano
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A Reafirmação do Processo Acusatório e Contraditório
no Processo Penal Brasileiro: As Reformas de Junho
de 2008........................................................................
Luiz Roberto Salles Souza
Christian Marcos Carboni
6
41
A Reforma do Código de Processo Penal.....................
Rômulo de Andrade Moreira
49
O Recebimento da Denúncia e a Lei 11.719/2008.........
Victor Eduardo Rios Gonçalves
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Os Elementos Produzidos Durante o Inquérito e as
Provas Antecipadas, Cautelares e Irrepetíveis,
segundo a Reforma do CPP......................................
Andrey Borges de Mendonça
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Lei 11.690/08 e a Regulamentação do Inc. LVI do Art.
5º da Constituição Federal - a inadmissibilidade
processual das provas ilícitas...................................
Eduardo Querobim
91
Considerações sobre o Novo Art. 159 do Código de
Processo Penal..........................................................
Eduardo Roberto Alcântara Del-Campo
7
117
As Provas Ilícitas, segundo a Lei 11.690, de 2008.........
Jorge Assaf Maluly
Pedro Henrique Demercian
135
Sistema Probatório do Processo Penal....................
Marco Antonio de Barros
145
Lei n. 11.690/08: Reforma no Tratamento das Provas
Processuais Penais...................................................
Rodrigo de Abreu Fudoli
179
Lei n. 11.719/08, de 20 de junho de 2008...................
197
Lei n. 11.690/08, de 9 de junho de 2008...................
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Diante das recentes modificações na
legislação processual penal, a Escola Superior do
Ministério Público promoveu uma série de palestras
por todo o Estado de São Paulo com o intuito de
propiciar aos colegas uma reflexão sobre os principais
temas.
Não foi difícil encontrar entre os
membros da instituição, aposentados e da ativa,
promotores e procuradores de Justiça, processualistas
de primeira linha, capazes de uma análise prática e
crítica da nova sistemática processual penal.
O sucesso das palestras nos animou a
pedir aos colegas artigos sobre as mudanças havidas.
A colaboração foi imediata, propiciando a edição de
dois volumes em artigos que esgotam o assunto.
Com os agradecimentos aos autores
pela inestimável colaboração e a todos os que
participaram das palestras promovidas em todo o
Estado, desejamos a todos uma boa leitura.
Mário de Magalhães Papaterra Limongi
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CANCE E
ALCANCE
NATUREZA JURÍDICA
INSTITUTO
DO INSTITUT
O
PREVISTO
PELO
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PREVIST
O PEL
ARTIGO 396 DO
CÓDIGO DE
PROCESSO
PENAL
PR
OCESSO PEN
AL
CLEBER ROGÉRIO MASSON
Promotor de Justiça no Estado de São Paulo
Mestre em Direito Penal pela PUC-SP
Professor de Direito Penal e de Direito Processual Penal
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ALCANCE E NATUREZA JURÍDICA DO INSTITUTO
PREVISTO PELO ARTIGO 396 DO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL
Cleber Rogério Masson1
1. Introdução
No âmbito da nova reforma do Código de Processo Penal, entrou em
vigor no dia 22 de agosto 2 a Lei 11.719/2008, a qual, dentre outras providências, alterou a
sistemática dos procedimentos.
A partir de então, o procedimento divide-se em comum ou especial. Aquele
pode ser ordinário, sumário ou sumaríssimo. Ao contrário do que ocorria anteriormente, a
distinção entre os ritos, ordinário e sumário, não leva mais em conta a qualidade da pena, isto
é, de reclusão ou de detenção. Agora, o que importa é a quantidade da pena cominada em
abstrato ao delito.
Nos termos do artigo 394 e § 1°, incisos I a III, do Código de Processo
Penal, será ordinário o procedimento quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima
cominada for igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade, e sumário
quando a pena privativa de liberdade prevista abstratamente for inferior a tal montante.
Subsiste o rito sumaríssimo, adequado para as infrações penais de
menor potencial ofensivo, assim definidas pelo artigo 61 da Lei 9.099/1995 como as
contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2
(dois) anos, cumulada ou não com multa.
Por sua vez, procedimento especial é aquele definido por leis extravagantes cuja incidência se limita às infrações penais nelas contidas. É o caso do rito delineado
pelos artigos 183 a 188 da Lei 11.101/2005 relativamente aos crimes falimentares.
E no artigo 396 a nova lei inseriu no Código de Processo Penal um
instituto até então desconhecido, qual seja, a resposta à acusação, por escrito, no prazo
1
Promotor de Justiça no Estado de São Paulo. Mestre em Direito Penal pela PUC-SP. Professor de
Direito Penal e de Direito Processual Penal.
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“Art. 2°. Esta Lei entra em vigor 60 (sessenta) dias após a data de sua publicação”. A publicação
ocorreu no dia 21 de junho de 2008, e nos termos do artigo 8°, § 1°, da Lei Complementar 95/1998:
“A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-seá com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral”.
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de 10 (dez) dias. Essa figura, que certamente fará surgir inúmeras discussões doutrinárias e jurisprudenciais, será objeto do nosso estudo, especialmente no tocante ao seu
alcance, às suas finalidades e à sua natureza jurídica.
2. Dispositivo legal
Estabelece o artigo 396 do Código de Processo Penal:
Art. 396. Nos procedimentos sumário e ordinário, oferecida a denúncia
ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a
citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de
10 (dez) dias.
Parágrafo único. No caso de citação por edital, o prazo para a defesa começará a fluir a partir do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor
constituído.
3. Alcance
Em uma primeira análise, o instituto aparenta ser genericamente aplicável a todas as ações penais cujo trâmite se desenvolva em primeiro grau de jurisdição,
inclusive aos crimes tipificados pela Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas). De fato, estatui o
artigo 394, § 4°, do Código de Processo Penal que “as disposições dos arts. 395 a 398
deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que
não regulados neste Código”.
O texto de lei, contudo, não pode ser interpretado de forma isolada,
mas sistematicamente. Com efeito, agiu impropriamente o legislador ao criar a mencionada regra genérica. Ensejou espaço para a dúvida e para a contradição, desnecessariamente, pois em seu artigo 396, caput, o Código Penal foi peremptório ao restringir a
resposta escrita exclusivamente aos procedimentos ordinário e sumário.
Destarte, o texto do artigo 394, § 4° deve ser relativizado, para o fim
de aplicar-se a resposta escrita somente aos ritos ordinário e sumário, espécies do procedimento comum, e não a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que
não regulados pelo Código de Processo Penal.
Há, contudo, regra semelhante para os crimes dolosos contra a vida,
albergada pelo artigo 406, caput, do Código de Processo Penal: “O juiz, ao receber a
denúncia ou a queixa, ordenará a citação do acusado para responder a acusação, por
escrito, no prazo de 10 (dez) dias”.
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4. Momento oportuno
A resposta escrita deve ser apresentada pelo defensor do acusado, no
prazo de 10 (dez) dias após a citação, sob pena de nulidade absoluta por violação aos
princípios constitucionais da ampla defesa e do devido processo legal.
Trata-se de etapa imprescindível do processo penal nos crimes que se
processam tanto pelo rito ordinário como pelo rito sumário. Nesse sentido, se o defensor
constituído não apresentar a resposta no prazo legal, ou se o acusado, citado, não constituir
defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por 10
(dez) dias, como se extrai do artigo 396-A, § 2°, do Código de Processo Penal.
A resposta escrita depende de dois fatores: recebimento da denúncia ou
queixa e citação válida. Em outras palavras, exige-se não tenha a inicial acusatória sido
rejeitada liminarmente, medida cabível nas hipóteses em que for manifestamente inepta, bem
como quando faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal, e,
finalmente, quando faltar justa causa para o exercício da ação penal.
E, aplicando-se analogicamente o artigo 406, § 3°, do Código de Processo Penal, com a redação alterada pela Lei 11.689/2008, o querelante ou o Ministério
Público devem manifestar-se sobre a resposta escrita somente na hipótese de nela terem
sido argüidas nulidades ou apresentados novos documentos. Raciocínio diverso implicaria
em ofensa à regra do contraditório, constitucionalmente consagrada.
5. Finalidades
Com a reforma do Código de Processo Penal, extinguiu-se a “defesa prévia”, outrora alojada em seu artigo 395 e oferecida no tríduo legal posterior ao interrogatório.
Em face do desaparecimento desse meio de defesa, o legislador criou,
no campo dos procedimentos ordinário e sumário, a resposta escrita, também chamada de
resposta inicial,3 ora disciplinada pelo artigo 396 do Código de Processo Penal. Trata-se do
momento oportuno para o réu argüir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa,
oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário (art. 396-A).
Também na resposta escrita deve o réu, se assim desejar, opor as exceções
de suspeição, incompetência de juízo, litispendência, ilegitimidade de parte e coisa julgada, as
quais devem ser processadas em apartado, observando o procedimento previsto pelos artigos
95 a 112, como se observa do artigo 396-A, § 1°, todos do Código de Processo Penal.
Mas não pára por aí. Além de permitir todas as medidas processuais que
já tinham lugar com a antiga defesa prévia, a resposta escrita apresenta outra importante
finalidade: demonstrar ao Poder Judiciário a pertinência da absolvição sumária do acusado,
medida também criada pela Lei 11.719/2008 e cabível em quatro hipóteses: I – existência
3
MENDONÇA, Andrey Borges. Nova reforma do Código de Processo Penal: artigo por artigo. São
Paulo: Método, 2006, p. 268.
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manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II – existência manifesta de causa
excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III – evidência de o
fato narrado não constituir crime; e IV – presença de causa de extinção da punibilidade.
Serve para o réu postular a absolvição sumária e indicar ao magistrado a
necessidade dessa medida, seja com alegações contundentes ao seu respeito, seja com a apresentação de documentos que comprovem cabalmente uma das situações previstas pela lei.
Pecou o legislador no inciso IV do artigo 397 (“extinta a punibilidade do
agente”). Não se constitui em motivo idôneo para a absolvição sumária, mas sim para declaração da extinção da punibilidade. A decisão judicial que reconhece a causa extintiva é
declaratória da extinção da punibilidade, e não absolutória, pois não aprecia o mérito da
pretensão punitiva estatal.
Não nos parece, porém, seja correto sustentar a posição pela qual
funciona a resposta escrita como meio de seleção para aferir-se a viabilidade das ações
penais que devem ter regular prosseguimento, separando-a daquelas fadadas inequivocamente ao insucesso. Essa função é reservada de ofício ao magistrado, a quem incumbe a tarefa de rejeitar a denúncia ou queixa quando for manifestamente inepta, ou quando faltar justa causa, pressuposto processual ou condição para o exercício da ação
penal (CPP, art. 395, incisos I a III).
6. Natureza jurídica
Uma análise precipitada do artigo 396 do Código de Processo Penal leva
à conclusão equivocada de tratar-se de defesa preliminar.
Defesa preliminar, na tradição do nosso ordenamento jurídico, é a reação
defensiva à imputação previamente ao recebimento da denúncia ou queixa. O Ministério
Público ou o querelante oferecem a inicial acusatória. O juiz não a aprecia. Determina, inicialmente, a notificação do acusado para defender-se, e, somente após essa defesa, recebe ou
rejeita a denúncia ou queixa. É o que se dá no artigo 514 do Código de Processo Penal,
relativamente aos crimes afiançáveis praticados por funcionários públicos, e também no artigo 55 da Lei 11.343/2006 (Drogas).
Os procedimentos do Código de Processo Penal modificados pela Lei 11.719/
2008 não possuem defesa preliminar. Há, na verdade, resposta escrita, posterior ao recebimento
da denúncia ou queixa. Diversos motivos fundamentam essa natureza jurídica. Vejamos.
Com o oferecimento da denúncia ou da queixa, o artigo 395 do Código
de Processo Penal impõe ao juiz a tarefa de analisar se ela é apta ou inepta, assim como a
presença dos pressupostos processuais e condições da ação, e ainda justa causa (lastro
probatório mínimo acerca dos indícios da autoria e prova da materialidade do fato) para o
exercício da ação penal.
Se for inepta ou se estiverem ausentes os demais requisitos, deve o magistrado rejeitar a peça processual ajuizada pelo Ministério Público ou pelo ofendido ou
quem tenha poderes para representá-lo. Por outro lado, se for apta e encontrarem-se presentes a justa causa, os pressupostos processuais e as condições da ação, o juiz recebe a
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denúncia ou a queixa. É o que se infere do artigo 396, caput, do Código de Processo
Penal: “Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o
juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para
responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias”. (destacamos)
Portanto, o recebimento da denúncia ou queixa antecede a resposta escrita.4 A inicial acusatória já passou pelo juízo de admissibilidade, pois considerada minimamente aceitável, justificando seu recebimento, o que importa também no Direito Penal em
diversos reflexos, como a interrupção da prescrição (CP, art. 117, inc. I) e o limite temporal
para a diminuição da pena em decorrência do arrependimento posterior (CP, art. 16).
E também já se operou a citação, o que acarreta na completude da relação
processual, nos moldes do artigo 363 do Código de Processo Penal. E, para falar-se em relação
processual completa, exige-se obrigatoriamente o recebimento da denúncia ou queixa.
Em síntese, o Ministério Público ou o querelante oferecem a denúncia
ou a queixa. Após, o juiz analisa a necessidade ou não de sua rejeição liminar: se o fizer,
encerra a ação penal, mas, se recebê-la, ordena em seguida a citação do acusado para
apresentar resposta escrita.
Na resposta escrita, reservam-se ao réu os poderes apontados pelo artigo 396-A do Código de Processo Penal, bem como lhe permite requerer ao juiz a absolvição
sumária. Até mesmo para o réu seria prejudicial a resposta escrita sem o recebimento da
denúncia ou queixa. Deveras, não seria cabível a absolvição sumária sem o juízo de
admissibilidade da inicial acusatória. Como bem destaca Andrey Borges de Mendonça:
(...) seria logicamente impossível a absolvição sumária do acusado sem o anterior recebimento da denúncia. O juiz julgaria qual pretensão improcedente, se
sequer recebeu a acusação? Absolveria o acusado de que, se sequer houve
recebimento da denúncia? Seria incoerente, em nosso sentir, uma absolvição
sem que houvesse processo, sem recebimento de denúncia. 5
A redação do artigo 399, caput, do Código de Processo Penal é confusa, mas deve ser entendida, por questão de lógica, como indicativa do recebimento da denúncia
ou queixa e conseqüente apresentação de resposta escrita, sem optar o juiz pela absolvição sumária. Assim sendo, o magistrado designa audiência de instrução e julgamento, que deve ser realizada
no prazo máximo de 60 (sessenta) dias. Poderia o legislador ter utilizado redação nesse sentido:
“Se, recebida a denúncia ou a queixa, não for cabível a absolvição sumária, o juiz designará dia e
hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público
e, se for o caso, do querelante e do assistente”.
4
No mesmo sentido: ESTEFAM, André. A Lei n. 11.719/2008 não criou “defesa preliminar”. São
Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, jul. 2008. Disponível em: www.damasio.com.br. Acesso em
05/08/2008.
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MENDONÇA, Andrey Borges. Nova reforma do Código de Processo Penal: artigo por artigo. São Paulo
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Nessa audiência a ordem de oitiva é a seguinte: declarações do ofendido, inquirição das testemunhas (primeiro as de acusação e depois as de defesa), esclarecimentos dos peritos, acareações e reconhecimentos de pessoas e coisas, e, por
último, interrogatório do acusado (CPP, art. 400, caput).
Com a produção das provas em audiência, o Ministério Público, o
querelante e o assistente, e, a seguir, o acusado poderão requerer diligências cuja necessidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução. Se o juiz acatar o
pedido, encerra a audiência sem as alegações finais, e, realizada a diligência determinada, as partes apresentarão, no prazo sucessivo de 5 (cinco) dias, seus memoriais, e,
no prazo de 10 (dez) dias, o juiz proferirá a sentença (CPP, art. 402 c.c. art. 404 e p.
único).
Por sua vez, se, encerrada a audiência, não houver requerimentos de
diligências, ou se indeferido pedido nesse sentido, as partes oferecerão alegações finais
oralmente, primeiro a acusação e depois a defesa, por 20 (vinte) minutos, prorrogáveis
por mais 10 (dez), preferindo o juiz, a seguir, a sentença. Em razão da complexidade do
caso ou do número de acusados, poderá o juiz conceder às partes o prazo de 5 (cinco)
dias sucessivamente para a apresentação de memoriais, e, após, deverá sentenciar em
10 (dez) dias (CPP, art. 403 e § 3°).
Fica nítido, assim, o motivo que levou o legislador a introduzir no sistema
processual o instituto da resposta escrita.
Antes da Lei 11.719/2008, o réu era citado para ser interrogado em juízo.
Dentro do prazo de três dias após o interrogatório, podia apresentar defesa prévia, ocasião
em que arrolava testemunhas, argüia preliminares, apresentava exceções, etc.
Com a edição da Lei 11.719/2008, o réu é interrogado apenas na audiência de instrução e julgamento. Logo, não teria mais espaço para a defesa prévia, então disciplinada pelo artigo 395 do Código de Processo Penal. Conseqüentemente, foi necessária a
criação da resposta escrita para que o réu possa desempenhar diversas funções: argüir preliminares, alegar o que interessar à sua defesa, notadamente para buscar a absolvição
sumária, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar
testemunhas a serem ouvidas em juízo etc.
Constitui-se a resposta escrita, portanto, em meio de defesa posterior ao
recebimento da denúncia ou queixa, e não em defesa preliminar, pois não se destina a buscar
a rejeição da inicial acusatória.
É válido destacar, porém, que o Projeto de Lei n° 2007, de 2001, do
qual resultou a Lei 11.719/2008, tinha originariamente o propósito de fazer a resposta
escrita desempenhar a função de defesa preliminar, anterior ao recebimento da denúncia
ou queixa. Mas na Câmara dos Deputados o projeto foi alterado, com a justificativa de
que não seria correto determinar a citação do acusado sem o recebimento da inicial
acusatória. E quando o projeto foi encaminhado ao Senado Federal, mais uma vez tentou-se ressuscitar a figura da defesa preliminar. Em vão, pois quando retornou à Câmara
dos Deputados a emenda foi rejeitada.
Confira-se o parecer do Deputado Régis Fernandes de Oliveira à mencionada emenda do Senado Federal: “Emenda n. 8: Pretende alterar no caput do art. 395, do
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Código de Processo Penal, o termo “recebê-la-á, sob a justificativa de que o ato de
recebimento da denúncia está previsto no momento descrito no art. 399. O instrumento
que é o processo, não pode ser mais importante do que a própria relação material que se
discute nos autos. Sendo inepta de plano a denúncia ou queixa, razão não há para se
mandar citar o réu, e, somente após a apresentação da defesa deste, extinguir o feito.
Melhor se mostra que o Juiz ao analisar a denúncia ou queixa ofertada fulmine relação
processual infrutífera. Rejeita-se a alteração proposta pelo Senado”.
7. Conclusões
Em face do que foi exposto, são possíveis as seguintes conclusões
acerca da resposta escrita, prevista pelo artigo 396, caput, do Código de Processo Penal, com a redação alterada pela Lei 11.719/2008:
1) O instituto é aplicável aos crimes cujo processo e julgamento
observam os procedimentos ordinário e sumário;
2) Existe, entretanto, regra análoga para os crimes de competência
do Tribunal do Júri, contida no artigo 406, caput, do Código de Processo Penal, com a
redação definida pela Lei 11.689/2008;
3) A resposta escrita deve ser apresentada pelo defensor, no prazo
de 10 dias após a citação, e, em caso de omissão, o juiz nomeará defensor para
oferecê-la em igual prazo;
4) A ausência de resposta escrita constitui nulidade absoluta, por violação aos princípios constitucionais da ampla defesa e do devido processo legal;
5) O querelante ou o Ministério Público devem manifestar-se sobre a
resposta escrita somente na hipótese de nela terem sido argüidas nulidades ou apresentados
novos documentos, em obediência ao principio do contraditório, constitucionalmente consagrado;
6) A resposta escrita substitui, ainda que em momento diverso, a antiga
defesa prévia. Portanto, destina-se à argüição de nulidades, apresentação de exceções, indicação de testemunhas, e, notadamente, para o acusado pleitear a absolvição sumária; e
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7) Finalmente, trata-se de meio processual de defesa do réu, e não de
defesa preliminar, uma vez que depende do prévio recebimento da denúncia, bem como
da citação válida do acusado.
Bibliografia
ESTEFAM, André. A Lei n. 11.719/2008 não criou “defesa preliminar”. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, jul. 2008. Disponível em:
www.damasio.com.br. Acesso em 05/08/2008.
MENDONÇA, Andrey Borges. Nova reforma do Código de Processo
Penal: artigo por artigo. São Paulo: Método, 2006, p. 266.
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LUÍS FERNANDO DE MORAES MANZANO
Promotor de Justiça no Estado de São Paulo
Especialista em Direito Público pela ESMP
Mestrando em Processo Penal pela Faculdade
de Direito da USP
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OS NOVOS CONTORNOS DA EMENDATIO LIBELLI E DA
MUTATIO LIBELLI
Luís Fernando de Moraes Manzano1
1. Introdução
A Lei 11.719, de 23 de junho de 2008, introduziu novos contornos à
emendatio libelli e à mutatio libelli.
Para melhor compreensão das modificações havidas, elas serão apresentadas em comparação com a sistemática anteriormente vigente.
2. Princípio da correlação, da congruência ou da equivalência
O princípio da correlação entre acusação e sentença, também chamado
da congruência da condenação com a imputação, ou ainda, da correspondência entre o
objeto da ação e o objeto da sentença, expressa que a sentença deve guardar correlação
com o pedido. Trata-se de uma das mais relevantes garantias do direito de defesa.
Qualquer distorção, sem a observância do disposto no art. 384 do Código de Processo Penal, significa ofensa àquele princípio e acarreta a nulidade da sentença.
3. Regra da imutatio libelli
É nula a sentença ultra, citra e extra petita, por ofensa ao princípio em
tela. Ademais, a primeira ofende também o princípio da ação ou demanda, na medida em que
a entrega jurisdicional ultrapassa os limites da pretensão deduzida; a segunda, fere de igual
1
Bacharel Internacional pelo Armand Hammer United World College of the American West (1982-1984).
Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (1991) e, em Engenharia
pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (1991), sendo o orador das turmas. Advogado
(1992). Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo (ingresso em 1992). Membro
do Conselho de Segurança do Município de Campinas (1995-1996). Coordenador do Grupo de Estudos
Campos Salles em Campinas (1996-1997). 1º Diretor do Núcleo Regional da Escola Superior do Ministério Público de Campinas (1997). Fundador e coordenador do Curso Veredicto Preparatório para as
Carreiras Jurídicas de Campinas e Região (1996-2005). Especializado em Direito Público pela Escola
Superior do Ministério Público (2006). Mestrando em Direito Processual pela Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo. Professor assistente da USP e Professor de Direito Processual do Curso
Marcato. Coordenador Geral do JURISUL.
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modo o princípio da inafastabilidade ou indeclinabilidade da jurisdição, pois o juiz não pode
deixar de apreciar a causa que lhe é trazida à solução; e, por fim, a terceira atenta contra os
três princípios mencionados neste parágrafo, pelas mesmas razões já explicitadas.
O juiz não pode, portanto, proferir sentença ultra, citra ou extra petita,
sob pena de causar prejuízo à defesa e de nulidade da sentença. Trata-se da enunciação da
regra da imutatio libelli.
4. Teoria da substanciação versus teria da individuação e o princípio juris novit curia
No processo brasileiro vigora o princípio juris novit curia, isto é, o juiz
conhece o direito e, quanto à causa de pedir, nosso ordenamento jurídico adotou a teria da
substanciação, que se contrapõe à teoria da individuação. Segundo a teoria adotada, o réu se
defende dos fatos contra ele imputados, de que toma conhecimento por intermédio da citação e contra-fé, e não da capitulação legal dada ao crime na inicial.
5. Emendatio libelli (art. 383)
Em razão das teorias e princípios supra ditos, o Código autoriza o
juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, a atribuir-lhe
definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais
grave (art. 383, caput).
Em sua redação anterior, dispunha o art. 383:
“Art. 383. O juiz poderá dar ao fato definição jurídica diversa da que constar
da queixa ou da denúncia, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar
pena mais grave”.
A nova redação é a seguinte:
“Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou
queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave”.
Com a nova redação dada pela Lei 11.719, de 20 de junho de 2008, ao
dispositivo ficou mais claro que na hipótese de emendatio libelli não há modificação nos
fatos narrados na denúncia ou queixa, sendo possível, isto sim, que o juiz, sem alterar a
descrição dos fatos, subsuma-os à norma penal que entenda aplicável. Afinal, cabe ao juiz,
que conhece o direito, aplicá-lo à espécie.
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Desde o direito romano arcaico as partes compareciam à presença do
pretor e, depois de narrarem os fatos, assumiam a litiscontestatio, isto é, o compromisso de
se submeterem ao que fosse por ele decidido, pois era ele o árbitro dos conflitos de interesses resistidos, haja vista que, em razão de sua ligação com as divindades ou com os anciãos,
conheciam a vontade dos deuses ou os costumes dos povos e, pois, tinham condições de
melhor decidir. A esta época remontam as expressões narra mihi factum dabo tibi jus e
juris novit curia.
Afinal ao juiz compete o exercício da atividade, função e poder jurisdicional
que, em contrapartida, impõe-lhe o dever de apreciar a causa que lhe é trazida à solução.
A nova sistemática, introduzida pela Lei 11.719, de 20 de junho de 2008,
alterou apenas a redação do artigo para tornar mais clara a intenção da lei, sem, contudo,
impor qualquer alteração em seu sentido.
Saliente-se que o juiz somente poderá dar definição jurídica diversa
ao fato, se o mesmo estiver descrito na inicial, ainda que disso resulte a aplicação de
pena mais grave, sem que importe em prejuízo à defesa, pois, segundo a teoria da
substanciação, o réu se defende dos fatos contra ele imputados e não da capitulação
legal dada ao crime na inicial.
Vale dizer, cabe ao titular da ação penal narrar na inicial os fatos cuja
prática imputa ao agente e, ao juiz, a entrega da prestação jurisdicional, ou seja, dizer o
direito, o que se expressa na parêmia narra mihi factum dabo tibi jus.
Assim, por exemplo, o juiz pode reconhecer a existência de elementares,
qualificadoras, causas de aumento de pena descritas porém não capituladas na inicial, o que
redundará na aplicação de pena mais gravosa que aquela que seria imposta ao crime capitulado na inicial.
A emendatio libelli também se aplica ao julgamento em grau de recurso,
observando-se, porém, que somente se houver recurso da acusação é que o tribunal pode
aumentar a pena, em virtude da proibição da reformatio in pejus e do tantum devoluntum
quantum appellatum. Nesse caso, não tendo havido recurso da acusação, o tribunal corrige a classificação, mas não pode aumentar a pena.
Assim, por exemplo, se o promotor de justiça descreveu o apossamento
da res furtiva mediante arrebatamento e classificou o fato como sendo crime de furto, nada
obsta a que o juiz condene o réu por roubo, por entender que o arrebatamento da corrente
do pescoço da vítima configurou a violência necessária à caracterização do roubo.
Cumpre observar, de outra parte, que a nova lei acrescentou dois parágrafos ao comentado art. 383, de seguintes teores:
“Art. 383...
§ 1º. Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de
acordo com o disposto na lei.
§ 2º. Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão
encaminhados os autos.”
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Os acréscimos (dois parágrafos) buscaram adequar o Código de Processo Penal às Lei 9.099/95. Assim, dispôs a nova lei que, se em razão da nova definição jurídica do fato narrado na denúncia ou queixa, a pena mínima prevista para o crime
não exceder a um (01) ano de prisão, o juiz dará vista dos autos ao Ministério Público
para o oferecimento de proposta de suspensão condicional do processo, nos termos do
art. 89 da Lei 9.099/95. Semelhante orientação já vinha sendo adotada pelo STJ (vide
Súmula 337 a propósito2).
Caso o órgão ministerial discorde da interpretação jurídica dada pelo juiz
ao fato narrado na denúncia e, em razão disso, recuse-se a oferecer a proposta de sursis
processual, de todo aplicável a Súmula 696 do STF3.
A lei 9.099/95 não previu a possibilidade de oferecimento de proposta de
suspensão condicional do processo nos crimes de ação penal privada. É o que se infere da
leitura do art. 89, caput, da lei, cuja redação é a seguinte:
“Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior
a 1 (um) ano, abrangidos ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao
oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por 2 (dois)
a 4 (quatro) anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou
não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos
que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código
Penal)”.
Contudo, na jurisprudência atual predomina claramente o entendimento
de que é cabível a suspensão do processo na ação penal privada: STJ, HC 5.585-RJ, rel.
Min. Cid Fláquer Scartezzini, DJU de 02.03.1998, p. 120; STJ, HC 18.590-MG, rel. Hamilton Carvalhido, DJU de 25.02.2002, p. 453, j. 04.12.2001.
Por outro lado, se a nova tipificação ensejar a competência de outro juízo,
caberá ao juiz encaminhar-lhe os autos para prosseguimento.
O § 2º do art. 383 teve claramente em mira a hipótese em que, efetivada
a nova definição jurídica do fato, resulte qualificado como infração penal de menor potencial
ofensivo. Neste caso, portanto, os autos deverão ser remetidos ao Juizado Especial, para a
adoção do rito especial previsto na Lei 9.099/95.
Sumarizando, se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver
possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei (art. 383, § 1º). Tratando-se de infração da competência de outro
juízo, a este serão encaminhados os autos (art. 383, § 2º).
2
Súmula 337 do STJ: é cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na
procedência parcial da pretensão punitiva.
3
Súmula 696 do STF: reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o promotor de justiça a propô-la, o juiz, dissentindo, remeterá a questão ao procurador-geral, aplicando-se, por analogia, o art. 28 do Código de Processo Penal.
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6. Mutatio libelli (art. 384)
Por outro lado, verdadeira exceção à regra da imutatio libelli está prevista no art. 384.
Na redação anterior, dispunha o art. 384:
“Art. 384. Se o juiz reconhecer a possibilidade de nova definição jurídica
do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de circunstância
elementar, não contida, explicita ou implicitamente, na denúncia ou queixa, baixará o processo, a fim de que a defesa, no prazo de oito dias, fale e,
se quiser, produza prova, podendo ser ouvidas até três testemunhas.
Parágrafo único. Se houver possibilidade de nova definição jurídica que
importe aplicação de pena mais grave, o juiz baixará o processo, a fim de que
o Ministério Público possa aditar a denúncia ou a queixa, se em virtude desta
houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, abrindo-se, em
seguida, o prazo de três dias á defesa, que poderá oferecer prova arrolando
até três testemunhas.”
A nova redação dada pela Lei 11.719/08 é a seguinte :
“Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova
definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos
de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação,
o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5
dias, se em virtude desta houver sido instaurado processo em crime de
ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente.
§ 1º Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento,
aplica-se o art. 28 deste Código.
§ 2º Ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 dias e admitido o
aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e a
hora para a continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo
interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento.
§ 3º Aplicam-se as disposições dos §§ 1º e 2º do art. 383 ao caput
deste artigo.
§ 4º Havendo aditamento, cada parte poderá arrolar até 3 testemunhas, no prazo de 5 dias, ficando o juiz, na sentença, adstrito aos termos do
aditamento.
§ 5º. Não recebido o aditamento, o processo prosseguirá”.
Trata o dispositivo da mutatio libelli, que ocorre quando o juiz observa,
ao tempo da prolação da sentença, que os fatos descritos na inicial não coincidem com os
fatos apurados durante a instrução criminal em face da existência de elementar ou circunstância da infração penal que não se encontra descrita na denúncia ou queixa.
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Neste caso então a lei previu a necessidade de prévio aditamento da inicial e pronunciamento da defesa, para que não se transija com a garantia constitucional da
ampla defesa. A inobservância da regra contida no art. 384, caput, do CPP acarreta, como
conseqüência, a nulidade da sentença por ofensa dos princípios da correlação e da ampla
defesa, com fundamento no art. 564, inc. IV do Código de Processo Penal.
Logo, impõe-se ao Ministério Público o aditamento da denúncia ou queixa subsidiária para o fim de incluir elemento ou circunstância na descrição fática não contida
na inicial, e que foi apurada durante a instrução criminal.
Uma das modificações observadas na nova redação se refere à possibilidade de que o aditamento seja feito oralmente em audiência, caso em que será reduzido a termo. Nesse passo, o dispositivo em estudo se harmonizou à nova sistemática
ritual implantada pela Lei 11.719/08, marcada pela audiência una, concentração,
oralidade, imediatidade e identidade física do juiz.
Além disso, o aditamento passou a ser sempre exigido, mesmo quando, em razão da prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração não
contida na acusação, resulte aplicação de pena igual ou menor que a prevista para a
infração penal narrada na inicial.
Aqui, portanto, a hipótese é diversa da do art. 383, pois, em sede de
mutatito libelli, o fato não está inteiramente descrito na inicial na medida em que um
adendo do fato (elemento ou circunstância) vem a ser desvendado no curso da instrução
criminal. O juiz, nesse caso, não poderá condenar o réu pelo novo fato que não está
inteiramente descrito na inicial sem o aditamento à denuncia e o prévio pronunciamento
da defesa, a fim de manter íntegros os princípios da correlação e da ampla defesa, sob
pena de nulidade da sentença.
Duas hipóteses podem ocorrer:
1ª) a elementar ou circunstância não altera ou diminui a pena;
2ª) a pena vem a ser agravada.
Na sistemática anterior, o art. 384, caput, ao tratar da primeira hipótese, recomendava vista dos autos à defesa, por oito dias, podendo esta arrolar até três
testemunhas, ao passo que o parágrafo único, ao disciplinar a segunda hipótese, impunha vista ao Ministério Público para o aditamento e, depois, à defesa, por três dias, para
que arrolasse até três testemunhas. As soluções, como se vê, eram díspares, conforme a
hipótese verificada pelo juiz.
A nova sistemática simplificou a matéria, na medida em que recomendou a adoção da mesma solução para as duas hipóteses. Sem dúvida, o modelo atual é
mais garantista, no sentido de melhor assegurar a congruência entre a sentença e o pedido, e o amplo exercício da defesa e do contraditório, por exigir o aditamento da denúncia ou queixa e o pronunciamento prévio da defesa nas duas hipóteses.
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Portanto, de acordo com a nova redação dada ao dispositivo, o aditamento será sempre necessário, independentemente da circunstância ou do elemento não descrito, importar em aplicação de uma pena igual ou de menor gravidade, caso em que, de
acordo com a sistemática anterior, não se exigia o aditamento, mas tão somente a intimação
do defensor para que se manifestasse no prazo de 8 dias (previsão esta, contida no antigo
caput do art. 384), podendo produzir prova e arrolar até 3 testemunhas.
Caso o aditamento não seja oferecido oralmente em audiência, o prazo para que o órgão do Ministério Público o realize é de 5 dias. Uma vez admitido o
aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora para
continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento.
Logo, a lei estabeleceu que a instrução possa ser reaberta, e que, a
pedido das partes, novo interrogatório, ao final, seja realizado, em que consagrou o
entendimento no sentido de que o interrogatório é meio de defesa, e não meio de produção de prova, cabendo anotar que a redação anterior não previa a possibilidade de
renovação do ato a pedido das partes, o que dava margem à discussão sobre a possibilidade de repetição voluntária.
Por outro lado, a nova redação eliminou a expressão “circunstância
elementar”contida na redação anterior, a qual deu margem a duras críticas doutrinárias. Substituiu-a por “elemento ou circunstância”, que é, sem dúvida, mais precisa, embora ainda não
seja suficientemente adequada, pois ao invés de “elemento” melhor teria escrito “elementar”.
Dizia a doutrina, em geral, que a expressão “circunstância elementar” não
se afigurava correta: a elementar compõe o tipo penal; circunstância deriva de circunstare,
que significa estar ao redor de (do crime), está fora do crime. Se é elementar, está no crime;
se é circunstância, fora do crime, pelo que “circunstância elementar” expressa algo que está
“dentro e fora”; é dizer, afigurava-se expressão vazia, sem sentido algum, desprovida de
significado qualquer.
Em boa hora, sensível aos reclamos doutrinários, o legislador substituiu a
expressão “circunstância elementar” por “elemento ou circunstância”.
Elemento e circunstância abrangem não só as elementares propriamente ditas, mas também as circunstâncias legais (qualificadoras, causas de aumento e
de diminuição de pena).
E quanto às agravantes? Dispõe o art. 385, que não foi alterado, que
“nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda
que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer
agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada”, mesmo que não tenham sido articuladas na denúncia ou queixa.
Portanto, por elemento ou circunstância entenda-se:
1) elementar;
2) qualificadora; e,
3) causa de aumento e de diminuição de pena.
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Em se tratando de fato novo, tem aplicação o disposto no art. 40 do
CPP. Nesse caso, descabe o aditamento ainda que haja conexão. Deve ser oferecida nova
denúncia, instaurando-se outro processo contra o acusado.
Por outro lado, nos crimes de ação pública o juiz poderá reconhecer
agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada (art. 385, 2ª parte).
A fase do art. 384 é a última oportunidade para se fazer a adequação da
imputação à realidade fática, por duas razões:
1ª) porque o procedimento não pode ser adotado em segundo grau de jurisdição. Com efeito, a Súmula 453 do STF dispõe sobre a impossibilidade de aplicação da mutatio
libelli em segundo grau. Portanto, não se aplica à segunda instância o art. 384 do CPP;
2ª) porque a absolvição sobre o fato fará coisa julgada material sobre o fato
inteiro, ainda que não julgado por inteiro. Assim, por exemplo, se o réu foi processado pela prática
de crime de estupro sem que tivesse havido coito vaginal, mas sim anal, após o trânsito em julgado
da sentença não poderá mais ser processado pelo crime de atentado violento ao pudor, pois
ninguém pode ser julgado duas vezes pelo mesmo fato, naturalisticamente considerado.
Esse procedimento, que assegura o direito de defesa, para alguns
doutrinadores é resquício do procedimento de ofício, indesejável num sistema acusatório
puro, porque é o juiz que aponta a elementar ou circunstância e provoca o aditamento da
denúncia pelo Parquet, incorrendo, pois, em irrefragável inconstitucionalidade, pois o exercício da ação penal pública é privativo do Ministério Público (art. 129, inc. I, da CF).
Nesse sentido, decidiu o extinto TACrimSP (JUTACrim 90/368) que o
juiz deve esclarecer “qual a prova e circunstância elementar não contidas explícita ou implicitamente na denúncia” e, se deixa de fazê-lo, “nulo é o despacho, porque a acusação deve
ser certa, para que o réu possa se defender amplamente” (grifou-se). Admitindo, como o
acórdão, que há uma nova acusação, discutível a constitucionalidade do art. 384, caput,
pois, segundo o art. 129, inc. I da CF, qualquer acusação em crime de ação pública deve ser
formulada pelo Ministério Público.
De se ponderar, contudo, que o Supremo Tribunal Federal jamais declarou a inconstitucionalidade do art. 384 do CPP.
Suponha-se que, denunciado por furto simples, venha o réu a ser condenado por apropriação indébita, sem observância do disposto no novo art. 384, caput. O réu
apela para ser absolvido, não alegando a preliminar de nulidade da sentença. Impende, nesse
caso, observar o teor da Súmula 160 do STF, no sentido de que “é nula a decisão do
tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não argüida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício”. Se o Tribunal verificar que as elementares da apropriação indébita não estavam contidos na acusação, deve absolver o apelante, uma vez que
o art. 384 não pode ser aplicado em segunda instância. Em suma: caso o Tribunal reconheça
ser o caso de aplicar o art. 384, a solução é a absolvição, e não a decretação da nulidade.
O prazo para o Promotor de Justiça oferecer aditamento não estava expresso na redação anterior do art. 384, parágrafo único. À míngua de previsão legal, entendia a doutrina, por analogia ao art. 46, § 2º, que o prazo era de 3 dias. Também decorria de
entendimento doutrinário que, em caso de recusa do aditamento, aplicar-se-ia o art. 28 do
CPP também por analogia.
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A nova lei dirimiu qualquer controvérsia sobre a matéria, e positivou,
no caput, o prazo de 5 dias para o aditamento da denúncia ou queixa subsidiária e, no §
1º, que “Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento, aplica-se o
art. 28 deste Código”. Assim, a nova lei melhor atendeu ao princípio da segurança
jurídica na medida em que suprimiu lacunas existentes na redação anterior conducentes
a incertezas tormentosas.
A nova redação não inovou, uma vez que já era entendimento pacífico da
doutrina e da jurisprudência que se o representante do Ministério Público deixasse de oferecer o aditamento à peça inicial, deveria ser aplicado o art. 28 do CPP por analogia.
Ao fazer o aditamento, o promotor de Justiça não está adstrito aos limites
estabelecidos pelo juiz, de acordo com o STF, podendo fazê-lo mesmo sem a determinação
deste em alegações finais por exemplo; isto porque a denúncia pode ser aditada a qualquer
tempo. O recebimento do aditamento não interrompe a prescrição, pois a hipótese não está
contida entre as causas interruptivas da prescrição relacionadas no art. 117 do CP. Admitido
o aditamento, dispõe o novo § 2º do art. 384, que o juiz, a requerimento de qualquer das
partes, designará dia e hora para continuação da audiência com inquirição de testemunhas,
novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento.
A previsão de novo interrogatório do acusado constitui inovação, pois
não constava da redação anterior, o que gerou grande controvérsia em torno de sua
indispensabilidade. Além disso, ao consignar, in fine, “realização de debates e julgamento”, o
dispositivo adequou-se à nova sistemática adotada pela mesma Lei 11.719/08 quanto aos
ritos, eliminando as fases dos arts. 499 a 502, que foram substituídas pelos debates e julgamento, tanto para o rito sumário quanto para o rito ordinário.
Note-se, porém, que a nova lei, assim como a anterior, não faz menção
alguma quanto à necessidade de que, procedido ao aditamento, a citação seja renovada, de
que se impõe concluir pela dispensa do ato.
O assistente da acusação não pode aditar a denúncia, em razão da natureza jurídica de sua atuação, que legitima sua intervenção no processo penal para defender
um direito próprio, não também para a defesa do interesse social envolvido na repressão
criminal, tarefa constitucionalmente afeta ao Ministério Público, pois, se lhe fosse dado fazêlo, a lei estaria a homenagear uma superfetação de atribuições.
Por outro lado, nada impede que, após as providências referidas no dispositivo em estudo e produzidas as alegações e provas das partes, o juiz condene o acusado
pelos fatos descritos na inicial (desconsiderado o aditamento), dos quais o réu se defendeu
no processo, por entender não haver prova contundente a respeito das circunstâncias ou
elementares que vislumbrava anteriormente.
Apesar dos avanços, ainda persiste dúvida sobre a aplicabilidade ou não
do art. 384, caput, à ação penal exclusivamente privada por analogia invocando, em amparo, o disposto no art. 3º do CPP, que admite a aplicação da analogia e interpretação extensiva às normas processuais penais. Há duas orientações:
1ª) (Mirabete, Greco, Frederico Marques e Basileu Garcia) não se aplica. Ratio: a analogia somente é cabivel em caso de lacuna involuntária da lei, para integrála. Na hipótese, sustentam esses autores, o legislador não deixou lacuna a ser suprida, pois se
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refere expressa e exclusivamente à ação privada subsidiária. Além disso, interpretação em
contrário feriria o princípio da disponibilidade e oportunidade, na medida em que seria o juiz
a provocar o ofendido a lhe trazer o fato à apreciação.
2ª) (Tourinho Filho e Damásio) aplica-se também à ação penal exclusivamente privada. Ratio: “Seria estranho que o querelante, pelo fato de, inicialmente, não haver
apreendido, em toda a sua extensão, a gravidade do fato delituoso demonstrada na instrução, não pudesse fazer o aditamento, desde que o fizesse dentro do prazo decadencial. E
mais estranha ainda a posição do juiz, não podendo condenar pelo crime verificado (ante a
ausência de aditamento), e muito menos pelo capitulado (porque na verdade o crime foi
outro), teria forçosamente que proferir um decreto absolutório”4.
O dissenso ainda é atual, na medida em que, em sua nova redação, o art.
384, caput, manteve a mesma fórmula contida no parágrafo único do art. 384 (antigo), que
reza “(...) aditar a denúncia ou queixa, se em virtude desta houver sido instaurado o
processo em crime de ação pública”.
Regra importante a ser obedecida quando da aplicação da mutatio
libelli é que o juiz, ao baixar os autos em Cartório para as providências do art. 384,
caput, deve fazê-lo, como diz Espínola Filho, em termos que não traduzam um
prejulgamento, mesmo porque, arremata Mirabete, tal despacho encerra um juízo de
mera possibilidade, pois que nada impede que o juiz acabe por reconhecer a ocorrência
do crime anteriormente capitulado ao depois.
A emendatio libelli (art. 383) pode ser aplicada em segundo grau. O
mesmo não se diga quanto à mutatio libelli. A propósito, dispõe a Súmula 453 do STF
que “Não se aplicam à segunda instância o art. 384 e parágrafo único do Código
de Processo Penal, que possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso,
em virtude de circunstância elementar não contida explícita ou implicitamente na
denúncia ou queixa”.
Por fim, questão controvertida dizia respeito ao processo do júri por ocasião da sentença de pronúncia (agora tratada como decisão de pronúncia) pela Lei 11.689,
de 9 de junho de 2008.. O art. 408, § 4º (que foi revogado e substituído pelo atual art. 418)
dispunha que “o juiz não ficará adstrito à classificação do crime, feita na queixa ou na denúncia, embora fique sujeito à pena mais grave...”, o que podia sugerir que o juiz estivesse
autorizado a pronunciar por crime diverso do contido na denúncia, sem o aditamento, como,
por exemplo, pronunciar por homicídio qualificado quem foi acusado por homicídio simples,
ou por homicídio em caso de imputação de infanticídio. Conquanto parecesse lógica a necessidade do aditamento, uma interpretação equivocada dos julgados do STJ conduzia alguns
autores a suporem-no dispensável.
O novo art. 418, que substituiu o art. 408, § 4º, não repetiu a fórmula
deste; repisou, isto sim, a redação do art. 383, notadamente quanto ao emprego da expressão “definição jurídica diversa”, a evidenciar que o citado dispositivo se refere à hipótese de
emendatio libelli e, pois, que nova definição jurídica do fato em conseqüência de prova
4
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, vol. 4. São Paulo : Saraiva, 18ª edição, 1997, p. 240.
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existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação
não escapa ao necessário aditamento desta.
O novo § 3º, do art. 384, determinou a aplicação, à mutatio libelli, das
regras previstas nos §§ 1º e 2º, do art. 383, que disciplina a emendatio libelli. Assim, se da
nova descrição fática contida no aditamento houver a possibilidade de aplicação do art. 89
da Lei 9.099/95, que prevê a suspensão condicional do processo paras as infrações cuja
pena mínima não exceda um ano, o juiz deverá proceder a fim de que tal regra seja aplicada.
Por outro lado, se a nova tipificação ensejar a competência de outro juízo,
caberá ao juiz encaminhar-lhe os autos para prosseguimento.
O § 4º, acrescido ao art. 384, a seu turno, prescreve que, no caso de
aditamento, as partes poderão, no prazo de 5 dias, arrolar até 3 testemunhas para serem
ouvidas em audiência, sendo certo que o juiz, na sentença, deve ficar adstrito aos termos do
aditamento realizado, não podendo julgar extra petita, o que geraria nulidade da sentença. E
o § 5º do citado dispositivo legal complementa a regulamentação da matéria, ao dispor que
não recebido o aditamento, o processo prosseguirá, cabendo ao juiz, pois, sentenciar o feito
levando em conta apenas os fatos narrados na inicial (desconsiderado o aditamento), por
força da aplicação do princípio da correlação.
É despiciendo lembrar que as normas contidas nos arts. 383 e 384 têm
natureza puramente processual, pelo que a elas se aplica o disposto no art. 2º do CPP5.
Bibliografia
ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal Anotado,
vol. 4. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1965.
GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antônio Scarance, e GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal. São Paulo; Revista
dos Tribunais, 8ª edição, 2004.
JESUS, Damásio E. Código de Processo Penal Anotado. São Paulo:
Editora Saraiva, 15ª edição, 1998.
5
“Art. 2º. A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob
a vigência da lei anterior”.
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MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 18ª edição, 2007.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, vol. 4. São
Paulo: Saraiva, 18ª edição, 1997.
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A REAFIRMAÇÃO
DO PROCESSO
CUSATÓRIO
ACUSA
TÓRIO E
CONTRADITÓRIO NO
PROCESSO PENAL
BRASILEIRO: AS
REFORMAS DE
JUNHO DE 2008
LUIZ ROBERTO SALLES SOUZA
Promotor de Justiça no Estado de São Paulo
Mestre em Direito Processual Penal pela USP
Professor da ESMP
Professor dos cursos de graduação e pós-graduação
da Universidade Presbiteriana Mackenzie
CHRISTIAN MARCOS CARBONI
Bacharel em Direito
Pequisador
Oficial de Promotoria em São Paulo
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A REAFIRMAÇÃO DO PROCESSO
ACUSATÓRIO E CONTRADITÓRIO NO PROCESSO PENAL
BRASILEIRO: AS REFORMAS DE JUNHO DE 2008
Luiz Roberto Salles Souza1
Christian Marcos Carboni2
O Código de Processo Penal brasileiro3, no curso dos últimos sessenta
anos, vem sofrendo alterações que mantém a sua atualidade e vitalidade.
A mais recente reforma foi introduzida pelo conjunto de três novas leis4
que bem demonstram a intenção do legislador em reforçar a adoção do sistema5 acusatório
no processo penal brasileiro, buscar a celeridade processual, aprimorar o processo contraditório e adequar o vetusto Código de Processo Penal a Constituição Federal de 1988.
Em realidade, caminha-se para um processo penal mais eficiente e garantista.
Na lição de Antonio Scarance Fernandes, “o que se alcançou com a
evolução histórica do processo penal não foi a criação de um procedimento ideal que
assegurasse de modo perene o equilíbrio desejável entre a segurança e a liberdade,
mesmo porque o processo penal reflete, em cada época e em cada local, as vicissitudes
das ideologias e dos pensamentos do sistema político e as formas diferenciadas de
expressão do tecido social. Mas, de maneira geral, foram sendo fixadas algumas regras
e alguns princípios, os quais, em seu conjunto, constituem diretrizes fundamentais para
a formação dos procedimentos (...)” que devem garantir “a atuação eficaz dos órgãos
encarregados da persecução penal e que, ao mesmo tempo, assegure a plena efetivação
das garantias do devido processo penal”.6
As novas disposições do Código de Processo Penal tiveram por base as
propostas apresentadas pela Comissão de Reforma do Código de Processo Penal que fora
presidida pela Professora Ada Pellegrini Grinover7. “Foram elaborados inicialmente
1
Promotor de Justiça em São Paulo, mestre em direito processual penal pela Universidade de São Paulo
(USP), professor da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo (ESPM) e professor dos cursos
de graduação e pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).
2
Bacharel em direito, pesquisador e oficial de promotoria em São Paulo.
3
Decreto-lei 3.689/41.
4
Lei 11.689/08, Lei 11.690/08 e Lei 11.719/08
5
Sobre os sistemas contemporâneos ver DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo.
São Paulo: Martins Fontes, 1998. Em relação aos sistemas processuais penais consultar: SCHOLZ, Leônidas
Ribeiro, in RT 764/459-468.
6
Reflexões sobre as noções de eficiência e de garantismo no processo penal. In Sigilo no processo penal:
eficiência e garantismo. São Paulo: RT, 2008, pp. 11-13.
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oito projetos: um já aprovado (o que cuidava da prisão especial) e outros sete
(investigação criminal, procedimentos, provas, interrogatório, prisão e liberdade
provisória, júri e recursos)”. 8
O estudo do processo penal constitucional,9 demonstra que vários
dispositivos do Código de Processo Penal não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, mas continuaram inseridos no texto da norma instrumental
provocando dúvidas de interpretação e desvios de aplicação. Mister se fazia a adequação do Código de Processo Penal aos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal.
Muito embora o modelo do processo penal acusatório faça parte da
tradição jurídica brasileira, nosso ordenamento vem sendo refinado com distribuição
clara das funções de julgar, acusar e defender.
Na atualidade, parece inconcebível a existência de um sistema em que
os papeis desenvolvidos pelos operadores do processo penal se misturem e que não
haja absoluta igualdade de oportunidades processuais, entre acusação e defesa, na busca da prestação jurisdicional imparcial e plenamente fundamentada na prova produzida
em contraditório.
A reforma junina destaca claramente a separação entre a fase de investigação e a fase da ação penal.
O artigo 155, do Código de Processo Penal,10 estabelece que o juiz
não pode formar a sua convicção e fundamentar a sua decisão com base nos elementos
informativos da investigação.
A vedação legal prestigia a garantia do contraditório e favorece o
aprimoramento da investigação criminal como instrumento imprescindível a justificar a ação penal.
O produto da investigação não é prova, pois esta só pode ser produzida
em contraditório judicial. O legislador tomou a cautela de utilizar o vocábulo “investigação”
para demonstrar que a colheita dos “elementos informativos” relacionados à prática delituosa
não está, necessariamente, vinculada a instauração de inquérito policial.
7
Da comissão fizeram parte: Ada Pellegrini Grinover (presidente), Petrônio Calmon Filho (secretário), Antônio
Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes, Luiz Flávio Gomes, Miguel Reale Júnior, Nilzardo
Carneiro Leão, René Ariel Dotti, Rogério Lauria Tucci, Rui Stoco e Sidnei Beneti.
8
Artigo de Luiz Flávio Gomes publicado site www.mundojuridico.adv.br,em 01/04/2003, com o título “Reformas Penais (III): investigação preliminar”.
9
Sobre o tema ver FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. São Paulo:
RT, 5ª edição, 2007.
