portal da Copa do Mundo do Governo do Estado

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portal da Copa do Mundo do Governo do Estado
COPA 2014: A GASTRONOMIA
REGIONAL ENTRA EM CAMPO
Governo do Estado do Rio Grande do Sul
Coordenação de Atividades e Pesquisa em Gastronomia
Telefones: (51) 3210-4246; 3210-4154; 3210-4382
E-mail: [email protected]
www.facebook.com/pages/GT-de-Gastronomia-Regional
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COPA 2014: A GASTRONOMIA REGIONAL ENTRA EM CAMPO
O Rio Grande do Sul, estado situado no extremo sul do Brasil, através de sua capital, Porto
Alegre, será uma das sedes da Copa do Mundo 2014 e estará recebendo equipes, comissões
técnicas, jornalistas e pessoas de todas as partes do mundo, interessadas em futebol, mas que
também querem conhecer as belezas naturais, a cultura, os costumes, a gastronomia locais. O
estado tem a oferecer àqueles que nos visitam a sua diversidade, fruto de um processo histórico, de
conquista de um território de fronteira e do encontro cultural de imigrantes de mais de duas dezenas
de etnias que aqui se estabeleceram. Essa pluralidade de culturas esteve presente ao longo da sua
história, surgindo daí um povo identificado com seu passado e suas raízes.
Mas é no futebol, uma das paixões dos gaúchos, que está pluralidade cai por terra.
Apesar de haver no estado centenas de times, profissionais ou amadores, o torcedor gaúcho está
dividido entre os dois times da capital: Grêmio ou Internacional, em um confronto saudável que
ultrapassa o campo e está nas conversas de bares, no comércio, nas piadas, na torcida contra as
conquistas do rival. Esta dicotomia faz com que ambos os times tentem sempre a superação, com
belos estádios, maior número de sócios, torcida mais animada, enfim uma rivalidade positiva, cujo
único confronto ocorre no campo durante os clássicos Gre-Nais, quando a vitória é o único
resultado possível.
O Rio Grande do Sul possui um território de 281.748,538 km2, com uma população de cerca
de 10.800 de habitantes, sendo que destes 1.590.000 habitam a área rural do estado. O estado possui
um dos IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) dos mais altos do país, 0,869, reflexo da menor
mortalidade infantil do Brasil, das altas taxas de alfabetização (90,5%) e excelentes condições de
saneamento básico e saúde. Porto Alegre, uma das sedes da Copa, possui uma população de 1,4
milhão de habitantes, com uma área de 496,684 km2, dividida entre uma área urbana e uma área
rural, situada ao sul da capital. A cidade é uma grande área de planície, circundada por belos morros
e com uma orla fluvial do lago Guaíba, de 72 quilômetros de extensão, que proporciona ao portoalegrense e aos turistas ótimas opções de lazer e um deslumbrante pôr do sol.
A economia gaúcha gera um PIB de US$ 90 bilhões, é o maior produtor de grãos, o segundo
polo comercial e o segundo polo da indústria de transformação nacional. O estado caracteriza-se
pela alternância de grandes e médias propriedades com médias e pequenas unidades de produção,
conforme a região e o tipo de solo e sua ocupação. Ao lado da produção agrícola em larga escala, a
agricultura familiar representa 27% do PIB do estado, sendo importante para a absorção de mão de
obra e a geração de renda no campo, se tornando um meio eficiente de reduzir o êxodo rural e com
influência na busca da segurança alimentar e da preservação ambiental. Hoje são responsáveis por
89% da produção de leite, 74% de milho, 58% da soja, 74% da criação de aves, 71% de suínos 58%,
aves 74%, suínos 71%, 38% de bovinos de corte 38% e 97% de fumo, sendo que muitos estão
procurando agregar valor à produção, com pequenas agroindústrias para transformação do
alimento (panificação, doces e conservas, embutidos, laticínios).
Todas estas características do povo e da economia gaúcha estão intimamente relacionadas à
história do Rio Grande do Sul, do modo como se deu a ocupação do território e de como a população
interagiu com o meio-ambiente hostil e como venceu as dificuldades. Este breve relato histórico está
presente neste caderno, dando ênfase aos diversos povos formadores da nossa população e às questões
relacionadas com a alimentação. Dentro deste contexto, o segundo tópico aborda a matriz econômica e a
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produção agropecuária do estado, traçando um panorama da conquista do território através da
expansão da pecuária, em toda a região da Campanha e o advento da agricultura, com a chegada
dos colonos europeus. O terceiro tópico destaca a agricultura familiar, com um pequeno histórico
da fixação deste agricultor à terra e da produção do setor, complementado pela importante
participação dos produtos orgânicos, e de como esses tem ganho espaço na alimentação
cotidiana.
Para dar suporte àqueles que nos visitam e querem conhecer a gastronomia regional,
selecionamos alguns pratos que consideramos emblemáticos de nossa história e cultura
gastronômica, formada por influências dos diversos povos que se fixaram no território riograndense. Contamos um pouco da sua história, de como chegaram, das adaptações que
sofreram, pois muitos ingredientes originais não existiam no Rio Grande.
Durante a realização da Copa 2014, queremos que o turista conheça o Rio Grande do
Sul, suas belezas naturais, sua história, seus costumes e que a gastronomia regional ocupe um
lugar de destaque e possa contar um pouco desta diversidade do nosso estado. Este material foi
concebido para registrar um pouco desta trajetória do povo rio-grandense e de como foi
construída uma das gastronomias mais ricas e peculiares do Brasil. Os pratos escolhidos são
apenas um ensaio daquilo que o turista irá encontrar, mas, temos certeza, o início de uma viagem
inesquecível às raízes de nossa cultura .
1. O Grupo de Trabalho de Gastronomia Regional
O Grupo de Trabalho em Gastronomia Regional, criado por decreto estadual em
2011, tem a finalidade de valorizar e divulgar a Gastronomia Regional do Rio Grande do Sul.
Entre seus principais objetivos está o trabalho de pesquisa, resgatando antigas receitas, suas
origens e transformações ao longo do tempo, “saberes e fazeres” relacionados à alimentação da
população rio-grandense nos diversos municípios do nosso Estado, além dos produtos
característicos de cada região.
Hoje, devido às diversas questões do mundo moderno, cada vez menos as pessoas
dedicam-se ao preparo do alimento, preferindo a praticidade dos produtos industrializados e da
alimentação fora do lar, daí a premência de fazer este registro antes que estes saberes e fazeres
desapareça. Os pesquisadores, ligados ao grupo, estão realizando o levantamento da gastronomia
gaúcha, percorrendo as diversas regiões que compõem o estado, entrevistando pessoas,
consultando bibliografia e documentação, procurando registrar não só as receitas, mas a história
por trás de cada uma delas. Em 2013, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul
publicou um edital de pesquisa em Gastronomia Regional, sendo a primeira vez que uma
instituição de fomento à pesquisa brasileira financia trabalhos nesta área. Quatro equipes de
pesquisa, vinculadas às principais universidades do estado, trabalharão durante 2014 nesta
“cartografia” da gastronomia rio-grandense.
O grupo é formado por representantes de 64 entidades entre Universidades e
Faculdades, ligadas aos cursos de Gastronomia, Turismo, Nutrição e Hotelaria, Secretarias de
Estado, representantes de Instituições, Sindicatos e Associações ligadas aos setores de alimentação
e bebidas. Conta, ainda com a participação de profissionais da área, entre chefs e cozinheiros.
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2. Breve Relato da História do Rio Grande do Sul
O Rio Grande do Sul, estado situado no extremo sul do Brasil, incorporou-se ao
território apenas no século XVIII. Entretanto, desde 1531, navegadores portugueses já
conheciam o seu litoral e batizaram a barra que ligava a Lagoa dos Patos ao Oceano Atlântico com
o nome de Rio Grande de São Pedro, nome que acabou por designar todo o território.
A região era ocupada há mais de oito mil anos por diferentes grupos indígenas, que
deixaram vestígios de sua passagem pelo território. Em sua maioria, eram grupos caçadorescoletores, sobrevivendo da caça, pesca e coleta. No litoral, construíram os sambaquis com restos
de conchas, peixes e ossos de animais; no pampa caçavam animais rápidos, como as emas, com
boleadeiras de pedra e tiras de couro; nas florestas, construíram casas subterrâneas, os buracos de
bugres, para abrigarem-se do frio, alimentando-se com pinhões e caça. Quando da chegada dos
portugueses, a região estava povoada pelos índios Guarani. Semissedentários, já praticavam a
agricultura e plantavam milho, mandioca, amendoim, feijão, abóbora e cará.
No início do século XVII, a coroa espanhola autorizou a implantação de Reduções
pelos Jesuítas, em toda a Bacia do Prata, com a finalidade de reunir os nativos, ensinado-lhe o
Evangelho e protegendo-os da escravidão impostas tanto por espanhóis e portugueses. Esta
primeira fase levou o nome de Reduções do Tape. Os jesuítas foram os responsáveis por
introduzir, na região, os rebanhos bovino, caprino, ovino e cavalar, os quais serviriam de alimento
e transporte para a população das aldeias. Anos mais tarde, quando as reduções da região foram
abandonadas, devido aos ataques bandeirantes, este extenso rebanho de gado tornou-se
selvagem, sendo, mais tarde, a origem das estâncias gaúchas.
Cinquenta anos depois, os jesuítas retornaram ao Rio Grande do Sul e fundaram os
Sete Povos das Missões, que no seu apogeu chegou a reunir 40.000 índios nas reduções e
estâncias missioneiras. Os indígenas, convertidos ao catolicismo, viviam sob a tutela dos padres,
com uma administração compartilhada com os caciques indígenas, sendo as principais atividades
econômicas a criação de gado, da qual exportavam o couro, bem como a produção de erva-mate,
exportada para a região platina. A agricultura era voltada ao consumo interno, plantavam
algodão, destinado à tecelagem, e gêneros alimentícios em geral.
