Português - ActionAid Brasil

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Português - ActionAid Brasil
Campanha pela Justiça no Comércio
INVASORES
DO COMÉRCIO
A OMC e o “direito à proteção”
dos países em desenvolvimento
Título original em inglês
Trade Invaders: The WTO & developing countries’ ‘Right to Protect’
Conceituação e coordenação:
Adriano Campolina e Aftab Alam Khan.
Autor:
Mark Curtis.
Colaboradores:
Aftab Alam Khan, Angela Wauye, Anna Antwi, Buba Khan, Hannah Crabtree, James Kintu, John Moru (in
memoriam), Louise Hilditch, Mustafa Talpur, Mariano Iossa, Mausumi Mahapatro, Moussa Faye, Nasir Aziz,
Sam Goddard, Tim Rice, Toby Gethin, Tom Sharman, Tony Durham, Mukul Sharma e Umi Daniel.
Contribuições de pesquisa dos seguintes programas de países da ActionAid:
Brasil, Gana, Índia, Paquistão, Nigéria, África do Sul e Gâmbia.
Apoio editorial:
Nicola Peckett
Apoio de arquivo fotográfico:
Chryssa, David San Millan Del Rio e Laurence Watt.
Projeto gráfico e produção:
ARSHA, Islamabad
Este relatório é resultado de um esforço coletivo da equipe da ActionAid Internacional, que contou com a
participação de muitas pessoas. Agradecemos a contribuição de todas as pessoas e programas de países
envolvidos no processo.
Tradução e edição em português sob a coordenação da ActionAid Brasil
Tradução:
Jones de Freitas
Revisão final:
Sonia Aguiar
Diagramação:
PSIKHE
Rio de Janeiro, Brasil
Esta publicação pode ser utilizada de qualquer forma. Sinta-se à vontade para citar, traduzir, distribuir e
transmitir. Por favor, dê crédito à fonte.
ISBN 89473
Edição em português - 2007
Índice
Siglas e abreviaturas
Prefácio
Resumo executivo
Capítulo 1: Visão geral
À beira da crise
O que querem os países ricos
A experiência de liberalização no mundo em desenvolvimento
Tratamento especial e diferenciado para os países em desenvolvimento
Bloqueando as propostas atuais
4
5
6
9
9
9
11
15
16
Capítulo 2: O comércio de alimentos e o perigo de ampliar a liberalização
19
Capítulo 3: A ameaça da desindustrialização
33
Capítulo 4: Serviços: a nova fronteira da liberalização
45
Os efeitos da liberalização comercial na agricultura
As negociações atuais
Acesso ao mercado agrícola
Ajuda interna
Subsídios às exportações
Tratamento especial e diferenciado
As recomendações da ActionAid
O que querem os países ricos
O impacto da liberalização industrial
As negociações atuais
Reduzindo tarifas
Iniciativa setorial
Tarifas consolidadas Tratamento especial e diferenciado
As recomendações da ActionAid
O que querem os países ricos
Os efeitos da liberalização dos serviços
As negociações atuais
Padrão de referência
Modo 4
As recomendações da ActionAid
20
22
23
24
26
26
29
33
34
38
39
39
40
40
42
45
47
49
49
52
53
Siglas e abreviaturas*
ACP
Países Africanos, Caribenhos e do Pacífico
African, Caribbean and Pacific countries
GATS
Acordo Geral sobre Comércio de Serviços
General Agreement on Trade in Services
NAMA
Acesso a Mercados para Produtos Não Agrícolas
Non-Agricultural Market Access
FAO
Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação
Food and Agriculture Organisation of the United Nations
ESF
Fórum Europeu de Serviços
European Services Forum
FMI
IMF
Fundo Monetário Internacional
International Monetary Fund
FDI
Investimento Direto Estrangeiro
Foreign Direct Investment
SSM
Mecanismo de Salvaguarda Especial
Special Safeguard Mechanism
OCDE
OECD
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos
Organisation for Economic Co-operation and Development
OMC
WTO
Organização Mundial do Comércio
World Trade Organization
ONG
NGO
Organização Não Governamental
Non-Governrnental Organisation
CAP
Política Agrícola Comum**
Common Agricultural Policy
SP
Produto Especial
Special Product
LDC
Países Menos Desenvolvidos
Least Developed Countries
SSG
Salvaguarda Especial
Special Safeguard
SDT
Tratamento Especial e Diferenciado
‘Special and Differential Treatment
TRIMs
Medidas de Investimento Relacionadas ao Comércio
Trade Related Investment Measures
UNCTAD
Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento
United Nations Conference on Trade and Development
UNICEF
Fundo das Nações Unidas para a Infância
United Nations Children’s Fund
UNRISD
Instituto de Pesquisa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Social
United Nations Research Institute for Social Development
* As siglas em negrito correspondem à versão oficial ou ao uso em português. (N. do T.)
** Política da União Européia (N. do T.)
Prefácio
Quanto mais se aproxima a conclusão da rodada de negociações de Doha na OMC (prevista para o
final de 2007), mais os países ricos pressionam as nações mais pobres a adotarem o livre comércio
global. Ao mesmo tempo, os EUA e a União Européia têm resistido aos pedidos para fazerem cortes
significativos nos subsídios agrícolas que concedem a seus agricultores. Além disso, em troca de qualquer
corte oferecido – não importa o tamanho – querem que os países em desenvolvimento assumam o
compromisso de abrir seus mercados a seus produtos industriais e serviços.
A ActionAid acredita que essas práticas levaram ao ridículo essa rodada de negociações, lançada em
Catar, em 2001. Chamadas de “rodada de desenvolvimento”, essas negociações tinham como objetivo
atingir um acordo que ajudasse a trazer os benefícios do comércio global para as nações mais pobres
do mundo. Porém, longe de aliviar a pobreza e trazer o desenvolvimento econômico, acreditamos que
o resultado dessa negociação, no estado em que se encontra atualmente, poderia ameaçar os meios
de subsistência de milhões de pessoas nos países africanos, asiáticos e latino-americanos, onde
trabalhamos.
Como mostra este relatório, quando produtos importados baratos e subsidiados da Europa são
comercializados na forma de dumping em países como Gana e Gâmbia, as pessoas que mais sofrem são
justamente aquelas às quais o “livre” comércio teria de ajudar. Como demonstram nossas histórias da vida
real, as fábricas fecham, as terras ficam sem cultivo, os empregos são perdidos e a pobreza se aprofunda.
Esta é a razão pela qual exigimos não somente o fim imediato dos subsídios agrícolas nos países ricos,
como também que os países pobres tenham o direito de proteger os meios de subsistência de seus
pequenos agricultores e a segurança alimentar da população em geral.
Além disso, cremos que, apesar do que os países ricos exigem, os países pobres devem ter o direito de
liberalizar seus setores de indústria e serviços somente quando assim o desejarem. Como ficou claramente
demonstrado pelas experiências dos trabalhadores têxteis da Nigéria e das comunidades da África do Sul
afetadas pela privatização da água, são as pessoas pobres que mais sofrem atualmente, e continuarão a
sofrer, com a proliferação das regras de comércio injustas.
Portanto, achamos que os países em desenvolvimento devem ter o direito de proteger seu “espaço
político” no sistema de comércio multilateral, para que possam desenvolver, como acharem apropriado,
seus setores de agricultura, indústria e serviços, da mesma forma que os países industrializados de hoje
fizeram quando estavam se desenvolvendo. Nosso relatório explica em mais detalhes o que acontece com
as pessoas pobres, sejam elas plantadores do milho da África do Sul, produtores de leite do Brasil ou
tecelões de seda da Índia, quando esse direito à proteção lhes é negado.
Como parte do movimento global pela justiça no comércio, continuaremos a fazer campanhas por esse
direito, para que os meios de subsistência de milhões de pessoas pobres de todo o mundo não sejam
ameaçados pelas táticas de intimidação dos países ricos. Os países em desenvolvimento, especialmente
os grupos como o G-20, G-33 e G-90 que os representam, devem exigir um resultado das negociações
que verdadeiramente fomente o desenvolvimento.
Ramesh Singh
Diretor Executivo
ActionAid Internacional
Resumo executivo
“A terra onde plantávamos arroz está hoje sem cultivo e é usada como campo de futebol. Não conseguimos
sobreviver. Estamos sendo forçados a competir nos mercados do exterior. É como se nosso time de futebol
sub-20 enfrentasse o Manchester United.”
John Ayariga, plantador de arroz, Bolgatanga, Região Leste Setentrional, Gana.
“Como não há trabalho, fico aqui sentado, pedindo esmola.”
Vishambar, 35, ex-tecelão, Varanasi, Índia.
“Isso tem nos afetado tanto… Agora, pensamos duas vezes … se compramos pão ou economizamos para
pagar a água.”
Jennifer Makoatsane, 34, cliente de empresa de água privada, Soweto, África do Sul.
“Há um movimento poderoso na produção de leite e laticínios que... leva à exclusão dos pequenos
agricultores.”
Sérgio Antônio Görgen, produtor leiteiro, Brasil.
Entre as pessoas mais pobres do mundo, a
subsistência de milhões está ameaçada pelas
negociações que se realizam neste momento,
em preparação para a reunião ministerial da
Organização Mundial do Comércio, em Hong Kong.
Os países ricos procuram novos mercados de
exportação para sua produção agrícola, produtos
industriais e serviços. Eles querem que todos os
países – inclusive os mais pobres – assinem novos
compromissos comerciais que irão abrir suas
economias ainda mais à competição internacional.
Uma pesquisa da ActionAid mostra que as atuais
medidas de liberalização comercial já estão
afetando as pessoas pobres em muitos países em
desenvolvimento. Se essa ação dos países ricos
não for detida, a pobreza e a desigualdade podem
aumentar em muitos países onde trabalhamos.
•
•
Na Gâmbia, importações baratas de
frangos, ovos, leite e arroz invadiram o
mercado, baixando os preços e levando
muitos produtores locais à falência.
Na África do Sul, a eliminação de tarifas
e subsídios levou muitos pequenos
agricultores, principalmente produtores
de milho, a abandonarem sua atividade.
Entre 1993 e 2002, o número de unidades
agrícolas comerciais caiu 21% e a força de
trabalho agrícola foi reduzida em 14%.
•
No norte de Gana, o mercado foi inundado
pelo arroz barato subsidiado. A maior parte
dos agricultores não ganhou nada com as
plantações de arroz nos últimos anos e, em
2002 e 2004, dois terços deles perderam
dinheiro.
•
No Brasil, a eliminação das barreiras
comerciais tem permitido que corporações
multinacionais expulsem do mercado os
pequenos produtores de leite, ameaçando
sua única alternativa de subsistência quando
há quebra das colheitas.
•
A eliminação de tarifas sobre as importações
têxteis forçou o fechamento de 20 fábricas
na Nigéria, com uma perda de 16.000
empregos. Outras 18 fábricas estão
ameaçadas de fechamento. Desde 1998,
foram perdidos quase dois terços dos
empregos no setor.
•
Na Índia, as reduções das tarifas de
importação de produtos industriais, como
têxteis e couro, resultaram numa onda
de produtos importados baratos e no
fechamento de muitas empresas. Quase 500
fábricas foram fechadas em 2004.
•
Na África do Sul, a privatização do
abastecimento de água resultou no corte de
água de meio milhão de pessoas por não
pagamento das contas, durante um trimestre
de 2001. Também foram registrados surtos
de cólera, quando as famílias passaram a
usar a água de rios poluídos.
•
No Paquistão, a crescente competição
estrangeira no setor pesqueiro está
expulsando do mercado 300.000
pescadores e pescadoras locais.
Alega-se que a liberalização comercial é um
caminho para os países em desenvolvimento
conseguirem sair da pobreza. No entanto, há
evidências de que uma liberalização comercial
prematura pode causar retrocessos no
desenvolvimento e que experiências como a de
Vishambar, Jennifer e Sérgio (citados no resumo
executivo) podem se tornar cada dia mais comuns.
Assim, acreditamos que os países pobres devem
ter o direito de proteger suas economias frágeis da
devastação infligida pela competição global.
Negociações sobre a agricultura
Os EUA e a União Européia (UE) alegam ter cortado
seus subsídios agrícolas ao longo dos anos.
Porém, na realidade, não houve nenhuma redução
substancial. Apesar de suas ofertas recentes de
cortes de subsídios, pretendem continuar como
antes, simplesmente retirando seus subsídios de
uma categoria ou “Caixa” e os realocando em
outra. Segundo estimativas da ActionAid, os EUA
concedem subsídios agrícolas de US$ 25 bilhões
por ano. No entanto, após a implementação de sua
proposta atual, ainda dariam US$ 17-27 bilhões
anuais. Da mesma forma, a UE fornece cerca de
€ 64 bilhões anuais e com a atual proposta ainda
daria € 55-58 bilhões. Portanto, estas propostas
recentes não passam de ilusão.
Além disso, os EUA estão evitando qualquer
compromisso autêntico de redução de seus
subsídios ao algodão, enquanto 10 milhões de
plantadores de algodão pobres continuam a
sofrer na África Ocidental e suas demandas por
justiça são ignoradas. Os países desenvolvidos
também resistem aos pedidos dos países em
desenvolvimento para isentarem colheitas
alimentares vitais (Produtos Especiais) das
reduções tarifárias e garantir um sistema
(conhecido como Mecanismo de Salvaguarda
Especial) para enfrentarem surtos de importações
agrícolas. Ainda mais, os países desenvolvidos
introduziram uma nova categoria de “produtos
sensíveis” nas negociações, para protegerem seus
próprios mercados.
Negociações sobre industrializados
Nas atuais negociações sobre o acesso ao
mercado de produtos não-agrícolas (NAMA, na
sigla em inglês), os países ricos estão pressionando
para conseguir grandes reduções de tarifas sobre
produtos industrializados importados nos países em
desenvolvimento, alegando que isso é do interesse
dos países em desenvolvimento.
Entretanto, as tarifas industriais cumprem um
papel importante na proteção de indústrias
nascentes, criando empregos e enfrentando
problemas no balanço de pagamentos. Na verdade,
quando os países que hoje são ricos estavam se
industrializando utilizavam tarifas para conseguir
exatamente isso – como também fizeram a Coréia
do Sul e Taiwan, mais recentemente.
Negociações sobre serviços
Nas negociações do Acordo Geral sobre o
Comércio de Serviços (GATS, na sigla inglesa), os
países pobres sofrem pressões para abrirem seus
“Queremos liberalizar o comércio e desenvolver mercados onde possamos vender produtos e serviços
europeus. As negociações multilaterais [OMC] oferecem a melhor oportunidade para realizar isso.”
Peter Mandelson, Comissário de Comércio da UE, 2 de julho de 2005.
“Os EUA … serão os mais beneficiados por reformas ousadas de liberalização comercial.”
Robert Portman, Representante de Comércio dos EUA, 21 de setembro de 2005.
“Quando chegar o momento decisivo, a [UE] …será fortemente influenciada pelo grau de ambição de todos
os membros da OMC em relação ao NAMA e aos serviços. Certamente não haverá nenhum acordo sobre a
agricultura a menos que (e até que) haja um resultado equilibrado em todos os setores.”
Peter Mandelson, Comissário de Comércio da UE, 10 de outubro de 2005.
INVASORES DO COMÉRCIO
setores de serviços aos exportadores estrangeiros.
Nada nessas negociações – nem mesmo serviços
essenciais, como abastecimento de água,
educação e saúde – está excluído de possível
liberalização.
Os países desenvolvidos também pressionam para
substituir um processo voluntário por outro que
exija compromissos mínimos de todos os países.
No entanto, resistem às demandas dos países em
desenvolvimento para a liberalização das regras de
movimentação internacional dos trabalhadores.
As recomendações da ActionAid
Está claro que as atuais negociações não levarão
a um resultado verdadeiramente a favor do
desenvolvimento na Rodada de Doha, pois não
levam em conta as necessidades das pessoas
pobres. Se o acordo final for algo como o que está
atualmente na mesa de negociação, a ActionAid
acredita que os países pobres devem assumir uma
atitude histórica e rejeitá-lo.
Os países desenvolvidos devem parar de forçar as
nações mais pobres a liberalizar suas economias
e permitir que os países em desenvolvimento
escolham suas próprias políticas em seu próprio
ritmo. Acreditamos que todos os países pobres
têm o direito de proteger suas economias e
que é inaceitável qualquer coisa que não seja o
reconhecimento pleno desse direito.
Mais especificamente, recomendamos que:
• os países desenvolvidos anunciem uma data
próxima para a eliminação genuína de todos
os subsídios domésticos à exportação que
distorcem o comércio;
• os países em desenvolvimento tenham
acesso significativo e substancial a Produtos
Especiais e a um Mecanismo de Salvaguarda
Especial;
• os subsídios dos EUA ao algodão sejam
imediatamente eliminados, para não por
em risco a subsistência de 10 milhões de
plantadores de algodão na África Ocidental.
Além disso, os agricultores já afetados
devem ser indenizados por suas perdas;
• os países em desenvolvimento tenham o
direito de escolher quais produtos industriais
desejam expor à competição estrangeira e
não sejam forçados à liberalização quando
esta é contrária a seus próprios interesses;
• os países desenvolvidos parem de forçar os
países pobres a liberalizarem seus setores de
serviços;
• serviços públicos – como abastecimento
de água, educação e saúde – sejam
explicitamente excluídos de compromissos
de liberalização;
• os países em desenvolvimento tenham
acesso a tratamento especial significativo
para proteger suas frágeis economias da
concorrência estrangeira;
• nenhum compromisso de país desenvolvido
deve depender de compromisso de países
em desenvolvimento com outros acordos.
Capítulo 1
Visão geral
As decisões tomadas pelos negociadores do comércio nas próximas semanas vão
afetar a vida de milhões de pessoas em todo o mundo. As negociações realizadas
na Organização Mundial do Comércio representam uma grande ameaça para os
países em desenvolvimento e, especialmente, para as pessoas pobres.
Os países ricos estão utilizando seu poder para assegurar novos mercados para
as suas exportações de produtos agrícolas, produtos industriais e serviços. O
principal objetivo é pressionar todos os países, incluindo aqueles mais pobres e
menos desenvolvidos, para que adotem novos compromissos de liberalização
nessas três áreas de comércio e abram ainda mais suas economias à competição
internacional. A menos que consigamos deter essas pressões, a pobreza e a
desigualdade podem ser aprofundadas em muitos países pobres.
À beira da crise
Neste relatório, a ActionAid apresenta novas
análises e estudos de caso mostrando como os
pobres estão sendo prejudicados pelas atuais
medidas de liberalização comercial, por que
qualquer novo acordo de liberalização pode ser
desastroso para as pessoas pobres e por que
as atuais pressões dos países ricos por mais
liberalização precisam ser detidas.
A ActionAid acredita que há uma necessidade
urgente de interromper essas negociações
comerciais e de avaliar a situação, analisando
todas as áreas de negociação a partir de uma
perspectiva de desenvolvimento e em favor das
pessoas pobres. As negociações devem levar em
conta as necessidades das pessoas pobres e, para
que isso aconteça, todos os acordos precisam ser
reorientados: no lugar de buscarem a “liberalização
progressiva” nos países em desenvolvimento, eles
necessitam manter o foco no “direito à proteção”.
Em outras palavras, precisam promover políticas
que protejam as frágeis agricultura e indústria
dos países em desenvolvimento da devastação
da competição internacional e, em contrapartida,
as incentive. Este enfoque não é excessivamente
idealista; na verdade, está em sintonia com o que
muitas organizações internacionais, acadêmicos
e os próprios países em desenvolvimento vêm
exigindo.
Em 2001, depois da reunião ministerial da OMC
em Doha, os países membros adotaram uma
declaração afirmando que “a maioria dos membros
da OMC é de países em desenvolvimento” e que
os países vão “procurar colocar suas necessidades
e interesses no centro do Programa de Trabalho
adotado nesta declaração”. Este objetivo está longe
de ser alcançado no estágio atual das negociações.
De fato, as negociações não apenas têm falhado
na promoção do desenvolvimento, como também
estão à beira de contribuir para aumentar
ainda mais os níveis de pobreza nos países em
desenvolvimento.1
Caso o acordo final seja parecido com o que
está atualmente na mesa de negociações, a
ActionAid acredita que os países pobres na
OMC devem assumir uma postura histórica e
rejeitá-lo.
As nações desenvolvidas devem parar de forçar os
países mais pobres a implementarem a liberalização
e permitir que os países em desenvolvimento
tenham o direito de escolher suas próprias políticas
e de pô-las em prática no seu próprio ritmo.
O que querem os países ricos
Em discursos e publicações, os líderes dos EUA
e da UE têm esboçado explicitamente suas
metas básicas para as atuais negociações da
OMC. Por exemplo, o Comissário de Comércio
da União Européia, Peter Mandelson, afirmou em
julho de 2005: “Desejamos liberalizar o comércio
e desenvolver mercados nos quais possamos
vender bens e serviços europeus. As negociações
multilaterais [da OMC] oferecem a maior
oportunidade para isso.”2 Ele também tem afirmado
INVASORES DO COMÉRCIO
que a meta primária da União Européia é “abrir
os mercados aos bens industriais, agrícolas e de
serviços, inclusive [nas relações comerciais] entre
países em desenvolvimento”.3
Além disso, Mandelson tem dito que as metas
da UE são ambiciosas e eles querem “reduzir
as barreiras comerciais tarifárias e não-tarifárias
em todos os países em condições de fazê-lo e
ajudar os que precisem de uma integração mais
progressiva à economia global”.4 Em artigo no
Financial Times, Mandelson também declarou que
a questão-chave das atuais negociações era um
compromisso de todos os países de “oferecerem
oportunidades de negócios novas e reais aos
agentes econômicos de outros países, sejam da
indústria, agricultura ou serviços”.5
Em relação aos EUA, o Representante de Comércio,
Robert Portman, afirmou: “A promessa dessas
negociações globais de comércio só poderá ser
plenamente cumprida com uma ambição profunda
e equilibrada nas três áreas essenciais de acesso
ao mercado: agricultura, produtos industriais
e serviços.”6 Em setembro de 2005, Portman
também dizia que as atuais negociações eram
“uma oportunidade de melhorar significativamente
o acesso ao mercado para nossos produtos em
todo o mundo”. Candidamente, ele acrescentou:
“Os EUA já são o país desenvolvido mais aberto
e seremos os mais beneficiados por reformas
ousadas de liberalização comercial.”7
A invariável retórica do desenvolvimento das
autoridades está em contradição com as posições
reais assumidas pelos países desenvolvidos nas
negociações. Embora os governos dos países
desenvolvidos tenham este ano tentado aparecer
como os grandes defensores da África, suas
delegações nas negociações recentes da OMC em
Genebra têm promovido fortemente uma agenda
baseada nos interesses das grandes empresas.
Todas as negociações nas áreas de agricultura,
produtos industriais e serviços ameaçam abrir as
economias dos países em desenvolvimento ao
controle das corporações baseadas no Norte.
Grupos empresariais desenvolvem um trabalho
forte de lobby pelo “sucesso” de compromissos de
liberalização profunda. Por exemplo, em setembro
de 2005, seis grandes grupos empresariais da
União Européia, Canadá, México, Japão e Austrália
emitiram uma declaração conjunta alertando que
as negociações “estavam à beira do colapso”.
Defendendo “reduções profundas e abrangentes
de tarifas” nos produtos industriais, afirmavam que
um fracasso em chegar a um acordo em Hong
Kong “poderia trazer sérias conseqüências para
10
VISÃO GERAL
o crescimento e o desenvolvimento econômico
em todo o mundo e tem o potencial de afetar
criticamente o aspecto essencial da atual rodada”.8
Organizações como a Unice (a federação
européia dos empregadores), a Mesa-Redonda
dos Industriais Europeus (que reúne as
corporações transnacionais mais influentes da
UE), a EuroComércio (que representa as empresas
varejistas e atacadistas da UE), o Fórum Europeu de
Serviços (representando as empresas de serviços),
o Diálogo Empresarial Transatlântico (representando
as principais corporações da UE e dos EUA)
e a Câmara Internacional de Comércio estão
todas fazendo forte pressão política em Bruxelas
e/ou Washington, buscando uma liberalização
abrangente nos serviços, investimentos, produtos
agrícolas e industriais, assim como nas aquisições
governamentais, e o estabelecimento de ambientes
favoráveis aos investimentos em outros países.9
A boa notícia é que as negociações estão
efetivamente paralisadas na maioria das áreas,
embora haja risco de “acordos” injustos serem
fechados com desvantagens para os países em
desenvolvimento, tanto por causa da pressão que
recebem quanto por divisão entre eles ou, ainda,
porque considerem a melhor alternativa numa
situação ruim.
A notícia ruim é que os países desenvolvidos vão
certamente utilizar seu poder de várias formas.
Os países ricos, especialmente na UE, atualmente
se recusam a eliminar seus subsídios agrícolas
domésticos à exportação até que os países em
desenvolvimento concordem em liberalizar ainda
mais produtos industriais e serviços.10 Os grupos de
países desenvolvidos têm alertado que, a menos
que os países mais pobres façam ofertas melhores
de liberalização nas negociações sobre serviços,
“as negociações de Hong Kong vão fracassar”.11
Outro risco é que os países em desenvolvimento
sejam “subornados” com promessas de “ajuda
para o comércio” – ou seja, de receber ajuda para
melhorar seu desempenho comercial, desde que se
comprometam a aprofundar a liberalização. Embora
esta ajuda seja certamente necessária, seus termos
vão determinar se vale a pena. Por exemplo, o
preço será demasiado alto se a ajuda simplesmente
capacitar os países pobres a implementar acordos
aos quais se opõem – e por boa razões.
Os países ricos continuam opondo-se às
reivindicações dos países mais pobres do mundo
por um tratamento mais justo e regras diferentes.
Na verdade, como aconteceu nas reuniões
ministeriais anteriores da OMC em Doha (2001)
e Cancún (2003), a agenda dos países ricos
opõe-se abertamente ao que reivindicam os
governos dos países em desenvolvimento, que
representam a maior parte da população mundial.