10
Com a redação dada pela Lei 11.690/08.
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Não há a menor dúvida de que o inquérito policial11 é o instrumento mais
tradicional e usual de colheita dos elementos informativos relacionados a autoria e
materialidade dos crimes; todavia, não é o único mecanismo que se presta a tal finalidade.
No nosso ordenamento encontramos as comissões parlamentares de inquérito13, os procedimentos investigatórios criminais do Ministério Público14 e os procedimentos administrativos em geral15 como exemplos de instrumentos eficazes a justificar a
propositura da ação penal.
Ao se afirmar a opção pelo processo penal acusatório é forçoso
admitir que os elementos informativos da investigação têm por destinatário imediato o titular da ação penal.
O juiz, ao ser provocado com o oferecimento da denúncia ou da
queixa, deverá verificar se há justa causa para a ação penal 16 . O juízo de
admissibilidade só é viável com a análise dos elementos informativos da investigação ou dos documentos que instruem a petição inicial.
A ação penal, em face do gravame que significa para o acusado, só pode
ser admitida se houver elementos mínimos que demonstrem a sua viabilidade.
O processo acusatório não admite a figura do juiz investigador. Todavia,
mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas (em contraditório
judicial) pode ser determinada pelo juiz de ofício, em face da urgência e relevância da medida.17 É atributo da jurisdição a inércia, não se podendo exigir do juiz a incúria e o descaso em
relação à prova que servirá para a formação de sua convicção e fundamento para a sentença.
No que tange aos atos investigatórios, incumbe ao juiz preservar os direitos e garantias fundamentais do investigado;18 jamais assumir o papel de perscrutador.
A forma de colheita da prova testemunhal, em juízo, representa uma mudança de paradigma para o processo penal brasileiro.
12
11
Arts. 4º a 23, do Código de Processo Penal.
“O inquérito policial, segundo João Mendes de Almeida Júnior e Fernando da Costa Tourinho
Filho, teria surgido no ordenamento jurídico brasileiro através da Lei 2.033, de 20 de setembro de
1871, regulamentada pelo Decreto-lei 4.824, de 28 de novembro de 1871” (SOUZA, Luiz Roberto
Salles. Da atuação do Ministério Público brasileiro na fase pré-processual penal: uma análise crítica.
Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, como parte
dos requisitos para a obtenção do título de mestre, 2002).
13
Art. 58, § 3º, da Constituição Federal de 1988.
14
Art. 7º, I, da Lei Complementar 75/93 e Art. 26, I, “c”, da Lei 8.625/93.
9
Art. 4º, parágrafo único, do Código de Processo Penal.
15
Art. 395, III, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.719/08.
16
Art. 156, I, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.690/08.
17
Art. 156, I, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.690/08.
18
Sobre o tema: BERTOLINO, Pedro Juan. El juez de garantías en el código procesal penal de la provicia
de Buenos Aires. Buenos Aires: Depalma, 2000.
12
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Abandonou-se o sistema em que o juiz, agindo como inquisidor, detinha o
monopólio de formular perguntas às testemunhas indicadas pela acusação e pela defesa.
Na atual sistemática,19 adotou-se o modelo de perguntas diretas e do
exame cruzado (cross examination) das testemunhas, onde acusador e defensor formulam
suas perguntas diretamente a testemunha, cabendo ao juiz a polícia da audiência, o poder de
integração ao complementar a inquirição sobre pontos não esclarecidos,20 a redação dos
depoimentos21 e demais ocorrência da audiência.
Na instrução em plenário, do procedimento relativo aos processos da
competência do Tribunal do Júri22, adotou-se a mesma sistemática de colheita da prova
testemunhal do procedimento comum.23 Todavia, na instrução preliminar do Tribunal do
Júri24 não há referência ao sistema de perguntas diretas e do exame cruzado das testemunhas e, tampouco, previsão de oportunidade para a acusação e a defesa perquirirem
as testemunhas através do juiz.25
É inegável que para a acusação e para a defesa está assegurado o direito à
formulação de perguntas a testemunha como garantia do contraditório e o equilíbrio entre ambas
as partes. Não há como se exercer a plenitude da defesa e da acusação na instrução processual
inquisitória.26 Interpretação diversa comprometeria o postulado do devido processo legal.
A reforma introduzida pela Lei 11.690/08 alterou o regime geral das provas27
e estabeleceu um novo sistema para a colheita da prova testemunhal em contraditório judicial.
Antonio Magalhães Gomes Filho salienta que “a fase processual mais
decisiva para a aferição da efetividade do contraditório é a da ‘instrução probatória’;
é aqui, com efeito, que a participação ativa dos interessados mais se justifica: são as
partes que tiveram contacto com os fatos e estão mais aptas a trazê-los ao processo;
por isso mesmo, também são elas que possuem melhores elementos para contestar e
explorar as provas trazidas pelo adversário, possibilitando ao julgador uma visão mais
completa – e ao mesmo tempo crítica – da realidade”.28
19
Art. 212, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.690/08.
Parágrafo único do art. 212, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.690/08.
21
“Na redação do depoimento, o juiz deverá cingir-se, tanto quanto possível, às expressões usadas
pelas testemunhas, reproduzindo fielmente as suas frases” (Art. 215, do Código de Processo Penal).
22
Art. 473, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.689/08.
23
Art. 394, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.719/08. No procedimento do
Tribunal do Júri é o juiz que inicia a inquirição direta da testemunha em plenário.
24
Art. 411, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.689/08.
25
Antes da Lei 11.690/08, o art. 212, do Código de Processo Penal estabelecia: “As perguntas das
partes serão requeridas ao juiz, que as formulará à testemunha. O juiz não poderá recusar as
perguntas das partes, salvo se não tiverem relação com o processo ou importarem repetição de
outras já respondidas”.
26
“(...) aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e
recursos a ela inerentes” (Constituição Federal de 1988, Art. 5º, LV).
27
Livro I, Título VII, do Código de Processo Penal.
28
Direito à prova no processo penal. São Paulo: RT, 1997, p. 139.
20
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Nada justifica, em face da imprecisão do artigo 411, do Código de Processo Penal, resgatar o vetusto sistema da inquirição presidencial,29 onde as perguntas das
partes eram dirigidas ao juiz, que as formulava a testemunha.
Em relação à correlação entre acusação e defesa, a reforma destacou
a necessidade de constar da acusação todos os elementos e circunstâncias do crime,
não mais sendo possível ao julgador ampliá-la com base em provas surgidas durante a
instrução probatória.
Como conseqüência, o aditamento da denúncia ou da queixa substitutiva30
passou a ser obrigatório31 e delimitador32 dos fatos que são atribuídos ao acusado ao fim da
instrução contraditória.
A imparcialidade do juiz “constitui um valor que se manifesta sobretudo no âmbito interno do processo, traduzindo a exigência de que na direção de toda a
atividade processual – e especialmente nos momentos de decisão – o juiz se coloque
sempre ‘super partes’, conduzindo-se como um terceiro desinteressado, acima portanto
dos interesses em conflito”.33
Ao se proibir que o julgador reconheça, na sentença, elementos e circunstâncias da infração penal não contidos na denúncia ou seu aditamento, está se afirmando
o processo penal de partes.
Por fim, foi introduzida, no procedimento comum, a fase de admissibilidade
da ação penal, onde a defesa tem o dever de responder à denúncia ou queixa.34
Enquanto no sistema anterior o contraditório somente se instaurava durante a instrução processual, atualmente, o acusado, tão logo seja citado, deverá responder
à ação penal com argüição de preliminares, exceções e tudo que interesse a sua defesa.
Em verdade, a ação penal somente avançará para a fase de instrução,
debates e julgamento após superada a análise formal da peça acusatória35 e das prejudiciais
do mérito.36
29
“O sistema de inquirição das testemunhas é o chamado ‘presidencial’, isto é, ao juiz que preside à
formação da culpa cabe privativamente fazer perguntas diretas à testemunha. As perguntas das partes
serão feitas por intermédio do juiz, a cuja censura ficarão sujeitas” (exposição de motivos do Ministro
Francisco Campos ao encaminhar o projeto do Código de Processo Penal ao Presidente da República em
08/9/1941).
30
Art. 29, do Código de Processo Penal.
31
Art. 384, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.719/08.
32
“(...), ficando o juiz, na sentença, adstrito aos termos do aditamento” (§ 4º, do Art. 384, do Código de
Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.719/08).
33
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. A motivação das decisões penais. São Paulo: RT, 2001, p. 37.
34
Art. 396 A , do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.719/08.
35
Art. 395, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.719/08.
36
Art. 397, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.719/08.
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As conseqüências e os desdobramentos das alterações sofridas pelo
Código de Processo Penal somente serão sentidas após decorrido algum tempo, todavia,
pode-se afirmar, com segurança e convicção, que houve um avanço em direção da distinção
clara dos papeis desenvolvidos pelo juiz, pela acusação e pela defesa no processo penal
brasileiro. Concretizou-se, igualmente, o aprimoramento dos mecanismos de confronto entre
os interesses do autor da ação penal daqueles do acusado.
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A REFORMA
DO CÓDIGO
DE PR
OCESSO
PROCESSO
PEN
AL
PENAL
RÔMULO DE ANDRADE MOREIRA
Procurador de Justiça no Estado da Bahia
Pós-graduado, latu sensu, pela Universidade
de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal)
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A REFORMA DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Procedimentos
Rômulo de Andrade Moreira 1
A Lei nº. 11.719/2008, que entrará em vigor no dia 24 de agosto de
20082, alterou alguns dispositivos do Código de Processo Penal relativos à suspensão do
processo, emendatio libelli, mutatio libelli e aos procedimentos.3
A grande novidade trazida para nós é a possibilidade de na própria sentença condenatória penal o juiz fixar “valor mínimo para reparação dos danos causados
pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido” (art. 387, IV). Assim,
além de aplicar a sanção penal, o Juiz criminal deverá também estabelecer a sanção civil
correspondente ao dano causado pelo delito, algo semelhante ao que ocorre em alguns países, como no México onde, na lição de Bustamante, se “establece que la reparación del
daño forma parte integrante de la pena y que debe reclamarse de oficio por el órgano
encargado de promover la acción (o sea, que es parte integrante de la acción penal),
aun cuando no la demande el ofendido.”4
Também “na Itália, a vítima pode ingressar no processo penal como parte privata, formando um litisconsórcio com o MP, com o fim de obter a reparação de dano.
Em Portugal, o próprio MP pode requerer a reparação, nos autos do processo penal.”5.
Conferir também, na Espanha, o art. 108 da Ley de Enjuiciamiento Criminal, in verbis:
“La acción civil ha de entablarse juntamente con la penal por el Ministerio
Fiscal, haya o no en el proceso acusador particular; pero si el ofendido
renunciare expresamente a su derecho de restitución, reparación o
indemnización, el Ministerio Fiscal se limitará a pedir el castigo de los
culpables.”
1
Procurador de Justiça na Bahia. Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha
(Direito Processual Penal).
2
A lei foi publicada no Diário Oficial da União do dia 23 de junho de 2008, entrando em vigor 60 dias depois
de oficialmente publicada, na forma do art. 3º. da mesma lei. Segundo o art. 8º. da Lei Complementar nº. 95,
“A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que
dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula “entra em vigor na data de sua publicação”
para as leis de pequena repercussão.” Pelo seu § 1º. “a contagem do prazo para entrada em vigor das
leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último
dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral.” (Grifamos).
3
Sobre a reforma do Código de Processo Penal, veja-se o que comentamos em nosso Direito Processual
Penal, Salvador: Editora JusPodivm, 2007.
4
Apud TOURINHO FILHO, Processo Penal, Vol. II, São Paulo: Saraiva, 20ª. ed., 1998, p. 9.
5
CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de, Lei dos Juizados Especiais Criminais, Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 107 (em co-autoria com Geraldo Prado).
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Disposição semelhante já tem em nosso ordenamento jurídico-penal, mais
especificamente no art. 630 do atual Código de Processo Penal, quando se estabelece que
na revisão criminal o “Tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a
uma justa indenização pelos prejuízos sofridos”, caso em que o acórdão constituir-se-á
título judicial executório a ser liquidado na ação civil respectiva, para se definir o quantum
debeatur. Na Lei nº. 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), o art. 20 já estabelece que a
“sentença penal condenatória, sempre que possível, fixará o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido ou pelo meio ambiente.”
Aqui, observa-se, mais uma vez, após a edição da Lei nº. 9.099/95, a
preocupação em se resguardar os interesses da vítima no processo penal. Nota-se, com
Ada, Scarance, Luiz Flávio e Gomes Filho que esta lei insere-se “no generoso e atualíssimo
filão que advoga a revisão dos esquemas processuais de modo a dar resposta concreta
à maior preocupação com o ofendido.”6
García-Pablos, por exemplo, informa que “o abandono da vítima do
delito é um fato incontestável que se manifesta em todos os âmbitos (...). O Direito
Penal contemporâneo – advertem diversos autores – acha-se unilateralmente voltado
para a pessoa do infrator, relegando a vítima a uma posição marginal, ao âmbito da
previsão social e do Direito Civil material e processual”.7
A própria legislação processual penal relega a vítima a um plano
desimportante, inclusive pela “falta de mención de disposiciones expressas en
los respectivos ordenamientos que provean medidas para salvaguardar aquellos
valores ultrajados”. 8
Esta atenção com a vítima no processo penal é tema atual e tem
sido motivo de inúmeros trabalhos doutrinários, como observou o jurista argentino
Alberto Bovino:
“Después de varios siglos de exclusión y olvido, la víctima reaparece, en la
actualidad, en el escenario de la justicia penal, como una preocupación
central de la política criminal. Prueba de este interés resultan la gran
variedad de trabajos publicados recientemente, tanto en Argentina como
en el extranjero;” (...) mesmo porque “se señala que com frecuencia el
interés real de la víctima no consiste en la imposición de una pena sino, en
cambio, en ‘una reparación por las lesiones o los daños causados por el
delito’”9 Neste sentido, veja-se obra bastante elucidativa de Anto-
nio Scarance Fernandes.10
6
Juizados Especiais Criminais, São Paulo: Revista dos Tribunais, 5ª. ed., 2005, p. 110.
MOLINA, Antonio García-Pablos de, Criminologia, São Paulo: RT, 1992, p. 42, tradução de Luiz
Flávio Gomes.
8
SPROVIERO, Juan H., La víctima del delito y sus derechos, Buenos Aires: Depalma, p. 24
9
Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nº. 21, p. 422.
10
O Papel da Vítima no Processo Criminal, Malheiros Editores, 1995. Indicamos também o trabalho intitulado
“El papel de la víctima en el proceso penal según el Proyecto de Código Procesal Penal de la Nación”, por
Santiago Martínez (Fonte: www.eldial.com – 12/08/2005).
7
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Dois juristas italianos, Michele Correra e Danilo Riponti, também anotaram:
“Il recupero della dimensione umana della vittima, molto spesso reificata,
vessata, dimenticata da giuristi e criminologi in quanto oscurata da quella
cosí clamorosa ed eclatante del criminale, soddisfa l’intento di rendere
giustizia a chi viene a trovarsi in una situazione umana tragica ed ingiusta,
a chi ha subito e subisce e danni del crimine e l’indifferenza della società.”11
Agora, por força do novo dispositivo, acrescentou-se um parágrafo
único ao art. 63, nos seguintes termos: “Transitada em julgado a sentença condenatória,
a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput
do art. 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano
efetivamente sofrido.”
O art. 257 teve a sua redação alterada, não representando, porém, nenhuma novidade. Com efeito, diz que ao Ministério Publico cabe:
1) “Promover, privativamente, a ação penal pública, na forma
estabelecida neste Código”, em consonância com o já estabelecido pelo art. 129, I da
Constituição Federal, ressalvando a possibilidade da ação penal de iniciativa privada
subsidiária da pública, prevista no art. 29 do Código de Processo Penal e na própria
Carta Magna (art. 5º., LIX).
2) “Fiscalizar a execução da lei”, tarefa já deferida atualmente e que
dá ao Ministério Público, no processo penal, uma feição toda especial, pois ao lado de
ser parte, também age como custos legis, devendo, neste mister, zelar pelo fiel cumprimento da lei e garantir que o devido processo legal seja obedecido nos seus estritos
termos, ainda que para isso tenha que pugnar em favor do réu (pedindo a sua absolvição, recorrendo em seu favor etc.).
Foi alterado o art. 265, cujo caput passou a ter a seguinte redação: “O
defensor não poderá abandonar o processo senão por motivo imperioso, comunicado
previamente o juiz, sob pena de multa de dez a cem salários mínimos, sem prejuízo das
demais sanções cabíveis.”
Além de atualizar o valor da multa, o artigo faz referência às demais sanções cabíveis em relação ao advogado, entre as quais a prevista na Lei nº. 8.906/94 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil), art. 34, XI, c/c arts. 35, I e 36, I.
O antigo parágrafo único deste artigo foi substituído pelos §§ 1º. e 2º.,
com a seguinte redação:
“§ 1o. - A audiência poderá ser adiada se, por motivo justificado, o defensor
não puder comparecer.
“§ 2o. - Incumbe ao defensor provar o impedimento até a abertura da
audiência. Não o fazendo, o juiz não determinará o adiamento de ato
algum do processo, devendo nomear defensor substituto, ainda que
provisoriamente ou só para o efeito do ato.”
11
La Vittima nel Sistema Italiano della Giustizia Penale – Un Approccio Criminologico, Padova, 1990, p. 144.
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Atente-se para o disposto no art. 5º., LXXVIII da Constituição, segundo
o qual “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” Evidentemente que o direito a um processo sem dilações indevidas alcança não somente o acusado,
mas também é um interesse da sociedade.
Privilegiando o chamado foro de eleição, entendemos que antes da nomeação do defensor ad hoc deve o Juiz de Direito indagar ao réu se tem algum advogado
para indicar e que possa assisti-lo naquele ato processual; caso o acusado não o faça ou o
advogado indicado não possa comparecer imediatamente, então se procede à nomeação ou
chama-se o Defensor Público com atuação na respectiva Vara Criminal. Neste sentido:
“TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS - APELAÇÃO
CRIMINAL N° 1.0016.01.015716-8/001 - RELATOR: DES. ALEXANDRE
VICTOR DE CARVALHO - A Constituição de 1988 consagrou os princípios da ampla defesa e do contraditório, considerando-os como dogmas, ou
seja, se desrespeitados tais princípios, viciada encontra-se a prestação
jurisdicional. A nomeação de defensor dativo ao réu, sem que este tenha
sido intimado para opinar a respeito, não sabendo da renúncia do advogado contratado, é vício que demonstra o desrespeito ao princípio da
ampla defesa ao longo do procedimento.”
A propósito, o Supremo Tribunal Federal deferiu pedido de liminar em
Habeas Corpus (HC 92091) de um acusado de cometer crime contra o sistema financeiro
nacional. A defesa pedia, na liminar, o reconhecimento das nulidades do processo e a suspensão da execução da pena imputada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região até o julgamento final do HC. Isto porque, conforme os advogados, o Ministério Público não deu
oportunidade ao réu para nomear defensor de sua confiança. “Os fundamentos em que se
apóia esta impetração revestem-se de relevo jurídico, pois concernem ao exercício –
alegadamente desrespeitado – de uma das garantias essenciais que a Constituição da
República assegura a qualquer réu, notadamente em sede processual penal”, destacou o
Ministro Celso de Mello, relator da matéria. O Ministro assinalou que a jurisprudência do
Supremo, no tema, entende que ninguém pode ser privado de sua liberdade, de seus bens ou
de seus direitos sem o devido processo legal, “não importando, para efeito de concretização
dessa garantia fundamental, a natureza do procedimento estatal instaurado contra
aquele que sofre a ação persecutória do Estado”. Celso de Mello analisou que o Estado
não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no
exercício de sua atividade, o postulado constitucional da plenitude de defesa. “O reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida imposta pelo Poder Público –
de que resultem conseqüências gravosas no plano dos direitos e garantias individuais –
exige a fiel observância da garantia básica do devido processo legal,” conclui. Ele lembrou, também, que o STF já reconheceu ser direito daquele que sofre persecução penal
escolher o seu próprio defensor. “Cumpre ao magistrado processante, em não sendo
possível ao defensor constituído assumir ou prosseguir no patrocínio da causa penal,
ordenar a intimação do réu para que este, querendo, escolha outro advogado. Antes de
realizada essa intimação – ou enquanto não exaurido o prazo nela assinalado – não é
lícito ao juiz nomear defensor dativo sem expressa aquiescência do réu” (RTJ 142/477,
Relator Ministro Celso de Mello). Fonte: STF (Grifo nosso).
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Com a nova redação do art. 362, “verificando que o réu se oculta para
não ser citado, o oficial de justiça certificará a ocorrência e procederá à citação com
hora certa, na forma estabelecida nos arts. 227 a 229 da Lei no. 5.869, de 11 de janeiro
de 1973 - Código de Processo Civil.”12 Neste caso, segundo parágrafo único acrescentado, “se o acusado não comparecer, ser-lhe-á nomeado defensor dativo” (ou os autos
serão encaminhados à Defensoria Pública), prosseguindo-se nos demais termos do procedimento, não devendo ser aplicado o art. 36613, pois não se trata de réu revel citado por edital.
Aplica-se o atual art. 367.
Temos agora a citação com hora certa, substituindo a citação editalícia
nos casos em que o réu se oculta para não ser citado.
O novo art. 363 estabelece que “o processo terá completada a sua
formação quando realizada a citação do acusado”; na verdade, como ensina Frederico
Marques, “com a citação válida, estabelece-se a angularidade da relação processual,
surgindo assim a instância.”14
Foram revogados os dois incisos originais e acrescentados dois
novos parágrafos:
“§ 1o. - Não sendo encontrado o acusado, será procedida a citação por
edital.” O prazo para o edital não mudou, pois não se alterou o art. 361.
Ҥ 4o. - Comparecendo o acusado citado por edital, em qualquer tempo, o
processo observará o disposto nos arts. 394 e seguintes deste Código.”
Neste caso, ter-se-á por citado o réu pessoalmente, prosseguindo-se nos
demais termos do respectivo procedimento (ordinário, sumário ou especial),
revogando-se a decisão proferida nos termos do art. 366.
Foram vetados os §§ 2º. e 3º. do art. 363.
O caput do art. 366 continua com a mesma redação, tendo sido revogados, porém, os seus dois parágrafos. Nota-se que a lei perdeu a oportunidade de acabar
com a polêmica quanto à duração da suspensão do prazo prescricional. O legislador deveria,
12
“Art. 227 - Quando, por três vezes, o oficial de justiça houver procurado o réu em seu domicílio ou
residência, sem o encontrar, deverá, havendo suspeita de ocultação, intimar a qualquer pessoa da
família, ou em sua falta a qualquer vizinho, que, no dia imediato, voltará, a fim de efetuar a citação, na
hora que designar.
“Art. 228 - No dia e hora designados, o oficial de justiça, independentemente de novo despacho,
comparecerá ao domicílio ou residência do citando, a fim de realizar a diligência.
“§ 1º - Se o citando não estiver presente, o oficial de justiça procurará informar-se das razões da
ausência, dando por feita a citação, ainda que o citando se tenha ocultado em outra comarca.
“§ 2º - Da certidão da ocorrência, o oficial de justiça deixará contrafé com pessoa da família ou com
qualquer vizinho, conforme o caso, declarando-lhe o nome.
“Art. 229 - Feita a citação com hora certa, o escrivão enviará ao réu carta, telegrama ou radiograma,
dando-lhe de tudo ciência.”
13
Os dois parágrafos do art. 366 foram revogados pela lei, restando agora apenas o caput.
14
Elementos de Direito Processual Penal, Vol. II, Campinas: Bookseller, 1998, p. 183.
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como constava do projeto de lei originário, optar pelos prazos já estabelecidos pelo art. 109
do Código Penal. Esta lacuna deve ser suprida com uma interpretação conforme à Constituição, ou seja, para não se permitir a imprescritibilidade (por via transversa) devem ser observados os prazos estabelecidos no art. 109 do Código Penal, levando-se em conta a pena
máxima abstratamente cominada para o crime; findo o respectivo prazo, deve a prescrição
voltar a correr normalmente, nada obstante a continuação da suspensão do processo.
Deixou a lei também de esclarecer o que se deve considerar como prova
urgente, para efeito de produção antecipada. Além das perícias que, evidentemente são compatíveis ao conceito, entendemos que devemos fazer uma interpretação analógica (art. 3º.,
CPP), aplicando-se o art. 92, in fine (“inquirição de testemunhas e de outras provas de
natureza urgente”). Por este dispositivo, parece-nos que a prova testemunhal é sempre
urgente. Obviamente tais provas deverão ser produzidas com a prévia notificação do Ministério Público ou do querelante e do defensor nomeado pelo Juiz, sem prejuízo de uma
reinquirição em momento posterior, quando a marcha processual for retomada com o acusado presente e o seu defensor constituído. O que não se deve é arriscar-se a ouvir as testemunhas arroladas na peça acusatória após dez anos, quando o réu voltou e foi citado pessoalmente. Evidentemente que não se pode exigir deste depoente a firmeza que se espera de uma
testemunha.
No que se refere à possibilidade da prisão preventiva, ressalte-se que não
se trata de prisão obrigatória, mas nos estritos termos dos arts. 312 e 313. Repita-se: a
prisão preventiva não pode ser conseqüência imediata da citação editalícia quando não haja
o comparecimento do acusado ou do seu defensor constituído, como hoje, infelizmente, vem
se tornando praxe.
Vejamos, então, como está disposta agora a questão da emendatio libelli:
“Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia
ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em
conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave.”
Nesta hipótese, como se sabe, a peça acusatória narrou perfeitamente o
fato criminoso, tendo o Juiz “liberdade de atribuir ao delito conceituação jurídica diversa
da que lhe foi dada pelo acusador, mesmo para impor pena mais grave, contanto que
não substitua o fato por outro”, como já explicava Basileu Garcia.15
Foram acrescentados dois parágrafos, nos seguintes termos:
“§ 1 o. - Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver
possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz
procederá de acordo com o disposto na lei.
“§ 2o. - Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão
encaminhados os autos.”
15
Comentários ao Código de Processo Penal, Vol. III, Rio de Janeiro: Forense, 1945, p. 495.
Sobre a suspensão condicional do processo, remetemos o leitor ao nosso livro “Juizados Especiais
Criminais”, Salvador: JusPodivm, 2007.
16
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Assim, caso a nova qualificação jurídica atribuída ao fato narrado
corresponda a um tipo penal cuja pena mínima não exceda a um ano16, deverá o Magistrado
encaminhar os autos ao membro do Ministério Público para que se pronuncie acerca da
possibilidade de proposta da suspensão condicional do processo, nos termos, aliás, do Enunciado 337 do Superior Tribunal de Justiça, aplicável também à espécie. De se observar,
outrossim, o Enunciado 696 do Supremo Tribunal Federal, em caso de recusa do Ministério
Público em fazer a proposta.
Não precisa o Juiz esperar a conclusão da instrução criminal para aplicar
a emendatio libelli, muito pelo contrário. Como não se trata de uma alteração dos fatos
narrados, mas, tão-somente, de uma correção técnica na classificação do crime, é aconselhável que o Juiz já receba a peça acusatória indicando na respectiva decisão o tipo penal,
possibilitando, desde logo, a fruição de quaisquer benefícios ao acusado, como a suspensão
condicional do processo, a liberdade provisória, etc. Aguardar-se o término da instrução
para “corrigir” a tipificação atribuída ao fato é submeter o réu, desnecessariamente, às chamadas “cerimônias degradantes” do processo penal17. Lembre-se que o Juiz não estará modificando a imputação fática nem “acusando” o réu.
Aventemos a seguinte hipótese: o Promotor de Justiça narra um furto simples (cuja pena mínima é de um ano) e, ao final da peça acusatória, indica como tipo penal o
art. 155, § 4º., II (pena mínima de dois anos). Ora, obviamente que o Juiz não deve aguardar
o término da instrução para aplicar a emendatio libelli, e sim, desde logo, receber a denúncia nos termos em que foi feita a imputação fática e encaminhar os autos ao Ministério Público para a proposta de suspensão condicional do processo. Assim agindo preservará os
interesses do acusado, evitando as cerimônias degradantes do procedimento e sem mácula
aos postulados do sistema acusatório.
Diga-se o mesmo quanto à modificação da competência; também nesta
hipótese não é necessário que o Juiz aguarde o final da instrução criminal, até por uma questão de economia processual e para evitar nulidades de atos processuais decorrente da incompetência. Aliás, o art. 109 do Código de Processo Penal determina que “se em qualquer
fase do processo o juiz reconhecer motivo que o torne incompetente, declará-lo-á nos
autos, haja ou não alegação da parte”, remetendo os autos ao Juízo competente, inclusive
para o Juizado Especial Criminal se se tratar de infração penal de menor potencial ofensivo.
Seria de bom alvitre que o Juiz, antes de aplicar a emendatio libelli,
determinasse a intimação das partes, como estabelecia o projeto de lei que deu origem à lei
ora comentada. Aliás, este projeto de lei previa que a emendatio libelli poderia ser antecipada para o instante do recebimento da denúncia ou queixa.
Vejamos, então, como está disciplinada a mutatio libelli, lembrando, ainda
com Basileu Garcia, que se “veda ao juiz, no decidir a causa, a mutatio libelli.”18
Assim está escrito o caput do novo art. 384:
17
O conceito status-degration cerimony foi introduzida em 1956 por H. Garfinkel para indicar os procedimentos ritualizados nos quais uma pessoa é condenada e despojada de sua identidade, recebendo outra,
dita degradada.
18
Idem.
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“Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição
jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento
ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério
Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de cinco dias, se em
virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública
(queixa subsidiária, portanto), reduzindo-se a termo o aditamento, quando
feito oralmente.”
Pela nova redação, este prazo de cinco dias é para aditar a queixa subsidiária, não a denúncia; assim, os prazos para o aditamento da denúncia devem ser, numa
interpretação analógica (art. 3º., CPP) aqueles previstos no art. 46.
As alterações procedidas foram para melhor, sem dúvidas. Em primeiro lugar excluiu-se a expressão “circunstância elementar”, que confundia coisas
diferentes: circunstância19 e elementar20 do tipo. Agora a lei refere-se a circunstância ou
elemento da infração penal. Outra mudança importante é a exclusão do advérbio “implicitamente” que dava a entender ser possível uma denúncia ou queixa com elementos ou
circunstâncias implícitos, possibilidade absolutamente estranha aos postulados do devido processo legal, especialmente a ampla defesa. É evidente que a denúncia tem que
conter explicitamente, “a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias” (art. 41 do Código de Processo Penal).
Também importante foi se estabelecer a necessidade do aditamento em
qualquer hipótese (que pode ser feito inclusive oralmente), ainda que não haja possibilidade
de nova definição jurídica mais gravosa para o acusado. A antiga redação do caput do art.
384 era uma flagrante mácula ao sistema acusatório, pois permitia ao Juiz condenar o réu por
fato não imputado formalmente em uma peça acusatória, além de ferir o princípio da correlação entre acusação e defesa que proíbe ao Juiz “cambiar los hechos de la causa por los
cuales el imputado fue concretamente acusado, entendidos en el sentido de
acontecimiento histórico, con todos los elementos y circunstancias que de alguna manera
puedan influir en el debate.” 21
Segundo o § 1o., caso o “o órgão do Ministério Público” não adite a
denúncia, “aplica-se o art. 28 deste Código”. E se o Procurador-Geral concordar com o
não aditamento? Restará ao Juiz absolver o acusado ou condená-lo pelo fato imputado originariamente na denúncia ou queixa subsidiária.
Se o aditamento for oferecido, estabelece-se um contraditório prévio, pois,
antes de recebê-lo, deverá ser “ouvido o defensor do acusado no prazo de cinco dias”.
Admitido “o aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora para continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento.” (§ 2o.).
19
Exemplos: “Repouso noturno” (art. 155, § 1º., Código Penal), “à noite” (art. 150, § 1º.), “emprego
de arma” (art. 158, § 1º.) etc.
20
Exemplos: “Funcionário Público” (arts. 312, 331, 333 do Código Penal), “coisa alheia” (arts. 155,
157, CP) etc.
21
LANGEVIN, Julián Horacio, Nuevas Formulaciones del Principio de Congruencia: Correlación entre
Acusación, Defensa y Sentencia, Buenos Aires: Fabián J. Di Plácido Editor, 2008, p. 189.
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Neste caso, segundo dispõe o § 4o., “cada parte poderá arrolar até três testemunhas, no
prazo de cinco dias, ficando o juiz, na sentença, adstrito aos termos do aditamento.”
São aplicáveis na mutatio libelli os §§ 1o e 2o do art. 383, segundo
o
dispõe o § 3 . do art. 384.
Por fim, estabelece o § 5o. que se não for “recebido o aditamento, o
processo prosseguirá.” Neste caso, é possível o manejo do recurso em sentido estrito, com
fulcro no art. 581, I do Código de Processo Penal, pois “o recurso em sentido estrito,
apesar de ser casuístico, admite interpretação extensiva.”22
Observa-se que a redação do art. 384 continua a se referir tão-somente à
ação penal pública ou à de iniciativa privada subsidiária da pública. De toda forma, estamos
com Tourinho Filho que, nada obstante a restrição legal, “possa também o querelante proceder ao aditamento. Há duas situações: a) se, ao tempo da queixa, já havia prova
sobre determinada circunstância elementar capaz de alterar a qualificação jurídicopenal do fato, objeto do processo, e o querelante não se deu conta, o aditamento seria
até impossível por manifesta decadência; b) se a prova se deu posteriormente, o aditamento pode ser feito por aplicação analógica (...), não havendo violação ao princípio
da disponibilidade que rege a ação privada, mesmo porque ninguém está fazendo o
aditamento pelo querelante e tampouco obrigando-o a fazê-lo.”23
Por fim, entendemos que perdeu o legislador a oportunidade de revogar expressamente o art. 385 do Código de Processo Penal, acabando com a possibilidade do Juiz “proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha
opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada”, disposição que não foi recepcionada pela Constituição Federal,
especialmente pelo art. 129, I.
Foram alterados os incisos II, III e IV do art. 387 do Código de Processo Penal e a ele foi acrescentado um parágrafo único. O inciso II apenas foi atualizado com a
nova Parte Geral do Código Penal, indicando-se agora os arts. 59 e 60 do Código Penal. No
inciso III excluiu-se a referência às penas acessórias, também em consonância com a Parte
Geral do Código Penal. O novo inciso IV determina, como já foi dito no início deste trabalho,
que o Juiz “fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração,
considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido”
Esqueceu-se o legislador de revogar expressamente os incisos V e VI
inaplicáveis desde a reforma penal de 1984 (nova Parte Geral e Lei de Execução Penal).
O novo parágrafo único do art. 387 amolda-se ao princípio da presunção
de inocência, à garantia constitucional do duplo grau de jurisdição e ao direito de apelar em
liberdade. Com efeito, estabelece-se que “o juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a
manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida
cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta.” Coeren22
Tribunal Regional Federal da 1ª. Região – Recurso em Sentido Estrito nº. 2002.38.00.003576-0/MG Relator: Desembargador Hilton Queiroz.
23
Código de Processo Penal comentado, Vol. I, São Paulo: Saraiva, 1996, p. 573.
24
Veja o que escrevemos sobre o direito de apelar em liberdade, em nossa obra “Direito Processual Penal”,
Salvador: JusPodivm, 2007.
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temente, a lei nova revogou o art. 594 do Código de Processo Penal, esquecendo-se, porém
de também revogar o art. 595, não recepcionado pela Constituição Federal.24 A este respeito, o Superior Tribunal de Justiça editou o Enunciado nº. 347 com a seguinte redação: “O
conhecimento de recurso de apelação do réu independe de sua prisão.”
Adiante, o caput do novo art. 394 prevê os dois novos procedimentos: o
comum e o especial. Por sua vez, o comum poderá ser ordinário, sumário ou sumaríssimo (§
1º.). Os procedimentos especiais são aqueles ora previstos no próprio Código de Processo
Penal (Título II do Livro II e o Procedimento do Júri), ora em leis extravagantes (Lei nº.
11.343/2006 – Lei de Drogas, Lei nº. 8.038/90 – Ação Penal Originária etc.).
O procedimento comum ordinário será obedecido “quando tiver por
objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a quatro anos de
pena privativa de liberdade”. O sumário “quando tiver por objeto crime cuja sanção
máxima cominada seja inferior a 4 quatro anos de pena privativa de liberdade” e o
sumaríssimo “para as infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da lei”25
(incisos I, II e III do § 1º.).
O critério agora para adoção de determinado procedimento é a quantidade da pena privativa de liberdade, independentemente de se tratar de reclusão ou
detenção, ressalvando-se, obviamente os crimes dolosos contra a vida e os que se submetam a procedimentos especiais.
Dispõem os §§ 2º. e 3º. do art. 394 que, salvo disposições em contrário do próprio Código ou de lei especial, o procedimento comum aplicar-se-á a todos
os processos. Para os crimes dolosos contra a vida e os conexos, por exemplo, aplicarse-ão as novas regras estabelecidas nos arts. 406 a 497 do novo Código (alterados pela
Lei nº. 11.689/2008).
Os §§ 4o. e 5º. estabelecem, respectivamente, que “as disposições
dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de
primeiro grau, ainda que não regulados neste Código” e que se “aplicam
subsidiariamente aos procedimentos especial, sumário e sumaríssimo as disposições do procedimento ordinário.”
Então vejamos; o art. 395 passou a ter a seguinte redação:
“A denúncia ou queixa será rejeitada quando:
I - for manifestamente inepta; por exemplo: não observou os requisitos
exigidos pelo art. 41.
II - faltar pressuposto processual26 ou condição para o exercício da ação
penal”; aqui também estão abrangidas as denominadas condições específicas
para o exercício da ação penal, como a representação e a requisição do
Ministro da Justiça. Atentar que a chamada possibilidade jurídica do pedido,
25
Sobre o procedimento sumaríssimo, remetemos o leitor ao nosso livro “Juizados Especiais Criminais”,
Salvador: JusPodivm, 2007.
26
A saber: um órgão investido de jurisdição, competente e imparcial; partes com capacidades jurídica,
processual e postulatória; demanda; observância ao respectivo procedimento e ausência de perempção,
litispendência e coisa julgada. (Sobre o assunto, Fredie Didier Jr., “Pressupostos Processuais e Condições da Ação”, São Paulo: Saraiva, 2005).
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menos do que uma condição para o exercício da ação penal, confunde-se
mesmo com o mérito e deve ensejar um julgamento antecipado, nos moldes
do art. 397, III, coberto pela coisa julgada material.
III - faltar justa causa para o exercício da ação penal”, ou seja, o lastro
probatório mínimo que deve lastrear uma peça acusatória, a saber: indícios
suficientes e razoáveis da autoria e prova da existência do crime.”
Tais hipóteses não se confundem com a sentença absolutória prevista no
novo art. 397 (que veremos adiante). Aqui, trata-se de uma decisão interlocutória que não
fará coisa julgada material, nada impedindo, portanto, que a ação penal seja mais uma vez
iniciada, caso sejam observados os requisitos legais, presentes as condições da ação (ressalvada a possibilidade jurídica do pedido) e os pressupostos processuais (ressalvadas a
perempção, coisa julgada e litispendência). O recurso cabível para combatê-la é o recurso
em sentido estrito (art. 581, I).
Vejamos, então, o procedimento ordinário e o sumário; os preceitos adiante indicados aplicam-se aos dois procedimentos, até a audiência de instrução e julgamento
quando, então, diferem-se, como veremos depois.
Assim, dispõe o art. 396 que, “nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebêla-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no
prazo de dez dias.”
Ou seja, caso o Juiz não rejeite desde logo a peça acusatória (ou não a
receba, como preferem alguns), com fulcro em um dos incisos do art. 395 (em decisão
interlocutória, a ser enfrentada com o art. 581, I), deverá recebê-la e determinar a citação do
acusado para oferecimento de uma resposta preliminar, cujo prazo será de dez dias. Dispõe
o parágrafo único que tendo sido o réu citado por edital este prazo de dez dias “começará a
fluir a partir do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído.” Lembre-se que até o comparecimento do réu ou do seu advogado constituído, o processo está
suspenso, por força do art. 366.
Nesta verdadeira defesa prévia, “o acusado poderá argüir preliminares
e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua
intimação, quando necessário.” É importante que o patrono do acusado saiba que, apesar
do recebimento da peça acusatória, a sua resposta, se convincente, poderá levar desde logo
à absolvição sumária, evitando os demais termos do processo, inclusive o interrogatório.
Caso não seja “apresentada a resposta no prazo legal, ou se o acusado, citado, não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por 10 (dez) dias.” Onde houver Defensoria Pública instalada, os
autos ao seu representante serão enviados. Em nenhuma hipótese, sob pena de nulidade
absoluta, os autos serão conclusos para a decisão sem esta resposta prévia.
Se houver alguma exceção a ser argüida, deverá ser processada “em
apartado, nos termos dos arts. 95 a 112 deste Código”. (art. 396-A, §§ 1º. e 2º.).
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O art. 397 traz uma novidade importante em nosso ordenamento jurídico,
que há muito carecia de uma disposição como esta. Trata-se da possibilidade do Juiz penal,
desde logo, julgar antecipadamente o caso penal27, sem necessidade, sequer, de submeter o
acusado ao interrogatório e às demais “cerimônias degradantes” do processo penal. É o que
a lei chama de absolvição sumária (também prevista no procedimento do Júri, art. 415).
Portanto, agora, temos duas hipóteses de absolvição sumária.
Pois bem.
Diz o art. 397 que após a resposta preliminar “o juiz deverá absolver
sumariamente o acusado quando verificar:
I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; (art. 23
do Código Penal).
II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente,
salvo inimputabilidade; tratando-se de réu inimputável é indispensável o
processo, com a presença de um curador, além do advogado, para possibilitar,
confirmando-se a ilicitude e antijuridicidade do fato, a aplicação de uma
medida de segurança (absolvição imprópria, nos termos do art. 386, parágrafo
único, III).
III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; (ausência de
tipicidade, impossibilidade jurídica do pedido).
IV - extinta a punibilidade do agente.” (art. 107 do Código Penal).
Estas hipóteses diferem formal e substancialmente da rejeição liminar
da peça acusatória (ou do não recebimento, como prefiram28), pois a absolvição sumária é uma decisão de mérito, passível de fazer coisa julgada material (intangível e absolutamente imutável) e que desafia o recurso de apelação (art. 593, I).
Se o Juiz não rejeitou a peça acusatória (ou deixou de recebê-la)
nem absolveu sumariamente o acusado, cabe-lhe designar “dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério
Público e, se for o caso, do querelante e do assistente.” Se se tratar de réu preso
“será requisitado para comparecer ao interrogatório, devendo o poder público
providenciar sua apresentação.” 29 Tal disposição aplica-se ao acusado preso na
mesma cidade onde se situa o juízo processante, pois do contrário será cabível a
expedição de carta precatória (nunca o interrogatório por videoconferência).
O caput do art. 399 parece-nos que contém um equívoco ao estabelecer
que “recebida a denúncia ou queixa”, pois, na verdade a peça acusatória já havia sido
27
Preferimos falar em “caso penal” ou “causa penal” ou mesmo “controvérsia penal”, pois “a lide, em
qualquer de suas formas, é inaceitável no processo penal, isto é, para referir o conteúdo do processo
penal, não serve a lide do processo civil e nem a lide penal. O conteúdo do processo pode ser apresentado pela expressão caso penal.” (Jacinto Nelson Miranda Coutinho, A Lide e o Conteúdo do Processo
Penal, Curitiba: Juruá, 1998, p. 152, grifo no original).
28
Há setores da doutrina que fazem uma diferença entre rejeição e não recebimento. Por todos, conferir
BOSCHI, José Antonio Paganella, Ação Penal, Rio de Janeiro: AIDE, 3ª. ed., 2002, pp. 233/234.
29
Note-se que mais uma vez o nosso legislador não fez a diferença técnica entre notificação e intimação.
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recebida, conforme previsto no art. 396; portanto, agora basta ao Juiz proceder às notificações para a audiência de instrução e julgamento, pois o recebimento e a citação do acusado
já foram feitos.
Passa a estabelecer o Código que “o juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença.” (art. 399, §§ 1º. e 2º.). Adota-se, agora, o princípio da identidade
física do Juiz, tal como é no processo civil, ainda que não com a mesma redação do art. 132
do Código de Processo Civil. Por ele, o Juiz que colher a prova deve julgar o processo,
podendo, desta forma, “apreciar melhor a credibilidade dos depoimentos; e a decisão
deve ser dada enquanto essas impressões ainda estão vivas no espírito do julgador.”30
Como afirma o Professor Dotti, é extremamente salutar a adoção
deste princípio, pois “a ausência, no processo penal, do aludido e generoso princípio
permite que o julgador condene, com lamentável freqüência, seres humanos que
desconhece”.31
O art. 400 disciplina a audiência de instrução e julgamento,
válida apenas para o procedimento ordinário, já que para o procedimento
sumário adotar-se-ão as disposições dos arts. 531 e seguintes.
Agora, tal como nos Juizados Especiais Criminais também são adotados
os princípios da imediatidade e da concentração dos atos processuais, pois na “na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de sessenta dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas
pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código,
bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas
e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.” Ademais, “as provas serão produzidas
numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes
ou protelatórias.” Se forem necessários dos peritos, as partes deverão requerer previamente (art. 400, §§ 1º. e § 2o.).
A ordem de inquirição das testemunhas deve ser rigorosamente observada,
sob pena de nulidade absoluta, em observância do princípio do contraditório. Admite-se excepcionalmente a inversão nos casos do art. 222 (expedição
de carta precatória, pois a instrução criminal não se suspende) e art. 225
(produção antecipada de prova). Não há devido processo legal sem o contraditório, que vem a ser, em linhas gerais, a garantia de que para toda ação
haja uma correspondente reação, garantindo-se, assim, a plena igualdade de
oportunidades processuais. A respeito do contraditório, Willis Santiago
Guerra Filho afirma:
“Daí podermos afirmar que não há processo sem respeito efetivo do contraditório, o que nos faz associar o princípio a um princípio informativo,
precisamente aquele político, que garante a plenitude do acesso ao Judiciário (cf. Nery Jr., 1995, p. 25). Importante, também, é perceber no princípio do contraditório mais do que um princípio (objetivo) de organização
do processo, judicial ou administrativo – e, logo, um princípio de organização de um instrumento de atuação do Estado, ou seja, um princípio de
organização do Estado, um direito. Trata-se de um verdadeiro direito fun30
31
BARBI, Celso Agrícola, Comentários ao CPC, Vol. I, Rio de Janeiro: Forense, p. 327.
“O interrogatório à distância”, Brasília: Revista Consulex, nº. 29, p. 23.
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damental processual, donde se poder falar, com propriedade em direito ao
contraditório, ou Anspruch auf rechliches Gehör, como fazem os alemães.”
(grifos no original).32
Segundo Étienne Vergès, a Corte Européia dos Direitos do Homem (CEDH) “en donne une définition synthétique en considérant que ce principe ´implique la faculté, pour les parties à un procés penal ou civil, de prendre connaissance de
toutes pièces ou observations présentées au juge, même par un magistrat indépendant,
en vue d´influencer sa décision et de la discuter` (CEDH, 20 févr. 1996, Vermeulen c/
Belgique, D. 1997, som. com. P. 208).”33
Observa-se que o interrogatório do acusado passa a ser o último
ato processual após a instrução criminal, o que vem a fortalecer a idéia de considerálo, além de mais um meio de prova, um autêntico e importante meio de defesa34.
Assim, “na lei nova prevalece outra orientação: o interrogatório é o
momento mais importante da auto-defesa; é a ocasião em que o acusado pode fornecer
ao juiz sua versão pessoal sobre os fatos e sua realização após a colheita da prova
permitirá, sem dúvida, um exercício mais completo do direito de defesa, inclusive pela
faculdade de permanecer em silêncio (art. 5º., LVIII, CF).”35
Aqui vale uma advertência: o indeferimento injustificado de provas
requeridas pela defesa poderá acarretar a nulidade absoluta do ato processual pela afronta
ao princípio da ampla defesa, de forma que somente quando induvidosas as intenções
protelatórias da parte acusada é que legítimo será o indeferimento, sob pena de se utilizar, com sucesso, o habeas corpus. Caso o meio probatório requerido vise a produzir
prova contra o acusado, o indeferimento poderá ensejar a correição parcial ou mesmo o
mandado de segurança.
O número de testemunhas não mudou: continuam oito testemunhas, não
se compreendendo neste número as que não prestaram compromisso e as referidas, podendo a parte “desistir da inquirição de qualquer das testemunhas arroladas, ressalvado o
disposto no art. 209 deste Código.” (art. 401, §§ 1º. e 2º.). Assim, o “juiz, quando julgar
necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes” e não
“será computada como testemunha a pessoa que nada souber que interesse à decisão
da causa”. (art. 209).
Após o interrogatório, “ao final da audiência, o Ministério Público, o
querelante e o assistente e, a seguir, o acusado poderão requerer diligências cuja necessidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução.” (art. 402), o que
significa que tais requerimentos devem ser feitos de imediato e não mais em 24 horas (o que
não impede que, considerando-se a complexidade do processo, seja deferido às partes um
prazo maior para tais requerimentos, atentando-se apenas para que não se protele injustificada
e demasiadamente o andamento processual). As primeiras diligências devem ser requeridas
32
Introdução ao Direito Processual Constitucional, São Paulo: Síntese, 1999, p. 27.
Procédure Pénale, Paris: LexisNexis Litec, 2005, p. 35.
34
Sobre interrogatório, remetemos o leitor ao nosso livro, já referido.
35
GRINOVER, Ada Pellegrini e outros, Juizados Especiais Criminais, São Paulo: RT, 3ª. ed., 1999, p. 176.
33
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desde logo, ou seja, quando do oferecimento da peça acusatória ou na resposta preliminar. Já as diligências previstas no art. 402 são aquelas outras, cuja necessidade adveio
após a instrução. Como lembra Tourinho Filho, comentando o antigo art. 499, “nada
obstante a clareza da norma, é comum as partes (Promotores e Advogados) aproveitarem a fase do art. 499 para requerer diligências que olvidaram quando da
denúncia ou queixa ou defesa prévia.”36
Não tendo havido qualquer requerimento “ou sendo indeferido, serão
oferecidas alegações finais orais por vinte minutos, respectivamente, pela acusação e
pela defesa, prorrogáveis por mais 10 dez, proferindo o juiz, a seguir, sentença.” Do
indeferimento de diligências não cabe recurso, devendo o acusado utilizar-se do habeas
corpus e a acusação da correição parcial (como vem admitindo reiteradamente a jurisprudência) ou mesmo do mandado de segurança.
Se houver mais de um réu “o tempo previsto para a defesa de cada um
será individual.” Já para o advogado do assistente, o prazo será de dez minutos, após as
alegações finais do Ministério Público; neste caso prorroga-se “por igual período o tempo
de manifestação da defesa.”
Permite a lei, excepcionalmente, considerando a complexidade do caso
ou o número de acusados que o Juiz conceda às partes “o prazo de cinco dias sucessivamente para a apresentação de memoriais. Nesse caso, terá o prazo de dez dias para
proferir a sentença.” (art. 403, §§ 1o., 2o. e 3o.). O que deve ser evitado é a apresentação de
memoriais transformar-se em regra!
Se forem requeridas diligências, fatalmente a audiência será sobrestada
para o cumprimento do que foi requerido. Neste caso, prevê o art. 404 que “a audiência será concluída sem as alegações finais”. ”Realizada, em seguida, a diligência
determinada, as partes apresentarão, no prazo sucessivo de 5 (cinco) dias, suas
alegações finais, por memorial, e, no prazo de dez dias, o juiz proferirá a sentença.” (parágrafo único).
Por fim, encerrando as disposições concernentes ao procedimento ordinário, temos o art. 405, in verbis:
“Art. 405. Do ocorrido em audiência será lavrado termo em livro próprio,
assinado pelo juiz e pelas partes, contendo breve resumo dos fatos
relevantes nela ocorridos.
§ 1o. Sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado,
indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de
gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive
audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações.
§ 2o. No caso de registro por meio audiovisual, será encaminhado às
partes cópia do registro original, sem necessidade de transcrição.”
Em seguida, passa-se a regulamentar o procedimento sumário, entre os
arts. 531 a 538, lembrando-se que até a audiência de instrução e julgamento as disposições
36
Código de Processo Penal Comentado, Vol. II, São Paulo: Saraiva, 11ª. ed.,. 2008, p. 161.
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são comuns para os procedimentos ordinário e sumário; a diferença entre ambos inicia-se a
partir da audiência de instrução e julgamento, como veremos a seguir:
“Art. 531. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no
prazo máximo de 30 (trinta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações
do ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela
acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222
deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e
ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o
acusado e procedendo-se, finalmente, ao debate.”
Repetimos todas as observações feitas quando comentamos o art. 400.
Muda o número de testemunhas (cinco), segundo o art. 532. Aplica-se ”ao procedimento
sumário o disposto nos parágrafos do art. 400 deste Código.” (art. 533).
Foram revogados os §§ 1o., 2o., 3o. e 4o. do art. 533.
Também neste procedimento, “as alegações finais serão orais, concedendo-se a palavra, respectivamente, à acusação e à defesa, pelo prazo de vinte minutos, prorrogáveis por mais dez, proferindo o juiz, a seguir, sentença.” “Havendo mais de
um acusado, o tempo previsto para a defesa de cada um será individual.” Se houver
assistente, o seu advogado, após a manifestação do Ministério Público, terá o prazo de dez
minutos para as suas alegações, “prorrogando-se por igual período o tempo de manifestação da defesa.” (art. 534, §§ 1o. e 2o. ).
