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PESQU I SA
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA PARTICIPAÇÃO EM ATIVIDADES DE LAZER EM
GRUPOS DE TERCEIRA IDADE1
SOCIAL REPRESENTATION THE PARTICIPATION lN LEISU RE ACTIVITIES lN THIRD AGE
GROUPS
REPRESENTAC I ONES S OCIALES DE LA PART I CIPACIÓN EN ACTIV I DADES DE OCIO EN
GRU POS DE T ERCERA EDAD
Maria Lúcia Olivetti Bori n i 2
Fernanda Aparecida Ci ntra 3
RESU MO: O objetivo da pesq u i sa é estudar as representações sociais acerca da participação em atividades de lazer nos
grupos de Tercei ra Idade. Foram real izadas treze entrevistas individuais com participantes homens e m ulheres, com idade
su perior à 60 anos, em u m Centro de Convivência para a Tercei ra Idade. Os discursos fora m analisados a partir da técnica
de análise de conteúdo e à luz da Teoria das Representações Sociais. As "marcas da vel h i ce" como a falta de atividades,
solidão e as doenças são os motivos que levam os i dosos a freq üentarem as atividades de l azer no Centro de Convivência
para a Terceira Idade. Eles revelam pertencerem à "família da Tercei ra Idade" e encontra m u m "efeito terapêutico" para as
"marcas da vel hice". Participar das atividades de lazer em Grupos de Tercei ra Idade representa a "saída do fundo de poço",
traz um sentido para a vida e o próprio renascimento.
PALAVRAS-CHAVE: gerontolog i a , envelhecimento, lazer, tercei ra idade
ABSTRACT: The objective of this research i s to study the social representations concern i n g the partici pation of third age
groups i n leisure activities. Thi rteen i n d ividual interviews were accom plished with the co-operation of men and women over
sixty-years-old in a Th i rd Age Coexistence Center. The d iscourses were an alyzed starting from the tech n ique of content
analysis, followed by d iscussion based on the Theory of Social Representations. The "marks of old age", such as, solitude,
d isease and lack of activity, a re the reasons elderly people take part i n this kind of leisure activities i n the Th ird Age
Coexistence Center. They belong to the 'Th i rd Age family" and find med icine and thera peutic assistance for the "signs of old
age". The participation i n leisure activities represents the "exit from rock-bottom", and bri ngs mea n i n g to the life of elders as
well as a sense of reb i rth.
KEYWORDS: gerontology, a g i n g , leisure , th i rd age
RES U M E N : E I objetivo de la in vestigación es estudiar las representaciones sociales sobre la participación en actividades
de oeio en grupos de Tercera Edad . Se realizaron trece entrevistas ind ividuales con hombres y mujeres de más de 60 anos,
en un Centro de Convivencia para la Tercera Edad . Los d i scursos se anal izaron a partir d e la técn ica dei análisis de
contenido y la Teoría de las Representaciones Sociales. Las "marcas de la vejez", como la falta d e actividades, la soledad
y las enfermedades son los motivos que los lIevan a frecuentar el Centro. Mediante los d i scursos, los ancianos revelan que
pertenecen a la "familia de la Tercera Edad" y descu bre n un "efecto terapéutico" a nte las "marcas de la vejez". Participar en
las actividades de ocio e n los Grupos d e Terce ra Edad representa la "salida dei fondo dei pozo" , les da un sentido para la
vida y su propio renaci m iento.
PALAB RAS C LAVE: gerontolog ía, envejecimiento, ocio, tercera edad
Recebido em 1 2/09/2002
Aprovado em 20/1 2/2002
1 Resumo de Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação em E nfermag em, n ível Mestrado, da
Faculdade de Ciências Méd icas da U N I CAM P, em 2002 .
2 Te rape uta Ocu pacio n a l . P rofessora Adj u nta da Faculdade de Te ra pia Ocupacional - Centro das Ciências da Vida PUCCAMP, Campinas, S P. Especialista em Saúde Públ ica . Mestre em Enfermage m .
3 Enfermeira . Professor Doutor do Departamento de E nfermagem d a Facu l d a d e d e Ci ên cias Médicas da U N I CAM P,
Campinas, S P.
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Rev. Bras. Enferm . , Brasília, v. 55, n . 5 , p . 568-574, set.lout. 2002
BOR I N I , M . L. O . ; C I NTRA, F . A.
INTRODUÇÃO
A Gerontolog i a , com p reendida como o estudo do
processo de envel heci m ento, reú n e várias disci p l i nas e
pesq uisadores de d iversas á reas do con hecimento ; possu i
assim, um espaço de ação i nterd isci p l i nar. N esta d i mensão
i nterd isciplinar, u m dos g randes desafios tem sido encontrar
possibilidades de p ropiciar a o i dos04 uma vida longa e com
q u a l i d ade, oferece n do-l h e cond i ções para enfrentar as
inúmeras dificuldades individuais e coletivas, ainda presentes
na popul ação idosa .
Na literatura internacional e brasileira, vários estudos
a pontam que a p o p u l ação m u n d i a l está envelhecendo
rapidamente. No Brasil , os estudos realizados por Neri ( 1 993),
Veras ( 1 994 ) , Paschoal ( 1 996) e Berquó ( 1 999), a partir de
dados demográficos do I n stituto B ras i l e i ro de Geografia e
Estatística ( I B G E ) , revel a m q u e a população com mais de
60 anos de idade até o a n o 2025 será 1 6 % da população
tota l . A expectativa de vida dos brasileiros tem au mentado,
mas a maioria da população vive a i n d a em situação de
pobreza , miséria e doença s .