Com a descoberta do ouro, nas Minas Gerais, a população do país cresceu e o sul
passou a despertar o interesse dos portugueses. Era necessário alimentar essa população e os
vastos rebanhos selvagens do Rio Grande do Sul passaram a despertar o interesse da Coroa
Portuguesa. Tropeiros organizavam expedições para capturar gado e mulas, levando-os para a
venda na Feira de Sorocaba, em São Paulo. Formaram-se, então, os primeiros caminhos ligando o
território gaúcho ao centro do país, iniciando-se a sua integração ao restante do Brasil. Por sua
vez, as disputas pelo domínio da região do Rio da Prata entre Portugal e Espanha foram um dos
principais estímulos para a ocupação definitiva do Rio Grande do Sul, com a implantação das
primeiras estâncias e a fundação da cidade de Rio Grande, em 1737. A partir daí, inicia-se uma
política de distribuição de terras (sesmarias) aos súditos portugueses para fixarem-se a terra. As
estâncias de gado espalharam-se pelo território gaúcho, com os rebanhos criados soltos nos
extensos campos, e, de tempos em tempos, reunidos em rodeio para serem tropeados aos centros
consumidores.
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Os primeiros habitantes do novo território vieram de Portugal, de São Paulo, de Laguna,
além dos índios missioneiros, estabelecendo-se em Rio Grande e imediações. A partir de meados
do século XVIII, foi acordada a vinda de casais das Ilhas dos Açores para a formação de pequenos
povoados, a fim de garantir a posse do território. Formaram-se, assim, os novos núcleos urbanos:
Rio Pardo, Santo Antonio da Patrulha, Viamão, Porto Alegre, Taquari, Santo Amaro.
Agricultores, em sua terra natal, os açorianos introduziram o cultivo de trigo, de cereais, de
hortaliças e de pomares de frutas diversas, como pêssegos, laranjas, ameixas. Passaram a criar
pequenos animais, como porcos e aves, e dedicaram-se à piscicultura, aproveitando a riqueza dos
rios e das lagoas.
A partir do século XIX, após a independência, o governo sentiu a necessidade de
povoar as terras devolutas do sul do país e passou a desenvolver uma política de imigração junto a
países europeus. Um dos objetivos era atrair agricultores que produzissem gêneros alimentícios
para garantir o abastecimento do mercado interno. Assim a partir de 1824, chegaram os
imigrantes alemães, que receberam terras nas planícies ao longo dos vales e nas encostas da serra.
Em 1875, chegam os imigrantes italianos, que se estabeleceram na serra do nordeste, desafiando
o relevo e a floresta. Nas primeiras décadas do século XX, imigrantes de outras nacionalidades
desembarcaram no estado, formando as colônias multiculturais do norte e noroeste do estado.
Foram poloneses, russos, judeus, árabes, suecos, holandeses, tchecos, japoneses, espanhóis,
enfim, mais de duas dezenas de etnias, que aqui chegaram e deixaram suas marcas e traços na
cultura do Rio Grande do Sul.
Todos trouxeram em sua escassa bagagem seus sonhos e a esperança de dias
melhores, mas também sua língua, seus costumes, sua cultura, seus hábitos alimentares. Aqui
chegando encontraram um mundo novo e uma natureza diferente de sua terra natal, o alimento
local possuía um sabor estranho para os colonos, mas rapidamente adaptaram-se, incluindo o
milho, a mandioca, a batata-doce, o pinhão, as frutas nativas ao seu cardápio. E, gradativamente,
foram introduzindo produtos da sua dieta alimentar, como a batata-inglesa, os derivados de
porco, a cerveja e o vinho.
3. A história da produção agropecuária no Rio Grande do Sul
Desde o início do seu povoamento, o Rio Grande do Sul esteve fortemente ligado à
pecuária, aproveitando ao máximo as extensas e nutritivas pastagens do Pampa e dos Campos de
Cima da Serra. Os primeiros a utilizar este recurso natural foram os jesuítas, que trouxeram gado
de Buenos Aires, formando os primeiros rebanhos e estâncias. Após a retirada dos jesuítas das
Missões do Tape (1640), o gado das estâncias jesuítas reproduziu-se de maneira vertiginosa,
tornando-se selvagem e formando uma imensa reserva de gado, a “Vacaria del Mar”. Este foi o
fundamento econômico básico da apropriação da terra gaúcha: a preia do gado xucro.
Este gado despertou a cobiça de portugueses, paulistas, índios aldeados e espanhóis,
que incursionavam pela região com o objetivo de caçar o gado, primeiramente para retirar o couro
e vendê-lo nos mercados coloniais, enquanto a carne era desprezada, devido às dificuldades parra
conservação. Está prática estava devastando o rebanho e, para preservá-lo, os jesuítas, ao
retornarem ao território gaúcho, levaram parte deste gado para os campos altos do nordeste do
Rio Grande do Sul, na chamada “Vacaria dos Pinhais”.
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A segunda fase da preia de gado teve outro destino. A partir da descoberta do ouro nas
Minas Gerais, o gado da vacaria seria levado para alimentar os escravos e a população, além de
gado muar para transporte. E, para isto, eram tropeados em extensas manadas, subindo serras e
cruzando rios até o seu destino: a Feira de Sorocaba. Assim foram abertos os primeiros caminhos
que ligavam o Rio Grande do Sul ao resto do Brasil.
Logo, formaram-se as primeiras povoações nos locais de descanso, ao longo dos
caminhos, e, com o tempo, muitos tropeiros começaram a fixar-se na terra, formando as primeiras
estâncias, nos Campos de Tramandaí. Este processo teve o aval do Governo Português que
concedeu os títulos de sesmarias, legitimando a posse. As estâncias de gado passaram a suprir o
mercado das Minas.
A partir da decadência da produção aurífera, o tropeio do gado em pé já não rendia o
suficiente, surgindo uma nova alternativa econômica para os criadores de gado: o charque. As
primeiras charqueadas, de caráter mercantil, instalaram-se na região de Pelotas e aproveitaramse da abundância de gado, dos recursos hídricos e da facilidade de transporte, porém existiram
estabelecimentos ao longo das Lagoas dos Patos e Mirim, na região do Rio Jacuí e do Rio
Jaguarão. Para suprir a necessidade de mão de obra, as charqueadas utilizaram o trabalho escravo,
aumentando o continente de africanos no estado. O charque gaúcho conquistou o mercado
brasileiro, sendo exportado para o Rio de Janeiro e Nordeste, beneficiando, especialmente a
cidade de Pelotas, que durante o século XIX, passou por um surto de desenvolvimento urbano e
cultural, sendo o centro econômico do estado, suplantando a capital, Porto Alegre.
Com o advento da indústria de frigorificação, no início do século XX, um novo ciclo
abriu-se para a produção de carne, que para conquistar novos mercados passou por processos de
melhoramentos de rebanhos e de aprimoramento das técnicas de criação, com a separação das
raças destinadas à produção de carne e de leite.
Hoje, o Rio Grande do Sul é o segundo maior produtor de leite do país, e está em
crescimento motivado por fatores como o clima temperado, a fertilidade do solo, a
disponibilidade de água, o uso preferencial do pasto, a produção na pequena propriedade, com a
mão de obra familiar e de baixo custo.
O rebanho bovino comercial é o quinto maior do Brasil, sendo representado por
cruzas de raças europeias e zebuínas, gado geral, cruzas de raças europeias e raças puras, das
quais se destaca a Angus. Esta matriz confere à carne melhor qualidade e maciez, sendo
reconhecida internacionalmente. A maior concentração de rebanhos ocorre no oeste e no sul, na
região do bioma Pampa, em propriedades de todos os tamanhos, desde grandes fazendas até
pequenas propriedades.
O rebanho ovino gaúcho é o maior do Brasil e são criadas raças destinadas à produção
de carne e de lã. A partir das décadas finais do século XX, a produção de carne ovina ganhou impulso e
um maior investimento na melhoria das raças e dos estabelecimentos. Atualmente cresce a procura pela
carne ovina, em função das novas tendências dentro da gastronomia, com a utilização do cordeiro.
Segundo Lara et al. (2009) “as pessoas estão se adaptando aos novos hábitos de consumo e inclusive com
maior apreciação pela carne ovina, o que favorece a demanda desta e indica um potencial produto
substituto a outras carnes no mercado brasileiro”.
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A criação de suínos intensificou-se com a chegada dos alemães ao estado. Toda a
propriedade colonial possuía uma pequena criação de porcos, destinados para o consumo da
carne e a fabricação de embutidos. Hoje, o estado é o segundo maior produtor do país e o maior
consumidor de carne suína, uma tradição cultural vinculada à pequena propriedade, além de
exportá-la para países da Europa e da Ásia.
A agricultura, como atividade econômica, ganhou impulso com a chegada dos
imigrantes provenientes dos Açores e da Europa, que receberam lotes de terra para cultivo. Os
açorianos começaram a cultivar cereais, plantaram suas hortas e seus pomares e, na medida em
que se gerava o excedente, este era comercializado para os mercados urbanos próximos. A cultura
do trigo, introduzida pelos ilhéus, desenvolveu-se entre 1787 e 1813, quando entrou em
decadência devido a uma série de fatores, como as pragas, a concorrência externa, as requisições
forçadas e recrutamento dos agricultores pela Coroa. O produto chegou a ser exportado para o
mercado brasileiro, trazendo prosperidade para os colonos, que se utilizaram da mão de obra
escrava em suas plantações.
Ao chegarem, os imigrantes plantavam sua roça de subsistência, primeiramente com
as plantas nativas – milho, mandioca, batata-doce, o feijão, para mais tarde introduzirem a batata,
a cevada e sementes trazidas da Europa. As mudas de videiras trazidas pelos italianos acabaram
não se adaptando e, com isso, as mudas de cepa americana, mais resistentes às pragas e ao clima,
ganharam os parreirais tanto dos vales quanto da serra. O excedente gerado passou a ser
comercializado com os comerciantes locais, propiciando, assim a aquisição de produtos
necessários, como ferramentas, tecidos, etc.
