ANÁLISE DE MACROFAUNA DE SOLO EM ÁREA DE MATA
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ANÁLISE DE MACROFAUNA DE SOLO EM ÁREA DE MATA
ISSN 2179-6998 Rev. Ibirapuera, São Paulo, n. 2, p. 10-14, jul./dez. 2011 ANÁLISE DE MACROFAUNA DE SOLO EM ÁREA DE MATA ATLÂNTICA E DE REFLORESTAMENTO COM Pinus sp – ZONA SUL DE SÃO PAULO Daniela Vilas Boas Garcia; Gerson Catanozi Universidade Ibirapuera Av. Interlagos, 1329 - São Paulo / SP, Brasil [email protected] Resumo A fauna do solo compreende milhões de animais invertebrados de uma variedade de formas biológicas que vivem no solo ou que nele passam uma ou mais fases ativas. No entanto, existem muitos ambientes e áreas sob manejo cuja composição faunística edáfica merece maior investigação visto que sua ecologia básica não foi completamente elucidada. O presente artigo teve como objetivo caracterizar a comunidade de fauna edáfica em diferentes níveis de solo em áreas conservadas de mata atlântica e de reflorestamento com Pinus sp. As coletas foram realizadas em trecho urbano próximo da Área de Proteção Ambiental Capivari-monos, zona sul do município de São Paulo, próxima à região da Serra do Mar com cobertura vegetal predominante de Mata Atlântica em diversos estágios sucessionais e também abriga áreas de cultivo e de reflorestamento com pinheiros e eucaliptos. Utilizando-se o método de coleta TSBF (Tropical Soil Biology and Fertility), descrito por Anderson e Ingram (1993), o processo dividiu-se em quatro etapas: a retirada de blocos de solo de diferentes profundidades; a extração manual e conservação dos animais; a identificação taxonômica; e a contagem dos indivíduos. Os valores foram utilizados para calcular o índice de diversidade Shannon-Wiener, a riqueza de grupos e as densidades. A análise estatística ONE WAY ANOVA e do teste Student-Newman-Keuls (p>0,05) indicaram que os parâmetros observados são maiores em solo em área de Mata Atlântica, denotando a relevância mútua entre a biodiversidade relativa à cobertura vegetal e a edáfica. Palavras-chaves: biodiversidade de solo; macrofauna de solo; método TSBF. Revista da Universidade Ibirapuera Jul/Dez 2011 n.2: 10-14 11 Abstract processos de decomposição e ciclagem de nutrientes, que são de fundamental relevância para a homeostase do ecossistema em que se fazem presentes (ODUM, Soil fauna is part of millions of invertebrate animals among a variety of biological forms which live in the soil or take at least one active stage of life. Nevertheless, there are many different environments and areas under management which edaphic fauna demands an accurate investigation once its basic ecology is not completely elucidated. The objective of the present work was to characterize edaphic fauna in different levels of soil under Atlantic rainforest and Pinus sp forest areas. Collects were taken around urban region next to Capivari Monos, an Environmental Protection Area at the southern São Paulo city, nearby mountains of Serra do Mar where main vegetation is Atlantic Rainforest at different stages of ecological succession among some crops and Pinus spp and Eucalyptus spp forests. Using TSBF (Trop-,05) were taken indicating that parameters related to Atlantic Rainforest suggest a mutual relevancy between biodiversity and vegetation. 