Dispõe o novo art. 535 que “nenhum ato será adiado, salvo quando imprescindível a prova faltante, determinando o juiz a condução coercitiva de
quem deva comparecer.” Entendemos que só podem ser conduzidas coercitivamente as testemunhas (art. 218) e vítimas (art. 201, § 1º.). Esta permissão,
bem como aquela contida no art. 260, não deve ser aplicada ao acusado.
Aliás, a este respeito, modificamos entendimento anterior e hoje pensamos
que esta disposição do Código de Processo Penal deve ser interpretada à luz
da Constituição, não devendo ser mais admitida a condução coercitiva, pois
a conveniência quanto ao comparecimento ao interrogatório deve ser aferida
pelo acusado e seu defensor, evitando-se a obrigatoriedade de participar de
uma “cerimônia degrante”.37
Neste mesmo sentido, o magistério de ROBERTO DELMANTO JUNIOR:
“Tampouco existe embasamento legal, a nosso ver, para a sua condução
coercitiva com fins de interrogatório, prevista no art. 260 do CPP, já que
de nada adianta o acusado ser apresentado sob vara e, depois de todo esse
desgaste, silenciar. Se ele não atende ao chamamento judicial, é porque
deseja, ao menos no início do processo, calar. Ademais, a condução
coercitiva ‘para interrogatório’, daquele que deseja silenciar, consistiria
inadmissível coação, ainda que indireta. (Inatividade no Processo Penal
Brasileiro, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, pp. 192/193).
A propósito, veja-se esta decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª.
Região:
37
Veja-se o texto de Alexandre Duarte Quintans, disponível no endereço: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9198
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“CC 2007.02.01.007301-4 - rel. Maria Helena Cisne - j. 27.02.2008 - DJU
24.03.2008 - EMENTA: PROCESSO PENAL – CORREIÇÃO PARCIAL –
CONDUÇÃO COERCITIVA DE RÉU DEVIDAMENTE QUALIFICADO E
IDENTIFICADO PARA SER INTERROGADO – DESNECESSIDADE – ART.
5º, LXIII, DA CRFB - CORREIÇÃO PARCIAL INDEFERIDA - O comparecimento do réu ao interrogatório, quando devidamente qualificado e identificado, constitui uma faculdade e não um dever do mesmo. Apenas em
situações excepcionais poderá o Magistrado promover a condução coercitiva do acusado, nos termos do art. 260, do CPP.- A CRFB, ao permitir ao
acusado calar-se diante do Juiz, demonstra que o interrogatório não é
imprescindível para o deslinde da causa, devendo o réu, desde que devidamente citado, arcar com o ônus processual de seu não comparecimento.
Correição Parcial indeferida.”
Foram revogados os §§ 1o. e 2o. do art. 535.
Segundo o art. 536, “a testemunha que comparecer será inquirida,
independentemente da suspensão da audiência, observada em qualquer caso a ordem
estabelecida no art. 531 deste Código.” Foi revogado o art. 537.
Pelo art. 538, “nas infrações penais de menor potencial ofensivo, quando o juizado especial criminal encaminhar ao juízo comum as peças existentes para a
adoção de outro procedimento, observar-se-á o procedimento sumário previsto neste
Capítulo.” Aqui faz-se referência àquelas duas causas modificadoras da competência previstas na Lei nº. 9.099/95: a complexidade ou circunstâncias da causa que dificultem a formulação oral da peça acusatória (art. 77, § 2º.) e o fato do réu não ser encontrado para a
citação pessoal (art. 66, parágrafo único)38. É importante ressaltar que neste caso o procedimento será o sumário, mas devem ser aplicados na vara comum os arts. 74, 76 e 89 da Lei
nº. 9.099/95, pois se tratam de medidas de caráter penal, benéficas, aplicáveis em qualquer
processo, independentemente do respectivo procedimento (ressalvando o disposto no art.
38
“TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS - SEÇÃO CRIMINAL - CONFLITO DE COMPETÊNCIA
N. 590-9/194 (200603891424) - Relator: Des. Elcy Santos de Melo - EMENTA: Processual Penal. Conflito
negativo de competência. Juizado Especial Criminal. Citação pessoal. Autor do fato não encontrado.
Deslocamento da competência. Justiça Comum. Art.66, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95. Encontrandose o autor do fato em local incerto e não sabido e, portanto, inadmissível a sua citação pessoal, correta
a postura do juiz do Juizado Especial Criminal em determinar a remessa dos autos para a Justiça Comum,
a teor do que determina o art. 66, parágrafo único, da Lei n.9.099/95, ali firmando a sua competência,
ainda que presente nos autos o endereço atualizado do acusado ou sendo este encontrado após o
deslocamento processual.Conflito provido.” Idem: “TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS Ementa: Processual Penal. Conflito negativo de jurisdição. Juizado Especial Criminal. Citação pessoal.
Paciente não encontrado. Modificação da competência para o juízo comum: artigo 66, parágrafo único,
da Lei n. 9.099/95. Conflito procedente. Não localizado o autor do fato delituoso para a citação na forma
pessoal perante o juizado especial criminal, dá-se o deslocamento da competência para o juízo criminal
comum julgar e processar o feito, nos termos do artigo 66, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95. Conflito
conhecido e provido. Competência do juiz suscitado.” (Conflito de Competência nº. 520-4/194 - 200400741029
– Rel. Des. Floriano Gomes).
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90-A da Lei nº. 9.099/95 e no art. 41 da Lei 11.340/06, ambas disposições, aliás, que nos
parecem inconstitucionais, por ferirem o princípio da isonomia e o da proporcionalidade).
Foram revogados todos os parágrafos deste art. 538, bem como os arts.
43 (rejeição da denúncia ou queixa, agora prevista no art. 395); art. 398 (substituído pelo art.
401); arts. 498, 499, 500, 501, 502 (novo procedimento ordinário); arts. 537, 539, 540
(novo procedimento sumário), art. 594 (substituído pelo art. 387, parágrafo único), os §§ 1º
e 2º do art. 366; os §§ 1º a 4º do art. 533 (novo procedimento sumário), os §§ 1º e 2º do art.
535 (idem) e os §§ 1º a 4º do art. 538 (idem).
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O RECEBIMENT
O
RECEBIMENTO
DA DENÚNCIA
EA
LEI 11.719/2008
VICTOR EDUARDO RIOS GONÇALVES
Promotor de Justiça Criminal da Capital
Professor no Complexo Jurídico Damásio de Jesus
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O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA E A LEI N. 11.719/2008
Por incrível que pareça a Lei n. 11.719/2008 permitiu o surgimento de
dúvida quanto a aspecto primordial da ação penal e termo interruptivo do prazo prescricional
que é o recebimento da denúncia.
A controvérsia decorre da própria interpretação literal que se deve dar
inicialmente a todo texto de lei, pois, a nova redação do art. 396 do CPP diz que a denúncia
deve ser recebida pelo juiz logo após o seu oferecimento, devendo, ainda, o magistrado, em
tal oportunidade, determinar a citação do acusado para responder à acusação, por escrito,
no prazo de 10 dias. Ocorre que, após a fase da resposta escrita, a nova redação dada ao
CPP, em seu art. 399, estabelece que, “recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e
hora para a audiência” de instrução.
A dúvida, portanto, é se a denúncia deve mesmo ser recebida logo após
seu oferecimento, nos termos do art. 396, ou se tal recebimento só deve ocorrer depois da
resposta escrita e de análise em torno de eventual absolvição sumária, conforme o art. 399.
Existe até mesmo o entendimento de que passaram a existir dois recebimentos de denúncia,
pois tal conclusão seria decorrência literal do texto de lei.
A interpretação literal, contudo, não pode prevalecer em virtude de diversos argumentos lógicos, históricos e de interpretação sistemática.
Inicialmente, deve-se salientar, que, em acompanhamento ao trâmite
legislativo do Projeto de Lei n. 4.207/2001, que culminou na nova lei, pode-se notar que o
tema foi ampla e expressamente debatido, precipuamente na Câmara dos Deputados, última
Casa Legislativa a apreciar o Projeto. Com efeito, no texto original nela aprovado, constava
efetivamente que a resposta escrita ocorreria depois do recebimento da denúncia, porém,
essa ordem foi alterada por substitutivo do Senado Federal. Quando o Projeto retornou à
Câmara foi necessário discutir novamente o assunto, tendo, então, sido decidido que a alteração proposta pelo Senado seria rejeitada, retomando-se o texto inicial que prevê o recebimento da denúncia antes da resposta escrita do réu. Do voto do Relator, o Dep. Régis de
Oliveira (aprovado no dia da votação final do Projeto), pode ser extraída a seguinte passagem: “o instrumento que é o processo, não pode ser mais importante do que a própria relação material que se discute nos autos. Sendo inepta de plano a denúncia ou queixa, razão não
há para se mandar citar o réu e, somente após a apresentação de defesa deste, extinguir o
feito. Melhor se mostra que o juiz ao analisar a denúncia ou queixa ofertada fulmine relação
processual infrutífera. Rejeita-se a alteração proposta pelo Senado”. Esse texto deixa claro
que a denúncia deve ser recebida logo após seu oferecimento (o trâmite completo do Projeto
de Lei, com os respectivos debates, votos e sucessivas alterações nas duas Casas Legislativas
pode ser obtido junto ao site da Câmara dos Deputados). É evidente, por sua vez, que se
houvesse a intenção de se criar duplo recebimento de denúncia isso teria expressamente
constado do voto do Relator, o que não ocorreu.
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Na interpretação sistemática, com outros dispositivos da própria lei aprovada e de tal lei perante o sistema legal já vigente, pode-se apontar, em primeiro lugar, a nova
redação dada ao art. 363 do CPP, que diz que “o processo terá completada a sua formação
quando realizada a citação do acusado”. Ora, se a citação deve ser feita para que réu ofereça
a resposta escrita, logo após o recebimento da denúncia conforme dispõe o art. 396, não há
razão para a existência de novo recebimento após tal resposta, pois o art. 363 expressamente diz que em tal momento a relação processual já está aperfeiçoada. Em confronto com a Lei
Antitóxicos, ademais, é de se salientar que a nova redação dada ao Código de Processo em
nenhum momento denomina a resposta do réu de “defesa prévia” ou “defesa preliminar”,
chamando-a, singelamente de “resposta por escrito” ou “resposta escrita”, outro indicativo
de que tal fase é posterior ao recebimento da denúncia.
Por lógica, também, não pode haver um segundo recebimento de denúncia, já
que isso causaria nova interrupção da prescrição e, principalmente, porque, como já mencionado,
o próprio texto de lei diz que, com a citação, a relação processual já se completou.
O que se depreende, em verdade, é que o legislador pretendeu estabelecer que, se o juiz não absolver sumariamente o réu, após o oferecimento da resposta escrita,
estará, lógica e implicitamente, confirmando o anterior recebimento da denúncia, porém, sem
novo recebimento e sem nova interrupção da prescrição. Ao deixar de absolver sumariamente o acusado, o juiz autoriza a produção da prova em sua presença e designa a audiência.
Em nosso entendimento, portanto, existe um só recebimento de denúncia,
logo após seu oferecimento, nos termos dos arts. 363 e 396 do CPP, não existindo, tampouco,
“defesa preliminar” e sim “resposta escrita” por parte do acusado.
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PROVAS
LEI 11.690/08
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OS
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UTELARES
E IRREPETÍVEIS, SEGUNDO
A REFORMA DO CPP
ANDREY BORGES DE MENDONÇA
Procurador da República
Professor de Processo Penal
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OS ELEMENTOS PRODUZIDOS DURANTE O INQUÉRITO E
AS PROVAS ANTECIPADAS, CAUTELARES E
IRREPETÍVEIS, SEGUNDO A REFORMA DO CPP
Introdução
Como é de conhecimento geral, o Código de Processo Penal foi objeto
de ampla reforma, sendo alterado pelas Leis 11.689/2008 – que tratou do júri – 11.69/2008
– referente às provas – e a Lei 11.719/2008 – que, dentre outros, alterou os procedimentos.
A finalidade maior de se reformar o atual CPP foi modernizá-lo, à luz da atual ciência processual penal, dos princípios assegurados na Constituição Federal e das disposições previstas
em Tratados Internacionais de Direitos Humanos incorporados pelo Brasil. De fato, a revisão
do CPP era medida urgente. Quando da edição do referido Código, estava em vigor a Constituição de 1937, outorgada e de inspiração nitidamente autoritária e policialesca, características estas que se refletiram no CPP editado. Nestes 67 anos, desde a sua promulgação, é
bem verdade que passamos por outras três Constituições (1946, 1967 e 1969) até se chegar
à atual Constituição de 1988, razão pela qual diversos artigos do vetusto CPP foram revogados. Ademais, inúmeras leis alteraram o CPP neste longo período. Porém, nada obstante a
força do princípio da supremacia da Constituição e as diversas alterações legislativas efetuadas,
ainda existiam diversas falhas e incoerências na sistemática processual penal, especialmente
no tocante ao sistema acusatório, às garantias do acusados e um apego excessivo ao formalismo,
descurando-se da necessária efetividade que o processo penal precisaria ter.
Certamente o ideal teria sido a aprovação de um novo CPP. Porém, em
razão de contingências políticas, preferiu-se a elaboração de projetos setoriais, que atingissem pontos estratégicos, com a edição das três leis acima mencionadas. Ainda outros projetos estão em tramitação para alterações de outros pontos relevantes, especialmente no tocante às persecução penal extrajudicial, às medidas cautelares e aos recursos. Porém, o
objeto de nossa análise se cingirá à Lei 11.6901, mais especificamente sobre os elementos
colhidos durante as investigações e as provas antecipadas, cautelares e irrepetíveis. Antes,
porém, de adentrar no estudo destas provas, urge seja analisado o que dispõe a nova redação do art. 155 do CPP.
A nova redação do art. 155 do CPP
A Lei 11.690/2008, que entrou em vigor no dia 9 de agosto de 2008,
alterou, de certa forma, o princípio da persuasão racional. Em sua nova redação, o caput do
art. 155 passou a dispor o seguinte:
1
Para análise de todas as alterações, vide nosso Nova reforma do Código de Processo Penal, comentada artigo por artigo, São Paulo: Editora Método, 2008.
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Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova
produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão
exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação,
ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Sabe-se que o CPP adotou o princípio da persuasão racional, de maneira
que o juiz, ao valorar as provas produzidas, não está vinculado a qualquer valor predeterminado, desde que se atenha às provas existentes nos autos e fundamente sua decisão. Conforme consta do item VII da Exposição de Motivos do CPP: “Todas as provas são relativas;
nenhuma delas terá, ex vi legis, valor decisivo, ou necessariamente maior prestígio que outra.
Se é certo que o juiz fica adstrito às provas constantes dos autos, não é menos certo que não
fica subordinado a nenhum critério apriorístico no apurar, através delas, a verdade material.
O juiz criminal é, assim, restituído à sua própria consciência”. Porém, a Constituição Federal
alberga o princípio do contraditório, previsto no art. 5.º, inciso LV. Este princípio, segundo
clássica lição de Canuto Mendes de Almeida, expressa “a ciência bilateral dos atos e termos
processuais e a possibilidade de contrariá-los.”2 Como é sabido, o inquérito policial é procedimento inquisitivo, ao qual não se aplica o princípio do contraditório, justamente porque não
se destina à aplicação de nenhuma pena. Sua finalidade é informativa, visando coletar elementos para a formação da opinio delicti do titular da ação penal, a permitir o posterior
exercício da persecução penal em juízo.
Assim sendo, em obediência ao princípio do contraditório, necessário
que as provas produzidas no inquérito sejam judicializadas, ou seja, reproduzidas em juízo,
agora sim em observância do contraditório. É o que alguns autores chamam de princípio da
judicialização das provas. Caso o magistrado baseasse a sentença condenatória em elementos produzidos exclusivamente durante o inquérito, estar-se-ia condenando com base em
elementos não coletadas sob o crivo do contraditório, em afronta direta ao referido princípio.
Justamente por isto a nova legislação deixou claro que o magistrado deve se guiar, na fundamentação, pela prova produzida em contraditório judicial.
Vale destacar que o projeto que foi encaminhado originariamente ao Congresso Nacional não previa a expressão “exclusivamente”, de sorte que a introdução deste
advérbio no trâmite legislativo alterou, por completo, a intenção inicial dos autores do anteprojeto. Pela previsão originária, o juiz não poderia considerar nenhum elemento produzido
durante o inquérito policial, salvo as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Em
outras palavras, excluídas as provas cautelares, não repetíveis ou antecipadas, o juiz não
poderia, em hipótese alguma, levar em consideração qualquer elemento produzido durante o
inquérito policial, por não ter sido produzido sob o manto do contraditório. Tanto assim que
o artigo faz distinção nítida entre “provas” - produzidas em contraditório judicial - e “elementos informativos” - produzidos sem o contraditório “judicial”.
Porém, a introdução da expressão “exclusivamente” alterou, por completo, o panorama, como já dissemos. Assim, de acordo com o texto que foi aprovado, o
legislador não vedou que o magistrado considere os elementos informativos produzidos durante o inquérito policial para a condenação. A restrição constante é que o magistrado con-
2
Princípios fundamentais do processo penal, RT, 1973, p. 82, apud Antonio Magalhães Gomes Filho,
Direito à prova no processo penal, p. 137.
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sidere exclusivamente os referidos elementos. A contrario sensu, é possível que sejam valorados
na sentença condenatória elementos produzidos durante o inquérito policial, desde que apenas
como elemento de reforço às provas produzidas em juízo (aqui sim em observância do contraditório). Dito de outra forma: o juiz pode considerar na sentença os elementos informativos produzidos no inquérito, desde que conjuntamente com provas produzidas “em contraditório judicial”.
O Promotor de Justiça do Rio de Janeiro Marcelo Lessa Bastos discorda desta interpretação, ao
afirmar: “as provas, por assim dizer, ordinariamente produzidas na investigação, que não tenham
natureza cautelar, não sejam irrepetíveis e nem antecipadas, não podem servir nem mesmo de
reforço à formação do convencimento do Juiz, sendo nula a fundamentação de qualquer sentença
que delas se socorrer, ainda que à guisa de complemento da fundamentação calcada na prova
colhida em contraditório judicial”3. Data venia, discordamos deste entendimento. De acordo
com a nova disposição legal, não se pode afirmar que todos os elementos produzidos no inquérito
policial estejam descartados a priori, especialmente porque, na atualidade, o investigado não é
mais visto como mero objeto de investigação, mas sim como sujeito de direitos. Assim, por exemplo, o STF vem reiteradamente decidindo que não se pode obstar o advogado do investigado a
ter acesso aos autos do inquérito policial, especialmente quanto às provas já documentadas e
incorporadas ao procedimento4. No mesmo sentido o STJ, que, inclusive decidiu ser necessária a
observância da ampla defesa em determinados momentos do inquérito, especialmente quando
houver restrição aos direitos fundamentais5. Relembre-se, também, que o art. 306, §1º, do Código de Processo Penal foi alterado pela Lei 11.449 de 2007 para determinar que a Defensoria
Pública seja comunicada da prisão em flagrante, caso o preso não possua advogado constituído.
Assim sendo, o inquérito policial não possui mais o mesmo caráter de
procedimento investigativo inquisitório que se vislumbrava quando da aprovação do atual
Código de Processo Penal. A situação se alterou, de sorte que são muito restritas as hipóteses de limitação aos direitos do investigado durante o inquérito policial, especialmente pelas
garantias asseguradas pela atual Constituição Federal e pela orientação dos nossos Tribunais
Superiores. Não bastasse, o magistrado tem o dever de fundamentar sua decisão, conforme
decorre do texto constitucional, indicando o raciocínio lógico que o levou a esta ou aquela
conclusão. Deve, portanto, no bojo de sua motivação, explicitar por qual motivo deu valor
ou não a este ou aquele elemento informativo para corroborar o quanto foi produzido em
3
Processo penal e gestão da prova. Os novos arts. 155 e 156 do Código reformado (Lei nº 11.690/08).
Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1880, 24 ago. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/
texto.asp?id=11593>. Acesso em: 03 set. 2008 .
4
Neste sentido, vide STF- HC 90.232/AM, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 18.12.2006, 1.ª turma, informativo
453. No mesmo sentido, vide, ainda, HC 82.354/PR (DJU de 24.9.2004), HC 87.827/RJ (DJU de 23.6.2006) e
HC 86.059 MC/PR (DJU de 30.6.2005), todos da Suprema Corte.
5
INQÚERITO POLICIAL. AMPLA DEFESA. O inquérito policial é um procedimento preparatório que
apresenta conteúdo meramente informativo no intuito de fornecer elementos para a propositura da ação
penal. Contudo, mesmo não havendo ainda processo, no curso do inquérito pode haver momentos de
violência e coação ilegal, daí se deve assegurar a ampla defesa e o contraditório. No caso, a oitiva de
testemunhas, bem como a quebra do sigilo telefônico, ambos requeridos pelo paciente, não acarretará
nenhum problema ao inquérito, mas sim fornecerá à autoridade policial melhores elementos para suas
conclusões. Precedentes citados: HC 36.813/MG, DJ 5.08.2004; HC 44.305/SP, DJ 4.06.2007, e HC 44.165/
RS, DJ 23.04.2007. HC 69.405/SP, Rel. Min. Nilson Naves, julgado em 23.10.2007, 6.ª turma, informativo 337.
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contraditório judicial. Assim agindo, permitirá o controle, inclusive, por quem se sentir eventualmente prejudicado, por intermédio da via recursal. A interpretação diversa - ou seja,
impedir o magistrado de se valer de todos os elementos coletados durante o inquérito policial
-, colocaria o magistrado em uma “camisa de força”, sem que pudesse, mesmo que
motivadamente, valer-se de qualquer elemento produzido durante o inquérito policial, em
grave prejuízo à busca da verdade real. Como é sabido, nenhum direito pode ser considerado absoluto. Embora sejamos partidários de que nenhuma condenação pode se pautar exclusivamente nos elementos colhidos durante o inquérito policial – aliás, como já era a
posição da doutrina e da jurisprudência majoritárias – entendemos que não se pode desprezar, a priori, os elementos coletados durante as investigações, que podem vir a reforçar as
provas colhidas em juízo. Neste sentido, também se manifesta Rodrigo de Abreu Fudoli: “Se
assim não fosse, a jurisprudência já teria se orientado no sentido da exclusão física das peças
produzidas no inquérito policial dos autos do processo, o que não se verifica, entre nós.
Repare-se que o acompanhamento cada vez mais corriqueiro de atos praticados durante o
inquérito policial por advogados, bem como o acesso quase que irrestrito que os advogados
vêm tendo aos autos desse procedimento de investigação, inclusive com a chancela dos
Tribunais Superiores, retira parte dos argumentos daqueles que se batem contra a manutenção das peças inquisitoriais nos autos do processo”6. No mesmo sentido, vale mencionar que
o Supremo Tribunal Federal, no Ag.Reg.RE 425.734-3, pela sua 2ª turma, em 04.10.2005,
decidiu neste sentido, conforme asseverou a rel. Min. Ellen Gracie: “Neste aspecto, saliento
que não se pode desprezar, como elemento válido e aceitável de convicção, a prova colhida
na fase inquisitorial, desde que esta encontre respaldo em outros elementos idôneos, levantados sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, de modo a integrar e a fortalecer o
quadro probatório, como na hipótese em tela”. .
Inclusive, é de se destacar que a expressão “exclusivamente” foi objeto
de controvérsia no Congresso Nacional durante a tramitação do projeto. No Senado, houve
emenda para que a referida expressão fosse excluída, de forma que o magistrado não poderia considerar nenhum elemento produzido durante o inquérito policial. Referido entendimento restou vencido, conforme o voto do relator sobre a emenda, o ex-magistrado federal
Flávio Dino: “A supressão pretendida pelo Senado faria com que o órgão jurisdicional fosse
impedido de considerar qualquer elemento informativo da fase de inquérito. Ora, por determinação constitucional, todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas, de tal forma
que o julgador só deve levar em consideração informações contidas em inquérito policial se
o fizer de forma razoável. Deve, portanto, o magistrado explicitar os motivos que o levaram
a utilizar o elemento informativo colhido no inquérito policial. Este, por sua vez, não segue
mais o antigo paradigma de investigação inquisitória, havendo, atualmente, observância às
garantias do acusado no que tange à ampla defesa, sendo, inclusive, assegurado o acesso do
advogado aos autos do inquérito. Parece-me, então, razoável o texto aprovado pela Câmara. Este, ao impedir que o juiz fundamente sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, tanto resguarda o princípio da motivação, insculpido no
inciso IX do artigo 93 da Constituição, como também preserva o contraditório, uma vez que
a fundamentação do juiz deverá ser formulada também com base em outros elementos. Tais
6
Lei nº. 11.690/08: reforma do tratamento das provas no Código de Processo Penal. Jus Navigandi,
Teresina, ano 12, n. 1821, 26 jun. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/
texto.asp?id=11430>. Acesso em: 02 set. 2008
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elementos jamais poderão ser exclusivamente os colhidos quando do inquérito, consoante
consagra a atual orientação jurisprudencial dominante. O que não é razoável é simplesmente
dizer-se que o contido no inquérito policial de nada vale para a formação da convicção do
julgador. Por esse motivo, rejeito a Emenda n.º 1 do Senado, mantendo, assim, o texto
aprovado pela Câmara para o artigo 155 do Código de Processo Penal”.
Portanto, os elementos informativos produzidos durante o inquérito podem corroborar aquelas provas que foram produzidas em juízo, fortalecendo o panorama
probatório e permitindo que se justifique a prolação de sentença condenatória. Desde que o
magistrado não se apóie apenas em elementos produzidos durante o inquérito, poderá valorálos em conjunto com as provas produzidas em juízo, sempre de maneira fundamentada. Por
exemplo, o magistrado poderia considerar uma confissão feita pelo investigado durante o
inquérito policial, em que estava acompanhado de advogado constituído e sem que houvesse
qualquer prova de constrangimento, caso aquela confissão estivesse em coerência com as
demais provas produzidas no curso processo. Gize-se: desde que este elemento produzido
durante o inquérito policial seja corroborado por outras provas produzidas em juízo.
Provas cautelares, não repetíveis e antecipadas
Outra inovação diz respeito à possibilidade de o magistrado considerar em
sua sentença, sem que tal decisão configure violação ao princípio do contraditório, as provas
cautelares, não repetíveis e antecipadas, mesmo que produzidas durante o inquérito policial. Pela
interpretação literal do referido artigo, o juiz estaria livre para condenar exclusivamente apoiado
nas referidas provas (cautelares, não repetíveis e antecipadas), sem a necessidade de serem
complementadas por outras provas produzidas em juízo. Isto porque a ressalva final – referente às
provas cautelares, não repetíveis e antecipadas - está se referindo à expressão “exclusivamente”.
Em síntese, poderíamos extrair duas conclusões da forma pela qual foi redigido o art. 155: a) os
elementos informativos produzidos durante o inquérito policial não podem levar, isoladamente, à
prolação de uma sentença condenatória; b) as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas
podem levar, isoladamente, à prolação de uma sentença condenatória. Veremos, porém, que esta
última conclusão é correta apenas em parte.
Antes de analisar o conceito de “provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”, devemos relembrar que a essência do conceito de contraditório está na ciência e na
possibilidade de reação. Antonio Magalhães Filho, tratando deste último aspecto (reação),
leciona: “No seu segundo momento,o contraditório adquire uma feição dinâmica, caracterizando-se pela possibilidade de participação ativa de seus protagonistas em todos os atos do
procedimento, com o objetivo de influenciar positivamente o espírito do juiz e obter, assim, a
tutela pretendida (...) Essa participação ativa dos interessados no provimento pode ocorrer
de várias formas: preventivamente, quando se instaura o contraditório para debater a oportunidade de realizar determinado ato; concomitantemente, quando se manifesta através da
atuação na própria prática do ato; ou, ainda, posteriormente, quando consiste em mani-
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festação subseqüente ao ato, como, por exemplo, na discussão sobre o valor de uma
prova já produzida.”7 Esta última hipótese é também chamada de contraditório diferido.
Feita essa ressalva, vejamos, o significado das provas cautelares, antecipadas e não
repetíveis separadamente8.
Provas cautelares
Provas cautelares são aquelas em que existe um risco de desaparecimento da prova em razão do transcurso do tempo (periculum in mora) e nas quais o
contraditório é diferido, ou seja, realizado durante o curso do processo. Assim, por
exemplo, um exame de corpo de delito, para constatar a presença de sêmen na vagina
da mulher que foi estuprada. Caso não se faça o exame logo após o crime, ainda na fase
do inquérito policial e sem o contraditório prévio ou concomitante, os vestígios desaparecerão, impossibilitando a sua realização em momento posterior. Justifica-se a exceção
à regra em razão do risco de desaparecimento da prova e em atenção à busca da verdade real. Ademais, não se fere o princípio do contraditório, que, como vimos, será diferido para momento posterior, ou seja, no curso do processo. Em caso de perícias cautelares
– grande maioria das situações –, inclusive, será possível a apresentação de quesitos
complementares, em caso de não observância de formalidades, omissões, obscuridades
ou contradições, que deverão ser respondidos pelo perito que elaborou o laudo, nos
termos do que dispõe o art. 181 do CPP. Com a reforma é possível, ainda, a oitiva do
perito em audiência, para que esclareça algum ponto do laudo ou, ainda, a nomeação de
assistente técnico para criticar o laudo elaborado, nos termos do art. 159, § 5º, do CPP,
com redação também conferida pela Lei 10.690/2008. A alteração a este último dispositivo legal visa justamente reforçar o contraditório em juízo, especialmente o diferido.
Provas antecipadas
Provas antecipadas são aquelas produzidas com a observância do contraditório real, perante a autoridade judicial, antes de seu momento processual oportuno e até
mesmo antes de iniciado o processo, em razão da sua urgência e relevância. Em outras
palavras, são aquelas provas em que existe um risco de desaparecerem com o transcorrer do
tempo e que são realizadas perante o juiz, observando-se o contraditório real, mesmo antes
de iniciada a ação penal. Vale ressaltar que foi incluído, na nova redação do art. 156 do CPP,
o inciso II, que afirma ser possível ao magistrado determinar a realização das provas antecipadas, desde que haja necessidade e urgência. Por exemplo, se se verificar que a única
testemunha presencial de um crime está com a saúde debilitada, em razão de doença incurável (HIV ou câncer), havendo risco de falecer antes de iniciada a ação penal, seria possível a
7
Direito à prova no processo penal, p. 138-139.
Advertimos o leitor que os conceitos de prova cautelar, não repetível e antecipada não são comumente
vistos no processo penal. Justamente por isto, o quanto dito no texto não foi extraído de nenhum autor,
mas decorre, segundo pensamos, da sistemática que foi adotada pela reforma.
8
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sua oitiva, determinando-se a sua inquirição perante o juiz. Nesta hipótese, respeita-se, desde logo, o contraditório real. Permitiu-se, ainda, que o magistrado determine, de ofício, a
produção de provas antecipadas (art. 159, inc. I), inclusive antes de iniciada a ação penal.
É de se verificar que o art. 225 já previa a possibilidade de o juiz antecipar a produção da prova testemunhal, nos seguintes termos: “Se qualquer testemunha houver
de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo da
instrução criminal já não exista, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer das
partes, tomar-lhe antecipadamente o depoimento”. Da mesma forma, os arts. 92 e 366 já
tratavam da produção antecipada de provas, em caso de suspensão do processo. Porém, a
nova legislação foi além, ao permitir a produção antecipada inclusive antes do início da ação
penal. Esta, realmente, foi a maior inovação9.
As provas antecipadas (ad perpetuam rei memoriam) são, portanto,
aquelas produzidas perante a autoridade judicial, antes de seu momento processual oportuno
ou até mesmo antes de iniciado o processo, em situações de urgência e relevância e observado o contraditório real (exemplo: depoimento da testemunha que está em vias de falecer).
Como adiantamos, é possível a realização da prova antecipada antes
ou após o início do processo. Na primeira hipótese, o juiz antecipa o momento
procedimental oportuno para a produção da prova. Assim, por exemplo, embora o feito
ainda esteja na fase da resposta escrita, o juiz poderá determinar, em caso de urgência,
a oitiva antecipada da testemunha – que somente seria ouvida, pelo rito normal, na audiência de instrução e julgamento.
Para que seja possível a produção de provas antecipadas, dois pressupostos são necessários: relevância (fumus boni iuris) e urgência (periculum in mora). A
relevância se verifica pela pertinência – ou seja, que a prova diga respeito aos fatos de
eventual processo futuro ou do próprio processo já instaurado – e pela importância da prova
no deslinde eventual da causa. Porém, no caso de produção antecipada anterior ao processo, entendemos que deverá o magistrado analisar, ainda, outro requisito, qual seja, a viabilidade de um processo futuro. Deve verificar se há a “fumaça” de que houve um crime e,
portanto, que haverá um provável processo futuro. Por exemplo, caso se verifique que o fato
é manifestamente atípico ou que já está extinta a punibilidade, sequer haverá cabimento em
se falar em prova antecipada. Obviamente, a análise da viabilidade deve ser em cognição
superficial, não profunda, como é típico das medidas de urgência. Se houver dúvida sobre a
tipicidade ou punibilidade, por exemplo, deve ser deferida a medida. A urgência, por sua
vez, caracteriza-se pelo risco de desaparecimento da prova, ou seja, pela presença do
periculum in mora. Além do exemplo da testemunha enferma, seria possível a antecipação
9
A legislação permitia a produção antecipada de provas, mas, segundo lecionava a doutrina majoritária,
apenas no curso do processo, nos termos do art. 225 do CPP. A inovação foi a permissão de produção
antecipada de provas antes mesmo do início da ação penal. Vale ressalvar, porém, que Carlos Frederico
Coelho Nogueira já mencionava a possibilidade da produção antecipada da prova inclusive antes de
iniciada a ação penal (Comentários ao Código de Processo Penal. São Paulo: Edipro, 2002. v. 1., p. 251).
Também fazia menção a esta possibilidade Eduardo Espínola Filho (Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, 2000, v. III, Campinas: Bookseller Editora, p. 184)
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quando houvesse sério risco de vida a uma testemunha “jurada” de morte por determinada
organização criminosa10.
Ademais, para a análise destes dois requisitos (relevância e urgência),
deve o magistrado observar o princípio da proporcionalidade ou razoabilidade. Este princípio possui três aspectos, conforme ensina a doutrina: a) necessidade (no caso, a medida
deve ser a menos gravosa dentre as existentes. Assim, por exemplo, se houver risco de vida
a uma testemunha, deve o magistrado sopesar se é necessária a antecipação do depoimento
ou se a proteção policial será suficiente para resguardar a testemunha); b) adequação (a
medida deve ser apta a alcançar a sua finalidade, ou seja, deve o magistrado verificar a
pertinência da prova para o processo penal); c) proporcionalidade em sentido estrito (as
vantagens da medida devem superar as desvantagens, ou seja, o magistrado deve sopesar se
é melhor aguardar o momento procedimental correto para produção da prova ou se deve
antecipar sua produção).
O art. 156 do CPP afirma que o magistrado poderia determinar a antecipação de provas de ofício. Porém, aqui devemos distinguir. Em relação às provas antecipadas durante o curso do processo, não temos dúvida de que a nova lei andou bem, pois o juiz
tem interesse na busca da verdade real. Inclusive, já havia no art. 225 do CPP a previsão de
que o juiz poderia determinar, de ofício, a produção antecipada da prova testemunhal, como
vimos. Por outro lado nos parece inconstitucional a autorização conferida ao juiz para determinar, de ofício, a produção antecipada de provas antes do início da ação penal. Realmente,
nesta situação ainda não há sequer ação penal instaurada e nem mesmo acusação formal
veiculada. Assim sendo, não pode o magistrado violar a sua inércia, atuando como verdadeiro juiz inquisidor. Neste sentido, vale relembrar que o STF declarou, na ADIN 1.570-2,
inconstitucional o art. 3.º da Lei 9.034/1995, que permitia ao magistrado a realização de
investigações pessoais. Na ementa da referida decisão constou: “Juiz de Instrução. Realização de diligências pessoalmente. Competência para investigar. Inobservância do devido processo legal. Imparcialidade do magistrado. Ofensa. Funções de investigar e inquirir. Mitigação
das atribuições do Ministério Público e das Polícias Federal e Civil (...)”11. A produção antecipada de provas segue a mesma senda do malfadado art. 3.º da Lei 9.034/1995, pois
permite ao magistrado que se antecipe à formação da opinio delicti do titular da ação penal,
atuando como verdadeiro juiz de instrução, cuja imparcialidade poderá ser maculada. Realmente, caso o juiz determine, de ofício, a produção de provas, poderá estar se vinculando
psicologicamente à causa, assim como antecipando eventual entendimento sobre o caso,
justamente o que o princípio da inércia ou da iniciativa das partes visa resguardar. E se o juiz
determinar de ofício a produção antecipada de provas, antes mesmo do início da ação penal,
estaria formulando um juízo antecipado sobre a opinio delicti, usurpando atribuições que
são constitucionalmente asseguradas ao Ministério Público, na ação penal pública. Ademais,
seria impossível ao magistrado coletar a prova sem que antes estivesse delimitado o thema
probandum, que somente se saberá com o oferecimento da denúncia. Por exemplo, a produção antecipada serviria para provar a prática de qual crime? O juiz perquirirá a testemunha
10
Neste sentido, em relação ao processo civil, mas em lição aplicável, PAULA, Paulo Afonso Garrido de,
Código de Processo Civil Interpretado, coord. MARCATO, Antônio Carlos, p. 2372.
11
STF, Plenário, Rel. Ministro Maurício Corrêa, j. 12.04.2004.
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sobre quais fatos, se ainda não houve delimitação destes em juízo? Tais perplexidades demonstram, segundo nosso sentir, que é impossível ao magistrado determinar de ofício a realização de prova antecipada antes do início do processo, sob pena de violação ao sistema
acusatório e aos princípios da inércia e do devido processo legal, em virtude da mácula à
imparcialidade do juiz. Em síntese, estamos diante de um retrocesso, verdadeiramente
inconstitucional, por se tratar de um retorno ao juiz inquisitivo. Ao comentar o dispositivo da
Lei 9.034/1995, cujas lições podem ser inteiramente aplicáveis aqui, Luiz Flávio Gomes
advertiu: “A lei ora em questão (art. 3.º), ao atribuir ao juiz a tarefa de colher provas fora do
processo, quebrou o princípio da imparcialidade e, assim, violou o devido processo legal
previsto no art. 5.º, inc. LIV. Também por isto é inconstitucional. A radical mudança de
posição do juiz brasileiro, não fosse derivada de uma disposição inconstitucional e, portanto,
inválida, configuraria, como já afirmamos, um clamoroso retrocesso. Seria um caminhar na
contramão da história. A tendência moderna não é transformar o juiz em protagonista principal da colheita de provas. Exatamente o oposto vem ocorrendo. O juizado de instrução
napoleônico está em descrédito e decadência”.12 Que fique bem claro: entendemos que o
magistrado pode determinar a produção de provas no curso do processo, em busca da
verdade real. O que não admitimos é que o juiz, antes mesmo de existir imputação formulada,
afaste-se de sua imparcialidade para, ainda durante o inquérito, determinar provas de ofício.
Ao fazê-lo, como ainda inexiste imputação, não estará buscando a verdade real, mas apenas
investigando fato que potencialmente poderá ser levado a juízo. Tanto assim que a prova
produzida antecipadamente poderá auxiliar a formulação da imputação, que virá posteriormente a ser julgada pelo mesmo juiz que investigou os fatos! Por todos estes motivos, entendemos que o magistrado somente pode determinar a produção antecipada de provas no
curso do processo. Fora disto, ou seja, antes de iniciada a ação penal, não pode fazê-lo de
ofício. Somente poderá agir a partir de requerimento do Ministério Público ou do ofendido
(na ação privada), do investigado (testemunha que é álibi do investigado e que está em risco
de morte, por exemplo) ou, ainda, de representação da autoridade policial. Neste sentido
vem sendo a interpretação majoritária da doutrina a respeito da possibilidade de o juiz determinar, de ofício, prova antecipadas antes da ação penal13. Em sentido contrário, porém, as
conclusões Workshop Sobre as Alterações no Código de Processo Penal, organizado pela
Escola da Magistratura do TRF da 4ª Região, cuja primeira conclusão afirma: “Pode o juiz
colher provas de ofício antes do recebimento da denúncia, sendo constitucional o artigo 156,
I, do CPP”.14
12
Estudos de direito penal e processo penal, São Paulo: RT, 1998, p. 191-192.
Neste sentido, GOMES, Luiz Flávio, CUNHA, Rogério Sanches e PINTO, Ronaldo Batista (Comentários às reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito, São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, p. 280), CRUZ, Rogério Schietti Machado da (Com a palavra, as partes. In: Boletim do
IBCCRIM, ano 16 - n. 188 – julho de 2008, p. 17-18), LOPES, Aury Jr. (Bom para quê(m)?, In: Boletim do
IBCCRIM, ano 16 - n. 188 – julho de 2008, p. 10), ZILLI, Marcos (O Pomar e as Pragas, In: Boletim do
IBCCRIM, ano 16 - n. 188 – julho de 2008, p. 2), entre outros.
14
WORKSHOP SOBRE AS ALTERAÇÕES NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, Coordenador Científico:
Des. Federal Néfi Cordeiro, evento ocorrido nos dias 18 e 19 de agosto de 2008, em Porto Alegre/RS,
organizado pela Escola da Magistratura do TRF 4ª Região, obtido no sítio http://www.trf4.jus.br/trf4/
institucional/institucional.php?no=531
13
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Em relação ao procedimento a ser seguido no caso de antecipação de
provas, o legislador andou mal em não disciplinar o tema, surgindo verdadeira lacuna no
ponto Assim sendo, nos termos do art. 3.º do CPP, urge seja integrado o vazio legislativo
valendo-se da analogia e dos princípios gerais do direito. Neste sentido, entendemos que
devem ser aplicadas as disposições do Código de Processo Civil que tratam da produção
antecipada de provas, nos termos dos arts. 846 a 851 do CPC. Tais normas irão regular o
incidente cautelar de produção antecipada de provas.
Preliminarmente, a competência para a medida de produção antecipada,
no caso de ser anterior ao início do processo, será dos juízes que sejam potencialmente
competentes para o feito, caso ainda não haja juízo prevento. Assim, observar-se-ão as
regras de competência, especialmente a de foro (juiz do local da consumação). Quando for
no curso do processo, não há dúvidas de que será o próprio juiz da causa. Encontrado o
magistrado competente, a parte interessada em produzir antecipadamente a prova deverá
justificar sumariamente a presença dos pressupostos da medida – relevância e urgência –, e,
especialmente, indicar com precisão os fatos sobre os quais há de recair a prova, bem como
a sua relevância para os fatos investigados (art. 848 do CPC). Deferida, a produção antecipada da prova poderá consistir em interrogatório15, em inquirição de testemunha e em exame
pericial. Caso o magistrado determine de ofício – apenas no curso do processo, como vimos
acima –, entendemos que deverá indicar, em despacho fundamentado, a presença dos pressupostos da medida. Apresentada a petição, será instaurado procedimento cautelar autônomo de produção antecipada de prova, seja antes do início da ação penal (pois não há sequer
ação penal), seja após o início da ação penal (para se evitar tumulto procedimental). Tomadas as providências, deverá o magistrado determinar a realização da prova. Tratando-se de
testemunha, deverá designar audiência para a sua oitiva, em juízo. Após, serão os interessados intimados para tanto. Neste passo, não é necessária, segundo pensamos, a citação do
investigado, pois esta somente deve ocorrer quando houver acusação já formulada. Basta,
assim, a intimação do Ministério Público e do suposto investigado, que deverá comparecer
necessariamente acompanhado de advogado, sob pena de ser-lhe nomeado um. Não temos
dúvida de que o investigado e, com maior razão, o indiciado, devem ser intimados para
comparecer à audiência, pois, se por um lado a finalidade da antecipação é assegurar a
prova, por outro é assegurar o contraditório efetivo e real. Como afirma Carlos Frederico
Coelho Nogueira: “Essa inquirição deve ser efetuada em juízo e em autos apartados aos do
inquérito policial, com observância do contraditório real, dela participando, portanto, o MP
e advogado nomeado pelo magistrado. Já havendo indiciado no inquérito, deve ser intimado
a comparecer e a participar do ato através de advogado que quiser contratar, sendo-lhe
nomeado defensor dativo no caso de comparecer desacompanhado de defensor constituído.
O indiciado de hoje poder ser o réu de amanhã, daí a necessidade de se lhe permitir a
participação na prova oral antecipada.”16 Caso não haja, ainda, suspeito, deve o juiz nomear
defensor dativo.
15
Pode-se vislumbrar a necessidade de o acusado ser interrogado antecipadamente, caso demonstre que
se ausentará por longo tempo. Com mais freqüência, segundo cremos, poderá ocorrer a oitiva de co-réu
delator, que está sendo ameaçado de morte em razão da delação.
16
Ob. cit., p. 251.
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Caso seja indeferido pedido de produção antecipada de provas, entendemos que o incidente para produção da referida prova terá sido extinto, de sorte que esta
decisão se enquadra no art. 593, inc. II, do CPP, ou seja, será cabível o recurso de apelação,
especialmente porque a decisão não se enquadra no rol fechado do art. 581 do CPP17. De
qualquer sorte, entendemos aplicável o princípio da fungibilidade recursal, previsto no art.
579 do CPP, segundo o qual a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso
por outro, quando não houver má-fé, especialmente porque o prazo de interposição da apelação e do recurso em sentido estrito serão os mesmos.
Provas irrepetíveis
Por fim, provas não repetíveis seriam aquelas que não poderiam ser novamente produzidas no curso do processo, embora já tenham sido colhidas extrajudicialmente.
Prova não repetível seria, por exemplo, uma testemunha ouvida durante o inquérito policial,
mas que vem a falecer antes de ser ouvida em juízo, no momento procedimental oportuno.
Aqui trataremos das provas irrepetíveis como espécie autônoma em relação às provas
cautelares e antecipadas, como fez o legislador na reforma. Seria, portanto, prova irrepetível
a testemunha que foi ouvida durante a fase do inquérito policial, perante a Autoridade Policial, mas que vem a falecer antes de ser ouvida em Juízo.
Semelhanças e diferenças entre provas antecipadas, cautelares e
irrepetíveis
De logo, é possível vislumbrar um núcleo comum entre a prova cautelar e
a prova antecipada, pois em ambas há fumus boni iuris e periculum in mora. Porém, pelo
que se infere da nova disciplina legal, a diferença entre a prova cautelar e a antecipada está
em que a antecipada é produzida observando-se o contraditório real – ou seja, garante-se a
ciência e a participação no momento da produção da prova –, o que não se verifica nas
17
Não se olvida que, em caso de aplicação do art. 366 do CPP, da decisão do magistrado que indefere
pedido de produção antecipada de provas a jurisprudência entendia que seria cabível o mandado de
segurança (STJ – 6.ª Turma – ROMS 12.060/SP – Rel. Min. Vicente Leal – DJU 19.12.2002 e REsp 504.789GO, Rel. Min. Paulo Gallotti, julgado em 21/8/2007, 6ª turma, informativo 328). No entanto, entendemos
que a situação, ao menos para fi ns recursais, não se enquadra perfeitamente à hipótese de indeferimento
da produção antecipada de provas, introduzida pelo art. 156 do CPP. Realmente, enquanto no caso de
aplicação do art. 366, o indeferimento da produção da prova não leva à extinção do processo ou de
qualquer processo incidente – o processo continua suspenso, seja ou não deferida a produção antecipada de provas –, no caso do indeferimento da prova antecipada ora tratado há verdadeira extinção de um
processo preparatório à propositura da ação penal, mas sem que se adentre na análise da pretensão
punitiva. Assim sendo, enquanto a decisão de indeferimento da produção antecipada prevista no (antigo)
art. 366 não se enquadra no conceito de decisão com força de definitiva, a decisão por nós tratada se
encaixa perfeitamente naquele conceito.
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provas cautelares. Assim, enquanto na prova antecipada há o contraditório real – no mesmo
momento da sua produção –, na prova cautelar o contraditório é diferido, ou seja, exercitado
após a produção da prova, no curso do processo. Vale destacar, ainda, que a prova antecipada é sempre produzida perante a autoridade judicial, o que nem sempre ocorre com a
prova cautelar, que pode ou não ser produzida perante a autoridade judicial.18
Diversamente, na prova irrepetível não há contraditório, seja real ou diferido. A prova não repetível aproxima-se das provas cautelares e antecipadas pois nestas
duas ou haverá irrepetibilidade absoluta, por desaparecimento do objeto – exemplo, dos
vestígios do crime que certamente desaparecerão – ou, ao menos, há uma potencialidade de
que a prova se transforme em irrepetível – como no caso da testemunha que está enferma
durante o inquérito, mas que pode vir a não falecer antes do curso do processo.
Condenação exclusivamente com base em provas cautelares, antecipadas e irrepetíveis?
Explicados os conceitos, pergunta-se: poderia o magistrado condenar com
base exclusivamente em prova cautelar, antecipada ou não repetível? Pela interpretação
literal do art. 155 poder-se-ia chegar a esta conclusão. Porém, segundo cremos, esta interpretação é verdadeira apenas em parte.
Realmente, pensemos nas provas não repetíveis. Poderia o magistrado se
basear apenas e exclusivamente nela para proferir um decreto condenatório? Entendemos
que não. O simples fato de uma prova ter sido produzida no inquérito policial e ter se tornado
impossível a sua repetição em juízo (prova produzida no inquérito + ser irrepetível) não pode
justificar, a nosso ver, uma exceção ao princípio do contraditório. Suponhamos o exemplo de
uma única testemunha presencial de um latrocínio que foi ouvida durante o inquérito, mas que
falece antes do início da instrução processual. Neste caso, entendemos que o juiz não poderá
considerar isoladamente esta prova para fins de condenação, pois o contraditório não estaria
sendo observado, seja no momento da produção da prova (contraditório real), seja posteriormente (contraditório diferido). Como contraditar esta testemunha, como fazer perguntas,
como verificar se não foi pressionada para que assinasse seu termo de depoimento? Neste
ponto, caso o magistrado considerasse essa prova exclusivamente para embasar a condenação, estaríamos diante de uma lesão frontal, segundo pensamos, ao princípio do contraditório. Não teria sentido em considerar que a mera impossibilidade de repetição pudesse
transmudar essa prova de “não apta” para “apta” a fundamentar um decreto condenatório.
Do contrário, qualquer elemento de informação colhido durante o inquérito teria a aptidão de
18
Por exemplo, a interceptação telefônica é prova cautelar – há perigo na demora, mas o contraditório é
diferido – embora seja produzida com autorização judicial.
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levar à condenação, desde que se tornasse impossível a sua repetição em juízo 19.
Que fique claro: entendemos que o magistrado pode valorar este elemento de informação na sentença, desde que o faça ao lado de outras provas colhidas em
juízo. O que não se admite é o magistrado condenar baseando-se exclusivamente
nesta prova irrepetíveis, sob pena de violação ao princípio do contraditório. O
magistrado deve valorar esta “prova” irrepetível como qualquer outro elemento informativo produzido durante o inquérito policial.
O mesmo não pode ser afirmado quanto às provas cautelares e
antecipadas, pois nestas há contraditório efetivo, seja concomitante, seja posterior,
como vimos. Assim, o magistrado pode condenar ou absolver exclusivamente fundado em uma prova antecipada ou cautelar, sem necessidade de estar apoiado em
outros elementos produzidos em contraditório judicial. Isto porque o contraditório,
nas provas cautelares e antecipadas, foi efetivamente exercitado pelas partes.
Segundo pensamos, a forma de interpretar o art. 155 do CPP passa
pela sua consideração teleológica. Conforme já dissemos, o referido dispositivo
busca preservar o contraditório, que deve guiar toda a produção das provas. Assim, sob a luz desta interpretação, o magistrado poderá considerar as provas
cautelares e antecipadas para a condenação, inclusive podendo valer-se delas com
exclusividade, pois é perfeitamente possível o contraditório nestas duas situações20.
Diversa é a hipótese da prova não repetível. Para esta, como não há o contraditório, seja anterior ou posterior, impossível ao magistrado se fundar exclusivamente
nela para condenar. O magistrado apenas poderá considerá-la como elemento de
reforço das provas coletadas em juízo, conforme dissemos em relação aos demais
elementos de informação do inquérito policial. Porém, jamais o magistrado poderá
condenar com base exclusivamente em uma prova não repetível, colhida apenas no
inquérito policial, sob pena de violação ao contraditório. Esta, segundo cremos, a
melhor interpretação para o dispositivo, de sorte que urge seja feita uma interpretação conforme do dispositivo 21, visando afastar qualquer outra interpretação que
viole o princípio do contraditório.
19
Esta questão já havia sido vislumbrada por Rodrigo de Abreu Fudoli, quando ainda se discutia os
anteprojetos que vieram a ser aprovados: “A palavra irrepetíveis é que me causa certa dúvida (...) Pela
redação proposta, me parece que se permitiria, por exemplo, que o juiz fundamente sua decisão no depoimento de uma testemunha que foi ouvida durante o inquérito e que depois faleceu, e por quê? Essa oitiva
seria irrepetível”. (Seminário “A reforma do Processo Penal Brasileiro”, organizado pelo Ministério da
Justiça, em Brasília, nos dias 7, 8 e 9 de junho de 2005, p. 56)
20
Exemplo seria da única testemunha presencial do crime que é ouvida antecipadamente ainda durante o
inquérito, perante o magistrado e observado o contraditório. O magistrado poderá considerar esta prova
como fundamento exclusivo para a condenação. Da mesma forma, o magistrado pode considerar demonstrada a materialidade em razão de um exame de corpo de delito realizado durante o inquérito policial.
