INFECTOLOGIA

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INFECTOLOGIA
Volume 2
INFECTOLOGIA
PRINCIPAIS TEMAS PARA PROVAS DE RESIDÊNCIA MÉDICA
AUTORIA E COLABORAÇÃO
Durval Alex G. e Costa
Graduado em medicina pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Especialista em Infectologia pelo Hospital Heliópolis. Doutorando em Doenças Infecciosas pela Universidade Federal
de São Paulo (UNIFESP). Médico infectologista da Enfermaria de Moléstias Infecciosas do Hospital
Estadual Mário Covas, de Santo André.
Carolina dos Santos Lázari
Graduada em medicina pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Especialista em Infectologia
pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Ex-preceptora do Programa de Residência Médica em Infectologia da FMUSP. Médica infectologista do
Serviço de Extensão ao Atendimento a Pacientes com HIV/AIDS da Divisão de Moléstias Infecciosas
e Parasitárias do HC-FMUSP.
Carolina Luisa Alves Barbieri
Graduada pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto (FMUSP-RP).
Especialista em Pediatria e em Infectologia Pediátrica pela FMUSP.
Maria Daniela Di Dea Bergamasco
Graduada em medicina e especialista em Infectologia pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Mestranda na UNIFESP, fazendo parte do Grupo de Infecções em Onco-Hematologia e Transplante de Medula Óssea da Disciplina de Infectologia.
Anne Stambavsky Spichler
Graduada pela Escola de Medicina Souza Marques (EMSM-RJ). Especialista em Infectologia pelo Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo. Doutora pelo Hospital das Clínicas da Universidade
de São Paulo (HC-FMUSP). Médica assistente do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.
Ralcyon F. A. Teixeira
Graduado pela Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Especialista em Infectologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Médico assistente do Hospital Universitário (HMCP) da PUC-Campinas. Médico Infectologista do Hospital Sírio-Libanês.
Rodrigo Antônio Brandão Neto
Graduado pela Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Especialista em Clínica Médica, em Emergências Clínicas e em Endocrinologia pelo Hospital
das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), onde é médico
assistente da disciplina de Emergências Clínicas.
APRESENTAÇÃO
Após anos de dedicação intensa, numa árdua rotina de aulas teóricas e plantões
nos mais diversos blocos, o estudante de Medicina depara com mais um desafio, o qual
determinará toda a sua carreira: a busca por uma especialização bem fundamentada e
que lhe traga a garantia de uma preparação a mais abrangente possível.
Talvez a maior dificuldade enfrentada pelo futuro médico nessa etapa seja o ingresso
nos principais centros e programas de Residência Médica, devido ao número expressivo
de formandos, a cada ano, superior ao de vagas disponíveis. Contudo, essa barreira pode
ser vencida quando se conta com o apoio de um material didático direcionado e que
transmita total confiança ao candidato.
Considerando essa realidade, foi desenvolvida a Coleção SIC Principais Temas para
Provas de Residência Médica 2013, com capítulos baseados nos temas cobrados nas
provas dos principais concursos do Brasil, casos clínicos e questões, dessas mesmas
instituições, selecionadas e comentadas de maneira a oferecer uma compreensão mais
completa das respostas.
São 31 volumes preparados para que o candidato obtenha êxito no processo seletivo
e, consequentemente, em sua carreira.
Bons estudos!
Direção Medcel
A medicina evoluiu, sua preparação para residência médica também.