Embora muitos temas das rodadas anteriores
de negociação da OMC que são favoráveis aos
países em desenvolvimento não tenham sido ainda
implementados, os países desenvolvidos estão,
assim mesmo, buscando novos e importantes
compromissos de liberalização por parte das
nações em desenvolvimento.
Caso os países desenvolvidos sejam bemsucedidos nessa estratégia, o resultado será
um desastre contínuo para os países em
desenvolvimento. Os sistemas agrícolas e
a segurança alimentar dos países pobres,
assim como seus setores industriais, estão
sendo atualmente solapados pelas políticas de
liberalização e pelas regras da OMC. Existe o
perigo de que os setores de agricultura, indústria e
serviços possam ser ainda mais dizimados, com o
risco de uma desindustrialização ainda mais ampla.
Não é exagerado afirmar que isto é o que está
em jogo nas negociações e é por esta razão que
qualquer acordo em Hong Kong provavelmente
será pior do que nenhum acordo.
A experiência de liberalização no
mundo em desenvolvimento
Nos últimos anos, o debate sobre a liberalização
comercial tem sido um dos mais acirrados. Muitos
funcionários governamentais e de instituições
multilaterais, assim como alguns acadêmicos,
ainda argumentam que a liberalização comercial
é um caminho seguro para os países em
desenvolvimento conseguirem sair da pobreza.
Ao mesmo tempo, uma enorme quantidade de
evidências reunidas pela ActionAid e outras ONGs
demonstram como a liberalização comercial nos
países em desenvolvimento tem consistentemente
prejudicado as pessoas pobres e causado
retrocesso no desenvolvimento.
A experiência da ActionAid tem demonstrado que,
em geral, embora a liberalização comercial possa
algumas vezes favorecer a erradicação da pobreza
e o desenvolvimento, o mais freqüente é que ela
tenha efeitos prejudiciais, havendo necessidade
urgente de políticas alternativas. Em especial, como
será mostrado mais adiante neste relatório, as
importações baratas podem solapar maciçamente
a produção local, especialmente na agricultura, e
aprofundar a pobreza dos agricultores vulneráveis.
Defensores da liberalização comercial alegam,
freqüentemente, que ela pode induzir a inovação
tecnológica, diminuir os privilégios da elite e, assim,
contribuir para o crescimento econômico geral.
Isto pode acontecer, como também pode ocorrer
o oposto: a tecnologia importada pode forçar o
deslocamento da tecnologia e investimento locais,
enquanto a corrupção pode ser induzida por
novos vínculos com as corporações estrangeiras.
Em resumo, os benefícios da liberalização
comercial para a população em geral muitas
vezes dependem de fatores que nada têm a ver
com a liberalização propriamente dita, tais como
governança, distribuição de renda e as políticas de
eqüidade promovidas pelo governo. Por exemplo,
dependendo das circunstâncias internas, a riqueza
gerada pelo crescimento das exportações pode
tanto ser canalizada para as elites nacionais quanto
beneficiar a sociedade mais amplamente.
Vai depender de fatores domésticos se o
comércio em geral (e não somente a liberalização
comercial) beneficiará ou não as pessoas pobres.
Por exemplo, de acordo com a Conferência
das Nações Unidas sobre Comércio e
Desenvolvimento, a UNCTAD (na sigla em inglês):
“Nem todos países que exportam produtos
manufaturados tiveram sua industrialização
acelerada pela exportação. Na verdade, a
experiência mais comum, na qual o crescimento
das exportações de bens manufaturados está
vinculado à integração nas cadeias globais de
produção e de montagem de insumos importados,
tende a estar mais associada à estagnação ou
mesmo ao declínio da produção de produtos
manufaturados.”12
Toda a abordagem da OMC – pressupondo
que a liberalização comercial é boa para o
desenvolvimento – está, portanto, superada porque
os benefícios da liberalização comercial estão
longe de serem automáticos. O mandato da OMC
está construído sobre a pressão por liberalização
progressiva – por mais e mais liberalização – e
isso, por sua vez, equivale a uma liberalização
irreversível.
Na visão da UNCTAD, o “que a atual
abordagem faz é considerar a liberalização
como um dado e, então, ver como
compatibilizar com ela as metas de redução
da pobreza, no lugar de priorizar a redução
da pobreza e, depois, perguntar como a
liberalização comercial poderia ser encaixada
nisso”.13
INVASORES DO COMÉRCIO
11
Crescem as evidências contra o modelo da liberalização comercial
Estão bem documentadas as evidências contra a liberalização comercial, como um modelo a ser seguido em
todas as circunstâncias. Observem estes resultados recentes:
•
•
•
•
Uma análise da UNCTAD mostrou que, numa amostra de 36 países classificados de acordo com
seu grau de “restrição” e “abertura” comerciais, no final da década de 1990, a pobreza aumentou
tanto naqueles países que adotaram os regimes comerciais mais abertos quanto naqueles que
continuaram com os regimes mais fechados. “Porém, entre esses extremos, houve uma tendência
de declínio da pobreza naqueles países que tinham liberalizado seus regimes comerciais em menor
grau e de aumento da pobreza nos países que tinham liberalizado seus regimes comerciais em
maior extensão.” A conclusão foi de que “com base nessas evidências não é possível concluir que
a liberalização comercial reduz, no curto prazo, a pobreza ou leva a uma relação mais virtuosa entre
comércio e pobreza”.14
Outra análise das taxas de crescimento de países em desenvolvimento entre 1997 e 2001 mostrou
que, dos 108 países estudados, somente 10 dos 35 classificados entre os “mais abertos” tinham alto
crescimento do PIB e apenas 7 dos 36 países classificados como “restritivos” apresentavam baixo
crescimento do PIB. Havia 37 países que tinham alto crescimento do PIB com o regime de comércio
“restritivo” ou um baixo crescimento com regime de comércio “aberto”.15
Nos últimos anos, uma das análises mais influentes em favor da liberalização comercial foi feita por
David Dollar e Aart Kraay, em 2001. Ela procurava demonstrar que os países em desenvolvimento
que haviam aberto mais seu comércio recentemente tinham aumentado seu crescimento econômico
mais do que aqueles que tinham “permanecido fechados”. O dois grupos foram denominados de
“globalizadores” e “não-globalizadores”. No entanto, esta análise tem sido fortemente criticada. Por
exemplo, um estudo contrário demonstrou uma sobreposição estreita entre “globalizadores” e “nãoglobalizadores”, e países classificados como “menos dependentes de produtos primários” e “mais
dependentes de produtos primários”, mostrando que aqueles países que dependem de exportar um
pequeno número de commodities primárias cresceram muito mais lentamente do que aqueles que
dependem menos das commodities. Esta análise argumentava que Dollar e Kraay tinham destacado
a “maldição da dependência de commodities primárias” e não os benefícios da participação no
sistema de comércio global.16
Os países menos desenvolvidos tornaram-se mais pobres nas últimas duas décadas, com 80% de
suas populações vivendo atualmente com dois dólares por dia ou menos (a metade vive com um
dólar por dia ou menos). Contudo, esses países foram, nesse mesmo período, altamente integrados
A ActionAid concorda com esta visão e acredita
que os países pobres devem ter o direito de
buscar políticas alternativas ­– um direito que eles
claramente ainda não possuem.
Estas evidências sugerem que a promoção da
liberalização comercial como um modelo que
serve para todos é algo extremamente frágil. Mais
do que isso, este modelo está sendo promovido
por motivações ideológicas e porque beneficia as
corporações dos países ricos ao abrir mercados
estrangeiros para elas.
Na verdade, o modelo de liberalização comercial
não está baseado sequer numa análise racional
do que funcionou no passado. Há uma vasta
12
VISÃO GERAL
literatura, que já cobre pelo menos uma década,
mostrando que os casos mais bem-sucedidos
de desenvolvimento do pós-guerra – no Leste
Asiático e, especialmente, em Taiwan e Coréia do
Sul – foram em países que rejeitaram a abertura
plena de suas economias em etapas importantes
de seu desenvolvimento.23 Muitas vezes esses
países protegeram suas indústrias por períodos
limitados e com exigências claras de desempenho,
assim como deram preferência às empresas
nacionais para promover o desenvolvimento
industrial de longo prazo, intervindo ativamente na
economia através de políticas de regulamentação
e de financiamento dos investimentos. Num
relatório para o Instituto de Pesquisa da ONU para
o Desenvolvimento Social (UNRISD), K. Jomo,
à economia global, comercializando cerca de 51% de seu PIB, percentual mais alto do que o dos
países mais ricos (43%).17 Entretanto, embora tenham se tornado cada vez mais globalizados, esses
países viram sua parcela do comércio global cair de 3% em 1954 para 0,68% em 2004.18
•
•
•
•
As taxas de crescimento dos países em desenvolvimento onde a liberalização comercial está em
curso geram mais dúvidas sobre seus benefícios. Durante as décadas de 1960 e 1970, quando muitos
países praticaram as políticas de “substituição de importações” (hoje considerada herética), a renda
per capita nos países em desenvolvimento cresceu em torno de 3% ao ano. Nos anos 1990, após
mais de uma década de liberalização comercial, as taxas médias de crescimento caíram para 1,7%.19
O aspecto crítico para determinar se a liberalização comercial ajudará ou prejudicará os países
mais pobres é verificar se a composição de suas exportações será modificada, permitindo que seja
diversificada com a exportação de produtos mais dinâmicos, reduzindo sua dependência de poucos
produtos primários. As evidências sugerem que a liberalização comercial não vai ajudá-los nessa
tarefa e que os países que têm uma composição de exportações não-dinâmica antes da liberalização
vão continuar com uma estrutura de exportação não-dinâmica após a implementação da liberalização.
Num estudo de onze países, sete estavam perdendo participação no mercado no período préliberalização e esse número subiu para oito no período posterior à liberalização. A UNCTAD conclui
que “o processo de liberalização comercial nos países menos desenvolvidos tem reforçado sua
especialização na exportação de produtos primários, no lugar de promover uma mudança para
exportações de bens manufaturados”.20
Outras análises têm demonstrado que a liberalização comercial nos países em desenvolvimento
tende a prejudicar a balança comercial e o balanço de pagamentos. Num estudo de países em
desenvolvimento em geral, as exportações cresceram 2% após a liberalização mas as importações
subiram 6%. A liberalização comercial piorou o balanço de pagamentos em mais de 2% do PIB e a
conta corrente em 0,8% do PIB. As balanças comerciais e as contas correntes deterioraram em todas
as regiões analisadas: África, Ásia e América Latina.21
De fato, numa época em que os países em desenvolvimento ficam ouvindo sobre os ganhos
maravilhosos que teriam com mais liberalização, vale a pena analisar os avanços realizados na rodada
prévia sobre liberalização comercial – a Rodada do Uruguai. Naquela época, as estimativas dos países
ricos e das instituições multilaterais muitas vezes sugeriam avanços da ordem de centenas de bilhões
de dólares. Contudo, uma estimativa recente sugere que esses ganhos foram, na verdade, de cerca
de US$ 75 bilhões, dos quais quase US$ 70 bilhões foram para os países desenvolvidos e US$ 5
bilhões para os países recém-industrializados, como Cingapura, Coréia do Sul e Taiwan. Como grupo,
os países em desenvolvimento não tiveram nenhum ganho.22
professor de economia da Universidade de Malaya,
Kuala Lumpur, observava:
“Atualmente, existem evidências
consideráveis de que o crescimento alto
no Leste Asiático resultou de intervenções
de políticas públicas de desenvolvimento
bem-sucedidas e adequadas e não de
liberalização econômica. Assim, a Coréia
do Sul e Taiwan não apenas foram muito
mais longe em termos de crescimento,
industrialização e mudança estrutural
do que a Tailândia, Indonésia e Malásia,
como também fizeram isso com menos
desigualdade. O melhor desempenho
econômico desses dois primeiros países
deveu-se a intervenções governamentais
mais eficazes, especialmente políticas
industriais seletivas, enquanto a menor
desigualdade explica-se por uma
significativa redistribuição de bens
(especialmente de terras), antes do
período de alto crescimento, pleno
emprego e desenvolvimento social para
assegurar apoio às políticas públicas de
desenvolvimento.”24
Um aspecto importante do bem-sucedido
desenvolvimento no Leste Asiático foi que aqueles
países não sofreram “choques” de liberalização. Ao
contrário, sua industrialização havia sido iniciada
muito antes da liberalização dos anos 1980 e
INVASORES DO COMÉRCIO
13
tinha avançado na base de um espectro amplo
de políticas comerciais e industriais, formuladas
especificamente para estimular a emergência de
atividades de maior valor agregado e produtos
de alta tecnologia e intensivos em capital. As
estratégias estavam orientadas para fora, mas
sem adotarem a liberalização indiscriminada.
Em especial, os investimentos estrangeiros
foram administrados estrategicamente para
assegurar que apoiassem os esforços nacionais,
que continuassem a fortalecer e modernizar as
capacidades produtivas domésticas.25
O fato de que os países desenvolvidos não
seguiram o modelo do livre comércio em etapas
importantes de seu próprio desenvolvimento,
de terem protegido suas nascentes indústrias,
no lugar de abrí-las à plena competição global,
tem sido bem analisado pelos acadêmicos e
será mais discutido no capítulo 3 deste relatório.
As atuais pressões dos países ricos pelo
aprofundamento da liberalização comercial nos
países pobres parecem mais uma estratégia para
evitar o seu desenvolvimento e fazer oposição aos
competidores.
Um alto funcionário do Banco Mundial certa vez
observou que “as pessoas pobres dos países em
desenvolvimento muitas vezes estão em melhores
situações quando seus governos ignoram os
conselhos políticos do FMI e do Banco Mundial.26
Da mesma forma, o vice-presidente do Ministério
de Comércio Internacional e Indústria do Japão
observou que, se seu país tivesse adotado o livre
comércio, “teria quase sempre sido incapaz de
romper com o padrão asiático de estagnação
e pobreza”. 27
Um estudo realizado para o Unicef, que
identificou dez países em desenvolvimento de
“alto desempenho”, também não conseguiu levar
adiante a causa dos que defendem a liberalização
comercial.
Costa Rica, Cuba, Barbados, Botsuana,
Zimbábue, Maurício, o estado indiano
de Kerala, Sri Lanka, Coréia do Sul e
Malásia foram reconhecidos por terem um
desempenho relativamente bom na promoção
do desenvolvimento e na erradicação da
pobreza. O estudo observou que, nesses
países, os avanços na saúde e na educação,
que levaram quase 200 anos para se efetivar
nas nações desenvolvidas, “foram atingidos
em mais ou menos uma geração”. Entre as
razões principais estão o “papel proeminente
do Estado em assegurar que a vasta
14
VISÃO GERAL
maioria da população tivesse acesso aos
serviços básicos”; os gastos relativamente
altos com serviços sociais; a expressão da
“voz” do povo (em todos os casos, exceto
na Coréia do Sul); a não priorização do
crescimento econômico em detrimento do
desenvolvimento social; e as mulheres serem
consideradas como agentes iguais nas
mudanças. 28
O estudo não analisou especificamente a
liberalização comercial, porém é significativo que
nenhum desse países tenha adotado a plena
liberalização do comércio como estratégia. Ela
não foi destacada como um instrumento político
importante – e este é provavelmente o motivo
de não ter sido enfocada no estudo. A maioria
daqueles países rejeitou totalmente a abordagem
da liberalização.
E o que acontece com a bem-sucedida
experiência recente da China e da Índia em
reduzir a pobreza de parte de sua população?
Poderia se argumentar que isso demonstra o
êxito do modelo de liberalização. De fato, a China
liberalizou recentemente várias áreas da economia
– sendo este o preço que pagou para ter acesso
à OMC – ter acesso à OMCter ppter, porém isso
não foi um choque de reforma, inclusive porque
deu continuidade ao processo de liberalização
gradual dos últimos dez anos e também porque a
liberalização da China ocorreu numa posição de
força e não de fraqueza. Além disso, a China tem
resistido às pressões para liberalizar seu mercado
de câmbio e a conta de capital, tendo desfrutado
de considerável depreciação de sua moeda, o que
tem sido um fator que facilita o ajuste ao regime
comercial mais liberal, evitando uma deterioração
forte do balanço de pagamentos.29
Ao mesmo tempo, na Índia, como demonstrou
Jayati Ghosh, da Universidade de Nehru, as taxas
de crescimento do PIB real já estavam em alta na
década de 1980, antes do início das reformas de
liberalização econômica em 1991. O crescimento
do PIB foi o mesmo, de 5,6% ao ano, tanto no
período de 1980-1990 quanto em 1990-2000.
No entanto, desde 1991, o crescimento tem sido
acompanhado por um aumento da desigualdade
entre as regiões do país e entre as pessoas ricas
e pobres, enquanto a taxa de declínio da pobreza
em geral tem diminuído. Ghosh observa que “as
crescentes desigualdades de renda nesse período
acentuaram certos aspectos estruturais de longo
prazo da sociedade indiana, com grupos mais
favorecidos buscando perpetuar e aumentar seu
controle sobre recursos limitados e sobre canais
de geração de renda da economia. Por sua vez,
isso tem significado uma efetiva perda de direitos
econômicos para um grande número de pessoas”.
Além disso, Ghosh observa que a liberalização
do comércio teve um impacto especial nas
comunidades agrícolas e que “a agricultura indiana
tem vivido uma crise contínua numa escala sem
precedentes”.
A ausência da proteção mínima para os
agricultores indianos diante da competição
dos produtores subsidiados dos países
desenvolvidos, juntamente com a mudança
de cultivo dos alimentos básicos tradicionais
para as colheitas voltadas para o mercado,
tem produzido um declínio na segurança
alimentar e uma queda do consumo de grãos
per capita para níveis que não eram vistos
desde o início da década de 1950.30
Tratamento especial e diferenciado
para os países em desenvolvimento
A ActionAid argumenta que, com base nas
evidências apresentadas acima, os países em
desenvolvimento devem ter a possibilidade de
promover políticas que protejam suas economias
da devastação causada pela liberalização do
comércio global.
Porém, esse “direito à proteção” tem sido
severamente prejudicado por ataques sucessivos
de liberalização através da OMC e também dos
programas de empréstimo do Banco Mundial/ FMI
para os países pobres. Por exemplo :
• Suas tarifas comerciais foram cortadas,
especialmente as tarifas de produtos
agrícolas.
• Sua capacidade de fornecer subsídios
à agricultura e à indústria domésticas foi
reduzida e, em alguns casos, eliminada.
• Sua capacidade de discriminar investidores
estrangeiros em favor dos investidores locais
tem sido reduzida.
• Esses países não têm podido fortalecer seus
direitos de propriedade intelectual, logo seus
recursos naturais, bem como conhecimentos
e tecnologias locais tem sido passados ao
controle de empresas estrangeiras.
Em geral, a liberalização progressiva tem reduzido
o crítico “espaço político” necessário para que os
países mais vulneráveis possam promover políticas
Declínio do espaço político
Organizações internacionais e vários economistas destacados vêm alertando há muitos anos para a grande
perda de espaço político resultante dos acordos da OMC:
•
•
•
De acordo com a UNCTAD: “As pressões por uma maior abertura, especialmente num ambiente
econômico de incertezas e numa era de mudanças estruturais dinâmicas, têm tornado cada vez mais
difícil para os países seguirem suas próprias políticas nacionais de desenvolvimento e integração à
economia global.”31
Segundo o PNUD: “Os acordos multilaterais que crescem rapidamente – as novas regras – trazem
muitas obrigações para os governos nacionais e limitam as escolhas de políticas internas, inclusive
daquelas que são críticas para o desenvolvimento humano. Essas regras impulsionam uma
convergência de políticas num mundo que apresenta enorme diversidade econômica, social e
ecológica.”32
De acordo com Ha-Joon Chang, um economista da Universidade de Cambridge: “O tempo se
esgota. Nas últimas duas décadas, o espaço político disponível para os países em desenvolvimento
tem encolhido dramaticamente. Se os países desenvolvidos prevalecerem, esse espaço vai encolher
durante a próxima década até um ponto só visto nos tempos do imperialismo, tornando quase
impossível a industrialização e o desenvolvimento econômico no mundo em desenvolvimento.
Aqueles que estão verdadeiramente preocupados com o desenvolvimento, tanto no Sul quanto no
Norte, precisam realizar ações articuladas para evitar esse desastre.”33
INVASORES DO COMÉRCIO
15
econômicas nacionais adequadas às suas próprias
circunstâncias.
Embora o tratamento especial e diferenciado
para os países em desenvolvimento e para
aqueles menos desenvolvidos esteja formalmente
consagrado nos acordos da OMC, e esteja
explicitado na agenda de Doha, acordada na
reunião ministerial de 2001 e no Marco de
Referência de julho de 2004, que estabelecem os
termos das atuais negociações, esse tratamento
especial não se concretizou e tem enfrentado
grandes problemas. Em especial:
• A implementação dos acordos existentes
sobre tratamento especial tem sido um
fracasso, principalmente devido à oposição
do mundo desenvolvido.
• Atualmente, o tratamento especial
está voltado para ajudar os países em
desenvolvimento a implementarem
seus compromisso de liberalização e
a se adequarem às regras da OMC e
não a promoverem seus objetivos de
desenvolvimento.
• O aprofundamento dos dispositivos
de tratamento especial atuais não
é mais suficiente para os países em
desenvolvimento, especialmente em face das
novas pressões por liberalização cada vez
maior da parte dos países ricos.
Há muito tempo os países em desenvolvimento
insistem que sua capacidade de assumir
novos compromissos de liberalização depende
tanto de sua capacidade de implementar os
compromissos do passado quanto do impacto
destes compromissos sobre suas economias.
Os países-membros tinham acordado em Doha
que os problemas de implementação deviam ser
“tratadas como matéria prioritária pelos organismos
relevantes da OMC”, porém o progresso tem sido
muito lento em todos os aspectos de interesse
particular para os países em desenvolvimento,
especialmente a revisão de dispositivos para
os países em desenvolvimento que enfrentam
dificuldades na implementação dos acordos
comerciais (“problemas de implementação”). Os
países desenvolvidos ainda não estão dispostos a
cooperar plenamente e a enfrentar alguns desses
problemas, que em alguns casos remontam à
década de 1980. Como conseqüência, os países
em desenvolvimento vêm negociando camadas
adicionais de compromissos de liberalização,
16
VISÃO GERAL
enquanto os problemas com os acordos existentes
não foram enfrentados de forma apropriada e muito
menos resolvidos.
Bloqueando as propostas atuais
Atualmente, os membros da OMC devem
trabalhar de acordo com um mandato que requer
o fortalecimento dos dispositivos de tratamento
especial para torná-los, nas palavras do Marco
de Referência de julho de 2004, “mais precisos,
eficazes e operacionais”.34 No entanto, está
acontecendo justamente o oposto. Na mesa de
negociações, permanece formalmente uma lista de
88 propostas para melhorar o tratamento especial e
diferenciado, preparada principalmente pelos países
africanos e menos desenvolvidos e que trata, entre
outras coisas, de mudanças nos acordos sobre
serviços, agricultura e propriedade intelectual. Estas
propostas, que avançariam bastante no caminho de
tornar as regras comerciais muito mais orientadas
ao desenvolvimento, têm sido em grande medida
ignoradas e de facto rejeitadas pelos países
desenvolvidos, a tal ponto que atualmente os países
menos desenvolvidos estão propondo uma lista
com somente cinco áreas de tratamento especial.
Esta lista inclui a demanda de que os países
desenvolvidos se comprometam a propiciar às
exportações dos países menos desenvolvidos
acesso ao mercado livre de impostos (duty-free),
que os países em desenvolvimento recebam
maiores dispensas das atuais obrigações da OMC,
e que os países menos desenvolvidos recebam
uma isenção mais ampla do acordo da OMC sobre
investimentos (TRIMs – Medidas de Investimento
Relacionadas ao Comércio). Mesmo esta curta lista
está enfrentando uma oposição significativa. Os
EUA se opõem ao compromisso vinculante sobre
as exportações dos países menos desenvolvidos,
sugerindo que acordos bilaterais são mais
adequados para essa tarefa, e alguns países latinoamericanos também se opõem às demandas dos
países menos desenvolvidos por maiores dispensas
da OMC, enquanto os países desenvolvidos em
geral estão pedindo mais esclarecimentos sobre as
isenções do acordo TRIMs.35
Outra reivindicação atual dos países menos
desenvolvidos é a revisão da “cláusula de
habilitação” do acordo da OMC, garantindo
que o “grau e o ritmo da liberalização sejam
determinados em consultas com o governo” dos
países menos desenvolvidos, reconhecendo que
esses países não devem ser forçados a tomar
medidas de liberalização que entrem em conflito
com suas necessidades de desenvolvimento
ou financeiras. A parte mais controvertida desta
proposta é a sugestão de que os países menos
desenvolvidos tenham permissão, quando
justificado por sua situação econômica e comercial
e estágio de desenvolvimento, de não realizarem
nenhuma redução de tarifas nos setores agrícolas
e industriais e de manterem taxas tarifárias
consolidadas em níveis consistentes com suas
necessidades.
No entanto, tem sido divulgado que “muitos
países desenvolvidos, incluindo os EUA, afirmam
que os países menos desenvolvidos não podem
ter a expectativa de não assumirem nenhum
compromisso ou de receberem uma isenção
em branco e permanente, pois o objetivo dos
membros da OMC é a integração ao sistema de
comércio multilateral”. Nas recentes negociações
de Genebra, algumas fontes sugeriram que “EUA,
UE, Canadá e Japão não estavam dispostos a
conceder uma isenção tão abrangente por temerem
que isso crie um precedente de exceções à regra
e um tratamento diferente para distintos países em
desenvolvimento”.