21
Leciona Celso Bastos, sobre a interpretação conforme a Constituição: “Trata-se de um recurso extremo que
busca dotar de validade a norma tida como inconstitucional. O intérprete, depois de esgotar todas as
interpretações convencionais possíveis e não encontrando uma exegese constitucional, mas também não
contendo a norma interpretada nenhuma violência à Constituição Federal, vai verificar se é possível, pelo
influxo das disposições constitucionais, levar a efeito algum alargamento ou restrição da norma que a
compatibilize com a Carta Maior. Todavia, o alargamento ou a restrição da lei não devem ser revestidos de
uma afronta à literalidade da norma ou à vontade do legislador”, apud Olavo A. V. Alves Ferreira, Controle de
constitucionalidade e seus efeitos, 2. ed. rev., ampl. e atual., São Paulo: Método, 2005, p. 139
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LEI 11.690/08 E A
REGULAMENT
AÇÃO DO
REGULAMENTAÇÃO
INC
VI DO AR
T. 5
INC.. L
LVI
ART
5º DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL
ADMISSIBILID
ADE
- A IN
INADMISSIBILID
ADMISSIBILIDADE
PR
OCESSU
AL D
AS
PROCESSU
OCESSUAL
DAS
AS
OVAS ILÍCIT
PR
ILÍCITAS
PRO
EDUARDO QUEROBIM
Promotor de Justiça no Estado de São Paulo
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LEI 11.690/08 E A REGULAMENTAÇÃO DO INC. LVI DO
ART. 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A inadmissibilidade processual das provas ilícitas
Eduardo Querobim1
Introdução e aproximação teórica
O presente artigo busca abordar e levantar perspectivas acerca do
novo regime jurídico surgido com a edição da Lei 11.690/08, mais especificamente a
partir da nova redação dada ao art. 157 do Código de Processo Penal, notadamente
destinado a regulamentar as soluções aplicáveis às provas obtidas por meios ilícitos em
processos penais condenatórios.
A Constituição Federal proclama, como garantia fundamental, serem inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos (art. 5º, inc. LVI). A
norma, por assegurar direito e garantia fundamental, tem eficácia plena e aplicabilidade
imediata (CF, art. 5º, § 1º). Todavia, dada a complexidade conceitual da questão, com
algumas incertezas e desajustes na doutrina e na jurisprudência, a legislação mais recente
cuidou de normatizá-la, com fundamento (ao menos assim o fora no projeto apresentado
pela Comissão de Juristas) nos aspectos mais sedimentados historicamente na jurisprudência do E. Supremo Tribunal, que muito se baseou na fonte primeira do instituto das
provas ilícitas; a Suprema Corte Americana.
Em breve repasse histórico acerca do surgimento da teoria da
inadmissibilidade das provas ilícitas, pondera-se que o instituto (o regime jurídico da
exclusão de tais provas de um processo) é surgido na Suprema Corte Americana, em
1914, em Weeks v. USA, num processo da Justiça Federal, em que teria havido a descoberta de algumas evidências por meio de uma busca ilegal. A Suprema Corte reconheceu a ilicitude das evidências por aquele meio obtidas e determinou ser inadmissível seu
uso como meio de prova; criou-se a regra de exclusão (exclusão – inadmissibilidade da prova obtida por meio ilícito). Até então, prevalecia em geral a concepção retratada
no brocardo male captum, bene retentum, a sustentar que as provas obtidas em violação a direitos seriam plenamente úteis enquanto evidências da verdade, apenas sendo
punível, na medida prevista em legislação material própria, o ato violador de direito que
houvera possibilitado a coleta daquelas provas.
E, de fato, mesmo após aquele precedente, durante bastante tempo a
tese da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos foi rechaçada pela maioria da jurisprudência norte-americana. Tanto que pelo menos 30 Cortes Estaduais não
aplicavam aquele sistema de exclusão da prova ilícita até 1949. Em 1961, em Mapp v.
Ohio, a Suprema Corte impôs a regra de exclusão a todas as Cortes Estaduais, em
1
Eduardo Querobim, Promotor de Justiça
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homenagem à 4ª Emenda (aqui, uma brevíssima síntese do elogiável trabalho de pesquisa
feito por Denilson Feitoza, in Direito Processual Penal. 3ª ed. Niterói: Impetus, 2005).
Do que se colhe da doutrina, parece ter sido a gênese mais longínqua da
teoria da inadmissibilidade das provas ilícitas.
Por sua vez, a doutrina nacional (fundamentalmente Ada P. Grinover, A.
Scarance Fernandes e Antônio Magalhães Gomes F., in As nulidades no processo penal.
10ª ed. São Paulo: 2007, Revista dos Tribunais, Cap. IX, Seção II, cujas lições são seguidas
e repetidas por quase todos os que abordam o tema), ao tratar a temática constitucional e
processual referente às provas ilícitas, costumava invocar a definição e a distinção conceitual
propostas pelo Professor Italiano Pietro Nuvolone, resumidamente nos seguintes termos: as
provas ilegais seriam um gênero de desconformidade com o ordenamento jurídico, gênero
este que se dividiria em: a) provas ilícitas, assim entendidas aquelas obtidas por meio de um
ato violador de normas assecuratórias de direitos materiais (violação direta de direitos da
personalidade ou de quaisquer formas de liberdades públicas reconhecidas constitucional ou
legalmente; os exemplos clássicos seriam as confissões obtidas mediante tortura, cartas e
documentos interceptados em violação a sigilo de correspondência ou profissional, objetos
apreendidos em buscas transgressoras da inviolabilidade de domicílio, escutas telefônicas
fora das hipóteses permitidas pelo ordenamento, a gerar ofensa aos direitos de privacidade
sigilo das comunicações); e b) provas ilegítimas, assim entendidas aquelas produzidas no
processo (ou, de qualquer modo, no curso da persecução penal) com violação a normas
tipicamente procedimentais (violação direta de regras processuais destinadas precipuamente
à regularidade e utilidade do procedimento penal; os exemplos clássicos seriam as oitivas de
testemunhas de defesa antes das de acusação, a realização de reconhecimento pessoal sem
as formalidades legais, a perícia realizada por apenas um perito, a oitiva de testemunhas em
número superior ao limite estabelecido em lei a determinado rito, a oitiva de testemunha
extemporaneamente arrolada). Na mesma linha, PEDROSO, Fernando de Almeida. Prova
penal – doutrina e jurisprudência. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, Cap. 19.
Com alguma variação conceitual, basicamente apenas denominando o
gênero como “provas proibidas”, mas propondo a mesma sistemática de categorização e
tratamento, Adalberto José Queiroz Telles de Camargo Aranha, in Da Prova no Processo
Penal. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, Cap. VII.
Outro enfoque, todavia, é proposto por Luiz Flavio Gomes, que, em linhas gerais, distingue o gênero prova ilegal em: a) prova ilícita, quando obtida com violação da lei em situação e momento extraprocessual; e b) prova ilegítima, quando produzida
com violação de norma interna do processo, em situação que aquele penalista chama
endoprocessual ou intraprocessual (cf. em Qual a diferença entre provas ilícitas e provas ilegítimas?, disponível em www.jusbrasil.com.br, acesso em 12.08.2008).
De qualquer forma, a dogmática jurídica propunha a seguinte solução, em
termos gerais, ao regime jurídico das provas ilegais: se se tratasse de prova ilegítima, por
ter havido ofensa a normas processuais/procedimentais em sua produção, a regência seria
dada pelo próprio sistema de nulidades do Código de Processo Penal (artigos 563 a 573
deste Código), que reconhece algumas situações como nulidades absolutas, outras como
relativas, e adota princípios gerais referentes à necessidade de demonstração de prejuízo
pela parte a que interesse a declaração da nulidade (artigos 563, 565 e 570) e atinentes à
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imprescindibilidade da demonstração da influência da situação sobre a descoberta da verdade (artigo 566), sujeitando ainda boa parte das hipóteses de nulidade a um rigoroso sistema
sanatório de preclusão (artigos 569, 571 e 572) – a prova ilegítima seria, portanto, admitida, ou não, como fonte e meio de formação da convicção do juízo criminal, conforme a
situação que lhe tivesse ensejado a desconformidade encerrasse nulidades relativas ou absolutas, e tivesse sido, ou não, argüida em tempo e modo oportunos; se, por outro lado, se
tratasse de prova ilícita, a solução seria mais radical, consoante o imposto no art. 5º, LVI,
da CF, a determinar a inadmissibilidade completa, no processo, da prova, que não poderia
surtir nenhum efeito.
A propósito, a lição da Profa. Ada Grinover sustentava que a prova obtida por meio ilícito, por ser vedada, inadmissível por imposição constitucional direta sobre o
devido processo legal, perderia a própria natureza ontológica de prova enquanto tal, a se
poder afirmar que se tornaria uma não-prova, na categoria jurídica da inexistência, acima
mesmo, pelo rigor das conseqüências processuais devidas, a qualquer nulidade absoluta; ao
reconhecimento da ilicitude da prova, seguir-se-ia a declaração de sua completa
inadmissibilidade no processo, sem que pudesse, de forma alguma, motivar qualquer decisão ou deter qualquer eficácia probante. Tal entendimento foi integralmente adotado na jurisprudência do E. Supremo Tribunal Federal, em votos do Em. Min. Celso de Mello, especialmente nos HCs 69.912/RS, 73.351/SP e 72.588/PB (além de ter sido invocado no
relevantíssimo julgamento da Ação Penal originária 307-3/DF – caso de crimes de corrupção
passiva, falsidades diversas e outros delitos, em que figuravam como réus, dentre outros, o
ex-Presidente Fernando Collor de Melo e Paulo César Farias; neste caso, considerou-se
ilícita a prova obtida por apreensão de um computador numa diligência de busca em empresa
– que se considerou busca domiciliar – sem mandado judicial, além de degravações de conversas gravadas por um dos interlocutores, sem ciência do outro).
Tamanha a convicção do Supremo Tribunal na questão da
inadmissibilidade das provas ilícitas, que chegou a pacificar que o reconhecimento da
ilicitude de uma prova importa a nulidade de todo o julgamento que nela se embasou
(caso tenha sido a única prova, ou a mais determinante, ou ainda a da qual derivaram
todas as outras) e a determinação do imediato desentranhamento da prova dos autos
(leia-se: desentranhamento dos meios materiais que a documentam nos autos do processo), para que nenhuma influência pudesse ter.
Dessa hipertrofia da garantia da inadmissibilidade das provas obtidas
por meios ilícitos construída pelo Supremo Tribunal foi que decorreu, naturalmente, não
porém sem alguns solavancos, a adoção também explícita e agora unânime por aquela Corte
da chamada teoria dos frutos da árvore venenosa (ou envenenada), teoricamente oriunda
da Suprema Corte dos Estados Unidos da América, e que proclama, em breve e despretensiosa síntese, serem também inadmissíveis as provas, ainda que em si mesmas lícitas, obtidas
a partir de informações a que se chegou por meio das provas originariamente ilícitas (voltando à metáfora do nome, a idéia seria de que, contaminada a árvore – a prova ilícita original
-, o veneno [ilicitude] que a contaminara atingiria também seus frutos – as provas obtidas a
partir de informações conhecidas em função da prova ilícita original). A propósito, extenuante
debate no HC 73.351/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, em que se anulou todo um processo de
tráfico de drogas, cuja apreensão de 81 kg de cocaína havia sido possibilitada por meio de
interceptação telefônica judicialmente autorizada, mas anterior à Lei 9.296/96, já que o STF
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entende desde a CF/88 que, antes desta lei regulamentadora, o sigilo das comunicações
telefônicas não poderia ser quebrado de forma alguma.
A nova redação do art. 157 do Código de Processo Penal é fruto da
aprovação, com algumas alterações, do Projeto de Lei do Executivo n. 4.205/01, elaborado
por uma Comissão de Juristas presidida pela Profa. Ada Pellegrini Grinover, para a elaboração de diversas alterações tópicas e setoriais no CPP (da mesma forma fruto do trabalho
desta Comissão, vieram a ser aprovadas as Leis 11.689/08, que alterou integralmente o rito
do júri, e a Lei 11.719/08, que alterou os procedimentos do Código de Processo Penal), e
esse projeto levou em conta exatamente a doutrina e a jurisprudência (especialmente do
STF) que se consolidavam no Brasil, para normatizar a questão das provas ilícitas no direito
processual penal brasileiro.
I - A conceituação da prova ilícita na nova Lei e algumas das
polêmicas que suscita
O Projeto 4.205/01 do Executivo (da lavra da Comissão presidida pela
Profa. Ada Grinover) propunha a seguinte redação ao caput do artigo 157 do Código de
Processo Penal:
“São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas
ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a princípios ou normas
constitucionais”.
Como se vê, a redação proposta trazia uma definição autêntica do que
seriam provas ilícitas, com atenção voltada ao conceito doutrinário que as identifica como
aquelas obtidas mediante a violação de quaisquer liberdades públicas do cidadão, ou mesmo em vulneração a princípios ou quaisquer garantias constitucionais. Não havia dúvidas de
que eventuais infringências a regras procedimentais (ou processuais propriamente ditas) no
momento da produção da prova importaria sua qualificação como prova ilegítima, com a
regência devida pelo sistema de nulidade (relativas e absolutas) do estatuto processual. Mais
ainda. A referência a violação a princípios constitucionais permitia até mesmo maior
abrangência na expansão do conceito protetivo e na apreciação do caso concreto, porquanto se sabe que há princípios (e alguns até mesmo de primeira essência, até superprincípios,
como o da proporcionalidade) que estão implícitos e decorrem do sistema constitucional de
garantias e de convivência harmônica das liberdades públicas.
Todavia, o texto aprovado foi o seguinte:
“Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as
provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.”
Com base na expressão final “obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”, já houve na doutrina quem se animou a sustentar que estaria aniquilada,
pelo sistema jurídico positivo brasileiro, a distinção conceitual (e, por conseqüência, o regime
jurídico distinto de regência) entre provas ilícitas e ilegítimas, todas elas agora se subme-
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tendo ao sistema máximo constitucional de inadmissibilidade do art. 5º, inc. LVI. É
que, como qualquer violação a normas legais (e não apenas às constitucionais) caracteriza a prova como ilícita (e, portanto, inadmissível), e como a regra procedimental é
também legal, de nada mais importaria a distinção entre a natureza da norma (ou do
direito) violada ao ensejo da produção da prova: sempre haveria ilicitude constitucionalmente qualificada - inadmissibilidade.
Nesse sentido, Luiz Flavio Gomes (Lei 11.690/08 e provas ilícitas: conceito e inadmissibilidade. Disponível em www.lfg.com.br, acesso em 19.06.2008).
O raciocínio é bastante claro e até convincente. Não obstante, parece
admissível outro enfoque na leitura e definição hermenêutica do dispositivo legal.
O fulcro da interpretação – tanto literal como lógico-teleológica – do dispositivo talvez deva estar não na palavra “legais”, mas no termo “obtidas”.
Realmente, é pacífico na dogmática das provas que, entre seu surgimento
no mundo da realidade e o exaurimento de sua eficácia de convencimento no processo (que
é seu destino único, ao fim e ao cabo), sucedem-se, nesta ordem, as seguintes etapas: proposição (postulação, requerimento, indicação dos meios de prova pelos quais se pretende
demonstrar ou negar um fato ou situação num processo); admissibilidade (deferimento, pelo
juízo destinatário da prova, de que seja ela obtida, se ainda inexistente ou não materializada,
ou apenas incorporada aos autos do processo, caso já preexista em perfeita completude);
produção (a efetiva introdução da prova no processo, a tornar-se parte integrante da relação
jurídico-processual, vindo ao conhecimento formal do juízo e de ambas as partes e ali se
sujeitando à crítica bilateral dos litigantes, podendo confundir-se e identificar-se o momento
de obtenção e produção da prova, como na prova testemunhal, por exemplo, em que a oitiva
judicial é o próprio fenômeno de produção e obtenção da prova); valoração (influência que
exerce a prova na convicção do órgão julgador, a determinar o substrato fático sob que o
juízo subsumirá a hipótese legal para aplicar o direito penal objetivo).
A obtenção da prova, ou seja, o acesso ao meio ou o contato com a
fonte que plasma e materializa a prova, pode dar-se antes mesmo da fase de proposição
em juízo (como ocorre com quase todos os elementos informativos oriundos da investigação criminal) ou pode dar-se no exato momento de sua produção (introdução no
processo à luz do contraditório crítico).
O grande diferencial entre as provas ditas ilícitas e aquelas assim chamadas ilegítimas consiste não na suposta natureza da norma violada (se material ou processual), mas fundamentalmente na natureza da ilegalidade operada na circunstância ou no momento do surgimento da prova como tal.
Quando o vício se dá na obtenção da prova, ou seja, na forma de se ter
acesso à fonte dela, de se apoderar material e sensorialmente do meio de prova, de descobri-la como instrumento de demonstração de um fato, aí então se tem autenticamente uma
prova ilícita, porque é exatamente nesta atividade de obtenção que se podem (em tese)
violar garantias fundamentais, liberdades públicas ou direitos da personalidade.
Assim, quando a interceptação telefônica não é regular, obtém-se prova
ilícita porque se estão descobrindo fatos e evidências (provas) por meio de violação ao
direito de intimidade, ao sigilo das comunicações (autêntica liberdade pública do cidadão).
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Assim, quando se tortura ou de qualquer forma se coage um investigado para que confesse, está-se obtendo prova ilícita porque o acesso a ela se deu por meio de violação
ao direito à vida, à integridade física, à dignidade, enfim (autênticos direitos da personalidade constitucionalmente assegurados), assim como violação ao direito ao silêncio (garantia constitucional das liberdades públicas), o mesmo valendo para a oitiva de uma
testemunha sob coação (prova ilícita porque obtida por meio de violação a direito de
segurança e liberdade do cidadão). Assim, quando se descobre, sem autorização judicial, um documento secreto de uma empresa, está-se obtendo prova ilícita porque o
desvendamento se dá por meio de violação ao segredo profissional (que é direito da
personalidade lato sensu considerada, tanto que tutelado tal sigilo nos artigos 153 e 154
do Código Penal). Assim, quando se apreende um objeto de interesse criminal numa
busca domiciliar desprovida de autorização ou fora de situação de flagrante delito, estáse obtendo prova ilícita por meio de ofensa à inviolabilidade do domicílio (direito fundamental do cidadão). Assim, quando é ouvida uma testemunha em audiência sem a
presença de um Advogado para atuar na defesa do réu, está-se obtendo (e produzindo,
porque concomitantes as situações) prova ilícita porque se opera por meio de ofensa
ao direito de defesa técnica, que é meio e recurso inerente à ampla defesa, essência do
devido processo legal (garantia constitucional das liberdades públicas – art. 5º, inc.
LIV e LV, e art. 133, ambos da CF), o mesmo valendo para quando se procede ao
interrogatório de um acusado delator de co-réu sem permitir que a Defesa do delatado
participe ativamente da inquirição, mas, mais tarde, se busca usar a delação como prova
de autoria em desfavor do delatado (exatamente isso em TACrimSP, AP.826.057/6,
Rel. Sergio Pitombo – j. 09.03.1994).
É dizer, se a garimpagem, a conquista, o conhecimento, a notícia da prova, o acesso a ela se der por meio de violação a alguma liberdade pública ou garantia constitucional (sejam prerrogativas materiais ou mesmo processuais – veja-se o exemplo da
oitiva sem Advogado) ou ainda mediante ofensa a direito reconhecido e tutelado em lei (vejase o exemplo da revelação de um documento que contém segredo empresarial), aí se terá
prova ilícita, e o regime jurídico constitucional (ora incorporado expressamente ao Código
de Processo Penal) será da inadmissibilidade no processo (cf. art. 5º, inc. LVI, da CF),
com determinação de desentranhamento dos autos e inutilização do material que a documenta (cf. o § 3º do art. 157 do CPP, na nova redação).
Numa palavra, a ilicitude que qualifica pejorativamente como ilícita uma
prova está no meio de sua obtenção. Confira-se o texto constitucional: são inadmissíveis,
no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.
Noutro lado, se a produção da prova (e apenas a produção), no sentido
técnico que se trouxe acima (introdução no processo com sujeição à bilateralidade, integração
à relação jurídico-processual sob o crivo do contraditório), estiver em desconformidade com
a norma legal, aí então se terá prova ilegítima, porque a infração terá sido inexoravelmente
de regra procedimental propriamente dita (ou será testemunha acima do número legal admissível
para aquele rito, ou será laudo elaborado por um só perito, ou será documento juntado em
fase inadequada, ou será reconhecimento feito sem as formalidades legais etc.). Quando a
infração da norma legal se der exclusivamente na atividade de produção de uma prova, a
situação será necessariamente de infringência procedimental (ou processual propriamente
dita), e para isso o sistema de nulidades disposto no Código de Processo Penal e aperfeiço-
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ado pela jurisprudência (há diversas súmulas dos Tribunais Superiores sobre a matéria) continua
perfeitamente aplicável e absolutamente eficiente e suficiente para manter a regularidade dos julgamentos, a paridade de armas, os limites intrínsecos de busca regular e ética da verdade.
Estranho e exagerado seria pensar que a oitiva de uma testemunha acima do
número legal previsto para o rito importaria prova ilícita, inadmissível, devendo o termo de
depoimento ser desentranhado e incinerado, com conseqüente anulação de todo o processo. Mas
esta seria a conseqüência ao se aceitar a tese de que a nova conceituação do caput do art. 157
teria identificado e posto em mesmo regime jurídico as provas ilícitas e ilegítimas, agora todas
sob o rótulo e manto (constitucionalmente qualificado) de ilícitas/inadmissíveis.
A distinção ainda vigora porque o art. 157, caput, cuidou de definir legalmente o âmbito de incidência da garantia constitucional da inadmissibilidade das provas
obtidas por meios ilícitos, e veja-se ainda uma vez mais que o texto constitucional é muito
claro no ponto: não fala em provas ilícitas, mas muito precisamente em provas obtidas por
meios ilícitos. A garantia tem dupla face de tutela: protege o cidadão contra cujo patrimônio
jurídico se investiu ilicitamente para obter-se a prova, e protege a parte litigante em processo
judicial contra quem se pretende usar a prova (cabe lembrar que não serão necessariamente
a mesma pessoa: basta invocar o exemplo da testemunha coagida, que tem ferida sua liberdade e dignidade, ao passo que a prova visa ao prejuízo processual de alguma das partes do
litígio, que não é a própria testemunha; ou, então, o caso da escuta telefônica clandestina, que
capta conversa entre duas pessoas, mas que se pretende usar em juízo, eventualmente, contra terceiro a elas vinculado por qualquer motivo).
Importa, então, avaliar se o meio de obtenção da prova foi ou não ilícito.
Afinal, e aqui vai o que se acredita ser o argumento de maior autoridade e precisão técnica,
é o texto (e o contexto!) constitucional que deve determinar a exegese da norma
infraconstitucional (máxime daquela que procura trazer interpretação autêntica a um instituto
do direito constitucional positivo), não o inverso.
A garantia constitucional da inadmissibilidade das provas ilícitas é, na verdade,
a garantia constitucional de que não se violem direitos e liberdades públicas para obter provas, e
de que, se houver qualquer violação, que tais provas sejam inadmissíveis em qualquer processo.
Numa visão talvez mais teórica, é a opção política do Estado Democrático de Direito no sentido de mais valer a garantia da dignidade do cidadão contra o arbítrio
(normalmente, mas não exclusivamente, do Estado) do que a descoberta da verdade a qualquer custo. O processo penal busca a verdade, é óbvio, porque isso é um pressuposto
elementar de justiça natural e universal, mas no sistema constitucional (e, agora, processual
normativo) brasileiro a busca da verdade há de ser impregnada de fundamentos éticos de
respeito aos valores da cidadania digna, e quando a busca da verdade despreza tais valores
(quando viola a dignidade do cidadão), a ofensa é tão intensa e reprovável, que a Constituição manda repudiar qualquer informação oriunda disso, sem prejuízo da punição (criminal,
normalmente) daquele ofensor (crimes de tortura, violação de domicílio, violação de segredo, coação no curso do processo, interceptação clandestina de telecomunicações e outros).
Como se verifica pelo histórico trazido na já aludida obra do Prof. Denílson
Feitoza, a Suprema Corte Americana consolidou o entendimento de que a razão de ser da
doutrina da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos é de ordem fundamentalmente preventiva: evitar violações a direitos fundamentais como forma de obtenção de pro-
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vas, mediante o desestímulo ao Estado (potencialmente) violador, ao negar toda e
qualquer valia à evidência obtida de modo ilícito. Com isso, esvazia-se qualquer
utilidade da conduta estatal de agressão às liberdades públicas como meio de descoberta de provas, e a solução ao Estado é a procura da prova apenas pelos meios
legais, sob pena de ter de suportar a impunidade criminal, quer pela inexistência de
provas, quer pela ineficiência e inoperância daquelas existentes, mas que tenha sido
fruto de obtenção por estratégia ilícita.
É possível até traçar um paralelo entre os fundamentos teóricos da
Suprema Corte Americana e do Supremo Tribunal Brasileiro. Ao passo que a Suprema
Corte dos Estados Unidos vale-se da inadmissibilidade das provas ilícitas como garantia
eminentemente processual destinada (didaticamente) a prevenir novas violações mediante o desestímulo das autoridades estatais em produzir provas ilícitas, pois não serão
admitidas de forma nenhuma (fundamento preventivo, e não reparatório à violação, já
que este último fica por conta dos tipos penais repressivos específicos e de providências
indenizatórias em face do Estado ou do agente público), nosso Supremo Tribunal deixa
explícito, especialmente no HC 69.912, com os votos dos Min. S. Pertence e C. de
Mello, que a garantia da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos na Constituição busca assegurar o devido processo legal (seria um dos principais dogmas
densificadores do devido processo legal, no dizer do Min. C. de Mello), que deve
servir antes e mais à tutela dos direitos e garantias fundamentais que à descoberta da
verdade a qualquer custo e preço.
É como que se a Suprema Corte norte-americana usasse a teoria para
fazer e repetir uma advertência ao Estado, como desestímulo a qualquer violação de
liberdades públicas, até em cunho pedagógico, ao tempo em que nosso Supremo Tribunal a emprega como reafirmação e consolidação do respeito aos direitos e garantias
fundamentais (embora, sem dúvida, isso também tenha cunho didático inibitório a eventuais pretensões ofensivas do Estado inquisidor). E essa preocupação do Supremo Tribunal em reafirmar e consolidar o respeito à garantia fundamental e ao devido processo
legal (intransigência na defesa do devido processo ético, voltado à descoberta da verdade possível à luz da inviolabilidade de direitos do cidadão) é até natural, dada a juventude de nossa Constituição e a circunstância de ser vista, entre nós, como instrumento
sagrado de libertação de um Estado autoritário há não muito tempo. Numa palavra, a
inadmissibilidade das provas ilícitas, na visão hoje praticamente unânime da Corte
Maior do Brasil, é tratada como garantia em si mesma, ela própria – a inadmissibilidade
– como expressão de liberdade pública fundamental, como um dos feixes sólidos do
devido processo legal, e não previsão procedimental meramente instrumental à tutela
de direitos da personalidade.
O paralelo é interessante porque mostra o fundamento da diversidade
de tratamento que a jurisprudência de cada Tribunal emprega nos dois pontos mais relevantes do regime jurídico das provas ilícitas: sua (eventual) relativização à luz de um
critério de razoabilidade (proporcionalidade) em casos de criminalidade grave, e eventuais exceções à regra de exclusão.
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II - A questão do princípio da proporcionalidade como critério de
relativização da inadmissibilidade das provas ilícitas
O princípio da proporcionalidade (ou da razoabilidade, como parece
preferir a terminologia da Suprema Corte Americana), hoje tomado como superprincípio
constitucional, vetor interpretativo de todas as normas de um ordenamento, fator de
harmonização sistêmica da legislação, cientificamente fragmentado para aplicação prática
nos subprincípios da adequação (pertinência), necessidade (inevitabilidade) e
proporcionalidade em sentido estrito (ponderação de valor entre os interesses em conflito), tem sua aplicação consagrada pela doutrina constitucionalista e pelas Cortes Constitucionais de diversos países civilizados como o principal mecanismo dogmático (e pragmático)
para a solução de situações de colisão entre direitos fundamentais.
Segundo se nota por apontamentos da doutrina do processo penal (assim
em Denílson Feitoza e em Ada Grinover et. alli), à Suprema Corte Americana não parece
difícil invocar a regra da razoabilidade para, em casos excepcionais, quando em jogo a
elucidação de crimes muito relevantes, fazer prevalecer o interesse da persecução penal, da
descoberta da verdade e da certeza da punição de criminosos perigosos à garantia da
inadmissibilidade das provas ilícitas (parece mais fácil ainda imaginar isso em casos de terrorismo, por exemplo).
No Brasil, a doutrina pacífica parte de uma afirmação já sem polêmica: a
prova obtida por meio ilícito que leva à demonstração da inocência do réu ou de qualquer
situação processual a ele vantajosa (chama-se de prova ilícita pro reo) é admissível no
processo criminal. E a explicação convence. É que a regra da inadmissibilidade das provas
ilícitas é, em verdade e preponderantemente, uma garantia fundamental do cidadão contra o
arbítrio inquisitivo do Estado; logo, se a obtenção de prova por meio ilícito trouxer vantagem
processual ao cidadão acusado, não haverá, a rigor, colisão de direitos fundamentais, porque
a garantia de vedação das provas ilícitas, proclamada em seu favor, não poderia valer contra
seu próprio interesse no caso concreto (a garantia não pode servir contra o garantido). Demais disso, como se sabe, a ética esperada no devido processo legal garantista de um Estado
Democrático regido à luz da dignidade humana traz restrições à descoberta da verdade necessária à condenação, mas certamente se interessa por qualquer meio de prova da inocência, que por si mesma já é presumida. Eventuais crimes cometidos para a obtenção da prova
ilícita pro reo submetem-se, normalmente, ao regime jurídico-penal próprio, em ambiente em
que muito provavelmente causas excludentes de ilicitude (estado de necessidade) ou dirimentes de culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa) serão cogitadas com boa perspectiva de sucesso (imagine-se o réu que furta um documento essencial a provar sua inocência e que lhe estava sendo recusado pelo legítimo detentor, que também o ocultava da Justiça; ou ainda a escuta telefônica que flagra a pretensa vítima de um delito confidenciando a
alguém que o processo seria fruto de sua denunciação convictamente caluniosa). A propósito: “Na jurisprudência pátria, somente se aplica o princípio da proporcionalidade pro
reo, entendendo-se que a ilicitude é eliminada por causas excludentes da ilicitude
(RJTJSP 138/526) ou em prol do princípio da inocência” (STF – 1ª T. HC 74.678/DF –
Rel. Min. Moreira Alves).
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A dificuldade surge quando se passa a cogitar a admissibilidade de provas
ilícitas pro societate, em casos de apuração de crimes relevantes (no STF, a questão normalmente surge em crimes de extorsão mediante seqüestro, tráfico de drogas e corrupção), sob
o argumento de que o interesse repressivo do Estado (e da sociedade) contra marginais de
especial preparo e peculiar periculosidade preponderaria na colisão com o resguardo dos
direitos fundamentais deles à intimidade e sigilo telefônico (casos de interceptação ilegal de
telefone), à inviolabilidade domiciliar (casos de busca sem mandado), à privacidade (casos
de gravação ambiental clandestina) etc.
Luis Alberto Thompson Flores (in RT 621/273), invocado por Fernando
de Almeida Pedroso (ob. cit., p. 174), lembra antigo julgamento do STF, em que o Min.
Cordeiro Guerra assim ponderara: “Não creio que entre os direitos humanos se encontre
o direito de assegurar a impunidade dos próprios crimes, ainda que provados por outro
modo nos autos, só porque o agente da autoridade se excedeu no cumprimento do
dever e deva ser responsabilizado. Nesse caso, creio que a razão assiste à nossa jurisprudência: pune-se o responsável pelos excessos cometidos, mas não se absolve o culpado pelo crime efetivamente comprovado.”
Tal linha de entendimento, a tratar a inadmissibilidade de provas ilícitas
como garantia ou direito fundamental passível de confronto e de juízo de ponderação com a
pretensão estatal (e social) de repressão penal de alguns criminosos, parece uma realidade
constante à jurisprudência superior alemã, como informa Manuel da Costa Andrade:
“De acordo com o entendimento praticamente pacífico dos tribunais
superiores, e à luz do princípio da ponderação de interesses, imanente a toda a problemática das proibições de prova, há-de identificar-se uma área mais ou menos extensa
em que os direitos individuais poderão ser sacrificados em sede de produção e valoração
da prova, em nome da prevenção e repressão das manifestações mais drásticas e intoleráveis da criminalidade. ... Por outro lado e em termos mais compreensivos, as decisões sobre ‘os casos do diário’ levaram o Tribunal Federal a pronunciar-se abertamente por um princípio geral de ‘ponderação’ que erige a realização efectiva da justiça
penal em transcendente interesse do Estado de Direito cuja promoção ou salvaguarda
pode sobrepor-se aos direitos fundamentais e legitimar seu sacrifício.” E ainda cita o
trecho de uma decisão de 1964: “Os esforços compreensíveis na conformação racionalfuncional do processo penal comportam seguramente o perigo de menor atenção ou
mesmo do sacrifício desnecessário dos direitos irrenunciáveis de liberdade do argüido
(...). Só que a isso se contrapõe um perigo não menos perturbador: a preocupação pela
garantia sem limite dos direitos de liberdade no processo penal induz uma acentuação
doutrinalmente extremada destes direitos e, por essa via, impede ou paralisa a conformação e funcionamento de uma ordenação do processo penal racional-teleológica e
adequada a uma eficaz realização da justiça penal”, a esclarecer que tal pensamento viria
a converter-se em um dos mais consolidados dogmas da jurisprudência do BGH, que
sustenta, nesta linha de compreensão do que os portugueses chamam de princípio da ponderação, um regime diferenciado para a matéria de proibições de prova em processos por
criminalidade grave. E aquele mestre luso ainda noticia que se deve ao Tribunal Constitucional (alemão) a tese de que a realização da justiça penal representa um valor nuclear do
Estado de Direito susceptível de ser levado à balança da ponderação com os direitos
fundamentais, já que enxerga que uma justiça penal funcionalmente eficaz seria um bem
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jurídico com dignidade constitucional, tese que tem sua matriz nos próprios princípios
do Estado de Direito (in Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra:
Coimbra Editora, reimpressão em 2006, p. 28 a 31). O mesmo autor, ainda em tal obra, traz
rica coletânea de doutrina alemã que critica essa posição da jurisprudência.
Não difere a jurisprudência americana, que, aliás, ao considerar a regra da inadmissibilidade das provas ilícitas uma garantia preponderantemente instrumental, tem até mais facilidade para aplicar aos casos concretos o princípio da
razoabilidade, em autêntico juízo de balanço de interesses, a recomendar eventuais
exceções àquela inadmissibilidade. A propósito, construindo seus dogmas a partir de
casos concretos, como é próprio do sistema jurídico americano, foi justamente à luz do
princípio da razoabilidade que se elaboraram diversas regras de exceção à doutrina da
ilicitude por derivação, como se verá abaixo.
A questão evidentemente foi ventilada perante o Supremo Tribunal Federal. Parece exemplar, como reflexo de toda a discussão que ali se instaurou, o cotejo entre os
votos dos Min. P. Brossard e Sydney Sanches, de um lado, e os votos dos Min. S. Pertence
e C. de Mello, de outro, no HC 69.912.
O Min. Brossard invocava, em geral, o princípio da proporcionalidade
para que a regra da inadmissibilidade das provas ilícitas não acabasse por anular uma condenação por tráfico de drogas, em que a apreensão da droga e a prisão do traficante se haviam
dado em razão de uma interceptação telefônica vedada (porque autorizada antes da Lei
regulamentadora); a repressão ao tráfico, para o Ministro, era essencial ao Estado Brasileiro
e se traduzia em autêntico compromisso internacional (citou vários tratados internacionais na
matéria, que tinham sido ratificados pelo Brasil), interesse social e estatal este que deveria
prevalecer à tutela extrema da garantia de sigilo de comunicações de indivíduo
comprovadamente marginal e delinqüente. O Min. S. Sanches entendia insuportável e inadmissível que, no confronto de interesses, a violação da intimidade e sigilo de conversa de um
traficante pudesse comprometer todas as evidências que se produziram sobre o terrível delito
de tráfico, cuja punição não poderia sucumbir na situação, máxime pela subsistência de outras provas (apreensão das drogas, oitiva de policiais). Os Min. Pertence e C. de Mello
(assim também o Min. Marco Aurélio), porém, reafirmavam a tese de que a garantia em si era
a própria inadmissibilidade da prova, que estava explícita na Constituição, sem ressalvas,
e, portanto, insuscetível a juízos de ponderação que a relativizassem em um ou outro caso.
Como se viu acima, historicamente se foi firmando como pacífico este
segundo entendimento, até que em 30.10.2001, no HC 80.949-9/RJ, a E. 1ª T. do STF, em
longo e elucidativo voto do Min. S. Pertence, no qual fez minuciosa retrospectiva da jurisprudência da Corte em tema de provas ilícitas, enfrentou-se com muita explicitude a questão da
aplicação do princípio da proporcionalidade, exatamente na linha do que consagrado na
jurisprudência alemã, como critério motivador de possíveis e eventuais exceções à
inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos. Constou, então, da ementa: “... II
– Provas ilícitas: sua inadmissibilidade no processo (CF, art. 5º, LVI): considerações
gerais. Da explícita proscrição da prova ilícita, sem distinções quanto ao crime objeto
do processo (CF, art. 5º, LVI), resulta a prevalência da garantia nela estabelecida sobre
o interesse na busca, a qualquer custo, da verdade real no processo: conseqüente impertinência de apelar-se ao princípio da proporcionalidade – à luz de teorias estrangeiras inadequadas à ordem constitucional brasileira – para sobrepor, à vedação constitu-
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cional da admissão da prova ilícita, considerações sobre a gravidade da infração penal
objeto da investigação ou da imputação”.
No corpo de seu substancioso voto, o Min. Pertence trouxe os argumentos nucleares do repúdio à incidência do princípio da proporcionalidade na cogitação de
excepcionar a regra da inadmissibilidade das provas ilícitas, em convincente raciocínio,
cujos pontos centrais parecem ser estes:
“16. Mas a questão, sobretudo nos casos limites, ainda provoca resistências compreensíveis.
17. E delas advém – quando não a recusa frontal do princípio da exclusão
da prova ilícita – o apelo, sempre que se cuide da apuração de crimes graves, à necessidade
de temperar a sua aplicação, em cada caso, à luz do princípio da proporcionalidade.
18. Apelo esse freqüentemente enriquecido com a invocação de
parte significativa da doutrina e da jurisprudência alemãs, minudentemente resenhadas por Costa Andrade.
19. Na questão, entretanto – como em tantas outras – a recepção
desavisada de teorias estrangeiras é extremamente perigosa, pela diversidade dos dados
dogmáticos de que partem, em relação ao nosso ordenamento.
20. Basta notar que, na Alemanha, a solução do problema da
admissibilidade, ou não, da prova ilícita no processo não arranca de norma constitucional
específica mas, ao contrário, busca fundamento em princípios extremamente fluídos da Lei
Fundamental, a exemplo daquele da dignidade da pessoa humana.
21. Na ordem constitucional brasileira, ao contrário – inspirada no ponto pelo
art. 32, 6, da Constituição portuguesa -, a opção pelo repúdio à prova ilícita é inequívoca:
“ART. 5º (...)
LVI. São inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos.”
22. Guarda da Constituição – e não dos presídios – é dessa opção clara,
inequívoca, eloqüente, da Constituição – da fidelidade à qual advém a nossa própria legitimidade – é que há de partir o Supremo Tribunal Federal.
23. Ora, até onde vá a definição constitucional da supremacia dos direitos
fundamentais, violados pela obtenção da prova ilícita, sobre o interesse da busca da verdade
real no processo, não há que apelar para o princípio da proporcionalidade, que, ao contrário,
pressupõe a necessidade da ponderação de garantias constitucionais em aparente conflito,
precisamente quando, entre elas, a Constituição não haja feito um juízo explícito de prevalência.
24. Esse o quadro constitucional, não tem mais lugar a nostalgia, embora
inconsciente, do dogma vetusto das inquisições medievais, para as quais ‘in atrocissimus
leviores conjecturae sufficiunt et licent judicatura transgredi’.
25. Certo, a Constituição reservou a determinados crimes particular severidade repressiva (art. 5º, XLII, XLIII e XLIV).
26. Mas, como observa Magalhães Gomes Filho, por sua natureza, as
restrições que estabelecem são taxativas: delas não se podem inferir, portanto, exceções a
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garantia constitucional – qual, a da vedação da prova ilícita -, estabelecida sem limitações em
função da gravidade do crime investigado.
27. De resto, graduar a vedação da admissibilidade e valoração da prova
ilícita, segundo a gravidade da imputação, constituiria instituir a sistemática violação de outra
garantia constitucional – a presunção de inocência – em relação a quantos fossem acusados
ou meramente suspeitos da prática de determinados crimes.
28. Abstraio-me, por conseguinte, no caso, de qualquer consideração da
extrema gravidade dos delitos, da participação nos quais é suspeito o paciente, pois delas
não pode resultar emprestar-se menor peso à vedação constitucional da prova ilícita.”
Em linha oposta, há importante artigo do Prof. Barbosa Moreira (A Constituição e as provas ilicitamente obtidas. RDA n. 205, p. 11-22), invocando a necessidade
de se fazer escala de valores (direito de intimidade de marginais versus repressão ao tráfico), o que levaria, em alguns casos, o poder repressivo do Estado contra a criminalidade
organizada (especialmente no caso do tráfico e hediondos, por previsão constitucional também ativa do dever de especial repressão) a preponderar sobre pretensas liberdades públicas de criminosos, pelo princípio da isonomia (prerrogativa do Estado também de ter meios
extraordinários de tutela da coletividade); exatamente nessa linha, cf. votos dos Min. P. Brossard
e Sydney Sanches no HC 69.912-STF.
O Projeto deixou a questão propositalmente em aberto para construção
doutrinária e jurisprudencial.
Doravante, diante do silêncio da lei na questão da admissão excepcional
de provas ilícitas, aguarda-se a consolidação do entendimento da jurisprudência, quer no
sentido do repúdio absoluto à consideração daquelas provas, sem possibilidade de temperança à luz do princípio de proporcionalidade ou razoabilidade, por se entender que o
juízo de ponderação entre os interesses da repressão penal e a preservação integral das
liberdades públicas já fora feito prévia e cogentemente pela Constituição (art. 5º, LVI), o que
acarretaria ser inexpugnável a inadmissão das provas obtidas por meios ilícitos, de nada
importando a natureza (a hediondez, a gravidade, a repugnância, a relevância social, enfim)
da infração imputada ou investigada, quer na senda do acolhimento do superprincípio da
proporcionalidade como critério recorrível à salvaguarda do sucesso da repressão e
persecução penal quando em confronto com a criminalidade extraordinária (que também se
terá de delimitar qual seja), a prestigiar a verdade descoberta por meios ilícitos, então a se
permitir enxergar na garantia da inadmissibilidade das provas ilícitas uma prerrogativa
constitucional não-absoluta, como qualquer outra, e da mesma forma sujeita a juízos de
ponderação, de balanço e de cedência recíproca diante de situações que pragmaticamente
não permitam a manutenção integral de todos os interesses em conflito, quando se haveria de
sobrepujar o interesse público e social da punição criminal à liberdade pública individual, sob
pena de se promover, por literalidade de texto normativo, uma garantia democrática em
escudo protetivo de detratores de liberdades democráticas alheias.
Uma última abordagem ainda aqui pertinente: o Supremo Tribunal Federal, agora sim lançando mão de um juízo de ponderação, a partir do HC 74.678-1/SP,
firmou o entendimento de que não é ilícita a prova decorrente da ação de quem, tendo sua
liberdade pública violada por investida de um criminoso, fere-lhe em reação qualquer direito
fundamental para obter prova daquela investida, porque estaria em legítima defesa de suas
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liberdades públicas inicialmente agredidas: “evidentemente, seria uma aberração considerar como violação do direito à privacidade a gravação pela própria vítima, ou por ela
autorizada, de atos criminosos, como o diálogo com seqüestradores, estelionatários e
todo tipo de achacadores. No caso, os impetrantes esquecem que a conduta do réu
apresentou, antes de tudo, uma intromissão ilícita na vida privada do ofendido, esta
sim merecedora de tutela. Quem se dispõe a enviar correspondência ou a telefonar
para outrem, ameaçando-o ou extorquindo-o, não pode pretender abrigar-se em uma
obrigação de reserva por parte do destinatário, o que significaria o absurdo de qualificar como confidencial a missiva ou a conversa” (Min. Moreira Alves). O Min. Pertence,
no mesmo julgamento, asseverou a existência de exclusão da ilicitude da gravação obtida por um dos interlocutores, vítima de corrupção passiva ou concussão já consumada, apesar do desconhecimento do outro interlocutor, e, conseqüentemente, a possibilidade de sua utilização. Na mesma toada, e sempre citando este precedente, ainda cf. HC
75.261 e 75.338/RJ (“É lícita a gravação de conversa telefônica por um dos interlocutores,
ou com sua autorização, sem ciência do outro, quando há investida criminosa deste
último. É inconsistente e fere o senso comum falar-se em violação do direito à privacidade quando o interlocutor grava diálogo com seqüestradores, estelionatários ou qualquer tipo de chantagista”) e REx 212.081-2/RO (“Captação, por meio de fita magnética, de conversa entre presentes, ou seja, a chamada gravação ambiental por um dos
interlocutores, vítima de concussão, sem o conhecimento dos demais. Ilicitude da prova excluída por caracterizar-se o exercício de legítima defesa de quem a produziu.
Precedentes do Supremo Tribunal Federal”). Que fique bem claro: não é que o Supremo
estivesse operando exclusão da inadmissibilidade das provas ilícitas pelo critério de
proporcionalidade, mas sim afirmando que o meio de obtenção da prova nesses casos era
lícito, porque em legítima defesa (que é autenticamente uma causa justificadora, de exclusão
da ilicitude) de quem recebera inicialmente algum ataque a sua esfera de liberdades públicas.
O princípio da proporcionalidade pode ser vislumbrado como pano de fundo dessas decisões pelo fato de que a análise e o reconhecimento dos limites legítimos de qualquer causa
excludente de ilicitude sempre traz consigo um juízo de ponderação dos interesses em conflito. A jurisprudência do STF sedimentou, assim, que a ação de alguém de gravar conversas
ou situações em que haja investida criminosa (extorsão, concussão, corrupção, ameaça, engodo, ofensa) contra si ou sua família seria meio lícito de obtenção de provas contra aquele
que investe, porque a investida sim seria ilícita, e a reação a ela (mediante o resguardo de
evidências que a provassem) seria ato lícito, justificado, conforme ao direito, portanto (no
STJ, inteiramente respaldada a tese: RT 755/580, com menção expressa ao princípio da
proporcionalidade, e RT 795/543).
III - Regime jurídico processual da prova reconhecida como
ilícita e declarada inadmissível (a logística trazida pela reforma)
Como se viu acima, o reconhecimento de determinada evidência
trazida ao processo como prova ilícita e a decisão sobre sua inadmissibilidade passam por
etapas não pouco complexas. Identificado que a evidência trazida aos autos foi obtida ou
produzida em violação à norma constitucional e legal, inicia-se a gestão de tal elemento.
Primeiro, a discussão acerca de se tratar de prova ilícita ou ilegítima (e até de se aceitar se
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tal distinção ainda prevalece ou se tem utilidade prática diante da nova redação do art. 157
do CPP). Segundo, a discussão se, no caso concreto, a prova ilícita será mesmo repugnada
(e, com ela, todas as evidências que dela derivem), ou se será admitida à luz do princípio da
proporcionalidade.
Tendo, enfim, por definido e reconhecido que a prova é ilícita e que
será declarada inadmissível no processo, o regime jurídico de tal elemento de evidência
ganha contornos próprios.
Se às provas ilegítimas o ordenamento processual aplica o regime próprio
das nulidades, às provas ilícitas (obtidas por meios ilícitos) a Constituição Federal (art. 5º,
LVI) e agora o art. 157 do CPP estabelecem um regramento que se poderia chamar de
“supernulidade, hipernulidade, ultranulidade etc.”, o sistema da completa
inadmissibilidade, sendo possível a distinção de duas conseqüências:
a) uma primeira, de natureza procedimental (pragmática e logística) direta e
imediata, consistente no desentranhamento dos autos do material que documenta a prova ilícita
(art. 157, § 3º, do CPP: “Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente”). Embora pacificado no HC 80.949-9 do STF que o habeas corpus é meio processual idôneo para se
reconhecer a ilicitude da prova e obter a ordem de seu desentranhamento (e, se demonstrada sua
exclusividade como evidência nos autos, obter o próprio trancamento da ação ou nulidade de
todo o processo), discute-se, na situação inversa, qual o recurso que caberia da decisão que
reconhece a prova como ilícita e a declara inadmissível. Aprincípio, poder-se-ia cogitar de correição
parcial (ou por inversão tumultuária, ao mandar desentranhar prova válida, ou por abuso de
poder do juízo, ao cercear meios de prova da parte), de recurso em sentido estrito (aqui, invocando-se o inc. XIII do art. 581 do CPP – “decisão que anular o processo da instrução criminal,
no todo ou em parte”) ou ainda de apelação por decisão com força de definitiva não exatamente
prevista nas hipóteses de recurso em sentido estrito (art. 593, II, do CPP). O problema surge
porque o texto do projeto (aqui aprovado como na proposta) pressupunha o novo sistema recursal
(que é objeto de outro projeto da mesma Comissão), em que se previa agravo de instrumento
como recurso contra decisões interlocutórias no processo penal. De qualquer sorte, não parece
de todo equivocado cogitar-se o mandado de segurança como pertinente ação de impugnação
(possivelmente manejável pela acusação, com a postulação de resguardar pretenso direito líquido
e certo de produzir e ver valorada determinada prova em juízo). Então, por cautela, seria razoável
que o juízo, ao proferir a decisão de reconhecimento de ilicitude da prova e de declaração de sua
inadmissibilidade, de imediato determinasse o desentranhamento dos autos, mas aguardasse ao
menos 120 dias desta decisão para determinar o incidente de inutilização (destruição, incineração, etc.) do referido material, ocasião em que a preclusão estaria mesmo aperfeiçoada sob
qualquer perspectiva processual sistemática. E não se pode esquecer também que a inutilização
do material somente terá cabimento se não constituir ele corpo de delito do crime que foi cometido no ato de obtenção daquela prova ilícita, caso em que, em vez de se determinar sua inutilização,
o juízo deverá encaminhá-lo ao Ministério Público (art. 40 do CPP).
b) uma segunda, ora de natureza processual (meritória), consistente na
completa ineficácia probatória da evidência tida por ilícita (e das evidências de si derivadas,
nos termos do § 1º do art. 157 do CPP), que seria o mesmo que afirmar a total inadmissão
de valoração da prova ilícita. O Min. Celso de Mello chega a falar que a prova ilícita é uma
não-prova. A rigor, isso é o fundamental à integridade da garantia constitucional da
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inadmissibilidade das provas ilícitas: a vedação completa de que seja valorada como meio
de demonstração de qualquer fato que interesse ao julgamento. A solução procedimental
(desentranhamento e inutilização) leva-se a efeito para promover instrumentalmente a
incolumidade de todos os que atuarem no processo, para que fiquem absolutamente alheios
a qualquer influência que a simples presença da evidência ali nos autos pudesse exercer sobre
seu pensamento e suas conclusões. A prova afirmada como ilícita nada poderá provar, nada
poderá comprovar, nada poderá demonstrar, nada poderá negar, nada poderá confirmar ou
infirmar; o regime processual-constitucional da inadmissibilidade traz como regra de fundo
a integral inocuidade das informações oriundas da prova ilícita para a consideração de qualquer questão – periférica ou nuclear – do processo.
Em suma, a estrutura processual-constitucional agora organizada pelo art.
5º, inc. LVI, da CF e pelo art. 157, caput e § 3º, do CPP permitiu construir um novo degrau,
uma nova escala, uma nova dimensão na dogmática das nulidades, que é o sistema da
inadmissibilidade, hipótese e situação de verificação de máxima desconformidade com o
ordenamento jurídico, decorrente de violação das garantias e direitos fundamentais e da
personalidade, que se implementa tecnicamente no seguinte encadeamento: reconhecimento
da ilicitude do meio de prova; declaração de sua inadmissibilidade (recusa total de sua valoração
no processo); determinação de desentranhamento dos autos do material que a condensa e
documenta; determinação de inutilização deste material (a partir da preclusão da decisão de
declaração da inadmissibilidade e somente se tal material não se constituir em corpo de
delito da infração praticada para a obtenção da prova agora reconhecida como ilícita, caso
em que deverá ser remetido ao Ministério Público para providências criminais).
A única discussão que parece ainda comportar o caso é se, uma vez reconhecida como ilícita a prova e declarada sua inadmissibilidade por decisão de superior instância (mais precisamente, por meio de habeas corpus), seria compulsória a anulação de
todo o processo ou da sentença, de imediato, ou se isso se submeteria à avaliação casuística
de haver ou não outras provas não maculadas que pudessem sustentar o processo e até a
condenação. Salvo melhor juízo, parece que, tendo havido sentença fundada, ainda que não
exclusivamente, em prova depois reconhecida como ilícita e declarada inadmissível, imporse-ia a anulação daquele julgamento, porquanto toda a lógica interna do raciocínio judicial
estaria ruída e deveria ser refeita, ora sim restrita aos elementos de prova perfeitamente
admissíveis à formação da convicção do julgador original; aliás, se o Tribunal concedesse a
ordem de HC, para determinar o desentranhamento da prova, mas mantivesse a condenação
(por exemplo, ao argumento da existência de provas autônomas bastantes à condenação), o
caso quiçá tangenciaria a supressão de um grau de jurisdição.
IV - O regime jurídico positivado das provas ilícitas por derivação
(a doutrina dos frutos da árvore venenosa)
O art. 157, § 1º, do Código de Processo Penal positivou a doutrina dos frutos da árvore venenosa (ou envenenada): “São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de
causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas
por uma fonte independente das primeiras”.