ÍNDICE
Capítulo 1 - Tuberculose ................................. 21
1. Epidemiologia .............................................................. 21
2. Fisiopatologia .............................................................. 22
3. Apresentação clínica .................................................... 23
4. Procura de casos – “busca ativa” ................................ 26
5. Tratamento .................................................................. 31
6. Efeitos colaterais.......................................................... 34
7. Situações especiais ...................................................... 35
8. Seguimento ................................................................. 36
9. Prevenção .................................................................... 36
10. Resumo ...................................................................... 40
Capítulo 2 - Hanseníase ................................ 41
1. Introdução ................................................................... 41
5. Tratamento ............................................................... 63
6. Prevenção de novos casos ........................................... 63
7. Resumo ........................................................................ 63
Capítulo 5 - Dengue ........................................65
1. Etiologia ....................................................................... 65
2. Transmissão ................................................................. 65
3. Epidemiologia ............................................................. 66
4. Fisiopatogenia ............................................................. 68
5. Quadro clínico e classificação ...................................... 69
6. Avaliação laboratorial e diagnóstico ............................ 71
7. Tratamento .................................................................. 72
8. Prevenção .................................................................... 74
9. Resumo ........................................................................ 74
2. Histórico ...................................................................... 43
Capítulo 6 - Icterícias febris ............................75
3. Agente etiológico......................................................... 43
1. Introdução .................................................................. 75
4. Imunopatogenia e fatores genéticos ........................... 44
2. Febre amarela.............................................................. 75
5. Classificação ................................................................ 44
3. Malária ........................................................................ 78
6. Diagnóstico .................................................................. 46
4. Leptospirose ................................................................ 85
7. Tratamento .................................................................. 47
5. Febre tifoide ................................................................ 90
8. Estados reacionais ....................................................... 48
6. Resumo ........................................................................ 92
9. Prevenção e vigilância epidemiológica ........................ 49
10. Hanseníase e gravidez ............................................... 49
Capítulo 7 - Hepatites virais ...........................95
11. Resumo ...................................................................... 50
1. Introdução ................................................................... 95
Capítulo 3 - Paracoccidioidomicose............... 51
2. Hepatite A.................................................................... 95
3. Hepatite B .................................................................... 98
1. Introdução ................................................................... 51
4. Hepatite C .................................................................. 105
2. Mecanismo de infecção ............................................... 52
5. Hepatite D ................................................................. 109
3. Diagnóstico .................................................................. 54
6. Hepatite E ................................................................. 109
4. Tratamento .................................................................. 55
7. Resumo ...................................................................... 110
5. Resumo ........................................................................ 56
Capítulo 4 - Doença de Chagas...................... 57
Capítulo 8 - Hepatoesplenomegalias
crônicas .........................................................111
1. Introdução ................................................................... 57
1. Introdução ................................................................ 111
2. Conhecendo o T. cruzi e o ciclo da doença .................. 58
2. Leishmaniose visceral ............................................... 111
3. Fisiopatologia da infecção e formas clínicas ................ 59
3. Esquistossomose ....................................................... 115
4. Resumo ..................................................................... 119
4. Diagnóstico .................................................................. 62
Capítulo 9 - Síndrome da mononucleose
infecciosa.......................................................121
Capítulo 13 - Acidentes por animais
peçonhentos ..................................................153
1. Introdução ................................................................. 121
1. Introdução ................................................................. 153
2. Epidemiologia ........................................................... 121
2. Acidentes por serpentes ............................................ 153
3. Virologia e fisiopatologia ........................................... 121
3. Acidentes por aranhas ............................................... 156
4. Manifestações clínicas ............................................... 122
4. Acidentes causados por escorpiões........................... 157
5. Complicações ............................................................ 123
5. Acidentes causados por insetos ................................ 158
6. Diagnóstico ................................................................ 124
6. Resumo ...................................................................... 158
7. Tratamento ................................................................ 124
8. Resumo ...................................................................... 125
Capítulo 10 - Citomegalovírus ......................127
Capítulo 14 - Parasitoses intestinais ...........159
1. Introdução ................................................................. 159
2. Helmintos .................................................................. 160
1. Introdução ................................................................. 127
3. Ancilostomíase .......................................................... 161
2. Infecção aguda .......................................................... 127
4. Estrongiloidíase ......................................................... 162
