reforma processual penal
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REFORMA PROCESSUAL PENAL PR OCEDIMENT OS PROCEDIMENT OCEDIMENTOS LEI 11.719/08 PR OVAS PRO LEI 11.690/08 São Paulo, 2008 Ano 1 - Volume 2, nº 1, julho/dezembro 2008 21801009.pmd 1 15/10/2008, 10:51 Governador José Serra ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SÃO PAULO Diretor Assessores Coordenador Editorial Jornalista Responsável Capa Mário de Magalhães Papaterra Limongi Fabrício Tosta de Freitas Felipe Eduardo Levit Zilberman Marcelo Duarte Daneluzzi Tatiana Viggiani Bicudo Tatiana Viggiani Bicudo Rosangela Sanches (MTb 23.566) Luís Antônio Alves dos Santos “Revista da ESMP”, co-edição ESMP/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, é semestral, com tiragem de 3 mil exemplares 21801009.pmd 2 15/10/2008, 10:51 REVIST A REVISTA DA ESMP Ano 1 - Volume 2, nº 1, julho/dezembro 2008 21801009.pmd 3 15/10/2008, 10:51 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo ___________________________________ Revista Jurídica. São Paulo: Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, 2008 Semestral ISBN: 85-7060-206-5 (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo) 1. Direito - periódicos I. Escola Superior do Ministério Público de São Paulo ___________________________________ Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo R. Minas Gerais, 316 - Higienópolis 01244-010 - São Paulo - SP - Brasil Tel.: (11) 3017-7776/3017-7777 Fax: (11) 3017-7754 www.esmp.sp.gov.br e-mail: [email protected] 21801009.pmd 4 15/10/2008, 10:51 I N D I C E 21801009.pmd 9 Apresentação Mário de Magalhães Papaterra Limongi 5 15/10/2008, 10:51 I N D I C E 21801009.pmd Alcance e Natureza Jurídica do Instituto Previsto pelo Artigo 396 do Código de Processo Penal..................... Cleber Rogério Masson 17 Os Novos Contornos da Emendatio Libelli e da Mutatio Libelli................................................................................. Luís Fernando de Moraes Manzano 27 A Reafirmação do Processo Acusatório e Contraditório no Processo Penal Brasileiro: As Reformas de Junho de 2008........................................................................ Luiz Roberto Salles Souza Christian Marcos Carboni 6 41 A Reforma do Código de Processo Penal..................... Rômulo de Andrade Moreira 49 O Recebimento da Denúncia e a Lei 11.719/2008......... Victor Eduardo Rios Gonçalves 69 15/10/2008, 10:51 I N D I C E 21801009.pmd Os Elementos Produzidos Durante o Inquérito e as Provas Antecipadas, Cautelares e Irrepetíveis, segundo a Reforma do CPP...................................... Andrey Borges de Mendonça 75 Lei 11.690/08 e a Regulamentação do Inc. LVI do Art. 5º da Constituição Federal - a inadmissibilidade processual das provas ilícitas................................... Eduardo Querobim 91 Considerações sobre o Novo Art. 159 do Código de Processo Penal.......................................................... Eduardo Roberto Alcântara Del-Campo 7 117 As Provas Ilícitas, segundo a Lei 11.690, de 2008......... Jorge Assaf Maluly Pedro Henrique Demercian 135 Sistema Probatório do Processo Penal.................... Marco Antonio de Barros 145 Lei n. 11.690/08: Reforma no Tratamento das Provas Processuais Penais................................................... Rodrigo de Abreu Fudoli 179 Lei n. 11.719/08, de 20 de junho de 2008................... 197 Lei n. 11.690/08, de 9 de junho de 2008................... 205 15/10/2008, 10:51 21801009.pmd 8 15/10/2008, 10:51 A P R E S E N T A Ç Ã O 21801009.pmd Diante das recentes modificações na legislação processual penal, a Escola Superior do Ministério Público promoveu uma série de palestras por todo o Estado de São Paulo com o intuito de propiciar aos colegas uma reflexão sobre os principais temas. Não foi difícil encontrar entre os membros da instituição, aposentados e da ativa, promotores e procuradores de Justiça, processualistas de primeira linha, capazes de uma análise prática e crítica da nova sistemática processual penal. O sucesso das palestras nos animou a pedir aos colegas artigos sobre as mudanças havidas. A colaboração foi imediata, propiciando a edição de dois volumes em artigos que esgotam o assunto. Com os agradecimentos aos autores pela inestimável colaboração e a todos os que participaram das palestras promovidas em todo o Estado, desejamos a todos uma boa leitura. Mário de Magalhães Papaterra Limongi 9 15/10/2008, 10:51 21801009.pmd 10 15/10/2008, 10:51 REFORMA PROCESSUAL PENAL 21801009.pmd 11 15/10/2008, 10:51 21801009.pmd 12 15/10/2008, 10:51 PR OCEDIMENT OS PROCEDIMENT OCEDIMENTOS LEI 11.719/08 21801009.pmd 13 15/10/2008, 10:51 21801009.pmd 14 15/10/2008, 10:51 AL CANCE E ALCANCE NATUREZA JURÍDICA INSTITUTO DO INSTITUT O PREVISTO PELO O PREVIST O PEL ARTIGO 396 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL PR OCESSO PEN AL CLEBER ROGÉRIO MASSON Promotor de Justiça no Estado de São Paulo Mestre em Direito Penal pela PUC-SP Professor de Direito Penal e de Direito Processual Penal 21801009.pmd 15 15/10/2008, 10:51 21801009.pmd 16 15/10/2008, 10:51 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 17-24, julho/dezembro-2008 _______________________ 17 ALCANCE E NATUREZA JURÍDICA DO INSTITUTO PREVISTO PELO ARTIGO 396 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL Cleber Rogério Masson1 1. Introdução No âmbito da nova reforma do Código de Processo Penal, entrou em vigor no dia 22 de agosto 2 a Lei 11.719/2008, a qual, dentre outras providências, alterou a sistemática dos procedimentos. A partir de então, o procedimento divide-se em comum ou especial. Aquele pode ser ordinário, sumário ou sumaríssimo. Ao contrário do que ocorria anteriormente, a distinção entre os ritos, ordinário e sumário, não leva mais em conta a qualidade da pena, isto é, de reclusão ou de detenção. Agora, o que importa é a quantidade da pena cominada em abstrato ao delito. Nos termos do artigo 394 e § 1°, incisos I a III, do Código de Processo Penal, será ordinário o procedimento quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade, e sumário quando a pena privativa de liberdade prevista abstratamente for inferior a tal montante. Subsiste o rito sumaríssimo, adequado para as infrações penais de menor potencial ofensivo, assim definidas pelo artigo 61 da Lei 9.099/1995 como as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. Por sua vez, procedimento especial é aquele definido por leis extravagantes cuja incidência se limita às infrações penais nelas contidas. É o caso do rito delineado pelos artigos 183 a 188 da Lei 11.101/2005 relativamente aos crimes falimentares. E no artigo 396 a nova lei inseriu no Código de Processo Penal um instituto até então desconhecido, qual seja, a resposta à acusação, por escrito, no prazo 1 Promotor de Justiça no Estado de São Paulo. Mestre em Direito Penal pela PUC-SP. Professor de Direito Penal e de Direito Processual Penal. 2 “Art. 2°. Esta Lei entra em vigor 60 (sessenta) dias após a data de sua publicação”. A publicação ocorreu no dia 21 de junho de 2008, e nos termos do artigo 8°, § 1°, da Lei Complementar 95/1998: “A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-seá com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral”. 21801009.pmd 17 15/10/2008, 10:51 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 17-24, julho/dezembro-2008 _______________________ 18 de 10 (dez) dias. Essa figura, que certamente fará surgir inúmeras discussões doutrinárias e jurisprudenciais, será objeto do nosso estudo, especialmente no tocante ao seu alcance, às suas finalidades e à sua natureza jurídica. 2. Dispositivo legal Estabelece o artigo 396 do Código de Processo Penal: Art. 396. Nos procedimentos sumário e ordinário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias. Parágrafo único. No caso de citação por edital, o prazo para a defesa começará a fluir a partir do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído. 3. Alcance Em uma primeira análise, o instituto aparenta ser genericamente aplicável a todas as ações penais cujo trâmite se desenvolva em primeiro grau de jurisdição, inclusive aos crimes tipificados pela Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas). De fato, estatui o artigo 394, § 4°, do Código de Processo Penal que “as disposições dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código”. O texto de lei, contudo, não pode ser interpretado de forma isolada, mas sistematicamente. Com efeito, agiu impropriamente o legislador ao criar a mencionada regra genérica. Ensejou espaço para a dúvida e para a contradição, desnecessariamente, pois em seu artigo 396, caput, o Código Penal foi peremptório ao restringir a resposta escrita exclusivamente aos procedimentos ordinário e sumário. Destarte, o texto do artigo 394, § 4° deve ser relativizado, para o fim de aplicar-se a resposta escrita somente aos ritos ordinário e sumário, espécies do procedimento comum, e não a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados pelo Código de Processo Penal. Há, contudo, regra semelhante para os crimes dolosos contra a vida, albergada pelo artigo 406, caput, do Código de Processo Penal: “O juiz, ao receber a denúncia ou a queixa, ordenará a citação do acusado para responder a acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias”. 21801009.pmd 18 15/10/2008, 10:51 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 17-24, julho/dezembro-2008 _______________________ 19 4. Momento oportuno A resposta escrita deve ser apresentada pelo defensor do acusado, no prazo de 10 (dez) dias após a citação, sob pena de nulidade absoluta por violação aos princípios constitucionais da ampla defesa e do devido processo legal. Trata-se de etapa imprescindível do processo penal nos crimes que se processam tanto pelo rito ordinário como pelo rito sumário. Nesse sentido, se o defensor constituído não apresentar a resposta no prazo legal, ou se o acusado, citado, não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por 10 (dez) dias, como se extrai do artigo 396-A, § 2°, do Código de Processo Penal. A resposta escrita depende de dois fatores: recebimento da denúncia ou queixa e citação válida. Em outras palavras, exige-se não tenha a inicial acusatória sido rejeitada liminarmente, medida cabível nas hipóteses em que for manifestamente inepta, bem como quando faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal, e, finalmente, quando faltar justa causa para o exercício da ação penal. E, aplicando-se analogicamente o artigo 406, § 3°, do Código de Processo Penal, com a redação alterada pela Lei 11.689/2008, o querelante ou o Ministério Público devem manifestar-se sobre a resposta escrita somente na hipótese de nela terem sido argüidas nulidades ou apresentados novos documentos. Raciocínio diverso implicaria em ofensa à regra do contraditório, constitucionalmente consagrada. 5. Finalidades Com a reforma do Código de Processo Penal, extinguiu-se a “defesa prévia”, outrora alojada em seu artigo 395 e oferecida no tríduo legal posterior ao interrogatório. Em face do desaparecimento desse meio de defesa, o legislador criou, no campo dos procedimentos ordinário e sumário, a resposta escrita, também chamada de resposta inicial,3 ora disciplinada pelo artigo 396 do Código de Processo Penal. Trata-se do momento oportuno para o réu argüir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário (art. 396-A). Também na resposta escrita deve o réu, se assim desejar, opor as exceções de suspeição, incompetência de juízo, litispendência, ilegitimidade de parte e coisa julgada, as quais devem ser processadas em apartado, observando o procedimento previsto pelos artigos 95 a 112, como se observa do artigo 396-A, § 1°, todos do Código de Processo Penal. Mas não pára por aí. Além de permitir todas as medidas processuais que já tinham lugar com a antiga defesa prévia, a resposta escrita apresenta outra importante finalidade: demonstrar ao Poder Judiciário a pertinência da absolvição sumária do acusado, medida também criada pela Lei 11.719/2008 e cabível em quatro hipóteses: I – existência 3 MENDONÇA, Andrey Borges. Nova reforma do Código de Processo Penal: artigo por artigo. São Paulo: Método, 2006, p. 268. 21801009.pmd 19 15/10/2008, 10:51 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 17-24, julho/dezembro-2008 _______________________ 20 manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II – existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III – evidência de o fato narrado não constituir crime; e IV – presença de causa de extinção da punibilidade. Serve para o réu postular a absolvição sumária e indicar ao magistrado a necessidade dessa medida, seja com alegações contundentes ao seu respeito, seja com a apresentação de documentos que comprovem cabalmente uma das situações previstas pela lei. Pecou o legislador no inciso IV do artigo 397 (“extinta a punibilidade do agente”). Não se constitui em motivo idôneo para a absolvição sumária, mas sim para declaração da extinção da punibilidade. A decisão judicial que reconhece a causa extintiva é declaratória da extinção da punibilidade, e não absolutória, pois não aprecia o mérito da pretensão punitiva estatal. Não nos parece, porém, seja correto sustentar a posição pela qual funciona a resposta escrita como meio de seleção para aferir-se a viabilidade das ações penais que devem ter regular prosseguimento, separando-a daquelas fadadas inequivocamente ao insucesso. Essa função é reservada de ofício ao magistrado, a quem incumbe a tarefa de rejeitar a denúncia ou queixa quando for manifestamente inepta, ou quando faltar justa causa, pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal (CPP, art. 395, incisos I a III). 6. Natureza jurídica Uma análise precipitada do artigo 396 do Código de Processo Penal leva à conclusão equivocada de tratar-se de defesa preliminar. Defesa preliminar, na tradição do nosso ordenamento jurídico, é a reação defensiva à imputação previamente ao recebimento da denúncia ou queixa. O Ministério Público ou o querelante oferecem a inicial acusatória. O juiz não a aprecia. Determina, inicialmente, a notificação do acusado para defender-se, e, somente após essa defesa, recebe ou rejeita a denúncia ou queixa. É o que se dá no artigo 514 do Código de Processo Penal, relativamente aos crimes afiançáveis praticados por funcionários públicos, e também no artigo 55 da Lei 11.343/2006 (Drogas). Os procedimentos do Código de Processo Penal modificados pela Lei 11.719/ 2008 não possuem defesa preliminar. Há, na verdade, resposta escrita, posterior ao recebimento da denúncia ou queixa. Diversos motivos fundamentam essa natureza jurídica. Vejamos. Com o oferecimento da denúncia ou da queixa, o artigo 395 do Código de Processo Penal impõe ao juiz a tarefa de analisar se ela é apta ou inepta, assim como a presença dos pressupostos processuais e condições da ação, e ainda justa causa (lastro probatório mínimo acerca dos indícios da autoria e prova da materialidade do fato) para o exercício da ação penal. Se for inepta ou se estiverem ausentes os demais requisitos, deve o magistrado rejeitar a peça processual ajuizada pelo Ministério Público ou pelo ofendido ou quem tenha poderes para representá-lo. Por outro lado, se for apta e encontrarem-se presentes a justa causa, os pressupostos processuais e as condições da ação, o juiz recebe a 21801009.pmd 20 15/10/2008, 10:51 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 17-24, julho/dezembro-2008 _______________________ 21 denúncia ou a queixa. É o que se infere do artigo 396, caput, do Código de Processo Penal: “Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias”. (destacamos) Portanto, o recebimento da denúncia ou queixa antecede a resposta escrita.4 A inicial acusatória já passou pelo juízo de admissibilidade, pois considerada minimamente aceitável, justificando seu recebimento, o que importa também no Direito Penal em diversos reflexos, como a interrupção da prescrição (CP, art. 117, inc. I) e o limite temporal para a diminuição da pena em decorrência do arrependimento posterior (CP, art. 16). E também já se operou a citação, o que acarreta na completude da relação processual, nos moldes do artigo 363 do Código de Processo Penal. E, para falar-se em relação processual completa, exige-se obrigatoriamente o recebimento da denúncia ou queixa. Em síntese, o Ministério Público ou o querelante oferecem a denúncia ou a queixa. Após, o juiz analisa a necessidade ou não de sua rejeição liminar: se o fizer, encerra a ação penal, mas, se recebê-la, ordena em seguida a citação do acusado para apresentar resposta escrita. Na resposta escrita, reservam-se ao réu os poderes apontados pelo artigo 396-A do Código de Processo Penal, bem como lhe permite requerer ao juiz a absolvição sumária. Até mesmo para o réu seria prejudicial a resposta escrita sem o recebimento da denúncia ou queixa. Deveras, não seria cabível a absolvição sumária sem o juízo de admissibilidade da inicial acusatória. Como bem destaca Andrey Borges de Mendonça: (...) seria logicamente impossível a absolvição sumária do acusado sem o anterior recebimento da denúncia. O juiz julgaria qual pretensão improcedente, se sequer recebeu a acusação? Absolveria o acusado de que, se sequer houve recebimento da denúncia? Seria incoerente, em nosso sentir, uma absolvição sem que houvesse processo, sem recebimento de denúncia. 5 A redação do artigo 399, caput, do Código de Processo Penal é confusa, mas deve ser entendida, por questão de lógica, como indicativa do recebimento da denúncia ou queixa e conseqüente apresentação de resposta escrita, sem optar o juiz pela absolvição sumária. Assim sendo, o magistrado designa audiência de instrução e julgamento, que deve ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias. Poderia o legislador ter utilizado redação nesse sentido: “Se, recebida a denúncia ou a queixa, não for cabível a absolvição sumária, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente”. 4 No mesmo sentido: ESTEFAM, André. A Lei n. 11.719/2008 não criou “defesa preliminar”. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, jul. 2008. Disponível em: www.damasio.com.br. Acesso em 05/08/2008. 5 MENDONÇA, Andrey Borges. Nova reforma do Código de Processo Penal: artigo por artigo. São Paulo 21801009.pmd 21 15/10/2008, 10:51 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 17-24, julho/dezembro-2008 _______________________ 22 Nessa audiência a ordem de oitiva é a seguinte: declarações do ofendido, inquirição das testemunhas (primeiro as de acusação e depois as de defesa), esclarecimentos dos peritos, acareações e reconhecimentos de pessoas e coisas, e, por último, interrogatório do acusado (CPP, art. 400, caput). Com a produção das provas em audiência, o Ministério Público, o querelante e o assistente, e, a seguir, o acusado poderão requerer diligências cuja necessidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução. Se o juiz acatar o pedido, encerra a audiência sem as alegações finais, e, realizada a diligência determinada, as partes apresentarão, no prazo sucessivo de 5 (cinco) dias, seus memoriais, e, no prazo de 10 (dez) dias, o juiz proferirá a sentença (CPP, art. 402 c.c. art. 404 e p. único). Por sua vez, se, encerrada a audiência, não houver requerimentos de diligências, ou se indeferido pedido nesse sentido, as partes oferecerão alegações finais oralmente, primeiro a acusação e depois a defesa, por 20 (vinte) minutos, prorrogáveis por mais 10 (dez), preferindo o juiz, a seguir, a sentença. Em razão da complexidade do caso ou do número de acusados, poderá o juiz conceder às partes o prazo de 5 (cinco) dias sucessivamente para a apresentação de memoriais, e, após, deverá sentenciar em 10 (dez) dias (CPP, art. 403 e § 3°). Fica nítido, assim, o motivo que levou o legislador a introduzir no sistema processual o instituto da resposta escrita. Antes da Lei 11.719/2008, o réu era citado para ser interrogado em juízo. Dentro do prazo de três dias após o interrogatório, podia apresentar defesa prévia, ocasião em que arrolava testemunhas, argüia preliminares, apresentava exceções, etc. Com a edição da Lei 11.719/2008, o réu é interrogado apenas na audiência de instrução e julgamento. Logo, não teria mais espaço para a defesa prévia, então disciplinada pelo artigo 395 do Código de Processo Penal. Conseqüentemente, foi necessária a criação da resposta escrita para que o réu possa desempenhar diversas funções: argüir preliminares, alegar o que interessar à sua defesa, notadamente para buscar a absolvição sumária, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas a serem ouvidas em juízo etc. Constitui-se a resposta escrita, portanto, em meio de defesa posterior ao recebimento da denúncia ou queixa, e não em defesa preliminar, pois não se destina a buscar a rejeição da inicial acusatória. É válido destacar, porém, que o Projeto de Lei n° 2007, de 2001, do qual resultou a Lei 11.719/2008, tinha originariamente o propósito de fazer a resposta escrita desempenhar a função de defesa preliminar, anterior ao recebimento da denúncia ou queixa. Mas na Câmara dos Deputados o projeto foi alterado, com a justificativa de que não seria correto determinar a citação do acusado sem o recebimento da inicial acusatória. E quando o projeto foi encaminhado ao Senado Federal, mais uma vez tentou-se ressuscitar a figura da defesa preliminar. Em vão, pois quando retornou à Câmara dos Deputados a emenda foi rejeitada. Confira-se o parecer do Deputado Régis Fernandes de Oliveira à mencionada emenda do Senado Federal: “Emenda n. 8: Pretende alterar no caput do art. 395, do 21801009.pmd 22 15/10/2008, 10:51 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 17-24, julho/dezembro-2008 _______________________ 23 Código de Processo Penal, o termo “recebê-la-á, sob a justificativa de que o ato de recebimento da denúncia está previsto no momento descrito no art. 399. O instrumento que é o processo, não pode ser mais importante do que a própria relação material que se discute nos autos. Sendo inepta de plano a denúncia ou queixa, razão não há para se mandar citar o réu, e, somente após a apresentação da defesa deste, extinguir o feito. Melhor se mostra que o Juiz ao analisar a denúncia ou queixa ofertada fulmine relação processual infrutífera. Rejeita-se a alteração proposta pelo Senado”. 7. Conclusões Em face do que foi exposto, são possíveis as seguintes conclusões acerca da resposta escrita, prevista pelo artigo 396, caput, do Código de Processo Penal, com a redação alterada pela Lei 11.719/2008: 1) O instituto é aplicável aos crimes cujo processo e julgamento observam os procedimentos ordinário e sumário; 2) Existe, entretanto, regra análoga para os crimes de competência do Tribunal do Júri, contida no artigo 406, caput, do Código de Processo Penal, com a redação definida pela Lei 11.689/2008; 3) A resposta escrita deve ser apresentada pelo defensor, no prazo de 10 dias após a citação, e, em caso de omissão, o juiz nomeará defensor para oferecê-la em igual prazo; 4) A ausência de resposta escrita constitui nulidade absoluta, por violação aos princípios constitucionais da ampla defesa e do devido processo legal; 5) O querelante ou o Ministério Público devem manifestar-se sobre a resposta escrita somente na hipótese de nela terem sido argüidas nulidades ou apresentados novos documentos, em obediência ao principio do contraditório, constitucionalmente consagrado; 6) A resposta escrita substitui, ainda que em momento diverso, a antiga defesa prévia. Portanto, destina-se à argüição de nulidades, apresentação de exceções, indicação de testemunhas, e, notadamente, para o acusado pleitear a absolvição sumária; e 21801009.pmd 23 15/10/2008, 10:51 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 17-24, julho/dezembro-2008 _______________________ 24 7) Finalmente, trata-se de meio processual de defesa do réu, e não de defesa preliminar, uma vez que depende do prévio recebimento da denúncia, bem como da citação válida do acusado. Bibliografia ESTEFAM, André. A Lei n. 11.719/2008 não criou “defesa preliminar”. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, jul. 2008. Disponível em: www.damasio.com.br. Acesso em 05/08/2008. MENDONÇA, Andrey Borges. Nova reforma do Código de Processo Penal: artigo por artigo. São Paulo: Método, 2006, p. 266. 21801009.pmd 24 15/10/2008, 10:51 OS NO VOS NOV A CONTORNOS DA CONT ORNOS D EMENDA EMEND ATIO LIBELLI MUTA DA ATIO E D A MUT LIBELLI LUÍS FERNANDO DE MORAES MANZANO Promotor de Justiça no Estado de São Paulo Especialista em Direito Público pela ESMP Mestrando em Processo Penal pela Faculdade de Direito da USP 21801009.pmd 25 15/10/2008, 10:51 21801009.pmd 26 15/10/2008, 10:51 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 27-38, julho/dezembro-2008 _______________________ 27 OS NOVOS CONTORNOS DA EMENDATIO LIBELLI E DA MUTATIO LIBELLI Luís Fernando de Moraes Manzano1 1. Introdução A Lei 11.719, de 23 de junho de 2008, introduziu novos contornos à emendatio libelli e à mutatio libelli. Para melhor compreensão das modificações havidas, elas serão apresentadas em comparação com a sistemática anteriormente vigente. 2. Princípio da correlação, da congruência ou da equivalência O princípio da correlação entre acusação e sentença, também chamado da congruência da condenação com a imputação, ou ainda, da correspondência entre o objeto da ação e o objeto da sentença, expressa que a sentença deve guardar correlação com o pedido. Trata-se de uma das mais relevantes garantias do direito de defesa. Qualquer distorção, sem a observância do disposto no art. 384 do Código de Processo Penal, significa ofensa àquele princípio e acarreta a nulidade da sentença. 3. Regra da imutatio libelli É nula a sentença ultra, citra e extra petita, por ofensa ao princípio em tela. Ademais, a primeira ofende também o princípio da ação ou demanda, na medida em que a entrega jurisdicional ultrapassa os limites da pretensão deduzida; a segunda, fere de igual 1 Bacharel Internacional pelo Armand Hammer United World College of the American West (1982-1984). Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (1991) e, em Engenharia pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (1991), sendo o orador das turmas. Advogado (1992). Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo (ingresso em 1992). Membro do Conselho de Segurança do Município de Campinas (1995-1996). Coordenador do Grupo de Estudos Campos Salles em Campinas (1996-1997). 1º Diretor do Núcleo Regional da Escola Superior do Ministério Público de Campinas (1997). Fundador e coordenador do Curso Veredicto Preparatório para as Carreiras Jurídicas de Campinas e Região (1996-2005). Especializado em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público (2006). Mestrando em Direito Processual pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professor assistente da USP e Professor de Direito Processual do Curso Marcato. Coordenador Geral do JURISUL. 21801009.pmd 27 15/10/2008, 10:51 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 27-38, julho/dezembro-2008 _______________________ 28 modo o princípio da inafastabilidade ou indeclinabilidade da jurisdição, pois o juiz não pode deixar de apreciar a causa que lhe é trazida à solução; e, por fim, a terceira atenta contra os três princípios mencionados neste parágrafo, pelas mesmas razões já explicitadas. O juiz não pode, portanto, proferir sentença ultra, citra ou extra petita, sob pena de causar prejuízo à defesa e de nulidade da sentença. Trata-se da enunciação da regra da imutatio libelli. 4. Teoria da substanciação versus teria da individuação e o princípio juris novit curia No processo brasileiro vigora o princípio juris novit curia, isto é, o juiz conhece o direito e, quanto à causa de pedir, nosso ordenamento jurídico adotou a teria da substanciação, que se contrapõe à teoria da individuação. Segundo a teoria adotada, o réu se defende dos fatos contra ele imputados, de que toma conhecimento por intermédio da citação e contra-fé, e não da capitulação legal dada ao crime na inicial. 5. Emendatio libelli (art. 383) Em razão das teorias e princípios supra ditos, o Código autoriza o juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, a atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave (art. 383, caput). Em sua redação anterior, dispunha o art. 383: “Art. 383. O juiz poderá dar ao fato definição jurídica diversa da que constar da queixa ou da denúncia, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave”. A nova redação é a seguinte: “Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave”. Com a nova redação dada pela Lei 11.719, de 20 de junho de 2008, ao dispositivo ficou mais claro que na hipótese de emendatio libelli não há modificação nos fatos narrados na denúncia ou queixa, sendo possível, isto sim, que o juiz, sem alterar a descrição dos fatos, subsuma-os à norma penal que entenda aplicável. Afinal, cabe ao juiz, que conhece o direito, aplicá-lo à espécie. 21801009.pmd 28 15/10/2008, 10:51 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 27-38, julho/dezembro-2008 _______________________ 29 Desde o direito romano arcaico as partes compareciam à presença do pretor e, depois de narrarem os fatos, assumiam a litiscontestatio, isto é, o compromisso de se submeterem ao que fosse por ele decidido, pois era ele o árbitro dos conflitos de interesses resistidos, haja vista que, em razão de sua ligação com as divindades ou com os anciãos, conheciam a vontade dos deuses ou os costumes dos povos e, pois, tinham condições de melhor decidir. A esta época remontam as expressões narra mihi factum dabo tibi jus e juris novit curia. Afinal ao juiz compete o exercício da atividade, função e poder jurisdicional que, em contrapartida, impõe-lhe o dever de apreciar a causa que lhe é trazida à solução. A nova sistemática, introduzida pela Lei 11.719, de 20 de junho de 2008, alterou apenas a redação do artigo para tornar mais clara a intenção da lei, sem, contudo, impor qualquer alteração em seu sentido. Saliente-se que o juiz somente poderá dar definição jurídica diversa ao fato, se o mesmo estiver descrito na inicial, ainda que disso resulte a aplicação de pena mais grave, sem que importe em prejuízo à defesa, pois, segundo a teoria da substanciação, o réu se defende dos fatos contra ele imputados e não da capitulação legal dada ao crime na inicial. Vale dizer, cabe ao titular da ação penal narrar na inicial os fatos cuja prática imputa ao agente e, ao juiz, a entrega da prestação jurisdicional, ou seja, dizer o direito, o que se expressa na parêmia narra mihi factum dabo tibi jus. Assim, por exemplo, o juiz pode reconhecer a existência de elementares, qualificadoras, causas de aumento de pena descritas porém não capituladas na inicial, o que redundará na aplicação de pena mais gravosa que aquela que seria imposta ao crime capitulado na inicial. A emendatio libelli também se aplica ao julgamento em grau de recurso, observando-se, porém, que somente se houver recurso da acusação é que o tribunal pode aumentar a pena, em virtude da proibição da reformatio in pejus e do tantum devoluntum quantum appellatum. Nesse caso, não tendo havido recurso da acusação, o tribunal corrige a classificação, mas não pode aumentar a pena. Assim, por exemplo, se o promotor de justiça descreveu o apossamento da res furtiva mediante arrebatamento e classificou o fato como sendo crime de furto, nada obsta a que o juiz condene o réu por roubo, por entender que o arrebatamento da corrente do pescoço da vítima configurou a violência necessária à caracterização do roubo. Cumpre observar, de outra parte, que a nova lei acrescentou dois parágrafos ao comentado art. 383, de seguintes teores: “Art. 383... § 1º. Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei. § 2º. Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão encaminhados os autos.” 21801009.pmd 29 15/10/2008, 10:51 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 27-38, julho/dezembro-2008 _______________________ 30 Os acréscimos (dois parágrafos) buscaram adequar o Código de Processo Penal às Lei 9.099/95. Assim, dispôs a nova lei que, se em razão da nova definição jurídica do fato narrado na denúncia ou queixa, a pena mínima prevista para o crime não exceder a um (01) ano de prisão, o juiz dará vista dos autos ao Ministério Público para o oferecimento de proposta de suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei 9.099/95. Semelhante orientação já vinha sendo adotada pelo STJ (vide Súmula 337 a propósito2). Caso o órgão ministerial discorde da interpretação jurídica dada pelo juiz ao fato narrado na denúncia e, em razão disso, recuse-se a oferecer a proposta de sursis processual, de todo aplicável a Súmula 696 do STF3. A lei 9.099/95 não previu a possibilidade de oferecimento de proposta de suspensão condicional do processo nos crimes de ação penal privada. É o que se infere da leitura do art. 89, caput, da lei, cuja redação é a seguinte: “Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a 1 (um) ano, abrangidos ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal)”. Contudo, na jurisprudência atual predomina claramente o entendimento de que é cabível a suspensão do processo na ação penal privada: STJ, HC 5.585-RJ, rel. Min. Cid Fláquer Scartezzini, DJU de 02.03.1998, p. 120; STJ, HC 18.590-MG, rel. Hamilton Carvalhido, DJU de 25.02.2002, p. 453, j. 04.12.2001. Por outro lado, se a nova tipificação ensejar a competência de outro juízo, caberá ao juiz encaminhar-lhe os autos para prosseguimento. O § 2º do art. 383 teve claramente em mira a hipótese em que, efetivada a nova definição jurídica do fato, resulte qualificado como infração penal de menor potencial ofensivo. Neste caso, portanto, os autos deverão ser remetidos ao Juizado Especial, para a adoção do rito especial previsto na Lei 9.099/95. Sumarizando, se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei (art. 383, § 1º). Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão encaminhados os autos (art. 383, § 2º). 2 Súmula 337 do STJ: é cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva. 3 Súmula 696 do STF: reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o promotor de justiça a propô-la, o juiz, dissentindo, remeterá a questão ao procurador-geral, aplicando-se, por analogia, o art. 28 do Código de Processo Penal. 21801009.pmd 30 15/10/2008, 10:51 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 27-38, julho/dezembro-2008 _______________________ 31 6. Mutatio libelli (art. 384) Por outro lado, verdadeira exceção à regra da imutatio libelli está prevista no art. 384. Na redação anterior, dispunha o art. 384: “Art. 384. Se o juiz reconhecer a possibilidade de nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de circunstância elementar, não contida, explicita ou implicitamente, na denúncia ou queixa, baixará o processo, a fim de que a defesa, no prazo de oito dias, fale e, se quiser, produza prova, podendo ser ouvidas até três testemunhas. Parágrafo único. Se houver possibilidade de nova definição jurídica que importe aplicação de pena mais grave, o juiz baixará o processo, a fim de que o Ministério Público possa aditar a denúncia ou a queixa, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, abrindo-se, em seguida, o prazo de três dias á defesa, que poderá oferecer prova arrolando até três testemunhas.” A nova redação dada pela Lei 11.719/08 é a seguinte : “Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 dias, se em virtude desta houver sido instaurado processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente. § 1º Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento, aplica-se o art. 28 deste Código. § 2º Ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 dias e admitido o aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e a hora para a continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento. § 3º Aplicam-se as disposições dos §§ 1º e 2º do art. 383 ao caput deste artigo. § 4º Havendo aditamento, cada parte poderá arrolar até 3 testemunhas, no prazo de 5 dias, ficando o juiz, na sentença, adstrito aos termos do aditamento. § 5º. Não recebido o aditamento, o processo prosseguirá”. Trata o dispositivo da mutatio libelli, que ocorre quando o juiz observa, ao tempo da prolação da sentença, que os fatos descritos na inicial não coincidem com os fatos apurados durante a instrução criminal em face da existência de elementar ou circunstância da infração penal que não se encontra descrita na denúncia ou queixa. 21801009.pmd 31 15/10/2008, 10:51 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 27-38, julho/dezembro-2008 _______________________ 32 Neste caso então a lei previu a necessidade de prévio aditamento da inicial e pronunciamento da defesa, para que não se transija com a garantia constitucional da ampla defesa. A inobservância da regra contida no art. 384, caput, do CPP acarreta, como conseqüência, a nulidade da sentença por ofensa dos princípios da correlação e da ampla defesa, com fundamento no art. 564, inc. IV do Código de Processo Penal. Logo, impõe-se ao Ministério Público o aditamento da denúncia ou queixa subsidiária para o fim de incluir elemento ou circunstância na descrição fática não contida na inicial, e que foi apurada durante a instrução criminal. Uma das modificações observadas na nova redação se refere à possibilidade de que o aditamento seja feito oralmente em audiência, caso em que será reduzido a termo. Nesse passo, o dispositivo em estudo se harmonizou à nova sistemática ritual implantada pela Lei 11.719/08, marcada pela audiência una, concentração, oralidade, imediatidade e identidade física do juiz. Além disso, o aditamento passou a ser sempre exigido, mesmo quando, em razão da prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração não contida na acusação, resulte aplicação de pena igual ou menor que a prevista para a infração penal narrada na inicial. Aqui, portanto, a hipótese é diversa da do art. 383, pois, em sede de mutatito libelli, o fato não está inteiramente descrito na inicial na medida em que um adendo do fato (elemento ou circunstância) vem a ser desvendado no curso da instrução criminal. O juiz, nesse caso, não poderá condenar o réu pelo novo fato que não está inteiramente descrito na inicial sem o aditamento à denuncia e o prévio pronunciamento da defesa, a fim de manter íntegros os princípios da correlação e da ampla defesa, sob pena de nulidade da sentença. Duas hipóteses podem ocorrer: 1ª) a elementar ou circunstância não altera ou diminui a pena; 2ª) a pena vem a ser agravada. Na sistemática anterior, o art. 384, caput, ao tratar da primeira hipótese, recomendava vista dos autos à defesa, por oito dias, podendo esta arrolar até três testemunhas, ao passo que o parágrafo único, ao disciplinar a segunda hipótese, impunha vista ao Ministério Público para o aditamento e, depois, à defesa, por três dias, para que arrolasse até três testemunhas. As soluções, como se vê, eram díspares, conforme a hipótese verificada pelo juiz. A nova sistemática simplificou a matéria, na medida em que recomendou a adoção da mesma solução para as duas hipóteses. Sem dúvida, o modelo atual é mais garantista, no sentido de melhor assegurar a congruência entre a sentença e o pedido, e o amplo exercício da defesa e do contraditório, por exigir o aditamento da denúncia ou queixa e o pronunciamento prévio da defesa nas duas hipóteses. 21801009.pmd 32 15/10/2008, 10:51 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 27-38, julho/dezembro-2008 _______________________ 33 Portanto, de acordo com a nova redação dada ao dispositivo, o aditamento será sempre necessário, independentemente da circunstância ou do elemento não descrito, importar em aplicação de uma pena igual ou de menor gravidade, caso em que, de acordo com a sistemática anterior, não se exigia o aditamento, mas tão somente a intimação do defensor para que se manifestasse no prazo de 8 dias (previsão esta, contida no antigo caput do art. 384), podendo produzir prova e arrolar até 3 testemunhas. Caso o aditamento não seja oferecido oralmente em audiência, o prazo para que o órgão do Ministério Público o realize é de 5 dias. Uma vez admitido o aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora para continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento. Logo, a lei estabeleceu que a instrução possa ser reaberta, e que, a pedido das partes, novo interrogatório, ao final, seja realizado, em que consagrou o entendimento no sentido de que o interrogatório é meio de defesa, e não meio de produção de prova, cabendo anotar que a redação anterior não previa a possibilidade de renovação do ato a pedido das partes, o que dava margem à discussão sobre a possibilidade de repetição voluntária. Por outro lado, a nova redação eliminou a expressão “circunstância elementar”contida na redação anterior, a qual deu margem a duras críticas doutrinárias. Substituiu-a por “elemento ou circunstância”, que é, sem dúvida, mais precisa, embora ainda não seja suficientemente adequada, pois ao invés de “elemento” melhor teria escrito “elementar”. Dizia a doutrina, em geral, que a expressão “circunstância elementar” não se afigurava correta: a elementar compõe o tipo penal; circunstância deriva de circunstare, que significa estar ao redor de (do crime), está fora do crime. Se é elementar, está no crime; se é circunstância, fora do crime, pelo que “circunstância elementar” expressa algo que está “dentro e fora”; é dizer, afigurava-se expressão vazia, sem sentido algum, desprovida de significado qualquer. Em boa hora, sensível aos reclamos doutrinários, o legislador substituiu a expressão “circunstância elementar” por “elemento ou circunstância”. Elemento e circunstância abrangem não só as elementares propriamente ditas, mas também as circunstâncias legais (qualificadoras, causas de aumento e de diminuição de pena). E quanto às agravantes? Dispõe o art. 385, que não foi alterado, que “nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada”, mesmo que não tenham sido articuladas na denúncia ou queixa. Portanto, por elemento ou circunstância entenda-se: 1) elementar; 2) qualificadora; e, 3) causa de aumento e de diminuição de pena. 21801009.pmd 33 15/10/2008, 10:51 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 27-38, julho/dezembro-2008 _______________________ 34 Em se tratando de fato novo, tem aplicação o disposto no art. 40 do CPP. Nesse caso, descabe o aditamento ainda que haja conexão. Deve ser oferecida nova denúncia, instaurando-se outro processo contra o acusado. Por outro lado, nos crimes de ação pública o juiz poderá reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada (art. 385, 2ª parte). A fase do art. 384 é a última oportunidade para se fazer a adequação da imputação à realidade fática, por duas razões: 1ª) porque o procedimento não pode ser adotado em segundo grau de jurisdição. Com efeito, a Súmula 453 do STF dispõe sobre a impossibilidade de aplicação da mutatio libelli em segundo grau. Portanto, não se aplica à segunda instância o art. 384 do CPP; 2ª) porque a absolvição sobre o fato fará coisa julgada material sobre o fato inteiro, ainda que não julgado por inteiro. Assim, por exemplo, se o réu foi processado pela prática de crime de estupro sem que tivesse havido coito vaginal, mas sim anal, após o trânsito em julgado da sentença não poderá mais ser processado pelo crime de atentado violento ao pudor, pois ninguém pode ser julgado duas vezes pelo mesmo fato, naturalisticamente considerado. Esse procedimento, que assegura o direito de defesa, para alguns doutrinadores é resquício do procedimento de ofício, indesejável num sistema acusatório puro, porque é o juiz que aponta a elementar ou circunstância e provoca o aditamento da denúncia pelo Parquet, incorrendo, pois, em irrefragável inconstitucionalidade, pois o exercício da ação penal pública é privativo do Ministério Público (art. 129, inc. I, da CF). Nesse sentido, decidiu o extinto TACrimSP (JUTACrim 90/368) que o juiz deve esclarecer “qual a prova e circunstância elementar não contidas explícita ou implicitamente na denúncia” e, se deixa de fazê-lo, “nulo é o despacho, porque a acusação deve ser certa, para que o réu possa se defender amplamente” (grifou-se). Admitindo, como o acórdão, que há uma nova acusação, discutível a constitucionalidade do art. 384, caput, pois, segundo o art. 129, inc. I da CF, qualquer acusação em crime de ação pública deve ser formulada pelo Ministério Público. De se ponderar, contudo, que o Supremo Tribunal Federal jamais declarou a inconstitucionalidade do art. 384 do CPP. Suponha-se que, denunciado por furto simples, venha o réu a ser condenado por apropriação indébita, sem observância do disposto no novo art. 384, caput. O réu apela para ser absolvido, não alegando a preliminar de nulidade da sentença. Impende, nesse caso, observar o teor da Súmula 160 do STF, no sentido de que “é nula a decisão do tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não argüida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício”. Se o Tribunal verificar que as elementares da apropriação indébita não estavam contidos na acusação, deve absolver o apelante, uma vez que o art. 384 não pode ser aplicado em segunda instância. Em suma: caso o Tribunal reconheça ser o caso de aplicar o art. 384, a solução é a absolvição, e não a decretação da nulidade. O prazo para o Promotor de Justiça oferecer aditamento não estava expresso na redação anterior do art. 384, parágrafo único. À míngua de previsão legal, entendia a doutrina, por analogia ao art. 46, § 2º, que o prazo era de 3 dias. Também decorria de entendimento doutrinário que, em caso de recusa do aditamento, aplicar-se-ia o art. 28 do CPP também por analogia. 21801009.pmd 34 15/10/2008, 10:51 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 27-38, julho/dezembro-2008 _______________________ 35 A nova lei dirimiu qualquer controvérsia sobre a matéria, e positivou, no caput, o prazo de 5 dias para o aditamento da denúncia ou queixa subsidiária e, no § 1º, que “Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento, aplica-se o art. 28 deste Código”. Assim, a nova lei melhor atendeu ao princípio da segurança jurídica na medida em que suprimiu lacunas existentes na redação anterior conducentes a incertezas tormentosas. A nova redação não inovou, uma vez que já era entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência que se o representante do Ministério Público deixasse de oferecer o aditamento à peça inicial, deveria ser aplicado o art. 28 do CPP por analogia. Ao fazer o aditamento, o promotor de Justiça não está adstrito aos limites estabelecidos pelo juiz, de acordo com o STF, podendo fazê-lo mesmo sem a determinação deste em alegações finais por exemplo; isto porque a denúncia pode ser aditada a qualquer tempo. O recebimento do aditamento não interrompe a prescrição, pois a hipótese não está contida entre as causas interruptivas da prescrição relacionadas no art. 117 do CP. Admitido o aditamento, dispõe o novo § 2º do art. 384, que o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora para continuação da audiência com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento. A previsão de novo interrogatório do acusado constitui inovação, pois não constava da redação anterior, o que gerou grande controvérsia em torno de sua indispensabilidade. Além disso, ao consignar, in fine, “realização de debates e julgamento”, o dispositivo adequou-se à nova sistemática adotada pela mesma Lei 11.719/08 quanto aos ritos, eliminando as fases dos arts. 499 a 502, que foram substituídas pelos debates e julgamento, tanto para o rito sumário quanto para o rito ordinário. Note-se, porém, que a nova lei, assim como a anterior, não faz menção alguma quanto à necessidade de que, procedido ao aditamento, a citação seja renovada, de que se impõe concluir pela dispensa do ato. O assistente da acusação não pode aditar a denúncia, em razão da natureza jurídica de sua atuação, que legitima sua intervenção no processo penal para defender um direito próprio, não também para a defesa do interesse social envolvido na repressão criminal, tarefa constitucionalmente afeta ao Ministério Público, pois, se lhe fosse dado fazêlo, a lei estaria a homenagear uma superfetação de atribuições. Por outro lado, nada impede que, após as providências referidas no dispositivo em estudo e produzidas as alegações e provas das partes, o juiz condene o acusado pelos fatos descritos na inicial (desconsiderado o aditamento), dos quais o réu se defendeu no processo, por entender não haver prova contundente a respeito das circunstâncias ou elementares que vislumbrava anteriormente. Apesar dos avanços, ainda persiste dúvida sobre a aplicabilidade ou não do art. 384, caput, à ação penal exclusivamente privada por analogia invocando, em amparo, o disposto no art. 3º do CPP, que admite a aplicação da analogia e interpretação extensiva às normas processuais penais. Há duas orientações: 1ª) (Mirabete, Greco, Frederico Marques e Basileu Garcia) não se aplica. Ratio: a analogia somente é cabivel em caso de lacuna involuntária da lei, para integrála. Na hipótese, sustentam esses autores, o legislador não deixou lacuna a ser suprida, pois se 21801009.pmd 35 15/10/2008, 10:51 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 27-38, julho/dezembro-2008 _______________________ 36 refere expressa e exclusivamente à ação privada subsidiária. Além disso, interpretação em contrário feriria o princípio da disponibilidade e oportunidade, na medida em que seria o juiz a provocar o ofendido a lhe trazer o fato à apreciação. 2ª) (Tourinho Filho e Damásio) aplica-se também à ação penal exclusivamente privada. Ratio: “Seria estranho que o querelante, pelo fato de, inicialmente, não haver apreendido, em toda a sua extensão, a gravidade do fato delituoso demonstrada na instrução, não pudesse fazer o aditamento, desde que o fizesse dentro do prazo decadencial. E mais estranha ainda a posição do juiz, não podendo condenar pelo crime verificado (ante a ausência de aditamento), e muito menos pelo capitulado (porque na verdade o crime foi outro), teria forçosamente que proferir um decreto absolutório”4. O dissenso ainda é atual, na medida em que, em sua nova redação, o art. 384, caput, manteve a mesma fórmula contida no parágrafo único do art. 384 (antigo), que reza “(...) aditar a denúncia ou queixa, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública”. Regra importante a ser obedecida quando da aplicação da mutatio libelli é que o juiz, ao baixar os autos em Cartório para as providências do art. 384, caput, deve fazê-lo, como diz Espínola Filho, em termos que não traduzam um prejulgamento, mesmo porque, arremata Mirabete, tal despacho encerra um juízo de mera possibilidade, pois que nada impede que o juiz acabe por reconhecer a ocorrência do crime anteriormente capitulado ao depois. A emendatio libelli (art. 383) pode ser aplicada em segundo grau. O mesmo não se diga quanto à mutatio libelli. A propósito, dispõe a Súmula 453 do STF que “Não se aplicam à segunda instância o art. 384 e parágrafo único do Código de Processo Penal, que possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso, em virtude de circunstância elementar não contida explícita ou implicitamente na denúncia ou queixa”. Por fim, questão controvertida dizia respeito ao processo do júri por ocasião da sentença de pronúncia (agora tratada como decisão de pronúncia) pela Lei 11.689, de 9 de junho de 2008.. O art. 408, § 4º (que foi revogado e substituído pelo atual art. 418) dispunha que “o juiz não ficará adstrito à classificação do crime, feita na queixa ou na denúncia, embora fique sujeito à pena mais grave...”, o que podia sugerir que o juiz estivesse autorizado a pronunciar por crime diverso do contido na denúncia, sem o aditamento, como, por exemplo, pronunciar por homicídio qualificado quem foi acusado por homicídio simples, ou por homicídio em caso de imputação de infanticídio. Conquanto parecesse lógica a necessidade do aditamento, uma interpretação equivocada dos julgados do STJ conduzia alguns autores a suporem-no dispensável. O novo art. 418, que substituiu o art. 408, § 4º, não repetiu a fórmula deste; repisou, isto sim, a redação do art. 383, notadamente quanto ao emprego da expressão “definição jurídica diversa”, a evidenciar que o citado dispositivo se refere à hipótese de emendatio libelli e, pois, que nova definição jurídica do fato em conseqüência de prova 4 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, vol. 4. São Paulo : Saraiva, 18ª edição, 1997, p. 240. 21801009.pmd 36 15/10/2008, 10:51 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 27-38, julho/dezembro-2008 _______________________ 37 existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação não escapa ao necessário aditamento desta. O novo § 3º, do art. 384, determinou a aplicação, à mutatio libelli, das regras previstas nos §§ 1º e 2º, do art. 383, que disciplina a emendatio libelli. Assim, se da nova descrição fática contida no aditamento houver a possibilidade de aplicação do art. 89 da Lei 9.099/95, que prevê a suspensão condicional do processo paras as infrações cuja pena mínima não exceda um ano, o juiz deverá proceder a fim de que tal regra seja aplicada. Por outro lado, se a nova tipificação ensejar a competência de outro juízo, caberá ao juiz encaminhar-lhe os autos para prosseguimento. O § 4º, acrescido ao art. 384, a seu turno, prescreve que, no caso de aditamento, as partes poderão, no prazo de 5 dias, arrolar até 3 testemunhas para serem ouvidas em audiência, sendo certo que o juiz, na sentença, deve ficar adstrito aos termos do aditamento realizado, não podendo julgar extra petita, o que geraria nulidade da sentença. E o § 5º do citado dispositivo legal complementa a regulamentação da matéria, ao dispor que não recebido o aditamento, o processo prosseguirá, cabendo ao juiz, pois, sentenciar o feito levando em conta apenas os fatos narrados na inicial (desconsiderado o aditamento), por força da aplicação do princípio da correlação. É despiciendo lembrar que as normas contidas nos arts. 383 e 384 têm natureza puramente processual, pelo que a elas se aplica o disposto no art. 2º do CPP5. Bibliografia ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal Anotado, vol. 4. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1965. GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antônio Scarance, e GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal. São Paulo; Revista dos Tribunais, 8ª edição, 2004. JESUS, Damásio E. Código de Processo Penal Anotado. São Paulo: Editora Saraiva, 15ª edição, 1998. 5 “Art. 2º. A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior”. 21801009.pmd 37 15/10/2008, 10:51 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 27-38, julho/dezembro-2008 _______________________ 38 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 18ª edição, 2007. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, vol. 4. São Paulo: Saraiva, 18ª edição, 1997. 21801009.pmd 38 15/10/2008, 10:51 A REAFIRMAÇÃO DO PROCESSO CUSATÓRIO ACUSA TÓRIO E CONTRADITÓRIO NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: AS REFORMAS DE JUNHO DE 2008 LUIZ ROBERTO SALLES SOUZA Promotor de Justiça no Estado de São Paulo Mestre em Direito Processual Penal pela USP Professor da ESMP Professor dos cursos de graduação e pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie CHRISTIAN MARCOS CARBONI Bacharel em Direito Pequisador Oficial de Promotoria em São Paulo 21801009.pmd 39 15/10/2008, 10:51 21801009.pmd 40 15/10/2008, 10:51 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 41-46, julho/dezembro-2008 _______________________ 41 A REAFIRMAÇÃO DO PROCESSO ACUSATÓRIO E CONTRADITÓRIO NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: AS REFORMAS DE JUNHO DE 2008 Luiz Roberto Salles Souza1 Christian Marcos Carboni2 O Código de Processo Penal brasileiro3, no curso dos últimos sessenta anos, vem sofrendo alterações que mantém a sua atualidade e vitalidade. A mais recente reforma foi introduzida pelo conjunto de três novas leis4 que bem demonstram a intenção do legislador em reforçar a adoção do sistema5 acusatório no processo penal brasileiro, buscar a celeridade processual, aprimorar o processo contraditório e adequar o vetusto Código de Processo Penal a Constituição Federal de 1988. Em realidade, caminha-se para um processo penal mais eficiente e garantista. Na lição de Antonio Scarance Fernandes, “o que se alcançou com a evolução histórica do processo penal não foi a criação de um procedimento ideal que assegurasse de modo perene o equilíbrio desejável entre a segurança e a liberdade, mesmo porque o processo penal reflete, em cada época e em cada local, as vicissitudes das ideologias e dos pensamentos do sistema político e as formas diferenciadas de expressão do tecido social. Mas, de maneira geral, foram sendo fixadas algumas regras e alguns princípios, os quais, em seu conjunto, constituem diretrizes fundamentais para a formação dos procedimentos (...)” que devem garantir “a atuação eficaz dos órgãos encarregados da persecução penal e que, ao mesmo tempo, assegure a plena efetivação das garantias do devido processo penal”.6 As novas disposições do Código de Processo Penal tiveram por base as propostas apresentadas pela Comissão de Reforma do Código de Processo Penal que fora presidida pela Professora Ada Pellegrini Grinover7. “Foram elaborados inicialmente 1 Promotor de Justiça em São Paulo, mestre em direito processual penal pela Universidade de São Paulo (USP), professor da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo (ESPM) e professor dos cursos de graduação e pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). 2 Bacharel em direito, pesquisador e oficial de promotoria em São Paulo. 3 Decreto-lei 3.689/41. 4 Lei 11.689/08, Lei 11.690/08 e Lei 11.719/08 5 Sobre os sistemas contemporâneos ver DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 1998. Em relação aos sistemas processuais penais consultar: SCHOLZ, Leônidas Ribeiro, in RT 764/459-468. 6 Reflexões sobre as noções de eficiência e de garantismo no processo penal. In Sigilo no processo penal: eficiência e garantismo. São Paulo: RT, 2008, pp. 11-13. 21801009.pmd 41 15/10/2008, 10:51 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 41-46, julho/dezembro-2008 _______________________ 42 oito projetos: um já aprovado (o que cuidava da prisão especial) e outros sete (investigação criminal, procedimentos, provas, interrogatório, prisão e liberdade provisória, júri e recursos)”. 