Peixoto ( 1 997) refere qu e ao fi n a l da d écada de 70
foram desenvolvidas a l gu m as ações para a promoção e
assistência ao idoso. Como exemplos, a a utora aponta o
Programa de Assistência ao I doso ( PA I ) e a renda mensal
vital ícia, i niciativas do governo federa l , e a criação do Comitê
Nacional de Saúde do Idoso, nos anos 80. Apesar d estas
i n i ciativas, a mesma a utora assi nala q u e , de fato , o Estado
brasileiro não assu m i u u m a ação ofensiva para o grupo
populacional dos idosos e , em contrapartid a , destaca a
partici pação da i n i ci ativa privad a como a do Serviço Social
do Comércio (SESC), com seus serviços e prog ramas de
promoção e assistência voltados à popu l ação aposentada e
idosa .
Considerando que a participação nas atividades de
lazer em grupos d e Tercei ra Idade tem sido apontada, nos
estudos d a G e rontol o g i a , como uma poss i b i l i d a d e d e
promover a qualidade de vida dos idosos, pretendemos nesta
pesquisa identificar as representações sociais dos próprios
i ntegrantes dos g rupos de Te rcei ra Id ad e, acerca da sua
vivência em atividades d e l azer. Para tanto, consideramos
importante destacar as representações sociais que circulam
na sociedade sobre a própria condição do envelhecimento e
que, possivel mente , a n cora m as rep resentações sobre a
partici pação em atividades de lazer.
E m nossa soci e d a d e a l g u n s "verbetes" são
co m u m e nte u t i l i z a d o s p a ra d e s i g n a r a i d a d e o n d e o
envelhecer é mais notado: velho, idoso, terceira idade, melhor
idade, idade madura . As marcas e signos que acompanham
cada pal avra conferem u m a certa identidade a cada "tipo"
das pessoas envelhecidas; há com efeito uma con strução
social da vel h ice. Ao "vel ho" são atri b u ídas as i magens de
doença , sol idão, i n atividade. O termo i d oso é uti l izado em
documentos j u rídicos, para efe ito d e l e i s e d i reitos deste
g rupo da população e para a Tercei ra I d ade são atri b u ídos
signos de saúde e bem esta r.
Debert ( 1 999) ao se referi r às constru ções sociais
da vel hice , Tercei ra Idade e aposentados, considera que nos
ú ltimos anos h ouve a criação de uma nova l i nguagem em
oposição às a ntigas formas de tratamento dos vel hos e
a posentad os. Para e l a , a Tercei ra I dade su bstitu i a vel hice,
aposentadoria ativa se opõe à aposentadoria inativa e o asilo
passa a ser chamado d e centro residenci a l . Os sig nos do
envelhecimento são i nvertidos e assumem designações
como: "nova juventude", "idade do lazer". Também invertem­
se os signos da aposentadoria, de um momento de descanso
e reco l h i mento para torna r-se u m momento de atividades e
lazeres.
Segundo esta autora , é nesse contexto que surgem
os prog ramas de Tercei ra Idade no Bras i l , infl uenciados pelo
movi mento de a posentados fra n ceses, na década de 60. O
S E S C , como já citado, foi u m precu rsor na organ ização dos
a posentados e, conseq ü enteme nte , na organ ização de
g ru pos de convivência para a Tercei ra Idade , baseados em
d i nâmicas de lazer, as quais procuraram reverter a condição
marginal do velho. Por l azer entendemos toda ocu pação de
l ivre escol h a , que s ão rea l i za d a s a pós o térm i n o d a s
obri gações profissi o n a i s , fa m i l i a res e sociais, o u seja as
atividades de lazer acontecem no tempo l ivre das pessoas e
não são obrigatórias ( D U MAZED I E R, 1 973).
E m nossa experiência profissional com g ru pos de
terapia ocupacional, nos quais eram uti l izadas atividades de
l azer, observamos q u e os s i g nificados das experiências
vivenciadas pelos integrantes d ivergiam entre s i. O relato de
a l g u n s pa utava-se e m uma ava l i ação positiva sobre "estar
no grupo" de Terceira Idade; eles comentavam com freqüência
que a saúde tinha melhorado e "estavam mais felizes". Outros
i n teg r a n t e s a g i a m c o m p u l s i v a m e nt e em re l a çã o à s
atividades, o u sej a , queriam participar d e todos o s passeios,
festas e outros eventos criando "um clima de euforia" e de
"j uventude". Outros, a i n d a , apresentavam maior d ificuldade
d e i ncl u írem-se nas atividades e se desmotivavam com
faci l i d ad e, e por ú ltimo a l g u mas pessoas, dependendo do
t i p o de ativi d a d e , l e m bravam-se d o tra b a l h o exerci d o
anteriormente e preferiam realizar somente as atividades ditas
relaxa ntes , como a g i n á stica , os passeios.