Além disso, essas discussões foram realizadas
somente alguns dias antes que muitos desses
mesmos países se reunissem na cúpula do G-8, em
Gleneagles, e dessem seu apoio, diante da mídia de
todo o mundo, ao desenvolvimento da África e ao
direito dos países pobres decidirem suas próprias
políticas. Com freqüência, é extremo o contraste
entre relações públicas e as políticas reais.
Os países desenvolvidos também se recusam
a implementar os atuais acordos de tratamento
especial e diferenciado até que aqueles países
que denominam de “em desenvolvimento mais
avançados” deixem de receber tratamento
especial.36 Esta preocupação se refere a países
como o Brasil, China e Índia, que cada vez
mais são vistos como competidores pela União
Européia e EUA. A ActionAid acredita que nesses
países ainda vivem milhões e milhões de pessoas
pobres. Por exemplo, de acordo com o Relatório
de Desenvolvimento Humano de 2005,37 o Brasil
está classificado na posição 63 do Índice de
Desenvolvimento Humano, com 22,4% de sua
população vivendo abaixo da linha de pobreza de
US$ 2 por dia, enquanto a China ocupa a posição
85 com 46,7% de sua população vivendo na
pobreza extrema, seguida pela Índia, classificada
na posição 127, com 80% da população vivendo na
pobreza extrema. Portanto, esse países devem ter
direito a tratamento especial.
A ActionAid também acredita que os países em
desenvolvimento, e especialmente os menos
desenvolvidos, já enfrentam uma grande crise
em termos da implementação dos atuais
compromissos de liberalização. Assim, a aceitação
da atual agenda dos países desenvolvidos de
aprofundamento da liberalização na agricultura,
produtos industriais e serviços irá causar uma
erosão ainda maior de seu espaço político e agravar
a crise.
O grupo africano também levantou preocupações
similares em sua recente carta ao Comitê de
Negociação Comercial da OMC. Nesta carta,
o grupo afirma que “as modalidades devem
levar em conta a necessidade de um
espaço político adequado que permita
aos países africanos adotarem políticas
agrícolas que dêem apoio às suas metas de
desenvolvimento, estratégias de redução
da pobreza e preocupações com segurança
alimentar e meios de subsistência”. 38
INVASORES DO COMÉRCIO
17
Notas
1
A menos que seja especificado de outra forma, a expressão “países em desenvolvimento”, neste relatório, inclui os países menos desenvolvidos.
2
Peter Mandelson, discurso, 21 de julho de 2005, http://www.europa.eu.int/comm/commission_barroso/mandelson/speeches_articles
3
Peter Mandelson, discurso, 4 de outubro de 2004, http://www.europa.eu.int/comm/commission_barroso/mandelson/speeches_articles
4
Peter Mandelson, discurso, 21 de julho de 2005, http://www.europa.eu.int/comm/commission_barroso/mandelson/speeches_articles
5
Peter Mandelson, Financial Times, 3 de maio de 2005.
6
Robert Portman, ‘Kick-starting global trade talks’, International Herald Tribune, 2 de maio de 2005.
7
Robert Portman, Declaração à Comissão de Agricultura, Nutrição e Administração Florestal dos EUA, Senado dos EUA, 21 de setembro de
2005, www.ustr.gov
8
http://www.businessroundtable.org/pdf/20050905003WBLGJointStatement.pdf
9
Ver, por exemplo, as publicações recentes da UNICE e EuroComércio em www.unice.org e www.eurocommerce.be
10 ‘Supachai: Negotiations behind schedule for July, Hong Kong’, BRIDGES Weekly Trade News Digest, 4 Maio de 2005, www.ictsd.org
11 Citado em Focus on the Global South, ‘The end of an illusion: WTO reform, global civil society and the road to Hong Kong’, Focus on Trade, Issue
No. 108, Abril de 2005, www.focusweb.org
12 UNCTAD, The Least Developed Countries Report 2004, p. 84, www.unctad.org
13 UNCTAD, The Least Developed Countries Report 2004, pp. 70-1, www.unctad.org
14 UNCTAD, The Least Developed Countries Report 2004, p. 188, www.unctad.org
15 UNCTAD, The Least Developed Countries Report 2004, p. 86, www.unctad.org
16 Citado em UNCTAD, The Least Developed Countries Report 2004, p. 82, www.unctad.org
17 UNCTAD, The Least Developed Countries Report 2004, p. 106, www.unctad.org
18 Lakshmi Puri, ‘Towards a new “Marshall Plan” for least developed countries’, Trade, Poverty and Cross-cutting Development Issues, Study Series
No.1, UNCTAD, 2005, p. 2
19 Ha-Joon Chang, ‘Towards practical alternatives to prevailing trade policy’, South Bulletin, 15 de junho de 2005, p. 269, www.southcentre.org
20 UNCTAD, The Least Developed Countries Report 2004, pp. 199, 213, www.unctad.org
21 UNCTAD, The Least Developed Countries Report 2004, pp. 201-2, www.unctad.org
22 Citado em Yilmaz Akyuz, ‘WTO’s NAMA negotiations: Policy space at stake’, South Bulletin, 30 de julho de 2005, p. 364, www.southcentre.org
23 Por exemplo, ver Ajit Singh, ‘How did East Asia grow so fast?’, UNCTAD Bulletin, maio de 1995, pp. 4-14; Ha-Joon Chang, Kicking Away the
Ladder: Development Strategy in Historical Perspective, Anthem Press, Londres, 2002.
24 K. Jomo, Globalisation, Liberalisation and Equitable Development: Lessons from East Asia, UNRISD, julho de 2003, p. 31
25 Richard Kozul-Wright e Paul Rayment, Globalisation Reloaded: An UNCTAD Perspective, Documento de discussão da UNCTAD N.167, pp. 15-16
26 William Easterly, citado em K. Jomo, Globalisation, Liberalisation and Equitable Development: Lessons from East Asia, UNRISD, julho de 2003, p.
15
27 Citado em Michael Barratt-Brown e Pauline Tiffen, Short Changed: Africa and World Trade, Pluto Press, Londres, 1992, p. 14
28 Santosh Mehrotra, Integrating Economic and Social Policy: Good Practices from High-achieving Countries, Documentos de trabalho Innocenti, N.
80, UNICEF, outubro de 2000, www.unicef.org
29 Yilmaz Akyuz, ‘Trade, growth and industrialisation: Issues, experience and policy challenges’, janeiro de 2005, p. 17
30 Jayati Ghosh, ‘Is India a success story of economic liberalisation?’, Documento de discussão da Christian Aid, maio de 2005
31 UNCTAD, Trade and Development Report 2004, p. 95, www.unctad.org
32 Pnud, Human Development Report 1999, p. 35, http://hdr.undp.org/reports/global/1999/en
33 Ha-Joon Chang, ‘Towards practical alternatives to prevailing trade policy’, South Bulletin, 15 de junho de 2005, p. 271, www.southcentre.org
34 O Marco de Referência de Julho de 2004 está reproduzido em South Bulletin, 30 de julho de 2004, pp. 340-9, www.southcentre.org
35 ‘No results on S&D despite marathon negotiations’, BRIDGES Weekly Trade News Digest, 27 de julho de 2005, www.ictsd.org
36 Focus on the Global South, ‘The end of an illusion: WTO reform, global civil society and the road to Hong Kong’, Focus on Trade, Issue N. 108,
abril de 2005, www.focusweb.org
37 Human Development Report 2005. ‘International Cooperation at a Cross Roads: Aid, trade and security in an unequal world’, Programa de
Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD), Nova York 10017, EUA.
38 Carta do Grupo Africano para Pascal Lamy, Genebra, 8 de novembro de 2005.
18
VISÃO GERAL
Capítulo 2
O comércio de alimentos e o
perigo de ampliar a liberalização
As atuais negociações da OMC sobre agricultura representam uma ameaça
crescente para centenas de milhões de pessoas em todo mundo que dependem
da agricultura para sua subsistência. A agenda dos países ricos é muito clara:
•
Estão buscando novos mercados, pressionando os países pobres a
reduzirem ainda mais as barreiras tarifárias às exportações agrícolas dos
países ricos. Ao mesmo tempo, resistem às repetidas demandas dos
países em desenvolvimento para que os produtos agrícolas alimentares
vitais fiquem isentos das reduções tarifárias, de modo que os países
em desenvolvimento possam se proteger dos surtos de importação,
que solapam a produção local e podem devastar as comunidades de
agricultores.
•
Introduziram nas negociações uma nova categoria de “produtos sensíveis”
para isentarem uma grande porção de suas próprias importações de
cortes de tarifas, restringindo ainda mais as exportações dos países em
desenvolvimento.
•
Estão buscando manter – e, além disso, procurando novas regras para
expandir – os subsídios domésticos a seus próprios agricultores, que
causam superprodução e dumping nos países em desenvolvimento. As
ofertas recentes da União Européia e dos EUA para reduzir subsídios não
passam de ilusão. Estimativas da ActionAid mostram que eles poderiam
manter seus altos subsídios.
Se essa agenda for levada adiante, agravará a devastação entre os agricultores de
todo o mundo já desencadeada pelas regras do comércio global. Não é nenhum
segredo que a União Européia e os EUA estão pressionando por maior acesso
ao mercado dos países em desenvolvimento como o preço que teriam de pagar
para que eles concordassem em eliminar os subsídios às exportações e reduzir
seu apoio doméstico à agricultura.1 Em alguns setores, isso poderia ser visto como
chantagem dos fortes contra os fracos, porém, para a União Européia e os EUA,
trata-se simplesmente de negociação diplomática global – não importando o custo
humano.
INVASORES DO COMÉRCIO
19
“Com 95% de nossos clientes potenciais no exterior e o mercado dos EUA já maduro, temos de assegurar o
acesso aos consumidores do mundo para manter o crescimento dos lucros...
Nossa meta nas negociações de Doha é dar aos nosso produtores agrícolas a mesma capacidade de
competir, abrindo novos mercados e facilitando o movimento mais eficiente de mercadorias através das
fronteiras... A expansão da renda global através da adoção de políticas orientadas para o mercado abrirá
mercados em todo o mundo, com grande benefício para a comunidade agrícola dos EUA...
Os países que bloquearam o acesso dos EUA a seus mercados, especificamente através de altas tarifas,
precisam mostrar seriedade na questão da abertura dos mercados nas negociações.”
Representante de Comércio dos EUA, Robert Portman, 21 de setembro de 2005.2
Os efeitos da liberalização
comercial na agricultura
Nas regras da OMC, os produtos agrícolas
são tratados como qualquer outra mercadoria
comercializável, mas para milhões e milhões
de pessoas, a agricultura é muito mais do que
isto – é a sua sobrevivência. Estima-se que 1,3
bilhão de pessoas em todo mundo trabalha na
agricultura e mais 1,5 bilhão depende desse
setor.
Mais da metade de toda a população dos países
em desenvolvimento trabalha na agricultura,
proporção que chega a 85% em alguns países
mais pobres. A agricultura é a principal fonte de
renda e segurança alimentar para a maioria das
pessoas pobres do mundo. Isso é particularmente
verdadeiro para as mulheres, que tendem a ser as
principais responsáveis pela alimentação da família
e pela produção estimatimada de 60-80% dos
alimentos cultivados na maior parte dos países em
desenvolvimento.
A agricultura é crítica na redução da pobreza
porque o crescimento da economia dos pequenos
proprietários é a maneira mais eficaz de aliviar a
pobreza rural. O aumento da renda dos pequenos
agricultores reduz a pobreza na economia como
um todo, ao aumentar a demanda local por bens
e serviços como transportes, construção civil
e mão-de-obra agrícola. Uma forte economia
baseada em pequenos empreendimentos, aliada a
distribuição eqüitativa de terras, é fundamental para
o crescimento econômico mais amplo.
Assim, na maior parte dos países em
desenvolvimento, a agricultura deve cumprir
um papel central em qualquer estratégia eficaz
de desenvolvimento nacional. Poucos países
desenvolveram economias industriais fortes
sem antes conseguirem um crescimento de sua
pequena agricultura. Nos últimos 300 anos, quase
20
todos os casos de redução maciça da pobreza
começaram com aumentos de renda resultantes da
maior produtividade dos empreendimentos rurais
de pequena escala.
Portanto, é difícil exagerar até que ponto são
críticos para os países pobres acordos comerciais
que desenvolvam seus setores agrícolas. No
entanto, a realidade atual mostra justamente o
oposto. Como foi documentado num relatório
recente da ActionAid, o comércio de produtos
agrícolas é controlado, cada vez mais, por um
punhado de corporações transnacionais sediadas
no mundo rico.3
Em grande medida, os acordos globais de
comércio vêm sendo estabelecidos de acordo
com os interesses dessas corporações. Os setores
agrícolas dos países em desenvolvimento foram
abertos às importações baratas e muitos desses
países têm sido forçados a reduzir seu apoio interno
à agricultura, enquanto os preços dos produtos
primários – dos quais dependem os países mais
pobres – praticamente entraram em colapso nos
últimos vinte anos.
Ao mesmo tempo, os países industrializados
continuam dando maciça proteção à sua
agricultura, impedindo muitas exportações dos
países em desenvolvimento e levando ao dumping
de produtos agrícolas dos países ricos nos
mercados mundiais – o que desvaloriza os preços e
arruina os produtores locais.
Se o mundo formulasse conscientemente
um sistema de comércio de alimentos para
prejudicar os mais vulneráveis, seria difícil
igualar o atual.
Um aspecto permanente da difícil situação
enfrentada pelos países em desenvolvimento nas
últimas duas décadas tem sido a invasão dos
mercados agrícolas locais por importações baratas,
O COMÉRCIO DE ALIMENTOS E O PERIGO DE AMPLIAR A LIBERALIZAÇÃO
África do Sul: fim dos subsídios leva ao desemprego 14% da força de trabalho agrícola
Na África do Sul, a desregulamentação do setor agrícola teve início na década de 1980, como resultado das
condições e recomendações do Banco Mundial e FMI, assim como da participação do país no Acordo de
Agricultura da OMC. O livre mercado foi colocado no centro da política, com o Estado “ajudando” o mercado
a fornecer bens e serviços para o desenvolvimento, tais como terras e infra-estrutura. No entanto, a vasta
maioria dos pequenos agricultores permanece presa à pobreza.
Por exemplo, a eliminação dos subsídios forçou muitos agricultores marginais, principalmente na produção do
milho, a encerrarem suas atividades. Houve uma queda de 21% no número de unidades agrícolas comerciais,
entre 1993 e 2002.4 Ao mesmo tempo, ocorreu uma redução de 14% na força de trabalho agrícola
(permanente e temporária), logo em seguida a uma queda de 12% no emprego, entre 1988 e 1992.5
A liberalização também resultou em maior concentração de poder nas cadeias de produtos agrícolas e
alimentícios. Cada vez mais, as corporações globais dominam os mercados de sementes, como a Monsanto
no milho, trigo e verduras; Syngenta no milho e verduras; e Delta & Pine Land no algodão.6
No geral, a desregulamentação e liberalização têm favorecido os agricultores voltados para exportações em
nichos de mercado, especialmente nos setores de frutas e vinhos, como também em setores menores, como
o de flores cortadas e e o de lã. No entanto, outros setores, como o milho, tornaram-se muito mais voláteis
à medida que os mercados foram desestabilizados por uma combinação de flutuações fortes da moeda,
declínio dos preços das commodities e superprodução global da maior parte das principais mercadorias
agrícolas.
Além disso, os preços dos alimentos têm subido fortemente nos últimos anos, principalmente por causa da
taxa de câmbio volátil, atingindo mais as famílias mais pobres. No final da década de 1990, a África do Sul
estava com um excedente de 3 milhões de toneladas de milho, enquanto mais de 14 milhões de pessoas não
tinham comida suficiente.7
Programa de Parceria da África Meridional, ActionAid, OMC, serviços e experiências de privatização da água
na África do Sul, 2005.
especialmente – porém não exclusivamente
– de produtos agrícolas subsidiados vindo dos
países desenvolvidos. A remoção de tarifas nos
países em desenvolvimento, como resultado dos
compromissos com a liberalização do comércio,
tem piorado muito essa situação e os mais
atingidos têm sido as pessoas pobres.
Os efeitos têm variado de sérios a devastadores,
como bem documentados nos últimos anos pela
ActionAid e outras ONGs. Por exemplo, no Haiti
as importações de arroz barato e subsidiado dos
EUA expulsaram milhares de agricultores pobres
de suas atividades e forçaram muitas pessoas
a abandonarem suas terras. Na Jamaica, 3.000
produtores de leite pobres estão tendo que encerrar
suas atividades por causa do dumping de 5.500
toneladas de leite europeu altamente subsidiado
no seu mercado. Entre outros exemplos, estão as
importações de frango para a África Ocidental,
laticínios para o Quênia e pasta de tomate para
o Senegal, assim como outros produtos para Sri
Lanka, Guiana, Trinidad e Tobago, Filipinas, México,
Gâmbia e Brasil – para citar somente alguns casos.8
O dumping – venda de produtos a preços abaixo
dos custos de produção presumíveis – continua
a causar grande destruição em boa parte do
mundo em desenvolvimento. Por exemplo, em
2003, o dumping das empresas de alimentos e
dos agronegócios com sede nos EUA fez com que
o trigo fosse exportado a um preço médio 28%
abaixo do custo de produção, enquanto a soja e o
milho eram exportados a 10% abaixo do custo de
produção, o algodão a 47% e o arroz a 26%.9
Desde que a OMC foi fundada, em 1994, empresas
dos EUA têm descarregado pesadamente altos
volumes das suas cinco mercadorias agrícolas
mais exportadas. Os efeitos disso são duplos: as
importações a baixo custo expulsam os agricultores
dos países em desenvolvimento dos mercados
locais, enquanto os agricultores que vendem seus
produtos aos exportadores descobrem que sua
participação no mercado foi prejudicada pelo
preço mundial rebaixado. Embora as regras da
OMC proíbam formalmente o dumping, a prática
é comum e essas regras tornam complicado e
dispendioso para os países pobres estabelecerem
as bases legais das ações antidumping.10
INVASORES DO COMÉRCIO
21
Gâmbia: surto de importação de frangos expulsa avicultores de suas atividades
A Gâmbia é um dos países mais pobres da África, com uma renda média anual per capita de somente US$
320. Uma variedade de produtos agrícolas está inundando atualmente este mercado, desvalorizando os
preços e prejudicando os produtores locais. Por exemplo, as importações de frango cresceram dez vezes no
período 1995-2003, sendo que a maior parte vinha da Alemanha, Holanda e Bélgica. Ao mesmo tempo, as
tarifas de importação sobre aves foram reduzidas de 28% em 1998 para 18% em 2004.
A Avicultura Kombo, em Kololi, é apenas uma das muitas que foram forçadas a fechar. Seu ex-administrador,
Mohammed Hydara, diz que quando abriram em 1987 tinham 3 aviários, cada um abrigando 3.000 aves. O
estabelecimento era moderno e profissional, afirma ele, e os negócios foram bem-sucedidos nos primeiros
anos. Mohammed esperava colocar “um ovo em cada mesa”, porém seu sonho desapareceu à medida
que as tarifas de importação eram reduzidas e produtos avícolas baratos inundaram o país, depois da
implementação da liberalização comercial, supervisionada pelo FMI e pelo Banco Mundial. A Avicultura
Kombo fechou suas portas em 2002 e o dono passou a plantar mandioca.
Infelizmente, o mesmo acontece com a indústria do amendoim, assim como com as indústrias do leite,
do arroz e da pesca. Por exemplo, a queda súbita e acentuada do preço do amendoim no mercado
mundial, juntamente com o custo crescente de suprimentos como fertilizantes, agravou a situação de
muitos agricultores. Ao mesmo tempo, a liberalização trouxe para o país óleos vegetais mais baratos, que
substituíram o óleo de amendoim no mercado interno.
O leite subsidiado da Europa está também sendo importado no país, enfraquecendo os produtores locais,
enquanto o governo tem permitido que seja importado arroz barato com tarifa zero. As importações de arroz
mais do que dobraram entre 1990 e 2002, pois os consumidores preferiam comprar o arroz importado mais
barato.
ActionAid Gâmbia, Efeitos da Liberalização do Comércio na Agricultura e Agricultores, 2005
A Organização das Nações Unidas para Agricultura
e Alimentação (FAO) observa que “desde a
década de 1980, com as reformas do comércio e
sua liberalização unilateral em muitos países em
desenvolvimento, têm havido surtos de importação
mais freqüentes, por país e por produto”.11 De
fato, a FAO identificou a enorme quantidade de
1.217 casos de surtos de importação, envolvendo
somente oito produtos primários, em 28 países em
desenvolvimento, no período de 1984 a 2000. Um
surto de importação significa que o volume de bens
importados sobe significativamente ou os preços de
importação se reduzem drasticamente, de modo a
aniquilar ou ameaçar a produção interna. Um surto
é definido como um desvio de 20% da média de
cinco anos das importações. Como esta análise é
altamente seletiva por produto e também considera
somente uma pequena proporção de todos países
em desenvolvimento, a extensão real dos surtos de
importação deve ser bem maior. Com base nessa
amostra, os países especialmente afetados foram a
Guiné, Malauí, Níger, Filipinas e Tanzânia.12
22
Na prática, os países em desenvolvimento têm
poucos mecanismos para evitar essas importações
porque o processo é dispendioso, oneroso ou
politicamente complicado. De fato, como a FAO
destacou, “os países em desenvolvimento não têm
recursos para proteger seus produtores de preços
de importação artificialmente baixos. O potencial
para aumentar tarifas é limitado e vai diminuir com
tarifas consolidadas menores”.13
As negociações atuais
As atuais negociações comerciais sobre agricultura
em Genebra estão divididas em três áreas:
acesso ao mercado (isto é, redução de tarifas),
apoio doméstico e subsídios às exportações.
Essas questões estão sujeitas a desacordos tão
intensos, especialmente a redução de tarifas,
que as negociações têm estado efetivamente
paralisadas há algum tempo. Todas as três áreas
de negociação contêm perigos e ameaças para
os países em desenvolvimento. Essencialmente,
os países desenvolvidos estão pressionando
pelo acesso ao mercado dos países em
O COMÉRCIO DE ALIMENTOS E O PERIGO DE AMPLIAR A LIBERALIZAÇÃO
Gana: agricultores pedem proteção contra as importações baratas
A agricultura é um modo de vida e um meio de sobrevivência para dois milhões de pessoas que vivem nas
regiões mais pobres de Gana – Norte, Leste Setentrional e Oeste Setentrional. São cultivados tomates,
arroz, quiabo e cebola, o que representa 90% do emprego e da renda. No entanto, a redução das restrições
comerciais nas décadas de 1980 e 1990 fez com que arroz barato inundasse o país, assim como arroz da UE
pesadamente subsidiado.
John Ayariga, produtor de arroz na fértil Bolgatanga, região Leste Setentrional, explica o que aconteceu:
“Sou agricultor há 19 anos e comecei a cultivar aos 12. O plantio de arroz não é mais lucrativo porque o
arroz importado é mais barato do que o produzido localmente. Não podemos sobreviver… As terras onde
plantávamos arroz estão sem cultivo e são usadas para jogar futebol. Estamos sendo forçados a competir em
mercados estrangeiros – é como se nossa seleção sub-20 enfrentasse o Manchester United. Diga-me, isso é
equilibrado? É justo? Dá vergonha de ser agricultor hoje em dia. Não há mais o orgulho de ser agricultor.”
Os plantadores de arroz foram ainda mais atingidos quando o Estado deixou de subsidiar suprimentos como
fertilizantes, inseticidas e sementes. Madam Adombilla Awelgya, de 47 anos e com quatro filhos, está entre
as pessoas afetadas: “O alto custo dos insumos agrícolas torna difícil a sobrevivência. Não resta nenhum
dinheiro, depois que você paga tudo a preços muito altos... Estamos pedindo ao governo para que apóie
os agricultores, especialmente mulheres como eu, com crédito e máquinas de processamento. Sem uma
debulhadora mecânica, debulhamos o arroz no chão e isso o deixa com pequenas pedras, tornando-o pouco
atrativo para os consumidores. Não agüento mais; acho que vou desistir...”
O cultivo do tomate foi afetado de forma similar. Ayene Adda, que está no negócio há 20 anos, concorda
com Madam Awelgya: “O governo precisa intervir. Isso deve ser a grande idéia e a coisa certa a fazer. O
governo deve entrar para nos ajudar... reduzindo o efeito do tomate e dos seus derivados importados sobre a
produção local.”
ActionAid Gana, Vozes dos pobres e liberalização do comércio em Gana, 2005.
desenvolvimento, enquanto não estabelecem
uma data para a extinção dos seus subsídios às
exportações, e há pouca movimentação para uma
redução substancial de seu apoio interno aos
agricultores.
Além disso, a União Européia, em particular, está
impedindo as reformas da agricultura até que os
países em desenvolvimento concordem com a
liberalização de suas áreas de produtos industriais
e serviços. Isso é uma estratégia explícita. O
Comissário de Comércio da União Européia, Peter
Mandelson, afirmou, por exemplo, em outubro de
2005 que:
“No momento decisivo, a flexibilidade final
da União Européia nas negociações da
agricultura será fortemente influenciada pelo
grau de ambição de todos os membros da
OMC em relação ao NAMA e aos serviços.
E, certamente, não haverá nenhum acordo
sobre a agricultura a menos (e até) que
exista um resultado equilibrado em todas as
categorias.”14
Acesso ao mercado agrícola
O Marco de Referência da OMC de julho de 2004,
que estabelece os termos das negociações atuais,
exige “reduções tarifárias substanciais e gerais”
e afirma que a “progressividade nas reduções
tarifárias será alcançada através de cortes mais
profundos nas tarifas mais altas, com flexibilidade
para os produtos sensíveis. Haverá melhorias
substanciais no acesso ao mercado para todos
produtos”. As negociações sobre o acesso ao
mercado não são somente as mais complexas,
como também estão no estágio menos avançado,
sendo que a questão mais controversa é a estrutura
de redução tarifária. Persistem grandes divisões
entre os países de altas tarifas, como os da União
Européia e os países importadores líquidos de
alimentos, e os grandes exportadores agrícolas, tais
como os EUA e o Grupo de Cairns.17
Há o perigo de que seja exigido dos países em
desenvolvimento que façam cortes maiores em
suas tarifas agrícolas, restringindo ainda mais uma
ferramenta política potencialmente vital de apoio a
INVASORES DO COMÉRCIO
23
Quem ganha mais com os avanços da liberalização?