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Em brevíssima síntese, pode-se dizer que esta doutrina foi importada da
Suprema Corte Americana, que a teria cunhado em Silverthorn Lumber Co. v. USA (1919).
A expressão frutos da árvore venenosa apareceu pela primeira vez em Nardone v. USA,
em 1939, relator o Justice Frankfurter; mas no mesmo caso se cogitou a doutrina da
tolerância – “attenuation doctrine” – quando a conexão entre as provas fosse tão atenuada que, segundo o bom senso, se pudesse ter por dissipada a ilicitude.
No Supremo Tribunal Federal, após intenso debate a partir do HC 69.912,
a questão pacificou-se com a aposentadoria do Min. Brossard e a chegada do Min. Maurício
Corrêa, no julgamento do HC 72.588/PB, de 12.06.1996 (caso de interceptação telefônica
com autorização judicial anterior à Lei 9.296/96, que comprovou exploração de prestígio
praticada em alusão mentirosa a um magistrado; advogado dizia que influenciaria a decisão
do juiz). E se consolidou a prevalência da inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação
a qualquer idéia de juízo de ponderação ou proporcionalidade quando, no HC 73.351,
anulou-se todo um processo em que, após uma interceptação telefônica judicialmente autorizada, mas anterior à Lei 9.296/96, apreendeu-se imensa quantidade de droga (81 kg de
cocaína), prova essa que se considerou ilícita por derivação, e tal qual inadmissível.
Ocorre que, como informa o minucioso estudo de Denílson Feitoza, a
própria Suprema Corte Americana, que constrói seus dogmas a partir da casuística, passou,
a partir da década de 70, a criar uma série de exceções ao sistema de inadmissibilidade das
provas ilícitas por derivação.
Com efeito, já em Nardone v. USA (1939) se falava em tolerância à
prova derivada se a conexão entre a originariamente ilícita e a dela decorrente fosse muito
tênue, segundo um padrão de bom senso.
Mas, tecnicamente, e em resumo, o sistema de exceções da Suprema
Corte americana acabou sendo forjado nas seguintes situações, algumas delas incorporadas
a nosso direito positivo:
a) fonte independente: Bynum v. USA, 1960: obtenção das digitais de
um suspeito em meio a sua prisão ilegal – tal prova foi afastada, mas acabou aceita a descoberta das mesmas digitais que constavam de um cadastro antigo do FBI. Esta exceção parece ter sido explicitamente acolhida no §1º, in fine, e no §2º, ambos do novo art. 157 do CPP,
o que equivale a dizer que, se o Estado tiver como buscar a mesma evidência por outra fonte,
poderá trazê-la validamente aos autos (suponha-se uma colheita de material gráfico por meio
de coação, que seria desentranhada com o respectivo laudo pericial, depois substituída pela
regular apreensão de documentos ou papéis que contivessem a caligrafia espontânea do
suspeito e assim permitissem a perícia grafotécnica);
b) descoberta inevitável: Nix v. Willians – Willians II, 1984: encontro
do corpo de uma vítima mediante indicação do próprio criminoso em meio a confissão ilegalmente obtida, quando já estava em curso ampla busca e varredura que passaria inevitavelmente pelo local em que estava ocultado o cadáver. Aqui, teve-se que, mesmo sem a prova
ilicitamente obtida, a evidência (no caso, o encontro do corpo da vítima, que era o próprio
corpo de delito) seria fatalmente encontrada e obtida ordinariamente pelos órgãos policiais,
de forma que a prova não foi descartada por não ser necessariamente derivada daquela
ilícita. Esta exceção também parece ter vindo acolhida no § 2º do art. 157, embora com
alguma confusão conceitual com a exceção da fonte independente, ao dizer que “conside-
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ra-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe,
próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto
da prova”. O risco desta exceção é basear-se em especulações. Daí por que, como adverte
Denílson Feitoza, há a necessidade de demonstração precisa, com dados históricos e concretos do caso, de que inevitavelmente a prova seria obtida pelas providências ordinárias
tomadas em situações semelhantes ou então de providências investigativas especiais já encaminhadas naquele caso concreto (por exemplo, suponha-se uma busca domiciliar regular em
que o réu, morador do local, é torturado pelos policiais para dizer onde está a droga, e
aponta que o material criminoso estaria num armário, numa gaveta, debaixo da cama, dentro
do forno, onde efetivamente é encontrado; parece bastante claro que, se o traficante silenciasse ou nem mesmo fosse torturado, de qualquer forma a diligência policial acabaria inspecionando aqueles locais e, fatal e inevitavelmente, lograria encontrar e apreender da droga; por
tal raciocínio, seria de se afastar a ilicitude por derivação, porque a descoberta da evidência
não teria decorrido necessariamente da prova ilícita; porém, apenas para demonstrar a
dificuldade de análise deste critério, suponha-se a mesma situação, só que desta feita o suspeito, coagido, indica que a droga está enterrada a dois metros abaixo do chão cimentado da
sala, ou num fundo falso de um quadro, ou dentro do televisor; seria razoável sustentar que a
abordagem policial ordinária chegaria a tanto?);
c) conexão atenuada ou contaminação expurgada: Wong Sun v. USA,
de 1963, pelo Justice Brennan, caso de uma prisão ilegal que deu causa a sucessivas delações entre traficantes, até que o terceiro preso, dias após ser solto, prestou confissão independente e espontânea sobre os fatos, situação em que se decidiu afastar a prova obtida com
as buscas, mas se permitiu que a nova confissão valesse como prova. A esta exceção, demanda-se a necessidade de demonstrar que, por algum ato independente interveniente,
não se obteve aproveitamento da prova originariamente ilícita. A incorporação desta hipótese ao modelo brasileiro depende da extensão conceitual que a doutrina e a jurisprudência
estejam dispostas a dar ao termo “fonte independente” dos §§ 1º e 2º do art. 157 do CPP,
ou ainda que se a entenda abrangida no corpo do §1º, quando diz “são também inadmissíveis
as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre
umas e outras”. O problema é que aqui, ao que parece, a lei cuidou de dizer o que nem
precisava, porquanto se não evidenciado o nexo de causalidade entre a prova originariamente ilícita e a outra, esta outra não será mesmo derivada daquela.
Uma última e interessante hipótese de exceção à inadmissibilidade das
provas ilícitas por derivação cunhada pela Suprema Corte Americana é a chamada exceção
de boa-fé. A partir de 1976, por iniciativa do Juiz White, aquela Corte rejeitou a ilicitude de
prova obtida em uma busca realizada com mandado judicial mais tarde anulado, porque ele
tinha aparência, à Polícia, de ser lícito (Stone v. Powel; também em 1984, USA v. Leon);
assim também por uma diligência que se fundamentou em Lei Estadual depois declarada
inconstitucional (Ill v. Krull, 1987). Como a nulificação da prova aqui não teria o efeito
preventivo contra os policiais (porque estavam mesmo de boa-fé e, então, continuariam a
agir da mesma forma, confiando na licitude dos mandados e na constitucionalidade presumida das leis), não haveria razão para declarar ilícitas e inadmissíveis as provas.
Seria uma espécie de erro de tipo às avessas, em que o Estado figura
como violador do direito fundamental, mas se reconhece que agira sem dolo de profanar as
liberdades públicas.
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Isso não vem abrangido de forma alguma na legislação brasileira, razão
pela qual a doutrina (Andrey B. Mendonça e Luiz Flavio Gomes) reputam tal exceção como
absolutamente inaceitável entre nós.
Por fim, tão-somente a título de subsídio para um prognóstico do que a
jurisprudência poderá consolidar neste intrincado tema das provas ilícitas por derivação, é
de se ter sempre presente qual o aspecto de fundo que motiva o instituto perante a Justiça
Americana, de um lado, e perante a Justiça Brasileira, de outro. Lá, como se viu, a questão é
tomada de um ponto de vista instrumental, como meio pedagógico, didático de precaução e
desestímulo a novas violações dos direitos e garantias individuais (isso fica muito claro na
exceção de boa-fé e na tranqüilidade como se lida com exceções motivadas pelo princípio
da razoabilidade). Aqui, todavia, a inadmissibilidade das provas ilícitas é tomada como
garantia em si própria, como uma das expressões intransigentes do devido processo legal.
Cabe frisar, ainda, que nos HCs 69.912, 72.588, 73.351 e em outros o
Supremo Tribunal firmou o entendimento de que a adoção da teoria das inadmissibilidade
das provas ilícitas por derivação (imprestabilidade dos frutos da árvore venenosa) seria a
única maneira de se dar concretude e eficácia à garantia constitucional da inadmissibilidade
das provas obtidas por meios ilícitos, e, conseqüentemente, resguardar-se escorreitamente
o devido processo legal, sob pena de, ao se admitirem as provas ilícitas por derivação
como válidas, permitir-se (e, então, estimular-se) a violação das liberdades públicas por via
oblíqua, com esvaziamento instrumental e pragmático daquela garantia fundamental enquanto
escudo dos direitos da personalidade e do próprio cidadão processado.
Parece pertinente invocar novamente o ponto essencial da categorização
da prova como ilícita para servir de marco interpretativo: a prova não é ilícita em si, mas é
ilícita na medida em que a evidência nela plasmada tenha sido obtida por meio ilícito. Então,
a interpretação das exceções que se mostra, a princípio, a mais coerente, harmônica e conforme à Constituição é aquela que se forja a partir da consideração do meio de obtenção. Se
o meio de obtenção da prova não guarda conexão, elo de causa e efeito, vínculo de decorrência com a prova antes obtida por forma ilícita, então nem se há falar em prova ilícita por
derivação, precisamente porque derivação nenhuma haverá (art. 157, § 1º, primeira parte).
Se, embora verificada aquela implicação de reflexividade entre a primeira e a segunda evidência, puder-se demonstrar que ao Estado-investigador era possível a obtenção daquela
segunda informação pelos meios ordinários (deve-se provar a habitualidade de emprego da
técnica) ou por meios específicos (deve-se provar que, no caso, tais meios já estavam em
curso ou, ao menos, em concreta implementação estratégica e efetiva operacionalização prática), afasta-se a ilicitude e a conseqüente inadmissibilidade da prova derivada, precisamente
porque não terá sido o meio ilícito original da primeira prova o meio insubstituível e inexorável
de sua obtenção, visto que o acesso àquela fonte de prova seria inevitável.
V - O vetado § 4º do art. 157: a “descontaminação do Juízo” mediante
o afastamento do juiz que teve conhecimento da prova tida como ilícita e inadmissível.
Previa o §4º do art. 157 do CPP o seguinte: “o juiz que conhecer do
conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou o acórdão”.
O dispositivo foi vetado pelo Presidente da República, em suma, porque a necessidade de
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afastar o magistrado traria demora ao processo, além de diversos problemas em relação à
recomposição dos órgãos colegiados dos Tribunais, o que iria frontalmente de encontro às
pretensões de celeridade e simplicidade, que são idéias motrizes do projeto.
Houve doutrina que logo se adiantou em criticar. O Prof. Aury Lopes Jr.
escreveu que o desentranhamento do magistrado seria elementar, por ser óbvio que o juiz
estaria contaminado (Bom pra quê(m)? Boletim do IBCCrim – ano 16 – n. 188 – julho/
2008). E também Luiz Flavio Gomes, para quem, dada a manifesta influência que o acesso às
informações ilícitas teria sobre a convicção pessoal do magistrado, isso o impediria de manter a imparcialidade e neutralidade essenciais à análise da prova lícita (a única restante e de
admissível invocação quando do julgamento), o que, então, poderia motivar o pedido de
afastamento do juiz do caso (O juiz contaminado, que tomou conhecimento da prova
ilícita, deve ser afastado do processo? Disponível em www.jusbrasil.com.br, a partir de
14.07.2008). Nesse último artigo, que tomou por base de argumentação a doutrina do Prof.
Aury Lopes Jr., sustenta-se que o contato com a prova ilícita acabaria por contaminar, consciente ou inconscientemente, os fatores psicológicos do julgador, de modo que lhe comprometeria o discernimento no ato de sentenciar, que, a rigor, é expressão da emoção e da
razão, enfim, um ato de sentimento do magistrado.
Em acréscimo dialético ao debate, cabe ponderar que, tecnicamente, se a
previsão específica de impedimento do juiz foi afastada, apenas se poderia “afastá-lo” do
processo por algum outro fundamento legal de impedimento, incompatibilidade ou suspeição
(artigos 112, 252, 253 e 254 do CPP), o que não parece ocorrer.
Aliás, se se pudesse falar aqui em suspeição ou impedimento do magistrado que teve contato com a prova ilícita, a mesma situação deveria ser imposta ao órgão do
Ministério Público oficiante nos autos, que também deve ter sua imparcialidade preservada
como requisito do devido processo legal (art. 258 do CPP).
Ocorre que na tipologia processual apenas as hipóteses técnicas de
suspeição, incompatibilidade e impedimento é que permitem afastar o magistrado (e o órgão
do Ministério Público) de qualquer caso, e tais hipóteses merecem interpretação restritiva,
porquanto se trata de exceções à regra (também constitucional e integrante do devido processo legal) do juiz natural (e do promotor natural, já reconhecido pelo STF nos HCs
67.759/RJ e 74.052/RJ).
O próprio sistema constitucional do devido processo legal já resolve com
razoável segurança a questão da descontaminação do julgado. É que, dentre os diversos
feixes de garantias que se emaranham na totalização do devido processo legal, um dos postulados é o princípio da motivação das decisões judiciais (art. 93, IX, da CF), algo também inerente ao sistema do livre convencimento motivado ou persuasão racional, em
tudo incorporado pelo art. 155 do CPP (“o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial,..”).
Como se sabe, o julgador tem liberdade na avaliação das provas, não se
submete a nenhum critério legal rígido de prevalência entre as evidências disponíveis nos
autos, mas tampouco pode invocar qualquer meio de prova que não esteja disponível e
acessível nos autos do processo. Da mesma forma, e para comprovar que atentou àquelas
imposições, é-lhe compulsório explicitar no corpo da decisão as razões que o levaram à
leitura da prova (e do direito) da forma como fez.
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Quando determinada prova é reconhecida como ilícita e declarada inadmissível, determina-se obrigatoriamente seu desentranhamento dos autos. Logo, o julgador
não lhe poderá fazer validamente nenhuma menção na fundamentação da decisão, porque
aquela prova não mais estará disponível nos autos; qualquer mínima alusão, qualquer ínfima
remissão que se faça àquela prova (ou a qualquer uma das reconhecidamente derivadas, que
seguiram o mesmo regime), por mais sutil e discreta que seja, importará manifesta nulidade
da decisão, porque fundada em prova literalmente inexistente àquele feito (não existe nos
autos, não existe no mundo daquele processo).
Até aqui, já se tem suficiente mecanismo técnico de fiscalização das partes
sobre a atividade do órgão julgador (se foi influenciado pela prova ilícita com que teve contato).
Porém, a preocupação dos Profs. Aury Lopes e Luiz F. Gomes segue
mais adiante: acreditam que o julgador, que é humano, estaria com seus fatores psicológicos
comprometidos, contaminados pelas informações que recebera da fonte ilícita.
Isso não é assim absoluto. Primeiro, é de reconhecer que a Magistratura
do Brasil democrático e republicano tem já hoje um consolidado perfil autônomo, imparcial e
independente, e já faz pelo menos vinte anos que tem muito sólida a consciência de seu papel
de responsável pela garantia das garantias do cidadão. Dizer que um juiz brasileiro ficaria
com a emoção comprometida por ter tido acesso a uma prova ilícita, ou seja, sustentar que
o magistrado já tenha decidido pela condenação por meio da informação ilícita que acessou,
e que portanto faria uma análise da prova já tendente à condenação, com a devida vênia, é
algo muito simplório, talvez até superficial. Não se discute que o juiz é humano e, como tal,
tem emoção; nem se discute que as emoções do homem lhe condicionam, em certa medida,
as decisões. Porém, se é verdade que o juiz é humano, não menos verdade é que continua
sendo juiz, e que se lembra constantemente disso, mormente no ato de julgar. Não é raro que
promotores e juízes tenham em mãos autos de processos em que percebem e sentem claramente que o réu é culpado (normalmente, por impressões tidas em audiência, somadas às
regras ordinárias de experiência, à experiência profissional mesma, a alguma notícia informal
do fato, a conhecimentos ordinários que acabam tendo na própria comarca, a uma prova
maciça do inquérito policial, que, por alguma razão, não pôde ser reproduzida em juízo), mas
não disponham de provas concretas judicialmente produzidas sobre o fato imputado, e, assim, diante da impossibilidade de fundamentação técnica, postulam e decidem pela absolvição, cônscios que são de que a condenação só pode ser fruto da culpa oriunda da demonstração de uma verdade juridicamente válida e eticamente vinculante, e não da mera certeza
moral (o inverso pode até acontecer no Júri). Esse é um argumento confessadamente praxista,
escrito por quem milita no foro e para quem tem intimidade com a atividade forense; a qualquer operador do Direito que seja sério, não há nenhuma, absolutamente nenhuma dificuldade de compreender isso e de concordar com tal realidade, embora seja mesmo passível de
se admitir que possa não convencer um leigo na matéria.
Segundo, e como se reconhece que o argumento acima é praxista e, assim, poderia ficar sujeito a contestações casuísticas, há um mecanismo do devido processo
legal, corolário até do princípio da motivação, que permite a verificação empírica da situação; o duplo grau de jurisdição. É que se, no caso concreto, a parte entender que a motivação do julgador não é fruto de uma leitura criteriosa e imparcial das provas (lícitas e disponíveis), mas sim (consciente ou inconscientemente) de convicções preconcebidas e influenciadas por emoções condicionadas por alguma prova ilícita, basta a submissão do caso ao
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ordinário reexame, quase sempre possível no sistema processual brasileiro (máxime em
tema de revisão de provas – basta ver o recurso clássico por excelência: a apelação). Se
a análise da prova, que obrigatoriamente constará da fundamentação, tiver sido equivocada ou não-razoável (e por qualquer motivo, insista-se, consciente ou inconscientemente), se o julgador originário tiver atuado com falha de imparcialidade, neutralidade
ou tendência, bastará a demonstração disso para que o órgão revisor modifique a solução do caso, a conclusão do processo.
Aqui, sim, pode-se sustentar que a estrutura sistemática do processo –
com o dever de motivação e a faculdade de submissão da decisão ao crivo de revisão em
grau superior – viabiliza tecnicamente e com inegável eficácia a incolumidade da prestação
jurisdicional, sem a invocação de argumentos de jaez marcantemente subjetivista, introspectivo
e idiossincrático, de fácil e simples alegação, mas de difícil e impraticável comprovação, e
que, em verdade, parecem não levar em conta o nível bastante maduro de solidez, seriedade
e comprometimento da Magistratura nacional.
Bibliografia
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CAMARGO ARANHA, Adalberto José Queiroz Telles de. Da Prova
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CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São
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COSTA ANDRADE, Manuel da. Sobre as proibições de prova em processo penal. Reimpressão. Coimbra Editora, 2006.
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_______. O juiz contaminado, que tomou conhecimento da prova
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MENDONÇA, Andrey Borges de. Reforma do Código de Processo
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Horizonte: DelRey, 2007.
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Impetus, 2005.
PEDROSO, Fernando de Almeida. Prova penal – doutrina e jurisprudência. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
ZILLI, Marcos. O pomar e as pragas. Boletim do IBCCrim – ano 16 –
n. 188 – julho/2008.
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CONSIDERAÇÕES
SOBRE O NOVO
ART. 159 DO
CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL
EDUARDO ROBERTO ALCÂNTARA DEL-CAMPO
Promotor de Justiça no Estado de São Paulo
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CONSIDERAÇÕES SOBRE O NOVO ART. 159 DO CÓDIGO
DE PROCESSO PENAL
Eduardo Roberto Alcântara Del-Campo
A Lei n. 11.690, de 9 de junho de 2008, modificou diversos dispositivos
do Código de Processo Penal (Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941), relativos à
disciplina da prova. Uma destas alterações recaiu sobre o art. 159 do CPP, modificando de
forma bastante significativa o panorama de produção dos exames periciais.
Peritos e perícias
De acordo com a investidura, os peritos classificam-se em oficiais; louvados ou nomeados e assistentes técnicos.
Peritos oficiais
No Processo Penal, excetuando-se a figura dos assistentes técnicos (art.
159, §§ 3º e 5º, II, do CPP), introduzida pela lei 11.690, de 09/06/08, os peritos, médicos
ou não, devem atuar por dever de ofício.
São funcionários públicos concursados para exercer o mister de realizar
perícias nas diversas áreas e atuam por requisição da autoridade ao diretor da repartição a
que pertencem (arts. 6º, VII, 178 e 276 do CPP).
CPP
Art. 6º. Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:
...
VII - determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a
quaisquer outras perícias;
...
Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por
perito oficial, portador de diploma de curso superior (Redação dada ao § 1º
pela Lei n. 11.690, de 09/06/08).
Art. 178. No caso do art. 159, o exame será requisitado pela autoridade ao
diretor da repartição, juntando-se ao processo o laudo assinado pelos peritos.
Art. 276. As partes não intervirão na nomeação do perito.
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Por autoridade competente, no caso, deve-se entender o delegado de
polícia, na fase de inquérito, ou juiz de direito, uma vez instaurado o processo. O promotor
de justiça, ao receber o inquérito policial ou chegando-lhe às mãos material que necessite da
intervenção técnica, também pode requisitar aos Institutos Médico-Legal e de Criminalística
a realização da perícia pertinente, com fundamento no art. 129, VI e VIII da Constituição
Federal e no art. 26, I, b, da Lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993.
CF
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
...
VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da
lei complementar respectiva;
...
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;
...
Lei n. 8.625/93
Art. 26. No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá:
I - instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes e, para instruí-los:
...
b) requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridades
federais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
...
Quando a perícia for de natureza médico-legal o exame deverá, preferencialmente, ser realizado por profissional médico, também denominado perito médico ou
médico-legista. Quando de outra natureza, a responsabilidade deverá recair sobre profissional de curso superior denominado perito criminal.
Os requisitos para que alguém possa ser médico-legista são:
·
ter maioridade civil;
·
possuir diploma registrado de medicina, oriundo de faculdade oficial ou reconhecida pelo MEC;
·
aprovação em concurso público.
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Os requisitos para que alguém possa ser perito criminal são:
·
ter maioridade civil;
·
possuir diploma registrado de curso superior pleno, oficial ou reconhecido pelo MEC, de uma das áreas indicadas no edital do concurso;
·
aprovação em concurso público.
Muito embora a obrigatoriedade de formação superior seja um requisito que
já vinha sendo aplicado na maioria dos Estados, a Lei n. 11.690, de 09 de junho de 2008 passou
a exigi-lo expressamente, resguardando o direito de peritos criminais que ingressaram sob o
regime anterior por meio de uma regra de transição permissiva inserta em seu art. 2º:
Lei n. 11.690/08
Art. 2º Aqueles peritos que ingressaram sem exigência do diploma de curso
superior até a data de entrada em vigor desta Lei continuarão a atuar exclusivamente nas respectivas áreas para as quais se habilitaram, ressalvados os
peritos médicos.
Na ausência de perito oficial, ou se a instituição pública não dispuser de
serviço próprio para o exame que se pretende realizar, o juiz poderá nomear duas pessoas
idôneas, de nível superior para a realização da perícia. É o que dispõe o § 1º do art. 159 do
Código de Processo Penal.
Tais peritos, também chamados de peritos leigos ou ad hoc, deverão ser
sempre profissionais de curso superior, preferencialmente na área técnica específica, relacionada com a natureza do exame.
CPP – art. 159. ...
§ 1º. Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas
idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área
específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame. (Redação dada ao § 1º pela Lei n. 11.690, de 09/06/08).
Os requisitos para que alguém possa ser perito leigo ou ad hoc no processo penal são:
·
·
·
·
·
·
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ausência de peritos oficiais capacitados;
maioridade civil;
ser portador de diploma registrado de curso superior;
ser matriculado no órgão de classe da categoria (quando o caso);
ter habilitação técnica relacionada à natureza do exame;
possuir reconhecida idoneidade moral; e
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·
gozar de absoluta confiança do juízo.
Peritos nomeados ou louvados
Na esfera cível e trabalhista, até pela diversidade de questões apreciadas,
os exames não são normalmente efetuados por peritos oficiais, mas por especialistas nomeados pelo juiz. São os peritos nomeados ou louvados, nos termos do art. 421 do Código
de Processo Civil e art. 3º da Lei n. 5.584, de 26 de junho de 1970.
Assistentes técnicos
Finalmente temos a figura dos assistentes técnicos, que nada mais são
que profissionais da confiança das partes, indicados para acompanhar o exame do perito
oficial ou nomeado pelo juiz.
Até o advento da Lei n. 11.690, de 09 de junho de 2008, a indicação de
assistentes técnicos pelas partes ficava restrita ao processo civil (art. 421, § 1º, I, do CPC)
e trabalhista (art. 3º, parágrafo único, da Lei n. 5.584/70). Agora, também no processo penal
(art. 159, §§ 3º e 5º, II, do CPP), o Ministério Público, o assistente de acusação, o ofendido,
o querelante e o acusado têm a faculdade de indicar assistente técnico, com algumas peculiaridades em relação ao processo civil.
CPC – Art. 421. ...
§ 1º. Incumbe às partes, dentro em 5 (cinco) dias, contados da intimação do
despacho de nomeação do perito:
I - indicar o assistente técnico;
...
Lei n. 5.584/70
Art. 3º. ...
Parágrafo único. Permitir-se-á a cada parte a indicação de um assistente, cujo
laudo terá que ser apresentado no mesmo prazo assinado para o perito, sob
pena de ser desentranhado dos autos.
CPP – Art. 159. ...
§ 3º Serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao
ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação
de assistente técnico (§ 3º acrescido pela Lei n. 11.690, de 09/06/08).
...
§ 5º Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à
perícia:
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...
II – indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo
a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência (§ 5º acrescido pela Lei
n. 11.690, de 09/06/08).
Os assistentes técnicos, para ser admitidos como tais, devem preencher
os seguintes requisitos:
·
maioridade civil;
·
ter, preferencialmente, formação universitária plena;
·
ter capacidade científica, técnica ou artística para o desempenho
da função;
·
possuir reconhecida idoneidade moral; e
·
gozar da confiança das partes.
Não se aplicam aos assistentes técnicos as regras relativas à suspeição,
restritas unicamente aos peritos (art. 422 do CPC, que por analogia também deve ser aplicado ao processo penal, omisso).
De se observar que também é admissível a indicação de pessoa jurídica
para servir como assistente técnico (STJ – Recurso Especial n. 1993/0018648-5, Ministro
Sálvio de Figueiredo Teixeira - DJ 27/09/1993, p. 19823, REVFOR 325/155).
Momento de admissão dos assistentes técnicos
Quanto ao momento de admissão dos assistentes técnicos, as regras do
processo civil e do trabalho diferem das do processo penal.
Enquanto nos primeiros a perícia, excetuando-se eventual produção antecipada de prova, tem lugar somente depois de estabelecida a relação processual, no processo penal os exames podem ocorrer tanto na fase inquisitiva (regra), como também durante o contraditório (exceção).
Além disso, no processo civil (art. 421, § 1º, I do CPC) e trabalhista (art.
3º, parágrafo único, da Lei n. 5.584/70), os assistentes técnicos são nomeados quase que
simultaneamente com o perito e podem acompanhar todos os exames ab initio (art. 431-A,
do CPC). No processo penal devem ser considerados momentos distintos.
Ao introduzir a figura do assistente técnico indicado pelas partes, garantindo sua atuação a partir da admissão pelo juiz, a Lei n. 11.690, de 09 de junho de 2008,
não estabeleceu claramente o momento do exame ou a forma como deve intervir.
Uma leitura pura e simples do novo § 3º do art. 159 do CPP poderia levar
à interpretação de que a figura do assistente técnico somente teria lugar na fase processual,
vedada sua admissão durante o inquérito policial. É que o aludido dispositivo menciona a
possibilidade de indicação de assistente técnico pelo Ministério Público, assistente de acusa-
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ção, ofendido, querelante e acusado (figuras existentes apenas na fase processual), silenciando em relação ao averiguado ou indiciado.
Entendemos que a redação é meramente exemplificativa e tem por objetivo ampliar a abrangência do dispositivo, para atingir todos os atores da relação jurídica,
quer durante o processo como na fase de inquérito.
Note-se que o § 5º, II, do mesmo art. 159, prevê a possibilidade de
indicação de assistentes técnicos pelas partes durante o curso do processo, disposição que
seria inútil, salvo se admitirmos que o rol dos habilitados a apresentar assistente técnico
previsto no § 3º, inclua também o indiciado e o averiguado.
Em segundo lugar, no processo penal, as perícias clamam por celeridade,
não sendo razoável impedir o averiguado ou o indiciado, por intermédio de seus assistentes
técnicos, de analisar as provas produzidas, mesmo durante a fase policial, até porque há
inquéritos que se arrastam por anos sem que ocorra o oferecimento de denúncia pelo Ministério Público.
Por último, o art. 176 do Código de Processo Penal faz alusão à possibilidade de formulação de quesitos pela autoridade e pelas partes até o ato da diligência, sem
distinção do momento processual, raciocínio que pode ser estendido à atuação dos assistentes técnicos, até por que deles é a tarefa ínsita de questionar a perícia.
CPP
Art. 176. A autoridade e as partes poderão formular quesitos até o ato da
diligência.
Assim, acreditamos ser possível a indicação de assistentes técnicos pelas
partes tanto na fase de inquérito como uma vez estabelecida a relação processual. De qualquer modo, a função dos assistentes técnicos é de acompanhar a perícia, não podendo interferir na sua realização, à semelhança do que ocorre no processo civil.
Quando a indicação se der na fase inquisitiva, a atuação ocorrerá mediante admissão pelo juiz e preferencialmente após a conclusão dos trabalhos e elaboração do
laudo pelos peritos oficiais (art. 159, § 4º do CPP).
CPP – Art. 159. ...
§ 4º O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a
conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as
partes intimadas dessa decisão (§ 4º acrescido pela Lei n. 11.690, de 09/06/
08).
...
Essa disposição decorre da própria natureza do exame pericial na área
penal, realizado, quase sempre, logo após os fatos e antes que se estabeleça o processo
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contraditório, o que torna o assistente técnico, na maioria das vezes, simples parecerista,
mero crítico do trabalho técnico elaborado pelo órgão oficial.
A determinação legal no sentido de que a intervenção do assistente técnico deve ser posterior ao exame oficial e após a apresentação do laudo pericial (art. 159, § 4º
do CPP) não nos parece peremptória, mas, como salientamos, preferencial e tem por objetivo apenas deixar patente que a faculdade de indicação de assistentes técnicos não pode
obstar a produção da prova oficial.
Muito embora a grande maioria dos exames seja realizada logo após os
fatos, há diligências complementares e outras perícias, como a reprodução simulada dos
fatos, que podem ser efetivadas até mesmo na fase processual, sob o crivo do contraditório.
A regra geral visa apenas resguardar a necessária celeridade da perícia criminal, produzida ab initio, e evitar que, em alguns casos específicos, o cronograma
oficial seja afetado pela necessidade, por vezes protelatória, de convocar as partes para
cada ato praticado ou de permitir a intervenção de terceiros em ambientes não preparados para receber estranhos e para os quais a contaminação é um fator de risco para a
realização da perícia (Justificativa da Emenda de Plenário nº 9 ao PLC 37, de 2007 –
Senadora Serys Slhessarenko).
Sendo assim, não há razão para impedir o assistente técnico, uma vez
admitido pelo juízo, de acompanhar a realização de exame determinado na fase inquisitiva ou
processual, desde que sua intervenção não cause prejuízo à realização da perícia oficial, sob
pena de ficar configurado cerceamento de defesa.
Modo de atuação dos assistentes técnicos
Como norma, os assistentes técnicos trabalharão sobre perícias já realizadas e emitirão seus pareceres tendo como base os laudos emitidos pelo técnico oficial.
Não obstante, quando possível e havendo requerimento das partes, o material probatório
que serviu de base à perícia deve ser disponibilizado para exame pelos assistentes, no ambiente do órgão oficial e na presença do perito oficial (art. 159, § 6º do CPP).
CPP – Art. 159. ...
§ 6º Havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de
base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá
sempre sua guarda, e na presença do perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação (§ 6º acrescido pela Lei n.
11.690, de 09/06/08).
...
A legislação menciona tão somente a impossibilidade de conservação do
material probatório, sendo omissa em relação a outras hipóteses em que o exame pelos
assistentes técnicos torna-se inviável.
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Para os exames laboratoriais, entendemos que, além da possibilidade de
conservação, a disposição só será aplicável se existir material suficiente para a contraprova
(art. 170 do CPP). As perícias realizadas sobre suporte exíguo jamais poderão ser refeitas.
CPP
Art. 170. Nas perícias de laboratório, os peritos guardarão material suficiente para a eventualidade de nova perícia. Sempre que conveniente, os laudos
serão ilustrados com provas fotográficas, ou microfotográficas, desenhos
ou esquemas.
Em relação ao exame de peças e documentos, é preciso verificar a natureza da perícia, pois em alguns casos específicos os trabalhos podem ser prejudicados com
o decurso do tempo. É o exemplo da pesquisa de recentidade de disparo em armas de fogo.
Da mesma forma, os levantamentos de local e a maior parte das perícias
médicas, dificilmente fornecerão subsídios para um reexame direto, podendo, tão somente,
ser os laudos oficiais analisados e, eventualmente, criticados.
Por fim, a determinação legal poderá implicar na necessidade de os Institutos Médico-Legal e de Criminalística criar centros de custódia para a guarda de materiais e
peças que normalmente seriam remetidos a autoridade requisitante.
Investidura
Os peritos oficiais são designados para atuar neste ou naquele processo
ou procedimento por determinação ou do diretor da repartição pública a que estão ligados
ou do Poder Judiciário e prestam compromisso uma única vez, ao assumir o cargo.
Em havendo nomeação de peritos ad hoc, por inexistência dos oficiais,
nos termos do § 1º do art. 159 do Código de Processo Penal, o compromisso deverá ser
prestado. É o que dispõe o § 2º do mesmo dispositivo:
CPP - Art. 159. ...
§ 2º. Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente
desempenhar o encargo.
Na esfera cível e trabalhista, o compromisso foi abolido com a edição da Lei
n. 8.455, de 24 de agosto de 1992, que modificou o art. 422 do Código de Processo Civil.
Os assistentes técnicos não prestam compromisso, porque profissionais
de confiança das partes, bastando sua indicação e admissão pelo juízo (art. 331, §§ 2º e 3º,
do CPC e art. 159, § 4º do CPP).
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O fato de os assistentes técnicos atuarem como consultores, entretanto,
não os autoriza a faltar com a verdade ou lançar conclusões propositalmente incorretas.
Nestas hipóteses, o magistrado que conduz o feito deve noticiar os fatos ao órgão fiscalizador
da categoria para aplicação das penalidades administrativas cabíveis.
Número de peritos
A questão do número de peritos oficiais necessários para a realização da
perícia causou discussão por longo tempo. A redação original do caput do art. 159 do
Código de Processo Penal, falava em peritos, gerando polêmica sobre a necessidade de o
exame ser efetuado por dois técnicos. Essa exigência descabida levou à criação da figura do
segundo signatário, ou seja, do perito que, embora não tendo realizado qualquer exame,
assinava o laudo a título de revisor, mero subscritor, em confiança, de trabalho alheio.
Posteriormente, a Lei n. 8.862, de 28 de março de 1994, alterou o dispositivo
mencionado e passou a exigir expressamente o concurso de dois peritos para a realização do exame.
Tal mandamento, como ocorre com grande parte das leis no Brasil, por
total ausência de recursos humanos e materiais nunca foi cumprido e os exames continuaram
a ser realizados por um único perito e o laudo apenas assinado por um segundo.
Finalmente, a Lei n. 11.690, de 09 de junho de 2008, corrigiu a distorção,
passando a admitir a realização da perícia por um único experto oficial que, agora, como
vimos, deverá obrigatoriamente ser portador de diploma de curso superior:
CPP
Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por
perito oficial, portador de diploma de curso superior (Redação dada ao § 1º
pela Lei n. 11.690, de 09/06/08).
Por outro lado, se houver nomeação de peritos não oficiais (ad hoc), nos
termos do § 1º do art. 159 do Código de Processo Penal, o número de peritos deverá ser
necessariamente de dois, sob pena de nulidade, conforme a Súmula 361 do STF:
STF
Súmula 361: No processo penal, é nulo o exame realizado por um só perito,
considerando-se impedido o que tiver funcionado, anteriormente, na diligência da apreensão.
Outra novidade, introduzida pela Lei n. 11.690, de 09 de junho de 2008,
à semelhança do que ocorre no juízo cível, foi a possibilidade expressa de atuação de mais de
um perito oficial e indicação de mais de um assistente técnico, em caso de perícia complexa,
envolvendo mais de uma área de conhecimento especializado:
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CPP – Art. 159. ...
§ 7º Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um perito
oficial, e a parte indicar mais de um assistente técnico.
A disposição, cópia do art. 431-B do Código de processo Civil, era
despicienda, até porque a regra do processo penal é a perícia fragmentada, realizada por
vários expertos, conforme suas especialidades.
Quesitos
Quesitos são perguntas específicas, dirigidas pelo juiz ou pelas partes
aos peritos, objetivando esclarecer determinado ponto referente ao exame realizado.
Além de ajudar a esclarecer pontos obscuros, servem de orientação ao perito para a
elaboração de seu relatório, uma vez que terá de dirigir seus trabalhos no sentido de
responder às questões formuladas.
Não se pode esquecer que os peritos, embora especialistas na sua área
de atuação, não têm, em regra, conhecimento jurídico. Daí a necessidade de que respondam
a determinadas perguntas, relevantes para o direito, mas aparentemente sem importância
para um técnico de outra área do saber humano.
Classificação dos quesitos
No que toca ao momento de sua formulação, os quesitos classificam-se
em: originários, suplementares ou complementares.
Originários são os que antecedem à perícia, formulados como orientação ao técnico para a realização dos exames.
Suplementares são aqueles apresentados após os originários e até
mesmo durante a realização dos exames, objetivando suprir alguma deficiência constatada nos primeiros.
Complementares são os apresentados após a realização dos exames e
entrega do laudo, visando esclarecer dúvidas ou complementar o trabalho pericial realizado.
Quanto à sua origem, os quesitos podem ser oficiais (de praxe), legais
ou oficiosos (não-oficiais).
Oficiais ou de praxe são aqueles que, embora não tendo sido
apresentados pelas partes, e não havendo previsão legal de sua formulação, integram habitualmente os laudos periciais, constando dos impressos próprios relativos
a cada espécie de perícia realizada.
São exemplos de quesitos oficiais na área médico-legal:
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No exame cadavérico:
·
Houve morte?
·
Qual a causa da morte?
·
Qual o instrumento ou meio que produziu a morte?
·
Foi produzida por meio de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura
ou outro meio insidioso ou cruel?
Na lesão corporal:
·
Houve ofensa à integridade física ou à saúde do paciente?
·
Qual o instrumento ou meio que produziu a ofensa?
·
A ofensa foi produzida por meio de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel?
·
Resultou incapacidade para as funções habituais por mais de 30 dias?
·
Resultou perigo de vida?
·
Resultou debilidade permanente ou perda de membro, sentido ou função?
·
Resultou incapacidade para o trabalho, enfermidade incurável ou
deformidade permanente?
·
Resultou aceleração de parto ou aborto?
Na área cível não há quesitos oficiais.
Legais são os previstos expressamente na lei processual. Não são quesitos propriamente ditos, porque não constituem perguntas diretas que devem ser respondidas
objetivamente pelos técnicos. São, isto sim, esclarecimentos que a lei determina devem ser
dados pelos peritos em alguns casos. Como exemplos, temos os art. 171 a 174 do Código
de Processo Penal.
No processo civil não há quesitos legais.
Quesitos oficiosos (não-oficiais) são os apresentados pelo juiz ou pelas
partes conforme a natureza do caso.
A Lei n. 11.690, de 09 de junho de 2008, acrescentou o § 5º ao art. 159,
que, em seu inciso I, explicitou a possibilidade de as partes requererem a oitiva dos peritos
para responder a quesitos (oficiosos) ou prestar esclarecimentos sobre a prova.
CPP
Art. 159. ...
§ 5º Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à
perícia:
I – requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para
responderem a quesitos, desde que o mandado de intimação e os quesitos
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ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência
mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas em laudo
complementar.
...
Quesitos, como vimos, são perguntas objetivas, diretas, que versam sobre pontos específicos do trabalho pericial, enquanto esclarecimentos são explicações destinadas a aclarar, elucidar algum ponto obscuro ou mesmo complementar o exame realizado.
Embora a oitiva dos peritos e a apresentação de questões complementares seja prática relativamente comum no processo penal (art. 176), a novidade
fica por conta da necessidade de encaminhamento prévio das inquirições com antecedência mínima de 10 (dez) dias.
Note-se que os peritos podem ser intimados a comparecer em juízo para
prestar esclarecimentos ou responder as questões, facultada a apresentação das respostas e
informações sob a forma de laudo complementar.
Na área cível não há quesitos oficiais ou legais, mas tão somente os
oficiosos, formulados livremente pelo juiz e pelas partes de acordo com as particularidades específicas do caso. De qualquer modo, o perito e o assistente técnico só estarão
obrigados a prestar os esclarecimentos solicitados quando intimados cinco dias antes da
audiência (art. 435 do CPC).
Por último, no que concerne à validade, os quesitos podem ainda
ser pertinentes ou impertinentes, conforme sejam convenientes ou não ao esclarecimento dos fatos. Os quesitos impertinentes, eventualmente apresentados pelas
partes, devem ser indeferidos pelo magistrado (art. 426, I, do CPC, aplicável por
analogia ao processo penal, omisso):
CPC
Art. 426. Compete ao juiz:
I - indeferir quesitos impertinentes;
...
Prazos para realização da perícia
No processo penal o prazo para realização da perícia (ou do exame de corpo de delito) há de ser forçosamente curto. Velho brocardo utilizado
pelos peritos criminais dá bem a idéia da importância de um exame célere: “o tempo que passa é a verdade que foge”.
Nesse sentido a disposição dos arts. 6º e 161 do Código de Processo Penal:
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CPP
Art. 6º Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade
policial deverá:
I — dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e
conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais;
...
VII — determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a
quaisquer outras perícias;
Art. 161. O exame de corpo de delito poderá ser feito em qualquer dia e a
qualquer hora.
Os únicos prazos para a realização da perícia, fixados no Código de Processo Penal, são na verdade prazos mínimos, de 6 horas para a realização do exame
necroscópico (art. 162, caput, do CPP) e de 30 dias para a realização do exame complementar de classificação das lesões corporais (art. 168, § 2º, do CPP).
CPP
Art. 162. A autópsia será feita pelo menos seis horas depois do óbito, salvo
se os peritos, pela evidência dos sinais de morte, julgarem que possa ser
feita antes daquele prazo, o que declararão no auto.
Art. 168. ...
§ 2º Se o exame tiver por fim precisar a classificação do delito no art. 129, § 1º,
I, do Código Penal, deverá ser feito logo que decorra o prazo de trinta dias,
contado da data do crime.
Os assistentes técnicos devem realizar seus exames, em regra, após a sua
admissão pelo juiz e depois da conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos
oficiais, o que recomenda a celeridade dos trabalhos, especialmente em se tratando de processo em que há réu preso.
CPP
Art. 159. ...
§ 4º O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a
conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as
partes intimadas dessa decisão (§ 4º acrescido pela Lei n. 11.690, de 09/06/
08).
...
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No Código de Processo Civil, por outro lado, não há prazo fixado para a
realização dos exames, mas apenas a data limite para entrega dos trabalhos, determinada
pelo juiz, até porque, como hábito, as postulações são levadas ao juízo cível sempre bem
depois dos acontecimentos.
Para a entrega dos relatórios o CPP estabelece o prazo genérico de 10
dias (art. 160, parágrafo único).
CPP
Art. 160. ...
Parágrafo único. O laudo pericial será elaborado no prazo máximo de dez
dias, podendo este prazo ser prorrogado, em casos excepcionais, a
requerimento dos peritos.
Há prazos especiais, como, por exemplo, aquele designado pelo juiz para
a verificação da cessação da periculosidade (art. 777, § 2º, do CPP) ou o do exame decorrente do incidente de insanidade (art. 150, § 1º, do CPP), que não pode ultrapassar 45 dias.
Os assistentes técnicos devem apresentar seus pareceres em prazo fixado
pelo juiz ou ser inquiridos em audiência (art. 159, § 5º, II, do CPP).
CPP
Art. 159. ...
§ 5º Durante o curso do processo judicial é permitido às partes, quanto à
perícia:
...
II – Indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo
a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência (§ 5º acrescido pela Lei
n. 11.690, de 09/06/08).
...
No Código de Processo Civil os prazos são fixados pelo juiz, que deverá
atentar para a data da audiência de instrução e julgamento (arts. 421 e 433 do CPC), tendo
os assistentes técnicos 10 dias a mais para a apresentação de seus pareceres, depois de
intimadas as partes da apresentação do laudo (art. 433, parágrafo único, do CPC).
Conclusão
Muito embora a Lei n. 11.690, de 9 de junho de 2008, tenha inovado ao
introduzir a figura do assistente técnico no Processo Penal brasileiro, ao fazê-lo, copiou institutos do processo civil sem atentar, ao que parece, para as diferenças intrínsecas em relação
ao processo penal e às dificuldades que surgirão da implantação prática do instituto.
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Questões de cunho absolutamente pragmático e de fundamental importância, como o momento de intervenção dos assistentes técnicos e a inexistência de centros
de custódia suficientes para a preservação adequada de amostras, peças e materiais destinados à contraprova, passaram ao largo da normatização legal. Outras, como o custeio dos
assistentes técnicos para os beneficiários da justiça gratuita deverão suscitar acalorados debates doutrinários e jurisprudenciais.
De qualquer modo, a possibilidade de melhor discutir a prova pericial
constitui inegável avanço e certamente trará frutos benéficos ao processo penal brasileiro.
Bibliografia
C APEZ , Fernando. Curso de Processo Penal. 2 ed. São Paulo:
Saraiva, 1998.
DEL -C AMPO , Eduardo Roberto Alcântara. Medicina Legal – (Coleção curso & concurso – coordenação Edílson Mougenot Bonfim). São Paulo:
Saraiva, 5 ed. 2008.
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. V II.
Campinas: Millenium, 2000.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. 16 ed. Rev. e atual. por Renato Nascimento Fabbrini. São Paulo: Atlas, 2004.
NEGRINI NETO, Osvaldo. Manual de requisições Periciais. Edição eletrônica. São Paulo: APMP, 2002.
T ORNAGHI , Hélio. Curso de Processo Penal. 6 ed. São Paulo:
Saraiva, 1989.
ZARZUELA, José Lopes, MATUNAGA, Minoru & THOMAZ, Pedro Lourenço. Laudo Pericial. “Aspectos Técnicos e Jurídicos”. 1 ed. São Paulo: Revista dos tribunais:
Sindicato dos Peritos Criminais do Estado de São Paulo, 2000.
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AS PR
OVAS
PRO
ILÍCIT
AS
AS,,
ILÍCITAS
SEGUND0 A LEI
11.690, DE 2008
JORGE ASSAF MALULY
Promotor de Justiça do Estado de São Paulo
Designado no Setor de Recursos Especiais e Extraordinários
Criminais da PGJ
PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN
Promotor de Justiça Criminal do Estado de São Paulo
Mestre e doutor em Processo Penal pela PUC-SP
Professor de Processo Penal da Universidade Presbiteriana
Mackenzie
Professor de Processo Penal da PUC-SP
Professor de Processo Penal no CPC Marcato
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Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 135-141, julho/dezembro-2008 ____________________ 135
AS PROVAS ILÍCITAS SEGUNDO A LEI Nº 11.690, DE 2008
Jorge Assaf Maluly
Promotor de Justiça Criminal do Estado de São Paulo
designado no Setor de Recursos Especiais e Extraordinários Criminais
da Procuradoria-geral de Justiça de São Paulo
Pedro Henrique Demercian
Promotor de Justiça Criminal do Estado de São Paulo designado em 2ª
Instância
Mestre e Doutor em Processo Penal pela PUC/SP
Professor de Direito Processual nos Cursos de Graduação e PósGraduação lato sensu da Universidade Mackenzie
Professor de Processo Penal da PUC/SP
Professor de Processo Penal no Curso Preparatório para Concurso –
CPC - Marcato
1. As limitações ao direito à prova
O direito à prova no processo penal não é irrestrito, a despeito da vigência dos princípios da verdade real, do contraditório e da ampla defesa. Como salienta ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO1, o “direito das partes de introdução, no processo, das
provas que entendam úteis e necessárias à demonstração dos fatos em que se assentam suas
pretensões, embora de índole constitucional, não é, entretanto, absoluto. Ao contrário, como
qualquer direito, também está sujeito a limitações decorrentes da tutela que o ordenamento
confere a outros valores e interesses igualmente dignos de proteção”.
É este, também, o ensinamento de Eduardo Espínola Filho2, ao abordar o tema:
1
Cf. O direito à prova no processo penal, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1997, p. 91.
Cf. Código de processo penal brasileiro anotado, 6ª ed. histórica, Rio de Janeiro, Editora Rio, 1980, t.
1, vol. 2, p. 453.
2
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“Como resultado da inadmissibilidade de limitações dos meios de prova,
utilizáveis nos processos criminais, é-se levado à conclusão de que, para
recorrer a qualquer expediente, reputado capaz de dar conhecimento da
verdade, não é preciso seja um meio de prova previsto, ou autorizado pela
lei, basta não seja expressamente proibido, se não mostrar incompatível com
o sistema geral do direito positivo, não repugne à moralidade pública e aos
sentimentos da humanidade, piedade e decoro, nem acarrete a perspectiva
de um dano, ou abalo sério, a saúde física ou mental das pessoas, que sejam
chamadas a intervir na diligência.”
O art. 155, parágrafo único, do CPP impõe uma primeira limitação da
prova no processo penal, proibindo, no juízo penal, a discussão de questões relativas ao
estado civil das pessoas e impondo sua solução no juízo cível (art. 92, CPP – questões
prejudiciais devolutivas absolutas).
Outras limitações especiais podem ser encontradas no CPP, tais como:
(a) a exigência de demonstração de vestígios do crime por meio do exame de corpo de delito
(arts. 158 e 167, CPP); (b) a prova da morte do autor da infração penal, para fins de extinção
de punibilidade, que somente pode ser feita por certidão do assento do óbito (art. 62, CPP);
(c) o impedimento do depoimento de pessoas destinatárias de segredos profissionais, salvo
se desoneradas pela parte e assim o desejarem (art. 207, CPP).
O ordenamento jurídico impõe limitações, também, à produção das provas quando decorrentes da violação da lei, como, por exemplo, aquelas obtidas por meio de
tortura, captação clandestina de conversações telefônicas e violação do sigilo de correspondência (art. 233, CPP). Na lição de ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO3, de fato, seria
um absurdo que o Estado, para impor uma sanção penal, em decorrência da violação da
ordem pública, “se utilizasse de métodos que não levassem em conta a proteção dos mesmos
valores tutelados pela norma material. Semelhante contradição comprometeria o próprio
fundamento da sanção criminal e, em conseqüência, a legitimação de todo sistema punitivo”.
As provas ilegais podem ser produzidas com infração às normas processuais – quando serão chamadas de provas ilegítimas – ou com ofensa ao direito material –
chamadas, então, de provas ilícitas.
As provas ilegítimas não demandam melhor análise, porque a necessária
sanção já está prevista na nulidade do processo. Por seu turno, as provas obtidas por meios
ilícitos (com violação às normas de direito material) são inadmissíveis no processo, constituindo-se uma garantia constitucional, definida no art. 5º, inciso LVI.
Questiona-se, notadamente nos dias de hoje, se as provas ilícitas (coligidas com ofensa ao direito material) podem ter algum valor probante, se seu conteúdo
for verdadeiro.
FERNANDO DE ALMEIDA PEDROSO4 recorda o posicionamento dos
detratores da admissibilidade processual da prova ilícita, visto que “não se trata de atribuir-se
valores diferentes na apreciação da prova ou de retornar-se ao critério da prova legal, mas
3
Cf. O direito à prova ... , ob. Cit., p. 99.
Cf. Processo penal – o direito de defesa: repercussão, amplitude e limites. Rio de Janeiro, Ed. Forense,
1986, p. 374.
4
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de preservar-se os direitos do imputado, que não podem ser atingidos ou violados a
pretexto da busca da verdade real ou do acertamento dessa verdade. Como disse SAUER,
a busca da verdade não pode transmudar-se em um valor mais precioso do que a proteção da liberdade individual”.
Dissentindo desse posicionamento, entretanto, o ilustre autor assevera que
“se o fim precípuo do processo penal é a descoberta da verdade real (na qual há fulcrar-se a
própria realização do direito penal substantivo, pela aplicação ou não da pena), crível é que,
se a prova ilegalmente obtida ostentar essa verdade, há de ser aceita”5. Por seu turno, aqueles que obtiveram ilicitamente a prova devem sofrer a devida persecutio criminis, pela violação às normas de direito material.
Argumenta, ainda, FERNANDO DE ALMEIDA PEDROSO6 que a prova ilícita
“somente encontrará sanção processual quando, a um só tempo, for também ilegítima, por
esbarrar em óbice expresso de natureza adjetiva anteposto à sua admissibilidade. Fora daí,
sua admissibilidade é examinada exclusivamente pelos princípios e normas processuais, não
se perquirindo, nessa seara, da ilicitude da qual se originou, ilicitude essa que ensejará a
punição de seu autor no plano do direito material violado”.