N a revisão da literatura, Borsoi ( 1 996), Ferrari ( 1 996)
e Debert ( 1 999) citam que os motivos que mais se destacam
para a p rocu ra dos g ru pos de convivência para a Tercei ra
Idade são o e n contro com as pessoas e a construção d e
novas amizades. A participação em atividades de lazer, sejam
os passe i o s , a s festas , a g i n á stica , as a rtística s , n e m
sempre são evidenciadas, o que leva à suposição q ue a s
mesmas possuem u m papel mediador dos encontros entre
os parti cipantes dos grupos de Tercei ra I d ade .
D i a nte do exposto , propusemo-nos a real izar este
estud o buscan d o responder as seg u i ntes questões:
- Quais são as expectativas dessas pessoas em
re l a ç ã o a p a rt i c i p a ç ã o nas a t i v i d a d e s d e l azer? H á
preferências? H á opções?
- Existem m u d anças no cotid iano dos i ntegrantes
dos grupos de Terceira Idade conseqüentes a sua participação
nas ativi dades de l azer?
- O que rep resenta para os i nteg rantes dos grupos
4 Util izamos, neste estudo, a recomendação da Organ ização M u n d i a l d e Saúde ( 1 979) que considera idosas as pessoas
acima de 60 anos, nos pa íses em desenvolvi mento e , porta nto, no Bras i l .
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Representações sociais . . .
d e Terceira Idade participar das diferentes atividades d e lazer
promovidas?
Esperamos n e s s a p e sq u i sa i d e ntificar a s
representações sociais de i ntegra ntes d e g ru pos d e Tercei ra
Idade acerca da sua participação em atividades de lazer
a m p l i ando, ass i m , a com p reensão dos s i g n ificados do
envelhecer e a sua relação com as práticas sociais voltadas
a este g rupo etário.
OBJ ETIVO GERAL
C o m p re e n d e r as re p r e s e n ta ç õ e s s o ci a i s d e
i ntegrantes d e g rupos de Tercei ra I d ade acerca da sua
participação em atividades d e l azer.
OBJ ETIVOS ESPEC í FICOS
- I d e n tificar a s expectativas e os motivos dos
i nteg rantes de g ru pos d e Tercei ra Idade que d etermi n am a
sua partici pação em atividades de l azer;
- Identificar os s i g nifi cados que os i nteg rantes de
grupos de Tercei ra Idade atri buem à sua partici pação em
atividades de lazer;
- Verificar se existem m u d a n ças no cotidiano dos
integrantes dos grupos de Tercei ra Idade, e se elas são
conseq üentes à participação em atividades d e l azer.
REFERENCIAL TEÓ RICO
o referencial teórico adotado para esse estud o é a
Teoria das Representações Socia i s . Segundo a defi n i ção
clássica de Jodelet, "o conceito de representação socia l
designa u m a forma especifica de conhecimento, o saber d o
senso comu m , cujos conteúdos man ifestam a operação de
processos generativos e funcionais social mente marcados.
De modo mais amplo, designa uma forma de pensamento
social" (JODELET, 1 988, p. 9). A autora apresenta o conceito
das representações soci a i s como m o d a l idades d e
p e n s a mento p rático vol ta d a s p a ra a com u n i ca ç ã o , a
compreensão e o dom í n i o do a m b i e nte soci a l , material e
ideal. Assim podemos chamá-Ias de formas de conhecimento
e que se manifesta m como imagens, conceitos, categorias
e teorias, ou seja , elementos d o d iscurso d o senso com u m
q u e provém, d o s d i scursos científicos, mais atua l mente
propagado p e l a m í d i a , atravé s d a com u n i cação e d a
educação e m gera l .
O referencial teórico das representações sociai s ,
sob a perspectiva d a psicologia soci a l , nos parece pertinente
para ser empregado no estudo dos significados das vivências
em atividades de lazer entre participantes de gru pos de
Terceira Idade, na medida que o discurso gerontológico sugere
uma fi nal idade para estar em atividade, como a ocupação
do tempo l ivre q u e , necessari a mente, não é a mesma
esperada pelos participantes dos g rupos de Tercei ra Idade.
Soma-se a isso o fato d e q u e a formação dos g ru pos de
Tercei ra Idade é um fenômeno atua l e que colabora na
construção de novas i magens sobre o envelhecer.
CAMPO E ABORDAGEM M ETODOLÓ GICA
O estudo foi rea l izado n o Ce ntro M u n i c i p a l d e
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Convivência da Tercei ra Idade, n a cidade de Val i nhos, São
Paulo. Criado em 1 98 3 , este Centro ate nde homens e
mu l heres a parti r dos 50 a n os e p rocu ra cumpri r a Pol ítica
Municipal do I doso, em conformidade com a Lei 8.842/94 da
Pol ítica N ac i o n a l d o I d oso. A i ncl usão dos sujeitos no
presente estudo atendeu aos segu i ntes critérios: 1 . homens
e m u l heres com m a i s d e 60 anos de idade; 2 . partici pação
no Centro de Convivência para a Terceira Idade, com a
freq ü ê n c i a m í n i m a d e d u as vezes p o r sema n a ; e , 3 .
partici pação nas atividades d e l azer nos ú ltimos dois anos,
sem i nterru pção.