8 O estudo do processo penal constitucional,9 demonstra que vários dispositivos do Código de Processo Penal não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, mas continuaram inseridos no texto da norma instrumental provocando dúvidas de interpretação e desvios de aplicação. Mister se fazia a adequação do Código de Processo Penal aos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal. Muito embora o modelo do processo penal acusatório faça parte da tradição jurídica brasileira, nosso ordenamento vem sendo refinado com distribuição clara das funções de julgar, acusar e defender. Na atualidade, parece inconcebível a existência de um sistema em que os papeis desenvolvidos pelos operadores do processo penal se misturem e que não haja absoluta igualdade de oportunidades processuais, entre acusação e defesa, na busca da prestação jurisdicional imparcial e plenamente fundamentada na prova produzida em contraditório. A reforma junina destaca claramente a separação entre a fase de investigação e a fase da ação penal. O artigo 155, do Código de Processo Penal,10 estabelece que o juiz não pode formar a sua convicção e fundamentar a sua decisão com base nos elementos informativos da investigação. A vedação legal prestigia a garantia do contraditório e favorece o aprimoramento da investigação criminal como instrumento imprescindível a justificar a ação penal. O produto da investigação não é prova, pois esta só pode ser produzida em contraditório judicial. O legislador tomou a cautela de utilizar o vocábulo “investigação” para demonstrar que a colheita dos “elementos informativos” relacionados à prática delituosa não está, necessariamente, vinculada a instauração de inquérito policial. 7 Da comissão fizeram parte: Ada Pellegrini Grinover (presidente), Petrônio Calmon Filho (secretário), Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes, Luiz Flávio Gomes, Miguel Reale Júnior, Nilzardo Carneiro Leão, René Ariel Dotti, Rogério Lauria Tucci, Rui Stoco e Sidnei Beneti. 8 Artigo de Luiz Flávio Gomes publicado site www.mundojuridico.adv.br,em 01/04/2003, com o título “Reformas Penais (III): investigação preliminar”. 9 Sobre o tema ver FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. São Paulo: RT, 5ª edição, 2007. 10 Com a redação dada pela Lei 11.690/08. 21801009.pmd 42 15/10/2008, 10:51 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 41-46, julho/dezembro-2008 _______________________ 43 Não há a menor dúvida de que o inquérito policial11 é o instrumento mais tradicional e usual de colheita dos elementos informativos relacionados a autoria e materialidade dos crimes; todavia, não é o único mecanismo que se presta a tal finalidade. No nosso ordenamento encontramos as comissões parlamentares de inquérito13, os procedimentos investigatórios criminais do Ministério Público14 e os procedimentos administrativos em geral15 como exemplos de instrumentos eficazes a justificar a propositura da ação penal. Ao se afirmar a opção pelo processo penal acusatório é forçoso admitir que os elementos informativos da investigação têm por destinatário imediato o titular da ação penal. O juiz, ao ser provocado com o oferecimento da denúncia ou da queixa, deverá verificar se há justa causa para a ação penal 16 . O juízo de admissibilidade só é viável com a análise dos elementos informativos da investigação ou dos documentos que instruem a petição inicial. A ação penal, em face do gravame que significa para o acusado, só pode ser admitida se houver elementos mínimos que demonstrem a sua viabilidade. O processo acusatório não admite a figura do juiz investigador. Todavia, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas (em contraditório judicial) pode ser determinada pelo juiz de ofício, em face da urgência e relevância da medida.17 É atributo da jurisdição a inércia, não se podendo exigir do juiz a incúria e o descaso em relação à prova que servirá para a formação de sua convicção e fundamento para a sentença. No que tange aos atos investigatórios, incumbe ao juiz preservar os direitos e garantias fundamentais do investigado;18 jamais assumir o papel de perscrutador. A forma de colheita da prova testemunhal, em juízo, representa uma mudança de paradigma para o processo penal brasileiro. 12 11 Arts. 4º a 23, do Código de Processo Penal. “O inquérito policial, segundo João Mendes de Almeida Júnior e Fernando da Costa Tourinho Filho, teria surgido no ordenamento jurídico brasileiro através da Lei 2.033, de 20 de setembro de 1871, regulamentada pelo Decreto-lei 4.824, de 28 de novembro de 1871” (SOUZA, Luiz Roberto Salles. Da atuação do Ministério Público brasileiro na fase pré-processual penal: uma análise crítica. Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, como parte dos requisitos para a obtenção do título de mestre, 2002). 13 Art. 58, § 3º, da Constituição Federal de 1988. 14 Art. 7º, I, da Lei Complementar 75/93 e Art. 26, I, “c”, da Lei 8.625/93. 9 Art. 4º, parágrafo único, do Código de Processo Penal. 15 Art. 395, III, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.719/08. 16 Art. 156, I, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.690/08. 17 Art. 156, I, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.690/08. 18 Sobre o tema: BERTOLINO, Pedro Juan. El juez de garantías en el código procesal penal de la provicia de Buenos Aires. Buenos Aires: Depalma, 2000. 12 21801009.pmd 43 15/10/2008, 10:51 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 41-46, julho/dezembro-2008 _______________________ 44 Abandonou-se o sistema em que o juiz, agindo como inquisidor, detinha o monopólio de formular perguntas às testemunhas indicadas pela acusação e pela defesa. Na atual sistemática,19 adotou-se o modelo de perguntas diretas e do exame cruzado (cross examination) das testemunhas, onde acusador e defensor formulam suas perguntas diretamente a testemunha, cabendo ao juiz a polícia da audiência, o poder de integração ao complementar a inquirição sobre pontos não esclarecidos,20 a redação dos depoimentos21 e demais ocorrência da audiência. Na instrução em plenário, do procedimento relativo aos processos da competência do Tribunal do Júri22, adotou-se a mesma sistemática de colheita da prova testemunhal do procedimento comum.23 Todavia, na instrução preliminar do Tribunal do Júri24 não há referência ao sistema de perguntas diretas e do exame cruzado das testemunhas e, tampouco, previsão de oportunidade para a acusação e a defesa perquirirem as testemunhas através do juiz.25 É inegável que para a acusação e para a defesa está assegurado o direito à formulação de perguntas a testemunha como garantia do contraditório e o equilíbrio entre ambas as partes. Não há como se exercer a plenitude da defesa e da acusação na instrução processual inquisitória.26 Interpretação diversa comprometeria o postulado do devido processo legal. A reforma introduzida pela Lei 11.690/08 alterou o regime geral das provas27 e estabeleceu um novo sistema para a colheita da prova testemunhal em contraditório judicial. Antonio Magalhães Gomes Filho salienta que “a fase processual mais decisiva para a aferição da efetividade do contraditório é a da ‘instrução probatória’; é aqui, com efeito, que a participação ativa dos interessados mais se justifica: são as partes que tiveram contacto com os fatos e estão mais aptas a trazê-los ao processo; por isso mesmo, também são elas que possuem melhores elementos para contestar e explorar as provas trazidas pelo adversário, possibilitando ao julgador uma visão mais completa – e ao mesmo tempo crítica – da realidade”.28 19 Art. 212, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.690/08. Parágrafo único do art. 212, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.690/08. 21 “Na redação do depoimento, o juiz deverá cingir-se, tanto quanto possível, às expressões usadas pelas testemunhas, reproduzindo fielmente as suas frases” (Art. 215, do Código de Processo Penal). 22 Art. 473, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.689/08. 23 Art. 394, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.719/08. No procedimento do Tribunal do Júri é o juiz que inicia a inquirição direta da testemunha em plenário. 24 Art. 411, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.689/08. 25 Antes da Lei 11.690/08, o art. 212, do Código de Processo Penal estabelecia: “As perguntas das partes serão requeridas ao juiz, que as formulará à testemunha. O juiz não poderá recusar as perguntas das partes, salvo se não tiverem relação com o processo ou importarem repetição de outras já respondidas”. 26 “(...) aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (Constituição Federal de 1988, Art. 5º, LV). 27 Livro I, Título VII, do Código de Processo Penal. 28 Direito à prova no processo penal. São Paulo: RT, 1997, p. 139. 20 21801009.pmd 44 15/10/2008, 10:51 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 41-46, julho/dezembro-2008 _______________________ 45 Nada justifica, em face da imprecisão do artigo 411, do Código de Processo Penal, resgatar o vetusto sistema da inquirição presidencial,29 onde as perguntas das partes eram dirigidas ao juiz, que as formulava a testemunha. Em relação à correlação entre acusação e defesa, a reforma destacou a necessidade de constar da acusação todos os elementos e circunstâncias do crime, não mais sendo possível ao julgador ampliá-la com base em provas surgidas durante a instrução probatória. Como conseqüência, o aditamento da denúncia ou da queixa substitutiva30 passou a ser obrigatório31 e delimitador32 dos fatos que são atribuídos ao acusado ao fim da instrução contraditória. A imparcialidade do juiz “constitui um valor que se manifesta sobretudo no âmbito interno do processo, traduzindo a exigência de que na direção de toda a atividade processual – e especialmente nos momentos de decisão – o juiz se coloque sempre ‘super partes’, conduzindo-se como um terceiro desinteressado, acima portanto dos interesses em conflito”.33 Ao se proibir que o julgador reconheça, na sentença, elementos e circunstâncias da infração penal não contidos na denúncia ou seu aditamento, está se afirmando o processo penal de partes. Por fim, foi introduzida, no procedimento comum, a fase de admissibilidade da ação penal, onde a defesa tem o dever de responder à denúncia ou queixa.34 Enquanto no sistema anterior o contraditório somente se instaurava durante a instrução processual, atualmente, o acusado, tão logo seja citado, deverá responder à ação penal com argüição de preliminares, exceções e tudo que interesse a sua defesa. Em verdade, a ação penal somente avançará para a fase de instrução, debates e julgamento após superada a análise formal da peça acusatória35 e das prejudiciais do mérito.36 29 “O sistema de inquirição das testemunhas é o chamado ‘presidencial’, isto é, ao juiz que preside à formação da culpa cabe privativamente fazer perguntas diretas à testemunha. As perguntas das partes serão feitas por intermédio do juiz, a cuja censura ficarão sujeitas” (exposição de motivos do Ministro Francisco Campos ao encaminhar o projeto do Código de Processo Penal ao Presidente da República em 08/9/1941). 30 Art. 29, do Código de Processo Penal. 31 Art. 384, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.719/08. 32 “(...), ficando o juiz, na sentença, adstrito aos termos do aditamento” (§ 4º, do Art. 384, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.719/08). 33 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. A motivação das decisões penais. São Paulo: RT, 2001, p. 37. 34 Art. 396 A , do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.719/08. 35 Art. 395, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.719/08. 36 Art. 397, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.719/08. 21801009.pmd 45 15/10/2008, 10:51 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 41-46, julho/dezembro-2008 _______________________ 46 As conseqüências e os desdobramentos das alterações sofridas pelo Código de Processo Penal somente serão sentidas após decorrido algum tempo, todavia, pode-se afirmar, com segurança e convicção, que houve um avanço em direção da distinção clara dos papeis desenvolvidos pelo juiz, pela acusação e pela defesa no processo penal brasileiro. Concretizou-se, igualmente, o aprimoramento dos mecanismos de confronto entre os interesses do autor da ação penal daqueles do acusado. 21801009.pmd 46 15/10/2008, 10:51 A REFORMA DO CÓDIGO DE PR OCESSO PROCESSO PEN AL PENAL RÔMULO DE ANDRADE MOREIRA Procurador de Justiça no Estado da Bahia Pós-graduado, latu sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal) 21801009.pmd 47 15/10/2008, 10:51 21801009.pmd 48 15/10/2008, 10:51 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 49-66, julho/dezembro-2008 _______________________ 49 A REFORMA DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL Procedimentos Rômulo de Andrade Moreira 1 A Lei nº. 11.719/2008, que entrará em vigor no dia 24 de agosto de 20082, alterou alguns dispositivos do Código de Processo Penal relativos à suspensão do processo, emendatio libelli, mutatio libelli e aos procedimentos.3 A grande novidade trazida para nós é a possibilidade de na própria sentença condenatória penal o juiz fixar “valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido” (art. 387, IV). Assim, além de aplicar a sanção penal, o Juiz criminal deverá também estabelecer a sanção civil correspondente ao dano causado pelo delito, algo semelhante ao que ocorre em alguns países, como no México onde, na lição de Bustamante, se “establece que la reparación del daño forma parte integrante de la pena y que debe reclamarse de oficio por el órgano encargado de promover la acción (o sea, que es parte integrante de la acción penal), aun cuando no la demande el ofendido.”4 Também “na Itália, a vítima pode ingressar no processo penal como parte privata, formando um litisconsórcio com o MP, com o fim de obter a reparação de dano. Em Portugal, o próprio MP pode requerer a reparação, nos autos do processo penal.”5. Conferir também, na Espanha, o art. 108 da Ley de Enjuiciamiento Criminal, in verbis: “La acción civil ha de entablarse juntamente con la penal por el Ministerio Fiscal, haya o no en el proceso acusador particular; pero si el ofendido renunciare expresamente a su derecho de restitución, reparación o indemnización, el Ministerio Fiscal se limitará a pedir el castigo de los culpables.” 1 Procurador de Justiça na Bahia. Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). 2 A lei foi publicada no Diário Oficial da União do dia 23 de junho de 2008, entrando em vigor 60 dias depois de oficialmente publicada, na forma do art. 3º. da mesma lei. Segundo o art. 8º. da Lei Complementar nº. 95, “A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula “entra em vigor na data de sua publicação” para as leis de pequena repercussão.” Pelo seu § 1º. “a contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral.” (Grifamos). 3 Sobre a reforma do Código de Processo Penal, veja-se o que comentamos em nosso Direito Processual Penal, Salvador: Editora JusPodivm, 2007. 4 Apud TOURINHO FILHO, Processo Penal, Vol. II, São Paulo: Saraiva, 20ª. ed., 1998, p. 9. 5 CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de, Lei dos Juizados Especiais Criminais, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 107 (em co-autoria com Geraldo Prado). 21801009.pmd 49 15/10/2008, 10:51 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 49-66, julho/dezembro-2008 _______________________ 50 Disposição semelhante já tem em nosso ordenamento jurídico-penal, mais especificamente no art. 630 do atual Código de Processo Penal, quando se estabelece que na revisão criminal o “Tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos”, caso em que o acórdão constituir-se-á título judicial executório a ser liquidado na ação civil respectiva, para se definir o quantum debeatur. Na Lei nº. 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), o art. 20 já estabelece que a “sentença penal condenatória, sempre que possível, fixará o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido ou pelo meio ambiente.” Aqui, observa-se, mais uma vez, após a edição da Lei nº. 9.099/95, a preocupação em se resguardar os interesses da vítima no processo penal. Nota-se, com Ada, Scarance, Luiz Flávio e Gomes Filho que esta lei insere-se “no generoso e atualíssimo filão que advoga a revisão dos esquemas processuais de modo a dar resposta concreta à maior preocupação com o ofendido.”6 García-Pablos, por exemplo, informa que “o abandono da vítima do delito é um fato incontestável que se manifesta em todos os âmbitos (...). O Direito Penal contemporâneo – advertem diversos autores – acha-se unilateralmente voltado para a pessoa do infrator, relegando a vítima a uma posição marginal, ao âmbito da previsão social e do Direito Civil material e processual”.7 A própria legislação processual penal relega a vítima a um plano desimportante, inclusive pela “falta de mención de disposiciones expressas en los respectivos ordenamientos que provean medidas para salvaguardar aquellos valores ultrajados”. 8 Esta atenção com a vítima no processo penal é tema atual e tem sido motivo de inúmeros trabalhos doutrinários, como observou o jurista argentino Alberto Bovino: “Después de varios siglos de exclusión y olvido, la víctima reaparece, en la actualidad, en el escenario de la justicia penal, como una preocupación central de la política criminal. Prueba de este interés resultan la gran variedad de trabajos publicados recientemente, tanto en Argentina como en el extranjero;” (...) mesmo porque “se señala que com frecuencia el interés real de la víctima no consiste en la imposición de una pena sino, en cambio, en ‘una reparación por las lesiones o los daños causados por el delito’”9 Neste sentido, veja-se obra bastante elucidativa de Anto- nio Scarance Fernandes.10 6 Juizados Especiais Criminais, São Paulo: Revista dos Tribunais, 5ª. ed., 2005, p. 110. MOLINA, Antonio García-Pablos de, Criminologia, São Paulo: RT, 1992, p. 42, tradução de Luiz Flávio Gomes. 8 SPROVIERO, Juan H., La víctima del delito y sus derechos, Buenos Aires: Depalma, p. 24 9 Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nº. 21, p. 422. 10 O Papel da Vítima no Processo Criminal, Malheiros Editores, 1995. Indicamos também o trabalho intitulado “El papel de la víctima en el proceso penal según el Proyecto de Código Procesal Penal de la Nación”, por Santiago Martínez (Fonte: www.eldial.com – 12/08/2005). 7 21801009.pmd 50 15/10/2008, 10:51 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 49-66, julho/dezembro-2008 _______________________ 51 Dois juristas italianos, Michele Correra e Danilo Riponti, também anotaram: “Il recupero della dimensione umana della vittima, molto spesso reificata, vessata, dimenticata da giuristi e criminologi in quanto oscurata da quella cosí clamorosa ed eclatante del criminale, soddisfa l’intento di rendere giustizia a chi viene a trovarsi in una situazione umana tragica ed ingiusta, a chi ha subito e subisce e danni del crimine e l’indifferenza della società.”11 Agora, por força do novo dispositivo, acrescentou-se um parágrafo único ao art. 63, nos seguintes termos: “Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art. 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido.” O art. 257 teve a sua redação alterada, não representando, porém, nenhuma novidade. Com efeito, diz que ao Ministério Publico cabe: 1) “Promover, privativamente, a ação penal pública, na forma estabelecida neste Código”, em consonância com o já estabelecido pelo art. 129, I da Constituição Federal, ressalvando a possibilidade da ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública, prevista no art. 29 do Código de Processo Penal e na própria Carta Magna (art. 5º., LIX). 2) “Fiscalizar a execução da lei”, tarefa já deferida atualmente e que dá ao Ministério Público, no processo penal, uma feição toda especial, pois ao lado de ser parte, também age como custos legis, devendo, neste mister, zelar pelo fiel cumprimento da lei e garantir que o devido processo legal seja obedecido nos seus estritos termos, ainda que para isso tenha que pugnar em favor do réu (pedindo a sua absolvição, recorrendo em seu favor etc.). Foi alterado o art. 265, cujo caput passou a ter a seguinte redação: “O defensor não poderá abandonar o processo senão por motivo imperioso, comunicado previamente o juiz, sob pena de multa de dez a cem salários mínimos, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.” Além de atualizar o valor da multa, o artigo faz referência às demais sanções cabíveis em relação ao advogado, entre as quais a prevista na Lei nº. 8.906/94 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil), art. 34, XI, c/c arts. 35, I e 36, I. O antigo parágrafo único deste artigo foi substituído pelos §§ 1º. e 2º., com a seguinte redação: “§ 1o. - A audiência poderá ser adiada se, por motivo justificado, o defensor não puder comparecer. “§ 2o. - Incumbe ao defensor provar o impedimento até a abertura da audiência. Não o fazendo, o juiz não determinará o adiamento de ato algum do processo, devendo nomear defensor substituto, ainda que provisoriamente ou só para o efeito do ato.” 11 La Vittima nel Sistema Italiano della Giustizia Penale – Un Approccio Criminologico, Padova, 1990, p. 144. 21801009.pmd 51 15/10/2008, 10:51 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 49-66, julho/dezembro-2008 _______________________ 52 Atente-se para o disposto no art. 5º., LXXVIII da Constituição, segundo o qual “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” Evidentemente que o direito a um processo sem dilações indevidas alcança não somente o acusado, mas também é um interesse da sociedade. Privilegiando o chamado foro de eleição, entendemos que antes da nomeação do defensor ad hoc deve o Juiz de Direito indagar ao réu se tem algum advogado para indicar e que possa assisti-lo naquele ato processual; caso o acusado não o faça ou o advogado indicado não possa comparecer imediatamente, então se procede à nomeação ou chama-se o Defensor Público com atuação na respectiva Vara Criminal. Neste sentido: “TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS - APELAÇÃO CRIMINAL N° 1.0016.01.015716-8/001 - RELATOR: DES. ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO - A Constituição de 1988 consagrou os princípios da ampla defesa e do contraditório, considerando-os como dogmas, ou seja, se desrespeitados tais princípios, viciada encontra-se a prestação jurisdicional. A nomeação de defensor dativo ao réu, sem que este tenha sido intimado para opinar a respeito, não sabendo da renúncia do advogado contratado, é vício que demonstra o desrespeito ao princípio da ampla defesa ao longo do procedimento.” A propósito, o Supremo Tribunal Federal deferiu pedido de liminar em Habeas Corpus (HC 92091) de um acusado de cometer crime contra o sistema financeiro nacional. A defesa pedia, na liminar, o reconhecimento das nulidades do processo e a suspensão da execução da pena imputada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região até o julgamento final do HC. Isto porque, conforme os advogados, o Ministério Público não deu oportunidade ao réu para nomear defensor de sua confiança. “Os fundamentos em que se apóia esta impetração revestem-se de relevo jurídico, pois concernem ao exercício – alegadamente desrespeitado – de uma das garantias essenciais que a Constituição da República assegura a qualquer réu, notadamente em sede processual penal”, destacou o Ministro Celso de Mello, relator da matéria. O Ministro assinalou que a jurisprudência do Supremo, no tema, entende que ninguém pode ser privado de sua liberdade, de seus bens ou de seus direitos sem o devido processo legal, “não importando, para efeito de concretização dessa garantia fundamental, a natureza do procedimento estatal instaurado contra aquele que sofre a ação persecutória do Estado”. Celso de Mello analisou que o Estado não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado constitucional da plenitude de defesa. “O reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida imposta pelo Poder Público – de que resultem conseqüências gravosas no plano dos direitos e garantias individuais – exige a fiel observância da garantia básica do devido processo legal,” conclui. Ele lembrou, também, que o STF já reconheceu ser direito daquele que sofre persecução penal escolher o seu próprio defensor. “Cumpre ao magistrado processante, em não sendo possível ao defensor constituído assumir ou prosseguir no patrocínio da causa penal, ordenar a intimação do réu para que este, querendo, escolha outro advogado. Antes de realizada essa intimação – ou enquanto não exaurido o prazo nela assinalado – não é lícito ao juiz nomear defensor dativo sem expressa aquiescência do réu” (RTJ 142/477, Relator Ministro Celso de Mello). Fonte: STF (Grifo nosso). 21801009.pmd 52 15/10/2008, 10:51 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 49-66, julho/dezembro-2008 _______________________ 53 Com a nova redação do art. 362, “verificando que o réu se oculta para não ser citado, o oficial de justiça certificará a ocorrência e procederá à citação com hora certa, na forma estabelecida nos arts. 227 a 229 da Lei no. 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.”12 Neste caso, segundo parágrafo único acrescentado, “se o acusado não comparecer, ser-lhe-á nomeado defensor dativo” (ou os autos serão encaminhados à Defensoria Pública), prosseguindo-se nos demais termos do procedimento, não devendo ser aplicado o art. 36613, pois não se trata de réu revel citado por edital. Aplica-se o atual art. 367. Temos agora a citação com hora certa, substituindo a citação editalícia nos casos em que o réu se oculta para não ser citado. O novo art. 363 estabelece que “o processo terá completada a sua formação quando realizada a citação do acusado”; na verdade, como ensina Frederico Marques, “com a citação válida, estabelece-se a angularidade da relação processual, surgindo assim a instância.”14 Foram revogados os dois incisos originais e acrescentados dois novos parágrafos: “§ 1o. - Não sendo encontrado o acusado, será procedida a citação por edital.” O prazo para o edital não mudou, pois não se alterou o art. 361. “§ 4o. - Comparecendo o acusado citado por edital, em qualquer tempo, o processo observará o disposto nos arts. 394 e seguintes deste Código.” Neste caso, ter-se-á por citado o réu pessoalmente, prosseguindo-se nos demais termos do respectivo procedimento (ordinário, sumário ou especial), revogando-se a decisão proferida nos termos do art. 366. Foram vetados os §§ 2º. e 3º. do art. 363. O caput do art. 366 continua com a mesma redação, tendo sido revogados, porém, os seus dois parágrafos. Nota-se que a lei perdeu a oportunidade de acabar com a polêmica quanto à duração da suspensão do prazo prescricional. O legislador deveria, 12 “Art. 227 - Quando, por três vezes, o oficial de justiça houver procurado o réu em seu domicílio ou residência, sem o encontrar, deverá, havendo suspeita de ocultação, intimar a qualquer pessoa da família, ou em sua falta a qualquer vizinho, que, no dia imediato, voltará, a fim de efetuar a citação, na hora que designar. “Art. 228 - No dia e hora designados, o oficial de justiça, independentemente de novo despacho, comparecerá ao domicílio ou residência do citando, a fim de realizar a diligência. “§ 1º - Se o citando não estiver presente, o oficial de justiça procurará informar-se das razões da ausência, dando por feita a citação, ainda que o citando se tenha ocultado em outra comarca. “§ 2º - Da certidão da ocorrência, o oficial de justiça deixará contrafé com pessoa da família ou com qualquer vizinho, conforme o caso, declarando-lhe o nome. “Art. 229 - Feita a citação com hora certa, o escrivão enviará ao réu carta, telegrama ou radiograma, dando-lhe de tudo ciência.” 13 Os dois parágrafos do art. 366 foram revogados pela lei, restando agora apenas o caput. 14 Elementos de Direito Processual Penal, Vol. II, Campinas: Bookseller, 1998, p. 183. 21801009.pmd 53 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 49-66, julho/dezembro-2008 _______________________ 54 como constava do projeto de lei originário, optar pelos prazos já estabelecidos pelo art. 109 do Código Penal. Esta lacuna deve ser suprida com uma interpretação conforme à Constituição, ou seja, para não se permitir a imprescritibilidade (por via transversa) devem ser observados os prazos estabelecidos no art. 109 do Código Penal, levando-se em conta a pena máxima abstratamente cominada para o crime; findo o respectivo prazo, deve a prescrição voltar a correr normalmente, nada obstante a continuação da suspensão do processo. Deixou a lei também de esclarecer o que se deve considerar como prova urgente, para efeito de produção antecipada. Além das perícias que, evidentemente são compatíveis ao conceito, entendemos que devemos fazer uma interpretação analógica (art. 3º., CPP), aplicando-se o art. 92, in fine (“inquirição de testemunhas e de outras provas de natureza urgente”). Por este dispositivo, parece-nos que a prova testemunhal é sempre urgente. Obviamente tais provas deverão ser produzidas com a prévia notificação do Ministério Público ou do querelante e do defensor nomeado pelo Juiz, sem prejuízo de uma reinquirição em momento posterior, quando a marcha processual for retomada com o acusado presente e o seu defensor constituído. O que não se deve é arriscar-se a ouvir as testemunhas arroladas na peça acusatória após dez anos, quando o réu voltou e foi citado pessoalmente. Evidentemente que não se pode exigir deste depoente a firmeza que se espera de uma testemunha. No que se refere à possibilidade da prisão preventiva, ressalte-se que não se trata de prisão obrigatória, mas nos estritos termos dos arts. 312 e 313. Repita-se: a prisão preventiva não pode ser conseqüência imediata da citação editalícia quando não haja o comparecimento do acusado ou do seu defensor constituído, como hoje, infelizmente, vem se tornando praxe. Vejamos, então, como está disposta agora a questão da emendatio libelli: “Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave.” Nesta hipótese, como se sabe, a peça acusatória narrou perfeitamente o fato criminoso, tendo o Juiz “liberdade de atribuir ao delito conceituação jurídica diversa da que lhe foi dada pelo acusador, mesmo para impor pena mais grave, contanto que não substitua o fato por outro”, como já explicava Basileu Garcia.15 Foram acrescentados dois parágrafos, nos seguintes termos: “§ 1 o. - Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei. “§ 2o. - Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão encaminhados os autos.” 15 Comentários ao Código de Processo Penal, Vol. III, Rio de Janeiro: Forense, 1945, p. 495. Sobre a suspensão condicional do processo, remetemos o leitor ao nosso livro “Juizados Especiais Criminais”, Salvador: JusPodivm, 2007. 16 21801009.pmd 54 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 49-66, julho/dezembro-2008 _______________________ 55 Assim, caso a nova qualificação jurídica atribuída ao fato narrado corresponda a um tipo penal cuja pena mínima não exceda a um ano16, deverá o Magistrado encaminhar os autos ao membro do Ministério Público para que se pronuncie acerca da possibilidade de proposta da suspensão condicional do processo, nos termos, aliás, do Enunciado 337 do Superior Tribunal de Justiça, aplicável também à espécie. De se observar, outrossim, o Enunciado 696 do Supremo Tribunal Federal, em caso de recusa do Ministério Público em fazer a proposta. Não precisa o Juiz esperar a conclusão da instrução criminal para aplicar a emendatio libelli, muito pelo contrário. Como não se trata de uma alteração dos fatos narrados, mas, tão-somente, de uma correção técnica na classificação do crime, é aconselhável que o Juiz já receba a peça acusatória indicando na respectiva decisão o tipo penal, possibilitando, desde logo, a fruição de quaisquer benefícios ao acusado, como a suspensão condicional do processo, a liberdade provisória, etc. Aguardar-se o término da instrução para “corrigir” a tipificação atribuída ao fato é submeter o réu, desnecessariamente, às chamadas “cerimônias degradantes” do processo penal17. Lembre-se que o Juiz não estará modificando a imputação fática nem “acusando” o réu. Aventemos a seguinte hipótese: o Promotor de Justiça narra um furto simples (cuja pena mínima é de um ano) e, ao final da peça acusatória, indica como tipo penal o art. 155, § 4º., II (pena mínima de dois anos). Ora, obviamente que o Juiz não deve aguardar o término da instrução para aplicar a emendatio libelli, e sim, desde logo, receber a denúncia nos termos em que foi feita a imputação fática e encaminhar os autos ao Ministério Público para a proposta de suspensão condicional do processo. Assim agindo preservará os interesses do acusado, evitando as cerimônias degradantes do procedimento e sem mácula aos postulados do sistema acusatório. Diga-se o mesmo quanto à modificação da competência; também nesta hipótese não é necessário que o Juiz aguarde o final da instrução criminal, até por uma questão de economia processual e para evitar nulidades de atos processuais decorrente da incompetência. Aliás, o art. 109 do Código de Processo Penal determina que “se em qualquer fase do processo o juiz reconhecer motivo que o torne incompetente, declará-lo-á nos autos, haja ou não alegação da parte”, remetendo os autos ao Juízo competente, inclusive para o Juizado Especial Criminal se se tratar de infração penal de menor potencial ofensivo. Seria de bom alvitre que o Juiz, antes de aplicar a emendatio libelli, determinasse a intimação das partes, como estabelecia o projeto de lei que deu origem à lei ora comentada. Aliás, este projeto de lei previa que a emendatio libelli poderia ser antecipada para o instante do recebimento da denúncia ou queixa. Vejamos, então, como está disciplinada a mutatio libelli, lembrando, ainda com Basileu Garcia, que se “veda ao juiz, no decidir a causa, a mutatio libelli.”18 Assim está escrito o caput do novo art. 384: 17 O conceito status-degration cerimony foi introduzida em 1956 por H. Garfinkel para indicar os procedimentos ritualizados nos quais uma pessoa é condenada e despojada de sua identidade, recebendo outra, dita degradada. 18 Idem. 21801009.pmd 55 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 49-66, julho/dezembro-2008 _______________________ 56 “Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de cinco dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública (queixa subsidiária, portanto), reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente.” Pela nova redação, este prazo de cinco dias é para aditar a queixa subsidiária, não a denúncia; assim, os prazos para o aditamento da denúncia devem ser, numa interpretação analógica (art. 3º., CPP) aqueles previstos no art. 46. As alterações procedidas foram para melhor, sem dúvidas. Em primeiro lugar excluiu-se a expressão “circunstância elementar”, que confundia coisas diferentes: circunstância19 e elementar20 do tipo. Agora a lei refere-se a circunstância ou elemento da infração penal. Outra mudança importante é a exclusão do advérbio “implicitamente” que dava a entender ser possível uma denúncia ou queixa com elementos ou circunstâncias implícitos, possibilidade absolutamente estranha aos postulados do devido processo legal, especialmente a ampla defesa. É evidente que a denúncia tem que conter explicitamente, “a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias” (art. 41 do Código de Processo Penal). Também importante foi se estabelecer a necessidade do aditamento em qualquer hipótese (que pode ser feito inclusive oralmente), ainda que não haja possibilidade de nova definição jurídica mais gravosa para o acusado. A antiga redação do caput do art. 384 era uma flagrante mácula ao sistema acusatório, pois permitia ao Juiz condenar o réu por fato não imputado formalmente em uma peça acusatória, além de ferir o princípio da correlação entre acusação e defesa que proíbe ao Juiz “cambiar los hechos de la causa por los cuales el imputado fue concretamente acusado, entendidos en el sentido de acontecimiento histórico, con todos los elementos y circunstancias que de alguna manera puedan influir en el debate.” 21 Segundo o § 1o., caso o “o órgão do Ministério Público” não adite a denúncia, “aplica-se o art. 28 deste Código”. E se o Procurador-Geral concordar com o não aditamento? Restará ao Juiz absolver o acusado ou condená-lo pelo fato imputado originariamente na denúncia ou queixa subsidiária. Se o aditamento for oferecido, estabelece-se um contraditório prévio, pois, antes de recebê-lo, deverá ser “ouvido o defensor do acusado no prazo de cinco dias”. Admitido “o aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora para continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento.” (§ 2o.). 19 Exemplos: “Repouso noturno” (art. 155, § 1º., Código Penal), “à noite” (art. 150, § 1º.), “emprego de arma” (art. 158, § 1º.) etc. 20 Exemplos: “Funcionário Público” (arts. 312, 331, 333 do Código Penal), “coisa alheia” (arts. 155, 157, CP) etc. 21 LANGEVIN, Julián Horacio, Nuevas Formulaciones del Principio de Congruencia: Correlación entre Acusación, Defensa y Sentencia, Buenos Aires: Fabián J. Di Plácido Editor, 2008, p. 189. 21801009.pmd 56 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 49-66, julho/dezembro-2008 _______________________ 57 Neste caso, segundo dispõe o § 4o., “cada parte poderá arrolar até três testemunhas, no prazo de cinco dias, ficando o juiz, na sentença, adstrito aos termos do aditamento.” São aplicáveis na mutatio libelli os §§ 1o e 2o do art. 383, segundo o dispõe o § 3 . do art. 384. Por fim, estabelece o § 5o. que se não for “recebido o aditamento, o processo prosseguirá.” Neste caso, é possível o manejo do recurso em sentido estrito, com fulcro no art. 581, I do Código de Processo Penal, pois “o recurso em sentido estrito, apesar de ser casuístico, admite interpretação extensiva.”22 Observa-se que a redação do art. 384 continua a se referir tão-somente à ação penal pública ou à de iniciativa privada subsidiária da pública. De toda forma, estamos com Tourinho Filho que, nada obstante a restrição legal, “possa também o querelante proceder ao aditamento. Há duas situações: a) se, ao tempo da queixa, já havia prova sobre determinada circunstância elementar capaz de alterar a qualificação jurídicopenal do fato, objeto do processo, e o querelante não se deu conta, o aditamento seria até impossível por manifesta decadência; b) se a prova se deu posteriormente, o aditamento pode ser feito por aplicação analógica (...), não havendo violação ao princípio da disponibilidade que rege a ação privada, mesmo porque ninguém está fazendo o aditamento pelo querelante e tampouco obrigando-o a fazê-lo.”23 Por fim, entendemos que perdeu o legislador a oportunidade de revogar expressamente o art. 385 do Código de Processo Penal, acabando com a possibilidade do Juiz “proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada”, disposição que não foi recepcionada pela Constituição Federal, especialmente pelo art. 129, I. Foram alterados os incisos II, III e IV do art. 387 do Código de Processo Penal e a ele foi acrescentado um parágrafo único. O inciso II apenas foi atualizado com a nova Parte Geral do Código Penal, indicando-se agora os arts. 59 e 60 do Código Penal. No inciso III excluiu-se a referência às penas acessórias, também em consonância com a Parte Geral do Código Penal. O novo inciso IV determina, como já foi dito no início deste trabalho, que o Juiz “fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido” Esqueceu-se o legislador de revogar expressamente os incisos V e VI inaplicáveis desde a reforma penal de 1984 (nova Parte Geral e Lei de Execução Penal). O novo parágrafo único do art. 387 amolda-se ao princípio da presunção de inocência, à garantia constitucional do duplo grau de jurisdição e ao direito de apelar em liberdade. Com efeito, estabelece-se que “o juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta.” Coeren22 Tribunal Regional Federal da 1ª. Região – Recurso em Sentido Estrito nº. 2002.38.00.003576-0/MG Relator: Desembargador Hilton Queiroz. 23 Código de Processo Penal comentado, Vol. I, São Paulo: Saraiva, 1996, p. 573. 24 Veja o que escrevemos sobre o direito de apelar em liberdade, em nossa obra “Direito Processual Penal”, Salvador: JusPodivm, 2007. 21801009.pmd 57 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 49-66, julho/dezembro-2008 _______________________ 58 temente, a lei nova revogou o art. 594 do Código de Processo Penal, esquecendo-se, porém de também revogar o art. 595, não recepcionado pela Constituição Federal.24 A este respeito, o Superior Tribunal de Justiça editou o Enunciado nº. 347 com a seguinte redação: “O conhecimento de recurso de apelação do réu independe de sua prisão.” Adiante, o caput do novo art. 394 prevê os dois novos procedimentos: o comum e o especial. Por sua vez, o comum poderá ser ordinário, sumário ou sumaríssimo (§ 1º.). Os procedimentos especiais são aqueles ora previstos no próprio Código de Processo Penal (Título II do Livro II e o Procedimento do Júri), ora em leis extravagantes (Lei nº. 11.343/2006 – Lei de Drogas, Lei nº. 8.038/90 – Ação Penal Originária etc.). O procedimento comum ordinário será obedecido “quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a quatro anos de pena privativa de liberdade”. O sumário “quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a 4 quatro anos de pena privativa de liberdade” e o sumaríssimo “para as infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da lei”25 (incisos I, II e III do § 1º.). O critério agora para adoção de determinado procedimento é a quantidade da pena privativa de liberdade, independentemente de se tratar de reclusão ou detenção, ressalvando-se, obviamente os crimes dolosos contra a vida e os que se submetam a procedimentos especiais. Dispõem os §§ 2º. e 3º. do art. 394 que, salvo disposições em contrário do próprio Código ou de lei especial, o procedimento comum aplicar-se-á a todos os processos. Para os crimes dolosos contra a vida e os conexos, por exemplo, aplicarse-ão as novas regras estabelecidas nos arts. 406 a 497 do novo Código (alterados pela Lei nº. 11.689/2008). Os §§ 4o. e 5º. estabelecem, respectivamente, que “as disposições dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código” e que se “aplicam subsidiariamente aos procedimentos especial, sumário e sumaríssimo as disposições do procedimento ordinário.” Então vejamos; o art. 395 passou a ter a seguinte redação: “A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I - for manifestamente inepta; por exemplo: não observou os requisitos exigidos pelo art. 41. II - faltar pressuposto processual26 ou condição para o exercício da ação penal”; aqui também estão abrangidas as denominadas condições específicas para o exercício da ação penal, como a representação e a requisição do Ministro da Justiça. Atentar que a chamada possibilidade jurídica do pedido, 25 Sobre o procedimento sumaríssimo, remetemos o leitor ao nosso livro “Juizados Especiais Criminais”, Salvador: JusPodivm, 2007. 26 A saber: um órgão investido de jurisdição, competente e imparcial; partes com capacidades jurídica, processual e postulatória; demanda; observância ao respectivo procedimento e ausência de perempção, litispendência e coisa julgada. (Sobre o assunto, Fredie Didier Jr., “Pressupostos Processuais e Condições da Ação”, São Paulo: Saraiva, 2005). 21801009.pmd 58 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 49-66, julho/dezembro-2008 _______________________ 59 menos do que uma condição para o exercício da ação penal, confunde-se mesmo com o mérito e deve ensejar um julgamento antecipado, nos moldes do art. 397, III, coberto pela coisa julgada material. III - faltar justa causa para o exercício da ação penal”, ou seja, o lastro probatório mínimo que deve lastrear uma peça acusatória, a saber: indícios suficientes e razoáveis da autoria e prova da existência do crime.” Tais hipóteses não se confundem com a sentença absolutória prevista no novo art. 397 (que veremos adiante). Aqui, trata-se de uma decisão interlocutória que não fará coisa julgada material, nada impedindo, portanto, que a ação penal seja mais uma vez iniciada, caso sejam observados os requisitos legais, presentes as condições da ação (ressalvada a possibilidade jurídica do pedido) e os pressupostos processuais (ressalvadas a perempção, coisa julgada e litispendência). O recurso cabível para combatê-la é o recurso em sentido estrito (art. 581, I). Vejamos, então, o procedimento ordinário e o sumário; os preceitos adiante indicados aplicam-se aos dois procedimentos, até a audiência de instrução e julgamento quando, então, diferem-se, como veremos depois. Assim, dispõe o art. 396 que, “nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebêla-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de dez dias.” Ou seja, caso o Juiz não rejeite desde logo a peça acusatória (ou não a receba, como preferem alguns), com fulcro em um dos incisos do art. 395 (em decisão interlocutória, a ser enfrentada com o art. 581, I), deverá recebê-la e determinar a citação do acusado para oferecimento de uma resposta preliminar, cujo prazo será de dez dias. Dispõe o parágrafo único que tendo sido o réu citado por edital este prazo de dez dias “começará a fluir a partir do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído.” Lembre-se que até o comparecimento do réu ou do seu advogado constituído, o processo está suspenso, por força do art. 366. Nesta verdadeira defesa prévia, “o acusado poderá argüir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário.” É importante que o patrono do acusado saiba que, apesar do recebimento da peça acusatória, a sua resposta, se convincente, poderá levar desde logo à absolvição sumária, evitando os demais termos do processo, inclusive o interrogatório. Caso não seja “apresentada a resposta no prazo legal, ou se o acusado, citado, não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por 10 (dez) dias.” Onde houver Defensoria Pública instalada, os autos ao seu representante serão enviados. Em nenhuma hipótese, sob pena de nulidade absoluta, os autos serão conclusos para a decisão sem esta resposta prévia. Se houver alguma exceção a ser argüida, deverá ser processada “em apartado, nos termos dos arts. 95 a 112 deste Código”. (art. 396-A, §§ 1º. e 2º.). 21801009.pmd 59 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 49-66, julho/dezembro-2008 _______________________ 60 O art. 397 traz uma novidade importante em nosso ordenamento jurídico, que há muito carecia de uma disposição como esta. Trata-se da possibilidade do Juiz penal, desde logo, julgar antecipadamente o caso penal27, sem necessidade, sequer, de submeter o acusado ao interrogatório e às demais “cerimônias degradantes” do processo penal. É o que a lei chama de absolvição sumária (também prevista no procedimento do Júri, art. 415). Portanto, agora, temos duas hipóteses de absolvição sumária. Pois bem. Diz o art. 397 que após a resposta preliminar “o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; (art. 23 do Código Penal). II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; tratando-se de réu inimputável é indispensável o processo, com a presença de um curador, além do advogado, para possibilitar, confirmando-se a ilicitude e antijuridicidade do fato, a aplicação de uma medida de segurança (absolvição imprópria, nos termos do art. 386, parágrafo único, III). III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; (ausência de tipicidade, impossibilidade jurídica do pedido). IV - extinta a punibilidade do agente.” (art. 107 do Código Penal). Estas hipóteses diferem formal e substancialmente da rejeição liminar da peça acusatória (ou do não recebimento, como prefiram28), pois a absolvição sumária é uma decisão de mérito, passível de fazer coisa julgada material (intangível e absolutamente imutável) e que desafia o recurso de apelação (art. 593, I). Se o Juiz não rejeitou a peça acusatória (ou deixou de recebê-la) nem absolveu sumariamente o acusado, cabe-lhe designar “dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente.” Se se tratar de réu preso “será requisitado para comparecer ao interrogatório, devendo o poder público providenciar sua apresentação.” 29 Tal disposição aplica-se ao acusado preso na mesma cidade onde se situa o juízo processante, pois do contrário será cabível a expedição de carta precatória (nunca o interrogatório por videoconferência). O caput do art. 399 parece-nos que contém um equívoco ao estabelecer que “recebida a denúncia ou queixa”, pois, na verdade a peça acusatória já havia sido 27 Preferimos falar em “caso penal” ou “causa penal” ou mesmo “controvérsia penal”, pois “a lide, em qualquer de suas formas, é inaceitável no processo penal, isto é, para referir o conteúdo do processo penal, não serve a lide do processo civil e nem a lide penal. O conteúdo do processo pode ser apresentado pela expressão caso penal.” (Jacinto Nelson Miranda Coutinho, A Lide e o Conteúdo do Processo Penal, Curitiba: Juruá, 1998, p. 152, grifo no original). 28 Há setores da doutrina que fazem uma diferença entre rejeição e não recebimento. Por todos, conferir BOSCHI, José Antonio Paganella, Ação Penal, Rio de Janeiro: AIDE, 3ª. ed., 2002, pp. 233/234. 29 Note-se que mais uma vez o nosso legislador não fez a diferença técnica entre notificação e intimação. 21801009.pmd 60 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 49-66, julho/dezembro-2008 _______________________ 61 recebida, conforme previsto no art. 396; portanto, agora basta ao Juiz proceder às notificações para a audiência de instrução e julgamento, pois o recebimento e a citação do acusado já foram feitos. Passa a estabelecer o Código que “o juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença.” (art. 399, §§ 1º. e 2º.). Adota-se, agora, o princípio da identidade física do Juiz, tal como é no processo civil, ainda que não com a mesma redação do art. 132 do Código de Processo Civil. Por ele, o Juiz que colher a prova deve julgar o processo, podendo, desta forma, “apreciar melhor a credibilidade dos depoimentos; e a decisão deve ser dada enquanto essas impressões ainda estão vivas no espírito do julgador.”30 Como afirma o Professor Dotti, é extremamente salutar a adoção deste princípio, pois “a ausência, no processo penal, do aludido e generoso princípio permite que o julgador condene, com lamentável freqüência, seres humanos que desconhece”.31 O art. 400 disciplina a audiência de instrução e julgamento, válida apenas para o procedimento ordinário, já que para o procedimento sumário adotar-se-ão as disposições dos arts. 531 e seguintes. Agora, tal como nos Juizados Especiais Criminais também são adotados os princípios da imediatidade e da concentração dos atos processuais, pois na “na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de sessenta dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.” Ademais, “as provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias.” Se forem necessários dos peritos, as partes deverão requerer previamente (art. 400, §§ 1º. e § 2o.). A ordem de inquirição das testemunhas deve ser rigorosamente observada, sob pena de nulidade absoluta, em observância do princípio do contraditório. Admite-se excepcionalmente a inversão nos casos do art. 222 (expedição de carta precatória, pois a instrução criminal não se suspende) e art. 225 (produção antecipada de prova). Não há devido processo legal sem o contraditório, que vem a ser, em linhas gerais, a garantia de que para toda ação haja uma correspondente reação, garantindo-se, assim, a plena igualdade de oportunidades processuais. A respeito do contraditório, Willis Santiago Guerra Filho afirma: “Daí podermos afirmar que não há processo sem respeito efetivo do contraditório, o que nos faz associar o princípio a um princípio informativo, precisamente aquele político, que garante a plenitude do acesso ao Judiciário (cf. Nery Jr., 1995, p. 25). Importante, também, é perceber no princípio do contraditório mais do que um princípio (objetivo) de organização do processo, judicial ou administrativo – e, logo, um princípio de organização de um instrumento de atuação do Estado, ou seja, um princípio de organização do Estado, um direito. Trata-se de um verdadeiro direito fun30 31 BARBI, Celso Agrícola, Comentários ao CPC, Vol. I, Rio de Janeiro: Forense, p. 327. “O interrogatório à distância”, Brasília: Revista Consulex, nº. 29, p. 23. 21801009.pmd 61 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 49-66, julho/dezembro-2008 _______________________ 62 damental processual, donde se poder falar, com propriedade em direito ao contraditório, ou Anspruch auf rechliches Gehör, como fazem os alemães.” (grifos no original).32 Segundo Étienne Vergès, a Corte Européia dos Direitos do Homem (CEDH) “en donne une définition synthétique en considérant que ce principe ´implique la faculté, pour les parties à un procés penal ou civil, de prendre connaissance de toutes pièces ou observations présentées au juge, même par un magistrat indépendant, en vue d´influencer sa décision et de la discuter` (CEDH, 20 févr. 1996, Vermeulen c/ Belgique, D. 1997, som. com. P. 208).”33 Observa-se que o interrogatório do acusado passa a ser o último ato processual após a instrução criminal, o que vem a fortalecer a idéia de considerálo, além de mais um meio de prova, um autêntico e importante meio de defesa34. Assim, “na lei nova prevalece outra orientação: o interrogatório é o momento mais importante da auto-defesa; é a ocasião em que o acusado pode fornecer ao juiz sua versão pessoal sobre os fatos e sua realização após a colheita da prova permitirá, sem dúvida, um exercício mais completo do direito de defesa, inclusive pela faculdade de permanecer em silêncio (art. 5º., LVIII, CF).”35 Aqui vale uma advertência: o indeferimento injustificado de provas requeridas pela defesa poderá acarretar a nulidade absoluta do ato processual pela afronta ao princípio da ampla defesa, de forma que somente quando induvidosas as intenções protelatórias da parte acusada é que legítimo será o indeferimento, sob pena de se utilizar, com sucesso, o habeas corpus. Caso o meio probatório requerido vise a produzir prova contra o acusado, o indeferimento poderá ensejar a correição parcial ou mesmo o mandado de segurança. O número de testemunhas não mudou: continuam oito testemunhas, não se compreendendo neste número as que não prestaram compromisso e as referidas, podendo a parte “desistir da inquirição de qualquer das testemunhas arroladas, ressalvado o disposto no art. 209 deste Código.” (art. 401, §§ 1º. e 2º.). Assim, o “juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes” e não “será computada como testemunha a pessoa que nada souber que interesse à decisão da causa”. (art. 209). Após o interrogatório, “ao final da audiência, o Ministério Público, o querelante e o assistente e, a seguir, o acusado poderão requerer diligências cuja necessidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução.” (art. 402), o que significa que tais requerimentos devem ser feitos de imediato e não mais em 24 horas (o que não impede que, considerando-se a complexidade do processo, seja deferido às partes um prazo maior para tais requerimentos, atentando-se apenas para que não se protele injustificada e demasiadamente o andamento processual). As primeiras diligências devem ser requeridas 32 Introdução ao Direito Processual Constitucional, São Paulo: Síntese, 1999, p. 27. Procédure Pénale, Paris: LexisNexis Litec, 2005, p. 35. 34 Sobre interrogatório, remetemos o leitor ao nosso livro, já referido. 35 GRINOVER, Ada Pellegrini e outros, Juizados Especiais Criminais, São Paulo: RT, 3ª. ed., 1999, p. 176. 33 21801009.pmd 62 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 49-66, julho/dezembro-2008 _______________________ 63 desde logo, ou seja, quando do oferecimento da peça acusatória ou na resposta preliminar. Já as diligências previstas no art. 402 são aquelas outras, cuja necessidade adveio após a instrução. Como lembra Tourinho Filho, comentando o antigo art. 499, “nada obstante a clareza da norma, é comum as partes (Promotores e Advogados) aproveitarem a fase do art. 499 para requerer diligências que olvidaram quando da denúncia ou queixa ou defesa prévia.”36 Não tendo havido qualquer requerimento “ou sendo indeferido, serão oferecidas alegações finais orais por vinte minutos, respectivamente, pela acusação e pela defesa, prorrogáveis por mais 10 dez, proferindo o juiz, a seguir, sentença.” Do indeferimento de diligências não cabe recurso, devendo o acusado utilizar-se do habeas corpus e a acusação da correição parcial (como vem admitindo reiteradamente a jurisprudência) ou mesmo do mandado de segurança. Se houver mais de um réu “o tempo previsto para a defesa de cada um será individual.” Já para o advogado do assistente, o prazo será de dez minutos, após as alegações finais do Ministério Público; neste caso prorroga-se “por igual período o tempo de manifestação da defesa.” Permite a lei, excepcionalmente, considerando a complexidade do caso ou o número de acusados que o Juiz conceda às partes “o prazo de cinco dias sucessivamente para a apresentação de memoriais. Nesse caso, terá o prazo de dez dias para proferir a sentença.” (art. 403, §§ 1o., 2o. e 3o.). O que deve ser evitado é a apresentação de memoriais transformar-se em regra! Se forem requeridas diligências, fatalmente a audiência será sobrestada para o cumprimento do que foi requerido. Neste caso, prevê o art. 404 que “a audiência será concluída sem as alegações finais”. ”Realizada, em seguida, a diligência determinada, as partes apresentarão, no prazo sucessivo de 5 (cinco) dias, suas alegações finais, por memorial, e, no prazo de dez dias, o juiz proferirá a sentença.” (parágrafo único). Por fim, encerrando as disposições concernentes ao procedimento ordinário, temos o art. 405, in verbis: “Art. 405. Do ocorrido em audiência será lavrado termo em livro próprio, assinado pelo juiz e pelas partes, contendo breve resumo dos fatos relevantes nela ocorridos. § 1o. Sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações. § 2o. No caso de registro por meio audiovisual, será encaminhado às partes cópia do registro original, sem necessidade de transcrição.” Em seguida, passa-se a regulamentar o procedimento sumário, entre os arts. 531 a 538, lembrando-se que até a audiência de instrução e julgamento as disposições 36 Código de Processo Penal Comentado, Vol. II, São Paulo: Saraiva, 11ª. ed.,. 