3. Infecção em AIDS ....................................................... 128
5. Toxocaríase ................................................................ 163
4. Infecção em transplantados ...................................... 129
6. Teníase e cisticercose ................................................ 164
5. Infecção congênita..................................................... 130
7. Himenolepíase ........................................................... 166
6. Tratamento ............................................................... 131
8. Enterobíase................................................................ 166
7. Resumo ...................................................................... 131
9. Tricuríase ................................................................... 167
Capítulo 11 - Toxoplasmose .........................133
10. Protozoários ............................................................ 168
1. Introdução ................................................................. 133
2. Etiologia e transmissão .............................................. 133
3. Imunocompetentes ................................................... 134
11. Giardíase.................................................................. 169
12. Cólera ...................................................................... 170
13. Resumo .................................................................... 171
4. Imunossuprimidos ..................................................... 135
Capítulo 15 - Principais antimicrobianos ....173
5. Pacientes com AIDS ................................................... 135
1. Antibióticos................................................................ 173
6. Toxoplasmose ocular em imunocompetentes ........... 136
7. Toxoplasmose congênita ........................................... 137
8. Diagnóstico ............................................................... 137
9. Tratamento ............................................................... 138
10. Resumo .................................................................... 139
Capítulo 12 - Imunizações e terapia pósexposição .......................................................141
1. Introdução ................................................................ 141
2. Mordeduras de animais domésticos ......................... 141
3. Tétano acidental ........................................................ 142
4. Raiva .......................................................................... 144
5. Outras doenças passíveis de imunização
pós-exposição ........................................................... 148
6. Acidente com material biológico ............................... 148
7. Calendário nacional de vacinação ............................. 150
8. Resumo ...................................................................... 151
2. Antifúngicos ............................................................... 184
3. Antiparasitários ......................................................... 187
4. Antivirais .................................................................... 189
5. Resumo ...................................................................... 190
Capítulo 16 - Infecção pelo vírus influenza A
(H1N1) ...........................................................191
1. Introdução ................................................................. 191
2. Histórico .................................................................... 191
3. Patogênese e transmissão ......................................... 192
4. Quadro clínico ........................................................... 193
5. Diagnóstico laboratorial ............................................ 193
6. Tratamento e quimioprofilaxia antiviral .................... 194
7. Indicações de internação hospitalar .......................... 195
8. Resumo ...................................................................... 196
Casos clínicos ................................................197
QUESTÕES
Capítulo 1 - Tuberculose................................................. 211
Capítulo 2 - Hanseníase.................................................. 221
Capítulo 3 - Paracoccidioidomicose................................ 225
Capítulo 4 - Doença de Chagas....................................... 226
Capítulo 5 - Dengue........................................................ 227
Capítulo 6 - Icterícias febris............................................ 235
Capítulo 7 - Hepatites virais............................................ 239
Capítulo 8 - Hepatoesplenomegalias crônicas................ 252
Capítulo 9 - Síndrome da mononucleose infecciosa...... 254
Capítulo 10 - Citomegalovírus........................................ 257
Capítulo 11 - Toxoplasmose............................................ 257
Capítulo 12 - Imunizações e terapia pós-exposição....... 257
Capítulo 13 - Acidentes por animais peçonhentos......... 263
Capítulo 14 - Parasitoses intestinais............................... 264
Capítulo 15 - Principais antimicrobianos........................ 270
Capítulo 16 - Infecção pelo vírus influenza A (H1N1)..... 275
Outros temas.................................................................. 276
COMENTÁRIOS
Capítulo 1 - Tuberculose................................................. 281
Capítulo 2 - Hanseníase.................................................. 289
Capítulo 3 - Paracoccidioidomicose................................ 293
Capítulo 4 - Doença de Chagas....................................... 294
Capítulo 5 - Dengue........................................................ 295
Capítulo 6 - Icterícias febris............................................ 303
Capítulo 7 - Hepatites virais............................................ 307
Capítulo 8 - Hepatoesplenomegalias crônicas................ 320
Capítulo 9 - Síndrome da mononucleose infecciosa...... 322
Capítulo 10 - Citomegalovírus........................................ 324
Capítulo 11 - Toxoplasmose............................................ 325
Capítulo 12 - Imunizações e terapia pós-exposição....... 325
Capítulo 13 - Acidentes por animais peçonhentos......... 332
Capítulo 14 - Parasitoses intestinais............................... 334
Capítulo 15 - Principais antimicrobianos........................ 340
Capítulo 16 - Infecção pelo vírus influenza A (H1N1)..... 345
Outros temas.................................................................. 345
Referências bibliográficas............................ 349
INFECTOLOGIA
CAPÍTULO
1
Tuberculose
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Durval A. G. Costa / Carolina dos Santos Lázari
1. Epidemiologia
Cerca de 1/3 da população mundial está infectada pelo
Mycobacterium tuberculosis. Em todo o mundo, estimam-se cerca de 8,8 milhões de novos casos de tuberculose (TB)
por ano, com 1 milhão de óbitos (sem coinfecção com HIV).
O M. tuberculosis mata mais do que qualquer outro agente infeccioso isolado, sendo responsável por até 25% das
mortes nos países em desenvolvimento. A TB se concentra
principalmente em 22 países (todos pobres ou em desenvolvimento), que representam 80% de todas as infecções
por TB que ocorrem no planeta.