P a ra a s e l e ç ã o d o s s uj e i to s s o l i citamos a o s
participantes d o Centro de Convivência a indicação d e colegas
de am bos os sexos, q u e atendessem aos critérios acima
estabelecidos. A opção por este tipo de seleção parti u de
uma h i pótese de que a escolha dos sujeitos entre os seus
pares oferece i n d ícios de que os apontados destaca m-se
e n t re o g ru p o , p e l a a s s i d u i d a d e e p a rti ci pação, e o
compromisso com o p rograma de atividades oferecido pelo
Centro de Convivência. Considerou-se, ainda, para esta
o p ç ã o a i n ex i stê n c i a d e c o n t ro l e de fre q ü ê n c i a d o s
participa ntes nas atividades. Os sujeitos indicados fora m
consultados sobre a d isponibilidade para participar do estudo,
mediante um termo de consenti mento. O projeto de pesquisa
foi ava l i ado pelo Comitê de É tica da Faculdade de Ciências
Médicas da U n iversidade Estadual de Campinas e recebeu
parecer favorável .
Por tratar-se d e u m estudo exploratório, defi n i mos
o n ú mero de sujeitos pela repetição e saturação dos dados
que emerg i ram das e ntrevistas, bem como pela relevância
deste materi a l para a a n á l ise e adequ ação aos objetivos
propostos (S Á , 1 998, S O U ZA F I L H O , 1 993). Realizamos 1 4
entrevi stas, sendo q uatro n a fase d o pré-teste e 1 0 n a
pesq uisa propriamente dita . U m a entrevista foi descartada,
pois a e n tre v i s t a d a não c o r re s po n d i a à fa ixa etá r i a
estabelecida n o s critérios de i nclusão. A s entrevistas do pré­
teste foram i n corporadas ao total da amostra , uma vez que
apresentavam u m conteúdo relevante para o estudo.
Os dados foram coletados em janeiro de 200 1 (pré­
teste) e em j u l ho de 2 00 1 , no próprio Centro Mun icipal de
Convivência . Para a coleta de dados realizamos com cada
sujeito uma entrevista i nd iv i d u a l e semi-estrutu ra d a . A
entrevista foi conduzida pela própria pesquisadora por meio
de um roteiro, o qual contém dados pessoais dos informantes
e abord a os seg u i ntes temas: os motivos que levaram os
sujeitos a ingressar no Centro de Convivência, o envolvimento
com as atividades de l azer a ntes do i n g resso no Centro de
Convivência, e a compreensão q ue tinham sobre a sua
partici pação nas atividades d e l azer no respectivo Centro .
Todas as entrevistas foram g ravadas em áudio e transcritas
na ínteg ra . Adotamos nomes fi ctícios para p reservar a
identidade dos sujeitos.
O p e rfi l a p re s e n t a d o p e l os 1 3 e n trevi stados
c o r re s p o n d e a sete h o m e n s e s e i s m u l h e re s . Os
entrevistados encontram-se na faixa etária entre 61 e 78 anos,
a maioria é viúva (8/ 1 3 ) e professa a rel ig ião católica romana
( 1 1 /1 3 ) . Em relação ao g rau de escolaridade, os sujeitos
freq üentaram a esco l a por período entre um e 1 3 anos.
Haviam q uatro fazen d o o curso supletivo no próprio Centro
de Convivência M u nicipal . Dentre os 1 3 sujeitos, sete são
aposentados, sendo seis por tempo de serviço e um por
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BORI N I , M. L. O . ; C I NTRA, F. A.
i nvalidez; duas entrevistadas são pensionistas e as demais
não possuem vínculos previdenciários. Sobre a atividade
profission a l , tod os os h o m e n s ( N = 7 ) ocuparam cargos
técnicos, serviços gerais ou mestre d e obras. A maioria das
mulheres (5/6 ) é dona-de-casa. A d ata d e i n g resso nas
atividades do Centro de Convivência variou entre dois e 20
anos.
Para a anál ise das e ntrevistas uti l izamos a técn ica
de anál ise de conteúdo (BARD I N , 1 977). Nela identificamos,
i n i c i a l mente , os temas ou as u n i d a d es de s i g n i fi cação
presentes nos d i s c u rsos dos suj e itos, que reve l a m os
sentidos, as motivações, as crenças e os s ímbolos atribu ídos
por eles acerca da partici pação nas atividades de l azer.
Posteriormente , associamos as u nidades que apresentavam
semelhanças temáticas e confluência de sentidos, conceitos
e explicações busca n d o a constru ção de categorias de
a n á l i s e , as q u a i s n o s l e v a r a m a i n fe r i r s o b re a s
representações sociais.
AN Á LISE E DISCUSSÃO
Identifica mos três categorias de a n á l ise com os
respectivos temas:
AS EXPECTATIVAS E OS MOTIVOS PARA PARTI C I PAÇÃO:
AS MARCAS DA VELH I C E
a ) "A vida está fri a ...
N a a n á l ise dos d iscursos dos s uj eitos aparece
i n icial mente uma relação e ntre a procu ra ou i n g resso no
Centro de Convivência e as imagens d e vazio , d a falta de
atividades e da solidão. Todas estas imagens são formadas
a partir de mudanças no coti d i a n o dos idosos geradas por
rupturas com a esfera ocupacional (aposentadoria) ou familiar.
Há um período de transição, na medida que o sujeito tinha
sua vida organizada por tarefas ocupacionais da vida adulta
e passa a vivenciar um cotidiano desestruturado na velhice.