2008, p. 161. 21801009.pmd 63 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 49-66, julho/dezembro-2008 _______________________ 64 são comuns para os procedimentos ordinário e sumário; a diferença entre ambos inicia-se a partir da audiência de instrução e julgamento, como veremos a seguir: “Art. 531. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 30 (trinta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se, finalmente, ao debate.” Repetimos todas as observações feitas quando comentamos o art. 400. Muda o número de testemunhas (cinco), segundo o art. 532. Aplica-se ”ao procedimento sumário o disposto nos parágrafos do art. 400 deste Código.” (art. 533). Foram revogados os §§ 1o., 2o., 3o. e 4o. do art. 533. Também neste procedimento, “as alegações finais serão orais, concedendo-se a palavra, respectivamente, à acusação e à defesa, pelo prazo de vinte minutos, prorrogáveis por mais dez, proferindo o juiz, a seguir, sentença.” “Havendo mais de um acusado, o tempo previsto para a defesa de cada um será individual.” Se houver assistente, o seu advogado, após a manifestação do Ministério Público, terá o prazo de dez minutos para as suas alegações, “prorrogando-se por igual período o tempo de manifestação da defesa.” (art. 534, §§ 1o. e 2o. ). Dispõe o novo art. 535 que “nenhum ato será adiado, salvo quando imprescindível a prova faltante, determinando o juiz a condução coercitiva de quem deva comparecer.” Entendemos que só podem ser conduzidas coercitivamente as testemunhas (art. 218) e vítimas (art. 201, § 1º.). Esta permissão, bem como aquela contida no art. 260, não deve ser aplicada ao acusado. Aliás, a este respeito, modificamos entendimento anterior e hoje pensamos que esta disposição do Código de Processo Penal deve ser interpretada à luz da Constituição, não devendo ser mais admitida a condução coercitiva, pois a conveniência quanto ao comparecimento ao interrogatório deve ser aferida pelo acusado e seu defensor, evitando-se a obrigatoriedade de participar de uma “cerimônia degrante”.37 Neste mesmo sentido, o magistério de ROBERTO DELMANTO JUNIOR: “Tampouco existe embasamento legal, a nosso ver, para a sua condução coercitiva com fins de interrogatório, prevista no art. 260 do CPP, já que de nada adianta o acusado ser apresentado sob vara e, depois de todo esse desgaste, silenciar. Se ele não atende ao chamamento judicial, é porque deseja, ao menos no início do processo, calar. Ademais, a condução coercitiva ‘para interrogatório’, daquele que deseja silenciar, consistiria inadmissível coação, ainda que indireta. (Inatividade no Processo Penal Brasileiro, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, pp. 192/193). A propósito, veja-se esta decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª. Região: 37 Veja-se o texto de Alexandre Duarte Quintans, disponível no endereço: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9198 21801009.pmd 64 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 49-66, julho/dezembro-2008 _______________________ 65 “CC 2007.02.01.007301-4 - rel. Maria Helena Cisne - j. 27.02.2008 - DJU 24.03.2008 - EMENTA: PROCESSO PENAL – CORREIÇÃO PARCIAL – CONDUÇÃO COERCITIVA DE RÉU DEVIDAMENTE QUALIFICADO E IDENTIFICADO PARA SER INTERROGADO – DESNECESSIDADE – ART. 5º, LXIII, DA CRFB - CORREIÇÃO PARCIAL INDEFERIDA - O comparecimento do réu ao interrogatório, quando devidamente qualificado e identificado, constitui uma faculdade e não um dever do mesmo. Apenas em situações excepcionais poderá o Magistrado promover a condução coercitiva do acusado, nos termos do art. 260, do CPP.- A CRFB, ao permitir ao acusado calar-se diante do Juiz, demonstra que o interrogatório não é imprescindível para o deslinde da causa, devendo o réu, desde que devidamente citado, arcar com o ônus processual de seu não comparecimento. Correição Parcial indeferida.” Foram revogados os §§ 1o. e 2o. do art. 535. Segundo o art. 536, “a testemunha que comparecer será inquirida, independentemente da suspensão da audiência, observada em qualquer caso a ordem estabelecida no art. 531 deste Código.” Foi revogado o art. 537. Pelo art. 538, “nas infrações penais de menor potencial ofensivo, quando o juizado especial criminal encaminhar ao juízo comum as peças existentes para a adoção de outro procedimento, observar-se-á o procedimento sumário previsto neste Capítulo.” Aqui faz-se referência àquelas duas causas modificadoras da competência previstas na Lei nº. 9.099/95: a complexidade ou circunstâncias da causa que dificultem a formulação oral da peça acusatória (art. 77, § 2º.) e o fato do réu não ser encontrado para a citação pessoal (art. 66, parágrafo único)38. É importante ressaltar que neste caso o procedimento será o sumário, mas devem ser aplicados na vara comum os arts. 74, 76 e 89 da Lei nº. 9.099/95, pois se tratam de medidas de caráter penal, benéficas, aplicáveis em qualquer processo, independentemente do respectivo procedimento (ressalvando o disposto no art. 38 “TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS - SEÇÃO CRIMINAL - CONFLITO DE COMPETÊNCIA N. 590-9/194 (200603891424) - Relator: Des. Elcy Santos de Melo - EMENTA: Processual Penal. Conflito negativo de competência. Juizado Especial Criminal. Citação pessoal. Autor do fato não encontrado. Deslocamento da competência. Justiça Comum. Art.66, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95. Encontrandose o autor do fato em local incerto e não sabido e, portanto, inadmissível a sua citação pessoal, correta a postura do juiz do Juizado Especial Criminal em determinar a remessa dos autos para a Justiça Comum, a teor do que determina o art. 66, parágrafo único, da Lei n.9.099/95, ali firmando a sua competência, ainda que presente nos autos o endereço atualizado do acusado ou sendo este encontrado após o deslocamento processual.Conflito provido.” Idem: “TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS Ementa: Processual Penal. Conflito negativo de jurisdição. Juizado Especial Criminal. Citação pessoal. Paciente não encontrado. Modificação da competência para o juízo comum: artigo 66, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95. Conflito procedente. Não localizado o autor do fato delituoso para a citação na forma pessoal perante o juizado especial criminal, dá-se o deslocamento da competência para o juízo criminal comum julgar e processar o feito, nos termos do artigo 66, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95. Conflito conhecido e provido. Competência do juiz suscitado.” (Conflito de Competência nº. 520-4/194 - 200400741029 – Rel. Des. Floriano Gomes). 21801009.pmd 65 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 49-66, julho/dezembro-2008 _______________________ 66 90-A da Lei nº. 9.099/95 e no art. 41 da Lei 11.340/06, ambas disposições, aliás, que nos parecem inconstitucionais, por ferirem o princípio da isonomia e o da proporcionalidade). Foram revogados todos os parágrafos deste art. 538, bem como os arts. 43 (rejeição da denúncia ou queixa, agora prevista no art. 395); art. 398 (substituído pelo art. 401); arts. 498, 499, 500, 501, 502 (novo procedimento ordinário); arts. 537, 539, 540 (novo procedimento sumário), art. 594 (substituído pelo art. 387, parágrafo único), os §§ 1º e 2º do art. 366; os §§ 1º a 4º do art. 533 (novo procedimento sumário), os §§ 1º e 2º do art. 535 (idem) e os §§ 1º a 4º do art. 538 (idem). 21801009.pmd 66 15/10/2008, 10:52 O RECEBIMENT O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA EA LEI 11.719/2008 VICTOR EDUARDO RIOS GONÇALVES Promotor de Justiça Criminal da Capital Professor no Complexo Jurídico Damásio de Jesus 21801009.pmd 67 15/10/2008, 10:52 21801009.pmd 68 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 69-70, julho/dezembro-2008 _______________________ 69 O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA E A LEI N. 11.719/2008 Por incrível que pareça a Lei n. 11.719/2008 permitiu o surgimento de dúvida quanto a aspecto primordial da ação penal e termo interruptivo do prazo prescricional que é o recebimento da denúncia. A controvérsia decorre da própria interpretação literal que se deve dar inicialmente a todo texto de lei, pois, a nova redação do art. 396 do CPP diz que a denúncia deve ser recebida pelo juiz logo após o seu oferecimento, devendo, ainda, o magistrado, em tal oportunidade, determinar a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 dias. Ocorre que, após a fase da resposta escrita, a nova redação dada ao CPP, em seu art. 399, estabelece que, “recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a audiência” de instrução. A dúvida, portanto, é se a denúncia deve mesmo ser recebida logo após seu oferecimento, nos termos do art. 396, ou se tal recebimento só deve ocorrer depois da resposta escrita e de análise em torno de eventual absolvição sumária, conforme o art. 399. Existe até mesmo o entendimento de que passaram a existir dois recebimentos de denúncia, pois tal conclusão seria decorrência literal do texto de lei. A interpretação literal, contudo, não pode prevalecer em virtude de diversos argumentos lógicos, históricos e de interpretação sistemática. Inicialmente, deve-se salientar, que, em acompanhamento ao trâmite legislativo do Projeto de Lei n. 4.207/2001, que culminou na nova lei, pode-se notar que o tema foi ampla e expressamente debatido, precipuamente na Câmara dos Deputados, última Casa Legislativa a apreciar o Projeto. Com efeito, no texto original nela aprovado, constava efetivamente que a resposta escrita ocorreria depois do recebimento da denúncia, porém, essa ordem foi alterada por substitutivo do Senado Federal. Quando o Projeto retornou à Câmara foi necessário discutir novamente o assunto, tendo, então, sido decidido que a alteração proposta pelo Senado seria rejeitada, retomando-se o texto inicial que prevê o recebimento da denúncia antes da resposta escrita do réu. Do voto do Relator, o Dep. Régis de Oliveira (aprovado no dia da votação final do Projeto), pode ser extraída a seguinte passagem: “o instrumento que é o processo, não pode ser mais importante do que a própria relação material que se discute nos autos. Sendo inepta de plano a denúncia ou queixa, razão não há para se mandar citar o réu e, somente após a apresentação de defesa deste, extinguir o feito. Melhor se mostra que o juiz ao analisar a denúncia ou queixa ofertada fulmine relação processual infrutífera. Rejeita-se a alteração proposta pelo Senado”. Esse texto deixa claro que a denúncia deve ser recebida logo após seu oferecimento (o trâmite completo do Projeto de Lei, com os respectivos debates, votos e sucessivas alterações nas duas Casas Legislativas pode ser obtido junto ao site da Câmara dos Deputados). É evidente, por sua vez, que se houvesse a intenção de se criar duplo recebimento de denúncia isso teria expressamente constado do voto do Relator, o que não ocorreu. 21801009.pmd 69 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 69-70, julho/dezembro-2008 _______________________ 70 Na interpretação sistemática, com outros dispositivos da própria lei aprovada e de tal lei perante o sistema legal já vigente, pode-se apontar, em primeiro lugar, a nova redação dada ao art. 363 do CPP, que diz que “o processo terá completada a sua formação quando realizada a citação do acusado”. Ora, se a citação deve ser feita para que réu ofereça a resposta escrita, logo após o recebimento da denúncia conforme dispõe o art. 396, não há razão para a existência de novo recebimento após tal resposta, pois o art. 363 expressamente diz que em tal momento a relação processual já está aperfeiçoada. Em confronto com a Lei Antitóxicos, ademais, é de se salientar que a nova redação dada ao Código de Processo em nenhum momento denomina a resposta do réu de “defesa prévia” ou “defesa preliminar”, chamando-a, singelamente de “resposta por escrito” ou “resposta escrita”, outro indicativo de que tal fase é posterior ao recebimento da denúncia. Por lógica, também, não pode haver um segundo recebimento de denúncia, já que isso causaria nova interrupção da prescrição e, principalmente, porque, como já mencionado, o próprio texto de lei diz que, com a citação, a relação processual já se completou. O que se depreende, em verdade, é que o legislador pretendeu estabelecer que, se o juiz não absolver sumariamente o réu, após o oferecimento da resposta escrita, estará, lógica e implicitamente, confirmando o anterior recebimento da denúncia, porém, sem novo recebimento e sem nova interrupção da prescrição. Ao deixar de absolver sumariamente o acusado, o juiz autoriza a produção da prova em sua presença e designa a audiência. Em nosso entendimento, portanto, existe um só recebimento de denúncia, logo após seu oferecimento, nos termos dos arts. 363 e 396 do CPP, não existindo, tampouco, “defesa preliminar” e sim “resposta escrita” por parte do acusado. 21801009.pmd 70 15/10/2008, 10:52 PROVAS LEI 11.690/08 21801009.pmd 71 15/10/2008, 10:52 21801009.pmd 72 15/10/2008, 10:52 OS ELEMENT OS ELEMENTOS PR ODUZIDOS DURANTE O PRODUZIDOS INQ UÉRIT O E A PR OVAS INQUÉRIT UÉRITO PRO ANTECIP AD AS ADAS AS,, CA CAUTELARES ANTECIPAD UTELARES E IRREPETÍVEIS, SEGUNDO A REFORMA DO CPP ANDREY BORGES DE MENDONÇA Procurador da República Professor de Processo Penal 21801009.pmd 73 15/10/2008, 10:52 21801009.pmd 74 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 75-87, julho/dezembro-2008 _______________________ 75 OS ELEMENTOS PRODUZIDOS DURANTE O INQUÉRITO E AS PROVAS ANTECIPADAS, CAUTELARES E IRREPETÍVEIS, SEGUNDO A REFORMA DO CPP Introdução Como é de conhecimento geral, o Código de Processo Penal foi objeto de ampla reforma, sendo alterado pelas Leis 11.689/2008 – que tratou do júri – 11.69/2008 – referente às provas – e a Lei 11.719/2008 – que, dentre outros, alterou os procedimentos. A finalidade maior de se reformar o atual CPP foi modernizá-lo, à luz da atual ciência processual penal, dos princípios assegurados na Constituição Federal e das disposições previstas em Tratados Internacionais de Direitos Humanos incorporados pelo Brasil. De fato, a revisão do CPP era medida urgente. Quando da edição do referido Código, estava em vigor a Constituição de 1937, outorgada e de inspiração nitidamente autoritária e policialesca, características estas que se refletiram no CPP editado. Nestes 67 anos, desde a sua promulgação, é bem verdade que passamos por outras três Constituições (1946, 1967 e 1969) até se chegar à atual Constituição de 1988, razão pela qual diversos artigos do vetusto CPP foram revogados. Ademais, inúmeras leis alteraram o CPP neste longo período. Porém, nada obstante a força do princípio da supremacia da Constituição e as diversas alterações legislativas efetuadas, ainda existiam diversas falhas e incoerências na sistemática processual penal, especialmente no tocante ao sistema acusatório, às garantias do acusados e um apego excessivo ao formalismo, descurando-se da necessária efetividade que o processo penal precisaria ter. Certamente o ideal teria sido a aprovação de um novo CPP. Porém, em razão de contingências políticas, preferiu-se a elaboração de projetos setoriais, que atingissem pontos estratégicos, com a edição das três leis acima mencionadas. Ainda outros projetos estão em tramitação para alterações de outros pontos relevantes, especialmente no tocante às persecução penal extrajudicial, às medidas cautelares e aos recursos. Porém, o objeto de nossa análise se cingirá à Lei 11.6901, mais especificamente sobre os elementos colhidos durante as investigações e as provas antecipadas, cautelares e irrepetíveis. Antes, porém, de adentrar no estudo destas provas, urge seja analisado o que dispõe a nova redação do art. 155 do CPP. A nova redação do art. 155 do CPP A Lei 11.690/2008, que entrou em vigor no dia 9 de agosto de 2008, alterou, de certa forma, o princípio da persuasão racional. Em sua nova redação, o caput do art. 155 passou a dispor o seguinte: 1 Para análise de todas as alterações, vide nosso Nova reforma do Código de Processo Penal, comentada artigo por artigo, São Paulo: Editora Método, 2008. 21801009.pmd 75 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 75-87, julho/dezembro-2008 _______________________ 76 Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Sabe-se que o CPP adotou o princípio da persuasão racional, de maneira que o juiz, ao valorar as provas produzidas, não está vinculado a qualquer valor predeterminado, desde que se atenha às provas existentes nos autos e fundamente sua decisão. Conforme consta do item VII da Exposição de Motivos do CPP: “Todas as provas são relativas; nenhuma delas terá, ex vi legis, valor decisivo, ou necessariamente maior prestígio que outra. Se é certo que o juiz fica adstrito às provas constantes dos autos, não é menos certo que não fica subordinado a nenhum critério apriorístico no apurar, através delas, a verdade material. O juiz criminal é, assim, restituído à sua própria consciência”. Porém, a Constituição Federal alberga o princípio do contraditório, previsto no art. 5.º, inciso LV. Este princípio, segundo clássica lição de Canuto Mendes de Almeida, expressa “a ciência bilateral dos atos e termos processuais e a possibilidade de contrariá-los.”2 Como é sabido, o inquérito policial é procedimento inquisitivo, ao qual não se aplica o princípio do contraditório, justamente porque não se destina à aplicação de nenhuma pena. Sua finalidade é informativa, visando coletar elementos para a formação da opinio delicti do titular da ação penal, a permitir o posterior exercício da persecução penal em juízo. Assim sendo, em obediência ao princípio do contraditório, necessário que as provas produzidas no inquérito sejam judicializadas, ou seja, reproduzidas em juízo, agora sim em observância do contraditório. É o que alguns autores chamam de princípio da judicialização das provas. Caso o magistrado baseasse a sentença condenatória em elementos produzidos exclusivamente durante o inquérito, estar-se-ia condenando com base em elementos não coletadas sob o crivo do contraditório, em afronta direta ao referido princípio. Justamente por isto a nova legislação deixou claro que o magistrado deve se guiar, na fundamentação, pela prova produzida em contraditório judicial. Vale destacar que o projeto que foi encaminhado originariamente ao Congresso Nacional não previa a expressão “exclusivamente”, de sorte que a introdução deste advérbio no trâmite legislativo alterou, por completo, a intenção inicial dos autores do anteprojeto. Pela previsão originária, o juiz não poderia considerar nenhum elemento produzido durante o inquérito policial, salvo as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Em outras palavras, excluídas as provas cautelares, não repetíveis ou antecipadas, o juiz não poderia, em hipótese alguma, levar em consideração qualquer elemento produzido durante o inquérito policial, por não ter sido produzido sob o manto do contraditório. Tanto assim que o artigo faz distinção nítida entre “provas” - produzidas em contraditório judicial - e “elementos informativos” - produzidos sem o contraditório “judicial”. Porém, a introdução da expressão “exclusivamente” alterou, por completo, o panorama, como já dissemos. Assim, de acordo com o texto que foi aprovado, o legislador não vedou que o magistrado considere os elementos informativos produzidos durante o inquérito policial para a condenação. A restrição constante é que o magistrado con- 2 Princípios fundamentais do processo penal, RT, 1973, p. 82, apud Antonio Magalhães Gomes Filho, Direito à prova no processo penal, p. 137. 21801009.pmd 76 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 75-87, julho/dezembro-2008 _______________________ 77 sidere exclusivamente os referidos elementos. A contrario sensu, é possível que sejam valorados na sentença condenatória elementos produzidos durante o inquérito policial, desde que apenas como elemento de reforço às provas produzidas em juízo (aqui sim em observância do contraditório). Dito de outra forma: o juiz pode considerar na sentença os elementos informativos produzidos no inquérito, desde que conjuntamente com provas produzidas “em contraditório judicial”. O Promotor de Justiça do Rio de Janeiro Marcelo Lessa Bastos discorda desta interpretação, ao afirmar: “as provas, por assim dizer, ordinariamente produzidas na investigação, que não tenham natureza cautelar, não sejam irrepetíveis e nem antecipadas, não podem servir nem mesmo de reforço à formação do convencimento do Juiz, sendo nula a fundamentação de qualquer sentença que delas se socorrer, ainda que à guisa de complemento da fundamentação calcada na prova colhida em contraditório judicial”3. Data venia, discordamos deste entendimento. De acordo com a nova disposição legal, não se pode afirmar que todos os elementos produzidos no inquérito policial estejam descartados a priori, especialmente porque, na atualidade, o investigado não é mais visto como mero objeto de investigação, mas sim como sujeito de direitos. Assim, por exemplo, o STF vem reiteradamente decidindo que não se pode obstar o advogado do investigado a ter acesso aos autos do inquérito policial, especialmente quanto às provas já documentadas e incorporadas ao procedimento4. No mesmo sentido o STJ, que, inclusive decidiu ser necessária a observância da ampla defesa em determinados momentos do inquérito, especialmente quando houver restrição aos direitos fundamentais5. Relembre-se, também, que o art. 306, §1º, do Código de Processo Penal foi alterado pela Lei 11.449 de 2007 para determinar que a Defensoria Pública seja comunicada da prisão em flagrante, caso o preso não possua advogado constituído. Assim sendo, o inquérito policial não possui mais o mesmo caráter de procedimento investigativo inquisitório que se vislumbrava quando da aprovação do atual Código de Processo Penal. A situação se alterou, de sorte que são muito restritas as hipóteses de limitação aos direitos do investigado durante o inquérito policial, especialmente pelas garantias asseguradas pela atual Constituição Federal e pela orientação dos nossos Tribunais Superiores. Não bastasse, o magistrado tem o dever de fundamentar sua decisão, conforme decorre do texto constitucional, indicando o raciocínio lógico que o levou a esta ou aquela conclusão. Deve, portanto, no bojo de sua motivação, explicitar por qual motivo deu valor ou não a este ou aquele elemento informativo para corroborar o quanto foi produzido em 3 Processo penal e gestão da prova. Os novos arts. 155 e 156 do Código reformado (Lei nº 11.690/08). Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1880, 24 ago. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/ texto.asp?id=11593>. Acesso em: 03 set. 2008 . 4 Neste sentido, vide STF- HC 90.232/AM, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 18.12.2006, 1.ª turma, informativo 453. No mesmo sentido, vide, ainda, HC 82.354/PR (DJU de 24.9.2004), HC 87.827/RJ (DJU de 23.6.2006) e HC 86.059 MC/PR (DJU de 30.6.2005), todos da Suprema Corte. 5 INQÚERITO POLICIAL. AMPLA DEFESA. O inquérito policial é um procedimento preparatório que apresenta conteúdo meramente informativo no intuito de fornecer elementos para a propositura da ação penal. Contudo, mesmo não havendo ainda processo, no curso do inquérito pode haver momentos de violência e coação ilegal, daí se deve assegurar a ampla defesa e o contraditório. No caso, a oitiva de testemunhas, bem como a quebra do sigilo telefônico, ambos requeridos pelo paciente, não acarretará nenhum problema ao inquérito, mas sim fornecerá à autoridade policial melhores elementos para suas conclusões. Precedentes citados: HC 36.813/MG, DJ 5.08.2004; HC 44.305/SP, DJ 4.06.2007, e HC 44.165/ RS, DJ 23.04.2007. HC 69.405/SP, Rel. Min. Nilson Naves, julgado em 23.10.2007, 6.ª turma, informativo 337. 21801009.pmd 77 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 75-87, julho/dezembro-2008 _______________________ 78 contraditório judicial. Assim agindo, permitirá o controle, inclusive, por quem se sentir eventualmente prejudicado, por intermédio da via recursal. A interpretação diversa - ou seja, impedir o magistrado de se valer de todos os elementos coletados durante o inquérito policial -, colocaria o magistrado em uma “camisa de força”, sem que pudesse, mesmo que motivadamente, valer-se de qualquer elemento produzido durante o inquérito policial, em grave prejuízo à busca da verdade real. Como é sabido, nenhum direito pode ser considerado absoluto. Embora sejamos partidários de que nenhuma condenação pode se pautar exclusivamente nos elementos colhidos durante o inquérito policial – aliás, como já era a posição da doutrina e da jurisprudência majoritárias – entendemos que não se pode desprezar, a priori, os elementos coletados durante as investigações, que podem vir a reforçar as provas colhidas em juízo. Neste sentido, também se manifesta Rodrigo de Abreu Fudoli: “Se assim não fosse, a jurisprudência já teria se orientado no sentido da exclusão física das peças produzidas no inquérito policial dos autos do processo, o que não se verifica, entre nós. Repare-se que o acompanhamento cada vez mais corriqueiro de atos praticados durante o inquérito policial por advogados, bem como o acesso quase que irrestrito que os advogados vêm tendo aos autos desse procedimento de investigação, inclusive com a chancela dos Tribunais Superiores, retira parte dos argumentos daqueles que se batem contra a manutenção das peças inquisitoriais nos autos do processo”6. No mesmo sentido, vale mencionar que o Supremo Tribunal Federal, no Ag.Reg.RE 425.734-3, pela sua 2ª turma, em 04.10.2005, decidiu neste sentido, conforme asseverou a rel. Min. Ellen Gracie: “Neste aspecto, saliento que não se pode desprezar, como elemento válido e aceitável de convicção, a prova colhida na fase inquisitorial, desde que esta encontre respaldo em outros elementos idôneos, levantados sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, de modo a integrar e a fortalecer o quadro probatório, como na hipótese em tela”. . Inclusive, é de se destacar que a expressão “exclusivamente” foi objeto de controvérsia no Congresso Nacional durante a tramitação do projeto. No Senado, houve emenda para que a referida expressão fosse excluída, de forma que o magistrado não poderia considerar nenhum elemento produzido durante o inquérito policial. Referido entendimento restou vencido, conforme o voto do relator sobre a emenda, o ex-magistrado federal Flávio Dino: “A supressão pretendida pelo Senado faria com que o órgão jurisdicional fosse impedido de considerar qualquer elemento informativo da fase de inquérito. Ora, por determinação constitucional, todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas, de tal forma que o julgador só deve levar em consideração informações contidas em inquérito policial se o fizer de forma razoável. Deve, portanto, o magistrado explicitar os motivos que o levaram a utilizar o elemento informativo colhido no inquérito policial. Este, por sua vez, não segue mais o antigo paradigma de investigação inquisitória, havendo, atualmente, observância às garantias do acusado no que tange à ampla defesa, sendo, inclusive, assegurado o acesso do advogado aos autos do inquérito. Parece-me, então, razoável o texto aprovado pela Câmara. Este, ao impedir que o juiz fundamente sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, tanto resguarda o princípio da motivação, insculpido no inciso IX do artigo 93 da Constituição, como também preserva o contraditório, uma vez que a fundamentação do juiz deverá ser formulada também com base em outros elementos. Tais 6 Lei nº. 11.690/08: reforma do tratamento das provas no Código de Processo Penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1821, 26 jun. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/ texto.asp?id=11430>. Acesso em: 02 set. 2008 21801009.pmd 78 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 75-87, julho/dezembro-2008 _______________________ 79 elementos jamais poderão ser exclusivamente os colhidos quando do inquérito, consoante consagra a atual orientação jurisprudencial dominante. O que não é razoável é simplesmente dizer-se que o contido no inquérito policial de nada vale para a formação da convicção do julgador. Por esse motivo, rejeito a Emenda n.º 1 do Senado, mantendo, assim, o texto aprovado pela Câmara para o artigo 155 do Código de Processo Penal”. Portanto, os elementos informativos produzidos durante o inquérito podem corroborar aquelas provas que foram produzidas em juízo, fortalecendo o panorama probatório e permitindo que se justifique a prolação de sentença condenatória. Desde que o magistrado não se apóie apenas em elementos produzidos durante o inquérito, poderá valorálos em conjunto com as provas produzidas em juízo, sempre de maneira fundamentada. Por exemplo, o magistrado poderia considerar uma confissão feita pelo investigado durante o inquérito policial, em que estava acompanhado de advogado constituído e sem que houvesse qualquer prova de constrangimento, caso aquela confissão estivesse em coerência com as demais provas produzidas no curso processo. Gize-se: desde que este elemento produzido durante o inquérito policial seja corroborado por outras provas produzidas em juízo. Provas cautelares, não repetíveis e antecipadas Outra inovação diz respeito à possibilidade de o magistrado considerar em sua sentença, sem que tal decisão configure violação ao princípio do contraditório, as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas, mesmo que produzidas durante o inquérito policial. Pela interpretação literal do referido artigo, o juiz estaria livre para condenar exclusivamente apoiado nas referidas provas (cautelares, não repetíveis e antecipadas), sem a necessidade de serem complementadas por outras provas produzidas em juízo. Isto porque a ressalva final – referente às provas cautelares, não repetíveis e antecipadas - está se referindo à expressão “exclusivamente”. Em síntese, poderíamos extrair duas conclusões da forma pela qual foi redigido o art. 155: a) os elementos informativos produzidos durante o inquérito policial não podem levar, isoladamente, à prolação de uma sentença condenatória; b) as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas podem levar, isoladamente, à prolação de uma sentença condenatória. Veremos, porém, que esta última conclusão é correta apenas em parte. Antes de analisar o conceito de “provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”, devemos relembrar que a essência do conceito de contraditório está na ciência e na possibilidade de reação. Antonio Magalhães Filho, tratando deste último aspecto (reação), leciona: “No seu segundo momento,o contraditório adquire uma feição dinâmica, caracterizando-se pela possibilidade de participação ativa de seus protagonistas em todos os atos do procedimento, com o objetivo de influenciar positivamente o espírito do juiz e obter, assim, a tutela pretendida (...) Essa participação ativa dos interessados no provimento pode ocorrer de várias formas: preventivamente, quando se instaura o contraditório para debater a oportunidade de realizar determinado ato; concomitantemente, quando se manifesta através da atuação na própria prática do ato; ou, ainda, posteriormente, quando consiste em mani- 21801009.pmd 79 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 75-87, julho/dezembro-2008 _______________________ 80 festação subseqüente ao ato, como, por exemplo, na discussão sobre o valor de uma prova já produzida.”7 Esta última hipótese é também chamada de contraditório diferido. Feita essa ressalva, vejamos, o significado das provas cautelares, antecipadas e não repetíveis separadamente8. Provas cautelares Provas cautelares são aquelas em que existe um risco de desaparecimento da prova em razão do transcurso do tempo (periculum in mora) e nas quais o contraditório é diferido, ou seja, realizado durante o curso do processo. Assim, por exemplo, um exame de corpo de delito, para constatar a presença de sêmen na vagina da mulher que foi estuprada. Caso não se faça o exame logo após o crime, ainda na fase do inquérito policial e sem o contraditório prévio ou concomitante, os vestígios desaparecerão, impossibilitando a sua realização em momento posterior. Justifica-se a exceção à regra em razão do risco de desaparecimento da prova e em atenção à busca da verdade real. Ademais, não se fere o princípio do contraditório, que, como vimos, será diferido para momento posterior, ou seja, no curso do processo. Em caso de perícias cautelares – grande maioria das situações –, inclusive, será possível a apresentação de quesitos complementares, em caso de não observância de formalidades, omissões, obscuridades ou contradições, que deverão ser respondidos pelo perito que elaborou o laudo, nos termos do que dispõe o art. 181 do CPP. Com a reforma é possível, ainda, a oitiva do perito em audiência, para que esclareça algum ponto do laudo ou, ainda, a nomeação de assistente técnico para criticar o laudo elaborado, nos termos do art. 159, § 5º, do CPP, com redação também conferida pela Lei 10.690/2008. A alteração a este último dispositivo legal visa justamente reforçar o contraditório em juízo, especialmente o diferido. Provas antecipadas Provas antecipadas são aquelas produzidas com a observância do contraditório real, perante a autoridade judicial, antes de seu momento processual oportuno e até mesmo antes de iniciado o processo, em razão da sua urgência e relevância. Em outras palavras, são aquelas provas em que existe um risco de desaparecerem com o transcorrer do tempo e que são realizadas perante o juiz, observando-se o contraditório real, mesmo antes de iniciada a ação penal. Vale ressaltar que foi incluído, na nova redação do art. 156 do CPP, o inciso II, que afirma ser possível ao magistrado determinar a realização das provas antecipadas, desde que haja necessidade e urgência. Por exemplo, se se verificar que a única testemunha presencial de um crime está com a saúde debilitada, em razão de doença incurável (HIV ou câncer), havendo risco de falecer antes de iniciada a ação penal, seria possível a 7 Direito à prova no processo penal, p. 138-139. Advertimos o leitor que os conceitos de prova cautelar, não repetível e antecipada não são comumente vistos no processo penal. Justamente por isto, o quanto dito no texto não foi extraído de nenhum autor, mas decorre, segundo pensamos, da sistemática que foi adotada pela reforma. 8 21801009.pmd 80 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 75-87, julho/dezembro-2008 _______________________ 81 sua oitiva, determinando-se a sua inquirição perante o juiz. Nesta hipótese, respeita-se, desde logo, o contraditório real. Permitiu-se, ainda, que o magistrado determine, de ofício, a produção de provas antecipadas (art. 159, inc. I), inclusive antes de iniciada a ação penal. É de se verificar que o art. 225 já previa a possibilidade de o juiz antecipar a produção da prova testemunhal, nos seguintes termos: “Se qualquer testemunha houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não exista, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, tomar-lhe antecipadamente o depoimento”. Da mesma forma, os arts. 92 e 366 já tratavam da produção antecipada de provas, em caso de suspensão do processo. Porém, a nova legislação foi além, ao permitir a produção antecipada inclusive antes do início da ação penal. Esta, realmente, foi a maior inovação9. As provas antecipadas (ad perpetuam rei memoriam) são, portanto, aquelas produzidas perante a autoridade judicial, antes de seu momento processual oportuno ou até mesmo antes de iniciado o processo, em situações de urgência e relevância e observado o contraditório real (exemplo: depoimento da testemunha que está em vias de falecer). Como adiantamos, é possível a realização da prova antecipada antes ou após o início do processo. Na primeira hipótese, o juiz antecipa o momento procedimental oportuno para a produção da prova. Assim, por exemplo, embora o feito ainda esteja na fase da resposta escrita, o juiz poderá determinar, em caso de urgência, a oitiva antecipada da testemunha – que somente seria ouvida, pelo rito normal, na audiência de instrução e julgamento. Para que seja possível a produção de provas antecipadas, dois pressupostos são necessários: relevância (fumus boni iuris) e urgência (periculum in mora). A relevância se verifica pela pertinência – ou seja, que a prova diga respeito aos fatos de eventual processo futuro ou do próprio processo já instaurado – e pela importância da prova no deslinde eventual da causa. Porém, no caso de produção antecipada anterior ao processo, entendemos que deverá o magistrado analisar, ainda, outro requisito, qual seja, a viabilidade de um processo futuro. Deve verificar se há a “fumaça” de que houve um crime e, portanto, que haverá um provável processo futuro. Por exemplo, caso se verifique que o fato é manifestamente atípico ou que já está extinta a punibilidade, sequer haverá cabimento em se falar em prova antecipada. Obviamente, a análise da viabilidade deve ser em cognição superficial, não profunda, como é típico das medidas de urgência. Se houver dúvida sobre a tipicidade ou punibilidade, por exemplo, deve ser deferida a medida. A urgência, por sua vez, caracteriza-se pelo risco de desaparecimento da prova, ou seja, pela presença do periculum in mora. Além do exemplo da testemunha enferma, seria possível a antecipação 9 A legislação permitia a produção antecipada de provas, mas, segundo lecionava a doutrina majoritária, apenas no curso do processo, nos termos do art. 225 do CPP. A inovação foi a permissão de produção antecipada de provas antes mesmo do início da ação penal. Vale ressalvar, porém, que Carlos Frederico Coelho Nogueira já mencionava a possibilidade da produção antecipada da prova inclusive antes de iniciada a ação penal (Comentários ao Código de Processo Penal. São Paulo: Edipro, 2002. v. 1., p. 251). Também fazia menção a esta possibilidade Eduardo Espínola Filho (Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, 2000, v. III, Campinas: Bookseller Editora, p. 184) 21801009.pmd 81 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 75-87, julho/dezembro-2008 _______________________ 82 quando houvesse sério risco de vida a uma testemunha “jurada” de morte por determinada organização criminosa10. Ademais, para a análise destes dois requisitos (relevância e urgência), deve o magistrado observar o princípio da proporcionalidade ou razoabilidade. Este princípio possui três aspectos, conforme ensina a doutrina: a) necessidade (no caso, a medida deve ser a menos gravosa dentre as existentes. Assim, por exemplo, se houver risco de vida a uma testemunha, deve o magistrado sopesar se é necessária a antecipação do depoimento ou se a proteção policial será suficiente para resguardar a testemunha); b) adequação (a medida deve ser apta a alcançar a sua finalidade, ou seja, deve o magistrado verificar a pertinência da prova para o processo penal); c) proporcionalidade em sentido estrito (as vantagens da medida devem superar as desvantagens, ou seja, o magistrado deve sopesar se é melhor aguardar o momento procedimental correto para produção da prova ou se deve antecipar sua produção). O art. 156 do CPP afirma que o magistrado poderia determinar a antecipação de provas de ofício. Porém, aqui devemos distinguir. Em relação às provas antecipadas durante o curso do processo, não temos dúvida de que a nova lei andou bem, pois o juiz tem interesse na busca da verdade real. Inclusive, já havia no art. 225 do CPP a previsão de que o juiz poderia determinar, de ofício, a produção antecipada da prova testemunhal, como vimos. Por outro lado nos parece inconstitucional a autorização conferida ao juiz para determinar, de ofício, a produção antecipada de provas antes do início da ação penal. Realmente, nesta situação ainda não há sequer ação penal instaurada e nem mesmo acusação formal veiculada. Assim sendo, não pode o magistrado violar a sua inércia, atuando como verdadeiro juiz inquisidor. Neste sentido, vale relembrar que o STF declarou, na ADIN 1.570-2, inconstitucional o art. 3.º da Lei 9.034/1995, que permitia ao magistrado a realização de investigações pessoais. Na ementa da referida decisão constou: “Juiz de Instrução. Realização de diligências pessoalmente. Competência para investigar. Inobservância do devido processo legal. Imparcialidade do magistrado. Ofensa. Funções de investigar e inquirir. Mitigação das atribuições do Ministério Público e das Polícias Federal e Civil (...)”11. A produção antecipada de provas segue a mesma senda do malfadado art. 3.º da Lei 9.034/1995, pois permite ao magistrado que se antecipe à formação da opinio delicti do titular da ação penal, atuando como verdadeiro juiz de instrução, cuja imparcialidade poderá ser maculada. Realmente, caso o juiz determine, de ofício, a produção de provas, poderá estar se vinculando psicologicamente à causa, assim como antecipando eventual entendimento sobre o caso, justamente o que o princípio da inércia ou da iniciativa das partes visa resguardar. E se o juiz determinar de ofício a produção antecipada de provas, antes mesmo do início da ação penal, estaria formulando um juízo antecipado sobre a opinio delicti, usurpando atribuições que são constitucionalmente asseguradas ao Ministério Público, na ação penal pública. Ademais, seria impossível ao magistrado coletar a prova sem que antes estivesse delimitado o thema probandum, que somente se saberá com o oferecimento da denúncia. Por exemplo, a produção antecipada serviria para provar a prática de qual crime? O juiz perquirirá a testemunha 10 Neste sentido, em relação ao processo civil, mas em lição aplicável, PAULA, Paulo Afonso Garrido de, Código de Processo Civil Interpretado, coord. MARCATO, Antônio Carlos, p. 2372. 11 STF, Plenário, Rel. Ministro Maurício Corrêa, j. 12.04.2004. 21801009.pmd 82 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 75-87, julho/dezembro-2008 _______________________ 83 sobre quais fatos, se ainda não houve delimitação destes em juízo? Tais perplexidades demonstram, segundo nosso sentir, que é impossível ao magistrado determinar de ofício a realização de prova antecipada antes do início do processo, sob pena de violação ao sistema acusatório e aos princípios da inércia e do devido processo legal, em virtude da mácula à imparcialidade do juiz. Em síntese, estamos diante de um retrocesso, verdadeiramente inconstitucional, por se tratar de um retorno ao juiz inquisitivo. Ao comentar o dispositivo da Lei 9.034/1995, cujas lições podem ser inteiramente aplicáveis aqui, Luiz Flávio Gomes advertiu: “A lei ora em questão (art. 3.º), ao atribuir ao juiz a tarefa de colher provas fora do processo, quebrou o princípio da imparcialidade e, assim, violou o devido processo legal previsto no art. 5.º, inc. LIV. Também por isto é inconstitucional. A radical mudança de posição do juiz brasileiro, não fosse derivada de uma disposição inconstitucional e, portanto, inválida, configuraria, como já afirmamos, um clamoroso retrocesso. Seria um caminhar na contramão da história. A tendência moderna não é transformar o juiz em protagonista principal da colheita de provas. Exatamente o oposto vem ocorrendo. O juizado de instrução napoleônico está em descrédito e decadência”.12 Que fique bem claro: entendemos que o magistrado pode determinar a produção de provas no curso do processo, em busca da verdade real. O que não admitimos é que o juiz, antes mesmo de existir imputação formulada, afaste-se de sua imparcialidade para, ainda durante o inquérito, determinar provas de ofício. Ao fazê-lo, como ainda inexiste imputação, não estará buscando a verdade real, mas apenas investigando fato que potencialmente poderá ser levado a juízo. Tanto assim que a prova produzida antecipadamente poderá auxiliar a formulação da imputação, que virá posteriormente a ser julgada pelo mesmo juiz que investigou os fatos! Por todos estes motivos, entendemos que o magistrado somente pode determinar a produção antecipada de provas no curso do processo. Fora disto, ou seja, antes de iniciada a ação penal, não pode fazê-lo de ofício. Somente poderá agir a partir de requerimento do Ministério Público ou do ofendido (na ação privada), do investigado (testemunha que é álibi do investigado e que está em risco de morte, por exemplo) ou, ainda, de representação da autoridade policial. Neste sentido vem sendo a interpretação majoritária da doutrina a respeito da possibilidade de o juiz determinar, de ofício, prova antecipadas antes da ação penal13. Em sentido contrário, porém, as conclusões Workshop Sobre as Alterações no Código de Processo Penal, organizado pela Escola da Magistratura do TRF da 4ª Região, cuja primeira conclusão afirma: “Pode o juiz colher provas de ofício antes do recebimento da denúncia, sendo constitucional o artigo 156, I, do CPP”.14 12 Estudos de direito penal e processo penal, São Paulo: RT, 1998, p. 191-192. Neste sentido, GOMES, Luiz Flávio, CUNHA, Rogério Sanches e PINTO, Ronaldo Batista (Comentários às reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 280), CRUZ, Rogério Schietti Machado da (Com a palavra, as partes. In: Boletim do IBCCRIM, ano 16 - n. 188 – julho de 2008, p. 17-18), LOPES, Aury Jr. (Bom para quê(m)?, In: Boletim do IBCCRIM, ano 16 - n. 188 – julho de 2008, p. 10), ZILLI, Marcos (O Pomar e as Pragas, In: Boletim do IBCCRIM, ano 16 - n. 188 – julho de 2008, p. 2), entre outros. 14 WORKSHOP SOBRE AS ALTERAÇÕES NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, Coordenador Científico: Des. Federal Néfi Cordeiro, evento ocorrido nos dias 18 e 19 de agosto de 2008, em Porto Alegre/RS, organizado pela Escola da Magistratura do TRF 4ª Região, obtido no sítio http://www.trf4.jus.br/trf4/ institucional/institucional.php?no=531 13 21801009.pmd 83 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 75-87, julho/dezembro-2008 _______________________ 84 Em relação ao procedimento a ser seguido no caso de antecipação de provas, o legislador andou mal em não disciplinar o tema, surgindo verdadeira lacuna no ponto Assim sendo, nos termos do art. 3.º do CPP, urge seja integrado o vazio legislativo valendo-se da analogia e dos princípios gerais do direito. Neste sentido, entendemos que devem ser aplicadas as disposições do Código de Processo Civil que tratam da produção antecipada de provas, nos termos dos arts. 846 a 851 do CPC. Tais normas irão regular o incidente cautelar de produção antecipada de provas. Preliminarmente, a competência para a medida de produção antecipada, no caso de ser anterior ao início do processo, será dos juízes que sejam potencialmente competentes para o feito, caso ainda não haja juízo prevento. Assim, observar-se-ão as regras de competência, especialmente a de foro (juiz do local da consumação). Quando for no curso do processo, não há dúvidas de que será o próprio juiz da causa. Encontrado o magistrado competente, a parte interessada em produzir antecipadamente a prova deverá justificar sumariamente a presença dos pressupostos da medida – relevância e urgência –, e, especialmente, indicar com precisão os fatos sobre os quais há de recair a prova, bem como a sua relevância para os fatos investigados (art. 848 do CPC). Deferida, a produção antecipada da prova poderá consistir em interrogatório15, em inquirição de testemunha e em exame pericial. Caso o magistrado determine de ofício – apenas no curso do processo, como vimos acima –, entendemos que deverá indicar, em despacho fundamentado, a presença dos pressupostos da medida. Apresentada a petição, será instaurado procedimento cautelar autônomo de produção antecipada de prova, seja antes do início da ação penal (pois não há sequer ação penal), seja após o início da ação penal (para se evitar tumulto procedimental). Tomadas as providências, deverá o magistrado determinar a realização da prova. Tratando-se de testemunha, deverá designar audiência para a sua oitiva, em juízo. Após, serão os interessados intimados para tanto. Neste passo, não é necessária, segundo pensamos, a citação do investigado, pois esta somente deve ocorrer quando houver acusação já formulada. Basta, assim, a intimação do Ministério Público e do suposto investigado, que deverá comparecer necessariamente acompanhado de advogado, sob pena de ser-lhe nomeado um. Não temos dúvida de que o investigado e, com maior razão, o indiciado, devem ser intimados para comparecer à audiência, pois, se por um lado a finalidade da antecipação é assegurar a prova, por outro é assegurar o contraditório efetivo e real. Como afirma Carlos Frederico Coelho Nogueira: “Essa inquirição deve ser efetuada em juízo e em autos apartados aos do inquérito policial, com observância do contraditório real, dela participando, portanto, o MP e advogado nomeado pelo magistrado. Já havendo indiciado no inquérito, deve ser intimado a comparecer e a participar do ato através de advogado que quiser contratar, sendo-lhe nomeado defensor dativo no caso de comparecer desacompanhado de defensor constituído. O indiciado de hoje poder ser o réu de amanhã, daí a necessidade de se lhe permitir a participação na prova oral antecipada.”16 Caso não haja, ainda, suspeito, deve o juiz nomear defensor dativo. 15 Pode-se vislumbrar a necessidade de o acusado ser interrogado antecipadamente, caso demonstre que se ausentará por longo tempo. Com mais freqüência, segundo cremos, poderá ocorrer a oitiva de co-réu delator, que está sendo ameaçado de morte em razão da delação. 16 Ob. cit., p. 251. 21801009.pmd 84 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 75-87, julho/dezembro-2008 _______________________ 85 Caso seja indeferido pedido de produção antecipada de provas, entendemos que o incidente para produção da referida prova terá sido extinto, de sorte que esta decisão se enquadra no art. 593, inc. II, do CPP, ou seja, será cabível o recurso de apelação, especialmente porque a decisão não se enquadra no rol fechado do art. 581 do CPP17. De qualquer sorte, entendemos aplicável o princípio da fungibilidade recursal, previsto no art. 579 do CPP, segundo o qual a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro, quando não houver má-fé, especialmente porque o prazo de interposição da apelação e do recurso em sentido estrito serão os mesmos. Provas irrepetíveis Por fim, provas não repetíveis seriam aquelas que não poderiam ser novamente produzidas no curso do processo, embora já tenham sido colhidas extrajudicialmente. Prova não repetível seria, por exemplo, uma testemunha ouvida durante o inquérito policial, mas que vem a falecer antes de ser ouvida em juízo, no momento procedimental oportuno. Aqui trataremos das provas irrepetíveis como espécie autônoma em relação às provas cautelares e antecipadas, como fez o legislador na reforma. Seria, portanto, prova irrepetível a testemunha que foi ouvida durante a fase do inquérito policial, perante a Autoridade Policial, mas que vem a falecer antes de ser ouvida em Juízo. Semelhanças e diferenças entre provas antecipadas, cautelares e irrepetíveis De logo, é possível vislumbrar um núcleo comum entre a prova cautelar e a prova antecipada, pois em ambas há fumus boni iuris e periculum in mora. Porém, pelo que se infere da nova disciplina legal, a diferença entre a prova cautelar e a antecipada está em que a antecipada é produzida observando-se o contraditório real – ou seja, garante-se a ciência e a participação no momento da produção da prova –, o que não se verifica nas 17 Não se olvida que, em caso de aplicação do art. 366 do CPP, da decisão do magistrado que indefere pedido de produção antecipada de provas a jurisprudência entendia que seria cabível o mandado de segurança (STJ – 6.ª Turma – ROMS 12.060/SP – Rel. Min. Vicente Leal – DJU 19.12.2002 e REsp 504.789GO, Rel. Min. Paulo Gallotti, julgado em 21/8/2007, 6ª turma, informativo 328). No entanto, entendemos que a situação, ao menos para fi ns recursais, não se enquadra perfeitamente à hipótese de indeferimento da produção antecipada de provas, introduzida pelo art. 156 do CPP. Realmente, enquanto no caso de aplicação do art. 366, o indeferimento da produção da prova não leva à extinção do processo ou de qualquer processo incidente – o processo continua suspenso, seja ou não deferida a produção antecipada de provas –, no caso do indeferimento da prova antecipada ora tratado há verdadeira extinção de um processo preparatório à propositura da ação penal, mas sem que se adentre na análise da pretensão punitiva. Assim sendo, enquanto a decisão de indeferimento da produção antecipada prevista no (antigo) art. 366 não se enquadra no conceito de decisão com força de definitiva, a decisão por nós tratada se encaixa perfeitamente naquele conceito. 21801009.pmd 85 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 75-87, julho/dezembro-2008 _______________________ 86 provas cautelares. Assim, enquanto na prova antecipada há o contraditório real – no mesmo momento da sua produção –, na prova cautelar o contraditório é diferido, ou seja, exercitado após a produção da prova, no curso do processo. Vale destacar, ainda, que a prova antecipada é sempre produzida perante a autoridade judicial, o que nem sempre ocorre com a prova cautelar, que pode ou não ser produzida perante a autoridade judicial.18 Diversamente, na prova irrepetível não há contraditório, seja real ou diferido. A prova não repetível aproxima-se das provas cautelares e antecipadas pois nestas duas ou haverá irrepetibilidade absoluta, por desaparecimento do objeto – exemplo, dos vestígios do crime que certamente desaparecerão – ou, ao menos, há uma potencialidade de que a prova se transforme em irrepetível – como no caso da testemunha que está enferma durante o inquérito, mas que pode vir a não falecer antes do curso do processo. Condenação exclusivamente com base em provas cautelares, antecipadas e irrepetíveis? Explicados os conceitos, pergunta-se: poderia o magistrado condenar com base exclusivamente em prova cautelar, antecipada ou não repetível? Pela interpretação literal do art. 155 poder-se-ia chegar a esta conclusão. Porém, segundo cremos, esta interpretação é verdadeira apenas em parte. Realmente, pensemos nas provas não repetíveis. Poderia o magistrado se basear apenas e exclusivamente nela para proferir um decreto condenatório? Entendemos que não. O simples fato de uma prova ter sido produzida no inquérito policial e ter se tornado impossível a sua repetição em juízo (prova produzida no inquérito + ser irrepetível) não pode justificar, a nosso ver, uma exceção ao princípio do contraditório. Suponhamos o exemplo de uma única testemunha presencial de um latrocínio que foi ouvida durante o inquérito, mas que falece antes do início da instrução processual. Neste caso, entendemos que o juiz não poderá considerar isoladamente esta prova para fins de condenação, pois o contraditório não estaria sendo observado, seja no momento da produção da prova (contraditório real), seja posteriormente (contraditório diferido). Como contraditar esta testemunha, como fazer perguntas, como verificar se não foi pressionada para que assinasse seu termo de depoimento? Neste ponto, caso o magistrado considerasse essa prova exclusivamente para embasar a condenação, estaríamos diante de uma lesão frontal, segundo pensamos, ao princípio do contraditório. Não teria sentido em considerar que a mera impossibilidade de repetição pudesse transmudar essa prova de “não apta” para “apta” a fundamentar um decreto condenatório. Do contrário, qualquer elemento de informação colhido durante o inquérito teria a aptidão de 18 Por exemplo, a interceptação telefônica é prova cautelar – há perigo na demora, mas o contraditório é diferido – embora seja produzida com autorização judicial. 21801009.pmd 86 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 75-87, julho/dezembro-2008 _______________________ 87 levar à condenação, desde que se tornasse impossível a sua repetição em juízo 19. Que fique claro: entendemos que o magistrado pode valorar este elemento de informação na sentença, desde que o faça ao lado de outras provas colhidas em juízo. O que não se admite é o magistrado condenar baseando-se exclusivamente nesta prova irrepetíveis, sob pena de violação ao princípio do contraditório. O magistrado deve valorar esta “prova” irrepetível como qualquer outro elemento informativo produzido durante o inquérito policial. O mesmo não pode ser afirmado quanto às provas cautelares e antecipadas, pois nestas há contraditório efetivo, seja concomitante, seja posterior, como vimos. Assim, o magistrado pode condenar ou absolver exclusivamente fundado em uma prova antecipada ou cautelar, sem necessidade de estar apoiado em outros elementos produzidos em contraditório judicial. Isto porque o contraditório, nas provas cautelares e antecipadas, foi efetivamente exercitado pelas partes. Segundo pensamos, a forma de interpretar o art. 155 do CPP passa pela sua consideração teleológica. Conforme já dissemos, o referido dispositivo busca preservar o contraditório, que deve guiar toda a produção das provas. Assim, sob a luz desta interpretação, o magistrado poderá considerar as provas cautelares e antecipadas para a condenação, inclusive podendo valer-se delas com exclusividade, pois é perfeitamente possível o contraditório nestas duas situações20. Diversa é a hipótese da prova não repetível. Para esta, como não há o contraditório, seja anterior ou posterior, impossível ao magistrado se fundar exclusivamente nela para condenar. O magistrado apenas poderá considerá-la como elemento de reforço das provas coletadas em juízo, conforme dissemos em relação aos demais elementos de informação do inquérito policial. Porém, jamais o magistrado poderá condenar com base exclusivamente em uma prova não repetível, colhida apenas no inquérito policial, sob pena de violação ao contraditório. Esta, segundo cremos, a melhor interpretação para o dispositivo, de sorte que urge seja feita uma interpretação conforme do dispositivo 21, visando afastar qualquer outra interpretação que viole o princípio do contraditório. 