Apesar dos efeitos da liberalização do comércio de alimentos, os países ricos querem prosseguir nesse
caminho. Não é difícil entender a razão. Estudos recentes mostram as vantagens do aprofundamento da
liberalização comercial para os agronegócios dos países ricos. Uma simulação realizada recentemente
pela UNCTAD e pela FAO sobre os efeitos da liberalização global do comércio agrícola sugere que a “maior
parte dos benefícios da liberalização vai para os países desenvolvidos”. Como um grupo, os países em
desenvolvimento ganham no geral, “mas os avanços são pequenos e distribuídos desigualmente”, enquanto
os países em desenvolvimento que são importadores líquidos de alimentos “tendem a perder por causa dos
preços internacionais mais altos”.15
Os governos dos países ricos alegam constantemente que os países em desenvolvimento devem ter
ganho significativos com a liberalização do comércio global. Em alguns casos, alegam que os países em
desenvolvimento serão os que mais vão ganhar. No entanto, como mostra um recente estudo do Banco
Mundial, a verdade é justamente o contrário. Este estudo fornece evidências muito úteis de que os ganhos
primários da liberalização comercial para os países em desenvolvimento ocorreriam se os países ricos
liberalizassem seu comércio agrícola, sem que os países em desenvolvimento fizessem o mesmo. Os dados
do Banco sugerem que, se o comércio global fosse totalmente liberalizado, os países em desenvolvimento
ganhariam US$ 129 bilhões e os países ricos US$ 137 bilhões. Entretanto, se a liberalização ficasse restrita
aos países ricos, os países em desenvolvimento ganhariam US$ 142 bilhões (devido à balança comercial
líquida, à medida que as exportações superassem as importações) e os países ricos perderiam US$ 142
bilhões. Os ganhos dos países de baixa renda seriam dobrados nesse cenário: ganhariam US$ 10 bilhões
com a liberalização global, mas ganhariam US$ 21 bilhões se apenas os países ricos fossem liberalizados.16
Com base nesses números, fica claro que os países pobres não serão os maiores ganhadores com a
liberalização comercial global, a despeito do que dizem os ricos. Ainda mais importante, essas cifras mostram
por que o direito à proteção é crucial para os países mais pobres.
seus agricultores, especialmente com as limitações
institucionais e financeiras para prover outros
tipos de apoio à agricultura. As conseqüências da
redução de tarifas e de permitir que importações
baratas inundem os mercados já foram analisadas.
Por exemplo, o Marco de Referência de julho
sugere que os países em desenvolvimento podem
ser forçados a fazer reduções maiores de tarifas
do que os países desenvolvidos (isto é, “através de
cortes maiores nas tarifas mais altas”). É provável
que todos aqueles países em desenvolvimento que
durante as negociações comerciais da Rodada
Uruguai optaram por impor tetos tarifários18 sejam
agora penalizados, sendo forçados nos termos da
fórmula em bandas (tiered formula), a realizarem os
cortes maiores em todas as tarifas.
Além disso, outras propostas discutidas nas
negociações insistem na harmonização de
tarifas entre os países, o que também significaria
que os países em desenvolvimento teriam de
realizar os cortes maiores. Os países do G-2019,
que representam 65% da população mundial,
reivindicaram que os países em desenvolvimento
assumissem “menos compromissos de redução do
que os países desenvolvidos”, com isenções para
os menos desenvolvidos.20
24
O Marco de Referência de julho também introduz
uma nova categoria de “produtos sensíveis”,
afirmando que “os membros podem indicar o
número adequado, a ser negociado, de linhas
tarifárias que serão tratadas como sensíveis”. Isso
ocorreu em conseqüência das pressões dos países
desenvolvidos, especialmente da União Européia,
Suíça, Japão, etc, para continuarem a proteger suas
economias de várias exportações importantes de
países em desenvolvimento. Assim, isso constitui
uma espécie de tratamento especial para os países
desenvolvidos! Representa uma aprofundamento
do protecionismo, enquanto os mesmos países
exigem cortes tarifários mais profundos de parte
dos países em desenvolvimento. Provavelmente
isso significa que os países desenvolvidos podem
continuar com altas tarifas de importação sobre
certos produtos, tais como açúcar, laticínios e
produtos de carne, enquanto fazem dumping
desses mesmos produtos nos mercados dos
países em desenvolvimento.
Ajuda interna
No Marco de Referência de julho está declarado
que cada país “fará uma redução substancial do
nível geral de apoio às tarifas consolidadas que
distorcem o comércio” (com exceção dos países
O COMÉRCIO DE ALIMENTOS E O PERIGO DE AMPLIAR A LIBERALIZAÇÃO
menos desenvolvidos, que estão isentos dos
compromissos de redução). Também afirma-se
que aqueles países com níveis mais altos de apoio
“realizarão as maiores reduções gerais para atingir
uma harmonização”.
suas tarifas agrícolas mais do que os países
desenvolvidos. O embaixador da Argentina na
OMC sugeriu que a proposta poderia até mesmo
significar que os subsídios dos EUA seriam de fato
aumentados.26
O grupo de países do G-33, que atualmente é
composto de 44 países em desenvolvimento
ou menos desenvolvidos21, está se opondo às
reduções do apoio doméstico ‘de minimis’ à
agricultura nos países em desenvolvimento (ou
seja, o limite abaixo do qual o gasto com ajuda
interna deve ser obrigatoriamente reduzido), com
o argumento de que esse apoio “constitui um
instrumento político fundamental para apoiar os
pequenos agricultores e aqueles com recursos
escassos e para lidar com a segurança alimentar,
a segurança dos meios de subsistência e o
desenvolvimento rural”. Este apoio, afirma, é “um
dos poucos caminhos que [esses países] têm
atualmente para ajudar seus setores agrícolas de
forma compatível com a OMC”.22
O Marco de Referência de julho também aumenta
a capacidade de os países desenvolvidos darem
apoio a seus agricultores. Estes países conseguiram
modificar o critério que permite o apoio a seus
agricultores nos termos da Caixa Azul.27 Isso
possibilitará que esses países desloquem seus
arranjos de ajuda interna de uma Caixa para outra,
e significa que o nível geral de apoio doméstico
não vai diminuir. Isso foi feito principalmente por
exigência dos EUA, que desejam proteger os
pagamentos anticíclicos a seus agricultores.28 A
Oxfam calcula que esse deslocamento de Caixas
permitiria aos EUA aumentarem essa ajuda, que
distorce o comércio em cerca de US$ 7,9 bilhões
por ano acima dos níveis atuais, e a União Européia,
em aproximadamente € 28,8 bilhões por ano.29
A Declaração de Délhi (março de 2005) do grupo
G-20 também exigia que não houvesse redução
do apoio de minimis à agricultura nos países em
desenvolvimento, afirmando que “os volumes
de apoio nos países em desenvolvimento são
insignificantes, se comparados aos dos países
desenvolvidos”.23
As tentativas de outros países de estabelecerem
limites para essa flexibilidade encontraram a
oposição firme dos EUA, a um ponto em que essa
questão tornou-se um dos obstáculos para o
avanço das negociações. Há informações de que
os EUA estão vinculando uma possível restrição
nesses critérios da Caixa Azul a concessões de
outros países nas negociações de acesso ao
mercado.30
O G-20 tem sugerido que os subsídios internos
sejam classificados em quatro bandas diferentes
que, por sua vez, estariam sujeitas a cortes
diferentes. Por exemplo, os países da União
Européia seriam colocados na banda mais alta.
A proposta também especifica que os países
em desenvolvimento realizariam menos de dois
terços dos cortes que seriam exigidos dos países
desenvolvidos na mesma categoria.24
A União Européia e os EUA alegam que vêm
cortando seus subsídios domésticos ao longo dos
anos, porém, na realidade, não houve nenhuma
redução substancial. Ao contrário, o apoio existente
simplesmente mudou de categoria e, desde a
Rodada do Uruguai, iniciada em 1986, o apoio
total à agricultura nos países desenvolvidos tem
permanecido em torno de US$ 250 bilhões por
ano.25 No início de outubro de 2005, autoridades
anunciaram amplamente que uma proposta
dos EUA incluía cortes substanciais no apoio
doméstico. No entanto, uma análise mais detalhada
mostrou que a proposta resultaria em cortes
desprezíveis nos subsídios pagos aos agricultores
dos EUA e, ao mesmo tempo, também exigia
que os países em desenvolvimento cortassem
Em outubro, os EUA e a UE apresentaram
propostas para cortar seus subsídios internos.
Propuseram cortá-los em 60% e 70%,
respectivamente. No entanto, de acordo com
as estimativas da ActionAid, os EUA concedem
atualmente US$ 25 bilhões por ano em subsídios
agrícolas e, depois de implementada a atual
proposta, ainda concederiam US$ 17-27 bilhões
por ano. Da mesma forma, a UE concede cerca de
€ 64 bilhões anualmente. Pela atual proposta, ainda
poderia conceder € 55-58 bilhões.31 Portanto, não
há redução de subsídios.
Ao mesmo tempo, atualmente não existe nenhuma
restrição ao volume de recursos que os países
podem alocar em pagamentos a seus agricultores,
através de outro mecanismo de ajuda interna – a
Caixa Verde.32 Os EUA e a União Européia, que
são grandes exportadores de produtos agrícolas,
têm aumentado significativamente o uso dessa
categoria de apoio. Os países em desenvolvimento
vêm pressionando por uma revisão do critério que
permite a inclusão do apoio doméstico na Caixa
Verde, propondo formas para modificar o critério.
INVASORES DO COMÉRCIO
25
O desejo da União Européia de manter o status quo
pode ser atribuído a temores de que as mudanças
no critério de Caixa Verde possam prejudicar as
recentes reformas da Política Agrícola Comum
(CAP), pela qual a União Européia deslocou uma
parte significativa de seu apoio à agricultura
para a Caixa Verde. Nos EUA, os pagamentos
nos termos da Caixa Verde já representam uma
grande proporção de seu apoio à agricultura e,
assim, mudanças nesse critério também levariam a
modificações significativas no seu sistema de apoio.
A estratégia da União Européia e dos EUA é uma
contestação direta dos dispositivos da Declaração
de Doha e do Marco de Referência de julho,
que tratam das reduções da ajuda interna. Ao
mesmo tempo, os países em desenvolvimento
vêm implementando unilateralmente medidas
de liberalização significativas nos seus setores
agrícolas. Como parte de seus programas de
ajuste estrutural e por exigência do Banco Mundial
e do FMI, essas medidas de liberalização foram
implementadas repetidas vezes.
Subsídios às exportações
Em relação aos subsídios às exportações, a
Declaração de Doha concordava com uma
“redução de todas as formas de subsídios às
exportações, com a perspectiva de eliminá-los
gradualmente”. Quase quatro anos depois, a
União Européia, principal usuária de subsídios
às exportações, continua se recusando a
estabelecer uma data final para suprimi-los. Os
EUA propuseram eliminar esses subsídios em cinco
anos e os países em desenvolvimento também
afirmaram que “um acordo num prazo curto
criaria uma nova dinâmica nas negociações sobre
agricultura e tornaria mais fácil avançar nas outras
frentes”.33
A União Européia têm apresentado várias condições
para eliminar os subsídios às exportações. Entre
elas, estão propostas para que todos os países
concordem com a “eliminação paralela” não
somente dos subsídios às exportações, como
também de “todas as formas” de subsídios, como
créditos às exportações, e que os avanços nessa
área sejam vinculados a movimentos de parte
dos países em desenvolvimento para liberalizar os
produtos industriais e serviços.34
Os níveis de subsídios continuam altíssimos e
parcialmente encobertos. Por exemplo, os EUA
concedem apoio às exportações duzentas vezes
maior do que o declarado – o equivalente a US$
6,6 bilhões por ano. A União Européia paga o
26
equivalente a US$ 5,2 bilhões por ano.35 Este
fracasso em eliminar os subsídios às exportações
garante a continuação do dumping.
Tratamento especial e diferenciado
O Marco de Referência de julho afirma que o
tratamento especial e diferenciado para os paísesmembros em desenvolvimento é “uma parte
integral dos acordos da OMC e deixa claro que
os países menos desenvolvidos estão isentos de
terem de reduzir tarifas e seu apoio doméstico.
Além disso, esse documento promete a revisão
dos dispositivos sobre tratamento especial do
acordo de Doha, “com a perspectiva de reforçá-los
e torná-los mais precisos, eficazes e operacionais”.
Porém, o aprofundamento do tratamento especial
simplesmente não está ocorrendo, principalmente
por causa do bloqueio dos países desenvolvidos.
O Marco de Referência de julho também declara
que os países em desenvolvimento poderão
“designar um número apropriado de produtos
como produtos especiais, baseados nos critérios
de segurança alimentar, segurança dos meio de
subsistência e necessidade de desenvolvimento
rural”. Finalmente, o documento afirma que um
Mecanismo de Salvaguarda Especial (SSM)
será estabelecido para utilização dos países em
desenvolvimento. Contudo, decorrido um ano
desde que esses compromissos foram assumidos,
houve pouco avanço no estabelecimento desses
mecanismos.
Em junho de 2005, o grupo G-33 emitiu um
comunicado reivindicando um “tratamento especial
e diferenciado mais significativo” nas negociações
e que um marco de referência sobre produtos
especiais e um Mecanismo de Salvaguarda
Especial fossem acordados na reunião ministerial
de Hong Kong. O comunicado afirmava que “os
produtos que se enquadrem nos critérios de
segurança alimentar, segurança dos meio de
subsistência e desenvolvimento rural devem ser
designados como produtos especiais” e que cada
país deveria ter a prerrogativa de decidir quais
seriam esses produtos.
O G-33 também afirmava que esses produtos
deveriam ser isentos de compromissos de redução
tarifária e deveriam ter acesso a um Mecanismo
de Salvaguarda Especial. Este mecanismo
deveria estar disponível para todos os países
em desenvolvimento e “forneceria uma solução
operacional mais efetiva contra os surtos de
importação e as reduções de preços nos países em
desenvolvimento”. O Mecanismo de Salvaguarda
O COMÉRCIO DE ALIMENTOS E O PERIGO DE AMPLIAR A LIBERALIZAÇÃO
África Ocidental: a disputa do algodão
A disputa sobre algodão na OMC é um dos exemplos mais claros da falta de vontade dos países ricos em
estabelecer regras justas de comércio. Essa disputa joga os agricultores de alguns dos países mais pobres
do mundo contra os governos e os lobbies empresariais das nações mais ricas.
O algodão constitui entre 50-80% das exportações dos Estados da África Ocidental, como Mali, Benin,
Togo, Chade e Burkina Fasso, e mais de 10 milhões de pessoas na região dependem do algodão para sua
subsistência. Os custos de produção estão entre os mais baixos do mundo, tornando os produtores da África
Ocidental potencialmente os mais competitivos do mercado global.
No entanto, os subsídios pagos pelos EUA e a União Européia a seus produtores de algodão estão
distorcendo os preços internacionais e impedindo que os produtores da África Ocidental explorem suas
vantagens comparativas. De acordo com os cálculos do Banco Mundial, o corte dos subsídios do algodão
nos EUA aumentaria a renda dos agricultores africanos em US$ 250 milhões por ano.36
Nos últimos anos, os países africanos vêm lutando por justiça. O princípio de conceder tratamento especial
ao algodão por causa de seu impacto na pobreza foi aceito antes da reunião ministerial de Cancún, em
setembro de 2003, mas desde então houve poucos avanços.
Ocorreu um certo avanço em junho de 2004, quando a OMC decidiu em favor do Brasil na sua disputa com
os subsídios ao algodão nos EUA, e George Bush afirmou na recente reunião do G-8 que os EUA reduziriam
seus subsídios. No entanto, com base nas cifras fornecidas pelo Departamento de Agricultura dos EUA,
a ActionAid calcula que as exportações de algodão dos EUA vão cair somente 1,3-1,7%, mesmo que a
proposta de Bush seja implementada.
Ao mesmo tempo, os governos e as organizações de agricultores da África Ocidental continuavam a exigir
a eliminação dos subsídios ao algodão e a solicitar tratamento especial para esse produto. A ministra de
Comércio e Indústria do Chade, Ngarmbatina Soukate, enfatizou que precisavam ver avanços reais e tangíveis
na resolução dessa disputa: “Não queremos declarações, precisamos de algo concreto para dar a nossos
agricultores... É a nossa vida.”37
Especial (SSM) deve estar disponível, afirmava o
comunicado, para todos os produtos agrícolas e
ser invocado se o volume de importações de um
produto determinado exceder o volume médio
de importações dos três anos anteriores, ou se
o preço das importações cair abaixo da média
mensal dos três anos precedentes; neste caso,
uma taxa ou restrições quantitativas poderiam ser
aplicadas por um período máximo de um ano.38
A resposta dos países ricos a essa proposta é
esclarecedora. De acordo com várias informações,
os EUA e a União Européia, juntamente com
a Nova Zelândia, Austrália, Tailândia, Malásia,
Chile, Argentina e Colômbia, expressaram sua
preocupação de que as questões mais amplas da
liberalização e do acesso ao mercado pudessem
ser diluídas. Esses países têm defendido uma
restrição ao número de produtos especiais e os
EUA e a União Européia também se opõem à
isenção de redução tarifária para os produtos
especiais. A Nova Zelândia deseja limitar o número
de países que poderiam utilizar o Mecanismo de
Salvaguarda Especial39, enquanto outros países
têm defendido a limitação dos produtos especiais
às colheitas dos agricultores de subsistência que
vivam com menos de um dólar por dia.40
Os EUA se opõem fortemente ao Mecanismo de
Salvaguarda Especial e desejam, tanto quanto
possível, limitar seu escopo e flexibilidade. De fato,
os EUA têm argumentado que a demanda por
um Mecanismo de Salvaguarda Especial é uma
duplicação da demanda por produtos especiais.
O G-33 responde que os produtos especiais
representam uma isenção de longo prazo dos
compromissos da liberalização, enquanto o
Mecanismo de Salvaguarda Especial é de curto
prazo, para ajudar os países em desenvolvimento a
enfrentar flutuações nos preços ou nos volumes de
importação.41
Acredita-se que a União Européia apóia em
princípio o Mecanismo de Salvaguarda Especial,
porém não na forma em que está sendo atualmente
proposto. A UE acredita que o mecanismo deve
INVASORES DO COMÉRCIO
27
ser utilizado somente para enfrentar os surtos de
importação (e não as depressões de preços) e que
não deve estar disponível para todos os produtos
agrícolas (somente para uns poucos produtos,
a serem negociados). Assim, os países em
desenvolvimento estão sob grande pressão para
minimizar o escopo dos produtos especiais e da
medida de Salvaguarda Especial.
Além disso, os temas dos produtos especiais e
do Mecanismo de Salvaguarda Especial foram
relegados à periferia nas atuais negociações. O
G-33 destacou recentemente sua insatisfação
com esse aspecto, afirmando numa carta à OMC
que “está cada vez mais preocupado com o
fato de que as questões do tratamento especial
e diferenciado não terem tido a plena atenção
que merecem. O G-33 gostaria de destacar que
o texto a ser apresentado aos ministros deve
assegurar o mesmo nível de especificidade
para todos os temas, incluindo as questões de
tratamento especial e diferenciado. Para o G33, especificamente, seria difícil concordar com
qualquer texto no qual as questões dos produtos
especiais e da medida de Salvaguarda Especial não
merecessem o mesmo nível de especificidade que
as outras do pilar de acesso ao mercado”.42
A presidência das negociações sobre agricultura
em Genebra observou em junho de 2005 que “não
podemos tratar de questões como o Mecanismo
de Salvaguarda Especial até que tenhamos
implementado algumas estruturas básicas nos
pilares de ajuda interna e de acesso ao mercado”.43
O risco para os países em desenvolvimento é
só terem avanços nesse tratamento especial
se concordarem com mais compromissos de
liberalização do acesso ao mercado e do apoio
doméstico.
Ao mesmo tempo, os países desenvolvidos
continuam a desfrutar de um direito similar.
Eles têm acesso a Salvaguarda Especial (SSG),
facilmente invocadas para proteger seus setores
de surtos de importação. Isso significa que a União
Européia pode utilizar essas salvaguardas especiais
contra 539 produtos, os EUA contra 189, o Canadá
contra 150 e Austrália contra 10.
A FAO tem argumentado, em sintonia com as
demandas dos países em desenvolvimento
anteriormente mencionadas, que os próprios países
devem ter o direito de decidir que produtos serão
designados como produtos especiais e também
que o Mecanismo de Salvaguarda Especial (SSM)
deve estar disponível para todos os produtos.
28
Em relação ao contra-argumento de que o SSM
provavelmente será mal utilizado, a FAO observa
que a experiência da Salvaguarda Especial (SSG)
sugere que isso não ocorreria, afirmando ser
“improvável que os governos se comportem dessa
forma porque a aplicação de uma SSG não é feita
sem custo, especialmente custos administrativos”.44
Vários aspectos das propostas de produtos
especiais e de Mecanismo de Salvaguarda Especial
(SSM) ainda precisam de detalhamento; por
exemplo, se deve haver uma definição de produtos
especiais, que tipo de tratamento tarifário os países
em desenvolvimento poderão usar com esses
produtos e quais produtos poderão ser incluídos no
SSM.
Num estudo recente realizado pelo vice-diretorgeral da OMC e atual membro da Comissão
de Planejamento do governo da Índia, Anwarul
Hoda, são feitas várias sugestões. Em termos da
identificação dos produtos especiais, as questões
principais incluem a importância do produto na
dieta da população, o nível de auto-suficiência
Por que é crítica a proteção contra
surtos de importação – o caso de Gana
A pesquisa da ActionAid em Gana ilustra a
necessidade vital de os países pobres terem
medidas melhores para se proteger contra as
importações baratas que podem prejudicar os
agricultores locais. Nos anos recentes, os altos
níveis de importações de arroz trouxeram uma
queda de renda para os produtores internos.
Por exemplo, em 2002, 66% dos agricultores
tiveram rendimentos líquidos negativos na
produção do arroz. No ano seguinte, 19%
tiveram rendimentos negativos, enquanto 47%
não tiveram perdas, porém nada ganharam. Em
2004, os preços declinantes do arroz importado
outra vez causaram perda de renda para 66%
dos agricultores.
Como o arroz é tanto um alimentos básico como
fonte de renda para muitas pessoas pobres de
Gana, o efeito das importações baratas pode
ser devastador, com a perda de renda levando
diretamente à fome no período da entressafra.
Por exemplo, no norte de Gana, durante o
período de escassez de alimentos, de maio a
julho, dois terços das famílias fazem somente
uma refeição por dia.
ActionAid Gana, Arrozais abandonados: estudo
de surto de importação em Gana, 2005
O COMÉRCIO DE ALIMENTOS E O PERIGO DE AMPLIAR A LIBERALIZAÇÃO
Brasil: liberalização do comércio permite que multinacionais arruínem os pequenos
produtores de leite
Um dos maiores produtores de leite do mundo, o Brasil forneceu mais de 23 bilhões de litros do produto em
2004. Com cerca de 1,4 milhão de estabelecimentos de agricultura familiar de pequeno porte envolvidos com
a indústria de laticínios, a subsistência de muitos depende deste setor.
Próximo à cidade de Santo Cristo, no estado do Rio Grande do Sul, os pequenos produtores contam como
no ano passado a seca afetou essa região, destruindo as sementes. A produção de leite transformou-se na
única atividade rural capaz de os sustentar. “Dia a dia, com chuva ou sol, as vacas continuavam produzindo”,
contou um fazendeiro. “Eu considero o leite como um salário mensal”, disse Ademar Stelman, de 49 anos. “E
vejo como estão indo à falência as fazendas que não produzem leite.”
Na verdade, esse meio vital de sobrevivência está cada vez mais ameaçado pela competição do grande
capital. Durante os anos 1990, muitas barreiras comerciais foram erguidas como parte da iniciativa
governamental de atrair investimentos estrangeiros e cumprir com os compromissos com o FMI e,
posteriormente, com a OMC. As tarifas de importação aplicadas ao setor de alimentos, por exemplo, caíram
de 77% no final dos anos 1980 para 12% em meados da década de 1990.
Com baixas tarifas e um enorme mercado de consumo (170 milhões de pessoas), o Brasil tem atraído
cada vez mais a atenção das corporações multinacionais. Empresas como Parmalat e Elegê rapidamente
assumiram o controle do mercado (acima de 70%) nos estados de Minas Gerais e Goiás, na medida em que
os pequenos produtores não dispõem dos recursos necessários para resistir ou para competir com essas
corporações gigantes.
Os pequenos produtores familiares foram ainda mais afetados devido à queda contínua dos preços do leite,
desde que despencaram em mais de 50% durante os anos 1990. Cilmar Dietrich, de 45 anos, um produtor de
leite que vive próximo à cidade de São Lourenço do Sul, no estado do Rio Grande do Sul, lembra do tempo
em que a vida era mais fácil. Conta que, quando era criança, seu pai produzia 22 litros de leite por dia. Isto
era suficiente para cobrir todos os gastos domésticos e ainda sobrava dinheiro para a poupança. Mas hoje,
diz ele, esse mesmo nível de produção cobre apenas os gastos com a alimentação da família e a compra de
sementes para as plantações em suas terras. Sérgio Antonio Görgen, integrante do Movimento de Pequenos
Produtores, afirma: “hoje há um poderoso movimento na produção de leite e derivados que... leva à exclusão
dos pequenos produtores, e pensamos que é preciso sustar esse processo.”