Para os homens entrevistados esta organização do cotidiano
se dava a partir do desempenho de atividades do trabalho, e
para as mulheres pelo desempenho de tarefas domésticas.
Os sujeitos homens se percebem desorientados e com uma
rotina marcada pelo téd i o e o vazi o .
O que n o s parece n u m primeiro momento que as
marcas da velh ice são produzidas essencialmente pela falta
de atividades e pelo conseqüente téd i o , ampl iamos nossa
compreensão e percebemos que os idosos do nosso estudo
tentavam ocupar o tem po, a ntes do i n g resso no Centro de
Convivência, fazendo visitas, assistindo televisão, lendo, mas
fa ltava algo para p reencher o vaz i o . Para eles o "fazer
sozi n ho" não preenche a vida, possive l me nte , porque em
grande parte de suas vidas rea l izaram as atividades no
trabalho, nas tarefas domésticas, e no l azer com outras
pessoas , como os fa m i l iares e/ou a migos. " Fazer j u nto"
representa u m forte elemento n a busca d a partici pação nas
atividades de lazer em Centros de Convivência para a Terceira
Idade.
A atividade h u m a n a está i m b u ída d e uma rede de
afetos, sejam fam i l iares, sej a m no ambiente de trabalho.
Fazemos algo para a l g u é m , e para si próprio. É uma teia de
relações afetivas entrelaçadas com o fazer humano. O fazer
h u mano tem significados na rel ação consigo mesmo e com
"
o outro.
b) A convivê n c i a c o m as doenças e a
recomendação médica
Este seg u n d o tema foi extra ído da maioria dos
discursos das mulheres entrevistadas. As doenças apontadas
não são necessariamente clín icas, mas grande parte delas
de origem emocio n a l , i n d i cando particularmente que as
m u l heres estão expostas, ao longo d a vida, às condições
adversas que podem gerar sofri mento mental, representado
no senso com u m pelas "doenças dos nervos".
A motivação femi n i n a para participar das atividades
d e lazer é difere nte d a motivação mascu l i n a . As mul heres,
como vi sto no perfi l dos entrevistados, em sua maiori a não
desenvolveram atividades profissionais, pelo contrário, foram
donas-de-casa, mães e esposas . Ass i m , as mul heres não
vivenciam a m u d ança a bru pta em relação às ocupações
cotidianas da esfera doméstica, mas por outro lado mostram­
se cansadas e até doentes pelo excessivo cuidado com o
outro.
Então eu fiquei assim: eu era muito doente, eu perdi
meu marido, depois perdi meu filho e fiquei em casa muito
triste, muito infeliz. Não saía para canto nenhum, a minha
vida era chorar e, além disso, eu tinha um filho doente na
cama, e tudo dele tin h a de ser eu. Eu tom a va seis
comprimidos por dia e os médicos falavam que eu não podia
parar um minuto, um dia aqueles remédios. E eu cada dia
ficando pior. (C ícera).
c) E m b u sca do tempo perdido
O tema "em busca do te mpo perdido" representa a
oportu n idade para vive n ciar experiências até então não
permitidas pelos com p ro m i ssos com o trabalho e pelas
responsa b i l idades dos papéis fam i l iares assumidos, como
a p render, desenvolver n ovas h a b i lidades, que não foram
desenvolvidas ao longo da vida adu lta ou ainda, retomar
projetos de vida. A geração de idosos da pesquisa foi privada,
princi palmente as m u l h eres , de acesso à i nformação tanto
formal como a escolarização, como informal .
N este contexto de privação de acesso ao mundo do
trabalho e à escolarização , as idosas entrevistadas tin h a m
a percepção d e esta r fora do mundo. A v i d a dentro de casa
afastou-as d e ter maior contato com outras pessoas , além
dos fa m i l i a re s . A v i d a fo i m a rca d a , m u itas vezes, por
sofri mento.
O motivo foi a minha vida . . . o mundo diferente sabe ?
Eu vivia só dentro de casa com o marido e com os filhos, só
com o serviço do lar, n é ? Então tinha necessidade de
aprender alguma coisa e abrir mais a mente, porque eu achava
que estava fora de tudo, fora de tudo e eu tinha necessidade
de aprender alguma coisa, conversar com as pessoas que
não eram fechadas e é por isso que comecei na Terceíra
Ida de . (Terezi n h a )
OS S I G N I F I CADOS DA PART I C I PAÇÃ O E M ATIVI DAD ES
D E LAZER: O E F E ITO T E RAP Ê UTICO
a) A fam í l i a d a Tercei ra Idade
Sem d i ferenças e m relação ao gênero , o que une
os homens e as m u l heres envelhecidas do nosso estudo é o
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Representações sociais . . .
afeto, a camaradagem , o aco l h i mento , a manifestação de
cari nho e a confiança encontrados a partir da parti ci pação
no Centro de Convivência.
É neste contexto "familiar" que os idosos encontram
a proteção tanto dos profi s s i o n a i s como dos colegas
participantes. H á uma substitu ição d e elementos , uma vez
que a convivência cotidiana com a fam í l i a de origem torna­
se, em m u itos ca sos, esporá d i ca ( p a i s , i rmãos), como
também com a família constru ida (fi l hos). Neste sentido, volta
a essência da vida em família, da convivência cotidiana com
os semelha ntes q u e possu em experi ênc ias da mesma
época, do parti lhar as experiências e os vínculos afetivos .
