Anais do III SILID/II SIMAR - Departamento de Letras da PUC-Rio

Transcrição

Anais do III SILID/II SIMAR - Departamento de Letras da PUC-Rio
Anais
Edições Entrelugar
ISBN 978-85-87424-16-7
Realização
Departamento de Artes & Design
Departamento de Letras
Apoio
Decanato do
CTCH - PUC Rio
Anais do III Simpósio sobre o Livro
Didático de Língua Materna e Estrangeira
e do II Simpósio sobre Materiais e
Recursos Didáticos
28, 29 e 30 de julho de 2010
Organização
Barbara Jane Wilcox Hemais
Jackeline Lima Farbiarz
Local
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Realização
Departamento de Artes & Design – PUC-Rio
Departamento de Letras – PUC-Rio
Apoio
Decanato do CTCH / PUC-Rio
DeSSIn – Grupo de estudos Design na leitura
de Sujeitos e Suportes em Interação
Rio de Janeiro
Edições Entrelugar
2013
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio
Reitor
Pe. Josafá Carlos de Siqueira, S.J.
Vice-Reitor para Assuntos Acadêmicos
Prof. José Ricardo Bergmann
Decanato do Centro de Teologia e Ciências Humanas
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Prof. Julio Diniz
Diretor do Departamento de Artes & Design
Profa. Luiza Novaes
Coordenadoras do Simpósio
Profª. Barbara Jane Wilcox Hemais
Profª. Jackeline Lima Farbiarz
Apoio
Decanato do CTCH / PUC-Rio
DeSSIn – Grupo de estudos Design na leitura
de Sujeitos e Suportes em Interação
Comissão Científica
Adriana Mesquita Rigueira
Alexandre Farbiarz
Ana Paula Marques Beato-Canato
Barbara Jane Wilcox Hemais
Barbara Jane Necyk
Fátima Cristina Dória R. dos Santos
Luiz Antonio Luzio Coelho
Luiza Novaes
Jackeline Lima Farbiarz
Lucia Pacheco de Oliveira
Maria Cristina Góes Monteiro
Nathalia Sá Cavalcante
Ricardo Artur Pereira de Carvalho
Rita Maria de Souza Couto
Rogério Tílio
Romulo Miyazawa Matteoni
Tânia Maria de Frota Mattos Mazillo
Vera Lucia Carvalho Grade Selvatici
Comissão Organizadora
Adriana Mesquita Rigueira
Alexandre Farbiarz
Ana Paula Marques Beato-Canato
Barbara Jane Necyk
Beatriz de Castro Barreto
Cristina Helena Evelyn T. Teixeira
Daniela Marçal
Guilherme de Almeida Xavier
Luciana dos Santos Claro
Luciana Salles de Bragança Moraes
Mabel Costa de Castro
Márcia Olivé Novellino
Ricardo Artur Pereira de Carvalho
Romulo Miyazawa Matteoni
Tatiana Tabak
Vera Lucia Carvalho Grade Selvatici
Violeta de Santiago Dantas Barbosa Quental
Secretaria
Carolina Pinho
Digerlaine Tenório
Eliakin Carlos Oliveira Marques
Fábio Rodrigo Lopes de Araújo
Luis Anderson da Silva Pinho
Telma Cortes Ribeiro
Sumário
A competência comunicativa no livro didático de português língua
estrangeira ............................................................................. 6
Ana Angélica L. Gondim e Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin
A imagem do aluno através dos textos multimodais no livro de inglês ... 18
Adriana Batista de Souza
Análise de um livro didático de gramática de língua inglesa ................ 30
Mariana Daré Vargas e Mariana Killner
A presença e a função dos gêneros textuais em livros didáticos de
português como língua estrangeira ............................................... 42
Natália Moreira Tosatti
Autoria no livro didático de língua portuguesa: o papel do editor ......... 56
Adriana L. Sousa Teixeira
Design e formação de leitores na web 2.0 ...................................... 69
Ricardo Artur P. Carvalho, Bruna Spinola Saddy e Rafael Osório Barçante
Pires
Os conhecimentos linguístico-gramaticais em coleções didáticas para o
ensino fundamental II ............................................................... 85
Daniela Manini
Panorama dos ambientes virtuais de aprendizagem no brasil: uma análise
da plataforma eureka ............................................................... 96
Raiane Nogueira Gama e Alexandre Farbiarz
Pesquisando (com) (no) o livro didático de língua estrangeira ........... 111
Renato Caixeta da Silva
Polifonia e gêneros textuais em um livro didático de língua portuguesa
......................................................................................... 135
Rogério Tilio e Terezinha Fatima Martins Franco Brito
Projeto gráfico-editorial em livros didáticos de língua portuguesa:
influências e interferências no processo de ensino-aprendizagem ...... 151
Fabiana P. Marsaro
Proposta curricular do estado de são paulo para o ensino de língua
portuguesa: primeiras impressões .............................................. 167
Fernanda Félix Litron
Redes sociais e educação ......................................................... 179
Mariana de Souza Coutinho e Alexandre Farbiarz
Variação linguística e pluralidade cultural: como, por que e para quem
elaboramos propostas didáticas ................................................. 195
Ângela Marina Bravin dos Santos
A competência comunicativa
Português língua estrangeira
Communicative
manuals
competence
in
no
livro
Portuguese
didático
foreign
de
language
Ana Angélica L. Gondim, Graduada, Universidade Federal do Ceará,
[email protected]
Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin, Doutora, Universidade Federal do
Ceará. [email protected]
Resumo
A presente comunicação mostra parte de uma pesquisa em desenvolvimento.
Nossos objetivos são analisar livros didáticos de português língua estrangeira
(a fim de investigar o grau de competência comunicativa, englobando as
quatro capacidades necessárias em língua estrangeira), através de atividades
de produção oral.
Palavras-chave: competência, atividades orais, material didático
Abstract
It shows part of an ongoing research. Our objectives are to examine
Portuguese foreign language manual (in order to investigate the degree of
communicative competence, covering all four skills needed in a foreign
language) through oral production activities.
Keywords: competence, oral activities, courseware
Algumas considerações iniciais a fazer sobre LD
As representações da língua portuguesa construídas pelo professor de
português língua materna e pelo professor de português língua estrangeira,
sobre a sua prática docente em sala de aula ou sobre os materiais didáticos
por eles utilizados, são bastante relevantes para o bom desempenho
profissional. Para tratar dessa questão, fazemos, neste artigo, um recorte que
contemplará o ensino de português língua estrangeira (doravante, PLE);em
particular, a proposta das atividades orais para a ampliação da competência
comunicativa dos aprendizes de PLE, em livros didáticos (doravante, LD) de
PLE. Para dar conta desta proposta, é preciso entender o espaço que tem o
LD no contexto da aquisição de PLE.
O LD faz parte do entorno precedente ao agir do professor; constitui o
conjunto de documentos que norteia a prática docente (BRONCKART, 2008)
no Brasil e, muitas vezes, é o único material didático disponível. Enquanto
componente do entorno precedente ao agir real do professor de PLE, o LD,
justamente, poderia possibilitar um espaço de realização das tomadas de
decisões políticas sobre o ensino-aprendizagem. Se assim fosse entendido, ele
representaria seu objetivo maior que é ampliar a competência comunicativa
dos aprendizes.
No entanto, em sala de aula, o que vimos ainda é o LD se tornar guia de
professores. Como tal, define o tipo de aula e também age (positivamente ou
não) na ampliação das competências comunicativas do falante. No LD, o seu
autor se representa como professor e autor de uma proposta de trabalho e
certamente se ancora numa determinada concepção de língua e de ensino e
aprendizagem. Uma observação que fazemos, neste momento, diz respeito
aos
objetivos
e
metodologia
de
trabalho.
Estudos
(FILHA,
2010,
EVANGELISTA, 2008, PEIXOTO, 2007) entre outros, mostram que os objetivos
e a metodologia utilizada nos LDs, em práticas de leitura e de produção de
textos,
não
condizem
com
as
orientações
dos
demais
documentos
componentes do entorno precedente ao agir real do professor, tais quais a Lei
de Diretrizes e Bases, os Parâmetros Curriculares Nacionais, o Plano Nacional
do Livro Didático e demais documentos que orientam a educação nacional,
apesar de todos terem uma orientação maior oriunda do Ministério de
Educação. Ora, se o ensino de língua estrangeira tem como principal objetivo
7
desenvolver competência comunicativa, o grande questionamento que ora
fazemos é como viabilizar tal objetivo, se o ensino não saiu do contexto da
gramática descontextualizada. Se tomarmos como referência o discurso do
autor do LD, ao apresentar a obra, facilmente entenderemos o descompasso
entre o dizer e o fazer do professor (LEURQUIN, 2001). Diante disso, é
bastante relevante o seguinte questionamento: Em que concepção de
competência eles estariam ancorados?
Competência linguística de Chomsky
Nos estudos de Chomsky (1965), três conceitos para nós são relevantes:
língua, competência e desempenho. O autor entende língua como um
conjunto de estruturas regido por regras. O conhecimento dessas regras,
normas, que estão internalizadas e que nos permitem emitir, receber e julgar
enunciados de nossa língua é a competência; e desempenho é uso real da
língua em situações concretas. Ao desempenho, está relacionado o contexto
de produção, elemento negativo para o funcionamento correto da língua pois
permite uma realização imperfeita dela.
Ainda para o autor, o professor
deveria ter por objetivo fazer com que o usuário de uma língua viesse a
adquirir as regras que serviriam à utilização da estrutura linguística a fim de
alcançar determinado objetivo. Dessa maneira, a língua funcionaria como uma
expressão matemática, ou seja, com a utilização de determinados elementos,
o falante alcançaria o objetivo desejado.
Por se ater ao conhecimento gramatical, estrutural, o conceito de
competência proposto por Chomsky é também chamado de competência
lingüística. A esta competência está relacionada a concepção que o autor tem
de língua.
Assim sendo, entendemos que em se tratando do ensino de
português língua estrangeira, nesta perspectiva, a dinâmica do ensino está em
movimento quando o professor consegue ensinar um conjunto de normas
internalizadas. Essa visão foi muito criticada, pois não apresentava, num
construto marcadamente dicotômico entre competência e desempenho, uma
preocupação com a função social da língua. Segundo Chomsky (1965):
A teoria lingüística tem, antes de qualquer coisa, como objeto um falanteouvinte
ideal,
situado
numa
comunidade
lingüística
completamente
8
homogênea, que conhece a sua língua perfeitamente, e que, ao aplicar seu
conhecimento da língua numa performance efetiva, não é afetado por
condições gramaticalmente irrelevantes tais como limitações de memória,
distrações, desvios de atenção e de interesse, e erros (casuais ou
característicos).
Os estudos de Chomsky foram muito divulgados, mas também muito
criticados. Uma das maiores críticas se deu ao fato de o autor acreditar que
havia um falante – ouvinte ideal. Essa visão ainda é bastante difundida,
mesmo que não assumida, por muitos autores de LDs de línguas, o que
acarreta um agir docente voltado para o trabalho de desenvolvimento de
regras gramaticais. A noção de competência foi ampliada nos estudos de
Hymes em função da concepção que ele tinha de língua.
Competência comunicativa de Hymes
Hymes (1978) entende que a língua deve estar inserida em uma realidade
linguística, em que falante e ouvinte mantêm relações sócio-culturais e
estados emocionais e psicológicos diversos, aproximando-se da visão de
língua defendida por Saussure, para quem:
A língua existe na coletividade sob a forma duma soma de sinais
depositados em cada cérebro, mais ou menos como um dicionário cujos
exemplares, todos idênticos, fossem repartidos entre os indivíduos. Trata-se,
pois, de algo que está em cada um deles, embora seja comum a todos e
independe da vontade dos depositários (Saussure, 1970, p. 27).
Ao se posicionar dessa maneira, o autor mostra estar mais preocupado
com a construção do significado da língua, levando em conta o contexto de
produção, os participantes e o que eles identificavam como válido. Hymes
expandiu o conceito de competência de Chomsky para incluir fatores que
considerava inerentes à língua, como os que acabamos de citar. Este autor
entende que ter a capacidade de utilizar uma língua não deve se resumir a
entender regras gramaticais e estruturação de uma língua. Ele, propõe, então,
o termo competência comunicativa. Inclui a idéia de “capacidade de usar”,
unindo a dicotomia competência/desempenho de Chomsky, pois acreditava
9
que a situação de uso seria de suma importância para o desenvolvimento da
comunicação efetiva.
Também Hymes (1979) adicionou a dimensão social ao conceito de
competência. Com o acréscimo da partícula “comunicativa” evidenciou estar
preocupado com o uso da língua. Para Hymes, não adianta que o sujeito
tenha somente conhecimentos léxicos, morfológicos, semânticos ou sintáticos
(como foi proposto por Chomsky). Para ele, é preciso que o indivíduo conheça
as regras e as utilize em situações reais na comunidade na qual está
inserido. O autor utilisa o termo ‘competência comunicativa’ para se referir
não apenas a conhecimento, mas também ao uso efetivo deste. A partir de
Hymes, e visivelmente inspirados por ele, vários autores buscaram conceituar
competência comunicativa, através de uma visão mais social da língua.
Trabalhando nesta visão, para este trabalho, consideramos as pesquisas de
Canale e Swain.
Competência comunicativa no modelo de Canale e Swain
Na releitura feita por Canale e Swain (1980), o conceito de competência
comunicativa diz respeito a conhecimentos e a habilidades:
(…) El conocimiento hace referencia (…) a lo que uno sabe (consciente o
inconscientemente) sobre el lenguaje y sobre otros aspectos del uso
comunicativo del lenguaje; la habilidad hace referencia a lo bien o mal que se
utiliza este conocimiento en la comunicación real (…) (Canale, 1997, p.65-66)
Estes autores oferecem um arcabouço teórico para a descrição dos
diferentes tipos de competência. O modelo desses autores, com a revisão
procedida por Canale (1983), representou um grande progresso, dominando a
área de avaliação de ensino/aprendizagem de L2/LE durante uma década.
Canale e Swain apresentam quatro tipos de competências que devem estar
interligadas para que a competência comunicativa possa ser desenvolvida de
forma eficiente, englobando:
1. Competência gramatical: Implica o domínio do código linguístico, a
habilidade de reconhecer as características linguísticas da língua e usá-las
para formar palavras e frases;
10
2. Competência sociolinguística: Alude ao conhecimento das regras
sociais que norteiam o uso da língua, compreensão do contexto social no qual
a língua é usada.
3. Competência discursiva: Que diz respeito à conexão de uma série de
orações e frases com a finalidade de formar um todo significativo. Este
conhecimento tem de ser compartilhado pelo falante/escritor e ouvinte/leitor.
4. Competência estratégica: Deve ser usada para compensar qualquer
imperfeição no conhecimento das regras.
O objetivo desses dois autores, segundo Freire (1989), era o de
transformar o conceito de Hymes, de natureza essencialmente teórica, em
unidades pedagogicamente manipuláveis, que poderiam servir de base para
uma grade curricular e prática de sala de aula. A noção de desempenho
introduzida no conceito de Hymes através da expressão “capacidade para
usar” não aparece no modelo de competência comunicativa proposto por
Canale e Swain. A “capacidade para usar” de Hymes corresponde ao que
esses autores chamam de desempenho comunicativo, manifestado na
realização e interação das competências mencionadas em seu modelo, na
produção e compreensão dos enunciados.
Ao propor uma tipologia de competência, Canale e Swain não apenas
mostra que a noção de competência é muito complexa para defini-la de
formam global, como também reconhece que a concepção de língua implica
não apenas a gramática dela mas também a situação de produção, não apena
a palavra, a frase, mas o discurso.
Como vimos, os autores (re) constroem uma visão de língua de acordo
com o olhar que lança a este objeto de estudo, na ótica teórica e
metodológica construída à luz de seus objetivos quanto ao ensino de língua.
É, portanto, fundamental que o professor, ao optar por um LD, compreenda
isso e veja se seus interesses na sala de aula são compatíveis com os
interesses do autor do DL. Ao selecionar o material didático, ele também está
selecionando uma visão de língua (cultura e falares de um povo), ensino e
aprendizagem de língua.
Adotar o conceito de competência linguística ou o conceito de
competência comunicativa, aqui expostos, tem consequências bastante sérias
para o ensino de línguas estrangeiras pois se a concepção de competência
11
linguística estiver subjacente ao agir docente, o professor se preocupará
apenas em fazer com que os estudantes aprendam as formas gramaticais da
língua, por exemplo.
O LD deverá apresentar atividades que contribuam para que os
estudantes desenvolverem sua competência comunicativa (aqui adotada com
a subdivisão proposta por Canale e Swain, englobando os fins didáticos:
gramatical, discursiva, sociolingüística e estratégica). Os autores de LDs vão
se preocupar com a inclusão de atividades que contribuam com a ampliação
destas competências relacionadas as quatro habilidades dos estudantes
(produção e compreensão escrita e produção e compreensão oral).
Da teoria às práticas, como entender os dados?
A partir das concepções de competência que apresentamos, consideraremos a
concepção de competência lingüística proposta por Chomsky (1965) e
contrapô-la-emos com a visão de competência comunicativa defendida por
Hymes (1978/1079) e com as modificações do modelo de Canale e Swain
(1980). É com este olhar que iremos analisar os LDs de PLE por nós
selecionados. Com isso, pretendemos identificar que tipos de competência
estes LDs buscam desenvolver nos alunos, já que se dizem trabalhar na
perspectiva comunicativa.
