Entrevista - Sindifisco Nacional

Transcrição

Entrevista - Sindifisco Nacional
ributação
T
em revista
Ano 19
N° 64
jan–jun 13
Distribuição Dirigida
Uma publicação do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil – Sindifisco Nacional
ISSN 1809-3426
Entrevista
Pedro Delarue
A Campanha
Imposto Justo
Páginas 6 a 9
Projeto
Comunicar
& Integrar
A responsabilidade social é um
dever de todos.
No
Conheça o Tributo Legal e destine
seu imposto de renda a projetos que
Sindifisco, esses
verbos
não
ficam só
colaborem
para uma
sociedade
mais igualitária, livre e justa.
Acesse o site
www.sindifisconacional.org.br/tributolegal
e saiba mais.
na teoria
sumário
5
EDITORIAL
6
Entrevista
10
18
29
33
40
45
56
Pedro Delarue Tolentino Filho
ARTIGO
Imposto Justo: uma Bandeira para a Sociedade
Luiz Antonio Benedito
ARTIGO
IPVA – Ampliar a Base de Incidência para Maior Justiça Tributária
Fábio Galizia Ribeiro de Campos
ARTIGO
A Reforma Tributária e os Deuses
Foch Simão Júnior
ARTIGO
É Possível Construir a Cidadania Por Meio do Programa de Educação Fiscal?
Dirce Maria Martinello e Edes Marcondes do Nascimento
ARTIGO
A Inconstitucionalidade da Pena de Cassação de Aposentadoria
Talita Ferreira Bastos e Laerço Salustiano Bezerra
ARTIGO
Tributação Previdenciária e a Evolução da Proteção Securitária Estatal:
Dignidade da Pessoa Humana
Alexsandro Cardozo da Cruz
QUESTÕES POLÊMICAS EM DIREITO TRIBUTÁRIO
A Não Incidência de IPVA Sobre Embarcações e Aeronaves
Tributação em Revista é uma publicação do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita
Federal do Brasil – Sindifisco Nacional.
Diretoria executiva nacional (den)
Presidente
Pedro Delarue Tolentino Filho
2ª Diretora-Adjunta de Defesa Profissional
Regina Ferreira de Queiroz
Diretor-Adjunto de Relações Intersindicais
Hélio Roberto dos Santos
1º Vice-Presidente
Lupércio Machado Montenegro
Diretor de Estudos Técnicos
Luiz Antonio Benedito
Diretor de Relações Internacionais
Fábio Galizia Ribeiro de Campos
2º Vice-Presidente
Sérgio Aurélio Velozo Diniz
Diretora-Adjunta de Estudos Técnicos
Elizabeth de Jesus Maria
Secretário-Geral
Ayrton Eduardo de Castro Bastos
Diretor de Comunicação Social
Mauricio Gomes Zamboni
Diretor de Defesa da Justiça Fiscal e da
Seguridade Social
Vilson Antonio Romero
Diretor-Secretário
Kurt Theodor Krause
1ª Diretora-Adjunta de Comunicação
Maria Cândida Capozzoli de Carvalho
Diretor de Finanças
Mário Pereira de Pinho Filho
2ª Diretora-Adjunta de Comunicação
Letícia Cappellano Quadros dos Santos
Diretor-Adjunto de Finanças
Agnaldo Neri
Diretora de Assuntos de Aposentadoria e
Pensões
Aparecida Bernadete Donadon Faria
Diretora de Administração
Ivone Marques Monte
Diretor-Adjunto de Defesa da Justiça Fiscal e
da Seguridade Social
Luiz Antonio Fuchs da Silva
Diretor-Adjunto de Administração
Gelson Myskovsky Santos
Diretor-Adjunto de Assuntos de Aposentadoria e Pensões
Eduardo Arthur Neves Moreira
Diretor de Assuntos Jurídicos
Wagner Teixeira Vaz
Diretor do Plano de Saúde
Jesus Luiz Brandão
1º Diretor-Adjunto de Assuntos Jurídicos
Sebastião Braz da Cunha dos Reis
Diretora-Adjunta do Plano de Saúde
Maria Antonieta Figueiredo Rodrigues
2º Diretor-Adjunto de Assuntos Jurídicos
Luiz Henrique Behrens Franca
Diretor de Assuntos Parlamentares
João da Silva dos Santos
Diretor de Defesa Profissional
Dagoberto da Silva Lemos
Diretor-Adjunto de Assuntos Parlamentares
Raul Chamadoiro Cabadas Filho
1º Diretor-Adjunto de Defesa Profissional
Caetano Évora da Silveira Neto
Diretor de Relações Intersindicais
Rafael Pillar Junior
Diretor de Políticas Sociais e Assuntos
Especiais
João Eudes da Silva
Diretor Suplente
Carlos César Coutinho Cathalat
Diretor Suplente
José Benedito de Meira
Diretor Suplente
Manoel Rubim da Silva
Conselho Fiscal
Membros Efetivos
João Cunha da Silva
Tânia Regina Coutinho Lourenço
Guido Negri
Membros Suplentes
Jayme de Castro Montenegro Filho
José Américo Espíndola Pimenta
José Aparecido Conceição
Tributação
em revista
Conselho Editorial
Lupércio Machado Montenegro; Luiz Antonio
Benedito; Elizabeth de Jesus Maria; Fábio Galízia
Ribeiro de Campos; Tarcízio Dinoá Medeiros;
Mauricio Gomes Zamboni, Vilson Antônio
Romero e Luiz Bontempo.
Coordenação Executiva
Álvaro Luchiezi Jr.
Edição
Álvaro Luchiezi Jr.
Projeto Gráfico
Erika Yoda
Fotolito e Impressão
Inove Gráfica e Editora
Capa
Núcleo Cinco
Diagramação
Washington Ribeiro
(wrbk.com.br) 4613-DF
Produção Editorial
Publicação Dirigida. Acesso livre no seguinte endereço
eletrônico http://www.sindifisconacional.org.br, link
publicações. Para receber um exemplar da publicação,
entre em contato pelo email:
[email protected]
Redação e correspondência
SDS, Conjunto Baracat – 1º andar, salas 1 a 11 BrasíliaDF - CEP 70392-900 Fonefax: 61 3218-5255
Tiragem desta edição
2.800 mil exemplares
Colaboração:
Os artigos devem ser enviados para Tributação em Revista – Sindifisco Nacional, Departamento de Estudos Técnicos, SDS, Conjunto Baracat, salas
1 a 11, Brasília-DF, CEP 70.392-900 ou para o e-mail [email protected]. Os textos serão submetidos ao Conselho Editorial
quanto à conveniência de publicá-los, poderão sofrer revisão e, se necessário, serão devolvidos ao autor com sugestões de mudanças ou solicitação
de informações. Nenhuma modificação de estrutura ou conteúdo será feita sem consentimento do autor. As matérias publicadas por Tributação em
Revista só poderão ser reproduzidas mediante autorização do Sindifisco Nacional. Os originais devem ser apresentados em disquetes, CD-ROM ou
enviados por email, em arquivos do Word e Excel (tabelas), corpo 12, até 15 páginas e deverão conter: Página inicial abordando os principais tópicos
do artigo; Notas e referências bibliográficas; Currículo do autor (máximo 5 linhas).
e DITORIAL
Com vistas a construir um Estado onde prevaleça
maior justiça fiscal, e no qual os brasileiros possam contribuir efetivamente na medida da sua capacidade econômica, o Sindifisco Nacional lança a campanha Imposto
Justo, que está ganhando apoio popular, já tendo recebido
a simpatia pública de organizações da sociedade civil e de
dezenas de parlamentares federais.
A iniciativa compreende diversas medidas legais com
fulcro na minimização de inúmeras incongruências da
atual tributação, que principalmente penalizam o trabalhador de menor renda e o assalariado, em particular.
A primeira medida visa corrigir, por meio de um projeto de lei de iniciativa popular, as irregularidades observadas atualmente na tabela do Imposto de Renda, cuja
defasagem apurada desde 1996 supera os 60%. Outras
medidas, melhor detalhadas ao longo desta edição, complementam os ajustes relativos ao Imposto de Renda.
Para compensar as eventuais perdas na arrecadação tributária federal, o Sindifisco Nacional sugere a instituição
da tributação sobre lucros e dividendos distribuídos pelas
grandes empresas a partir do patamar anual de R$ 60 mil
reais per capita.
Também faz parte da campanha a incidência do IPVA
sobre embarcações e aeronaves.
Esta edição de Tributação em Revista destaca a campanha Imposto Justo, detalhadamente explicada na
entrevista do Presidente do Sindifisco Nacional, Pedro
Delarue, e nos dois primeiros artigos. O artigo assinado
pelo Diretor de Estudo Técnicos Luiz Antônio Benedito,
expõe e justifica o Projeto de Lei que promove as alterações na legislação do Imposto de Renda, tornando-o
mais equânime e promotor da justiça fiscal. O segundo
artigo, assinado pelo Diretor de Relações Internacionais,
Fábio Galizia, fundamenta a proposta de incidência do
IPVA sobre embarcações e aeronaves. O leitor encontrará
também as integras do Projeto de Lei sobre o Imposto de
Renda e da PEC que institui o IPVA sobre embarcações
e aeronaves.
Complementando a edição, com artigos não relacionados ao tema do Tributo Justo, encontramos, inicialmente
encontramos um artigo do Auditor-Fiscal Simão Jr. abordando o tema da reforma tributária numa perspectiva histórica que remonta ao antigo Egito. Os Auditores-Fiscais
Dirce Martinello e Edes Nacimento nos apresentam um
histórico do Programa Nacional de Educação Fiscal, analisando-o como um instrumento de construção da consciência voltado para a cidadania. Dois artigos tratam da
questão previdenciária. Os advogados do Sindifisco Nacional, Talita Bastos e Laerço Bezerra discutem a inconstitucionalidade da pena de cassação de aposentadoria do
servidor público e o Auditor-Fiscal Alexandro Cruz aborda a tributação previdenciária sob o prisma da proteção do
Estado ao indivíduo.
Pode ser uma quimera desejar justiça fiscal num país
ainda tão desigual, mas o anseio de um sistema tributário
mais justo e igualitário faz parte da história da humanidade. Já inspirou a ficção na transformação do nobre inglês
Robin de Locksley – ele mais tarde se torna Robin Hood
– que, ao regressar das Cruzadas, onde lutava ao lado do
Rei da Inglaterra, descobre que a sua terra natal mudou, e
para pior. O xerife assumiu o comando e homens terríveis
aterrorizam a população. Torna-se, então, um fora-da-lei
que passa a tirar dos ricos para dar aos pobres. Este, metaforicamente, também é o espírito da transformação proposta pelo Sindifisco Nacional. É a justiça social por meio
de um imposto mais justo.
TRIBUTAÇÃO em revista
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e ntrevista
Pedro Delarue Tolentino Filho
“O Brasil, na realidade, não precisa de uma reforma
tributária. Ele precisa de uma revolução tributária e este
será o primeiro passo.”
O
Presidente do SINDIFISCO NACIONAL, Pedro Delarue Tolentino Filho, está
à frente da Campanha Imposto Justo. Nesta entrevista ele esclarece o leitor
como surgiu a campanha, seus principais pontos e desafios.
TR: Como surgiu a Campanha Imposto Justo?
PD: Ela não surgiu ao acaso. Ao contrário, é o resultado de
um processo de reflexão e estudos sobre a questão tributária no Brasil à qual o Sindifisco tem se dedicado ao longo
dos anos. O reajuste da tabela do imposto de renda é uma
luta histórica e que agora ganha traços mais concretos. Mais
especificamente, nos últimos quatro anos nos dedicamos
a estudar e a mostrar com fatos, dados e informações as
injustiças do nosso sistema tributário. Publicamos estudos
que foram divulgados e discutidos com a classe e com outras instituições, tais como o DIEESE e o IPEA, instituições
com os quais firmamos parcerias, produzimos seminários
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TRIBUTAÇÃO em revista
e oficinas tendo como resultado um livro e duas cartilhas.
As publicações “Sistema Tributário: diagnóstico e elementos para mudanças”; “Tributação no Brasil: em busca da
justiça fiscal”; “Progressividade da Tributação e Desoneração da Folha de Pagamentos: elementos para reflexão”; “A
Progressividade na Tributação Brasileira: por maior justiça
tributária e fiscal”; “10 ideias para uma Tributação mais Justa” reúnem e sintetizam em suas páginas esse esforço. Mas
para coloca-lo em prática foi necessária toda uma preparação que justificasse e embasasse nossas propostas, a fim de
transmitir a confiança necessária ao cidadão que aderir à
campanha, assinando o Projeto de Lei de Iniciativa Popu-
lar que prevê a correção da tabela do imposto de renda e
a tributação de lucros e dividendos distribuídos. Nos últimos meses dedicamo-nos a este trabalho. Coletamos dados,
debatemos e aprimoramos as ideias. Assim, posso afirmar
e assegurar que as propostas da campanha são totalmente viáveis e que todo cidadão brasileiro que a apoiar estará
contribuindo para que nosso sistema tributário se torne um
pouco mais justo e igualitário do que é hoje.
TR: Sintetize a campanha, em grandes linhas.
PD: A defasagem na correção da tabela do imposto de renda; a isenção do imposto de renda sobre a distribuição de
lucros e dividendos e a não incidência do IPVA sobre embarcações e aeronaves são três de tantas outras injustiças
presentes no nosso sistema tributário e que foram repetidamente apontadas e amplamente discutidas nos estudos
que acabei de mencionar. Dentre outras injustiças que não
fazem parte da campanha e que precisam ser combatidas
estão a não implementação do imposto sobre grandes fortunas, os juros sobre o capital próprio, a baixa tributação do
Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), só pra
mencionar três deles. Decidimos nos concentrar no imposto de renda e no IPVA, mas ainda restará muito por fazer.
Pretendemos, então, corrigir a tabela do imposto de renda
e reintroduzir a tributação sobre lucros e dividendos distribuídos. Mas não é só isso. O projeto de lei também prevê
o reajuste da Tabela, a partir de 2015, por um índice que
acompanha a evolução da renda anual do trabalhador: o
rendimento médio mensal das pessoas com 10 anos de idade ou mais (PNAD/IBGE); a dedução, no imposto devido,
do gasto: com educação, em R$ 12.022,13 – para o ano-base de 2012, este teto foi de R$ 3.091,37 – e com aluguéis
e com financiamentos do Sistema Financeiro da Habitação;
e a correção do valor do custo de aquisição de imóveis constantes da relação de bens e direitos da Declaração de Ajuste
Anual pelo IPCA.
TR: Com relação à tabela do imposto de renda, como
é a forma de correção, hoje, o que a campanha pretende mudar?
Dentre outras injustiças que não
fazem parte da campanha e que
precisam ser combatidas estão a
não implementação do imposto
sobre grandes fortunas, os juros
sobre o capital próprio, a baixa
tributação do Imposto sobre a
Propriedade Territorial Rural (ITR)
PD: Hoje a tabela do imposto de renda está defasada em
cerca de 60% considerando o período de 1996 até o início
deste ano. Ao longo do tempo ocorreram algumas correções pontuais, mas hoje persiste esta enorme defasagem.
Apenas para se ter uma ideia dessa defasagem, em 1996
o contribuinte que recebia até nove salários mínimos estava isento do imposto de renda. Hoje, quem recebe dois
salários mínimos e meio já contribui. Isso é ruim porque
muitos outros indicadores da economia brasileira tiveram
uma evolução bem maior do que a correção da tabela do
imposto de renda. O Estado se apropriou de parte da renda do contribuinte, reduzindo sua renda disponível. Se a
tabela do imposto de renda não tivesse acumulado essa defasagem haveria mais renda disponível para o consumo e
para a poupança, com efeitos positivos sobre o emprego e
os investimentos. Desfazer esta defasagem tem um custo.
Para compensar esta perda de arrecadação a Campanha Imposto Justo reintroduz na legislação brasileira a tributação
dos lucros e dividendos distribuídos aos sócios e acionistas
de empresas. A legislação brasileira isenta, desde 1996, os
lucros e dividendos distribuídos do pagamento de imposto
de renda. Hoje, por exemplo, uma pessoa que é dono de
uma empresa e ganha 500 mil reais por mês não paga um
centavo de imposto de renda, enquanto que um trabalhador que ganha pouco mais de 1.700 reais por mês já começa a pagar. Então, esta é uma situação bastante injusta que o
projeto pretende corrigir. Pela nossa proposta, a incidência
da tributação sobre lucros e dividendos é progressiva, com
TRIBUTAÇÃO em revista
7
Hoje, por exemplo, uma pessoa que
é dono de uma empresa e ganha
500 mil reais por mês não paga
um centavo de imposto de renda,
enquanto que um trabalhador que
ganha pouco mais de 1.700 reais
por mês já começa a pagar.
alíquotas de 5%,10% e 15% e abrange apenas os lucros e
dividendos distribuídos acima de 60 mil reais por ano. Na
prática, conforme os dados que levantamos em nossos estudos preliminares, esta tributação abrangeria cerca de 35%
das declarações. Os outros 65% são de pequenos empresários que estariam isentos. E a tributação máxima, com
alíquota de 15%, alcançaria apenas os 10% mais ricos, mas
corresponderia a 95% da arrecadação prevista. Eu acho que
esta campanha será muito educativa e vai fazer as pessoas
discutirem a necessidade de mudanças mais profundas no
sistema tributário porque elas vão perceber que a soma de
todos os tributos embutidos nos produtos e serviços que
o individuo compra são muito altos no Brasil. Os tributos
poderiam ser mais concentrados na renda. Mesmo quem é
muito pobre contribui na tributação sobre o consumo, que
é mais pesada no Brasil justamente porque a renda não é
tributada como deveria. Os muito ricos são, relativamente,
pouco tributados, mas os pobres, especialmente na hora de
consumir, pagam proporcionalmente mais tributos do que
os mais ricos. O Brasil, na realidade, não precisa de uma
reforma tributária. Ele precisa de uma revolução tributária e
este será o primeiro passo.
TR: E quanto ao IPVA, quais são as mudanças preconizadas pela campanha?
Para que o IPVA possa abranger também as embarcações
e aeronaves e, assim, introduzir mais um elemento de
justiça tributária em nossa legislação, nossa opção foi por
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TRIBUTAÇÃO em revista
apresentar uma Proposta de Emenda à Constituição. Isto
porque o STF decidiu que o IPVA incide somente sobre veículos terrestres. Da maneira como está tributação
sobre veículos – terrestres, apenas – é injusta. Patrões
e contribuintes de alta renda não pagam IPVA sobre os
jatos, helicópteros e lanchas que usam para transporte
ou lazer. Mas o trabalhador e o contribuinte assalariado
pagam sobre o automóvel e a motocicleta que utilizam.
Mas veja que se tratam apenas das aeronaves da aviação
executiva – jatos, helicópteros e turboélices – e de embarcações de esporte e lazer – iates, barcos, lanchas, etc.
Não queremos que a incidência ocorra sobre embarcações e aeronaves comerciais, implicando num elemento
de custo para os setores que utilizam estes veículos produtivamente.
TR: Quem se beneficia com esta campanha?
PD: Esta campanha promove uma grande redistribuição
de renda. Ao longo de 10 anos este projeto de lei vai fazer
com que apenas a tributação de lucros e dividendos gere
recursos tributários superiores a 180 bilhões de reais que
poderão ter diversas destinações. Os usos mais comuns são
e em infraestrutura produtiva (portos, estradas, etc.) ou investimentos sociais (educação, saúde, dentre outros) beneficiando de maneira geral, todos os cidadãos. Se esses recursos são direcionados, como têm sido a ênfase nos últimos
anos, para as políticas de redistribuição de renda como o
bolsa família, elas beneficiam diretamente as camadas mais
pobres da população. Uma outra opção é canalizar esse excedente de arrecadação pra desonerar o consumo, já que a
sua incidência tributária é muito pesada no Brasil. O que
aconteceria nestes dois últimos casos seria uma redistribuição de renda da camada mais rica da população para a
camada mais pobre. De gente que hoje não paga nada de
imposto de renda e que começaria a pagar de acordo com a
sua real capacidade econômica. Isso pra mim é fazer justiça
tributária. Do ponto de vista tributário este projeto é neutro,
ou seja, não há aumento nem perda de arrecadação porque
ele observa o princípio da capacidade contributiva: quem
pode mais, contribui com mais.
TR: O projeto de lei que sintetiza a campanha é de
iniciativa popular. Quando chegar ao Congresso Nacional terá grande força. O Congresso Nacional já não
deveria ter tomado esta inciativa?
PD: Este projeto tributa aqueles contribuintes – sócios e acionistas de empresas – que hoje são isentos de Imposto de Renda e que são, justamente, as pessoas que têm participação
ativa no financiamento de campanhas eleitorais, razão pela
qual não existe nenhuma inclinação para propor uma reforma da envergadura sugerida pela Campanha Imposto Justo.
TR: Esta iniciativa tem um prazo?
PD: Não existe prazo, mas o Governo Federal está fazendo
uma correção tímida da tabela do imposto de renda de
4,5% até 2014. O projeto pretende entrar em vigor em
2015 que é quando não haverá mais fórmula de correção
do imposto de renda. O ideal é que conseguíssemos as
assinaturas para o projeto tramitar no Congresso Nacional
ainda no ano que vem a tempo de votar a nova legislação
que substituirá a atual.
TR: Como está sendo feita esta campanha?
PD: A campanha foi lançada na Câmara dos Deputados,
evento no qual contamos com o apoio de um número muito
grande de parlamentares de diversos partidos. A partir daí
lançamos, incialmente focando na internet – hot site, redes
sociais, youtube – , mas já estamos passando também para as
ruas, divulgando e coletando assinaturas em locais estratégicos. Já conversamos com as centrais sindicais e pretendemos
fazer com elas parcerias para expandir a campanha. Também
a estamos levando a outras instituições e organizações da sociedade civil, como a UNE, por exemplo. Além disso temos
divulgado junto à mídia por meio de entrevistas diversos órgãos imprensa como rádios, televisões, jornais, revistas, etc.
TR: Arrecadação tributária é um assunto que aparece muitas vezes associado à corrupção pela má destinação dos recursos públicos. O senhor acha que os
constantes casos de corrupção têm alguma influência
sobre como o cidadão vê a própria tributação?
O que nós, cidadãos, podemos
e devemos fazer, por via da
participação democrática, é criar
os meios para que esta carga seja
melhor distribuída entre todos.
E também podemos e temos que
exigir que os governos a gastem
de forma proba.
PD: Uma das resistências que existem, e que são justas, é
sobre a aplicação do dinheiro. Quando se fala da carga tributária no Brasil, diz-se que ela é muito alta, e realmente é
se comparada com o retorno em termos de investimentos,
da prestação de serviços públicos, ou de políticas sociais.
Mas uma coisa é como o dinheiro é destinado. Outra, é
como o dinheiro é arrecadado, da forma como é arrecadado. O fato de o dinheiro ser mal destinado não pode servir
como justificativa para não pagar imposto. O que nós, cidadãos, podemos e devemos fazer, por via da participação
democrática, é criar os meios para que esta carga seja melhor distribuída entre todos. E também podemos e temos
que exigir que os governos a gastem de forma proba. Assim,
estamos trabalhando pra que o dinheiro seja mais bem gasto, minimizando, de maneira geral, a corrupção. Esta não é
uma questão tributária. É política, é social.
TR: Como as pessoas que estão a favor deste projeto
devem proceder para ter a sua assinatura neste documento?