Durante as primeiras décadas do século XX, o Rio Grande do Sul ficou conhecido
como “Celeiro do Brasil” e a produção de grãos cresceu com a mecanização das lavouras, o uso
de insumos químicos e a tendência à monocultura. Trigo, arroz, milho, soja e feijão são ainda hoje
a base da nossa agricultura.
4. A Agricultura Familiar e a Produção de Orgânicos no Rio Grande do Sul
A formação dos núcleos coloniais no Rio Grande do Sul, em suas diversas etapas,
priorizou o sistema da pequena propriedade, ao contrário do que ocorria em outros estados do
Brasil, nos quais predominavam os latifúndios. Esse sistema possibilitou o surgimento de uma
agricultura voltada ao mercado regional, empregando a mão de obra familiar, com a participação
de pais e filhos nas atividades do campo. Com o crescimento do núcleo familiar, os filhos
acabavam saindo da casa paterna e adquirindo lote de terras em novas áreas abertas pelo Governo
ou particulares para uma nova ocupação. Dessa maneira, todo o estado foi ocupado e, em seguida,
as áreas despovoadas de Santa Catarina e Paraná. Hoje, os descendentes dos primeiros imigrantes
estão nos sertões do Centro-Oeste e do Nordeste brasileiro.
Com a valorização do mercado de grãos e a mecanização das lavouras, estes
pequenos proprietários tiveram grande participação na produção de grãos, como milho, soja e
trigo, na produção de hortigranjeiros e na criação de gado de leite e pequenos animais, como aves
e suínos. Segundo dados do IBGE (2006), a participação da agricultura familiar representa
48,60% da produção total dos estabelecimentos do estado.
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Outra parcela deste setor corresponde aos “pecuaristas familiares”, situados em
regiões de pecuária extensiva – Campanha e Fronteira Oeste.
Hoje, há uma preocupação em manter o agricultor no campo, produzindo alimentos
e, para isto, têm sido incentivadas alternativas econômicas para agregar renda à produção. A
implantação de agroindústrias de embutidos, sucos, conservas, panificação, doces, entre outras,
além de gerar renda, contribui para que se mantenha viva a tradição alimentar destas
comunidades. Além disso, as atividades não ligadas à produção agrícola estão sendo
implementadas pelas famílias, como o turismo rural, o artesanato e a gastronomia característica
da região, ajudando a valorizar sua cultura, costumes e receitas transmitidas de geração em
geração.
Nos últimos anos, a agricultura orgânica vem ganhando espaço frente à agricultura
convencional, com o aumento do número de propriedades, que alteraram o seu modo de produzir,
segundo estatísticas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento houve um aumento
de 300%, desde 2006. O uso de alimentos saudáveis e livres de agrotóxicos beneficia não só o
consumidor final, como o próprio agricultor, que nas últimas décadas vem enfrentando
problemas graves de saúde associados ao uso de pesticidas.
Os produtos orgânicos têm, ainda, a característica de serem comercializados
próximos ao local no qual são produzidos, causando pouco impacto ambiental e aproximando o
produtor do consumidor final, além de contribuírem para a preservação da agrobiodiversidade ao
usarem espécies tradicionais, sem alterações genéticas. E, sem contar que, o produto orgânico
preserva as características de sabor, de cor, de textura da espécie, o que acaba sendo um fator
positivo na culinária.
Hoje, as Feiras Ecológicas estão crescendo e diversificando-se, sendo uma
oportunidade do contato direto entre o produtor/feirante e o consumidor. As feiras são
responsáveis por introduzir junto ao consumidor urbano alguns produtos esquecidos como a
polpa de butiá e o fruto do palmito-juçara – o açaí de juçara. Os sucos são bastante procurados,
sendo um mercado em crescimento e estimulando os pequenos produtores, exemplos são o suco
de uva e os sucos de frutas nativas.
A Feira Ecológica do Bom Fim, na capital, existe desde 1989, época em que a
consciência ecológica mundial não despertava muito interesse. Visionários, alguns portoalegrenses, no entanto, já pensavam no futuro e colocavam a cidade na vanguarda dos
acontecimentos.
A feira acontece todos os sábados pela manhã, na Avenida José Bonifácio, no bairro
Bom Fim. Conta com 69 bancas, sendo a maioria dos produtos procedentes da Zona Rural de
Porto Alegre (Zona Sul) e algumas bancas pertencem a produtores de municípios próximos à
Capital. A Feira vende produtos hortigranjeiros e agroindustrializados sem agrotóxicos, pesticidas
ou substâncias sintéticas. A iniciativa gerou frutos e a cidade possui 11 pontos onde se realizam
feiras semelhantes à do Bom Fim. Porto Alegre é a segunda capital brasileira com a maior área
rural, apenas atrás de Manaus. Dos 496 quilômetros quadrados do município, 30% são áreas de
preservação ou usadas para atividades primárias, contabilizando cerca de 750 propriedades rurais.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que Porto Alegre tem
cultivos permanentes de caqui, figo, laranja, noz, pera, pêssego, tangerina e uva, que rendem cerca
10
de 2 mil toneladas por ano, além de plantações anuais de flores, arroz, feijão e milho. Ainda, há
propriedades com criação de bovinos, equinos, suínos, caprinos, muares e asininos, totalizando
22 mil cabeças, e, ainda, cerca de 10 mil galinhas, galos e codornas. Esses produtos abastecem as
feiras da cidade.
Para divulgar as belezas naturais da zona rural da cidade e criar novas oportunidades
para ajudar a manter as propriedades, foi criada a rota turística “Caminhos Rurais de Porto
Alegre”, com a participação de 21 empreendimentos rurais, que montaram estruturas para
receber visitantes. Nestes roteiros, o turista pode parar para degustar frutas e produtos coloniais,
passar um dia no campo, fazer refeições ou organizar festas e até mesmo hospedar-se.
Um programa inédito foi lançado pelo governo federal, durante a 8ª Feira Nacional
da Agricultura Familiar e Reforma Agrária, intitulado "Brasil Orgânico e Sustentável". O
programa visa levar produtos com selos de orgânico às 12 cidades que vão sediar a Copa do
Mundo de 2014, e beneficia diretamente os produtores agroecológicos de Porto Alegre. Esta
iniciativa faz parte da Agenda de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Ministério do Desenvolvimento Social para o evento.
5. Alguns Pratos e Produtos Emblemáticos da Gastronomia do Rio Grande do Sul
A variedade presente na gastronomia gaúcha é o resultado de uma fusão de culturas.
“A comida para os seres humanos é sempre cultura, nunca pura natureza”, lembra Montanari.
“Cada cultura transforma o alimento em comida”, que passa a ter significações próprias,
reconhecidas pelos membros dessas comunidades. O gosto e a preferência por determinados
alimentos ou preparações são resultado dessa relação cultural. Durante os seus quase trezentos
anos de história, o Rio Grande do Sul recebeu imigrantes de mais de duas dezenas de
nacionalidades que, junto com os indígenas nativos, formaram a população gaúcha. Ao longo do
tempo, essas diferentes culturas acabaram interagindo, mesclando-se e estabelecendo trocas,
possibilitando a formação de uma gastronomia única no país pela sua imensa diversidade.
Apresentamos uma relação de alguns pratos que consideramos emblemáticos na
gastronomia gaúcha. Sendo uma escolha, esta sempre suscitará dúvidas e opiniões diversas.
Haverá, com certeza, outros pratos que não aparecem nesta lista, mas constam nas memórias dos
que aqui fizeram e fazem sua história.
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A variedade presente na gastronomia gaúcha é o resultado de uma fusão de culturas.
“A comida para os seres humanos é sempre cultura, nunca pura natureza”, lembra Montanari.
“Cada cultura transforma o alimento em comida”, que passa a ter significações próprias,
reconhecidas pelos membros dessas comunidades. O gosto e a preferência por determinados
alimentos ou preparações são resultado dessa relação cultural. Durante os seus quase trezentos
anos de história, o Rio Grande do Sul recebeu imigrantes de mais de duas dezenas de
nacionalidades que, junto com os indígenas nativos, formaram a população gaúcha.
Ao longo do tempo, essas diferentes culturas acabaram interagindo, mesclando-se e
estabelecendo trocas, possibilitando a formação de uma gastronomia única no país pela sua
imensa diversidade. Apresentamos uma relação de alguns pratos que consideramos
emblemáticos na gastronomia gaúcha. Sendo uma escolha, esta sempre suscitará dúvidas e
opiniões diversas. Haverá, com certeza, outros pratos que não aparecem nesta lista, mas constam
nas memórias dos que aqui fizeram e fazem sua história.
AGNOLINI
Uma das variações mais populares das famosas massas recheadas italianas, o
agnolino (plural: agnolini) é um prato clássico da culinária do Rio Grande do Sul. Variação do
tortellino, sua receita é originária do norte da Itália, atribuída ora à região da Emília-Romanha
(na qual o cappelletto é considerado o prato típico), ora ao Piemonte (região de origem dos
primeiros imigrantes italianos a chegarem ao estado).
Feito a partir de uma massa quadrada, de 3cm de lado, é tradicionalmente fechado à
mão, em uma atividade da qual participa toda a família. Usualmente o recheio é feito somente
com carne de frango, podendo também ser adicionada carne de gado, sempre cozido e bem
temperado com ervas, cebola e sal, podendo também contar com queijo e noz-moscada na
composição. É muito apreciado durante o ano todo, mas ganha particular destaque no inverno,
quando é feito in brodo, cozido num caldo, geralmente de frango, e servido como sopa. A sopa de
agnolini pode ser encontrada em quase todo o estado, sendo o primeiro prato servido nas
galeterias da serra gaúcha.
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AMBROSIA
A sobremesa feita à base de ovos, leite, perfumada com cravo e canela é uma das mais
populares no estado. Considerado doce de colher ou doce de compoteira, a mistura de ovos e leite
é adicionada a uma calda caramelada, dando, a partir do cozimento, uma cor mais escura e um
sabor mais forte a este conhecido doce. Hoje, ela foi adaptada e pode ser feitas de diferentes
maneiras, agregando outros ingredientes à preparação, como o suco de laranja, a baunilha, a
ameixa ou até feita no forno.