O corpus é composto pelos livros Tudo Bem? (2008), Estação Brasil
(2005) e Sempre amigos (2000). A opção por eles se deu, sobretudo, porque
os autores apresentam como principal objetivo desenvolver competências
comunicativas. Como vamos trabalhar materiais que adotam o método
comunicativo, buscaremos apresentar, de forma sucinta, como é o trabalho de
ensino/aprendizagem dentro dessa concepção de ensino.
O método comunicativo tem foco no sentido, no significado e na
interação proposta aos sujeitos em LE. O LD que trabalha nessa perspectiva
de ensino organiza as experiências de aprender em termos de atividades
relevantes para os alunos para que estas possam capacitá-los a utilizar a
língua-alvo em situações reais. Além disso, este método caracteriza-se pela
ênfase dada à produção de enunciados significativos em LE, deixando o
estudo das estruturas gramaticais em segundo plano, ou seja, o professor e
12
os materiais utilizados procuram incentivar o aluno a pensar e interagir na
língua-alvo,
abrindo
espaços
para
que
ele
aprenda
e
sistematize
inconscientemente aspectos funcionais da nova língua.
Os materiais didáticos de orientação comunicativa devem incentivar o
aluno a expressar aquilo que ele deseja ou aquilo de que ele precisa, através
de técnicas interativas com trabalhos em pares ou pequenos grupos. Para que
o LD seja considerado comunicativo, é necessário propiciar experiências de
aprender com conteúdos de significação e relevância para a prática e uso da
nova língua, conteúdos que o aluno reconheça como experiências válidas a
sua formação e crescimento intelectual,
Constatamos que a unidade intitulada “A família”, do O LD Tudo Bem,
apresenta doze atividades, sendo seis de produção e/ou compreensão orais.
Observamos que o foco é na competência gramatical ou linguística. O Estação
Brasil apresenta a unidade 2 “Cidadania e cotidiano”, trazendo treze
atividades, sendo quatro de produção e/ou compreensão orais. No entanto,
ficou evidente que a competência lingüística, diferentemente do método
anterior, não tem prioridade. As atividades focalizam o tema tratado nos
textos, em diálogos. E, por fim, o livro Sempre amigos, que é subdividido em
módulos, traz o módulo 2 com o título “Organizando as idéias” com onze
atividades, sendo seis de produção e/ou compreensão orais,
que tratam
prioritariamente do desenvolvimento da competência linguística ou gramatical.
Considerações finais
Ao considerar a análise feita dos materiais didáticos mais utilizados em cursos
de português língua estrangeira, com base nos estudiosos antes citados,
constatamos que (1) não foi possível perceber uma abordagem que integre
todas as competências que devem constituir a competência comunicativa (2);
o que mais se aproximou desse tratamento que deve ser dado ao ensino de
competências foi o Estação Brasil; (3) as competências discursivas e
sociolingüística não estão presentes em quase nenhuma das atividades
propostas; (4) As competências propostas no modelo de Canale e Swain não
são trabalhadas de forma homogênea, havendo preferência por uma
(gramatical) em detrimento das outras, o que contribui para uma formação
13
incompleta do usuário da língua; (5) As atividades que, mesmo de forma
indireta, trabalham as quatro subcompetências, pecam com relação ao
desenvolvimento da competência sociolinguística, pois o contexto social de
produção de linguagem é a sala de aula.
Tal procedimento faz distanciar os
livros didáticos do objetivo maior do autor que é desenvolver competências
comunicativas.
É
importante
considerar
que
para
se
desenvolver
competência
comunicativa, é necessário entender a própria constituição dela. Por essa
razão é tão relevante um trabalho integrado da competência gramatical às
outras competências (como a apresentado pelo Estação Brasil). Acreditamos
que a aquisição das regras gramaticais possa ser feita de forma mais natural,
partindo do uso, da função de determinada estrutura com determinado fim, e
não o contrário como nos foi observável “da prescrição ao uso”. Esse modo de
trabalhar a competência deve ser revisto, pois sabemos que nem em língua
materna essa forma de se ensinar é a que mais traz resultados positivos.
Baseadas nisso, é possível acreditar que também não será em língua
estrangeira que este será o melhor caminho para se ensinar e aprender regras
que regem a estrutura lingüística. O ensino da competência gramatical
aconteça a partir do uso comunicativo da língua, e reflexivo, buscando
entender a utilização de determinada estrutura lingüística.
Quanto ao trabalho com a competência estratégica, acreditamos que os
autores de LDs de língua estrangeira podem buscar investir no sentido de
saber (através de pesquisas relacionadas ao contexto de aprendizado no
campo da Linguística Aplicada) quais seriam as maiores dificuldades dos
alunos e estimular a utilização da competência estratégica através de
atividades orais.
Enfim, o LD não é um tema novo, apesar de apresentar tantas
inquietudes. Tratando do uso do livro didático em sala de aula, Ur (1995)
apresenta desvantagens que a utilização de um livro didático pode acarretar
ao trabalho do professor. Também questionando esse material didático, a fim
de entender o seu espaço nas discussões sobre ensino de línguas, Bronckart
(2008) põe o livro didático como componente de um entorno precedente ao
agir do professor. Ancoradas nos dois autores, buscamos ligar os pontos de
convergência para, a partir daí, desenvolvermos uma reflexão sobre o agir
14
real do profissional e buscarmos identificar as falhas existentes nestes LDs (e
em outros que apresentam um trabalho similar ao destes) e propor uma
reflexão referente ao tratamento dado ao desenvolvimento das competências
no momento da produção dos LDs de língua estrangeira, nesse caso, de PLE.
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17
A imagem do aluno através dos textos multimodais no
livro de inglês
The representation of the student in the multimodal texts in
english coursebooks
Adriana Batista de Souza
Resumo
O objetivo deste trabalho é apresentar uma análise crítica das imagens de
aluno projetadas em um livro de inglês nacional e outro importado através da
análise da representação multimodal dos atores sociais. Para este estudo,
serão considerados somente textos multimodais presentes em atividades de
leitura porque elas costumam dispor de mais espaço para trabalhar questões
culturais. A pesquisa será desenvolvida com base na teoria da
multimodalidade de Kress e van Leeuwen (2001/2006) que, por sua vez,
baseia-se na gramática sistêmico-funcional de Halliday (1985). Ancoradas nas
relações de interação entre os participantes, isto é, na metafunção
interpessoal de Halliday, as análises apontam, no livro nacional, para a
imagem de um leitor detentor de conhecimentos prévios sobre o assunto que
é tratado na atividade analisada, talvez por ser este um material nacional
dirigido a alunos brasileiros; em contrapartida, as análises no livro importado
apontam para um leitor distante dos participantes representados,
demonstrando ser a cultura estrangeira alheia à do leitor.
Palavras-chave: linguagem verbal, linguagem visual, multimodalidade.
Abstract
This paper aims at presenting a critical analysis of the image of the student in
a nationally produced course book as well as in a foreign course book through
the analysis of the multimodal representation of the social actors. Only
multimodal texts present in reading activities are considered because they
usually leave more space for cultural-related aspects. The study is based on
the theory of multimodality (Kress and van Leeuwen, 2001/2006), which in
turn is based on Halliday´s (1985) functional grammar. With respect to the
interaction relations among the participants, that is, on Halliday´s
interpersonal metafunction, the analyses in the national book point to a type
of reader who has previous knowledge of the subject dealt with in the activity;
on the other hand, the analyses in the foreign book point to a reader who is
distant from the represented participants.
Keywords: verbal language, visual language, multimodality.
Introdução
Compreender e produzir textos multimodais na sociedade atualmente tem se
tornado cada vez mais uma necessidade para que haja o sucesso na
comunicação. Falar gesticulando e escrever desenhando, por exemplo, são
práticas costumeiras hoje em dia. Essa interação entre os diversos modos
semióticos (palavras, gestos, sons, imagens, etc.) exige que os sujeitos sejam
capazes de interpretar e produzir não só uma ou outra semiose, mas o
conjunto como uma unidade que produz significado. A linguagem visual
merece atenção especial, tendo em vista seu papel central em alguns
contextos discursivos. A cultura visual, no entanto, mesmo nesses contextos
em que ela tem predominado, não exclui a verbal, fortemente enraizada na
nossa
sociedade.
Ao
contrário,
elas
interagem
e
demandam,
consequentemente, uma capacidade de comunicação multimodal, na qual os
sentidos são construídos a partir dessa interação.
Tendo em vista minha atuação como professora de inglês como língua
estrangeira em cursos livres de idiomas, comecei a observar a questão da
multimodalidade nos livros com os quais trabalho. É visível a crescente
invasão de imagens em meio aos textos verbais. Comecei a perceber, então,
não só a importância da comunicação multimodal na sala de aula de língua
estrangeira como também a necessidade de exploração do fenômeno nesse
contexto, de forma a capacitar professores a analisarem mais criticamente as
imagens (isoladas e/ou combinadas com as palavras) e, consequentemente, a
desenvolverem o pensar crítico dos alunos.
Visando à promoção de uma maior valorização do visual no contexto de
ensino de língua estrangeira como instrumento para a ampliação de formas de
apreensão do mundo, decidi analisar a multimodalidade em livros didáticos
para ensino de inglês como língua estrangeira adotados em cursos de
idiomas. Ao observar meu próprio material de trabalho, comecei a me
questionar sobre a questão da descrição do público-alvo no manual do
professor e sua correspondência com a imagem do aluno que é construída no
livro didático através de suas próprias atividades. A partir disso, levantei meu
primeiro questionamento, que será a base desta investigação: como o livro
constrói (a imagem do) seu leitor, o aluno, através dos seus textos
19
multimodais? Decidi, então, analisar dois livros didáticos e realizar uma análise
contrastiva levando em conta um livro nacional e outro importado.
Metodologia de pesquisa
Esta pesquisa representa apenas uma amostra de um trabalho que está em
desenvolvimento sobre a representação dos atores sociais no livro didático de
inglês como língua estrangeira. Este piloto servirá de base para aprimorar e
refinar as categorias aplicadas durante as análises posteriores.
De forma a delimitar o corpus desta pesquisa, selecionei apenas os
textos multimodais presentes em atividades de leitura, já que elas costumam
dispor de mais espaço para abordar questões culturais, fundamental para este
estudo que se propõe a realizar uma análise contrastiva entre livro nacional e
importado. Em seguida, foi feito um recorte temático, com a seleção das
atividades com tema em comum em ambos os livros. Por fim, selecionei
aleatoriamente os dois textos (um de cada livro) para compor a amostra deste
trabalho, que se limita a apresentar uma análise crítica da representação dos
atores sociais no corpus selecionado para se chegar às imagens de aluno
projetadas. Futuramente, em outra investigação, pretendo verificar se tais
imagens de aluno projetadas de fato refletem a descrição do público-alvo no
manual do professor.
Na próxima seção, apresento brevemente o quadro teórico que embasa
esta pesquisa, seguido das análises dos dois textos selecionados para este fim
e, por fim, apresento as considerações finais a respeito dos resultados
obtidos.
Suporte teórico
As análises foram realizadas com base na teoria da multimodalidade de Kress
e van Leeuwen (1996). Os autores afirmam que “os aspectos da materialidade
e todos os modos empregados em um texto multimodal contribuem para o
significado” (Kress & van Leeuwen, 2001, p. 28). Tal teoria, por sua vez,
baseia-se na gramática sistêmico-funcional de Halliday (1985), que descreve
três metafunções essenciais da linguagem: a ideacional — que serve à
representação da realidade —, a interpessoal — que serve à interação entre
20
os participantes —, e a textual — que serve como instrumental às outras
duas, estruturando os significados ideacionais e interpessoais de forma coesa
e coerente, dando à oração seu caráter de mensagem. Essas metafunções da
linguagem foram apropriadas por Kress e van Leeuwen para a análise das
imagens, o que resultou na sua gramática visual. Com relação à metafunção
ideacional, Kress e van Leeuwen (1996) consideram que há representações
visuais narrativas e conceituais, sendo a primeira referente a processos de
mudança e a segunda referente à representação mais ou menos estável dos
participantes. Quanto à metafunção interpessoal, que é o foco, porém não o
único, deste trabalho, os autores consideram, para a análise de imagens, os
ângulos vertical e horizontal como formas de representação de poder
estabelecido entre participante representado e participante interativo, o leitor;
os ângulos frontal e oblíquos como formas de representação da interação
entre os participantes; e, por fim, o corte da foto em close, medium ou long
shot, representando a distância social entre os participantes. No que concerne
à metafunção textual na análise de textos multimodais, Kress e van Leeuwen
apresentam as categorias relacionadas ao valor da informação dependendo da
composição do texto: esquerda/direita, correspondem, respectivamente à
informação ‘dada’ e à informação ‘nova’, e superior/inferior correspondem,
respectivamente ao ‘ideal’ e ao ‘real’. Para compor o quadro teórico utilizado
para a realização deste trabalho, vale mencionar ainda as categorias de van
Leeuwen para analisar a representação visual dos atores sociais (2008),
baseada no seu quadro sobre a representação (textual) dos atores sociais
(1997). A análise da representação visual dos atores sociais neste trabalho
será baseada nas categorias referentes a duas das metafunções de Halliday:
ideacional, segundo figura 1 abaixo, e interpessoal, segundo figura 2, em
seguida.
21
FIGURA 1 – Representação visual de atores sociais (Visual Social Actor Network)
Perto (close shot)
Distância
Longe (long shot)
Envolvimento
Envolvimento
Representação
Relação
Distanciamento
Observador tem poder
Poder
Igualdade de poder
Representação tem poder
Olhar direto/frontal
Interação
Olhar indireto/oblíquo
FIGURA 2 – Representação e Observador (Representation and viewer Network)
22
As análises da representação visual dos atores sociais serão baseadas
mais especificamente, com relação à metafunção ideacional, na categoria de
Inclusão — Envolvimento em ação e Genericidade/Especificidade; com relação
à metafunção interpessoal, abordarei as categorias referentes à Distância
social, Relação social e Interação social. As análises da composição das
atividades serão baseadas nas categorias de valor informacional ligadas à
metafunção textual na teoria da multimodalidade. Todas essas categorias
serão descritas com mais detalhes ao longo das análises na próxima seção.
Análises
Como já mencionado anteriormente, apenas dois textos multimodais foram
selecionados para a realização deste trabalho: um pertencente ao livro
nacional e outro ao livro importado. Eles foram selecionados aleatoriamente
após o recorte temático com a condição de estarem inseridos em uma
atividade de leitura pelo motivo também já apresentado anteriormente.
Abaixo segue o texto retirado de um livro produzido e utilizado no Brasil para
ensino de inglês como língua estrangeira.
23
Primeiramente será analisada a organização composicional desse texto
multimodal. Segundo Kress e van Leeuwen, no plano horizontal, os elementos
à esquerda estão em posição de ‘dado’ e os elementos à direita estão em
posição de ‘novo’. Sendo assim, a imagem maior seguida da palavra BRAZIL,
posicionadas à esquerda, são a informação dada no texto. A imagem é a
representação de uma pessoa supostamente conhecida representando o
Brasil. Ao ler o título e olhar para a imagem, percebe-se que o ator
representado é um brasileiro típico. A representação desse brasileiro típico
limita-se a: homem, branco, louro, olhos azuis, o que exclui qualquer outra
representação possível de brasileiro. Já as imagens menores, seguidas do
texto verbal mais extenso, posicionadas à direita, são a informação nova: os
estereótipos do brasileiro típico, representados através do texto e das
imagens de forma também restrita, conforme análise posterior.
Ainda seguindo conceitos de Kress e van Leeuwen, mas agora no plano
vertical, temos o ‘ideal’ na parte superior e o ‘real’ na parte inferior. O ‘ideal’
(representado pelo título, que é uma pergunta, e três imagens, as possíveis
repostas) é a contextualização do assunto. O texto (que apresenta
questionamentos sobre possíveis estereótipos do brasileiro e identifica, logo
em seguida, o brasileiro que fornecerá as respostas, o dono da verdade,
possivelmente representado na imagem à esquerda) representa o ‘real’, a
aplicação daquilo que foi exposto acima.
O brasileiro típico representado na imagem é branco e tem cabelo e
olhos claros Segundo categorias de van Leeuwen para a análise da
representação visual de atores sociais, essa é uma Generalização por
Categorização Biológica, em que ocorre naturalização do estereótipo. Não há
esse tipo de representação no texto verbal, mas há Generalização por
Categorização Cultural tanto no texto como nas imagens. Visualmente, ele
está envolvido (como agente, de forma indireta) em ações que incluem
televisão, churrasco e samba/Carnaval. Isso se repete no texto, que, além
dessas, inclui outras ações: assistir e jogar futebol, tomar café, comer feijoada
e ir à praia. Nesse caso ocorre Ativação. O ator representado participa em
papéis ativos, basicamente como Ator de Processos Materiais. Os estereótipos
já convencionados do brasileiro são questionados no texto através de
24
interrogativas que serão respondidas por um “ator brasileiro famoso” (famous
Brazilian actor), o “dono da verdade”, quem tem as respostas, o poder.