PD: É só entrar em nosso hot site (www.impostojusto.org.
br) e lá ela pode aderir. Já estamos colocando pontos de coleta de assinatura nas ruas pra coletar assinaturas fisicamente da população. O cidadão também pode ajudar a divulgar esta ideia junto a seus amigos e familiares e de maneira
muito eficiente e ágil, por meio virtual, circulando listas de
e-mail e pelos contatos nas redes sociais. Queremos contagiar e contar com o apoio de todos.
TRIBUTAÇÃO em revista
9
a RTIGO
Imposto Justo: uma Bandeira para a Sociedade
Luiz Antonio Benedito1
1. Introdução
Os reajustes da Tabela do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) nos últimos dezessete anos foram inferiores ao
crescimento de diversos indicadores da economia brasileira
e repercutiram negativamente sobre a renda disponível de
todos os contribuintes com rendimentos sujeitos a ela.
Este efeito, combinado com a péssima distribuição de
renda (em 2011, o 1% mais rico da população detinha
12% da renda enquanto que os 10% mais pobres detinham
apenas 1,1%) e com uma tributação mais concentrada no
consumo do que na renda e no patrimônio (45,35% contra
20,06% respectivamente, em 2011), comprometem o Princípio da Capacidade Contributiva inscrito na Constituição
Federal, ao invés de atuar como um instrumento de melhoria distributiva e de promoção da justiça tributária.
Além disso, a partir de 1996, a legislação do IR introduziu modificações em dissonância com o critério da generalidade – não distinção entre diferentes tipos de rendas ou
1. Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil e Diretor de Estudos Técnicos do
Sindifisco Nacional
10
TRIBUTAÇÃO em revista
proventos – inscrito no artigo 153, parágrafo 2º, inciso I, da
Constituição Federal. A isenção do pagamento de IR sobre
os lucros e dividendos distribuídos a sócios e acionistas de
empresas discrimina estas rendas em detrimento de outras,
especialmente a remuneração do trabalho.
O Sindifisco Nacional, ao longo de sua história, tem defendido uma correção maior e mais justa da Tabela do IRPF,
bem como de algumas deduções existentes na atual legislação do IR, além da introdução ou do retorno de outras. A
Campanha Imposto Justo: Assine para Mudar, retoma estas
bandeiras propondo que mudanças na legislação, a partir
de 2015, corrijam algumas distorções e injustiças hoje existentes. Ela contribui, portanto, para a promoção de maior
justiça tributária em nosso País. O presente texto apresenta
todos dos detalhes da campanha, consubstanciados no Projeto de Lei, apresentando dados e argumentos técnicos que
os embasam e justificam.
2. Breve Histórico das Alterações na Legislação do Imposto de Renda Pessoa Física
Após três décadas convivendo com índices de inflação
elevada, a economia brasileira iniciou sua trajetória rumo à
estabilidade de preços a partir do Plano Real, em junho de
1994. Este plano foi bem sucedido no controle da inflação,
que contou mais com uma rigorosa política monetária e ascensão das taxas de juros e menos com uma política fiscal2.
Alcançada a estabilização de preços, havia outros desafios
a serem superados pelas políticas macroeconômicas da segunda metade da década de 1990, e um deles era a crise
fiscal, caracterizada pelo déficit primário do setor público
consolidado; pelo déficit público nominal de mais de 6,0%
do PIB e pelo crescimento da dívida pública3.
É neste contexto de necessidade de maior aplicação da
política fiscal, isto é, de geração de recursos para fazer frente
a essa crise fiscal, que comparece o congelamento da Tabela
Progressiva do Imposto de Renda Pessoa Física (Tabela do
IRPF) no período 1996-2001.
Ao contrário do que vinha acontecendo até 1995, quando estava plenamente indexada, entre 1996 e 2001 a Tabela do IRPF não foi reajustada. A partir de 1º de janeiro de
1996, os valores da tabela, antes expressos em Unidades
Fiscais de Referência (UFIR) foram convertidos em Reais4.
Também a partir desta data houve a supressão de uma faixa
de renda tributável líquida, cuja alíquota era de 35%.
O ano de 1996 constitui-se, por estas razões, num marco para o estudo da evolução da Tabela do IRPF. Esta voltou
a ser corrigida apenas no ano de 2002 em 17,5%5, permanecendo inalterada no biênio 2003-2004. Os reajustes passaram a ser anuais somente a partir de 2005, quando houve
uma correção de 10%6. Em 2006 o reajuste foi de 8%7, e
desde 2007 os reajustes anuais têm sido de 4,5%, percentual este que deve ser aplicado à Tabela Progressiva do IRPF
até o ano-calendário de 20148.
2. GIAMBIAGI et al., 2011, p. 174.
3. Idem, p. 172.
4. Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995.
5. Lei nº 10.451, de 10 de maio de 2002.
6. Lei nº 11.119, de 25 de maio de 2005.
7. Lei nº 11.311, de 13 de junho de 2006.
8. De 2007 até 2011 conforme a Lei nº 11.482, de 31 de maio de 2007. Para os
anos-calendário de 2011 a 2014, de acordo com a Lei nº 12.469, de 26 de agosto
de 2011 (conversão da MPV 528 de 25 de março de 2011).
Quanto às faixas de renda tributável, a tabela permaneceu com três, entre 1996 e 2008. Entre 1996 e 1997,
vigoraram uma faixa de isenção, uma com alíquota de 15%
e outra com alíquota de 25%. A partir de 1998, a faixa de
25% foi substituída por uma de 27,5%. E desde 2009 foram
acrescentadas outras duas faixas, com alíquotas de 7,5% e
22,5%.
3. Defasagem na Correção: um Exemplo do Prejuízo
do Contribuinte
Desde 2007, a Tabela do IRPF tem sido corrigida, na
maior parte das vezes, abaixo do índice de inflação acumulada no ano. Há diversos casos de contribuintes cujos rendimentos tributáveis estão muito próximos do limite superior
de uma das faixas de renda do IRPF. Se esses contribuintes
obtiverem um reajuste nos seus rendimentos igual à inflação anual, por exemplo, e em sendo esta superior ao reajuste aplicado à Tabela Progressiva do IRPF, no próximo ano,
os contribuintes terão parte destes rendimentos tributados
à alíquota da faixa de renda imediatamente superior. Isso
ocorre devido à defasagem entre o índice de correção da
Tabela do IRPF e o índice de inflação anual.
A mudança para uma faixa de tributação mais elevada
acontece não somente quando o contribuinte aufere ganhos
reais, mas também quando os reajustes de rendimento, não
sendo reais, são superiores à correção da Tabela do IRPF.
Vejamos um exemplo: suponha o caso de um contribuinte que no ano-calendário de 2012 foi isento, já que seus
rendimentos tributáveis líquidos somaram R$ 19.644,00
(R$ 1.637,00 mensais). Assim, ele estaria bem próximo
do limite superior da faixa de isenção, esta definida em R$
19.645,32 (1.637,11 na tabela mensal) para aquele ano. Se
em 2012 seus rendimentos tributáveis líquidos tivessem
sido reajustados em 5,84%, a inflação oficial medida pelo
IPCA em 2012, ele passaria a receber R$ 20.791,21. Pela
tabela vigente no ano-calendário de 2013 (reajustada em
4,5%, conforme a Lei nº 12.469/2011), a parcela que excede o limite de isenção (R$ 261,85 = R$ 20.791,21 – R$
20.529,36) seria tributada à alíquota de 7,5% e o contribuinte pagaria R$ 19,64 de IRPF.
TRIBUTAÇÃO em revista
11
Tabela 1 - Simulação do IRPF a Recolher: Tabelas Vigentes nos Anos-Calendários 2012 e 2013
e Tabela de 2012 Reajustada em 5,84% com vigência em 2013
Renda Anual Tributável
Valor em 2012
19.644,00
Valor em 2013
(reajuste de 5,84%)
20.791,21
Valor em 2012
29.436,00
Valor em 2013
(reajuste de 5,84%)
31.155,06
Valor em 2012
39.252,00
Valor em 2013
(reajuste de 5,84%)
41.544,32
Valor em 2012
49.044,00
Valor em 2013
(reajuste de 5,84%)
51.908,17
Valor em 2012
60.000,00
Valor em 2013
(reajuste de 5,84%)
63.504,00
Imposto a Recolher - Tabela
Vigente para o
Ano Calendário
2012
Imposto a Recolher - Tabela
Vigente para o
Ano Calendário
2013 (A)
Imposto a Recolher - Tabela
Reajustada em
5,84%
(B)
0,00
Em R$
Valores Recolhidos a Maior
(A) – (B)
-
19,64
0,00
19,64
826,04
777,18
48,86
2.423,52
2.335,10
88,42
4.787,84
4.666,60
121,24
7.976,69
7.855,04
121,65
734,30
2.206,25
4.409,11
7.421,62
Elaboração: Departamento de Estudos Técnicos do Sindifisco Nacional
Fonte: Receita Federal do Brasil
Nota: O cálculo dos valores acima não contempla as seguintes deduções: previdência oficial, dependentes, pensão alimentícia e outras deduções (previdência privada, FAPI e parcela isenta de aposentadoria, reserva remunerada, reforma e pensão para declarante com 65 anos ou mais, Carnê-leão:
Livro Caixa) usualmente presentes nas declarações de rendimento.
Porém, se a Tabela do IRPF fosse corrigida em 5,84%, o
contribuinte estaria isento, já que o limite de isenção seria de
R$ 20.792,61, como demonstra a Tabela 1. Essa simulação
mostra que a defasagem na correção da Tabela do IRPF aumenta a tributação sobre as pessoas físicas.
Essa defasagem existe porque as correções na tabela do
referido imposto não acompanharam a evolução dos demais
indicadores de crescimento econômico, a exemplo do salário
mínimo nominal, do saldo de caderneta de poupança, dos índices de preços, dentre outros. Tomemos como exemplo a evolução do salário mínimo. Em janeiro de 1996, o valor nominal
do salário mínimo era de R$ 100,00 e o limite de isenção era
de R$ 900,00. Portanto, somente os contribuintes com renda
tributável superior a 9 salários mínimos pagavam IRPF. Em janeiro de 2013, o salário mínimo era de R$ 678,009 e o limite de
isenção da tabela do IRPF vigente é R$1.710,74. Dessa forma,
pagam imposto de renda todos aqueles com rendimentos superiores a 2,5 salários mínimos. Portanto, é possível perceber
9. Decreto nº 7.872, de 26 de dezembro de 2012.
12
TRIBUTAÇÃO em revista
que as famílias de baixa renda estão pagando mais IRPF, em
vista do que pagavam, ou do que deveriam pagar, caso as correções na tabela do referido imposto acompanhassem a evolução dos rendimentos dos trabalhadores.
Isso é uma séria ofensa aos princípios da Capacidade
Contributiva e da Progressividade, inscritos na Constituição
Federal. A partir da conjunção de ambos é possível concluir
que quem ganha mais deve pagar progressivamente mais. Porém, a permanência de defasagem na correção da tabela faz
com que muitos daqueles que não ganharam mais ou mesmo
ganharam menos, paguem mais. É, portanto, uma política
regressiva, desprovida de um senso maior de justiça fiscal e
que, por estas razões, conduz à ampliação das desigualdades
distributivas do País.
Outro exemplo do uso da inflação para aumento da cobrança de tributos é a não correção dos valores referentes aos
bens e direitos declarados, a exemplo da não atualização dos
valores dos imóveis, gerando assim uma elevação do imposto
cobrado na ocasião de sua venda. Sob o sistema tributário
atual, o Estado, a quem compete combater o processo infla-
cionário, acaba se beneficiando da própria inflação, pois, ao
reajustar defasadamente a Tabela do IRPF, promove o aumento da arrecadação tributária.
4. Propostas do Projeto de Lei de Iniciativa Popular
Visando corrigir, mesmo que de forma parcial, a defasagem acumulada da Tabela do IRPF e das deduções com dependentes e com educação, bem como instituir a tributação
sobre a distribuição de lucros e dividendos e adotar outras
medidas capazes de promover maior justiça fiscal no nosso
País, o Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita
Federal do Brasil (Sindifisco Nacional), lançou no dia 21 de
maio de 2013, na Câmara dos Deputados, em Brasília – DF, a
campanha “Imposto Justo: assine para mudar”.
Essa campanha é uma iniciativa do Sindifisco e de outras
entidades de classe, buscando informar e mobilizar a população brasileira para corrigir as injustiças observadas na Tabela
Progressiva do IRPF, dentre outras. O objetivo é reunir um
grande número de assinaturas para apresentar ao Congresso
Nacional um Projeto de Lei, com mais força para ser transformado em lei. As propostas do projeto serão apresentadas
a seguir.
4.1. Correção da Tabela Progressiva do IRPF
Primeiramente, o projeto propõe a correção da defasagem
da Tabela do IRPF. Entre 1996 e 2012, a inflação acumulada
pelo Índice de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de
189,54%, enquanto os reajustes acumulados da Tabela Progressiva do IRPF foram de 81,78%. Portanto, a defasagem
nesse período foi de 59,28%.
Contudo, é preciso levar em conta outros dois reajustes
de 4,5% na Tabela Progressiva do IRPF, referentes a 2013 e
2014, conforme determina a Lei no 12.469/2011. Considerando ainda que a previsão de inflação (IPCA) para 2013 e
2014 é de 5,7% ao ano, segundo o Boletim Focus do Banco
Central do Brasil, de 24 de abril de 2013, prevê-se que a defasagem alcance quase 63,0% no final de 2014. Para recompor
esta defasagem o projeto de lei propõe um reajuste anual na
Tabela do IRPF de 5,0% ao ano, durante 10 anos consecutivos, a partir de 2015 até 2024.
Porém, somente recompor a defasagem não é suficiente. É necessário adotar medidas de correção da Tabela que sejam coerentes com a evolução da renda do
contribuinte. Por isso, o Projeto de Lei propõe, além da
correção de 5,0% ao ano, o reajuste anual da Tabela pela
variação do rendimento médio mensal real das pessoas
ocupadas, de 10 anos de idade ou mais, entre o segundo
ano anterior ao da vigência da nova tabela e o que lhe
anteceder imediatamente. Este indicador é obtido pela
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD,
calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Caso este indicador seja substituído no
futuro, o novo índice que os suceder será adotado para
efeitos do reajuste da Tabela.
Corrigida a distorção, a partir de 2024 a Tabela do IRPF
acompanharia a evolução da renda média do contribuinte,
isto é, seria corrigida pela variação acumulada nos doze meses anteriores ao último reajuste do índice acima citado. Essa
forma de correção é pertinente porque a Tabela do IRPF deve
ser reajustada de forma a se manter neutra em relação à renda
média das pessoas físicas.
Saliente-se que esse parâmetro – o rendimento médio
mensal – reflete o desempenho real da situação do trabalhador brasileiro na conjuntura econômica vigente, ou seja,
reflete o poder de compra da renda do trabalhador, já descontados os efeitos da inflação. Dessa forma, a correção na
Tabela do IRPF tenderia a acompanhar o ciclo econômico e
os contribuintes pagariam mais ou menos imposto, dependendo do ritmo do crescimento médio dos seus rendimentos.
Ou seja, estar-se-ia aplicando plenamente o princípio da capacidade contributiva, de forma a tornar o sistema tributário
mais justo.
A PNAD foi escolhida por causa de sua abrangência nacional e o tipo de rendimento apresentou-se como o mais
apropriado, por resultar da soma do rendimento do trabalho
com os provenientes de outras fontes, tais como: aposentadorias, pensões, aluguéis, doações ou mesadas de pessoa não
moradora da unidade domiciliar, programas de transferência
de renda (Bolsa Família, Renda Mínima, Bolsa Escola, etc.),
rendimentos de aplicações financeiras, dentre outros.
TRIBUTAÇÃO em revista
13
4.2. Correção dos Rendimentos de Aposentadoria e
Pensão
Adicionalmente, o projeto também propõe a correção,
pelo mesmo parâmetro, dos limites de isenção dos rendimentos provenientes de aposentadoria e pensão, de transferência
para a reserva remunerada ou de reforma, todos pagos pela
Previdência Social aos contribuintes que completarem 65
anos. Por uma questão de justiça e de tratamento isonômico
para com os aposentados e pensionistas, estes limites não poderiam deixar de ser abrangidos pela mesma correção que se
propõe para a Tabela do IRPF.
a mesma lógica da correção da Tabela do IRPF proposta no
Projeto de Lei. Dessa forma, a dedução de gastos com educação deveria ser de R$ 12.022,13, em 2015 e de R$ 18.650,27
em 2024, a preços de 2013. Percebe-se, portanto, que esses
limites são bastante superiores ao limite atual (R$ 3.230,46 –
ano calendário de 2013) e são mais coerentes com a realidade
dos gastos das famílias que preferem custear educação privada para seus filhos e dependentes. Esses valores também são
equivalentes ao dispêndio que o Estado teria se o declarante
de imposto de renda ou seus dependentes estivessem matriculados em escola pública.
4.3. Correção da Dedução Anual Individual com Educação
Da mesma maneira não se poderia deixar de corrigir
os limites anuais individuais de despesas com instrução do
contribuinte e de seus dependentes, que é de R$3.230,46 de
acordo com a Tabela Progressiva vigente em 2013.
Segundo estatísticas do Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP)10, em 2010,
4.4. Volta da Dedução de Despesas com Moradia
Até 1988 era permitida a dedução dos desembolsos com
alugueis residenciais e com juros do financiamento da casa
própria.
Hoje, mesmo pagando aluguel ou empréstimo habitacional, o contribuinte não mais usufrui desse benefício. No caso
dos aluguéis, a volta das deduções também induz a declaração da renda com aluguéis, compensando a dedução concedida com mais eficiência na fiscalização desse rendimento.
Hoje, os rentistas locadores de imóveis somente declaram os
valores da locação caso o locatário também os declare. Entretanto, o locatário não tem nenhum incentivo para isso.
Assim, a bem da justiça tributária, o Projeto de Lei propõe
a dedução com as importâncias pagas a título de aluguel do
imóvel de residência do contribuinte, bem como a dedução
das importâncias pagas ao sistema financeiro da habitação, a
título de juros, na compra do único imóvel residencial destinado para moradia própria do contribuinte.
o gasto médio que o Estado realizava por aluno no ensino
público era de R$ 4.087,00. Corrigindo-se este valor pelo índice acumulado do IPCA de 2011 (6,32%) e 2012 (5,69%)
e pela previsão da inflação de 5,7% a.a. para 2013 e 201411
chegar-se-ia a um valor de R$ 5.131,02 ao final de 2014. Para
simplificar os cálculos, suponha uma dedução necessária de
27,5% (alíquota aplicada à última faixa de renda tributável
da Tabela Progressiva) sobre este valor. Isto é, R$ 18.658,24
seria o valor justo com educação a ser deduzido da base de
cálculo do IRPF, ao final de 2014.
Entretanto, conforme mencionado anteriormente, a defasagem na correção da Tabela Progressiva do IRPF até 2014
seria de quase 63,0%. Dessa forma, é preciso descontar este
percentual do valor encontrado (R$ 18.658,24). Fazendo
isso, o limite anual individual de gastos com educação em
2014 seria de R$11.449,65. Faz-se necessário corrigir anualmente este valor em 5,0%, pelos próximos 10 anos, seguindo
10. Disponível em <http://portal.inep.gov.br/indicadores-financeiros-educacionais>.
11. Segundo Boletim Focus do Banco Central do Brasil, de 26 de abril de 2013.
14
TRIBUTAÇÃO em revista
4.5. Correção do Valor de Aquisição do Imóvel
Outra inovação introduzida pelo Projeto de Lei proposto
trata da correção do valor do custo de aquisição de imóveis
constantes na relação de bens e direitos, da declaração de
ajuste anual, pelo índice oficial de inflação, o IPCA. A legislação vigente prevê o pagamento de 15% de imposto de renda,
a título de ganho de capital, incidentes sobre a diferença entre
o valor de aquisição e o valor de venda dos bens e direitos.
Entretanto, o valor de aquisição do imóvel não é corrigido
monetariamente, enquanto que o valor de venda é atualizado
conforme os preços de mercado. Portanto, da forma como é
feita a avaliação para apuração dos ganhos de capital, o Estado beneficia-se indevidamente do processo inflacionário para
inflar suas receitas. Ao reajustar anualmente o valor de aquisição, pelo IPCA, permite-se que a tributação incida, ao menos
de forma mais próxima, sobre o que seria o ganho real. No
caso dos imóveis, os investimentos são atrativos justamente
por causa de ganhos reais. É sobre estes que deveria, efetivamente, incidir a tributação, sob pena de se cobrar um perverso imposto inflacionário. Aliás, em um profundo contraste
de tratamentos, quando se observa a existência da dedução
de juros sobre o capital próprio nas empresas.
4.6. Proposta de Tributação sobre Lucros e Dividendos
Anteriormente à entrada em vigor da Lei nº 9.249, de 26
de dezembro de 1995, a totalidade dos lucros e dividendos
distribuídos era tributada à alíquota de 15%. Com a vigência
da referida lei, desde 1996, a distribuição de lucros e dividendos aos sócios e acionistas das pessoas jurídicas não é submetida à Tabela do Imposto de Renda.
Assim, é comum que os sócios ou os proprietários de
empresas, no momento da declaração de ajuste anual do IR,
declarem o recebimento de baixíssimo pro labore, muitas
vezes abaixo do limite de isenção do referido imposto, e de
elevados valores a título de lucros e dividendos. Dessa forma,
os sócios e proprietários pagarão muito pouco ou mesmo não
pagarão IR, já que este incidirá apenas sobre o pro labore declarado. Esta prática, permitida pela legislação, dá tratamento
tributário desigual e injusto aos contribuintes. Enquanto os
lucros e dividendos gozam de isenção, os rendimentos provenientes do trabalho submetem-se a alíquotas crescentes que
vão de 7,5% até 27,5%.
Cálculos realizados pelo SINDIFISCO NACIONAL, a
partir de dados fornecidos pela RFB por meio da lei de acesso
à informação e tomando por base os rendimentos declarados
a título de lucros e dividendos para o ano exercício de 2010,
indicam que a tributação proposta para os lucros e dividendos distribuídos pelo Projeto de Lei resultaria numa arrecadação média anual de R$ 18.423,5 milhões.
O fato de a empresa recolher o Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ) sobre o lucro apurado no balanço, não
deveria eximir os sócios e acionistas de também recolherem
IR sobre a parcela de lucros e dividendos a eles distribuídos
porque são pessoas diferentes: uma delas é jurídica e a outra
é física.
O artigo 45 do Código Tributário Nacional (CTN) define que o recolhimento do Imposto de Renda recai sobre o
titular da disponibilidade da renda ou dos proventos, seja
ele o proprietário de bens de produção – o dono do capital
aplicado produtivamente, quotista ou acionista de empresa –
ou qualquer outro contribuinte – trabalhadores com ou sem
carteira assinada, autônomos, prestadores de serviço, comerciantes, rentistas, etc. Em suma, quem recebe rendimentos,
seja de capital, do trabalho, seja da combinação de ambos,
deve pagar o imposto, independentemente de a pessoa jurídica pertencente ao proprietário dos meios de produção ter
sido tributada.
Para que haja maior isonomia entre os contribuintes, isto
é, para que todos contribuam de acordo com sua capacidade
de pagamento, todos os rendimentos do capital deveriam ser
levados à Tabela Progressiva. Da maneira como ocorre hoje
há uma verdadeira inversão de valores, uma vez que os frutos
do capital são menos onerados do que os do trabalho.