A aplicação da norma constitucional (art. 5º, inciso LVI), no entanto, tem
sido abrandada em prol do acusado, para corrigir distorções, conforme salienta ALEXANDRE
DE MORAES7, “pois nenhuma liberdade pública é absoluta, havendo possibilidade, em casos
delicados, em que se percebe que o direito tutelado é mais importante que o direito à intimidade, segredo, liberdade de comunicação, por exemplo, de permitir-se sua utilização”.
A atenuação do entendimento da inadmissibilidade das provas ilícitas no
processo baseia-se no princípio da razoabilidade, ou proporcionalidade, que, norteando
a atuação do juiz, aceita o sacrifício de direitos individuais para garantir a realização da justiça
penal. O rigor constitucional, assim, deve ser analisado no confronto com outros princípios e
interesses igualmente relevantes (o estado de inocência do acusado e a verdade real).
A admissibilidade das provas ilícitas, mitigando a regra constitucional, também foi acolhida pelos ilustres Professores ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTONIO SCARANCE
FERNANDES E ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO8 ao prelecionar que “não deixa de ser,
em última análise, manifestação do princípio da proporcionalidade a posição praticamente
unânime que reconhece a possibilidade de utilização, no processo penal, da prova favorável
ao acusado, ainda que obtida com infringência a direitos fundamentais seus ou de terceiros”.
O tema também já foi analisado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no HC 69.912-0/RS (DJU de 26.11.93; v. também RTJ 162(02): 340), no qual foi
decidido não ser possível a quebra do sigilo das comunicações telefônicas por ordem judicial, com base no art. 5º, inciso XII, da CF, sem a prévia existência de lei estabelecendo seu
procedimento. O r. acórdão foi prolatado em período anterior à Lei nº 9.296, de 24.07.96,
5
6
7
8
Cf. Processo penal ..., ob. Cit. p. 378.
Cf. Prova penal, Rio de Janeiro, Ed. Aide, 1994, p. 172.
Cf. Direito constitucional, 7ª Ed., São Paulo, Ed. Atlas, 2000, p. 119.
Cf. As nulidades no processo penal. 2ª Ed., São Paulo, Malheiros, 1992, pp. 109-117.
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que terminou regulamentando essa norma constitucional. O entendimento adotado pela
Corte foi proficientemente retratado no voto do Ministro Celso de Mello, do qual se
destaca o seguinte trecho:
“A cláusula constitucional do due process of law – que se destina a garantir
a pessoa do acusado contra ações eventualmente abusivas do Poder Público
– tem, no dogma de inadmissibilidade das provas ilícitas ou ilegítimas,
uma de suas projeções concretizadoras mais expressivas, na medida em que
o réu tem o impostergável direito de não ser denunciado, de não ser julgado
e de não ser condenado com base em elementos instrutórios obtidos ou
produzidos com desrespeito aos limites impostos pelo ordenamento jurídico
ao poder persecutório e ao poder investigatório do Estado.
A absoluta invalidade da prova ilícita infirma-lhe, de modo radical, a eficácia
demonstrativa dos fatos e eventos cuja realidade material ela pretende
evidenciar. Trata-se de conseqüência que deriva, necessariamente, da
garantia constitucional que tutela a situação jurídica dos acusados em juízo
penal e que exclui, de modo peremptório, a possibilidade de uso, em sede
processual, da prova – de qualquer prova – cuja ilicitude tenha sido
reconhecida pelo Poder Judiciário.”
Por outro lado, é aceita a eficácia da prova quando colhida com violação
à legislação, mas com o intuito de afastar ofensa oriunda de ato criminoso, uma vez que a
ilicitude de sua produção é eliminada por uma excludente de antijuridicidade de legítima
defesa (GRINOVER, SCARANCE E GOMES FILHO9. Essa situação é costumeiramente constatada nos crimes de estelionato ou extorsão mediante seqüestro, quando a vítima, ou terceiro
autorizado, realiza gravações de conversas pessoais ou telefônicas com os acusados. Para
essas e semelhantes hipóteses, nosso ordenamento jurídico admite a limitação dos direitos
fundamentais (inviolabilidade do domicílio, da intimidade e das comunicações telefônicas etc.),
que não podem ser reclamados quando empregados para práticas criminosas.
Com esse fundamento, o Supremo Tribunal Federal tem convalidado a
prova ilícita, motivada por justa causa como a legítima defesa. Aliás, nesse sentido é o acórdão
do Habeas Corpus 74.678/SP, relatado pelo Min. Moreira Alves (DJU de 15.08.97, no
mesmo sentido: HC 75.611/SP, DJU de 17.04.98) e resumido em sua ementa:
“– Habeas corpus. Utilização de gravação de conversa telefônica feita por
terceiro com a autorização de um dos interlocutores sem o conhecimento do
outro quando há, para essa utilização, excludente da antijuridicidade.
– Afastada a ilicitude de tal conduta – a de, por legítima defesa, fazer gravar
e divulgar conversa telefônica ainda que não haja o conhecimento do terceiro
que está praticando crime –, é ela, por via de conseqüência, lícita e, também
conseqüentemente, essa gravação não pode ser tida como prova ilícita, para
invocar-se o art. 5º, LVI, da Constituição com fundamento em que houve
violação da intimidade (art. 5º, X, da Carta Magna).”
9
Cf. As nulidades ..., ob. Cit., p. 119.
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O r. julgado ressalta, primeiramente, que não se trata de violação ao sigilo
de comunicação telefônica, quando a gravação é realizada por um dos interlocutores, ou com
a autorização de um deles, devendo o caso, de fato, ser apreciado à luz do também princípio
constitucional da intimidade (art. 5º, inciso X).
E, nessa hipótese, seria uma distorção invocá-lo, uma vez que a intromissão do autor do ato criminoso na vida privada do ofendido precedeu e justificou a conduta
do realizador da prova.
Como relembra PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR10, há hipóteses em que o
interesse individual é superado pelo interesse público, justificando-se o sacrifício do direito
fundamental – na espécie, o direito à intimidade. O princípio la vie privée doit être murée
não pode “ser interpretado como se, em torno da esfera privada a ser protegida, devesse ser
erguida verdadeira muralha. Pelo contrário, os limites da proteção legal deverão dispor de
suficiente elasticidade. O homem, enquanto indivíduo que integra a coletividade, precisa aceitar
as delimitações que lhe são impostas pelas exigências da vida em comum. E as delimitações
de sua esfera privada deverão ser toleradas tanto pelas necessidades impostas pelo Estado,
quanto pelas esferas pessoais dos demais concidadãos, que poderão perfeitamente conflitar
ou penetrar por ela”.
A admissibilidade da restrição de direitos fundamentais, no processo penal, é clarificada também por JOSÉ MIGUEL SARDINHA11, que entende ser a dignidade da
pessoa humana o ponto referencial de todo sistema de direitos e é “com base na dignidade
humana que se terá de proceder à restrição de alguns direitos fundamentais sempre que estes
sejam utilizados com o intuito de a lesionarem gravemente (...). Os direitos fundamentais,
enquanto valores constitucionais, não são absolutos nem ilimitados [continua o insigne autor
citando as palavras de Vieira de Andrade], ‘visto que a comunidade não se limita a reconhecer o valor da liberdade: liga os direitos a uma idéia de responsabilidade social e integra-os
no conjunto dos valores comunitários’. Por conseguinte, ‘impõe-se a necessidade de restringir o seu âmbito de protecção a fim de se obter uma concordância prática com os outros
bens ou direitos protegidos a nível jurídico-constitucional’.
Ao consagrar a Constituição Federal a proibição das provas ilícitas, procurou garantir que outros bens juridicamente tutelados não seriam violados em nome da
Justiça Penal. Por sua vez, quando o interesse da coletividade deve prevalecer sobre o individual, o ordenamento constitucional admitiu a restrição de direitos fundamentais para a produção de provas (interceptação telefônica, buscas domiciliares e pessoais, quebra do sigilo
bancário etc.) contra o acusado.
Convém notar, da mesma forma, que, da explícita proscrição da prova
ilícita, sem distinções quanto ao crime objeto do processo (CF, art. 5º, LVI), resulta a prevalência
da garantia nela estabelecida sobre o interesse na busca, a qualquer custo, da verdade real no
processo, e nem é possível apelar-se ao princípio da proporcionalidade, para sobrepor, à
vedação constitucional da admissão da prova ilícita, considerações sobre a gravidade da
infração penal objeto da investigação ou da imputação12.
10
Cf. O direito de estar só: tutela penal da intimidade. 2ª Ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, p. 44.
Cf. O terrorismo e a restrição dos direitos fundamentais em processo penal. Coimbra: Editora Coimbra,
1989, p. 39.
12
cf. HC 80.949-RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence.
11
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2. Provas ilícitas e provas derivadas
A garantia relacionada na Constituição Federal, de não aceitar a utilização
de provas realizadas com infração ao direito material, consagrou também a doutrina norteamericana do fruits of the poisonous tree (frutos da árvore envenenada), pela qual não
somente a prova ilícita, mas também a derivada, originada desta, não pode ser aceita pelo
julgador na formação de seu convencimento.
A doutrina foi desenvolvida pela Suprema Corte norte-americana, como
recordado por LUIZ FRANCISCO TORQUATO AVOLIO13 na qual “a partir da decisão proferida no caso ‘Silverthorne Lumber Co. v. United States’ (251 US 385; 40 S.Ct. 182; 64 L.Ed.
319), de 1920, as cortes passaram a excluir a prova derivadamente obtida a partir de práticas ilegais. Acreditava-se que, com isso, similarmente ao pensamento que ensejou a concepção da exclusionary rule, a polícia ficaria desencorajada de proceder a buscas e apreensões
ilegais”.
Oportuno mencionar que o direito das exclusionary rules, no ensinamento
de MANUEL DA COSTA ANDRADE14 surgiu como “um conjunto de princípios, normas e práticas
jurisprudenciais susceptível de ser referenciado como ‘o sistema’ americano das proibições
de prova”. Uma resposta dos tribunais aos conflitos concretos. Mais adiante, o autor ressalta
que “as exclusionary rules surgem animadas por uma intencionalidade normativa própria. O
que, em primeira linha, cabe prevenir e ‘reprimir’ são as manifestações de ilegalidade da
polícia criminal na interação com o cidadão e as suas garantias constitu- cionais. Pela positiva, trata-se de assegurar a disciplina das instâncias formais de controlo – maxime da polícia
– isto é, a estrita conformidade da sua atuação às pertinentes normas processuais. Nos termos da proclamação terminante do juiz Cardozo (People v. Defore, 1926): “the criminal is to
go free because the constable has blundered” (1992, p. 144).
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 74.116 (DJU de
14.03.97), por maioria de votos, também adotou esse posicionamento, ou seja, a prova
produzida com violação ao direito material – assim como aquelas que dela decorrerem – não
têm qualquer eficácia jurídica (v. também: HC 73.250-SP, DJU de 17.10.97, p. 52.490; HC
74.299-SP, DJU de 158/97; HC 74.639-RJ, DJU de 27.06.97).
O art. 157, caput, do CPP (redação dada pela Lei nº 11.690, de 09/06/
08) cuida das chamadas provas ilícitas, definidas pelo dispositivo como sendo aquelas obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. Expressando a regra constitucional do
inciso LVI do art. 5º, as provas ilícitas devem ser desentranhadas do processo e inutilizadas,
assim como aquelas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. O §2º do art. 157 do CPP considera fonte independente aquela que,
por si só, seguindo os trâmites legais, próprios da investigação ou instrução criminal, seria
13
Cf. Provas ilícitas: interceptações telefônicas e gravações clandestinas, São Paulo, Revista dos
Tribunais, 1995, p. 67.
14
Cf. Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra: Coimbra Editora, 1992, p. 133.
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capaz de conduzir ao fato objeto da prova. As partes poderão acompanhar o incidente de
inutilização das provas ilícitas e das derivadas.
O art. 157 do CPP traduz a regra da inutilizabilidade do ato processual,
ou seja, quando o juiz não pode fundamentar sua decisão em ato viciado. A inutilizabilidade
pode atingir o próprio ato ou seu valor probatório. Trata-se de uma “’prova legal negativa’,
pois o legislador exclui alguns elementos de prova do material utilizável pelo juiz para decidir
e fundamentar o seu entendimento”, como preleciona PAOLO TONINI15.
A ilegalidade da prova originária ou das derivadas, porém, não compromete a existência do processo, se não tiver sido produzida com violação à norma processual,
bem como não acarreta a absolvição do acusado, se sua condenação se baseou em outras
provas regularmente introduzidas na instrução. A prova ilícita, não sendo a única produzida,
não contamina as demais se dela não decorrentes. Prevalece na hipótese a incomunicabilidade
entre as provas. Neste sentido: STF: 2ª T., RHC nº 74.807-MT, Rel. Min. Maurício Corrêa,
DJU de 20.06.97; 2ª T., AGRRE 212171/RJ, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 27.02.98;
1ª T., HC 74.599-SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 07.02.97.
Convém destacar que a inutilização da prova ilícita nem sempre compreende sua destruição física, uma vez que esta pode constituir a materialidade do crime
praticado com a sua produção. Assim, por exemplo, as fitas de uma gravação podem
constituir a prova da materialidade do crime de interceptação de comunicações telefônicas não autorizada judicialmente (art. 10 da Lei nº 9.296/96). Sua destruição, portanto,
importará a ausência de provas deste delito.
Em outras hipóteses, também não é conveniente o magistrado determinar a imediata destruição das provas que considerar ilícitas, devendo, desse modo,
aguardar o trânsito em julgado da sentença para decidir sobre o tema. A decisão judicial
pode exigir o confronto dessas evidências com o conjunto de provas, inclusive em uma
situação que possa favorecer a defesa.
3. Conclusão
O Código de Processo Penal, alterado pela Lei nº 11.690, 2008, agora
disciplina expressamente a questão relacionada com a prova ilícita e a dela derivada, antes
tratadas apenas na jurisprudência e na doutrina. O art. 157 do CPP introduz a chamada
teoria da inutilizabilidade do ato processual, determinando que o juiz não poderá fundamentar suas decisões em provas viciadas e cuidando do seu destino, ou seja, nulificando o
seu valor probatório ou, em casos extremos, permitindo a sua destruição física.
15
Cf. A prova no processo penal italiano, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002. p, 76.
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SISTEMA
PROBATÓRIO
DO
PROCESSO
PENAL
MARCO ANTONIO DE BARROS
Doutor em Direito Processual Penal pela Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo
Professor de Direito da Universidade Presbiteriana
Mackenzie
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SISTEMA PROBATÓRIO DO PROCESSO PENAL
Marco Antonio de Barros
Doutor em Direito Processual Penal pela Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo e professor da Faculdade de Direito da Universidade
Presbiteriana Mackenzie
SUMÁRIO: 1. Conceito de prova – 2. Objeto da prova – 3. Meios de prova
– 4. Sistema de persuasão racional motivada em contraditório judicial – 5.
Prova e o descobrimento da verdade - 5. Classificação das provas – 6.
Ônus da prova - 7. Poderes instrutórios do juiz – 8. Momentos probatórios
– 9. Princípio da identidade física do juiz - 10. Prova ilícita e prova ilícita
por derivação – 11. Especificação dos meios de prova: 11.1 Perícia:
realização por um único perito qualificado; 11.2 Exame de corpo de delito;
11.3 Exame necroscópico; 11.4 Exame de lesões corporais; 11.5 Exame de
local do crime; 11.6 Perícia de laboratório; 11.7 Avaliação de coisas; 11.8
Exame grafotécnico; 11.9 Instrumentos do crime – 12. Interrogatório do
acusado – 13. Confissão – 14. Maior atenção ao ofendido – 15. Prova
testemunhal: 15.1 Número de testemunhas; 15.2 Quem pode ser testemunha;
15.3 Compromisso de dizer a verdade; 15.4 Contradita e acareação; 15.5
Exame direto da prova testemunhal: inquirição pelas partes; 15.6
Características gerais do depoimento; 15.7 Depoimento colhido por carta
precatória; 15.8 Videoconferência e retirada do réu da sala de audiência
- 16. Reconhecimento de pessoas ou coisas –– 17. Prova documental – 18.
Busca e apreensão – 19. Indícios - 20. Provas e sentença absolutória.
Resumo:
Embora o legislador ainda não tenha editado um novo Código de Processo Penal (em substituição ao que está em vigor desde 1942), o certo é que algumas das
recentes leis promulgadas no Brasil provocaram substancial alteração em vários de seus
dispositivos e sistemas processuais. Neste trabalho o autor apresenta algumas reflexões sobre determinada parcela dessa ampla reforma legislativa e oferece ao leitor uma breve exposição a respeito da teoria da prova, acompanhada de comentários pertinentes às relevantes
inovações ocorridas no campo probatório, implementadas pelas Leis 11.690/2008, 11.689/
2008 e 11.719/2008.
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Abstract:
Although the legislature has not yet published a new Code of Criminal
Procedure (in place of the one that is in since 1942), the truth is that some of the recent laws
enacted in Brazil caused substantial changes in many of its procedural systems. In this work
the author presents some thoughts on a particular portion of this legislative reform and offers
the reader a brief explanation concerning the theory of evidence, together with comments to
the innovations implemented by Laws 11.690/2008, 11.689/2008 and 11.719/2008.
Palavras-chave: Provas; processo penal; reforma do Código de
Processo Penal.
Keywords: Evidence; Criminal Procedure; reform of the Code of
Criminal Procedure.
1. Conceito de prova
A palavra prova vem do latim proba, probus, de probare (demonstrar,
reconhecer). Do ponto de vista jurídico, ou mais especificamente no plano do processo
penal, prova é a denominação que se dá a tudo aquilo (qualquer coisa, ainda que imaterial)
que possa levar ao conhecimento de um fato material ou de um ato jurídico.
No campo em que se deflagra a ação caracterizada pela dialética produzida no confronto do jus puniendi com o jus libertatis, a prova pode se fundar na afirmação
ou na negação de fatos. Geralmente, a afirmação positiva do fato vem descrita na denúncia
(ou na queixa criminal), enquanto que a afirmação negativa é feita na defesa do acusado.
2. Objeto da prova
O objeto da prova são os fatos alegados.
Em primeiro lugar deve-se provar a veracidade da afirmação positivada
a respeito da existência do fato ilícito e de sua autoria, conforme descrito na denúncia ou
na queixa criminal.
Além de demonstrar a ocorrência do fato criminoso e de sua autoria, é
preciso dar ao juiz o conhecimento necessário de todas as circunstâncias objetivas e subjetivas que possam determinar a certeza de sua convicção sobre a responsabilidade criminal,
inclusive para efeito de fixação da pena ou eventual imposição de medida de segurança.
É da demonstração do fato que decorre a certeza da afirmação. Mesmo
diante da confissão do acusado não se exclui o objeto da prova, pois a confissão deve ser
corroborada por outras provas. Por exemplo, no caso de homicídio, a morte da vítima deve
ser comprovada pelo laudo necroscópico. Portanto, a denominada regra do fato incontroverso,
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ou seja, aquele que independe de prova quando afirmado por uma parte e confessado
pela parte contrária, prevista no art. 334, II, do Código de Processo Civil, não encontra
aplicação no processo penal.
Sem embargo disto, a atividade probatória deve restringir-se aos fatos
relevantes, isto é, pertinentes e úteis ao julgamento da ação penal.
Assim, é desnecessário provar os fatos evidentes por si mesmos, intuitivos (ou axiomáticos). Se a pessoa caminha, conversa ou mesmo cala-se quando quer, é
evidente que está viva, ou, conforme exemplo de Manzini lembrado por grande parte da
doutrina, encontrando-se um corpo humano putrefato, é claro que se trata de um cadáver.
Fatos notórios também não precisam ser provados. Notórios são os fatos
de conhecimento geral da população a que interesse. Por exemplo, no caso de crime contra
a honra em que figure como vítima o chefe de Estado, não há necessidade de se provar que
o ofendido é ocupante do cargo. Também é desnecessário provar que o dia 15 de novembro
é feriado nacional por que se comemora a proclamação da República. A contrario sensu, a
simples divulgação de um fato pela imprensa ou por outros meios de comunicação de massa
não o transforma em “notório”. Notória, nesta hipótese, seria apenas a sua divulgação.
Há, ainda, os fatos presumidos, isto é, aqueles que são tidos como verdadeiros pela própria lei. Daí as presunções legais que independem de produção de prova, que
são de duas ordens: absoluta e relativa. Da primeira podemos citar como exemplo o que
consta do art. 27, do Código Penal (CP), ou seja, a opção de política criminal assumida pelo
legislador, que entende ser os menores de 18 anos pessoas inimputáveis, as quais ficam
submetidas às normas estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Logo, descabe
tentar provar a imputabilidade do autor do fato, pois, neste caso, a presunção é absoluta
(juris et de jure). Quanto à outra, aproveita mencionar, como exemplo, que nos crimes
contra a liberdade sexual, presume-se a violência se a vítima não é maior de 14 anos (art.
224, do CP); porém, esta presunção, por ser relativa (juris tantum), admite prova em contrário, ou seja, pode ser afastada quando há prova que a contradiz.
Vale lembrar, ademais, a regra geral no sentido de que o direito não necessita ser provado. Vigora o princípio “iura novit curia” (o juiz conhece o direito). Ao
menos em relação ao direito federal o juiz deve ter pleno conhecimento. Todavia, excepcionalmente, pode ocorrer que o juiz desconheça o direito municipal, estadual, estrangeiro ou
consuetudinário, hipótese em que poderá determinar à parte a produção de prova nesse
sentido (aplica-se, por analogia, o disposto no art. 337 do Código de Processo Civil).
3. Meios de prova
Meio de prova é todo instrumento por força do qual se leva ao processo
um elemento, uma informação, a ser utilizada pelo juiz para formar a sua convicção acerca
dos fatos alegados pelas partes. Pode ser todo fato, documento ou alegação que sirva, direta
ou indiretamente, ao descobrimento da verdade.
Justamente por ser imprescindível ao descobrimento da verdade, no
processo penal, em princípio, admite-se tudo quanto possa demonstrar os fatos e as
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alegações sustentadas pelas partes (excetuam-se as provas obtidas por meios ilícitos ou
imorais, como veremos mais adiante).
Prevalece a regra geral de que os meios de prova podem ser de qualquer
natureza. Somente quanto ao estado das pessoas (casamento, menoridade, filiação etc.) é
que se exige a observância de formalidades e restrições estabelecidas pelo Código Civil,
de tal sorte que referida prova só é aceita com a respectiva certidão do registro civil.
A norma vem agora prevista no parágrafo único do art. 155, do Código
de Processo Penal, por força da alteração determinada pela L. 11.690, de 09.06.2008, que
entrou em vigor em 09.08.20081 (antes essa mesma norma correspondia ao próprio caput
do art. 155, do CPP).
Não se deve confundir objeto de prova com meio de prova. O local
averiguado é “objeto de prova”, enquanto a sua inspeção é meio de prova. A testemunha é
sujeito de prova, enquanto o seu depoimento constitui meio de prova.
O Código identifica determinados meios de provas. A especificação dos
mesmos segue exposta a partir do item 11 deste trabalho.
4. Sistema da persuasão racional motivada em contraditório judicial
A principal finalidade da prova é a de formar a convicção do juiz quanto à
existência dos fatos e atos jurídicos que são objeto da afirmação positiva ou da afirmação
negativa, segundo as alegações feitas pelas partes.
Nos termos do art. 155, caput, do Código de Processo Penal (CPP),
com a nova redação dada pela L. 11.690, de 09.06.2008, determina-se ao juiz formar a sua
convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial. Nota-se que o
legislador manteve o sistema de persuasão racional (ou do livre convencimento motivado), tal
como previa a anterior redação, disposta então no art. 157.
Insere-se, como novidade, a conclusão de que a apreciação das provas
feita pelo juiz será invalidada quando a fundamentação da decisão basear-se exclusivamente
em elementos informativos colhidos durante a fase de investigação. É dizer: as provas das
quais se extraem efeitos válidos para o convencimento do juiz são aquelas produzidas no
curso da ação penal e submetidas ao crivo do contraditório.
Isto não quer dizer que são imprestáveis os elementos de provas colhidos
durante o curso do inquérito policial, pois, o que a lei veda, é a edição de sentença fundamentada, exclusivamente, em elementos informativos colhidos durante a investigação. Logo, para
o fortalecimento, ratificação e eventual convalidação das provas colhidas sob o crivo do
contraditório, pode o juiz estabelecer o seu convencimento apoiando-se, também, nos elementos colhidos durante o inquérito. Porém, essa faculdade exige muita cautela em sua aplicação, isto é, não pode se tornar rotineira ou ser exercitada de forma abusiva pelo juiz
a ponto de tornar inócua a regra geral.
1
Conforme Danilo Andreato e Vladimir Aras, op. cit.
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De se observar, igualmente, a ressalva incluída expressamente pelo
legislador em referido dispositivo (art. 155, caput), declarando a validade, para efeito
de formação da convicção judicial, das provas cautelares (exemplo: busca e apreensão);
das provas não repetíveis (exemplo: comprovação da materialidade do delito que deixa
vestígios instáveis); e das provas antecipadas (exemplo: oitiva de testemunha gravemente
enferma), ainda quando realizadas ou colhidas somente durante a fase investigatória.
É claro que esses elementos de prova reunidos durante a investigação traduzirão maior
confiabilidade se forem obtidos com a participação das partes, o que é de todo
recomendável ao juiz assim determinar, sempre que for possível.
5. Prova e o descobrimento da verdade
Para o juiz formar o seu convencimento a respeito da veracidade ou falsidade da imputação apresentada pela acusação contra o réu, deverá obrigatoriamente se ater
ao contexto probatório produzido nos autos. E descobrir a verdade constitui atividade
jurisdicional de significativa importância, eis que converge para a devida e integral apuração
do fato. Justiça e verdade andam de mãos dadas. Uma não pode existir sem a outra.
Verdade, do latim veritate, tem o sentido de exatidão, realidade, conformidade com o real. A verdade, na sua definição mais comum, é a adequação ou conformidade entre o intelecto e a realidade. O intelecto é a inteligência, o entendimento, a razão, ou
conhecimento intelectual. A realidade é o ser. Na correspondência entre o intelecto e o ser
(realidade) firma-se a adequação de idéias constitutivas do objeto (adaequatio intellectus
et rei). São Tomás de Aquino, um dos maiores pensadores da Igreja, dizia que deve haver
conformidade das coisas com a inteligência, ou seja, as coisas devem ser inteligíveis para que
possam ser declaradas verdadeiras. Em resumo, a verdade exige só a adequação (adaequatio)
ao objeto formal considerado em cada caso.
Transportando esses ensinamentos filosóficos para o processo penal, intuise que é por meio das provas que se dá a reconstrução da realidade histórica narrada no
processo. Impõe-se que elas sejam claras, seguras, lícitas, éticas e aptas para o fim de transmitir ao julgador as informações necessárias e úteis à formulação de um raciocínio lógico,
conclusivo e convincente sobre a adequação do conjunto probatório à realidade dos fatos.
6. Ônus da prova
Ônus é uma faculdade cujo exercício é necessário para a obtenção de um interesse,
que pode ser destinado à obtenção de uma vantagem ou para se evitar um prejuízo. Desse modo, o ônus
da prova é a faculdade que se atribui às partes de produzirem as provas que darão consistência às
alegações, do que resulta a posição de vantagem ou a posição que impede a ocorrência de prejuízo.
No sistema do Código, o ônus da prova se estabelece em termos de que a
prova da alegação incumbirá a quem a fizer (art. 156, caput, primeira parte, com a redação dada
pela Lei 11.690, de 09.06.2008). Como se vê, foi mantida intacta a primeira parte da redação
do dispositivo legal.
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Assim sendo, cabe ao autor da ação penal (Ministério Público ou
querelante) o exercício da atividade probatória principal. Incumbe-lhe demonstrar a
existência dos fatos constitutivos afirmados na pretensão deduzida em juízo, ou seja,
deve provar a existência do ilícito penal e sua autoria, com todas as circunstâncias e
elementares do tipo. É indispensável que isto se faça, já que o ônus da prova recai, com
maior peso, sobre os ombros da acusação, em vista dos princípios da presunção da
inocência do acusado (art. 5º, LVII, da Constituição Federal) e do in dubio pro reo.
Dito de outro modo, a acusação deve apresentar as provas que dão sustentação às afirmações feitas na peça acusatória. Se não o fizer, assumirá as conseqüências
negativas do seu ato, isto é, o julgamento de improcedência da ação penal.
Olhando agora para a outra parte que figura no processo, lembre-se que
ainda vigora o entendimento sustentado por grande parte da doutrina e da jurisprudência, no
sentido de se atribuir ao réu o ônus de provar a existência do fato impeditivo, modificativo ou
extintivo da pretensão acusatória. Ou seja, se em favor do acusado for alegada uma das
excludentes de antijuridicidade, a este incumbe provar em sua defesa a ocorrência da dirimente (art. 23, do CP). O mesmo se diz quando milita em favor de determinado fato a
presunção legal de existência ou veracidade, isto é, sendo a presunção relativa, inverte-se o
ônus da prova (como no caso do art. 224, do CP, em exemplo mencionado no item 2).
Não obstante, se a alegação feita pelo acusado suscitar dúvida razoável
na convicção do magistrado a respeito do fato constitutivo narrado na denúncia, o juiz declarará a absolvição por falta de provas suficientes para a condenação.
Mais uma observação merece ser feita em relação ao tema ônus da prova. É a de que deve ser admitida a incidência do princípio da comunhão de provas ou da
aquisição da prova. Significa dizer, uma vez produzida a prova, o juiz poderá valorá-la, sem
levar em conta a parte que a produziu, ou seja, a prova produzida por uma parte poderá ser
valorada em favor da outra. Dessa forma, ainda que uma das partes não se desincumba
adequadamente de seu ônus subjetivo, o julgamento poderá até não lhe ser desfavorável se a
outra parte acabou produzindo uma prova desfavorável ao seu próprio interesse e favorável
àquela que se omitiu em prová-lo.
7. Poderes instrutórios do juiz
Analisaremos agora a segunda parte do dispositivo em comento. Considere-se que, em termos de produção de provas, a atividade não se esgota nos ônus que
recaem sobre as partes. Para além deste ponto, a reforma do Código de Processo Penal
pretende impulsionar, ainda mais, os poderes conferidos ao juiz.
Com efeito, faculta-se ao juiz, de ofício: I – ordenar, mesmo antes de
iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes,
observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II – determinar, no
curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir
dúvida sobre ponto relevante (art. 156, caput, segunda parte, I e II, com a nova redação
dada pela Lei 11.690, de 09.06.2008).
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Como se observa, no intuito de privilegiar o descobrimento da verdade,
o legislador faculta a intervenção do magistrado na produção de provas, mesmo antes
do oferecimento da peça acusatória, desde que verifique a necessidade de se antecipar
a demonstração de provas consideradas urgentes e relevantes.
Para tanto, o dispositivo exige a satisfação de alguns requisitos, tais
como a necessidade, a adequação e a proporcionalidade da medida, os quais, na realidade,
formam os elementos que integram o próprio princípio da proporcionalidade.
Certo é que a faculdade outorgada ao juiz pelo mencionado inciso I
do art. 156 revela uma inovação importante, que merece ser refletida cum granu salis,
notadamente pelo julgador, antes de utilizá-la, para não substituir ou encampar as funções da acusação e também para não arranhar a sua imparcialidade na presidência e
julgamento do processo.
Encontra-se aqui uma exceção ao sistema do processo de partes predominantemente implementado pela reforma legislativa, fato este que, além de não se coadunar
com o sistema acusatório vigente, vai seguir trajetória oposta àquela implementada pela adoção do novo método de inquirição de testemunhas pelas partes (ver item 15.5).
A questão delicada reside na possibilidade de o juiz ordenar, de ofício,
mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes. O termo “de ofício” nos parece impróprio e inadequado para esta fase,
visto que, na prática, a intervenção do juiz, durante as investigações, dependerá invariavelmente de representação da autoridade policial ou de provocação do Ministério Público.
Noutras palavras, num processo de partes não cabe ao juiz determinar, por sua livre iniciativa, atividade de natureza evidentemente inquisitorial, que na sistematização da persecução
penal são atribuídas à Polícia ou ao Ministério Público.
Quanto ao inciso II do citado artigo 156, repete-se o que já constava da
segunda parte da antiga redação do caput de tal dispositivo. Isto é, ficam mantidos os poderes instrutórios do juiz que, de ofício, independentemente de provocação das partes, movido
pela necessidade de descobrir a verdade, pode determinar, no curso da instrução, ou antes
de proferir a sentença, portanto, durante o andamento da ação penal, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.
8. Momentos probatórios
Relativamente ao direito à prova, que é garantido às partes em obediência
ao princípio constitucional do devido processo legal, aponta-se quatro momentos em que se
lhe dedica especial atenção, assim divididos no curso da ação penal: propositura; admissão;
produção e valoração.
O primeiro momento, de propositura da prova, corresponde ao direito
conferido às partes de requerer ao juiz a produção de provas sobre fatos pertinentes e relevantes para a confirmação de suas alegações. Para a acusação, o momento adequado de
formulação da proposição se dá com o oferecimento da denúncia ou queixa (art. 396, caput,
do CPP, com a redação dada pela L. 11.719, de 20.06.2008, em vigor desde 22.08.2008).
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Quanto ao acusado, em se tratando de ação penal que siga o procedimento ordinário ou o sumário, é na resposta escrita da defesa à acusação, a ser apresentada
no prazo de dez dias, que se poderá oferecer documentos e justificações, especificar as
provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário, conforme dispõe o art. 396-A, caput, do CPP, com a redação dada pela L.
11.719, de 20.06.2008. Aplica-se a mesma sistemática no caso de procedimento relativo
aos processos da competência do Tribunal do Júri, porém com observância do § 3º do art.
406, do CPP, com a nova redação dada pela L. 11.689, de 09.06.2008, que passou a
vigorar a partir de 09.08.2008.
Garante-se às partes o direito à admissão (segundo momento), isto é, ao
deferimento judicial do requerimento de proposição das provas que sejam lícitas, pertinentes
e relevantes. É certo que o juiz poderá indeferir a propositura de produção de prova obtida
por meios ilícitos, ou aquelas que não forem relevantes ao descobrimento da verdade (inúteis
para a solução do caso). A decisão sobre quais provas poderão ser produzidas em juízo
deverá ser emitida pela autoridade judiciária, quando se tratar de procedimento ordinário ou
o sumário, no ato em que designar a audiência de instrução (art. 399, caput, do CPP, com a
redação dada pela L. 11.719, de 20.06.2008). Em se tratando de procedimento relativo aos
processos da competência do Tribunal do Júri, igual providência deverá ser tomada pelo
julgador, porém, em conformidade com o art. 410, do CPP, com a nova redação dada pela
L. 11.689, de 09.06.2008.
Admitida a produção da prova, segue-se o direito à sua produção (terceiro momento). De acordo com o § 1º do art. 400, do CPP, com a redação dada pela L.
11.719, de 20.06.2008, “as provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz
indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias”. Lembre-se que primeiramente serão tomadas as declarações do ofendido, seguindo-se à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvada a necessidade de
expedição de carta precatória, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e
ao reconhecimento de pessoas e coisas. O último ato corresponderá ao interrogatório do
acusado (art. 400, caput, do CPP, com a redação dada pela L. 11.719, de 20.06.2008).
Segue-se a mesma seqüência de atos na audiência de instrução do processo do Júri, observando-se o disposto no art. 411, caput, e § 2º, do CPP, com a nova redação dada pela L.
11.689, de 09.06.2008.
Anote-se mais, que o Código admite que se colha a prova oral antecipadamente, isto é, antes da realização da audiência de instrução, quando qualquer testemunha
houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou velhice, inspirar receio de que ao tempo da
instrução criminal já não exista (art.225). Por outro lado, na audiência de instrução prevista
para ser realizada na primeira fase do procedimento dos crimes da competência do Júri,
independentemente da suspensão da audiência, a testemunha que comparecer será inquirida
(art. 411, § 8º, do CPP, com a nova redação dada pela Lei 11.689/2008).
Configura-se o quarto momento da prova no processo por ocasião do
ato em que se procede a sua valoração. Toda prova produzida deve ser valorada pelo juiz.
Isto significa que ao término da instrução, ou seja, após os debates orais em audiência,
passando-se à fase decisória do processo, o julgador, ao fundamentar a sentença, deve
manifestar-se sobre todas as provas produzidas, acolhendo aquelas que firmarão o seu convencimento em prejuízo das outras que serão desconsideradas. Ante à complexidade do
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caso ou do número de acusados, o juiz poderá autorizar a substituição dos debates por
apresentação de memoriais da acusação e da defesa, seguindo-se então o prazo de dez dias
para proferir a sentença (art. 403, caput, e § 3º, do CPP, com a redação dada pela L.
11.719, de 20.06.2008).
9. Princípio da identidade física do juiz
Insta destacar outra recente norma editada pelo legislador, que a um só
tempo fortalece o princípio do devido processo legal bem como prestigia o reconhecimento
de um processo penal pleno de garantias, na medida em que impõe ao juiz que presidir a
instrução o dever de proferir a sentença.
É a adoção do princípio da identidade física do juiz, que, em boa hora,
passa a vigorar no processo penal (§ 2º do art. 399, do CPP, com a redação dada pela L.
11.719, de 20.06.2008). E esta nova sistemática, a nosso ver, aplica-se extensivamente à
primeira fase do procedimento aplicável aos crimes da competência do Tribunal do Júri.
Aparentemente a norma não prevê exceções para a atenuação do princípio da identidade física do juiz, como prudentemente faz o Código de Processo Civil (art.
132), ao admitir a passagem dos autos ao sucessor nas hipóteses de convocação, licenciamento,
afastamento por qualquer motivo, promoção ou aposentadoria do julgador que presidiu a
audiência. Certamente a rigidez ou a possível atenuação da norma processual penal, nos
moldes de uma interpretação analógica com o processo civil, será objeto de debates no
âmbito da jurisprudência a ser firmada pelos tribunais.
10. Prova ilícita e prova ilícita por derivação
Em que pese a ampla liberdade que se dá na escolha do meio de prova a
ser utilizada no processo penal, o certo é que essa faculdade não corresponde a um “valetudo” desregrado. Dizendo de outro modo, em qualquer procedimento penal, a atividade do
descobrimento da verdade se submete às limitações previstas no ordenamento jurídico, eis
que não se pode tentar descobri-la a qualquer custo ou ao arrepio das normas constitucionais
e processuais que incorporam o devido processo legal.
De plano é preciso lembrar que a própria Lei Maior, ao disciplinar o
direito processual constitucional, estabelece que são inadmissíveis as provas obtidas por
meios ilícitos (art. 5º, LVI, da CF).
Desde a edição da Carta Republicana de 1988, carecia o Código de
Processo Penal de uma norma complementar explícita e obediente à tal vedação constitucional. Sucede que essa omissão acaba de ser suprida pela reforma legislativa que estamos
comentando, pois, de modo expresso, declara-se que são inadmissíveis, e ao mesmo tempo
determina-se o desentranhamento do processo, das provas ilícitas, assim entendidas aquelas
obtidas em violação às normas constitucionais ou legais (art. 157, caput, com a redação
dada pela Lei 11.690, de 9.6.2008).
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Como se vê, a expressão provas ilícitas é utilizada em seu sentido amplo,
pois tanto se refere às provas obtidas em desconformidade com princípios e garantias
constitucionais, quanto àquelas colhidas em desapreço às regras de procedimento que
compõem o devido processo legal, e também quando violam regras de direito material.
Dessa forma, são consideradas ilícitas as provas obtidas mediante ofensa
à dignidade da pessoa, visto que contrárias aos dogmas constitucionais que sustentam o
processo penal moderno. É impensável a aceitação de provas que se assemelhem às antigas
ordálias, ou aos “juízos de Deus”, bem como as provas imorais (exemplo: a reconstituição
de um estupro). Nessa mesma linha de raciocínio, a prova oral colhida em juízo sem a
presença do defensor, por óbvio fere os princípios da ampla defesa e do contraditório (art.
5º, LV, da CF), e, mais do que nulas, devem ser desentranhadas do processo.
De modo abrangente, agora, também se considera ilícita a prova que
viole norma processual (seria, então, a prova ilegítima), como no caso de depoimento testemunhal colhido com o objetivo de suprir as exigências da lei civil para efeito de comprovação
do estado das pessoas (parágrafo único do art. 155, do CPP); ou quando se aceite a confissão
em substituição ao laudo de exame de corpo de delito – direto ou indireto – no caso de
infração que deixe vestígios (art. 158, do CPP). Nestes casos, a obtenção é, em si, lícita,
porém, há evidente descumprimento das regras de procedimento penal.
Claramente ilícita é também a prova obtida mediante a prática de
infração penal, como no caso de tortura, crime punido com pena de reclusão, de 2 a 8
anos (art. 1º da L. 9.455, de 07.04.1997).
Nos exemplos acima mencionados descaracteriza-se a validade das
provas no processo penal, que neste plano recebem a “sanção” de inadmissibilidade em
juízo. Não podem ingressar no processo, e, quando ingressarem, dele deverão ser desentranhadas.
Nesse contexto insere-se, em complemento, a prova ilícita por derivação.
Originária da conhecida teoria norte-americana denominada fruits of the
poisonous tree (teoria dos frutos da árvore envenenada), a prova ilícita por derivação é uma
prova que, em si mesma, é lícita, mas que somente foi obtida por intermédio de informações
ou elementos decorrentes de uma prova ilicitamente obtida.
Pela adoção dessa teoria, elas devem ser desprezadas, pois se encontram “contaminadas” pelo vício de ilicitude do meio utilizado para obtê-las. Exemplo:
com um mandado judicial de busca domiciliar apreende-se 200 kg. de cocaína – prova
em si lícita -, mas a informação do local foi obtida pela Polícia mediante interceptação
telefônica não autorizada.
Acrescenta-se que a rigidez dessa teoria vinha sendo temperada
pelo STF (a contaminação não atinge a prova colhida durante o processo penal, se
a prova ilícita instruiu apenas o inquérito policial- 1ª T., HC 83921/RJ, Rel. Min.
Eros Grau, DJ 27.82004, p. 70).
Por outro lado, festejados doutrinadores brasileiros atentaram para as
limitações impostas à teoria da inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, ou dos
frutos da árvore envenenada, determinada pela própria Suprema Corte norte-americana e
pela doutrina internacional. Duas teses foram admitidas para excepcionar da vedação
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probatória as provas derivadas da ilícita: a primeira, denominada independent source (causa
independente), diz que excepcionam-se da vedação probatória as provas derivadas da ilícita,
quando a conexão entre umas e outra é tênue, de modo a não se colocarem a primária e as
secundárias como causa e efeito; e a segunda, denominada inevitable discovery (tese da
inevitabilidade do descobrimento) quando as provas derivadas da ilícita poderiam de qualquer modo ser descobertas por outra maneira. Disto se extrai que se a prova ilícita não foi
absolutamente determinante para o descobrimento das derivadas, ou se estas derivam de
fonte própria, não ficam contaminadas e podem ser produzias em juízo2.
Aproximando-se desse posicionamento doutrinário, o legislador
resolveu estabelecer que também são inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas,
salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as
derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras (§ 1º do art.
157, com a redação dada pela Lei 11.690, de 9.6.2008).
Assim, se a prova é derivada da ilícita, não produz efeitos válidos. Mas,
se não há o nexo de causalidade entre umas e outras, não há falar de contaminação da prova
derivada. Note-se: é a ausência completa da causalidade que obsta a contaminação.
Na tentativa de impedir o alongamento de discussões sobre o significado
da expressão “fonte independente”, o legislador a define como sendo aquela que por si só,
seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria
capaz de conduzir ao fato objeto da prova (§ 2º do art. 157, com a redação dada pela Lei
11.690, de 9.6.2008). Entretanto, a nosso ver, a norma vai incrementar o debate entre a
acusação e a defesa, e isto demandará a avaliação judicial, caso a caso, sobre as fontes
geradoras da prova derivada. Vale dizer, convencendo-se de que a prova derivada, por si só,
independentemente da prova originariamente ilícita, pudesse levar à obtenção daquele fato, o
juiz estará autorizado a declarar a inexistência da contaminação3.
Reitera-se: para o caso de uma prova ilícita indevidamente ingressar no
processo por apresentação de uma das partes, seu desentranhamento deverá ser determinado pelo juiz. E, preclusa a decisão de seu desentranhamento, será a mesma inutilizada por
decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente (§ 3º do art. 157, caput, com a
redação dada pela Lei 11.690, de 9.6.2008).
Com relação a este último dispositivo é preciso aludir ao recurso cabível
contra a decisão de desentranhamento. É sabido que o Código de Processo Penal ainda
padece de uma profunda reformulação no capítulo que trata dos recursos. Em determinados
casos, pairam, ainda, muitas dúvidas sobre o cabimento de recurso em sentido estrito (ante a
compreensão de ser taxativo o rol de decisões mencionadas no art. 581) ou de apelação.
Na tentativa de esclarecer essa dubiedade, Rômulo de Andrade Moreira4
vislumbra, no ato judicial determinante do desentranhamento da prova ilícita, a natureza
2
GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As
nulidades no processo penal, 10 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 163.
3
Nesse sentido, Marcos Zilli, op. cit.
4
Op. cit..
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jurídica de decisão interlocutória com força de definitiva, pois a preclusão é fato processual
próprio de decisão que não enfrenta o mérito da ação, e, por isso, aponta o recurso de
apelação (art. 593, II, do CPP). Pensamos, todavia, que a decisão de desentranhamento
ou de não-desentranhamento, pode trazer prejuízos imediatos às partes, somente reparáveis,
com urgência, mediante a impetração de habeas corpus, pela defesa, ou de mandado de
segurança, pela acusação, quando não for caso de correição parcial.
Por derradeiro, e sem embargo dessas novas regras, nunca se deve
olvidar que a proibição da prova ilícita, além de ser uma garantia individual contra o
Estado, não é regra absoluta. Assim, por aplicação do chamado princípio da
proporcionalidade, que na ponderação de interesses informa o interesse que deve
preponderar, registre-se o entendimento doutrinário predominante no sentido de admitir
prova dessa natureza favorável ao acusado (prova ilícita pro reo), ainda que colhida
com violação a direitos fundamentais de terceiros. Até mesmo quando produzida pelo
próprio interessado (como a gravação de conversação telefônica em caso de extorsão,
por exemplo), traduzirá hipótese de legítima defesa, que exclui a ilicitude.
11. Especificação dos meios de provas
Nesta breve exposição vamos abrir espaço para aduzir algumas anotações atinentes aos meios de provas especialmente regulados pelo Código. A reforma processual também apresenta algumas novidades neste campo, mas muitos dispositivos foram mantidos intactos. Em vista disto, para facilitar as informações que ora se dá ao leitor, nos subitens
abaixo, quando no texto houver referência a artigo do Código sem qualquer alusão à nova
redação dada por lei, significa que o seu teor foi mantido.
11.1 Perícia: realização por um único perito qualificado
Perícia é o exame realizado por pessoa (perito) que detenha habilitação
técnica, capacitação ou experiência sobre determinada área de conhecimento, a fim de prestar esclarecimentos técnicos ou científicos ao julgador sobre fato que requer a explicação
inteligível para auxiliá-lo no julgamento da ação. Logo, perito é um auxiliar da Justiça.
Salvo no caso de exame de corpo de delito, a realização da perícia só
tem cabimento se for útil e pertinente ao deslinde do processo criminal, pois o juiz ou
a autoridade policial negará a perícia requerida pelas partes, quando não for necessária
ao esclarecimento da verdade (art. 184, do CPP).
Na reforma legislativa destaca-se a simplificação na obtenção da prova
pericial, adotando-se a sistemática antecipada pela Lei Antidrogas (L. 11.343/2006), que
para o caso de elaboração do laudo de constatação de entorpecentes, exigia a participação
de um único perito. Agora, o exame de corpo de delito, bem como os exames periciais em
geral, realiza-se por um único perito oficial, portador de diploma de curso superior.
Abandona-se o sistema anterior que exigia a participação de dois peritos,
e, em vista disto, perde eficácia a orientação jurisprudencial contida na Súmula 361 do STF,
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a qual reza ser nulo o exame realizado por um só perito. Entendia-se, entretanto, que referida
nulidade é relativa, incumbindo à parte a demonstração de prejuízo decorrente da ausência de
outro perito. Todavia, ante o teor do art. 159, caput, com a redação dada pela L. 11.690, de
9.6.2008, sendo a norma de natureza processual, portanto aplicável desde logo a todos os processos em andamento (art. 2º, do CPP), não há mais motivo para se questionar a legalidade de laudo
pericial elaborado por um único perito oficial, portador de diploma de curso superior.
Convém lembrar que a nomeação de perito será feita a exclusivo
critério do juiz, sem interferência das partes. Seu labor destina-se primordialmente a
esclarecer, de forma técnico-opinativa, todas as eventuais dúvidas que recaiam sobre o
objeto da perícia de modo a responder quesitos formulados pelo juiz e pelas partes.
As impressões e o parecer técnico do perito, após minuciosa apreciação
dos elementos que compõem o objeto da perícia, deverão ser consignados no documento
denominado laudo pericial. Este laudo geralmente se constitui de quatro partes, divididas
nesta ordem: a) preâmbulo; b) descrição; c) conclusão; d) encerramento.
O valor probatório do laudo pericial não é absoluto. Diz o art. 182 do
CPP, que o juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em
parte. Reafirma-se, então, que o sistema se submete à supremacia do princípio de persuasão
racional ou do livre convencimento motivado do julgador (ver item 4). Portanto, a decisão do
juiz não se vincula obrigatoriamente ao parecer conclusivo do perito. O mesmo acontece no
Tribunal do Júri, com a diferença de que, em relação ao veredicto dos jurados, não é necessária a motivação da decisão.
Na falta de perito oficial, o exame será realizado por duas pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as
que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame (§1º do art. 159, com
a redação dada pela L. 11.690, de 9.6.2008). Nenhuma novidade se verifica neste dispositivo, cujos termos conferem com a antiga redação constante do Código.
Manteve-se a redação do § 2º do art. 159, do CPP, impondo-se aos
peritos não oficiais a obrigação de prestar o compromisso de bem e fielmente desempenhar
o encargo. Caso os peritos nomeados para o caso apresentem opiniões divergentes, serão
consignadas no auto do exame as declarações e respostas de um e de outro, ou cada um
redigirá separadamente o seu laudo, e a autoridade nomeará um terceiro perito. Se este
último divergir dos dois primeiros, poderá o juiz ou delegado de polícia mandar proceder a
novo exame, que será realizado por outros peritos (art. 180 do CPP).
Ditou-se regra transitória que evitará incontáveis alegações de nulidade.
Assegura-se, até a data de entrada em vigor da Lei, aos peritos que ingressaram nos quadros
públicos sem exigência do diploma de curso superior, o direito de continuar a atuar exclusivamente nas respectivas áreas para as quais se habilitaram, ressalvados os peritos médicos (art.
2º da L. 11.690, de 9.6.2008).
Novidade também se verifica na regra que amplia o número de sujeitos
processuais legitimados a formular quesitos, faculdade esta que se concede ao Ministério
Público, assistente de acusação, ofendido, querelante e ao acusado, os quais poderão indicar
assistente técnico. É o que se extrai do disposto no §3º do art. 159, com a redação dada pela
L. 11.690, de 9.6.2008, que dessa forma derroga o art. 176 do CPP (este atribui a formulação de quesitos à autoridade e às partes).
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A atuação do assistente técnico dar-se-á a partir de sua admissão pelo juiz
e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelo perito oficial, sendo as partes
intimadas desta decisão (§ 4º do art. 159, com a redação dada pela L. 11.690, de 9.6.2008).
Ainda quanto à perícia, inova-se com a implementação do sistema de
contraditório diferido, pois, durante o curso do processo judicial, poderão as partes: I –
requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos,
desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam
encaminhados com antecedência mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas
em laudo complementar; II – indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres
em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência (§ 5º, I e II, do art. 159, com
a redação dada pela L. 11.690, de 9.6.2008).
Consequentemente, se o juiz deferir os respectivos requerimentos, poderão ser inquiridos, em juízo, os peritos e os assistentes técnicos, bem como poderá ser apresentado o laudo complementar no qual serão respondidos os quesitos, e ainda poderão ser
entregues os pareceres dos assistentes técnicos.
Nesse sentido, quando houver requerimento das partes, o material
probatório que serviu de base à perícia permanecerá no ambiente do órgão oficial, que o
manterá sempre sob sua guarda, e, na presença de perito oficial, será disponibilizado para
exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação (§ 6º do art. 159, com a
redação dada pela L. 11.690, de 9.6.2008). Teve o legislador o cuidado de estabelecer a
forma mediante a qual os assistentes indicados pelas partes terão acesso ao material objeto
da perícia, a fim de que possam elaborar os seus pareceres técnicos5.
Na hipótese de se tratar de perícia complexa que abranja mais de uma
área de conhecimento especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um perito
oficial, e a parte poderá indicar mais de um assistente técnico (§ 7º do art. 159, com a
redação dada pela L. 11.690, de 9.6.2008). Em outras palavras, o juiz poderá nomear um
perito e as partes indicar um assistente técnico para cada especialidade exigida.
Sendo necessária a realização de perícia em outra comarca, deverá ser
expedida a carta precatória. Neste caso, a nomeação do perito far-se-á pelo juízo deprecado. Havendo, porém, no caso de ação privada, acordo entre as partes, essa nomeação
poderá ser feita pelo juiz deprecante. A carta precatória deverá conter os quesitos formulados pela autoridade deprecante e pelas partes (art. 177, caput, e parágrafo único, do CPP).
11.2 Exame de corpo de delito
Nem todas as infrações penais produzem vestígios materiais. Mas, quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou
indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado (art. 158, do CPP).
Corpo de delito é o conjunto dos vestígios que caracterizam a
existência do crime, ou seja, de elementos apreensíveis por meio dos sentidos, os quais
não se restringem aos vestígios relativos ao corpo físico da vítima do delito.
5
CAMPIOTTO, Rosane Cima, op. cit.