Esse Ator só aparece no final do texto nomeado semi-formalmente
(nome e sobrenome) e categorizado for Funcionalização e Valoração, o que dá
credibilidade (junto a “check this out”) ao fato de que se ele é Ator dos
processos identificados, eles representam ações típicas do brasileiro em geral.
Há Exclusão visual de outros tipos de pessoas que fazem parte desse grupo
(forma simbólica de exclusão social).
Apesar de o Ator representado parecer ter o poder por deter as
respostas aos questionamentos, uma análise mais minuciosa da relação entre
participante retratado e participante interativo indica o contrário. Segundo
categorias de Kress e van Leeuwen, em termos de Distância Social, o
participante retratado está muito próximo do observador (close shot — só de
rosto). Além disso, no que concerne à Relação Social, devido ao seu ângulo
frontal na linha horizontal, ele está totalmente envolvido com o observador e
está em igualdade de poder com ele devido ao ângulo frontal na linha vertical.
O contato visual direto entre participante representado e interativo no plano
da Interação Social, indica olhar de demanda. O ator representado demanda
interação por parte de seu observador. Todas essas categorias confirmam a
proximidade entre os participantes, o que valida o posicionamento da imagem
à esquerda, em posição de informação dada, que o observador já conhece.
Segue abaixo o texto multimodal (com o mesmo tema do anterior —
estereótipos, mas neste caso relacionados aos britânicos) retirado do livro
importado.
25
Dada a organização do texto acima, no que concerne à metafunção
textual, mais especificamente à organização composicional desse texto
multimodal, só se pode realizar uma análise no plano vertical. A parte superior
(‘ideal’) destina-se à representação de um homem negro representando o
britânico típico e pequenas imagens de atividades consideradas tipicamente
britânicas. A princípio pede-se que o aluno identifique as atividades
tipicamente britânicas conforme seu conhecimento de mundo. No entanto,
essas representações são questionadas logo em seguida e tal questionamento
é respondido por pessoas de várias nacionalidades que estão no país,
representadas textualmente na parte inferior do texto (‘real’). Esses Atores
representados textualmente são nomeados informalmente (somente o
primeiro nome é utilizado) e são categorizados por Funcionalização, ou seja,
pelas funções ou cargos que desempenham.
Ocorre naturalização do estereótipo do britânico típico: ele é negro, ou
seja, categorizado biologicamente. O texto verbal, ao contrário, o britânico
típico
descrito
pelas
quatro
pessoas
representadas
textualmente
é
categorizado culturalmente, bem como nas pequenas imagens. Assim como
no
livro
nacional,
o
Ator
representado
visualmente
está
envolvido
indiretamente (ele é Agente, de forma indireta) em ações que incluem comer
pizza, tomar capuccino e etc; e diretamente na ação de ler jornal. Podemos
dizer que ocorre, então, Ativação. O ator representado participa em papéis
ativos, basicamente como Ator de Processos Materiais, assim como no livro
nacional. Diferentemente do livro nacional, o importado não apresenta o Ator
representado visualmente como o “dono da verdade”. Somos colocados em
posição igualitária de poder ao verificar com pessoas como nós, estrangeiros à
cultura britânica, o que pode de fato representar o estereótipo do britânico.
Confirma-se a igualdade de poder entre participante representado e interativo
ao analisar as relações interpessoais evidenciadas. Em termos de Distância
Social, o participante retratado está muito próximo do observador (close shot
— só de rosto). Além disso, no que concerne à Relação Social, devido ao seu
ângulo frontal na linha horizontal, ele está totalmente envolvido com o
observador; não se pode, porém, analisar tais relações na linha vertical, já
que o Ator está visualmente envolvido em uma ação e não interage com o
leitor, não há contato visual.
26
Conclusão
As análises apontam, no livro nacional, para a imagem de um leitor detentor
de conhecimentos prévios sobre o assunto que é tratado na atividade
analisada, talvez por ser este um material nacional dirigido a alunos
brasileiros; em contrapartida, as análises no livro importado apontam para um
leitor distante dos participantes representados, demonstrando ser a cultura
estrangeira alheia à do leitor.
Diferentemente do livro nacional, que apresenta um questionamento
sobre o que vem a ser um brasileiro típico em posição de informação ideal e
em seguida, em posição de informação real, oferece a imagem de um homem
louro, de olhos claros e supostamemte conhecido como uma possível resposta
à pergunta anterior, o livro importado traz as possibilidades primeiro e, em
seguida, questiona se aquilo que foi representado é de fato tipicamente
britânico. O livro importado mostra-se, através dessa amostra, engajado na
questão do multiculturalismo ao trazer pessoas de diversas nacionalidades,
que interagem com os britânicos em diversas situações discursivas, para
descrever comportamentos culturais observados e, assim, confirmar ou não as
visões estereotipadas do britânico propostas anteriormente pelas pequenas
imagens.
Através da análise apresentada é possível tirar algumas conclusões
preliminares sobre a construção da imagem do leitor desses textos, o aluno.
Quanto ao livro nacional, pressupõe-se que ele conhece Kiko Mascarenhas, já
que sua representação ocorre em posição de informação dada e só há
identificação desse ator nas últimas linhas to texto. O total envolvimento e
proximidade entre os participantes contribuem para essa conclusão. Ao
contrário, a representação visual do britâncio típico não denota conhecimento
compartilhado. Vale considerar ainda a ausência de identificação desse Ator.
O aluno não se identifica como sendo tipicamente brasileiro se for biológica
e/ou culturalmente diferente daquilo que é representado no livro nacional. O
texto constrói a imagem de um leitor que conhece o assunto que está sendo
tratado, é capaz de discuti-lo, mas depende das confirmações de uma pessoa
que eles supostamente conhecem, já que é ator, famoso e, principalmente,
brasileiro, representado como um brasileiro típico. Já no livro importado,
apesar de a ausência de contato visual com o Ator representado não
27
favorecer a conclusão de proximidade com o leitor, busca-se, em seguida,
essa proximidade ao trazer pessoas de diferentes nacionalidades, inclusive
brasileira, para confirmar as visões estereotipadas propostas anteriormente.
Esta pesquisa visa a contribuir para a formação de professores mais
críticos, que sejam capazes de compreender os textos multimodais ao seu
redor e os que lhes são impostos no livro didático, a fim de formarem alunos
de língua estrangeira mais críticos também. A linguagem é um instrumento de
cultura, é através dela que vemos o mundo. Assim, a linguagem visual vem se
agregar à verbal ampliando essas possibilidades de visão de mundo.
Referências
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Grammar: from formal to functional. London and New York: Routledge,
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Análise Crítica do Discurso: uma perspectiva sociopolítica e funcional.
Lisboa: Editorial Caminho S.A., 1997. p. 169-222.
29
Análise de um livro didático de gramática de língua
inglesa
Analysis of a book of teaching of english grammar
Mariana Daré Vargas, Mestranda UEL
[email protected]
Mariana Killner, Especialista UEL
[email protected]
Resumo
O Interacionismo sócio-discursivo (ISD) propõe uma perspectiva interacionista
social de linguagem, em que as ações de linguagem se desenvolvem em
práticas sociais.
O objetivo deste trabalho é analisar um livro didático de gramática de língua
inglesa com base nos pressupostos teóricos do ISD e critérios para avaliação
de materiais didáticos.
Palavras-chave: Livro didático. Interacionismo sóciodiscursivo. Língua
estrangeira. Critérios de avaliação para livro didático
Abstract
The socio-discursive interactionism offers a social interactionist perspective of
language, in which the actions of language develop in social practices.
The aim of this study is to analyze a textbook of English grammar based on
the theoretical underpinnings of the ISD and criteria for evaluation of teaching
materials.
Key words: Language coursebook.
Coursebook evaluation criteria.
Socio-discursive
interactionism.
Introdução
O livro didático é um dos gêneros discursivos mais presentes no ensino, tanto
de língua materna (doravante LM), quanto de língua estrangeira (doravante
LE). Trata-se de um lugar onde circulam ideologias e representações sociais e
culturais da língua ensinada, interferindo, de modo significativo, no processo
de ensino e aprendizagem e na construção de identidades do aluno (TÍLIO,
2008, p. 117).
Portanto, refletir e compreender as relações por ele estabelecidas é
fundamental para que não se torne um limitador do trabalho do professor,
mas um facilitador e instrumento, tanto por parte do professor quanto do
aluno, de análises, reflexões e críticas (TÍLIO, 2008, p. 122).
Nesta exposição, analisamos um livro didático de gramática de língua
inglesa (doravante LI), com base nos pressupostos teóricos do Interacionismo
Sóciodiscursivo (doravante ISD) e em critérios para avaliação e seleção de
materiais didáticos, elaborados em uma disciplina de um programa de Pósgraduação em Estudos da Linguagem.
Referencial teórico
Para a consecução desse trabalho, pautamo-nos em princípios e concepções
teóricos de alguns estudiosos da área de ensino-aprendizagem de LE, do ISD,
bem como de documentos oficiais do Ministério da Educação e do ensino
superior.
A idealização da planilha de análise do livro didático, inicialmente, teve
como base os princípios norteadores apresentados por Tomlinson (2003) para
fazer a análise de um material didático e os possíveis critérios de uma planilha
que devem ser seguidos. Para o estudioso, a análise difere da avaliação por
ser mais objetiva e não focar o usuário.
Em Cristovão (2009a), foram apresentadas as perspectivas dos ISD que
nos auxiliaram a elaborar os critérios de análise com relação à progressão de
conteúdos, seleção de gêneros e de textos, e syllabus. O ISD propõe que o
ensino deve se pautar no trabalho com gêneros na escola, pois possibilita ao
aluno ter condições de construir conhecimentos linguístico-discursivos para as
práticas de linguagem não só na sala de aula, mas em todas as esferas
31
sociais. Os conteúdos não devem ser trabalhos de forma linear, do mais fácil
para o mais difícil, senão que de forma espiral: do complexo para o simples,
de modo que o aluno, nesse processo, aprimore e transforme o que já
domina, agregando novos conhecimentos (CRISTOVÃO, 2009b).
As leitura do trabalho de Tílio (2008) e de Moita Lopes (2005) nos
deram bases para a elaboração dos critérios relacionados às atividades,
público-alvo, identidades e usos da língua. As atividades devem ir além do
convencional certo/errado, propondo ao aprendiz capacidade de abstração e
raciocínio. O livro didático deve cuidar para levar em consideração a cultura
de seu aprendiz sem, entretanto, abordá-la por meio de estereótipos ou
tratando-a
de
forma
homogeneizante.
Igualmente,
deve
haver
uma
preocupação para não ser um instrumento de perpetuação de valores da
sociedade da língua ensinada. Moita Lopes (2005, p. 60) propõe que haja
práticas multiculturais nos materiais didáticos de LE, pois é
Um dos temas da vida contemporânea e que precisa ser trazido para a sala
de aula, notadamente, nas de línguas uma vez que as práticas culturais são
construídas no discurso ou nos significados por meio dos quais operamos na
vida social. (MOITA LOPES, 2005, p. 60)
Tílio (2007) abordou as categorias de tópicos identificadas em livros
didáticos de inglês como LE e os classificou em oito grupos, de acordo com
suas funções nas representações de mundo criadas pelos livros, a saber: a)
tópicos includentes e tópicos excludentes; b) tópicos tradicionais e tópicos
pós-modernos; c) tópicos globalizados e tópicos localizados; d) tópicos
descontextualizados e tópicos contextualizados; e) tópicos etnocentristas e
tópicos multiculturais; f) tópicos estereotipadores e tópicos diferenciadores; g)
tópicos conscientizadores e tópicos alienantes; h) tópicos legitimadores de
identidades e tópicos que permitem a construção de identidades de projeto.
Com base nessa classificação, elaboramos os critérios de análise concernentes
à seleção de tópicos.
Os apontamentos de Teixeira (2007) sobre a multimodalidade em um
livro didático, isto é, “textos que apresentam duas ou mais modalidades
semióticas em sua composição” (TEIXEIRA, 2007, p. 2) nos deram respaldo
para os critérios de análise das composições visuais presentes no livro.
32
As análises de Mott-Fernandez e Cristovão (2009) sobre o Manual do
Professor de uma coleção de livros didáticos de inglês como LE norteou-nos a
respeito dos pontos a serem analisados nesse gênero textual. Desse modo,
buscamos verificar se o professor é colocado como mero reprodutor na
execução de sua tarefa de ensinar (MOTT-FERNANDEZ & CRISTOVÃO, 2009,
p. 1) ou se lhe dá espaço para conduzir o processo de ensino e aprendizagem,
contribuindo para sua formação profissional.
A leitura das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura de
graduação plena, de 2002; do Projeto Político Pedagógico de um curso de
Letras Estrangeiras Modernas – Inglês de uma universidade do norte do
Paraná, e da ficha de avaliação Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)
de 2008 para livros didáticos de língua portuguesa auxiliou-nos na elaboração
dos critérios relacionados aos objetivos do livro.
Metodologia
O interesse pela análise do livro didático em questão surgiu a partir de
discussões de textos de renomados autores ao longo do semestre na
disciplina
“Materiais
didáticos,
gêneros
textuais
e
ensino
de
língua
estrangeira”, ministrada pela Profa. Dra. Vera L. L. Cristovão e ofertada pelo
Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem (PPGEL), da
Universidade Estadual de Londrina (UEL).
A análise foi guiada por uma planilha feita pelas alunas da disciplina a
partir do estudo das teorias sobre a avaliação e adoção de Livros Didáticos, e
os critérios foram pensados a partir da leitura do texto de Ramos (2009), que
também propõe os critérios que julga importantes na adoção de livros
didáticos e os compara com as teorias regidas pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN`s).
Os critérios foram divididos em dezessete tópicos, a saber: a)
identificação do material, ou seja, o nome, ano, edição etc.; b) público alvo;
c) concepção de linguagem e ensino/aprendizagem subjacente; d) objetivos;
e) uso enquanto produto; f) recursos disponíveis e necessários; g) syllabus; h)
progressão de conteúdos; i) seleção de gêneros e textos; j) variedade de
33
atividades; k) flexibilidade; l) usos da língua; m) manual do professor; n)
imagens; o) identidade “legitimadora”; p) seleção de tópicos, e q) princípios
norteadores.
Desses, abordaremos no presente trabalho apenas nove deles, já que,
nas discussões ao longo do semestre, dividimos os critérios e, ademais, um
trabalho que aborda a análise dos critérios supracitados demandaria muito
tempo.
Todas as perguntas referentes a estes tópicos foram avaliadas de
acordo com uma escala de 1 a 5, seguindo características que o livro didático
contempla ou não.
A planilha elaborada passou pela discussão e revisão de colegas de
disciplina e contou com a experiência e respaldo da professora da disciplina,
além do estudo da literatura que nos possibilitou ter subsídios para embasar
nossa pesquisa.
Análise do livro didático
A análise proposta a seguir foi feita a partir de uma leitura crítica do livro
didático “Grammar Expert Basic”, da Series Editors: Sarah Bideleux e Gill
Mackie (Thomson Heinle).
Quanto ao primeiro item analisado, o “Público-alvo”, percebe-se que o
livro não contempla uma única faixa etária, visto que pode ser estudado por
adolescentes, jovens e adultos. Pode-se perceber também que o livro
contempla a classe social privilegiada, jovem ou adulta, visto que é uma
gramática que aborda um humor ligado ao “business english”. Questões
problematizadoras, como, o desemprego, a pobreza e outros problemas
sociais ligados à globalização, não são abordadas. Ao contrário, há, por
exemplo, fotos de pessoas aparentemente bem-sucedidas esquiando, lugares
turísticos distantes da maioria da população e jogos elitistas como o xadrez.
No
que
diz
respeito
à
“Concepção
de
linguagem
e
ensino/aprendizagem”, nota-se que os autores não explicitam qual foi a
concepção de linguagem adotada, apesar de pontuarem o livro como um
recurso que traz explanações concisas para que os alunos possam estudar
sozinhos e de parecer, à primeira vista, um livro que se preocupa em trazer
34
situações próximas ao público-alvo com charges humorísticas e fotos
modernas. A aprendizagem “acontece” por meio de situações humorísticas,
nas quais pontos gramaticais são apresentados de forma resumida e, segundo
o próprio material, de maneira que os alunos estudem sozinhos para melhorar
o nível de seu inglês.
Quanto aos “Objetivos do material”, o livro encoraja o aprendiz a
estudar inglês, já que não apresenta dificuldades quanto à explanação de
conteúdos, pois abarca os mesmos linearmente, ou seja, do mais simples ao
mais complexo – ainda que isso não seja sinônimo de aprendizagem efetiva –
partindo de exemplos próximos à realidade dos alunos.
Ao analisar a preocupação do material quanto às capacidades pessoais
dos alunos, destacam-se somente algumas situações de trabalho em grupo e
a seção writing, em que estes descrevem suas experiências de forma muito
simplificada. Ambas encontram-se ao final de cada capítulo do livro.
Os objetivos não estão articulados interdisciplinarmente e não aparecem
no livro do aluno.
Pensando no “Livro didático enquanto produto”, seu preço varia muito
de uma livraria para outra: entre R$49,00 e R$89,00. O livro possui um
tamanho atrativo e sua capa é também atrativa e moderna, pois apresenta
uma imagem que simboliza movimento: trem ou metrô em movimento. É de
boa qualidade, tem capa dura e apelos visuais atraentes, já que traz charges,
fotografias recentes e algumas ilustrações. É consumível. Seu sumário é
funcional na localização das informações, pois “especifica” o conteúdo que
será abordado.
