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Independência dos bancos centrais - um caminho menos claro
É sempre um prazer voltar a Cidade do México, especialmente nesta
importante ocasião. Aniversários são sempre um bom momento para refletir
sobre o passado e, em um esforço de aprendizagem, fazer planos para o
futuro. E, uma vez que este é um aniversário de sua autonomia, a minha tarefa
é de olhar para a história e para o futuro da independência do banco central.
Antes que eu comece, deixe-me ser claro: eu acredito que a independência do
banco central nos serviu bem no passado, e continuará a servir-nos bem no
futuro.
De banqueiros centrais e montanhistas
Como eu venho de uma instituição com sede na Suíça, uma analogia
aos Alpes parece adequada, os banqueiros centrais de hoje são um pouco
como montanhistas de inverno que, depois de uma longa caminhada por um
terreno favorável e previsível, são atingidos por uma avalanche. Os
sobreviventes estão agora se reagrupando, tentando descobrir como
prosseguir com segurança.
Admito que, sendo prudentes, os banqueiros centrais nunca iriam fazer
caminhadas em um campo de neve propenso a avalanches, mas tenho certeza
de que vocês capturaram o ponto. A questão hoje é saber se as técnicas e
arranjos institucionais que nos mantiveram no caminho correto durante as
décadas pré-crise ainda são suficientemente bons. Ou será que precisamos
fazer ajustes para o terreno acidentado que teremos pela frente?
Durante as últimas décadas do século passado, emergiu um consenso
sobre como os bancos centrais deveriam ser projetados. A ideia fundamental
era de que um banco central serviria melhor os interesses da sociedade,
quando exerce a sua autoridade de forma independente nas suas decisões
projetadas para alcançar os objetivos claramente especificados e focados em
manter o valor do dinheiro. Para reforçar a sua independência, o consenso era
de que os bancos centrais deveriam ter o total controle sobre os seus recursos
e a sua solidez financeira. A prestação de contas seria assegurada por meio da
transparência. Ou seja, havia um consenso de que os próprios montanhistas
estavam mais bem equipados para encontrar o caminho certo. O resultado,
depois de algumas tentativas e erros, foi um caminho suave e constante - a
Grande Moderação.
Mas esse consenso foi vítima da avalanche da recente crise financeira e
econômica. As responsabilidades mais amplas, profundas e abertas para a
estabilidade financeira arrastaram os bancos centrais para um território político
mais complicado. Para cumprir estas novas responsabilidades, os bancos
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centrais têm que equilibrar diferentes objetivos. Isso aumenta o risco de
conflitos, adicionando acidentes ao terreno.
Os objetivos da política de estabilidade financeira fogem da fácil
definição e mensuração, a transparência encontra limites e a prestação de
contas permanece evasiva. Ao mesmo tempo, a política monetária nas
principais economias avançadas recentemente envolveu-se com a compra de
ativos financeiros em grande escala, levando vários bancos centrais a
territórios anteriormente inexplorados.
Um breve resumo da abordagem padrão no pré-crise
Para analisar os desafios que se avizinham, vale a pena dar uma olhada
na abordagem padrão que a maioria de nós tomava como dada. Este foi o
resultado de duas linhas intelectuais que caminharam de forma conjunta. A
primeira foi uma compreensão muito melhor de como a macroeconomia e o
sistema financeiro funcionam e interagem. Enquanto a segunda flui das novas
ideias sobre como a tomada de decisões para as políticas públicas deveria ser
organizada.
Fundamentos macroeconômicos
No modelo padrão, o entendimento de que as políticas prudencial, fiscal
e monetária deveriam ser apartadas era quase axiomático. Os instrumentos
poderiam então ser claramente mapeados para objetivos políticos específicos,
com um mínimo de sobreposição.
•
A política prudencial usaria a regulamentação de capital e liquidez
para: reduzir a probabilidade de que as instituições individuais fracassassem;
para limitar o contágio dessas falhas; para garantir o funcionamento contínuo
do mercado; e para coibir o risco moral decorrente do seguro dos depósitos de
varejo e das implícitas garantias. E, porque o seu propósito final era de
endereçar uma externalidade, a política prudencial era vista como mais ou
menos constante ao longo do tempo.