(. . .) Porque eu gosto disso aqui. A turma daqui é
boa, a turma é b oa . Isso aqui é uma família, é uma
irmandade. Não tem discussão. Não tem briga . . . (J uven al ) .
A s i magens da fa m í l i a por ora se mesclam com as
dos novos amigos; a i magem é tão forte que os sujeitos
verba l izam a expressão "pegar amizades", a pontando para
a representação de quase u m contágio. Ao participarem em
atividades de lazer os idosos ficam contaminados por novos
amigos. A i n i b ição i n icial para fazer am igos cede lugar para
a dispon i b i l idade de esta r j unto com as pessoas. N ão há
como escapar. Há um contágio entre aqueles que participam
do Centro de Convivência.
É porque é bom demais! (risos). A gente tem muitas
amizades, peguei muitas amizades, e depois tem de tudo
que a gente gosta, tem ginástica, tem jogos, tem baile, tudo,
bate-papo . . . bate-papo é todo o dia!. (Antônio).
b) O reméd i o
A relação dos i d osos c o m as atividades de l azer é
tão i ntensa q ue mu itos a d q u i rem u m a dependência das
mesmas que se aproxima à idéia da dependência de um
reméd io. Se o envelhecimento é crô n i co, n o sentido da
irreversibilidade do processo, a convivência com ele demanda
alternativas; para os sujeitos entrevistados, possivelmente,
o l a z e r sej a o " re m é d i o " n e c e s s á r i o p a ra m a n t e r o
envelhecimento sob contro l e . E também aparece o efeito,
como o de um remédio, comparado ao al ívio sintomático de
doenças em relação à parti ci pação nas atividades de l azer.
(. . . ) mas é depois que eu conheci a Terceira Idade
(. . . ) eu não fico em casa não, só se eu tiver doente, se eu
tiver doente tudo bem, mas assim mesmo tem dia que eu
estou meio doente e eu venho, a í eu saro. (Bened ita )
O reméd io da partici pação em atividades de lazer
ju nto com a "família da Tercei ra Idade" tem se mostrado tão
benéfico para as marcas da vel h ice , a solidão, as perdas, a
i n atividade, as doenças, q u e a l g u n s participantes fazem
recomendações e receitam a participação em atividades de
lazer para os amigos.
c) A organ ização do tem po
A partir do ingresso no Centro de Convivência para a
Terceira Idade a rotina dos entrevistados, caracterizada pela
falta de atividades significativas é substitu ída por uma rotina
de total ocupação do tempo.
Segundo Von Zuben (200 1 , p . 1 66 ) , "a con d i ção
humana é toda perpassada pela tempora lidade". O conceito
de tempo pode ser d i scutido sob várias perspectivas . Os
gregos atribuíam dois conceitos para o tempo: aión ou kairós
572
e chrónos. O termo aión significa tempo de vida ou a duração
do tempo e para alguns a utores gregos representa o tempo
de d u ração de uma vida i n d ividual ; é o tempo vivido, as
experiências, o tempo p róprio da ação. Ao conceito de
c h r ó n o s é a t ri b u í d o o t e m p o g e n é r i c o , cron o l ó g i co
(MARTI N S , 1 998, ALVES, 200 1 , VON ZU B E N , 200 1 ).
Para os sujeitos do p resente estudo, a participação
em atividades de lazer no Centro de Convivência leva-os à
o rg a n i z a ç ã o d e c h ró n o s . O s d i a s s ã o co m p l etos d e
compromissos, i n c l u i n d o os fi ns de semana. Novamente
aparecem as expressões "não ten h o tempo" e "trabalho",
usadas quando se referiam à vida adulta. Além da organização
do tempo cronológico, a partici pação em atividades de lazer
para al gu n s sujeitos ( re)sign ifica o cotidiano dos idosos. A
passagem d o te m p o é p e rce b i d a co mo momentos d e
felicidade. Estar s e m ativi dade, sign ifica estar infeliz e a
passagem do tempo torna-se lenta e monótona. Esta r em
atividades significa estar fe liz e a percepção do tempo é
inversa: veloz e ativa , é tão rápido que não se vê o tempo
passar. N esse momento o tempo chrónos é reapresentado
pela perspectiva su bjetiva do tempo kai rós.
AS MU DANÇAS N O COTI DIANO: "A SA í DA DO FUNDO DO
POÇO"
a) O sentido da vida
O sentido da vida corresponde a uma motivação
primária arraigada à natureza humana e, apesar de ser
universal , é s u bj etiva e pessoal . Ass i m , existe um sentido
pessoal que p o d e m o s con s i d e rá -lo como um s i ste m a
cog n i tivo e l a borado i n d iv i d u a l me nte e i nfl uenciado p e l a
cultura . Ter u m senti d o n a vida sign ifica ter um propósito e
esforçar-se para atin g i-lo ( F R E I R E ; RES E N D E , 200 1 ).
A roti n a dos dias vazios , sem ocu pação para os
homens, e sem senti d o p a ra os i d osos da pesqu i sa é
substituída por u ma roti n a com a participação em muitas
atividades diversificadas e o encontro com os amigos. Não
h á mais sol i d ã o e fa lta d e ocupação. H á expectativa,
perspectiva , planos, objetivos e futu ro. O envolvimento nas
atividades de lazer do Centro de Convivência traz a sensação
de res ponsa b i l i d a d e por um tra b a l h o , para os homens
aposentados; representa o retorno de uma força prod utiva , e
da uti l idade soci a l . Representa , ass i m , o "sentido da vida" .