1988). Dentre os organismos do solo, a macrofauna edáfica compreende os maiores invertebrados, organismos com mais que 10 mm de comprimento ou com mais de 2 mm de diâmetro corporal (SWIFT et al, 1979; AQUINO; CORREA, 2005). Estes desempenham um significativo papel eco- lógico à medida que participam das rotas e processos que contribuem com o desenvolvimento da estrutura e da fertilidade do solo, interagindo com as comunidades microbianas e atuando naturalmente no controle populacional de diversos componentes vivos do ambiente (PRIMAVESI, 1990). Apesar de se afigurar dentre um dos importantes membros da biodiversidade edáfica, o papel ecológico da macrofauna do solo não é profundamente compreendido e muito há ainda por ser esclarecido. Na literatura científica, existem diversos registros relacionando-a à capacidade de mobilidade e de fragmen- Keywords: soil biodiversity; soil macrofauna; TSBF metho tação de componentes do solo, estimulação vegetal e possível bioindicação ecológica em ambientes naturais ou sob manejo, dentre outras possibilidades (CATANOZI, 2010). No Brasil, além da diversidade de ambientes na- turais em que a fauna edáfica se faz presente e ainda não plenamente conhecida, devem-se incluir as áreas de reflo- 1. Introdução restamento e de manejo agrícola, uma vez que estas pro- O solo é formado por diversos componentes mine- rais e orgânicos e presentes em diferentes fases – sólida, líquida e gasosa. Dentre os muitos possíveis integrantes, os seres vivos assumem importante papel na formação e manutenção dinâmica do solo. Esse conjunto de organismos, de tamanhos, for- mas e metabolismos diversos, constitui a biota do solo, responsável por importantes funções (PRIMAVESI, 1990). A fauna do solo compreende expressiva parcela porcionam ao país o patamar de grande produtor no ramo do agronegócio. Mas, para tanto, as condições do solo tomam parte como um dos fatores que asseguram resultados de alta produtividade e, nesse processo, a macrofauna de solo também pode assumir destaque. O presente artigo teve como objetivo caracterizar a comunidade de fauna edáfica em áreas conservadas de mata atlântica e de reflorestamento com Pinus sp no município de São Paulo. de inúmeras formas biológicas que vivem no solo ou que passam uma ou mais fases ativas nele. A fauna do solo está intimamente associada aos Revista da Universidade Ibirapuera Jul/Dez 2011 n.2: 10-14 12 2. Material e Métodos Visando evitar a morte prematura de espécimes presen- tes nas amostras de solo e facilitar a visualização dos mesmos, A pesquisa e o levantamento da macrofauna foram rea- foi realizada a extração dos animais em laboratório no mesmo lizados no bairro de Parelheiros em localidade adjacente à Área dia em que se procedera a coleta. de Proteção Ambiental (APA) Capivari-Monos, situada no limite sul do município de São Paulo. te e com auxílio de microscópio estereoscópico, selecionando-se os representantes invertebrados com diâmetro corporal superior O sítio de amostragem se caracteriza por estar em local A obtenção da macrofauna do solo se deu manualmen- em que há a maior área de proteção ambiental do país em região a 2 mm e/ou com comprimento superior a 10 mm. metropolitana, próxima à região da Serra do Mar. Mata Atlântica, em diversos estágios sucessionais, é dos em álcool 70%, a partir do que se procedeu à identificação e a cobertura vegetal predominante desta área, a qual também a contagem dos organismos. Estes foram agrupados segundo a abriga cultivo agrícola de subsistência e reflorestamento com taxonomia, levando em conta a classe, ordem e família. pinheiros e eucaliptos (SÃO PAULO, 2011). A coleta de amostras foi realizada em estação úmida, sidade Shannon-Wiener e, para a interpretação da riqueza de segundo recomendações TSFB (Tropical Soil Biology and Ferti- grupos e das densidades, foi realizada análise estatística ONE lity), descrito por Anderson e Ingram (1993) e Aquino (2001). WAY ANOVA e o teste Student-Newman-Keuls (p>0,05). O processo se dividiu em quatro etapas: a retirada de Os indivíduos de cada amostra de solo foram conserva- Com os dados obtidos, foi calculado o índice de diver- A fim de ampliar e favorecer a comparação entre os am- blocos de solo de diferentes profundidades; a extração manual e bientes edáficos dos quais foram removidos os organismos da conservação dos animais; a identificação taxonômica; e a conta- macrofauna, nos respectivos pontos de coleta, foram extraídas gem dos indivíduos. 