•
A política fiscal, através da fixação de impostos e gastos, se
concentraria na promoção do crescimento e emprego. Abordaria as
preferências sociais sobre a maneira de que como a renda seria distribuída e a
sua utilização final, entre consumo, investimento e gastos do governo, as
famílias. E, através impostos diretos e gastos anticíclicos, a política fiscal
poderia automaticamente estabilizar a macroeconomia. É importante ressaltar
que a política fiscal poderia se concentrar em objetivos de longo prazo.
•
Por outro lado, a política monetária serviria como uma ferramenta de
curto prazo para a manutenção da estabilidade de preços e da demanda
agregada. Tudo isso seria alcançado através da utilização criteriosa do balanço
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patrimonial do banco central, ou mesmo, apenas na forma de se comunicar,
para ajustar a taxa de juros de curto prazo (ou a taxa de câmbio).
As diferenças no horizonte temporal - política prudencial, atemporal;
política fiscal, de baixa frequência e longo prazo; política monetária, de alta
frequência e de curto prazo – reduziram a necessidade de que qualquer
autoridade se preocupasse muito com os objetivos das outras duas. E, mais
importante, tínhamos modelos empíricos que nos permitiam prever a resposta
das variáveis-alvo para a alteração dos instrumentos. Por exemplo, nós
tínhamos regras gerais que nos informavam qual o efeito de uma mudança de
25 pontos básicos na taxa de juros sobre a produção para um horizonte de um
ou dois anos.
Organização e governança
Estas responsabilidades claramente separadas traduziram-se em
arranjos igualmente claros de governança. Tarefas bem definidas (como a
política monetária e, em menor medida, a aplicação da regulamentação
prudencial) foram delegadas para agências independentes. Esta delegação
reconheceu que as tentativas de centralizar todas as decisões de políticas
públicas poderiam ter consequências indesejáveis. Em algumas áreas, as
decisões seriam conduzidas por políticos que perseguem seus próprios
interesses de reeleição de curto prazo, ou os interesses de determinados
grupos que representam.
A delegação de poderes do Estado levanta questões constitucionais
importantes. Para colocá-las nitidamente, a independência do banco central é
fundamentalmente contrária à democracia representativa. Como resultado,
foram tomadas medidas para fazer essa delegação mais palatável.
Tais medidas incluíam:
•
Especificar claramente os objetivos;
•
Evitar sobreposições entre as tarefas atribuídas às diferentes
autoridades políticas, assim como para reduzir a necessidade de tradeoffs que exigiriam negociação; e
•
Manter a prestação de contas das autoridades, principalmente
através da transparência.
Por consenso, as políticas monetárias e prudenciais satisfaziam as
condições necessárias para a delegação de autoridade. A política fiscal não.
Os objetivos para a política monetária e prudencial foram mais facilmente
definidos, com a concessão aos instrumentos de formas que descartavam a
necessidade de uma coordenação ativa ou negociação. E, uma vez que a
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política fiscal faz escolhas distributivas que são maiores e mais visíveis, é
melhor deixá-la para os políticos.
Iniciando na década de 1980, a ideia de independência do banco central
se espalhou.
O sucesso dos bancos centrais independentes na contenção inflação na
década de 1970, como o do Bundesbank, incentivou a delegação da política
monetária para bancos centrais independentes. A evidência de que uma maior
independência era correlacionada com menor inflação acelerou ainda mais a
tendência.
Desafios do pós- crise para a abordagem padrão
A crise tem colocado as deficiências do modelo padrão em alto relevo.
Nós nos tornamos conscientes acerca de uma série de sobreposições e
conflitos. Entre outras coisas, agora vemos que:
•
A política monetária influencia a política fiscal por meio do balanço
patrimonial do banco central;
•
A política fiscal influencia as políticas monetária e regulatória
através das escolhas das formas de financiamento;
•
A política monetária influencia a política regulatória por meio de
sua influência nos balanços patrimoniais;
•
A política de regulação influencia a política fiscal através de seu
tratamento da dívida soberana; e
•
A política de regulação influencia a política monetária, alterando
os custos dos empréstimos.