A fim de corrigir essa injustiça tributária, o Projeto de Lei
propõe que os lucros ou dividendos distribuídos com base
nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 2015,
remetidos, creditados, empregados ou entregues pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou
arbitrado, sejam tributados na pessoa dos sócios ou acionistas
residentes no território nacional, ficando sujeitos à incidência
do imposto na fonte e na declaração de ajuste anual, apurado
de forma independente dos demais rendimentos tributáveis,
de acordo com a Tabela 2, ou proporcionalmente aos meses
a que se referem.
Com a tabela proposta, a maioria dos empresários será
isento do pagamento de IR decorrente da distribuição de lucros e dividendos, visto que no Brasil, o montante de micro e
pequenos empresários é o mais relevante, comparado aos de
médio e grande porte. De acordo com a tabela, o contribuinte
TRIBUTAÇÃO em revista
15
Tabela 2 - Tabela Progressiva Anual para Lucros e Dividendos
Lucro ou
Dividendo
Alíquotas
Parcela a
Deduzir
até R$ 60.000,00
Isento
de R$ 60.000,01 até R$
120.000,00
5%
R$ 3.000,00
de R$ 120.000,01 até R$
240.000,00
10%
R$ 9.000,00
acima de R$ 240.000,00
15%
R$ 21.000,00
Elaboração: Departamento de Estudos Técnicos do Sindifisco Nacional
Fonte: Receita Federal do Brasil
que receber até R$ 60.000,00 de lucros ou dividendos será
isento de declarar IR sobre esses. Os que receberem entre R$
60.000,00 e R$ 120.000,00 terão seus rendimentos tributados em 5% e contarão com uma parcela a deduzir de R$
3.000,00, ou seja uma alíquota efetiva de até 2,5%. Já os que
receberem acima de R$ 240.000,00 serão tributados em 15%
e contarão com uma parcela a deduzir de R$ 21.000,00, com
uma alíquota efetiva a partir de 6,25%.
A proposta contém, ainda, a tributação de lucros e dividendos distribuídos por pessoas jurídicas a outras pessoas
jurídicas - atualmente também isentos - em alíquota única de
15%. Além de ser uma medida de justiça fiscal, isso também
dificultará a prática de planejamento fiscal com a finalidade
de elidir o pagamento de tributos que seriam exigidos com a
tributação sobre lucros e dividendos das pessoas físicas.
Por fim, o PL propõe a tributação da remessa de lucros
e dividendos ao exterior em alíquota única de 15%, hoje
também isentos de tributação. Ressalte-se que apenas em
2012 foram distribuídos lucros e dividendos a residentes
no exterior, na ordem de US$ 21,6 bilhões. Esses tributos
não cobrados no Brasil acabam sendo cobrados no exterior,
gerando riqueza em outras nações. Se a proposta ora apresentada estivesse vigente, ingressariam em 2012 nos cofres
públicos cerca de R$ 6,5 bilhões que poderiam ser utilizados,
por exemplo, para desonerar a tributação dos produtos consumidos pelos brasileiros, ao invés de ajudar a desonerar a
tributação em outras nações.
Dados do Banco Central do Brasil revelam que a remessa de lucros e dividendos ao exterior alcançou, somente em
2012, o montante de US$ 28,60 bilhões. Como as remessas
de lucros e dividendos estão isentas de Imposto de Renda, o
Brasil vem abrindo mão de receitas tributárias em favor da
renda do capital estrangeiro. Houve época em que a tributação sobre essas transferências internacionais chegou a 25%;
na época da edição da Lei nº 9.249/1995, a alíquota era de
15%. Convertendo o valor de US$ 28,60 bilhões à taxa de
câmbio média de 2012, chega-se ao montante de R$ 58,45
Tabela 3 - Estimativa de perda de arrecadação com a isenção da tributação da remessa de lucros e dividendos ao
exterior (1996-2010)
Ano
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
Total
Remessas de Lucros e
Dividendos ao Exterior
(US$ milhões) 1
4.258,07
6.332,24
7.287,27
5.514,69
4.252,83
5.226,24
6.019,92
6.403,24
8.257,32
13.337,09
17.317,88
23.599,62
35.415,96
26.448,58
31.263,50
39.970,50
28.604,53
169.670,93
Taxa de Câmbio Média 2
Valores em R$ milhões
Tributação à alíquota de
15%
1,0394
1,1164
1,2087
1,789
1,9554
2,3204
3,5333
2,8892
2,6544
2,3407
2,138
1,7713
2,337
1,7412
1,6662
1,8758
2,0435
-
4.425,84
7.069,31
8.808,12
9.865,77
8.315,99
12.126,96
21.270,19
18.500,24
21.918,22
31.218,12
37.025,64
41.802,00
82.767,10
46.052,26
52.091,24
74.976,66
58.453,36
536.687,02
663,88
1.060,40
1.321,22
1.479,87
1.247,40
1.819,04
3.190,53
2.775,04
3.287,73
4.682,72
5.553,85
6.270,30
12.415,06
6.907,84
7.813,69
11.246,50
8.768,00
80.503,07
Fonte: Bacen 1 Conta de Serviços e Rendas do Balanço de Pagamentos - Despesa de Lucros e Dividendos em Investimentos Diretos e Investimentos em Carteira
2 Cotação de Fechamento - Venda em 31/12 de cada ano
16
TRIBUTAÇÃO em revista
bilhões, que se fossem tributados com uma alíquota de 15%
possibilitaria uma arrecadação tributária de R$ 8,77 bilhões,
somente em 2012.
A Tabela 3 apresenta os efeitos sobre a arrecadação tributária desta medida desde 1996, mostrando que o Estado
brasileiro deixou de arrecadar R$ 80,50 bilhões.
Cumpre ressaltar que o Brasil é um dos poucos países que
não tributam a remessa de lucros e dividendos ao exterior, o
que dificulta, inclusive, a realização de acordos internacionais
sobre bitributação, pois nos retira qualquer poder de barganha na negociação. Assim, empresas nacionais com subsidiárias no exterior acabam tendo seus lucros integralmente tributados no exterior, enquanto que as empresas estrangeiras
com subsidiárias no Brasil também tributam no exterior os
lucros enviados do Brasil.
5. Conclusão
Um olhar mais atento e minucioso para nossas normas
tributárias irá mostrar que não são somente as questões tratadas na campanha Imposto Justo que merecem uma profunda
revisão. Contudo, entendemos que são aquelas mais urgentes, pois geram distorções de grande monta no que concerne
à arrecadação dos tributos que financiam o Estado brasileiro. A efetivação dessas mudanças irá melhorar significativamente
a qualidade de nossa tributação, assim considerada em cotejo
com os princípios norteadores esculpidos na Constituição. O
principal papel do Sindifisco Nacional, entidade representativa de uma classe sempre preocupada com a efetiva justiça
fiscal, é informar a sociedade. Somente com cidadãos esclarecidos e, assim aptos a cobrar mudanças, essas serão levadas
a efeito pelos entes políticos detentores do poder legiferante.
REFERÊNCIAS
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do Brasil, 2012a. Disponível em <http://www.bcb.gov.
br/?SERIEBALPAG>. Acesso em 13 mar. 2013.
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BACEN – BANCO CENTRAL DO BRASIL. Taxas de
Câmbio. Brasília: Banco Central do Brasil, 2012b. Disponível em <http://www4.bcb.gov.br/pec/taxas/port/
ptaxnpesq.asp?id=txcotacao>. Acesso em 13 mar 2013.
BRASIL. Lei nº. 11.311, de 13 de jun. de 2006. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 14 jun. 2006. Disponível
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BACEN – BANCO CENTRAL DO BRASIL. Boletim Focus. Brasília: Banco Central do Brasil, 26 abr. 2013.
BRASIL. Lei nº. 9.250, de 26 de dez. de 1995. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 27 dez. 1995. Disponível
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htm>. Acesso em: 12 mar. 2013.
BRASIL. Lei nº. 10.451, de 10 de mai. de 2002. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder
Executivo, Brasília, DF, 13 mai. 2002. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9250.
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GIAMBIAGI et al, Economia Brasileira Contemporânea:
1945 – 2010. Rio de Janeiro, Elsevier, 2011.
OCDE – ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E
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RFB – RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Estatísticas Tributárias no 11, Consolidada DIPJ, 2003. Brasília: RFB,
2003. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.
br/Historico/EstTributarios/Estatisticas/default.htm>.
Acesso em 12 mar. 2013>.
TRIBUTAÇÃO em revista
17
a RTIGO
IPVA – Ampliar a Base de Incidência para Maior
Justiça Tributária
Fábio Galizia Ribeiro de Campos1
1. Introdução
O Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) está previsto no inciso III do artigo 155
da Constituição Federal. O caput deste artigo atribui a
competência do tributo aos Estados e ao Distrito Federal e o parágrafo 6º prevê que as suas alíquotas podem
ser diferenciadas de acordo com o tipo de veículo e sua
utilização, cabendo ao Senado Federal fixar-lhe alíquotas mínimas. A previsão do parágrafo 6º foi introduzida na Constituição pela Emenda Constitucional nº 42
/2003.
Este tributo, com a denominação atual, foi introduzido em nosso ordenamento jurídico pela Emenda
Constitucional nº 27, de 28 de novembro de 1985, que
acrescentou o inciso III ao artigo 23 da Constituição
1. Auditor-Fiscal
da
Receita
Federal
do
Brasil.
Diretor
de Relações Internacionais do Sindifisco Nacional.” Este artigo resgata parcialmente os argumentos expostos na Nota Técnica No 14
– Lacunas e Controvérsias na Regulamentação do Imposto sobe a Propriedade de
Veículos Automotores, do Departamento de Estudos Técnicos do Sindifisco Nacional, de maio de 2010, acrescentando-lhe outros posicionamentos apresentados na
Campanha “Imposto Justo”.
18
TRIBUTAÇÃO em revista
Federal então vigente, atribuindo aos Estados e ao Distrito Federal a competência para instituí-lo e vedando
“a cobrança de impostos ou taxas sobe a utilização de
veículos”2.
A base de cálculo do IPVA é o valor venal do veículo
e o seu fato gerador depreende de sua própria nomenclatura: a propriedade de veículo automotor.
Muitas têm sido as ações impetradas por empresas e
pessoas físicas contra a decisão de alguns estados pela
cobrança do imposto sobre veículos aquáticos e aéreos.
O Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do
julgamento dos recursos extraordinários 134.509/AM,
255.111/SP e 379.572/RJ, excluiu a incidência do imposto sobre os veículos náuticos e aéreos. A decisão,
entretanto, não foi unânime. Muitos doutrinadores
também advogam em favor da incidência do IPVA sobre
estes tipos de veículos e o tema continua gerando intensos debates na sociedade brasileira, dividindo juristas,
acadêmicos e representantes da sociedade civil.
Somando-se aos segmentos da sociedade brasileira
que propugnam pela incidência do imposto sobre veí2. Emenda Constitucional n º 27, de 28 de Novembro de 1985, art. 2º.
culos aéreos e aquáticos, a Campanha “Imposto Justo”
do Sindifisco Nacional incluiu na relação de alterações
da legislação nacional a incidência do IPVA também sobre esses veículos por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que altera a redação do inciso
III do art. 155 da Constituição Federal. Se aprovada, a
incidência do IPVA ocorrerá não apenas sobre “a propriedade de veículos automotores”, tal como consta
hoje da Carta Magna, mas também sobre “a propriedade
e a posse de veículos automotores, aquáticos e aéreos”.
A PEC acrescenta também um inciso III ao parágrafo 6º
do mesmo artigo, para que o IPVA não incida sobre “veículos aquáticos e aéreos de uso comercial destinados à
pesca e ao transporte de passageiros e de cargas”.
O presente artigo argumenta em favor da PEC. Apesar da decisão do STF, contrária à incidência do IPVA
sobre embarcações e aeronaves, a segunda seção avalia que, conceitualmente, a incidência seria possível,
conforme defendem muitos doutrinadores. A terceira
seção desenvolve argumentos favoráveis às alterações
introduzidas pela PEC mostrando, sob a ótica da justiça
tributária, que a incidência do IPVA, tributando apenas
os veículos de luxo, contribuirá significativamente para
a arrecadação tributária, revertendo em benefícios aos
cidadãos.
2. Comentários sobre os Julgados do STF a Respeito do IPVA
Os supracitados recursos extraordinários examinaram a incidência do IPVA em três estados brasileiros,
Amazonas, São Paulo e Rio de Janeiro. As razões que
levaram o STF a, majoritariamente, tomar sua decisão
sintetizam-se nos seguintes argumentos3:
• a expressão “veículos automotores”, na própria definição do imposto, não se aplica a
embarcações e aeronaves, restringindo-se exclusivamente a veículos que se locomovem em
meio terrestre. A interpretação constitucional
ocorreu, neste caso, em sentido técnico e estrito, observando a intenção do legislador, expressa em apontamentos do Congresso Nacional, e
também na designação de veículos aéreos por
aeronaves, as quais se referem, em diversas legislações, especificamente a veículos de transporte em espaço aéreo.
• o IPVA foi criado para suceder a Taxa Rodoviária Única (TRU) e a sua aplicabilidade deve se
harmonizar com o extinto tributo.
• as embarcações sujeitas a registro em Tribunal
Marítimo ou Capitanias dos Portos, e as aeronaves a registro no Ministério da Aeronáutica, não
podem ser licenciados nos Municípios e Estados. A competência administrativa do licenciamento destes veículos cabe à União, e a ela não
compete a instituição do imposto.
O voto do Ministro Marco Aurélio nos R. E. 134.509/
AM e 255.111/SP4, foi bastante elucidativo quanto à
abrangência do conceito de veículo automotor. Disse o
Ministro: “a incidência abrange a propriedade de todo e
qualquer veículo, ou seja, que tenha propulsão própria
e que sirva ao transporte de pessoas e coisas”.
Neste voto exemplar, o conceito de veículo é interpretado em sentido lato e de forma ampla, como gênero, “conceito geral que engloba todas as propriedades
comuns que caracterizam um dado grupo ou classe de
seres ou de objetos” (grifo nosso), tal como definido
pelo dicionário Houaiss.
O Ministro fundamenta sua decisão citando os doutrinadores Yoshi Ichiara, em “Comentários à Constituição do Brasil”, para quem “o imposto incide sobre a
propriedade de veículos automotores, entendidos como
qualquer veículo com propulsão por meio de motor,
com fabricação e circulação autorizadas e destinadas ao
transporte de mercadorias, pessoas ou bens” e Cretela
Júnior, na mesma obra, em cujo entendimento, “veículo
automotor é impulsionado por mecanismo interno,
3. Vide votos dos Ministros Cezar Peluso no R.E. 379.572/RJ e Sepúlveda Pertence no R.E. 134.509/AM
4. Voto do Ministro Marco Aurélio no R.E. 134.509/AM. 255.111/SP e 379.572/
RJ.
TRIBUTAÇÃO em revista
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com fabricação e circulação autorizadas, servindo para
o transporte de pessoas, bens ou produtos de natureza
terrestre, hídrica ou aérea”.
As definições dos doutrinadores supracitados contemplam, sem exclusões ou margem para dúvidas, os
veículos aéreos e aquáticos, pois não restringem o meio
em que elas circulam, sejam a terra, a água ou o ar.
Acrescente-se que em nenhum momento a legislação
taxou o termo automotor como sendo tão somente para
os terrestres.
Ainda a respeito da abrangência do conceito de veículo automotor, é esclarecedor o ensinamento de Miguel e Leopoldi5:
distintos de tempos. A TRU era uma taxa, devida pela
prestação de um serviço público, qual seja, a utilização
de vias públicas, enquanto que o IPVA é um imposto,
incidente sobre a propriedade do veículo, situação esta,
qual seja, a propriedade é, conceitualmente, pela definição de fato gerador de impostos, é relativa ao contribuinte e que independe de uma atividade estatal específica6.
Quanto ao registro e ao licenciamento de aeronaves
e embarcações em órgãos diferentes da União, é exemplar o sucinto ensinamento do Min. Marco Aurélio7:
“ela – a atuação dos referidos órgãos – ocorre num âmbito diverso, o do poder de polícia. E, então, há cobrança de taxa.”
“Não se trata de interpretar a expressão “veículos
automotores” de modo ampliativo (...) mas de não
restringir de forma não autorizada o alcance da
norma constitucional. Esse procedimento está em
consonância com o principio interpretativo “da
máxima efetividade ou da eficiência” segundo o
qual a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe conceda”
3. O IPVA como Instrumento de Justiça Tributária
Dentre as justificativas usadas para a não incidência
do IPVA sobre embarcações e aeronaves, é de se notar
aquela citada pelo Ministro Sepúlveda Pertence no R.E.
134.509/AM a partir do parecer do então Procurador da
República, Moacir A. M. da Silva, acerca da incidência
do IPVA sobre embarcações e aeronaves, o qual foi inserido na Constituição então vigente pela Emenda Constitucional no 27, de 28 de novembro de 1985:
Nesta mesma linha de raciocínio, a interpretação
das leis (no caso em questão, de matéria constitucional,
atribuição do STF) deve ocorrer no sentido de apurar
objetivamente o seu conteúdo. A vontade do legislador
está vinculada a um texto objetivamente construído.
Portanto, a interpretação deve buscar a objetividade
textual da vontade do legislador e não o entendimento
do que o legislador teria expressado quando da elaboração da lei.
Mais ainda, a intenção do legislador ao criar norma
legal não deve se sobrepor ao alcance social da lei. Esta
prevalece àquela quando da interpretação da lei. O que
o juiz deve analisar para interpretar a lei é, de fato, o
seu espírito, a sua intenção, no sentido e no alcance dos
seus objetivos sociais.
O entendimento de que o IPVA é um sucessor da
TRU é apenas uma coincidência histórica. São tributos
diferentes, incidentes sobre fatos geradores e momentos
(...) os preceitos em causa da Emenda Constitucional no 27, de 1985, tiveram a finalidade de
alterar a sistemática de distribuição dos recursos
entre as entidades políticas, através da criação de
um novo imposto estadual, em substituição à Taxa
Rodoviária Única, para permitir a sua divisão,
meio a meio, entre os Estados e Municípios (...).
Ao instituir a nova espécie tributária, não pretendeu o legislador constituinte elastecer o âmbito
material da incidência pertinente ao tributo substituído, para alcançar novas áreas reveladoras de
capacidade contributiva, mas sim o de propiciar a
distribuição mais equitativa do produto da arrecadação do novo imposto, em benefício dos Estados
e Municípios (grifo nosso).8
Esta interpretação é reveladora do espírito que
6. Código Tributário Nacional, art. 16. Vide SINDIFISCO NACIONAL, 2010, p.
63, para a definição do fato gerador de taxas.
7. Voto do Ministro Marco Aurélio no R.E. 379.572/RJ, p. 887
5. Miguel e Leopoldi, 2003, p. 33
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8. Voto do Ministro Sepúlveda Pertence no R.E. 134.509/AM, p. 395-96
norteou o surgimento do IPVA no pretérito marco legal brasileiro. O imposto foi criado unicamente como
forma de prover recursos tributários para Estados e
Municípios brasileiros. Esta interpretação, em sentido
estrito, tecnicamente, exclui, por conseguinte, a utilização da regulamentação do tributo como instrumento
de justiça social.
A mudança constitucional pretendida pela PEC tem
como objetivo maior a promoção da justiça tributária.
O IPVA tem função fiscal, ou seja, arrecada recursos financeiros para que Estados e Municípios realizem seu
papel maior: prover a sociedade de bens e serviços públicos supridos de forma incompleta e desigual pela
iniciativa privada. Dessa forma, mantém-se o sentido
da interpretação acima e que teria norteado a inserção
do IPVA no corpo da Constituição Federal vigente em
1985. Mas é preciso que sua presença vá além e alcance
também objetivos mais amplos.
A atuação do Estado, além de reguladora, é também
distributiva. Com recursos arrecadados por via tributária ele fornece bens e serviços às camadas sociais menos
assistidas e deixadas à parte do processo de produção,
circulação e distribuição de riquezas.
Transparece aqui a função social do tributo. Fala-se,
portanto, de justiça tributária. O artigo 145 da Constituição Federal reza que os impostos devem ter caráter
pessoal e observar a “capacidade econômica do contribuinte” ou simplesmente a capacidade contributiva.
Determina também que a progressividade seja obrigatória, permitindo a distinção da efetiva capacidade econômica do contribuinte. Promover a justiça tributária
implica também em aceitar que o Estado crie um sistema fiscal que, dentre outros requisitos, assegure que
todos paguem seus tributos em conformidade com seus
recursos.
A incidência do IPVA sobre embarcações e aeronaves com base nos Princípios da Capacidade Contributiva e da Progressividade, certamente cumpriria critérios
de justiça tributária ao ampliar a base de incidência do
imposto. Trata-se de justiça tributária, pois são os indi-
víduos com maior capacidade contributiva que adquirem esses bens. Ao mesmo tempo amplia a arrecadação
para prover Estados e Municípios dos recursos que necessitam para fins de política social.
Portanto, a bem da justiça tributária, é mister que
se esclareça definitivamente, por meio de alteração na
Constituição Federal, a abrangência do conceito de veículo automotor para contemplar tanto os veículos terrestres quanto os aéreos e aquáticos a fim de eliminar,
por esta via, um dos pontos mais controversos sobre o
IPVA.
4. As Alterações e a Abrangência Numérica da Proposta de Emenda à Constituição
Conforme ressaltado anteriormente, a PEC traz dois
pontos inovadores. O IPVA passará a incidir também
sobre a posse dos veículos automotores, estes últimos
abrangendo, textualmente, não apenas os terrestres,
mas também os aquáticos e aéreos. Mas esta incidência
não abrangerá os veículos aquáticos e aéreos com destinação comercial, isto é, aqueles que transportam cargas
e passageiros.
A primeira alteração não deixará margem de dúvidas quanto à abrangência conceitual do termo “veículos
automotores” permitindo que a incidência ocorra sobre
os veículos aquáticos e aéreos de luxo e de uso privado
como, por exemplo, jatinhos, helicópteros, iates, veleiros motorizados, jet skis, barcos e lanchas esportivos e
de lazer.
Mas não apenas a propriedade, como também a posse dos veículos automotores terrestres, aéreos e aquáticos deve ser objeto da incidência do IPVA. Não fosse
assim, estariam excluídos aqueles veículos adquiridos
na forma de leasing os quais, embora em uso no território nacional, têm como proprietários pessoas jurídicas
ou físicas estrangeiras, domiciliadas no exterior e, portanto, fora do alcance da tributação brasileira.
A partir de dados disponíveis sobre a frota de veículos aéreos e aquáticos no Brasil é possível estimar o
quantitativo mínimo sobre o qual incidiria o novo IPVA.
A frota brasileira de embarcações de esporte e lazer
TRIBUTAÇÃO em revista
21
foi estimada em cerca de 168 mil embarcações pelo Departamento da Capitania dos Portos (DCP) da Marinha
do Brasil9. Para o ano de 2011 a Associação Brasileira
de Construtores de Barcos10 inventariou o total de embarcações a motor e a vela com mais de 16 pés de extensão11, apresentando um montante de 58.427 lanchas
e 9.261 veleiros, ou um total de 67.688 embarcações.
Estes números indicam o total de veículos aquáticos sobre os quais incidiriam a tributação do novo IPVA.
O Brasil possui a segunda maior frota de aeronaves do mundo, tendo totalizado, em 2011, 13.094 aeronaves entre aviões convencionais, turboélices, jatos
e helicópteros, segundo dados da Associação Brasileira de Aviação Geral (ABAG)12. A frota atual de aviação
executiva no Brasil possui 1.949 aeronaves, sendo 903
helicópteros, 458 aviões a jato e 588 turboélices. Estes
constituem as aeronaves de luxo sobre as quais incidiriam o IPVA. Os demais 11.145 são aviões comerciais,
não abrangidos pela tributação.