19 Esta questão já havia sido vislumbrada por Rodrigo de Abreu Fudoli, quando ainda se discutia os anteprojetos que vieram a ser aprovados: “A palavra irrepetíveis é que me causa certa dúvida (...) Pela redação proposta, me parece que se permitiria, por exemplo, que o juiz fundamente sua decisão no depoimento de uma testemunha que foi ouvida durante o inquérito e que depois faleceu, e por quê? Essa oitiva seria irrepetível”. (Seminário “A reforma do Processo Penal Brasileiro”, organizado pelo Ministério da Justiça, em Brasília, nos dias 7, 8 e 9 de junho de 2005, p. 56) 20 Exemplo seria da única testemunha presencial do crime que é ouvida antecipadamente ainda durante o inquérito, perante o magistrado e observado o contraditório. O magistrado poderá considerar esta prova como fundamento exclusivo para a condenação. Da mesma forma, o magistrado pode considerar demonstrada a materialidade em razão de um exame de corpo de delito realizado durante o inquérito policial. 21 Leciona Celso Bastos, sobre a interpretação conforme a Constituição: “Trata-se de um recurso extremo que busca dotar de validade a norma tida como inconstitucional. O intérprete, depois de esgotar todas as interpretações convencionais possíveis e não encontrando uma exegese constitucional, mas também não contendo a norma interpretada nenhuma violência à Constituição Federal, vai verificar se é possível, pelo influxo das disposições constitucionais, levar a efeito algum alargamento ou restrição da norma que a compatibilize com a Carta Maior. Todavia, o alargamento ou a restrição da lei não devem ser revestidos de uma afronta à literalidade da norma ou à vontade do legislador”, apud Olavo A. V. Alves Ferreira, Controle de constitucionalidade e seus efeitos, 2. ed. rev., ampl. e atual., São Paulo: Método, 2005, p. 139 21801009.pmd 87 15/10/2008, 10:52 21801009.pmd 88 15/10/2008, 10:52 LEI 11.690/08 E A REGULAMENT AÇÃO DO REGULAMENTAÇÃO INC VI DO AR T. 5 INC.. L LVI ART 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ADMISSIBILID ADE - A IN INADMISSIBILID ADMISSIBILIDADE PR OCESSU AL D AS PROCESSU OCESSUAL DAS AS OVAS ILÍCIT PR ILÍCITAS PRO EDUARDO QUEROBIM Promotor de Justiça no Estado de São Paulo 21801009.pmd 89 15/10/2008, 10:52 21801009.pmd 90 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 91-113, julho/dezembro-2008 _______________________ 91 LEI 11.690/08 E A REGULAMENTAÇÃO DO INC. LVI DO ART. 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL A inadmissibilidade processual das provas ilícitas Eduardo Querobim1 Introdução e aproximação teórica O presente artigo busca abordar e levantar perspectivas acerca do novo regime jurídico surgido com a edição da Lei 11.690/08, mais especificamente a partir da nova redação dada ao art. 157 do Código de Processo Penal, notadamente destinado a regulamentar as soluções aplicáveis às provas obtidas por meios ilícitos em processos penais condenatórios. A Constituição Federal proclama, como garantia fundamental, serem inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos (art. 5º, inc. LVI). A norma, por assegurar direito e garantia fundamental, tem eficácia plena e aplicabilidade imediata (CF, art. 5º, § 1º). Todavia, dada a complexidade conceitual da questão, com algumas incertezas e desajustes na doutrina e na jurisprudência, a legislação mais recente cuidou de normatizá-la, com fundamento (ao menos assim o fora no projeto apresentado pela Comissão de Juristas) nos aspectos mais sedimentados historicamente na jurisprudência do E. Supremo Tribunal, que muito se baseou na fonte primeira do instituto das provas ilícitas; a Suprema Corte Americana. Em breve repasse histórico acerca do surgimento da teoria da inadmissibilidade das provas ilícitas, pondera-se que o instituto (o regime jurídico da exclusão de tais provas de um processo) é surgido na Suprema Corte Americana, em 1914, em Weeks v. USA, num processo da Justiça Federal, em que teria havido a descoberta de algumas evidências por meio de uma busca ilegal. A Suprema Corte reconheceu a ilicitude das evidências por aquele meio obtidas e determinou ser inadmissível seu uso como meio de prova; criou-se a regra de exclusão (exclusão – inadmissibilidade da prova obtida por meio ilícito). Até então, prevalecia em geral a concepção retratada no brocardo male captum, bene retentum, a sustentar que as provas obtidas em violação a direitos seriam plenamente úteis enquanto evidências da verdade, apenas sendo punível, na medida prevista em legislação material própria, o ato violador de direito que houvera possibilitado a coleta daquelas provas. E, de fato, mesmo após aquele precedente, durante bastante tempo a tese da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos foi rechaçada pela maioria da jurisprudência norte-americana. Tanto que pelo menos 30 Cortes Estaduais não aplicavam aquele sistema de exclusão da prova ilícita até 1949. Em 1961, em Mapp v. Ohio, a Suprema Corte impôs a regra de exclusão a todas as Cortes Estaduais, em 1 Eduardo Querobim, Promotor de Justiça 21801009.pmd 91 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 91-113, julho/dezembro-2008 _______________________ 92 homenagem à 4ª Emenda (aqui, uma brevíssima síntese do elogiável trabalho de pesquisa feito por Denilson Feitoza, in Direito Processual Penal. 3ª ed. Niterói: Impetus, 2005). Do que se colhe da doutrina, parece ter sido a gênese mais longínqua da teoria da inadmissibilidade das provas ilícitas. Por sua vez, a doutrina nacional (fundamentalmente Ada P. Grinover, A. Scarance Fernandes e Antônio Magalhães Gomes F., in As nulidades no processo penal. 10ª ed. São Paulo: 2007, Revista dos Tribunais, Cap. IX, Seção II, cujas lições são seguidas e repetidas por quase todos os que abordam o tema), ao tratar a temática constitucional e processual referente às provas ilícitas, costumava invocar a definição e a distinção conceitual propostas pelo Professor Italiano Pietro Nuvolone, resumidamente nos seguintes termos: as provas ilegais seriam um gênero de desconformidade com o ordenamento jurídico, gênero este que se dividiria em: a) provas ilícitas, assim entendidas aquelas obtidas por meio de um ato violador de normas assecuratórias de direitos materiais (violação direta de direitos da personalidade ou de quaisquer formas de liberdades públicas reconhecidas constitucional ou legalmente; os exemplos clássicos seriam as confissões obtidas mediante tortura, cartas e documentos interceptados em violação a sigilo de correspondência ou profissional, objetos apreendidos em buscas transgressoras da inviolabilidade de domicílio, escutas telefônicas fora das hipóteses permitidas pelo ordenamento, a gerar ofensa aos direitos de privacidade sigilo das comunicações); e b) provas ilegítimas, assim entendidas aquelas produzidas no processo (ou, de qualquer modo, no curso da persecução penal) com violação a normas tipicamente procedimentais (violação direta de regras processuais destinadas precipuamente à regularidade e utilidade do procedimento penal; os exemplos clássicos seriam as oitivas de testemunhas de defesa antes das de acusação, a realização de reconhecimento pessoal sem as formalidades legais, a perícia realizada por apenas um perito, a oitiva de testemunhas em número superior ao limite estabelecido em lei a determinado rito, a oitiva de testemunha extemporaneamente arrolada). Na mesma linha, PEDROSO, Fernando de Almeida. Prova penal – doutrina e jurisprudência. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, Cap. 19. Com alguma variação conceitual, basicamente apenas denominando o gênero como “provas proibidas”, mas propondo a mesma sistemática de categorização e tratamento, Adalberto José Queiroz Telles de Camargo Aranha, in Da Prova no Processo Penal. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, Cap. VII. Outro enfoque, todavia, é proposto por Luiz Flavio Gomes, que, em linhas gerais, distingue o gênero prova ilegal em: a) prova ilícita, quando obtida com violação da lei em situação e momento extraprocessual; e b) prova ilegítima, quando produzida com violação de norma interna do processo, em situação que aquele penalista chama endoprocessual ou intraprocessual (cf. em Qual a diferença entre provas ilícitas e provas ilegítimas?, disponível em www.jusbrasil.com.br, acesso em 12.08.2008). De qualquer forma, a dogmática jurídica propunha a seguinte solução, em termos gerais, ao regime jurídico das provas ilegais: se se tratasse de prova ilegítima, por ter havido ofensa a normas processuais/procedimentais em sua produção, a regência seria dada pelo próprio sistema de nulidades do Código de Processo Penal (artigos 563 a 573 deste Código), que reconhece algumas situações como nulidades absolutas, outras como relativas, e adota princípios gerais referentes à necessidade de demonstração de prejuízo pela parte a que interesse a declaração da nulidade (artigos 563, 565 e 570) e atinentes à 21801009.pmd 92 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 91-113, julho/dezembro-2008 _______________________ 93 imprescindibilidade da demonstração da influência da situação sobre a descoberta da verdade (artigo 566), sujeitando ainda boa parte das hipóteses de nulidade a um rigoroso sistema sanatório de preclusão (artigos 569, 571 e 572) – a prova ilegítima seria, portanto, admitida, ou não, como fonte e meio de formação da convicção do juízo criminal, conforme a situação que lhe tivesse ensejado a desconformidade encerrasse nulidades relativas ou absolutas, e tivesse sido, ou não, argüida em tempo e modo oportunos; se, por outro lado, se tratasse de prova ilícita, a solução seria mais radical, consoante o imposto no art. 5º, LVI, da CF, a determinar a inadmissibilidade completa, no processo, da prova, que não poderia surtir nenhum efeito. A propósito, a lição da Profa. Ada Grinover sustentava que a prova obtida por meio ilícito, por ser vedada, inadmissível por imposição constitucional direta sobre o devido processo legal, perderia a própria natureza ontológica de prova enquanto tal, a se poder afirmar que se tornaria uma não-prova, na categoria jurídica da inexistência, acima mesmo, pelo rigor das conseqüências processuais devidas, a qualquer nulidade absoluta; ao reconhecimento da ilicitude da prova, seguir-se-ia a declaração de sua completa inadmissibilidade no processo, sem que pudesse, de forma alguma, motivar qualquer decisão ou deter qualquer eficácia probante. Tal entendimento foi integralmente adotado na jurisprudência do E. Supremo Tribunal Federal, em votos do Em. Min. Celso de Mello, especialmente nos HCs 69.912/RS, 73.351/SP e 72.588/PB (além de ter sido invocado no relevantíssimo julgamento da Ação Penal originária 307-3/DF – caso de crimes de corrupção passiva, falsidades diversas e outros delitos, em que figuravam como réus, dentre outros, o ex-Presidente Fernando Collor de Melo e Paulo César Farias; neste caso, considerou-se ilícita a prova obtida por apreensão de um computador numa diligência de busca em empresa – que se considerou busca domiciliar – sem mandado judicial, além de degravações de conversas gravadas por um dos interlocutores, sem ciência do outro). Tamanha a convicção do Supremo Tribunal na questão da inadmissibilidade das provas ilícitas, que chegou a pacificar que o reconhecimento da ilicitude de uma prova importa a nulidade de todo o julgamento que nela se embasou (caso tenha sido a única prova, ou a mais determinante, ou ainda a da qual derivaram todas as outras) e a determinação do imediato desentranhamento da prova dos autos (leia-se: desentranhamento dos meios materiais que a documentam nos autos do processo), para que nenhuma influência pudesse ter. Dessa hipertrofia da garantia da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos construída pelo Supremo Tribunal foi que decorreu, naturalmente, não porém sem alguns solavancos, a adoção também explícita e agora unânime por aquela Corte da chamada teoria dos frutos da árvore venenosa (ou envenenada), teoricamente oriunda da Suprema Corte dos Estados Unidos da América, e que proclama, em breve e despretensiosa síntese, serem também inadmissíveis as provas, ainda que em si mesmas lícitas, obtidas a partir de informações a que se chegou por meio das provas originariamente ilícitas (voltando à metáfora do nome, a idéia seria de que, contaminada a árvore – a prova ilícita original -, o veneno [ilicitude] que a contaminara atingiria também seus frutos – as provas obtidas a partir de informações conhecidas em função da prova ilícita original). A propósito, extenuante debate no HC 73.351/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, em que se anulou todo um processo de tráfico de drogas, cuja apreensão de 81 kg de cocaína havia sido possibilitada por meio de interceptação telefônica judicialmente autorizada, mas anterior à Lei 9.296/96, já que o STF 21801009.pmd 93 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 91-113, julho/dezembro-2008 _______________________ 94 entende desde a CF/88 que, antes desta lei regulamentadora, o sigilo das comunicações telefônicas não poderia ser quebrado de forma alguma. A nova redação do art. 157 do Código de Processo Penal é fruto da aprovação, com algumas alterações, do Projeto de Lei do Executivo n. 4.205/01, elaborado por uma Comissão de Juristas presidida pela Profa. Ada Pellegrini Grinover, para a elaboração de diversas alterações tópicas e setoriais no CPP (da mesma forma fruto do trabalho desta Comissão, vieram a ser aprovadas as Leis 11.689/08, que alterou integralmente o rito do júri, e a Lei 11.719/08, que alterou os procedimentos do Código de Processo Penal), e esse projeto levou em conta exatamente a doutrina e a jurisprudência (especialmente do STF) que se consolidavam no Brasil, para normatizar a questão das provas ilícitas no direito processual penal brasileiro. I - A conceituação da prova ilícita na nova Lei e algumas das polêmicas que suscita O Projeto 4.205/01 do Executivo (da lavra da Comissão presidida pela Profa. Ada Grinover) propunha a seguinte redação ao caput do artigo 157 do Código de Processo Penal: “São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a princípios ou normas constitucionais”. Como se vê, a redação proposta trazia uma definição autêntica do que seriam provas ilícitas, com atenção voltada ao conceito doutrinário que as identifica como aquelas obtidas mediante a violação de quaisquer liberdades públicas do cidadão, ou mesmo em vulneração a princípios ou quaisquer garantias constitucionais. Não havia dúvidas de que eventuais infringências a regras procedimentais (ou processuais propriamente ditas) no momento da produção da prova importaria sua qualificação como prova ilegítima, com a regência devida pelo sistema de nulidade (relativas e absolutas) do estatuto processual. Mais ainda. A referência a violação a princípios constitucionais permitia até mesmo maior abrangência na expansão do conceito protetivo e na apreciação do caso concreto, porquanto se sabe que há princípios (e alguns até mesmo de primeira essência, até superprincípios, como o da proporcionalidade) que estão implícitos e decorrem do sistema constitucional de garantias e de convivência harmônica das liberdades públicas. Todavia, o texto aprovado foi o seguinte: “Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.” Com base na expressão final “obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”, já houve na doutrina quem se animou a sustentar que estaria aniquilada, pelo sistema jurídico positivo brasileiro, a distinção conceitual (e, por conseqüência, o regime jurídico distinto de regência) entre provas ilícitas e ilegítimas, todas elas agora se subme- 21801009.pmd 94 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 91-113, julho/dezembro-2008 _______________________ 95 tendo ao sistema máximo constitucional de inadmissibilidade do art. 5º, inc. LVI. É que, como qualquer violação a normas legais (e não apenas às constitucionais) caracteriza a prova como ilícita (e, portanto, inadmissível), e como a regra procedimental é também legal, de nada mais importaria a distinção entre a natureza da norma (ou do direito) violada ao ensejo da produção da prova: sempre haveria ilicitude constitucionalmente qualificada - inadmissibilidade. Nesse sentido, Luiz Flavio Gomes (Lei 11.690/08 e provas ilícitas: conceito e inadmissibilidade. Disponível em www.lfg.com.br, acesso em 19.06.2008). O raciocínio é bastante claro e até convincente. Não obstante, parece admissível outro enfoque na leitura e definição hermenêutica do dispositivo legal. O fulcro da interpretação – tanto literal como lógico-teleológica – do dispositivo talvez deva estar não na palavra “legais”, mas no termo “obtidas”. Realmente, é pacífico na dogmática das provas que, entre seu surgimento no mundo da realidade e o exaurimento de sua eficácia de convencimento no processo (que é seu destino único, ao fim e ao cabo), sucedem-se, nesta ordem, as seguintes etapas: proposição (postulação, requerimento, indicação dos meios de prova pelos quais se pretende demonstrar ou negar um fato ou situação num processo); admissibilidade (deferimento, pelo juízo destinatário da prova, de que seja ela obtida, se ainda inexistente ou não materializada, ou apenas incorporada aos autos do processo, caso já preexista em perfeita completude); produção (a efetiva introdução da prova no processo, a tornar-se parte integrante da relação jurídico-processual, vindo ao conhecimento formal do juízo e de ambas as partes e ali se sujeitando à crítica bilateral dos litigantes, podendo confundir-se e identificar-se o momento de obtenção e produção da prova, como na prova testemunhal, por exemplo, em que a oitiva judicial é o próprio fenômeno de produção e obtenção da prova); valoração (influência que exerce a prova na convicção do órgão julgador, a determinar o substrato fático sob que o juízo subsumirá a hipótese legal para aplicar o direito penal objetivo). A obtenção da prova, ou seja, o acesso ao meio ou o contato com a fonte que plasma e materializa a prova, pode dar-se antes mesmo da fase de proposição em juízo (como ocorre com quase todos os elementos informativos oriundos da investigação criminal) ou pode dar-se no exato momento de sua produção (introdução no processo à luz do contraditório crítico). O grande diferencial entre as provas ditas ilícitas e aquelas assim chamadas ilegítimas consiste não na suposta natureza da norma violada (se material ou processual), mas fundamentalmente na natureza da ilegalidade operada na circunstância ou no momento do surgimento da prova como tal. Quando o vício se dá na obtenção da prova, ou seja, na forma de se ter acesso à fonte dela, de se apoderar material e sensorialmente do meio de prova, de descobri-la como instrumento de demonstração de um fato, aí então se tem autenticamente uma prova ilícita, porque é exatamente nesta atividade de obtenção que se podem (em tese) violar garantias fundamentais, liberdades públicas ou direitos da personalidade. Assim, quando a interceptação telefônica não é regular, obtém-se prova ilícita porque se estão descobrindo fatos e evidências (provas) por meio de violação ao direito de intimidade, ao sigilo das comunicações (autêntica liberdade pública do cidadão). 21801009.pmd 95 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 91-113, julho/dezembro-2008 _______________________ 96 Assim, quando se tortura ou de qualquer forma se coage um investigado para que confesse, está-se obtendo prova ilícita porque o acesso a ela se deu por meio de violação ao direito à vida, à integridade física, à dignidade, enfim (autênticos direitos da personalidade constitucionalmente assegurados), assim como violação ao direito ao silêncio (garantia constitucional das liberdades públicas), o mesmo valendo para a oitiva de uma testemunha sob coação (prova ilícita porque obtida por meio de violação a direito de segurança e liberdade do cidadão). Assim, quando se descobre, sem autorização judicial, um documento secreto de uma empresa, está-se obtendo prova ilícita porque o desvendamento se dá por meio de violação ao segredo profissional (que é direito da personalidade lato sensu considerada, tanto que tutelado tal sigilo nos artigos 153 e 154 do Código Penal). Assim, quando se apreende um objeto de interesse criminal numa busca domiciliar desprovida de autorização ou fora de situação de flagrante delito, estáse obtendo prova ilícita por meio de ofensa à inviolabilidade do domicílio (direito fundamental do cidadão). Assim, quando é ouvida uma testemunha em audiência sem a presença de um Advogado para atuar na defesa do réu, está-se obtendo (e produzindo, porque concomitantes as situações) prova ilícita porque se opera por meio de ofensa ao direito de defesa técnica, que é meio e recurso inerente à ampla defesa, essência do devido processo legal (garantia constitucional das liberdades públicas – art. 5º, inc. LIV e LV, e art. 133, ambos da CF), o mesmo valendo para quando se procede ao interrogatório de um acusado delator de co-réu sem permitir que a Defesa do delatado participe ativamente da inquirição, mas, mais tarde, se busca usar a delação como prova de autoria em desfavor do delatado (exatamente isso em TACrimSP, AP.826.057/6, Rel. Sergio Pitombo – j. 09.03.1994). É dizer, se a garimpagem, a conquista, o conhecimento, a notícia da prova, o acesso a ela se der por meio de violação a alguma liberdade pública ou garantia constitucional (sejam prerrogativas materiais ou mesmo processuais – veja-se o exemplo da oitiva sem Advogado) ou ainda mediante ofensa a direito reconhecido e tutelado em lei (vejase o exemplo da revelação de um documento que contém segredo empresarial), aí se terá prova ilícita, e o regime jurídico constitucional (ora incorporado expressamente ao Código de Processo Penal) será da inadmissibilidade no processo (cf. art. 5º, inc. LVI, da CF), com determinação de desentranhamento dos autos e inutilização do material que a documenta (cf. o § 3º do art. 157 do CPP, na nova redação). Numa palavra, a ilicitude que qualifica pejorativamente como ilícita uma prova está no meio de sua obtenção. Confira-se o texto constitucional: são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. Noutro lado, se a produção da prova (e apenas a produção), no sentido técnico que se trouxe acima (introdução no processo com sujeição à bilateralidade, integração à relação jurídico-processual sob o crivo do contraditório), estiver em desconformidade com a norma legal, aí então se terá prova ilegítima, porque a infração terá sido inexoravelmente de regra procedimental propriamente dita (ou será testemunha acima do número legal admissível para aquele rito, ou será laudo elaborado por um só perito, ou será documento juntado em fase inadequada, ou será reconhecimento feito sem as formalidades legais etc.). Quando a infração da norma legal se der exclusivamente na atividade de produção de uma prova, a situação será necessariamente de infringência procedimental (ou processual propriamente dita), e para isso o sistema de nulidades disposto no Código de Processo Penal e aperfeiço- 21801009.pmd 96 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 91-113, julho/dezembro-2008 _______________________ 97 ado pela jurisprudência (há diversas súmulas dos Tribunais Superiores sobre a matéria) continua perfeitamente aplicável e absolutamente eficiente e suficiente para manter a regularidade dos julgamentos, a paridade de armas, os limites intrínsecos de busca regular e ética da verdade. Estranho e exagerado seria pensar que a oitiva de uma testemunha acima do número legal previsto para o rito importaria prova ilícita, inadmissível, devendo o termo de depoimento ser desentranhado e incinerado, com conseqüente anulação de todo o processo. Mas esta seria a conseqüência ao se aceitar a tese de que a nova conceituação do caput do art. 157 teria identificado e posto em mesmo regime jurídico as provas ilícitas e ilegítimas, agora todas sob o rótulo e manto (constitucionalmente qualificado) de ilícitas/inadmissíveis. A distinção ainda vigora porque o art. 157, caput, cuidou de definir legalmente o âmbito de incidência da garantia constitucional da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, e veja-se ainda uma vez mais que o texto constitucional é muito claro no ponto: não fala em provas ilícitas, mas muito precisamente em provas obtidas por meios ilícitos. A garantia tem dupla face de tutela: protege o cidadão contra cujo patrimônio jurídico se investiu ilicitamente para obter-se a prova, e protege a parte litigante em processo judicial contra quem se pretende usar a prova (cabe lembrar que não serão necessariamente a mesma pessoa: basta invocar o exemplo da testemunha coagida, que tem ferida sua liberdade e dignidade, ao passo que a prova visa ao prejuízo processual de alguma das partes do litígio, que não é a própria testemunha; ou, então, o caso da escuta telefônica clandestina, que capta conversa entre duas pessoas, mas que se pretende usar em juízo, eventualmente, contra terceiro a elas vinculado por qualquer motivo). Importa, então, avaliar se o meio de obtenção da prova foi ou não ilícito. Afinal, e aqui vai o que se acredita ser o argumento de maior autoridade e precisão técnica, é o texto (e o contexto!) constitucional que deve determinar a exegese da norma infraconstitucional (máxime daquela que procura trazer interpretação autêntica a um instituto do direito constitucional positivo), não o inverso. A garantia constitucional da inadmissibilidade das provas ilícitas é, na verdade, a garantia constitucional de que não se violem direitos e liberdades públicas para obter provas, e de que, se houver qualquer violação, que tais provas sejam inadmissíveis em qualquer processo. Numa visão talvez mais teórica, é a opção política do Estado Democrático de Direito no sentido de mais valer a garantia da dignidade do cidadão contra o arbítrio (normalmente, mas não exclusivamente, do Estado) do que a descoberta da verdade a qualquer custo. O processo penal busca a verdade, é óbvio, porque isso é um pressuposto elementar de justiça natural e universal, mas no sistema constitucional (e, agora, processual normativo) brasileiro a busca da verdade há de ser impregnada de fundamentos éticos de respeito aos valores da cidadania digna, e quando a busca da verdade despreza tais valores (quando viola a dignidade do cidadão), a ofensa é tão intensa e reprovável, que a Constituição manda repudiar qualquer informação oriunda disso, sem prejuízo da punição (criminal, normalmente) daquele ofensor (crimes de tortura, violação de domicílio, violação de segredo, coação no curso do processo, interceptação clandestina de telecomunicações e outros). Como se verifica pelo histórico trazido na já aludida obra do Prof. Denílson Feitoza, a Suprema Corte Americana consolidou o entendimento de que a razão de ser da doutrina da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos é de ordem fundamentalmente preventiva: evitar violações a direitos fundamentais como forma de obtenção de pro- 21801009.pmd 97 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 91-113, julho/dezembro-2008 _______________________ 98 vas, mediante o desestímulo ao Estado (potencialmente) violador, ao negar toda e qualquer valia à evidência obtida de modo ilícito. Com isso, esvazia-se qualquer utilidade da conduta estatal de agressão às liberdades públicas como meio de descoberta de provas, e a solução ao Estado é a procura da prova apenas pelos meios legais, sob pena de ter de suportar a impunidade criminal, quer pela inexistência de provas, quer pela ineficiência e inoperância daquelas existentes, mas que tenha sido fruto de obtenção por estratégia ilícita. É possível até traçar um paralelo entre os fundamentos teóricos da Suprema Corte Americana e do Supremo Tribunal Brasileiro. Ao passo que a Suprema Corte dos Estados Unidos vale-se da inadmissibilidade das provas ilícitas como garantia eminentemente processual destinada (didaticamente) a prevenir novas violações mediante o desestímulo das autoridades estatais em produzir provas ilícitas, pois não serão admitidas de forma nenhuma (fundamento preventivo, e não reparatório à violação, já que este último fica por conta dos tipos penais repressivos específicos e de providências indenizatórias em face do Estado ou do agente público), nosso Supremo Tribunal deixa explícito, especialmente no HC 69.912, com os votos dos Min. S. Pertence e C. de Mello, que a garantia da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos na Constituição busca assegurar o devido processo legal (seria um dos principais dogmas densificadores do devido processo legal, no dizer do Min. C. de Mello), que deve servir antes e mais à tutela dos direitos e garantias fundamentais que à descoberta da verdade a qualquer custo e preço. É como que se a Suprema Corte norte-americana usasse a teoria para fazer e repetir uma advertência ao Estado, como desestímulo a qualquer violação de liberdades públicas, até em cunho pedagógico, ao tempo em que nosso Supremo Tribunal a emprega como reafirmação e consolidação do respeito aos direitos e garantias fundamentais (embora, sem dúvida, isso também tenha cunho didático inibitório a eventuais pretensões ofensivas do Estado inquisidor). E essa preocupação do Supremo Tribunal em reafirmar e consolidar o respeito à garantia fundamental e ao devido processo legal (intransigência na defesa do devido processo ético, voltado à descoberta da verdade possível à luz da inviolabilidade de direitos do cidadão) é até natural, dada a juventude de nossa Constituição e a circunstância de ser vista, entre nós, como instrumento sagrado de libertação de um Estado autoritário há não muito tempo. Numa palavra, a inadmissibilidade das provas ilícitas, na visão hoje praticamente unânime da Corte Maior do Brasil, é tratada como garantia em si mesma, ela própria – a inadmissibilidade – como expressão de liberdade pública fundamental, como um dos feixes sólidos do devido processo legal, e não previsão procedimental meramente instrumental à tutela de direitos da personalidade. O paralelo é interessante porque mostra o fundamento da diversidade de tratamento que a jurisprudência de cada Tribunal emprega nos dois pontos mais relevantes do regime jurídico das provas ilícitas: sua (eventual) relativização à luz de um critério de razoabilidade (proporcionalidade) em casos de criminalidade grave, e eventuais exceções à regra de exclusão. 21801009.pmd 98 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 91-113, julho/dezembro-2008 _______________________ 99 II - A questão do princípio da proporcionalidade como critério de relativização da inadmissibilidade das provas ilícitas O princípio da proporcionalidade (ou da razoabilidade, como parece preferir a terminologia da Suprema Corte Americana), hoje tomado como superprincípio constitucional, vetor interpretativo de todas as normas de um ordenamento, fator de harmonização sistêmica da legislação, cientificamente fragmentado para aplicação prática nos subprincípios da adequação (pertinência), necessidade (inevitabilidade) e proporcionalidade em sentido estrito (ponderação de valor entre os interesses em conflito), tem sua aplicação consagrada pela doutrina constitucionalista e pelas Cortes Constitucionais de diversos países civilizados como o principal mecanismo dogmático (e pragmático) para a solução de situações de colisão entre direitos fundamentais. Segundo se nota por apontamentos da doutrina do processo penal (assim em Denílson Feitoza e em Ada Grinover et. alli), à Suprema Corte Americana não parece difícil invocar a regra da razoabilidade para, em casos excepcionais, quando em jogo a elucidação de crimes muito relevantes, fazer prevalecer o interesse da persecução penal, da descoberta da verdade e da certeza da punição de criminosos perigosos à garantia da inadmissibilidade das provas ilícitas (parece mais fácil ainda imaginar isso em casos de terrorismo, por exemplo). No Brasil, a doutrina pacífica parte de uma afirmação já sem polêmica: a prova obtida por meio ilícito que leva à demonstração da inocência do réu ou de qualquer situação processual a ele vantajosa (chama-se de prova ilícita pro reo) é admissível no processo criminal. E a explicação convence. É que a regra da inadmissibilidade das provas ilícitas é, em verdade e preponderantemente, uma garantia fundamental do cidadão contra o arbítrio inquisitivo do Estado; logo, se a obtenção de prova por meio ilícito trouxer vantagem processual ao cidadão acusado, não haverá, a rigor, colisão de direitos fundamentais, porque a garantia de vedação das provas ilícitas, proclamada em seu favor, não poderia valer contra seu próprio interesse no caso concreto (a garantia não pode servir contra o garantido). Demais disso, como se sabe, a ética esperada no devido processo legal garantista de um Estado Democrático regido à luz da dignidade humana traz restrições à descoberta da verdade necessária à condenação, mas certamente se interessa por qualquer meio de prova da inocência, que por si mesma já é presumida. Eventuais crimes cometidos para a obtenção da prova ilícita pro reo submetem-se, normalmente, ao regime jurídico-penal próprio, em ambiente em que muito provavelmente causas excludentes de ilicitude (estado de necessidade) ou dirimentes de culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa) serão cogitadas com boa perspectiva de sucesso (imagine-se o réu que furta um documento essencial a provar sua inocência e que lhe estava sendo recusado pelo legítimo detentor, que também o ocultava da Justiça; ou ainda a escuta telefônica que flagra a pretensa vítima de um delito confidenciando a alguém que o processo seria fruto de sua denunciação convictamente caluniosa). A propósito: “Na jurisprudência pátria, somente se aplica o princípio da proporcionalidade pro reo, entendendo-se que a ilicitude é eliminada por causas excludentes da ilicitude (RJTJSP 138/526) ou em prol do princípio da inocência” (STF – 1ª T. HC 74.678/DF – Rel. Min. Moreira Alves). 21801009.pmd 99 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 91-113, julho/dezembro-2008 ____________________ 100 A dificuldade surge quando se passa a cogitar a admissibilidade de provas ilícitas pro societate, em casos de apuração de crimes relevantes (no STF, a questão normalmente surge em crimes de extorsão mediante seqüestro, tráfico de drogas e corrupção), sob o argumento de que o interesse repressivo do Estado (e da sociedade) contra marginais de especial preparo e peculiar periculosidade preponderaria na colisão com o resguardo dos direitos fundamentais deles à intimidade e sigilo telefônico (casos de interceptação ilegal de telefone), à inviolabilidade domiciliar (casos de busca sem mandado), à privacidade (casos de gravação ambiental clandestina) etc. Luis Alberto Thompson Flores (in RT 621/273), invocado por Fernando de Almeida Pedroso (ob. cit., p. 174), lembra antigo julgamento do STF, em que o Min. Cordeiro Guerra assim ponderara: “Não creio que entre os direitos humanos se encontre o direito de assegurar a impunidade dos próprios crimes, ainda que provados por outro modo nos autos, só porque o agente da autoridade se excedeu no cumprimento do dever e deva ser responsabilizado. Nesse caso, creio que a razão assiste à nossa jurisprudência: pune-se o responsável pelos excessos cometidos, mas não se absolve o culpado pelo crime efetivamente comprovado.” Tal linha de entendimento, a tratar a inadmissibilidade de provas ilícitas como garantia ou direito fundamental passível de confronto e de juízo de ponderação com a pretensão estatal (e social) de repressão penal de alguns criminosos, parece uma realidade constante à jurisprudência superior alemã, como informa Manuel da Costa Andrade: “De acordo com o entendimento praticamente pacífico dos tribunais superiores, e à luz do princípio da ponderação de interesses, imanente a toda a problemática das proibições de prova, há-de identificar-se uma área mais ou menos extensa em que os direitos individuais poderão ser sacrificados em sede de produção e valoração da prova, em nome da prevenção e repressão das manifestações mais drásticas e intoleráveis da criminalidade. ... Por outro lado e em termos mais compreensivos, as decisões sobre ‘os casos do diário’ levaram o Tribunal Federal a pronunciar-se abertamente por um princípio geral de ‘ponderação’ que erige a realização efectiva da justiça penal em transcendente interesse do Estado de Direito cuja promoção ou salvaguarda pode sobrepor-se aos direitos fundamentais e legitimar seu sacrifício.” E ainda cita o trecho de uma decisão de 1964: “Os esforços compreensíveis na conformação racionalfuncional do processo penal comportam seguramente o perigo de menor atenção ou mesmo do sacrifício desnecessário dos direitos irrenunciáveis de liberdade do argüido (...). Só que a isso se contrapõe um perigo não menos perturbador: a preocupação pela garantia sem limite dos direitos de liberdade no processo penal induz uma acentuação doutrinalmente extremada destes direitos e, por essa via, impede ou paralisa a conformação e funcionamento de uma ordenação do processo penal racional-teleológica e adequada a uma eficaz realização da justiça penal”, a esclarecer que tal pensamento viria a converter-se em um dos mais consolidados dogmas da jurisprudência do BGH, que sustenta, nesta linha de compreensão do que os portugueses chamam de princípio da ponderação, um regime diferenciado para a matéria de proibições de prova em processos por criminalidade grave. E aquele mestre luso ainda noticia que se deve ao Tribunal Constitucional (alemão) a tese de que a realização da justiça penal representa um valor nuclear do Estado de Direito susceptível de ser levado à balança da ponderação com os direitos fundamentais, já que enxerga que uma justiça penal funcionalmente eficaz seria um bem 21801009.pmd 100 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 91-113, julho/dezembro-2008 ____________________ 101 jurídico com dignidade constitucional, tese que tem sua matriz nos próprios princípios do Estado de Direito (in Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra: Coimbra Editora, reimpressão em 2006, p. 28 a 31). O mesmo autor, ainda em tal obra, traz rica coletânea de doutrina alemã que critica essa posição da jurisprudência. Não difere a jurisprudência americana, que, aliás, ao considerar a regra da inadmissibilidade das provas ilícitas uma garantia preponderantemente instrumental, tem até mais facilidade para aplicar aos casos concretos o princípio da razoabilidade, em autêntico juízo de balanço de interesses, a recomendar eventuais exceções àquela inadmissibilidade. A propósito, construindo seus dogmas a partir de casos concretos, como é próprio do sistema jurídico americano, foi justamente à luz do princípio da razoabilidade que se elaboraram diversas regras de exceção à doutrina da ilicitude por derivação, como se verá abaixo. A questão evidentemente foi ventilada perante o Supremo Tribunal Federal. Parece exemplar, como reflexo de toda a discussão que ali se instaurou, o cotejo entre os votos dos Min. P. Brossard e Sydney Sanches, de um lado, e os votos dos Min. S. Pertence e C. de Mello, de outro, no HC 69.912. O Min. Brossard invocava, em geral, o princípio da proporcionalidade para que a regra da inadmissibilidade das provas ilícitas não acabasse por anular uma condenação por tráfico de drogas, em que a apreensão da droga e a prisão do traficante se haviam dado em razão de uma interceptação telefônica vedada (porque autorizada antes da Lei regulamentadora); a repressão ao tráfico, para o Ministro, era essencial ao Estado Brasileiro e se traduzia em autêntico compromisso internacional (citou vários tratados internacionais na matéria, que tinham sido ratificados pelo Brasil), interesse social e estatal este que deveria prevalecer à tutela extrema da garantia de sigilo de comunicações de indivíduo comprovadamente marginal e delinqüente. O Min. S. Sanches entendia insuportável e inadmissível que, no confronto de interesses, a violação da intimidade e sigilo de conversa de um traficante pudesse comprometer todas as evidências que se produziram sobre o terrível delito de tráfico, cuja punição não poderia sucumbir na situação, máxime pela subsistência de outras provas (apreensão das drogas, oitiva de policiais). Os Min. Pertence e C. de Mello (assim também o Min. Marco Aurélio), porém, reafirmavam a tese de que a garantia em si era a própria inadmissibilidade da prova, que estava explícita na Constituição, sem ressalvas, e, portanto, insuscetível a juízos de ponderação que a relativizassem em um ou outro caso. Como se viu acima, historicamente se foi firmando como pacífico este segundo entendimento, até que em 30.10.2001, no HC 80.949-9/RJ, a E. 1ª T. do STF, em longo e elucidativo voto do Min. S. Pertence, no qual fez minuciosa retrospectiva da jurisprudência da Corte em tema de provas ilícitas, enfrentou-se com muita explicitude a questão da aplicação do princípio da proporcionalidade, exatamente na linha do que consagrado na jurisprudência alemã, como critério motivador de possíveis e eventuais exceções à inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos. Constou, então, da ementa: “... II – Provas ilícitas: sua inadmissibilidade no processo (CF, art. 5º, LVI): considerações gerais. Da explícita proscrição da prova ilícita, sem distinções quanto ao crime objeto do processo (CF, art. 5º, LVI), resulta a prevalência da garantia nela estabelecida sobre o interesse na busca, a qualquer custo, da verdade real no processo: conseqüente impertinência de apelar-se ao princípio da proporcionalidade – à luz de teorias estrangeiras inadequadas à ordem constitucional brasileira – para sobrepor, à vedação constitu- 21801009.pmd 101 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 91-113, julho/dezembro-2008 ____________________ 102 cional da admissão da prova ilícita, considerações sobre a gravidade da infração penal objeto da investigação ou da imputação”. No corpo de seu substancioso voto, o Min. Pertence trouxe os argumentos nucleares do repúdio à incidência do princípio da proporcionalidade na cogitação de excepcionar a regra da inadmissibilidade das provas ilícitas, em convincente raciocínio, cujos pontos centrais parecem ser estes: “16. Mas a questão, sobretudo nos casos limites, ainda provoca resistências compreensíveis. 17. E delas advém – quando não a recusa frontal do princípio da exclusão da prova ilícita – o apelo, sempre que se cuide da apuração de crimes graves, à necessidade de temperar a sua aplicação, em cada caso, à luz do princípio da proporcionalidade. 18. Apelo esse freqüentemente enriquecido com a invocação de parte significativa da doutrina e da jurisprudência alemãs, minudentemente resenhadas por Costa Andrade. 19. Na questão, entretanto – como em tantas outras – a recepção desavisada de teorias estrangeiras é extremamente perigosa, pela diversidade dos dados dogmáticos de que partem, em relação ao nosso ordenamento. 20. Basta notar que, na Alemanha, a solução do problema da admissibilidade, ou não, da prova ilícita no processo não arranca de norma constitucional específica mas, ao contrário, busca fundamento em princípios extremamente fluídos da Lei Fundamental, a exemplo daquele da dignidade da pessoa humana. 21. Na ordem constitucional brasileira, ao contrário – inspirada no ponto pelo art. 32, 6, da Constituição portuguesa -, a opção pelo repúdio à prova ilícita é inequívoca: “ART. 5º (...) LVI. São inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos.” 22. Guarda da Constituição – e não dos presídios – é dessa opção clara, inequívoca, eloqüente, da Constituição – da fidelidade à qual advém a nossa própria legitimidade – é que há de partir o Supremo Tribunal Federal. 23. Ora, até onde vá a definição constitucional da supremacia dos direitos fundamentais, violados pela obtenção da prova ilícita, sobre o interesse da busca da verdade real no processo, não há que apelar para o princípio da proporcionalidade, que, ao contrário, pressupõe a necessidade da ponderação de garantias constitucionais em aparente conflito, precisamente quando, entre elas, a Constituição não haja feito um juízo explícito de prevalência. 24. Esse o quadro constitucional, não tem mais lugar a nostalgia, embora inconsciente, do dogma vetusto das inquisições medievais, para as quais ‘in atrocissimus leviores conjecturae sufficiunt et licent judicatura transgredi’. 25. Certo, a Constituição reservou a determinados crimes particular severidade repressiva (art. 5º, XLII, XLIII e XLIV). 26. Mas, como observa Magalhães Gomes Filho, por sua natureza, as restrições que estabelecem são taxativas: delas não se podem inferir, portanto, exceções a 21801009.pmd 102 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 91-113, julho/dezembro-2008 ____________________ 103 garantia constitucional – qual, a da vedação da prova ilícita -, estabelecida sem limitações em função da gravidade do crime investigado. 27. De resto, graduar a vedação da admissibilidade e valoração da prova ilícita, segundo a gravidade da imputação, constituiria instituir a sistemática violação de outra garantia constitucional – a presunção de inocência – em relação a quantos fossem acusados ou meramente suspeitos da prática de determinados crimes. 28. Abstraio-me, por conseguinte, no caso, de qualquer consideração da extrema gravidade dos delitos, da participação nos quais é suspeito o paciente, pois delas não pode resultar emprestar-se menor peso à vedação constitucional da prova ilícita.” Em linha oposta, há importante artigo do Prof. Barbosa Moreira (A Constituição e as provas ilicitamente obtidas. RDA n. 205, p. 11-22), invocando a necessidade de se fazer escala de valores (direito de intimidade de marginais versus repressão ao tráfico), o que levaria, em alguns casos, o poder repressivo do Estado contra a criminalidade organizada (especialmente no caso do tráfico e hediondos, por previsão constitucional também ativa do dever de especial repressão) a preponderar sobre pretensas liberdades públicas de criminosos, pelo princípio da isonomia (prerrogativa do Estado também de ter meios extraordinários de tutela da coletividade); exatamente nessa linha, cf. votos dos Min. P. Brossard e Sydney Sanches no HC 69.912-STF. O Projeto deixou a questão propositalmente em aberto para construção doutrinária e jurisprudencial. Doravante, diante do silêncio da lei na questão da admissão excepcional de provas ilícitas, aguarda-se a consolidação do entendimento da jurisprudência, quer no sentido do repúdio absoluto à consideração daquelas provas, sem possibilidade de temperança à luz do princípio de proporcionalidade ou razoabilidade, por se entender que o juízo de ponderação entre os interesses da repressão penal e a preservação integral das liberdades públicas já fora feito prévia e cogentemente pela Constituição (art. 5º, LVI), o que acarretaria ser inexpugnável a inadmissão das provas obtidas por meios ilícitos, de nada importando a natureza (a hediondez, a gravidade, a repugnância, a relevância social, enfim) da infração imputada ou investigada, quer na senda do acolhimento do superprincípio da proporcionalidade como critério recorrível à salvaguarda do sucesso da repressão e persecução penal quando em confronto com a criminalidade extraordinária (que também se terá de delimitar qual seja), a prestigiar a verdade descoberta por meios ilícitos, então a se permitir enxergar na garantia da inadmissibilidade das provas ilícitas uma prerrogativa constitucional não-absoluta, como qualquer outra, e da mesma forma sujeita a juízos de ponderação, de balanço e de cedência recíproca diante de situações que pragmaticamente não permitam a manutenção integral de todos os interesses em conflito, quando se haveria de sobrepujar o interesse público e social da punição criminal à liberdade pública individual, sob pena de se promover, por literalidade de texto normativo, uma garantia democrática em escudo protetivo de detratores de liberdades democráticas alheias. Uma última abordagem ainda aqui pertinente: o Supremo Tribunal Federal, agora sim lançando mão de um juízo de ponderação, a partir do HC 74.678-1/SP, firmou o entendimento de que não é ilícita a prova decorrente da ação de quem, tendo sua liberdade pública violada por investida de um criminoso, fere-lhe em reação qualquer direito fundamental para obter prova daquela investida, porque estaria em legítima defesa de suas 21801009.pmd 103 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 91-113, julho/dezembro-2008 ____________________ 104 liberdades públicas inicialmente agredidas: “evidentemente, seria uma aberração considerar como violação do direito à privacidade a gravação pela própria vítima, ou por ela autorizada, de atos criminosos, como o diálogo com seqüestradores, estelionatários e todo tipo de achacadores. No caso, os impetrantes esquecem que a conduta do réu apresentou, antes de tudo, uma intromissão ilícita na vida privada do ofendido, esta sim merecedora de tutela. Quem se dispõe a enviar correspondência ou a telefonar para outrem, ameaçando-o ou extorquindo-o, não pode pretender abrigar-se em uma obrigação de reserva por parte do destinatário, o que significaria o absurdo de qualificar como confidencial a missiva ou a conversa” (Min. Moreira Alves). O Min. Pertence, no mesmo julgamento, asseverou a existência de exclusão da ilicitude da gravação obtida por um dos interlocutores, vítima de corrupção passiva ou concussão já consumada, apesar do desconhecimento do outro interlocutor, e, conseqüentemente, a possibilidade de sua utilização. Na mesma toada, e sempre citando este precedente, ainda cf. HC 75.261 e 75.338/RJ (“É lícita a gravação de conversa telefônica por um dos interlocutores, ou com sua autorização, sem ciência do outro, quando há investida criminosa deste último. É inconsistente e fere o senso comum falar-se em violação do direito à privacidade quando o interlocutor grava diálogo com seqüestradores, estelionatários ou qualquer tipo de chantagista”) e REx 212.081-2/RO (“Captação, por meio de fita magnética, de conversa entre presentes, ou seja, a chamada gravação ambiental por um dos interlocutores, vítima de concussão, sem o conhecimento dos demais. Ilicitude da prova excluída por caracterizar-se o exercício de legítima defesa de quem a produziu. Precedentes do Supremo Tribunal Federal”). Que fique bem claro: não é que o Supremo estivesse operando exclusão da inadmissibilidade das provas ilícitas pelo critério de proporcionalidade, mas sim afirmando que o meio de obtenção da prova nesses casos era lícito, porque em legítima defesa (que é autenticamente uma causa justificadora, de exclusão da ilicitude) de quem recebera inicialmente algum ataque a sua esfera de liberdades públicas. O princípio da proporcionalidade pode ser vislumbrado como pano de fundo dessas decisões pelo fato de que a análise e o reconhecimento dos limites legítimos de qualquer causa excludente de ilicitude sempre traz consigo um juízo de ponderação dos interesses em conflito. A jurisprudência do STF sedimentou, assim, que a ação de alguém de gravar conversas ou situações em que haja investida criminosa (extorsão, concussão, corrupção, ameaça, engodo, ofensa) contra si ou sua família seria meio lícito de obtenção de provas contra aquele que investe, porque a investida sim seria ilícita, e a reação a ela (mediante o resguardo de evidências que a provassem) seria ato lícito, justificado, conforme ao direito, portanto (no STJ, inteiramente respaldada a tese: RT 755/580, com menção expressa ao princípio da proporcionalidade, e RT 795/543). III - Regime jurídico processual da prova reconhecida como ilícita e declarada inadmissível (a logística trazida pela reforma) Como se viu acima, o reconhecimento de determinada evidência trazida ao processo como prova ilícita e a decisão sobre sua inadmissibilidade passam por etapas não pouco complexas. Identificado que a evidência trazida aos autos foi obtida ou produzida em violação à norma constitucional e legal, inicia-se a gestão de tal elemento. Primeiro, a discussão acerca de se tratar de prova ilícita ou ilegítima (e até de se aceitar se 21801009.pmd 104 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 91-113, julho/dezembro-2008 ____________________ 105 tal distinção ainda prevalece ou se tem utilidade prática diante da nova redação do art. 157 do CPP). Segundo, a discussão se, no caso concreto, a prova ilícita será mesmo repugnada (e, com ela, todas as evidências que dela derivem), ou se será admitida à luz do princípio da proporcionalidade. Tendo, enfim, por definido e reconhecido que a prova é ilícita e que será declarada inadmissível no processo, o regime jurídico de tal elemento de evidência ganha contornos próprios. Se às provas ilegítimas o ordenamento processual aplica o regime próprio das nulidades, às provas ilícitas (obtidas por meios ilícitos) a Constituição Federal (art. 5º, LVI) e agora o art. 157 do CPP estabelecem um regramento que se poderia chamar de “supernulidade, hipernulidade, ultranulidade etc.”, o sistema da completa inadmissibilidade, sendo possível a distinção de duas conseqüências: a) uma primeira, de natureza procedimental (pragmática e logística) direta e imediata, consistente no desentranhamento dos autos do material que documenta a prova ilícita (art. 157, § 3º, do CPP: “Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente”). Embora pacificado no HC 80.949-9 do STF que o habeas corpus é meio processual idôneo para se reconhecer a ilicitude da prova e obter a ordem de seu desentranhamento (e, se demonstrada sua exclusividade como evidência nos autos, obter o próprio trancamento da ação ou nulidade de todo o processo), discute-se, na situação inversa, qual o recurso que caberia da decisão que reconhece a prova como ilícita e a declara inadmissível. Aprincípio, poder-se-ia cogitar de correição parcial (ou por inversão tumultuária, ao mandar desentranhar prova válida, ou por abuso de poder do juízo, ao cercear meios de prova da parte), de recurso em sentido estrito (aqui, invocando-se o inc. XIII do art. 581 do CPP – “decisão que anular o processo da instrução criminal, no todo ou em parte”) ou ainda de apelação por decisão com força de definitiva não exatamente prevista nas hipóteses de recurso em sentido estrito (art. 593, II, do CPP). O problema surge porque o texto do projeto (aqui aprovado como na proposta) pressupunha o novo sistema recursal (que é objeto de outro projeto da mesma Comissão), em que se previa agravo de instrumento como recurso contra decisões interlocutórias no processo penal. De qualquer sorte, não parece de todo equivocado cogitar-se o mandado de segurança como pertinente ação de impugnação (possivelmente manejável pela acusação, com a postulação de resguardar pretenso direito líquido e certo de produzir e ver valorada determinada prova em juízo). Então, por cautela, seria razoável que o juízo, ao proferir a decisão de reconhecimento de ilicitude da prova e de declaração de sua inadmissibilidade, de imediato determinasse o desentranhamento dos autos, mas aguardasse ao menos 120 dias desta decisão para determinar o incidente de inutilização (destruição, incineração, etc.) do referido material, ocasião em que a preclusão estaria mesmo aperfeiçoada sob qualquer perspectiva processual sistemática. E não se pode esquecer também que a inutilização do material somente terá cabimento se não constituir ele corpo de delito do crime que foi cometido no ato de obtenção daquela prova ilícita, caso em que, em vez de se determinar sua inutilização, o juízo deverá encaminhá-lo ao Ministério Público (art. 40 do CPP). b) uma segunda, ora de natureza processual (meritória), consistente na completa ineficácia probatória da evidência tida por ilícita (e das evidências de si derivadas, nos termos do § 1º do art. 157 do CPP), que seria o mesmo que afirmar a total inadmissão de valoração da prova ilícita. O Min. Celso de Mello chega a falar que a prova ilícita é uma não-prova. A rigor, isso é o fundamental à integridade da garantia constitucional da 21801009.pmd 105 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 91-113, julho/dezembro-2008 ____________________ 106 inadmissibilidade das provas ilícitas: a vedação completa de que seja valorada como meio de demonstração de qualquer fato que interesse ao julgamento. A solução procedimental (desentranhamento e inutilização) leva-se a efeito para promover instrumentalmente a incolumidade de todos os que atuarem no processo, para que fiquem absolutamente alheios a qualquer influência que a simples presença da evidência ali nos autos pudesse exercer sobre seu pensamento e suas conclusões. A prova afirmada como ilícita nada poderá provar, nada poderá comprovar, nada poderá demonstrar, nada poderá negar, nada poderá confirmar ou infirmar; o regime processual-constitucional da inadmissibilidade traz como regra de fundo a integral inocuidade das informações oriundas da prova ilícita para a consideração de qualquer questão – periférica ou nuclear – do processo. Em suma, a estrutura processual-constitucional agora organizada pelo art. 5º, inc. LVI, da CF e pelo art. 157, caput e § 3º, do CPP permitiu construir um novo degrau, uma nova escala, uma nova dimensão na dogmática das nulidades, que é o sistema da inadmissibilidade, hipótese e situação de verificação de máxima desconformidade com o ordenamento jurídico, decorrente de violação das garantias e direitos fundamentais e da personalidade, que se implementa tecnicamente no seguinte encadeamento: reconhecimento da ilicitude do meio de prova; declaração de sua inadmissibilidade (recusa total de sua valoração no processo); determinação de desentranhamento dos autos do material que a condensa e documenta; determinação de inutilização deste material (a partir da preclusão da decisão de declaração da inadmissibilidade e somente se tal material não se constituir em corpo de delito da infração praticada para a obtenção da prova agora reconhecida como ilícita, caso em que deverá ser remetido ao Ministério Público para providências criminais). A única discussão que parece ainda comportar o caso é se, uma vez reconhecida como ilícita a prova e declarada sua inadmissibilidade por decisão de superior instância (mais precisamente, por meio de habeas corpus), seria compulsória a anulação de todo o processo ou da sentença, de imediato, ou se isso se submeteria à avaliação casuística de haver ou não outras provas não maculadas que pudessem sustentar o processo e até a condenação. Salvo melhor juízo, parece que, tendo havido sentença fundada, ainda que não exclusivamente, em prova depois reconhecida como ilícita e declarada inadmissível, imporse-ia a anulação daquele julgamento, porquanto toda a lógica interna do raciocínio judicial estaria ruída e deveria ser refeita, ora sim restrita aos elementos de prova perfeitamente admissíveis à formação da convicção do julgador original; aliás, se o Tribunal concedesse a ordem de HC, para determinar o desentranhamento da prova, mas mantivesse a condenação (por exemplo, ao argumento da existência de provas autônomas bastantes à condenação), o caso quiçá tangenciaria a supressão de um grau de jurisdição. IV - O regime jurídico positivado das provas ilícitas por derivação (a doutrina dos frutos da árvore venenosa) O art. 157, § 1º, do Código de Processo Penal positivou a doutrina dos frutos da árvore venenosa (ou envenenada): “São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras”. 