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Distingue-se o exame de corpo de delito direto do indireto. Direto é o
exame em que o perito examina os próprios vestígios materiais relativos à prática
delituosa investigada. Ele deve ser feito com a maior brevidade possível, a fim de
evitar-se que os vestígios desapareçam. Por isso é que a lei autoriza a sua realização em
qualquer dia e a qualquer hora (art. 161, do CPP).
Indireto é o corpo de delito que geralmente se constitui de depoimentos
de testemunhas sobre a materialidade do fato criminoso. Daí a ressalva feita pelo próprio
legislador quando afirma que não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem
desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta (art. 167, do CPP).
Excetuando-se o que compreende nesta ressalva, nos demais casos, a falta de exame de
corpo de delito nos crimes que deixam vestígios constituirá causa de nulidade absoluta, conforme art. 564, II, b, do CPP.
Ademais, a não apresentação do exame de corpo de delito quando o
crime deixa vestígio, pode se tornar empecilho insuperável para a própria instauração da
ação penal, como no caso do procedimento aplicável aos crimes contra a propriedade imaterial,
em que o legislador não autoriza o recebimento da queixa ou da denúncia senão quando
instruída com o laudo pericial (art. 525, do CPP).
Contudo, no caso de infração penal de menor potencial ofensivo, não há
este rigor de apresentação prévia do laudo pericial, pois no procedimento sumaríssimo é
dispensável o exame de corpo de delito para o oferecimento da peça acusatória quando a
materialidade do ilícito penal estiver aferida por boletim médico ou por prova equivalente
(art. 77, § 1º, da Lei 9.099/1995).
11.3 Exame necroscópio
Necropsia ou autópsia é o exame das partes internas de um cadáver,
elaborado a fim de estabelecer a causa mortis e outros elementos pertinentes ao fato.
Diz a lei que ela será feita pelo menos 6 horas depois do óbito, salvo se o
perito, pela evidência dos sinais de morte, julgar que possa ser feita antes daquele prazo, o
que declarará no auto. Esse exame cadavérico interno pode ser dispensado nos seguintes
casos: a) em se tratando de morte violenta, não houver infração penal a apurar; b) quando o
simples exame externo das lesões apresentadas pelo cadáver permitirem precisar a causa da
morte e não houver necessidade de exame interno para a verificação de circunstância relevante (art. 162, caput, e parágrafo único, do CPP).
Os cadáveres serão sempre fotografados na posição em que forem encontrados, bem como, na medida do possível, todas as lesões externas e vestígios deixados
no local do crime (art. 164, do CPP).
De seu turno, exumação é o exame que se realiza do cadáver já enterrado. Ele é feito quando não se realizou o exame de corpo de delito antes do enterro, ou
quando tendo sido realizado, o laudo apresente dúvidas ou suspeita de ser incorreto (art. 163
e parágrafo único do CPP).
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11.4 Exame de lesões corporais
Visa identificar a natureza e gravidade das lesões provocadas na vítima.
As lesões podem ser permanentes (ex. lesão corporal de natureza gravíssima, que implique
em perda ou inutilização de membro do ofendido, art. 129, § 2º, III, CP) ou deixar marcas
passageiras, que desaparecem com o tempo (ex.: lesão corporal de natureza leve, art. 129,
caput, CP). Dessa forma, para a efetiva constatação de lesões recomenda-se a realização
do exame pericial com brevidade.
Pode haver a realização de exame complementar de lesão corporal
nos seguintes casos: a) se o primeiro exame tiver sido incompleto; b) para caracterizar a
ocorrência de lesão corporal de natureza grave (129, § 1º, CP), quando os ferimentos
impõem à vítima incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias (art.
168, §§ 1º a 3º do CPP).
11.5 Exame de local do crime
De acordo com o art. 6º, I, do CPP, deverá a autoridade policial deslocar-se ao local da infração, providenciando para que não se altere o estado e conservação
das coisas até a chegada dos peritos. Essa diligência visa preservar os elementos no local do
delito que possam servir de prova para a apuração futura do fato. A perícia será destinada ao
levantamento do local, devendo o laudo ser instruído com fotografias, desenhos, esquemas
elucidativos (art. 169, caput, e parágrafo único, do CPP).
11.6 Perícia de laboratório
Em se tratando de exames laboratoriais, deve-se conservar parte do material analisado para eventual perícia complementar ou para realização de contraprova. Sempre que conveniente, os laudos serão ilustrados com provas fotográficas ou microfotográficas,
desenhos ou esquemas (art. 170, do CPP).
11.7 Avaliação de coisas
Nos crimes cometidos com destruição ou rompimento de obstáculo à
subtração da coisa, ou por meio de escalada, além de descrever os vestígios, o perito deverá
indicar com que instrumentos, por que meios e em que época se presume ter sido o fato
praticado (art. 171, CPP).
Quando necessário, proceder-se-á a avaliação de coisas destruídas, deterioradas ou que constituam produto do crime. (ex.: furto qualificado, art. 155, § 4º, I, CP).
Sendo impossível a avaliação direta, será admitida a avaliação elaborada por meio dos
elementos existentes nos autos e dos que resultarem de diligências (art. 172, e parágrafo único, CPP).
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No caso de incêndio a perícia se torna ainda mais complexa, pois
deve ser verificada a causa e o lugar em que houver começado, o perigo que dele tiver
resultado para a vida ou para o patrimônio alheio, a extensão do dano e o seu valor e as
demais circunstâncias que interessarem à elucidação do fato (art. 173, CPP).
11.8 Exame grafotécnico
O exame grafotécnico também é conhecido por exame caligráfico ou
grafológico. No CPP ele é conhecido por “exame de reconhecimento de escritos por comparação de letra”. Tem por finalidade a identificação do escritor ou subscritor de determinado documento por método comparativo entre um escrito e outros escritos de autoria comprovada. O procedimento para a realização desse exame pericial vem traçado nos incisos I
a IV do art. 174, do CPP.
11.9 Instrumentos do crime
Também devem ser examinados os instrumentos empregados para a
prática da infração penal, a fim de se lhes verificar a natureza (qualidades e características) e a eficiência (aptidão para produzir o resultado, bem como o estado em que se
encontrava) – art. 175, do CPP.
12. Interrogatório do acusado
Incluiu-se o interrogatório no capítulo do Código que trata das provas em
espécie, mas sua natureza jurídica é discutida por muitos autores. Para parte da doutrina, o
interrogatório é meio de prova, eis que fornece ao juiz elementos de convicção. Já outra
corrente sustenta que o interrogatório constitui meio de defesa, pois nele o acusado expõe a
sua versão dos fatos, repudiando a acusação. Conciliando as duas anteriores, sustenta a
terceira corrente de doutrinadores (à qual nos filiamos) que a natureza jurídica do interrogatório é mista, ou seja, meio de defesa e também meio de prova. Além de expor as suas
alegações, exercendo a sua defesa, suas afirmações e negativas também podem fornecer
elementos que influirão no convencimento do julgador que busca descobrir a verdade.
Interrogatório é o ato processual conduzido pelo juiz no qual o acusado é
indagado sobre os fatos que lhe são imputados na peça acusatória. Deve ser realizado na
presença do seu defensor, constituído ou nomeado, com o qual tem o direito de entrevistarse de forma reservada antes de iniciar-se o ato (art. 185, caput, e § 2º, CPP). Havendo mais
de um acusado, serão interrogados separadamente (art. 191, CPP), porém na presença de
todos os defensores constituídos.
Faculta-se ao acusado, o direito constitucionalmente garantido de permanecer calado, em juízo ou fora dele (art. 5º, LXIII, da CF). Ao réu se defere a oportunidade
para exercer a autodefesa, porém, a ele também se oferece a opção de nada responder ao
que lhe for perguntado, sendo que o seu silêncio não importará em confissão e nem poderá
ser interpretado em prejuízo de sua defesa (art. 186, parágrafo único, do CPP).
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Duas partes compõem o interrogatório: a primeira versará sobre a
pessoa do acusado (aspectos e condições pessoais e sociais de sua existência); a segunda
sobre os fatos narrados na denúncia (mérito da ação penal).
Trata-se de ato oral, personalíssimo e público. É da essência do interrogatório judicial a sua oralidade, salvo quando o acusado estiver impossibilitado de
falar, hipótese em que responderá por escrito às indagações que lhe forem feitas.
A presença física do réu é indispensável (ato personalíssimo), não pode
ser substituída por interrogatório mediante procuração, somente admitindo-se a intervenção
de terceiro no ato na condição de intérprete, conforme casos previstos no parágrafo único do
art. 192, e art. 193, do CPP.
Salvo caso de decretação de segredo de justiça, o ato deve ser conduzido à vista de todos. Quando o acusado estiver preso, a regra ditada pelo legislador é a de
que o ato seja feito no estabelecimento prisional em que se encontrar, em sala própria, desde
que estejam garantidas a segurança do juiz e auxiliares, a presença do defensor e a publicidade do ato. Inexistindo a segurança, realiza-se o ato em juízo (art. 185, § 1º, do CPP).
Discute-se a validade do interrogatório realizado pelo sistema de
videoconferência. Nosso entendimento é favorável à utilização dessa moderna tecnologia na
realização do ato processual. Não de forma geral e indiscriminada, pois a regra que deve
prevalecer é a de que o interrogatório se realize pela via presencial, com o comparecimento
do juiz ao presídio. Porém, em casos excepcionais, como nos processos de grande complexidade, que envolvam razoável número de co-réus presos em comarcas ou Estados distantes, bem como quando ao próprio acusado não interessar o seu deslocamento a juízo, e ele
dessa forma se manifestar, não vemos obstáculo ao devido processo legal para a realização
do interrogatório por videoconferência. Na verdade, esta questão demanda uma análise mais
aprofundada, que extrapola o espaço concedido para este artigo, motivo pelo qual, por ora,
apenas se registra que ela faz parte dos atuais debates políticos, doutrinários e também
das decisões de tribunais, com posicionamentos favoráveis e contrários à adoção do
sistema.6
Submete-se a realização do ato ao crivo do contraditório. Após proceder ao
interrogatório, o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as
perguntas correspondentes se as considerar pertinentes e relevantes (art. 188, do CPP).
6
A utilização do sistema de videoconferência em audiência criminal, no Estado de São Paulo, se submete ao
rigoroso comando e controle do juiz do processo em relação à comunicação, direcionamento do vídeo, áudio,
TV e demais equipamentos que integram o sistema. Assegura-se o direito à ampla defesa, o contato reservado
do acusado com o seu defensor por linha telefônica e a visualização do réu de tudo o que se passa na
audiência. O detalhamento de todas as cautelas que cercam o uso de videoconferência está explicitado pela
Corregedoria Geral da Justiça no Anexo I do Provimento COGE 74/2007 (DOE Just., 15.01.2007, Caderno 1,
Parte I, p. 216). Esta regulamentação do Judiciário se deve à existência da Lei do Estado de São Paulo n. 11.819/
2005, que autorizou a criação de salas de videoconferência no Judiciário Paulista e em presídios. De forma mais
abrangente tratamos deste e de outros assuntos correlatos no trabalho de nossa autoria, intitulado “Processo
penal impulsionado pela tecnologia”, objeto de tese apresentada em 2008, no concurso de Livre-Docência da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
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Havendo fundados motivos, o juiz, de ofício, ou deferindo
requerimento das partes, poderá a todo tempo proceder a novo interrogatório (196, do
CPP). Quando presente ao processo, a realização do ato é obrigatória, sob pena de ser
declarada a nulidade absoluta, conforme dispõe o art. 564, III, e, do CPP.
13. Confissão
Conceitua-se a confissão como sendo o ato de reconhecimento, feito pelo
indiciado ou pelo acusado, da imputação que lhe é feita. Sua validade se submete ao preenchimento de alguns requisitos: a) deve ser espontânea ou voluntária; b) expressa; c) pessoal.
Antigamente, sobretudo ao tempo em que vigorou o sistema da prova
legal, a confissão era reconhecida como rainha das provas (regina probationum). Valia
como prova plena da imputação e mais nada precisava ser provado. Hoje, o valor da confissão deve ser aferido pelos critérios adotados para os outros elementos de prova. Na sua
apreciação o juiz deve confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre
ela e estas existe compatibilidade ou concordância (art. 197, CPP).
Quanto à forma, a confissão deve ser expressa ou explícita, oral ou escrita. O nosso sistema processual não admite a confissão tácita, implícita ou ficta baseada em
presunção legal. Pode ser: judicial, geralmente feita durante o interrogatório (art. 190, do
CPP); ou extrajudicial (escritura de declaração lavrada em tabelionato), sendo que neste
último caso deve ser tomada por termo nos autos (art. 199, do CPP).
Quanto aos efeitos, pode ser simples ou qualificada. Simples, quando o
confitente apenas admite a imputação que lhe é feita. Qualificada, quando embora reconheça a
acusação, o confitente apresenta circunstâncias que excluem ou atenuem sua responsabilidade.
14. Maior atenção ao ofendido
Ofendido é o sujeito passivo da infração penal, ou seja, a vítima. Tradicionalmente sempre se reservou papel secundário à vítima. O Código, desde o princípio de sua
vigência (1942), a relegou ao esquecimento. A importância de sua participação no processo
penal somente foi resgatada na década passada, quando, no procedimento sumaríssimo aplicável às infrações penais de menor potencial ofensivo, se incluiu a possibilidade de reparação
de danos civis em sede de transação penal, regrada pela Lei 9.099/1995. Todavia, é na
recente reforma do CPP que se nota a preocupação do legislador em minimizar os efeitos
danosos da chamada vitimização contínua, implacavelmente imposta às vítimas em geral.
Inicialmente devemos afirmar que foi mantido o antigo texto do art.
201, caput, do CPP, segundo o qual, sempre que possível, o ofendido será intimado,
qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser
o seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações.
Note-se que a sua oitiva não é obrigatória, tanto que a sua falta não
constitui causa de nulidade. Todavia, se requerida e deferida a sua oitiva, o
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comparecimento se torna obrigatório, a ponto de, se deixar de comparecer sem motivo
justo, ter a sua condução coercitiva determinada pela autoridade policial ou judicial (art.
201, § 1º, do CPP – redação mantida em conformidade com o extinto parágrafo único).
Sabe-se que a vítima não presta depoimento sob o compromisso de
dizer a verdade, como se impõe à testemunha. Isto se deve ao entendimento geral de
que a vítima, como pessoa prejudicada imediata do ilícito penal, tem o suposto interesse
na condenação do réu. Mas, especialmente nos crimes de roubo e naqueles praticados
contra a liberdade sexual, a jurisprudência de nossos tribunais tem atribuído elevado
grau de valoração às declarações prestadas por vítimas, colocando-as no patamar
reservado à categoria de provas seguras e eficazes.
A seguir relaciona-se as novidades recém introduzidas, principiando
pela modificação incluída na designação dada o Capítulo V, que passa a ser destacado
sob a rubrica “Do Ofendido” em substituição à anterior “Das Perguntas ao Ofendido”,
tudo conforme inserido no Título VII “Da Prova”, do Livro I “Do Processo em Geral”,
do Código de Processo Penal.
Passa o ofendido a ter o direito de ser cientificado dos atos processuais
relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e
à sentença, bem como de respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem. Tais comunicações deverão ser feitas no endereço por ele indicado, admitindo-se, por opção do
ofendido, o uso de meio eletrônico (art. 201, §§ 2º e 3º, do CPP, com a nova redação dada
pela Lei 11.690, de 9.06.2008).
Mutatis mutandis, vislumbramos aqui a exigência de prestação de contas
que a Justiça Penal, em atenção ao princípio da transparência que incide sobre os poderes constituídos da República, passa a fazer aos jurisdicionados, em especial às vítimas. Observa-se,
assim, que os principais atos do processo serão comunicados ao ofendido, preferencialmente, a
nosso ver, e sempre que for possível, mediante a utilização da moderna tecnologia (Internet). De
sorte que, além de tornar a atuação do Judiciário mais transparente e mais próxima de seus
jurisdicionados, esse conjunto de medidas serve para dar ao ofendido a mínima atenção a respeito
do resultado do processo criminal em que figurou como vítima.
Mais a mais, pretende o legislador que o Judiciário aperfeiçoe o atendimento pessoal a ser dado ao ofendido, evitando que ele sofra o costumeiro constrangimento
de permanecer aguardando a realização de audiência na mesma sala em que se encontra o
acusado. Determina a nova lei que, antes do início da audiência e durante a sua realização,
seja reservado espaço separado para o ofendido. E, se o juiz entender necessário, poderá
encaminhar o ofendido para atendimento multidisciplinar, especialmente nas áreas psicossocial,
de assistência jurídica e de saúde, a expensas do ofensor ou do Estado (art. 201, §§ 4º e 5º,
do CPP, com a nova redação dada pela Lei 11.690, de 9.06.2008).
A primeira obrigação imposta – reservar espaço separado para o ofendido –, pensando em termos de integração nacional do Judiciário brasileiro, não nos parece
impossível de ser imediatamente executada. Bastará promover as alterações necessárias na
própria infra-estrutura das Varas Criminais e dos Tribunais espalhados pelo País. E ao Ministério Público cabe a fiscalização do cumprimento desta exigência legal.
Já, a segunda, aprova-se a intenção plenamente válida do legislador.
Porém, devemos ser realistas e não tão otimistas em relação à sua pronta e rápida
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execução, pois todos nós sabemos que são enormes as deficiências e carências que existem
nas áreas de atendimento assistencial e de saúde oferecidas ao povo brasileiro pelo poder
público. Por outro lado, na expressiva maioria das ações penais, o réu não tem recursos
financeiros para assumir tais despesas. E mesmo em relação ao acusado abastado, a lei
não esclarece como se lhe cobrará o custeio do tratamento psicossocial da vítima.
Finalmente, o juiz tomará as providências necessárias à preservação
da intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar
o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes
dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação (art. 201,
§ 6º, do CPP, com a nova redação dada pela Lei 11.690, de 9.06.2008).
Cuida-se de medida que visa proteger a vítima da rotineira exploração
sensacionalista feita por determinados órgãos da mídia. Parece-nos de aplicação absolutamente adequada em processos nos quais figurem vítimas de crimes contra a liberdade sexual
(estupro, atentado violento ao pudor e outros) ou naqueles em que sejam vítimas crianças e
adolescentes.
Além disso, a medida pode amenizar o temor da vítima que eventualmente se sinta ameaçada de prestar declarações verdadeiras, e serve bem ao propósito de dissuadi-la de eventual recusa em colaborar com a investigação ou com a instrução criminal. De
certo modo, renova-se aqui a preocupação explicitada pelo legislador na Lei 9.807/1999,
que disciplina os meios de proteção às vítimas e testemunhas submetidas à coação ou grave
ameaça em razão da colaboração em investigação ou processo criminal.
15. Prova testemunhal
Conquanto seja uma das provas mais inseguras do processo penal, haja
vista as inumeráveis reações pessoais do depoente que podem influir no depoimento (memória, temor, compaixão, ódio etc.), o certo é que a prova testemunhal se faz presente nas
ações penais em geral.
O termo testemunha vem de testibus, do latim testemonium, que na linguagem jurídica tem o sentido de “pessoa que atesta a veracidade de um fato”. A testemunha
não é parte do processo e deste participa na condição de sujeito secundário.
15.1 Número de testemunhas
A quantidade de testemunhas tem seu número máximo fixado de
acordo com o procedimento.
Quando se tratar de ação penal submetida ao procedimento comum
ordinário, cada qual das partes poderá arrolar até (8) oito testemunhas. Nesse número
não se compreendem as que não prestem compromisso e as referidas (art. 401, § 1º, do
CPP, com a redação dada pela Lei 11.719, de 20.06.2008).
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Mesma quantidade de testemunhas é válida para o procedimento
relativo aos processos da competência do Tribunal do Júri, na sua primeira fase (judicium
accusationis), em que se dá a instrução preliminar. Já, para serem ouvidas em plenário,
ou seja, para a segunda deste procedimento (judicium causae), cada qual das partes
poderá arrolar até 5 (cinco) testemunhas (art. 406, §§ 2º e 3º; e art. 422 do CPP, com a
nova redação dada pela L.11.689, de 9.6.2008).
Em se tratando de procedimento comum sumário, as partes poderão arrolar até 5 (cinco) testemunhas (art. 532, do CPP, com a nova redação dada pela Lei 11.719,
de 20.06.2008). O mesmo número aplica-se para o procedimento da Lei Antidrogas (L.
11.343/2006, art. 54,III e 55, § 1º).
15.2 Quem pode ser testemunha
Toda pessoa pode ser testemunha. Sendo intimada, a pessoa não pode
eximir-se do dever de depor. Mas, se for possível obter ou integrar a prova do fato e de suas
circunstâncias por outros meios, faculta-se a tomada de depoimento ou não a algumas pessoas (ver arts. 202 e 206, CPP). Quando inquiridas, estas pessoas serão ouvidas na condição de informantes.
Por outro lado, a própria lei veda o depoimento de pessoas que, em
razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se desobrigadas
pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho (art. 207, CPP).
15.3 Compromisso de dizer a verdade
Antecedendo a tomada de depoimento, a testemunha fará a promessa,
sob palavra de honra, de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado (art. 203,
CPP). No entanto, serão dispensados de prestar compromisso os doentes e deficientes mentais,
os menores de 14 anos, bem como o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o
cônjuge ou ex-cônjuge, do acusado (arts. 208 e 203, do CPP).
15.4 Contradita e acareação
Contraditar é impugnar a condição de testemunha válida arrolada pela
parte contrária, conforme previsto no art. 214, do CPP. Quando isso ocorre o juiz deve
consignar a argüição de contradita e a resposta da testemunha ao que contra ela tiver sido
levantado. Em regra, não se exclui a testemunha e nem se deixa de deferir-lhe compromisso,
salvo se ocorrer uma das hipóteses previstas nos arts. 207 ou 208 do CPP.
Acareação é o ato mediante o qual se dá a confrontação, isto é, se colocam frente a frente (cara a cara) duas ou mais pessoas cujas declarações sobre fatos ou
circunstâncias relevantes sejam conflitantes, a fim de que expliquem os pontos de divergência
(ver arts. 229 e 230, do CPP).
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15.5 Exame direto da prova testemunhal: inquirição pelas partes
Abandonando o sistema presidencial (ou judicial), mediante o qual somente a autoridade pode se dirigir à testemunha, ficando às partes atribuído o direito de tãosomente requerer suas perguntas ao julgador, o legislador, também neste passo, promove
relevante modificação ao implementar o sistema de exame direto.
Experiência maior nesse sentido se colhe no direito anglo-saxão, em especial no direito norte-americano, com a utilização da direct-examination (inquirição pela
parte que arrolou a testemunha) e da cross-examination (inquirição pela parte contrária).
Pela nova regra, as perguntas serão formuladas pelas partes diretamente
à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem introduzir a resposta, não tiverem
relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. Vale dizer, a iniciativa da inquirição cabe agora às partes e o juiz poderá, logo após, a seu critério, complementar a inquirição sobre pontos não esclarecidos (art. 212, caput, e parágrafo único, do CPP,
com a nova redação dada pela L. 11.690, de 09.06.2008).
Como se vê, a modificação legislativa torna o processo penal mais
democrático e impõe às partes a responsabilidade pela efetiva produção de prova em
juízo (processo de partes).
O contraditório sai fortalecido na medida em que se passa a reclamar
intensa participação e fiscalização do acusador e do defensor. A presença física de todos
durante a audiência é absolutamente indispensável. Mais do que isto, o acolhimento das
alegações formuladas de parte a parte ao juízo criminal fica nitidamente subordinado ao
efetivo desempenho profissional da acusação e da defesa, seja no momento da produção de provas, seja nos debates orais em audiência de instrução. E tudo isto sem inquinar
a autoridade do juiz garantidor da legalidade, sobretudo quando este tiver de intervir
para excluir indagações que possam induzir à resposta do depoente, ou que forem
irrelevantes para o descobrimento da verdade e solução da causa, ou ainda quando
importarem na repetição de outras já respondidas.
15.6 Características gerais do depoimento
Para ser considerada prova testemunhal é mister que o depoimento seja
prestado perante o juiz do processo, sem qualquer mediação (diz respeito à judicialidade
do depoimento). Se a testemunha não conhecer a língua nacional, será nomeado
intérprete para traduzir as perguntas e respostas (art. 223, do CPP).
A testemunha tem o dever de comparecer a juízo para prestar depoimento, sob pena de ser conduzida coercitivamente e de ser processada pelo
crime de desobediência (arts. 218 e 219, do CPP). Esta regra geral comporta algumas
exceções, a saber: a) pessoas impossibilitadas de comparecer por enfermidade ou
por velhice, podem ser inquiridas onde estiverem (art. 220, do CPP); b) o Presidente
da República, os Governadores de Estados, membros do Legislativo e do Judiciário
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e outras autoridades relacionadas no art. 221, §§ 1º a 3º, podem prestar depoimentos
em local, dia e hora previamente ajustados entre eles e o juiz.
É da essência do depoimento a sua oralidade, mas não será vedada à
testemunha breve consulta a apontamentos (art. 204 e parágrafo único, do CPP). Em casos
excepcionais poderá o depoimento ser prestado por escrito. Admite-se este procedimento
quando as testemunhas forem o Presidente e o Vice-Presidente da República, bem como os
presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal
(art. 221, § 1º, do CPP); e ainda será prestado nas mesmas condições o depoimento de
surdo-mudo e de mudo (art. 192, II e III, do CPP).
Convém, ainda, lembrar que a testemunha deve limitar-se a narrar os fatos de forma objetiva, não sendo permitida a manifestação de suas apreciações pessoais,
salvo quando inseparáveis da narrativa do fato (art. 213, do CPP). E interessa que o depoimento se refira aos fatos pretéritos, sem alusões ao que pode acontecer no futuro.
Determina o legislador que as testemunhas sejam inquiridas cada uma de
per si, de modo que umas não saibam nem ouçam os depoimentos das outras, devendo o juiz
adverti-las das penas cominadas ao falso testemunho. Vai além, ao estabelecer, que antes do
início da audiência e durante a sua realização, serão reservados espaços separados para a
garantia da incomunicabilidade das testemunhas (art. 210 e parágrafo único, com a nova
redação dada pela L.11.690, de 9.6.2008). Reitera-se que se espera pronta ação do Judiciário no sentido de promover as alterações necessárias na própria infra-estrutura das Varas
Criminais e dos Tribunais espalhados pelo País.
15.7 Depoimento colhido por carta precatória
A oitiva de testemunha que resida fora da jurisdição do juízo será colhida
por carta precatória, nos termos do art. 222, §§ 1º e 2º, do CPP.
Na doutrina se indaga a questão relativa à obrigatoriedade, ou não, da
intimação das partes, acerca da data e horário em que se deve dar o comparecimento perante o juízo deprecado. De acordo com a orientação jurisprudencial prevista na Súmula 273,
do STJ, “intimada a defesa da expedição da carta precatória, torna-se desnecessária intimação
da data da audiência no juízo deprecado”. Por outro lado, a Súmula 155 do STF, afirma ser
relativa a nulidade do processo criminal por falta de intimação da expedição de precatória
para inquirição de testemunha.
15.8 Videoconferência e retirada do réu da sala de audiência
Em regra, o réu deve presenciar o depoimento da testemunha e do
ofendido. Trata-se de respeitar o direito de confrontação, que se confere ao acusado na
produção da prova oral (teoria do right of confrontation).
Todavia, não se trata de regra absoluta, tanto que o legislador assim a
excepciona: se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou
sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do
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depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa
forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do
seu defensor. Adotando qualquer destas medidas, o juiz a fará constar do termo de
audiência, assim como os motivos que a determinaram (art. 217, caput, e parágrafo
único, do CPP, com a nova redação dada pela L. 11.690, de 09.06.2008).
Dois pontos podem ser destacados a respeito dessa nova sistemática.
O primeiro refere-se ao desaparecimento da exigência contida na antiga
redação do dispositivo, que impunha ao juiz verificar se a atitude do réu poderia influenciar
no ânimo da testemunha, a ponto de prejudicar a verdade do depoimento, hipótese em que
determinaria a retirada do réu da sala de audiência. Com a nova redação, simples atitude
inercial do réu não justifica a sua retirada da sala de audiência. Para tanto é preciso que se
coloque em risco o descobrimento da verdade mediante a possibilidade de o acusado causar
humilhação (vexame, afronta, ultraje), temor (medo) ou sério constrangimento (coação). Deverá
ao juiz fundamentar sua decisão numa dessas hipóteses, com expressa referência aos motivos que a determinaram, sob pena de nulidade do ato.
Outro ponto a destacar consiste na autorização legal de utilização do sistema de videoconferência. É a inevitável penetração da tecnologia de informação, que aos
poucos vai ingressando no procedimento penal, permitindo que determinados atos sejam
praticados sem prejudicar as regras de garantia do devido processo legal.
Mesmo em se tratando, a nosso ver, de regra de procedimento e considerando que a lei federal se aplica a todo País, é necessário que uma nova legislação venha
estabelecer as exigências mínimas de operacionalização do sistema de videoconferência para
o processo judicial. Em São Paulo, em algumas Varas Criminais da Justiça Estadual, já foram
realizadas audiências desse gênero, visando superar as dificuldades que se apresentam em
crimes graves e de apuração complexa, como no caso em que os ilícitos são praticados por
organizações criminosas cujos autores estão recolhidos em presídios localizados em diversas
localidades do Estado ou em outras unidades da Federação.7
16. Reconhecimento de pessoas ou coisas
Reconhecimento é o ato mediante o qual uma pessoa verifica e identifica
outra pessoa ou coisa que lhe é apresentada. Para que o reconhecimento seja válido, devese observar o procedimento estabelecido nos artigos 226 a 228, do CPP.
Quando não é possível realizar o reconhecimento pessoal, admite-se
o reconhecimento fotográfico. Departamentos tecnologicamente mais avançados da Polícia
7
Reitera-se aqui o que foi mencionado em nota de rodapé anexada ao item 12. Concordamos com a
utilização do sistema de videoconferência e de forma mais abrangente tratamos deste e de outros
assuntos correlatos no trabalho de nossa autoria, intitulado “Processo penal impulsionado pela
tecnologia”, objeto de tese apresentada em 2008, no concurso de Livre-Docência da Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo.
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vêm realizando o reconhecimento virtual, baseado em bancos de dados constantes
de arquivos de computador.
É comum questionar-se o valor probatório do reconhecimento fotográfico ou virtual. Porém, cabe ao julgador fundamentar a decisão valendo-se da
somatória de outros elementos de prova.
17. Prova documental
Além das espécies de prova documental mencionadas na definição legal,
que considera documentos quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particulares (art. 232, do CPP), a doutrina majoritária, prefere conceituar o documento de modo mais
abrangente, considerando-o todo objeto material que condense em si a manifestação de
pensamento ou um fato, a ser reproduzido em juízo.
Adequando-se às novas tecnologias colocadas à disposição da sociedade e da Justiça, é recomendável adotar-se conceito mais amplo, que abrange todo tipo de
material visual, auditivo ou audiovisual, bem como as informações registradas em meios mecânicos, ópticos e magnéticos de armazenamento.
Relativamente à classificação dos documentos, sua síntese se traduz da
seguinte forma: a) quanto ao conteúdo, em escritos ou gráficos; b) quanto ao autor, em
públicos ou privados; c) quanto ao grau de referência ao fato probando, em diretos ou indiretos; d) quanto à originalidade, em originais ou cópias. Outras especificações sobre a prova
documental podem ser analisadas com base no que dispõem os arts. 232 a 238, do CPP.
Quanto aos momentos de apresentação, salvo os casos expressos em
lei, o documento poderá ser apresentado em qualquer fase do processo (regra geral do
art. 231, do CPP).
Todavia, no julgamento em plenário do Júri, não será permitida a leitura de documento ou exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a
antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte. Compreende-se nesta proibição a leitura de jornais ou qualquer outro documento escrito, assim
como a exibição de vídeos, gravações, fotografias, laudos, quadros, croqui ou qualquer
outro meio assemelhado, cujo conteúdo versar sobre a matéria de fato submetida à
apreciação e julgamento dos jurados (art. 479 e parágrafo único, do CPP, com a nova
redação dada pela Lei 11.689, de 09.06.2008).
18. Busca e apreensão
A busca e apreensão não é propriamente um meio de prova, mas uma
medida cautelar que visa à obtenção de elementos probatórios. A expressão encerra dois
significados distintos: busca é ato destinado a procurar e encontrar pessoa ou coisa; apreensão é o ato pelo qual há apossamento e guarda da coisa ou de pessoa. Vem disciplinada no
Código, em seus artigos 240 a 250.
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Pode ser determinada pelo juiz (art. 5º, XI, CF), de ofício, ou mediante
representação da autoridade policial, ou ainda, a requerimento de qualquer das partes
(art. 242, do CPP), nos seguintes momentos: a) antes da instauração do inquérito policial;
b) no curso do inquérito; c) durante a instrução criminal; d) na fase de execução penal.
Existem duas modalidades de busca: domiciliar e pessoal.
Para efeito de cumprimento da ordem de busca domiciliar, entende-se
que o termo domicílio abrange qualquer compartimento habitado ou aposento ocupado de
habitação coletiva, incluindo também todo compartimento não aberto ao público onde alguém exercer profissão ou atividade (art. 246, c.c. o art. 150, § 4º, do CP). Entende-se que,
em caso de prisão em flagrante efetuada no período noturno, se possa também efetuar a
busca e apreensão de coisas.
Busca pessoal. Consiste na revista de pessoa, a fim de que se localize
e apreenda objeto previsto na lei processual penal. Pode ser determinada também pela
autoridade policial.
19. Indícios
Indício, do latim indicium (rastro, sinal, vestígio), é o fato ou a série de
fatos pelos quais se pode chegar ao conhecimento de outros. Sua definição legal encontra-se
no art. 239, do CPP. Geralmente se utiliza o termo no plural (indícios), precisamente por que
se manifestam na pluralidade de vestígios ou rastros que integram as circunstâncias indiciárias.
A ação penal reclama a demonstração da existência de indícios graves,
precisos e concordantes. A gravidade se refere à verossimilhança deles, em virtude de que
se possa induzir a existência do outro fato. Precisos, por que o vago, ou indeterminado,
indefinido ou tudo aquilo que se considere impreciso não pode ter força de indício. Concordante, pois se não se estabelecer uma relação de interdependência entre os indícios e o fato
a provar, não se pode tirar dele qualquer indução de que se somam.
Os indícios compõem o quadro de prova indireta ou circunstancial. O
valor probatório da prova indiciária, mais que qualquer outra, resultará da análise conjunta
dos elementos de prova existentes. E, por configurarem meio de prova, o entendimento
majoritário da doutrina é o de que os indícios podem servir de fundamento para decisão
judicial condenatória ou absolutória.
20. Provas e sentença absolutória
Esta sucinta exposição desenvolvida a respeito da teoria da prova
não pode ser concluída antes de mencionarmos as modificações parciais que foram
introduzidas na disciplina da sentença absolutória.
De acordo com o art. 386, caput, do CPP, o juiz absolverá o réu,
mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça uma das seguintes
situações explicitadas em seus incisos: I – estar provada a inexistência do fato; II – não
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haver prova da existência do fato; III – não constituir o fato infração penal; IV – estar
provado que o réu não concorreu para a infração penal (incluído pela Lei 11.689, de
09.06.2008); V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal (este
texto constava anteriormente do inc. IV, sendo transferido para o inc. V pela Lei 11.689,
de 09.06.2008); VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de
pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se
houver fundada dúvida sobre sua existência (este texto corresponde parcialmente ao
que constava do anterior inc. V, sendo agora modificado pela Lei 11.689, de 09.06.2008);
VII – não existir prova suficiente para a condenação (este texto constava anteriormente
do inc. VI, sendo transferido para o inc. VII pela Lei 11.689, de 09.06.2008).
Digna de nota é a alteração que consiste em mais um fundamento
legal para a absolvição: “estar provado que o réu não concorreu para a infração penal”
(inc. IV). Formando o juiz o seu convencimento na certeza de que o acusado não
concorreu para o crime, declarará a sentença absolutória, sendo que esta decisão impedirá
que se proponha contra o inocentado eventual ação de reparação de danos no juízo
cível (ver arts. 63 a 68, do CPP). Uma coisa é o juiz declarar que não existe prova da
autoria; outra, bem distinta, é a sentença que declara estar provada a negativa de autoria.
Nesta hipótese, o juiz criminal declara a quebra do nexo de causalidade8 entre o fato
alegado e o resultado danoso para a vítima, de modo que o ofendido não mais poderá
buscar provar o nexo de causalidade no âmbito de ação civil indenizatória.
Cabe esclarecer que o inc. VI, na sua primeira parte, apenas corrige a
numeração dos artigos do Código Penal, adequando-a em conformidade com a reforma da
Parte Geral, promulgada em 1984. Mas, é na sua parte final que se apresenta outro novo
fundamento legal para ser declarada a absolvição, isto é, quando “houver fundada dúvida
sobre a existência” de circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena. Por
exemplo: se houver fundada dúvida de que o réu agiu em legítima defesa, a solução do
processo deverá ser absolutória.
Ainda deve ser dito que o parágrafo único, do citado art. 386, estabelece
que, na sentença absolutória, o juiz: I- mandará, se for o caso, pôr o réu em liberdade; II –
ordenará a cessação das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas (nova redação
dada pela Lei 11.689, de 09.06.2008); III – aplicará medida de segurança, se cabível. A
novidade, como se vê, fica por conta do inc. II, que substitui a antiga determinação de cessação das penas acessórias provisoriamente aplicadas, aliás já extintas pela reforma de 1984
do Código Penal. Como exemplo de medida cautelar provisoriamente aplicada, podemos
mencionar o seqüestro de bens do acusado.
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LEI N. 11.690/08:
REFORMA NO
TRATAMENTO
DAS PROVAS
PROCESSUAIS
PENAIS
RODRIGO DE ABREU FUDOLI
Promotor de Justiça do MPDFT
Mestre em Ciências Penais pela UFMG
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LEI N. 11.690/08: REFORMA NO TRATAMENTO DAS PROVAS
PROCESSUAIS PENAIS
Rodrigo de Abreu Fudoli
Promotor de Justiça do MPDFT e
mestre em Ciências Penais pela UFMG
I – Aspectos gerais. II – Formação do convencimento judicial. III – Provas
ilícitas. IV – Prova pericial. V – Oitiva do ofendido e das testemunhas –
comunicações ao ofendido. VI – Videoconferência e retirada do réu da sala
de audiências. VII – Fundamentos para a absolvição do réu. VIII –
Considerações finais.
I - Aspectos gerais
A Lei n. 11.690/08, publicada em 10.06.2008, resultou da conversão do
projeto de lei n. 4.205/01, um dos vários projetos apresentados pela intitulada “Comissão
Ada Pellegrini Grinover” ao Ministério da Justiça, que por sua vez o encaminhou, como
proposição do Poder Executivo, ao Congresso Nacional.
A lei em questão altera dispositivos do Código de Processo Penal – CPP
relativos à prova, entrando em vigor em 60 dias após a publicação, ou seja, em 09.08.2008,
conforme dispõe seu art. 3º.1
Destaquem-se os seguintes pontos: a preocupação do legislador com a
vítima do delito; a reformulação da prova pericial; a positivação de regras jurisprudenciais
sobre prova ilícitas; a modificação do método de colheita da prova testemunhal, prestigiandose o papel das partes; a primeira previsão em lei federal da videoconferência, para oitiva de
1
Segundo o art. 8º, § 1°, da Lei Complementar n. 95/98, “A contagem do prazo para entrada em vigor das
leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último
dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral.” A lei n. 11.690/08 foi
sancionada em 09.06.2008 e publicada em 10.06.2008.
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testemunhas; e a lamentável manutenção de poderes inquisitivos por parte do juiz, no que
tange à produção probatória.
A lei não resolverá o problema da morosidade do processo penal,
pois os pontos de estrangulamento do sistema estão na fase do inquérito policial e na
perpetuação do processo em instâncias superiores, temas que não foram objeto das
alterações legislativas ora em comento.
As normas em questão têm natureza exclusivamente processual penal,
não versando sobre crimes e penas, e não se relacionando com o aumento ou a diminuição
do poder punitivo estatal. Por essa razão, é desnecessário seja feita distinção, por ocasião da
análise das novas normas, entre aquelas mais benéficas e aquelas mais gravosas ao indiciado
ou réu para se saber sobre sua aplicação no tempo. É o caso, aqui, de sua aplicação imediata, mesmo aos processos já em curso, nos termos do art. 2º do CPP (princípio do efeito
imediato da norma processual penal). Segue-se a regra de que a norma processual tem
aplicação para o futuro, respeitados os atos processuais já praticados.2 Por exemplo, se
houver designação de uma audiência em que serão inquiridas testemunhas para o dia em que
a lei nova entrar em vigor, essa oitiva será feita conforme as novas regras (sistema de inquirição direta e cruzada pelas partes) e não pelas regras antigas (sistema presidencialista), ainda
que vários atos processuais já tenham sido consumados naquele feito. O mesmo se diga em
relação à suficiência de um perito, a partir da entrada em vigor da lei, para assinar os laudos
que serão juntados aos autos, ainda que o objeto da perícia seja referente a fato delituoso
praticado na vigência da lei antiga.
II - Formação do convencimento judicial
O antigo art. 157 do CPP (“O juiz formará sua convicção pela livre
apreciação da prova”) passou a ser o art. 155, acrescido de novos comandos normativos.
Segundo o novo texto, “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova
produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas
cautelares, não repetíveis e antecipadas”.
O primeiro acréscimo diz respeito à exigência de que o juiz se ampare na
prova produzida “em contraditório judicial”, isto é, durante o processo, permitindo-se, no
entanto, que essa prova seja complementada por aquela produzida no inquérito policial. Ou
seja, a prova que embasará uma condenação não poderá ser “exclusivamente” aquela
produzida no inquérito, mas deve ser alicerçada e corroborada por prova produzida em
contraditório. Trata-se de consagração legislativa dos entendimentos jurisprudenciais francamente predominantes,3 que buscam encontrar o equilíbrio entre os extremos da valoração
2
Nesse sentido, vide TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 25. ed. SP: Saraiva, 2003,
p. 109-115.
3
Por todos, vide o RE 190.702 - rel. Min. Moreira Alves. j. 04.08.95 - 1ª Turma – STF, julgado este posterior
à Constituição da República de 1988.
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excessiva da prova produzida no inquérito, quando não há ainda contraditório, e da valoração
apenas da prova produzida em contraditório, com desprezo ao acervo reunido na fase de
investigação. De fato, não há sentido em se negar valor probatório a um laudo de avaliação
econômica, a uma interceptação telefônica ou a uma busca e apreensão na fase pré-processual da persecução criminal, ou ainda a um testemunho produzido na fase pré-processual
que, embora não repetido após o início do processo, reforce a prova obtida em juízo.
Se assim não fosse, a jurisprudência já teria se orientado no sentido da
exclusão física das peças produzidas no inquérito policial dos autos do processo, o que não
se verifica, entre nós.4 Repare-se que o acompanhamento cada vez mais corriqueiro de atos
praticados durante o inquérito policial por advogados, bem como o acesso quase que irrestrito
que os advogados vêm tendo aos autos desse procedimento de investigação, inclusive com a
chancela dos Tribunais Superiores, retira parte dos argumentos daqueles que se batem contra a manutenção das peças inquisitoriais nos autos do processo.
Como se vê, a nova lei deixa claro que a condenação não pode se dar
somente com base na prova reunida na fase de investigação. Mas também ressaltou que
a prova produzida na investigação e que seja de natureza pericial, ou irrepetível (é o
caso de produção antecipada de prova, especialmente testemunhal, quando houver risco de falecimento ou desaparecimento da pessoa a ser ouvida), ou produzida
cautelarmente (em sede de busca e apreensão, interceptação telefônica ou quebra de
sigilo bancário e fiscal, por exemplo) poderá perfeitamente ensejar uma condenação. Os
elementos colhidos durante o inquérito apenas servirão para confirmar a prova produzida em Juízo, nunca podendo ser a base da condenação.
O antigo art. 155 passou a ser o parágrafo único do art. 155, sem alteração redacional: “No juízo penal, somente quanto ao estado das pessoas, serão observadas as restrições à prova estabelecidas na lei civil.” O legislador perdeu a oportunidade
de extirpar esse resquício do sistema da prova legal (ou prova tarifada), ou seja, aquele
sistema de apreciação de provas no qual determinados fatos somente poderiam ser provados de determinadas formas, e que foi superado pelo livre convencimento motivado do juiz
(art. 93, IX, da Constituição da República). De qualquer forma, a regra parece sem sentido,
porque nem mesmo no Juízo cível há restrições absolutas quanto aos meios de prova. Por
exemplo: um casamento (ato jurídico que altera o estado das pessoas envolvidas) se prova,
a princípio, pela certidão de realização do ato (art. 1.543, “caput”, do Código Civil). Ocorre
que, se o cartório pegar fogo e as pessoas que se casaram não dispuserem de cópia da
certidão de casamento, ou, na dicção da lei, “justificada a falta ou a perda do registro
civil”, o ato poderá ser provado de outras formas (art. 1.543, parágrafo único, do Código
Civil). Então, se, no fim das contas, a prova pode ser feita de qualquer forma, é desnecessária a previsão ora comentada.
A respeito do ônus da prova, o art. 156 passou a ser o inciso II do art.
156, c/c “caput”, sem alterações significativas na redação: “Art. 156. A prova da alegação
incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: (...) II - determinar,
no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para
4
A exclusão física dos elementos de investigação pré-processual (com exceção do corpo de delito e da
provas produzidas antecipadamente, em incidente próprio) existe, por exemplo, na Itália.
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dirimir dúvida sobre ponto relevante.” Aqui como em outros momentos, a legislação processual penal busca imitar princípios e regras próprios do Direito Processual Civil.
Ao invés de distribuir o ônus da prova de forma acima descrita (“a prova
da alegação incumbirá a quem a fizer”), poderia ter o legislador explicitado que, no processo
penal, cabe ao autor (Ministério Público ou querelante) provar a materialidade do fato (sua
ocorrência); a sua autoria (quem o praticou ou concorreu para a sua prática); a sua tipicidade
(correspondência a um tipo penal); a ilicitude da conduta do agente; a culpabilidade do agente; e ainda a punibilidade, e que, por outro lado, é ônus do réu desfazer a prova sobre os
tópicos acima elencados, ou, ao menos, instalar dúvida significativa na mente do julgador a
respeito da prova de tais elementos constitutivos da responsabilidade penal.
Assim se distribuiria o ônus probatório no processo penal de forma mais
consentânea com o princípio da presunção da não-culpabilidade. Aliás, independentemente
da redação – antiga ou nova – do art. 156 do CPP, é assim que deve ser a distribuição do
ônus da prova, à luz da Constituição da República.
Fique claro que, com isso, não se quer afirmar que basta ao réu alegar
uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade para se desincumbir de seu ônus
probatório. Não. É muito comum o réu alegar em seu interrogatório que portou arma de
fogo, sem registro ou autorização para tanto, porque estava sendo atual e seriamente
ameaçado de morte, formulando, assim, tese defensiva que envolve a discussão da legítima defesa ou da inexigibilidade de conduta diversa. Mas essa alegação, por si só, não
é suficiente para desfazer a prova da ilicitude e da culpabilidade. Deverá a alegação ser
acompanhada de elementos que mostrem ser factível e provável a tese defensiva. Isso
porque eventual atribuição ao Ministério Público do ônus da prova da inverdade da
alegação do réu a respeito das exemplificadas ameaças constituiria “prova diabólica”
(de impossível alcance). Só assim, com a implantação de dúvida relevante na mente do
julgador, é que se poderia dizer que o réu desconstituiu (ou enfraqueceu) a prova da
acusação. O mesmo se diga em relação ao réu que apresenta álibi, afirmando que estava
em outra cidade por ocasião da prática do crime. Para afastar a prova da autoria, demonstrada pelo Ministério Público com testemunhos e reconhecimentos pessoais a fotográficos, é preciso que o réu convença o juiz, de forma idônea, de que sua tese é plausível, fazendo nascer dúvida relevante a respeito da autoria no espírito do julgador.
Ainda sobre o art. 156 do CPP, continuará existindo o debate, já antigo
na doutrina, sobre se essa iniciativa probatória do juiz enfraquece ou não o sistema acusatório
(que tem como seus pilares a separação nítida entre as funções de acusar e julgar e a atribuição da gestão da prova às partes).5
5
A respeito, veja-se a crítica de COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda, ao juiz que está “afastado do
‘contraditório’ e sendo o senhor da prova, sai em seu encalço guiado essencialmente pela visão que
tem (ou faz) do fato” (“O papel do novo juiz no processo penal”. Em: Crítica à teoria geral do direito
processual penal. RJ/SP: 2001, p. 26). A própria ADA PELLEGRINI GRINOVER, uma das autoras do
projeto que deu origem à lei em comento, entende que, durante a investigação, o Juiz tem apenas a
função de determinar providências cautelares, e que sua iniciativa probatória deve se restringir à fase
processual, já com a demanda proposta, ou pelo menos, que o Juiz que tenha atuado na investigação
seja diferente do Juiz que conduzirá o processo (“A iniciativa instrutória do juiz no processo penal
acusatório”. Em: A marcha do processo. RJ: Forense Universitária, 2000, p. 77-86).
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A novidade consiste na possibilidade de o juiz ordenar, também de ofício,
“mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade
da medida” (art. 156, I, CPP). Essa produção antecipada de prova, mesmo antes do início
da ação penal, tem que se dar em contraditório, na presença do juiz e de um defensor, em
incidente próprio.
A previsão expressa da possibilidade de produção antecipada de provas,
durante o inquérito, é boa medida (antes, só havia a previsão do art. 225 do CPP, nesse
sentido, referindo-se, então, o legislador, à instrução em Juízo). Ocorre que o juiz não deveria ser autorizado a fazê-lo de ofício, sem provocação do titular para o exercício da ação
penal, antes mesmo dessa ação penal ser exercida. Há aqui lesão ao princípio da inércia e da
iniciativa das partes.
Chega a ser surreal pensar em uma oitiva de testemunha, em sede de
produção antecipada de provas, determinada de ofício pelo juiz, a respeito de fato que o juiz
sequer sabe se irá ser considerado criminoso pelo Ministério Público.
III - Provas ilícitas
Positivaram-se algumas normas sobre o tema das provas ilícitas. Até então, apenas a Constituição da República (art. 5º, LVI) e o próprio CPP, mas em outro capítulo (art. 233, em que se veda a utilização em Juízo de cartas obtidas por meios criminosos)
tratavam diretamente da prova ilícita.
A respeito, o art. 157 do CPP foi totalmente reformulado, passando a
ser composto do “caput” e de quatro parágrafos.
No “caput”, afirma-se a inadmissibilidade das provas ilícitas e a sanção (conseqüência) da declaração de ilicitude, a saber, o desentranhamento de tais peças dos autos do processo.
Definiu-se ainda o que sejam provas ilícitas: são aquelas obtidas com violação a normas constitucionais ou legais. Ressalte-se que, doutrinariamente, as provas ilícitas
são definidas como aquelas que afrontam normas de Direito Penal, ao passo que provas
ilegítimas são aquelas que afrontam normas de Direito Processual Penal.6 A distinção não foi
prestigiada no conceito que o legislador acabou de construir. Trata-se de verdadeira interpretação autêntica, ou seja, aquela feita pelo legislador ao definir um conceito jurídico.
O legislador, numa demonstração de como a evolução da jurisprudência pode influir na política legislativa, passou a regular, em seguida, situações especiais relacionadas com a prova ilícita.
Em primeiro lugar, tratou das chamadas provas ilícitas por derivação (frutos da árvore venenosa), que passam a ser, agora por determinação legislativa, também
6
Sobre tal diferenciação, vide, por todos, PACHECO, Denilson Feitoza. Direito processual penal. 3. ed.
Impetus: Niterói, 2005, p. 810-811.
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ilícitas (art. 157, §1º, primeira parte, CPP). Nunca é demais lembrar que, desde o julgamento
do HC 69.912, relatado pelo Min. Sepúlveda Pertence (por seis votos a cinco - DJ 25.03.94),
o STF passou a entender que a prova ilícita contamina, por derivação, a prova com base nela
obtida, ainda que de forma lícita. Em seguida, ressalvou-se que, quando não evidenciado o
nexo de causalidade entre as provas (lícitas) derivadas das provas ilícitas, aquelas são
admissíveis (art. 157, §1º, segunda parte, a “contrario sensu”, CPP). Prosseguindo, o legislador ressalvou que são admissíveis as provas (lícitas) derivadas das ilícitas quando puderem
ser obtidas por uma fonte independente das provas ilícitas (art. 157, §1º, parte final, CPP),
prestigiando-se, aqui também, antiga posição do STF sobre o tema (HC 74.599 - Rel. Min.
Ilmar Galvão - 1ª Turma. j. 03.12.96).7 Em mais um exemplo de interpretação autêntica, o
legislador definiu o que seja “fonte independente”, a saber: é “aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria
capaz de conduzir ao fato objeto da prova” (art. 157, §2º, CPP).
Tanto a regra da exclusão das provas ilícitas e daquelas que dela derivam,
quanto as limitações a essas exclusões são influência nítida da jurisprudência da Suprema
Corte dos Estados Unidos da América.8
Previu-se o incidente de inutilização da prova declarada inadmissível, após
desentranhamento dos autos por decisão judicial, podendo as partes acompanhar o referido
incidente (art. 157, §3º, CPP).9 Naturalmente, a destruição da prova só se pode dar após o
trânsito em julgado (melhor dizendo, preclusão) da decisão que determinou o seu
desentranhamento. Isso porque a prova pode ser ilícita na visão do juiz, mas é perfeitamente
7
No caso concreto, o STF admitiu que a interceptação telefônica – à época, considerada proibida, por
falta de regulamentação da Constituição da República a respeito, por meio de lei ordinária – não foi a
prova exclusiva que desencadeou a persecução criminal, e que essa interceptação telefônica somente
corroborou as outras provas licitamente obtidas pela polícia.