Estes números colocam a frota executiva brasileira
como a maior do hemisfério sul e a terceira do mundo,
atrás, apenas, dos Estados Unidos e do Canadá. Tais veículos pertencem a pessoas físicas de alto poder aquisitivo e a empresas de grande faturamento. E sobre eles
não incide o mesmo IPVA que, por exemplo, tributa
o trabalhador proprietário de automóveis populares e
motocicletas. Seus proprietários geralmente possuem
renda ou patrimônio elevado e, por isso, capacidade
maior de contribuir para o financiamento do Estado.
A incidência do IPVA sobre estes veículos também
contribuirá para maior progressividade da tributação
9. RIBEIRO (2005), citando dados do Departamento da Capitania dos Portos
(DCP) da Marinha do Brasil. Estes dados referem-se ao ano de 2005, o que permite
inferir que a frota, atualmente, seja bastante superior.
brasileira. É fato notório que a tributação brasileira
ainda guarda fortes componentes regressivos, como
atestam algumas estatísticas. Em 2011, conforme os
cálculos do SINDIFISCO NACIONAL, 3,88% da carga tributária era de tributos incidentes sobre o patrimônio, os quais somados à tributação sobre a renda,
implicaram numa tributação direta de 33,14% da carga
tributária. Já a tributação indireta, composta de tributos
incidentes sobre o consumo, atingiu 58,82%, sendo os
restantes 8,04% compostos de tributos com incidências
diversas. Dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares
de 2008-09, organizados pelo IPEA13, mostram que nos
10% de rendimentos mais baixos da população, 28%
da carga tributária era de tributos indiretos e 4% de
tributos diretos. Já nos 10% dos rendimentos mais altos, a tributação indireta era de 10% da carga total e a
tributação direta de 11%.
5. Conclusão
Embora a doutrina brasileira disponha de elementos
suficientes para o entendimento de que o IPVA possa
incidir sobre os veículos aéreos e aquáticos, o STF adotou, dentro de sua competência constitucional, entendimento diferente.
A PEC restringe-se apenas aos bens de luxo, os quais
constituem uma fração menor da frota nacional. Assim,
evita-se que uma tributação indistinta destes tipos de
veículos tenha impacto negativo sobre a produção e o
consumo.
A alteração da Constituição Federal, por meio de
uma PEC que inclua esses veículos de forma inequívoca
na base de incidência do IPVA, é o caminho mais seguro
para um passo à frente para uma tributação mais justa e
equânime do ponto de vista distributivo.
10. ACOBAR (2013).
11. Com base nestes dados, estima-se que a diferença de cerca de 100 mil unidades entre os inventários da ACOBAR e do DCP sejam de barcos cuja extensão
é inferior a 16 pés.
12. ABAG (2013)
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TRIBUTAÇÃO em revista
13. SILVEIRA e outros (2011).
REFERÊNCIAS
ABAG – Associação Brasileira de Aviação Geral. Anuário Brasileiro de Aviação Geral 2012. São Paulo, ABAG,
2013.
ACOBAR – Associação Brasileira dos Construtores de
Barcos e seus Implementos. Indústria Náutica Brasileira: fatos e números 2012. Rio de Janeiro, ACOBAR/SEBRAE/SANTANDER, 2013.
BRASIL. Emenda Constitucional nº 27, de 28 de Novembro de 1985. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF 02 dez.
1985
BRASIL. Lei nº. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 27
out. 1966. Disponível em http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Leis/L5172.htm Acesso em 27 jun. 2013.
MIGUEL. Luciano Garcia. LEOPOLDI. Elaise Ellen.
Incidência do IPVA sobre aeronaves e embarcações.
Revista Dialética de Direito Tributário nº 92. Editora
Dialética: São Paulo, 2003
RIBEIRO, Mehane A. Rio e São Paulo concentram 56%
da frota náutica nacional; Sul tem 25% dos barcos. Revista Náutica On Line. Rio de Janeiro: out. 2005. Seção
Últimas Notícias. Disponível em: <http://www.nautica.
com.br/noticias/viewnews.php?nid=ultf11cf066616aae
464fbdd753f3db8e88>. Acesso em 23 jun 2013.
Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário
134.509/AM. Relator: Min. Marco Aurélio, Brasília, Diário da Justiça, 13 set. de 2002. Disponível em http://
www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=1513110. Acesso em 27 jun. 2013
Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário
255.111-2/SP. Relator: Min. Marco Aurélio, Brasília,
Diário da Justiça, 13 dez 2002. Disponível em http://
www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=1779154. Acesso em 27 jun. 2013
Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário
379.572-4/RJ. Relator: Min. Gilmar Mendes, Brasília,
Diário da Justiça, 01 fev. 2008. Disponível em http://
www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2103607 Acesso em 27 jun. 2013.
SILVEIRA, Ferando G. e outros. Qual o impacto da Tributação e dos Gastos Públicos Sociais na Distribuição
de Renda no Brasil? Observando os Dois Lados da Moeda. In: RIBEIRO, J.A.C.; LUCHIEZI Jr., A. .; MENDONÇA, S.E.A. Progressividade da Tributação e Desoneração da Folha de Pagamentos: elementos para reflexão.
Brasília: SINDIFISCO NACIONAL, IPEA e DIEESE.
2011. p. 2-63
SINDIFISCO NACIONAL, Tributação no Brasil: em
busca da justiça fiscal. Brasília, Sindifisco Nacional,
2010.
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23
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PROJETO DE LEI Nº
Altera as leis nº 11.482, de 31 de maio de 2007 e nº
9.250, de 26 de dezembro de 1995, para reajustar os valores das tabelas progressivas mensais do imposto de renda
de pessoas físicas, das deduções por dependente, das despesas com educação e dá outras providências.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º Esta lei visa a alterar a legislação do imposto de
renda incidente sobre os rendimentos de pessoas físicas e
jurídicas, na forma prevista nos dispositivos subsequentes.
Art. 2º O art. 1º da Lei nº 11.482, de 31 de maio de
2007, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 1º O imposto de renda incidente sobre os rendimentos de pessoas físicas será calculado de acordo com as
seguintes tabelas progressivas mensais, em reais:
...................................................................................
IX - para o ano-calendário de 2015:
Tabela Progressiva Mensal
Base de Cálculo
(R$)
Alíquota (%)
Parcela a Deduzir
do IR (R$)
Até 1.877,16
-
-
De 1.877,17 até
2.813,25
7,5
140,78
De 2.813,26 até
3.751,05
15,0
351,78
De 3.751,05 até
4.687,00
22,5
633,11
Acima de 4.687,00
27,5
867,46
, DE 2013
Parágrafo primeiro. Os valores constantes da tabela do
inciso IX serão reajustados a cada ano, em 1º de janeiro,
aplicando-se o índice de 5% (cinco por cento) acrescido
da variação do valor do rendimento médio mensal das
pessoas com 10 anos de idade ou mais, entre o segundo
ano anterior ao de vigência da nova tabela e o que lhe anteceder imediatamente, obtido pela Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios – PNAD, calculada pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, ou de pesquisa
que vier a lhe suceder, até o ano calendário de 2024. (NR).
Parágrafo segundo. Os valores constantes da tabela vigente no ano-calendário de 2024 serão reajustados a cada
ano, em 1º de janeiro, aplicando-se o índice acumulado
dos doze meses anteriores ao último reajuste da tabela, do
rendimento médio mensal real de todos os trabalhos das
pessoas de dez anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, obtido a partir da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios – PNAD, calculada pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE ou de pesquisa
que vier a lhe suceder. (NR).
Parágrafo terceiro. O imposto de renda anual devido,
incidente sobre os rendimentos de que trata o caput deste artigo, será calculado de acordo com tabela progressiva anual correspondente à soma das tabelas progressivas
mensais vigentes nos meses de cada ano-calendário.
..................................................................................”
Art. 3º Os arts. 4º e 8º da Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, acrescida do art. 8-A, passam a vigorar
com a seguinte redação:
TRIBUTAÇÃO em revista
25
“Art.4º .......................................................................
III a quantia, por dependente, de:
i) R$ 188,70 (cento e oitenta e oito reais e setenta
centavos) a partir do ano-calendário de 2015; (NR)
..................................................................................
VI - a quantia, correspondente à parcela isenta dos rendimentos provenientes de aposentadoria e pensão, transferência para a reserva remunerada ou reforma, pagos pela
Previdência Social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, por qualquer pessoa jurídica de
direito público interno ou por entidade de previdência
privada, a partir do mês em que o contribuinte completar
65 (sessenta e cinco) anos de idade, de: (Redação dada
pela Lei nº 11.482, de 2007)
..................................................................................
i) R$ 1.877,16 (mil, oitocentos e setenta e sete reais e
dezesseis centavos), por mês, a partir do ano-calendário
de 2015.
c) a dedução anual por dependente, para a declaração
de ajuste, corresponderá a doze vezes o valor mensal vigente nos meses do ano-calendário correspondente.
Art. 8º- A Os valores dos limites das deduções
previstas nos artigos 4º e 8º serão reajustados nas mesmas
datas definidas na tabela progressiva constante do inciso
IX do artigo 1º, observados os percentuais referidos nos
respectivos §§ 1º e 2º, todos desta lei.”. (NR)
Art. 4º O art. 4º da Lei nº 9.250, de 26 de dezembro
de 1995, passa a vigorar acrescido dos seguintes incisos:
“Art. 4º .................................................................
VII - as importâncias pagas a título de aluguel do imóvel de residência do contribuinte.
VIII – as importâncias pagas ao sistema financeiro da
habitação a título de juros na compra do único imóvel residencial destinado para moradia própria do contribuinte.” (NR)
Art.
8º..............................................................................
II ................................................................................
b) a pagamentos de despesas com instrução do contribuinte e de seus dependentes, efetuados a estabelecimentos de ensino, relativamente à educação infantil,
compreendendo as creches e as pré-escolas; ao ensino
fundamental; ao ensino médio; à educação superior, compreendendo os cursos de graduação e de pós-graduação
(mestrado, doutorado e especialização); e à educação profissional, compreendendo o ensino técnico e o tecnológico, até o limite anual individual de:
..................................................................................
10. R$ 12.022,13 (doze mil, vinte e dois reais e treze
centavos) para o ano-calendário de 2015. (NR)
26
TRIBUTAÇÃO em revista
Art. 5º O art. 10 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro
de 1995, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 10. Os lucros ou dividendos distribuídos com
base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 2015, remetidos, creditados, empregados ou entregues pelas pessoas jurídicas tributadas com base no
lucro real, presumido ou arbitrado, serão tributados na
pessoa dos sócios ou acionistas residentes no território
nacional beneficiários, ficando sujeitos à incidência do
imposto na fonte e na declaração de ajuste anual, apurado de forma independente dos demais rendimentos
tributáveis, de acordo com a seguinte tabela progressiva
anual, ou proporcionalmente aos meses a que se referem:
Lucro ou Dividendo
Alíquotas
Parcela a Deduzir
até R$ 60.000,00
Isento
de R$ 60.000,01 até
R$ 120.000,00
5%
R$ 3.000,00
de R$ 120.000,01
até R$ 240.000,00
10%
R$ 9.000,00
acima de R$
240.000,00
15%
R$ 21.000,00
§ 1º Os valores constantes da tabela do caput referem-se àqueles distribuídos a cada sócio ou acionista e serão
corrigidos nas mesmas datas e percentuais em que for reajustado o valor previsto no inciso I do artigo 3º da Lei
Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006.
§ 2º Os contribuintes, sócios ou acionistas, que percebem lucros ou dividendos de mais de uma fonte pagadora,
deverão comunicar às demais fontes para que, ao realizarem a retenção, considerem, na totalidade, os valores já
recebidos para a aplicação da tabela constante do caput.
§ 3º A falta da comunicação prevista parágrafo anterior
sujeitará o beneficiário do rendimento à multa prevista no
artigo 44, II da Lei nº 9.430 de 27 de dezembro de 1996,
incidente sobre o valor não recolhido, exigida isoladamente.
§ 4º O imposto apurado na forma deste artigo deverá
ser pago até o último dia útil do mês subsequente àquele
em que os lucros ou dividendos forem percebidos.
§ 5º A Receita Federal do Brasil editará os atos normativos necessários à aplicação deste dispositivo.” (NR)
Art. 6º Os lucros ou dividendos distribuídos com
base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro
de 2015, pagos, remetidos, creditados, empregados ou
entregues pelas pessoas jurídicas tributadas com base no
lucro real, presumido ou arbitrado, a pessoas jurídicas sediadas no território nacional, a pessoas físicas residentes
ou domiciliadas no exterior ou pessoas jurídicas sediadas
ou estabelecidas no exterior, serão tributados exclusivamente na fonte com alíquota de 15% sobre o valor total
distribuído.
§ 1º O imposto apurado na forma deste artigo deverá
ser pago até o último dia útil do mês subsequente àquele
em que os lucros ou dividendos forem distribuídos.
§ 2º O montante dos lucros ou dividendos distribuídos a pessoas jurídicas sediadas no território nacional, na
forma do caput, poderá ser deduzido no cálculo do valor
dos lucros e dividendos distribuídos pela pessoa jurídica
beneficiária.
§ 3º A Receita Federal do Brasil editará os atos normativos necessários à aplicação deste dispositivo.
Art. 7º A partir da entrada em vigor desta lei, o valor
do custo de aquisição dos imóveis declarados na relação de
bens e direitos da Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda – Pessoa Física, será atualizado, anualmente,
pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, calculado pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística – IBGE, ou o que vier a lhe suceder,
relativo ao ano base da declaração.
Parágrafo Único. Quando da alienação do imóvel, o
seu custo de aquisição, para efeitos do cálculo do respectivo ganho de capital, será ao valor calculado conforme o
caput deste artigo em até 31 de dezembro do ano anterior.
Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, com efeitos financeiros nas datas previstas em seus
dispositivos.
TRIBUTAÇÃO em revista
27
PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº
_________ , de 2013
(Do Deputado ________________)
Altera o inciso III do art. 155 da Constituição Federal
para determinar que seja o imposto incidente sobre veículos automotores terrestres, aéreos e aquáticos; e acresce o
inciso III no parágrafo 6º deste artigo com vedações a sua
incidência.
..................................................................................
Art. 2º O parágrafo 6º do Art. 155 da Constituição Federal, será acrescido do inciso III com a seguinte redação:
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do §3º do Art. 60 da Constituição Federal,
promulgam a seguinte Emenda ao Texto constitucional:
“Art.155......................................................................
Art. 1º O inciso III do caput do Art. 155 da Constituição Federal, passa a vigorar com a seguinte redação:
III – não incidirá sobe veículos aquáticos e aéreos de
uso comercial destinados à pesca e ao transporte de passageiros e de cargas.
§ 6º.........................................................................
“Art.155......................................................................
III – propriedade ou posse de veículos automotores
terrestres, aquáticos e aéreos.”
28
TRIBUTAÇÃO em revista
Art. 3º Esta Emenda Constitucional entra em vigor no
na data de sua publicação.
a RTIGO
A Reforma Tributária e os Deuses
Foch Simão Júnior1
1. Introdução
Um sistema fiscal ideal deve ser simples e eficaz por natureza. A busca contínua deste objetivo enseja, conscientemente ou coercitivamente, as mudanças de tempos em tempos
no sistema tributário de uma nação. A reforma tributária,
em uma visão positiva, é o processo de mudança na forma
como os tributos de um país são geridos pelo governo na
busca da estrita neutralidade economicosocial na ação do Estado quando em sua intervenção na economia privada. Este
conceito de mudança gestora tem um amplo espectro de objetivos, entre os quais o de tornar o sistema tributário mais
equânime e mais progressivo. Sob outro prisma de reforma
busca-se também simplificar o sistema fiscal para torna-lo
mais compreensível e aquiescente pela sociedade. Tendo
em vista as perspectivas sociais e econômicas, uma reforma
tributária deve buscar o princípio da reprodutividade, que
implica que a cada tributo seja atrelado um montante de retorno à sociedade que produza tanto quanto o valor pecuniário impositivo extraído da mesma, de modo a devolver
ao indivíduo quanto lhe foi economicamente arrecadado, na
1. Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil
forma bem estar social.
Há várias vertentes de reforma tributária em todo o mundo, muitas vezes com a intenção de alterar o imposto de renda ou o valor adicionado dos impostos transformando o seu
processo incidente em algo considerado economicamente
mais liberal com o objetivo de atração de capital de investimentos. Outras reformas propõem sistemas fiscais mais dinâmicos e abrangentes que possam alcançar as externalidades
ocorrentes em uma economia de mercado visando um implemento das receitas públicas.
Como se pode notar, os diferentes objetivos de uma reforma tributária têm como foco o fortalecimento do sistema
fiscal e a ampliação da base contributiva. Raramente as proposições de reforma tributárias se detêm sobre a real capacidade de se implementar mudança de base que de fato reduza
os efeitos danosos presentes na estrutura impositiva vigente,
uma vez que o Estado moderno procura o equilíbrio entre
a capacidade de atender aos anseios dos seus cidadãos e a
competência de buscar os recursos necessários sem comprometer a sua soberania. O modelo ideal e atualmente em vigor
na maioria dos países pauta-se na mais ampla tributação das
possíveis matérias coletáveis desde que não incomodem em
muito o capital de investimento ou afastem definitivamente o
capital especulativo.
TRIBUTAÇÃO em revista
29
Este modelo aparentemente assimétrico em termos sociais é fato de notória reincidência no decurso da história
da humanidade diante da necessidade do Estado de buscar
recursos para sua sobrevivência e dos governos em se manterem com o apoio das classes dominantes. Ao longo da história da miséria humana é fato notório que sempre arcaram
com os custos da manutenção da sociedade os pobres, os
camponeses, os escravos, os colonos e os povos conquistados em benefício dos governantes e das classes politicamente
privilegiadas.
2. A Crise Fiscal do Império
Era o ano de 1354 a.C., o Egito estava de luto, o grande
Amenhotep III, nono Faraó da décima oitava dinastia, político habilidoso que edificou um vasto império com uma
mistura de competência administrativa, diplomacia e astúcia,
cumpria o seu derradeiro ato como senhor do Egito em meio
a um desfile fúnebre rumo ao seu grande templo funerário
em Tebas. Amenhotep III tornou-se Faraó por volta 1388
a.C., com apenas 12 anos de idade, com a morte de seu pai
Tutmose IV. Seu longo reinado foi um período de prosperidade sem precedentes e esplendor cultural destacado, quando o
Egito atingiu o auge de sua criação artística e poder político.
O Faraó foi um grande patrono das artes. Durante seu reinado magníficos edifícios e esculturas foram criados, obras que
até hoje impressionam pelas suas dimensões e detalhes.
Sob Amenhotep III o Egito conquistou as terras de Cirene, atual Líbia, e expandiu os seus domínios ao norte e a
leste da Palestina, consolidando-se como a maior potência
militar da época. Obviamente, toda esta opulência militar e
artística era financiada pelo estado a partir dos recursos colhidos compulsoriamente na forma de tributos nos campos e
oficinas dos trabalhadores egípcios. Os tributos eram pagos
com o trabalho ou em espécie, produto do trabalho. Na estrutura social do Egito, como o Faraó era o senhor absoluto
das terras e do povo, era para ele que o povo trabalhava em
troca de proteção e sustento. Já os artesãos e os camponeses,
o setor produtivo, ao invés de trabalho direto pagava os seus
impostos com uma parcela da produção.
Em princípio, a estrutura da receita fiscal egípcia era mui-
30
TRIBUTAÇÃO em revista
to bem organizada e eficaz. Assim, o Império era dividido
em 12 seções administrativas que abrangiam todas as partes
do seu território. Destas áreas administrativas eram esperadas
contribuições fiscais suficientes para cobrir as necessidades
do país no período de um mês do ano. Para tanto, vários censos eram levados a cabo por meio dos quais as arrecadações
podiam ser estimadas com antecedência. O recolhimento
presumido da colheita nos campos de plantio era calculado
observando a altura atingida pelas cheias do Nilo. A partir do
índice de enchente e dos dados de produção anteriormente
coletados, o montante da produção futura era então estimado pelos escribas2. Esta avaliação produtiva em cada seção
administrativa era enviada aos supervisores tributários nomeados pelo vizir3, conselheiro e administrador do governo,
uma vez que o montante das receitas tributárias, por medida
de segurança, não era deixado para a decisão dos escribas,
mas era sempre supervisionado pelos altos funcionários que
tinham que seguir um protocolo pré-determinado e preciso.
Os casos de excesso de exação eram raros, uma vez que os
contribuintes produtivos tinham uma instância de apelação,
a quem podiam recorrer e explicar qualquer divergência entre a estimativa efetuada pelos escribas locais e a produção
efetivamente realizada. Por outro lado, a sonegação era muito pequena não só pelas punições físicas como também pelo
problema de armazenagem. Considerando a variedade de
bens que serviam como meio de pagamento tributário, que
alternavam entre trigo, peixes, peles curtidas, incenso etc., a
produção excedente era armazenada nas cidades onde havia
depósitos públicos em cada unidade populacional, locais estes onde era exercida a cobrança tributária.
Por outro lado, a sociedade egípcia era organizada teocraticamente com um panteão extremamente complexo de
2. No Egito Antigo, os escribas eram funcionários públicos de grande destaque
na sociedade egípcia, pois eram conhecedores da escrita demótica e dos hieróglifos, além de possuírem conhecimento aritmético, o que lhes permitia estimar e
registrar a cobrança de impostos.
3. Durante os reinos velhos, médio e novo, no antigo Egito, o vizir era o mais
alto funcionário a serviço do faraó. Os vizires eram geralmente nomeados pelo
faraó pela sua lealdade ou talento dentre aqueles que já pertenciam a uma família
tradicional de vizires. O dever primordial do vizir era supervisionar o funcionamento do país nos seus mínimos detalhes, como um primeiro-ministro, gerindo
todos os outros supervisores e funcionários menores do Império como os cobradores de impostos e os escribas.
deuses que abrangiam os mais diversos afazeres do dia a dia
do seu povo. O Faraó em si era um deus vivo que pairava
acima dos demais seres humanos. Cada divindade tinha o
seu próprio templo e organização sacerdotal. Estes templos
se acreditavam serem as moradas dos deuses aos quais estes
eram dedicados. Apenas ao Faraó e aos sacerdotes era permitido adentrarem os templos, sendo que os sacerdotes tinham
que passar por um ritual de purificação em uma piscina de
pedra profunda antes de entrarem o Sanctum Santorium dos
Templos, o recinto sagrado onde ficava moradia dos deuses.
Os egípcios comuns só eram autorizados a adentrar o pátio
dos templos para entregarem as oferendas e prestarem homenagem aos deuses. Neste processo os sacerdotes recolhiam
os presentes e os votos em nome da pessoa e os guardavam
no interior dos templos, onde verdadeiros prodígios em
bens eram armazenados e consumidos pela classe clerical.
Era atribuído aos sacerdotes conduzir cerimônias, sacrifícios
e encantamentos por vezes referidos como mágicas. Eram
também responsáveis pelos rituais, festas e demais atividades
religiosas. Na escala de poder estes clérigos estavam abaixo
somente do Faraó ao qual prestavam os rituais finais após a
sua morte.