Quanto aos “Recursos disponíveis”, o material privilegia apenas a
habilidade visual, porque não propõe atividades nas quais se trabalhe a
sensibilidade kinestésica e tampouco a habilidade auditiva, de extrema
importância no aprendizado de língua estrangeira. Não sugere também a
habilidade oral, pois não propõe questões que exijam a pronúncia.
O material não possibilita a exposição do aluno à língua-alvo, uma vez
que não estimula seu uso. Apresenta uma seção intitulada Think about it, que
é um pequeno lembrete para mostrar algumas variações da própria língua,
mas não oferece nenhuma variedade de fontes de aprendizagem, tais como
CD`s ou DVD`s, tampouco um gabarito para os alunos checarem suas
35
respostas (já que é a proposta dos autores promover autonomia do
aprendizado).
Quanto ao conteúdo, ou seja, o “Syllabus”, percebe-se que ele é
estrutural, pois tem a língua como um sistema de regras e estruturas.
No tópico “Progressão de conteúdos”, que faz menção à disposição
sequencial do material, constatou-se que, no livro, esta auxilia a dar
consistência e continuidade ao curso, pois sua sequência ajuda o aluno a
relacionar a maneira como aprende, percebendo uma lógica indutiva na
disposição apresentada pelo material e, assim, acostuma-se com esse ritmo.
Apesar disso, não é flexível, pois sua organização engessa professores e
alunos a trabalharem em uma única sequência. Os aspectos léxico-gramaticais
são trabalhados de forma dedutiva, pois cabe ao aluno seguir o exemplo feito
no próprio livro para dar continuidade a cada uma das atividades.
Em relação ao tópico “Seleção de gêneros e de textos”, o livro não
apresenta variedade de gêneros, pois não trabalha com textos autênticos,
mas fabricados, com fins estritamente didáticos. Em alguns capítulos, há
pequenos textos fabricados para que o aluno os complete com o objeto de
estudo de cada capítulo, por exemplo, artigos, preposições, verbos, etc.
No que diz respeito às “Atividades: variedade de tipos, habilidades,
coerência, interação”, todas as atividades estão centradas na linguagem,
porém não estão voltadas para as três capacidades de linguagem (capacidade
de ação, capacidade discursiva, capacidade linguístico-discursiva), apenas
para a capacidade linguístico-discursiva. No entanto, elas trabalham esta
capacidade de modo superficial, pois as questões linguísticas ficam
descontextualizadas da realidade do aluno, ou seja, fora de um “discurso”,
como se a gramática estivesse desvencilhada da linguagem do dia a dia. O
único momento em que as atividades se centram na função discursiva é
quando se propõe uma produção escrita ou uma interação com o colega, no
final de cada capítulo, mas, mesmo assim, são propostas situações alienadas
à realidade do aluno. Por isso, fica difícil para o estudante (re)construir sua
identidade, resgatar seu conhecimento de mundo e não há interação e
construção de conhecimento entre ele e o professor.
Analisando o livro sob a ótica da “Flexibilidade”, o material permite que
as atividades sejam adaptadas e complementadas com outros recursos, pois
36
estas não estão inseridas em um contexto específico e não se relacionam a
um gênero textual. Com isso, o professor pode adequá-las em situações que
demandem o exercício de determinados conteúdos linguísticos. Igualmente, o
material oferece, de modo superficial, autonomia ao aluno, uma vez que os
exercícios trabalham exatamente o que está explicado. O aluno consegue
resolver os exercícios propostos sozinho. No entanto, os exercícios não
propõem que o aprendiz busque outras fontes além do que é oferecido no
material, encontrando suas próprias estratégias e aprofundando-se no
assunto.
Sobre os “Usos da língua: diversidade de origens, círculo interno, círculo
externo ou em expansão, uso da LM”, o material privilegia apenas a “norma”,
os países que “ditam” as regras do inglês no mundo, isto é, Inglaterra e
Estados Unidos. Assim, não há espaço para discutir o inglês em sua
“variedade”. Não há aplicação da língua inglesa em diversos contextos,
tampouco há personagens envolvidos nos conteúdos. Dessa forma, a língua
inglesa é abordada de forma instrumental, restrita a exercícios puramente
estruturais, não contemplando, portanto, o discurso da prática social.
Com relação às “Imagens”, todo capítulo apresenta ilustrações e fotos.
Há interação superficial entre o leitor e as ilustrações apresentadas, uma vez
que elas estão sempre relacionadas a um exercício, não permitindo, portanto,
que os sentidos sejam construídos conjuntamente entre imagem e texto (até
porque não há textos!). No plano geral, as ilustrações estão como apêndices.
Sobre as fotos, elas não afetam na construção de sentidos porque são sempre
ilustrações de um item de um exercício. Outrossim, elas são elitistas, pois
mostram executivos e lugares turísticos de difícil acesso a todas as camadas
da população, como Grécia, safáris na África etc. Pode-se concluir que os
elementos dispostos nos layouts das unidades não constroem significados e as
linguagens verbal e visual não afetam uma a outra, e, por isso não se forma
um texto integrado, multimodal.
No que diz respeito às “Identidades: estereótipos, culturas”, não há
personagens no livro, apenas pessoas em fotos. O material não permite que o
aluno se identifique com ele, e as pessoas apresentadas denotam ser
“americanas brancas de classe média”.
37
É possível afirmar que há reprodução de estereótipos, e que o material
legitima as culturas americana e inglesa em detrimento de outras. Há uma
foto de um afrodescendente, mas sua presença não afeta na construção de
sentidos, tampouco incita à reflexão sobre a diversidade étnica.
No tocante à “Seleção de tópicos”, o livro apresenta tópicos excludentes
porque propõe ao aluno apenas questões relacionadas ao consumo, bens
materiais e viagens. Os tópicos tradicionais coexistem de forma equilibrada
com os tópicos pós-modernos, pois faz menção tanto às relações pessoais,
como às questões relacionadas ao mundo atual, por exemplo, o trabalho.
Não há tópicos que permitam a construção de identidades de projetos,
apenas tópicos legitimadores de identidades, isto é, apresentação de
identidades socialmente aceitas, aquilo que é tido e inculcado como “comum”
e que, por conseguinte não deve ser questionado. Assim sendo, o mundo
representado é irreal, desconhecido e não permite ao aluno que assuma
identidades não legitimadas.
Considerações finais
Sobre o livro analisado, conclui-se que a concepção de linguagem subjacente
à proposta é de língua como um sistema de estrutura, principalmente por se
tratar de um livro de gramática. Há momentos em que se tem a impressão de
que a proposta do livro é conceber a linguagem como ação social, já que traz
fotos de situações cotidianas, mas percebe-se que não deixa de ser uma
gramática tradicional, na qual regras são explicadas para que depois
exercícios sejam resolvidos.
Seus objetivos não contemplam os que julgamos necessários em nossa
análise, pois como a maioria das gramáticas, trabalha apenas o domínio
linguístico-discursivo. Assim, não estão de acordo com os objetivos das
Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores do curso de
licenciatura de educação plena, já que traz textos produzidos com fins
didáticos, não propondo textos autênticos e próximos à realidade dos alunos,
pelo contrário, problematiza exemplos específicos, limitando uma gama de
textos que poderia ter sido bem explorada.
38
A progressão proposta neste livro não está de acordo com a progressão
de conteúdos propostos pelos documentos oficiais, pois supervaloriza o
conhecimento sistêmico. Os documentos oficiais sugerem outro padrão de
progressão, ou seja, uma abordagem em que o conhecimento de mundo do
aluno e a organização textual com a qual este esteja mais familiarizado no uso
de sua língua materna sejam enfatizados.
O material não apresenta diversidades cultural, étnica, regional,
linguística, cultural e de gênero, tampouco permite ao aluno e ao professor
refletirem criticamente sobre as diferenças que coexistem, harmonicamente
ou não, no mundo.
Em razão de o livro apresentar apenas o eixo Europa - Estados Unidos,
os tópicos são localizados, etnocentristas e estereotipadores, tratando de
questões alienadas à realidade das pessoas e ao âmbito da globalização.
Privilegia-se apenas a classe média sem “preocupações” com a sobrevivência,
o desemprego, a disputa profissional. Isso acarreta na presença de tópicos
alienantes, sem preocupação de que o aluno esteja preparado para encarar o
“mundo real”. Nesse livro, ele está apto para vivenciar apenas a “Disneylândia
pedagógica” (Freitas et al., 1997). Não há tópicos contextualizados, somente
os descontextualizados, tratando de forma genérica as situações expostas.
Constata-se, portanto, que o livro “Grammar Expert Basic” ainda está
ligado a uma visão tradicional da língua e de seu ensino, ficando, portanto,
aquém das demandas atuais no que concerne à elaboração de um livro
didático.
Propusemos a referida análise porque acreditamos que a escolha de um
livro didático está associada às teorias de ensino, às necessidades dos alunos,
e a uma prévia seleção, por parte do professor de LE, que julga ideal para a
aquisição desta língua. Os estudos da área de LE enfocam cada vez mais a
importância de o material e o ensino estarem voltados cada vez mais para
uma visão sociointeracionista da linguagem, segundo uma abordagem
comunicativa (PAIVA, 2009). Portanto, corrobora-se nesta análise com os
autores Paiva (2009), Cristóvão (2009) Teixeira (2007) e Tílio (2007; 2008)
quando pontuam que são muitos os critérios que devem ser levados em conta
na aquisição de um livro didático e importância desses critérios.
39
A partir dessa análise, conclui-se que o livro didático que estiver
subjacente à concepção tradicional da língua e de seu ensino, como o
analisado, está aquém das necessidades atuais no que concerne à elaboração
de um livro didático de língua estrangeira. Pois, é somente seguindo uma
abordagem flexível, comunicativa e passível a mudanças que se pode propor
ao aluno emergir na L2, conhecer uma nova cultura, legitimar o “diferente”,
para
que
assim
(re)construa
sua
identidade
e
perceba-se
agente
transformador de sua realidade. Dessa forma, é desafio de professores,
estudiosos, autores e estudantes contribuir com a análise crítica de materiais
didáticos para que estes sejam pensados e realizados com a devida qualidade
e preocupação para que sejam oportunizadas aos alunos condições para que
percebam o mundo criticamente.
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de políticas da diferença. In: GIMENEZ, T.; JORDÃO, C. M.; ANDREOTTI, V.
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40
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Fundamental e Médio: Reflexões e sobre teoria e Prática. In: DIAS, R.;
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TÍLIO, R. Uma análise sócio-discursiva de livros didáticos de Inglês: cultura,
identidade e pós-modernidade. In: I Simpósio sobre livro Didático de Língua
Materna e Estrangeira, 2007, Rio de Janeiro. Anais do I Simpósio sobre
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<http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/res1_2.pdf>.
Acesso
em:
29/10/2009.
41
A presença e a função dos gêneros textuais em livros
didáticos de português como língua estrangeira
The present and the use of text genres in didactic books of
Portuguese for Foreigners.
Natália Moreira Tosatti, mestre em Linguística Aplicada, UFMG,
[email protected]
Resumo
Nesta comunicação apresentamos resultados de uma pesquisa que investigou
a presença e a funcionalidade de gêneros textuais em livros didáticos de
Português para Estrangeiros. Verificamos se, nas obras analisadas, os gêneros
são propostos com objetivo de criar situações de práticas de linguagem,
propiciando o desenvolvimento da competência comunicativa na língua-alvo.
Palavras-chave:
estrangeiros.
gêneros
textuais,
livros
didáticos,
português
para
Abstract
This research investigated the functionality of text genres in didactic books of
Portuguese for Foreigners. The aim was analyzing if they created situations of
language practice that enabled the development of the communicative
competence related to the use and organization of the language in sociocultural situations closer to reality.
Keywords: text genres, didactic books, Portuguese for Foreigners
Gêneros
textuais
e
materiais
didáticos
para
o
ensino
português como língua estrangeira1
Gêneros textuais são hoje tema recorrente nos estudos da linguagem. Muito
se discute sobre a importância e a utilização dos gêneros no processo de
letramento em língua portuguesa como língua materna, mas como eles estão
sendo trabalhados quando o foco é ensino de português para falantes de
outros idiomas?
Nos livros didáticos destinados ao ensino de Português do Brasil para
Estrangeiros, publicados em nosso país, encontra-se variedade de gêneros,
mas o que se nota é que boa parte deles são utilizados apenas como
atividades para leitura sem que haja uma preocupação dos autores em
explorar
a
funcionalidade
desses
textos
dentro
do
processo
ensino
aprendizagem da língua portuguesa. Sendo assim, esses materiais acabam
por, muitas vezes, reduzir as oportunidades de os alunos empreenderem
ações de linguagem na língua alvo.
Por serem um recurso recorrente no contexto de sala de aula, é
importante que os livros didáticos (LDs) ofereçam plenas condições para o
aprendizado da língua estrangeira através de atividades que viabilizem a
construção de sentido de modo que o aluno possa se familiarizar e explorar
textos que circulam em diversos cenários onde esse idioma é falado. Nossa
expectativa é que os gêneros textuais (GTs) estejam presentes nesses
materiais e sejam trabalhados como instrumento para leitura e produção,
possibilitando um aprendizado da língua e um (re)conhecimento de aspectos
sociais e culturais que a envolvem.
Partindo da noção de gênero textual como fenômeno social e histórico,
cabe aos autores e editores de livros didáticos acompanharem a evolução das
abordagens de ensino de modo a inserirem nesses livros atividades que
explorem os gêneros textuais como ferramentas para uma maior capacitação
linguística do aprendiz. Dessa maneira, o estudante poderá participar mais
rapidamente do contexto da língua alvo e, ao ter a oportunidade de utilizá-la
em situações reais, possivelmente terá mais sucesso em seu desempenho
linguístico. Júdice (2008, p. 39) considera que “a observação dos gêneros
1
Neste trabalho não fizemos distinção entre língua estrangeira e segunda língua.
43
representados em um LD pode proporcionar uma visão das formas de ação de
uma
sociedade
concretizadas
em
linguagem”.
Conforme
aponta
a
pesquisadora,
Na atualidade, com a disponibilidade para o uso no ensino de línguas
estrangeiras de materiais didáticos elaborados em suporte impresso, sonoro e
eletrônico,
contendo
uma
grande
variedade
de
textos
autênticos,
multiplicaram-se os gêneros com que o estudante, no aprendizado da língua
alvo, pode estabelecer contato, o que requer do professor uma aprofundada
reflexão sobre a especificidade de cada um deles, sobre critérios que utilizará
em sua seleção e sobre as abordagens que fará de cada modalidade de texto,
objetivando
oferecer
ao
aprendiz
oportunidades
de
ampliar
suas
possibilidades de compreender e de dizer na língua alvo. (JÚDICE, 2005, p.
31).
São muitos os estudiosos que defendem os gêneros textuais (GTs) como
instrumento para um ensino de línguas mais eficiente (BAZERMAN, 2005,
CRISTÓVÃO, 2005; DELL’ISOLA, 2007; DIONÍSIO e BEZERRA, LOUSADA,
2005; MARCUSCHI, 2005b; DOLZ e SCHNEUWLY, 2004 dentre outros).
Também os Parâmetros Curriculares Brasileiros (PCN) apontam a importância
de se trabalhar em LE com diversidade de categorias textuais. Segundo
consta no documento, uma das competências a ser desenvolvida ao se
aprender uma língua estrangeira é a visão crítica em relação à nova cultura
que se aprende por meio dessa língua e
que emitir juízo crítico sobre as manifestações culturais envolve a reflexão
sobre intencionalidades, escolhas lingüísticas, contextos de uso e gêneros
textuais, bem como sobre questões culturais que permeiam o ensino das
línguas estrangeiras modernas. Essa reflexão deve propiciar ao aluno a
análise de sua própria língua e cultura, por meio de vínculos com outras
culturas – por semelhança e contraste – que lhe permitam compreender
melhor sua realidade e as de outros, enriquecendo sua visão crítica e seu
universo cultural. (PCN, 2006, p.100).
(...)
O contato repetido do aluno com textos de variados gêneros, que abarquem
múltiplos temas e situações (de natureza semelhante ou não), estimula-o a
mobilizar
suas
competências
de
análise,
comparação,
associação,
identificação, reconhecimento e seleção (PCN, 2006, p.117).
44
Ainda de acordo com os PCN (2006, p. 100) de língua estrangeira, “a
ligação entre a escrita e a cultura fica mais clara ainda quando se consideram
os gêneros da escrita, que variam de uma cultura para outra e de uma língua
para outra”. Dessa forma, parece-nos mais eficiente e consistente com o
objetivo comunicativo, uma proposta de ensino de LE que considere os
gêneros como ponte que facilite o “acesso” do estudante à língua alvo.
Martin (1985, p. 250) afirma que “gênero diz respeito a como as coisas
são feitas quando a linguagem é usada para executá-las”. Por meio da
exploração dos gêneros textuais é possível realizar um trabalho eficiente,
partindo-se da discussão sobre relações sociais, identidades e formas de
conhecimento, veiculadas através de textos em variadas circunstâncias de
interação.