Ainda relacionado aos 22 países com maior incidência
de TB, deve ser lembrado que todos têm em comum certas
características: a associação de pobreza, falta de condições
sanitárias, aglomeração urbana e falta de políticas sociais
de saúde, que são fatores que produzem um campo fértil
para disseminação da TB. Estes elementos dificultam a diminuição de novos casos, pois isto depende da melhora das
condições gerais de sustentabilidade nestas populações.
O Brasil ocupa o 17º lugar entre todos os países com casos de TB no mundo. Em 2011, houve 69.245 casos, representando uma queda de 3,5% em relação ao ano de 2010.
Os números brasileiros também mostram melhora quando
se compara a incidência de TB na última década. Em 2011
foram registrados 36 casos por 100.000, com queda de
15,9% em relação a uma década atrás (2001).
O mapa a seguir representa os últimos dados de TB
mundialmente (2010). Apesar de haver melhora da taxa de
incidência no Brasil (entre 25 e 50 casos por 100.000), há
países vizinhos com incidência entre 100 e 299 casos por
100.000 pessoas, o que faz que migrações frequentes destes países para o Brasil aumente os casos, simplesmente
por muitos deles estarem com TB latente.
Figura 1 - Taxa de incidência mundial de tuberculose – Organização Mundial de Saúde, 2010
21
TUBERCULOSE
Entretanto, ao se falar em números de mortos, a TB ainda é a 4ª causa de óbitos por doenças infecciosas no Brasil,
sendo a 1ª causa de óbitos em pacientes HIV. Por esse motivo, existe recomendação forte para que todo paciente com
diagnóstico de TB faça sorologia para HIV. O diagnóstico não
se correlaciona necessariamente com a infecção pelo HIV,
mas, caso ocorra em conjunto, a mortalidade é importante,
justificando a preocupação.
O surgimento da multirresistência, com necessidade
de terapêutica combinada de longa duração, e a coinfecção com o HIV têm constituído fatores agravantes da disseminação mundial da doença na atualidade. Nos pacientes imunodeprimidos, o tratamento pode ser prolongado,
o que favorece o surgimento de cepas multirresistentes. A
mortalidade em 2 anos é de 70 a 80% em portadores dessas
cepas.
A micobacteriose mais frequente causadora de TB é a
M. tuberculosis. Ela tem crescimento lento, e a dificuldade
de tratamento está exatamente neste fato. Ainda que mais
de 90% das micobactérias sejam tratadas no 1º mês de tratamento, este deve ser prolongado para eliminar todas as
micobactérias. Entretanto, existem outras micobactérias de
crescimento mais lento e que eventualmente podem causar TB disseminada, especialmente em imunodeprimidos.
Deve-se ainda lembrar a micobactéria causadora da hanseníase, que não provoca TB, mas apresenta características
muito semelhantes, como o crescimento lento. Existem micobactérias que raramente são patogênicas, não abordadas
aqui pela sua pequena importância.
Tabela 1 - Tipo de micobactéria e doenças relacionadas
Tipos
Mycobacterium
tuberculosis
Doenças causadas
TB (maioria dos casos identificados)
Complexo M. avium
M. intracellulare
- Ocasionalmente TB (por isso, são chamaM. kansasii
das de potencialmente patogênicas);
M. chelonae
- Se imunodeprimidos, lesões difusas;
M. abscessus
- Se imunocompetentes, lesões localizadas.
M. fortuitum
M. peregrinum
Mycobacterium
leprae
Hanseníase
2. Fisiopatologia
A TB é uma doença infecciosa crônica causada por micobactérias de replicação lenta, do complexo Mycobacterium
tuberculosis. Trata-se de bacilos pequenos, não esporulados, aeróbios, que possuem uma parede celular rica em
lipídios. As características físico-químicas dessa parede fazem com que a bactéria seja corada por fucsina na técnica
de Ziehl-Neelsen, o que a define como Bacilo Álcool-Ácido-Resistente (BAAR). Seu crescimento é lento, com tempo de
duplicação em torno de 18 horas, formando colônias em
cultura ao redor de 30 dias. Locais com tensão elevada de
22
O2, os alvéolos pulmonares – sobretudo aqueles presentes
nos ápices dos pulmões – são mais propícios à proliferação
do M. tuberculosis.