Durante alguns períodos da história egípcia esta classe eclesiástica também foi obrigada a pagar impostos como
qualquer mortal comum. Estes impostos incidiam sobre o
montante das oferendas recolhidas aos dadivosos devotos
nas dezenas de templos dos diversos deuses. As exceções impositivas eram, em alguns casos, de isenção real em que era
fornecido ao Templo um decreto de imunidade, uma Estela
de pedra depositada nos arquivos reais, onde os direitos e deveres de cada Templo eram listados. Como soe acontecer hoje
em dia, estas isenções, com o decorrer do tempo, acabaram
por se transformar em regra geral através de alianças políticas costuradas entre os Faraós recém empossados e os vários
clérigos provinciais que detinham o poder político local no
vasto território do Império.
As conquistas militares se constituíam em outra fonte de
bens para o tesouro real. Eram comuns os saques aos povos
vencidos e o pagamento de tributos por parte das populações
conquistadas. Entretanto, boa parte do butim era distribuí-
da entre os militares e o quinhão restante era devotamente
dedicado aos templos dos deuses que amparavam a fé dos
guerreiros em sua lida bélica. Em face destas práticas elisivas, no auge do reinado de Amenhotep III, pouco da riqueza
que fluía para o país permanecia nas mãos do Faraó como
recurso público após os militares terem tomado a sua parte e o sacerdócio reivindicado o restante. O panorama fiscal
deteriorava-se enquanto acumulava-se nos templos enorme
riqueza. Esta redução de poder do tesouro real levaria, em
algum momento, a um conflito entre o estado e o clero.
Na segunda metade do reinado de Amenhotep III para
combater o crescente poder do Sumo Sacerdote de Amon4,
Ptahmose, que acrescentou a posição de vizir à sua diretoria de obras públicas na prefeitura de Tebas, o Faraó tentou
silenciosamente rebater o crescimento da força do clero de
Amon promovendo uma nova religião: a adoração do antigo
deus do sol. Esta ação político econômica daria início a uma
revolução que abalaria as bases do estado. O filho de Amenhotep III e futuro herdeiro fora criado pela rainha Tye, uma
estrangeira núbia com um caráter forte e dominador que via
nas intrigas da corte e no domínio político do clero vícios capitais para a vida do seu rebento. A hegemonia dos sacerdotes
tinha que ser eliminada. Mas havia um dilema. Este mesmo
poder era o instrumento que mantinha o Estado organizado
e o povo fiel ao Faraó. Assim, Tye e seu filho vislumbraram
um plano astucioso: unir o poder real ao poder sacerdotal em
uma só entidade que deteria as rendas e as preces do povo do
Egito, a instituição de um único deus, Aton.
O deus Aton, representado pelo disco solar, provavelmente surgiu como um membro reconhecido do panteão
egípcio durante os reinados de Tutmés III, 1504 e 1450
a.C., e Amenhotep II, 1425 e 1401 a.C., mas não foi senão
no reinado de Amenhotep III, que o novo deus foi honrado, oficialmente, quando o Faraó o nomeou seu deus
principal no palácio real. De deus principal Aton passou,
no reinado de Amenófis IV, 1364 a.C e 1348 a.C., a deus
4. Amon era uma divindade local de Tebas cultuada desde o Império Antigo.
Com a décima primeira dinastia no século 21 a.C., ele subiu para a posição de
patrono de Tebas. No reinado de Ahmose I, Amon adquiriu importância nacional,
expressa em sua fusão com o deus do Sol, Rá, como Amon-Ra. Entre os séculos 16
e 11 a.C., Amon-Ra passa a ocupar a posição de divindade criadora como rei dos
deuses, onde outros deuses tornaram-se manifestações dele.
TRIBUTAÇÃO em revista
31
único, detonando uma revolução religiosa e política que
substituiu os deuses tradicionais em todo o Império. Esta
iniciativa diminuiu o poder dos sacerdotes que acabaram,
por fim, expulsos de seus próprios templos oficialmente
fechados e sujeitos ao confisco de bens, com o banimento
dos respectivos deuses. Amenófis IV passou a se chamar
Akhenaton, que na verdade era considerado, ao mesmo
tempo, o filho de Aton, a sua encarnação e o seu espírito. O próprio significado do nome de Akhenaton é exatamente o espírito de Aton. Com esta medida os tributos, os
dízimos e as ofertas dos devotos egípcios passaram a ser
direcionados ao tesouro real como recurso fiscal, auxiliando nos possíveis superávits primários então, por ventura,
considerados.
A peculiaridade da criação do novo culto monoteísta
a Aton, alem do fato da ampla reforma tributária e das
profundas alterações nas artes pertencentes a este período,
foi também a abrangência filosófica da nova religião, onde
Aton não era apenas o deus dos egípcios, mas de toda a
humanidade, até mesmo de inimigos do Egito que passam
a serem mais bem considerados. A ideia de universalidade
teológica era algo inconcebível até então, quando a visão
tradicional dos diversos deuses cultuados se restringia
a uma atividade, a um local ou no máximo a um povo.
Esta inovação se revelou realmente revolucionária e absolutamente única na história das religiões antigas. Este
conceito de unidade teológica expressa, ao mesmo tempo,
o princípio universal de igualdade entre os homens, sejam
senhores ou servos, e da trindade decorrente da visão de
Aton como o pai da humanidade e de todo o universo, do
Faraó como o filho do deus e do conceito do espírito, a
encarnação do deus, idéia contida na Akh5.
Com o culto ao único deus existente, Aton, representado
figurativamente pelo disco solar, nasce, pela primeira vez na
história, o conceito do monoteísmo que iria influenciar os
povos submetidos ao Império a perpetuarem esta perspectiva religiosa, mesmo após o seu retrocesso em terras egípcias,
dentro de um arranjo social que concentrava o poder político
e econômico nas mãos de um governo centralizado, mono-teocrático e fiscalmente organizado, modelo posteriormente
seguido por diversas nações através da história da humanidade.
3. Conclusão
Por mais de 5.000 anos a história dos impostos focalizou-se em duas disposições significativas: quem paga o tributo
e o que deve ser tributado. Coincidentemente, no curso do
processo de civilização do homem além dos pecados, dos vícios e das doenças endêmicas, houve sempre a influência dos
tributos nas diversas nuances da evolução da sociedade. Este
fator institucional tem sua comprovação épica em uma inscrição da antiga Suméria, em argila seca, encontrada em Lagash,
na antiga Mesopotâmia e atual Iraque:
“O homem de bem pode ter um Deus e adorá-lo, pode
ter um Rei e respeitá-lo, mas a quem deve temer é ao coletor
de impostos”.
5. O Akh era o intelecto do ser humano considerado como uma entidade viva
a parte do corpo físico, associado ao pensamento, que desempenhava um papel
na vida após a morte. A reanimação do Akh no pós-morte só era possível com a
realização dos ritos funerários apropriados ao de cujus e seguidos por constantes
oferendas dos seus familiares aos deuses. O conceito de alma ou espírito adotado
posteriormente pelas diversas religiões tem o seu fundamento na crença do Akh, o
qual poderia ser evocado por orações ou manifestações diversas deixadas no túmulo
do falecido para que este pudesse fazer qualquer bem ou mal para as pessoas vivas.
REFERÊNCIAS
ADAMS, Charles. For Good and Evil. Nova York: Madison Books., 1999.
CERAM, C. W. Deuses, Túmulos e Sábios. São Paulo:
Cia Melhoramentos. 1967.
ALDRED, Cyril. Akhenaten King of Egypt: Thames and
Hudson. Nova York, 1999.
Foch Jr, Simão. Imposto Sobre Valor Agregado: Estudo de Viabilidade. São Paulo: Revistas Oficiais, Ed. São
Paulo, 2004.
32
TRIBUTAÇÃO em revista
a RTIGO
É Possível Construir a Cidadania Por Meio do
Programa de Educação Fiscal?
Dirce Maria Martinello1
Edes Marcondes do Nascimento2
1. A Origem do Programa de Educação Fiscal
O Programa Nacional de Educação Fiscal3 – PNEF surgiu em 19964 com a necessidade de implantar um Progra1. Doutoranda pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em
Educação e Trabalho. Servidora pública da Secretaria de Estado da fazenda do
Estado de Santa Catarina.
2. Mestre em Geofísica e Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil. Representante da Receita Federal para o Programa Nacional de Educação Fiscal em Santa
Catarina.
3. O Programa Nacional de Educação Tributária teve sua denominação alterada
para Programa Nacional de Educação Fiscal devido à intenção do Programa em
não abordar apenas os tributos, mas também as questões que envolvem a alocação
de recursos arrecadados e a transparência dos gastos públicos, ou seja, as finanças
públicas.
4. Neste período as relações entre o Estado e a sociedade se mostravam desgastadas. O clima era de desconfiança, os conflitos estavam presentes. Mas havia
um objetivo que precisava ser alcançado: a reforma do Estado. Projeto inadiável
e imprescindível, principalmente para promover o ajuste fiscal; as reformas econômicas orientadas para o mercado que, acompanhadas de uma política industrial e tecnológica, garantisse a concorrência interna e criasse as condições para
o enfrentamento da competição internacional; a reforma da previdência social; a
inovação dos instrumentos de política social, proporcionando maior abrangência
e promovendo melhor qualidade para os serviços sociais; aumento da “governança”, ou seja, sua capacidade de implementar de forma eficiente políticas públicas.
(BRASIL, 1995 p.10).
ma que promovesse a consciência tributária e na reunião
do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz),
reunido em Fortaleza - CE, técnicos do governo registram
a importância de um programa de consciência tributária
para despertar a prática da cidadania. Neste mesmo ano
ocorre a formação de um Convênio de Cooperação Técnica entre União, Estados e Distrito Federal para a execução
do Programa.
Em julho de 1999, o Confaz – Paraíba aprova a alteração de denominação, que passa a ser Programa Nacional
de Educação Fiscal (PNEF), atribuindo-lhe maior abrangência. Ele supera, assim, o marco inicial, o qual dava ênfase no contribuinte de amanhã, e introduz a alocação e a
gestão dos recursos, voltando-se ao contribuinte do aqui e
agora, cuja primazia passa a ser a relação entre a Administração Tributária e o cidadão-contribuinte.
É importante lembrar que neste período o Estado
brasileiro estava aderindo a um processo de reforma ou
de adequação diante das exigências postuladas pelo de-
TRIBUTAÇÃO em revista
33
nominado Consenso de Washington5, onde economistas
do Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial
(BM), Banco Interamericano de Desenvolvimento ( BIRD)
e dos governos de Ronald Reagan e Margareth Thatcher
que tomaram linha de frente diante das recomendações de
diversos técnicos e economistas latino-americanos, com
destaque ao inglês John Willianson e diretor do Institute
for International Economics, entidade de caráter privado,
e que recomendaram “disciplina fiscal”, ou seja, o Estado
deve limitar seus gastos à arrecadação, eliminando o déficit público.
As recomendações do Consenso de Washington foram
direcionadas para a disciplina fiscal, priorizando a educação, a saúde e a infraestrutura, reorientando das despesas
públicas, preservando as despesas com a segurança nacional. No entanto, recomendou a redução em investimentos
públicos. A reforma tributária recomendada incentivava a
arrecadação de recursos pelo Estado: i) de maneira direta sobre a renda dos cidadãos individualizados (com uma
aplicação progressiva das alíquotas definidas) e, ii) de maneira indireta, sobre o consumo de todos os cidadãos (em
contraposição à justiça fiscal que recomenda taxar menos
produtos básicos, que serão os mais adquiridos pelos pobres). Recomendava, ainda: a) a liberalização financeira e
comercial, com o fim das restrições que impediam as instituições financeiras internacionais de atuarem em igualdade com as nacionais e o afastamento do Estado do setor; b)
redução de alíquotas de importação e estímulos à exportação, visando a impulsionar a globalização da economia;
c) flexibilização da taxa cambial; d) eliminação de restrições ao capital externo, permitindo investimento direto
estrangeiro; e) promoção da venda de empresas estatais;
f) desregulação, com redução da legislação de controle do
processo econômico, das relações trabalhistas e da pro5. Em uma reunião em Washington (1989) foi tomado um conjunto de medidas
consensuais voltadas a promoção do equilíbrio entre receita e gasto público, ou o
ajustamento econômico dos países considerados em desenvolvimento, mas que
possuíam dívidas junto aos organismos internacionais e que tinham dificuldade
de cumprir as metas de pagamento. O Consenso de Washington assessorado por
economistas de instituições financeiras situadas em Washington, como o FMI, o
BM e o Departamento do Tesouro Americano fundamentadas num texto do economista John Williamson, do International Institute for Economy, e que se tornou
a política oficial do Fundo Monetário Internacional.
34
TRIBUTAÇÃO em revista
priedade intelectual.
O Estado brasileiro adapta a sua agenda de desenvolvimento e das políticas públicas ao atendimento das metas
do Consenso de Washington e o Programa Nacional de
Educação Fiscal deixa para trás o que pode ser considerado a sua primeira fase: a Educação Tributária. Começa,
então, a ser planejado como Programa, voltado ao desenvolvimento da cidadania, tendo como objetivos: a) sensibilizar o cidadão para a função socioeconômica do tributo;
b) levar conhecimentos aos cidadãos sobre administração
pública; c) incentivar o acompanhamento pela sociedade da aplicação dos recursos públicos; d) criar condições
para uma relação harmoniosa entre o Estado e o cidadão.
Para alcançar estes objetivos o Programa6 passou a ser
desenvolvido através de módulos apresentados através de
material didático voltado à formação da cidadania, assim
distribuídos: I - às crianças do ensino fundamental, apresentando de modo gradual os conceitos ligados à educação
fiscal. II - aos adolescentes do ensino médio, aprofundando os temas apresentados no Módulo I; III - aos servidores
públicos, mediante processo de conscientização e envolvimento no Programa; IV - aos estudantes universitários;
V - à sociedade em geral.
Em termos práticos, o Programa de Educação Fiscal
foi estruturado pela Portaria 413, de 31 de dezembro de
2002, definindo as competências e as atribuições do Ministério da Fazenda, por meio da Receita Federal do Brasil
(RFB), das secretarias de Estado da Fazenda; do Ministério da Educação e das Secretarias de Estado da Educação.
Como consequência houve desdobramentos em suas respectivas instituições nas esferas federal, estadual e municipal e, em 2007, foi firmado o protocolo de cooperação
entre os entes federados. A Escola Superior de Administração Fazendária (ESAF), é a responsável pela coordenação nacional do Programa. Outros órgãos passaram a
fazer parte: Secretaria Tesouro Nacional (STN); Controla6. Para conhecer e aprofundar o PNEF sugere-se os seguintes sítios: www.esaf.fazenda.gov.br/educacaofiscal/programa.
www.pt.wikipedia.org/.../programanacionaldeeducação. www.sefaz.al.gov.br/pef/.../curso_educacao_fiscal.pdf. www.cgu.gov.br/Imprensa/
Noticias/noticias. www.fazenda.mg.gov.br/cidadaos/educacao_fiscal. www.rj.gov.
br/web/seeduc/exibeconteudo. www.esaf.fazenda.gov.br/.../educacao-fiscal/ Fiscal
doria Geral da União (CGU); Procuradoria Geral da União
(PGU); e a Secretaria de Orçamento Federal( SOF).
O Programa cresce e através de esforço começa a capacitar professores de todo o país, os quais, juntamente
com os técnicos das Secretarias de Estado da Fazenda, da
RFB, pedagogos e técnicos do Estado brasileiro, começam
a desenvolver as atividades, com destaque para as escolas
brasileiras. Estes agentes afinaram-se com uma proposta
de ação nacional, cujos propósitos norteadores se voltavam para: desenvolver a consciência crítica da sociedade;
fortalecer a educação como mecanismo de transformação
cultural; e, harmonizar a relação Estado/cidadão, conscientizando o cidadão para a função social e econômica
dos tributos, qual seja, garantir recursos para a manutenção do Estado, o qual deve agir como instrumento
de distribuição e desenvolvimento como forma de minimizar as diferenças regionais. Também foi contemplado
o conhecimento sobre gestão pública e o conhecimento
compartilhado a favor do bem público. Outro propósito
do Programa é a ampliação da eficiência e transparência
do Estado com o uso da responsabilidade fiscal para obter
o equilíbrio fiscal, a longo prazo, reduzindo a corrupção e
fortalecendo a ética na administração e refletindo sobre as
práticas sociais. O Programa também se propõe a buscar
caminhos para melhorar o perfil do homem público, bem
como atenuar as desigualdades sociais.
O Programa evolui, aceitando a interdisciplinaridade;
promovendo estudos e intercâmbios de experiências entre
órgãos e Estados; produzindo material pedagógico, vídeos,
encontros, entre tantas experiências país afora. Percebe-se
o amadurecimento consubstanciado na definição de novas estratégias e ações que alcançassem os objetivos propostos. Surge o Planejamento Estratégico7 para avaliar o
que foi desenvolvido pelo Programa e definir novas ações
educativas que promovessem a cidadania voltada à realidade social, política, cultural e econômica do Brasil, bem
7. O Planejamento Estratégico é um importante documento desenvolvido entre
todos os envolvidos na implementação do Programa Nacional de Educação Fiscal,
para rever as suas realizações e aperfeiçoar os novos processos a serem desencadeados com base na avaliação das ações. Definiu pela gestão participativa, onde
a organização, a direção, a coordenação e o controle buscavam coesão interna,
direcionamento das diretrizes e alternativas de ação.
como para aperfeiçoar os processos de acompanhamento
e avaliação de suas ações. O Programa avançava na direção
de compartilhar conhecimentos e interagir com a sociedade sobre as questões das políticas fiscais. Mas algumas
questões devem ser colocadas: a metodologia adotada pelo
Programa de fato contribui para a construção do exercício
da cidadania, na relação entre Estado e sociedade?; como
tratar da relação entre o Estado e a sociedade diante dos
objetivos determinados pela Educação Fiscal?; em que
nível de mudança, ou de participação, o Programa reconhece que houve alteração da consciência e o individuo
passa a ser cidadão? por que na sociedade brasileira não
se é cidadão?
2 A Pretensão de Construir uma Consciência Voltada
à Cidadania
As questões acima colocadas devem ser motivadoras para pensar a prática do Programa, sem dissociar das
pretensões encaminhadas pelo Consenso de Washington,
através dos discursos que apregoam um novo modelo de
gestão para o serviço público.
Talvez fosse interessante elaborar uma análise mais
crítica sobre o Programa Nacional de Educação Fiscal, se
o Programa fosse considerado como o protagonista que
constrói um elo, fazendo a mediação entre o Estado e a
sociedade. O Programa se propõe a fazer o papel ideológico com uma identidade cidadã aos indivíduos que a ele
se vincula, avançando para além da compreensão sobre
a função socioeconômica do tributo, já que os seus participantes nunca são “convidados à mesa” para tomar as
decisões sobre as políticas públicas que de fato a sociedade
necessita. Este avanço é fundamental para romper com a
ideia de que a cidadania está centrada nos cumprimentos
das determinações ditadas pelo Programa8.
Abordando a participação da sociedade do ponto de
vista da função socioeconômica do tributo, percebe-se que
uma das razões pelas quais ele existe é a promoção de mudanças e redução das desigualdades sociais. Ele não tem
um fim em si mesmo. O cidadão, consciente da função
8. CNI, 2012.
TRIBUTAÇÃO em revista
35
social do tributo, é convocado a participar do processo de
arrecadação, aplicação e fiscalização do dinheiro público.
Sob esta perspectiva “a cidadania9 é um elemento insustentável de promoção e da emancipação dos direitos da
coletividade”10.
O teor dos discursos apresentados pelo Estado visando
o incentivo ao aumento da arrecadação, normalmente vem
acompanhado da promessa de ampliação ou de melhoria
dos serviços públicos. No quesito da cidadania, o discurso é permeado pela igualdade legal e moral. Este tipo de
discurso causa a impressão de que a liberdade é o valor
fundamental, garantida pelos preceitos constitucionais,
embora a liberdade de agir do cidadão, do ponto de vista individual e não coletivo, refira-se mais ao acesso aos
direitos civis e da propriedade. Este tipo de discurso minimiza, mas não elimina a questão da desigualdade social,
política, cultural e econômica. O lugar da desigualdade é
institucional, é legalizado, é legitimado.
A motivação utilizada pelo governo para que a sociedade minimize a desigualdade e melhoria dos serviços públicos, concentra-se no esforço do pagamento dos tributos. Tornou-se comum responsabilizar a sociedade pelos
seus conflitos, pelas suas condições sociais, já que podem
ser entendidas como consequências das suas próprias escolhas, pois afinal, se vive numa democracia.11
Ora, a cidadania deve ultrapassar as questões tributárias num universo de que “todos são iguais perante a lei”,
e avançar para fazer parte de um mundo político real, e
não de um mundo político simbólico, no qual o Estado
trata de seus conflitos com a sociedade através de longos
processos burocráticos; no qual a linguagem adotada pelas
instituições públicas é pouco compreendida pela sociedade; no qual o Estado acostumou a sociedade a sofrer vio9. O termo cidadania passou a ser muito utilizado após Constituição 1988 por
políticos, militantes dos movimentos, religiosos, Organizações Não Governamentais – ONGs como personificação dos cidadãos.
lações dos direitos humanos, sociais e civis; no qual boa
parte das experiências de participação social se tornam
apenas administrativas, não legitimando a efetividade da
participação social na gestão pública, no acompanhamento do individuo na gestão pública, na busca de harmonização e na relação entre Estado e sociedade, conforme
apregoa o Programa.
O conceito de Educação Fiscal afirma que ela “é de
processo que visa à construção de uma consciência voltada ao exercício da cidadania”12. Seu objetivo é de propiciar a participação do cidadão no funcionamento e aperfeiçoamento dos instrumentos de controle social e fiscal
do Estado. E a missão é de “compartilhar conhecimentos
e interagir com a sociedade sobre a origem, aplicação e
controle dos recursos públicos, favorecendo a participação
social.13”
O sentido atribuído à participação social, no contexto
da Educação Fiscal, pode se aproximar da concepção política voltada à democracia, se estiver associado aos processos de integração social dos indivíduos engendrados
nas suas lutas, nos movimentos sociais, nas organizações
das mais diversas formas, enfim na dinâmica da sociedade.
São trabalhos de conscientização e de organização, mas
também de resultados práticos.
De acordo com COHN14 a participação social precisa
ser entendida nas suas concepções:
Na concepção liberal se constitui de uma ordem social
que assegure a liberdade individual e a participação objetiva, o fortalecimento da sociedade civil, não para participar
da vida do Estado, mas para fortalecê-la e evitar as ingerências do Estado como forma de controle e interferência
na vida dos indivíduos.
A participação liberal corporativa advém de um movimento espontâneo dos indivíduos e a existência de organizações na sociedade.
A participação comunitária concebe o fortalecimento
10. AMORIM, 2010, p.94.
11. A EIU – Economist Intelligence Unit, unidade de análise da revista britânica
“The Economist” traz os resultados do Índice de Democracia para 2012 e o Brasil fica em 44º lugar. Vide http://www.visitpanama.com/index.php?option=com_
k2&view=item&id=1028:unidad-de-inteligencia-de-the-economist-201
12. http://www.receita.fazenda.gov.br/educafiscal/
13. http://www.esaf.fazenda.gov.br/educacao_fiscal/pnef.
14. COHN, 2011, p.19
36
TRIBUTAÇÃO em revista
da integração sociedade civil em seus órgãos representativos aos órgãos deliberativos e administrativos do Estado.
Este tipo de participação ocorre quando os estímulos são
promovidos pelos programas e normalmente visam diluir
os conflitos sociais.
A estrutura da participação autoritária se dá nos coletivos organizados para lutar contra as relações de dominação e pela divisão do poder político, defendendo, sobretudo, a manutenção do controle do poder para a sociedade.