Diante
da
relevância
em
se
explorar
os
GTs,
lançamos
o
questionamento: em que medida o trabalho com a leitura e produção escrita
nos livros didáticos de português para estrangeiros tem contribuído para que
o aluno perceba as funções dos diversos textos que circulam na sociedade?
Apresentamos neste artigo a análise da presença e do uso dos gêneros
textuais nos livros didáticos: Terra Brasil – Curso de língua e cultura, da
editora UFMG e Muito Prazer – Fale o Português do Brasil, da editora Disal,
obras publicadas no ano de 2008.
Análise das obras
Para executar a análise das obras, dividimos os gêneros em explorados e não
explorados. Denominamos gêneros explorados (doravante GE) aqueles que
estão no livro com função definida para atividades de leitura e/ ou produção
(oral ou escrita). Os gêneros não-explorados (doravante GNE) são os que,
embora integrem os livros didáticos, não são acompanhados de uma atividade
específica, servindo apenas como ilustração ou sem objetivo explícito. Os
gêneros explorados foram subdivididos em: GEL (gêneros explorados para
atividades de leitura) e GEP (gêneros explorados para produção).
Vejamos como as autoras dos livros didáticos em análise exploraram os
gêneros textuais em cada uma das obras.
45
Terra Brasil – Curso de língua e cultura (TB)
Terra Brasil – curso de língua e cultura é um livro didático escrito pelas
autoras Regina Lúcia Péret Dell’Isola e Maria José Apparecida de Almeida. A
obra foi publicada em 2008, pela editora UFMG e destina-se a falantes de
outros idiomas que queiram aprender a variante brasileira da Língua
Portuguesa. A obra tem 316 páginas e divide-se em 12 unidades. É dirigida a
alunos de nível básico a intermedíario. Conforme exposto na apresentação do
livro, as unidades de 1 a 4 têm como público alvo os principiantes e as demais
unidades (5 a 12) destinam-se a alunos que já têm conchecimento básico da
língua e buscam aperfeiçoamento.
No QUADRO 1, abaixo, apresentamos a diversidade e ocorrência de
gêneros, ao longo de TB
QUADRO 1:
Diversidade e ocorrência de gêneros no livro didático Terra Brasil
Gênero
Informe
Música
Adivinha
Foto
Reportagem
Anúncio
Conto
Folheto informativo
Mapa
Placas
Tirinha
Biografia, E-mail produção, Planta, Bilhete,
Filme, Peça publicitária, Previsão do tempo,
Mensagem de secretária eletrônica, Roteiro,
Manifesto, Quadrinha popular, Receita,
Panfleto promocional, Ficha, Regras do
futebol, Crônica, Carta do leitor, Teste, Parachoque de caminhão, Poema, Quadro
(pintura), Lenda.
Ocorrências
13
12
12
6
6
3
3
2
2
2
2
1
Fonte: TOSATTI, 2009
Terra Brasil é uma obra que apresenta diversidade de gêneros (são 33
gêneros distintos com um total de 85 ocorrências) e que também apresenta
uma preocupação com a funcionalidade das categorias textuais.
46
Ao longo do trabalho de levantamento dos gêneros em TB, constatamos
que em cada unidade há a presença de pelo menos um novo gênero textual
que ainda não havia sido explorado na obra.
Na análise desse material,
constatamos também que há uma gradação em relação ao nível de dificuldade
das atividades, ao longo da obra. Enquanto na unidade 4, por exemplo, é
solicitado ao aluno que, a partir de determinadas condições de produção, ele
elabore o roteiro de um passeio ecológico, na unidade 10 o aluno tem como
proposta de trabalho dar continuidade ao conto “A Carteira”, de Machado de
Assis.
No GRÁFICO 1, podemos visualizar como é feita a exploração dos
gêneros em TB.
Livro TB - Exploração dos gêneros da obra
Total de Gêneros: 85
GEPO 12% GEL, 64% GEP 16% GEPG 88% GNE, 20% GRÁFICO 1: Exploração dos gêneros no livro Terra Brasil
Fonte: TOSATTI, 2009.
TB é uma obra que privilegia o trabalho com a leitura; 64% dos gêneros
presentes no livro são explorados dentro da categoria GEL. 20% é a
percentagem dos gêneros presentes na obra, mas que não foram explorados.
E 16% é a percentagem dos gêneros explorados para produção. Embora a
percentagem não seja alta, verificamos em nossa análise que as atividades e
tarefas que se propõem a trabalhar os GTs são consistentes e demonstram
uma preocupação das autoras com a função sociocomunicativa dos gêneros
abordados.
47
Apresentamos agora, um exemplo de gênero explorado para produção
em TB. Em um primeiro momento, é fornecido ao aluno um mapa com a
previsão do tempo no Brasil e, a partir da interpretação das informações
colhidas, o aluno parte para o desenvolvimento da atividade, conforme
ilustrado na FIG. 1.
FIGURA 1 : Terra Brasil (GEP)
Fonte: DELL’ISOLA, R. L. P., ALMEIDA, M. J. A. de, 2008, p. 98.
Depois da contextualização é proposta a seguinte tarefa:
FIGURA 2 : Terra Brasil (GEP)
Fonte: DELL’ISOLA, R. L. P., ALMEIDA, M. J. A. de, 2008, p. 98.
48
Consideramos esse um bom exemplo de funcionalidade dos gêneros em
um LD de PLE. Essa atividade, que explora primeiramente a leitura, envolve
mais de um gênero (previsão do tempo, recado de secretária eletrônica e e-
mail) e tem como propósito a produção de um e-mail. Interessante notar que
o aluno deve, para a execução da tarefa, ser capaz de interpretar o mapa com
a previsão do tempo, compreender a mensagem deixada na secretária
eletrônica e selecionar informações para responder ao amigo via mensagem
eletrônica. Acreditamos com CRISTÓVÃO (2000) que essa atividade propicia o
desenvolvimento das capacidades de ação, das capacidades discursivas e das
linguístico-discursivas do aprendiz. Dolz e Schneuwly (2004) afirmam que
Nós partimos da hipótese de que é através dos gêneros que as práticas de
linguagem materializam-se nas atividades dos aprendizes. Por seu caráter
intermediário e integrador, as representações de caráter genérico das
produções orais e escritas constituem uma referência fundamental para sua
construção. Os gêneros constituem um ponto de comparação que situa as
práticas de linguagem. Eles abrem uma porta de entrada, para estas últimas,
que evita que delas se tenha uma imagem fragmentária no momento da sua
apropriação. (DOLZ e SCHNEUWLY, 2004, p. 74, grifo dos autores).
A atividade em análise mostra, por meio dos gêneros, como um material
didático pode favorecer a intervenção do aprendiz em situações de
comunicação que lhes correspondam a situações reais de uso da língua.
Muito Prazer – Fale o Português do Brasil (MP)
Muito Prazer – Fale o Português do Brasil é um livro didático, direcionado para
estudantes dos níveis básico a intermediário, publicado em 2008, pela editora
Disal e escrito pelas autoras Gláucia R. Rocha Fernandes, Telma de Lurdes
São Bento Ferreira e Vera Lúcia Ramos.
A obra tem 465 páginas e é
organizada em 20 unidades, a cada quatro unidades, existe uma revisão e
uma lição voltada para pronúncia, num total de cinco revisões e cinco lições de
pronúncia.
Apresentamos no QUADRO 2 a ocorrência e diversidade de gêneros no
livro Muito Prazer.
49
QUADRO 2:
Diversidade e ocorrência de gêneros no livro didático Muito Prazer
Gênero
Ocorrências
Redação
18
Reportagem
5
Mapa
3
Nota
3
MSN
2
Cardápio
2
Texto informativo
2
Resenha de filme
2
Artigo
2
Recado, Cheque, Documentos
1
oficiais, Guia de restaurante,
Relato, Guia de parques, Planta,
Classificados, Sinopse de livro,
Bilhete, Recado, Roteiro de
viagem,
Notícia,
Impostos,
Entrevista
Fonte: TOSATTI, 2009
Constatamos que em MP, apesar de ser um livro composto por 20
unidades, a ocorrência de gêneros textuais não é grande. A obra apresenta
uma variedade de 24 gêneros, que ocorrem 54 vezes no livro.
No GRÁFICO 2 a seguir podemos visualizar como foram explorados os
gêneros presentes na obra.
Livro MP -­‐ Exploração de gêneros na obra Total de Gêneros: 54 GEPO 5% GEL 56% GEP 39% GEPG 95% GNE 5% GRÁFICO 2: Exploração dos gêneros no livro Muito Prazer
Fonte: Resultados obtidos nesta pesquisa.
50
Muito Prazer também privilegia a exploração dos gêneros para
desenvolver a habilidade de leitura; 56% das atividades que envolviam
categorias textuais destinavam-se à compreensão leitora. A percentagem de
gêneros explorados para leitura é alta, 39%. Apenas 5% por gêneros que
compõem MP não foram utilizados para nenhuma atividade na obra.
Apesar de, considerando-se a extensão da obra, não haver muitos
gêneros em MP, há quase 100% de exploração dos gêneros que a compõem.
A atividade abaixo (FIG.2) ilustra como os gêneros são explorados para
produção.
FIGURA 2: Muito Prazer (GEP)
Fonte: FERNANDES G. R. R., FERREIRA, T. L. S. B., RAMOS, V. L., 2008, p. 253.
51
Uma temática que geralmente mobiliza a atenção e engajamento dos
alunos em uma aula de LE é a discussão sobre filmes. Não seria generalização
afirmar que, sobre esse assunto, todos os alunos teriam alguma observação a
ser compartilhada. Depois de lida a crítica dos filmes, propõe-se aos alunos a
seguinte atividade de produção escrita:
FIGURA 3: Muito Prazer (GEP)
Fonte: FERNANDES G. R. R., FERREIRA, T. L. S. B., RAMOS, V. L., 2008, p. 254.
A atividade em análise sugere que o aluno escreva a crítica do pior ou
do melhor filme que ele já assistiu. Como há o julgamento de valor,
acreditamos com Motta-Roth (2002) que o estudante deverá elaborar um
texto crítico por excelência, tendendo, ora para um lado mais avaliativo, ora
para um ângulo mais descritivo, dependendo das circunstâncias que o
envolvam, além de considerar a condição de que ele produzirá um texto a ser
publicado em algum veículo de comunicação.
Salientamos a importância de propostas como essa que, além de
explorar as questões linguísticas e um gênero de ampla circulação social,
trabalha também com o conhecimento de mundo do aluno, estimula a
capacidade de persuasão e dá ao estudante a oportunidade de expressar-se
livremente em relação àquilo que irá escrever.
Considerações finais
Neste
artigo
apresentamos
a
funcionalidade
dos
gêneros
textuais
apresentados em atividades propostas em dois livros didáticos de PLE,
destinadas a adultos, publicados no Brasil na última década: Terra Brasil –
52
Curso de língua e cultura, de 2008 e Muito Prazer – Fale o Português do
Brasil, 2008.
Nossa análise se orientou pela tese de que os gêneros textuais fazem
parte de atividades de comunicação, de práticas sociais, estando a utilização
deles associada aos objetivos e às ações pretendidas pelos que se encontram
em uma situação comunicativa. Os gêneros que, segundo nossa perspectiva,
podem ser caracterizados como o “texto em ação”, tal como defende
BAZERMAN (2005), trazem representações de situações vividas que podem
ser relacionadas a representações já cristalizadas por outras formações
sociais. Como trabalhamos com o foco do ensino de português como LE,
nosso propósito não foi verificar se as obras buscam ensinar os gêneros aos
alunos, mas se esses LDs promoviam, por meio de categorias textuais,
diversas situações de compreensão e produção que estivessem próximas ao
uso real da língua alvo.
Os dados foram alcançados por meio do levantamento da ocorrência de
gêneros em cada uma das obras. Os resultados obtidos atenderam à
expectativa de encontrar ampla variedade de gêneros nos livros analisados.
Porém, a funcionalidade desses textos nas obras, como foi mostrado nos
gráficos 1 e 2, nem sempre englobou a exploração dos gêneros como
motivadores de ação sociocomunicativa.
Ressaltamos, contudo, que, em nossa investigação, os GTs, embora em
diferentes proporções e formas de exploração, fazem parte da realidade dos
livros didáticos de PLE analisados. Esses resultados demonstram que houve,
por parte das elaboradoras dos livros didáticos de PLE analisados, o cuidado
em aproximar as atividades propostas das teorias e pesquisas que defendem
os gêneros como instrumentos de aprendizagem. Dessa forma, os livros
didáticos foram suporte para que por meio dos gêneros, o aprendiz pudesse
compreender o funcionamento sócio-interativo das comunidades discursivas e
as formas da língua em uso.
Explorados na sua funcionalidade, os GTs propiciam um leque de pontos
a serem analisados e discutidos pelos alunos e pelo professor. Gêneros
pressupõem interação e situações concretas de comunicação, por isso são
subsídios importantes para a elaboração e desenvolvimento de atividades
didáticas para o ensino de LE.
53
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55
Autoria no Livro didático de língua portuguesa: o papel do
editor
The authorship in the Portuguese language school textbook: the
role of the editor
Adriana L. Sousa Teixeira
Resumo
Este artigo discute o processo editorial de LDs, com destaque para o papel do
editor na autoria do LDP. A reflexão sobre o que é produzir materiais didáticos
revela que o livro didático deve servir de objeto de pesquisa em outras
dimensões que não seja apenas a da análise do produto final.
Palavras-chave: editor; livro didático, autoria.
Abstract
This paper aims at presenting a discussion about the editorial
process of school textbooks, highlighting the role of the editor in the
authorship in them. The reflection about what is to product didactic
materials, reveals that the textbook must serve as a research object
in other dimensions than just the analysis of the final product.
Keywords: editor; textbook, authorship.
Pesquisas sobre o livro didático
De acordo com Bunzen (2005), ao traçarmos o perfil metodológico e
epistemológico da maioria dos trabalhos de pesquisa sobre o livro didático,
observamos que eles normalmente apresentam um caráter essencialmente
avaliativo, pois
[...] procuram avaliar os objetos de ensino, os aspectos gráficos e
metodológicos e/ou os conteúdos ideológicos veiculados nos livros didáticos
de língua com um “olhar” de ciência moderna que busca, muitas vezes,
apenas uma vigilância epistemológica, utilizando aqui o termo proposto por
Chevallard (1991). Além disso, perceberemos também que, apesar da
diversidade de temas analisados, não houve praticamente alterações na
metodologia de pesquisa e consequentemente, nas categorias de análise. Por
esse motivo, os resultados de várias dessas pesquisas parecem contar uma
mesma e triste história: “a de um livro didático sempre precário e já com
problemas desde sua origem” (ALMEIDA, 1997/ 8, p. 10-1).
Por causa desse enfoque mais avaliativo, os livros didáticos (LDs) são
utilizados, na maioria das vezes, como objetos de investigação da adequação
da transposição1 didática de conceitos e/ou métodos de ensino-aprendizagem.
Entretanto, essas pesquisas não levam em consideração outros aspectos (tais
como processo de edição, características discursivas e pedagógicas das obras)
dessa ferramenta cultural, que acaba sendo compreendida apenas por uma de
suas diversas dimensões.
Há que se refletir sobre o que é produzir materiais didáticos e como
eles estabelecem relação com as práticas de letramento e com a cultura da
escola (CHERVEL, 1998), uma vez que eles assumem o papel de engrenagem
escolar. Portanto, devem servir de objeto de pesquisa em outras dimensões
que não seja apenas a da análise do produto final. Entretanto,
[...] são raros os estudos que procuram compreender o funcionamento desse
subsetor editorial, em torno do qual se definem políticas educacionais,
1 Há autores que criticam o termo “transposição” e preferem o uso de “recontextualização”,
“redidatização”, “reformulação”, “retextualização” ou “revesamento”. Cada termo carrega seu
significado e uso. Optamos, aqui, por usar o termo “transposição” seguindo a definição de
Chevallard (1991) de que transposição didática trata-se do trabalho de transformação de um
objeto de saber em um objeto de ensino.
57
desenvolvem-se processos de controle curricular e se organizam práticas de
escolarização e letramento (BATISTA, ROJO & ZÚÑIGA, 2003, p. 47).
O estudo feito por Bunzen, em sua dissertação de mestrado (“Livro
didático de língua portuguesa: um gênero do discurso”), demonstrou que
[...] os autores e editores são os principais agentes/atores decisivos na
seleção dos objetos de ensino e, por isso, precisamos nos deter em pesquisas
que revelem mais detalhadamente como se dá a (re)construção de conceitos
para a apresentação dos objetos de ensino no processo de didatização. Além
disso, comungamos com a ideia de Batista, Rojo e Zuñiga (2003), sobre a
necessidade de pesquisas que aprofundem o processo de profissionalização
dos autores e editores de LDPs nos últimos anos. Eles são, ao nosso ver,
agentes de letramento de grande parte da população brasileira e estão
conquistando, com as estratégias de marketing das editoras (cursos,
palestras, etc.) e com a própria produção do Manual do Professor, um papel
de formadores de professores. [...] Essas sinalizações apontam para um
terreno inteiro a ser explorado: produção, escolha, circulação, perfil
discursivo e recepção do gênero do discurso LDP (BUNZEN, 2005, p. 133)2.