Rede Internacional de Gênero e Comércio (IGTN - International Gender and Trade Network) / ActionAid Brasil.
Impactos da liberalização do comércio no setor de leite e derivados a partir de uma perspectiva de gênero,
2005.
nesse produto e o percentual de mão-de-obra
agrícola empregada na produção daquele produto.
Hoda também argumenta que a “auto-escolha”
dos produtos especiais pelos próprios países
em desenvolvimento “é a única opção viável”,
embora seja provável que faça parte de um pacote
multilateral mais amplo sobre o comércio agrícola.
Ele ainda argumenta que devem ser estudadas
as isenções de redução tarifária para os produtos
especiais e que o Mecanismo de Salvaguarda
Especial deve estar disponível para todos aqueles
produtos.45
As recomendações da ActionAid
Esse capítulo mostra que as negociações atuais
favorecem claramente os países ricos. Caso o
acordo final seja parecido com o texto que está
na mesa de negociações, a ActionAid acredita
que os países pobres devem tomar uma atitude
histórica e rejeitar o acordo. Para que o resultado
favoreça o desenvolvimento, nas negociações
sobre agricultura devem ser mantidos o direito
de os países em desenvolvimento protegerem
os meio de subsistência de seus agricultores
pobres, de alcançarem a segurança alimentar e
o desenvolvimento rural. Os produtos especiais
e o Mecanismo de Salvaguarda Especial são
veículos potenciais para alcançar esse direitos,
mas somente se seus dispositivos não forem
prejudicados. As seguintes questões precisam
ser enfrentadas para um acordo que desenvolva a
agricultura:
INVASORES DO COMÉRCIO
29
•
É preciso urgentemente conseguir um acordo
sobre produtos especiais e o Mecanismo de
Salvaguarda Especial.
•
Os países em desenvolvimento devem ter a
liberdade de decidir que produtos devem ser
incluídos como especiais. Esses produtos
especiais devem ser isentos de reduções
tarifárias e de qualquer compromisso sobre
cotas tarifárias. Os produtos especiais
devem também ter acesso ao Mecanismo de
Salvaguarda Especial.
•
Somente os países em desenvolvimento
devem ter a flexibilidade de enfrentar a
volatilidade de preços e os surtos de
importação através do Mecanismo de
Salvaguarda Especial, que deve estar
disponível para todos os produtos agrícolas.
•
Os subsídios ao algodão nos EUA devem
ser imediatamente eliminados, para que os
meios de subsistência de 10 milhões de
plantadores de algodão na África Ocidental
não sejam mais ameaçados. Esses
plantadores de algodão africanos devem ser
indenizados por suas perdas.
internacional; essas medidas devem incluir
o anúncio de uma data próxima para a
eliminação dos subsídios às exportações.
•
Deve haver uma revisão abrangente e
completa da Caixa Verde, para assegurar
que todos os subsídios categorizados nessa
Caixa preencham o critério de não distorcer
o comércio ou de o fazer num grau mínimo.
Esta revisão deve ter como objetivo avaliar o
impacto dos subsídios de Caixa Verde sobre
a produção e o comércio. Todos os subsídios
de Caixa Verde devem ser inteiramente
desvinculados da produção e voltados
somente para a provisão de bens públicos.
Os subsídios relacionados à produção devem
ser eliminados e os restantes subsídios da
Caixa Verde, além daqueles para serviços
agrícolas gerais, devem ter um limite superior.
•
O dumping de produtos agrícolas deve ser
proibido.
•
Deve ser introduzido no acordo um
mecanismo de compensação para os países
em desenvolvimento. Este mecanismo
permitiria que os países em desenvolvimento
enfrentassem os problemas causados
pelos efeitos cumulativos dos altos níveis
de produção e dos subsídios que distorcem
o comércio concedidos à agricultura nos
países ricos Isso possibilitaria que os países
em desenvolvimento ajustassem seus níveis
tarifários de acordo com o nível de subsídios
dos países exportadores.
•
Os aumentos de tarifas e os picos tarifários
impostos pelos países desenvolvidos devem
ser eliminados.
•
Qualquer acordo na Rodada de Doha deve
garantir melhor acesso aos mercados
agrícolas dos países ricos, que beneficie
os produtores pobres dos países em
desenvolvimento.
Além disso, a ActionAid exige que os seguintes
princípios orientem qualquer novo marco para
negociar um acordo sobre agricultura:
•
•
30
Os países desenvolvidos devem reconhecer
os efeitos danosos das reformas anteriores
do comércio, implementadas nos países em
desenvolvimento nos termos dos programas
de ajuste estrutural do FMI e Banco Mundial.
Os países desenvolvidos devem tomar
medidas concretas para eliminar todos
os subsídios internos e subsídios às
exportações que distorcem o comércio
O COMÉRCIO DE ALIMENTOS E O PERIGO DE AMPLIAR A LIBERALIZAÇÃO
Notas
1
Anwarul Hoda, Special Products: Options for Negotiating Modalities, ICTSD, Genebra, junho de 2005, versão preliminar, p. 14
2
Declaração à Comissão de Agricultura, Nutrição e Administração Florestal do Senado, http://www.ustr.gov/Trade_Sectors/Agriculture/
Agriculture_Recent_Updates/Section_Index.html
3
ActionAid Internacional, Power Hungry: Six Reasons to Regulate Global Food Corporations (Fome de Poder: seis razões para regulamentar as
empresas globais de alimentos), 2005, www.actionaid.org
4
Estatísticas da África do Sul, Census of Commercial Agriculture 2002: Financial and production statistics. Relatório 11-02-2001, 2002; StatsSA/
Departamento Nacional de Agricultura, Pretória, p. 1
5
Farmworkers Research & Resource Project, Farm Labour Review: Farmworkers and Agriculture in South Africa, FRRP, Johannesburgo, 1996, p.
6
Ver Centro Africano de Biossegurança (African Centre for Biosafety), A Profile of Monsanto in South Africa, 2005, pp. 17-18, http://www.
biosafetyafrica.net/briefing_papers.htm
7
Cynthia Ngijima, apresentação do Departamento de Saúde à Conferência Consultiva Internacional sobre Segurança Alimentar e Nutrição como
Direitos Humanos, da Comissão Sul-Africana de Direitos Humanos, Randburg, 25-27 de março de 1999.
8
Mark Curtis, Trade for Life: Making Trade Work for Poor People, Christian Aid, Londres, 2001, pp. 41-2, 153-7; Oxfam, Europe’s Double
Standards: How the EU should reform its trade policies with the developing world, documento de briefing da Oxfam N. 22, 2002, p. 11, www.
oxfam.org; Mario Jales, Tariff Reduction, Special Products and Special Safeguards: An analysis of the agricultural tariff structures of G-33
countries, ICTSD, Genebra, junho de 2005, versão preliminar, p. 31
9
IATP, ‘A decade of dumping on world agricultural markets’, South Bulletin, 30 de março de 2005, pp. 127-9, www.southcentre.org
10 IATP, ‘A decade of dumping on world agricultural markets’, South Bulletin, 30 de março de 2005, pp. 127-9, www.southcentre.org
11 FAO, ‘The need for special safeguards for developing countries’, http://www.fao.org//docrep/005/y4852e/y4852e05.htm
12 FAO, A Special Safeguard Mechanism for Developing Countries, Notas Técnicas da FAO sobre Políticas Comerciais N. 9, sem data, http://www.
fao.org/trade/policy_en.asp
13 FAO, A Special Safeguard Mechanism for Developing Countries, Notas Técnicas da FAO sobre Políticas Comerciais N. 9, sem data, http://www.
fao.org/trade/policy_en.asp
14 Peter Mandelson, ‘EU conditional negotiating proposals’, declaração à Reunião Ministerial Informal da Rodada de Doha da OMC, 10 de outubro
de 2005, http://www.europa.eu.int/comm/commission_barroso/mandelson/speeches_2005_en.cfm
15 Um grupo de 17 países líderes em exportações do mundo desenvolvido e em desenvolvimento.
16 Os tetos tarifários se referem à opção de consolidar todas as tarifas no mesmo nível relativamente alto, como 100 ou 150%.
17 Ralf Peters e David Vanzetti, Shifting Sands: Searching for a compromise in the WTO negotiations on agriculture, Policy Issues in International
Trade and Commodities, Série de Estudos N. 23, Unctad, 2004, www.unctad.org
18 Banco Mundial, ‘Global agricultural reform: What is at stake?’, Global Agricultural Trade and Developing Countries, Washington DC, 2005, pp.
121-3
19 Um grupo de 21 países em desenvolvimento em 1 de novembro de 2005: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, China, Cuba, Egito, Guatemala, Índia,
Indonésia, México, Nigéria, Paquistão, Paraguai, Filipinas, África do Sul, Tanzânia, Tailândia, Uruguai, Venezuela e Zimbábue.
20 G-20, Declaração de Nova Délhi, março de 2005, parágrafo 19, http://www.twnside.org.sg/title2/twninfo190.htm
21 Membros do G-33 em 1 de novembro de 2005: Antígua e Barbuda, Barbados, Belize, Benin, Botsuana, China, Costa do Marfim, Congo, Cuba,
República Dominicana, El Salvador, Granada, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, Índia, Indonésia, Jamaica, Quênia, Coréia do Sul, Maurício,
Mongólia, Montserrat, Moçambique, Nicarágua, Nigéria, Paquistão, Panamá, Filipinas, Peru, São Cristóvão e Névis, Santa Lúcia, São Vicente e
Granadinas, Senegal, Sri Lanka, Suriname, Tanzânia, Trinidad e Tobago, Turquia, Uganda, Venezuela, Zâmbia e Zimbábue.
22 ‘G-33 ministerial communiqué: Food and livelihood security vital’, in South Bulletin, 30 de junho de 2005, p. 311, www.southcentre.org
23 ‘G-33 ministerial communiqué: Food and livelihood security vital’, in South Bulletin, 30 de junho de 2005, pp. 309-11, www.southcentre.org
24 ‘Clouds over agriculture negotiations prior to Dalian meet’, BRIDGES Weekly Trade News Digest, 13 de julho de 2005, www.ictsd.org
25 Oxfam, A Round for Free: How rich countries are getting a free ride on agricultural subsidies at the WTO, Documento de briefing da Oxfam N. 76,
15 de junho de 2005, p. 3, www.oxfam.org
26 Tetteh Hormeku, ‘US agriculture proposal criticised as inadequate and ignoring SDT for developing countries’, Serviço de Informação da Rede
Terceiro Mundo, 15 de outubro de 2005, www.twnside.org.sg
27 Programas de ajuda interna que estão vinculados a programas de limitação da produção; por exemplo, quando o nível de pagamentos está
baseado em área e produção fixas ou no número de cabeças animais.
28 Subsídios pagos aos produtores quando os preços dos produtos primários (commodities) caem abaixo de níveis específicos.
29 Oxfam, A Round for Free: How rich countries are getting a free ride on agricultural subsidies at the WTO, Documento de briefing da Oxfam N. 76,
15 de junho de 2005, p. 4, www.oxfam.org
30 ‘Agriculture: Following July stalemate, intense negotiations expected in lead-up to Hong Kong’, BRIDGES Weekly Trade News Digest, 3 de agosto
de 2005, www.ictsd.org
31 Tanto a EU quanto os EUA deixaram de informar seu real apoio à agricultura desde 2001/2002. Portanto, as atuais estimativas são baseadas
em dados obtidos em diferentes fontes. As estimativas futuras estarão sujeitas aos movimentos de preços internacionais, ao faturamento dos
INVASORES DO COMÉRCIO
31
produtores rurais americanos em 2007 e às próximas reformas da Política Agrícola da União Européia.
32 Pagamentos de apoio aos agricultores; como são considerados que não distorcem o comércio, estão isentos de compromissos de redução.
33 ‘G-33 ministerial communiqué: Food and livelihood security vital’, in South Bulletin, 30 de junho de 2005, pp. 309-11, www.southcentre.org
34 Centro do Sul (South Centre), ‘State of play in agriculture negotiations: Country groupings’ positions’, julho de 2005, www.southcentre.org
35 Oxfam, A Round for Free: How rich countries are getting a free ride on agricultural subsidies at the WTO, Documento de briefing da Oxfam N. 76,
15 de junho de 2005, p. 3, www.oxfam.org
36 Citado em ‘US Cotton Subsidies: Killing farmers and poisoning consumers and the Earth’, 2003, http://www.organicconsumers.org/clothes/
willallen011504.cfm
37 Tetteh Hormeku, ‘African cotton countries demand concrete results at Hong Kong’, South-North Development Monitor, e-newsletter SUNS
#5898, 20 de outubro de 2005, www.sunsonline.org
38 ‘G-33 ministerial communiqué: Food and livelihood security vital’, em South Bulletin, 30 de junho de 2005, pp. 309-11, www.southcentre.org
39 ‘Group of 33 submits proposals on special products and special safeguard mechanism in agriculture’, Serviço de Informação da Rede do Terceiro
Mundo, 14 de junho de 2005, www.twnside.org.sg; ver também South Centre, ‘State of play in agriculture negotiations: Country groupings’
positions’, julho de 2005, www.southcentre.org
40 ‘Clouds over agriculture negotiations prior to Dalian meet’, BRIDGES Weekly Trade News Digest, 13 de julho de 2005, www.ictsd.org
41 ‘Busy agriculture week focuses on market access’, BRIDGES Weekly Trade News Digest, 8 de junho de 2005, www.ictsd.org
42 Carta do G-33 para a presidência das negociações sobre agricultura, 380/WTO/XI/05, 1 de novembro de 2005, http://www.tradeobservatory.
org/library.cfm
43 Agriculture Negotiations – Status Report: Avaliação da Presidência, 27 de junho de 2005, JOB(05)/126, http://www.wto.org/english/tratop_e/
agric_e/negoti_tnc_july05_e.htm
44 FAO, A special safeguard mechanism for developing countries, Notas Técnicas da FAO sobre Políticas Comerciais N. 9, sem data, http://www.
fao.org/trade/policy_en.asp
45 Anwarul Hoda, Special Products: Options for Negotiating Modalities, ICTSD, Genebra, junho de 2005, versão preliminar.
32
O COMÉRCIO DE ALIMENTOS E O PERIGO DE AMPLIAR A LIBERALIZAÇÃO
Capítulo 3
A ameaça da
desindustrialização
Os países desenvolvidos estão atualmente pressionando por novas regras
de comércio que permitam que seus exportadores inundem os mercados
estrangeiros de produtos industrializados. Nas atuais negociações da OMC sobre
o “acesso ao mercado de produtos não-agrícolas (ou NAMA), esses países estão
pressionando por grandes reduções das tarifas sobre importações industriais nos
países em desenvolvimento, como parte de um novo acordo multilateral.1 Como
mostra um relatório recente da ActionAid, não há praticamente nada nessas
negociações que vá beneficiar os países em desenvolvimento.2 Porém, esses
países certamente têm muito a perder. Na verdade, os países em desenvolvimento
podem perder o direito de promoverem políticas críticas para apoiar seus objetivos
de desenvolvimento.
As políticas comerciais, especialmente no setor de manufaturados e na
agricultura, são um componente importante na promoção do desenvolvimento e
da erradicação da pobreza nos países em desenvolvimento. As tarifas industriais
cumprem um papel importante na proteção das indústrias nascentes, criando
empregos e enfrentando os problemas do balanço de pagamentos. Por esse
motivo, muitos países em desenvolvimento têm mantido flexibilidade nas suas
políticas de comércio de produtos industriais, para assegurar o desenvolvimento
de sua base manufatureira. Existe um perigo real de que isso acabe. O escopo e o
ritmo das reduções tarifárias que estão sendo propostas atualmente podem levar
a desindustrialização dos países em desenvolvimento, assim como à perda de
empregos e de receitas governamentais essenciais.
O que querem os países ricos
Os EUA, a União Européia e o Canadá
publicaram um documento conjunto em 2003
no qual afirmavam que sua meta básica para as
negociações do NAMA era conseguir “aumentos
comercialmente significativos de acesso a
mercados, através de reduções ambiciosas de
tarifas sobre produtos não-agrícolas em geral
e a completa eliminação de tarifas em setores
específicos”.3
A União Européia, em particular, identificou cortes
profundos nas tarifas industriais como uma de
suas primeiras prioridades na reunião de Hong
Kong, afirmando que a União Européia continuaria
“a liderar negociações em 2005 para conseguir
uma fórmula ambiciosa de eliminação gradual das
tarifas”, principalmente em “setores prioritários para
a UE, especialmente têxteis e roupas, calçados
e couro”. Seu objetivo geral é conseguir uma
convergência entre a os membros da OMC “em
torno dos menores níveis possíveis de proteção”.4 A
Comissão Européia afirmou que a “indústria precisa
de certezas” e por isso a UE deseja que os países
em desenvolvimento “consolidem” suas tarifas
de importação (isto é, que concordem em não
INVASORES DO COMÉRCIO
33
aumentar as tarifas sobre importações de produtos
industriais).5
O impacto da liberalização
industrial
O Comissário de Comércio da UE, Peter
Mandelson, afirmou: “No caso do acesso ao
mercado de produtos industriais, há um consenso
crescente a favor de uma forma de redução de
tarifas que abra genuinamente novas oportunidades
de negócios, incluindo os mercados de crescimento
rápido das nações emergentes.”6 Este consenso
pode existir nos corredores da Comissão de
Comércio em Bruxelas e também em Washington,
mas certamente não existe em muitos países em
desenvolvimento. Ao contrário, há grande oposição
de vários grupos de países em desenvolvimento
à ofensiva pelo acesso ao mercado de produtos
industriais.
Da mesma forma que nas negociações sobre
agricultura, a linha oficial de Bruxelas e Washington
é que a liberalização industrial será de interesse
dos países em desenvolvimento. No entanto, as
evidências do passado e do presente indicam
um quadro diferente. Historicamente, os países
desenvolvidos e alguns dos mais bem-sucedidos
países em desenvolvimento alimentaram sua
capacidade manufatureira doméstica com uma
variedade de intervenções políticas, incluindo
proteção tarifária. Esses países não foram forçados
a adotar a liberalização do comércio e a maior parte
das barreiras comerciais somente foram eliminadas
quando o crescimento já estava firmemente
estabelecido. As nações ricas de hoje se
desenvolveram primeiramente com barreiras
protetoras que só foram liberalizadas quando
suas indústrias já eram competitivas. Isso
é exatamente o oposto do que atualmente
está sendo proposto para os países em
desenvolvimento nas negociações do NAMA.
A estratégia dos países ricos não é nada mais do
que dificultar o desenvolvimento dos atuais países
pobres.9
Logo atrás dos formuladores de políticas estão os
grupos de interesses das corporações fazendo
lobby por compromissos mais profundos com a
liberalização. Ocupam posições de destaque entre
esses grupos da indústria o Conselho Nacional de
Comércio Exterior dos EUA, a Associação Nacional
das Indústrias Manufatureiras (NAM) dos EUA e
o grupo EuroComércio7, dos varejistas europeus,
que não podem participar das negociações da
OMC, mas têm permissão de organizar sessões
de lobby durante as reuniões. Por exemplo, a NAM
dirigiu uma delegação global de grupos de lobby
da indústria nas negociações de Genebra, em
abril de 2005, pressionando por “cortes realmente
ambiciosos nas barreiras tarifárias industriais”.
Esta Associação também observou que o “grande
resultado das negociações sobre produtos
industriais foi que todos os países aceitaram
o princípio de grandes cortes tarifários e da
eliminação setorial de tarifas” (embora, na verdade
isso vá além do que foi acordado).8
A tabela a seguir mostra que tanto os EUA quanto o
Reino Unido mantinham em 1950 tarifas mais altas
sobre produtos industriais do que a tarifa média
aplicada pelos países em desenvolvimento e menos
desenvolvidos em 2001. Isso ocorria apesar de os
EUA serem, em 1950, quase três vezes mais ricos,
e o Reino Unido mais de duas vezes mais rico, do
que os atuais países em desenvolvimento.10
Como foi observado no capítulo 1, os tigres do
Leste Asiático, como a Coréia do Sul e Taiwan,
Tarifas industriais médias em países desenvolvidos e em desenvolvimento11
34
País
Ano
PIB per capita
(US$)
Tarifa média sobre produtos
industriais (%)
EUA
1950
9.561
14
Grã-Bretanha
1950
6.907
23
Brasil
2001
5.508
10,4
China
2001
3.728
12,3
Todos os países em
desenvolvimento
2001
3.260
8,1
Todos os
países menos
desenvolvidos
2001
898
13,6
A AMEAÇA DA DESINDUSTRIALIZAÇÃO
não alcançaram a diversificação econômica e seu
crescimento impressionante como resultado de
uma liberalização laissez faire. Ambos os países
apoiaram o desenvolvimento de uma capacidade
manufatureira nacional através de uma diversidade
de intervenções políticas, incluindo subsídios,
incentivos fiscais, acesso a insumos livres de
impostos e proteção tarifária. A maior parte dessas
barreiras ao comércio somente foi eliminada na
década de 1980, quando o crescimento já estava
firmemente consolidado.12
Outros países, como Maurício, Vietnã e China,
que têm sido bem-sucedidos em combinar
desenvolvimento industrial com redução da
pobreza, também protegeram seus mercados
domésticos até que o crescimento estivesse bem
avançado. Em Maurício, o PIB real cresceu em
média 5,9% ao ano entre 1973 e 1999, porém a
liberalização do comércio só foi iniciada no final da
década de 1980 – e mesmo nessa época ainda
restavam barreiras comerciais substanciais.13
Segundo o FMI, Maurício ainda era uma das
economias mais protegidas do mundo no início dos
anos 1990, recebendo uma classificação de 10, o
que representava o mais alto nível de restrições de
políticas de comércio.14
A história também nos mostra que a liberalização
industrial rápida – por exemplo, como parte
dos programas de ajuste estrutural – muitas
vezes colocaram as empresas dos países em
desenvolvimento em competição direta com as
empresas dos países mais avançados, antes que
aquelas empresas se tornassem competitivas.
Em conseqüência, a produção industrial caía, as
fábricas eram fechadas e os empregos perdidos.
Isso tem levado à desindustrialização, crescente
dependência de produtos primários e dificuldades
no balanço de pagamentos.
O impacto da liberalização do comércio
na capacidade manufatureira local foi
especialmente sério em países como
Zimbábue, Bangladesh, Equador, Hungria,
Filipinas e Gana. Nestes países, a
liberalização foi seguida por declínio ou
estagnação da participação da indústria
manufatureira no PIB, enquanto a repentina
exposição à competição estrangeira levou
muitas empresas à falência. As pequenas e
médias empresas foram as mais atingidas.
Um estudo da UNCTAD envolvendo 40
países mostrou que metade deles sofreu
desindustrialização após a liberalização do
comércio. Muitos desses países, como Gana,
Zimbábue, Paraguai, Barbados e Haiti, já estavam
em níveis baixos de desenvolvimento, porém
mesmo os que tiveram aumento nas exportações
depois da liberalização, como Chile, Filipinas, Brasil
e Venezuela, viram sua base industrial ser reduzida
à medida que eliminaram suas barreiras comerciais.
O estudo observa que uma diferença importante
O impacto da liberalização do comércio de produtos industrializados15
•
No Chile, o emprego líquido no setor manufatureiro caiu cerca de 8% depois da liberalização do
comércio.
•
O Haiti, um dos países mais pobres do mundo, viu sua economia estagnar e seus indicadores sociais
declinarem depois da redução das tarifas de importação, em meados dos anos 1990.
•
O Senegal perdeu um terço de todos os seus empregos no setor manufatureiro depois de um
programa de liberalização de duas etapas, nos anos 1980.
•
Nas Filipinas, o programa abrangente de reformas aplicado nos últimos 15 anos causou quedas
substanciais de produção em várias indústrias, incluindo têxteis, calçados e vestimentas.
•
Em Gana, calcula-se que o aumento da competição de produtos de consumo importados, depois
da liberalização dos anos 1980 e início da década de 1990, forçou o fechamento de pelo menos 120
fábricas, com a perda de 50.000 empregos. Foram particularmente atingidos os setores de roupas,
couro, produtos eletrônicos e farmacêuticos.
•
No Equador, a liberalização das importações contribuiu para um número crescente de falências e
para o aumento do desemprego entre 1992 e 1998.
INVASORES DO COMÉRCIO
35
entre os países bem-sucedidos e os malsucedidos
foi que os primeiros embarcaram na liberalização
do comércio “gradual e seletivamente, como parte
de uma política industrial de longo prazo”, enquanto
os últimos adotaram a “reforma estrutural rápida,
incluindo uma liberalização uniforme e geral”. Na
sua conclusão, o estudo observava:
“Na forma recomendada pelo Consenso
de Washington, a liberalização do
comércio tem mais possibilidades
de levar à destruição das indústrias
existentes, especialmente daquelas que
estão nos seus estágios iniciais, sem
necessariamente levar ao surgimento de
novas indústrias... Uma coisa está clara:
qualquer indústria nova que surgisse
estaria em sintonia com vantagens
comparativas estáticas e não com
vantagens comparativas dinâmicas.
No caso particular dos países de baixa
renda, isso significaria que estariam
presos à produção e exportação de
commodities primárias, processamento
simples e, no melhor dos casos, operações
de montagem de produtos ou outras
atividades intensivas em mão-de-obra,
com poucas perspectivas de melhoria.”16
Não queremos dizer que não haja exemplos
nos quais uma maior abertura comercial tenha
contribuído para o desenvolvimento econômico e
a redução da pobreza. Contudo, nesses casos,
a liberalização foi gradual e direcionada, sendo
realizada – como no Leste Asiático17 – como
parte de uma estratégia bem planejada de
desenvolvimento industrial. Mesmo na Índia, país
muitas vezes apresentado como prova de que
os “neoliberais” estão certos, a liberalização foi
implementada parcial e gradualmente, mantendo
a flexibilidade da política tarifária para alimentar
e promover o desenvolvimento de sua base
manufatureira.