A concepção da democracia radical fortalece a sociedade para a construção de uma nova realidade social, sem injustiças, exclusões, desigualdades, discriminações. Portanto, discutir a conscientização da cidadania no Programa
Nacional de Educação Fiscal deve ser contextualizada nas
inquietantes contradições que envolvem o tema. É preciso
superar a visão da cidadania como “direitos e deveres” na
postulação daquilo que o individuo pode e deve fazer. O
propósito de discutir a cidadania não pode estar vinculado
as forma de controle e de disciplina junto à sociedade.
O cidadão não é passivo em estado de direitos específicos que goza da proteção da lei.
3. O Programa Nacional de Educação Fiscal em Si
Pode-se dizer que o Programa Nacional de Educação
Fiscal tem um nível sofisticado de complexidade. Circunda pelas ciências interdisciplinares, onde a pedagogia, a
economia, a sociologia, a administração, o serviço social, a
psicologia, o direito, entre outros compõem, em conjunto,
metodologias que se propõem a construir novas modalidades de conhecimento. Também se pode dizer que o
Programa Nacional de Educação Fiscal se instala nas “entranhas” dos seus atores sociais ou disseminadores, e seus
“olhares ternos” se voltam na busca de resultados, numa
prática de vida incansável de um sonho de se ter uma sociedade mais justa.
Um característica do Programa Nacional de Educação
Fiscal é a interdisciplinaridade,15 como construção que
15. A interdisciplinaridade incorpora os resultados de várias especialidades.
É uma forma de religar os diversos ramos do saber para que juntos possam se
integrar e convergir utilizando métodos, tecnologias, conceitos a fim de garantir
um resultado prático positivo.
visa reintegrar o conhecimento de áreas, respeitando a
contribuição de cada uma delas para evoluir a favor da
alteração de uma prática pedagógica voltada ao objetivo
comum, exercitar a cidadania, como o mais importante
aliado para avançar a favor de alterações culturais determinadas por uma sociedade de classes, hierarquizada, desigual e injusta.
Neste processo, o Programa vem evoluindo, com uma
dinâmica de enfrentamento das contradições, incertezas
e indefinições, aparentando certa desordem, distante de
ter uma visão de totalidade. Ao mesmo tempo falta-lhe
clarificar os elementos de saberes construídos e praticados
a ponto de alterar a consciência de grupos humanos ou de
comunidades como, por exemplo, as inúmeras experiências realizadas em escolas ou mesmo aquelas vivenciadas
com a sociedade.
A ausência de um sistema de avaliação como forma
de análise e de interpretação dos resultados implica num
distanciamento entre as práticas em si e os seus resultados.
Como consta no documento do planejamento nacional,
“(...) de seus efeitos e de seus impactos produzidos
pela implementação de ações em contextos claramente identificados, cujos procedimentos visam a
analisar a eficiência, eficácia e efetividade de ações
planejadas, adotadas e implementadas. Entende-se
por monitoramento o processo de acompanhamento
e controle da implementação de projetos por meio
de monitores lógicos que podem, inclusive, descrever e acompanhar as mudanças causadas pela ação
do programa”16.
Na busca de resultados práticos, percebe-se ausência de análises, o que nos remete a observação de que os
atores sociais envolvidos no Programa devem avançar em
estratégias políticas que rompam com interações e retroações pragmáticas ou apenas em determinadas ações imediatas voltadas para a quantificação de dados e não para a
alteração da consciência. Em outras palavras, são as ações
pontuais (palestras, atividades nas escolas, seminários)
que tratam do tema da Educação Fiscal, como se a partir
16. ESAF, 2004, p. 16,17.
TRIBUTAÇÃO em revista
37
desta ação a população conseguisse se apropriar de sua cidadania. É a atenção que os disseminadores do Programa
devem ter para considerar cidadania como causa e feito,
ou direito e dever, dentro de um processo maniqueísta
onde a visão se reduz ao utilitarismo e as relações sociais
se constroem pela meritocracia.
As estratégias políticas dos disseminadores do Programa devem estar comprometidas com a dinâmica da sociedade em sua totalidade e de modo sistêmico.
Para efeitos deste trabalho, a Educação Fiscal aqui referida se dá através de alguns dados que foram coletados,
analisados e divulgados na rede, como no caso da Pesquisa
de Percepção da Política Fiscal Brasileira,17 cujo objetivo
foi identificar o nível de conhecimento dos cidadãos sobre
a política fiscal. Entre os itens pagamento de impostos,
gastos públicos, controle das ações do Estado, houve a
avaliação sobre o conhecimento que os entrevistados têm
do Programa de Educação Fiscal. Da amostra de 2.016 entrevistados, apenas 28,3% conheciam.
Referentes ao Módulo I e II percebe-se que há uma ampliação de trabalhos que envolvem atores sociais (professores, auditores, secretários de diversas secretarias e esferas) cujos resultados estão sendo amplamente divulgados
nas redes sociais, onde caprichosamente as atividades são
descritas e parece que se aproxima o “gosto do dever cumprido”. Entretanto, deve-se ter claro que a Educação Fiscal
para estas fases (crianças e adolescentes) deve ser entendida como ações preventivas e que se contrapõe à cultura
vigente. Mas, se não houver continuidade em ações que
favoreçam a cidadania, o aprendizado e a tomada de consciência, adquiridos nos primeiros módulos, podem não
surtir efeitos.
Ao tratar do Módulo V - Sociedade em geral referimo-nos à “Pesquisa dos Observatórios voltados à cidadania e
à educação fiscal no Brasil: Estrutura e atuação”18,realizada
em 2011, a qual contou com a participação de vinte Observatórios Sociais de diferentes regiões do país. Um dado
de extrema relevância é que 55% dos entrevistados disseram que o maior motivo que os levaram a criar os seus Observatórios Sociais foi a “importância de acompanhamento
dos gastos públicos e de educação fiscal19”. E a outra razão
foi o incentivo para a criação de Observatórios Sociais,
em seus municípios, recebido do Observatório Social do
Brasil e de pessoas ligadas a Observatórios de municípios
vizinhos.
4. Considerações finais
A consciência de ser cidadão põe em questão a relação
do individuo com o seu meio social, com as múltiplas formas de dominação e de controle explícitas ou veladas. A
cidadania é emancipatória: ser consciente é ser agente de
transformação, é uma identidade política que pode estar
vinculada à missão e aos objetivos do Programa Nacional de Educação Fiscal, principalmente se tiver a avaliação
como caminho e como uma meta a ser alcançada.
O Programa Nacional de Educação Fiscal, como articulador da cidadania, deve ter bem claro uma identidade
superando a história da cidadania brasileira, mas sendo
ela o começo de toda uma discussão para a prática transformadora. A participação do cidadão na gestão publica
passa por uma metodologia de ação, por uma definição
de pertencimento a um sistema político de um Estado
republicano. A democracia deve ser radicalizada. Deve
adentrar em todas as esferas, do público ao privado, do
individual ao coletivo.
Deve-se construir o que existe de mais profundo na
cultura da população brasileira, que ainda está em silêncio
e é imposto pelo excesso de violência e discriminação.,
pela presença do preconceito, pelo pouco exercício de
acesso aos espaços públicos e pela disciplina que condiciona a conduta humana sem tomar conhecimento de que
a sociedade é o resultado de uma herança histórica e de
um modelo autoritário que ainda faz parte da vida dos
brasileiros.
17. Esta pesquisa foi realizada pela ESAF em 2010 E resultou num relatório de
percepção sobre a Política Fiscal brasileira. Vide ESAF, 2010.
18. SCHOMMER e outros, 2011,
38
TRIBUTAÇÃO em revista
19. Idem, p. 9
REFERÊNCIAS
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AMORIM, Álvaro, A. IN: Capitalismo em crise. Política
social e direitos. São Paulo, Cortez, 2010, PP 86 – 105.
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Reforma do Aparelho do Estado. Brasília: Presidência
da República, nov. 1995. Disponível em: <http://www.
bresserpereira.org.br/Documents/MARE/PlanoDiretor/
planodiretor.pdf>. Acesso em 8 mai 2013.
CARVALHO, José M. Desenvolvimiento de la ciudadanía em Brasil. México Fondo de Cultura Econômica,
1995.
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Sociedade Brasileira: Saúde Pública. Brasília: CNI, 2012.
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Sa%C3%BAde%20P%C3%BAblica%20Janeiro%20
2012.pdf>. Acesso em 8 mai 2013.
COHN, Maria da Glória. Conselhos gestores e participação sociopolítica. 4ª ed. São Paulo. Cortez: 2011.
ESAF – Escola de Administração Fazendária. Pesquisa de Percepção da Política Fiscal Brasileira. Brasília,
Ministério da Fazenda, Observatório de Política Fiscal, jun. 2010. Disponível em: <www.esaf.fazenda.gov.
br/a_esaf/biblioteca/.../pesquisa-percepcao.pdf‎> Acesso em 8 mai 2013.
ESAF – Escola de Administração Fazendária. Programa
Nacional de Educação Fiscal – PNEF: Plano Estratégico
2004/2007. Brasília: Ministério da Educação, Ministério da Fazenda, mar. 2004
JUCÁ, Maria Carolina Miranda. Crise e reforma do Estado: as bases estruturantes do novo modelo. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003 . Disponível
em: <http://jus.com.br/artigos/3598>. Acesso em: 24
mai. 2013.
SCHOMMER, Paula Chies e outros. Pesquisa Observatórios Sociais voltados à cidadania e à educação fiscal
no Brasil: estrutura e atuação. Relatório técnico. Florianópolis; Itajaí: UDESC/ESAG e OSI, 2011. 35 pg.
Disponível em: <http://www.osflorianopolis.com.br/
arquivos/4290_Pesquisa_UDESC_Observatorios.pdf>.
Acesso em 8 mai 2013.
TRIBUTAÇÃO em revista
39
a RTIGO
A Inconstitucionalidade da Pena de Cassação de
Aposentadoria
Talita Ferreira Bastos1
Laerço Salustiano Bezerra2
A Seguridade Social é destinada a assegurar, dentre outros direitos, o direito previdenciário, que inclui o direito
de aposentadoria. A aposentadoria tem como princípio
básico proteger o ser humano na velhice para que nessa
idade se tenha uma vida digna, condizente com todo o
período dedicado ao trabalho.
Antes da introdução da Emenda Constitucional no 3,
de 1993, a aposentadoria era definida como prêmio por
longos anos de serviço que o beneficiário continuaria a
perceber até o fim da vida, acentuando o caráter de continuidade da relação jurídica entre o Estado e o servidor, já
que, após a inativação, os proventos mantinham a mesma
natureza jurídica de vencimento.
Com a edição da Emenda Constitucional no 03/1993,
o sistema previdenciário passa a ser contributivo e o ser-
vidor público passa a ser contribuinte do regime previdenciário para ter direito à aposentadoria, que passa a ser
um benefício concedido quando do cumprimento de requisitos de tempo de efetivo serviço público, idade mínima e/ou capacidade, e tempo de contribuição. Com isso,
defende-se que os impedimentos para a concessão ou cassação de aposentadoria do servidor público cingem-se ao
descumprimento de um desses requisitos, pois são eles os
parâmetros para a sustentabilidade do ato.
Nesse contexto, as hipóteses de cassação de aposentadoria podem surgir dentro do prazo decadencial de
5 (cinco) anos, tal como estatuído no artigo 54, da Lei
9.784/1999. A Administração Pública, no exame da legalidade do ato, pode levantar inconsistências nos pressupostos legais garantidores da concessão de aposentadoria.
No diagnóstico de Ivan Barbosa Rigolin, “Apenas se
pode cassar a aposentadoria que tenha sido irregularmente concedida, com desrespeito e insatisfação dos pressupostos para sua concessão. Nunca em outra hipótese!”3
1. Advogada do Departamento de Assuntos Jurídicos do Sindifisco Nacional
O artigo 134, da Lei 8.112/90 estabelece que seja cassada a aposentadoria do inativo que houver praticado na
2. Advogado da Diretoria de Assuntos de Aposentadoria, Proventos e Pensões
do Sindifisco Nacional.
40
TRIBUTAÇÃO em revista
3. RIGOLIN, 2007, p. 4
inatividade, falta punível com demissão. Por isso, convém
questionar se seria constitucional ou, de alguma forma legal, o instituto da cassação de aposentadoria.
O artigo 172, da Lei 8.112/90 impede a concessão de
aposentadoria ao servidor que esteja sendo processado administrativamente, e ultrapassado o prazo máximo para
conclusão do procedimento disciplinar, o servidor não
terá óbice para se aposentar. É um entendimento jurisprudencial que se ampara na responsabilidade da Administração pela delongada apuração da falta funcional e do preenchimento das condições para aposentação, que corrobora
para o fato de que a cassação de aposentadoria afronta o
direito de aposentadoria adquirido pelo servidor público.
Ainda de acordo com a jurisprudência pátria, o controle do ato de legalidade da aposentadoria deve ser realizado dentro do prazo decadencial do artigo 54, da Lei
9.784/99, cinco anos, em respeito à estabilidade das relações jurídicas.
MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. APOSENTADORIA. CASSAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA. A aposentadoria de servidor público consolida-se por seus próprios efeitos. O controle de legalidade, pelo Tribunal de Contas, somente pode dar-se
dentro do tempo útil a que o Estado possa exercer
seus direitos. Prescrita a ação do Estado, perde-se
o interesse para o registro da aposentadoria. (Ap
Cível/Reex Necessário 1.0707.07.146014-1/001,
Rel. Des.(a) Almeida Melo, 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 24/04/2008, publicação da súmula em
05/06/2008)4
A despeito do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, a lei não prejudicará o direito adquirido, o
ato jurídico perfeito e a coisa julgada. E o direito adquirido também inserido no artigo 6º da Lei de Introdução às
Normas do Direito Brasileiro, Decreto-Lei 4.657/42, com
alterações da Lei n. 12.376/2010, é aquele que faz parte
do patrimônio jurídico da pessoa que programou todas as
condições para tê-lo, podendo utilizá-lo a qualquer momento. Extrai-se desse conceito que o direito adquirido
pertence ao patrimônio jurídico do indivíduo, ou seja, é
um fato consumado com efeitos atemporais, a serem preservados no tempo e no espaço desde a sua aquisição.
Se o servidor completou os requisitos de idade, tempo
de serviço público e contribuição, ou comprovou alguma
incapacidade, e adquiriu o direito de se aposentar, presume-se que o ato de aposentadoria é legal, não carecendo
de validade e/ou ratificação, porque está protegido pelo
direito adquirido e seguro na imutabilidade da situação
consolidada.
Nesse entendimento, a aposentadoria é um direito adquirido pleno, de aplicação imediata, pois considera que
todas as condições inerentes à sua aquisição já se encontram resolvidas, não podendo ser alteradas ao arbítrio de
outrem, em razão da legítima expectativa de sua permanência.
Portanto, tendo o servidor adquirido o direito de aposentadoria, como poderia a Administração impedi-lo de
usufruir um direito que ela própria concedeu e declarou
legítimo?
Outra hipótese que reforça a ilegalidade da pena de
cassação de aposentadoria é a aproximação dos sistemas.
O artigo 201, § 1º, da Constituição Federal, com redação
dada pela Emenda Constitucional n º 20/1998, impede a
adoção de critérios diferenciados entre os regimes:
“É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições
especiais que prejudiquem a saúde e a integridade
física, definidos em lei complementar.”
A pena de cassação de aposentadoria é prevista unicamente no Estatuto dos Servidores Públicos - Lei 8.112/90,
portanto aplicável somente aos segurados ao Regime Próprio de Previdência Social.
A teor do artigo 5º, da Lei 9.717, de 27 de novembro
de 1998, que veda a concessão de benefícios distintos daqueles previstos no Regime Geral de Previdência Social,
cabe interpretar que, se não há tratamento distinto entre
os regimes, não poderá haver benefícios ou malefícios no
regime próprio que não esteja previsto no regime geral.
4. BRASIL, TJMG, 2008.
TRIBUTAÇÃO em revista
41
Como visto, a redação do texto da lei é expresso:
Art. 5º Os regimes próprios de previdência social
dos servidores públicos da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos
Estados e do Distrito Federal não poderão conceder
benefícios distintos dos previstos no Regime Geral de
Previdência Social, de que trata a Lei nº 8.213, de 24
de julho de 1991, salvo disposição em contrário da
Constituição Federal.
Extrai-se da norma que, na impossibilidade de criação
ou extensão de benefícios distintos entre os regimes, não
pode o Regime Próprio conceder benefícios não previstos
no Regime Geral, o que nos permite, analogamente, interpretar que não pode o Regime Próprio prever penalidades
não regulamentadas pelo Regime Próprio.
Do mesmo entendimento compartilha a Consultoria
Jurídica do Ministério Público da Previdência Social –
CONJUR/MPS5:
“[...] a norma do art. 5º da Lei n. 9.717/98 deve ser
interpretada de forma ampla, para vedar não só a
criação, pelo RPPS, de benefícios distintos daqueles
previstos no RGPS, mas também vedar a ampliação
do rol de beneficiários previstos no RGPS.”
E para reforçar, o mesmo entendimento foi adotado
pela Pasta na Orientação Normativa MPS/SPS no 02/2009,
assim como na Portaria MPS no 402/20086, que afirma:
“[...] se o art. 5º teve como inspiração o equilíbrio
econômico-financeiro dos RPPS (art. 40, caput, da
CF, desde a redação dada pela EC n. 20/1998; e art.
1º da Lei n. 9.717/98) e a equivalência entre os RPPS
e o RGPS (art. 40, § 12, CF), não faria sentido permitir-se a ampliação do rol de beneficiários, ou seja,
permitir-se que categorias de pessoas que não são
beneficiárias no RGPS o fosse no RPPS.”
Nesse sentido, se o objetivo é evitar que haja tratamento distinto entre os regimes, o Regime Próprio de Previdência Social não poderá prever benefícios e/ou malefícios
não previstos no Regime Próprio. No caso, a interpretação
5. AGU, 2010.
6. AGU, 2010..
42
TRIBUTAÇÃO em revista
da Lei também se aplica a penalidade da cassação de aposentadoria, que, não estando prevista no RGPS também
não poderia ser adotada pelo RPPS.
Como o Regime Geral de Previdência Social não prevê
a penalidade de cassação de aposentadoria, o artigo 201,
§1º, da Constituição Federal, veda a diferenciação entre
os regimes, mostrando-se ilegal a penalidade de cassação
de aposentadoria, que não é prevista no Regime Geral de
Previdência Social.
Notadamente, a Emenda Constitucional no 20/98 não
revogou os efeitos do artigo 5º, da Lei 9.717, de 27 de
novembro de 1998. A lei estabelece regras gerais sobre
a organização e funcionamento dos regimes próprios de
previdência social dos servidores públicos.
Art. 5º Os regimes próprios de previdência social
dos servidores públicos da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos
Estados e do Distrito Federal não poderão conceder
benefícios distintos dos previstos no Regime Geral de
Previdência Social, de que trata a Lei no 8.213, de 24
de julho de 1991, salvo disposição em contrário da
Constituição Federal.
Dessa forma, o direito de aposentadoria depois de adquirido deve ser preservado em favor da estabilidade das
relações jurídicas e da inviolabilidade do direito adquirido. A aproximação dos sistemas justifica que a cassação
de aposentadoria não tem lugar no mundo jurídico, isso
porque, com a edição da Emenda Constitucional no 20/98
em consonância com a Lei 9.717/98 é vedado ao Regime
Próprio criar benefícios não previstos no Regime Geral,
o que se presume que o contrário, ou seja, a criação de
penalidades, também não poderia.
Como visto, a legislação vigente não corrobora com a
diferenciação entre os regimes. Não há possibilidade de
extensão dos benefícios e critérios do regime geral para o
regime próprio, assim como, da mesma forma, não pode
haver extensão de efeitos e penalidades não prevista naquele regime. Se o objetivo da norma é prevenir o tratamento idêntico entre os beneficiários, como pode o regime
próprio prever penalidades inexistentes no regime geral?
Sob outro aspecto, sendo o regime previdenciário atual
de caráter contributivo e solidário, o trabalhador vinculado ao RGPS deve cumprir a carência mínima de contribuições, enquanto que o servidor público também deve
saldar suas prestações previdenciárias.
Nessa inteligência, ressalta-se que o servidor público
contribuinte, tem todo o direito de ser retribuído pelo sistema ao qual esteve vinculado e para o qual contribuiu por
toda sua carreira laboral.
A prestação previdenciária é um pressuposto obrigatório e de caráter econômico, importando em parcelas mensais no valor de 11% (onze por cento) da remuneração do
servidor, devida, inclusive, após a aposentadoria do segurado. Por essa razão, convém questionar se o servidor que
eventualmente tem sua aposentadoria cassada teria direito
ao resgate de suas contribuições. Em se tratando de um
regime contributivo, a aposentadoria não é um benefício
gratuito e subjetivo, mas sim, um direito adquirido com
o cumprimento dos requisitos legais, dentre eles o pagamento das parcelas previdenciárias.
Como se percebe, a vigência do artigo 134, da Lei
8.112/90, é ilegal, também, porque configura o enriquecimento ilícito da Administração, já que as prestações previdenciárias pagas não retornam ao servidor. Em se tratando de um sistema aquisitivo em que o recolhimento
das parcelas previdenciárias são decisivas para a concessão
da aposentadoria, seria razoável que a cassação do direito de aposentadoria gerasse a devolução das parcelas ao
servidor, que contribuiu a vida inteira para o sistema que
deveria custeá-lo na velhice.
Assim, quanto ao requisito da contributividade, a aposentadoria não é um benefício gratuito e subjetivo, mas
um direito adquirido, sobretudo pelo cumprimento de
requisitos legais. Deste modo, a pena de cassação de aposentadoria, prevista no artigo 134, do Estatuto do Servidor
é inconstitucional, porque não prevê o resgate das contribuições, e a não devolução das prestações previdenciárias
motiva a ilegalidade da medida punitiva.
O Regime Geral prevê normas para concessão de aposentadoria, porém não trata da perda, salvo os casos de
morte ou irregularidade, ao que deveria se igualar ao regime próprio dos servidores públicos pelo fato de aplicar os
mesmos requisitos para aquisição de benefícios.
Portanto, tem razão a norma prevista no artigo 5º da
Lei 9.717/98, quando estabelece que as prestações previdenciárias pagas pelo segurado representam seu pleno
direito à inatividade remunerada, e na impossibilidade da
concessão do benefício, os valores devem lhe ser devolvidos, sob pena de enriquecimento ilícito da Administração
Pública.
A perda do direito de aposentadoria é uma matéria que
merece ser aprofundada, ao passo que sua ilegitimidade
dentro do sistema representa desequilíbrio e violação às
normas constitucionais, infralegais e aos princípios fundamentais, logo, é incontestável a demanda de subsídio à
inconstitucionalidade e a inaplicabilidade da pena de cassação de aposentadoria, que, como direito social, é dever
do Estado, e financiado pela sociedade de forma direta e
indireta.
TRIBUTAÇÃO em revista
43
REFERÊNCIAS
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44
TRIBUTAÇÃO em revista
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RIGOLIN, Ivan Barbosa. Direito adquirido à aposentadoria não se perde com a demissão do servidor titular:
a absurda pena da cassação de aposentadoria por falta
antiga, punível com demissão. Fórum administrativo:
direito público, Belo Horizonte, v. 7, n. 75, maio 2007.
Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/30100>. Acesso em: 20 abr. 2010
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,
2002.
a RTIGO
Tributação Previdenciária e a Evolução da Proteção
Securitária Estatal: Dignidade da Pessoa Humana
Alexsandro Cardozo da Cruz1
1. Introdução
Dos três pilares que compõem a Seguridade Social – Previdência, Saúde e Assistência Social, a Previdência Social é
a única que tem como característica o caráter contributivo
obrigatório por parte dos que se utilizam dos seus benefícios.