Originária da Península Ibérica, a ambrosia chegou ao estado pelas mãos das
mulheres açorianas. No livro da Cozinha Tradicional da Ilha Terceira, de autoria de Augusto
Gomes, o doce aparece com pequena variação no seu preparo, apesar de hoje estar quase no
esquecimento no arquipélago. No Rio Grande do Sul, a ambrosia é uma sobremesa presente
desde as casas de família até os restaurantes tradicionais. As diversas etnias do estado acabaram
incorporando o doce as suas culinárias .
CARRETEIRO DE CHARQUE
A produção e comercialização do charque estão diretamente relacionadas com o
desenvolvimento econômico do estado. A primeira charqueada do estado foi instalada em 1780,
pelas mãos de um português, José Pinto Martins. O charque é, em sua forma, carne desidratada
através da salga, processo que tornava assim o alimento apto para a alimentação, sendo, por muito
tempo, alimento básico para tropeiros e escravos.
O carreteiro de charque é um prato cuja origem relaciona-se com as longas jornadas
dos tropeiros e carreteiros pelos caminhos do sul do Brasil. Durante o percurso, se alimentavam
cozinhando na panela de ferro uma mistura de carne de charque guisada com arroz. O charque,
uma carne salgada e seca ao sol, era ideal para ser transportada sem risco de deteriorar-se e, por
isto, facilmente consumida. Já o arroz, trazido pelos primeiros colonizadores, disseminou-se
pelas regiões dos vales e das lagoas do Rio Grande do Sul.
O carreteiro de charque tornou-se um prato comum no Rio Grande do Sul,
aparecendo também nos estados do sul do país. Variações em torno deste prato utilizam o arroz
com carne picada, proveniente das sobras do churrasco ou fresca; ainda preparam com lingüiça,
com o nome de “arroz de China Pobre”, uma alusão ao baixo custo do prato.
O arroz de carreteiro leva basicamente o charque, refogado com cebola e alho, ao
qual é acrescentado o arroz cru, para cozer com a própria carne, e finalizado com tempero verde.
O acompanhamento mais tradicional do carreteiro é a moranga caramelada e o feijão mexido,
podendo também utilizar alguma leguminosa ou hortaliça refogada, ou apenas uma tradicional
salada de tomate e alface. Feito à moda campeira, é inegável manjar.
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CHURRASCO
Não há como referenciar a origem do churrasco, mas, a partir do domínio do fogo, na
pré-história, o homem passou a assar a carne de caça, quando percebeu que este processo a
deixava mais macia. Com o tempo as técnicas foram aperfeiçoadas, principalmente entre os
caçadores e criadores de gado, dependendo sempre do tipo de carne e lenha disponíveis. Assim, a
carne assada em braseiros já era uma característica dos habitantes das Américas antes do
descobrimento. Os primitivose habitantes do continente já se alimentavam da carne de caça,
levada diretamente às brasas e, ste costume estendeu-se aos primeiros colonizadores e foi
incorporado pelo gaúcho “errante”, habitante do vasto Pampa, que inclui Rio Grande do sul,
Uruguai e Argentina.
Os tropeiros tinham o hábito do churrasco, pois durante a longa jornada, nada mais
fácil do que carnear um boi e assá-lo de maneira rudimentar sobre brasas dentro de uma vala,
bastando uma estaca de madeira, uma faca afiada, um bom fogo e sal grosso, ingrediente
abundante que é utilizado como complemento alimentar do gado.
O costume da carne assada nas brasas cruzou as regiões do país e se tornou um prato
nacional, multiplicando-se as formas de preparo, o que gera entre os adeptos muita discussão
sobre o verdadeiro churrasco, como por exemplo, a utilização de lenha ou carvão, de espeto ou
grelha, temperado ou não, com sal grosso ou refinado, de gado bovino, ovino, suíno, aves,
embutidos ou frutos do mar. Os acompanhamentos tradicionais são salada, salada de batata com
maionese, pão, farinha de mandioca, aipim cozido, linguiça, entre outros.
CONSERVAS E SCHMIER
O clima na Europa central permite apenas uma colheita por ano, o que estimulou o
hábito de aproveitar tudo o que a terra produz, evitando o desperdício. Foi neste cenário que as
conservas e as schmiers foram criadas, a partir de uma necessidade de preservar e prolongar a
vida útil dos alimentos. Algumas frutas eram fervidas e transformadas em compotas, um deleite
para as festas; outras viravam schmiers, essenciais para acompanhar o pão do dia a dia ou a rosca
de polvilho. Schmier, inclusive, vem da palavra schmieren, que significa untar ou passar sobre o
pão.
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Já as conservas, em sua maioria, eram feitas com pepino, repolho (sauerkraut, ou o
popular chucrute), cebola e rabanete, e costumavam ser consumidas in natura, na salada ou
acompanhando um prato principal. Essas eram maneiras inteligentes de preservar os frutos da
estação, permitindo aproveitá-los ao máximo até a próxima colheita.
CUCAS (Streuselkuchen)
Tradicional bolo alemão, a Streuselkuchen (bolo de flocos/grânulos, em alusão à
cobertura), se popularizou no Rio Grande do Sul graças à influência da imigração alemã, e passou a ser
conhecida simplesmente como cuca. Torna-se difícil falar de sua origem, mas, em geral, remete-se à
Silésia (Schlesien), de onde procede até mesmo uma fábula que narra a origem dessa delícia, mas em
outros relatos ela também aparece na Prússia e na Pomerânia.
No Rio Grande do Sul, os imigrantes utilizaram-se da abundância do açúcar obtido a partir da
cana de açúcar, e das novas frutas, incorporadas à feitura da cuca e trazendo novos sabores.
Seu consumo disseminou-se pelo estado, influenciando culinárias de outras etnias, o que gerou a versão
italiana do prato. A cuca alemã é caracterizada por uma massa fina coberta por uma porção generosa de
farofa doce, podendo levar, opcionalmente, entre a farofa e a massa, frutas em pedaços ou doce de leite,
tendo por vezes, como acompanhamento salgado, a lingüiça fervida. Já a cuca italiana é feita a partir de
uma massa mais firme, o que possibilita a montagem do prato em forma de rocambole, dobrado, pão de
forma, bolo inglês, etc., e na qual as frutas acabam ficando dentro da massa, como recheio.
Atualmente parte indispensável nas mesas dos descendentes germânicos e nos cafés
coloniais, antigamente as cucas costumavam ser um privilégio para poucos em épocas de menos fartura.
Por outro lado, pelo fato de ter alta durabilidade e de seu transporte e armazenamento serem simples, a
cuca era presença constante em longas viagens.
Encontra-se uma grande variedade de cucas no Estado, com a incorporação dos mais
diversos recheios e variações da farofa. A sua massa tem por base farinha, manteiga, leite, fermento,
açúcar e sal, que resulta em uma cuca macia. O toque doce fica por conta da farofa, feita com manteiga (ou
banha de porco), açúcar e farinha, que forma uma crosta crocante e dourada e deixa acuca mais aromática.
A cidade de Santa Cruz do Sul ganha fama pela variedade de suas cucas, inclusive com concursos da
“melhor cuca”; Rolante, situada na encosta do Nordeste, também, tem sua festa dedicada às cucas e na
cidade de Victor Graeff acontece a Festa da Cuca com Linguiça, juntando estes dois produtos.
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DOCES PELOTENSES
Impossível desvincular a doçaria pelotense do ciclo de opulência do charque na
região. Sustentada pela mão de obra escrava, a doçaria pelotense divide-se em duas tradições: a
dos finos (ou de bandeja) e a dos doces coloniais.
Os doces finos, provenientes da cultura e força portuguesa na região, solidificaramse no final de 1780, a partir da grande riqueza gerada pelas charqueadas pelotenses. Tradição das
ricas famílias de proprietários de charqueadas, o ato de saborear os doces finos fazia parte do
lazer e “glamour” destas famílias e de seus convivas, sendo que muitas vezes as senhoras
dedicavam-se ao trabalho de elaborá-los.
Com o fim do período de ouro das charqueadas no século XX, a doçaria fina passa às
confeitarias e se expandem pela cidade, tornando-se uma nova fonte de renda para as famílias que
cultivavam esta tradição.
Já os doces coloniais surgem das várias imigrações que chegam à região após a
Abolição da Escravatura. Alemães, italianos, franceses e pomeranos, entre outros, aumentam o
cultivo de árvores frutíferas e a tradição dos doces em compota, de tacho, em pasta e cristalizados.
Pêssegos, marmelos, figos, maçãs e goiabas se transformam em uma nova fonte de renda para
esta sociedade de pluralidade étnica que surgia e se consolidava na região.
As duas tradições doceiras, “doces finos” e “doces coloniais”, se disseminam e se
incorporam aos hábitos e espaços da cidade e da região, estando relacionadas no Inventário
Nacional de Referências Culturais, pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional –
IPHAN, como patrimônio imaterial. Todo o ano a cidade de Pelotas realiza a Fenadoce, feira que
busca incentivar o reconhecimento da história em doces lembranças.
EMBUTIDOS
O embutido é uma peça geralmente feita de carne picada ou moída, temperada com
ervas e especiarias, curada e introduzida nos intestinos (já higienizados) do animal abatido,
podendo ser defumada ou não. Uma das técnicas mais antigas de conservação de carnes,
atualmente os embutidos são uma opção gastronômica de sabores e texturas diferenciados.
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No Brasil, os embutidos estão presentes desde o início da colonização portuguesa, mas é
com a imigração europeia do século XIX que eles ganham fôlego, especialmente no Rio Grande
do Sul.
Os imigrantes alemães trouxeram consigo a prática doméstica da criação de porcos,
e, com isso, a fabricação de salsichas e linguiças (os tradicionais Würste, plural de Wurst) dos
mais diferentes tipos (cada região alemã possui uma ou mais salsichas típicas, sendo as mais
famosas a Bratwurst, a Bockwurst, ambas confeccionadas com carne de porco e vitela, e a
Weisswurst, de vitela e toucinho).