5 repetições de amostras de solo para se obter a densidade mé- dia, conforme proposto por Kiehl (1979). Para a amostragem de solo, foram feitas cinco (5) repe- tições em um transecto (PINTO-COELHO, 2000) de 15m, com uma coleta a cada 3m, tanto na área de mata atlântica em fase 3. Resultados e Discussão sucessional secundária quanto na área de reflorestamento com pinheiros (Pinus sp). tabelas 1 e 2. Em cada ponto de coleta, com molde metálico, foi mar- Os dados e análises estatísticas estão resumidos nas cada uma área quadrada de lado 0,25m. Tabela 1 - Resultados comparativos de índice de Shannon-Wie- Com o intento de obter essencialmente a macrofauna ner (H), densidade (indivíduos/m2)* e riqueza de grupos taxonô- endogéica, desprezou-se a serapilheira correspondente ao pon- micos (S)* de macrofauna edáfica entre sistemas florestais Mata to de amostragem. Atlântica e Pinus sp na APA Capivari-Monos/SP – método TSBF (0 a 0,3m) Em seguida, adotando-se medidas para não desagre- gar a amostra de solo, extraiu-se um bloco de solo da camada de 0 a 0,10m de profundidade. O monólito obtido foi acondicionado hermeticamente em um saco plástico previamente identificado. Em seguida, o procedimento foi repetido com o segun- do e o terceiro bloco de solo, 0,10 a 0,20m e 0,20 a 0,30m, respectivamente. Sistema Florestal Mata Atlântica Pinus SP H Densidade* S* (individuos/m²) 1,797 781,0 + 392,2a 4,9 + 2,2a 1,604 494,2 + 328,9b 3,1 + 1,2b *Valores seguidos pela mesma letra minúscula na mesma linha ou mesma letra maiúscula na mesma coluna não apresentam diferença estatisticamente significativa ao nível de 5% de probabilidade de acordo com o teste Student-Newman-Keuls. Revista da Universidade Ibirapuera Jul/Dez 2011 n.2: 10-14 13 Tabela 2 - Resultados comparativos de índice de Shannon-Wiener (H), densidade (indivíduos/m2)* e riqueza de grupos taxonômicos (S)* de macrofauna edáfica em diferentes profundidades do solo entre sistemas florestais Mata Atlântica e Pinus sp na APA Capivari-Monos/SP – método TSBF (0-0,1; 0,1-0,2; 0,2-0,3m) Profundidade Mata Atlãntica (m) 0,0-0,1 0,1-0,2 0,2-0,3 S* Densidade* (Indivíduos /m²) H Pinus SP 1,913 1,600 1,457 1,497 1,140 1,321 Mata Atlântica Pinus SP 11,65,8+163,0A 894,2 + 251,2 aB 860,2 + 146,5B 305,6+181,6C 396,2 + 105,9bC 226,4+89,5bC A partir dos valores gerais (Tabela 1), que con- Mata Atlântica Pinus SP 7,4 + 1,5 a 5,2 + 0,4b 4,6 + 0,5b 2,8 + 0,4c 3,2 + 0,4c 2,8 + 1,3c *Valores seguidos pela mesma letra minúscula na mesma linha ou mesma letra maiúscula na mesma coluna não apresentam diferença estatisticamente significativa ao nível de 5% de probabilidade de acordo com o teste StudentNewman-Keuls. Esses resultados podem decorrer da influên- sideram o total de indivíduos no solo por sítio investi- cia direta dos fatores do ambiente acima da superfície e gado, independentemente da profundidade em que se das condições que usualmente são próprias de áreas encontraram (somatória de 0 a 0,3m), pode-se identificar sob manejo essencialmente monoespecífico (no caso, como traço básico que, em área de cobertura vegetal Pinus sp), pois, nesse tipo de sistema, marcadamente a correspondente à mata atlântica, ocorre maior diversi- porosidade é menor, visto que a densidade se mostrou dade, densidade de organismos e riqueza de grupos em estatisticamente maior que no solo da área de Mata relação ao ambiente com reflorestamento de Pinus