No âmbito especificamente previdenciário, que acolhe,
em regra, as pessoas que exercem atividades remuneradas,
há milhares de trabalhadores não contemplados pela referida
proteção securitária, uma vez que não contribuem para ter
direitos às prestações previdenciárias.
O presente artigo trata especificamente desses trabalhadores excluídos da segurança previdenciária, pois se diferenciam dos demais cidadãos com carteira de trabalho assinada,
já que a responsabilidade pelo recolhimento das contribuições nesse último caso é dos empregadores. Compõem o objeto deste estudo as pessoas ativas no mercado de trabalho
que exercem atividades por conta própria e os trabalhadores
1. Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, bacharel em Ciências Contábeis
(Universidade do Estado do Rio de Janeiro -UERJ), bacharel em Direito (Universidade Estácio de Sá – UNESA), Pós-Graduando em Direito Constitucional (UNESA).
informais, incluída aqui as mais variadas formas de trabalho
exercidas, tais como camelôs, taxistas, moto-taxistas, despachantes, transportadores escolares, feirantes, costureiras, etc.
Neste sentido, no que diz respeito ao caráter contributivo
temos, para formação de aporte de recursos para garantia dos
benefícios, o pagamento de cota individual e cota patronal.
Esta é de responsabilidade dos empregadores e aquela é de
obrigação do trabalhador, embora seja retida e recolhida pela
empresa.
Portanto, no caso de empregados que possuem carteira
de trabalho assinada, há uma contribuição que se desconta do
salário e outra parte que o empregador recolhe para compor
o fundo previdenciário se efetivar o pagamento de benefícios.
No caso dos trabalhadores que não possuem vínculo empregatício a questão é diferente, porque eles devem arcar com
o custo da cota individual e patronal para inclusão no sistema
de proteção previdenciária.
Em nosso país, há milhões de trabalhadores nesta situação. Como incluir tais cidadãos na abrangência da proteção
previdenciária, sem elevado custo contributivo, bem como
não causar danos às contas públicas e, ainda, aumentar a arrecadação do sistema?
TRIBUTAÇÃO em revista
45
José Carlos da Silva2 entende que deveria ser exigida
prova de regularidade para com a Previdência Social das atividades exercidas por conta própria passíveis de liberação e
recadastramento anual pelo poder público, prefeituras e governos estaduais. Esse fato faria com que os trabalhadores
fossem obrigados a contribuir e integrar o sistema de proteção previdenciária, sem necessidade de estímulo.
Contudo, esta não parece a melhor solução. Embora todos os que exercem atividade remunerada estejam obrigados
a contribuir para o sistema previdenciário, tem-se que levar
em consideração as condições mínimas de existência humana digna.
O direito à previdência social é um direito fundamental
acolhido de forma inegável pelo artigo 6°da Constituição Federal.
É justamente nos momentos nos quais os cidadãos, inseridos na sociedade por força de sua capacidade de trabalho
(substancial maioria da população), têm a sua força laboral
afetada, ou mesmo negado o acesso ao trabalho, como é cada
vez mais comum por força do modelo econômico excludente, que a previdência social evidencia seu papel nuclear para
a manutenção do ser humano dentro de um nível existencial
minimamente adequado3.
O assunto sobre a inclusão previdenciária é debatido no
Brasil e no mundo, pois há uma maior cobertura de pessoas
necessitadas. Porém, por outro prisma, também há a necessidade de um maior desembolso financeiro por parte do Estado, que em muitos países vivem momentos de crise, realizando reformas de cunho econômico-fiscal.
Tais recursos para financiamento das ações de previdência poderiam ser limitados pelo Estado, uma vez que estariam
condicionados à disponibilidade dos recursos orçamentários,
o que estaria no campo de discricionariedade de decisões políticas (reserva do possível).
No entanto, a construção de direitos subjetivos à prestação material de benefícios e serviços públicos oferecidos pelo
Estado, no âmbito da previdência social, é possível através de
novas fontes de custeio do sistema, conforme previsão do art.
195, § 4° da CF/88.
Prevendo o crescimento populacional aliado às ações capitalistas, o que necessita de intervenção do Estado contemporâneo, o poder constituinte originário autoriza a instituição
de outras fontes destinadas a garantir a expansão da Seguridade Social, obedecidas algumas normas constitucionais.
Diante da realidade exposta, caberá ao presente artigo
apresentar uma proposta factível e jurídica de financiamento
da previdência social para inclusão de trabalhadores excluídos financeiramente do sistema de proteção, baseado nos
preceitos constitucionais.
2. Seguridade Social
2.1. Conceituação
Conforme a Organização Internacional do Trabalho –
OIT (Convenção no 102), Seguridade Social é a
“proteção que a sociedade proporciona a seus membros, mediante uma série de medidas públicas contra
as privações econômicas e sociais que, de outra forma,
derivam do desaparecimento ou em forte redução de
sua subsistência como consequência de enfermidade,
maternidade, acidente de trabalho ou enfermidade
profissional, desemprego, invalidez, velhice e também
a proteção em forma de assistência médica e ajuda às
famílias com filhos”4.
A Seguridade Social têm no seu propósito fundamental,
dar aos indivíduos e às famílias a tranquilidade de saber que
o nível e a qualidade de sua vida não serão significativamente
diminuídos, até onde for possível evitá-lo, por nenhuma circunstância econômica ou social.5
O artigo 194 da Constituição Federal de 1988 conceitua
Seguridade Social, como um “conjunto integrado de ações de
iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a
assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.
Desta forma, a Seguridade Social no Brasil abrange três
áreas: Saúde, Previdência e Assistência Social.
4. OIT, 1952.
2. SILVA, 2010.
3. ROCHA, p. 111.
46
TRIBUTAÇÃO em revista
5. É o entendimento do relatório apresentado por um grupo de estudos designado pelo Diretor-Geral da OIT, datado de 06/09/83.
2.2. Saúde
Os pilares do direito à saúde encontram-se insculpidos
nos artigos 196 a 200 da Constituição brasileira, dispondo no
caput do artigo 196 que “a saúde é direito de todos e dever
do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas
que visem à redução do risco de doença e de outros agravos
e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação”.
Ao contrário do que prescreve a previdência social, a
saúde independe de contribuição para seu acesso, podendo
qualquer pessoa receber atendimento na rede conveniada,
pois o acesso é universal.
A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu
pleno exercício.
O direito à saúde não se resume unicamente ao atendimento médico-hospitalar, sendo relevante a erradicação de doenças
e de outros agravos que prejudiquem a saúde do ser humano.
O disposto nos arts. 196 a 200 da Constituição Federal
foi regulamentado pela Lei nº 8.080, de 19/09/1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, e a organização e funcionamento dos serviços
correspondentes.
Sobre o assunto Valéria Maria Sant’Anna6 suscita alguns
pontos interessantes que transcrevemos:
Chamada de Lei Orgânica da Saúde, repetindo a
Constituição, estipulou que a saúde é direito fundamental do ser humano. A partir de então dá-se proteção à pessoa pelo fato de ser pessoa, ausentes indagações de ordem social, jurídica, política, etc.
Se, de um lado determinou-se o “direito” à saúde, em contraprestação há o “dever”. E esse “dever” é atribuído ao Estado, sendo este quem
tem o dever de prover condições indispensáveis
ao exercício do direito à saúde.
Como já mencionado, a atividade estatal não pode
mais se limitar ao ataque às doenças. Mas, mais importante, deve evitá-las. Assim, nos termos da lei, as
ações sanitárias envolvem outros fatores e condicionantes, dentre os quais a alimentação, a moradia, o
saneamento básico, a preservação do meio ambiente,
o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso a serviços e bens essenciais.
6. SANT´ANNA, 2000. p. 30.
2.3. Assistência Social
A assistência social é um dos ramos da Seguridade Social,
cuja finalidade é não permitir que a pessoa humana seja relegada a condição de indigência, desprovida de necessidades
mínimas para sua sobrevivência. Este sistema de proteção
humana foi regulamentado pela Lei nº 8.742, de 07/12/1993,
a qual estabelece:
“Art. 1º - A assistência social, direito do cidadão e dever
do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que prove os mínimos sociais, realizada através de
um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e
da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas”.
Por outro lado, o art. 4º da Lei de Organização e Custeio
da Seguridade Social (Lei nº 8.212/91), prescreve que
“Art. 40 - A Assistência Social é a política social que
provê o atendimento das necessidades básicas, traduzidas em proteção à família, à maternidade, à infância, à
adolescência, à velhice e à pessoa portadora de deficiência, independentemente de contribuição à Seguridade
Social”.
Os objetivos e diretrizes da assistência social estão discriminados nos arts. 203 e 204 da Constituição brasileira.
A assistência social será prestada a quem dela necessitar,
e, assim como a saúde, independe de contribuição, bastando
deflagrar a necessidade para fazer jus ao benefício, obedecidos os requisitos legais.
2.3. Previdência Social
O art. 3º da Lei n º 8.212/91 estabelece:
Art. 3º A Previdência Social tem por fim assegurar
aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, idade avançada,
tempo de serviço, desemprego involuntário, encargos
de família e reclusão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente.
A previdência social está esculpida nos arts. 201 e 202 da
Carta Magna, sendo organizada sob forma de regime geral, de
caráter contributivo e de filiação obrigatória, observando-se
critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial do sis-
TRIBUTAÇÃO em revista
47
tema, critérios estes que surgiram com a Emenda Constitucional n º 20/98 e foram inseridos no ordenamento jurídico através da lei n º 9.876/99 com a criação do fator previdenciário.
A previdência no Regime Geral de Previdência Social
(RGPS) garante a cobertura de todas as situações expressas no
artigo supramencionado, exceto a de desemprego involuntário, cuja administração fica a cargo do Ministério do Trabalho, não deixando de ser um benefício constitucionalmente,
previdenciário (art. 201, III, CF/88).
A administração do Regime Geral de Previdência Social é
atribuída ao Ministério da Previdência Social, sendo exercida
pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.
A previdência social brasileira divide-se em pública e privada, esta pode ser aberta ou fechada; aquela se ramifica em
Regime Geral de Previdência Social – RGPS e Regimes Próprios de Previdência Social – RPPS.
A previdência social aberta é oferecida pelas entidades
abertas, geralmente seguradoras, e têm por objetivo instituir e
operar planos de benefícios de caráter previdenciário, fundamentado no regime financeiro de capitalização7 e concedidos
em forma de renda continuada ou pagamento único, acessíveis a quaisquer pessoas físicas. Os planos de benefícios instituídos por estas entidades poderão, ainda, ser individuais,
quando acessíveis a quaisquer pessoas físicas, ou coletivos,
quando tenham por objetivo garantir benefícios previdenciários a pessoas físicas vinculadas, direta ou indiretamente, a
uma pessoa jurídica contratante.
A previdência social fechada é oferecida pelas entidades
fechadas e são acessíveis, exclusivamente, aos empregados
de uma empresa ou grupo de empresas e aos servidores dos
entes federativos, estes denominados de patrocinadores8; e
aos associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter
profissional, classista ou setorial, estes denominados instituidores.
7. O regime denominado “Capitalização” consiste em determinar as contribuições necessárias e suficientes a serem vertidas pelo trabalhador para custear a
sua própria aposentadoria. Outro método é o chamado “Repartição Simples” ou,
simplesmente, “regime orçamentário”. Trata-se de calcular as contribuições, necessárias e suficientes, a serem arrecadadas em determinado período de tempo, para
atender, apenas e tão-somente, o pagamento dos benefícios nesse mesmo período
de tempo.
8. São os conhecidos fundos de pensão.
48
TRIBUTAÇÃO em revista
Em síntese, podemos diferenciar a previdência aberta9
da fechada, pois a primeira é constituída por entidade aberta
constituindo-se unicamente sob a forma de sociedades anônimas e finalidade lucrativa; já a segunda organizar-se-ão sob
a forma de fundação ou sociedade, sem finalidade lucrativa.
Tanto a previdência aberta quanto a fechada constituem a
chamada previdência complementar, que visa, mediante planos alternativos, complementar a previdência básica oferecida pelo RGPS, sendo disciplinada pela Lei Complementar nº
108 e 109, ambas de 29/05/2001.
Quanto ao Regime Geral de Previdência Social, este visa
assegurar benefícios e serviços às pessoas tidas como beneficiárias10 deste regime, na sua maioria vinculadas à iniciativa
privada.
Já o Regime Próprio de Previdência Social visa assegurar
benefícios e serviços aos servidores públicos titulares de cargo efetivo da União, dos Municípios, dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos militares dos dois últimos. Cabe,
no entanto, esclarecer que se o ente federativo não possuir
regime próprio de previdência, os seus respectivos servidores
serão, obrigatoriamente, vinculados ao RGPS, tendo em vista
o caráter universalista da Previdência Social.
3. Princípios Constitucionais da Seguridade Social
O parágrafo único do artigo 194 da Constituição Federal
de 1988 estabelece os “objetivos”, termo que doutrinadores
julgam inadequado, pois se trata inequivocamente de princípios, posto que são verdadeiros alicerces das ações da Seguridade Social brasileira.
A Constituição Federal dispõe o seguinte:
Art. 194 (...)
Parágrafo único. Compete ao poder público, nos termo
de lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:
I – universalidade da cobertura e do atendimento;
II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;
9. A previdência social aberta constitui área de competência do Ministério da
Fazenda.
10. Os beneficiários do RGPS são classificados em segurados (art. 11, Lei n º
8.213/91) e seus dependentes (art. 16, Lei n º 8.213/91), os primeiros são, também, chamados de beneficiários diretos e os segundos, de beneficiários indiretos.
III – seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;
IV – irredutibilidade do valor dos benefícios;
V – equidade na forma de participação no custeio;
VI – diversidade na base de financiamento;
VII – caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação
dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados
e do governo nos órgãos colegiados.
Passaremos, agora, a tratar de cada um dos princípios citado no referido artigo.
a) Universalidade da cobertura e do atendimento
Significa dizer que todas as pessoas têm direito à Seguridade Social.
Cabe, entretanto, ressaltar que a Seguridade Social é integrada pela saúde, assistência e previdência social, nas duas
primeiras áreas basta a necessidade para deflagrar a prestação,
já na terceira tem que haver contribuição, conforme dispõe o
art. 201, caput, da CF/88: “A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de
filiação obrigatória (...)”.
Segundo Wagner Balera11, este princípio possui dupla
significação. De um lado, ela se refere ao elenco de prestações que serão fornecidas pelo sistema de seguridade. De
outro, aos sujeitos protegidos. A universalidade de “cobertura” refere-se às situações da vida que serão protegidas. Quais
sejam: todas as contingências que podem gerar necessidade.
Já a universalidade do “atendimento” diz respeito aos titulares
do direito à proteção social. Todas as pessoas possuem tal
direito.
Portanto, todos serão protegidos em situações configuradas pela legislação como riscos sociais, evidentemente com
as limitações técnico-legais de cada ramo da Seguridade Social12.
A título de exemplo, suponhamos a seguinte situação hipotética:
Um mendigo que vive na rua, com auxílio dos moradores, há mais de 35 anos, que nunca contribuiu para previdên11. BALERA, 1989.
12. Não podemos nos esquecer de que a seguridade social é composta de saúde,
assistência e previdência social.
cia social e em determinado dia tem uma febre desconhecida.
Ele terá direito a proteção da Seguridade Social?
Sim, pois precisará de atendimento médico-hospitalar, do
qual independe de contribuição, sendo atendido pela rede
pública de saúde. No entanto, não terá direito a benefícios da
previdência social, tais como aposentadoria e auxílio-doença.
Já quanto à assistência social, independente de contribuição,
terá, portanto, direito se cumprido os requisitos exigidos pela
lei nº 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS).
b) Uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais
Antigamente, a discriminação a que se achava sujeita a
população rural apenas agravava a questão social. Mas ninguém poderá negar que, entre outras consequências nefastas,
essa discriminação excluiu, por largo tempo, o trabalhador
rural de qualquer tipo de proteção social. Impelido pelo estado de necessidade, o rurícola se via ameaçado na sua sobrevivência e, nessa conjuntura, a migração interna alcançou
alarmantes proporções.
Assim, a uniformidade e equivalência como princípios
também decorre da universalização já abordada. Independentemente de onde residam ou onde trabalham, os trabalhadores terão os mesmos direitos à Seguridade Social.
Este princípio decorre por sua vez da isonomia entre residentes, que traz em seu bojo como resultado a igualdade de
prestações (benefícios e serviços) entre urbano e rural, integrando-os em um único sistema toda a população do País.
c) Seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços
Segundo Wladimir Novaes Martinez13
(...) por seleção de prestações se entende a escolha de
um plano básico compatível com a força econômico-financeira do sistema e as reais necessidades dos protegidos; distributividade quer dizer que alguns beneficiários recebem todos os benefícios e outros não. Não
se estendem a seletividade e a distributividade aos serviços, pois, em relação a estes, geralmente pertinentes
à assistência médica, não há por que estabelecer distinções.
13. MARTINEZ, 1998, p. 44
TRIBUTAÇÃO em revista
49
Para Wagner Balera14 “a seletividade, fixando o rol de
prestações, e a distributividade, definindo o grau de proteção
devido a cada um, são corolário da isonomia em tema de
Seguridade Social”.
Constitui a seletividade na escolha das camadas da população que receberão determinados benefícios. Como exemplo, podemos citar o salário-família e auxílio-reclusão, esses
benefícios serão concedidos apenas aos trabalhadores de baixa renda.
Já a distributividade é a distribuição dos bens sociais que
a Seguridade Social realiza, é a transferência de recursos para
pessoas e regiões mais necessitadas.
Há quem entenda que este princípio é característico do
seguro15 e não da seguridade, pois, pretende-se que nesta última técnica todas as prestações fiquem à disposição de todas
as pessoas.
À guisa de informação, vale a pena informar que a Seguridade Social é, hoje, a maior redistribuidora da renda nacional, destacando, assim, sua grande função social.
d) Irredutibilidade do valor dos benefícios
Os benefícios são prestações pecuniárias exigíveis pelos
beneficiários que, na época de concessão, representam determinado poder de compra para o seu titular. No entanto, este
valor, com o passar dos anos, não pode sofrer modificação
nem em sua expressão quantitativa (valor monetário), nem
em sua expressão qualitativa (valor real), fato que se ocorrido,
representará flagrante inconstitucionalidade.
O constituinte, preocupado com a significativa redução
dos benefícios, ocorrido em virtude de variadas contingências históricas de natureza variada, tratou da mencionada irredutibilidade em vários dispositivos, acabando por contemplá-lo em princípio.
Diversos dispositivos constitucionais encontram reforço
neste princípio, como já comentado, dentre os quais podemos citar o § 2 º do art. 201, que dispõe: “É assegurado o
reajustamento dos benefícios para preserva-lhes, em caráter
permanente, o valor real, conforme critérios definidos em
lei”.
Portanto, este princípio, de natureza previdenciária e assistencial, implica na manutenção do valor real do benefício,
ou seja, em reajustes periódicos, para fazer frente a períodos
de inflação e também, que eles não podem ser onerados, exceto nos casos previstos no art. 115 da Lei n º 8.213/9116.
e) Equidade na forma de participação no custeio
Significa dizer que o custeio da Seguridade Social deve
respeitar o critério da capacidade contributiva do contribuinte, a fim de realizar uma justa repartição dos encargos fiscais.
O objetivo deste princípio reside no comando constitucional da isonomia, consagrada no rol dos Direitos e Garantias Fundamentais relacionados no art. 5º da Lei Maior.
Em suma, quem tem remuneração maior, contribui com
uma alíquota maior. São distintas as situações dos contribuintes e distintas suas contribuições, v.g. a capacidade econômica da empresa é maior que a de seu empregado, e assim
por diante.
f) Diversidade na base de financiamento
O princípio diz respeito às varias formas de se verter contribuições sociais para o sistema de seguridade, que outrora
era baseado na contribuição tríplice (dos trabalhadores, dos
empregados e da União) e que se revelou insuficiente, pois
a proteção da coletividade necessitaria de mais recursos financeiros.
O art. 195 da Constituição Federal dispõe sobre a forma
de financiamento da Seguridade Social, bem como em seu §
4 º, combinado com o art. 154, I, da Constituição Federal, a
elaboração de novas fontes de custeio que são indispensáveis
14. BALERA, op. cit., p. 57
15. Seguro social e previdência social são expressões equivalentes, a carta magna
de 1937 consagrava o emprego da denominação “seguro social”, já a constituição de 1946 estabelecia pela primeira vez a expressão “previdência social”, que
vigora até os dias atuais. Cumpre, ainda, lembrar que o órgão gestor dos recursos
previdenciários chama-se Instituto Nacional do Seguro (e não Seguridade) Social
– INSS.
50
TRIBUTAÇÃO em revista
16. Art.115. Podem ser descontados dos benefícios:
I - contribuições devidas pelo segurado à Previdência Social;
II - pagamento de benefício além do devido;
III - Imposto de Renda retido na fonte;
IV - pensão de alimentos decretada em sentença judicial; V - mensalidades de associações e demais entidades de aposentados legalmente
reconhecidas, desde que autorizadas por seus filiados.
à expansão do sistema protetivo. É sob este prisma que desenvolveremos o presente artigo mais adiante.
têm aqueles que são inativos, que, por sua vez já trabalharam
e contribuíram.
g) Caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do governo nos órgãos colegiados.
b) Princípio da Contrapartida ou da Preexistência de
Custeio
Nenhum benefício ou serviço da Seguridade Social poderá ser criado, majorado o estendido sem a correspondente
fonte de custeio global (§ 5 ª do art. 195 da CF/88).
Este princípio tem redação dada pela Emenda Constitucional nº 20/98, anteriormente possuía a seguinte redação:
“caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade, em especial de
trabalhadores, empresários e aposentados.”
Não previa a participação do governo, o que era absurdo.
Este princípio é autoexplicativo e característico do ordenamento jurídico pátrio que se define como Estado Democrático de Direito, conforme previsto no art. 1º do Estatuto
Supremo.
Como exemplo deste princípio temos o Conselho Nacional de Previdência Social–CNPS17, constituído de representantes do Governo Federal, dos aposentados e pensionistas,
dos trabalhadores e dos empregadores, tendo, entre outras
competências, estabelecer diretrizes gerais e apreciar as decisões de políticas aplicáveis à Previdência Social.
3.1. Outros Princípios
a) Princípio do Solidarismo
Sérgio Pinto Martins18 considera “a solidariedade como
um postulado básico do Direito da Seguridade Social. Entende que até mesmo seu surgimento na história da humanidade
assentou-se numa base solidária para cobrir certas contingências sociais”.
A Previdência Social brasileira, que é de repartição19, implica na solidariedade entre gerações, ou seja, os que hoje se
encontram em atividade, trabalhando e contribuindo, man17. A instituição e as competências do CNPS estão previstas nos arts. 3 º e 4 º
da Lei n º 8.213/91
18. MARTINS, 1993
19. COIMBRA, 1997.
c) Princípio da Anterioridade de Noventa Dias.
Este princípio é também chamado de Anterioridade Especial ou Nonagesimal ou Mitigada.
As contribuições para a Seguridade Social só poderão ser
exigidas depois de decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado (§ 6 º do
art. 195 da CF/88).
d) Princípio da competência Residual da União
A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir
a manutenção ou expansão da Seguridade Social, obedecido
ao disposto no art. 154, I da Constituição Federal de 1988.