“Mesmo naqueles países onde a liberalização
industrial contribuiu para o crescimento econômico,
o processo tendeu a favorecer os trabalhadores
qualificados sobre a mão-de-obra não qualificada.
Isso é um problema significativo, pois o ‘teste
de pobreza’ real para qualquer programa de
liberalização deve ser sua capacidade de criar
novas oportunidades de emprego para os
trabalhadores não qualificados. A venda de mãode-obra não qualificada é a fonte de renda mais
importante das pessoas pobres.18 Sem novos
empregos para os trabalhadores não qualificados,
36
A AMEAÇA DA DESINDUSTRIALIZAÇÃO
dificilmente pode-se alegar que a liberalização do
comércio favorece as pessoas pobres.”
A magnitude da crítica acadêmica ao esforço
atual pela liberalização industrial é notável,
expondo a base intelectual extremamente frágil
dos argumentos dos países ricos. Por exemplo,
segundo o renomado economista Yilmaz Akyuz
(que trabalhou para a UNCTAD de 1984 a 2003):
“A questão-chave para os países em
desenvolvimento não é o que se pode
ganhar ou perder com a liberalização
do comércio, em conseqüência de seus
efeitos one-offNT... Ao contrário, são as
implicações de deixar seu progresso
industrial, avanço tecnológico e
crescimento econômico nas mãos das
forças do mercado global, dominado pelas
grandes empresas maduras dos países
industrialmente avançados.”
Mesmo que os países em desenvolvimento
pudessem evitar os custos one-off do ajuste da
liberalização e do acesso aos mercados dos países
desenvolvidos, observa Akyuz: “Esses benefícios
one-off podem ser bastante insignificantes,
comparados com as perdas de longo prazo que
podem ocorrer em conseqüência da perda de
espaço político na industrialização rápida.” O perigo
é que qualquer deslocamento rápido para o livre
mercado “estabeleceria uma divisão internacional
de trabalho baseada inteiramente nas vantagens
competitivas estáticas, derivadas das atuais
habilidades e capacidades”.
A conclusão de Akyuz é que “embora a proteção
à indústria nascente não seja garantia de uma
industrialização e crescimento bem-sucedidos, não
há nenhum exemplo de industrialização moderna
“Os arranjos institucionais que dão apoio a uma
industrialização bem-sucedida não seguem
um padrão uniforme; mas um ambiente político
caracterizado pelo ecletismo e a flexibilidade,
possibilitando que as medidas sejam ajustadas
às circunstâncias econômicas locais e às
preferências no que tange às soluções de
compromisso entre o crescimento rápido e a
estabilidade social.”
UNCTAD, Crescimento e Desenvolvimento nos
Anos 1990: Lições de uma Década Enigmática,
TD/B/52/7, 14 de setembro de 2005.
Índia: importações têxteis e de couro ameaçam milhões de empregos
Nos últimos anos, o governo indiano embarcou numa estratégia de redução autônoma de suas
tarifas sobre produtos industriais importados. As tarifas mais altas foram reduzidas de 355% em
1990-1991 – quando as reformas neoliberais foram iniciadas – para 105% em 2005, porém com
a taxa real (aplicada) sendo reduzida de 133% para 22%. O resultado foi um surto de produtos
industrializados importados, que é visto por muitos setores da indústria indiana como uma ameaça
à industrialização nacional.
Atualmente, a Índia vivencia o fechamento de muitas empresas em setores tradicionais de emprego,
como o têxtil e o de couro. Nos últimos cinco anos, os índices de produção desses setores vêm
declinando ou diminuindo de ritmo, à medida que diminuem as exportações e aumentam as
importações. Um número crescente de unidades industriais têm fechado suas portas; e, no setor
têxtil, o número de unidades fechadas dobrou de 220 em 1998 para 468 em 2004.
O setor têxtil é vital para a Índia, contribuindo com 4% do PIB e empregando cerca de 30 milhões
de pessoas, especialmente mulheres e trabalhadores com menos instrução ou qualificação. A
perda de participação no mercado trouxe o desemprego para muitas dessas pessoas.
Vishambar, um tecelão de seda de Varanasi de 35 anos, é um dos que perderam o emprego. “Não
há trabalho,” diz ele. “Fico apenas sentado, pedindo esmolas… Quero trabalho pra mim e para as
outras pessoas da aldeia.”
Desde o ano 2000, o setor do couro, que emprega cerca de 2,5 milhões de pessoas, vem também
sendo atingido pelo contínuo declínio das taxas de crescimento. Embora parte do problema seja
relacionado às regulamentações ambientais impostas em meados dos anos 1990, a abertura do
setor à competição internacional e a redução de tarifas causaram surtos de importação. Essas
importações têm sido principalmente de produtos acabados, como malas e bolsas de mão,
enquanto as exportações desses mesmos produtos vêm declinando. As reduções de tarifas sobre
os produtos acabados de couro estão, portanto, pressionando muito as indústrias domésticas.
Um fabricante de calçados de Agra explica a situação: “Em calçados fabricados com materiais
sintéticos, a China tem uma grande vantagem competitiva e é muito difícil para os produtos
indianos competirem com os chineses no mercado. Nós fabricamos um sapato por 150 rupias,
enquanto os chineses podem vender um par de sapatos pelo mesmo preço. Uma maior redução
das taxas sobre importação de sapatos vai nos afetar gravemente. As indústrias de calçado
indianas ficarão em apuros, pois as chinesas têm uma vantagem competitiva muito boa em sapatos
de materiais sintéticos.”
Hosiyar Singh, pai de sete filhos, 42 anos, diz que a vida está ficando muito mais difícil. “O trabalho
atualmente está reduzido por causa do governo. Eles continuam importando sapatos do exterior.
Não estão exportando nada daqui. Ficamos sem empregos. Costumava fazer 150 pares por dia,
agora faço somente 32 pares.”
Além disso, as taxas aduaneiras também foram reduzidas. Elas contribuíam em mais de 30% para
as receitas do governo em 1990, mas em 2004 representavam menos de 20%. Como proporção
do PIB, isso foi uma redução de 3,6% para 1,8%. Esse declínio da receita aduaneira está ocorrendo
a despeito dos surtos de importação resultantes das tarifas mais baixas. Assim, esse aumento das
importações não foi suficiente para compensar a perda de receita.
ActionAid Índia, NAMA e seu impacto na economia indiana, 2005.
INVASORES DO COMÉRCIO
37
Nigéria: o setor têxtil enfrenta uma “tsunami industrial”
A retirada das restrições sobre importações têxteis da Nigéria devastou a indústria têxtil do país. Ocorreu um
descarregamento maciço de produtos manufaturados baratos, forçando os fabricantes locais a encerrarem
suas atividades.
Segundo o sindicato dos têxteis, vinte fábricas foram forçadas a fechar, com a perda de mais de 16.000
empregos. Levando em conta as famílias afetadas, isso significou que quase 100.000 pessoas perderam sua
fonte de subsistência. Outras 18 fábricas correm o risco de fechamento. No total, foram perdidos pelo menos
58% do emprego da indústria desde 1998, o que levou o sindicato dos têxteis a descrever a situação como
uma “tsunami industrial”. A indústria têxtil da Nigéria tem agora apenas 27% de participação no mercado
interno.
Os plantadores de algodão de Funtua, no norte da Nigéria, explicam a situação: “A indústria têxtil precisa
do governo para proteger o mercado local através de tarifas altas sobre os produtos importados. A atitude
governamental de não dar apoio à indústria está produzindo desemprego.”
Os trabalhadores têxteis da vizinha Kano concordam que a indústria local precisa de proteção: “A política
governamental de liberalização deveria ter sido introduzida somente depois que o governo estivesse seguro
de que todas as coisas funcionavam bem. A política de liberalização do comércio levará ao colapso das
indústrias nigerianas.”
ActionAid Nigéria, O Impacto da Liberalização do Comércio sobre as Indústrias Têxteis, 2005.
baseada no laissez-faire. Em conseqüência, há
poucos razões econômicas para os países em
desenvolvimento aceitarem a diminuição de suas
opções de utilização de tarifas na industrialização,
concordando com uma significativa consolidação
e diminuição dessas tarifas nas atuais negociações
sobre o NAMA”.19
Sanjaya Lall, da Universidade de Oxford, repete
Akyuz ao observar: “As regras e pressões da
liberalização ameaçam congelar a vantagem
comparativa em áreas onde existem capacidades
no momento da liberalização.” Ele também mostrou
como a abordagem neoliberal das políticas
industriais “pode resultar num desenvolvimento
tecnológico lento e truncado, aumentando
as distâncias entre os países”. Lall também
observa que atualmente as ferramentas de
políticas industriais permitidas pelas regras da
OMC “provavelmente não são suficientes para
fomentar um desenvolvimento rápido e factível
das capacidades tecnológicas”. Ele reivindica uma
política industrial para uma nova era, baseada num
espaço político muito maior para os países em
desenvolvimento.20
As negociações atuais
O Marco de Referência da OMC de julho de 2004,
no qual as atuais negociações estão baseadas,
38
A AMEAÇA DA DESINDUSTRIALIZAÇÃO
contém três perigos principais para os países em
desenvolvimento:
• Primeiro, cortes mais profundos de tarifas
para os países pobres, através de uma
fórmula de redução tarifária não-linear, que
reduziria drasticamente as tarifas em muitos
países em desenvolvimento, prejudicando
seu espaço político e sua capacidade de
proteger as indústrias nascentes e fortalecer
a sua base industrial.
• Segundo, a “iniciativa setorial” que
harmonizaria, ou mesmo eliminaria, as tarifas
em certos setores.
• Terceiro, a demanda para que todos os
países em desenvolvimento, incluindo
os menos desenvolvidos, aumentem o
nível de sua consolidação tarifária (isto é,
estabeleçam uma taxa máxima além da qual
as tarifas não podem ser aplicadas), abrindo
mão de uma ferramenta política importante
para ajudar sua industrialização.
Os países em desenvolvimento deveriam ter
um prazo mais longo do que os países ricos
para reduzir suas tarifas e os países menos
desenvolvidos (assim como outro grupo de doze
países) deveriam ter isenção de redução tarifária.
Entretanto, as reduções tarifárias dos países
em desenvolvimento serão mais profundas em
algumas áreas do que aquelas que os países
ricos precisam realizar, pois atualmente os países
em desenvolvimento têm tarifas mais altas. Os
países em desenvolvimento estão também sendo
pressionados para aumentarem o número de linhas
de produtos industriais com tarifas consolidadas.
Reduzindo tarifas
A fórmula atualmente proposta pelos países
desenvolvidos para a redução tarifária, a chamada
“fórmula suíça não-linear”, significa que as tarifas
mais altas sofrerão cortes maiores. Ou seja, os
países em desenvolvimento, que têm tarifas mais
altas, provavelmente vão ter de implementar
reduções mais profundas. Por exemplo, em
outubro de 2005, a UE e os EUA propuseram
conjuntamente que as tarifas industriais tivessem
um teto de 10% nos países desenvolvidos e de
15% nas nações em desenvolvimento.21 No entanto,
a tarifa industrial média nos países desenvolvidos
é de cerca de 6%, enquanto é de quase 30% nos
países em desenvolvimento. Portanto, por essa
proposta, seriam exigidos cortes mais profundos
nos países pobres do que nos ricos.
O Marco de Referência de julho também especifica
que os países em desenvolvimento estarão
sujeitos a “menos do que plena reciprocidade nos
compromissos de redução” e que a fórmula de
redução tarifária “deve levar plenamente em conta
as necessidades e interesses especiais dos países
em desenvolvimento e dos menos desenvolvidos”.
Não somente a fórmula proposta é totalmente
incapaz de enfrentar as necessidades especiais
dos países em desenvolvimento, como também
exige que estes países implementem mais do que
plena reciprocidade com os países desenvolvidos
em relação aos compromissos de redução.
Além do mais, os cortes tarifários nos países
em desenvolvimento vão representar uma perda
significativa de receitas fiscais. Um documento
do grupo de países Africanos, Caribenhos e do
Pacífico (ACP) submetidos às negociações do
NAMA observa que, em média, 40% das receitas
governamentais vêm das receitas tarifárias e
que qualquer perda precisaria ser substituída
num “processo de longo prazo que pode ser
dispendioso e que muitos países do ACP não
podem implementar”. Eles observam que “impostos
sobre vendas ou sobre o consumo poderiam
substituir as receitas tarifárias, mas mudanças de
tal importância nos sistemas fiscais são onerosas e
podem anular o objetivo do exercício”.22
Iniciativa setorial
Os países desenvolvidos estão também
pressionando fortemente pela iniciativa setorial
– a eliminação ou redução de tarifas em setores
inteiros. Recentemente, foram realizadas
discussões em Genebra sobre setores, tais como
os de eletrônicos, produtos químicos, pescados,
calçados, pedras preciosas e jóias. Muitos
países em desenvolvimento têm mantido sua
longa oposição a compromissos compulsórios,
insistindo que qualquer participação na iniciativa
setorial deve ocorrer em base voluntária. Por causa
desta oposição, os países desenvolvidos agora
pressionam por uma “abordagem de massa crítica”,
para que haja concordância em liberalizar uma
certa proporção do comércio num determinado
setor.23
Um setor de interesse fundamental para muitos
países em desenvolvimento é o têxtil, que é um
componente importante do desenvolvimento
industrial de vários deles. O encerramento do
Acordo sobre Multifibras (MFA, na sigla em inglês)
em janeiro de 2005 – que extinguiu o sistema de
cotas e liberalizou o comércio do setor – colocou
os fabricantes de têxteis com custos mais altos,
por exemplo, do Nepal, Camboja, Bangladesh e
Sri Lanka, em competição direta com produtores
que têm custos mais baixos, como os da Índia e
China. Muitos desses países já estão sofrendo o
impacto através da perda de empregos, queda de
produção e declínio nos mercados de exportação,
como mostra o estudo de caso da ActionAid sobre
a Índia. A harmonização ou eliminação de tarifas
sobre têxteis, através da abordagem setorial, pode
prejudicar ainda mais esses países.
“Qualquer que seja o enfoque, os países em
desenvolvimento serão levados a fazer os cortes
maiores em suas taxas máximas (bound rates)
e vão enfrentar acréscimos proporcionalmente
maiores a suas importações. Sofrerão, também,
importantes perdas em receitas tarifárias, o que
será uma grande preocupação na maior parte
dos casos.”
Santiago de Cordoba e outros, Market Access
Proposals for Non-agricultural Products
(Propostas de Acesso a Mercados para Produtos
Não-agrícolas), UNCTAD, 2005
INVASORES DO COMÉRCIO
39
Como foi observado na seção anterior, a redução
de tarifas provavelmente vai significar um
aumento significativo das importações de países
desenvolvidos, que pode levar a dificuldades no
balanço de pagamentos e à competição crescente
para os produtores domésticos. Nos casos em
que a indústria doméstica é pequena e incipiente,
a redução prematura de tarifas provavelmente
acarretará perda de produção e desemprego,
assim como também prejudicará o espaço político
e a capacidade de os países pobres protegerem
e desenvolverem suas indústrias nascentes e
reforçarem sua base industrial.
Várias análises acadêmicas têm demonstrado a
importância vital das tarifas para o desenvolvimento
industrial. Um desses estudos, examinando 100
países, concluiu que as tarifas iniciais contribuíram
positivamente para o crescimento durante o
período 1970-1997, especialmente nos países em
desenvolvimento. Outro estudo concluiu que as
relações entre tarifas e crescimento foram negativas
entre os países desenvolvidos, porém positivas
nos países em desenvolvimento.24Yilmaz Akyuz
argumenta que “uma estrutura tarifária racional,
baseada na proteção seletiva e temporária, parece
ser um dos fatores que diferenciam as economias
do Leste Asiático, tais como Taiwan e Coréia do
Sul, dos países menos bem-sucedidos que tinham
proteção tarifária média e distorção de preços
similares ou ainda menores. Deste ponto de vista,
os países desenvolvidos estão pressionando os
países pobres para que “cortem seus próprios
pescoços”.25
Tarifas consolidadas
As exigências de aumento do nível de consolidação
tarifária, especialmente para os países menos
desenvolvidos, assemelha-se a uma camisade-força para aqueles que, no futuro, podem
precisar utilizar as tarifas para aumentar a receita
governamental, fomentar o estabelecimento de
novas indústrias ou proteger indústrias nascentes.
Um documento submetido às negociações
pelo grupo ACP afirma que se os países em
desenvolvimento forem forçados a reduzir sua
consolidação tarifária para níveis abaixo das taxas
aplicadas, ou seja, das taxas reais, “então isso
eliminaria qualquer flexibilidade que os países em
desenvolvimento teriam na utilização de tarifas
para fins de desenvolvimento”. Embora os países
possam apelar para ações antidumping e outras
medidas de restrição de importações, “para os
países do grupo ACP o uso desses instrumentos
é muito oneroso e, portanto, nosso mecanismo
40
A AMEAÇA DA DESINDUSTRIALIZAÇÃO
primário de defesa continua a ser manter as tarifas
consolidadas num nível suficiente”.26
Como observou Veena Jha, o processo de
consolidação é em si mesmo uma concessão dos
países em desenvolvimento, pois atualmente eles
têm o direito de aumentar suas tarifas para o nível
que quiserem. Enquanto os países desenvolvidos
consolidaram 98% de suas tarifas sobre produtos
industrializados, os países em desenvolvimento
consolidaram 77% e os menos desenvolvidos
somente 33%.27 Espera-se agora que os países
em desenvolvimento, que não estão entre aqueles
menos desenvolvidos, aumentem sua cobertura
para no mínimo 95%.
Muitos países em desenvolvimento podem ser
afetados negativamente por esse aumento na
consolidação, pois mantiveram um número
significativo de linhas tarifárias não consolidadas.
Países como Bangladesh, Burundi, Chade, Gâmbia,
Moçambique, Mianmar, Tanzânia, Togo, Uganda e
Zâmbia têm todos uma cobertura de consolidação
de menos de 10%. Outros países também
possuem baixa cobertura de consolidação, como
Camarões (0,1%), Congo (3,2%), Gana (1,2%),
Quênia(1,6%), Nigéria (6,9%) e Zimbábue (9%).
O processo de negociações do NAMA também
é fundamentalmente falho. A presidência das
negociações reintroduziu um texto básico que
favorece de forma flagrante os países desenvolvidos
e que muitos países em desenvolvimento tinham
rejeitado na reunião ministerial de Cancún. Estes
países só concordaram com a inclusão desse texto
mediante a insistência de que fosse precedido
de um primeiro parágrafo afirmando que seus
componentes principais – incluindo a fórmula de
redução tarifária, o tratamento das tarifas não
consolidadas e a iniciativa setorial – ainda teriam
de ser acordados e negociados. Ao mesmo
tempo, a União Européia faz todos os esforços
para negociar uma solução de compromisso entre
suas preocupações defensivas na agricultura
e seus interesses ofensivos no NAMA. Peter
Mandelson afirmou que a União Européia está
pronta para eliminar gradualmente seus subsídios
às exportações, porém somente em troca de
cortes nas tarifas industriais nos países em
desenvolvimento.28
Tratamento especial e diferenciado
As negociações do NAMA estão em grande parte
paralisadas e sujeitas a desacordos intensos,
principalmente entre os países desenvolvidos e
em desenvolvimento, e envolvendo a fórmula de
redução tarifária. Em julho de 2005, a presidência
das negociações relatava que “atingimos um
impasse”.29 As posições sobre o NAMA estão
endurecendo, de acordo com o ex-diretor-geral da
OMC, Supachai Panitchpakdi, por causa da “falta
de avanços na agricultura”.30
Na verdade, as propostas alternativas dos países
em desenvolvimento estão sendo bloqueadas
ou adiadas pelos países desenvolvidos. Em julho
de 2005, um documento conjunto de alguns
países caribenhos (Antígua e Barbuda, Barbados,
Jamaica e Trinidad e Tobago) propunha uma
fórmula alternativa de redução tarifária baseada
em cortes médios, no lugar da “fórmula suíça”
simples. Isso incluía a necessidade de os países
em desenvolvimento “terem flexibilidade e espaço
político para variar seus níveis tarifários de acordo
com acontecimentos e necessidades, como
mudanças das prioridades econômicas ou das
circunstâncias” e “serem capazes de adotar
medidas que levem a um desenvolvimento industrial
bem-sucedido”.31 Esta proposta foi bem acolhida
por muitos países, incluindo Índia, Quênia, Bolívia
e Argentina, porém a União Européia expressou
desconfiança, afirmando que o uso de uma tarifa
média não era aceitável e que a proposta seria um
obstáculo nas negociações.32
Uma proposta conjunta do Congo, Costa do
Marfim, Cuba, Quênia, Maurício e Zimbábue
exigia que os países consolidassem suas tarifas
em níveis “consistentes com suas necessidades
de desenvolvimento, comerciais e fiscais”,
enquanto um documento assinado pela Armênia,
Geórgia, Quirguistão e Moldávia – países que são
membros recentes da OMC – reivindicava que
suas economias fossem isentadas das reduções
tarifárias. Há informações de que “os países
desenvolvidos não gostaram dessas propostas e
ambas enfrentaram a reação negativa da União
Européia, EUA e outros países.33
Os países desenvolvidos também se opuseram
a uma proposta conjunta da Argentina, Brasil e
Índia em favor de uma forma de redução tarifária
alternativa que fortaleceria o tratamento especial
para os países em desenvolvimento e não exigiria
que fizessem reduções tarifária mais profundas
do que os países desenvolvidos. Os EUA e a
União Européia expressaram a preocupação de
que a proposta não reduzisse as tarifas aplicadas
existentes. Os EUA afirmaram que “não há nada a
ganhar em termos de acesso real ao mercado se
não diminuirmos as tarifas aplicadas”, enquanto a
UE afirmava que o “fim das taxas é de importância
primária para as empresas da Comunidade
Européia”.34 O Paquistão também apresentou uma
proposta tentando encontrar bases comuns nas
negociações do NAMA.
Os governos africanos estão muito preocupados
que a liberalização tarifária multilateral tenha como
conseqüência a perda de acesso preferencial
aos mercados dos países ricos que desfrutam
atualmente. Um documento do Grupo Africano,
de fevereiro de 2005, submetido às negociações,
observava que a maioria dos países africanos
depende atualmente das preferências para grande
parcela de suas exportações e que “qualquer nova
liberalização deve levar em conta esta realidade
comercial, para evitar mais marginalização de
alguns países africanos, que precisam adaptar
progressivamente sua frágil base industrial.
O documento afirma que a “desigualdade de
fatores econômicos e níveis de desenvolvimento
significa que esses países não podem participar
de comércio recíproco sem efeitos devastadores
para suas estruturas econômicas” e que “muitos
desses países dependem de indústrias específicas
e têm economias que são sensíveis às flutuações
tarifárias”. Em relação à proposta de iniciativa
setorial, isso “vai dificultar o desenvolvimento de
setores industriais na África”. A proposta africana é
de um “coeficiente de correção” a ser aplicado para
melhorar a margem de preferência das exportações
africanas.35
Foram apresentadas várias alternativas à
liberalização indiscriminada que os países ricos
estão propondo. Por exemplo, Sanjaya Lall, numa
análise anteriormente citada, reivindicou uma
política industrial de quatro etapas “para a nova
era”. A primeira etapa seria fornecer a formuladores
das políticas uma análise objetiva e detalhada
do que os países bem-sucedidos fizeram para
desenvolver suas capacidades industriais. “Isso
não ocorre atualmente”, observa Lall. “Ao contrário,
o sistema nega que uma política industrial tenha
qualquer papel a cumprir.” A segunda etapa é
criar um espaço maior para a política industrial
nos acordos internacionais de comércio. A terceira
etapa envolve o desenvolvimento de capacidade
para montar uma política industrial, incluindo
a construção de competência administrativa e
fortalecimento das capacidades governamentais.
A quarta etapa seria ajudar a conceber estratégias
adequadas para cada país. “Se nesse momento
parece uma proposta sem esperanças, pense
na alternativa de continuar com a liberalização
indiscriminada”, adverte Lall.36
Yilmaz Akyuz argumenta que os países em
desenvolvimento não precisam de tarifas altas
INVASORES DO COMÉRCIO
41
“para todos os setores, durante todo o tempo.
Porém, devem ter a opção de usar tarifas numa
base seletiva, quando forem necessárias para
o progresso da industrialização. Não se deve
esperar que diminuam suas tarifas de uma rodada
comercial para outra, mas que possam movê-las
nas duas direções, em diferentes setores, no curso
do desenvolvimento industrial”.37
As recomendações da ActionAid
A ActionAid acredita que as atuais negociações
sobre o NAMA certamente serão prejudiciais e
poderão ser desastrosas para o desenvolvimento
industrial e a redução da pobreza nos países em
desenvolvimento. Caso o acordo final seja parecido
com esse que está na mesa de negociações,
a ActionAid acha que os países pobres devem
assumir uma atitude histórica e rejeitá-lo. Além
disso, é importante que:
• O texto atualmente sendo negociado (desde
julho de 2004) seja rejeitado.
• Seja realizado uma avaliação completa e
independente dos potenciais impactos das
negociações do NAMA no desenvolvimento e
no meio ambiente.
A ActionAid também acredita que os seguintes
princípios devem guiar qualquer novo marco de
referência para negociações do NAMA:
• Os países em desenvolvimento devem ter a
possibilidade de manter a flexibilidade para
escolher que linhas de produtos consolidar e
a que níveis.
• Os países em desenvolvimento devem
manter a flexibilidade de escolher seus
compromissos de redução tarifária.
• Ajuda e capacitação devem estar
acessíveis para permitir que os países em
desenvolvimento participem completa e
efetivamente das negociações.
• Os países menos desenvolvidos devem
ser isentados de todos os compromissos e
devem ter acesso imediato aos mercados
dos países desenvolvidos, sem taxas ou
cotas.
• A erosão da preferência, o uso de medidas
antidumping e de outras medidas para
bloquear as importações dos países em
desenvolvimento devem ser adequadamente
enfrentados.