21801009.pmd 106 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 91-113, julho/dezembro-2008 ____________________ 107 Em brevíssima síntese, pode-se dizer que esta doutrina foi importada da Suprema Corte Americana, que a teria cunhado em Silverthorn Lumber Co. v. USA (1919). A expressão frutos da árvore venenosa apareceu pela primeira vez em Nardone v. USA, em 1939, relator o Justice Frankfurter; mas no mesmo caso se cogitou a doutrina da tolerância – “attenuation doctrine” – quando a conexão entre as provas fosse tão atenuada que, segundo o bom senso, se pudesse ter por dissipada a ilicitude. No Supremo Tribunal Federal, após intenso debate a partir do HC 69.912, a questão pacificou-se com a aposentadoria do Min. Brossard e a chegada do Min. Maurício Corrêa, no julgamento do HC 72.588/PB, de 12.06.1996 (caso de interceptação telefônica com autorização judicial anterior à Lei 9.296/96, que comprovou exploração de prestígio praticada em alusão mentirosa a um magistrado; advogado dizia que influenciaria a decisão do juiz). E se consolidou a prevalência da inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação a qualquer idéia de juízo de ponderação ou proporcionalidade quando, no HC 73.351, anulou-se todo um processo em que, após uma interceptação telefônica judicialmente autorizada, mas anterior à Lei 9.296/96, apreendeu-se imensa quantidade de droga (81 kg de cocaína), prova essa que se considerou ilícita por derivação, e tal qual inadmissível. Ocorre que, como informa o minucioso estudo de Denílson Feitoza, a própria Suprema Corte Americana, que constrói seus dogmas a partir da casuística, passou, a partir da década de 70, a criar uma série de exceções ao sistema de inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação. Com efeito, já em Nardone v. USA (1939) se falava em tolerância à prova derivada se a conexão entre a originariamente ilícita e a dela decorrente fosse muito tênue, segundo um padrão de bom senso. Mas, tecnicamente, e em resumo, o sistema de exceções da Suprema Corte americana acabou sendo forjado nas seguintes situações, algumas delas incorporadas a nosso direito positivo: a) fonte independente: Bynum v. USA, 1960: obtenção das digitais de um suspeito em meio a sua prisão ilegal – tal prova foi afastada, mas acabou aceita a descoberta das mesmas digitais que constavam de um cadastro antigo do FBI. Esta exceção parece ter sido explicitamente acolhida no §1º, in fine, e no §2º, ambos do novo art. 157 do CPP, o que equivale a dizer que, se o Estado tiver como buscar a mesma evidência por outra fonte, poderá trazê-la validamente aos autos (suponha-se uma colheita de material gráfico por meio de coação, que seria desentranhada com o respectivo laudo pericial, depois substituída pela regular apreensão de documentos ou papéis que contivessem a caligrafia espontânea do suspeito e assim permitissem a perícia grafotécnica); b) descoberta inevitável: Nix v. Willians – Willians II, 1984: encontro do corpo de uma vítima mediante indicação do próprio criminoso em meio a confissão ilegalmente obtida, quando já estava em curso ampla busca e varredura que passaria inevitavelmente pelo local em que estava ocultado o cadáver. Aqui, teve-se que, mesmo sem a prova ilicitamente obtida, a evidência (no caso, o encontro do corpo da vítima, que era o próprio corpo de delito) seria fatalmente encontrada e obtida ordinariamente pelos órgãos policiais, de forma que a prova não foi descartada por não ser necessariamente derivada daquela ilícita. Esta exceção também parece ter vindo acolhida no § 2º do art. 157, embora com alguma confusão conceitual com a exceção da fonte independente, ao dizer que “conside- 21801009.pmd 107 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 91-113, julho/dezembro-2008 ___________________ 108 ra-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova”. O risco desta exceção é basear-se em especulações. Daí por que, como adverte Denílson Feitoza, há a necessidade de demonstração precisa, com dados históricos e concretos do caso, de que inevitavelmente a prova seria obtida pelas providências ordinárias tomadas em situações semelhantes ou então de providências investigativas especiais já encaminhadas naquele caso concreto (por exemplo, suponha-se uma busca domiciliar regular em que o réu, morador do local, é torturado pelos policiais para dizer onde está a droga, e aponta que o material criminoso estaria num armário, numa gaveta, debaixo da cama, dentro do forno, onde efetivamente é encontrado; parece bastante claro que, se o traficante silenciasse ou nem mesmo fosse torturado, de qualquer forma a diligência policial acabaria inspecionando aqueles locais e, fatal e inevitavelmente, lograria encontrar e apreender da droga; por tal raciocínio, seria de se afastar a ilicitude por derivação, porque a descoberta da evidência não teria decorrido necessariamente da prova ilícita; porém, apenas para demonstrar a dificuldade de análise deste critério, suponha-se a mesma situação, só que desta feita o suspeito, coagido, indica que a droga está enterrada a dois metros abaixo do chão cimentado da sala, ou num fundo falso de um quadro, ou dentro do televisor; seria razoável sustentar que a abordagem policial ordinária chegaria a tanto?); c) conexão atenuada ou contaminação expurgada: Wong Sun v. USA, de 1963, pelo Justice Brennan, caso de uma prisão ilegal que deu causa a sucessivas delações entre traficantes, até que o terceiro preso, dias após ser solto, prestou confissão independente e espontânea sobre os fatos, situação em que se decidiu afastar a prova obtida com as buscas, mas se permitiu que a nova confissão valesse como prova. A esta exceção, demanda-se a necessidade de demonstrar que, por algum ato independente interveniente, não se obteve aproveitamento da prova originariamente ilícita. A incorporação desta hipótese ao modelo brasileiro depende da extensão conceitual que a doutrina e a jurisprudência estejam dispostas a dar ao termo “fonte independente” dos §§ 1º e 2º do art. 157 do CPP, ou ainda que se a entenda abrangida no corpo do §1º, quando diz “são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras”. O problema é que aqui, ao que parece, a lei cuidou de dizer o que nem precisava, porquanto se não evidenciado o nexo de causalidade entre a prova originariamente ilícita e a outra, esta outra não será mesmo derivada daquela. Uma última e interessante hipótese de exceção à inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação cunhada pela Suprema Corte Americana é a chamada exceção de boa-fé. A partir de 1976, por iniciativa do Juiz White, aquela Corte rejeitou a ilicitude de prova obtida em uma busca realizada com mandado judicial mais tarde anulado, porque ele tinha aparência, à Polícia, de ser lícito (Stone v. Powel; também em 1984, USA v. Leon); assim também por uma diligência que se fundamentou em Lei Estadual depois declarada inconstitucional (Ill v. Krull, 1987). Como a nulificação da prova aqui não teria o efeito preventivo contra os policiais (porque estavam mesmo de boa-fé e, então, continuariam a agir da mesma forma, confiando na licitude dos mandados e na constitucionalidade presumida das leis), não haveria razão para declarar ilícitas e inadmissíveis as provas. Seria uma espécie de erro de tipo às avessas, em que o Estado figura como violador do direito fundamental, mas se reconhece que agira sem dolo de profanar as liberdades públicas. 21801009.pmd 108 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 91-113, julho/dezembro-2008 ____________________ 109 Isso não vem abrangido de forma alguma na legislação brasileira, razão pela qual a doutrina (Andrey B. Mendonça e Luiz Flavio Gomes) reputam tal exceção como absolutamente inaceitável entre nós. Por fim, tão-somente a título de subsídio para um prognóstico do que a jurisprudência poderá consolidar neste intrincado tema das provas ilícitas por derivação, é de se ter sempre presente qual o aspecto de fundo que motiva o instituto perante a Justiça Americana, de um lado, e perante a Justiça Brasileira, de outro. Lá, como se viu, a questão é tomada de um ponto de vista instrumental, como meio pedagógico, didático de precaução e desestímulo a novas violações dos direitos e garantias individuais (isso fica muito claro na exceção de boa-fé e na tranqüilidade como se lida com exceções motivadas pelo princípio da razoabilidade). Aqui, todavia, a inadmissibilidade das provas ilícitas é tomada como garantia em si própria, como uma das expressões intransigentes do devido processo legal. Cabe frisar, ainda, que nos HCs 69.912, 72.588, 73.351 e em outros o Supremo Tribunal firmou o entendimento de que a adoção da teoria das inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação (imprestabilidade dos frutos da árvore venenosa) seria a única maneira de se dar concretude e eficácia à garantia constitucional da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, e, conseqüentemente, resguardar-se escorreitamente o devido processo legal, sob pena de, ao se admitirem as provas ilícitas por derivação como válidas, permitir-se (e, então, estimular-se) a violação das liberdades públicas por via oblíqua, com esvaziamento instrumental e pragmático daquela garantia fundamental enquanto escudo dos direitos da personalidade e do próprio cidadão processado. Parece pertinente invocar novamente o ponto essencial da categorização da prova como ilícita para servir de marco interpretativo: a prova não é ilícita em si, mas é ilícita na medida em que a evidência nela plasmada tenha sido obtida por meio ilícito. Então, a interpretação das exceções que se mostra, a princípio, a mais coerente, harmônica e conforme à Constituição é aquela que se forja a partir da consideração do meio de obtenção. Se o meio de obtenção da prova não guarda conexão, elo de causa e efeito, vínculo de decorrência com a prova antes obtida por forma ilícita, então nem se há falar em prova ilícita por derivação, precisamente porque derivação nenhuma haverá (art. 157, § 1º, primeira parte). Se, embora verificada aquela implicação de reflexividade entre a primeira e a segunda evidência, puder-se demonstrar que ao Estado-investigador era possível a obtenção daquela segunda informação pelos meios ordinários (deve-se provar a habitualidade de emprego da técnica) ou por meios específicos (deve-se provar que, no caso, tais meios já estavam em curso ou, ao menos, em concreta implementação estratégica e efetiva operacionalização prática), afasta-se a ilicitude e a conseqüente inadmissibilidade da prova derivada, precisamente porque não terá sido o meio ilícito original da primeira prova o meio insubstituível e inexorável de sua obtenção, visto que o acesso àquela fonte de prova seria inevitável. V - O vetado § 4º do art. 157: a “descontaminação do Juízo” mediante o afastamento do juiz que teve conhecimento da prova tida como ilícita e inadmissível. Previa o §4º do art. 157 do CPP o seguinte: “o juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou o acórdão”. O dispositivo foi vetado pelo Presidente da República, em suma, porque a necessidade de 21801009.pmd 109 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 91-113, julho/dezembro-2008 ____________________ 110 afastar o magistrado traria demora ao processo, além de diversos problemas em relação à recomposição dos órgãos colegiados dos Tribunais, o que iria frontalmente de encontro às pretensões de celeridade e simplicidade, que são idéias motrizes do projeto. Houve doutrina que logo se adiantou em criticar. O Prof. Aury Lopes Jr. escreveu que o desentranhamento do magistrado seria elementar, por ser óbvio que o juiz estaria contaminado (Bom pra quê(m)? Boletim do IBCCrim – ano 16 – n. 188 – julho/ 2008). E também Luiz Flavio Gomes, para quem, dada a manifesta influência que o acesso às informações ilícitas teria sobre a convicção pessoal do magistrado, isso o impediria de manter a imparcialidade e neutralidade essenciais à análise da prova lícita (a única restante e de admissível invocação quando do julgamento), o que, então, poderia motivar o pedido de afastamento do juiz do caso (O juiz contaminado, que tomou conhecimento da prova ilícita, deve ser afastado do processo? Disponível em www.jusbrasil.com.br, a partir de 14.07.2008). Nesse último artigo, que tomou por base de argumentação a doutrina do Prof. Aury Lopes Jr., sustenta-se que o contato com a prova ilícita acabaria por contaminar, consciente ou inconscientemente, os fatores psicológicos do julgador, de modo que lhe comprometeria o discernimento no ato de sentenciar, que, a rigor, é expressão da emoção e da razão, enfim, um ato de sentimento do magistrado. Em acréscimo dialético ao debate, cabe ponderar que, tecnicamente, se a previsão específica de impedimento do juiz foi afastada, apenas se poderia “afastá-lo” do processo por algum outro fundamento legal de impedimento, incompatibilidade ou suspeição (artigos 112, 252, 253 e 254 do CPP), o que não parece ocorrer. Aliás, se se pudesse falar aqui em suspeição ou impedimento do magistrado que teve contato com a prova ilícita, a mesma situação deveria ser imposta ao órgão do Ministério Público oficiante nos autos, que também deve ter sua imparcialidade preservada como requisito do devido processo legal (art. 258 do CPP). Ocorre que na tipologia processual apenas as hipóteses técnicas de suspeição, incompatibilidade e impedimento é que permitem afastar o magistrado (e o órgão do Ministério Público) de qualquer caso, e tais hipóteses merecem interpretação restritiva, porquanto se trata de exceções à regra (também constitucional e integrante do devido processo legal) do juiz natural (e do promotor natural, já reconhecido pelo STF nos HCs 67.759/RJ e 74.052/RJ). O próprio sistema constitucional do devido processo legal já resolve com razoável segurança a questão da descontaminação do julgado. É que, dentre os diversos feixes de garantias que se emaranham na totalização do devido processo legal, um dos postulados é o princípio da motivação das decisões judiciais (art. 93, IX, da CF), algo também inerente ao sistema do livre convencimento motivado ou persuasão racional, em tudo incorporado pelo art. 155 do CPP (“o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial,..”). Como se sabe, o julgador tem liberdade na avaliação das provas, não se submete a nenhum critério legal rígido de prevalência entre as evidências disponíveis nos autos, mas tampouco pode invocar qualquer meio de prova que não esteja disponível e acessível nos autos do processo. Da mesma forma, e para comprovar que atentou àquelas imposições, é-lhe compulsório explicitar no corpo da decisão as razões que o levaram à leitura da prova (e do direito) da forma como fez. 21801009.pmd 110 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 91-113, julho/dezembro-2008 ____________________ 111 Quando determinada prova é reconhecida como ilícita e declarada inadmissível, determina-se obrigatoriamente seu desentranhamento dos autos. Logo, o julgador não lhe poderá fazer validamente nenhuma menção na fundamentação da decisão, porque aquela prova não mais estará disponível nos autos; qualquer mínima alusão, qualquer ínfima remissão que se faça àquela prova (ou a qualquer uma das reconhecidamente derivadas, que seguiram o mesmo regime), por mais sutil e discreta que seja, importará manifesta nulidade da decisão, porque fundada em prova literalmente inexistente àquele feito (não existe nos autos, não existe no mundo daquele processo). Até aqui, já se tem suficiente mecanismo técnico de fiscalização das partes sobre a atividade do órgão julgador (se foi influenciado pela prova ilícita com que teve contato). Porém, a preocupação dos Profs. Aury Lopes e Luiz F. Gomes segue mais adiante: acreditam que o julgador, que é humano, estaria com seus fatores psicológicos comprometidos, contaminados pelas informações que recebera da fonte ilícita. Isso não é assim absoluto. Primeiro, é de reconhecer que a Magistratura do Brasil democrático e republicano tem já hoje um consolidado perfil autônomo, imparcial e independente, e já faz pelo menos vinte anos que tem muito sólida a consciência de seu papel de responsável pela garantia das garantias do cidadão. Dizer que um juiz brasileiro ficaria com a emoção comprometida por ter tido acesso a uma prova ilícita, ou seja, sustentar que o magistrado já tenha decidido pela condenação por meio da informação ilícita que acessou, e que portanto faria uma análise da prova já tendente à condenação, com a devida vênia, é algo muito simplório, talvez até superficial. Não se discute que o juiz é humano e, como tal, tem emoção; nem se discute que as emoções do homem lhe condicionam, em certa medida, as decisões. Porém, se é verdade que o juiz é humano, não menos verdade é que continua sendo juiz, e que se lembra constantemente disso, mormente no ato de julgar. Não é raro que promotores e juízes tenham em mãos autos de processos em que percebem e sentem claramente que o réu é culpado (normalmente, por impressões tidas em audiência, somadas às regras ordinárias de experiência, à experiência profissional mesma, a alguma notícia informal do fato, a conhecimentos ordinários que acabam tendo na própria comarca, a uma prova maciça do inquérito policial, que, por alguma razão, não pôde ser reproduzida em juízo), mas não disponham de provas concretas judicialmente produzidas sobre o fato imputado, e, assim, diante da impossibilidade de fundamentação técnica, postulam e decidem pela absolvição, cônscios que são de que a condenação só pode ser fruto da culpa oriunda da demonstração de uma verdade juridicamente válida e eticamente vinculante, e não da mera certeza moral (o inverso pode até acontecer no Júri). Esse é um argumento confessadamente praxista, escrito por quem milita no foro e para quem tem intimidade com a atividade forense; a qualquer operador do Direito que seja sério, não há nenhuma, absolutamente nenhuma dificuldade de compreender isso e de concordar com tal realidade, embora seja mesmo passível de se admitir que possa não convencer um leigo na matéria. Segundo, e como se reconhece que o argumento acima é praxista e, assim, poderia ficar sujeito a contestações casuísticas, há um mecanismo do devido processo legal, corolário até do princípio da motivação, que permite a verificação empírica da situação; o duplo grau de jurisdição. É que se, no caso concreto, a parte entender que a motivação do julgador não é fruto de uma leitura criteriosa e imparcial das provas (lícitas e disponíveis), mas sim (consciente ou inconscientemente) de convicções preconcebidas e influenciadas por emoções condicionadas por alguma prova ilícita, basta a submissão do caso ao 21801009.pmd 111 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 91-113, julho/dezembro-2008 ____________________ 112 ordinário reexame, quase sempre possível no sistema processual brasileiro (máxime em tema de revisão de provas – basta ver o recurso clássico por excelência: a apelação). Se a análise da prova, que obrigatoriamente constará da fundamentação, tiver sido equivocada ou não-razoável (e por qualquer motivo, insista-se, consciente ou inconscientemente), se o julgador originário tiver atuado com falha de imparcialidade, neutralidade ou tendência, bastará a demonstração disso para que o órgão revisor modifique a solução do caso, a conclusão do processo. Aqui, sim, pode-se sustentar que a estrutura sistemática do processo – com o dever de motivação e a faculdade de submissão da decisão ao crivo de revisão em grau superior – viabiliza tecnicamente e com inegável eficácia a incolumidade da prestação jurisdicional, sem a invocação de argumentos de jaez marcantemente subjetivista, introspectivo e idiossincrático, de fácil e simples alegação, mas de difícil e impraticável comprovação, e que, em verdade, parecem não levar em conta o nível bastante maduro de solidez, seriedade e comprometimento da Magistratura nacional. Bibliografia BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A Constituição e as provas ilicitamente adquiridas. Revista de Direito Administrativo, n. 205, p. 11-22, 1996. CAMARGO ARANHA, Adalberto José Queiroz Telles de. Da Prova no Processo Penal. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999. CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. COSTA ANDRADE, Manuel da. Sobre as proibições de prova em processo penal. Reimpressão. Coimbra Editora, 2006. FUDOLI, Rodrigo de Abreu. Lei 11.690/2008: reforma do tratamento das provas no Código de Processo Penal. Disponível em www.jusnavigandi.com.br, acesso em 26.06.2008. GOMES, Luiz Flavio. Qual a diferença entre provas ilícitas e provas ilegítimas? Disponível em www.jusbrasil.com.br, acesso em 12.08.2008. _______. O juiz contaminado, que tomou conhecimento da prova ilícita, deve ser afastado do processo?. Disponível em www.jusbrasil.com.br, a partir de 14.07.2008. GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antonio Scarance e GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. LOPES Jr, Aury. Bom pra quê(m). Boletim do IBCCrim – ano 16 – n. 188 – julho/2008. MENDONÇA, Andrey Borges de. Reforma do Código de Processo Penal. São Paulo: Método, 2008. 21801009.pmd 112 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 91-113, julho/dezembro-2008 ____________________ 113 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 7ª ed. Belo Horizonte: DelRey, 2007. PACHECO, Denilson Feitoza. Direito processual penal. 3ª ed. Niterói: Impetus, 2005. PEDROSO, Fernando de Almeida. Prova penal – doutrina e jurisprudência. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. ZILLI, Marcos. O pomar e as pragas. Boletim do IBCCrim – ano 16 – n. 188 – julho/2008. 21801009.pmd 113 15/10/2008, 10:52 21801009.pmd 114 15/10/2008, 10:52 CONSIDERAÇÕES SOBRE O NOVO ART. 159 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL EDUARDO ROBERTO ALCÂNTARA DEL-CAMPO Promotor de Justiça no Estado de São Paulo 21801009.pmd 115 15/10/2008, 10:52 21801009.pmd 116 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 117-131, julho/dezembro-2008 ____________________ 117 CONSIDERAÇÕES SOBRE O NOVO ART. 159 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL Eduardo Roberto Alcântara Del-Campo A Lei n. 11.690, de 9 de junho de 2008, modificou diversos dispositivos do Código de Processo Penal (Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941), relativos à disciplina da prova. Uma destas alterações recaiu sobre o art. 159 do CPP, modificando de forma bastante significativa o panorama de produção dos exames periciais. Peritos e perícias De acordo com a investidura, os peritos classificam-se em oficiais; louvados ou nomeados e assistentes técnicos. Peritos oficiais No Processo Penal, excetuando-se a figura dos assistentes técnicos (art. 159, §§ 3º e 5º, II, do CPP), introduzida pela lei 11.690, de 09/06/08, os peritos, médicos ou não, devem atuar por dever de ofício. São funcionários públicos concursados para exercer o mister de realizar perícias nas diversas áreas e atuam por requisição da autoridade ao diretor da repartição a que pertencem (arts. 6º, VII, 178 e 276 do CPP). CPP Art. 6º. Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: ... VII - determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias; ... Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior (Redação dada ao § 1º pela Lei n. 11.690, de 09/06/08). Art. 178. No caso do art. 159, o exame será requisitado pela autoridade ao diretor da repartição, juntando-se ao processo o laudo assinado pelos peritos. Art. 276. As partes não intervirão na nomeação do perito. 21801009.pmd 117 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 117-131, julho/dezembro-2008 ____________________ 118 Por autoridade competente, no caso, deve-se entender o delegado de polícia, na fase de inquérito, ou juiz de direito, uma vez instaurado o processo. O promotor de justiça, ao receber o inquérito policial ou chegando-lhe às mãos material que necessite da intervenção técnica, também pode requisitar aos Institutos Médico-Legal e de Criminalística a realização da perícia pertinente, com fundamento no art. 129, VI e VIII da Constituição Federal e no art. 26, I, b, da Lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993. CF Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: ... VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva; ... VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais; ... Lei n. 8.625/93 Art. 26. No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá: I - instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes e, para instruí-los: ... b) requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridades federais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; ... Quando a perícia for de natureza médico-legal o exame deverá, preferencialmente, ser realizado por profissional médico, também denominado perito médico ou médico-legista. Quando de outra natureza, a responsabilidade deverá recair sobre profissional de curso superior denominado perito criminal. Os requisitos para que alguém possa ser médico-legista são: · ter maioridade civil; · possuir diploma registrado de medicina, oriundo de faculdade oficial ou reconhecida pelo MEC; · aprovação em concurso público. 21801009.pmd 118 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 117-131, julho/dezembro-2008 ____________________ 119 Os requisitos para que alguém possa ser perito criminal são: · ter maioridade civil; · possuir diploma registrado de curso superior pleno, oficial ou reconhecido pelo MEC, de uma das áreas indicadas no edital do concurso; · aprovação em concurso público. Muito embora a obrigatoriedade de formação superior seja um requisito que já vinha sendo aplicado na maioria dos Estados, a Lei n. 11.690, de 09 de junho de 2008 passou a exigi-lo expressamente, resguardando o direito de peritos criminais que ingressaram sob o regime anterior por meio de uma regra de transição permissiva inserta em seu art. 2º: Lei n. 11.690/08 Art. 2º Aqueles peritos que ingressaram sem exigência do diploma de curso superior até a data de entrada em vigor desta Lei continuarão a atuar exclusivamente nas respectivas áreas para as quais se habilitaram, ressalvados os peritos médicos. Na ausência de perito oficial, ou se a instituição pública não dispuser de serviço próprio para o exame que se pretende realizar, o juiz poderá nomear duas pessoas idôneas, de nível superior para a realização da perícia. É o que dispõe o § 1º do art. 159 do Código de Processo Penal. Tais peritos, também chamados de peritos leigos ou ad hoc, deverão ser sempre profissionais de curso superior, preferencialmente na área técnica específica, relacionada com a natureza do exame. CPP – art. 159. ... § 1º. Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame. (Redação dada ao § 1º pela Lei n. 11.690, de 09/06/08). Os requisitos para que alguém possa ser perito leigo ou ad hoc no processo penal são: · · · · · · 21801009.pmd ausência de peritos oficiais capacitados; maioridade civil; ser portador de diploma registrado de curso superior; ser matriculado no órgão de classe da categoria (quando o caso); ter habilitação técnica relacionada à natureza do exame; possuir reconhecida idoneidade moral; e 119 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 117-131, julho/dezembro-2008 ___________________ 120 · gozar de absoluta confiança do juízo. Peritos nomeados ou louvados Na esfera cível e trabalhista, até pela diversidade de questões apreciadas, os exames não são normalmente efetuados por peritos oficiais, mas por especialistas nomeados pelo juiz. São os peritos nomeados ou louvados, nos termos do art. 421 do Código de Processo Civil e art. 3º da Lei n. 5.584, de 26 de junho de 1970. Assistentes técnicos Finalmente temos a figura dos assistentes técnicos, que nada mais são que profissionais da confiança das partes, indicados para acompanhar o exame do perito oficial ou nomeado pelo juiz. Até o advento da Lei n. 11.690, de 09 de junho de 2008, a indicação de assistentes técnicos pelas partes ficava restrita ao processo civil (art. 421, § 1º, I, do CPC) e trabalhista (art. 3º, parágrafo único, da Lei n. 5.584/70). Agora, também no processo penal (art. 159, §§ 3º e 5º, II, do CPP), o Ministério Público, o assistente de acusação, o ofendido, o querelante e o acusado têm a faculdade de indicar assistente técnico, com algumas peculiaridades em relação ao processo civil. CPC – Art. 421. ... § 1º. Incumbe às partes, dentro em 5 (cinco) dias, contados da intimação do despacho de nomeação do perito: I - indicar o assistente técnico; ... Lei n. 5.584/70 Art. 3º. ... Parágrafo único. Permitir-se-á a cada parte a indicação de um assistente, cujo laudo terá que ser apresentado no mesmo prazo assinado para o perito, sob pena de ser desentranhado dos autos. CPP – Art. 159. ... § 3º Serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de assistente técnico (§ 3º acrescido pela Lei n. 11.690, de 09/06/08). ... § 5º Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à perícia: 21801009.pmd 120 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 117-131, julho/dezembro-2008 ___________________ 121 ... II – indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência (§ 5º acrescido pela Lei n. 11.690, de 09/06/08). Os assistentes técnicos, para ser admitidos como tais, devem preencher os seguintes requisitos: · maioridade civil; · ter, preferencialmente, formação universitária plena; · ter capacidade científica, técnica ou artística para o desempenho da função; · possuir reconhecida idoneidade moral; e · gozar da confiança das partes. Não se aplicam aos assistentes técnicos as regras relativas à suspeição, restritas unicamente aos peritos (art. 422 do CPC, que por analogia também deve ser aplicado ao processo penal, omisso). De se observar que também é admissível a indicação de pessoa jurídica para servir como assistente técnico (STJ – Recurso Especial n. 1993/0018648-5, Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira - DJ 27/09/1993, p. 19823, REVFOR 325/155). Momento de admissão dos assistentes técnicos Quanto ao momento de admissão dos assistentes técnicos, as regras do processo civil e do trabalho diferem das do processo penal. Enquanto nos primeiros a perícia, excetuando-se eventual produção antecipada de prova, tem lugar somente depois de estabelecida a relação processual, no processo penal os exames podem ocorrer tanto na fase inquisitiva (regra), como também durante o contraditório (exceção). Além disso, no processo civil (art. 421, § 1º, I do CPC) e trabalhista (art. 3º, parágrafo único, da Lei n. 5.584/70), os assistentes técnicos são nomeados quase que simultaneamente com o perito e podem acompanhar todos os exames ab initio (art. 431-A, do CPC). No processo penal devem ser considerados momentos distintos. Ao introduzir a figura do assistente técnico indicado pelas partes, garantindo sua atuação a partir da admissão pelo juiz, a Lei n. 11.690, de 09 de junho de 2008, não estabeleceu claramente o momento do exame ou a forma como deve intervir. Uma leitura pura e simples do novo § 3º do art. 159 do CPP poderia levar à interpretação de que a figura do assistente técnico somente teria lugar na fase processual, vedada sua admissão durante o inquérito policial. É que o aludido dispositivo menciona a possibilidade de indicação de assistente técnico pelo Ministério Público, assistente de acusa- 21801009.pmd 121 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 117-131, julho/dezembro-2008 ___________________ 122 ção, ofendido, querelante e acusado (figuras existentes apenas na fase processual), silenciando em relação ao averiguado ou indiciado. Entendemos que a redação é meramente exemplificativa e tem por objetivo ampliar a abrangência do dispositivo, para atingir todos os atores da relação jurídica, quer durante o processo como na fase de inquérito. Note-se que o § 5º, II, do mesmo art. 159, prevê a possibilidade de indicação de assistentes técnicos pelas partes durante o curso do processo, disposição que seria inútil, salvo se admitirmos que o rol dos habilitados a apresentar assistente técnico previsto no § 3º, inclua também o indiciado e o averiguado. Em segundo lugar, no processo penal, as perícias clamam por celeridade, não sendo razoável impedir o averiguado ou o indiciado, por intermédio de seus assistentes técnicos, de analisar as provas produzidas, mesmo durante a fase policial, até porque há inquéritos que se arrastam por anos sem que ocorra o oferecimento de denúncia pelo Ministério Público. Por último, o art. 176 do Código de Processo Penal faz alusão à possibilidade de formulação de quesitos pela autoridade e pelas partes até o ato da diligência, sem distinção do momento processual, raciocínio que pode ser estendido à atuação dos assistentes técnicos, até por que deles é a tarefa ínsita de questionar a perícia. CPP Art. 176. A autoridade e as partes poderão formular quesitos até o ato da diligência. Assim, acreditamos ser possível a indicação de assistentes técnicos pelas partes tanto na fase de inquérito como uma vez estabelecida a relação processual. De qualquer modo, a função dos assistentes técnicos é de acompanhar a perícia, não podendo interferir na sua realização, à semelhança do que ocorre no processo civil. Quando a indicação se der na fase inquisitiva, a atuação ocorrerá mediante admissão pelo juiz e preferencialmente após a conclusão dos trabalhos e elaboração do laudo pelos peritos oficiais (art. 159, § 4º do CPP). CPP – Art. 159. ... § 4º O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as partes intimadas dessa decisão (§ 4º acrescido pela Lei n. 11.690, de 09/06/ 08). ... Essa disposição decorre da própria natureza do exame pericial na área penal, realizado, quase sempre, logo após os fatos e antes que se estabeleça o processo 21801009.pmd 122 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 117-131, julho/dezembro-2008 ___________________ 123 contraditório, o que torna o assistente técnico, na maioria das vezes, simples parecerista, mero crítico do trabalho técnico elaborado pelo órgão oficial. A determinação legal no sentido de que a intervenção do assistente técnico deve ser posterior ao exame oficial e após a apresentação do laudo pericial (art. 159, § 4º do CPP) não nos parece peremptória, mas, como salientamos, preferencial e tem por objetivo apenas deixar patente que a faculdade de indicação de assistentes técnicos não pode obstar a produção da prova oficial. Muito embora a grande maioria dos exames seja realizada logo após os fatos, há diligências complementares e outras perícias, como a reprodução simulada dos fatos, que podem ser efetivadas até mesmo na fase processual, sob o crivo do contraditório. A regra geral visa apenas resguardar a necessária celeridade da perícia criminal, produzida ab initio, e evitar que, em alguns casos específicos, o cronograma oficial seja afetado pela necessidade, por vezes protelatória, de convocar as partes para cada ato praticado ou de permitir a intervenção de terceiros em ambientes não preparados para receber estranhos e para os quais a contaminação é um fator de risco para a realização da perícia (Justificativa da Emenda de Plenário nº 9 ao PLC 37, de 2007 – Senadora Serys Slhessarenko). Sendo assim, não há razão para impedir o assistente técnico, uma vez admitido pelo juízo, de acompanhar a realização de exame determinado na fase inquisitiva ou processual, desde que sua intervenção não cause prejuízo à realização da perícia oficial, sob pena de ficar configurado cerceamento de defesa. Modo de atuação dos assistentes técnicos Como norma, os assistentes técnicos trabalharão sobre perícias já realizadas e emitirão seus pareceres tendo como base os laudos emitidos pelo técnico oficial. Não obstante, quando possível e havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia deve ser disponibilizado para exame pelos assistentes, no ambiente do órgão oficial e na presença do perito oficial (art. 159, § 6º do CPP). CPP – Art. 159. ... § 6º Havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença do perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação (§ 6º acrescido pela Lei n. 11.690, de 09/06/08). ... A legislação menciona tão somente a impossibilidade de conservação do material probatório, sendo omissa em relação a outras hipóteses em que o exame pelos assistentes técnicos torna-se inviável. 21801009.pmd 123 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 117-131, julho/dezembro-2008 ___________________ 124 Para os exames laboratoriais, entendemos que, além da possibilidade de conservação, a disposição só será aplicável se existir material suficiente para a contraprova (art. 170 do CPP). As perícias realizadas sobre suporte exíguo jamais poderão ser refeitas. CPP Art. 170. Nas perícias de laboratório, os peritos guardarão material suficiente para a eventualidade de nova perícia. Sempre que conveniente, os laudos serão ilustrados com provas fotográficas, ou microfotográficas, desenhos ou esquemas. Em relação ao exame de peças e documentos, é preciso verificar a natureza da perícia, pois em alguns casos específicos os trabalhos podem ser prejudicados com o decurso do tempo. É o exemplo da pesquisa de recentidade de disparo em armas de fogo. Da mesma forma, os levantamentos de local e a maior parte das perícias médicas, dificilmente fornecerão subsídios para um reexame direto, podendo, tão somente, ser os laudos oficiais analisados e, eventualmente, criticados. Por fim, a determinação legal poderá implicar na necessidade de os Institutos Médico-Legal e de Criminalística criar centros de custódia para a guarda de materiais e peças que normalmente seriam remetidos a autoridade requisitante. Investidura Os peritos oficiais são designados para atuar neste ou naquele processo ou procedimento por determinação ou do diretor da repartição pública a que estão ligados ou do Poder Judiciário e prestam compromisso uma única vez, ao assumir o cargo. Em havendo nomeação de peritos ad hoc, por inexistência dos oficiais, nos termos do § 1º do art. 159 do Código de Processo Penal, o compromisso deverá ser prestado. É o que dispõe o § 2º do mesmo dispositivo: CPP - Art. 159. ... § 2º. Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo. Na esfera cível e trabalhista, o compromisso foi abolido com a edição da Lei n. 8.455, de 24 de agosto de 1992, que modificou o art. 422 do Código de Processo Civil. Os assistentes técnicos não prestam compromisso, porque profissionais de confiança das partes, bastando sua indicação e admissão pelo juízo (art. 331, §§ 2º e 3º, do CPC e art. 159, § 4º do CPP). 21801009.pmd 124 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 117-131, julho/dezembro-2008 ___________________ 125 O fato de os assistentes técnicos atuarem como consultores, entretanto, não os autoriza a faltar com a verdade ou lançar conclusões propositalmente incorretas. Nestas hipóteses, o magistrado que conduz o feito deve noticiar os fatos ao órgão fiscalizador da categoria para aplicação das penalidades administrativas cabíveis. Número de peritos A questão do número de peritos oficiais necessários para a realização da perícia causou discussão por longo tempo. A redação original do caput do art. 159 do Código de Processo Penal, falava em peritos, gerando polêmica sobre a necessidade de o exame ser efetuado por dois técnicos. Essa exigência descabida levou à criação da figura do segundo signatário, ou seja, do perito que, embora não tendo realizado qualquer exame, assinava o laudo a título de revisor, mero subscritor, em confiança, de trabalho alheio. Posteriormente, a Lei n. 8.862, de 28 de março de 1994, alterou o dispositivo mencionado e passou a exigir expressamente o concurso de dois peritos para a realização do exame. Tal mandamento, como ocorre com grande parte das leis no Brasil, por total ausência de recursos humanos e materiais nunca foi cumprido e os exames continuaram a ser realizados por um único perito e o laudo apenas assinado por um segundo. Finalmente, a Lei n. 11.690, de 09 de junho de 2008, corrigiu a distorção, passando a admitir a realização da perícia por um único experto oficial que, agora, como vimos, deverá obrigatoriamente ser portador de diploma de curso superior: CPP Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior (Redação dada ao § 1º pela Lei n. 11.690, de 09/06/08). Por outro lado, se houver nomeação de peritos não oficiais (ad hoc), nos termos do § 1º do art. 159 do Código de Processo Penal, o número de peritos deverá ser necessariamente de dois, sob pena de nulidade, conforme a Súmula 361 do STF: STF Súmula 361: No processo penal, é nulo o exame realizado por um só perito, considerando-se impedido o que tiver funcionado, anteriormente, na diligência da apreensão. Outra novidade, introduzida pela Lei n. 11.690, de 09 de junho de 2008, à semelhança do que ocorre no juízo cível, foi a possibilidade expressa de atuação de mais de um perito oficial e indicação de mais de um assistente técnico, em caso de perícia complexa, envolvendo mais de uma área de conhecimento especializado: 21801009.pmd 125 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 117-131, julho/dezembro-2008 ___________________ 126 CPP – Art. 159. ... § 7º Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um perito oficial, e a parte indicar mais de um assistente técnico. A disposição, cópia do art. 431-B do Código de processo Civil, era despicienda, até porque a regra do processo penal é a perícia fragmentada, realizada por vários expertos, conforme suas especialidades. Quesitos Quesitos são perguntas específicas, dirigidas pelo juiz ou pelas partes aos peritos, objetivando esclarecer determinado ponto referente ao exame realizado. Além de ajudar a esclarecer pontos obscuros, servem de orientação ao perito para a elaboração de seu relatório, uma vez que terá de dirigir seus trabalhos no sentido de responder às questões formuladas. Não se pode esquecer que os peritos, embora especialistas na sua área de atuação, não têm, em regra, conhecimento jurídico. Daí a necessidade de que respondam a determinadas perguntas, relevantes para o direito, mas aparentemente sem importância para um técnico de outra área do saber humano. Classificação dos quesitos No que toca ao momento de sua formulação, os quesitos classificam-se em: originários, suplementares ou complementares. Originários são os que antecedem à perícia, formulados como orientação ao técnico para a realização dos exames. Suplementares são aqueles apresentados após os originários e até mesmo durante a realização dos exames, objetivando suprir alguma deficiência constatada nos primeiros. Complementares são os apresentados após a realização dos exames e entrega do laudo, visando esclarecer dúvidas ou complementar o trabalho pericial realizado. Quanto à sua origem, os quesitos podem ser oficiais (de praxe), legais ou oficiosos (não-oficiais). Oficiais ou de praxe são aqueles que, embora não tendo sido apresentados pelas partes, e não havendo previsão legal de sua formulação, integram habitualmente os laudos periciais, constando dos impressos próprios relativos a cada espécie de perícia realizada. São exemplos de quesitos oficiais na área médico-legal: 21801009.pmd 126 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 117-131, julho/dezembro-2008 ___________________ 127 No exame cadavérico: · Houve morte? · Qual a causa da morte? · Qual o instrumento ou meio que produziu a morte? · Foi produzida por meio de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel? Na lesão corporal: · Houve ofensa à integridade física ou à saúde do paciente? · Qual o instrumento ou meio que produziu a ofensa? · A ofensa foi produzida por meio de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel? · Resultou incapacidade para as funções habituais por mais de 30 dias? · Resultou perigo de vida? · Resultou debilidade permanente ou perda de membro, sentido ou função? · Resultou incapacidade para o trabalho, enfermidade incurável ou deformidade permanente? · Resultou aceleração de parto ou aborto? Na área cível não há quesitos oficiais. Legais são os previstos expressamente na lei processual. Não são quesitos propriamente ditos, porque não constituem perguntas diretas que devem ser respondidas objetivamente pelos técnicos. São, isto sim, esclarecimentos que a lei determina devem ser dados pelos peritos em alguns casos. Como exemplos, temos os art. 171 a 174 do Código de Processo Penal. No processo civil não há quesitos legais. Quesitos oficiosos (não-oficiais) são os apresentados pelo juiz ou pelas partes conforme a natureza do caso. A Lei n. 11.690, de 09 de junho de 2008, acrescentou o § 5º ao art. 159, que, em seu inciso I, explicitou a possibilidade de as partes requererem a oitiva dos peritos para responder a quesitos (oficiosos) ou prestar esclarecimentos sobre a prova. CPP Art. 159. ... § 5º Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à perícia: I – requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos, desde que o mandado de intimação e os quesitos 21801009.pmd 127 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 117-131, julho/dezembro-2008 ___________________ 128 ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas em laudo complementar. ... Quesitos, como vimos, são perguntas objetivas, diretas, que versam sobre pontos específicos do trabalho pericial, enquanto esclarecimentos são explicações destinadas a aclarar, elucidar algum ponto obscuro ou mesmo complementar o exame realizado. Embora a oitiva dos peritos e a apresentação de questões complementares seja prática relativamente comum no processo penal (art. 176), a novidade fica por conta da necessidade de encaminhamento prévio das inquirições com antecedência mínima de 10 (dez) dias. Note-se que os peritos podem ser intimados a comparecer em juízo para prestar esclarecimentos ou responder as questões, facultada a apresentação das respostas e informações sob a forma de laudo complementar. Na área cível não há quesitos oficiais ou legais, mas tão somente os oficiosos, formulados livremente pelo juiz e pelas partes de acordo com as particularidades específicas do caso. De qualquer modo, o perito e o assistente técnico só estarão obrigados a prestar os esclarecimentos solicitados quando intimados cinco dias antes da audiência (art. 435 do CPC). Por último, no que concerne à validade, os quesitos podem ainda ser pertinentes ou impertinentes, conforme sejam convenientes ou não ao esclarecimento dos fatos. Os quesitos impertinentes, eventualmente apresentados pelas partes, devem ser indeferidos pelo magistrado (art. 426, I, do CPC, aplicável por analogia ao processo penal, omisso): CPC Art. 426. Compete ao juiz: I - indeferir quesitos impertinentes; ... Prazos para realização da perícia No processo penal o prazo para realização da perícia (ou do exame de corpo de delito) há de ser forçosamente curto. Velho brocardo utilizado pelos peritos criminais dá bem a idéia da importância de um exame célere: “o tempo que passa é a verdade que foge”. Nesse sentido a disposição dos arts. 6º e 161 do Código de Processo Penal: 21801009.pmd 128 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 117-131, julho/dezembro-2008 ___________________ 129 CPP Art. 6º Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: I — dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais; ... VII — determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias; Art. 161. O exame de corpo de delito poderá ser feito em qualquer dia e a qualquer hora. Os únicos prazos para a realização da perícia, fixados no Código de Processo Penal, são na verdade prazos mínimos, de 6 horas para a realização do exame necroscópico (art. 162, caput, do CPP) e de 30 dias para a realização do exame complementar de classificação das lesões corporais (art. 168, § 2º, do CPP). CPP Art. 162. A autópsia será feita pelo menos seis horas depois do óbito, salvo se os peritos, pela evidência dos sinais de morte, julgarem que possa ser feita antes daquele prazo, o que declararão no auto. Art. 168. ... § 2º Se o exame tiver por fim precisar a classificação do delito no art. 129, § 1º, I, do Código Penal, deverá ser feito logo que decorra o prazo de trinta dias, contado da data do crime. Os assistentes técnicos devem realizar seus exames, em regra, após a sua admissão pelo juiz e depois da conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, o que recomenda a celeridade dos trabalhos, especialmente em se tratando de processo em que há réu preso. CPP Art. 159. ... § 4º O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as partes intimadas dessa decisão (§ 4º acrescido pela Lei n. 11.690, de 09/06/ 08). ... 21801009.pmd 129 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 117-131, julho/dezembro-2008 ___________________ 130 No Código de Processo Civil, por outro lado, não há prazo fixado para a realização dos exames, mas apenas a data limite para entrega dos trabalhos, determinada pelo juiz, até porque, como hábito, as postulações são levadas ao juízo cível sempre bem depois dos acontecimentos. Para a entrega dos relatórios o CPP estabelece o prazo genérico de 10 dias (art. 160, parágrafo único). CPP Art. 160. ... Parágrafo único. O laudo pericial será elaborado no prazo máximo de dez dias, podendo este prazo ser prorrogado, em casos excepcionais, a requerimento dos peritos. Há prazos especiais, como, por exemplo, aquele designado pelo juiz para a verificação da cessação da periculosidade (art. 777, § 2º, do CPP) ou o do exame decorrente do incidente de insanidade (art. 150, § 1º, do CPP), que não pode ultrapassar 45 dias. Os assistentes técnicos devem apresentar seus pareceres em prazo fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência (art. 159, § 5º, II, do CPP). CPP Art. 159. ... § 5º Durante o curso do processo judicial é permitido às partes, quanto à perícia: ... II – Indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência (§ 5º acrescido pela Lei n. 11.690, de 09/06/08). ... No Código de Processo Civil os prazos são fixados pelo juiz, que deverá atentar para a data da audiência de instrução e julgamento (arts. 421 e 433 do CPC), tendo os assistentes técnicos 10 dias a mais para a apresentação de seus pareceres, depois de intimadas as partes da apresentação do laudo (art. 433, parágrafo único, do CPC). Conclusão Muito embora a Lei n. 11.690, de 9 de junho de 2008, tenha inovado ao introduzir a figura do assistente técnico no Processo Penal brasileiro, ao fazê-lo, copiou institutos do processo civil sem atentar, ao que parece, para as diferenças intrínsecas em relação ao processo penal e às dificuldades que surgirão da implantação prática do instituto. 21801009.pmd 130 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 117-131, julho/dezembro-2008 ___________________ 131 Questões de cunho absolutamente pragmático e de fundamental importância, como o momento de intervenção dos assistentes técnicos e a inexistência de centros de custódia suficientes para a preservação adequada de amostras, peças e materiais destinados à contraprova, passaram ao largo da normatização legal. Outras, como o custeio dos assistentes técnicos para os beneficiários da justiça gratuita deverão suscitar acalorados debates doutrinários e jurisprudenciais. De qualquer modo, a possibilidade de melhor discutir a prova pericial constitui inegável avanço e certamente trará frutos benéficos ao processo penal brasileiro. Bibliografia C APEZ , Fernando. Curso de Processo Penal. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1998. DEL -C AMPO , Eduardo Roberto Alcântara. Medicina Legal – (Coleção curso & concurso – coordenação Edílson Mougenot Bonfim). São Paulo: Saraiva, 5 ed. 2008. MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. V II. Campinas: Millenium, 2000. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. 16 ed. Rev. e atual. por Renato Nascimento Fabbrini. São Paulo: Atlas, 2004. NEGRINI NETO, Osvaldo. Manual de requisições Periciais. Edição eletrônica. São Paulo: APMP, 2002. T ORNAGHI , Hélio. Curso de Processo Penal. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 1989. ZARZUELA, José Lopes, MATUNAGA, Minoru & THOMAZ, Pedro Lourenço. Laudo Pericial. “Aspectos Técnicos e Jurídicos”. 1 ed. São Paulo: Revista dos tribunais: Sindicato dos Peritos Criminais do Estado de São Paulo, 2000. 21801009.pmd 131 15/10/2008, 10:52 21801009.pmd 132 15/10/2008, 10:52 AS PR OVAS PRO ILÍCIT AS AS,, ILÍCITAS SEGUND0 A LEI 11.690, DE 2008 JORGE ASSAF MALULY Promotor de Justiça do Estado de São Paulo Designado no Setor de Recursos Especiais e Extraordinários Criminais da PGJ PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN Promotor de Justiça Criminal do Estado de São Paulo Mestre e doutor em Processo Penal pela PUC-SP Professor de Processo Penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie Professor de Processo Penal da PUC-SP Professor de Processo Penal no CPC Marcato 21801009.pmd 133 15/10/2008, 10:52 21801009.pmd 134 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 135-141, julho/dezembro-2008 ____________________ 135 AS PROVAS ILÍCITAS SEGUNDO A LEI Nº 11.690, DE 2008 Jorge Assaf Maluly Promotor de Justiça Criminal do Estado de São Paulo designado no Setor de Recursos Especiais e Extraordinários Criminais da Procuradoria-geral de Justiça de São Paulo Pedro Henrique Demercian Promotor de Justiça Criminal do Estado de São Paulo designado em 2ª Instância Mestre e Doutor em Processo Penal pela PUC/SP Professor de Direito Processual nos Cursos de Graduação e PósGraduação lato sensu da Universidade Mackenzie Professor de Processo Penal da PUC/SP Professor de Processo Penal no Curso Preparatório para Concurso – CPC - Marcato 1. As limitações ao direito à prova O direito à prova no processo penal não é irrestrito, a despeito da vigência dos princípios da verdade real, do contraditório e da ampla defesa. Como salienta ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO1, o “direito das partes de introdução, no processo, das provas que entendam úteis e necessárias à demonstração dos fatos em que se assentam suas pretensões, embora de índole constitucional, não é, entretanto, absoluto. Ao contrário, como qualquer direito, também está sujeito a limitações decorrentes da tutela que o ordenamento confere a outros valores e interesses igualmente dignos de proteção”. É este, também, o ensinamento de Eduardo Espínola Filho2, ao abordar o tema: 1 Cf. O direito à prova no processo penal, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1997, p. 91. Cf. Código de processo penal brasileiro anotado, 6ª ed. histórica, Rio de Janeiro, Editora Rio, 1980, t. 1, vol. 2, p. 453. 2 21801009.pmd 135 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 135-141, julho/dezembro-2008 ___________________ 136 “Como resultado da inadmissibilidade de limitações dos meios de prova, utilizáveis nos processos criminais, é-se levado à conclusão de que, para recorrer a qualquer expediente, reputado capaz de dar conhecimento da verdade, não é preciso seja um meio de prova previsto, ou autorizado pela lei, basta não seja expressamente proibido, se não mostrar incompatível com o sistema geral do direito positivo, não repugne à moralidade pública e aos sentimentos da humanidade, piedade e decoro, nem acarrete a perspectiva de um dano, ou abalo sério, a saúde física ou mental das pessoas, que sejam chamadas a intervir na diligência.” O art. 155, parágrafo único, do CPP impõe uma primeira limitação da prova no processo penal, proibindo, no juízo penal, a discussão de questões relativas ao estado civil das pessoas e impondo sua solução no juízo cível (art. 92, CPP – questões prejudiciais devolutivas absolutas). Outras limitações especiais podem ser encontradas no CPP, tais como: (a) a exigência de demonstração de vestígios do crime por meio do exame de corpo de delito (arts. 158 e 167, CPP); (b) a prova da morte do autor da infração penal, para fins de extinção de punibilidade, que somente pode ser feita por certidão do assento do óbito (art. 62, CPP); (c) o impedimento do depoimento de pessoas destinatárias de segredos profissionais, salvo se desoneradas pela parte e assim o desejarem (art. 207, CPP). O ordenamento jurídico impõe limitações, também, à produção das provas quando decorrentes da violação da lei, como, por exemplo, aquelas obtidas por meio de tortura, captação clandestina de conversações telefônicas e violação do sigilo de correspondência (art. 233, CPP). Na lição de ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO3, de fato, seria um absurdo que o Estado, para impor uma sanção penal, em decorrência da violação da ordem pública, “se utilizasse de métodos que não levassem em conta a proteção dos mesmos valores tutelados pela norma material. Semelhante contradição comprometeria o próprio fundamento da sanção criminal e, em conseqüência, a legitimação de todo sistema punitivo”. As provas ilegais podem ser produzidas com infração às normas processuais – quando serão chamadas de provas ilegítimas – ou com ofensa ao direito material – chamadas, então, de provas ilícitas. As provas ilegítimas não demandam melhor análise, porque a necessária sanção já está prevista na nulidade do processo. Por seu turno, as provas obtidas por meios ilícitos (com violação às normas de direito material) são inadmissíveis no processo, constituindo-se uma garantia constitucional, definida no art. 5º, inciso LVI. Questiona-se, notadamente nos dias de hoje, se as provas ilícitas (coligidas com ofensa ao direito material) podem ter algum valor probante, se seu conteúdo for verdadeiro. FERNANDO DE ALMEIDA PEDROSO4 recorda o posicionamento dos detratores da admissibilidade processual da prova ilícita, visto que “não se trata de atribuir-se valores diferentes na apreciação da prova ou de retornar-se ao critério da prova legal, mas 3 Cf. O direito à prova ... , ob. Cit., p. 99. Cf. Processo penal – o direito de defesa: repercussão, amplitude e limites. Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1986, p. 374. 4 21801009.pmd 136 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 135-141, julho/dezembro-2008 ___________________ 137 de preservar-se os direitos do imputado, que não podem ser atingidos ou violados a pretexto da busca da verdade real ou do acertamento dessa verdade. Como disse SAUER, a busca da verdade não pode transmudar-se em um valor mais precioso do que a proteção da liberdade individual”. Dissentindo desse posicionamento, entretanto, o ilustre autor assevera que “se o fim precípuo do processo penal é a descoberta da verdade real (na qual há fulcrar-se a própria realização do direito penal substantivo, pela aplicação ou não da pena), crível é que, se a prova ilegalmente obtida ostentar essa verdade, há de ser aceita”5. Por seu turno, aqueles que obtiveram ilicitamente a prova devem sofrer a devida persecutio criminis, pela violação às normas de direito material. Argumenta, ainda, FERNANDO DE ALMEIDA PEDROSO6 que a prova ilícita “somente encontrará sanção processual quando, a um só tempo, for também ilegítima, por esbarrar em óbice expresso de natureza adjetiva anteposto à sua admissibilidade. Fora daí, sua admissibilidade é examinada exclusivamente pelos princípios e normas processuais, não se perquirindo, nessa seara, da ilicitude da qual se originou, ilicitude essa que ensejará a punição de seu autor no plano do direito material violado”. A aplicação da norma constitucional (art. 5º, inciso LVI), no entanto, tem sido abrandada em prol do acusado, para corrigir distorções, conforme salienta ALEXANDRE DE MORAES7, “pois nenhuma liberdade pública é absoluta, havendo possibilidade, em casos delicados, em que se percebe que o direito tutelado é mais importante que o direito à intimidade, segredo, liberdade de comunicação, por exemplo, de permitir-se sua utilização”. A atenuação do entendimento da inadmissibilidade das provas ilícitas no processo baseia-se no princípio da razoabilidade, ou proporcionalidade, que, norteando a atuação do juiz, aceita o sacrifício de direitos individuais para garantir a realização da justiça penal. O rigor constitucional, assim, deve ser analisado no confronto com outros princípios e interesses igualmente relevantes (o estado de inocência do acusado e a verdade real). A admissibilidade das provas ilícitas, mitigando a regra constitucional, também foi acolhida pelos ilustres Professores ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTONIO SCARANCE FERNANDES E ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO8 ao prelecionar que “não deixa de ser, em última análise, manifestação do princípio da proporcionalidade a posição praticamente unânime que reconhece a possibilidade de utilização, no processo penal, da prova favorável ao acusado, ainda que obtida com infringência a direitos fundamentais seus ou de terceiros”. O tema também já foi analisado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no HC 69.912-0/RS (DJU de 26.11.93; v. também RTJ 162(02): 340), no qual foi decidido não ser possível a quebra do sigilo das comunicações telefônicas por ordem judicial, com base no art. 5º, inciso XII, da CF, sem a prévia existência de lei estabelecendo seu procedimento. O r. acórdão foi prolatado em período anterior à Lei nº 9.296, de 24.07.96, 5 6 7 8 Cf. Processo penal ..., ob. Cit. p. 378. Cf. Prova penal, Rio de Janeiro, Ed. Aide, 1994, p. 172. Cf. Direito constitucional, 7ª Ed., São Paulo, Ed. Atlas, 2000, p. 119. Cf. As nulidades no processo penal. 2ª Ed., São Paulo, Malheiros, 1992, pp. 109-117. 21801009.pmd 137 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 135-141, julho/dezembro-2008 ___________________ 138 que terminou regulamentando essa norma constitucional. O entendimento adotado pela Corte foi proficientemente retratado no voto do Ministro Celso de Mello, do qual se destaca o seguinte trecho: “A cláusula constitucional do due process of law – que se destina a garantir a pessoa do acusado contra ações eventualmente abusivas do Poder Público – tem, no dogma de inadmissibilidade das provas ilícitas ou ilegítimas, uma de suas projeções concretizadoras mais expressivas, na medida em que o réu tem o impostergável direito de não ser denunciado, de não ser julgado e de não ser condenado com base em elementos instrutórios obtidos ou produzidos com desrespeito aos limites impostos pelo ordenamento jurídico ao poder persecutório e ao poder investigatório do Estado. A absoluta invalidade da prova ilícita infirma-lhe, de modo radical, a eficácia demonstrativa dos fatos e eventos cuja realidade material ela pretende evidenciar. Trata-se de conseqüência que deriva, necessariamente, da garantia constitucional que tutela a situação jurídica dos acusados em juízo penal e que exclui, de modo peremptório, a possibilidade de uso, em sede processual, da prova – de qualquer prova – cuja ilicitude tenha sido reconhecida pelo Poder Judiciário.” Por outro lado, é aceita a eficácia da prova quando colhida com violação à legislação, mas com o intuito de afastar ofensa oriunda de ato criminoso, uma vez que a ilicitude de sua produção é eliminada por uma excludente de antijuridicidade de legítima defesa (GRINOVER, SCARANCE E GOMES FILHO9. Essa situação é costumeiramente constatada nos crimes de estelionato ou extorsão mediante seqüestro, quando a vítima, ou terceiro autorizado, realiza gravações de conversas pessoais ou telefônicas com os acusados. Para essas e semelhantes hipóteses, nosso ordenamento jurídico admite a limitação dos direitos fundamentais (inviolabilidade do domicílio, da intimidade e das comunicações telefônicas etc.), que não podem ser reclamados quando empregados para práticas criminosas. Com esse fundamento, o Supremo Tribunal Federal tem convalidado a prova ilícita, motivada por justa causa como a legítima defesa. Aliás, nesse sentido é o acórdão do Habeas Corpus 74.678/SP, relatado pelo Min. Moreira Alves (DJU de 15.08.97, no mesmo sentido: HC 75.611/SP, DJU de 17.04.98) e resumido em sua ementa: “– Habeas corpus. Utilização de gravação de conversa telefônica feita por terceiro com a autorização de um dos interlocutores sem o conhecimento do outro quando há, para essa utilização, excludente da antijuridicidade. – Afastada a ilicitude de tal conduta – a de, por legítima defesa, fazer gravar e divulgar conversa telefônica ainda que não haja o conhecimento do terceiro que está praticando crime –, é ela, por via de conseqüência, lícita e, também conseqüentemente, essa gravação não pode ser tida como prova ilícita, para invocar-se o art. 5º, LVI, da Constituição com fundamento em que houve violação da intimidade (art. 5º, X, da Carta Magna).” 9 Cf. As nulidades ..., ob. Cit., p. 119. 21801009.pmd 138 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 135-141, julho/dezembro-2008 ___________________ 139 O r. julgado ressalta, primeiramente, que não se trata de violação ao sigilo de comunicação telefônica, quando a gravação é realizada por um dos interlocutores, ou com a autorização de um deles, devendo o caso, de fato, ser apreciado à luz do também princípio constitucional da intimidade (art. 5º, inciso X). E, nessa hipótese, seria uma distorção invocá-lo, uma vez que a intromissão do autor do ato criminoso na vida privada do ofendido precedeu e justificou a conduta do realizador da prova. Como relembra PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR10, há hipóteses em que o interesse individual é superado pelo interesse público, justificando-se o sacrifício do direito fundamental – na espécie, o direito à intimidade. O princípio la vie privée doit être murée não pode “ser interpretado como se, em torno da esfera privada a ser protegida, devesse ser erguida verdadeira muralha. Pelo contrário, os limites da proteção legal deverão dispor de suficiente elasticidade. O homem, enquanto indivíduo que integra a coletividade, precisa aceitar as delimitações que lhe são impostas pelas exigências da vida em comum. E as delimitações de sua esfera privada deverão ser toleradas tanto pelas necessidades impostas pelo Estado, quanto pelas esferas pessoais dos demais concidadãos, que poderão perfeitamente conflitar ou penetrar por ela”. A admissibilidade da restrição de direitos fundamentais, no processo penal, é clarificada também por JOSÉ MIGUEL SARDINHA11, que entende ser a dignidade da pessoa humana o ponto referencial de todo sistema de direitos e é “com base na dignidade humana que se terá de proceder à restrição de alguns direitos fundamentais sempre que estes sejam utilizados com o intuito de a lesionarem gravemente (...). Os direitos fundamentais, enquanto valores constitucionais, não são absolutos nem ilimitados [continua o insigne autor citando as palavras de Vieira de Andrade], ‘visto que a comunidade não se limita a reconhecer o valor da liberdade: liga os direitos a uma idéia de responsabilidade social e integra-os no conjunto dos valores comunitários’. Por conseguinte, ‘impõe-se a necessidade de restringir o seu âmbito de protecção a fim de se obter uma concordância prática com os outros bens ou direitos protegidos a nível jurídico-constitucional’. Ao consagrar a Constituição Federal a proibição das provas ilícitas, procurou garantir que outros bens juridicamente tutelados não seriam violados em nome da Justiça Penal. Por sua vez, quando o interesse da coletividade deve prevalecer sobre o individual, o ordenamento constitucional admitiu a restrição de direitos fundamentais para a produção de provas (interceptação telefônica, buscas domiciliares e pessoais, quebra do sigilo bancário etc.) contra o acusado. Convém notar, da mesma forma, que, da explícita proscrição da prova ilícita, sem distinções quanto ao crime objeto do processo (CF, art. 5º, LVI), resulta a prevalência da garantia nela estabelecida sobre o interesse na busca, a qualquer custo, da verdade real no processo, e nem é possível apelar-se ao princípio da proporcionalidade, para sobrepor, à vedação constitucional da admissão da prova ilícita, considerações sobre a gravidade da infração penal objeto da investigação ou da imputação12. 10 Cf. O direito de estar só: tutela penal da intimidade. 2ª Ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, p. 44. Cf. O terrorismo e a restrição dos direitos fundamentais em processo penal. Coimbra: Editora Coimbra, 1989, p. 39. 12 cf. HC 80.949-RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence. 11 21801009.pmd 139 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 135-141, julho/dezembro-2008 ___________________ 140 2. Provas ilícitas e provas derivadas A garantia relacionada na Constituição Federal, de não aceitar a utilização de provas realizadas com infração ao direito material, consagrou também a doutrina norteamericana do fruits of the poisonous tree (frutos da árvore envenenada), pela qual não somente a prova ilícita, mas também a derivada, originada desta, não pode ser aceita pelo julgador na formação de seu convencimento. A doutrina foi desenvolvida pela Suprema Corte norte-americana, como recordado por LUIZ FRANCISCO TORQUATO AVOLIO13 na qual “a partir da decisão proferida no caso ‘Silverthorne Lumber Co. v. United States’ (251 US 385; 40 S.Ct. 182; 64 L.Ed. 319), de 1920, as cortes passaram a excluir a prova derivadamente obtida a partir de práticas ilegais. Acreditava-se que, com isso, similarmente ao pensamento que ensejou a concepção da exclusionary rule, a polícia ficaria desencorajada de proceder a buscas e apreensões ilegais”. Oportuno mencionar que o direito das exclusionary rules, no ensinamento de MANUEL DA COSTA ANDRADE14 surgiu como “um conjunto de princípios, normas e práticas jurisprudenciais susceptível de ser referenciado como ‘o sistema’ americano das proibições de prova”. Uma resposta dos tribunais aos conflitos concretos. Mais adiante, o autor ressalta que “as exclusionary rules surgem animadas por uma intencionalidade normativa própria. O que, em primeira linha, cabe prevenir e ‘reprimir’ são as manifestações de ilegalidade da polícia criminal na interação com o cidadão e as suas garantias constitu- cionais. Pela positiva, trata-se de assegurar a disciplina das instâncias formais de controlo – maxime da polícia – isto é, a estrita conformidade da sua atuação às pertinentes normas processuais. Nos termos da proclamação terminante do juiz Cardozo (People v. Defore, 1926): “the criminal is to go free because the constable has blundered” (1992, p. 144). O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 74.116 (DJU de 14.03.97), por maioria de votos, também adotou esse posicionamento, ou seja, a prova produzida com violação ao direito material – assim como aquelas que dela decorrerem – não têm qualquer eficácia jurídica (v. também: HC 73.250-SP, DJU de 17.10.97, p. 52.490; HC 74.299-SP, DJU de 158/97; HC 74.639-RJ, DJU de 27.06.97). O art. 157, caput, do CPP (redação dada pela Lei nº 11.690, de 09/06/ 08) cuida das chamadas provas ilícitas, definidas pelo dispositivo como sendo aquelas obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. Expressando a regra constitucional do inciso LVI do art. 5º, as provas ilícitas devem ser desentranhadas do processo e inutilizadas, assim como aquelas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. O §2º do art. 157 do CPP considera fonte independente aquela que, por si só, seguindo os trâmites legais, próprios da investigação ou instrução criminal, seria 13 Cf. Provas ilícitas: interceptações telefônicas e gravações clandestinas, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, p. 67. 14 Cf. Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra: Coimbra Editora, 1992, p. 133. 21801009.pmd 140 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 135-141, julho/dezembro-2008 ___________________ 141 capaz de conduzir ao fato objeto da prova. As partes poderão acompanhar o incidente de inutilização das provas ilícitas e das derivadas. O art. 157 do CPP traduz a regra da inutilizabilidade do ato processual, ou seja, quando o juiz não pode fundamentar sua decisão em ato viciado. A inutilizabilidade pode atingir o próprio ato ou seu valor probatório. Trata-se de uma “’prova legal negativa’, pois o legislador exclui alguns elementos de prova do material utilizável pelo juiz para decidir e fundamentar o seu entendimento”, como preleciona PAOLO TONINI15. A ilegalidade da prova originária ou das derivadas, porém, não compromete a existência do processo, se não tiver sido produzida com violação à norma processual, bem como não acarreta a absolvição do acusado, se sua condenação se baseou em outras provas regularmente introduzidas na instrução. A prova ilícita, não sendo a única produzida, não contamina as demais se dela não decorrentes. Prevalece na hipótese a incomunicabilidade entre as provas. Neste sentido: STF: 2ª T., RHC nº 74.807-MT, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJU de 20.06.97; 2ª T., AGRRE 212171/RJ, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 27.02.98; 1ª T., HC 74.599-SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 07.02.97. Convém destacar que a inutilização da prova ilícita nem sempre compreende sua destruição física, uma vez que esta pode constituir a materialidade do crime praticado com a sua produção. Assim, por exemplo, as fitas de uma gravação podem constituir a prova da materialidade do crime de interceptação de comunicações telefônicas não autorizada judicialmente (art. 10 da Lei nº 9.296/96). Sua destruição, portanto, importará a ausência de provas deste delito. Em outras hipóteses, também não é conveniente o magistrado determinar a imediata destruição das provas que considerar ilícitas, devendo, desse modo, aguardar o trânsito em julgado da sentença para decidir sobre o tema. A decisão judicial pode exigir o confronto dessas evidências com o conjunto de provas, inclusive em uma situação que possa favorecer a defesa. 3. Conclusão O Código de Processo Penal, alterado pela Lei nº 11.690, 2008, agora disciplina expressamente a questão relacionada com a prova ilícita e a dela derivada, antes tratadas apenas na jurisprudência e na doutrina. O art. 157 do CPP introduz a chamada teoria da inutilizabilidade do ato processual, determinando que o juiz não poderá fundamentar suas decisões em provas viciadas e cuidando do seu destino, ou seja, nulificando o seu valor probatório ou, em casos extremos, permitindo a sua destruição física. 15 Cf. A prova no processo penal italiano, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002. p, 76. 21801009.pmd 141 15/10/2008, 10:52 21801009.pmd 142 15/10/2008, 10:52 SISTEMA PROBATÓRIO DO PROCESSO PENAL MARCO ANTONIO DE BARROS Doutor em Direito Processual Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Professor de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie 21801009.pmd 143 15/10/2008, 10:52 21801009.pmd 144 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 145-175, julho/dezembro-2008 ___________________ 145 SISTEMA PROBATÓRIO DO PROCESSO PENAL Marco Antonio de Barros Doutor em Direito Processual Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e professor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie SUMÁRIO: 1. Conceito de prova – 2. Objeto da prova – 3. Meios de prova – 4. Sistema de persuasão racional motivada em contraditório judicial – 5. Prova e o descobrimento da verdade - 5. Classificação das provas – 6. Ônus da prova - 7. Poderes instrutórios do juiz – 8. Momentos probatórios – 9. Princípio da identidade física do juiz - 10. Prova ilícita e prova ilícita por derivação – 11. Especificação dos meios de prova: 11.1 Perícia: realização por um único perito qualificado; 11.2 Exame de corpo de delito; 11.3 Exame necroscópico; 11.4 Exame de lesões corporais; 11.5 Exame de local do crime; 11.6 Perícia de laboratório; 11.7 Avaliação de coisas; 11.8 Exame grafotécnico; 11.9 Instrumentos do crime – 12. Interrogatório do acusado – 13. Confissão – 14. Maior atenção ao ofendido – 15. Prova testemunhal: 15.1 Número de testemunhas; 15.2 Quem pode ser testemunha; 15.3 Compromisso de dizer a verdade; 15.4 Contradita e acareação; 15.5 Exame direto da prova testemunhal: inquirição pelas partes; 15.6 Características gerais do depoimento; 15.7 Depoimento colhido por carta precatória; 15.8 Videoconferência e retirada do réu da sala de audiência - 16. Reconhecimento de pessoas ou coisas –– 17. Prova documental – 18. Busca e apreensão – 19. Indícios - 20. Provas e sentença absolutória. Resumo: Embora o legislador ainda não tenha editado um novo Código de Processo Penal (em substituição ao que está em vigor desde 1942), o certo é que algumas das recentes leis promulgadas no Brasil provocaram substancial alteração em vários de seus dispositivos e sistemas processuais. Neste trabalho o autor apresenta algumas reflexões sobre determinada parcela dessa ampla reforma legislativa e oferece ao leitor uma breve exposição a respeito da teoria da prova, acompanhada de comentários pertinentes às relevantes inovações ocorridas no campo probatório, implementadas pelas Leis 11.690/2008, 11.689/ 2008 e 11.719/2008. 21801009.pmd 145 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 145-175, julho/dezembro-2008 ___________________ 146 Abstract: Although the legislature has not yet published a new Code of Criminal Procedure (in place of the one that is in since 1942), the truth is that some of the recent laws enacted in Brazil caused substantial changes in many of its procedural systems. In this work the author presents some thoughts on a particular portion of this legislative reform and offers the reader a brief explanation concerning the theory of evidence, together with comments to the innovations implemented by Laws 11.690/2008, 11.689/2008 and 11.719/2008. Palavras-chave: Provas; processo penal; reforma do Código de Processo Penal. Keywords: Evidence; Criminal Procedure; reform of the Code of Criminal Procedure. 1. Conceito de prova A palavra prova vem do latim proba, probus, de probare (demonstrar, reconhecer). Do ponto de vista jurídico, ou mais especificamente no plano do processo penal, prova é a denominação que se dá a tudo aquilo (qualquer coisa, ainda que imaterial) que possa levar ao conhecimento de um fato material ou de um ato jurídico. No campo em que se deflagra a ação caracterizada pela dialética produzida no confronto do jus puniendi com o jus libertatis, a prova pode se fundar na afirmação ou na negação de fatos. Geralmente, a afirmação positiva do fato vem descrita na denúncia (ou na queixa criminal), enquanto que a afirmação negativa é feita na defesa do acusado. 2. Objeto da prova O objeto da prova são os fatos alegados. Em primeiro lugar deve-se provar a veracidade da afirmação positivada a respeito da existência do fato ilícito e de sua autoria, conforme descrito na denúncia ou na queixa criminal. Além de demonstrar a ocorrência do fato criminoso e de sua autoria, é preciso dar ao juiz o conhecimento necessário de todas as circunstâncias objetivas e subjetivas que possam determinar a certeza de sua convicção sobre a responsabilidade criminal, inclusive para efeito de fixação da pena ou eventual imposição de medida de segurança. É da demonstração do fato que decorre a certeza da afirmação. Mesmo diante da confissão do acusado não se exclui o objeto da prova, pois a confissão deve ser corroborada por outras provas. Por exemplo, no caso de homicídio, a morte da vítima deve ser comprovada pelo laudo necroscópico. Portanto, a denominada regra do fato incontroverso, 21801009.pmd 146 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 145-175, julho/dezembro-2008 ___________________ 147 ou seja, aquele que independe de prova quando afirmado por uma parte e confessado pela parte contrária, prevista no art. 334, II, do Código de Processo Civil, não encontra aplicação no processo penal. Sem embargo disto, a atividade probatória deve restringir-se aos fatos relevantes, isto é, pertinentes e úteis ao julgamento da ação penal. Assim, é desnecessário provar os fatos evidentes por si mesmos, intuitivos (ou axiomáticos). Se a pessoa caminha, conversa ou mesmo cala-se quando quer, é evidente que está viva, ou, conforme exemplo de Manzini lembrado por grande parte da doutrina, encontrando-se um corpo humano putrefato, é claro que se trata de um cadáver. Fatos notórios também não precisam ser provados. Notórios são os fatos de conhecimento geral da população a que interesse. Por exemplo, no caso de crime contra a honra em que figure como vítima o chefe de Estado, não há necessidade de se provar que o ofendido é ocupante do cargo. Também é desnecessário provar que o dia 15 de novembro é feriado nacional por que se comemora a proclamação da República. A contrario sensu, a simples divulgação de um fato pela imprensa ou por outros meios de comunicação de massa não o transforma em “notório”. Notória, nesta hipótese, seria apenas a sua divulgação. Há, ainda, os fatos presumidos, isto é, aqueles que são tidos como verdadeiros pela própria lei. Daí as presunções legais que independem de produção de prova, que são de duas ordens: absoluta e relativa. Da primeira podemos citar como exemplo o que consta do art. 27, do Código Penal (CP), ou seja, a opção de política criminal assumida pelo legislador, que entende ser os menores de 18 anos pessoas inimputáveis, as quais ficam submetidas às normas estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Logo, descabe tentar provar a imputabilidade do autor do fato, pois, neste caso, a presunção é absoluta (juris et de jure). Quanto à outra, aproveita mencionar, como exemplo, que nos crimes contra a liberdade sexual, presume-se a violência se a vítima não é maior de 14 anos (art. 224, do CP); porém, esta presunção, por ser relativa (juris tantum), admite prova em contrário, ou seja, pode ser afastada quando há prova que a contradiz. Vale lembrar, ademais, a regra geral no sentido de que o direito não necessita ser provado. Vigora o princípio “iura novit curia” (o juiz conhece o direito). Ao menos em relação ao direito federal o juiz deve ter pleno conhecimento. Todavia, excepcionalmente, pode ocorrer que o juiz desconheça o direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, hipótese em que poderá determinar à parte a produção de prova nesse sentido (aplica-se, por analogia, o disposto no art. 337 do Código de Processo Civil). 3. Meios de prova Meio de prova é todo instrumento por força do qual se leva ao processo um elemento, uma informação, a ser utilizada pelo juiz para formar a sua convicção acerca dos fatos alegados pelas partes. Pode ser todo fato, documento ou alegação que sirva, direta ou indiretamente, ao descobrimento da verdade. Justamente por ser imprescindível ao descobrimento da verdade, no processo penal, em princípio, admite-se tudo quanto possa demonstrar os fatos e as 21801009.pmd 147 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 145-175, julho/dezembro-2008 ___________________ 148 alegações sustentadas pelas partes (excetuam-se as provas obtidas por meios ilícitos ou imorais, como veremos mais adiante). Prevalece a regra geral de que os meios de prova podem ser de qualquer natureza. Somente quanto ao estado das pessoas (casamento, menoridade, filiação etc.) é que se exige a observância de formalidades e restrições estabelecidas pelo Código Civil, de tal sorte que referida prova só é aceita com a respectiva certidão do registro civil. A norma vem agora prevista no parágrafo único do art. 155, do Código de Processo Penal, por força da alteração determinada pela L. 11.690, de 09.06.2008, que entrou em vigor em 09.08.20081 (antes essa mesma norma correspondia ao próprio caput do art. 155, do CPP). Não se deve confundir objeto de prova com meio de prova. O local averiguado é “objeto de prova”, enquanto a sua inspeção é meio de prova. A testemunha é sujeito de prova, enquanto o seu depoimento constitui meio de prova. O Código identifica determinados meios de provas. A especificação dos mesmos segue exposta a partir do item 11 deste trabalho. 4. Sistema da persuasão racional motivada em contraditório judicial A principal finalidade da prova é a de formar a convicção do juiz quanto à existência dos fatos e atos jurídicos que são objeto da afirmação positiva ou da afirmação negativa, segundo as alegações feitas pelas partes. Nos termos do art. 155, caput, do Código de Processo Penal (CPP), com a nova redação dada pela L. 11.690, de 09.06.2008, determina-se ao juiz formar a sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial. Nota-se que o legislador manteve o sistema de persuasão racional (ou do livre convencimento motivado), tal como previa a anterior redação, disposta então no art. 157. Insere-se, como novidade, a conclusão de que a apreciação das provas feita pelo juiz será invalidada quando a fundamentação da decisão basear-se exclusivamente em elementos informativos colhidos durante a fase de investigação. É dizer: as provas das quais se extraem efeitos válidos para o convencimento do juiz são aquelas produzidas no curso da ação penal e submetidas ao crivo do contraditório. Isto não quer dizer que são imprestáveis os elementos de provas colhidos durante o curso do inquérito policial, pois, o que a lei veda, é a edição de sentença fundamentada, exclusivamente, em elementos informativos colhidos durante a investigação. Logo, para o fortalecimento, ratificação e eventual convalidação das provas colhidas sob o crivo do contraditório, pode o juiz estabelecer o seu convencimento apoiando-se, também, nos elementos colhidos durante o inquérito. Porém, essa faculdade exige muita cautela em sua aplicação, isto é, não pode se tornar rotineira ou ser exercitada de forma abusiva pelo juiz a ponto de tornar inócua a regra geral. 1 Conforme Danilo Andreato e Vladimir Aras, op. cit. 21801009.pmd 148 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 145-175, julho/dezembro-2008 ___________________ 149 De se observar, igualmente, a ressalva incluída expressamente pelo legislador em referido dispositivo (art. 155, caput), declarando a validade, para efeito de formação da convicção judicial, das provas cautelares (exemplo: busca e apreensão); das provas não repetíveis (exemplo: comprovação da materialidade do delito que deixa vestígios instáveis); e das provas antecipadas (exemplo: oitiva de testemunha gravemente enferma), ainda quando realizadas ou colhidas somente durante a fase investigatória. É claro que esses elementos de prova reunidos durante a investigação traduzirão maior confiabilidade se forem obtidos com a participação das partes, o que é de todo recomendável ao juiz assim determinar, sempre que for possível. 5. Prova e o descobrimento da verdade Para o juiz formar o seu convencimento a respeito da veracidade ou falsidade da imputação apresentada pela acusação contra o réu, deverá obrigatoriamente se ater ao contexto probatório produzido nos autos. E descobrir a verdade constitui atividade jurisdicional de significativa importância, eis que converge para a devida e integral apuração do fato. Justiça e verdade andam de mãos dadas. Uma não pode existir sem a outra. Verdade, do latim veritate, tem o sentido de exatidão, realidade, conformidade com o real. A verdade, na sua definição mais comum, é a adequação ou conformidade entre o intelecto e a realidade. O intelecto é a inteligência, o entendimento, a razão, ou conhecimento intelectual. A realidade é o ser. Na correspondência entre o intelecto e o ser (realidade) firma-se a adequação de idéias constitutivas do objeto (adaequatio intellectus et rei). São Tomás de Aquino, um dos maiores pensadores da Igreja, dizia que deve haver conformidade das coisas com a inteligência, ou seja, as coisas devem ser inteligíveis para que possam ser declaradas verdadeiras. Em resumo, a verdade exige só a adequação (adaequatio) ao objeto formal considerado em cada caso. Transportando esses ensinamentos filosóficos para o processo penal, intuise que é por meio das provas que se dá a reconstrução da realidade histórica narrada no processo. Impõe-se que elas sejam claras, seguras, lícitas, éticas e aptas para o fim de transmitir ao julgador as informações necessárias e úteis à formulação de um raciocínio lógico, conclusivo e convincente sobre a adequação do conjunto probatório à realidade dos fatos. 6. Ônus da prova Ônus é uma faculdade cujo exercício é necessário para a obtenção de um interesse, que pode ser destinado à obtenção de uma vantagem ou para se evitar um prejuízo. Desse modo, o ônus da prova é a faculdade que se atribui às partes de produzirem as provas que darão consistência às alegações, do que resulta a posição de vantagem ou a posição que impede a ocorrência de prejuízo. No sistema do Código, o ônus da prova se estabelece em termos de que a prova da alegação incumbirá a quem a fizer (art. 156, caput, primeira parte, com a redação dada pela Lei 11.690, de 09.06.2008). Como se vê, foi mantida intacta a primeira parte da redação do dispositivo legal. 21801009.pmd 149 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 145-175, julho/dezembro-2008 ___________________ 150 Assim sendo, cabe ao autor da ação penal (Ministério Público ou querelante) o exercício da atividade probatória principal. Incumbe-lhe demonstrar a existência dos fatos constitutivos afirmados na pretensão deduzida em juízo, ou seja, deve provar a existência do ilícito penal e sua autoria, com todas as circunstâncias e elementares do tipo. É indispensável que isto se faça, já que o ônus da prova recai, com maior peso, sobre os ombros da acusação, em vista dos princípios da presunção da inocência do acusado (art. 5º, LVII, da Constituição Federal) e do in dubio pro reo. Dito de outro modo, a acusação deve apresentar as provas que dão sustentação às afirmações feitas na peça acusatória. Se não o fizer, assumirá as conseqüências negativas do seu ato, isto é, o julgamento de improcedência da ação penal. Olhando agora para a outra parte que figura no processo, lembre-se que ainda vigora o entendimento sustentado por grande parte da doutrina e da jurisprudência, no sentido de se atribuir ao réu o ônus de provar a existência do fato impeditivo, modificativo ou extintivo da pretensão acusatória. Ou seja, se em favor do acusado for alegada uma das excludentes de antijuridicidade, a este incumbe provar em sua defesa a ocorrência da dirimente (art. 23, do CP). O mesmo se diz quando milita em favor de determinado fato a presunção legal de existência ou veracidade, isto é, sendo a presunção relativa, inverte-se o ônus da prova (como no caso do art. 224, do CP, em exemplo mencionado no item 2). Não obstante, se a alegação feita pelo acusado suscitar dúvida razoável na convicção do magistrado a respeito do fato constitutivo narrado na denúncia, o juiz declarará a absolvição por falta de provas suficientes para a condenação. Mais uma observação merece ser feita em relação ao tema ônus da prova. É a de que deve ser admitida a incidência do princípio da comunhão de provas ou da aquisição da prova. Significa dizer, uma vez produzida a prova, o juiz poderá valorá-la, sem levar em conta a parte que a produziu, ou seja, a prova produzida por uma parte poderá ser valorada em favor da outra. Dessa forma, ainda que uma das partes não se desincumba adequadamente de seu ônus subjetivo, o julgamento poderá até não lhe ser desfavorável se a outra parte acabou produzindo uma prova desfavorável ao seu próprio interesse e favorável àquela que se omitiu em prová-lo. 7. Poderes instrutórios do juiz Analisaremos agora a segunda parte do dispositivo em comento. Considere-se que, em termos de produção de provas, a atividade não se esgota nos ônus que recaem sobre as partes. Para além deste ponto, a reforma do Código de Processo Penal pretende impulsionar, ainda mais, os poderes conferidos ao juiz. Com efeito, faculta-se ao juiz, de ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante (art. 156, caput, segunda parte, I e II, com a nova redação dada pela Lei 11.690, de 09.06.2008). 21801009.pmd 150 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 145-175, julho/dezembro-2008 ___________________ 151 Como se observa, no intuito de privilegiar o descobrimento da verdade, o legislador faculta a intervenção do magistrado na produção de provas, mesmo antes do oferecimento da peça acusatória, desde que verifique a necessidade de se antecipar a demonstração de provas consideradas urgentes e relevantes. Para tanto, o dispositivo exige a satisfação de alguns requisitos, tais como a necessidade, a adequação e a proporcionalidade da medida, os quais, na realidade, formam os elementos que integram o próprio princípio da proporcionalidade. Certo é que a faculdade outorgada ao juiz pelo mencionado inciso I do art. 156 revela uma inovação importante, que merece ser refletida cum granu salis, notadamente pelo julgador, antes de utilizá-la, para não substituir ou encampar as funções da acusação e também para não arranhar a sua imparcialidade na presidência e julgamento do processo. Encontra-se aqui uma exceção ao sistema do processo de partes predominantemente implementado pela reforma legislativa, fato este que, além de não se coadunar com o sistema acusatório vigente, vai seguir trajetória oposta àquela implementada pela adoção do novo método de inquirição de testemunhas pelas partes (ver item 15.5). A questão delicada reside na possibilidade de o juiz ordenar, de ofício, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes. O termo “de ofício” nos parece impróprio e inadequado para esta fase, visto que, na prática, a intervenção do juiz, durante as investigações, dependerá invariavelmente de representação da autoridade policial ou de provocação do Ministério Público. Noutras palavras, num processo de partes não cabe ao juiz determinar, por sua livre iniciativa, atividade de natureza evidentemente inquisitorial, que na sistematização da persecução penal são atribuídas à Polícia ou ao Ministério Público. Quanto ao inciso II do citado artigo 156, repete-se o que já constava da segunda parte da antiga redação do caput de tal dispositivo. Isto é, ficam mantidos os poderes instrutórios do juiz que, de ofício, independentemente de provocação das partes, movido pela necessidade de descobrir a verdade, pode determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir a sentença, portanto, durante o andamento da ação penal, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. 8. Momentos probatórios Relativamente ao direito à prova, que é garantido às partes em obediência ao princípio constitucional do devido processo legal, aponta-se quatro momentos em que se lhe dedica especial atenção, assim divididos no curso da ação penal: propositura; admissão; produção e valoração. O primeiro momento, de propositura da prova, corresponde ao direito conferido às partes de requerer ao juiz a produção de provas sobre fatos pertinentes e relevantes para a confirmação de suas alegações. Para a acusação, o momento adequado de formulação da proposição se dá com o oferecimento da denúncia ou queixa (art. 396, caput, do CPP, com a redação dada pela L. 11.719, de 20.06.2008, em vigor desde 22.08.2008). 21801009.pmd 151 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 145-175, julho/dezembro-2008 ___________________ 152 Quanto ao acusado, em se tratando de ação penal que siga o procedimento ordinário ou o sumário, é na resposta escrita da defesa à acusação, a ser apresentada no prazo de dez dias, que se poderá oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário, conforme dispõe o art. 396-A, caput, do CPP, com a redação dada pela L. 11.719, de 20.06.2008. Aplica-se a mesma sistemática no caso de procedimento relativo aos processos da competência do Tribunal do Júri, porém com observância do § 3º do art. 406, do CPP, com a nova redação dada pela L. 11.689, de 09.06.2008, que passou a vigorar a partir de 09.08.2008. Garante-se às partes o direito à admissão (segundo momento), isto é, ao deferimento judicial do requerimento de proposição das provas que sejam lícitas, pertinentes e relevantes. É certo que o juiz poderá indeferir a propositura de produção de prova obtida por meios ilícitos, ou aquelas que não forem relevantes ao descobrimento da verdade (inúteis para a solução do caso). A decisão sobre quais provas poderão ser produzidas em juízo deverá ser emitida pela autoridade judiciária, quando se tratar de procedimento ordinário ou o sumário, no ato em que designar a audiência de instrução (art. 399, caput, do CPP, com a redação dada pela L. 11.719, de 20.06.2008). Em se tratando de procedimento relativo aos processos da competência do Tribunal do Júri, igual providência deverá ser tomada pelo julgador, porém, em conformidade com o art. 410, do CPP, com a nova redação dada pela L. 11.689, de 09.06.2008. Admitida a produção da prova, segue-se o direito à sua produção (terceiro momento). De acordo com o § 1º do art. 400, do CPP, com a redação dada pela L. 11.719, de 20.06.2008, “as provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias”. Lembre-se que primeiramente serão tomadas as declarações do ofendido, seguindo-se à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvada a necessidade de expedição de carta precatória, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas. O último ato corresponderá ao interrogatório do acusado (art. 400, caput, do CPP, com a redação dada pela L. 11.719, de 20.06.2008). Segue-se a mesma seqüência de atos na audiência de instrução do processo do Júri, observando-se o disposto no art. 411, caput, e § 2º, do CPP, com a nova redação dada pela L. 11.689, de 09.06.2008. Anote-se mais, que o Código admite que se colha a prova oral antecipadamente, isto é, antes da realização da audiência de instrução, quando qualquer testemunha houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não exista (art.225). Por outro lado, na audiência de instrução prevista para ser realizada na primeira fase do procedimento dos crimes da competência do Júri, independentemente da suspensão da audiência, a testemunha que comparecer será inquirida (art. 411, § 8º, do CPP, com a nova redação dada pela Lei 11.689/2008). Configura-se o quarto momento da prova no processo por ocasião do ato em que se procede a sua valoração. Toda prova produzida deve ser valorada pelo juiz. Isto significa que ao término da instrução, ou seja, após os debates orais em audiência, passando-se à fase decisória do processo, o julgador, ao fundamentar a sentença, deve manifestar-se sobre todas as provas produzidas, acolhendo aquelas que firmarão o seu convencimento em prejuízo das outras que serão desconsideradas. Ante à complexidade do 21801009.pmd 152 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 145-175, julho/dezembro-2008 ___________________ 153 caso ou do número de acusados, o juiz poderá autorizar a substituição dos debates por apresentação de memoriais da acusação e da defesa, seguindo-se então o prazo de dez dias para proferir a sentença (art. 403, caput, e § 3º, do CPP, com a redação dada pela L. 11.719, de 20.06.2008). 9. Princípio da identidade física do juiz Insta destacar outra recente norma editada pelo legislador, que a um só tempo fortalece o princípio do devido processo legal bem como prestigia o reconhecimento de um processo penal pleno de garantias, na medida em que impõe ao juiz que presidir a instrução o dever de proferir a sentença. É a adoção do princípio da identidade física do juiz, que, em boa hora, passa a vigorar no processo penal (§ 2º do art. 399, do CPP, com a redação dada pela L. 11.719, de 20.06.2008). E esta nova sistemática, a nosso ver, aplica-se extensivamente à primeira fase do procedimento aplicável aos crimes da competência do Tribunal do Júri. Aparentemente a norma não prevê exceções para a atenuação do princípio da identidade física do juiz, como prudentemente faz o Código de Processo Civil (art. 132), ao admitir a passagem dos autos ao sucessor nas hipóteses de convocação, licenciamento, afastamento por qualquer motivo, promoção ou aposentadoria do julgador que presidiu a audiência. Certamente a rigidez ou a possível atenuação da norma processual penal, nos moldes de uma interpretação analógica com o processo civil, será objeto de debates no âmbito da jurisprudência a ser firmada pelos tribunais. 10. Prova ilícita e prova ilícita por derivação Em que pese a ampla liberdade que se dá na escolha do meio de prova a ser utilizada no processo penal, o certo é que essa faculdade não corresponde a um “valetudo” desregrado. Dizendo de outro modo, em qualquer procedimento penal, a atividade do descobrimento da verdade se submete às limitações previstas no ordenamento jurídico, eis que não se pode tentar descobri-la a qualquer custo ou ao arrepio das normas constitucionais e processuais que incorporam o devido processo legal. De plano é preciso lembrar que a própria Lei Maior, ao disciplinar o direito processual constitucional, estabelece que são inadmissíveis as provas obtidas por meios ilícitos (art. 5º, LVI, da CF). Desde a edição da Carta Republicana de 1988, carecia o Código de Processo Penal de uma norma complementar explícita e obediente à tal vedação constitucional. Sucede que essa omissão acaba de ser suprida pela reforma legislativa que estamos comentando, pois, de modo expresso, declara-se que são inadmissíveis, e ao mesmo tempo determina-se o desentranhamento do processo, das provas ilícitas, assim entendidas aquelas obtidas em violação às normas constitucionais ou legais (art. 157, caput, com a redação dada pela Lei 11.690, de 9.6.2008). 21801009.pmd 153 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 145-175, julho/dezembro-2008 ___________________ 154 Como se vê, a expressão provas ilícitas é utilizada em seu sentido amplo, pois tanto se refere às provas obtidas em desconformidade com princípios e garantias constitucionais, quanto àquelas colhidas em desapreço às regras de procedimento que compõem o devido processo legal, e também quando violam regras de direito material. Dessa forma, são consideradas ilícitas as provas obtidas mediante ofensa à dignidade da pessoa, visto que contrárias aos dogmas constitucionais que sustentam o processo penal moderno. É impensável a aceitação de provas que se assemelhem às antigas ordálias, ou aos “juízos de Deus”, bem como as provas imorais (exemplo: a reconstituição de um estupro). Nessa mesma linha de raciocínio, a prova oral colhida em juízo sem a presença do defensor, por óbvio fere os princípios da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, LV, da CF), e, mais do que nulas, devem ser desentranhadas do processo. De modo abrangente, agora, também se considera ilícita a prova que viole norma processual (seria, então, a prova ilegítima), como no caso de depoimento testemunhal colhido com o objetivo de suprir as exigências da lei civil para efeito de comprovação do estado das pessoas (parágrafo único do art. 155, do CPP); ou quando se aceite a confissão em substituição ao laudo de exame de corpo de delito – direto ou indireto – no caso de infração que deixe vestígios (art. 158, do CPP). Nestes casos, a obtenção é, em si, lícita, porém, há evidente descumprimento das regras de procedimento penal. Claramente ilícita é também a prova obtida mediante a prática de infração penal, como no caso de tortura, crime punido com pena de reclusão, de 2 a 8 anos (art. 1º da L. 9.455, de 07.04.1997). Nos exemplos acima mencionados descaracteriza-se a validade das provas no processo penal, que neste plano recebem a “sanção” de inadmissibilidade em juízo. Não podem ingressar no processo, e, quando ingressarem, dele deverão ser desentranhadas. Nesse contexto insere-se, em complemento, a prova ilícita por derivação. Originária da conhecida teoria norte-americana denominada fruits of the poisonous tree (teoria dos frutos da árvore envenenada), a prova ilícita por derivação é uma prova que, em si mesma, é lícita, mas que somente foi obtida por intermédio de informações ou elementos decorrentes de uma prova ilicitamente obtida. Pela adoção dessa teoria, elas devem ser desprezadas, pois se encontram “contaminadas” pelo vício de ilicitude do meio utilizado para obtê-las. Exemplo: com um mandado judicial de busca domiciliar apreende-se 200 kg. de cocaína – prova em si lícita -, mas a informação do local foi obtida pela Polícia mediante interceptação telefônica não autorizada. Acrescenta-se que a rigidez dessa teoria vinha sendo temperada pelo STF (a contaminação não atinge a prova colhida durante o processo penal, se a prova ilícita instruiu apenas o inquérito policial- 1ª T., HC 83921/RJ, Rel. Min. Eros Grau, DJ 27.82004, p. 70). Por outro lado, festejados doutrinadores brasileiros atentaram para as limitações impostas à teoria da inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, ou dos frutos da árvore envenenada, determinada pela própria Suprema Corte norte-americana e pela doutrina internacional. Duas teses foram admitidas para excepcionar da vedação 21801009.pmd 154 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 145-175, julho/dezembro-2008 ___________________ 155 probatória as provas derivadas da ilícita: a primeira, denominada independent source (causa independente), diz que excepcionam-se da vedação probatória as provas derivadas da ilícita, quando a conexão entre umas e outra é tênue, de modo a não se colocarem a primária e as secundárias como causa e efeito; e a segunda, denominada inevitable discovery (tese da inevitabilidade do descobrimento) quando as provas derivadas da ilícita poderiam de qualquer modo ser descobertas por outra maneira. Disto se extrai que se a prova ilícita não foi absolutamente determinante para o descobrimento das derivadas, ou se estas derivam de fonte própria, não ficam contaminadas e podem ser produzias em juízo2. Aproximando-se desse posicionamento doutrinário, o legislador resolveu estabelecer que também são inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras (§ 1º do art. 157, com a redação dada pela Lei 11.690, de 9.6.2008). Assim, se a prova é derivada da ilícita, não produz efeitos válidos. Mas, se não há o nexo de causalidade entre umas e outras, não há falar de contaminação da prova derivada. Note-se: é a ausência completa da causalidade que obsta a contaminação. Na tentativa de impedir o alongamento de discussões sobre o significado da expressão “fonte independente”, o legislador a define como sendo aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova (§ 2º do art. 157, com a redação dada pela Lei 11.690, de 9.6.2008). Entretanto, a nosso ver, a norma vai incrementar o debate entre a acusação e a defesa, e isto demandará a avaliação judicial, caso a caso, sobre as fontes geradoras da prova derivada. Vale dizer, convencendo-se de que a prova derivada, por si só, independentemente da prova originariamente ilícita, pudesse levar à obtenção daquele fato, o juiz estará autorizado a declarar a inexistência da contaminação3. Reitera-se: para o caso de uma prova ilícita indevidamente ingressar no processo por apresentação de uma das partes, seu desentranhamento deverá ser determinado pelo juiz. E, preclusa a decisão de seu desentranhamento, será a mesma inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente (§ 3º do art. 157, caput, com a redação dada pela Lei 11.690, de 9.6.2008). Com relação a este último dispositivo é preciso aludir ao recurso cabível contra a decisão de desentranhamento. É sabido que o Código de Processo Penal ainda padece de uma profunda reformulação no capítulo que trata dos recursos. Em determinados casos, pairam, ainda, muitas dúvidas sobre o cabimento de recurso em sentido estrito (ante a compreensão de ser taxativo o rol de decisões mencionadas no art. 581) ou de apelação. Na tentativa de esclarecer essa dubiedade, Rômulo de Andrade Moreira4 vislumbra, no ato judicial determinante do desentranhamento da prova ilícita, a natureza 2 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal, 10 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 163. 3 Nesse sentido, Marcos Zilli, op. cit. 4 Op. cit.. 21801009.pmd 155 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 145-175, julho/dezembro-2008 ___________________ 156 jurídica de decisão interlocutória com força de definitiva, pois a preclusão é fato processual próprio de decisão que não enfrenta o mérito da ação, e, por isso, aponta o recurso de apelação (art. 593, II, do CPP). Pensamos, todavia, que a decisão de desentranhamento ou de não-desentranhamento, pode trazer prejuízos imediatos às partes, somente reparáveis, com urgência, mediante a impetração de habeas corpus, pela defesa, ou de mandado de segurança, pela acusação, quando não for caso de correição parcial. Por derradeiro, e sem embargo dessas novas regras, nunca se deve olvidar que a proibição da prova ilícita, além de ser uma garantia individual contra o Estado, não é regra absoluta. Assim, por aplicação do chamado princípio da proporcionalidade, que na ponderação de interesses informa o interesse que deve preponderar, registre-se o entendimento doutrinário predominante no sentido de admitir prova dessa natureza favorável ao acusado (prova ilícita pro reo), ainda que colhida com violação a direitos fundamentais de terceiros. Até mesmo quando produzida pelo próprio interessado (como a gravação de conversação telefônica em caso de extorsão, por exemplo), traduzirá hipótese de legítima defesa, que exclui a ilicitude. 11. Especificação dos meios de provas Nesta breve exposição vamos abrir espaço para aduzir algumas anotações atinentes aos meios de provas especialmente regulados pelo Código. A reforma processual também apresenta algumas novidades neste campo, mas muitos dispositivos foram mantidos intactos. Em vista disto, para facilitar as informações que ora se dá ao leitor, nos subitens abaixo, quando no texto houver referência a artigo do Código sem qualquer alusão à nova redação dada por lei, significa que o seu teor foi mantido. 11.1 Perícia: realização por um único perito qualificado Perícia é o exame realizado por pessoa (perito) que detenha habilitação técnica, capacitação ou experiência sobre determinada área de conhecimento, a fim de prestar esclarecimentos técnicos ou científicos ao julgador sobre fato que requer a explicação inteligível para auxiliá-lo no julgamento da ação. Logo, perito é um auxiliar da Justiça. Salvo no caso de exame de corpo de delito, a realização da perícia só tem cabimento se for útil e pertinente ao deslinde do processo criminal, pois o juiz ou a autoridade policial negará a perícia requerida pelas partes, quando não for necessária ao esclarecimento da verdade (art. 184, do CPP). Na reforma legislativa destaca-se a simplificação na obtenção da prova pericial, adotando-se a sistemática antecipada pela Lei Antidrogas (L. 11.343/2006), que para o caso de elaboração do laudo de constatação de entorpecentes, exigia a participação de um único perito. Agora, o exame de corpo de delito, bem como os exames periciais em geral, realiza-se por um único perito oficial, portador de diploma de curso superior. Abandona-se o sistema anterior que exigia a participação de dois peritos, e, em vista disto, perde eficácia a orientação jurisprudencial contida na Súmula 361 do STF, 21801009.pmd 156 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 145-175, julho/dezembro-2008 ___________________ 157 a qual reza ser nulo o exame realizado por um só perito. Entendia-se, entretanto, que referida nulidade é relativa, incumbindo à parte a demonstração de prejuízo decorrente da ausência de outro perito. Todavia, ante o teor do art. 159, caput, com a redação dada pela L. 11.690, de 9.6.2008, sendo a norma de natureza processual, portanto aplicável desde logo a todos os processos em andamento (art. 2º, do CPP), não há mais motivo para se questionar a legalidade de laudo pericial elaborado por um único perito oficial, portador de diploma de curso superior. Convém lembrar que a nomeação de perito será feita a exclusivo critério do juiz, sem interferência das partes. Seu labor destina-se primordialmente a esclarecer, de forma técnico-opinativa, todas as eventuais dúvidas que recaiam sobre o objeto da perícia de modo a responder quesitos formulados pelo juiz e pelas partes. As impressões e o parecer técnico do perito, após minuciosa apreciação dos elementos que compõem o objeto da perícia, deverão ser consignados no documento denominado laudo pericial. Este laudo geralmente se constitui de quatro partes, divididas nesta ordem: a) preâmbulo; b) descrição; c) conclusão; d) encerramento. O valor probatório do laudo pericial não é absoluto. Diz o art. 182 do CPP, que o juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte. Reafirma-se, então, que o sistema se submete à supremacia do princípio de persuasão racional ou do livre convencimento motivado do julgador (ver item 4). Portanto, a decisão do juiz não se vincula obrigatoriamente ao parecer conclusivo do perito. O mesmo acontece no Tribunal do Júri, com a diferença de que, em relação ao veredicto dos jurados, não é necessária a motivação da decisão. Na falta de perito oficial, o exame será realizado por duas pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame (§1º do art. 159, com a redação dada pela L. 11.690, de 9.6.2008). Nenhuma novidade se verifica neste dispositivo, cujos termos conferem com a antiga redação constante do Código. Manteve-se a redação do § 2º do art. 159, do CPP, impondo-se aos peritos não oficiais a obrigação de prestar o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo. Caso os peritos nomeados para o caso apresentem opiniões divergentes, serão consignadas no auto do exame as declarações e respostas de um e de outro, ou cada um redigirá separadamente o seu laudo, e a autoridade nomeará um terceiro perito. Se este último divergir dos dois primeiros, poderá o juiz ou delegado de polícia mandar proceder a novo exame, que será realizado por outros peritos (art. 180 do CPP). Ditou-se regra transitória que evitará incontáveis alegações de nulidade. Assegura-se, até a data de entrada em vigor da Lei, aos peritos que ingressaram nos quadros públicos sem exigência do diploma de curso superior, o direito de continuar a atuar exclusivamente nas respectivas áreas para as quais se habilitaram, ressalvados os peritos médicos (art. 2º da L. 11.690, de 9.6.2008). Novidade também se verifica na regra que amplia o número de sujeitos processuais legitimados a formular quesitos, faculdade esta que se concede ao Ministério Público, assistente de acusação, ofendido, querelante e ao acusado, os quais poderão indicar assistente técnico. É o que se extrai do disposto no §3º do art. 159, com a redação dada pela L. 11.690, de 9.6.2008, que dessa forma derroga o art. 176 do CPP (este atribui a formulação de quesitos à autoridade e às partes). 21801009.pmd 157 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 145-175, julho/dezembro-2008 ___________________ 158 A atuação do assistente técnico dar-se-á a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelo perito oficial, sendo as partes intimadas desta decisão (§ 4º do art. 159, com a redação dada pela L. 11.690, de 9.6.2008). Ainda quanto à perícia, inova-se com a implementação do sistema de contraditório diferido, pois, durante o curso do processo judicial, poderão as partes: I – requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos, desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas em laudo complementar; II – indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência (§ 5º, I e II, do art. 159, com a redação dada pela L. 11.690, de 9.6.2008). Consequentemente, se o juiz deferir os respectivos requerimentos, poderão ser inquiridos, em juízo, os peritos e os assistentes técnicos, bem como poderá ser apresentado o laudo complementar no qual serão respondidos os quesitos, e ainda poderão ser entregues os pareceres dos assistentes técnicos. Nesse sentido, quando houver requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia permanecerá no ambiente do órgão oficial, que o manterá sempre sob sua guarda, e, na presença de perito oficial, será disponibilizado para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação (§ 6º do art. 159, com a redação dada pela L. 11.690, de 9.6.2008). Teve o legislador o cuidado de estabelecer a forma mediante a qual os assistentes indicados pelas partes terão acesso ao material objeto da perícia, a fim de que possam elaborar os seus pareceres técnicos5. Na hipótese de se tratar de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um perito oficial, e a parte poderá indicar mais de um assistente técnico (§ 7º do art. 159, com a redação dada pela L. 11.690, de 9.6.2008). Em outras palavras, o juiz poderá nomear um perito e as partes indicar um assistente técnico para cada especialidade exigida. Sendo necessária a realização de perícia em outra comarca, deverá ser expedida a carta precatória. Neste caso, a nomeação do perito far-se-á pelo juízo deprecado. Havendo, porém, no caso de ação privada, acordo entre as partes, essa nomeação poderá ser feita pelo juiz deprecante. A carta precatória deverá conter os quesitos formulados pela autoridade deprecante e pelas partes (art. 177, caput, e parágrafo único, do CPP). 