A transmissão se dá por meio da inalação de aerossóis contendo o bacilo proveniente das secreções da via
respiratória de indivíduos bacilíferos. As partículas inspiradas atravessam as barreiras mecânicas existentes nas
vias aéreas superiores e se instalam nos alvéolos. A alteração do clearance mucociliar do receptor é fundamental
na patogênese da doença. Há um processo inflamatório
local inespecífico do qual participam células polimorfonucleares e macrófagos não ativados. Os macrófagos
fagocitam os bacilos, processam seus antígenos e apresentam epitopos para linfócitos T CD4+ específicos, os
quais secretam citocinas quimiotáxicas e ativadoras de
macrófagos. Estes se diferenciam em células epitelioides, e organizam-se em uma estrutura característica da
resposta granulomatosa. Se os granulomas estão bem
formados, a infecção é contida.
A capacidade de conter a multiplicação do bacilo e
impedir que a infecção progrida para doença envolve a
integridade do sistema imune celular. A célula responsável pela resposta imune efetiva é o macrófago, entretanto sua funcionalidade depende da interação com os linfócitos T CD4+. As citocinas produzidas e liberadas pelos
linfócitos T CD4+ – sobretudo IFN-gama, IL-2 e TNF-alfa
– promovem a ativação e a diferenciação dos macrófagos
e a migração de células específicas, tais como monócitos
e linfócitos. Além disso, garantem a formação e a manutenção da estrutura do granuloma, cujo microambiente
é dinâmico, com constante renovação das células ali presentes.
Desse modo, condições que interfiram quantitativamente ou qualitativamente na imunidade celular configuram
fatores de risco para o desenvolvimento de TB. Entre elas,
destacam-se a infecção por HIV/AIDS e outras condições de
imunossupressão, como transplante de órgão sólido; idade <5 anos ou >60 anos; desnutrição; alcoolismo; diabetes
mellitus e doenças autoimunes, especialmente aquelas em
tratamento com corticosteroides.
O período de incubação da infecção, desde a inalação
da bactéria até a formação do granuloma, é de 6 a 14 semanas. Nesse momento, já é possível observar positividade nas provas de hipersensibilidade tardia, como a reação
intradérmica à tuberculina (PPD). Por via linfática, os macrófagos com bacilos fagocitados vão para os linfonodos
hilares, originando o complexo primário ou complexo de
Gohn. O termo “nódulo de Gohn” faz referência à observação radiológica do complexo de Gohn calcificado. No
período que vai da inalação do bacilo à formação de uma
resposta imune celular específica, o bacilo circula por via
hematogênica por todo o corpo, inclusive pelo parênquima pulmonar. Essa disseminação justifica a possibilidade
de manifestação das formas miliares e extrapulmonares
localizadas da doença.
INFECTOLOGIA
CAPÍTULO
2
1. Introdução
A hanseníase é uma doença infectocontagiosa de evolução
lenta, causada pelo Mycobacterium leprae (bacilo de Hansen),
capaz de determinar incapacidades permanentes e estigmatizantes se não tratada precocemente. O M. leprae é do mesmo gênero do Mycobacterium tuberculosis, sendo espécies
que possuem características semelhantes (como crescimento
lento, doença insidiosa, contágio semelhante e infectividade
parecidas). Isto implica nas drogas utilizadas para tratamento,
Hanseníase
Carolina Barbieri / Durval A. G. Costa / Carolina dos Santos Lázari
com algumas com ação entre as 2 espécies. A hanseníase se
difere da tuberculose, no entanto, por crescimento ainda mais
lento da sua micobactéria e predileção por nervos, o que a micobactéria da tuberculose raramente causa.
Nacionalmente, a hanseníase continua a ser um problema de saúde pública, com prevalência variável nas diferentes
regiões brasileiras, onde são caracterizadas desde áreas não
endêmicas, como Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São
Paulo, até hiperendêmicas, como as regiões Norte, Nordeste
e Centro-Oeste.
Figura 1 - Taxas de prevalência da hanseníase no mundo, em janeiro de 2011
Fonte: OMS.