Posteriormente, com a chegada dos italianos ao estado, a variedade de embutidos
cresceu, com a produção dos salames (tipo italiano, milano, etc.), salaminho (produto que pode
ser considerado uma adaptação americana do salame italiano, com seu diâmetro menor em
relação ao original), copa (feita da carne da sobrepaleta do porco), presunto (feito a partir do
pernil suíno), mortadela (feita com carne finamente moída, quase em pasta), dentre outros tipos.
No estado, os embutidos são itens indispensáveis nos famosos cafés coloniais,
compondo a mesa de descendentes de alemães e italianos com igual relevância e destaque.
ENSOPADO COM MANDIOCA
A mandioca, tubérculo originário da América, era o alimento indispensável dos indígenas
brasileiros e dos recém-chegados europeus, sendo que alguns cronistas portugueses a
consideravam o “pão da terra”. Utilizada de diferentes formas, como farinha, beiju, mingau, pirão
ou apenas cozida, aparece em todo o país, sendo acompanhamento indispensável ao churrasco do
gaúcho.
No Rio Grande do Sul, a mandioca aparece com bastante frequência nos ensopados,
influência dos imigrantes portugueses e açorianos, bem como dos africanos. O ensopado de carne
com mandioca, feito com carne de gado ou de ovelha, está presente por todo o estado. Nos dias
frios do inverno gaúcho, é comum servir o puchero, um prato regional típico da região da
fronteira. Sua origem é a cultura campeira presente tanto no estado, quanto na Argentina e no
Uruguai. É feito com carne de músculo, mandioca e legumes, cozidos em um caldo, e pode ser
servido acompanhado de pirão feito com o caldo da carne e legumes e a farinha de mandioca crua.
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ESPINHAÇO DE OVELHA
A carne ovina é consumida pelos gaúchos desde o início do povoamento do estado, sendo
os primeiros registros da existência destes rebanhos no século XVIII, criados pela lã e pelegos de
montaria. Em 1820, durante sua visita ao Sul, Saint-Hilaire encontrou nos “Campos Neutrais”
(Santa Vitória do Palmar), produção de ponchos, chiripás, destinados aos escravos. Ao lado da lã,
a carne também era utilizada, sendo costume carnear uma ovelha por semana para suprir as
necessidades de proteína da família e agregados.
O Rio Grande do Sul possui o maior rebanho ovino do país, com raças laníferas e de
produção de carne e, nos últimos anos, vem liderando este último mercado, com melhorias de
raças e de corte. Hoje se abate animais jovens, com menos de 12 meses (o cordeiro), de grande
aceitação no mercado pela maciez de sua carne, ao contrário do que acontecia anteriormente,
quando eram consumidos animais mais velhos.
Além do churrasco e dos assados de ovelha, um prato muito consumido na região da
Campanha é o espinhaço de ovelha com pirão. O corte do espinhaço vai do pescoço ao lombo da
ovelha, sendo necessário porcioná-lo para ser consumido individualmente. Quando bem
preparada, a carne do espinhaço é extremamente macia e seus pedaços saem apenas com
garfadas. O modo de preparo envolve só uma panela, onde os pedaços do espinhaço são dourados
com óleo, cebola, alho, sal, pimenta, louro, e pimentão.
O pirão é um alimento de origem indígena que consiste em uma “papa” resultante da
mistura de farinha de mandioca com um caldo. Sua textura é viscosa e ele é comido como
acompanhamento do prato principal. No tradicional espinhaço de ovelha, o pirão é elaborado
com o caldo do cozimento da carne, ao qual são misturados água e farinha de mandioca. O pirão
pode ser servido como acompanhamento ou misturado na panela da carne. O espinhaço de ovelha
pode ser cozido com mandioca, batatas ou acompanhado de arroz
FRUTAS NATIVAS
Temos no Rio Grande do Sul cerca de 150 espécies de plantas nativas com frutas
alimentícias. Algumas são mais conhecidas em determinadas partes do estado e poderiam ser
classificadas como emblemáticas da região, entre elas temos o araçá-vermelho, açaí de juçara,
butiá, guabirova e uvaia.
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O butiazeiro, palmeira nativa, aparece por todo o estado e sua fruta, o butiá, cresce em
grandes cachos. Pequenas, de formato esférico, os butiás amadurecem durante o verão, ganhando
tonalidades do amarelo-ouro ao laranja-avermelhado. O butiá foi a fruta de resistência dos
missioneiros, pois durante o tropeio do gado das estâncias até as reduções, servia como alimento
(fibras), como energético (açúcar) e como hidratante (suco), afora o caroço, alimento do gado.
Nestes caminhos formou-se o chamado “caminho dos butiás”, semeados, instintivamente, pelos
Guaranis. Consumidas naturalmente, da sua polpa são fabricados o licor, o vinho, os sucos, além
de molhos e diversas preparações.
O araçá-vermelho tem alto potencial nutricional, seu nome vem do tupi Guarani e
significa “fruto que tem olhos” em alusão as sépalas que dão a aparência de olho no fruto. Os
frutos são bem aceitos para consumo in natura ou industrializados, na forma de doces em pasta,
cristalizados ou geleias.
A uvaia tem a polpa muito delicada, com a casca bem fina, de um amarelo-ouro
ligeiramente aveludado. O aroma é suave e muito agradável. Pode ser também consumida como
sucos e aperitivos e servir de base para molhos, vinagres, vinhos, licores, doces de massa, pudins
e mousses.
A guabiroba é rica em proteínas, carboidratos, niacina, sais minerais e vitaminas do
complexo B. Além do consumo in natura, a gabiroba pode ser aproveitada na forma de sucos,
doces, sorvetes, pudins e ainda servir de matéria-prima para saborosos licores. Frutifica de
dezembro a maio.
Parente do típico açaí amazônico, o açaí de juçara tem coloração idêntica e gosto
bastante parecido. Tem mais ferro, zinco, manganês e antocianina. Esse pigmento é antioxidante,
melhora a circulação sanguínea, protege o organismo contra o acúmulo de gordura e diminui os
efeitos de doenças como o mal de Alzheimer. Na gastronomia, a fruta se mostra bastante versátil.
Pode ser misturada à massa do macarrão, render uma geleia ou até roubar o lugar do chocolate em
algumas preparações.
JOELHO DE PORCO (einsbein)
O colono alemão raramente comprava a carne de porco, pois tinha o hábito de criar e
abater os próprios animais. Era costume utilizar todas as partes do porco, do focinho ao rabo,
evitando o desperdício. A carne sem ossos era dividida em duas: o lombo e as peças utilizadas
para fazer linguiça e embutidos em geral, que depois passavam por um processo de defumação. A
carne com ossos era assada toda de uma vez, sendo depois armazenada em latas com uma camada
de gordura cobrindo tudo. Tanto o processo de defumação quanto o método de proteger com
gordura são formas de preservar o alimento que, por longos períodos, permanecia saboroso e
seguro. A utilização do joelho de porco - que integrava o conjunto das partes menos nobres do
animal - na gastronomia ainda é um resquício de tempos menos abundantes, quando existia a
necessidade de utilizar ao máximo as proteínas e gorduras disponíveis. O acompanhamento mais
comum da iguaria é o chucrute (sauerkraut), uma conserva feita de repolho – que combina
perfeitamente com a riqueza de sabores do porco.
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GALETO AL PRIMO CANTO
O galeto al primo canto é um prato de origem tipicamente gaúcha, tendo nascido do
hábito dos colonos italianos de comer pássaros silvestres caçados – as passarinhadas. Em 1950,
no entanto, a caça aos pássaros silvestres foi proibida. Conta-se que, então, em Caxias do Sul,
passou-se a usar o frango jovem, com apenas 28 dias – ou seja, após dar o “primeiro canto” – nas
preparações.
Mais do que um frango pequeno assado na brasa, o galeto al primo canto é um ritual de
abundância e receptividade. Sopa de agnolini, tábua de frios, salada de radicci e bacon, salada de
batata e maionese, polenta frita ou brustolada e espaguete ao molho de miúdos são as guarnições
que enchem a mesa do galeto em pratos que vão sendo substituídos à medida que os comensais se
servem. Assim, a mesa do galeto está sempre farta, quente e fumegante.
GUISADO DE SANGUE DE OVELHA
O guisado de sangue de ovelha é um prato encontrado na região da Campanha e se
encaixa no costume campeiro de utilização integral do animal abatido, reduzindo ao máximo o
desperdício. Uma maneira tradicional de fazer o prato envolve recolher o sangue da ovelha, assim
que ela é morta, em um recipiente e, depois de coagulado, cortar em quadrados e levar para
cozimento em água fervente; uma vez cozido e escorrido, o sangue é picado como guisado e
refogado com temperos (alho, cebola, tempero verde). Outro prato de destaque no
aproveitamento de partes menos nobres é a salada de cabeça de ovelha, feita com a carne da
cabeça cozida e desfiada, adicionando batata e cebola.
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MATAMBRE RECHEADO
O matambre é um corte de carne que fica sobre as costelas do boi, um músculo fino e
alongado, como uma manta. Ao carnear um boi, esta é a primeira peça que se tira depois de
courear.
O termo matambre vem do castelhano. Conta-se que, por ser o primeiro corte
carneado, era o primeiro a seguir para as brasas e o primeiro a ser servido. Assim, matava a fome
dos comensais enquanto se aguardavam os demais cortes. Daí o termo: mata hambre (mata fome)
– matambre.
É consumido em todo o Estado, mas especialmente apreciado na fronteira com a
Argentina, onde surgiu o preparo recheado. Antes do seu preparado, o matambre é surrado, isto é,
batido com uma madeira para amaciar. Após, estende-se a peça de carne com a gordura para
baixo, e sobre ela se espalha o recheio de cebola, alho, pimenta, cenoura e ovos cozidos. A carne
então é enrolada e amarrada como um embutido, podendo ser cozida ou assada.