11.2 Exame de corpo de delito Nem todas as infrações penais produzem vestígios materiais. Mas, quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado (art. 158, do CPP). Corpo de delito é o conjunto dos vestígios que caracterizam a existência do crime, ou seja, de elementos apreensíveis por meio dos sentidos, os quais não se restringem aos vestígios relativos ao corpo físico da vítima do delito. 5 CAMPIOTTO, Rosane Cima, op. cit. 21801009.pmd 158 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 145-175, julho/dezembro-2008 ___________________ 159 Distingue-se o exame de corpo de delito direto do indireto. Direto é o exame em que o perito examina os próprios vestígios materiais relativos à prática delituosa investigada. Ele deve ser feito com a maior brevidade possível, a fim de evitar-se que os vestígios desapareçam. Por isso é que a lei autoriza a sua realização em qualquer dia e a qualquer hora (art. 161, do CPP). Indireto é o corpo de delito que geralmente se constitui de depoimentos de testemunhas sobre a materialidade do fato criminoso. Daí a ressalva feita pelo próprio legislador quando afirma que não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta (art. 167, do CPP). Excetuando-se o que compreende nesta ressalva, nos demais casos, a falta de exame de corpo de delito nos crimes que deixam vestígios constituirá causa de nulidade absoluta, conforme art. 564, II, b, do CPP. Ademais, a não apresentação do exame de corpo de delito quando o crime deixa vestígio, pode se tornar empecilho insuperável para a própria instauração da ação penal, como no caso do procedimento aplicável aos crimes contra a propriedade imaterial, em que o legislador não autoriza o recebimento da queixa ou da denúncia senão quando instruída com o laudo pericial (art. 525, do CPP). Contudo, no caso de infração penal de menor potencial ofensivo, não há este rigor de apresentação prévia do laudo pericial, pois no procedimento sumaríssimo é dispensável o exame de corpo de delito para o oferecimento da peça acusatória quando a materialidade do ilícito penal estiver aferida por boletim médico ou por prova equivalente (art. 77, § 1º, da Lei 9.099/1995). 11.3 Exame necroscópio Necropsia ou autópsia é o exame das partes internas de um cadáver, elaborado a fim de estabelecer a causa mortis e outros elementos pertinentes ao fato. Diz a lei que ela será feita pelo menos 6 horas depois do óbito, salvo se o perito, pela evidência dos sinais de morte, julgar que possa ser feita antes daquele prazo, o que declarará no auto. Esse exame cadavérico interno pode ser dispensado nos seguintes casos: a) em se tratando de morte violenta, não houver infração penal a apurar; b) quando o simples exame externo das lesões apresentadas pelo cadáver permitirem precisar a causa da morte e não houver necessidade de exame interno para a verificação de circunstância relevante (art. 162, caput, e parágrafo único, do CPP). Os cadáveres serão sempre fotografados na posição em que forem encontrados, bem como, na medida do possível, todas as lesões externas e vestígios deixados no local do crime (art. 164, do CPP). De seu turno, exumação é o exame que se realiza do cadáver já enterrado. Ele é feito quando não se realizou o exame de corpo de delito antes do enterro, ou quando tendo sido realizado, o laudo apresente dúvidas ou suspeita de ser incorreto (art. 163 e parágrafo único do CPP). 21801009.pmd 159 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 145-175, julho/dezembro-2008 ___________________ 160 11.4 Exame de lesões corporais Visa identificar a natureza e gravidade das lesões provocadas na vítima. As lesões podem ser permanentes (ex. lesão corporal de natureza gravíssima, que implique em perda ou inutilização de membro do ofendido, art. 129, § 2º, III, CP) ou deixar marcas passageiras, que desaparecem com o tempo (ex.: lesão corporal de natureza leve, art. 129, caput, CP). Dessa forma, para a efetiva constatação de lesões recomenda-se a realização do exame pericial com brevidade. Pode haver a realização de exame complementar de lesão corporal nos seguintes casos: a) se o primeiro exame tiver sido incompleto; b) para caracterizar a ocorrência de lesão corporal de natureza grave (129, § 1º, CP), quando os ferimentos impõem à vítima incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias (art. 168, §§ 1º a 3º do CPP). 11.5 Exame de local do crime De acordo com o art. 6º, I, do CPP, deverá a autoridade policial deslocar-se ao local da infração, providenciando para que não se altere o estado e conservação das coisas até a chegada dos peritos. Essa diligência visa preservar os elementos no local do delito que possam servir de prova para a apuração futura do fato. A perícia será destinada ao levantamento do local, devendo o laudo ser instruído com fotografias, desenhos, esquemas elucidativos (art. 169, caput, e parágrafo único, do CPP). 11.6 Perícia de laboratório Em se tratando de exames laboratoriais, deve-se conservar parte do material analisado para eventual perícia complementar ou para realização de contraprova. Sempre que conveniente, os laudos serão ilustrados com provas fotográficas ou microfotográficas, desenhos ou esquemas (art. 170, do CPP). 11.7 Avaliação de coisas Nos crimes cometidos com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa, ou por meio de escalada, além de descrever os vestígios, o perito deverá indicar com que instrumentos, por que meios e em que época se presume ter sido o fato praticado (art. 171, CPP). Quando necessário, proceder-se-á a avaliação de coisas destruídas, deterioradas ou que constituam produto do crime. (ex.: furto qualificado, art. 155, § 4º, I, CP). Sendo impossível a avaliação direta, será admitida a avaliação elaborada por meio dos elementos existentes nos autos e dos que resultarem de diligências (art. 172, e parágrafo único, CPP). 21801009.pmd 160 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 145-175, julho/dezembro-2008 ___________________ 161 No caso de incêndio a perícia se torna ainda mais complexa, pois deve ser verificada a causa e o lugar em que houver começado, o perigo que dele tiver resultado para a vida ou para o patrimônio alheio, a extensão do dano e o seu valor e as demais circunstâncias que interessarem à elucidação do fato (art. 173, CPP). 11.8 Exame grafotécnico O exame grafotécnico também é conhecido por exame caligráfico ou grafológico. No CPP ele é conhecido por “exame de reconhecimento de escritos por comparação de letra”. Tem por finalidade a identificação do escritor ou subscritor de determinado documento por método comparativo entre um escrito e outros escritos de autoria comprovada. O procedimento para a realização desse exame pericial vem traçado nos incisos I a IV do art. 174, do CPP. 11.9 Instrumentos do crime Também devem ser examinados os instrumentos empregados para a prática da infração penal, a fim de se lhes verificar a natureza (qualidades e características) e a eficiência (aptidão para produzir o resultado, bem como o estado em que se encontrava) – art. 175, do CPP. 12. Interrogatório do acusado Incluiu-se o interrogatório no capítulo do Código que trata das provas em espécie, mas sua natureza jurídica é discutida por muitos autores. Para parte da doutrina, o interrogatório é meio de prova, eis que fornece ao juiz elementos de convicção. Já outra corrente sustenta que o interrogatório constitui meio de defesa, pois nele o acusado expõe a sua versão dos fatos, repudiando a acusação. Conciliando as duas anteriores, sustenta a terceira corrente de doutrinadores (à qual nos filiamos) que a natureza jurídica do interrogatório é mista, ou seja, meio de defesa e também meio de prova. Além de expor as suas alegações, exercendo a sua defesa, suas afirmações e negativas também podem fornecer elementos que influirão no convencimento do julgador que busca descobrir a verdade. Interrogatório é o ato processual conduzido pelo juiz no qual o acusado é indagado sobre os fatos que lhe são imputados na peça acusatória. Deve ser realizado na presença do seu defensor, constituído ou nomeado, com o qual tem o direito de entrevistarse de forma reservada antes de iniciar-se o ato (art. 185, caput, e § 2º, CPP). Havendo mais de um acusado, serão interrogados separadamente (art. 191, CPP), porém na presença de todos os defensores constituídos. Faculta-se ao acusado, o direito constitucionalmente garantido de permanecer calado, em juízo ou fora dele (art. 5º, LXIII, da CF). Ao réu se defere a oportunidade para exercer a autodefesa, porém, a ele também se oferece a opção de nada responder ao que lhe for perguntado, sendo que o seu silêncio não importará em confissão e nem poderá ser interpretado em prejuízo de sua defesa (art. 186, parágrafo único, do CPP). 21801009.pmd 161 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 145-175, julho/dezembro-2008 ___________________ 162 Duas partes compõem o interrogatório: a primeira versará sobre a pessoa do acusado (aspectos e condições pessoais e sociais de sua existência); a segunda sobre os fatos narrados na denúncia (mérito da ação penal). Trata-se de ato oral, personalíssimo e público. É da essência do interrogatório judicial a sua oralidade, salvo quando o acusado estiver impossibilitado de falar, hipótese em que responderá por escrito às indagações que lhe forem feitas. A presença física do réu é indispensável (ato personalíssimo), não pode ser substituída por interrogatório mediante procuração, somente admitindo-se a intervenção de terceiro no ato na condição de intérprete, conforme casos previstos no parágrafo único do art. 192, e art. 193, do CPP. Salvo caso de decretação de segredo de justiça, o ato deve ser conduzido à vista de todos. Quando o acusado estiver preso, a regra ditada pelo legislador é a de que o ato seja feito no estabelecimento prisional em que se encontrar, em sala própria, desde que estejam garantidas a segurança do juiz e auxiliares, a presença do defensor e a publicidade do ato. Inexistindo a segurança, realiza-se o ato em juízo (art. 185, § 1º, do CPP). Discute-se a validade do interrogatório realizado pelo sistema de videoconferência. Nosso entendimento é favorável à utilização dessa moderna tecnologia na realização do ato processual. Não de forma geral e indiscriminada, pois a regra que deve prevalecer é a de que o interrogatório se realize pela via presencial, com o comparecimento do juiz ao presídio. Porém, em casos excepcionais, como nos processos de grande complexidade, que envolvam razoável número de co-réus presos em comarcas ou Estados distantes, bem como quando ao próprio acusado não interessar o seu deslocamento a juízo, e ele dessa forma se manifestar, não vemos obstáculo ao devido processo legal para a realização do interrogatório por videoconferência. Na verdade, esta questão demanda uma análise mais aprofundada, que extrapola o espaço concedido para este artigo, motivo pelo qual, por ora, apenas se registra que ela faz parte dos atuais debates políticos, doutrinários e também das decisões de tribunais, com posicionamentos favoráveis e contrários à adoção do sistema.6 Submete-se a realização do ato ao crivo do contraditório. Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se as considerar pertinentes e relevantes (art. 188, do CPP). 6 A utilização do sistema de videoconferência em audiência criminal, no Estado de São Paulo, se submete ao rigoroso comando e controle do juiz do processo em relação à comunicação, direcionamento do vídeo, áudio, TV e demais equipamentos que integram o sistema. Assegura-se o direito à ampla defesa, o contato reservado do acusado com o seu defensor por linha telefônica e a visualização do réu de tudo o que se passa na audiência. O detalhamento de todas as cautelas que cercam o uso de videoconferência está explicitado pela Corregedoria Geral da Justiça no Anexo I do Provimento COGE 74/2007 (DOE Just., 15.01.2007, Caderno 1, Parte I, p. 216). Esta regulamentação do Judiciário se deve à existência da Lei do Estado de São Paulo n. 11.819/ 2005, que autorizou a criação de salas de videoconferência no Judiciário Paulista e em presídios. De forma mais abrangente tratamos deste e de outros assuntos correlatos no trabalho de nossa autoria, intitulado “Processo penal impulsionado pela tecnologia”, objeto de tese apresentada em 2008, no concurso de Livre-Docência da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 21801009.pmd 162 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 145-175, julho/dezembro-2008 ___________________ 163 Havendo fundados motivos, o juiz, de ofício, ou deferindo requerimento das partes, poderá a todo tempo proceder a novo interrogatório (196, do CPP). Quando presente ao processo, a realização do ato é obrigatória, sob pena de ser declarada a nulidade absoluta, conforme dispõe o art. 564, III, e, do CPP. 13. Confissão Conceitua-se a confissão como sendo o ato de reconhecimento, feito pelo indiciado ou pelo acusado, da imputação que lhe é feita. Sua validade se submete ao preenchimento de alguns requisitos: a) deve ser espontânea ou voluntária; b) expressa; c) pessoal. Antigamente, sobretudo ao tempo em que vigorou o sistema da prova legal, a confissão era reconhecida como rainha das provas (regina probationum). Valia como prova plena da imputação e mais nada precisava ser provado. Hoje, o valor da confissão deve ser aferido pelos critérios adotados para os outros elementos de prova. Na sua apreciação o juiz deve confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância (art. 197, CPP). Quanto à forma, a confissão deve ser expressa ou explícita, oral ou escrita. O nosso sistema processual não admite a confissão tácita, implícita ou ficta baseada em presunção legal. Pode ser: judicial, geralmente feita durante o interrogatório (art. 190, do CPP); ou extrajudicial (escritura de declaração lavrada em tabelionato), sendo que neste último caso deve ser tomada por termo nos autos (art. 199, do CPP). Quanto aos efeitos, pode ser simples ou qualificada. Simples, quando o confitente apenas admite a imputação que lhe é feita. Qualificada, quando embora reconheça a acusação, o confitente apresenta circunstâncias que excluem ou atenuem sua responsabilidade. 14. Maior atenção ao ofendido Ofendido é o sujeito passivo da infração penal, ou seja, a vítima. Tradicionalmente sempre se reservou papel secundário à vítima. O Código, desde o princípio de sua vigência (1942), a relegou ao esquecimento. A importância de sua participação no processo penal somente foi resgatada na década passada, quando, no procedimento sumaríssimo aplicável às infrações penais de menor potencial ofensivo, se incluiu a possibilidade de reparação de danos civis em sede de transação penal, regrada pela Lei 9.099/1995. Todavia, é na recente reforma do CPP que se nota a preocupação do legislador em minimizar os efeitos danosos da chamada vitimização contínua, implacavelmente imposta às vítimas em geral. Inicialmente devemos afirmar que foi mantido o antigo texto do art. 201, caput, do CPP, segundo o qual, sempre que possível, o ofendido será intimado, qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações. Note-se que a sua oitiva não é obrigatória, tanto que a sua falta não constitui causa de nulidade. Todavia, se requerida e deferida a sua oitiva, o 21801009.pmd 163 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 145-175, julho/dezembro-2008 ___________________ 164 comparecimento se torna obrigatório, a ponto de, se deixar de comparecer sem motivo justo, ter a sua condução coercitiva determinada pela autoridade policial ou judicial (art. 201, § 1º, do CPP – redação mantida em conformidade com o extinto parágrafo único). Sabe-se que a vítima não presta depoimento sob o compromisso de dizer a verdade, como se impõe à testemunha. Isto se deve ao entendimento geral de que a vítima, como pessoa prejudicada imediata do ilícito penal, tem o suposto interesse na condenação do réu. Mas, especialmente nos crimes de roubo e naqueles praticados contra a liberdade sexual, a jurisprudência de nossos tribunais tem atribuído elevado grau de valoração às declarações prestadas por vítimas, colocando-as no patamar reservado à categoria de provas seguras e eficazes. A seguir relaciona-se as novidades recém introduzidas, principiando pela modificação incluída na designação dada o Capítulo V, que passa a ser destacado sob a rubrica “Do Ofendido” em substituição à anterior “Das Perguntas ao Ofendido”, tudo conforme inserido no Título VII “Da Prova”, do Livro I “Do Processo em Geral”, do Código de Processo Penal. Passa o ofendido a ter o direito de ser cientificado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença, bem como de respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem. Tais comunicações deverão ser feitas no endereço por ele indicado, admitindo-se, por opção do ofendido, o uso de meio eletrônico (art. 201, §§ 2º e 3º, do CPP, com a nova redação dada pela Lei 11.690, de 9.06.2008). Mutatis mutandis, vislumbramos aqui a exigência de prestação de contas que a Justiça Penal, em atenção ao princípio da transparência que incide sobre os poderes constituídos da República, passa a fazer aos jurisdicionados, em especial às vítimas. Observa-se, assim, que os principais atos do processo serão comunicados ao ofendido, preferencialmente, a nosso ver, e sempre que for possível, mediante a utilização da moderna tecnologia (Internet). De sorte que, além de tornar a atuação do Judiciário mais transparente e mais próxima de seus jurisdicionados, esse conjunto de medidas serve para dar ao ofendido a mínima atenção a respeito do resultado do processo criminal em que figurou como vítima. Mais a mais, pretende o legislador que o Judiciário aperfeiçoe o atendimento pessoal a ser dado ao ofendido, evitando que ele sofra o costumeiro constrangimento de permanecer aguardando a realização de audiência na mesma sala em que se encontra o acusado. Determina a nova lei que, antes do início da audiência e durante a sua realização, seja reservado espaço separado para o ofendido. E, se o juiz entender necessário, poderá encaminhar o ofendido para atendimento multidisciplinar, especialmente nas áreas psicossocial, de assistência jurídica e de saúde, a expensas do ofensor ou do Estado (art. 201, §§ 4º e 5º, do CPP, com a nova redação dada pela Lei 11.690, de 9.06.2008). A primeira obrigação imposta – reservar espaço separado para o ofendido –, pensando em termos de integração nacional do Judiciário brasileiro, não nos parece impossível de ser imediatamente executada. Bastará promover as alterações necessárias na própria infra-estrutura das Varas Criminais e dos Tribunais espalhados pelo País. E ao Ministério Público cabe a fiscalização do cumprimento desta exigência legal. Já, a segunda, aprova-se a intenção plenamente válida do legislador. Porém, devemos ser realistas e não tão otimistas em relação à sua pronta e rápida 21801009.pmd 164 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 145-175, julho/dezembro-2008 ___________________ 165 execução, pois todos nós sabemos que são enormes as deficiências e carências que existem nas áreas de atendimento assistencial e de saúde oferecidas ao povo brasileiro pelo poder público. Por outro lado, na expressiva maioria das ações penais, o réu não tem recursos financeiros para assumir tais despesas. E mesmo em relação ao acusado abastado, a lei não esclarece como se lhe cobrará o custeio do tratamento psicossocial da vítima. Finalmente, o juiz tomará as providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação (art. 201, § 6º, do CPP, com a nova redação dada pela Lei 11.690, de 9.06.2008). Cuida-se de medida que visa proteger a vítima da rotineira exploração sensacionalista feita por determinados órgãos da mídia. Parece-nos de aplicação absolutamente adequada em processos nos quais figurem vítimas de crimes contra a liberdade sexual (estupro, atentado violento ao pudor e outros) ou naqueles em que sejam vítimas crianças e adolescentes. Além disso, a medida pode amenizar o temor da vítima que eventualmente se sinta ameaçada de prestar declarações verdadeiras, e serve bem ao propósito de dissuadi-la de eventual recusa em colaborar com a investigação ou com a instrução criminal. De certo modo, renova-se aqui a preocupação explicitada pelo legislador na Lei 9.807/1999, que disciplina os meios de proteção às vítimas e testemunhas submetidas à coação ou grave ameaça em razão da colaboração em investigação ou processo criminal. 15. Prova testemunhal Conquanto seja uma das provas mais inseguras do processo penal, haja vista as inumeráveis reações pessoais do depoente que podem influir no depoimento (memória, temor, compaixão, ódio etc.), o certo é que a prova testemunhal se faz presente nas ações penais em geral. O termo testemunha vem de testibus, do latim testemonium, que na linguagem jurídica tem o sentido de “pessoa que atesta a veracidade de um fato”. A testemunha não é parte do processo e deste participa na condição de sujeito secundário. 15.1 Número de testemunhas A quantidade de testemunhas tem seu número máximo fixado de acordo com o procedimento. Quando se tratar de ação penal submetida ao procedimento comum ordinário, cada qual das partes poderá arrolar até (8) oito testemunhas. Nesse número não se compreendem as que não prestem compromisso e as referidas (art. 401, § 1º, do CPP, com a redação dada pela Lei 11.719, de 20.06.2008). 21801009.pmd 165 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 145-175, julho/dezembro-2008 ___________________ 166 Mesma quantidade de testemunhas é válida para o procedimento relativo aos processos da competência do Tribunal do Júri, na sua primeira fase (judicium accusationis), em que se dá a instrução preliminar. Já, para serem ouvidas em plenário, ou seja, para a segunda deste procedimento (judicium causae), cada qual das partes poderá arrolar até 5 (cinco) testemunhas (art. 406, §§ 2º e 3º; e art. 422 do CPP, com a nova redação dada pela L.11.689, de 9.6.2008). Em se tratando de procedimento comum sumário, as partes poderão arrolar até 5 (cinco) testemunhas (art. 532, do CPP, com a nova redação dada pela Lei 11.719, de 20.06.2008). O mesmo número aplica-se para o procedimento da Lei Antidrogas (L. 11.343/2006, art. 54,III e 55, § 1º). 15.2 Quem pode ser testemunha Toda pessoa pode ser testemunha. Sendo intimada, a pessoa não pode eximir-se do dever de depor. Mas, se for possível obter ou integrar a prova do fato e de suas circunstâncias por outros meios, faculta-se a tomada de depoimento ou não a algumas pessoas (ver arts. 202 e 206, CPP). Quando inquiridas, estas pessoas serão ouvidas na condição de informantes. Por outro lado, a própria lei veda o depoimento de pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho (art. 207, CPP). 15.3 Compromisso de dizer a verdade Antecedendo a tomada de depoimento, a testemunha fará a promessa, sob palavra de honra, de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado (art. 203, CPP). No entanto, serão dispensados de prestar compromisso os doentes e deficientes mentais, os menores de 14 anos, bem como o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge ou ex-cônjuge, do acusado (arts. 208 e 203, do CPP). 15.4 Contradita e acareação Contraditar é impugnar a condição de testemunha válida arrolada pela parte contrária, conforme previsto no art. 214, do CPP. Quando isso ocorre o juiz deve consignar a argüição de contradita e a resposta da testemunha ao que contra ela tiver sido levantado. Em regra, não se exclui a testemunha e nem se deixa de deferir-lhe compromisso, salvo se ocorrer uma das hipóteses previstas nos arts. 207 ou 208 do CPP. Acareação é o ato mediante o qual se dá a confrontação, isto é, se colocam frente a frente (cara a cara) duas ou mais pessoas cujas declarações sobre fatos ou circunstâncias relevantes sejam conflitantes, a fim de que expliquem os pontos de divergência (ver arts. 229 e 230, do CPP). 21801009.pmd 166 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 145-175, julho/dezembro-2008 ___________________ 167 15.5 Exame direto da prova testemunhal: inquirição pelas partes Abandonando o sistema presidencial (ou judicial), mediante o qual somente a autoridade pode se dirigir à testemunha, ficando às partes atribuído o direito de tãosomente requerer suas perguntas ao julgador, o legislador, também neste passo, promove relevante modificação ao implementar o sistema de exame direto. Experiência maior nesse sentido se colhe no direito anglo-saxão, em especial no direito norte-americano, com a utilização da direct-examination (inquirição pela parte que arrolou a testemunha) e da cross-examination (inquirição pela parte contrária). Pela nova regra, as perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem introduzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. Vale dizer, a iniciativa da inquirição cabe agora às partes e o juiz poderá, logo após, a seu critério, complementar a inquirição sobre pontos não esclarecidos (art. 212, caput, e parágrafo único, do CPP, com a nova redação dada pela L. 11.690, de 09.06.2008). Como se vê, a modificação legislativa torna o processo penal mais democrático e impõe às partes a responsabilidade pela efetiva produção de prova em juízo (processo de partes). O contraditório sai fortalecido na medida em que se passa a reclamar intensa participação e fiscalização do acusador e do defensor. A presença física de todos durante a audiência é absolutamente indispensável. Mais do que isto, o acolhimento das alegações formuladas de parte a parte ao juízo criminal fica nitidamente subordinado ao efetivo desempenho profissional da acusação e da defesa, seja no momento da produção de provas, seja nos debates orais em audiência de instrução. E tudo isto sem inquinar a autoridade do juiz garantidor da legalidade, sobretudo quando este tiver de intervir para excluir indagações que possam induzir à resposta do depoente, ou que forem irrelevantes para o descobrimento da verdade e solução da causa, ou ainda quando importarem na repetição de outras já respondidas. 15.6 Características gerais do depoimento Para ser considerada prova testemunhal é mister que o depoimento seja prestado perante o juiz do processo, sem qualquer mediação (diz respeito à judicialidade do depoimento). Se a testemunha não conhecer a língua nacional, será nomeado intérprete para traduzir as perguntas e respostas (art. 223, do CPP). A testemunha tem o dever de comparecer a juízo para prestar depoimento, sob pena de ser conduzida coercitivamente e de ser processada pelo crime de desobediência (arts. 218 e 219, do CPP). Esta regra geral comporta algumas exceções, a saber: a) pessoas impossibilitadas de comparecer por enfermidade ou por velhice, podem ser inquiridas onde estiverem (art. 220, do CPP); b) o Presidente da República, os Governadores de Estados, membros do Legislativo e do Judiciário 21801009.pmd 167 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 145-175, julho/dezembro-2008 ___________________ 168 e outras autoridades relacionadas no art. 221, §§ 1º a 3º, podem prestar depoimentos em local, dia e hora previamente ajustados entre eles e o juiz. É da essência do depoimento a sua oralidade, mas não será vedada à testemunha breve consulta a apontamentos (art. 204 e parágrafo único, do CPP). Em casos excepcionais poderá o depoimento ser prestado por escrito. Admite-se este procedimento quando as testemunhas forem o Presidente e o Vice-Presidente da República, bem como os presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal (art. 221, § 1º, do CPP); e ainda será prestado nas mesmas condições o depoimento de surdo-mudo e de mudo (art. 192, II e III, do CPP). Convém, ainda, lembrar que a testemunha deve limitar-se a narrar os fatos de forma objetiva, não sendo permitida a manifestação de suas apreciações pessoais, salvo quando inseparáveis da narrativa do fato (art. 213, do CPP). E interessa que o depoimento se refira aos fatos pretéritos, sem alusões ao que pode acontecer no futuro. Determina o legislador que as testemunhas sejam inquiridas cada uma de per si, de modo que umas não saibam nem ouçam os depoimentos das outras, devendo o juiz adverti-las das penas cominadas ao falso testemunho. Vai além, ao estabelecer, que antes do início da audiência e durante a sua realização, serão reservados espaços separados para a garantia da incomunicabilidade das testemunhas (art. 210 e parágrafo único, com a nova redação dada pela L.11.690, de 9.6.2008). Reitera-se que se espera pronta ação do Judiciário no sentido de promover as alterações necessárias na própria infra-estrutura das Varas Criminais e dos Tribunais espalhados pelo País. 15.7 Depoimento colhido por carta precatória A oitiva de testemunha que resida fora da jurisdição do juízo será colhida por carta precatória, nos termos do art. 222, §§ 1º e 2º, do CPP. Na doutrina se indaga a questão relativa à obrigatoriedade, ou não, da intimação das partes, acerca da data e horário em que se deve dar o comparecimento perante o juízo deprecado. De acordo com a orientação jurisprudencial prevista na Súmula 273, do STJ, “intimada a defesa da expedição da carta precatória, torna-se desnecessária intimação da data da audiência no juízo deprecado”. Por outro lado, a Súmula 155 do STF, afirma ser relativa a nulidade do processo criminal por falta de intimação da expedição de precatória para inquirição de testemunha. 15.8 Videoconferência e retirada do réu da sala de audiência Em regra, o réu deve presenciar o depoimento da testemunha e do ofendido. Trata-se de respeitar o direito de confrontação, que se confere ao acusado na produção da prova oral (teoria do right of confrontation). Todavia, não se trata de regra absoluta, tanto que o legislador assim a excepciona: se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do 21801009.pmd 168 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 145-175, julho/dezembro-2008 ___________________ 169 depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor. Adotando qualquer destas medidas, o juiz a fará constar do termo de audiência, assim como os motivos que a determinaram (art. 217, caput, e parágrafo único, do CPP, com a nova redação dada pela L. 11.690, de 09.06.2008). Dois pontos podem ser destacados a respeito dessa nova sistemática. O primeiro refere-se ao desaparecimento da exigência contida na antiga redação do dispositivo, que impunha ao juiz verificar se a atitude do réu poderia influenciar no ânimo da testemunha, a ponto de prejudicar a verdade do depoimento, hipótese em que determinaria a retirada do réu da sala de audiência. Com a nova redação, simples atitude inercial do réu não justifica a sua retirada da sala de audiência. Para tanto é preciso que se coloque em risco o descobrimento da verdade mediante a possibilidade de o acusado causar humilhação (vexame, afronta, ultraje), temor (medo) ou sério constrangimento (coação). Deverá ao juiz fundamentar sua decisão numa dessas hipóteses, com expressa referência aos motivos que a determinaram, sob pena de nulidade do ato. Outro ponto a destacar consiste na autorização legal de utilização do sistema de videoconferência. É a inevitável penetração da tecnologia de informação, que aos poucos vai ingressando no procedimento penal, permitindo que determinados atos sejam praticados sem prejudicar as regras de garantia do devido processo legal. Mesmo em se tratando, a nosso ver, de regra de procedimento e considerando que a lei federal se aplica a todo País, é necessário que uma nova legislação venha estabelecer as exigências mínimas de operacionalização do sistema de videoconferência para o processo judicial. Em São Paulo, em algumas Varas Criminais da Justiça Estadual, já foram realizadas audiências desse gênero, visando superar as dificuldades que se apresentam em crimes graves e de apuração complexa, como no caso em que os ilícitos são praticados por organizações criminosas cujos autores estão recolhidos em presídios localizados em diversas localidades do Estado ou em outras unidades da Federação.7 16. Reconhecimento de pessoas ou coisas Reconhecimento é o ato mediante o qual uma pessoa verifica e identifica outra pessoa ou coisa que lhe é apresentada. Para que o reconhecimento seja válido, devese observar o procedimento estabelecido nos artigos 226 a 228, do CPP. Quando não é possível realizar o reconhecimento pessoal, admite-se o reconhecimento fotográfico. Departamentos tecnologicamente mais avançados da Polícia 7 Reitera-se aqui o que foi mencionado em nota de rodapé anexada ao item 12. Concordamos com a utilização do sistema de videoconferência e de forma mais abrangente tratamos deste e de outros assuntos correlatos no trabalho de nossa autoria, intitulado “Processo penal impulsionado pela tecnologia”, objeto de tese apresentada em 2008, no concurso de Livre-Docência da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 21801009.pmd 169 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 145-175, julho/dezembro-2008 ___________________ 170 vêm realizando o reconhecimento virtual, baseado em bancos de dados constantes de arquivos de computador. É comum questionar-se o valor probatório do reconhecimento fotográfico ou virtual. Porém, cabe ao julgador fundamentar a decisão valendo-se da somatória de outros elementos de prova. 17. Prova documental Além das espécies de prova documental mencionadas na definição legal, que considera documentos quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particulares (art. 232, do CPP), a doutrina majoritária, prefere conceituar o documento de modo mais abrangente, considerando-o todo objeto material que condense em si a manifestação de pensamento ou um fato, a ser reproduzido em juízo. Adequando-se às novas tecnologias colocadas à disposição da sociedade e da Justiça, é recomendável adotar-se conceito mais amplo, que abrange todo tipo de material visual, auditivo ou audiovisual, bem como as informações registradas em meios mecânicos, ópticos e magnéticos de armazenamento. Relativamente à classificação dos documentos, sua síntese se traduz da seguinte forma: a) quanto ao conteúdo, em escritos ou gráficos; b) quanto ao autor, em públicos ou privados; c) quanto ao grau de referência ao fato probando, em diretos ou indiretos; d) quanto à originalidade, em originais ou cópias. Outras especificações sobre a prova documental podem ser analisadas com base no que dispõem os arts. 232 a 238, do CPP. Quanto aos momentos de apresentação, salvo os casos expressos em lei, o documento poderá ser apresentado em qualquer fase do processo (regra geral do art. 231, do CPP). Todavia, no julgamento em plenário do Júri, não será permitida a leitura de documento ou exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte. Compreende-se nesta proibição a leitura de jornais ou qualquer outro documento escrito, assim como a exibição de vídeos, gravações, fotografias, laudos, quadros, croqui ou qualquer outro meio assemelhado, cujo conteúdo versar sobre a matéria de fato submetida à apreciação e julgamento dos jurados (art. 479 e parágrafo único, do CPP, com a nova redação dada pela Lei 11.689, de 09.06.2008). 18. Busca e apreensão A busca e apreensão não é propriamente um meio de prova, mas uma medida cautelar que visa à obtenção de elementos probatórios. A expressão encerra dois significados distintos: busca é ato destinado a procurar e encontrar pessoa ou coisa; apreensão é o ato pelo qual há apossamento e guarda da coisa ou de pessoa. Vem disciplinada no Código, em seus artigos 240 a 250. 21801009.pmd 170 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 145-175, julho/dezembro-2008 ___________________ 171 Pode ser determinada pelo juiz (art. 5º, XI, CF), de ofício, ou mediante representação da autoridade policial, ou ainda, a requerimento de qualquer das partes (art. 242, do CPP), nos seguintes momentos: a) antes da instauração do inquérito policial; b) no curso do inquérito; c) durante a instrução criminal; d) na fase de execução penal. Existem duas modalidades de busca: domiciliar e pessoal. Para efeito de cumprimento da ordem de busca domiciliar, entende-se que o termo domicílio abrange qualquer compartimento habitado ou aposento ocupado de habitação coletiva, incluindo também todo compartimento não aberto ao público onde alguém exercer profissão ou atividade (art. 246, c.c. o art. 150, § 4º, do CP). Entende-se que, em caso de prisão em flagrante efetuada no período noturno, se possa também efetuar a busca e apreensão de coisas. Busca pessoal. Consiste na revista de pessoa, a fim de que se localize e apreenda objeto previsto na lei processual penal. Pode ser determinada também pela autoridade policial. 19. Indícios Indício, do latim indicium (rastro, sinal, vestígio), é o fato ou a série de fatos pelos quais se pode chegar ao conhecimento de outros. Sua definição legal encontra-se no art. 239, do CPP. Geralmente se utiliza o termo no plural (indícios), precisamente por que se manifestam na pluralidade de vestígios ou rastros que integram as circunstâncias indiciárias. A ação penal reclama a demonstração da existência de indícios graves, precisos e concordantes. A gravidade se refere à verossimilhança deles, em virtude de que se possa induzir a existência do outro fato. Precisos, por que o vago, ou indeterminado, indefinido ou tudo aquilo que se considere impreciso não pode ter força de indício. Concordante, pois se não se estabelecer uma relação de interdependência entre os indícios e o fato a provar, não se pode tirar dele qualquer indução de que se somam. Os indícios compõem o quadro de prova indireta ou circunstancial. O valor probatório da prova indiciária, mais que qualquer outra, resultará da análise conjunta dos elementos de prova existentes. E, por configurarem meio de prova, o entendimento majoritário da doutrina é o de que os indícios podem servir de fundamento para decisão judicial condenatória ou absolutória. 20. Provas e sentença absolutória Esta sucinta exposição desenvolvida a respeito da teoria da prova não pode ser concluída antes de mencionarmos as modificações parciais que foram introduzidas na disciplina da sentença absolutória. De acordo com o art. 386, caput, do CPP, o juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça uma das seguintes situações explicitadas em seus incisos: I – estar provada a inexistência do fato; II – não 21801009.pmd 171 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 145-175, julho/dezembro-2008 ___________________ 172 haver prova da existência do fato; III – não constituir o fato infração penal; IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal (incluído pela Lei 11.689, de 09.06.2008); V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal (este texto constava anteriormente do inc. IV, sendo transferido para o inc. V pela Lei 11.689, de 09.06.2008); VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência (este texto corresponde parcialmente ao que constava do anterior inc. V, sendo agora modificado pela Lei 11.689, de 09.06.2008); VII – não existir prova suficiente para a condenação (este texto constava anteriormente do inc. VI, sendo transferido para o inc. VII pela Lei 11.689, de 09.06.2008). Digna de nota é a alteração que consiste em mais um fundamento legal para a absolvição: “estar provado que o réu não concorreu para a infração penal” (inc. IV). Formando o juiz o seu convencimento na certeza de que o acusado não concorreu para o crime, declarará a sentença absolutória, sendo que esta decisão impedirá que se proponha contra o inocentado eventual ação de reparação de danos no juízo cível (ver arts. 63 a 68, do CPP). Uma coisa é o juiz declarar que não existe prova da autoria; outra, bem distinta, é a sentença que declara estar provada a negativa de autoria. Nesta hipótese, o juiz criminal declara a quebra do nexo de causalidade8 entre o fato alegado e o resultado danoso para a vítima, de modo que o ofendido não mais poderá buscar provar o nexo de causalidade no âmbito de ação civil indenizatória. Cabe esclarecer que o inc. VI, na sua primeira parte, apenas corrige a numeração dos artigos do Código Penal, adequando-a em conformidade com a reforma da Parte Geral, promulgada em 1984. Mas, é na sua parte final que se apresenta outro novo fundamento legal para ser declarada a absolvição, isto é, quando “houver fundada dúvida sobre a existência” de circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena. Por exemplo: se houver fundada dúvida de que o réu agiu em legítima defesa, a solução do processo deverá ser absolutória. Ainda deve ser dito que o parágrafo único, do citado art. 386, estabelece que, na sentença absolutória, o juiz: I- mandará, se for o caso, pôr o réu em liberdade; II – ordenará a cessação das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas (nova redação dada pela Lei 11.689, de 09.06.2008); III – aplicará medida de segurança, se cabível. A novidade, como se vê, fica por conta do inc. II, que substitui a antiga determinação de cessação das penas acessórias provisoriamente aplicadas, aliás já extintas pela reforma de 1984 do Código Penal. Como exemplo de medida cautelar provisoriamente aplicada, podemos mencionar o seqüestro de bens do acusado. Bibliografia ANDRADE MOREIRA, Rômulo de. A reforma do Código de Processo Penal – Provas. http://www.migalhas.com.br/aspx - 24.07.2008. 8 SILVA, Ivan Luís Marques da, op. cit., p. 80. 21801009.pmd 172 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 145-175, julho/dezembro-2008 ___________________ 173 ANDREATO, Danilo; e ARAS, Vladimir. 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Direito à prova no processo peSão Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997. ___________; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Prova e sucedâneos da prova no processo penal. In: IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 65, março-abril de 2007, p. 175208. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. ___________ et allii. As nulidades no processo penal. 10 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 1999. GRINOVER, Ada Pellegrini et allii. As nulidades no processo penal. 10 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. MALAN, Diogo Rudge. Processo penal de partes: right of confrontation na produção da prova oral. Tese de doutorado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2008. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2004. NUCCI, Guilherme de Souza. 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I - Aspectos gerais A Lei n. 11.690/08, publicada em 10.06.2008, resultou da conversão do projeto de lei n. 4.205/01, um dos vários projetos apresentados pela intitulada “Comissão Ada Pellegrini Grinover” ao Ministério da Justiça, que por sua vez o encaminhou, como proposição do Poder Executivo, ao Congresso Nacional. A lei em questão altera dispositivos do Código de Processo Penal – CPP relativos à prova, entrando em vigor em 60 dias após a publicação, ou seja, em 09.08.2008, conforme dispõe seu art. 3º.1 Destaquem-se os seguintes pontos: a preocupação do legislador com a vítima do delito; a reformulação da prova pericial; a positivação de regras jurisprudenciais sobre prova ilícitas; a modificação do método de colheita da prova testemunhal, prestigiandose o papel das partes; a primeira previsão em lei federal da videoconferência, para oitiva de 1 Segundo o art. 8º, § 1°, da Lei Complementar n. 95/98, “A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral.” A lei n. 11.690/08 foi sancionada em 09.06.2008 e publicada em 10.06.2008. 21801009.pmd 179 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 179-196, julho/dezembro-2008 ___________________ 180 testemunhas; e a lamentável manutenção de poderes inquisitivos por parte do juiz, no que tange à produção probatória. A lei não resolverá o problema da morosidade do processo penal, pois os pontos de estrangulamento do sistema estão na fase do inquérito policial e na perpetuação do processo em instâncias superiores, temas que não foram objeto das alterações legislativas ora em comento. As normas em questão têm natureza exclusivamente processual penal, não versando sobre crimes e penas, e não se relacionando com o aumento ou a diminuição do poder punitivo estatal. Por essa razão, é desnecessário seja feita distinção, por ocasião da análise das novas normas, entre aquelas mais benéficas e aquelas mais gravosas ao indiciado ou réu para se saber sobre sua aplicação no tempo. É o caso, aqui, de sua aplicação imediata, mesmo aos processos já em curso, nos termos do art. 2º do CPP (princípio do efeito imediato da norma processual penal). Segue-se a regra de que a norma processual tem aplicação para o futuro, respeitados os atos processuais já praticados.2 Por exemplo, se houver designação de uma audiência em que serão inquiridas testemunhas para o dia em que a lei nova entrar em vigor, essa oitiva será feita conforme as novas regras (sistema de inquirição direta e cruzada pelas partes) e não pelas regras antigas (sistema presidencialista), ainda que vários atos processuais já tenham sido consumados naquele feito. O mesmo se diga em relação à suficiência de um perito, a partir da entrada em vigor da lei, para assinar os laudos que serão juntados aos autos, ainda que o objeto da perícia seja referente a fato delituoso praticado na vigência da lei antiga. II - Formação do convencimento judicial O antigo art. 157 do CPP (“O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova”) passou a ser o art. 155, acrescido de novos comandos normativos. Segundo o novo texto, “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”. O primeiro acréscimo diz respeito à exigência de que o juiz se ampare na prova produzida “em contraditório judicial”, isto é, durante o processo, permitindo-se, no entanto, que essa prova seja complementada por aquela produzida no inquérito policial. Ou seja, a prova que embasará uma condenação não poderá ser “exclusivamente” aquela produzida no inquérito, mas deve ser alicerçada e corroborada por prova produzida em contraditório. Trata-se de consagração legislativa dos entendimentos jurisprudenciais francamente predominantes,3 que buscam encontrar o equilíbrio entre os extremos da valoração 2 Nesse sentido, vide TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 25. ed. SP: Saraiva, 2003, p. 109-115. 3 Por todos, vide o RE 190.702 - rel. Min. Moreira Alves. j. 04.08.95 - 1ª Turma – STF, julgado este posterior à Constituição da República de 1988. 21801009.pmd 180 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 179-196, julho/dezembro-2008 ___________________ 181 excessiva da prova produzida no inquérito, quando não há ainda contraditório, e da valoração apenas da prova produzida em contraditório, com desprezo ao acervo reunido na fase de investigação. De fato, não há sentido em se negar valor probatório a um laudo de avaliação econômica, a uma interceptação telefônica ou a uma busca e apreensão na fase pré-processual da persecução criminal, ou ainda a um testemunho produzido na fase pré-processual que, embora não repetido após o início do processo, reforce a prova obtida em juízo. Se assim não fosse, a jurisprudência já teria se orientado no sentido da exclusão física das peças produzidas no inquérito policial dos autos do processo, o que não se verifica, entre nós.4 Repare-se que o acompanhamento cada vez mais corriqueiro de atos praticados durante o inquérito policial por advogados, bem como o acesso quase que irrestrito que os advogados vêm tendo aos autos desse procedimento de investigação, inclusive com a chancela dos Tribunais Superiores, retira parte dos argumentos daqueles que se batem contra a manutenção das peças inquisitoriais nos autos do processo. Como se vê, a nova lei deixa claro que a condenação não pode se dar somente com base na prova reunida na fase de investigação. Mas também ressaltou que a prova produzida na investigação e que seja de natureza pericial, ou irrepetível (é o caso de produção antecipada de prova, especialmente testemunhal, quando houver risco de falecimento ou desaparecimento da pessoa a ser ouvida), ou produzida cautelarmente (em sede de busca e apreensão, interceptação telefônica ou quebra de sigilo bancário e fiscal, por exemplo) poderá perfeitamente ensejar uma condenação. Os elementos colhidos durante o inquérito apenas servirão para confirmar a prova produzida em Juízo, nunca podendo ser a base da condenação. O antigo art. 155 passou a ser o parágrafo único do art. 155, sem alteração redacional: “No juízo penal, somente quanto ao estado das pessoas, serão observadas as restrições à prova estabelecidas na lei civil.” O legislador perdeu a oportunidade de extirpar esse resquício do sistema da prova legal (ou prova tarifada), ou seja, aquele sistema de apreciação de provas no qual determinados fatos somente poderiam ser provados de determinadas formas, e que foi superado pelo livre convencimento motivado do juiz (art. 93, IX, da Constituição da República). De qualquer forma, a regra parece sem sentido, porque nem mesmo no Juízo cível há restrições absolutas quanto aos meios de prova. Por exemplo: um casamento (ato jurídico que altera o estado das pessoas envolvidas) se prova, a princípio, pela certidão de realização do ato (art. 1.543, “caput”, do Código Civil). Ocorre que, se o cartório pegar fogo e as pessoas que se casaram não dispuserem de cópia da certidão de casamento, ou, na dicção da lei, “justificada a falta ou a perda do registro civil”, o ato poderá ser provado de outras formas (art. 1.543, parágrafo único, do Código Civil). Então, se, no fim das contas, a prova pode ser feita de qualquer forma, é desnecessária a previsão ora comentada. A respeito do ônus da prova, o art. 156 passou a ser o inciso II do art. 156, c/c “caput”, sem alterações significativas na redação: “Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: (...) II - determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para 4 A exclusão física dos elementos de investigação pré-processual (com exceção do corpo de delito e da provas produzidas antecipadamente, em incidente próprio) existe, por exemplo, na Itália. 21801009.pmd 181 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 179-196, julho/dezembro-2008 ___________________ 182 dirimir dúvida sobre ponto relevante.” Aqui como em outros momentos, a legislação processual penal busca imitar princípios e regras próprios do Direito Processual Civil. Ao invés de distribuir o ônus da prova de forma acima descrita (“a prova da alegação incumbirá a quem a fizer”), poderia ter o legislador explicitado que, no processo penal, cabe ao autor (Ministério Público ou querelante) provar a materialidade do fato (sua ocorrência); a sua autoria (quem o praticou ou concorreu para a sua prática); a sua tipicidade (correspondência a um tipo penal); a ilicitude da conduta do agente; a culpabilidade do agente; e ainda a punibilidade, e que, por outro lado, é ônus do réu desfazer a prova sobre os tópicos acima elencados, ou, ao menos, instalar dúvida significativa na mente do julgador a respeito da prova de tais elementos constitutivos da responsabilidade penal. Assim se distribuiria o ônus probatório no processo penal de forma mais consentânea com o princípio da presunção da não-culpabilidade. Aliás, independentemente da redação – antiga ou nova – do art. 156 do CPP, é assim que deve ser a distribuição do ônus da prova, à luz da Constituição da República. Fique claro que, com isso, não se quer afirmar que basta ao réu alegar uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade para se desincumbir de seu ônus probatório. Não. É muito comum o réu alegar em seu interrogatório que portou arma de fogo, sem registro ou autorização para tanto, porque estava sendo atual e seriamente ameaçado de morte, formulando, assim, tese defensiva que envolve a discussão da legítima defesa ou da inexigibilidade de conduta diversa. Mas essa alegação, por si só, não é suficiente para desfazer a prova da ilicitude e da culpabilidade. Deverá a alegação ser acompanhada de elementos que mostrem ser factível e provável a tese defensiva. Isso porque eventual atribuição ao Ministério Público do ônus da prova da inverdade da alegação do réu a respeito das exemplificadas ameaças constituiria “prova diabólica” (de impossível alcance). Só assim, com a implantação de dúvida relevante na mente do julgador, é que se poderia dizer que o réu desconstituiu (ou enfraqueceu) a prova da acusação. O mesmo se diga em relação ao réu que apresenta álibi, afirmando que estava em outra cidade por ocasião da prática do crime. Para afastar a prova da autoria, demonstrada pelo Ministério Público com testemunhos e reconhecimentos pessoais a fotográficos, é preciso que o réu convença o juiz, de forma idônea, de que sua tese é plausível, fazendo nascer dúvida relevante a respeito da autoria no espírito do julgador. Ainda sobre o art. 156 do CPP, continuará existindo o debate, já antigo na doutrina, sobre se essa iniciativa probatória do juiz enfraquece ou não o sistema acusatório (que tem como seus pilares a separação nítida entre as funções de acusar e julgar e a atribuição da gestão da prova às partes).5 5 A respeito, veja-se a crítica de COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda, ao juiz que está “afastado do ‘contraditório’ e sendo o senhor da prova, sai em seu encalço guiado essencialmente pela visão que tem (ou faz) do fato” (“O papel do novo juiz no processo penal”. Em: Crítica à teoria geral do direito processual penal. RJ/SP: 2001, p. 26). A própria ADA PELLEGRINI GRINOVER, uma das autoras do projeto que deu origem à lei em comento, entende que, durante a investigação, o Juiz tem apenas a função de determinar providências cautelares, e que sua iniciativa probatória deve se restringir à fase processual, já com a demanda proposta, ou pelo menos, que o Juiz que tenha atuado na investigação seja diferente do Juiz que conduzirá o processo (“A iniciativa instrutória do juiz no processo penal acusatório”. Em: A marcha do processo. RJ: Forense Universitária, 2000, p. 77-86). 21801009.pmd 182 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 179-196, julho/dezembro-2008 ___________________ 183 A novidade consiste na possibilidade de o juiz ordenar, também de ofício, “mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida” (art. 156, I, CPP). Essa produção antecipada de prova, mesmo antes do início da ação penal, tem que se dar em contraditório, na presença do juiz e de um defensor, em incidente próprio. A previsão expressa da possibilidade de produção antecipada de provas, durante o inquérito, é boa medida (antes, só havia a previsão do art. 225 do CPP, nesse sentido, referindo-se, então, o legislador, à instrução em Juízo). Ocorre que o juiz não deveria ser autorizado a fazê-lo de ofício, sem provocação do titular para o exercício da ação penal, antes mesmo dessa ação penal ser exercida. Há aqui lesão ao princípio da inércia e da iniciativa das partes. Chega a ser surreal pensar em uma oitiva de testemunha, em sede de produção antecipada de provas, determinada de ofício pelo juiz, a respeito de fato que o juiz sequer sabe se irá ser considerado criminoso pelo Ministério Público. III - Provas ilícitas Positivaram-se algumas normas sobre o tema das provas ilícitas. Até então, apenas a Constituição da República (art. 5º, LVI) e o próprio CPP, mas em outro capítulo (art. 233, em que se veda a utilização em Juízo de cartas obtidas por meios criminosos) tratavam diretamente da prova ilícita. A respeito, o art. 157 do CPP foi totalmente reformulado, passando a ser composto do “caput” e de quatro parágrafos. No “caput”, afirma-se a inadmissibilidade das provas ilícitas e a sanção (conseqüência) da declaração de ilicitude, a saber, o desentranhamento de tais peças dos autos do processo. Definiu-se ainda o que sejam provas ilícitas: são aquelas obtidas com violação a normas constitucionais ou legais. Ressalte-se que, doutrinariamente, as provas ilícitas são definidas como aquelas que afrontam normas de Direito Penal, ao passo que provas ilegítimas são aquelas que afrontam normas de Direito Processual Penal.6 A distinção não foi prestigiada no conceito que o legislador acabou de construir. Trata-se de verdadeira interpretação autêntica, ou seja, aquela feita pelo legislador ao definir um conceito jurídico. O legislador, numa demonstração de como a evolução da jurisprudência pode influir na política legislativa, passou a regular, em seguida, situações especiais relacionadas com a prova ilícita. Em primeiro lugar, tratou das chamadas provas ilícitas por derivação (frutos da árvore venenosa), que passam a ser, agora por determinação legislativa, também 6 Sobre tal diferenciação, vide, por todos, PACHECO, Denilson Feitoza. Direito processual penal. 3. ed. Impetus: Niterói, 2005, p. 810-811. 