• Os interesses de todos os países em
• Os países desenvolvidos devem enfrentar
• Deve haver menos que plena reciprocidade,
• As iniciativas setoriais devem ser
desenvolvimento – especialmente daqueles
menos desenvolvidos – devem estar no
centro das negociações.
assim como um efetivo e significativo
42
tratamento especial e diferenciado, para os
países em desenvolvimento em todos os
aspectos das negociações.
A AMEAÇA DA DESINDUSTRIALIZAÇÃO
os picos tarifários, a escalada de tarifas e
as barreiras não-tarifárias no seus setores
industriais.
abandonadas.
Notas
1
As negociações incluem principalmente os produtos industriais, mas envolvem também a pesca e os minerais.
2
ActionAid, Bound and Tied: The Developmental Impacts of Industrial Trade Liberalisation Negotiations at the WTO, http://www.actionaid.org.
uk/wps/content/documents/wto_nama.pdf
3
Non-Agricultural Market Access - Modalities, contribuição do Canadá, Comunidade Européia e EUA, 20 de agosto de 2003, JOB(03)/163, http://
www.ictsd.org/ministerial/cancun/documents_and_links.htm
4
Comissão Européia, DG trade, ‘EU trade policy: main issues for the 133 Committee in the second half of 2005’, Bruxelas, 1 de julho de 2005;
http://www.europa.eu.int/comm/trade/issues/sectoral/industry/tntb/index_en.htm
5
http://www.europa.eu.int/comm/trade/issues/sectoral/industry/tntb/index_en.htm
6
Peter Mandelson, discurso, 28 de julho de 2005, http://www.europa.eu.int/comm/commission_barroso/mandelson/speeches_articles
7
Para uma amostra das posições do grupo de lobby empresarial, ver ‘NAM leads manufacturers’ fly-in to Geneva seeking reduction of tariff
barriers to trade’, Associação Nacional das Indústrias Manufatureiras, 11 de abril de 2005, http://www.nam.org/s_nam/doc1.asp?CID=202217&
DID=233755; ‘Vargo says agreement will boost Doha Round’s industrial trade negotiations’, Associação Nacional das Indústrias Manufatureiras,
3 de junho de 2005, http://www.nam.org/s_nam/doc1.asp?CID=67&DID=234308. Ver também Bound and Tied, p. 34ff, www.actionaid.org
8
John Hilary, The Doha Deindustrialisation Agenda, War on Want, abril de 2005, p. 11.
9
Ha-Joon Chang, Kicking Away the Ladder: Development Strategy in Historical Perspective, Anthem Press, Londres, 2002
10 Meena Raman, ‘Experts warn of devastating effects of NAMA framework’, Serviço de Informação da Rede do Terceiro Mundo, 22 de maio de
2005, www.twnside.org.sg
11 ActionAid, NAMA Negotiations at the WTO: Policy Briefing for the October General Council, ActionAid Internacional, 2005
12 Dani Rodrik, The Global Governance of Trade as if Development Really Mattered, Pnud, 2001.
13 A. Subramanian, e D. Roy, Who can explain the Mauritian Miracle: Meade, Romer, Sachs or Rodrik?, Documento de trabalho do FMI, WP/01/116,
www.imf.org
14 Ibidem.
15 S. Shafaeddin, Trade Liberalisation and Economic Reform in Developing Countries: Structural Change or De-industrialisation?, Documento de
discussão N. 179, Unctad, abril de 2005, www.unctad.org; S. Shafaeddin, Trade Policy at the Crossroads – The Recent Experience of Developing
Countries, Palgrave Macmillan, Nova York, 2005; SAPRIN, Structural Adjustment: The Policy Roots of Economic Crisis, Poverty and Inequality,
Zed Books, 2004, cap. 2; E. Buffe, Trade Policy in Developing Countries, Cambridge University Press, Cambridge, 2001.
16 S. Shafaeddin, Trade Liberalisation and Economic Reform in Developing Countries: Structural Change or De-industrialisation?, Documento de
discussão N. 179, Unctad, abril de 2005, www.unctad.org
17 S. Shafaeddin, Trade Policy at the Crossroads – The Recent Experience of Developing Countries, Palgrave Macmillan, Nova York, 2005.
18 Banco Mundial, PRSP Sourcebook, cap. 13, Washington DC, 2004
NT One-off é um termo que significa limitado a uma única vez, ocasião ou circunstância (Nota do Tradutor).
19 Yilmaz Akyuz, ‘WTO’s NAMA negotiations: Policy space at stake’, South Bulletin, 30 de julho de 2005, pp. 364-70, www.southcentre.org
20 Sanjaya Lall, Reiventing Industrial Strategy: The Role of Government Policy in Building Industrial Competitiveness, Documento de discussão do
G-24 N. 28, Unctad, Abril de 2004, www.unctad.org
21 ‘EU links progress on agriculture to deep NAMA tariff cuts’, BRIDGES Weekly Trade News Digest, 5 outubro de 2005, www.ictsd.org
22 Grupo de Negociação sobre o Acesso ao Mercado, Market Access for Non-agricultural Products: Communication from Trinidad and Tobago on
Behalf of the ACP Group of States, TN/MA/W/47, 30 de março de 2004, http://www.namawatch.org/wto.html
23 Martin Khor, ‘Fate of South’s industries at stake in WTO’s NAMA negotiations’, Serviço de Informação da Rede do Terceiro Mundo, 21 de
setembro de 2005, www.twnside.org.sg
24 Citado em Yilmaz Akyuz, ‘WTO’s NAMA negotiations: Policy space at stake’, South Bulletin, Edição N. 108, 30 de julho de 2005, p. 367, www.
southcentre.org
25 Yilmaz Akyuz, ‘WTO’s NAMA negotiations: Policy space at stake’, South Bulletin, Edição N. 108, 30 de julho de 2005, p. 367, www.southcentre.
org
26 Grupo de Negociação sobre o Acesso ao Mercado, Market Access for Non-agricultural Products: Communication from Trinidad and Tobago on
Behalf of the ACP Group of States, TN/MA/W/47, 30 de março de 2004, http://www.namawatch.org/wto.html
27 Veena Jha, ‘NAMA: Policy space for development at stake’, South Bulletin, 15 de julho de 2005, p. 336, www.southcentre.org; Santiago
Fernandez de Cordoba et al, Blend it like Beckham: Trying to read the ball in the WTO negotiations on industrial tariffs, junho de 2004, p. 7.
28 Peter Mandelson, ‘Trade and Development: The Road Ahead’, discurso na Conferência EPC-KBF, 16 de junho de 2005, http://www.europa.
eu.int/comm/commission_barroso/mandelson/speeches_2005_en.cfm
29 Grupo de Negociação sobre o Acesso ao Mercado, State of Play of the NAMA Negotiations: Chairman’s Commentary, 8 de julho de 2005,
JOB(05)/147, http://namawatch.org/wto.html
30 Tetteh Hormeku, ‘Major differences in NAMA talks’, TWN-Africa, 8 de julho de 2005, www.namawatch.org
31 A Development-oriented Approach to Tariff Reduction, Comunicação de Antígua e Barbuda, Barbados, Jamaica, e Trinidad e Tobago, 5 de julho
INVASORES DO COMÉRCIO
43
de 2005, http://www.namawatch.org/wto.html
32 Tetteh Hormeku, ‘Trade: Caribbean countries propose new formula at NAMA meeting’, TWN-Africa, 5 de julho de 2005, www.namawatch.org
33 Tetteh Hormeku, ‘Major differences in NAMA talks’, TWN-Africa, 8 de julho de 2005, www.namawatch.org; ‘New Caribbean formula stirs up
NAMA talks’, BRIDGES Weekly Trade News Digest, 6 de julho de 2005, www.ictsd.org
34 Goh Chien Yen, ‘Trade: divergencies over modalities to tariff reduction in NAMA talks’, 8 de junho de 2005, www.namawatch.org
35 Grupo de Negociação sobre o Acesso ao Mercado, Market Access for Non-agricultural Products: Treatment of Non-reciprocal Preferences for
Africa, Comunicação de Ruanda em nome do Grupo Africano, TN/MA/W/49, 21 de fevereiro de 2005, http://www.namawatch.org/wto.html
36 Sanjaya Lall, Reiventing Industrial Strategy: The Role of Government Policy in Building Industrial Competitiveness, Documento de discussão do
G-24 N. 28, Unctad, abril de 2004, www.unctad.org
37 Yilmaz Aykuz, The WTO Negotiations on Industrial Tariffs: What is at Stake for Developing Countries?, Rede do Terceiro Mundo, maio de 2005, p.
26
44
A AMEAÇA DA DESINDUSTRIALIZAÇÃO
Capítulo 4
Serviços: a nova fronteira
da liberalização
Os países em desenvolvimento enfrentam outra ameaça nas negociações sobre
serviços. Nestas negociações, os países desenvolvidos estão aumentando a
pressão sobre os países em desenvolvimento para que façam “ofertas” de abrir
seus setores de serviços aos exportadores estrangeiros. Isso faz parte de um
grande esforço, apoiado pelas empresas, para assegurar o acesso a novos
e lucrativos mercados. A ameaça está na possibilidade de as companhias
estrangeiras assumirem o controle de negócios e setores nascentes nos países
pobres, assim como da privatização de serviços públicos básicos. Apesar da
firme resistência dos países em desenvolvimento (sem falar dos grupos da
sociedade civil em todo mundo), nenhum setor, incluindo serviços essenciais como
água, educação e saúde, está excluído da possibilidade de liberalização nessas
negociações.
A estratégia dos países desenvolvidos também envolve pressões para modificar as
regras do jogo, de um processo que permite ofertas puramente voluntárias para
outro que negocia compromissos mínimos de liberalização de todos os países. Ao
mesmo tempo, os países desenvolvidos resistem às reivindicações dos países em
desenvolvimento para que liberalizem as regras de movimentação de trabalhadores
através de fronteiras – o que é seu interesse básico nessas negociações.
O que querem os países ricos
A Comissão Européia afirmou recentemente: “Para
a Comunidade Européia, o principal objetivo das
negociações sobre serviços é melhorar o acesso
aos mercados estrangeiros para os exportadores
e serviços europeus, assegurando um ambiente
regulatório mais transparente e previsível para os
serviços.” Em janeiro de 2005, a União Européia
submeteu à OMC uma lista de “solicitações” de
liberalização em outros países, em setores como
serviços financeiros, turismo, serviços ambientais e
de água, e construção.
A União Européia assegura que não está buscando
compromissos de liberalização que desmontem
ou privatizem os serviços públicos, como o
abastecimento de água. No entanto, as solicitações
cobrem “todos os subsetores do meio ambiente”,
como a coleta de água, serviços de tratamento
e distribuição e serviços de esgoto, assim como
algumas solicitações procuram compromissos de
liberalização em “serviços públicos tradicionais
(especialmente serviços municipais)”, como os
setores de água e lixo.1 O conjunto anterior de
“solicitações” GATS da União Européia, de 2003,
mostrava que estava buscando a liberalização dos
serviços de água em 72 países (de um total de 102
“solicitações” de liberação de serviços).
Durante as negociações do GATS, a posição da
União Européia vem sendo fortemente influenciada
pelo Fórum Europeu de Serviços (ESF, na sigla em
inglês), um grupo de lobby das companhias de
serviços. Numa correspondência confidencial com
o ESF, a Comissão observou que “a contribuição
da indústria para esse exercício seria muito bemvinda, tanto em termos de apontar onde estão os
problemas quanto em termos de fazer solicitações
específicas. Sem a contribuição do ESF, este
exercício corre o risco de se tornar puramente
intelectual”. Depois da reunião ministerial de
INVASORES DO COMÉRCIO
45
Os serviços e o acordo do GATS
O Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços
(GATS) estendeu as regras da OMC para incluir
serviços de forma abrangente, de serviços bancários
e de turismo até serviços essenciais, como água,
transporte, saúde e educação. Da mesma forma
que outros acordos da OMC, o objetivo do GATS
é a “liberalização progressiva”, isto é, a remoção
de restrições comerciais “desnecessárias” e de
regulamentações governamentais que sejam
consideradas barreiras ao comércio entre os
países. O acordo do GATS permite que os países
escolham entre abrir ou não seus serviços ao
processo de liberalização; porém, se o fazem, a
regra de tratamento nacional se aplica (segundo ela,
os fornecedores de serviços estrangeiros devem
ser tratados da mesma forma que as empresas
nacionais).
Arquivo ActionAid Brasil
Os serviços são a área que cresce mais rápido na
economia global, representando quase 20% do
comércio mundial e três quintos do investimento
estrangeiro. Os países em desenvolvimento
representam 22% das exportações mundiais
de serviços, porém isso está concentrado em
poucos países. A África representa apenas 1% das
exportações de serviços do mundo, enquanto todos
os países menos desenvolvidos juntos totalizam
somente 0,44%.3
Ao mesmo tempo, a União Européia também
pressiona nos termos do GATS por compromissos
de liberalização na área de aquisição governamental
de serviços. Isso significa que os gastos
governamentais com serviços poderiam também
ficar sujeitos ao princípio do tratamento nacional, no
qual as firmas estrangeiras têm os mesmo direitos
que as domésticas. Portanto, o GATS também é
visto como um passo na direção da liberalização das
aquisições governamentais.
46
SERVIÇOS: A NOVA FRONTEIRA DA LIBERALIZAÇÃO
Arquivo ActionAid Brasil
Como o acordo do GATS cobre os investimentos
diretos estrangeiros em serviços, é também
um instrumento para promover a liberalização
dos investimentos. Na verdade, como o
investimento estrangeiro em serviços representa
aproximadamente a metade dos investimentos
estrangeiros totais do mundo, o GATS pode ser
visto como uma etapa intermediária rumo a um
acordo de liberalização global dos investimentos.
Para os países desenvolvidos, é um mecanismo
para proteger os direitos do investidor e “amarrar”
compromissos de liberalização em benefício das
companhias estrangeiras.
Cancún, o ESF emitiu uma declaração sobre as
negociações da OMC afirmando que “o comércio
de serviços assumiu um papel central, pois é o
que tem mais a oferecer à economia da União
Européia”. Três semanas depois, a Comissão emitiu
um comunicado dizendo que as negociações sobre
serviços “são claramente uma das áreas... onde
a União Européia tem muito a ganhar. Assim, os
serviços devem ser mantidos no topo da agenda de
negociações da União Européia”.2
Em relação às metas dos EUA, elas foram
claramente expressas pelo Representante do
Comércio dos EUA, Robert Portman, num
discurso em setembro de 2005 para a Coalizão
das Indústrias de Serviços, um grupo de lobby
das grandes empresas. Portman observou que
a meta dos EUA era “atingir um nível mais alto de
liberalização em todo o globo”, assegurando que
“os compromissos de acesso aos novos mercados
sejam de alta qualidade e que tenhamos a garantia
desses compromissos naqueles países mais
importante para nós”. Ele prosseguiu:
“Também identificamos setores-chave, como
serviços financeiros, telecomunicações, serviços
relacionados a computadores, entrega rápida,
serviço de distribuição e de energia, para os
quais vamos assegurar uma massa crítica de
compromissos de alta qualidade dos principais
países em desenvolvimento. Assim, esse é nosso
foco: concentrar nos países mais importantes,
focalizando aqueles serviços onde vemos o maior
potencial de ganhos. Achamos que temos uma boa
idéia de que países constituiriam uma massa crítica:
países em desenvolvimento maiores, assim como,
naturalmente, aqueles mercados tradicionais para
nossos serviços. E sabemos bem o que estamos
buscando em termos de qualidade: compromissos
de investimentos diretos sem restrições e
fornecimento ilimitado de serviços através das
fronteiras.”
Portman concluiu dizendo à sua audiência de
importantes empresas de serviços: “Estou muito
satisfeito que vocês estejam avançando na
preparação de algumas propostas interessantes
que abordam essa questão de novos ângulos.
Acho isso importante. Claramente, suas opiniões
serão importantes à medida que comecemos a
desenvolver nossa política nessa área.”4
Os efeitos da liberalização dos
serviços
A ActionAid acredita que o acesso aos serviços
sociais é um direito básico e que não existe
nenhuma evidência substancial de que a
liberalização dos serviços em si mesma contribua
para o desenvolvimento e a erradicação da
pobreza. Na verdade, os grupos da sociedade civil
temem há muito tempo que o GATS seja encarado
pelos países desenvolvidos e suas empresas
como parte importante das pressões pela
privatização dos serviços básicos nos países em
desenvolvimento. Embora isso tenha sido sempre
negado veementemente pela União Européia e
outros países, é claro que as pressões sobre os
países em desenvolvimento nas negociações do
GATS – juntamente com a pressão bilateral sobre
os países em desenvolvimento em negociações
comerciais regionais e outras negociações
do comércio, condicionalidades vinculadas a
empréstimos do Banco Mundial e o uso de ajuda
bilateral de países como o Reino Unido para
promover a privatização5 – são todos fatores que
apontam numa determinada direção.
Nos países em desenvolvimento, o setor de
serviços é uma base fundamental para o
desenvolvimento e a erradicação da pobreza.
Na maior parte dos países em desenvolvimento,
os governos cumprem um papel-chave em
assegurar o acesso público a serviços sociais
essenciais, para atingir os objetivos das políticas
de desenvolvimento. Em geral, as pressões do
GATS e outras pressões por liberalização ameaçam
reestruturar radicalmente o papel dos governos
dos países em desenvolvimento em detrimento do
interesse público. Nas palavras de Robert Wade,
da Escola de Economia de Londres, o acordo do
GATS “torna quase impossível que os governos dos
países em desenvolvimento possam proteger suas
indústrias de serviços da competição das empresas
estrangeiras já consolidadas, do mesmo modo que
fizeram virtualmente todos os países que tiveram
sucesso no desenvolvimento”.6
O GATS exige tratamento nacional, o que significa
que os governos devem tratar as empresas
estrangeiras da mesma forma que as firmas
domésticas, e também “acesso ao mercado”, o
que impede que os governos limitem o número de
fornecedores de serviços ou pontos de vendas e
onde eles operam. Essas medidas representam
grandes limitações do espaço dos países em
desenvolvimento para promoverem políticas
adequadas às suas características nacionais.
No entanto, no acordo do GATS existe alguma
flexibilidade para os países em desenvolvimento,
pois os governos podem especificar limitações para
alguns dos compromissos que assumiram num
determinado setor e, portanto, podem proteger
INVASORES DO COMÉRCIO
47
determinadas leis ou regulamentações da influência
do GATS. Porém, na realidade, a pressão de fora
do acordo do GATS para liberalizar e privatizar
ameaça destruir as flexibilidades que os países em
desenvolvimento tecnicamente receberam do atual
acordo.
Uma liberalização dos serviços inapropriada ou
realizada de forma demasiado rápida pode causar
um leque de problemas sérios para os países
em desenvolvimento. Entre esses problemas
estão o deslocamento das empresas nacionais,
as perdas líquidas de empregos causados pela
expansão das empresas estrangeiras, saídas
líquidas de divisas devido à remessa de lucros das
empresas estrangeiras e instabilidade financeira
em conseqüência da abertura dos mercados
financeiros aos fluxos de capital.
A diminuição da capacidade de regulamentar as
empresas de forma adequada é a preocupação
central de muitos países em desenvolvimento.
Uma proposta conjunta recente de um grupo de
países em desenvolvimento, incluindo o Brasil,
Colômbia e Filipinas, reafirmou fortemente o direito
de os países regulamentarem e introduzirem novas
regulamentações, assim como de definirem o “tipo
de obrigação de serviço universal que desejam
manter”. A proposta defende diferentes tipos de
regulamentos e estipula tratamento especial para os
países em desenvolvimento.8
No entanto, toda uma infra-estrutura de ajuda
foi desenvolvida no Banco Mundial e por alguns
doadores importantes – como o governo do Reino
Unido – para estimular e promover o envolvimento
do setor privado no abastecimento de água, mesmo
naqueles países onde a distribuição de água
controlada pelo setor público estava funcionando
de forma eficiente. Em conseqüência, campanhas
públicas maciças estão atualmente em curso em
inúmeros países, alguns dos quais, como a Bolívia,
tiveram em geral sucesso em resistir à tentativa
de controle da água por interesses que buscam
o lucro, propondo alternativas de propriedade
comunitária e/ou publicamente controladas.10 Existe
o temor de que a experiência de privatização da
água pode no futuro vir a ser replicada em outros
serviços públicos no mundo em desenvolvimento e
que o GATS esteja caminhando nessa direção.
A liberalização dos serviços relacionados à
agricultura também poderia ter conseqüências
negativas sérias para a segurança alimentar e
para o emprego rural. A maior parte dos países
As experiências de liberalização e privatização dos
serviços públicos, nos termos dos programas de
ajuste estrutural do Banco Mundial e do FMI, têm
sido quase sempre desastrosas, sujeitando os
serviços básicos às leis da oferta e da procura e,
com efeito, privando setores inteiros da população
de serviços de saúde e educação adequados. No
entanto, essas experiências desastrosas não têm
impedido a promoção dessa causa por uma nova
geração de defensores da liberalização.
A privatização da água é uma questão importante
que afeta um grande número de pessoas em todo
mundo e tem sido submetida a intenso exame
dos grupos e movimentos da sociedade civil. A
maior parte das experiências recentes com as
privatizações teve conseqüências extremamente
sérias para as pessoas pobres, em países tão
diversos quanto as Filipinas, Argentina, Bolívia,
África do Sul e Indonésia, onde os desligamentos
das linhas de abastecimento de água e os preços
crescentes depois das privatizações sempre
aumentaram as privações e aprofundaram a
pobreza.
48
SERVIÇOS: A NOVA FRONTEIRA DA LIBERALIZAÇÃO
Os supostos benefícios do investimento
O GATS é em parte um acordo sobre a
liberalização de investimentos e abertura das
economias ao investimento estrangeiro direto.
A crença de que os países mais pobres devem
fazer todo o possível para atrair investimentos
estrangeiros está ainda amplamente difundida
e é um dos argumentos apresentados para
explicar por que os países em desenvolvimento
devem estar abertos ao fornecimento de serviços
estrangeiros.
No entanto, vai depender de uma série de fatores
o investimento estrangeiro realmente beneficiar
ou não os países em desenvolvimento. Segundo
a UNCTAD, “fluxos de capital sustentáveis e de
longo prazo, especialmente investimentos diretos
estrangeiros em novos ativos, são primariamente
atraídos por países que já atingiram crescimento
econômico rápido e melhorias estáveis da sua
infra-estrutura humana e física. Assim, para
aqueles países com uma dinâmica robusta de
investimentos, tanto em capital físico quanto
humano, o comércio e o investimento estrangeiro
direto podem reforçar um ciclo de crescimento
virtuoso já estabelecido. Onde isso não
ocorre, aquelas mesmas forças têm a mesma
probabilidade de levar à marginalização e/ou a
um desenvolvimento do tipo enclave”.7
em desenvolvimento tem oferta abundante de
mão-de-obra e serviços, tais como o plantio do
arroz, a colheita do trigo, a colheita, classificação
e empacotamento de frutas, são fornecidos por
essa reserva de mão-de-obra barata. Contudo, o
uso de máquinas pelos fornecedores de serviços
estrangeiros, buscando atingir eficiência, poderia
deslocar milhões dessa força de trabalho rural,
especialmente as mulheres. No Sudeste Asiático,
por exemplo, as mulheres fornecem até 90% da
mão-de-obra no cultivo do arroz11 e, portanto,
seriam as mais afetadas pela mecanização dessas
tarefas.
As negociações atuais
À luz das experiências passadas e presentes, não
é surpresa que muitos países em desenvolvimento,
especialmente da África, tenham participado muito
pouco do processo do GATS e tenham oferecido
poucos setores de serviços para a liberalização.
Esses países não somente reconhecem que essa
liberalização não seria favorável a seus interesses,
como também estão impedidos por numerosos
problemas de capacidade, como falta de sistemas
regulatórios em funcionamento, que seriam
necessários para abrir seus setores de serviços.
As atuais negociações sobre serviços estão
claramente prosseguindo com base na
agenda dos países desenvolvidos. Estes estão
aplicando pressões enormes sobre os países em
desenvolvimento para que “ofereçam” serviços
para a liberalização, especialmente através da
promoção de um novo processo (“padrão de
referência” ou benchmarking). Ao mesmo tempo, o
principal interesse dos países em desenvolvimento
nas negociações – o movimento de trabalhadores
através das fronteiras – está paralisado. Mesmo
sendo uma exigência legal das regras da OMC,
também têm sido ignoradas as repetidas
solicitações dos países em desenvolvimento
para uma revisão e avaliação abrangentes da
liberalização dos serviços, antes da continuação do
GATS.
Padrão de referência
Até o momento, a principal proteção para os países
em desenvolvimento no acordo do GATS tem sido
o fato de que os compromissos de liberalização
precisam ser assumidos voluntariamente, baseado
em “ofertas” e “solicitações”. Porém, os países
desenvolvidos, especialmente a União Européia
e os EUA, vêm se mostrando aflitos com o ritmo
lento (e a qualidade, em termos da profundidade
da liberalização) das “ofertas”. O Comissário de
Comércio da União Européia, Peter Mandelson,
observou recentemente que o processo é
“deprimentemente lento” e, num comentário dirigido
aos países africanos, afirmou: “Insisto com vocês,
em seu próprio interesse, façam suas ofertas.”14 De
forma ameaçadora, a União Européia recentemente
As experiências de privatização da água dos países em desenvolvimento9
•
Na Bolívia, depois de ganhar um contrato de concessão de 40 anos, a empresa Bechtel aumentou as
tarifas de água entre 100-200%, o que levou a distúrbios e protestos na cidade de Cochabamba.
•
Na Indonésia, as companhias de água Thames e Suez receberam um contrato de 25 anos, mas foram
incapazes de realizar os investimentos prometidos, enquanto as pessoas em Jacarta eram forçadas a fechar
seus poços privados.