MORANGA CARAMELADA
A moranga é uma variedade de abóbora, com textura mais fibrosa e resistente. No sul
do Estado, a moranga caramelada é um prato emblemático da cultura e da história da região. Isto
porque era na região sul do Estado que se concentravam as charqueadas, as quais produziam o
charque e o couro que eram comercializados no sudeste e no nordeste do Brasil em troca de
açúcar e produtos da cana. Com a abundância de açúcar na região, somada à tradição doceira dos
colonizadores portugueses, a cultura do doce se desenvolveu.
Apesar de ser um prato bastante doce, já que se trata de pedaços de moranga cozidos
em calda de açúcar, a moranga caramelada não é tradicionalmente consumida como sobremesa, e
sim como acompanhamento para carnes.
ORIGONE
Tradicional ingrediente da culinária pelotense, o origone é um pêssego fatiado e seco
ao sol, que chegou ao Rio Grande do Sul com os colonizadores ibéricos. Seu nome vem do
espanhol orejón (uma referência ao formato final do doce, que lembra uma orelha grande) e é uma
das diversas variedades de frutas secas encontradas em Portugal e Espanha (prática comum que
remonta à presença árabe na região).
Em Pelotas, a tradição doceira portuguesa e a produção local de pêssegos
contribuíram para que o origone se popularizasse, sendo que um dos principais pratos da cidade a
levar o ingrediente no preparo é o arroz de origone, um doce feito com os origones reidratados em
água, arroz, açúcar caramelizado e manteiga, para ser comido como sobremesa. Existe também a
variação salgada do prato, que substitui o açúcar por sal e serve de acompanhamento para aves e
carnes vermelhas.
Atualmente, o origone possui o selo de Indicação Geográfica, conferido pelo Instituto
Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), como Doces de Pelotas, na categoria de doces
cristalizados de frutas.
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PAÇOCA DE PINHÃO COM CHARQUE
O pinhão é a semente da Araucária, pinheiro nativo dos Campos de Cima da Serra,
com distribuição pela região sul do Brasil até o Paraná. Diz-se que a disseminação das Araucárias
no Planalto se deve à ação da gralha azul, que enterraria os pinhões pela parte fina para comer a
polpa da parte mais grossa. No entanto, pesquisas acerca da ecologia histórica do bioma Mata das
Araucárias indicam a importância da influência dos índios Jê na dispersão destas árvores na
região, assim como na difusão do consumo das sementes.
O pinhão pode ser cozido ou assado, resultando em uma polpa carnuda de sabor
amendoado, que pode ser incluído em diferentes preparos doces ou salgados, mas também é
muito consumido sozinho. Uma das preparações mais emblemáticas que utiliza pinhão é a
paçoca. Trata-se do pinhão cozido, moído e refogado com cebola, alho e charque desfiado.
Na história do Rio Grande do Sul, os Campos de Cima da Serra são conhecidos como
a terra dos índios Coroados, que já consumiam o pinhão há pelo menos 1.200 anos. No século
XVII, os Jesuítas espanhóis formaram nestes campos a Vacaria dos Pinhais e, mais tarde, os
portugueses implantaram as paragens e estradas muradas de pedras – taipas – pelas quais eram
conduzidas as tropas de gado desde o extremo sul até Sorocaba. Foi nesta região, no Rio Pelotas,
onde se instalou o principal posto de tributação sobre as tropas e o charque, o Passo de Santa
Vitória, cujas ruínas ainda se encontram no município de Bom Jesus. Assim, na longa viagem
através do campo e do frio, os tropeiros transformaram a receita simples da paçoca indígena em
um prato historicamente gaúcho.
PÃO DE AMENDOIM
O amendoim já era conhecido pelos indígenas que viviam no Rio Grande do Sul antes
da chegada dos europeus. Acredita-se que esta planta é originária das regiões tropicais da
América do Sul, e que sua difusão no continente se deu pelos incas. Já no período colonial, ela foi
levada para Ásia e África pelos portugueses, e incorporada à culinária desses povos.
No estado, o pão de amendoim pode ser encontrado em várias cidades, especialmente
aquelas pertencentes à região da Quarta Colônia, sendo um prato tradicional tanto na comunidade
alemã, quanto na quilombola. A receita mais clássica alemã é feita com massa de cuca, açúcar e
amendoim, que é enrolada, ainda crua, e posta pra assar. Já entre os quilombolas, estabelecidos
principalmente no município de Restinga Seca, os produtos à base de amendoim são importante
fonte de renda, e representam a continuidade de técnicas culinárias e cultura dos seus
antepassados.
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PRATOS COM PEIXE
O peixe, apesar de ter perdido espaço para a carne de gado, segue como um dos
principais itens constantes no nosso cardápio regional, tanto aqueles de água salgada, quanto os
de água doce. Esta tradição remonta aos povos indígenas, que habitavam o litoral. Estes
deixaram, em seus sambaquis, os vestígios do uso do peixe e dos moluscos na sua alimentação.
Também no interior, na região da Campanha, os chamados “cerritos”, registram vestígios do tipo
de alimentação praticado por estes povos nômades, ficando evidenciado o uso do peixe de água
doce na dieta destes povos. O peixe era consumido assado na brasa ou na taquara, ou ainda
ensopado, técnica até hoje empregada.
A riqueza dos grandes rios do estado oferece uma grande variedade de espécies de peixes, sendo
os mais consumidos o dourado, pintado, jundiá, e bagre.
Com a chegada dos portugueses, povo acostumado com o mar, e, mais tarde, dos
açorianos, que viviam nas ilhas, o peixe continuou a ser utilizado na alimentação, apesar da
concorrência da carne barata e em abundância existente na região. Nas povoações ao longo do
litoral, das lagoas e dos rios, formaram-se colônias de pescadores, que existem até hoje, como em
Rio Grande, São Lourenço do Sul, Torres e, até mesmo, na região das ilhas em Porto Alegre.
Os açorianos introduziram novas formas de preparo, como os ensopados e os refogados.
Além disso, eram consumidos peixes exóticos, que aqui chegavam após sofrer o processo de
salga na sua origem, que evitava a sua rápida decomposição, e serviam como alimento barato,
antes da introdução do charque.
Essa cultura gastronômica da utilização do pescado é tão intensa que originou inúmeras
Festas do Peixe e iguarias que ocorrem todos os anos nas cidades litorâneas, como Rio Grande,
Tramandaí e Arroio do Sal, e reforçam a tradição das práticas e preparos do pescado. Nestas
festas, o peixe – tainha, enchova, e outros, conforme a época do ano – é preparado assado na
brasa, em espetos de madeira, taquara ou metal, ou em grelhas, apenas com sal e limão ou com
temperos à base de ervas.
POLENTA
O milho é um dos alimentos mais importantes da história do encontro do novo com o
velho mundo. De origem americana, inúmeras variedades de milho foram domesticadas pelas
populações pré-coloniais de norte a sul do continente. Levadas à Europa nas mãos do italiano
Cristóvão Colombo, as mudas de milho se desenvolveram e ajudaram a combater a fome que
aplacava o continente no século XVI.
Cremes de cereais já eram comidos na Roma antiga, em especial pelas camadas mais
pobres da sociedade. Assim, a polenta de milho nasceu na Itália, fruto do encontro desta tradição
com o novo alimento americano. Três séculos depois, a polenta retornou à América nas mãos dos
imigrantes italianos que colonizaram o sul do Brasil, tornando-se um dos pratos de referência na
gastronomia do Estado.
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A polenta foi o prato de resistência dos colonos italianos, mistura da farinha de milho
e sal em água fervente, era cozida em panelas de ferro, parol ou caieira, que repousavam
diretamente no fogão a lenha. A polenta deve ser mexida vigorosamente no início do preparo para
não embolotar, após pode ser apenas mexida para não queimar. Após uma hora está pronta para
ser servida no jantar, despejada sobre uma tábua e cortada com um fio. A sobra era aproveitada no
dia seguinte. Assim, no café da manhã, era consumida brustolada ou sapecada, ou seja, cortada e
assada na chapa do fogão; servia de lanche durante o trabalho na lavoura, no lugar do pão,
acompanhada de queijo e embutidos. Também era feita com açúcar e misturada ao leite para ser
consumida no jantar.
A polenta pode ser consumida cremosa (mole), utilizada como acompanhamento de
carnes ou com molhos, e frita, sendo está última incorporada à gastronomia típica italiana do
“Galeto al Primo Canto”.
Hoje, a polenta deixou de ser um prato característico dos “tempos difíceis”,
assumindo papel de acompanhamento e destaque nas refeições caseiras e nos restaurantes.
PUDIM DE LEITE
Nosso pudim brasileiro, muito diferente dos pudins das cortes inglesa e francesa do
século XVIII, tem sua origem em Portugal. Conta a história que esta sobremesa clássica foi criada
por um abade de um vilarejo português que, mesmo com o sucesso de sua criação, dizia não
revelar de forma alguma o segredo de sua receita a ninguém. Chegou a promover um concurso de
pudins para ver se alguém se aproximaria do mistério da receita. Ninguém conseguiu. O segredo,
guardado a sete chaves, acabou sendo revelado somente após a sua morte: uma mistura
proporcionada de gemas, açúcar, água e toucinho.
Sabe-se que, aqui no Brasil, e como consequência da primeira imigração portuguesa
no RS, o pudim tenha chegado as nossas mesas e tenha se adaptado aos modos e fazeres que
surgiram com a integração das culturas dos imigrantes com o novo lugar e, consequentemente,
novos hábitos e diferentes ingredientes. Provavelmente, por uma adaptação de ingredientes e, por
que não, de paladar, a gordura de origem animal que se somava à receita original, o toucinho,
acabou por ser substituído pela gordura do leite. No período de estabelecimento das colônias de
imigrantes aqui no estado, as vacas faziam parte da criação animal das pequenas propriedades dos
colonizadores. Consequentemente, o leite dava o líquido e a gordura que a receita necessitava,
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agregando um sabor mais leve, mesmo que involuntariamente, e muito diferente da receita
original. Os ovos também começaram a ser adicionados inteiros, em vez de somente as gemas,
como o tradicional pudim da receita portuguesa, certamente visando a economia e o
aproveitamento dos ingredientes como um todo. Vem para a mesa então, o pudim de leite.