sp. Atlântica, respectivamente 89,45kg/m3 e 57,63kg/m3. Essa situação está de acordo com Primavesi Dessa forma, a redução dos poros em que cir- (1990), pois, segunda essa autora, de fato, ambientes com culam ar e água, principalmente em maiores profundi- maior diversidade vegetal, como é proeminentemente o dades, juntamente com a composição qualitativamente caso da Mata Atlântica (2008), a biodiversidade no solo e, menos rica de serapilheira, conforme atestado por Del- consequentemente, da fauna edáfica, é maior. Além disso, itti (1982) e Warren e Zou (2002), denota a possível di- para esse mesmo tipo de ecossistema florestal – MataAtlân- sponibilidade mais limitada de recursos à biota local, o tica, Catanozi (2010) encontrou valores semelhantes em lo- que poderia contribuir e explicar os referidos resultados. calidade próxima à área em questão para períodos úmidos. Atentando-se de forma comparativa para cada pro- oridade significativa em diversidade, densidade e riqueza fundidade isoladamente, observa-se estatisticamente que, de grupos em relação à área com Pinus sp. No entanto, em em solo com cobertura vegetal de Mata atlântica, há maior profundidade 0,2-0,3m a densidade e a riqueza de grupos diversidade, densidade e riqueza de grupos quanto mais não se mostraram estatisticamente diferentes, muito emb- próximo da superfície, o que corresponde à caracterização ora, em conformidade com o expresso por Ricklefs (2003), realizada com os valores totais para as mesmas variáveis. o índice de Shannon-Wiener seja maior na Mata Atlântica como observado nas profundidades mais superficiais. Essas análises demonstram que, em poucos cen- Em Mata Atlântica, os resultados exibiram superi- tímetros de profundidade, há fatores ambientais que motivam importantes alterações na distribuição de organismos da macrofauna, o que já fora relatado em outros estudos 4. Conclusões e ecossistemas (MOÇO et al, 2005; CATANOZI, 2009). Na área com reflorestamento com Pinus sp, apenas A partir das análises quantitativas e qualitativas a camada mais próxima da superfície do solo (0-0,1) apre- efetuadas, é possível fazer as seguintes considerações: sentou diversidade, densidade e riqueza de grupos signifi- cativamente maiores que em relação aos demais extratos. nos dois ambientes, a área com cobertura vegetal pre- 1. Na comparação entre a macrofauna edáfica Revista da Universidade Ibirapuera Jul/Dez 2011 n.2: 10-14 14 dominante de mata atlântica apresenta maior diversidade, densidade e riqueza de grupos em relação ao sistema com Pinus sp, demonstrando a importância de ambientais florestais conservados em que as condições são apropriadas à manifestação da diversidade de fauna de solo 2. A profundidade do solo se apresentou como um fator relevante no estudo de variáveis ecológicas a exemplo da densidade de organismos, riqueza de grupos e índice de diversidade, especialmente em área de Mata Atlântica, reforçando a necessidade da conservação de ambientes florestais nativos. 3. Em área de reflorestamento com Pinus sp, as camadas mais profundas de solo (0,1m a 0,2m e 0,2m a 0,3m) parecem não oferecer condições para uma ocorrência significativa da diversidade de fauna edáfica, representando possível e esperado comprometimento ambiental, correspondido pela redução da densidade de organismos e da riqueza de grupos. 5. Agradecimentos À Universidade Ibirapuera, por oferecer o curso e disponibilizar as condições de infraestrutura laboratorial, adequadas aos procedimentos de natureza prática e necessárias a esse estudo. 6. Referências Bibliográficas ANDERSON, J. M.; INGRAM, J. S. I. Tropical soil biology and fertility: a handbook of methods. 2ed. 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