8
Com efeito, em um primeiro momento, naquele País, a jurisprudência firmou entendimento de que as
provas ilícitas devem ser excluídas do processo (são as “exclusionary rules”), assim como as provas dela
derivadas (“fruits of the poisonous tree”). Posteriormente, no entanto, essa regra foi limitada em diversas situações, inclusive nas hipóteses agora previstas na lei processual penal brasileira, relacionadas
com a obtenção de prova lícita por fonte independente da prova ilícita (é o caso da identificação
dactiloscópica feita durante uma prisão ilegal, prova esta que foi anulada, mas depois obtida de forma
lícita, valendo-se os investigadores das planilhas dactiloscópicas existentes em órgão de identificação
oficial do Governo – caso Bynum v. U.S, 1960) e com a falta ou atenuação de nexo de causalidade entre
a prova ilícita e as provas posteriormente obtidas (é o caso dos policiais que entram em uma residência
sem justa causa e prendem ilegalmente certa pessoa, a qual, logo depois, acusou outra pessoa de lhe ter
vendido drogas; esta outra pessoa, também presa ilegalmente, acusa um terceiro indivíduo, o qual
também é preso ilegalmente. Dias depois do terceiro indivíduo ter sido libertado, ele confessa voluntariamente aos policiais seu envolvimento – caso Wong Sun v. U.S, 1963). Os exemplos são mencionados
por PACHECO, Denílson Feitoza. Direito processual penal. Niterói: Impetus, 2005, p. 812 e seguintes,
aqui e ali. Ainda sobre o tema da prova ilícita e sua eventual admissibilidade, em hipóteses excepcionais,
vide ÁVILA, Thiago André Pierobom de. Provas ilícitas e proporcionalidade. RJ: Lumen Juris, 2007.
9
Na redação original do projeto de lei, a prova considerada ilícita seria arquivada, sigilosamente, em
cartório judicial, e não destruída.
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possível que o Ministério Público, o assistente ou o querelante questione a decisão perante os
Tribunais, obtendo entendimento de que a prova é lícita, podendo integrar os autos.
Aliás, quanto ao recurso cabível, pela sistemática imaginada pela reforma,
seria o recurso de agravo (vide projeto de lei n. 4.206/2001, e especificamente a nova redação que seria dada ao art. 581, VI, do CPP), sobre recursos criminais. Como esse projeto
de lei ainda não teve sua tramitação concluída, é possível que se conclua que o recurso
cabível seja o de apelação (art. 593, II, do CPP, por se tratar de decisão interlocutória com
força de definitiva); ou o recurso em sentido estrito (art. 581, XIII, por se tratar de decisão
que anula parcialmente a instrução).
Finalmente, previu o legislador, no art. 157, §4º, que o juiz que conhecer
o conteúdo da prova declarada inadmissível fica impedido de proferir a sentença ou acórdão.
É que somente assim se preserva a imparcialidade do juiz que proferirá a sentença, evitandose a sua contaminação psicológica com o material desentranhado dos autos por ele mesmo.
Deveria, pois, pela vontade do Congresso Nacional, o juiz passar os autos a seu substituto
legal. Ocorre que o Presidente da República vetou o § 4º do art. 157, sob o argumento de
que a nova regra acarretaria transtornos para o procedimento, e que seria inconveniente que
um juiz que não conhecesse a prova passasse a conduzir o processo.10 Ora, o objetivo do
afastamento do juiz que teve contato com a prova ilícita era justamente o de permitir que um
outro magistrado, isento de compromisso com a prova maculada, pois com ela não teve
contato, pudesse examinar a questão, sem comprometimento psicológico. É de se lamentar o
veto, portanto.
IV - Prova pericial
Outro ponto da nova lei altera o regramento da prova pericial. Até então,
exigia-se que dois peritos participassem do ato e assinassem o laudo pericial. Com a alteração na redação do art. 159, “caput”, basta agora que a perícia seja realizada por “perito
oficial”. A expressão foi empregada no singular, ficando clara a intenção do legislador em se
contentar, a partir de agora, com um perito. Assim, passa a ser a regra o que era exceção, a
saber, a possibilidade de realização de exame por perito único, já prevista no art. 50, §1º, da
Lei n. 11.343/06 - Lei de Entorpecentes, quanto ao exame preliminar em substância entorpecente. Por sinal, é razoável entender que, com a nova regra, fica também dispensada a par-
10
Mensagem de veto n. 350, de 09.06.2008: “O objetivo primordial da reforma processual penal
consubstanciada, dentre outros, no presente projeto de lei, é imprimir celeridade e simplicidade ao
desfecho do processo e assegurar a prestação jurisdicional em condições adequadas. O referido dispositivo vai de encontro a tal movimento, uma vez que pode causar transtornos razoáveis ao andamento
processual, ao obrigar que o juiz que fez toda a instrução processual deva ser, eventualmente substituído por um outro que nem sequer conhece o caso. Ademais, quando o processo não mais se encontra em
primeira instância, a sua redistribuição não atende necessariamente ao que propõe o dispositivo, eis
que mesmo que o magistrado conhecedor da prova inadmissível seja afastado da relatoria da matéria,
poderá ter que proferir seu voto em razão da obrigatoriedade da decisão coligada.”
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ticipação do segundo perito por ocasião da confecção do laudo definitivo na substância
apreendida (a perícia definitiva, de confirmação da natureza da substância, é prevista na Lei
n. 11.343/06, art. 50, §2º). Por outro lado, também no “caput” do art. 159 passou a ser
exigido que o perito seja portador de diploma de curso superior, o que não era exigido
anteriormente pelo Código (exigia-se apenas que os peritos fossem “oficiais”).
Antevendo a falta de peritos oficiais em muitas localidades do Brasil, a
nova lei repetiu, com outras palavras, mas sem alteração do sentido, a norma anterior do art.
159, §1º, CPP, prevendo que, na falta de perito oficial, o exame será realizado por duas
pessoas idôneas, portadoras de curso de diploma superior preferencialmente na área específica do exame a ser realizado. Como se vê, se o perito não for oficial, volta a ser exigida a
participação de duas pessoas para a realização da perícia, pessoas estas que devem ter
curso superior. Trata-se de previsão razoável e lógica da lei. Entretanto, a expressão “preferencialmente” poderia ter sido evitada, pois a norma não tem, aqui, força cogente alguma,
mas carrega em seu interior apenas uma sugestão, a qual poderá ser acatada ou não. Mantendo-se a regra anteriormente vigente, os peritos não oficiais deverão prestar compromisso
de bem e fielmente desempenhar o encargo (art. 159, §2º, CPP).
Novidade mesmo, a par da suficiência de um perito, caso seja ele oficial, fica
por conta da possibilidade, prevista no novo art. 159, §3º, do CPP, de indicação de assistentes
técnicos, para acompanhar a perícia e formular quesitos, pelas partes necessárias (Ministério
Público - ou querelante - e acusado) e pela parte contingente (assistente da acusação - a nova lei
fala também em ofendido, razão pela qual, ainda que sem se constituir formalmente como assistente da acusação, o ofendido terá legitimidade para tanto). A lei não menciona a legitimidade do
indiciado ou do suspeito (sem indiciamento), ou seja, não trata explicitamente da possibilidade de
indicação de assistente técnico na fase do inquérito. Naturalmente, não há razão para se impedir
que tais pessoas apontem assistente técnico, caso queiram, ainda na fase investigativa da persecução
criminal, embora não haja obrigatoriedade de notificação do investigado para tal. Aliás, o STF, em
decisões recentes, vem sinalizando que há necessidade de se garantir ao indiciado o direito de
produzir provas e de acompanhar certos atos durante o inquérito policial, e já teve a oportunidade
de decidir que o investigado tem o direito de fazer juntar aos autos “laudo pericial” (na verdade,
parecer do assistente técnico), em homenagem à amplitude de defesa (HC 92.599 - 2ª Turma Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 07.11.07).
A lei é clara ao estabelecer que não há obrigatoriedade de indicação de
assistente técnico por qualquer das partes, mas simples faculdade, ficando a critério dos
sujeitos processuais decidir se o indicarão ou não. Esse assistente técnico atuará somente
depois de ser admitido pelo juiz e após a conclusão dos exames e da elaboração do laudo
pelos “peritos oficiais” (a expressão foi aqui empregada no plural, parecendo que o legislador se esqueceu de que não é mais necessário que dois peritos oficiais atuem, bastando um,
ficando a exigência de dois peritos para o caso em que eles não são oficiais).11 As partes
serão intimadas da decisão de admissão do assistente técnico (art. 159, §4º, CPP). Aqui, é
11
Observe-se que, por falta de técnica legislativa, permaneceram inalterados diversos dispositivos do
CPP contendo a expressão “peritos” (no plural), a saber, art. 6º, I e II; art. 105; art. 112; art. 150, “caput” e
§§ 1º e 2º; art. 160, “caput” e parágrafo único; art. 162, “caput”; e art. 165.
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de se questionar: o juiz deveria ter o poder de admitir ou inadmitir o assistente técnico indicado pela parte? Caso positivo, com qual fundamentação poderia se dar sua eventual inadmissão?
Outra observação: diferentemente do que ocorre no Processo Civil, em que o assistente
técnico acompanha a realização da perícia, inclusive formulando quesitos que serão respondidos no corpo do laudo, no Processo Penal essa intervenção somente ocorrerá após a
juntada aos autos do laudo pericial.
A nova lei faculta às partes requerer, com antecedência de 10 dias em
relação à audiência, a oitiva dos peritos para esclarecimento da prova ou para resposta a
quesitos, e neste último caso o perito poderá apresentar resposta em laudo complementar.
Poderão, igualmente, apresentar pareceres redigidos pelo assistente técnico, em prazo a ser
fixado pelo juiz, sendo que o assistente técnico poderá ser indicado para oitiva em audiência
(art. 159, §5º, I e II, CPP).
Diante dessa permissão da lei, é razoável concluir que a indicação do
assistente técnico ou peritos para inquirição em audiência poderá se dar ainda que ultrapassadas as fases da denúncia e da resposta à peça acusatória,12 quando, a rigor, é feito o
arrolamento de pessoas que serão inquiridas em Juízo.
Previu-se também que, se houver requerimento das partes, o material
probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que
manterá sempre sua guarda, e na presença de perito oficial, para exame pelos assistentes,
salvo se for impossível a sua conservação (art. 159, §6º, CPP). Trata-se de previsão redundante, eis que o art. 170 do Código já previa - e continua prevendo - que os peritos devem
guardar material suficiente para e eventualidade de nova perícia. Talvez se tenha desejado
destacar que o material que serviu de base à perícia não sairá das dependências do órgão
pericial, evitando-se eventual extravio de tal material.
Por fim, estabeleceu-se que, em caso de perícia complexa envolvendo
mais de uma área de conhecimento especializado, mais de um perito oficial poderá ser designado, assim como a parte poderá indicar mais de um assistente técnico (art. 159, §7º, CPP).
V -Oitiva do ofendido e das testemunhas - comunicações do ofendido
Quanto a isso, a nova lei produziu diversas alterações relevantes, algumas
das quais são destacadas a seguir.
De acordo com a nova redação do art. 212 do CPP, as partes (Ministério
Público ou querelante, como autores, e réu) formularão suas perguntas diretamente à testemunha, mas o juiz não admitirá as perguntas que puderem induzir a resposta, que não tiverem
12
Destaque-se que, a partir de 22.08.2008, quando entrou em vigor a Lei n. 11.719/08, a audiência para
oitiva de testemunhas, ofendido, peritos e réu passou a ser única, desaparecendo a fase da defesa prévia
(que tinha lugar após o interrogatório e antes da oitiva das testemunhas). Vide o novo art. 400 do Código
de Processo Penal.
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relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida (“caput”). Somente após
a inquirição feita pelas partes é que o juiz poderá complementar a inquirição (parágrafo único).
Pela redação original do Código, autor e réu ocupavam posição cômoda
e secundária nas audiências, somente realizando perguntas complementares quando - e se um ou outro ponto não foi abordado pelo juiz em sua inquirição, que é a principal. O sistema
de inquirição presidencial, pelo qual é vedado às partes se dirigirem pessoal e diretamente às
testemunhas, foi superado pela nova lei. Em seu lugar, adotou-se o sistema do “examinationin-chief” (inquirição direta ou principal, feita pela parte que arrolou a testemunha), seguindose a “cross examination” (feita pela parte contrária, em seguida).13 Após tomar o compromisso (se o caso) das pessoas que serão ouvidas, o juiz deve passar a palavra às partes. Membros do Ministério Público e advogados (do querelante, do assistente de acusação e do réu)
deverão, daqui em diante, ter a consciência de que, como partes que são, têm o ônus de
extrair das testemunhas as informações relevantes, inquirindo-as em primeiro lugar. Assim,
devem se preparar para tal, estudando os autos com antecedência e, se possível, até participando de cursos para que aprendam a formular perguntas de forma eficiente, já que, até
então, o juiz se incumbia de fazer as perguntas mais importantes, e, não raro, esgotava a
inquirição com seus questionamentos, levando as partes a um certo comodismo. A inovação
legislativa trata de prestigiar o papel das partes na aquisição da prova, permitindo-se maior
imediação entre as partes e as testemunhas e vítimas, o que é louvável.
O papel do juiz passa a ser aquele que lhe é conferido tipicamente: o de
preservar as garantias fundamentais das partes, em especial garantindo que o contraditório e
outros princípios processuais sejam atendidos plenamente, proporcionando condições para
que as partes produzam a prova num ambiente que viabilize, no futuro, uma decisão justa.
Daí seu poder de indeferir perguntas inúteis, impertinentes ou repetidas.
Para que não haja dúvidas de que a ordem das perguntas foi alterada,
tenha-se em vista que:
a) a previsão das perguntas das partes está no “caput” do art. 212 do
CPP, e a previsão de perguntas pelo juiz está somente no parágrafo único, devendo ser
lembrado que o parágrafo único é acessório em relação ao “caput”;
b) ao tratar das perguntas do juiz, o legislador empregou a expressão
“poderá complementar a inquirição”. “Complementar” significa “tornar completo”, “concluir”,
“rematar”, “preencher”, e só completa aquilo que se iniciou;
c) a intenção do legislador foi nitidamente a de fortalecer o sistema
acusatório, o que também foi a intenção do legislador constituinte, devendo-se ter em mente
que permitir que as partes perguntem primeiro é mais compatível com o sistema acusatório
do que a inquirição inicial pelo juiz;
d) não faria sentido que o procedimento fosse “perguntas do juiz – perguntas das partes – complementação com perguntas do juiz”, como se se tratasse de uma
espécie de “réplica” a ser exercida pelo juiz.
13
A respeito, vide RAMOS, João Gualberto Garcez. Curso de processo penal norte-americano. SP: RT,
2006, p. 190.
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Com isso, papel do juiz não fica amesquinhado: sua tarefa na audiência
continua sendo muito relevante, devendo ele garantir o contraditório e impedir perguntas que
induzam a testemunha. Por fim, embora a lei tenha se referido à ordem das perguntas na oitiva
das testemunhas, não há razão para não se aplicar a nova regra também à oitiva do ofendido.
Lamenta-se, apenas, que, no procedimento do júri, alterado substancialmente pela Lei n. 11.690/08, a ordem de formulação de perguntas tenha permanecido a
mesma, iniciando-se os questionamentos pelo juiz (art. 473 do CPP), o que talvez se explique pela necessidade de esclarecimentos aos jurados (leigos). No entanto, tudo indica que
não tenha sido proposital, mas apenas fruto de falta de técnica legislativa, a discrepância
agora existente entre o procedimento de oitiva de testemunhas no júri e fora dele.
O procedimento de realização do interrogatório não foi objeto de alteração,14 e, assim, tal ato continuará sendo realizado da mesma forma, conduzido pelo juiz, que
formulará as questões que entender relevantes, e, após, abrirá ao autor (Ministério Público
ou querelante) e ao réu a possibilidade de formulação de perguntas complementares.
Como se vê, o rito da oitiva do réu (interrogatório) e da inquirição de
testemunhas, que hoje era semelhante, passará a ser diferente.
Atenção especial foi conferida pela nova lei ao ofendido (novo art. 201
do CPP). Em primeiro lugar, estabeleceu-se que o ofendido será comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para
audiência e à sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem, sendo as
comunicações feitas no endereço por ele indicado ou por meio eletrônico (art. 201, §§2º e
3º, CPP). O objetivo é claro e legítimo: dar à vítima um pouco mais de respeito no Processo
Penal. A publicização, por meio do processo, dos conflitos intersubjetivos de natureza penal
retirou a vítima do papel de protagonista desse conflito. Com a substituição da vingança
privada pelo processo, a vítima passou a ocupar posição meramente acessória no processo.15 Recentes inovações na legislação brasileira (como a transação penal e a suspensão
condicional do processo, previstas na Lei n. 9.099/95) buscam resgatar o papel da vítima no
Processo Penal. Nesse contexto, a comunicação, à vítima, do resultado e dos desdobramentos do processo é atitude de respeito do Estado perante aquela pessoa que já foi fragilizada
com a ofensa ao seu bem jurídico, e de quem o Estado subtraiu a administração do conflito
(vitimização secundária).
Aqui, algumas dúvidas podem surgir. É possível que o indiciado, na fase
pré-processual da persecução criminal, esteja preso temporariamente ou em flagrante, mas
seja solto, ainda antes da instauração do processo. Será necessária a intimação da vítima
sobre essa soltura, interpretando-se extensivamente a expressão “acusado”? Se a razão jurí-
14
A não ser no procedimento do Tribunal do Júri, conforme a nova redação dada ao art. 474, § 1°, do CPP
pela Lei n. 11.689/08, publicada na mesma datam, em vigor a partir de 09.08.2008: “O Ministério Público,
o assistente, o querelante e o defensor, nessa ordem, poderão formular, diretamente, perguntas ao
acusado.” Mas os jurados continuarão a fazer perguntas ao réu por intermédio do Juiz-presidente (novo
art. 474, § 2°, CPP).
15
Nesse sentido, vide GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Criminologia: introdução a seus fundamentos teóricos. 2. ed. SP: RT, 1997, p. 65 e seguintes.
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dica é a mesma, a saber, prevenir a vítima da libertação do autor da ofensa ao seu bem
jurídico, a resposta deve ser positiva. E se houver promoção de arquivamento jurídico do
fato investigado no inquérito, pelo Ministério Público? Da mesma forma, a vítima deverá ser
comunicada. E mais: mesmo se o acusado for solto no âmbito de um processo, pode ser que
ele permaneça preso por outro processo. A vítima do primeiro processo deverá ser intimada
de tal ato? Aqui, pensamos que não há essa necessidade, pois o objetivo da lei foi o de
cientificar a vítima de que o acusado de praticar um delito contra si está em liberdade, pouco
importando se pelo processo instaurado para apurar esse delito específico ou não. Quanto à
comunicação das decisões, a lei se refere a sentenças e acórdãos que a confirmem ou a
modifiquem, mas não parece razoável exigir que as decisões proferidas em sede de “habeas
corpus” ou revisão criminal, ou mesmo em sede de execução penal, também tenham que ser
comunicadas à vítima, mas apenas no processo de conhecimento para a apuração do delito.
O prazo para o ofendido recorrer, habilitando-se como assistente de acusação, passa a ser contado da data da intimação da sentença (art. 598, “caput”, do CPP), e
somente se a vítima na puder por qualquer razão ser intimada da sentença é que se aplica o
prazo especial de 15 dias do art. 598, parágrafo único, do CPP.
Todas essas comunicações podem ser implementadas mediante incorporação de novas rotinas cartorárias, que se somarão às rotinas de comunicações atualmente existentes (ao Ministério Público, ao Instituto Nacional de Identificação, ao Sistema Nacional de Armas,
ao Delegado de Polícia, aos Institutos da Polícia Técnica e outras instituições e órgãos).
Também em respeito ao ofendido, que, no Processo Penal, é titular de
direitos tal e qual o réu, instituíram-se outras medidas salutares.
É o caso da destinação de um espaço separado para o ofendido, antes do
início da audiência e durante a sua realização (art. 201, §4º, CPP). Quanto ao espaço que lhe
for destinado durante a audiência, não haverá necessidade de alteração da estrutura física
das varas criminais, pois o ofendido pode ter assento em qualquer lugar à mesa que fica em
frente ao juiz. No entanto, será necessário que o Poder Judiciário destine um local próprio,
uma sala, no Fórum, para que as vítimas aguardem o momento de sua oitiva. Isso evitará as
situações desagradáveis, constrangedoras e por vezes perigosas diante das quais se vêem
comumente as vítimas, que não raro chegam à sede do Juízo para prestar declarações e se
deparam com o réu - nos casos em que está solto - ou com familiares deste também aguardando a realização do ato processual do lado de fora da sala de audiências.
A criação desse espaço físico servirá também para que as testemunhas e as vítimas, embora a lei não se refira a elas - permaneçam incomunicáveis umas em relação
às outras (art. 210, parágrafo único, CPP), embora se saiba que, na prática, a audiência é (e
continuará sendo) freqüentemente desmembrada pela ausência de algumas delas, casos em
que se designa nova data para continuidade da audiência. Nessa hipótese, ninguém pode
garantir que as testemunhas não conversarão umas com as outras.
É o caso ainda da previsão de atendimento multidisciplinar para encaminhamento do ofendido, especialmente nas áreas psicossocial, de assistência jurídica e de
saúde, às expensas do ofensor ou do Estado (art. 201, §5º, CPP). Quanto ao atendimento a
cargo do Estado, ele já existe, ainda que timidamente, na prática, especialmente nos casos
em que o crime deixou seqüelas psicológicas, cuidando o juiz ou o Ministério Público de
fazer o encaminhamento da vítima a entidades de assistência vinculadas ao Estado (como é o
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caso da Secretaria Psicossocial do TJDFT) ou não (como é o caso de entidades não governamentais que prestam assistência psicológica a vítimas de violência sexual). A novidade está
no fato de que o acusado pode ser o responsável pelo custeio de tal acompanhamento. Se o
acusado se dispuser a fazê-lo por vontade própria, não haverá problemas, e inclusive sua
atitude positiva pode ser sopesada por ocasião de eventual fixação de pena. No entanto, o
que fazer quando o acusado se recusar a pagar por tais despesas, embora dispondo de
recursos? Pode ser aventada a possibilidade de utilização da fiança eventualmente prestada
pelo indiciado ou réu para essa destinação, ao lado daquela destinação tradicional (custas
processuais, multa penal e indenização do dano causado pelo delito – art. 336, “caput”, do
CPP). No entanto, havendo posterior absolvição, como devolver ao réu a fiança que foi
utilizada para custear o tratamento psicológico da vítima? Por tudo isso, em caso de não
cooperação espontânea do réu, a não ser que surja solução criativa para o problema, o novo
dispositivo legal pode se tornar letra morta.
Além disso, o juiz adotará as providências necessárias à preservação
da intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo decretar o segredo
de justiça em relação aos dados, depoimento e outras informações constantes dos autos
a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação (art. 201, §6º, CPP).
Os abusos da imprensa foram o mote evidente para a inclusão de tal norma, eis que os
meios de comunicação social às vezes elegem as notícias que divulgam não pelo seu
interesse social, mas pela sua potencialidade de incremento de venda de jornais e de
índices de audiência televisiva, nem sempre se preocupando com a intimidade dos envolvidos na relação processual penal, seja o réu, seja a vítima.
É certo que a publicidade é um princípio constitucional, mas sem dúvida
tal princípio está sujeito a diversas exceções, constantes, tanto do texto da Constituição da
República (art. 93, IX, parte final, e art. 5º, LX) quanto de leis infra-constitucionais (art. 20;
atual art. 485 - antigo art. 481; art. 792, §1º, todos do CPP; art. 143, da Lei n. 8.069/90 Estatuto da Criança e do Adolescente; art. 3º, §3º, da Lei n. 9.034/95; art. 1º, parte final, da
Lei n. 9.296/96). Por tal razão, a nova lei nada tem de inconstitucional, pois foi guiada, neste
ponto, pela “defesa da intimidade” e pelo “interesse social”, parâmetros de que se valeu
expressamente a Constituição para regular a limitação à publicidade.
Embora a lei não tenha trazido essa previsão de forma expressa, é
evidente que o juiz poderá também determinar o segredo de justiça em relação a dados
que possam comprometer a segurança da vítima, determinando, por exemplo, seja extraída cópia de todas as peças das quais conste o endereço da vítima, colocando-se-as
em envelope próprio guardado no Cartório, sendo que, na cópia que permanecerá nos
autos, tais endereços serão riscados. Trata-se de medida extremamente conveniente
quando há notícia de intimidações feitas pelo réu ou sua família à vítima, ou quando o réu
é pessoa notoriamente perigosa. O fundamento para tal é o direito do cidadão (no caso,
vítima) de exigir do Estado segurança e respeito à sua dignidade humana (Preâmbulo,
art. 1º, III; art. 5º, “caput”; art. 6º, “caput”; e art. 144, “caput”, todos da Constituição
da República).
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VI - Videoconferência e retirada do réu da sala de audiências
Conferindo nova redação ao art. 217 do CPP, a nova lei previu que, por
ocasião da oitiva do ofendido ou da testemunha,”se o juiz verificar que a presença do réu
poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por
videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada
do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor. Parágrafo único.
A adoção de qualquer das medidas previstas no ‘caput’ deste artigo deverá constar do
termo, assim como os motivos que a determinaram.”
Aqui, houve alterações substanciais em relação à redação original do art.
217 do CPP.
A grande novidade fica por conta da possibilidade de oitiva de testemunhas por videoconferência, nas hipóteses ali elencadas.
Pela primeira vez na legislação federal, há a previsão da videoconferência.
Evidentemente, surgirá aceso debate acerca da constitucionalidade dessa
previsão. Uma prévia do que está por vir pode ser percebida no julgamento do HC 88.914,
em que a 2ª Turma do STF (relator Min. Cezar Peluso, j. 14.08.07) considerou nulo um
processo penal que tramitou após o réu ser interrogado via videoconferência.
Há, porém, algumas diferenças entre o caso enfrentado pelo STF e a
situação prevista na nova lei. Lá, tratava-se de interrogatório por videoconferência; aqui,
previu-se apenas a inquirição de testemunhas e ou vítimas. Por isso, certos argumentos
contrários à videoconferência, do tipo “o réu que será interrogado via videoconferência
pode ser pressionado no presídio pelos agentes penitenciários confessar o crime”
não têm validade para o caso da inquirição de testemunhas. De certo, esse argumento
não pode inquinar a inquirição de uma testemunha por videoconferência, eis que dificilmente alguém poderá dizer que eventuais pressões feitas ao réu, por parte de quem quer
que seja, poderiam influir no teor do depoimento das vítimas e testemunhas. Outra diferença: no caso apreciado pelo STF, não havia lei regulamentando a prática da
videoconferência. Agora há lei federal. E, no julgamento do “habeas corpus” acima mencionado, o Min. Gilmar Mendes admitiu discutir melhor a questão, quando - e se - houvesse a edição de uma lei sobre o assunto. Finalmente, a questão ainda está em aberto.
Com efeito, os Min. Cezar Peluso, Celso de Mello e Eros Grau registraram que, ainda
que houvesse edição de lei sobre o tema, o emprego da videoconferência teria que ser
limitado a casos excepcionais, implicitamente admitindo a possibilidade de tal meio de
realização do ato processual. Finalmente, vários Ministros do STF (a saber, o Min.
Joaquim Barbosa - integrante da 2ª Turma e que não participou daquele julgamento - e
todos os membros da 1ª Turma) ainda não se manifestaram sobre o tema.
Pela redação do novo dispositivo, imagina-se que o réu permanecerá na
sala de audiências, ao passo que a vítima passará a ser inquirida em sala separada, onde será
instalado o equipamento de videoconferência, o que, em parte, resolverá o problema da
segurança da vítima e da testemunha. É interessante que o juiz cuide para que o réu não
visualize a imagem da vítima ou testemunha prestando declarações ou depoimento no sistema
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de videoconferência, para evitar que ele, percebendo que foi reconhecido ou que foi delatado por tais sujeitos processuais, não tente guardar suas feições para futura e eventual vingança. Infelizmente há casos em que essa cautela de desconfiança em relação ao réu é necessária. Seu direito de presença em audiência não envolve necessariamente o direito de ver a
vítima ou a testemunha.
Estipula a nova lei: verificando a inconveniência da presença do réu em
audiência, e não sendo possível no caso concreto a videoconferência, o juiz deverá fazer
retirar o réu da sala.
Quanto a isso, há algumas diferenças em relação à redação original do CPP.
Em primeiro lugar, na redação original, a retirada do réu da sala de audiências
tinha que se fundar na “atitude do réu”,16 que pudesse “influir no ânimo da testemunha”, de
modo a prejudicar a verdade do depoimento. Na vigência da redação original do CPP, a jurisprudência abrandou em grande medida essa exigência, passando a considerar que, para a retirada do
réu da sala, bastava o “temor por parte de testemunhas ou vítimas” (STJ - HC 62.393, rel.
Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 04.10.07 – 6ª Turma). O STF, por diversas vezes, adotou
o mesmo entendimento (vide HC 67.711 - rel. Min. Ricardo Lewandowski - j. 04.03.06 - 1ª.
Turma - no julgamento, decidiu-se que é legítima a retirada do réu da sala de audiência por
solicitação da vítima, com consignação do fato no termo de audiência; HC 68.819 - rel. Min.
Celso de Mello - j. 05.11.91 - 1ª Turma - neste caso, as vítimas e testemunhas, caixas bancários
e agentes de segurança da instituição bancária vítima de roubo pediram ao Juízo a retirada do réu
da sala de audiências, sendo atendidos).
Esse abrandamento é legítimo, porque os auxiliares da Justiça (vítima e testemunhas) também merecem, ao lado do réu, a proteção do Direito Penal e do Direito Processual
Penal, registrando-se não ser razoável que se exija de tais pessoas, que muitas vezes ficaram sob
o jugo de uma arma de fogo empregada pelo réu, a prática de atos de heroísmo, sendo obrigadas
a ficar frente e frente com esse réu sem qualquer anteparo a lhes proteger.
É certo que o direito de presença do réu às audiências criminais lhe é assegurado pela Constituição da República (art. 5º, LII, que trata do devido processo legal, o qual
abarca a ampla defesa e o contraditório, sendo que, por sua vez, a ampla defesa engloba o direito
de presença, o direito a um advogado e o direito à auto-defesa) e pela Convenção Interamericana
de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica, art. 8º, I).
Não menos certo é, contudo, que nenhum direito é absoluto. Prova maior
dessa afirmação é a possibilidade de absolvição de uma pessoa que tenha matado outrem,
ofendendo o bem jurídico-penal mais valioso, que é a vida, desde que tenha atuado em
estrito cumprimento do dever legal ou em legítima defesa, só para citar duas formas de exclusão da ilicitude.Da mesma forma, o direito de presença física do réu dentro da sala de audiências, durante a oitiva de testemunhas ou vítimas, não é absoluto. Evidentemente, seu advogado terá que estar presente em todas as oportunidades. Mas a presença do réu, propriamente dita, pode lhe ser vedada quando o interesse público o exigir.
16
Quer durante a prática do fato criminoso (dominando a vítima com violência ou grave ameaça, por
exemplo), quer após o fato criminoso, mas antes da audiência (intimidando a vítima ou a testemunha),
quer durante a audiência (olhando de forma fixa e ameaçadora para a pessoa que será ouvida).
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A razão jurídica dessa norma é evidente: evitar que o réu influencie o
depoimento da testemunha ou as declarações da vítima, o que se tornaria um obstáculo à
produção probatória eficiente por parte da acusação e da defesa.
Não se deve esquecer que o direito ao contraditório assiste não só ao
réu, mas também ao autor, seja ele o Ministério Público - representando a sociedade -,
seja ele o querelante.
Analisando-se o texto da lei, verifica-se que são os seguintes requisitos
para a retirada do réu da sala de audiências:
a) que seja verificado, pelo juiz (de ofício ou por provocação de quem
quer que seja), que a presença do réu na sala de audiências pode causar humilhação, terror
ou sério constrangimento à testemunha ou vítima;
b) que, em decorrência disso, possa haver influência prejudicial à obtenção da verdade do depoimento;
c) que o juiz registre na ata de audiência o ocorrido e os motivos que
determinaram a retirada do réu da sala de audiências (a importância de tal registro reside
em se proporcionar ao Tribunal, em caso de recurso, a possibilidade de sopesar a
razoabilidade da medida);
d) que, em todo caso, o advogado do réu permaneça na sala de audiências, somente assim podendo o defensor velar pelos interesses jurídicos do réu, o que decorre naturalmente da necessidade de obediência ao contraditório e à ampla defesa; e
e) que seja inviável a realização de videoconferência.
Jamais se reconheceu eventual inconstitucionalidade - ou não-recepção
pela ordem jurídico-constitucional inaugurada em 1988 - do art. 217 do CPP, em sua redação original, porque a razão jurídica que o sustentava era forte, e a mesma postura deve ser
assumida pela jurisprudência em relação ao art. 217, com sua nova redação.Parte-se aqui do
pressuposto de que se deve extrair da norma interpretação a mais ampla o possível, de forma
que sua razão jurídica seja atendida, ou seja, de forma a criar condições para o livre depoimento da pessoa que será ouvida.
VII - Fundamentos para a absolvição do réu
O novo tratamento das provas ensejou ligeiras modificações no art. 386
do CPP, que trata dos fundamentos possíveis para a absolvição penal. Basicamente, criou-se
mais um fundamento (previsto no novo inciso IV), a saber, a absolvição por “estar provado
que o réu não concorreu para a infração penal”. A redação original do CPP era lacunosa
a esse respeito, não se contemplando, ali, um fundamento próprio para essa situação. O juiz,
verificando que havia certeza de que o réu não havia concorrido para a infração penal, tinha
que se contentar em absolvê-lo “por insuficiência de provas” (antigo inciso VI do art. 386
do CPP). A repercussão na esfera cível é diferente, caso fique provado que o réu não concorreu para a infração penal, em relação à situação em que o réu foi absolvido por falta de
provas. É que, no primeiro caso, a absolvição faz coisa julgada na seara cível, e, no segundo
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caso, não. Portanto, a mudança foi significativa. Com isso, renumeraram-se alguns incisos do
art. 386, CPP, ora com alteração de redação, ora não.
De fato, renumerou-se o inciso IV (que passou a ser o inciso V, o qual
trata da absolvição por “não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal”, sem qualquer alteração de redação).
Renumerou-se ainda o inciso V (que passou a ser o inciso VI, o qual trata
da absolvição por “existir circunstâncias que exclua o crime ou isente o réu de pena, ou
mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência”, destacando-se a alteração na
redação quanto à menção dessas circunstâncias, agora feita a dispositivos da Parte Geral de
1984 do Código Penal, a saber, arts. 20, 21, 22, 23, 26 e 28, §1º, do CP). Passou a ficar
expresso que a absolvição poderá se dar também quando, embora não esteja provada a
circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena, haja “fundada dúvida sobre sua
existência”. Ou seja, privilegia-se o entendimento, acertado, de que ao réu basta plantar
dúvida razoável (mas não qualquer dúvida) no espírito do julgador, para que obtenha a absolvição, recaindo o ônus probatório (da autoria, materialidade, tipicidade, ilicitude, culpabilidade e punibilidade) sobre os ombros da acusação. Até então, ao absolver o réu por estar
em dúvida relevante sobre se ele agiu ou não em legítima defesa, o juiz tinha que se valer do
art. 386, VI (agora VIII), ou seja, o fundamento da absolvição era a insuficiência de provas
para a condenação.
Finalmente, o inciso VI passou a ser o inciso VII: o juiz absolverá o réu
quando “não existir prova suficiente para a condenação.”
No inciso II do parágrafo único do art. 386, CPP, onde estava escrito que
o juiz “ordenará a cessação das penas acessórias provisoriamente aplicadas”, agora se
vê escrito que ele “ordenará a cessação das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas”, isso porque, desde a edição da Nova Parte Geral de Código Penal, em 1984, não
existem mais penas acessórias (que eram a perda da função pública, a publicação da sentença e a interdição de direitos - hoje, tratam-se de efeitos da sentença penal condenatória).
VIII - Considerações finais
Essas foram observações iniciais sobre o novo tratamento da prova penal
trazido pela Lei n. 11.690/08. Uma análise mais aprofundada, especialmente à luz da aplicação prática de seus dispositivos e a sua recepção pela jurisprudência, poderá indicar se o
avanço foi significativo.
É bom lembrar que a lei é resultado de um dos vários projetos de lei
apresentados em 2001 pelo Poder Executivo e que se propuseram, em seu conjunto, á
reformulação do CPP. Ressalte-se que, na mesma data em que o projeto de lei n. 4.205/01
se converteu na Lei n. 11.690/08, ora comentada, o projeto de lei n. 4.203/01 se transformou na Lei n. 11.689/08, alterando significativamente o procedimento de apuração dos crimes dolosos contra a vida (Tribunal do Júri). Dias depois, o projeto de lei n. 4.207/01, que
trata da “emendatio libelli”, da “mutatio libelli”, da suspensão do processo e de outros temas
foi definitivamente aprovado pelo Congresso Nacional, sancionado pelo Presidente da República e publicado (em 23.06.2008, com “vacatio legis” de 60 dias, tendo entrado em vigor
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Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 179-196, julho/dezembro-2008 ___________________ 196
em 22.08.08), o mesmo não tendo ocorrido ainda com os outros projetos, que tratam dos
recursos, da investigação criminal, das medidas cautelares, do interrogatório e de outros
importantes temas processuais penais.
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LEI Nº 11.719, DE 20 DE JUNHO DE 2008.
Altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 Código de Processo Penal, relativos à suspensão do processo, emendatio libelli, mutatio
libelli e aos procedimentos.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso
Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o Os arts. 63, 257, 265, 362, 363, 366, 383, 384, 387, 394 a 405,
531 a 538 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal,
passam a vigorar com a seguinte redação, acrescentando-se o art. 396-A:
“Art. 63. ......................................................................
Parágrafo único. Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art. 387
deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido.”
(NR)
“Art. 257. Ao Ministério Público cabe:
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma estabelecida
neste Código; e
II - fiscalizar a execução da lei.” (NR)
“Art. 265. O defensor não poderá abandonar o processo senão por motivo
imperioso, comunicado previamente o juiz, sob pena de multa de 10 (dez) a 100 (cem)
salários mínimos, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.
§ 1o A audiência poderá ser adiada se, por motivo justificado, o defensor
não puder comparecer.
§ 2o Incumbe ao defensor provar o impedimento até a abertura da audiência. Não o fazendo, o juiz não determinará o adiamento de ato algum do processo, devendo nomear defensor substituto, ainda que provisoriamente ou só para o efeito do ato.” (NR)
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“Art. 362. Verificando que o réu se oculta para não ser citado, o oficial
de justiça certificará a ocorrência e procederá à citação com hora certa, na forma estabelecida
nos arts. 227 a 229 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.
Parágrafo único. Completada a citação com hora certa, se o acusado
não comparecer, ser-lhe-á nomeado defensor dativo.” (NR)
“Art. 363. O processo terá completada a sua formação quando realizada
a citação do acusado.
I - (revogado);
II - (revogado).
§ 1o Não sendo encontrado o acusado, será procedida a citação por
edital.
§ 2o (VETADO)
§ 3o (VETADO)
§ 4o Comparecendo o acusado citado por edital, em qualquer tempo, o
processo observará o disposto nos arts. 394 e seguintes deste Código.” (NR)
“Art. 366. (VETADO)
§ 1o (Revogado).
§ 2o (Revogado).” (NR)
“Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia
ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha
de aplicar pena mais grave.
§ 1o Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o
disposto na lei.
§ 2o Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão
encaminhados os autos.” (NR)
“Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova
definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou
circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a
denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o
processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente.
§ 1o Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento, aplica-se o art. 28 deste Código.
§ 2o Ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 (cinco) dias e admitido o aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora para
continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado,
realização de debates e julgamento.
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§ 3o Aplicam-se as disposições dos §§ 1o e 2o do art. 383 ao caput
deste artigo.
§ 4o Havendo aditamento, cada parte poderá arrolar até 3 (três) testemunhas, no prazo de 5 (cinco) dias, ficando o juiz, na sentença, adstrito aos termos do
aditamento.
§ 5o Não recebido o aditamento, o processo prosseguirá.” (NR)
“Art. 387. ..........................................................................
......................................................................................................
II - mencionará as outras circunstâncias apuradas e tudo o mais que deva
ser levado em conta na aplicação da pena, de acordo com o disposto nos arts. 59 e 60 do
Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;
III - aplicará as penas de acordo com essas conclusões;
IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido;
........................................................................................................
Parágrafo único. O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem
prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta.” (NR)
“Art. 394. O procedimento será comum ou especial.
§ 1o O procedimento comum será ordinário, sumário ou sumaríssimo:
I - ordinário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada
for igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade;
II - sumário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada
seja inferior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade;
III - sumaríssimo, para as infrações penais de menor potencial ofensivo,
na forma da lei.
§ 2o Aplica-se a todos os processos o procedimento comum, salvo disposições em contrário deste Código ou de lei especial.
§ 3o Nos processos de competência do Tribunal do Júri, o procedimento
observará as disposições estabelecidas nos arts. 406 a 497 deste Código.
§ 4o As disposições dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a
todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código.
§ 5o Aplicam-se subsidiariamente aos procedimentos especial, sumário e
sumaríssimo as disposições do procedimento ordinário.” (NR)
“Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:
I - for manifestamente inepta;
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II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação
penal; ou
III - faltar justa causa para o exercício da ação penal.
Parágrafo único. (Revogado).” (NR)
“Art. 396. Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia
ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado
para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.
Parágrafo único. No caso de citação por edital, o prazo para a defesa
começará a fluir a partir do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído.” (NR)
“Art. 396-A. Na resposta, o acusado poderá argüir preliminares e alegar
tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas
pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário.
§ 1o A exceção será processada em apartado, nos termos dos arts. 95 a
112 deste Código.
§ 2o Não apresentada a resposta no prazo legal, ou se o acusado, citado,
não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos
autos por 10 (dez) dias.”
“Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar:
I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato;
II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade;
III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou
IV - extinta a punibilidade do agente.” (NR)
“Art. 398. (Revogado).” (NR)
“Art. 399. Recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora
para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público
e, se for o caso, do querelante e do assistente.
§ 1o O acusado preso será requisitado para comparecer ao interrogatório, devendo o poder público providenciar sua apresentação.
§ 2o O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença.” (NR)
“Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no
prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à
inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o
disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.
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§ 1o As provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz
indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias.
§ 2o Os esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requerimento
das partes.” (NR)
“Art. 401. Na instrução poderão ser inquiridas até 8 (oito) testemunhas
arroladas pela acusação e 8 (oito) pela defesa.
§ 1o Nesse número não se compreendem as que não prestem compromisso e as referidas.
§ 2o A parte poderá desistir da inquirição de qualquer das testemunhas
arroladas, ressalvado o disposto no art. 209 deste Código.” (NR)
“Art. 402. Produzidas as provas, ao final da audiência, o Ministério Público, o querelante e o assistente e, a seguir, o acusado poderão requerer diligências cuja
necessidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução.” (NR)
“Art. 403. Não havendo requerimento de diligências, ou sendo indeferido, serão oferecidas alegações finais orais por 20 (vinte) minutos, respectivamente, pela
acusação e pela defesa, prorrogáveis por mais 10 (dez), proferindo o juiz, a seguir, sentença.
§ 1o Havendo mais de um acusado, o tempo previsto para a defesa de
cada um será individual.
§ 2o Ao assistente do Ministério Público, após a manifestação desse,
serão concedidos 10 (dez) minutos, prorrogando-se por igual período o tempo de manifestação da defesa.
§ 3o O juiz poderá, considerada a complexidade do caso ou o número de
acusados, conceder às partes o prazo de 5 (cinco) dias sucessivamente para a apresentação
de memoriais. Nesse caso, terá o prazo de 10 (dez) dias para proferir a sentença.” (NR)
“Art. 404. Ordenado diligência considerada imprescindível, de ofício ou
a requerimento da parte, a audiência será concluída sem as alegações finais.
Parágrafo único. Realizada, em seguida, a diligência determinada, as partes apresentarão, no prazo sucessivo de 5 (cinco) dias, suas alegações finais, por memorial,
e, no prazo de 10 (dez) dias, o juiz proferirá a sentença.” (NR)
“Art. 405. Do ocorrido em audiência será lavrado termo em livro próprio, assinado pelo juiz e pelas partes, contendo breve resumo dos fatos relevantes nela
ocorridos.
§ 1o Sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado,
indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética,
estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade
das informações.
§ 2o No caso de registro por meio audiovisual, será encaminhado às
partes cópia do registro original, sem necessidade de transcrição.” (NR)
“Art. 531. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no
prazo máximo de 30 (trinta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, se
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possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem,
ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos,
às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o
acusado e procedendo-se, finalmente, ao debate.” (NR)
“Art. 532. Na instrução, poderão ser inquiridas até 5 (cinco) testemunhas arroladas pela acusação e 5 (cinco) pela defesa.” (NR)
“Art. 533. Aplica-se ao procedimento sumário o disposto nos parágrafos do art. 400 deste Código.
§ 1o (Revogado).
§ 2o (Revogado).
§ 3o (Revogado).
§ 4o (Revogado).” (NR)
“Art. 534. As alegações finais serão orais, concedendo-se a palavra,
respectivamente, à acusação e à defesa, pelo prazo de 20 (vinte) minutos, prorrogáveis por
mais 10 (dez), proferindo o juiz, a seguir, sentença.
§ 1o Havendo mais de um acusado, o tempo previsto para a defesa de
cada um será individual.
§ 2o Ao assistente do Ministério Público, após a manifestação deste,
serão concedidos 10 (dez) minutos, prorrogando-se por igual período o tempo de manifestação da defesa.” (NR)
“Art. 535. Nenhum ato será adiado, salvo quando imprescindível a prova faltante, determinando o juiz a condução coercitiva de quem deva comparecer.
§ 1o (Revogado).
§ 2o (Revogado).” (NR)
“Art. 536. A testemunha que comparecer será inquirida, independentemente da suspensão da audiência, observada em qualquer caso a ordem estabelecida no art.
531 deste Código.” (NR)
“Art. 537. (Revogado).” (NR)
“Art. 538. Nas infrações penais de menor potencial ofensivo, quando o
juizado especial criminal encaminhar ao juízo comum as peças existentes para a adoção de
outro procedimento, observar-se-á o procedimento sumário previsto neste Capítulo.
§ 1o (Revogado).
§ 2o (Revogado).
§ 3o (Revogado).
§ 4o (Revogado).” (NR)
Art. 2o Esta Lei entra em vigor 60 (sessenta) dias após a data de sua
publicação.
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Art. 3o Ficam revogados os arts. 43, 398, 498, 499, 500, 501, 502,
537, 539, 540, 594, os §§ 1º e 2º do art. 366, os §§ 1º a 4º do art. 533, os §§ 1º e 2º do art.
535 e os §§ 1º a 4º do art. 538 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código
de Processo Penal.
Brasília, 20 de junho de 2008; 187o da Independência e 120o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Tarso Genro
Este texto não substitui o publicado no DOU de 23.6.2008
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LEI Nº 11.690, DE 9 DE JUNHO DE 2008.
Altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 –
Código de Processo Penal, relativos à prova, e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso
Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o Os arts. 155, 156, 157, 159, 201, 210, 212, 217 e 386 do
Decreto-Lei n 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, passam a
vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova
produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente
nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não
repetíveis e antecipadas.
Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil.” (NR)
“Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém,
facultado ao juiz de ofício:
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e
proporcionalidade da medida;
II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a
realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.” (NR)
“Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as
provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo
quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas
puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
§ 2o Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os
trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de
conduzir ao fato objeto da prova.
o
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§ 3o Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.
§ 4o (VETADO)
“Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados
por perito oficial, portador de diploma de curso superior.
§ 1o Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica,
dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame.
§ 2o Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente
desempenhar o encargo.
§ 3o Serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de acusação,
ao ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de assistente
técnico.
§ 4o O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após
a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as partes intimadas desta decisão.
§ 5o Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto
à perícia:
I – requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos, desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem
esclarecidas sejam encaminhados com antecedência mínima de 10 (dez) dias, podendo
apresentar as respostas em laudo complementar;
II – indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em
prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência.
§ 6o Havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu
de base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua
guarda, e na presença de perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível
a sua conservação.
§ 7o Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de
conhecimento especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um perito oficial, e a
parte indicar mais de um assistente técnico.” (NR)
“CAPÍTULO V
DO OFENDIDO
Art. 201. Sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado
sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que
possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações.
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§ 1o Se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo,
o ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade.
§ 2o O ofendido será comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e
respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem.
§ 3o As comunicações ao ofendido deverão ser feitas no endereço por
ele indicado, admitindo-se, por opção do ofendido, o uso de meio eletrônico.
§ 4o Antes do início da audiência e durante a sua realização, será reservado espaço separado para o ofendido.
§ 5o Se o juiz entender necessário, poderá encaminhar o ofendido para
atendimento multidisciplinar, especialmente nas áreas psicossocial, de assistência jurídica e
de saúde, a expensas do ofensor ou do Estado.
§ 6o O juiz tomará as providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo
de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a
seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação.” (NR)
“Art. 210. As testemunhas serão inquiridas cada uma de per si, de modo
que umas não saibam nem ouçam os depoimentos das outras, devendo o juiz adverti-las das
penas cominadas ao falso testemunho.
Parágrafo único. Antes do início da audiência e durante a sua realização,
serão reservados espaços separados para a garantia da incomunicabilidade das testemunhas.” (NR)
“Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação
com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.
Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.” (NR)
“Art. 217. Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a
presença do seu defensor.
Parágrafo único. A adoção de qualquer das medidas previstas no caput
deste artigo deverá constar do termo, assim como os motivos que a determinaram.” (NR)
“Art. 386. ............................................................................
......................................................................................................
IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal;
V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;
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VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de
pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1o do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se
houver fundada dúvida sobre sua existência;
VII – não existir prova suficiente para a condenação.
Parágrafo único. .....................................................................
.....................................................................................................
II – ordenará a cessação das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas;
.............................................................................................” (NR)
Art. 2o Aqueles peritos que ingressaram sem exigência do diploma
de curso superior até a data de entrada em vigor desta Lei continuarão a atuar exclusivamente nas respectivas áreas para as quais se habilitaram, ressalvados os peritos médicos.
Art. 3o Esta Lei entra em vigor 60 (sessenta) dias após a data de sua
publicação.
Brasília, 9 de junho de 2008; 187o da Independência e 120o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Tarso Genro
José Antonio Dias Toffoli
Este texto não substitui o publicado no DOU de 10.6.2008
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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
Procurador-geral de Justiça
Fernando Grella Vieira
Corregedor-geral do Ministério Público
Antonio de Pádua Bertone Pereira
Conselho Superior do Ministério Público
Fernando Grella Vieira (presidente)
Antonio de Pádua Bertone Pereira
Ana Margarida Machado Junqueira
Beneduce
Eloisa de Sousa Arruda
João Francisco Moreira Viegas
Luís Daniel Pereira Cintra
Nelson Gonzaga de Oliveira
Paulo do Amaral Souza
Marisa Rocha Teixeira Dissinger
Pedro Franco de Campos
Tiago Cintra Zarif
Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça
Membros Eleitos
Membros Natos
José Roberto Garcia Durand
Luiz Cesar Gama Pellegrini
Francisco Morais Sampaio
José Ricardo Peirão Rodrigues
José Roberto Dealis Tucunduva
Oswaldo Hamilton Tavares
Fernando José Marques
Irineu Roberto da Costa Lopes
Regina Helena da Silva Simões
Roberto João Elias
Claus Paione
José de Arruda Silveira Filho
Álvaro Augusto Fonseca de Arruda
Pedro Franco de Campos
Gabriel Eduardo Scotti
José Luiz Abrantes
Antonio Visconti
Arnaldo Gonçalves
Márcio da Cunha Berra
Paulo Álvaro Chaves Martins Fontes
Mágino Alves Barbosa Filho
Walter Paulo Sabella
Júlio César de Toledo Piza
Vânia Maria Ruffini Penteado Balera
Sonia Maria Schincarioli
Geraldo Luís Wohlers Silveira
Marilisa Germano Bortolin
Paulo Ortigosa
Parisina Lopes Zeigler
Mário de Magalhães Papaterra Limongi
Pedro Luiz de Melo
Sérgio de Araújo Prado Júnior
Dráusio Lúcio Barreto
Eliana Montemagni
Rubens Rodrigues
Vânia Ferrari Tropia Padilla
Maria Cristina Barreira de Oliveira
Heloisa Antonia Barreira de Souza
Oswaldo Luiz Palu
Iurica Tanio Okumura
Conselho do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional
Fernando Grella Vieira
Antonio de Pádua Bertone Pereira
Vânia Ferrari Tropia Padilla
Eloisa de Sousa Arruda
Marcos Tadeu Gonçalves Teixeira
Marianí Atchabahian
Augusto Soares de Arruda Neto
Congregação da ESMP
Mário de Magalhães Papaterra Limongi
(presidente)
Tatiana Viggiani Bicudo
(coordenadora)
Antonio Carlos da Ponte
Eduardo Martines Júnior
Eliana Passarelli
Gilberto Nonaka
Lídia Helena Ferreira da Costa Passos
Luiz Antonio de Souza
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Luiz Roberto Cicogna Faggioni
Márcio Fernando Elias Rosa
Motauri Ciocchetti de Souza
Oswaldo Henrique Duek Marques
Oswaldo Luiz Palu
Oswaldo Peregrina Rodrigues
Ronaldo Porto Macedo Júnior
Sérgio Seiji Shimura
Vidal Serrano Nunes Júnior
Wallace Paiva Martins Júnior
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