Uma vez que o trabalho do editor não consiste apenas em fazer
emendas gramaticais, mas também em transformar um texto em livro,
devemos refletir sobre sua atuação a fim de procurarmos entender o estilo
didático atribuído ao gênero LDP.
Os editores são especialistas em mercado editorial, principalmente
quando se trata de livros didáticos. São profissionais experimentados, capazes
de planejar um livro com o autor ou mesmo ajudá-lo a escrever quando a
situação o exigir. Embora não seja desprezível o desenvolvimento de uma
percepção apurada para prever o sucesso de determinadas publicações, eles
trabalham com estatísticas, com informações precisas sobre o consumo de
livros nas mais variadas áreas. “Os autores de livros didáticos e os editores
passam, portanto, a ser atores decisivos na didatização dos objetos de ensino
e, logo, na construção dos saberes a serem ensinados” (BUNZEN & ROJO,
2008, p. 80)3.
Percebemos, entretanto, como já citado anteriormente, que são poucas
as pesquisas que analisam o papel do editor na autoria do LDP, o que não
2 Negritos nossos.
3 Grifo nosso.
58
representa falta de pesquisas sobre o LD, e sim análises mais específicas
desses agentes envolvidos na produção do livro.
Prova de que o LD tem sido objeto de estudos é o estado da arte
realizado por Allain Choppin (2002), que aponta um aumento no número de
pesquisas, nos últimos 30 anos, sobre os livros escolares e a edição didática
pelo mundo (entre elas as pesquisas brasileiras).
Ainda
analisando
o
estado da arte dos trabalhos sobre LDs,
encontramos o artigo publicado por Rojo & Batista (2008), o qual nos mostra
que, desde a década de 1960, os livros didáticos de língua (materna e
estrangeira) têm sido objetos de investigação de várias pesquisas. Os dados
atestam que 37% dos trabalhos pertencem à edição didática, e os subtemas
menos abordados são justamente os que estudam a produção do livro, a
indústria editorial, os processos de autoria. Os autores apontam também
a falta de estudos sobre a distribuição do LD nas escolas e no mercado livreiro
e a sua circulação nacional. Rojo & Batista (2008) concluem que são
emergentes as pesquisas sobre produção, distribuição, circulação e uso do
livro didático.
Concordando com essas constatações há os resultados do projeto de
pesquisa O livro didático de língua portuguesa no ensino fundamental:
produção, perfil e circulação, realizado no triênio de 2004 a 2007, sob
coordenação da Profa. Dra. Roxane Rojo4. Nele, percebemos que, quando é
tratada a autoria no LD, as pesquisas levam em conta a renovação e a
permanência de autores e a natureza coletiva ou individual da autoria.
Entretanto, não se encontram pesquisas que apontam o trato do LD na
perspectiva do editor e sua atuação na autoria do livro.
A conclusão do artigo “Produzindo livros didáticos em tempo de
mudança”, reproduzida a seguir, corrobora com estas constatações:
São estudos de natureza qualitativa – sobre o processo de edição, sobre
as características discursivas e pedagógicas das obras – que poderão fornecer
elementos para a compreensão dos diferentes padrões apreendidos. Esses
estudos permitiriam apreender como os editores interpretam o mercado
e sua variação de acordo com a disciplina, como recrutam diferentes autores
e compõem equipes para a elaboração de livros, como utilizam os resultados
4 Ver LDP-Properfil no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq e no site
http://homepage.mac.com/rrojo/LDP-Properfil/
59
da avaliação e das escolhas docentes para reorientar suas estratégias e
5
práticas (BATISTA, ROJO & ZÚÑIGA,2003, 70-1).
Em razão disso, abordar a produção editorial, especificamente o papel
do editor de LDP, faz-se necessário. O trabalho aqui se propõe, então, a
indagar essas necessidades e apontar um percurso de busca de tais dados.
Fundamentação teórica
Nos últimos anos, a noção de gênero tem auxiliado vários pesquisadores de
correntes teóricas diversas a compreender as práticas de linguagem que
circulam na nossa sociedade e que estão sempre em processo de
transformação. Procurar compreender tais práticas pressupõe também
estudar a produção, a circulação e a recepção de gêneros do discurso
específicos e legitimados de acordo com a função social que os sujeitos
ocupam nas diversas esferas de atividade humana. (BUNZEN, 2005, p. 36).
6
Partimos do fundamento teórico exposto por Bunzen & Rojo (2008), que
defendem, de acordo com o método sociológico bakhtiniano, que o LDP é
[...] um enunciado
determinação
num
histórica,
gênero
forma
discursivo, que apresenta, por
composicional
complexa
e
cheia
de
intercalações (BAKHTIN, 1934-35/1975) e estilo didático de gênero, mas que
permite, a cada locutor/autor (BAKHTIN, 1920-24/1979) comunicar seus
temas em estilo próprio (BAKHTIN, 1952-53/1979), a partir das apreciações
de valor (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1929) que exerce sobre esses temas e
seus interlocutores (os professores, os alunos, os avaliadores do Ministério,
os editores) (p. 74).
ao invés da abordagem de que o LD é um mero suporte (objeto
material em que o texto se inscreve) de textos em gêneros variados.
A noção de suporte tem sido utilizada por alguns estudos, principalmente,
aqueles relacionados à História do livro e das práticas de leituras (CHARTIER,
1999, 2002; PAIVA et al., 2000; ROCKWELL, 2001; entre outros) e, mais
recentemente,
aos
estudos
sobre
gêneros
(MAINGUENEAU,
2001;
MARCUSCHI, 2002, 2003, 2004), como uma forma de entender em que
5
6
Grifos nossos.
Grifo nosso.
60
medida a materialidade do objeto portador do texto (rolo de papiro, pedra,
livro) altera as relações que se estabelecem entre leitores e produtores e os
gêneros em circulação na sociedade (ROJO & BUNZEN, 2005, p. 83).
Concordamos com Bunzen & Rojo (2008) que, se seguirmos essa última
perspectiva, não teremos como compreender o processo múltiplo de encaixes
e alinhamentos dos textos em gêneros diversos na composição do LDP, nem
como estabelecer uma unidade textual-discursiva. Além disso, como entender
a questão da autoria e do estilo do LDP nessa perspectiva?
Por essa razão, basear-nos-emos na abordagem de que no LD se
apresentam unidade discursiva, autoria e estilo, proporcionados via fluxos e
alinhamentos do discurso autoral.
Segundo Bakhtin (1934-1935/1975, p. 124), na sua composição, o
romance admite a introdução de diferentes gêneros do discurso:
Em princípio, qualquer gênero pode ser introduzido na estrutura do romance,
e de fato é muito difícil encontrar um gênero que não tenha sido alguma vez
incluído num romance por algum autor. Os gêneros introduzidos no romance
conservam habitualmente a sua elasticidade estrutural, a sua autonomia e a
sua originalidade linguística e estilística.
Ao dialogar com diferentes interlocutores e diferentes níveis de ensino,
os autores/editores articulam discursos didáticos também diferentes nos LDP:
Na realização do projeto discursivo particular do acontecimento do
enunciado, a apreciação valorativa do locutor/autor sobre os interlocutores
(no caso do LDP, o alunado, os docentes, os editores, os avaliadores do
Ministério) vai determinar uma maneira específica de dispor e de construir um
estilo didático, por meio de discursos injuntivos, explicativos, expositivos. Isso
fará com que o LDP, possivelmente, apresente diferenças de estilo de gênero,
por exemplo, no Ensino Fundamental ou no Ensino Médio. Também
apreciações
de
valor
possíveis
à
postura
de
autor
sobre
o
que
Bakhtin/Volochinov (1926) chama de o herói – a personagem no romance,
mas também os temas na vida cotidiana – terão impacto sobre o estilo de
gênero do enunciado. Assim, no LDP, verifica-se que diferentes apreciações
sobre o que ensinar em língua materna e sobre como ensinar língua materna
terão impacto nos temas (objetos de ensino, discursos de outrem)
selecionados para compor o livro, em sua forma composicional (divisão em
unidades/capítulos e seções; intercalação de gêneros; por exemplo) e em seu
61
estilo didático (mais transmissivo, dedutivo; ou indutivo, construtivo; mais
informativo ou injuntivo) (BUNZEN & ROJO, 2008, pp.90-1).
A partir dessa abordagem, destacamos a atuação do editor no processo
de autoria e estilo do LDP. Uma vez que, como citado, a apreciação valorativa
do locutor/autor no acontecimento do enunciado leva em conta seu
interlocutor, que determina a maneira específica de dispor e construir um
estilo didático, o editor tem sido um dos agentes da produção responsáveis
por “alinhavar” esse discurso autoral, atentando para o tipo de interlocutor
que o LD terá para então concretizar o estilo didático. Entendemos, nessa
perspectiva, que, ao falarmos, produzimos formas relativamente consagradas
de interação verbal e, para isso, o realizamos por meio da escolha de um
gênero do discurso. Assim, os autores e editores de LD também fazem essas
escolhas e produzem seu enunciado num gênero do discurso, o LD, que tem
seus temas, interlocutores específicos (professores, alunos, avaliadores, etc.)
e estilo didático. Dessa forma produzem um enunciado em um gênero do
discurso com a função social de apresentar, ou reapresentar, para seus
interlocutores, formas de conhecimento autorizadas.
Sob essa perspectiva teórica, Bunzen & Rojo (2008, p. 112-3) concluem
que
[...] deslocando o foco da avaliação para o uso (e escolha) do livro, cremos
que se os interlocutores privilegiados do LDP – professores e alunos –
também tiverem em relação ao livro um olhar semelhante, poderão fazer
escolhas mais bem embasadas e se relacionarão com o discurso do autor de
maneira respondente, por meio de réplica e compreensão ativa, na medida
em que possam compreender, criticar e responder à postura e ao projeto
autoral. Talvez isso possa também contribuir para que o LDP deixe de ser
meramente consumido e passe a ser um elemento do diálogo plurivocal de
sala de aula.
Revozeando essa conclusão, deslocamos o foco da avaliação para a
produção do LDP, numa tentativa de privilegiar não apenas seus
interlocutores, mas os agentes envolvidos na produção. Os editores poderão
entender melhor o papel da autoria no gênero e buscar adequar o estilo
didático, melhorando o discurso do autor e até mesmo criando possibilidades
para que o professor e o aluno – futuros interlocutores – tenham condições de
62
fazer as escolhas embasadas. O LD passa, então, a ser esse elemento do
diálogo plurivocal sobre o qual comentam os autores citados.
O LDP é, pois, um enunciado em um gênero do discurso, produzido por
diversos agentes (autores, editores, diagramadores, etc.), numa instância
pública (as editoras), que procuram satisfazer as necessidades de ensinoaprendizagem
formal
da
língua
materna
e,
para
isso,
selecionam
determinados objetos de ensino (o tema) os quais recebem um acento
valorativo dependendo do ponto de vista específico adotado. Sendo assim,
deve-se levar em consideração o contexto de produção, circulação e recepção
desse gênero, pois, segundo Bunzen (2005, p.71), “podemos entender
perfeitamente que os gêneros escolares têm condições de produção, recepção
e circulação bastante específicas”.
Dessa maneira, passamos a refletir sobre o papel do editor na autoria
do LDP como gênero do discurso.
Coracini (1999, p. 28) afirma que “parece que a questão da autoria no
livro didático está ligada à ‘ilusão de autoria’, ilusão necessária mesmo que ela
seja dispersa, moldada pelo aparato editorial e determinada pelo prestígio que
determinadas editoras já gozam no mercado da produção do livro didático”.
De fato, o livro didático congrega múltiplas autorias. Por isso, faz-se
necessário trocar experiências nos âmbitos de sua elaboração e produção. Um
primeiro passo nessa direção seria apresentar o papel do editor nessa “trama”
para que possamos (re)construir a situação de produção e proporcionar uma
visão global e integrada desse gênero do discurso.
As
editoras
são
atualmente
esferas
de
produção
onde
se
produzem/negociam os saberes escolares legítimos que são apresentados aos
professores e alunos. A esfera de produção editorial tornou-se o lugar onde
ocorre
o
cruzamento
dos
saberes
7
(científicos,
escolares,
práticos,
especializados) e sua consequente transposição para o livro didático, que tem
sido um dos grandes responsáveis por fazer circular esses saberes na escola.
Rojo (2003) menciona estratégias
editoriais
(seleção textual,
aspectos gráficos-editoriais, manual do professor), pelas quais os editores
seriam os maiores responsáveis, e as didático-pedagógicas (elaboração das
7 Ver VALENTE (2003) e MARANDINO (2004).
63
atividades, conteúdos escolhidos, progressão), pelas quais os autores seriam
os responsáveis.
Bunzen (2005), em sua dissertação, entende ser esse um processo
imbricado e de difícil delimitação das fronteiras na produção do LDP, pois seus
dados indicaram que “os autores, por exemplo, ao escolherem os textos para
compor o LDP, baseiam-se já em questões editoriais tais como a dificuldade
para conseguir a autorização para publicação dos textos ou o tamanho do
texto em relação ao número de páginas do livro”.
Entendemos ser difícil essa divisão também pelo aspecto contrário: as
editoras têm investido em profissionalizar os editores para torná-los cada vez
mais familiarizados com os saberes escolares e serem também responsáveis
pelas estratégias didático-pedagógicas.
Dessa forma, o editor tende a ocupar um papel importante na autoria
do LD, uma vez que as escolhas teórico-metodológicas, assim como
outras, tais como escolhas de textos, de fotografias, de cores, de formato,
etc. precisam de seu aval para que o LD seja publicado.
Segundo Chartier (1998), a editoria é uma profissão de natureza
intelectual e comercial que se originou, na França, nos anos de 1830 e que
tem como objetivo “buscar textos, encontrar autores, ligá-los ao editor,
controlar o processo que vai da impressão da obra até a sua distribuição”.
Ainda de acordo com Bunzen (2005, p. 98), os editores vão discutindo
com os autores e organizando o formato da coleção para atender ao mercado
editorial e à forte concorrência, além de se preocuparem com questões
técnicas, como o número de páginas, ou articularem a relação entre os
autores e os leitores críticos. Os editores e os autores, assim como outros
agentes, estão juntos num processo de produção de um objeto cultural dentro
de uma poderosa indústria editorial que vem, desde a década de 1990,
realizando mudanças efetivas em relação tanto ao projeto gráfico-editorial
quanto ao projeto pedagógico das coleções.
Assim que, baseando-se na perspectiva de que o LDP é enunciado
autoral em um gênero do discurso e que se deve levar em consideração, entre
outros, o contexto de sua produção, faz-se necessária a análise da atuação
deste importante agente da produção de um LD: o editor.
64
Percurso a percorrer
Com base no que já foi exposto, este trabalho, que, como citado, encontra-se
em andamento, busca analisar o papel do editor na autoria/produção do LDP,
no que diz respeito à sua atuação na didatização dos objetos de ensino. Já
ressaltamos anteriormente que são vários os agentes envolvidos no processo
de produção editorial. Analisaremos especificamente a atuação dos editores
do LDP, com a intenção de fazer uma pesquisa de caráter qualitativo. Esse
objetivo central se desdobra nas seguintes perguntas:
1. Como a indústria editorial de livros didáticos tem funcionado frente às
novas organizações e de que maneira a distribuição dos papéis nas editoras e
seu poder relativo têm a ver com o que está sendo transposto nos livros
didáticos?
2. Que práticas editoriais estão envolvidas no processo de edição do LDP?
3. Em que medida os projetos editoriais e suas restrições (re)definem o estilo
didático do gênero LDP?
4. Como os editores utilizam os resultados da avaliação do governo
(Programa Nacional do Livro Didático – PNLD) e das escolhas dos docentes
para reorientar suas estratégias e práticas?
Para realizar esta pesquisa, selecionaremos 3 (três) editoras de livros
didáticos, que servirão como cenário para coleta de dados. Para isso,
recorreremos a entrevistas semiestruturadas com os editores envolvidos no
processo de autoria/produção do LDP, assim concebidas:
A entrevista semiestruturada não é inteiramente aberta e não é conduzida
por muitas questões preestabelecidas. Baseia-se apenas em uma ou poucas
questões/guias, quase sempre abertas. Nem todas as perguntas elaboradas
são utilizadas. Durante a realização da entrevista, pode-se introduzir outras
questões que surgem de acordo com o que acontece no processo em relação
às informações que se deseja obter (TANAKA, 2001).
De acordo com Ludke & André (1994, p. 34), a entrevista “permite
correções, esclarecimentos e adaptações que a tornam sobremaneira eficaz
na obtenção das informações desejadas”. Portanto, levamos em consideração
65
que a entrevista, também conforme Mondada (1997, p. 59), é “um
acontecimento comunicativo no qual os interlocutores, incluído o pesquisador,
constroem coletivamente uma versão do mundo”. Distanciamo-nos, pois, de
uma visão que concebe a entrevista como um veículo neutro e transparente
de informações.
Posteriormente às entrevistas, cruzaremos os dados obtidos com pelo
menos 1 LDP editado por cada profissional entrevistado. Assim, cremos poder
aprofundar, articular e delimitar nossas perguntas de pesquisa.