Art. 154, I, da CF/88, dispõe: “A União poderá instituir
mediante lei complementar, impostos não previstos, desde
que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou
base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição.”
4. Aplicação das Normas Securitárias
O art. 22 inciso XXIII da Constituição Federal de 1988
dispõe que compete privativamente à União legislar sobre
Seguridade Social e em seu parágrafo único estabelece que a
lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre
questões específicas de Seguridade Social.
Por outro lado o art. 24, inciso XII, da Carta Magna dispõe que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal
legislar concorrentemente sobre previdência social, proteção
e defesa da saúde, sendo que no âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer
normas gerais, o que não exclui a competência suplementar
dos Estados. Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os
TRIBUTAÇÃO em revista
51
Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades, contudo a superveniência de lei
federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual
no que lhe for contrário.
No âmbito da competência concorrente a União publicou
a Lei nº 9.717/98, a qual dispõe sobre regras gerais para organização e o funcionamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal.
A Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei nº
4.657, de 4/9/42) estatui, em seus art. 5º que na aplicação
da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às
exigências do bem comum.
Na aplicação das normas da legislação previdenciária devemos observar as regras fixadas na LICC, as quais se destinam à aplicação das leis em geral.
Vale a pena, contudo, registrar a Lei Complementar nº
95/98, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e
a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do artigo 59 da Constituição Federal, e estabelece normas
para a consolidação dos atos normativos que menciona.
O art. 8º da referida LC estabelece que a vigência da lei
será indicada de forma expressa e de modo a contemplar
prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento,
reservada a cláusula “entra em vigor na data de sua publicação” para as leis de pequena repercussão. Em função deste
dispositivo normativo a grande maioria das leis estabelece a
respectiva vigência a partir da data da sua publicação. Nada
obsta, porém, que determinado diploma legal, estipule a sua
entrada em vigor, por exemplo, a contar de trinta dias (ou
noventa, cem, etc.) em que for publicada. E não havendo disposição expressa, começará a vigorar quarenta e cinco dias
após a sua publicação oficial.
As normas previdenciárias deverão seguir as regras supramencionadas, ressaltando-se, quanto ao custeio da Seguridade Social, que as contribuições sociais somente poderão
ser exigidas após o decurso de noventa dias da publicação da
lei que as instituir ou modificar (Constituição Federal, art.
195, § 6 º).
52
TRIBUTAÇÃO em revista
Cabe ressaltar ainda que “quanto à interpretação e integração das normas do custeio da Seguridade Social, haverá
influência das regras gerais de interpretação e integração
previstas na Lei n º 5.172/66 – Código Tributário Nacional
– por força dos artigos 149 c/c 146, III da Constituição da
República20”
Por oportuno, vale a pena destacar, em relação à natureza
jurídica das contribuições sociais, que alguns doutrinadores21 entendem, ainda, que tais exações ora poderiam ter a
natureza de imposto (tributo não vinculado – contribuição
do empregador), ora natureza de taxa (tributo vinculado –
contribuição dos segurados). No entanto, deve-se atentar
para orientação firmada pelo guardião da constituição, STF22,
no sentido de que a contribuição para Seguridade Social é
modalidade de tributo que não se enquadra na espécie de
imposto, taxa ou contribuição de melhoria.
5. Tributação da Seguridade Social
A Seguridade Social será financiada por toda sociedade,
de forma direta e indireta, nos termos do art. 195 da Constituição Federal, mediante recursos provenientes da União,
dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de contribuições sociais.
Como já se disse, a diversidade das bases de financiamento (art. 194, parágrafo único, VI) foi definida, na Constituição, como princípio da Seguridade Social no Brasil,
justamente para diversificar as fontes de custeio do sistema,
tornando-o viável.
A forma de financiamento da seguridade está divida em
direta e indireta, sendo a primeira realizada através de contribuições sociais dos empregadores e dos trabalhadores; já
20. TAVARES, 2001. p. 25.
21. CARRAZA, 1996. p. 321, nota de rodapé 95: “Em abono ao que escrevemos,
a ‘contribuição social para a seguridade social’ é para o empregador (enquanto
representante da empresa), um imposto, cuja hipótese de incidência assim pode
ser sintetizada: remunerar pessoa que paga previdência social. Já para o empregado
(ou para o empregador, enquanto paga sua própria ‘contribuição previdenciária’),
não passa de uma taxa de serviço, exigível porque os serviços previdenciários para
os casos de doença, velhice, invalidez e morte, seguro-desemprego, seguro contra
acidentes do trabalho e proteção da maternidade lhe são postos à disposição, vale
dizer, lhe são direta e imediatamente referidos.(...)”
22. RE n. 217.252-1/MG, 2ª Turma, rel. Ministro Nelson Jobim, DJU de
16.04.99
as indiretas são efetivadas com recursos orçamentários da
União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
Além das fontes supramencionadas, a Constituição prevê, no § 4º do art. 195, outras fontes destinadas a garantir a
manutenção ou expansão da Seguridade Social, fazendo remissão ao art. 154, inciso I do texto constitucional, que trata
da competência residual da União e está disposto da seguinte
forma:
Art. 154. A União poderá instituir:
I - mediante lei complementar, impostos não previstos
no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e
não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios
dos discriminados nesta Constituição;
Registre-se que, no caso de instituição de novas contribuições sociais, estas devem ser instituídas por lei complementar e ser não cumulativas, no entanto podem ter fatos
geradores e bases de cálculos próprios dos impostos discriminados na Constituição. O STF23 já firmou entendimento
que não se aplica às contribuições sociais a segunda parte do
inciso I do art. 154 da Constituição Federal, aplicando-se,
porém, a novos impostos. Podemos citar como exemplo, a
contribuição social sobre o lucro que possui o mesmo fato
gerador do Imposto de Renda.
Enfim, no âmbito federal, o orçamento da Seguridade Social é composto das receitas União, das contribuições sociais
e de outras fontes.
A contribuição da União é constituída de recursos adicionais do Orçamento Fiscal, fixados obrigatoriamente na lei
orçamentária anual.
A União é responsável pela cobertura de eventuais insuficiências financeiras da Seguridade Social, quando decorrentes do pagamento de benefícios de prestação continuada da
23. Neste sentido, o voto do Min. Ilmar Galvão no RE 146.733-SP, RTJ 143/701,
em que se discutiu a constitucionalidade da contribuição social sobre o lucro: “Por
fim, não se pode ver inconstitucionalidade no fato de a contribuição sob análise
ter fato gerador e base de cálculo idênticos aos do Imposto de Renda e do PIS.
Pelo singelo motivo de que não há, na Constituição, nenhuma norma que vede a
incidência dupla de imposto e contribuição sobre o mesmo fato gerador, nem que
proíba tenham os dois tributos a mesma base de cálculo. O que veda a Carta no art.
154, I, é a instituição de imposto que tenha fato gerador e base de cálculo próprios
dos impostos nela discriminados. E o que veda o art. 195, 4º, é que quaisquer outras contribuições, para fim de seguridade social, venham a ser instituídas sobre os
fenômenos econômicos descritos nos incs. I, II e III do caput, que servem de fato
gerador à contribuição sob exame. Não há que se extrair da norma do art. 154, I,
um princípio constitucional extensivo a todos os tributos...”.
Previdência Social, na forma da Lei Orçamentária Anual. Não
se trata de contribuição social, e sim de aporte de recursos em
virtude de eventual previsão de ‘déficit’.
Benefícios de prestação continuada são aqueles que não
se exaurem com um único pagamento, como por exemplo,
as aposentadorias e pensões.
No que diz respeito ao texto constitucional, o inciso XI
do art. 167 na redação dada pelo art. 1º da Emenda Constitucional nº 20, de 1998, veda a utilização dos recursos provenientes das contribuições sociais de que trata o art. 195,
I, a e II, da Lei Maior para a realização de despesas distintas
do pagamento de benefícios do regime geral de previdência
social de que trata o art. 201 do Estatuto Supremo.
Portanto, as contribuições sociais advindas: (a) do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da
lei, incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos
do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa
física, que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (b) e a do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não poderão contribuir para o financiamento
das despesas com pessoal e administração geral do Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS. Já as contribuições incidentes sobre a receita ou o faturamento e as incidentes sobre
o lucro poderão custear pessoal e administração do INSS.
5.1. Receita das Contribuições Sociais
Nas palavras de Carlos Alberto Pereira de Castro e João
Batista Lazzari24:
A constituição de 1988 tratou das contribuições sociais
no capítulo reservado ao Sistema Tributário Nacional,
estabelecendo no art. 149 normas gerais sobre a instituição, e, no art. 195, normas especiais em relação às
contribuições para a Seguridade Social.
O art. 149 da Carta Magna assim dispõe:
Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir
contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou
econômicas, como instrumento de sua atuação nas
respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146,
24. CASTRO e LAZZARI, 2002. p. 194.
TRIBUTAÇÃO em revista
53
III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art.
195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude
o dispositivo.
De acordo com o mandamento constitucional, só a União
é competente para instituição das contribuições sociais descritas no citado dispositivo, incluindo nestas as contribuições
destinadas às ações de saúde, previdência e assistência social.
Há que se ressaltar, contudo, que o § 1º do artigo supramencionado autoriza os Estados, o Distrito Federal e os Municípios a instituir contribuição, cobrada de seus servidores,
para o custeio, em benefício destes, de sistemas de previdência e assistência social.
6. Mínimo Existencial, Reserva do Possível e Dignidade
da Pessoa Humana
A inclusão de trabalhadores na segurança previdenciária
esbarra na denominada reserva do possível, uma vez que os
recursos financeiros necessários para atender as demandas
sociais são insuficientes, o que consequentemente faz com
que o Poder Legislativo ou Poder Executivo (iniciativa legislativa) faça suas opções com base nos valores disponíveis no
orçamento público.
Por outro prisma, a dignidade da pessoa humana deve ser
garantida, ou seja, as condições mínimas de existência digna
exigem prestações positivas do Estado (mínimo existencial),
especialmente, no aspecto social, que demanda a solidariedade entre os homens.
A indagação que se faz, neste momento, é: Se por um
lado o orçamento é limitado e por outro ângulo deve-se garantir a dignidade da pessoa humana, de que forma o Estado
pode agir para proteger o maior número de pessoas, sem afetar as contas públicas?
7. Nova Fonte de Custeio
Quando se fala em nova fonte de custeio, causa-se arrepios, pois a carga tributária nacional, segundo propagado
pela mídia, é alta no Brasil, em comparação com outros países do mundo.
Contudo, a crítica reside no fato de que o consumidor
final é que arca com os custos tributários e, por conseguinte,
54
TRIBUTAÇÃO em revista
o consumo das famílias tem seu poder de compra reduzido.
Um estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) mostra que cada um dos 191 milhões de brasileiros pagou em 2010, em média, R$ 6.722,38, quase R$ 1 mil
a mais do que no ano anterior. Tomando esse dado, aponta-se
que o brasileiro precisa trabalhar, em média, 149 dias apenas
para pagar impostos, abaixo da Suécia com 185 dias, mas
igual a França e acima dos Estados Unidos, onde os habitantes devem retornar ao fisco o total de dinheiro produzido em
102 dias de trabalho.
Diferenciado por níveis sociais, o IBPT afirma que os setores mais pobres têm de trabalhar 142 dias por ano para
completar o pagamento dos tributos, e os mais ricos 152 dias,
enquanto a classe média é a mais castigada, com 158 dias de
trabalho para pagar os tributos, que levam 43,29% de sua
renda bruta25.
A análise de tal reflexão foi considerada no presente estudo e sugere-se a criação de nova fonte de custeio para subsidiar a inclusão de trabalhadores na previdência social, sem
afetar o setor produtivo nacional.
Sendo assim, diante do exposto no presente escrito, há
possibilidade jurídica do Governo Central, criar uma contribuição incidente sobre a herança ou mesmo sobre a transmissão intervivos de quaisquer bens.
Já se analisou que é possível tal instituição de custeio a luz
dos artigos 195 §§ 4° e 6° da CF/88, devendo ser realizada
através de lei complementar e obedecer ao prazo de entrada em vigor mínimo de noventa dias da data de publicação
da lei que houver instituído. Não havendo necessidade de
emenda constitucional.
A nova fonte de custeio que incidiria sobre a herança,
cuja produtividade, a princípio não se opera, já que há o repasse do patrimônio do “de cujus” para o herdeiro, fato que
não repercute na produção nacional.
Neste instante, poderia se levantar a questão sobre a instituição de contribuição sobre fato gerador que já é contemplado por tributo estadual, caso do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e por Doação de Quaisquer Bens e Direitos
(ITD).
25. FRAYSSINET, 2011.
Todavia, não há restrição a criação de tal exação, pois se
trata de contribuição e não de imposto que poderia redundar em bitributação. Já se analisou, também, neste trabalho
a possibilidade de criação de imposto e contribuição sobre a
mesma base de cálculo. Não incorrendo, assim, em inconstitucionalidade, ainda que o imposto seja de competência do
Estado ou do Município26.
Por questões óbvias, principalmente de trato político, tal
sugestão que ora se apresenta pode gerar muita discussão,
mas não vislumbro empecilho jurídico para criação das contribuições propostas com administração por parte da Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Diante de todo exposto no presente escrito, constata-se
a possibilidade real de política de inclusão de trabalhadores
excluídos financeiramente do sistema de proteção previdenciária, com consequente garantia da dignidade da pessoa humana, principalmente, nos momentos em que os cidadãos
mais necessitam, ou seja, nas contingências sociais e derradeira incapacidade laboral
26. IBRAHIM, 2008.
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1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989.
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Constituição Federal. 2. Ed. São Paulo: LTr, 1992.
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Federativa do Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Comentários à Lei Básica
da Previdência Social: Tomos I e II – Plano de Benefícios.
5 ed. São Paulo: Ltr, 1998.
CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 8. ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda.,
1996.
CASTRO, Carlos Alberto Pereira de, e LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 3 ed. São Paulo:
LTr, 2002.
COIMBRA, Feijó. Direito Previdenciário Brasileiro. 7. ed.,
São Paulo: Edições Trabalhistas, 1997.
FRAYSSINET, Fabiana. Rousseff propõe que quem tem
mais pague mais. Agência de Notícias Inter Press Service. Disponível em: <http://ips.org/ipsbrasil.net/print.
php?idnews=7196>. Acesso em 21 de jun. 2011.
IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 12. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008.
MARANHÃO, Délio. Direito do Trabalho. 17 ed. Rio de
Janeiro: FGV, 1993.
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Paulo, Ed. Atlas, 1993
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no 102 – Normas Mínimas de Seguridade Social. Aprovada na 35ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho. Genebra, 1952. Disponível em: <http://www.oit.org.
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ROCHA, Daniel Machado da. O Direito Fundamental à
Previdência Social: Na perspectiva dos princípios constitucionais diretivos do sistema previdenciário brasileiro.
Porto Alegre: Advogado, 2004.
SANT´ANNA, Valéria Maria. Direito Previdenciário. 4. ed.
São Paulo: Edipro, 2000.
SILVA, José Carlos da. Microempreendedor Individual:
Uma forma prática de acelerar a formalização. Seguridade
Social e Tributação, Brasília, Ano XX, n. 105, outubro/
dezembro de 2010.
TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário. 3.
ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.
TRIBUTAÇÃO em revista
55
qUESTÕES POLÊMICAS EM DIREITO TRIBUTÁRIO
A Não Incidência de IPVA Sobre Embarcações e
Aeronaves
Natureza
Recurso Extraordinário
Órgão julgador
Plenário do Supremo Tribunal Federal
Nº do Processo
RE 379.572/RJ
Relator
Ministro Gilmar Mendes
Matéria
Não Incidência de IPVA Sobre Embarcações e Aeronaves
Recorrente
Conrado Van Erven Neto
Recorrido
Estado do Rio de Janeiro
Data de Publicação
01.02.2008
Ementa
Recurso Extraordinário. Tributário. 2. Não incide Imposto de Propriedade de Veículos Automotores
(IPVA) sobre embarcações (Art. 155, III, CF/88 e Art. 23, III e § 13, CF/67 conforme EC 01/69 e EC
27/85). Precedentes. 3. Recurso extraordinário conhecido e provido.
56
TRIBUTAÇÃO em revista
Trata-se o acórdão acima ementado de Recurso Ex-
tão recentemente, inserido na competência tributária
traordinário, julgado pelo Plenário do Supremo Tribu-
dos Estados-membros pela Emenda Constitucional n.
nal Federal, interposto em face de acórdão proferido
27/85 à Constituição de 1969. O Min. Sepúlveda na-
pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
quele julgado sustentou que o IPVA sucedeu à Taxa
nos autos do AC 535.688, no qual o recorrente obje-
Rodoviária Única, TRU, e que, historicamente exclui
tivava a não incidência de IPVA sobre embarcações e
embarcações e aeronaves.
aeronaves.
Como fundamento para o provimento do recurso,
alegou o recorrente dois pontos que, segundo suas razões, levariam ao reconhecimento da pretendida inconstitucionalidade da lei estadual que autorizou a
cobrança de IPVA sobre embarcações e aeronaves: a)
as embarcações estão fundeadas na plataforma submarina; b) o termo “veículo”, refere-se exclusivamente
aos automotores terrestres, não se estendendo às aeronaves nem às embarcações.
Noutro giro, sustentava o Estado do Rio de Janeiro
a constitucionalidade da incidência desse tributo para
esses dois meios de transporte de pessoas e coisas.
Em seu voto, o Ministro Gilmar Mendes, relembrou
que a matéria foi discutida no RE 134.509, acórdão
elaborado pelo Min. Sepúlveda Pertence, publicado no
DJe de 13.09.02 e naquele julgado travou-se discussão na Primeira Turma do STF, sendo que o Min. Marco Aurélio, relator deste recurso, votou pela incidência
do IPVA sobre embarcações, matéria de interesse do
Estado do Amazonas, que pretendia lançar exação. O
Min. Francisco Rezek abriu divergência e criticou a
compreensão semântica e etimológica dos bens sobre
os quais recairia o lançamento do IPVA, e votou pela
não incidência de tal tributação.
A questão foi afeta ao Plenário. O Min. Sepúlveda
Pertence lembrou que em 1986, quando Procurador-Geral da República, oferecera ao STF a Representação
por Inconstitucionalidade de Lei n. 1344, arguindo a
inconstitucionalidade de legislação dos Estados do Rio
de Janeiro e do Espírito Santo, que sujeitavam embarcações e aeronaves no rol de incidência do IPVA - en-
Julgado este ementado da seguinte forma:
“EMENDA: IPVA - Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (CF, art. 155, III; CF 69, art. 23,
III e § 13, cf. EC 27/85): campo de incidência que
não inclui embarcações e aeronaves” (RREE 134.509/
AM e 255.111/SP, Pleno, Rel. p acórdão Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 13.09.02 e 13.12.02, respectivamente)
Noutro giro, o Ministro Joaquim Barbosa, abriu a
divergência e fundamentou seu voto favoravelmente
à cobrança de IPVA sobre aeronaves e embarcações,
sustentando que não obstante o precedente do STF no
julgamento do RE n. 134.509, a expressão “veículos
automotores” é ampla o suficiente para abranger veículos de transportes aquáticos, eis que no seu entender, não há no dispositivo constitucional, sendo que
ele tem aptidão para abranger propriedade de qualquer veículo que tenha propulsão própria e sirva ao
transporte de pessoas e coisas.
O Ministro Marco Aurélio, acompanhou a divergência aberta pelo Min. Joaquim Barbosa, no sentido
de que o inciso III do art. 155 da CF/88 é um tributo
que incide sobre a propriedade de veículo automotores, que na sua visão, não é apenas aquele que tem
quatro rodas, pode ser uma embarcação ou uma aeronave, o tributo apenas requer o elo entre o veículo,
gênero, e o proprietário, o detentor da titularidade, ou
seja, a propriedade, como está no texto, desse mesmo
veículo automotor, pouco importando sua natureza.
No mesmo sentido do Ministro Relator, votou o
Min. César Peluso pela não incidência de IPVA sobre
embarcações aeronaves, sustentando, em síntese que:
TRIBUTAÇÃO em revista
57
a) a definição do alcance da expressão “veículos auto-
vos proprietários” nos termos do Código Nacional de
motores” que deve ser tomada em sua acepção técnica,
Trânsito; d) as embarcações estão sujeitas a registro no
abrange exclusivamente os veículos de transporte viá-
Tribunal Marítimo, cujo efeito é o de conferir validade,
rio ou terrestre, escapando do seu alcance as aeronaves
segurança e publicidade de sua propriedade. As aero-
e embarcações; b) o IPVA foi criado em substituição
naves, por sua vez, sujeitam-se ao Registro Aeronáu-
à Taxa Rodoviária Única (TRU) e sua instituição foi
tico Brasileiro, do Ministério da Aeronáutica. Ou seja,
motivada por razões de distribuição mais equitativa do
navios e aeronaves não se vinculam, por nenhum ato
produto da arrecadação do novo imposto, em benefí-
registral ao município; e) não há atribuição de com-
cio dos Estados e Municípios, e não visou a “elastecer
petência, seja nos Estados, seja aos Municípios, para
o âmbito material de incidência pertinente ao tributo
legislar sobre navegação marítima ou aérea, ou para
substituído, para alcançar novas áreas reveladoras de
disciplinar tráfego aéreo ou marítimo, espaço aéreo ou
capacidade contributiva; c) outras normas constitu-
mar territorial, que são bens da União.
cionais corroboram o entendimento segundo o qual
Desse modo, pelas razões acima descritas, o Plená-
veículos automotores são apenas os terrestres, como é
rio do STF por maioria, decidiu pela não incidência
o caso do artigo 23, § 13, da CF, acrescentado pela EC
de IPVA sobre embarcações e aeronaves. Posição esta
nº 27/85, que destina cinquenta por cento do produ-
que pode ser revista caso haja alteração no artigo 155,
to da arrecadação do Imposto para o Município onde
inciso III da Constituição Federal para fazer incidir o
estiver licenciado o veículo. Só fazendo sentido falar-
IPVA além de veículos terrestres.
-se em “Município onde estiver licenciado o veículo”
se estiver em jogo a propriedade de veículos terrestres, únicos que, “em face da legislação e pela ordem
natural das cosias, estão sujeitos a licenciamento nos
municípios de domicílio ou residência dos respecti-
58
TRIBUTAÇÃO em revista
Salomão Taumaturgo Marques
Advogado OAB-DF 34.906
Assessor de Diretoria do Departamento de Estudos
Técnicos do Sindifisco Nacional
Lei Orgânica do Fisco
boa para a Sociedade
essencial para o Brasil
Defender uma Lei Orgânica para a Receita Federal do Brasil significa defender uma
moderna administração tributária, previdenciária e aduaneira, garantindo múltiplas
fontes de recursos para o financiamento de políticas da Seguridade Social,
objetivando uma redução das desigualdades sociais e a continuidade do
desenvolvimento econômico e social.
Benefícios para a Sociedade
Fim da Ingerência na Receita
Tratamento isonômico aos contribuintes
Incentivo à discussão da Justiça Fiscal
Desde 2005, o SINDIFISCO NACIONAL (Sindicato dos
Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil) tem
defendido a aprovação de uma Lei Orgânica do Fisco –
LOF que garanta à sociedade brasileira uma Receita
Federal do Brasil (RFB) mais justa e transparente.
A LOF é um conjunto de normas que estabelece, entre
outras medidas, autonomia técnica e independência à
RFB. Trata-se de um instrumento jurídico que assegura
uma fiscalização tributária moderna, independente e
livre de pressões externas.
programa de
integração e
valorização
Diretoria Executiva Nacional

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