E, no rescaldo da crise, vemos que essas políticas são ainda mais
entrelaçadas, uma vez que a restauração da estabilidade financeira pode ser
onerosa e os bancos centrais são frequentemente chamados para arcar com
parte dos custos. Depois de recuar por algumas décadas, a questão da
interconexão e trade-offs entre as diversas políticas voltou com força total.
Como resultado, nós estamos sendo forçados a reconsiderar o modelo de
consenso.
Fundamentos teóricos reconsiderados
Começando com os fundamentos teóricos, nós precisamos entender
melhor os vínculos entre o sistema financeiro e a economia real, se quisermos
construir uma estrutura que vai levar a estabilidade macroeconômica. Seria
errado afirmar que essas ligações foram ignoradas. Na verdade, eu diria que
toda a literatura sobre o mecanismo de transmissão da política monetária é
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sobre esta relação. Afinal de contas, o cerne da política monetária é o de
influenciar os preços e a produção, por meio de ajustes nas condições
financeiras.
Mas se concentrar unicamente sobre a relação entre a política de taxas
de juros e as condições de financiamento para famílias e empresas provou ser
uma simplificação exagerada. Se queremos construir um sistema mais
resiliente, precisamos entender por que a dívida é uma forma de financiamento
tão predominante; e como integrar dívida e inadimplência, booms e bolhas nos
modelos macro. Assim, desse modo, temos que calibrar esses modelos para
que os formuladores de políticas possam usá-los.
Fundamentos de Governança reconsiderados
Voltando-se para a governança, enfrentamos desafios em pelo menos
quatro áreas que advém do novo papel de destaque conferido à estabilidade
financeira no equilíbrio macroeconômico:
Em primeiro lugar, atualmente os objetivos de política são menos claros
do que eram há uma década. Não há uma definição operacional simples de
estabilidade financeira, e não há medidas numéricas. Se a tarefa é difícil de
descrever, a construção de uma abordagem similar ao regime de metas
inflacionárias para a estabilidade financeira é ainda mais difícil. E, sem metas
claramente especificadas, é extremamente difícil especificar os objetivos para
uma autoridade independente e impor uma prestação de contas.
O segundo é o desafio da transparência. Um alto nível de abertura sobre
a lógica das decisões é mais difícil de ser obtido na construção da política de
estabilidade financeira. Sem métricas claras, é difícil justificar ações de
estabilidade financeira que seriam vistas como empecilhos ao financiamento de
projetos lucrativos. No entanto, é necessário um elevado nível de transparência
se a prestação de contas é adequar o nível de autoridade delegado na
abordagem padrão. E, no âmbito prudencial, a transparência pode ser
contraproducente quando ela revelar uma fragilidade institucional.
O terceiro é o risco de uma maior sensibilidade política para as decisões
dos bancos centrais. As políticas de estabilidade financeira, muitas vezes,
alvejam firmas individuais, produtos ou setores. Isto evidencia quais interesses
serão afetados. E, a maior sobreposição entre os instrumentos e objetivos
implica em um maior risco de conflitos políticos. Isto é particularmente
verdadeiro quando o foco é na prevenção de piores resultados
macroeconômicos. Quando não se pode conhecer com antecedência a melhor
resposta a tais conflitos, a única opção será decisões discricionárias com
consequências potencialmente grandes para o bem-estar. E, na maioria dos
países, tais decisões são normalmente reservadas para representantes eleitos.