A gente fica em casa sem fazer nada, parece que a
gente está esperando só o dia de ir embora daqui. Aqui não.
Aqui a gente espera um outro dia, para começar tudo de
novo. . . a gente não pensa outra coisa, a não ser o que vamos
fazer amanhã, amanhã o dia seguinte! É a certeza de um
amanhã. É um futuro. Muda a perspectiva. (Antônio)
Para as m u l heres a rotina dos cuidados familiares é
su bstitu í d a p o r n ovas ativi d a d e s : p a lestra s , passe i o s ,
g i n ásti ca , c u rs o s , j o g o s . A v i d a c o m e ç a a ter outros
significados, de um mundo restrito para o mundo sem limites
fora de casa. Peixoto ( 1 997) ressalta que a experiência das
mulheres nos gru pos de Tercei ra Idade revela a im portância
da real ização pessoa l e auto-sati sfação; é a conquista de
um espaço d e atitudes próprias a lcançada após uma vida
de obrigações fam i l iares.
b) O a utoc u idado
O a utocu i d a d o é u m a prática que inclui atividades
Rev. Bras. E nferm . , Brasilia, v. 55, n. 5 , p . 568-574 , set.!out. 2002
BOR I N I , M . L. O. ; C I NTRA, F . A .
v a r i a d a s q u e as p e s s o a s p o d e m rea l i z a r p a ra s e u
próprio benefício, para man utenção da vid a , d a saúde e
do bem-esta r. É uma necessidade na vida das pessoas,
e se estas não fore m satisfe itas podem trazer doenças
( RO D R I G U E S ; A N D RA D E ; MARQ U E S , 200 1 , p . 1 2 ) .
O autocu idado parece ser u m a experiência nova na
vida dos sujeitos entrevistados. Através das palestras e das
p róprias o ri e ntações rece b i d a s p e l o s p rofi s s i o n a i s do
P ro g ra m a , os i d o s o s a p re n d e m s o b re a s m u d a n ça s
funcionais do envelhecimento e o s cuidados necessários para
a man uten ção da sa ú d e. A partici pação nas atividades de
l a z e r p a re c e m i n i m i z a r as a l te ra ç õ e s a d v i n d a s d o
envelhecimento; a o mesmo tem p o , o s i d osos estão mais
atentos aos seus problemas d e saúde. E les sentem-se
mais saudáveis e assumem uma posição mais ativa d i a nte
dos cuidados à saúde.
c) O renascime nto
A i m agem d a i n atividade está associada à própria
morte . N a vivência dos nossos sujeitos , a g radativa perda
das atividades, sejam laborais ou de lazer, vai "endurecendo"
o idoso e minando suas forças até fossi lizá-lo por completo.
As atividades de lazer oferecidas no Centro de Convivência
para a Tercei ra Idade, rep resentam para esses sujeitos a
oportu n idade de "aprender a a n d a r outra vez" , de "torna r a
viver" , de "renascer" .
A gente fica numa idade sem atividade, vai ficando . . .
não me lembro a palavra, mais fossilizado, não é ? Pois não
faz nada, aí começa a endurecer, tudo, membros, a memória
também fica quadradinha (. . ) . E eu acredito que um Centro
de Atividades como esse deu vida para muita gente, (Jovino)
.
A i magem de renascimento também está associada
a autonomia para a vida. Sanchez (2000) , considera como
sujeito autônomo aquele que atua e tem o poder de decisão
sobre seus atos.
As mulheres do p resente estudo, especialmente as
que estivera m privadas d e i n formações e escolaridade,
fi caram mais d e ntro d e casa c u i d a n d o d a fa m í l i a . Ao
participarem d o P rograma desco b re m um mu nd o novo e
desenvolvem a autonom i a . Acreditam agora , q u e "isso é a
vida". Elas sentem que aprenderam a viver e renasceram ao
ingressarem no Centro de Convivência, ou seja, exerceram
sua autonomia para decidir, escolher sobre o que q uerem da
vida.
Então, dentro da Terceira Idade eu encontrei tudo,
encontrei saúde, encontrei alegria, aprendi a viver, sabe pois
eu não sabia nem bem conversar. Uma pessoa perguntava
uma coisa e eu fica va pensando o que é que eu vou
responder, pois eu não sabia responder, pois eu não sabia
responder. E aqui eu aprendi, para mim, olha, eu vivi de
novo, agora que eu estou vivendo, antes eu não vivia, agora
que eu estou vivendo. (C ícera )
As recentes pesq u i s a s revel a m q u e u m g rande
n úmero de mulheres envel hecidas, i ndependentes da classe
soci a l , atribuem à atua l vida, como idosa, o momento mais
tranqü i l o e feliz que já tivera m . O fato da maiori a das idosas
de hoje não ter alcançado u m a vida p rofissional ativa , e ao
mesmo tempo, terem tido uma vida social limitada em relação
aos homens de sua geração, l eva-as a um senti mento de
maior satisfação e plen itude, pri ncipalmente ao ingressarem
em Prog ramas para a Tercei ra Idade.