Em datas importantes nas comunidades alemã e italiana, dias comemorativos, noites
de Natal e Ano Novo, o pudim de leite se instaura como sobremesa de festa. Temos registro de
muitas variações do pudim de leite: de sete a dezoito ovos, em uma única receita. Com a chegada
dos anos 20 e 30, as caldas tornam-se mais elaboradas e as variações de sabores surgem: coco,
café, e aparecem criações, como o famoso pudim Assis Brasil, uma elegia gastronômica
reconhecida em todo o estado. Perde-se, então, alguma referência da receita do abade origina e
encontra-se aqui, a originalidade de uma “adaptação”, que acaba por tornar-se um clássico agora,
da gastronomia regional.
QUEIJO ARTESANAL SERRANO
O queijo serrano é produzido na região
sul do Brasil: nos Campos de Cima da Serra, no Rio
Grande do Sul, e no Planalto Sul Catarinense, em
Santa Catarina.
Não se tem certeza da data do início
desta produção, mas têm-se registros da produção
do queijo já em 1831, quatro anos antes do início da
Guerra dos Farrapos. O queijo serrano é uma adaptação de receitas portuguesas, trazidas pelos
primeiros povoadores europeus desta região e, em seu preparo, utiliza-se o leite cru, sem qualquer
tipo de tratamento térmico.
Os tropeiros levavam o excedente produzido nas fazendas serranas – não só o queijo
típico, mas também couro, crina e charque – e esses produtos eram carregados no lombo de mulas
em bruacas, para serem trocados por mantimentos não produzidos na região, tecidos e
ferramentas. O resultado foi uma integração forte entre os Campos de Cima da Serra e os
municípios do litoral.
A produção deste queijo típico está relacionada à agricultura familiar e dá-se
principalmente nas fazendas serranas de Bom Jesus, Vacaria, São José dos Ausentes, Cambará do
Sul, Lagoa Vermelha e São Francisco de Paula, no Rio Grande do Sul. Através da ordenha de
vacas – gado franqueiro – alimentadas com pasto nativo, junto com coalho e sal, sem fermento, é
produzido o queijo serrano, em um processo tradicional. A gênese botânica da alimentação do
gado franqueiro proporciona ao queijo serrano um sabor amanteigado que se acentua com a
maturação, bem como o seu aroma. Este produto pode durar três meses, se mantido sob a
temperatura ambiente ou cinco meses se mantido abaixo dos 12ºC.
O queijo serrano continua sendo elaborado pelos produtores dos Campos de Cima da
Serra da mesma maneira como os seus antepassados realizavam. Atualmente, o queijo artesanal
serrano está em processo para ser reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial, o que trará
benefícios para a comercialização e divulgação do produto.
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QUIBEBE DE ABÓBORA
A abóbora é uma hortaliça originária da América, sendo historicamente consumida pelas
populações ameríndias desde o México até o Uruguai. No Brasil, diferentes variedades de abóbora eram
cultivadas e consumidas pelas populações indígenas, sendo o terceiro alimento de maior importância na
dieta – atrás somente da mandioca e do milho.
De sabor adocicado e excelente conservação, as abóboras podem ser utilizadas em pratos
doces e salgados, cozidas, assadas, e, dado o seu formato arredondado e a sua casca dura, podem,
inclusive, servir como panela.
Por sua versatilidade, sabor e resistência, a abóbora foi sendo incorporada à culinária de
todos os povos que chegaram ao Brasil. No Rio Grande do Sul, a abóbora foi consumida nas longas
viagens dos tropeiros, nas senzalas das charqueadas e nas colônias europeias.
Muitos dos pratos emblemáticos da culinária gaúcha têm a abóbora como ingrediente
principal, como é o caso do quibebe, um purê de abóbora temperado com sal, cebola, alho, pimenta e
cheiro verde, servido como acompanhamento para carnes.
O consumo de purê de abóbora remete ao Brasil pré-colonial. Diferentes variedades de
abóbora eram cultivadas e consumidas pelos indígenas Guarani. No entanto, entre estes, apreciar o sabor
original do alimento consumido é fundamental para a nutrição do corpo e da alma, de forma que a sua
culinária tradicionalmente usa pouco ou nenhum tempero.
Ao desembarcarem no Brasil do século XVI, europeus e africanos adaptaram os sabores e os
alimentos disponíveis em nossa terra aos seus paladares. Foi assim que o purê de abóbora recebeu
temperos e carnes, e uma denominação no idioma quimbundo dos negros bantos, kibebe, ou quibebe,
prato afro-indígena de sabor bem brasileiro.
No Rio Grande do Sul, o encontro das culturas indígena e africana foi favorecido na metade
sul do Estado, onde se concentraram as propriedades charqueadoras no século XVIII. Nascido deste
contexto, o quibebe com charque se tornou um dos pratos mais emblemáticos da culinária gaúcha.
ROSCA DE POLVILHO
Quando os colonos alemães chegaram ao Brasil, eles precisaram adaptar a sua
culinária típica aos produtos encontrados aqui. Como a farinha de trigo ainda era muito cara no
país, acabou substituída pelas farinhas de milho e de mandioca. A partir delas, várias iguarias
começaram a surgir, como a rosca de polvilho azedo. Antigamente, as roscas eram colocadas
sobre folhas de bananeira e levadas ao forno à lenha bem quente. Para que ficassem grandes e
vistosas, algumas mulheres costumavam bater nelas com varinhas alguns minutos depois de
colocarem no forno.
Muito apreciada e presença constante na dieta do imigrante alemão, a rosca é feita à
base de leite e polvilho azedo, e geralmente é acompanhada por schmier e kässchmier.
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SAGU DE VINHO TINTO
O sagu de vinho tinto é um doce típico da Serra Gaúcha, mas consumido e apreciado
em todo o Estado. Trata-se de pequenas pérolas de amido de mandioca cozidas em vinho tinto,
açúcar, cravo e canela. Opcionalmente, é acompanhado com creme de baunilha.
Esta sobremesa representa a mistura dos sabores e culturas do Rio Grande do Sul. O
amido de mandioca já era consumido pelos Guaranis muito antes da chegada do europeu, na
forma de beijus e tapiocas. Mas foi em busca de um substituto para a fécula de batata, durante a 1º
Guerra Mundial, que imigrantes alemães desenvolveram as esferas de sagu. Como elas foram
preparadas inicialmente não temos informação, mas foi em Caxias do Sul que surgiu a ideia de
cozinhá-las no vinho. Por sua cor, aroma e sabor marcantes, o sagu é um dos pratos mais
emblemáticos da gastronomia gaúcha.
SALADA DE BATATAS
A batata, originária dos Andes, começou a ser cultivada há aproximadamente sete mil
anos. A história do tubérculo no Brasil, porém, se desenvolveu bem mais tarde, com a vinda dos
colonos alemães no século XIX. Se antes da imigração era dada pouca importância à batata, isso
logo mudou: em 1940, o Rio Grande do Sul já era o principal produtor brasileiro de batatainglesa. Os alemães, por sua vez, forneciam 83% da colheita rio-grandense.
A fartura de batata permitiu que diversos pratos fossem criados com ela, como a
clássica salada de batatas. Ainda que a salada verde, preparada com alface e um composto de
vinagre, água e sal, tivesse espaço cativo na mesa, era a Kartoffelsalat o acompanhamento
essencial.
Para fazer a salada de batatas,
seleciona-se um tubérculo que mantenha a forma
após o cozimento. O óleo é utilizado para
emulsificar os ovos, formando uma maionese que é
acrescida à batata cozida e cortada em cubos. Em
outra receita bastante difundida na colônia, era
utilizado um molho branco ralo e bem temperado. O
vinagre ou o suco de limão são acrescentados para
dar um toque de acidez ao preparo.
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TORTEI DE ABÓBORA
O tortei é uma massa de trigo e ovos recheada com purê de abóbora temperado apenas
com sal e noz moscada. É servido com molho de tomate e queijo. Este prato é muito consumido na
colônia italiana no Rio Grande do Sul, e representa o encontro da tradição indígena e italiana.
A história conta que a abóbora foi levada da América para a Europa ainda no século
XVI, passando a ser lá cultivada e consumida. Na Itália setentrional, a zucca foi logo incorporada
ao cardápio e ao recheio de massas. O tortelli di zucca tornou-se o prato símbolo da cozinha
mantovana.
Assim, podemos considerar que os colonos italianos que chegaram ao Rio Grande do
Sul a partir de 1870, provenientes justamente desta região, já utilizavam a abóbora como recheio
de massas, encontrando em nossa terra terreno favorável à manutenção desta tradição tão
representativa do encontro do Velho e do Novo mundo.
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5. Bebidas regionais
CHIMARRÃO
O chimarrão (ou mate), bebida característica da Região Platina, é uma herança dos
índios Guarani. Sorver o chimarrão está inserido na cultura sulina, especialmente no Rio Grande
do Sul, sendo um hábito que se difundiu por todo o Estado, tanto no campo como nas cidades. Na
cultura Guarani, o uso da erva-mate ficava restrito aos feiticeiros e pajés como forma ritualística e
sagrada. Inicialmente, o chimarrão chegou a ser proibido pelos portugueses e os padres jesuítas
das reduções do Guairá a consideravam "erva do diabo". Mas, logo, passaram a incentivar seu
consumo.
O termo "chimarrão" é o mais difundido no Brasil, embora seja um termo oriundo da
palavra castelhana cimarrón, usada para designar o gado domesticado que retornou ao estado de
vida selvagem e também o cão sem dono, bravio e caçador. O sentido de rude e forte faz a palavra
chimarrão ser utilizada pelos colonizadores europeus para indicar a amarga bebida dos nativos.