41
HANSENÍASE
No Brasil, foram divulgados, no início de 2012, dados
que mostraram uma incidência de novos casos com queda
de 15% em relação a 2010 (30.298 casos novos em 2011 em
comparação com os 34.894 casos novos de 2010). Apesar
da queda, o Brasil ainda é o 2º país no mundo em número de casos novos, perdendo apenas para a Índia (que em
2011 teve mais de 150.000 casos novos). Entretanto, o coeficiente de prevalência é o método utilizado mundialmente
para estabelecer limiares e definir extinção de doença. No
Brasil, a prevalência da hanseníase caiu para 1/3 do que era
há 9 anos. Enquanto em 2003 o coeficiente de prevalência
era de 4,52 por 10.000 habitantes, em 2011 foi de 1,24 por
10.000 habitantes. Esta queda importante reflete diferentes situações quando se comparam as regiões do Brasil, de
acordo com a Tabela a seguir:
Considerando agora os estados da federação, enquanto estados que já foram de prevalência média em passado recente, conseguiram prevalência ideal abaixo de 1 por
10.000 habitantes (como Minas Gerais), outros estados
pioraram seus números, a exemplo de Mato Grosso e Tocantins, que são os estados com maior prevalência de hanseníase hoje no Brasil.
A classificação da endemicidade da hanseníase varia de
acordo com os valores de prevalência. Do ponto de vista do
conhecimento que o acadêmico deve ter para a realização
da prova, os extremos da tabela são os valores mais importantes:
- Baixo: <1 caso por 10.000 habitantes;
- Hiperendêmico: >4 casos por 10.000 habitantes.
Tabela 1 - Número do registro ativo e coeficientes de prevalência
de hanseníase por região, Brasil (2011)
Regiões
Registros
ativos
Prevalências
Parâmetros
Norte
5.196
3,28
Médio
Nordeste
8.294
1,56
Médio
Sudeste
4.481
0,56
Baixo
Sul
1.259
0,46
Baixo
Centro-Oeste
4.430
3,15
Médio
Brasil
23.660
1,24
Médio
Fonte: Sinan/SVS-MS.
* Taxa por 10.000 habitantes
Figura 2 - Realidade mais recente da hanseníase no Brasil
Figura 3 - Distribuição da prevalência de hanseníase nos estados brasileiros. Note que os estados em azul conseguiram a meta da OMS,
que é uma prevalência abaixo de 1 caso por 10.000 habitantes. Por outro lado, os estados das regiões Norte e Centro-Oeste mostram
situação preocupante, com prevalência que beira 8 casos por 10.000 habitantes (considerada hiperendêmica)
42
INFECTOLOGIA
CASOS CLÍNICOS
1. Um paciente do sexo masculino, de 40 anos, com qua-
dro de 5 dias de febre, tosse, dispneia, queda do estado
geral e antecedente de etilismo (1 garrafa de aguardente
ao dia), parou de beber há 3 dias. Ao exame, sudoreico,
Tax = 37,4°C, FC = 120bpm, tremores de extremidades e
PA = 165x105mmHg. Aparelho respiratório: ausculta com
crepitações à direita.
respiratório = murmúrio vesicular positivo, com discretos
estertores crepitantes nas bases; aparelho cardiovascular
= bulhas rítmicas normofonéticas em 2 tempos, sem sopros; trato gastrintestinal = plano, flácido, ruídos hidroaéreos positivos, indolor à palpação, sem visceromegalias e
massas palpáveis; membros inferiores = pulsos positivos,
sem edema. Há ainda, à inspeção, um sinal característico:
CASOS CLÍNICOS
2009 - FMUSP (BASEADA NA PROVA)
a) Qual a alteração notada ao exame físico?
b) Qual seria a suspeita diagnóstica inicial?
a) Qual a prescrição?
b) O paciente está evoluindo com quadro confusional já há
alguns dias com dificuldade de manter-se em pé, segundo familiares. Qual seria o principal diagnóstico diferencial?
c) Que exames devem ser solicitados para a investigação
inicial?
MEDCEL
2. Um paciente de 20 anos, sexo masculino, refere qua-
dro de febre, mialgia, cefaleia, há 6 dias, com aparecimento de icterícia há 1 dia. Nega colúria e refere apresentar
ferida na perna esquerda de aproximadamente 2cm após
trauma. Ao exame: mau estado geral, corado, hipo-hidratado (1+/4), ictérico (3+/4), acianótico e levemente dispneico. E ainda: PA = 100x70mmHg; FC = 95bpm; aparelho
- Hb = 13,5g/dL;
- Ht = 40%;
- 7.500 leucócitos;
- 68.000 plaquetas/mm3;
- TGO-56, TGP-90;
- Bilirrubina total = 13mg/dL, bilirrubina direta = 11mg/dL;
- Ureia = 67mg/dL, creatinina = 1,8mg/dL.