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68
Design e formação de leitores na Web 2.0
Design and readers’ formation in Web 2.0
Ricardo Artur P. Carvalho, doutorando, PUC-Rio,
[email protected]
Bruna Spinola Saddy, graduanda, PUC-Rio, [email protected]
Rafael Osório Barçante Pires, graduando, PUC-Rio,
[email protected]
Resumo
O estudo aborda aspectos do design em relação à formação de leitores,
focando no papel da mediação da leitura e especialmente na atuação do
designer como agente mediador. Partindo de Martins (2006), Freire (1983) e
Farbiarz (2004), o artigo problematiza o design enquanto estratégia de
persuasão diante da Web 2.0. Como contribuições o artigo situa o design para
além do objeto (Frascara, 2002) como estratégias voltadas para a leitura,
assim como importância dos conhecimentos produzidos na área. Além disso,
propõe a produção de uma série de vídeos como forma investigar estas ideias.
Palavras-chave: design, leitura, web 2.0
Abstract
This study concerns the relationship between design and readers’ formation,
aiming at reading mediation and the designer’s role. Starting from Martins
(2006), Freire (1983) and Farbiarz (2004), this paper takes design on account
as a persuasion strategy to the Web 2.0. As contribution, the text considers
the design beyond the object (Frascara, 2002) as reading development
strategies, and the specific knowledge produced in the area. Also, a video
series is proposed as way of investigating these ideas.
Keywords: design, reading, web 2.0
Introdução
Como podemos compreender as contribuições que o design oferece à
formação de leitores hoje, no Brasil?
Antes de responder esta pergunta devemos questionar primeiro o que
significa ler, ou melhor, ser letrado na era digital. Devemos considerar que
atualmente a capacidade de ler textos impressos deixou de ser uma
necessidade exclusiva na formação cultural do cidadão, uma vez que se
tornam cada vez mais presentes as necessidades da alfabetização e inclusão
digital e de uma capacidade crítica de lidar com os diferentes meios que nos
circundam.
Mesmo em relação ao livro impresso, vemos no estudo de Jackeline e
Alexandre Farbiarz (2004) a necessidade de utilizar o design como uma das
estratégias de envolvimento para a leitura de maneira a dialogar com o
universo dos jovens leitores. O estudo apresenta o discurso desses leitores
que, face às novas tecnologias identificam a ausência de estímulo à leitura
devido à falta de apelo visual e sonoro, de dinamismo e praticidade, ou de
entretenimento do objeto livro. Nesse sentido, o artigo defende a
conscientização do designer enquanto agente mediador da leitura e propõe
que os projetos devam ir além das questões de funcionalidade e legibilidade
do projeto gráfico, para também contemplar questões específicas do público
ao qual se destina e desenvolver estratégias persuasivas para a leitura.
Por um lado, o artigo defende uma revisão das práticas de design no
que tange à concepção do livro impresso como objeto, a fim de melhorar a
interação com o público. Por outro lado, Farbiarz também dá a entender a
pluralidade de tecnologias e linguagens que convivem e participam do
universo destes leitores, sugerindo repensar os conceitos de leitura
empregados. Entretanto, o artigo se atém apenas às questões do livro
impresso e não oferece uma proposta em relação ao papel do designer frente
a outras formas de leitura.
A convivência de diferentes tecnologias e as necessidades impostas
pelas novas mídias nos permite repensar o conceito de leitura e retomar as
questões levantadas por Paulo Freire quando afirma que "a leitura do mundo
70
precede a leitura da palavra". (FREIRE - 1983). No atual contexto, partimos
de Freire para entender que a formação de leitores não deve estar alheia às
mudanças promovidas pelos meios digitais, uma vez que o novo leitor se
forma cercado não apenas por textos impressos, mas por diferentes meios
comunicacionais.
Maria Helena Martins (2001) também defende outra visão sobre o
conceito de leitura, a partir de uma proposta educacional em que se articulem
diferentes linguagens. Para a autora é preciso estimular a leitura de imagens,
de filmes, do videoclipe, entre outros para estabelecer diálogos com o texto
escrito a fim de ampliar as potencialidades expressivas. Dessa maneira, ela
propõe uma abertura e flexibilização da noção de leitura, permitindo estender
aos múltiplos meios e linguagens a ideia de um processo de construção de
significados e não o seu resultado.
Vale ressaltar que Martins também não considera a leitura como
produto de uma operação unicamente racional, ressaltando que a sensação e
a emoção também permeiam o processo de significação (Martins, 2006). Os
deslocamentos em relação a uma noção tradicional de leitura levam a autora
a uma compreensão onde o objetivo da leitura não está na reconstrução de
um significado, mas no processo de constituição de significados possíveis, a
partir de diferentes meios, e por meio da sensação, razão e emoção. Logo, ela
nos leva a não mais considerar a existência da leitura, mas assumir que são
múltiplas.
Ao partirmos de Farbiarz, Freire e Martins, assumimos que a leitura na
contemporaneidade não é uma, são múltiplas e não mais se detém sobre o
um meio e uma linguagem apenas. Portanto, retomando ao estudo de
Farbiarz e à necessidade de se pensar o design voltado para a formação de
leitores, devemos questionar quais as possibilidades de atuação do designer,
na qualidade de agente mediador, para além do objeto livro?
Mudanças da Web 2.0
A “Web 2.0” é um termo utilizado pelo americano Tim O’Reilly (O'Reilly, 2005)
para denominar uma mudança de atitude na web, em que a troca de
informações
na
internet
se
dá
de
maneira
mais
participativa
71
que
anteriormente, pois foca na produção coletiva ao invés da disposição de
conteúdos. A Web 2.0 se caracteriza pelo surgimento das redes sociais (Orkut,
Facebook, MySpace), serviços de hospedagem e compartilhamento de
arquivos abundantes e acessíveis (Blogger, Youtube, Flickr) e jogos massivos
(World of Warcraft, WarHammer Online, Ragnarok Online).
O termo é considerado contraditório, justamente por não haver uma
mudança tecnológica que justificasse seu uso tal como em versões de
um software (como Firefox 3.5, Internet Explorer 8.0, etc.). Ao contrário, o
termo refere-se apenas à mudança do aproveitamento de recursos já
existentes anteriormente e ao impacto cultural causado por uma nova
maneira de se relacionar com o meio. Devido à popularidade que o termo
adquiriu ao se referir a estas mudanças, nós o empregaremos neste artigo
para facilitar a compreensão.
A flexibilidade e a participação são palavras chave para entendermos a
Web 2.0. O vídeo “The Machine is Us/ing Us” (WESCH, 2007) mostra como o
texto digital se torna flexível na medida em que forma e conteúdo não
dependem mais um do outro. Com a linguagem HTML (Hypertext Markup
Language), o conteúdo precisava ser pensado junto com sua formatação,
enquanto a linguagem como XML (Extensible Markup Language) permitem
que o conteúdo se encaixe em qualquer suporte online. Daí surge a ideia de
RSS (Really Simple Syndication), que permite que o usuário acompanhe
atualizações de quantos sites desejar em uma página central, para onde são
importadas as atualizações dos locais que ele decidiu seguir, o que é chamado
de mashup (iGoogle). O RSS permite inclusive que os conteúdos sejam vistos
fora do browser, em aplicativos para o desktop. Com a flexibilização dos
textos surge a participação massiva, que se manifesta em diversos fenômenos
diferentes, desde os já citados YouTube e Wikipedia, como em redes sociais e
jogos massivos.
A Web 2.0 possibilitou que os usuários tenham acesso fácil a
ferramentas que lhes permitam criar conteúdo e disponibilizá-lo para o
mundo. Atualmente é possível publicar quadrinhos sem que se saiba desenhar
(Pixtone), criar sites sem o domínio de HTML (Weebly) ou Flash (Wix), ou
montar enciclopédias colaborativas sem saber configurar redes (Wiki,
Wetpaint). Estas ferramentas permitem a execução de todos esses projetos a
72
partir de interfaces amigáveis (Figura 1), que empregam operações simples
como clicar, arrastar e soltar, e possibilitam acompanhar visualmente a
criação do conteúdo, sem a necessidade de dominar a parte mais difícil e
especializada, ou seja, programação.
Figura 1 – Interface do Wix: Editor de sites em Flash.
O acesso a estas ferramentas facilitou a proliferação de conteúdos em
diferentes meios e linguagens, veiculados pela internet. A mudança de
atitude, que caracteriza a Web 2.0, contribuiu para um crescimento
significativo da oferta de informações sobre os mais variados assuntos, uma
vez que permitiu às pessoas publicarem conteúdos relacionados a seus
interesses particulares.
Porém, ao mesmo tempo em que especialistas em diferentes assuntos
sem domínio sobre as ferramentas digitais puderam publicar seus conteúdos,
a Web 2.0 também garantiu que pessoas escrevessem sobre qualquer
assunto, fossem elas especialistas ou não. Além disso, há a proliferação de
brincadeiras e informações falsas na internet como, por exemplo, o caso da
Descilopédia (http://desciclo.pedia.ws/wiki/Desciclopédia), uma paródia da
Wikipédia, onde o objetivo é fazer chacotas empregando linguagem informal,
por vezes chula e politicamente incorreta.
O vídeo “The Machine is Us/ing Us” (WESCH, 2007), questiona quem
deverá organizar todas as informações que têm sido veiculadas na web. A
resposta que ele dá é: você. Com isso, atribui a responsabilidade de seleção,
filtragem e organização dos conteúdos aos próprios usuários da internet, por
meio
de
ferramentas
como
links,
marcadores
sociais
e
redes
73
de
relacionamento. Entretanto, compreendemos que a capacidade de lidar com
estas informações disponíveis também está ligada à desenvoltura que o
“leitor” da web possui.
Neste sentido, situamos alguns problemas atuais em relação à formação
de leitores: como possibilitar uma leitura crítica acerca dos conteúdos
oferecidos na web? Como a web pode contribuir para a formação de leitores?
Como o design pode contribuir para a formação de leitores na web?
Educação na web
Mediante as mudanças ocorridas na web e a facilidade de publicação de
conteúdos, realizamos uma pequena exploração sobre alguns recursos
disponíveis gratuitamente na rede, em inglês e português, que possuem
finalidade educativa. O material observado foi escolhido segundo dois
critérios: primeiramente, fontes de consulta já conhecidas por nós; segundo
como resultados de buscas voltadas para explicações sobre diferentes mídias.
Os conteúdos selecionados foram organizados e categorizados segundo
sua relação com os conhecimentos (voltado para leigos ou especialistas), uso
das linguagens verbal e visual e segundo sua adequação a web (adaptado ou
feito para a web)1. Foram eles:
l
How stuff works: learn how everything works! - Site que como
diversas
coisas
funcionam,
curiosidades
e
outros.
http://www.howstuffworks.com/
l Video Games and... – Blog e série de vídeos voltados para
palestras sobre vídeo-game. http://videogamesand.blogspot.com/
l TED (Technology Entertainment and Design) – Site de uma
organização sem fins lucrativos, que promove conferências sobre
uma vasta gama de assuntos. http://www.ted.com/
l Common Craft – Site especializado na criação de vídeos com
explicações
em
linguagem
simplificada
(plain
english).
http://commoncraft.com/
1
Com exceção do vídeo desenvolvido (publicado em 27/08), os demais conteúdos disponíveis
online acessados tiveram o último acesso em 30 de abril de 2010.
74
l
Nova escola - Site de uma revista homônima, cujo público é
composto por gestores e professores da pré-escola ao ensino
fundamental. http://revistaescola.abril.com.br/
l Histórias em Quadrinhos é literatura?
Reportagem do
programa Entrelinhas, da emissora de TV Cultura (SP), sobre a
relação
entre
quadrinhos
e
literatura.
http://www.youtube.com/watch?v=auCie_T6Mec
l Radar Cultura - Canal da emissora TV Cultura (SP), no Youtube,
com conteúdo adaptado para a web, organizado por programas.
http://www.youtube.com/user/radarcultura
l
TV Brasil – canal da emissora TV Brasil no Youtube, que
apresenta
amostras
de
programas
e
chamadas
sobre
a
programação. http://www.youtube.com/tvbrasil
l MultiRio – Site da Empresa Municipal de Multimeios (MultiRio)
disponibiliza conteúdos e recursos multimeios para professores e
alunos da rede pública. http://multirio.rio.rj.gov
l Fundação Cecierj – Site da Fundação Centro de Ciências e
Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro.
Gerido pelas universidades públicas do Estado do Rio de Janeiro e
voltado
para
a
educação
a
distância.
http://www.cederj.edu.br/fundacaocecierj/index.php.
l
TV Escola – Site do canal de televisão, pertencente ao MEC, que
produz vídeos educativos para professores e alunos com
conteúdos baseados nas grades escolares, ou seja, para cada
etapa
de
ensino
(infantil,
fundamental
e
médio).
http://tvescola.mec.gov.br/
Entre
os portais da
web
que
se
propõem
acrescentar novos
conhecimentos para leigos, as características em comum são o uso de
linguagem coloquial, sem traços de jargão de áreas específicas do
conhecimento e grande utilização de metáforas e comparações para facilitar a
compreensão do usuário. Estas escolhas de comunicação se devem ao público
alvo almejado: pessoas com escolaridade média. Exemplos desta categoria
são os sites “How Stuff Works” e “Common Craft”. Embora de maneiras
75
diversas, ambos têm como objetivo dar novos conhecimentos aos seus
visitantes. O primeiro tem como principal mídia o texto: artigos sobre
diferentes fenômenos (científicos, naturais, sociais, culturais etc.) explicam
brevemente o que é e como acontece o objeto de estudo e usam metáforas,
em textos ou em imagens, para ilustrar tais conceitos e, finalmente, oferecem
outras mídias, como jogos, blogs, vídeos etc, para que o usuário possa
aprofundar e reforçar o que foi aprendido. Já o segundo tem como seu
alicerce vídeos curtos que explicam diversos conceitos e fenômenos por meio
de animações stop motion que também buscam a simplicidade, através de
imagens estilizadas de poucos traços e cores, em conjunto com a linguagem
coloquial e explicativa do narrador (Figura 2). De acordo com a nossa
pesquisa, constatamos que, em sua maioria, são portais com conteúdos feitos
especialmente para a web, por serem produzidos pelos próprios sites.
Figura 2 - Common Craft: Vídeo explicando o que é Mídia Social.
Há também ferramentas on-line que reiteram ou aprofundam um
aprendizado anterior. O público alvo é composto por pessoas que já detêm
conhecimento sobre a área abordada, o que fica claro devido ao uso de jargão
especializado. Um exemplo deste tipo de ferramenta é o site do TED que é um
evento físico que promove conferências sobre uma vasta gama de assuntos,
seguindo o estilo e abordagem de cada participante, que normalmente conta
com o apoio de slides ilustrados com imagens afins ao assunto, esquemas
gráficos e etc. É voltado para profissionais das áreas de cada palestra e
76
palestrante. Seu conteúdo é transmitido legalmente e gratuitamente para a
internet pelo próprio site da organização e pelo seu canal no youtube. Embora
não sejam feitas especialmente para a web, elas são veiculadas legalmente e
gratuitamente no próprio site do evento e também no seu canal no youtube.
Figura 3 – TED: palestra sobre quadrinhos com Scott McCloud
Outros casos, como nos sites Nova Escola, Multirio, Fundação Cecierj e o
Programa Mídias na Educação que buscam disponibilizar materiais para o uso
em sala de aula.
Estes são portais cujo público alvo é educadores que
buscam diferentes mídias para transmitir conhecimentos, reforçá-los ou ainda
como uma maneira de conquistar o interesse dos alunos. Nestes, pode-se
encontrar jogos didáticos, tanto virtuais como dinâmicas para serem
realizadas em sala, vídeos com diversos propósitos, demonstrar conceitos,
ilustrar ideias, tornar mais divertido, por meio de situações cômicas e com uso
de personagens, certos conteúdos considerados complexos pelos alunos.
Nestes casos também são encontrados diversos tipos de texto como, artigos,
reportagens, entrevistas e outros, apresentam também imagens, seja com
trabalhos de alunos seja com imagens sobre os conteúdos abordados,
algumas ilustrando conceitos, outras com fotos do ambiente e atividades
escolares, gráficos etc.
77
Figura 4 – Nova Escola: proposta de atividade de geometria.
Embora todos procurem fornecer novas ferramentas didáticas para o
educador, seja em uma determinada matéria, como um vídeo que mostra um
jogo sobre formas geométricas, seja em temas sobre a melhora da vivência
do aluno na escola, como entrevistas com psicólogos sobre as diferentes
etapas da cognição infantil, não encontramos material que explore como
assunto as novas mídias.
De acordo com as características observadas neste levantamento,
constatamos também que podemos identificar os casos em que são
produzidos especialmente para web ou não. No caso dos materiais produzidos
para a web, observamos o uso de conteúdos interativos, como jogos
eletrônicos, por terem duração curta e formato característico (característica de
vídeos feitos especialmente para serem veiculados na internet) e por terem
hiperlinks que ligam um assunto ao outro. No caso de conteúdos que não
foram produzidos especificamente para a web, notamos que veiculam e
reproduzem conteúdos inicialmente produzidos para outras mídias (como
revistas e canais de tv) e os adaptam em termos de tamanho e formato
para adequação ao novo meio.
O quadro a seguir (Tabela 1) sintetiza a distribuição dos sites segundo a
adequação dos conteúdos à web.
78
Tabela 1
Conteúdos feitos para a web
Conteúdos adaptados para a web
How stuff works
TED
Video Games and...