O chimarrão é composto de uma infusão de erva-mate moída com água quente, que
produz um chá, colocado em um recipiente denominado cuia, sorvido através de um canudo, a
bomba. A cuia tradicional é feita do porongo, em um processo artesanal, que dá forma e mantém
as propriedades de sabor e aroma característicos que o recipiente confere ao chimarrão. A bomba
é uma espécie de tubo, feito de diversos materiais. Originalmente os povos indígenas utilizavam
uma bomba feita de taquara que era chamada de tacuapi. Mais tarde, surgiram outros tipos de
bombas feitas de outros materiais, até chegar aos modelos mais modernos em metal que são
utilizados hoje em dia.
O ato de beber o chimarrão é realizado de várias maneiras, a mais tradicional ou mais
conhecida é a chamada “roda de chimarrão” ou “roda de mate”, quando ocorre a circularidade da
mesma cuia, que passa de mão em mão, sendo o líquido sorvido até o final, antes de ser cheia
novamente e passada para outra pessoa. Tomar o chimarrão é um ritual de sociabilidade, reunindo
as pessoas para compartilhar a bebida e a conversa amistosa em um ambiente de aconchego e
hospitalidade. São nas rodas de chimarrão que se contam os “causos”, as histórias fantásticas
narradas pelos participantes, que compõem o folclore gauchesco.
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VINHO
O Rio Grande do Sul destaca-se como o grande produtor de vinhos do Brasil. A
vitivinicultura foi introduzida no estado pelos açorianos, que plantaram as primeiras mudas de
videiras. Os alemães introduziram na região dos Vales parreirais de origem européia, mas após
safras frustradas, plantaram cepas americanas, resistentes ao clima e às pragas. Entretanto,
somente a partir da chegada dos imigrantes italianos no Rio Grande do Sul, em 1875, é que o
cultivo da uva e a sua transformação em vinho perderam o caráter de cultura doméstica para se
transformar em uma atividade comercial.
Igualmente, os italianos trouxeram mudas de seu país de origem, mas estas
acabaram não se adaptando e assim recorreram aos seus vizinhos alemães na busca das
variedades americanas. Estas se desenvolveram muito bem na região e a produção de vinho
cresceu, gerando um excedente que foi comercializado para os centros urbanos do estado e para o
mercado paulista. Nesta primeira fase, a produção era artesanal, realizada nos porões das casas,
enquanto as uvas eram plantadas nos lotes coloniais.
Na década de 1930, surgiram as primeiras cooperativas vitivinícolas reunindo os
pequenos produtores de uvas, com o objetivo de centralizar o processo de elaboração do vinho, e
com isto aprimorar as técnicas e a comercialização. São deste período a Sociedade Vinícola
Riograndense, a Forqueta, a Aurora e a Garibaldi.
Em Garibaldi, graças ao trabalho pioneiro da família Peterlongo, vinda da região do
Tirol, elaborou-se o primeiro champanha brasileiro, em 1913. Durante quatro décadas, o
Champanha Peterlongo era o único espumante produzido no país, conquistando o mercado
brasileiro a partir de 1930. Hoje a cidade é conhecida como Capital do Espumante, responsável
por 60% da produção nacional de espumantes, sediando as principais empresas produtoras.
A partir da década de 1970, a vitivinicultura rio-grandense passa por uma fase de
“incremento da qualidade” dos seus vinhos com a disseminação de variedades europeias, de
maior potencial enológico, e a produção de vinhos varietais. Com esse esforço, os vinhos,
espumantes e sucos aqui produzidos vêm ganhando prêmios no cenário nacional e internacional.
Outra região que está ganhando destaque na produção de vinhos é a Campanha
Gaúcha, representando 15% da produção total do estado. As primeiras videiras foram plantadas
no final do século XIX, ainda assim esta atividade ficou latente até a década de 1970, quando foi
retomada. Hoje a Campanha conta com diversas vinícolas e sua marca já está presente tanto no
país, quanto no exterior. São vinhos finos, de castas selecionadas, que encontraram na região seu
terroir, com clima e solo ideais.
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CERVEJA ARTESANAL
A fabricação e o consumo da cerveja é uma das práticas mais antigas da humanidade.
No Brasil, a cerveja já era produzida no século XVII; no entanto, a difusão do consumo foi
demorada, principalmente para não criar concorrência com os vinhos portugueses. A abertura dos
portos e a chegada dos imigrantes europeus fez mudar este cenário.
No Rio Grande do Sul, os recém chegados colonos alemães passaram a produzir
cervejas de forma artesanal para seu consumo, tradição trazida desde sua origem. Assim
começaram as primeiras cervejarias: Georg Heinrich Ritter, por exemplo, instalou uma pequena
fábrica no porão de sua residência, em Linha Nova, no ano de 1846, e esta se transferiu para Porto
Alegre na década de 1880. Com isso, no início do século XX, a cervejaria Ritter fazia parte de um
grupo de 13 cervejarias existentes em Porto Alegre. Em 1913, já existiam 134 cervejarias no
estado do Rio Grande do Sul. Com o tempo, algumas desapareceram, enquanto outras se
fundiram, dando origem a algumas das grandes cervejarias que ainda hoje permanecem ativas.
O setor das micro-cervejarias e cervejarias artesanais está crescendo no estado,
dentro de um movimento mais amplo no qual os consumidores estão buscando novos produtos,
com sabores mais rebuscados e com ingredientes de melhor qualidade. O Rio Grande do Sul
possui 32 micro-cervejarias, alcançando grande qualidade e conquistando prêmios em
campeonatos nacionais. A cerveja artesanal gaúcha está diversificando-se, buscando sabores
diferenciados e utilizando ingredientes mais naturais, adequando-se ao clima temperado do
estado e às mudanças no paladar dos consumidores.
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CACHAÇA
A cachaça é uma bebida produzida a partir da destilação do suco fermentado da canade-açúcar. No Brasil, a produção da cana-de-açúcar vem desde a chegada dos portugueses, em
1500, e, segundo pesquisas arqueológicas, a primeira cachaça foi produzida alguns anos depois.
No Rio Grande do Sul, a cana-de-açúcar foi introduzida pelos tropeiros e, em seguida, pelos
açorianos como uma cultura secundária, com características bastante distintas e peculiares, pois é
realizada em pequenas propriedades, principalmente ligada à agricultura familiar. Com o passar
dos anos, o cultivo da cana e seu processamento foi se espalhando pelo Estado, juntamente com a
colonização, as famílias foram implantando seus engenhos para processamento dos derivados,
surgindo assim pequenas agroindústrias.
As cachaças gaúchas, produzidas artesanalmente, vêm conquistando mercados,
inclusive fora do Brasil. Hoje, os gaúchos empenham-se na qualificação da produção e, segundo
a associação do setor, “os mineiros têm a tradição em produzir cachaça, os paulistas têm o
volume, nós, gaúchos, queremos ser reconhecidos pela qualidade”.
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ALGUMAS BEBIDAS ARTESANAIS: A JURUPIGA E O MAISCHNAPS
A Jurupiga é uma bebida artesanal feita a partir da uva. Seu modo de fazer é herança
dos colonos do norte de Portugal, onde também é produzida até hoje. Em Portugal, é conhecida
como “Jeropiga” ou “Geropiga. No estado, a bebida é elaborada artesanalmente na Ilha dos
Marinheiros, utilizando os mesmos métodos de sua origem portuguesa. A ilha, de colonização
portuguesa, está localizada na cidade do Rio Grande, junto à margem oeste da Laguna dos Patos.
A Ilha dos Marinheiros foi o primeiro local do Estado a cultivar em grande escala a
uva do tipo Isabel, se tornando, em meados do século XIX, uma grande produtora de vinho e de
Jurupiga. Fatores como a grande enchente de 1941 e as pragas que se seguiram acabaram
prejudicando as videiras, obrigando os fabricantes a trazerem uvas da serra, o que encarecia o
produto. Hoje, apenas uma família produz a Jurupiga em larga escala e a comercializa: a família
Dias, que reiniciou a plantação de videiras, com sucesso.
O modo artesanal de fabricar a Jurupiga consiste em “quebrar” a uva (pisando ou
utilizando-se de um quebrador ou esmagador a manivela ou elétrico), retirando este primeiro
líquido (mosto) considerado a “nata” da uva antes que fermente, pois assim mantém sua doçura
natural. Após este processo, é adicionado o álcool, na proporção que varia de 17% a 20%, não
adicionando açúcar, pois o sabor adocicado se dá pela própria fruta. Após isto, se deixa a mistura
nos tonéis ou pipas por cerca de 2 a 3 meses para que ela se torne homogênea e o líquido cristalino.
Hoje, a Jurupiga e o seu modo artesanal de fazer faz parte do Patrimônio
Imaterial do Município de Rio Grande, sendo, portanto, protegida por lei municipal.
Maischnaps ou Chá de Maio é uma bebida de origem pomerana, que pode ser
encontrada no município de São Lourenço do Sul.O Maischnaps é feito com uma infusão de 31
ervas ou folhas de árvores, colhidas uma por dia, e colocadas uma a uma em infusão de um litro de
aguardente. Essa mistura deverá ficar descansando por um mês. Depois as plantas serão retiradas
e a bebida pode ser consumida como remédio ou como substitutivo de outra bebida alcoólica.
Servia como xarope medicinal, servindo de tratamento de diversos males, podendo ser usado
diariamente uma colher de sopa ou um gole. Ainda era utilizado como energético, para aqueles
que trabalhavam na roça.
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SPRITZBIER
Spritzbier é uma bebida tradicional entre os colonos alemães e seus descendentes. Esta
bebida é uma espécie de cerveja caseira sem álcool, feita a partir da raiz do gengibre ou de outros
ingredientes, com mel ou açúcar mascavo. Após a mistura passar por um processo de fervura, era
engarrafada e descansava nos porões, passando por processo de fermentação. Durante este
processo, muitas garrafas eram perdidas, devido ao excesso de pressão.
Hoje, a fabricação desta bebida artesanal ainda está presente nas festas das pequenas
comunidades do interior da região de colonização alemã.
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