CONSIDERAÇ Õ ES FI NAIS
A p a rt i r d a p e rs p e c t i v a a q u i e s b o ç a d a ,
comp reendemos como os i ntegrantes d e G rupo d e Tercei ra
I d ade se ap ropri a m de todo u m processo social e passam a
reconstruir (re-signifi cando) seu mundo subjetivo nas relações
soci a i s . Procura mos revel a r as rep resentações soci a i s ,
l i nguagem do s e n s o com u m , m an ifestações de cond utas
i n stituci o n a l izadas ( O BA; TAVARES ; O L IVE I RA, 2002 ) .
Assi m , tentamos ultra passar as representações i nd ividuais
para revelar u m fenômeno social : idéias e ações de um grupo
de Tercei ra Idade sobre sua vivência em atividades de lazer,
produzidas no i nterior d e u m determ i nado contexto social e
cultura l .
N esse estud o b u scamos verificar se o s idosos ao
i ngressarem nos g rupos de Terceira Idade estariam negando
o p róprio p rocesso d e envel hecimento. N essa traj etória ,
i d e n t i fi c a m o s q u e o s s i g n o s d a j u v e n t u d e ( p ra z e r,
diverti mento, vita l i d a d e e beleza ) permanecem vinculados
aos estág ios i n i c i a i s d a vida h u m a n a . Para os sujeitos d e
nosso estud o , princi p a l m ente as m u l heres, não l h es foi
permiti d o , ao l o n g o d a v i d a , exercer a auton o m i a e a
l i berd a d e . Os papéis socia i s desta geração de m u l h e res ,
como vi sto , eram m u ito restritos ao m u n d o doméstico .
Os h o m e n s , p o r s u a vez, e m nossa pesq u i s a , fo ram
marcados pela exigência d o mundo d o trabalho. Apesa r de
se sentirem mais " livres" que as m u l heres, não tiveram plena
auton o m i a sobre o seu tempo, pois o mesmo foi na maioria
das vezes preenchido pelo trabalho, especialmente a pós o
cas a m e nto q u a n d o a ssu m i a m o papel de p roved o res
excl usivos d a fam íl i a .
Os resu ltados de nosso estudo revelam q u e a velhice
não está sendo negada , mas s i m considerada uma eta pa
de oportu n i d ades e o resgate do tempo perdido, não d e
chrónos, m a s de kairós: resgate de poder vivenciar o prazer
e a l u d icidade, a convivência, o parti lhar um tempo com
sentidos e sign ificados , ainda que, sendo velhos. Conforme
C i ntra ( 1 998, p . 1 83) revela " . . . partimos do pressuposto que
o sujeito se constitui nas relações sociais, n u m processo
em que ele (re)elabora m últiplos sentidos e significados que,
por sua vez mediam a signifi cação das experiências que
vivencia n o meio social" .
A partici pação e m atividades de l azer nos Centros
de Convivência p ara a Tercei ra Idade leva as pessoas a se
senti rem fel izes e mais saudáveis. Essa percepção de saúde
não está vinculada necessariamente a ausência de doenças.
Trata-se d a convivência com as mesmas com garantia de
i ndependência e a utonom i a , como também uma diminuição
do consumo de medicamentos, principal mente os indicados
para as doenças e mocionais. Mostramos que as atividades
de lazer, às vezes, su bstituem o efeito de outras terapêuticas
(medicamentos ) no com b ate às "doenças da vel h ice" . Os
idosos ad q u i re m maior d o m í n i o sobre seu corpo, apesar de
ainda atri b u í re m os c u i d ados à saúde ao co nsumo d e
con su ltas m é d i ca s , re médios e exames. N ã o podemos
esquecer, n o entanto , q u e este tipo de comportamento pode
estar sendo esti mulado pelo modelo de assistência à saúde
n o país, n o qual a tecnologia médica é h i perva lorizada nos
cuidados à saúde d a popu lação.
A felicidade revelada pelos sujeitos da pesq u i sa
parece estar vinculada a n ova condição de pertencerem à
Rev. B ra s . E nferm . , B rasí l i a , v. 55, n . 5 , p. 568-574, set.lout. 2002
573
Representações sociais . . .
u m a "fa m í l i a " , ass i m o s i d osos podem comparti l h a r as
incertezas e dificuldades desta nova fase da vida, e conquistar
um espaço afetivo. Esta fel icidade para as mulheres mostra­
se também vinculada à sensação de l iberdade e autonomia,
ao "con hecimento do m u ndo", e também as experíências
novas em suas vidas. Para os homens, a fel icidade pode
estar associada a sensação de util i dade e ao compromisso,
à perspectiva de futuro.
Antes do i n g resso n os g rupos de Tercei ra Idade,
alguns idosos por nós e ntrevistados tentava m se ocupar,
fazendo visitas, cam i n hando, fazendo comp ras, assisti ndo
televisão, mas estas atividades não preenchiam "o vazio". O
vazio não estava relacionado apenas ao tempo ocioso, mas
sim a uma percepção su bjetiva e existencial do sentir-se
"ve l h o" e excl u íd o , "fora do m u n d o " . N e ste senti d o , a
participação nos g rupos de Terceí ra I dade revela-se como a
possíbil idade de muda nça desta real idade fria , fossi lizada e
d e exc l u s ã o . R e p re s e n ta , a s s i m , u m a n ova v i d a , o
renascimento, a "saída do fundo do poço".
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