•
Na Argentina, a Suez recebeu um contrato em 1993 com o compromisso de reduzir as tarifas de água
em 27 %, mas elas aumentaram 177% em 2002 e 7.200 trabalhadores perderam seus empregos.
•
Em Manilha, nas Filipinas, foi assinado um acordo de arrendamento por 25 anos com a Manila Water (de
co-propriedade da Bechtel) e a Maynilad (de co-propriedade da Suez) em 1997, com a promessa de trazerem
um investimento de US$ 7,5 bilhões, com cobertura de 100% até 2007 e um preço garantido de 4,97 pesos
filipinos por metro cúbico. Após um ano, a Maynilad solicitou um aumento de preços e a tarifa aumentou para
6,58 pesos filipinos por metro cúbico em 2001, e depois para 15,46 pesos em 2003; os custos mensais com
água subiram de 87 para 147 pesos. Quase 3.000 trabalhadores foram dispensados.
INVASORES DO COMÉRCIO
49
África do Sul: privatização traz aumentos na conta de água e escolhas difíceis
Na África do Sul, o abastecimento de água tornou-se parte de estratégia de “recuperação de custos” e de
privatização, com as políticas nacionais voltadas para fazer da água uma fonte de lucros para as corporações
transnacionais. Embora a Constituição sul-africana e a Lei dos Direitos protejam o direito à água como
um direito humano básico, a Lei dos Serviços de Água de 1997 foi a primeira peça legislativa aprovada no
governo do Congresso Nacional Africano que possibilitou a entrada dos interesses empresariais na área do
abastecimento de água.
Atualmente, a responsabilidade pelo abastecimento de água na África do Sul é compartilhada com grandes
empresas internacionais, que também estão ativas em outras partes do mundo. Entre elas estão a Vivendi
(operando como Veolia Environment), Biwater, SAUR (operando como Siza Water) e Suez, que controla o
abastecimento de mais de 5 milhões de pessoas no Cabo Oriental e Johannesburgo.
Embora o acesso a serviços básicos tenha aumentado para muitos sul-africanos a partir de 1994, como
isso aconteceu dentro de um marco neoliberal, significou que as pessoas tiveram que começar a pagar
por serviços numa época de hiperdesemprego e crescente pobreza. O governo sul-africano não divulga o
número de residências que tiveram o abastecimento de água cortado por falta de pagamento, porém, de
acordo com o Estudo de Viabilidade de Projetos para 2001 do Departamento de Governo Provincial e Local,
aproximadamente 500.000 pessoas tiveram sua água cortada por falta de pagamento nos últimos três meses
de 2001.
Em Phiri, no Soweto, foram instalados medidores para água pré-paga, aumentando as privações de
muitos residentes pobres. Jennifer Makoatsane, 34 anos, vive numa casa de quatro quartos com outros
oito membros da família – nenhum deles atualmente empregado. Ela disse: “Isso nos afetou tanto que não
usamos mais tanta água quanto antes. Aprendemos a utilizar menos água porque não podemos pagar
por ela. Por exemplo, usamos a mesma água para diferentes coisas. Quando lavamos pratos ou roupas,
guardamos aquela água para dar descarga na privada ou os adultos se banham na mesma água que as
crianças utilizaram. Decidir o que priorizar em termos de gastos também causou conflitos em nossa família.
É difícil pensar em comprar água. Agora, você pensa duas vezes se deve comprar pão ou economizar para
comprar água.”
Henry Nkuna tem 36 anos e reside no distrito de Kanyamazane, 20 km a noroeste de Nelspruit. Ele tem feito
campanha contra a privatização da água que começou em 1999, quando a Autoridade Local de Nelspruit
contratou a empresa Biwater, com sede no Reino Unido, para fornecer serviços de água durante os próximos
trinta anos. Henry disse que as coisas mudaram rapidamente com a Biwater. Enquanto, no passado, os
declarou: “Vários países em desenvolvimento
importantes ainda não submeteram nenhum oferta
e existe uma preocupação crescente sobre o que
fazer em relação aqueles membros que até o
momento recusaram o engajamento.”15
A abordagem do “padrão de referência”, atualmente
sendo promovida pela União Européia, exigiria
dos países um nível mínimo de compromissos
consolidados para setores e subsetores
importantes. Esta abordagem entra em conflito com
o GATS e as diretrizes para as atuais negociações,
que afirmam que o processo de “solicitação-oferta”
é o principal método das negociações.16 Embora os
50
países em desenvolvimento tenham repetidamente
rejeitado os padrões de referência, eles continuam
voltando para a mesa de negociações.
Em setembro de 2005, seis novos documentos
foram submetidos às negociações de Genebra
(pela União Européia, Japão, Austrália, Suíça,
Coréia do Sul e Taiwan), afirmando que o
processo de solicitação-oferta tem dado poucos
resultados e propondo novas maneiras de garantir
compromissos de liberalização. Algumas das
propostas exigiriam que os países consolidassem
seus níveis atuais de liberalização e assumissem
o compromisso de abrir um percentual mínimo
SERVIÇOS: A NOVA FRONTEIRA DA LIBERALIZAÇÃO
residentes pagavam pela água uma taxa fixa e de 6,66 rands e “não havia problemas”, depois que a Biwater
assumiu o controle do abastecimento de água, as residências começaram a receber contas acima de 300
rands.
Ele explica por que os residentes de Kanyamazane não estão satisfeitos com a Biwater: “Só depois
descobrimos que a Biwater é uma grande empresa de água multinacional com sede na Grã-Bretanha. Eles
entraram pela porta dos fundos, para nos enganar. Nem mesmo levaram em conta se a pessoa estava ou não
trabalhando. A Biwater começou a instalar novos medidores, mas não puseram novos encanamentos como
tinham prometido. Os mesmos encanamentos que foram instalados há muito tempo, durante os anos do
apartheid (na década de 1970), ainda estão sendo usados. Depois da instalação dos medidores, tivemos que
pagar valores maiores pela água e se não pagávamos, eles cortavam.”
Henry prosseguiu relatando como os membros da comunidade decidiram que não pagariam: “Agora,
dissemos para nós mesmos, deixemos que eles briguem com a gente, se puderem.” As pessoas se juntaram
para formar o Fórum Antiprivatização de Kanyamazane e, nas palavras de Henry, afirmaram: “Se eles [Biwater]
cortarem a água, as pessoas da comunidade devem avisar à nossa organização e faremos com que nossa
própria gente ligue outra vez. Quando eles desligarem, nós ligamos. Nós compramos canos e fazemos as
ligações diretamente das linhas principais para as casas das pessoas, sem medidores ou condições – damos
água diretamente para as pessoas. Isso não é roubo, mas pegar o que foi tomado de nós e devolver ao povo.”
O Dr. Bright Mabaso é um médico que tratou de muitas pessoas de Matsulu, um distrito a 15 km de Nelspruit,
que haviam bebido água de riachos contaminados naquela área em janeiro de 2004. Ele lembra: “Trabalho
com comunidades pobres e, como parte de meu trabalho, atendi muitas crianças que chegavam com casos
graves de diarréia, vômito e gastrenterite. Normalmente, encontramos um caso desses por dia, mas nessa
ocasião (que durou cerca de uma semana) havia entre 5 e 10 casos por dia, o que, por definição, já é um
surto. Tentamos analisar e descobrir a origem disso. Nesse caso, várias residências foram afetadas, o que
significava que havia uma fonte comum e deduzimos que tinha de ser a água contaminada. Isso afetava toda
a comunidade.”
O Dr. Mabaso sugere que, embora a infecção pudesse ter vindo através da água encanada, é mais provável
que fosse conseqüência de os residentes terem tido seu fornecimento normal de água cortado e estarem
usando água de rios e riachos contaminados. Ele afirma: “Esses [cortes] não são algo que tenha ocorrido
somente nessa época; estão acontecendo todo o tempo, regularmente. Existe a possibilidade real que
quando não haja abastecimento, as pessoas procurem a água dos riachos.”
Programa de Parceria da África Meridional, ActionAid, OMC, serviços e experiências de privatização da água
na África do Sul, 2005.
de subsetores aos fornecedores estrangeiro
de serviços, a partir de uma lista de setores a
ser negociada. Esses documentos enfrentaram
oposição ampla dos países em desenvolvimento.
Por exemplo, um grupo de Estados caribenhos
respondeu, afirmando que “as novas abordagens
propostas tornariam impossível para nossos
fornecedores de serviços domésticos manterem
seus mercados nacionais” e que “níveis tão
profundos de liberalização em mais subsetores
do que nós racionalmente assumiríamos
comprometeria nossas próprias metas e objetivos
de desenvolvimento”.17
O Vice-Representante de Comércio dos EUA,
Peter Allgeier, também sugeriu recentemente
que a abordagem de solicitação-oferta não tinha
levado a resultados significativos e, segundo
informações, afirmou que um enfoque mais proativo
seria necessário para assegurar a abertura de
mercado em “áreas críticas essenciais”. Este novo
enfoque parece ter sido influenciado diretamente
pelos interesses empresariais dos EUA. Ao mesmo
tempo, a Coalizão de Indústrias de Serviços dos
EUA tem feito lobby para que os membros da OMC
concordem com aberturas de mercado iniciais
em todos os setores de serviços porque afirma
que “muito poucas ofertas foram apresentadas
INVASORES DO COMÉRCIO
51
Ganhos maciços ou especulação enganosa?
Os países desenvolvidos, juntamente com o Secretariado da OMC, há muito tempo promovem a idéia de
que os países em desenvolvimento teriam ganhos maciços com a liberalização multilateral dos serviços. Um
impacto positivo seria o aumento provável de investimento estrangeiro depois da liberalização. No entanto um
estudo da Unctad observa: “Não existe nenhuma evidência empírica ligando qualquer aumento significativo
de fluxos de investimentos estrangeiros diretos para os países em desenvolvimento com a conclusão do
acordo do GATS.”12
Atualmente, parece que nenhum discurso sobre comércio, feito por autoridade dos EUA, Reino Unido ou
União Européia, está completo sem uma referência ao estudo da Universidade de Michigan, assegurando
que a liberalização multilateral dos serviços irá aumentar as rendas em centenas de bilhões de dólares.
No entanto, o estudo também sugere que 81% dos ganhos irão para os países desenvolvidos. Além do
mais, essa estimativa deve ser tratada com reservas. As previsões de ganhos com acordos comerciais são
conhecidas por variações extremas e, com freqüência, erram totalmente de alvo. Na verdade, as cifras do
estudo de Michigan foram amplamente criticadas por outros analistas, argumentando que essas simulações
nunca podem ser suficientemente precisas para serem usadas diretamente na condução das negociações do
GATS.13
e elas contêm um grau muito insuficiente de
liberalização”.18
Os países em desenvolvimento também estão sob
pressão de outros setores para submeterem suas
“ofertas” iniciais. Ao negociar “acordos de parceria
econômica” com grupos regionais de países em
desenvolvimento, a União Européia tem utilizado
uma estratégia mais agressiva do que na OMC. A
UE está tentando forçar o ritmo das negociações,
conseguindo que os países do grupo ACP, por
exemplo, concordem que 2006 seja a data
“mais tardia” para início das negociações sobre
a liberalização dos serviços. Isso representa um
cronograma muito mais rápido do que o da OMC.
A União Européia está, portanto, tentando forçar
regionalmente o que não foi capaz de conseguir
de forma multilateral. A Comissão tem assegurado
que os Estados do grupo ACP não possam
impor nenhuma outra “medida discriminatória”
contra empresas de serviços da UE, agora que as
negociações sobre esses acordos foram iniciadas.19
As táticas de negociação dos países ricos que
foram esboçadas acima, juntamente com a
sugestão de que há um “clima de crise” em torno
dessas negociações, estão efetivamente negando
o direito que os Estados-membros possuem
de decidir que setores vão abrir e quando. Esta
estratégia está minando a flexibilidade que os
países pobres atualmente têm de estabelecer
52
compromissos consolidados somente quando
estão preparados para isso e contradiz a clara
obrigação legal, segundo as regras da OMC, de
conceder “flexibilidade adequada para cada um dos
países-membros em desenvolvimento” e de aceitar
compromissos que estejam “sintonizados com a
situação de desenvolvimento [dos países pobres]”.
Modo 4
A área de negociações que poderia produzir mais
benefícios para os países em desenvolvimento
está no “Modo 4”, que define o “movimento de
pessoas físicas” através das fronteiras. Um estudo
realizado para o Secretariado da Comunidade
Britânica calcula que se os países da OCDE
permitissem uma cota de 3% de trabalhadores
de países em desenvolvimento na sua força de
trabalho, os benefícios seriam 150% maiores do
que os de todas as áreas de liberalização.20 No
entanto, houve pouca ou nenhuma discussão
séria dessa questão na última reunião de Genebra.
Com uma abundância de mão-de-obra, os países
em desenvolvimento também solicitaram que
fosse discutida a mão-de-obra semiqualificada
nos termos do Modo 4, embora atualmente isso
também não esteja sendo considerado.
Um estudo publicado em abril de 2004 por dezoito
países em desenvolvimento mostra que até então
não tinha havido “nenhuma melhoria real” nos
SERVIÇOS: A NOVA FRONTEIRA DA LIBERALIZAÇÃO
Paquistão: as comunidades de pescadores enfrentam dura competição das
traineiras estrangeiras
Um estudo recente sobre a liberalização dos serviços de pesca mostra os efeitos negativos sobre
os pescadores do país. Depois da comercialização do setor de pesca, as comunidades locais foram
progressivamente ultrapassadas na produção, preços, comercialização e processamento.
Cerca de 300.000 pescadores locais envolvidos na pesca familiar com pequenos barcos não puderam
mais competir com as traineiras comerciais e estão sendo deslocados de suas atividades. As empresas
exportadoras de pescado estabeleceram um monopólio no mercado e os pescadores locais também estão
perdendo terreno em termos de preços para os agentes de mercado corporativos. A sustentabilidade do
estoque de peixes também está sendo ameaçada pela sobrepesca.
Muhammad Yousif, um pescador de 29 anos, explica os efeitos: “As traineiras substituíram os pescadores
locais. As empresa nos paga pouco. Estamos ficando mais pobres, enquanto as empresas ganham mais.”
Baghi, de 25 anos, concorda com isso: ”Os estrangeiros que entraram no setor pesqueiro expulsaram os
locais... não sobra nenhum dinheiro para gastar com problemas de saúde e doenças.”
Fórum de Pescadores do Paquistão – ActionAid Paquistão, Globalização e Subsistência com a Pesca no
Paquistão, 2005.
compromissos de Modo 4 assumidos pelos países
desenvolvidos. Este estudo exigia a eliminação
das condições de emprego prévio, restrições de
cotas de visas e restrições sobre sua duração,
entre outras áreas.21 Informações recentes sugerem
que os EUA não estão dispostos a expandir sua
oferta inicial sobre o Modo 4, que contempla o
movimento temporário de profissionais que prestam
serviços22 através de fronteiras. Uma análise dos
compromissos de Modo 4 nos serviços de saúde,
por exemplo, evidencia que a União Européia
geralmente não tem respondido a solicitações dos
países em desenvolvimento para que permita a
entrada de trabalhadores de baixa qualificação,
assim como persistem as barreiras, como
requisitos estritos de qualificação, permissões de
trabalho e todo o processo de entrada. A análise
conclui afirmando que as exigências dos países
desenvolvidos de compromissos mais profundos
com a liberalização devem ser tratadas com
cautela, pois esses mesmos países desenvolvidos
têm sido muito cuidadosos em atender a
solicitações dos países em desenvolvimento.27
As recomendações da ActionAid
A ActionAid acredita que a atual abordagem dos
países desenvolvidos nas negociações sobre
serviços representa uma estratégia agressiva,
fundamentalmente prejudicial aos interesses dos
países em desenvolvimento. Se o acordo final
sobre serviços for similar ao que está atualmente
na mesa negociações, a ActionAid acredita que os
países pobres devem assumir uma atitude histórica
e rejeitá-lo. A ActionAid exige que as seguintes
questões fundamentais sejam enfrentadas num
acordo para o desenvolvimento:
• É preciso haver uma revisão e avaliação
independente e abrangente do impacto da
liberalização dos serviços nos países em
desenvolvimento, antes que as negociações
no GATS avancem ainda mais.
• Os países em desenvolvimento não devem
assumir nenhum novo compromisso de
liberalização dos serviços até que sejam
realizadas avaliações setoriais abrangentes,
que pesem cuidadosamente os benefícios e
as desvantagens da liberalização.
• Os países desenvolvidos devem retirar
imediatamente suas propostas de padrão
de referência porque elas contradizem a
arquitetura básica do GATS, prejudicam a
flexibilidade e contradizem as diretrizes de
negociação do GATS.
INVASORES DO COMÉRCIO
53
Uma nova fronteira: a liberalização dos gastos governamentais
A União Européia está também pressionando, nos termos do GATS, por compromissos de liberalização na
área da aquisição governamental de serviços. O documento da UE submetido à OMC em junho de 2005
defende “regras de procedimento para aquisições governamentais e a possibilidade de incluir listas de
compromissos (schedules) específicos no GATS para abrir à competição internacional a aquisição de serviços
por parte dos governos”. A Comissão tem como objetivo os serviços de construção, onde afirma que os
gastos governamentais representam a metade da demanda total por serviços de construção.24 A maior parte
dos países em desenvolvimento rejeita a abordagem da UE, argumentando que o acordo do GATS exclui as
aquisições governamentais de serviços da regra de tratamento nacional.
No entanto, está claro que a Comissão considera as atuais discussões da OMC sobre transparência nas
aquisições governamentais – tema que os países em desenvolvimento não permitiram que fosse incluído no
programa de trabalho formal de Doha – como um passo na direção da plena liberalização, não somente no
setor de serviços, como em todos os gastos governamentais.
A Comissão afirmou que o importante é o “desenvolvimento de disciplinas multilaterais para garantir que
os procedimentos de aquisição pública sejam transparentes e que haja oportunidades de licitação para
contratos estrangeiros”.25
O mercado global de aquisições governamentais é enorme e, portanto, um objetivo lucrativo para as
empresas européias. Como disse o Comissário Mandelson: “As licitações públicas são outro exemplo onde
as preferências nacionais impedem o acesso ao mercado. Representando até 15% do PIB, essas licitações
provavelmente constituem o maior setor do comércio ainda protegido da competição estrangeira.”26
• São necessários dispositivos mais profundos
do GATS para permitir a flexibilidade de os
países em desenvolvimento regulamentarem
as empresas fornecedoras de serviços, para
promover os objetivos do desenvolvimento
nacional.
• Os setores de serviços públicos, tais como
educação, saúde, água, extensão rural e
serviços relacionados ao meio ambiente,
devem ser explicitamente excluídos dos
compromissos de liberalização.
• Os países em desenvolvimento têm
expressado preocupação não somente
com a falta de clareza, como também com
a ambigüidade das listas de compromissos
submetidas pelos países desenvolvidos.
54
SERVIÇOS: A NOVA FRONTEIRA DA LIBERALIZAÇÃO
Portanto, é essencial que essas listas de
compromissos sejam revistas por um comitê
imparcial de especialistas internacionais.
• As negociações sobre as regras do GATS
e medidas de salvaguarda emergenciais
devem ser concluídas antes que os
países em desenvolvimento assumam
qualquer compromisso de acesso ao
mercado. Isso será coerente com as
diretrizes de negociação e protegerá
os setores de serviços nascentes nos
países em desenvolvimento. Os países
em desenvolvimento não devem oferecer
nenhum setor para abertura nos termos
do GATS, antes que essas regras sejam
finalizadas.
Notas
1
Unctad, Review of developments and issues in the post-Doha work programme of particular concern to developing countries, 26 agosto de 2005,
TD/B/52/8, www.unctad.org
2
Comissão Européia, Summary of the EC’s Revised Requests to Third Countries in the Services Negotiations Under the DDA, Brussels, 24 de
janeiro de 2005, http://europa.eu.int/comm/trade/issues/sectoral/services/wto_nego/index_en.htm
3
Movimento pelo Desenvolvimento Mundial (World Development Movement), GATS: The Forgotten Battle over WTO Investment Rules, fevereiro de
2004, p. 1, www.wdm.org.uk
4
Robert Portman, discurso para a Coalizão de Indústrias de Serviços, 20 de setembro de 2005, www.ustr.gov
5
Ver, por exemplo, WDM, Dirty Aid, Dirty Water: The UK Government’s Push to Privatize Water and Sanitation in Poor Countries, 2005, www.wdm.
org.uk
6
Robert Wade, What strategies are viable for developing countries today?: The World Trade Organisation and the shrinking of “development
space”, Programa de Estados em Crise: Documento de trabalho N. 31, LSE, junho de 2003, p. 8, www.lse.ac.uk
7
Unctad, Growth and Development in the 1990s: Lessons from an Enigmatic Decade, TD/B/52/7, 14 de setembro de 2005, www.unctad.org
8
‘Services: Members discuss Mode 4, domestic regulation’, BRIDGES Weekly Trade News Digest, 23 de fevereiro de 2005, www.ictsd.org
9
Ver, por exemplo, Public Citizen, ‘Water Privatization Fiascos: Broken Promises and Social Turmoil’, Campanha de Água para Todos, Oakland,
Califórnia, março de 2003; D. Santoro, ‘The ‘Aguas’ Tango: Cashing in on Buenos Aires’ Privatization’, Fórum de Políticas Globais (Global Policy
Fórum), 2003, http://www.globalpolicy.org/socecon/tncs/2003/0206argentinewater.htm; Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos,
‘Indonesia: Water and Politics in the Fall of Suharto’, 2003, http://www.waterconserve.info/articles/reader.asp?linkid=20134; R Landingin,
‘Loaves, Fishes and Dirty Dishes: Manila’s Privatized Water Can’t Handle the Pressure’, Centro de Integridade Pública (The Centre for Public
Integrity), 2003, http://www.icij.org/water/report.aspx?sID=ch&rID=51&aID=51
10 Ver, por exemplo, Observatório da Europa Corporativa, Reclaiming Public Water: Achievement, Struggles and Visions from Around the World,
CEO, Amsterdã, 2005, www.corporateeurope.org e www.waterjustice.org
11 FAO, http://www.fao.org/gender/en/agrib4-e.htm
12 Unctad, A Positive Agenda for Developing Countries: Issues for Future Trade Negotiations, 2000, p. 172, www.unctad.org
13 Edward Sussex, ‘Assessing the global economic impact of the liberalisation of trade in services: research and propaganda’, setembro de 2005,
www.ourworldisnotforsale.org
14 Peter Mandelson, discurso, 8 de junho de 2005, www.europa.eu.int/comm/commission_barroso/mandelson/speeches_articles
15 Comissão Européia, DG Trade, ‘EU trade policy: main issues for the 133 Committee in the second half of 2005’, Bruxelas, 1 de julho de 2005.
16 Sabrina Varma, ‘GATS: Tweaking “benchmarks” misses development’, South Bulletin, 30 de junho de 2005, p. 312, www.southcentre.org
17 Martin Khor, ‘Developing countries object to “benchmarking” proposals’, Serviço de Informação da Rede do Terceiro Mundo, 27 de setembro de
2005, www.twnside.org.sg
18 ‘New US approach to inject momentum into services talks?’, BRIDGES Weekly Trade News Digest, 18 maio de 2005, www.ictsd.org
19 ‘EU Directives for the negotiations of Economic Partnership Agreements with ACP countries and regions’, 17 de junho de 2002.
20 Citado em Goh Chien Yen, ‘Developing countries cautioned against services liberalization commitments in GATS/WTO’, fevereiro de 2003, http://
www.ifg.org/analysis/wto/cancun/gatt/devcaut.htm
21 Citado em IISD, Trade in Services, Série de Briefings sobre a Rodada de Doha, dezembro de 2004, p. 3, www.iisd.org
22 ‘Services cluster inconclusive, negotiations in trouble’, BRIDGES Weekly Trade News Digest, 2 de março de 2005, www.ictsd.org
23 Centro do Sul (South Centre), ‘Analysis of actual liberalization versus GATS commitments of Quad members: Mode 4 and health services’, junho
de 2004, www.southcentre.org
24 Grupo de Trabalho da OMC sobre as Regras do GATS, Communication from the European Communities: Government Procurement in Services,
15 de junho de 2005, http://www.wto.org/english/tratop_e/gproc_e/gpserv_e.htm
25 Comissão Européia, Summary of the EC’s Revised Requests to Third Countries in the Services Negotiations Under the DDA, Bruxelas, 24 de
janeiro de 2005, http://europa.eu.int/comm/trade/issues/sectoral/services/wto_nego/index_en.htm
26 Comissão Européia, Doha Development Agenda: Making Trade Work for All, junho de 2005, www.europa.eu.int/comm/trade/icentre/infopack_
en.htm
27 Peter Mandelson, discurso, 15 fevereiro de 2005, www.europa.eu.int/comm/commission_barroso/mandelson/speeches_articles
INVASORES DO COMÉRCIO
55
Campanha pela Justiça no Comércio
Este relatório mostra que os países em desenvolvimento
enfrentam grandes perigos nas atuais negociações da OMC.
Se os países desenvolvidos atingirem seu objetivo de conseguir
compromissos mais profundos de liberalização de parte dos
países em desenvolvimento na agricultura, produtos industriais
e serviços, terá início outra etapa prejudicial de liberalização
econômica global, o que certamente vai levar ao aumento da
pobreza e da desigualdade para muitas das pessoas mais
vulneráveis do mundo.
Para que a Rodada de Doha tenha resultados verdadeiramente
favoráveis ao desenvolvimento, os países desenvolvidos devem
parar de forçar a liberalização das nações mais pobres e
permitirem que os países em desenvolvimento tenham o direito
de escolher suas próprias políticas, no seu próprio ritmo. Isso
significa, no contexto global atual, o direito à proteção.
ActionAid Internacional
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pessoas que estão lutando por um mundo melhor
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