21801009.pmd 183 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 179-196, julho/dezembro-2008 ___________________ 184 ilícitas (art. 157, §1º, primeira parte, CPP). Nunca é demais lembrar que, desde o julgamento do HC 69.912, relatado pelo Min. Sepúlveda Pertence (por seis votos a cinco - DJ 25.03.94), o STF passou a entender que a prova ilícita contamina, por derivação, a prova com base nela obtida, ainda que de forma lícita. Em seguida, ressalvou-se que, quando não evidenciado o nexo de causalidade entre as provas (lícitas) derivadas das provas ilícitas, aquelas são admissíveis (art. 157, §1º, segunda parte, a “contrario sensu”, CPP). Prosseguindo, o legislador ressalvou que são admissíveis as provas (lícitas) derivadas das ilícitas quando puderem ser obtidas por uma fonte independente das provas ilícitas (art. 157, §1º, parte final, CPP), prestigiando-se, aqui também, antiga posição do STF sobre o tema (HC 74.599 - Rel. Min. Ilmar Galvão - 1ª Turma. j. 03.12.96).7 Em mais um exemplo de interpretação autêntica, o legislador definiu o que seja “fonte independente”, a saber: é “aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova” (art. 157, §2º, CPP). Tanto a regra da exclusão das provas ilícitas e daquelas que dela derivam, quanto as limitações a essas exclusões são influência nítida da jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos da América.8 Previu-se o incidente de inutilização da prova declarada inadmissível, após desentranhamento dos autos por decisão judicial, podendo as partes acompanhar o referido incidente (art. 157, §3º, CPP).9 Naturalmente, a destruição da prova só se pode dar após o trânsito em julgado (melhor dizendo, preclusão) da decisão que determinou o seu desentranhamento. Isso porque a prova pode ser ilícita na visão do juiz, mas é perfeitamente 7 No caso concreto, o STF admitiu que a interceptação telefônica – à época, considerada proibida, por falta de regulamentação da Constituição da República a respeito, por meio de lei ordinária – não foi a prova exclusiva que desencadeou a persecução criminal, e que essa interceptação telefônica somente corroborou as outras provas licitamente obtidas pela polícia. 8 Com efeito, em um primeiro momento, naquele País, a jurisprudência firmou entendimento de que as provas ilícitas devem ser excluídas do processo (são as “exclusionary rules”), assim como as provas dela derivadas (“fruits of the poisonous tree”). Posteriormente, no entanto, essa regra foi limitada em diversas situações, inclusive nas hipóteses agora previstas na lei processual penal brasileira, relacionadas com a obtenção de prova lícita por fonte independente da prova ilícita (é o caso da identificação dactiloscópica feita durante uma prisão ilegal, prova esta que foi anulada, mas depois obtida de forma lícita, valendo-se os investigadores das planilhas dactiloscópicas existentes em órgão de identificação oficial do Governo – caso Bynum v. U.S, 1960) e com a falta ou atenuação de nexo de causalidade entre a prova ilícita e as provas posteriormente obtidas (é o caso dos policiais que entram em uma residência sem justa causa e prendem ilegalmente certa pessoa, a qual, logo depois, acusou outra pessoa de lhe ter vendido drogas; esta outra pessoa, também presa ilegalmente, acusa um terceiro indivíduo, o qual também é preso ilegalmente. Dias depois do terceiro indivíduo ter sido libertado, ele confessa voluntariamente aos policiais seu envolvimento – caso Wong Sun v. U.S, 1963). Os exemplos são mencionados por PACHECO, Denílson Feitoza. Direito processual penal. Niterói: Impetus, 2005, p. 812 e seguintes, aqui e ali. Ainda sobre o tema da prova ilícita e sua eventual admissibilidade, em hipóteses excepcionais, vide ÁVILA, Thiago André Pierobom de. Provas ilícitas e proporcionalidade. RJ: Lumen Juris, 2007. 9 Na redação original do projeto de lei, a prova considerada ilícita seria arquivada, sigilosamente, em cartório judicial, e não destruída. 21801009.pmd 184 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 179-196, julho/dezembro-2008 ___________________ 185 possível que o Ministério Público, o assistente ou o querelante questione a decisão perante os Tribunais, obtendo entendimento de que a prova é lícita, podendo integrar os autos. Aliás, quanto ao recurso cabível, pela sistemática imaginada pela reforma, seria o recurso de agravo (vide projeto de lei n. 4.206/2001, e especificamente a nova redação que seria dada ao art. 581, VI, do CPP), sobre recursos criminais. Como esse projeto de lei ainda não teve sua tramitação concluída, é possível que se conclua que o recurso cabível seja o de apelação (art. 593, II, do CPP, por se tratar de decisão interlocutória com força de definitiva); ou o recurso em sentido estrito (art. 581, XIII, por se tratar de decisão que anula parcialmente a instrução). Finalmente, previu o legislador, no art. 157, §4º, que o juiz que conhecer o conteúdo da prova declarada inadmissível fica impedido de proferir a sentença ou acórdão. É que somente assim se preserva a imparcialidade do juiz que proferirá a sentença, evitandose a sua contaminação psicológica com o material desentranhado dos autos por ele mesmo. Deveria, pois, pela vontade do Congresso Nacional, o juiz passar os autos a seu substituto legal. Ocorre que o Presidente da República vetou o § 4º do art. 157, sob o argumento de que a nova regra acarretaria transtornos para o procedimento, e que seria inconveniente que um juiz que não conhecesse a prova passasse a conduzir o processo.10 Ora, o objetivo do afastamento do juiz que teve contato com a prova ilícita era justamente o de permitir que um outro magistrado, isento de compromisso com a prova maculada, pois com ela não teve contato, pudesse examinar a questão, sem comprometimento psicológico. É de se lamentar o veto, portanto. IV - Prova pericial Outro ponto da nova lei altera o regramento da prova pericial. Até então, exigia-se que dois peritos participassem do ato e assinassem o laudo pericial. Com a alteração na redação do art. 159, “caput”, basta agora que a perícia seja realizada por “perito oficial”. A expressão foi empregada no singular, ficando clara a intenção do legislador em se contentar, a partir de agora, com um perito. Assim, passa a ser a regra o que era exceção, a saber, a possibilidade de realização de exame por perito único, já prevista no art. 50, §1º, da Lei n. 11.343/06 - Lei de Entorpecentes, quanto ao exame preliminar em substância entorpecente. Por sinal, é razoável entender que, com a nova regra, fica também dispensada a par- 10 Mensagem de veto n. 350, de 09.06.2008: “O objetivo primordial da reforma processual penal consubstanciada, dentre outros, no presente projeto de lei, é imprimir celeridade e simplicidade ao desfecho do processo e assegurar a prestação jurisdicional em condições adequadas. O referido dispositivo vai de encontro a tal movimento, uma vez que pode causar transtornos razoáveis ao andamento processual, ao obrigar que o juiz que fez toda a instrução processual deva ser, eventualmente substituído por um outro que nem sequer conhece o caso. Ademais, quando o processo não mais se encontra em primeira instância, a sua redistribuição não atende necessariamente ao que propõe o dispositivo, eis que mesmo que o magistrado conhecedor da prova inadmissível seja afastado da relatoria da matéria, poderá ter que proferir seu voto em razão da obrigatoriedade da decisão coligada.” 21801009.pmd 185 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 179-196, julho/dezembro-2008 ___________________ 186 ticipação do segundo perito por ocasião da confecção do laudo definitivo na substância apreendida (a perícia definitiva, de confirmação da natureza da substância, é prevista na Lei n. 11.343/06, art. 50, §2º). Por outro lado, também no “caput” do art. 159 passou a ser exigido que o perito seja portador de diploma de curso superior, o que não era exigido anteriormente pelo Código (exigia-se apenas que os peritos fossem “oficiais”). Antevendo a falta de peritos oficiais em muitas localidades do Brasil, a nova lei repetiu, com outras palavras, mas sem alteração do sentido, a norma anterior do art. 159, §1º, CPP, prevendo que, na falta de perito oficial, o exame será realizado por duas pessoas idôneas, portadoras de curso de diploma superior preferencialmente na área específica do exame a ser realizado. Como se vê, se o perito não for oficial, volta a ser exigida a participação de duas pessoas para a realização da perícia, pessoas estas que devem ter curso superior. Trata-se de previsão razoável e lógica da lei. Entretanto, a expressão “preferencialmente” poderia ter sido evitada, pois a norma não tem, aqui, força cogente alguma, mas carrega em seu interior apenas uma sugestão, a qual poderá ser acatada ou não. Mantendo-se a regra anteriormente vigente, os peritos não oficiais deverão prestar compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo (art. 159, §2º, CPP). Novidade mesmo, a par da suficiência de um perito, caso seja ele oficial, fica por conta da possibilidade, prevista no novo art. 159, §3º, do CPP, de indicação de assistentes técnicos, para acompanhar a perícia e formular quesitos, pelas partes necessárias (Ministério Público - ou querelante - e acusado) e pela parte contingente (assistente da acusação - a nova lei fala também em ofendido, razão pela qual, ainda que sem se constituir formalmente como assistente da acusação, o ofendido terá legitimidade para tanto). A lei não menciona a legitimidade do indiciado ou do suspeito (sem indiciamento), ou seja, não trata explicitamente da possibilidade de indicação de assistente técnico na fase do inquérito. Naturalmente, não há razão para se impedir que tais pessoas apontem assistente técnico, caso queiram, ainda na fase investigativa da persecução criminal, embora não haja obrigatoriedade de notificação do investigado para tal. Aliás, o STF, em decisões recentes, vem sinalizando que há necessidade de se garantir ao indiciado o direito de produzir provas e de acompanhar certos atos durante o inquérito policial, e já teve a oportunidade de decidir que o investigado tem o direito de fazer juntar aos autos “laudo pericial” (na verdade, parecer do assistente técnico), em homenagem à amplitude de defesa (HC 92.599 - 2ª Turma Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 07.11.07). A lei é clara ao estabelecer que não há obrigatoriedade de indicação de assistente técnico por qualquer das partes, mas simples faculdade, ficando a critério dos sujeitos processuais decidir se o indicarão ou não. Esse assistente técnico atuará somente depois de ser admitido pelo juiz e após a conclusão dos exames e da elaboração do laudo pelos “peritos oficiais” (a expressão foi aqui empregada no plural, parecendo que o legislador se esqueceu de que não é mais necessário que dois peritos oficiais atuem, bastando um, ficando a exigência de dois peritos para o caso em que eles não são oficiais).11 As partes serão intimadas da decisão de admissão do assistente técnico (art. 159, §4º, CPP). Aqui, é 11 Observe-se que, por falta de técnica legislativa, permaneceram inalterados diversos dispositivos do CPP contendo a expressão “peritos” (no plural), a saber, art. 6º, I e II; art. 105; art. 112; art. 150, “caput” e §§ 1º e 2º; art. 160, “caput” e parágrafo único; art. 162, “caput”; e art. 165. 21801009.pmd 186 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 179-196, julho/dezembro-2008 ___________________ 187 de se questionar: o juiz deveria ter o poder de admitir ou inadmitir o assistente técnico indicado pela parte? Caso positivo, com qual fundamentação poderia se dar sua eventual inadmissão? Outra observação: diferentemente do que ocorre no Processo Civil, em que o assistente técnico acompanha a realização da perícia, inclusive formulando quesitos que serão respondidos no corpo do laudo, no Processo Penal essa intervenção somente ocorrerá após a juntada aos autos do laudo pericial. A nova lei faculta às partes requerer, com antecedência de 10 dias em relação à audiência, a oitiva dos peritos para esclarecimento da prova ou para resposta a quesitos, e neste último caso o perito poderá apresentar resposta em laudo complementar. Poderão, igualmente, apresentar pareceres redigidos pelo assistente técnico, em prazo a ser fixado pelo juiz, sendo que o assistente técnico poderá ser indicado para oitiva em audiência (art. 159, §5º, I e II, CPP). Diante dessa permissão da lei, é razoável concluir que a indicação do assistente técnico ou peritos para inquirição em audiência poderá se dar ainda que ultrapassadas as fases da denúncia e da resposta à peça acusatória,12 quando, a rigor, é feito o arrolamento de pessoas que serão inquiridas em Juízo. Previu-se também que, se houver requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação (art. 159, §6º, CPP). Trata-se de previsão redundante, eis que o art. 170 do Código já previa - e continua prevendo - que os peritos devem guardar material suficiente para e eventualidade de nova perícia. Talvez se tenha desejado destacar que o material que serviu de base à perícia não sairá das dependências do órgão pericial, evitando-se eventual extravio de tal material. Por fim, estabeleceu-se que, em caso de perícia complexa envolvendo mais de uma área de conhecimento especializado, mais de um perito oficial poderá ser designado, assim como a parte poderá indicar mais de um assistente técnico (art. 159, §7º, CPP). V -Oitiva do ofendido e das testemunhas - comunicações do ofendido Quanto a isso, a nova lei produziu diversas alterações relevantes, algumas das quais são destacadas a seguir. De acordo com a nova redação do art. 212 do CPP, as partes (Ministério Público ou querelante, como autores, e réu) formularão suas perguntas diretamente à testemunha, mas o juiz não admitirá as perguntas que puderem induzir a resposta, que não tiverem 12 Destaque-se que, a partir de 22.08.2008, quando entrou em vigor a Lei n. 11.719/08, a audiência para oitiva de testemunhas, ofendido, peritos e réu passou a ser única, desaparecendo a fase da defesa prévia (que tinha lugar após o interrogatório e antes da oitiva das testemunhas). Vide o novo art. 400 do Código de Processo Penal. 21801009.pmd 187 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 179-196, julho/dezembro-2008 ___________________ 188 relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida (“caput”). Somente após a inquirição feita pelas partes é que o juiz poderá complementar a inquirição (parágrafo único). Pela redação original do Código, autor e réu ocupavam posição cômoda e secundária nas audiências, somente realizando perguntas complementares quando - e se um ou outro ponto não foi abordado pelo juiz em sua inquirição, que é a principal. O sistema de inquirição presidencial, pelo qual é vedado às partes se dirigirem pessoal e diretamente às testemunhas, foi superado pela nova lei. Em seu lugar, adotou-se o sistema do “examinationin-chief” (inquirição direta ou principal, feita pela parte que arrolou a testemunha), seguindose a “cross examination” (feita pela parte contrária, em seguida).13 Após tomar o compromisso (se o caso) das pessoas que serão ouvidas, o juiz deve passar a palavra às partes. Membros do Ministério Público e advogados (do querelante, do assistente de acusação e do réu) deverão, daqui em diante, ter a consciência de que, como partes que são, têm o ônus de extrair das testemunhas as informações relevantes, inquirindo-as em primeiro lugar. Assim, devem se preparar para tal, estudando os autos com antecedência e, se possível, até participando de cursos para que aprendam a formular perguntas de forma eficiente, já que, até então, o juiz se incumbia de fazer as perguntas mais importantes, e, não raro, esgotava a inquirição com seus questionamentos, levando as partes a um certo comodismo. A inovação legislativa trata de prestigiar o papel das partes na aquisição da prova, permitindo-se maior imediação entre as partes e as testemunhas e vítimas, o que é louvável. O papel do juiz passa a ser aquele que lhe é conferido tipicamente: o de preservar as garantias fundamentais das partes, em especial garantindo que o contraditório e outros princípios processuais sejam atendidos plenamente, proporcionando condições para que as partes produzam a prova num ambiente que viabilize, no futuro, uma decisão justa. Daí seu poder de indeferir perguntas inúteis, impertinentes ou repetidas. Para que não haja dúvidas de que a ordem das perguntas foi alterada, tenha-se em vista que: a) a previsão das perguntas das partes está no “caput” do art. 212 do CPP, e a previsão de perguntas pelo juiz está somente no parágrafo único, devendo ser lembrado que o parágrafo único é acessório em relação ao “caput”; b) ao tratar das perguntas do juiz, o legislador empregou a expressão “poderá complementar a inquirição”. “Complementar” significa “tornar completo”, “concluir”, “rematar”, “preencher”, e só completa aquilo que se iniciou; c) a intenção do legislador foi nitidamente a de fortalecer o sistema acusatório, o que também foi a intenção do legislador constituinte, devendo-se ter em mente que permitir que as partes perguntem primeiro é mais compatível com o sistema acusatório do que a inquirição inicial pelo juiz; d) não faria sentido que o procedimento fosse “perguntas do juiz – perguntas das partes – complementação com perguntas do juiz”, como se se tratasse de uma espécie de “réplica” a ser exercida pelo juiz. 13 A respeito, vide RAMOS, João Gualberto Garcez. Curso de processo penal norte-americano. SP: RT, 2006, p. 190. 21801009.pmd 188 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 179-196, julho/dezembro-2008 ___________________ 189 Com isso, papel do juiz não fica amesquinhado: sua tarefa na audiência continua sendo muito relevante, devendo ele garantir o contraditório e impedir perguntas que induzam a testemunha. Por fim, embora a lei tenha se referido à ordem das perguntas na oitiva das testemunhas, não há razão para não se aplicar a nova regra também à oitiva do ofendido. Lamenta-se, apenas, que, no procedimento do júri, alterado substancialmente pela Lei n. 11.690/08, a ordem de formulação de perguntas tenha permanecido a mesma, iniciando-se os questionamentos pelo juiz (art. 473 do CPP), o que talvez se explique pela necessidade de esclarecimentos aos jurados (leigos). No entanto, tudo indica que não tenha sido proposital, mas apenas fruto de falta de técnica legislativa, a discrepância agora existente entre o procedimento de oitiva de testemunhas no júri e fora dele. O procedimento de realização do interrogatório não foi objeto de alteração,14 e, assim, tal ato continuará sendo realizado da mesma forma, conduzido pelo juiz, que formulará as questões que entender relevantes, e, após, abrirá ao autor (Ministério Público ou querelante) e ao réu a possibilidade de formulação de perguntas complementares. Como se vê, o rito da oitiva do réu (interrogatório) e da inquirição de testemunhas, que hoje era semelhante, passará a ser diferente. Atenção especial foi conferida pela nova lei ao ofendido (novo art. 201 do CPP). Em primeiro lugar, estabeleceu-se que o ofendido será comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem, sendo as comunicações feitas no endereço por ele indicado ou por meio eletrônico (art. 201, §§2º e 3º, CPP). O objetivo é claro e legítimo: dar à vítima um pouco mais de respeito no Processo Penal. A publicização, por meio do processo, dos conflitos intersubjetivos de natureza penal retirou a vítima do papel de protagonista desse conflito. Com a substituição da vingança privada pelo processo, a vítima passou a ocupar posição meramente acessória no processo.15 Recentes inovações na legislação brasileira (como a transação penal e a suspensão condicional do processo, previstas na Lei n. 9.099/95) buscam resgatar o papel da vítima no Processo Penal. Nesse contexto, a comunicação, à vítima, do resultado e dos desdobramentos do processo é atitude de respeito do Estado perante aquela pessoa que já foi fragilizada com a ofensa ao seu bem jurídico, e de quem o Estado subtraiu a administração do conflito (vitimização secundária). Aqui, algumas dúvidas podem surgir. É possível que o indiciado, na fase pré-processual da persecução criminal, esteja preso temporariamente ou em flagrante, mas seja solto, ainda antes da instauração do processo. Será necessária a intimação da vítima sobre essa soltura, interpretando-se extensivamente a expressão “acusado”? Se a razão jurí- 14 A não ser no procedimento do Tribunal do Júri, conforme a nova redação dada ao art. 474, § 1°, do CPP pela Lei n. 11.689/08, publicada na mesma datam, em vigor a partir de 09.08.2008: “O Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor, nessa ordem, poderão formular, diretamente, perguntas ao acusado.” Mas os jurados continuarão a fazer perguntas ao réu por intermédio do Juiz-presidente (novo art. 474, § 2°, CPP). 15 Nesse sentido, vide GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Criminologia: introdução a seus fundamentos teóricos. 2. ed. SP: RT, 1997, p. 65 e seguintes. 21801009.pmd 189 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 179-196, julho/dezembro-2008 ___________________ 190 dica é a mesma, a saber, prevenir a vítima da libertação do autor da ofensa ao seu bem jurídico, a resposta deve ser positiva. E se houver promoção de arquivamento jurídico do fato investigado no inquérito, pelo Ministério Público? Da mesma forma, a vítima deverá ser comunicada. E mais: mesmo se o acusado for solto no âmbito de um processo, pode ser que ele permaneça preso por outro processo. A vítima do primeiro processo deverá ser intimada de tal ato? Aqui, pensamos que não há essa necessidade, pois o objetivo da lei foi o de cientificar a vítima de que o acusado de praticar um delito contra si está em liberdade, pouco importando se pelo processo instaurado para apurar esse delito específico ou não. Quanto à comunicação das decisões, a lei se refere a sentenças e acórdãos que a confirmem ou a modifiquem, mas não parece razoável exigir que as decisões proferidas em sede de “habeas corpus” ou revisão criminal, ou mesmo em sede de execução penal, também tenham que ser comunicadas à vítima, mas apenas no processo de conhecimento para a apuração do delito. O prazo para o ofendido recorrer, habilitando-se como assistente de acusação, passa a ser contado da data da intimação da sentença (art. 598, “caput”, do CPP), e somente se a vítima na puder por qualquer razão ser intimada da sentença é que se aplica o prazo especial de 15 dias do art. 598, parágrafo único, do CPP. Todas essas comunicações podem ser implementadas mediante incorporação de novas rotinas cartorárias, que se somarão às rotinas de comunicações atualmente existentes (ao Ministério Público, ao Instituto Nacional de Identificação, ao Sistema Nacional de Armas, ao Delegado de Polícia, aos Institutos da Polícia Técnica e outras instituições e órgãos). Também em respeito ao ofendido, que, no Processo Penal, é titular de direitos tal e qual o réu, instituíram-se outras medidas salutares. É o caso da destinação de um espaço separado para o ofendido, antes do início da audiência e durante a sua realização (art. 201, §4º, CPP). Quanto ao espaço que lhe for destinado durante a audiência, não haverá necessidade de alteração da estrutura física das varas criminais, pois o ofendido pode ter assento em qualquer lugar à mesa que fica em frente ao juiz. No entanto, será necessário que o Poder Judiciário destine um local próprio, uma sala, no Fórum, para que as vítimas aguardem o momento de sua oitiva. Isso evitará as situações desagradáveis, constrangedoras e por vezes perigosas diante das quais se vêem comumente as vítimas, que não raro chegam à sede do Juízo para prestar declarações e se deparam com o réu - nos casos em que está solto - ou com familiares deste também aguardando a realização do ato processual do lado de fora da sala de audiências. A criação desse espaço físico servirá também para que as testemunhas e as vítimas, embora a lei não se refira a elas - permaneçam incomunicáveis umas em relação às outras (art. 210, parágrafo único, CPP), embora se saiba que, na prática, a audiência é (e continuará sendo) freqüentemente desmembrada pela ausência de algumas delas, casos em que se designa nova data para continuidade da audiência. Nessa hipótese, ninguém pode garantir que as testemunhas não conversarão umas com as outras. É o caso ainda da previsão de atendimento multidisciplinar para encaminhamento do ofendido, especialmente nas áreas psicossocial, de assistência jurídica e de saúde, às expensas do ofensor ou do Estado (art. 201, §5º, CPP). Quanto ao atendimento a cargo do Estado, ele já existe, ainda que timidamente, na prática, especialmente nos casos em que o crime deixou seqüelas psicológicas, cuidando o juiz ou o Ministério Público de fazer o encaminhamento da vítima a entidades de assistência vinculadas ao Estado (como é o 21801009.pmd 190 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 179-196, julho/dezembro-2008 ___________________ 191 caso da Secretaria Psicossocial do TJDFT) ou não (como é o caso de entidades não governamentais que prestam assistência psicológica a vítimas de violência sexual). A novidade está no fato de que o acusado pode ser o responsável pelo custeio de tal acompanhamento. Se o acusado se dispuser a fazê-lo por vontade própria, não haverá problemas, e inclusive sua atitude positiva pode ser sopesada por ocasião de eventual fixação de pena. No entanto, o que fazer quando o acusado se recusar a pagar por tais despesas, embora dispondo de recursos? Pode ser aventada a possibilidade de utilização da fiança eventualmente prestada pelo indiciado ou réu para essa destinação, ao lado daquela destinação tradicional (custas processuais, multa penal e indenização do dano causado pelo delito – art. 336, “caput”, do CPP). No entanto, havendo posterior absolvição, como devolver ao réu a fiança que foi utilizada para custear o tratamento psicológico da vítima? Por tudo isso, em caso de não cooperação espontânea do réu, a não ser que surja solução criativa para o problema, o novo dispositivo legal pode se tornar letra morta. Além disso, o juiz adotará as providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo decretar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimento e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação (art. 201, §6º, CPP). Os abusos da imprensa foram o mote evidente para a inclusão de tal norma, eis que os meios de comunicação social às vezes elegem as notícias que divulgam não pelo seu interesse social, mas pela sua potencialidade de incremento de venda de jornais e de índices de audiência televisiva, nem sempre se preocupando com a intimidade dos envolvidos na relação processual penal, seja o réu, seja a vítima. É certo que a publicidade é um princípio constitucional, mas sem dúvida tal princípio está sujeito a diversas exceções, constantes, tanto do texto da Constituição da República (art. 93, IX, parte final, e art. 5º, LX) quanto de leis infra-constitucionais (art. 20; atual art. 485 - antigo art. 481; art. 792, §1º, todos do CPP; art. 143, da Lei n. 8.069/90 Estatuto da Criança e do Adolescente; art. 3º, §3º, da Lei n. 9.034/95; art. 1º, parte final, da Lei n. 9.296/96). Por tal razão, a nova lei nada tem de inconstitucional, pois foi guiada, neste ponto, pela “defesa da intimidade” e pelo “interesse social”, parâmetros de que se valeu expressamente a Constituição para regular a limitação à publicidade. Embora a lei não tenha trazido essa previsão de forma expressa, é evidente que o juiz poderá também determinar o segredo de justiça em relação a dados que possam comprometer a segurança da vítima, determinando, por exemplo, seja extraída cópia de todas as peças das quais conste o endereço da vítima, colocando-se-as em envelope próprio guardado no Cartório, sendo que, na cópia que permanecerá nos autos, tais endereços serão riscados. Trata-se de medida extremamente conveniente quando há notícia de intimidações feitas pelo réu ou sua família à vítima, ou quando o réu é pessoa notoriamente perigosa. O fundamento para tal é o direito do cidadão (no caso, vítima) de exigir do Estado segurança e respeito à sua dignidade humana (Preâmbulo, art. 1º, III; art. 5º, “caput”; art. 6º, “caput”; e art. 144, “caput”, todos da Constituição da República). 21801009.pmd 191 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 179-196, julho/dezembro-2008 ___________________ 192 VI - Videoconferência e retirada do réu da sala de audiências Conferindo nova redação ao art. 217 do CPP, a nova lei previu que, por ocasião da oitiva do ofendido ou da testemunha,”se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor. Parágrafo único. A adoção de qualquer das medidas previstas no ‘caput’ deste artigo deverá constar do termo, assim como os motivos que a determinaram.” Aqui, houve alterações substanciais em relação à redação original do art. 217 do CPP. A grande novidade fica por conta da possibilidade de oitiva de testemunhas por videoconferência, nas hipóteses ali elencadas. Pela primeira vez na legislação federal, há a previsão da videoconferência. Evidentemente, surgirá aceso debate acerca da constitucionalidade dessa previsão. Uma prévia do que está por vir pode ser percebida no julgamento do HC 88.914, em que a 2ª Turma do STF (relator Min. Cezar Peluso, j. 14.08.07) considerou nulo um processo penal que tramitou após o réu ser interrogado via videoconferência. Há, porém, algumas diferenças entre o caso enfrentado pelo STF e a situação prevista na nova lei. Lá, tratava-se de interrogatório por videoconferência; aqui, previu-se apenas a inquirição de testemunhas e ou vítimas. Por isso, certos argumentos contrários à videoconferência, do tipo “o réu que será interrogado via videoconferência pode ser pressionado no presídio pelos agentes penitenciários confessar o crime” não têm validade para o caso da inquirição de testemunhas. De certo, esse argumento não pode inquinar a inquirição de uma testemunha por videoconferência, eis que dificilmente alguém poderá dizer que eventuais pressões feitas ao réu, por parte de quem quer que seja, poderiam influir no teor do depoimento das vítimas e testemunhas. Outra diferença: no caso apreciado pelo STF, não havia lei regulamentando a prática da videoconferência. Agora há lei federal. E, no julgamento do “habeas corpus” acima mencionado, o Min. Gilmar Mendes admitiu discutir melhor a questão, quando - e se - houvesse a edição de uma lei sobre o assunto. Finalmente, a questão ainda está em aberto. Com efeito, os Min. Cezar Peluso, Celso de Mello e Eros Grau registraram que, ainda que houvesse edição de lei sobre o tema, o emprego da videoconferência teria que ser limitado a casos excepcionais, implicitamente admitindo a possibilidade de tal meio de realização do ato processual. Finalmente, vários Ministros do STF (a saber, o Min. Joaquim Barbosa - integrante da 2ª Turma e que não participou daquele julgamento - e todos os membros da 1ª Turma) ainda não se manifestaram sobre o tema. Pela redação do novo dispositivo, imagina-se que o réu permanecerá na sala de audiências, ao passo que a vítima passará a ser inquirida em sala separada, onde será instalado o equipamento de videoconferência, o que, em parte, resolverá o problema da segurança da vítima e da testemunha. É interessante que o juiz cuide para que o réu não visualize a imagem da vítima ou testemunha prestando declarações ou depoimento no sistema 21801009.pmd 192 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 179-196, julho/dezembro-2008 ___________________ 193 de videoconferência, para evitar que ele, percebendo que foi reconhecido ou que foi delatado por tais sujeitos processuais, não tente guardar suas feições para futura e eventual vingança. Infelizmente há casos em que essa cautela de desconfiança em relação ao réu é necessária. Seu direito de presença em audiência não envolve necessariamente o direito de ver a vítima ou a testemunha. Estipula a nova lei: verificando a inconveniência da presença do réu em audiência, e não sendo possível no caso concreto a videoconferência, o juiz deverá fazer retirar o réu da sala. Quanto a isso, há algumas diferenças em relação à redação original do CPP. Em primeiro lugar, na redação original, a retirada do réu da sala de audiências tinha que se fundar na “atitude do réu”,16 que pudesse “influir no ânimo da testemunha”, de modo a prejudicar a verdade do depoimento. Na vigência da redação original do CPP, a jurisprudência abrandou em grande medida essa exigência, passando a considerar que, para a retirada do réu da sala, bastava o “temor por parte de testemunhas ou vítimas” (STJ - HC 62.393, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 04.10.07 – 6ª Turma). O STF, por diversas vezes, adotou o mesmo entendimento (vide HC 67.711 - rel. Min. Ricardo Lewandowski - j. 04.03.06 - 1ª. Turma - no julgamento, decidiu-se que é legítima a retirada do réu da sala de audiência por solicitação da vítima, com consignação do fato no termo de audiência; HC 68.819 - rel. Min. Celso de Mello - j. 05.11.91 - 1ª Turma - neste caso, as vítimas e testemunhas, caixas bancários e agentes de segurança da instituição bancária vítima de roubo pediram ao Juízo a retirada do réu da sala de audiências, sendo atendidos). Esse abrandamento é legítimo, porque os auxiliares da Justiça (vítima e testemunhas) também merecem, ao lado do réu, a proteção do Direito Penal e do Direito Processual Penal, registrando-se não ser razoável que se exija de tais pessoas, que muitas vezes ficaram sob o jugo de uma arma de fogo empregada pelo réu, a prática de atos de heroísmo, sendo obrigadas a ficar frente e frente com esse réu sem qualquer anteparo a lhes proteger. É certo que o direito de presença do réu às audiências criminais lhe é assegurado pela Constituição da República (art. 5º, LII, que trata do devido processo legal, o qual abarca a ampla defesa e o contraditório, sendo que, por sua vez, a ampla defesa engloba o direito de presença, o direito a um advogado e o direito à auto-defesa) e pela Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica, art. 8º, I). Não menos certo é, contudo, que nenhum direito é absoluto. Prova maior dessa afirmação é a possibilidade de absolvição de uma pessoa que tenha matado outrem, ofendendo o bem jurídico-penal mais valioso, que é a vida, desde que tenha atuado em estrito cumprimento do dever legal ou em legítima defesa, só para citar duas formas de exclusão da ilicitude.Da mesma forma, o direito de presença física do réu dentro da sala de audiências, durante a oitiva de testemunhas ou vítimas, não é absoluto. Evidentemente, seu advogado terá que estar presente em todas as oportunidades. Mas a presença do réu, propriamente dita, pode lhe ser vedada quando o interesse público o exigir. 16 Quer durante a prática do fato criminoso (dominando a vítima com violência ou grave ameaça, por exemplo), quer após o fato criminoso, mas antes da audiência (intimidando a vítima ou a testemunha), quer durante a audiência (olhando de forma fixa e ameaçadora para a pessoa que será ouvida). 21801009.pmd 193 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 179-196, julho/dezembro-2008 ___________________ 194 A razão jurídica dessa norma é evidente: evitar que o réu influencie o depoimento da testemunha ou as declarações da vítima, o que se tornaria um obstáculo à produção probatória eficiente por parte da acusação e da defesa. Não se deve esquecer que o direito ao contraditório assiste não só ao réu, mas também ao autor, seja ele o Ministério Público - representando a sociedade -, seja ele o querelante. Analisando-se o texto da lei, verifica-se que são os seguintes requisitos para a retirada do réu da sala de audiências: a) que seja verificado, pelo juiz (de ofício ou por provocação de quem quer que seja), que a presença do réu na sala de audiências pode causar humilhação, terror ou sério constrangimento à testemunha ou vítima; b) que, em decorrência disso, possa haver influência prejudicial à obtenção da verdade do depoimento; c) que o juiz registre na ata de audiência o ocorrido e os motivos que determinaram a retirada do réu da sala de audiências (a importância de tal registro reside em se proporcionar ao Tribunal, em caso de recurso, a possibilidade de sopesar a razoabilidade da medida); d) que, em todo caso, o advogado do réu permaneça na sala de audiências, somente assim podendo o defensor velar pelos interesses jurídicos do réu, o que decorre naturalmente da necessidade de obediência ao contraditório e à ampla defesa; e e) que seja inviável a realização de videoconferência. Jamais se reconheceu eventual inconstitucionalidade - ou não-recepção pela ordem jurídico-constitucional inaugurada em 1988 - do art. 217 do CPP, em sua redação original, porque a razão jurídica que o sustentava era forte, e a mesma postura deve ser assumida pela jurisprudência em relação ao art. 217, com sua nova redação.Parte-se aqui do pressuposto de que se deve extrair da norma interpretação a mais ampla o possível, de forma que sua razão jurídica seja atendida, ou seja, de forma a criar condições para o livre depoimento da pessoa que será ouvida. VII - Fundamentos para a absolvição do réu O novo tratamento das provas ensejou ligeiras modificações no art. 386 do CPP, que trata dos fundamentos possíveis para a absolvição penal. Basicamente, criou-se mais um fundamento (previsto no novo inciso IV), a saber, a absolvição por “estar provado que o réu não concorreu para a infração penal”. A redação original do CPP era lacunosa a esse respeito, não se contemplando, ali, um fundamento próprio para essa situação. O juiz, verificando que havia certeza de que o réu não havia concorrido para a infração penal, tinha que se contentar em absolvê-lo “por insuficiência de provas” (antigo inciso VI do art. 386 do CPP). A repercussão na esfera cível é diferente, caso fique provado que o réu não concorreu para a infração penal, em relação à situação em que o réu foi absolvido por falta de provas. É que, no primeiro caso, a absolvição faz coisa julgada na seara cível, e, no segundo 21801009.pmd 194 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 179-196, julho/dezembro-2008 ___________________ 195 caso, não. Portanto, a mudança foi significativa. Com isso, renumeraram-se alguns incisos do art. 386, CPP, ora com alteração de redação, ora não. De fato, renumerou-se o inciso IV (que passou a ser o inciso V, o qual trata da absolvição por “não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal”, sem qualquer alteração de redação). Renumerou-se ainda o inciso V (que passou a ser o inciso VI, o qual trata da absolvição por “existir circunstâncias que exclua o crime ou isente o réu de pena, ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência”, destacando-se a alteração na redação quanto à menção dessas circunstâncias, agora feita a dispositivos da Parte Geral de 1984 do Código Penal, a saber, arts. 20, 21, 22, 23, 26 e 28, §1º, do CP). Passou a ficar expresso que a absolvição poderá se dar também quando, embora não esteja provada a circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena, haja “fundada dúvida sobre sua existência”. Ou seja, privilegia-se o entendimento, acertado, de que ao réu basta plantar dúvida razoável (mas não qualquer dúvida) no espírito do julgador, para que obtenha a absolvição, recaindo o ônus probatório (da autoria, materialidade, tipicidade, ilicitude, culpabilidade e punibilidade) sobre os ombros da acusação. Até então, ao absolver o réu por estar em dúvida relevante sobre se ele agiu ou não em legítima defesa, o juiz tinha que se valer do art. 386, VI (agora VIII), ou seja, o fundamento da absolvição era a insuficiência de provas para a condenação. Finalmente, o inciso VI passou a ser o inciso VII: o juiz absolverá o réu quando “não existir prova suficiente para a condenação.” No inciso II do parágrafo único do art. 386, CPP, onde estava escrito que o juiz “ordenará a cessação das penas acessórias provisoriamente aplicadas”, agora se vê escrito que ele “ordenará a cessação das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas”, isso porque, desde a edição da Nova Parte Geral de Código Penal, em 1984, não existem mais penas acessórias (que eram a perda da função pública, a publicação da sentença e a interdição de direitos - hoje, tratam-se de efeitos da sentença penal condenatória). VIII - Considerações finais Essas foram observações iniciais sobre o novo tratamento da prova penal trazido pela Lei n. 11.690/08. Uma análise mais aprofundada, especialmente à luz da aplicação prática de seus dispositivos e a sua recepção pela jurisprudência, poderá indicar se o avanço foi significativo. É bom lembrar que a lei é resultado de um dos vários projetos de lei apresentados em 2001 pelo Poder Executivo e que se propuseram, em seu conjunto, á reformulação do CPP. Ressalte-se que, na mesma data em que o projeto de lei n. 4.205/01 se converteu na Lei n. 11.690/08, ora comentada, o projeto de lei n. 4.203/01 se transformou na Lei n. 11.689/08, alterando significativamente o procedimento de apuração dos crimes dolosos contra a vida (Tribunal do Júri). Dias depois, o projeto de lei n. 4.207/01, que trata da “emendatio libelli”, da “mutatio libelli”, da suspensão do processo e de outros temas foi definitivamente aprovado pelo Congresso Nacional, sancionado pelo Presidente da República e publicado (em 23.06.2008, com “vacatio legis” de 60 dias, tendo entrado em vigor 21801009.pmd 195 15/10/2008, 10:52 Revista da ESMP - ano 1, n 1, vol. 2, p. 179-196, julho/dezembro-2008 ___________________ 196 em 22.08.08), o mesmo não tendo ocorrido ainda com os outros projetos, que tratam dos recursos, da investigação criminal, das medidas cautelares, do interrogatório e de outros importantes temas processuais penais. 21801009.pmd 196 15/10/2008, 10:52 LEI Nº 11.719, DE 20 DE JUNHO DE 2008. Altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 Código de Processo Penal, relativos à suspensão do processo, emendatio libelli, mutatio libelli e aos procedimentos. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1o Os arts. 63, 257, 265, 362, 363, 366, 383, 384, 387, 394 a 405, 531 a 538 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, passam a vigorar com a seguinte redação, acrescentando-se o art. 396-A: “Art. 63. ...................................................................... Parágrafo único. Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art. 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido.” (NR) “Art. 257. Ao Ministério Público cabe: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma estabelecida neste Código; e II - fiscalizar a execução da lei.” (NR) “Art. 265. O defensor não poderá abandonar o processo senão por motivo imperioso, comunicado previamente o juiz, sob pena de multa de 10 (dez) a 100 (cem) salários mínimos, sem prejuízo das demais sanções cabíveis. § 1o A audiência poderá ser adiada se, por motivo justificado, o defensor não puder comparecer. § 2o Incumbe ao defensor provar o impedimento até a abertura da audiência. Não o fazendo, o juiz não determinará o adiamento de ato algum do processo, devendo nomear defensor substituto, ainda que provisoriamente ou só para o efeito do ato.” (NR) 21801009.pmd 197 15/10/2008, 10:52 “Art. 362. Verificando que o réu se oculta para não ser citado, o oficial de justiça certificará a ocorrência e procederá à citação com hora certa, na forma estabelecida nos arts. 227 a 229 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil. Parágrafo único. Completada a citação com hora certa, se o acusado não comparecer, ser-lhe-á nomeado defensor dativo.” (NR) “Art. 363. O processo terá completada a sua formação quando realizada a citação do acusado. I - (revogado); II - (revogado). § 1o Não sendo encontrado o acusado, será procedida a citação por edital. § 2o (VETADO) § 3o (VETADO) § 4o Comparecendo o acusado citado por edital, em qualquer tempo, o processo observará o disposto nos arts. 394 e seguintes deste Código.” (NR) “Art. 366. (VETADO) § 1o (Revogado). § 2o (Revogado).” (NR) “Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave. § 1o Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei. § 2o Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão encaminhados os autos.” (NR) “Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente. § 1o Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento, aplica-se o art. 28 deste Código. § 2o Ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 (cinco) dias e admitido o aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora para continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento. 21801009.pmd 198 15/10/2008, 10:52 § 3o Aplicam-se as disposições dos §§ 1o e 2o do art. 383 ao caput deste artigo. § 4o Havendo aditamento, cada parte poderá arrolar até 3 (três) testemunhas, no prazo de 5 (cinco) dias, ficando o juiz, na sentença, adstrito aos termos do aditamento. § 5o Não recebido o aditamento, o processo prosseguirá.” (NR) “Art. 387. .......................................................................... ...................................................................................................... II - mencionará as outras circunstâncias apuradas e tudo o mais que deva ser levado em conta na aplicação da pena, de acordo com o disposto nos arts. 59 e 60 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal; III - aplicará as penas de acordo com essas conclusões; IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido; ........................................................................................................ Parágrafo único. O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta.” (NR) “Art. 394. O procedimento será comum ou especial. § 1o O procedimento comum será ordinário, sumário ou sumaríssimo: I - ordinário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade; II - sumário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade; III - sumaríssimo, para as infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da lei. § 2o Aplica-se a todos os processos o procedimento comum, salvo disposições em contrário deste Código ou de lei especial. § 3o Nos processos de competência do Tribunal do Júri, o procedimento observará as disposições estabelecidas nos arts. 406 a 497 deste Código. § 4o As disposições dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código. § 5o Aplicam-se subsidiariamente aos procedimentos especial, sumário e sumaríssimo as disposições do procedimento ordinário.” (NR) “Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I - for manifestamente inepta; 21801009.pmd 199 15/10/2008, 10:52 II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou III - faltar justa causa para o exercício da ação penal. Parágrafo único. (Revogado).” (NR) “Art. 396. Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias. Parágrafo único. No caso de citação por edital, o prazo para a defesa começará a fluir a partir do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído.” (NR) “Art. 396-A. Na resposta, o acusado poderá argüir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário. § 1o A exceção será processada em apartado, nos termos dos arts. 95 a 112 deste Código. § 2o Não apresentada a resposta no prazo legal, ou se o acusado, citado, não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por 10 (dez) dias.” “Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou IV - extinta a punibilidade do agente.” (NR) “Art. 398. (Revogado).” (NR) “Art. 399. Recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente. § 1o O acusado preso será requisitado para comparecer ao interrogatório, devendo o poder público providenciar sua apresentação. § 2o O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença.” (NR) “Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado. 21801009.pmd 200 15/10/2008, 10:52 § 1o As provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias. § 2o Os esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requerimento das partes.” (NR) “Art. 401. Na instrução poderão ser inquiridas até 8 (oito) testemunhas arroladas pela acusação e 8 (oito) pela defesa. § 1o Nesse número não se compreendem as que não prestem compromisso e as referidas. § 2o A parte poderá desistir da inquirição de qualquer das testemunhas arroladas, ressalvado o disposto no art. 209 deste Código.” (NR) “Art. 402. Produzidas as provas, ao final da audiência, o Ministério Público, o querelante e o assistente e, a seguir, o acusado poderão requerer diligências cuja necessidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução.” (NR) “Art. 403. Não havendo requerimento de diligências, ou sendo indeferido, serão oferecidas alegações finais orais por 20 (vinte) minutos, respectivamente, pela acusação e pela defesa, prorrogáveis por mais 10 (dez), proferindo o juiz, a seguir, sentença. § 1o Havendo mais de um acusado, o tempo previsto para a defesa de cada um será individual. § 2o Ao assistente do Ministério Público, após a manifestação desse, serão concedidos 10 (dez) minutos, prorrogando-se por igual período o tempo de manifestação da defesa. § 3o O juiz poderá, considerada a complexidade do caso ou o número de acusados, conceder às partes o prazo de 5 (cinco) dias sucessivamente para a apresentação de memoriais. Nesse caso, terá o prazo de 10 (dez) dias para proferir a sentença.” (NR) “Art. 404. Ordenado diligência considerada imprescindível, de ofício ou a requerimento da parte, a audiência será concluída sem as alegações finais. Parágrafo único. Realizada, em seguida, a diligência determinada, as partes apresentarão, no prazo sucessivo de 5 (cinco) dias, suas alegações finais, por memorial, e, no prazo de 10 (dez) dias, o juiz proferirá a sentença.” (NR) “Art. 405. Do ocorrido em audiência será lavrado termo em livro próprio, assinado pelo juiz e pelas partes, contendo breve resumo dos fatos relevantes nela ocorridos. § 1o Sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações. § 2o No caso de registro por meio audiovisual, será encaminhado às partes cópia do registro original, sem necessidade de transcrição.” (NR) “Art. 531. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 30 (trinta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, se 21801009.pmd 201 15/10/2008, 10:52 possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se, finalmente, ao debate.” (NR) “Art. 532. Na instrução, poderão ser inquiridas até 5 (cinco) testemunhas arroladas pela acusação e 5 (cinco) pela defesa.” (NR) “Art. 533. Aplica-se ao procedimento sumário o disposto nos parágrafos do art. 400 deste Código. § 1o (Revogado). § 2o (Revogado). § 3o (Revogado). § 4o (Revogado).” (NR) “Art. 534. As alegações finais serão orais, concedendo-se a palavra, respectivamente, à acusação e à defesa, pelo prazo de 20 (vinte) minutos, prorrogáveis por mais 10 (dez), proferindo o juiz, a seguir, sentença. § 1o Havendo mais de um acusado, o tempo previsto para a defesa de cada um será individual. § 2o Ao assistente do Ministério Público, após a manifestação deste, serão concedidos 10 (dez) minutos, prorrogando-se por igual período o tempo de manifestação da defesa.” (NR) “Art. 535. Nenhum ato será adiado, salvo quando imprescindível a prova faltante, determinando o juiz a condução coercitiva de quem deva comparecer. § 1o (Revogado). § 2o (Revogado).” (NR) “Art. 536. A testemunha que comparecer será inquirida, independentemente da suspensão da audiência, observada em qualquer caso a ordem estabelecida no art. 531 deste Código.” (NR) “Art. 537. (Revogado).” (NR) “Art. 538. Nas infrações penais de menor potencial ofensivo, quando o juizado especial criminal encaminhar ao juízo comum as peças existentes para a adoção de outro procedimento, observar-se-á o procedimento sumário previsto neste Capítulo. § 1o (Revogado). § 2o (Revogado). § 3o (Revogado). § 4o (Revogado).” (NR) Art. 2o Esta Lei entra em vigor 60 (sessenta) dias após a data de sua publicação. 21801009.pmd 202 15/10/2008, 10:52 Art. 3o Ficam revogados os arts. 43, 398, 498, 499, 500, 501, 502, 537, 539, 540, 594, os §§ 1º e 2º do art. 366, os §§ 1º a 4º do art. 533, os §§ 1º e 2º do art. 535 e os §§ 1º a 4º do art. 538 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal. Brasília, 20 de junho de 2008; 187o da Independência e 120o da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Tarso Genro Este texto não substitui o publicado no DOU de 23.6.2008 21801009.pmd 203 15/10/2008, 10:52 21801009.pmd 204 15/10/2008, 10:52 LEI Nº 11.690, DE 9 DE JUNHO DE 2008. Altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos à prova, e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1o Os arts. 155, 156, 157, 159, 201, 210, 212, 217 e 386 do Decreto-Lei n 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, passam a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil.” (NR) “Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.” (NR) “Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. § 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. § 2o Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. o 21801009.pmd 205 15/10/2008, 10:52 § 3o Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente. § 4o (VETADO) “Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior. § 1o Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame. § 2o Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo. § 3o Serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de assistente técnico. § 4o O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as partes intimadas desta decisão. § 5o Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à perícia: I – requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos, desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas em laudo complementar; II – indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência. § 6o Havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação. § 7o Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um perito oficial, e a parte indicar mais de um assistente técnico.” (NR) “CAPÍTULO V DO OFENDIDO Art. 201. Sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações. 21801009.pmd 206 15/10/2008, 10:52 § 1o Se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo, o ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade. § 2o O ofendido será comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem. § 3o As comunicações ao ofendido deverão ser feitas no endereço por ele indicado, admitindo-se, por opção do ofendido, o uso de meio eletrônico. § 4o Antes do início da audiência e durante a sua realização, será reservado espaço separado para o ofendido. § 5o Se o juiz entender necessário, poderá encaminhar o ofendido para atendimento multidisciplinar, especialmente nas áreas psicossocial, de assistência jurídica e de saúde, a expensas do ofensor ou do Estado. § 6o O juiz tomará as providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação.” (NR) “Art. 210. As testemunhas serão inquiridas cada uma de per si, de modo que umas não saibam nem ouçam os depoimentos das outras, devendo o juiz adverti-las das penas cominadas ao falso testemunho. Parágrafo único. Antes do início da audiência e durante a sua realização, serão reservados espaços separados para a garantia da incomunicabilidade das testemunhas.” (NR) “Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.” (NR) “Art. 217. Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor. Parágrafo único. A adoção de qualquer das medidas previstas no caput deste artigo deverá constar do termo, assim como os motivos que a determinaram.” (NR) “Art. 386. ............................................................................ ...................................................................................................... IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal; V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; 21801009.pmd 207 15/10/2008, 10:52 VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1o do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; VII – não existir prova suficiente para a condenação. Parágrafo único. ..................................................................... ..................................................................................................... II – ordenará a cessação das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas; .............................................................................................” (NR) Art. 2o Aqueles peritos que ingressaram sem exigência do diploma de curso superior até a data de entrada em vigor desta Lei continuarão a atuar exclusivamente nas respectivas áreas para as quais se habilitaram, ressalvados os peritos médicos. Art. 3o Esta Lei entra em vigor 60 (sessenta) dias após a data de sua publicação. Brasília, 9 de junho de 2008; 187o da Independência e 120o da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Tarso Genro José Antonio Dias Toffoli Este texto não substitui o publicado no DOU de 10.6.2008 21801009.pmd 208 15/10/2008, 10:52 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO Procurador-geral de Justiça Fernando Grella Vieira Corregedor-geral do Ministério Público Antonio de Pádua Bertone Pereira Conselho Superior do Ministério Público Fernando Grella Vieira (presidente) Antonio de Pádua Bertone Pereira Ana Margarida Machado Junqueira Beneduce Eloisa de Sousa Arruda João Francisco Moreira Viegas Luís Daniel Pereira Cintra Nelson Gonzaga de Oliveira Paulo do Amaral Souza Marisa Rocha Teixeira Dissinger Pedro Franco de Campos Tiago Cintra Zarif Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça Membros Eleitos Membros Natos José Roberto Garcia Durand Luiz Cesar Gama Pellegrini Francisco Morais Sampaio José Ricardo Peirão Rodrigues José Roberto Dealis Tucunduva Oswaldo Hamilton Tavares Fernando José Marques Irineu Roberto da Costa Lopes Regina Helena da Silva Simões Roberto João Elias Claus Paione José de Arruda Silveira Filho Álvaro Augusto Fonseca de Arruda Pedro Franco de Campos Gabriel Eduardo Scotti José Luiz Abrantes Antonio Visconti Arnaldo Gonçalves Márcio da Cunha Berra Paulo Álvaro Chaves Martins Fontes Mágino Alves Barbosa Filho Walter Paulo Sabella Júlio César de Toledo Piza Vânia Maria Ruffini Penteado Balera Sonia Maria Schincarioli Geraldo Luís Wohlers Silveira Marilisa Germano Bortolin Paulo Ortigosa Parisina Lopes Zeigler Mário de Magalhães Papaterra Limongi Pedro Luiz de Melo Sérgio de Araújo Prado Júnior Dráusio Lúcio Barreto Eliana Montemagni Rubens Rodrigues Vânia Ferrari Tropia Padilla Maria Cristina Barreira de Oliveira Heloisa Antonia Barreira de Souza Oswaldo Luiz Palu Iurica Tanio Okumura Conselho do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional Fernando Grella Vieira Antonio de Pádua Bertone Pereira Vânia Ferrari Tropia Padilla Eloisa de Sousa Arruda Marcos Tadeu Gonçalves Teixeira Marianí Atchabahian Augusto Soares de Arruda Neto Congregação da ESMP Mário de Magalhães Papaterra Limongi (presidente) Tatiana Viggiani Bicudo (coordenadora) Antonio Carlos da Ponte Eduardo Martines Júnior Eliana Passarelli Gilberto Nonaka Lídia Helena Ferreira da Costa Passos Luiz Antonio de Souza 21801009.pmd 209 Luiz Roberto Cicogna Faggioni Márcio Fernando Elias Rosa Motauri Ciocchetti de Souza Oswaldo Henrique Duek Marques Oswaldo Luiz Palu Oswaldo Peregrina Rodrigues Ronaldo Porto Macedo Júnior Sérgio Seiji Shimura Vidal Serrano Nunes Júnior Wallace Paiva Martins Júnior 15/10/2008, 10:52 21801009.pmd 210 15/10/2008, 10:52 21801009.pmd 211 15/10/2008, 10:52 21801009.pmd 212 15/10/2008, 10:52