199
207
CASOS CLÍNICOS
INFECTOLOGIA
QUESTÕES
94. Uma mulher de 44 anos, procedente de área rural,
G4P4A0 (último parto há 2 anos), apresenta dispneia progressiva aos esforços há 3 meses. Há 1 semana, relatou
queixas em repouso e notou edema nos membros inferiores. Há 2 horas deu entrada com dispneia de repouso. Ao
exame físico, notam-se congestão pulmonar e edema de
membros inferiores. A perfusão está preservada, e foi realizada a radiografia seguinte para avalizar a área cardíaca.
O diagnóstico é:
a) doença de Chagas
b) miocardiopatia periparto
c) valvulopatia mitral (estenose)
d) miocardiopatia dilatada
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2010 - UFPE
95. No ano de 2009, foram comemorados os 100 anos da
descoberta da doença de Chagas. Em relação ao comportamento dessa doença no Brasil em anos recentes, é incorreto afirmar que:
a) consideradas as mortes por causas definidas em pessoas com 60 anos ou mais de idade, a média anual de
óbitos por doença de Chagas é maior do que a média
anual de óbitos por doença pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV)
b) nos últimos 10 anos, aproximadamente 90% dos casos
de doença de Chagas aguda por transmissão oral e vetorial ocorreram na Amazônia Legal
c) o Brasil recebeu, em 2006, a certificação internacional
de interrupção da transmissão vetorial da doença de
Chagas pelo Triatoma infestans
d) consideradas as mortes por causas definidas em homens, a média anual de óbitos por doença de Chagas é
maior do que a média anual de óbitos por tuberculose
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2009 - HFA
96. A doença de Chagas, enfermidade de caráter endêmico e com ampla distribuição no território nacional, volta
a surpreender as autoridades sanitárias com a recente
descoberta de casos agudos da doença. A respeito dessa
doença, julgue os itens a seguir:
I - A principal forma de transmissão da doença é através
da corrente sanguínea, com a inoculação do parasita por
meio da saliva do triatomíneo.
II - Uma das apresentações da doença é o edema bipalpebral, conhecido como sinal de Romaña.
III - Resulta da infecção pelo protozoário Trypanosoma cruzi.
IV - A forma aguda da doença de Chagas é mais frequentemente vista em adultos na 4ª década de vida.
V - Nos pacientes infectados, a reação de “Machado Guerreiro” é positiva.
Qual alternativa apresenta o número exato de itens corretos?
a) 1
b) 2
c) 3
d) 4
e) 5
 Tenho domínio do assunto  Refazer essa questão
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Dengue
2013 - UERJ
97. Uma menina de 7 anos começou a apresentar, há 18
horas, febre alta, cefaleia retro-orbitária, mialgia e exantema maculopapular. A prova do laço foi positiva. Diante do
diagnóstico provável de dengue, as alterações laboratoriais
esperadas, nessa fase da doença, além de leucopenia, são:
a) hematócrito aumentado, plaquetopenia e IgM positiva
b) hematócrito aumentado, plaquetas normais e IgM positiva
c) hematócrito e plaquetas normais, detecção de vírus ou
antígenos virais
d) hematócrito normal, plaquetopenia e detecção de vírus
ou antígenos virais
 Tenho domínio do assunto  Refazer essa questão
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227
QUESTÕES
2010 - FMUSP - RIBEIRÃO PRETO
INFECTOLOGIA
COMENTÁRIOS
INFECTOLOGIA - COMENTÁRIOS
Questão 173. O Gráfico é da evolução típica da hepatite B
aguda. Veja-o com a legenda específica:
Neste gráfico, a replicação viral representada pelo AgHBe
está representado por um período de tempo até aparecer o
anti-HBe. Lembrar que, na hepatite B aguda, o 1º marcador
a aparecer é o HBsAg, e só depois o de replicação viral aparece. Por isso as letras representam:
- A = HBsAg;
- B = HBeAg;
- C = Anti-HBc total;
- D = Anti-HBe (provavelmente);
- E = Anti-HBs (começa tardio e mantém-se aumentado pelo
resto da vida).
Portanto, a melhor alternativa de resposta é a “d”.