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Finalmente, o comprimento do braço de coordenação pode não ser
viável. Em muitos países, a regulação financeira é dividida entre várias
agências, algumas sob controle político direto. A coordenação envolve cada
vez mais conselhos de várias agências. A maior parte destas é presidida por
autoridades dos ministérios, ao invés dos bancos centrais. Trabalhar de forma
colaborativa para analisar as ameaças à estabilidade econômica e financeira
pode ser mais profícuo e fornecer mais esclarecimentos do que se trabalhar
separadamente. E, em princípio, alguém poderia fomentar essa colaboração
atribuindo todas as responsabilidades relevantes ao banco central. Mas com
isso poderia se estar exigindo muito do banco central, colocando sua
independência em risco e comprometendo a sua capacidade de atingir
qualquer um de seus objetivos.
O que vem pela frente?
Da mesma forma que os montanhistas irão prosseguir diferentemente
após sobreviver a uma avalanche, é difícil ver como a abordagem padrão
poderia voltar como o fundamento para a estrutura de política. Isso significaria
que devemos renunciar as vantagens de banco central independente? Seria
fácil se desanimar, mas por várias razões, eu não serei.
Em primeiro lugar, atualmente a grande virtude de despolitização através
de delegação tem ainda mais força. A política de estabilidade financeira está
mais exposta a lobbies e a pressão política do que a política monetária, impedir
que as pessoas façam coisas que acreditam ser rentáveis e produtivas nunca
vai ser popular. Mas a capacidade e a credibilidade para fazer exatamente isso
são fundamentais para que os esforços de estabilização financeira sejam
exitosos.
Em segundo lugar, estou confiante de que a concepção de robustas
estruturas institucionais nós podemos gerir os desafios que descrevi.
Lembremos o que fomos anteriormente. No final de 1970, muitos dos
ingredientes do que chamei de abordagem padrão ainda estavam ausentes.
Tínhamos pouco conhecimento de como interligar as coisas que estavam sob
nosso controle direto, as taxas de juros e os passivos dos bancos centrais, em
última instância, nos preocupava, como a inflação e o crescimento. Tínhamos
pouca experiência na explicação do que estávamos fazendo, ou porque, havia
a ausência de transparência e prestação de contas. Mesmo a necessidade de
independência não era muito apreciada.
Talvez o ponto de partida de hoje para a integração da estabilidade
financeira nas estruturas de política seja mais difícil do que era quase meio
século atrás, mas nós devemos nos animar com os progressos obtidos. E eu
acredito que os formuladores de políticas estão em melhor posição com a
aprendizagem mútua. Há agora em curso um número de experimentos no
desenho institucional para a estrutura de estabilidade financeira. Eles incluem
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diferentes configurações, algumas inteiramente dentro dos bancos centrais e
outras envolvem autoridades do Ministério da Fazenda. Da mesma forma que
surgiu a independência do banco central um quarto de século atrás, ao testar
várias estruturas de governança para a política de estabilidade financeira,
seremos guiados em direção a melhor prática que então pode ser amplamente
adotada.
Dadas organizações como o BIS, com seu Grupo de Governança para
Bancos Centrais e outras instâncias - em que Agustín Carstens e seu
antecessor Guillermo Ortiz têm desempenhado um papel muito importante - as
lições emergentes serão rapidamente acessíveis aos outros. Ou seja, através
da cooperação, estou otimista de que esta vez vamos aprender mais
rapidamente.
Voltando aos nossos montanhistas, uma nova consciência dos perigos
das avalanches tem claramente complicado a tarefa de se encontrar o
caminho. Mas essa consciência também oferece uma grande oportunidade:
descobrir um caminho mais seguro para a viagem que se tem pela frente.
Senhoras e senhores, eu desejo, para os próximos, 20 anos tudo de
bom para o Banco do México.
Stephen G Cecchetti 1 - Economic Adviser and Head of the Monetary and
Economic Department. Comentários preparados para a Conferência
Internacional realizada para comemorar o 20 º aniversário da autonomia do
Banco do México, Cidade do México, 14 de outubro de 2013. Tradução e
adaptação da Assessoria Econômica da ABBC.
1
Agradeço a David Archer, Dietrich Domanski e Robert McCauley por suas contribuições a
esta apresentação. As opiniões expressas aqui são as do autor e não refletem
necessariamente as do BIS.
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