Gabarito = D
Questão 174. A sarcoidose é uma doença granulomatosa
que acomete órgãos vitais do corpo como rins e pulmões
e geralmente apresenta lesões nos olhos e na pele. O raio
x típico apresenta adenopatia peri-hilar bilateral, com infiltrado intersticial e alargamento do mediastino. A biópsia de
lesões, por sua vez, mostra granuloma, mas ao contrário da
tuberculose é não caseoso. Na sarcoidose renal. a principal
característica é a hipercalcemia com hipercalciúria. Portanto, esses indícios levam a crer que a paciente apresenta sarcoidose.
Na tuberculose renal, o granuloma é caseoso; o linfoma não
cursa com hipercalcemia habitualmente; a hiperoxalúria é
uma doença causada pela deficiência de enzimas (tipo I por
deficiência de glicerato desidrogenase e tipo II por deficiência de alanina-glioxilato aminotransferase) e leva a insuficiência renal por deposição de oxalato, ocorrendo principalmente na infância; e lúpus é diagnóstico de exclusão como
sarcoidose, mas não leva a granulomas.
Gabarito = E
Questão 175. As crioglobulinemias que acompanham a
hepatite C são as mistas, tipo 2 ou 3. Nada mais são que
imunoglobulinas que precipitam a temperaturas inferiores a 37°C. Cerca de 36 a 54% dos pacientes com VHC têm
crioglobulinemias. As manifestações clínicas estão presentes em 10 a 25%. As condições cutâneas são as mais fre-
308
quentes (púrpura, ulceração, livedo, síndrome de Raynaud).
Seguidas por neuropatias e glomerulonefrites. Esta é uma
doença extra-hepática da hepatite C e indica tratamento
independente da biópsia. O tratamento da hepatite C será
também o tratamento da crioglobulinemia. Nenhuma das
outras doenças citadas tem correlação com a hepatite C.
Gabarito = B
Questão 176. O quadro é compatível com hepatite A. A presença de náuseas, febre e fraqueza pode estar na hepatite
A e apenas a diarreia faltou para fechar o diagnóstico. O
valor de bilirrubina total em 32 à custa de direta (28mg/dL)
também indica inflamação hepática aguda, assim como as
transaminases, com predomínio de ALT.
Hepatite B poderia dar quadro exatamente como esse. Não
é resposta para a questão por conta de uma técnica de laboratório com carteira de vacinação adequada ter necessariamente vacina e proteção para hepatite B (no entanto,
vacina para hepatite A não é obrigatória para este profissional).
Hepatite C raramente causa quadros agudos, e quando aparecem não cursam com imensa inflamação hepática como
a descrita anteriormente. Neste caso, as transaminases e as
bilirrubinas teriam valores mais baixos.
A colangite esclerosante é situação grave, causada por uma
doença crônica do fígado com lesões e cicatrizações frequentes de vias biliares. Apesar de poder levar a valores
altos de transaminases, geralmente estes são mais baixos,
também com bilirrubinas em valores menores.
Gabarito = A
Questão 177. Apenas a hepatite B é causada por um DNA
vírus, um flavivírus. Por este motivo, inclusive o hepatocarcinoma na hepatite B pode aparecer independente da cirrose hepática. O DNA vírus da hepatite B se incorpora ao DNA
do hepatócito parasitado, facilitando com o tempo o aparecimento de erros de divisão celular e maior possibilidade de
tumores hepáticos.
Gabarito = B
Questão 178. Filhos de mãe HBsAg devem obrigatoriamente receber vacina e imunoglobulina anti-HBV. A imunoglobulina deve ser sempre realizada previamente, nas primeiras 12 horas de vida. Para não haver inutilização da 1ª dose
da vacina de hepatite B, esta deve ser feita longe do local
da aplicação da imunoglobulina e após sua utilização (entre
12 e 48horas). Não há risco de complicações por infecção
de mucosa, já que será feita imunoglobulina. A sorologia
do RN logo após o parto mostrará anticorpos da mãe e não
terá valor preditivo.
Gabarito = A
Questão 179. A síndrome de Dubin-Johnson é uma doença
grave e rara, ligada a cromossomos recessivos, detectada
geralmente na infância. Ela leva a aumento de bilirrubinas
sem elevação de enzimas hepáticas. Se essa paciente sofresse desta enfermidade, o diagnóstico seria de hiperbilir-