Nova escola
Common Craft
Histórias em Quadrinhos é literatura?
MultiRio
Radar Cultura
Fundação Cecierj
TV Brasil
TV Escola
Embora cerca de metade destes conteúdos não sejam desenvolvidos
especificamente para a web, mas adaptados, devemos destacar que a maioria
deles independe do contexto de sala de aula, e permitem o aprendizado
espontâneo. O acesso a estes conteúdos depende simplesmente do interesse
de quem está navegando na internet. Assim, com o aumento da oferta de
informações é de se esperar que o aprendizado já não fique restrito apenas
ao ambiente escolar. De acordo com Martín-Barbero (2008), a sociedade da
informação também é formadora do indivíduo, ou seja, uma sociedade
educacional.
Mas será apenas isso? Experimentamos durante a tarefa de selecionar
conteúdos educativos uma grande variedade de conteúdos que não atendiam
ao nosso interesse tanto por pareceram imprecisos quanto à informação e/ou
pela falta de cuidado visual na apresentação dos conteúdos.
Martín-Barbero
(2008:29)
também
considera
a
importância
das
mediações, afirmando que estas assumiram um papel crucial no processo
comunicacional. Nesse sentido, cabe dimensionarmos a importância do
designer dentro desse processo, considerando-o como um importante agente
na mediação das informações oferecidas.
Seguindo o raciocínio de Jackeline e Alexandre Farbiarz (2004), vemos
que parte deste papel mediador do designer está ligado à criação de
estratégias persuasivas, que dialoguem com o cotidiano dos leitores, a fim de
fomentar a leitura. Nesse sentido, estendo a noção de leitura aos múltiplos
79
meios e linguagens, percebemos que sua atuação na formação de leitores não
se resume apenas ao objeto livro. Mas como poderíamos enquadrá-lo?
Design para a formação de leitores na Web 2.0
Se por um lado temos a Web 2.0 como uma forma de democratização da
produção de conteúdos e informações, por outro lado vemos a proliferação
desses conteúdos por pessoas sem especialização. A democracia das
informações faz com que convivam conteúdos verdadeiros, precisos e corretos
com conteúdos falsos, imprecisos e incorretos. Esta heterogeneidade se
reflete tanto nos conteúdos quanto na apresentação formal.
O fácil acesso ás ferramentas de produção permite a convivência não
apenas dos extremos da combinação entre forma e conteúdo, como também
das respectivas misturas: bons conteúdos com má apresentação formal e
vice-versa.
Tal
convivência
também
dificulta
o
processamento
das
informações disponíveis, na medida em que os parâmetros de avaliação se
confundem. Será que um texto de má aparência pode ser levado a sério? Será
que um site de boa aparência é confiável?
Isso nos leva a pensar no papel do designer como um legitimador
destes conteúdos. Ao vermos conteúdos desenvolvidos para a web com boa
apresentação visual e que usufruem dos recursos interativos que o meio
possibilita, tendemos a confiar na informação que está sendo apresentada.
Claramente, bom design não basta para validar a informação, porém trata-se
de uma estratégia de persuasão.
Assim como vimos a importância do design do livro impresso como
forma de estratégias de persuasão (Farbiarz, 2004), o design para os
conteúdos da Web 2.0 não é menos importante e deve fazer uso destas
estratégias. Consideremos que conteúdos educativos na web, por mais
dinâmicos, estimulantes e interativos que sejam, concorrem com uma série de
outros conteúdos dentre os quais a sua apresentação visual é uma das formas
de distinção.
Contudo, ainda estamos tratando a questão do design num nível ainda
voltado para o objeto. Nesse sentido, discutimos o design desta ou daquela
mídia, sem pensar num sentido mais amplo outras formas como design
80
poderia contribuir para a formação de leitores.
Uma primeira maneira de compreender a relação entre design e
formação de leitores seria considerar as proposições de Jorge Frascara (2002)
sobre o design e as ciências sociais. Frascara (2002: 33) aponta para uma
necessidade parar de pensar o design apenas na como “construção de
gráficos, produtos, serviços, sistemas e ambientes e pensá-los como meios
para as pessoas agirem, realizarem seus desejos e satisfazer suas
necessidades”. Nesse sentido, a proposta do autor é desmaterializar o objeto
de design, e pensá-lo como mediador de um processo de interação. Portanto,
ao vemos a partir desse pensamento que ao invés de se pensar apenas no
livro, ou numa mídia específica, o design poderia, por exemplo, se ocupar
também de estratégias que envolvam a relação do leitor com o objeto lido, ou
mesmo da relação entre leitores.
Frascara também destaca a ineficiência de uma comunicação quando
esta é unidirecional (2002:34). Ele defende que o processo comunicacional
deve ser tomado como processo de negociação e envolver tanto quem origina
a mensagem quanto quem a interpreta. A proposta do autor encontra eco
quando situamos a possibilidade de interação da Web 2.0, que garante acesso
não apenas aos meios de recepção, como também aos meios de produção,
favorecendo o diálogo.
Tal raciocínio nos permite, por exemplo, situar o design em relação à
facilitação do acesso às informações na web. A solução talvez não resida no
projeto de um ou outro conteúdo, mas no pensamento do funcionamento de
sistemas e na arquitetura das informações. O planejamento de como
apresentar as informações ao leitor e do relacionamento com outros
conteúdos podem potencializar a experiência de leitura. Vemos com Frascara
(2002: 34) que considerar as características dos meios de comunicação numa
perspectiva de diálogo pode tornar o processo comunicacional mais eficiente.
Uma segunda maneira de situar o design face à formação de leitores,
diz respeito ao designer enquanto produtor de conhecimentos específicos.
Temos no campo do design conhecimentos que têm se mostrado necessários
no cotidiano. Como exemplo, podemos notar o aumento de publicações
voltadas para o público leigo que trazem noções básicas de design gráfico,
formas de produção e dicas, como os livros D.I.Y. (Design It Yourself), D.I.Y
81
Kids (publicado no Brasil como “Eu que fiz”) e Indie Publishing da
pesquisadora e designer norte-americana Ellen Lupton.
Além disso, vemos que pluralidade de enfoques na produção científica
da área, mesmo ao tratar de objetos de estudo compartilhados com outras
áreas, traz consigo um enfoque singular. Pesquisas sobre cinema, animação e
quadrinhos, por exemplo, terão características diferentes de acordo com o
campo que as aborda. Tal singularidade pode contribuir na formação de
leitores ao destacar as relações características do campo como aspectos da
produção, a linguagem visual, usabilidade e ergonomia, semiótica, entre
outros.
Considerações finais
Propusemos uma breve discussão acerca do papel do designer na formação
de leitores hoje no Brasil. Para isso, problematizamos o papel do design na
formação de leitores (Farbiarz 2004) e da leitura (Martins 2006), ampliando
para o processo de significação em relação ao texto e outras mídias. Diante
disso colocamos a questão da proliferação da web 2.0 e da maneira como
estes recursos podem ser utilizados para a educação.
Vimos exemplos de conteúdos feitos especificamente para a web e
outros que foram adaptados para pensarmos que papel o designer poderia
desempenhar. Mediante esta leitura, notamos que o design se destaca como
um dos diferenciais destes conteúdos, na medida em que se constitui como
estratégia de persuasão (Farbiarz, 2004). Porém, notamos que a contribuição
do design não se limita apenas pela configuração dos conteúdos, como
também pelas estratégias de emprego deles, problematizando a questão
social (leitura) e não o objeto (Frascara,. 2002) e pelos conhecimentos
específicos produzidos dentro do campo.
Um desdobramento deste raciocínio está em andamento, ao realizamos
como uma proposta para contribuição do design na formação de leitores uma
série de vídeos que parte da produção acadêmica (dissertações) dentro da
área do design, mas é voltada para o público leigo que procura se informar
sobre novas mídias.
O primeiro vídeo da série aborda a linguagem das histórias em
82
quadrinhos (Figura 5) e parte da dissertação (Vasconcellos, 2006) e da
entrevista com o autor, para expor os principais conceitos sobre a linguagem
dos quadrinhos. O vídeo busca simplificar a linguagem por meio de exemplos,
linguagem coloquial e uso de recursos visuais explicativos, por meio da
animação bidimensional, para explicar conceitos e jargões ligados ao tema.
Figura 5 – Fotograma da animação “O que são quadrinhos?”
Desde as estratégias de publicação, o roteiro, a linguagem utilizada, a
animação entre os demais elementos do processo, foram pensadas e
discutidas por um grupo de designers considerando a possibilidade de
interação com o público e de maneira a permitir o acesso (links) a outros
meios. No presente momento o primeiro vídeo encontra-se online disponível
no
endereço
http://www.youtube.com/watch?v=kPBLNUS6w8U.
Nossa
intenção é que a proposta se torne um meio de avaliarmos qualitativamente
os quesitos observados e propostos ao longo do artigo.
Referências
FARBIARZ, Jackeline e FARBIARZ, Alexandre (2004). O designer como
mediador entre o livro e o leitor. Anais do P& D Design 2004, São Paulo,
FAAP.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. In: _____________. A
importância do ato de ler: em três textos que se completam. 3.ed. São
83
Paulo: Autores Associados: Cortez, 1983. (Coleção Polêmicas do nosso
tempo.) p.11-24
FRASCARA, J. [Ed.] Design and the Social Sciences: Making connections.
London & New York: Taylor & Francis.2002.
MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. SP: Brasiliense 2006.
______, Palavra e Imagem: um diálogo, uma provocação. In MARTINS,
Maria Helena (org) Questões de Linguagem – 6ª Ed. – São Paulo: Contexto,
2001. p. 95-105
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicações,
cultura e hegemonia. Trad. Ronald Polito e Sérgio Alcides. 5ª Ed. UFRJ: Rio
de Janeiro, 2008. (1ª edição: 1997).
O’REILLY, T. What Is Web 2.0: Design Patterns and Business Models for the
Next
Generation
of
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Disponível
em
<
http://oreilly.com/pub/a/web2/archive/what-is-web-20.html?page=1>. Acesso
em: 28 abr. 2010.
VASCONCELLOS, Pedro Vicente Figueiredo; Mangá-Dô, os caminhos das
histórias em quadrinhos japonesas. 2006. 220 f.Dissertação (Mestrado
em Artes e Design)- PUC-Rio, Rio de Janeiro, 2006
WESCH, M. The Machine is Us/ing Us. 2007. Digital (4,34 min.): Youtube, ,
son.,
color.
Sem
narrativa.
Didático.
disponível
em
<http://youtube.com/watch?v=NLlGopyXT_g>. Acesso em: 28 abr. 2010.
84
Os conhecimentos linguístico-gramaticais em coleções
didáticas para o Ensino Fundamental II
Grammar and linguistic knowledge in portuguese primary school
text books II (5th to 8th grades)
Daniela Manini, Mestre em Linguística Aplicada (IEL/UNICAMP),
[email protected]
Resumo
o objetivo deste artigo é discorrer sobre como coleções didáticas aprovadas
pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) 2008 desenvolvem o ensino
de gramática. Para tanto, escolhemos três coleções com perfis distintos e,
portanto, representativas de diferentes tendências para o ensino de língua
materna.
Palavras-chave: ensino de gramática, livro didático de português, PNLD.
Abstract
The aim of this paper is to discuss how the textbooks approved by the
Textbook National Program (PNLD) 2008 develop the grammar teaching.
Therefore we chose three textbooks with different profiles, and thus
representatives of different trends for teaching the native language.
Keywords: grammar teaching, Portuguese teaching books, PNLD (Textbook
National Program)
O que nos informa o Guia de livros didáticos – Língua
Portuguesa/2008
O Guia de livros didáticos – Língua Portuguesa/2008 enfatiza que o LDP não é
um conjunto de atividades didáticas, mas sim um projeto de ensinoaprendizagem que deve estar adequado aos objetivos do ensino de Língua
Portuguesa, dados nos PCN e nas diretrizes curriculares estaduais e
municipais, e é considerando isso, bem como o projeto pedagógico da escola
e seu plano de ensino, que o professor deve fazer a escolha. Assim sendo, o
Guia esclarece os critérios de avaliação das coleções, tanto os eliminatórios:
correção de conceitos e informações, adequação metodológica e respeito aos
preceitos éticos, quanto os classificatórios, baseados nos princípios gerais
“referentes aos quatro grandes conteúdos curriculares básicos da área –
leitura, produção de textos, linguagem oral e reflexão sobre a língua e a
linguagem” (p. 11, ênfase adicionada).
Ao enfatizar que “as práticas de reflexão sobre a língua e a linguagem,
assim como a construção correlata de conhecimentos linguísticos e a
descrição gramatical, devem se exercer sobre os textos e discursos, na
medida em que se façam necessárias e significativas para a (re)construção
dos sentidos dos textos” (p. 12), o Guia esclarece ao professor que tais
práticas, por subsidiarem as atividades de uso da linguagem (leitura, escrita,
oralidade), não devem ser predominantes.
Nesse sentido, no “Roteiro para Análise e Escolha de Livros Didáticos de
Português (LDP)”, a orientação é para que o professor observe nas coleções
enviadas às escolas para análise e também nas informações dadas nas
resenhas do Guia se as atividades referentes aos conhecimentos linguísticos:
i) relacionam-se às situações de uso, subsidiando-as direta ou indiretamente;
ii) têm um peso menor, isto é, são menos exploradas que as atividades
referentes aos usos linguísticos; iii) consideram as variedades linguísticas
regionais e sociais, respeitando-as; iv) promovem a reflexão e a construção
em relação aos conceitos abordados.
Além dessas orientações, o Guia descreve o perfil das coleções a partir
do tratamento metodológico dado a cada eixo de ensino: leitura, oralidade,
86
produção escrita e conhecimentos linguísticos, e a partir do modo como cada
coleção compõe seu projeto didático-pedagógico. Tais descrições constituem
uma novidade em relação às edições anteriores e revelam uma análise
diferenciada das 24 coleções aprovadas dentre as 33 inscritas no PNLD/2008.
Por isso, cabe explicá-las com mais detalhes.
Em relação ao tratamento metodológico, o Guia identifica quatro
tendências recorrentes:
1. Vivência (V): aposta no “aprender fazendo”, pois entende que o
aluno aprende determinado conteúdo curricular vivenciando
situações em que este esteja envolvido. Como exemplo, destaca
a tese “é lendo que se aprende a ler”. Como tal metodologia não
utiliza
nem
a
transmissão
e
nem
a
construção
dos
conhecimentos, há o alerta para que professores e alunos
saibam qual o objeto de ensino proposto em cada atividade
didática, caso contrário ela será ineficaz.
2. Transmissão (T): acredita que a aprendizagem do aluno se dá
através da assimilação de definições, normas e explicações sobre
determinado conteúdo dadas pelo professor ou pelo material
didático.
3. Uso situado (US): entende que o ensino de determinado
conteúdo deve partir de usos socialmente contextualizados, ou
seja, autênticos. Geralmente se relaciona aos gêneros, suas
formas composicionais, estilos e contextos de produção e
circulação.
4. Construção/reflexão (CR): leva o aluno à análise e reflexão
sobre
determinados
dados
para,
posteriormente,
traçar
conclusões e sistematizações relativas ao objeto em estudo,
sempre orientadas pelo professor e pelo material didático.
Com base nisso, fizemos as seguintes perguntas a fim de selecionar as
coleções para compor nosso material de análise:
i.
Que obras realizam um trabalho inovador com os conhecimentos
87
linguísticos, ou seja, não pautado na metodologia transmissiva?
ii.
Que obras mantêm a tradição gramatical?
iii.
Em que medida princípio organizador de uma coleção pode
influenciar o tratamento metodológico dado aos conhecimentos
linguísticos?
Selecionamos três coleções que podem responder a essas questões,
bem como ser associadas aos modelos tradicional, funcional ou enunciativo,
entendidos por nós como as principais vertentes para a reflexão e a análise
linguística. São elas:
Código
da
coleção
Título
Autoria
Linguagens do
século XXI (2ª
edição)
Português, uma
proposta para o
letramento (1ª
edição)
Projeto Araribá
(2ª edição)
0108
065
064
Editora
Sigla
Heloísa Harue
Takazaki
IBEP (2006)
LSXXI
Magda Becker
Soares
Moderna (2002)
PPL
Autoria
Institucional
Moderna (2007)
PA
“O que fazem os LDP?” - Análise das coleções
Faremos a análise das atividades didáticas referentes aos conhecimentos
linguísticos, observando:
1.
O
modo
de
apresentação
das
atividades
referentes
aos
conhecimentos linguísticos no projeto pedagógico: há uma seção específica
para tais atividades? Os tópicos referentes a esse eixo são abordados em
seções variadas? Em que proporção isso ocorre?
2. Quais os objetos de ensino privilegiados? Predominam aqueles
próprios da gramática tradicional ou os propostos pela avaliação do
PNLD/2008?
88
3. Os objetos de ensino são apresentados conforme as necessidades do
texto/gênero, como propõem os PCN e o PNLD, ou seguem a sequência
clássica dos manuais de gramática tradicional?
4. Há articulação entre as atividades sobre os conhecimentos linguísticos
e os outros eixos de ensino? Com quais? Que tipo de articulação?
5. Qual a metodologia de ensino adotada: transmissão, uso situado,
vivência ou construção/reflexão?
6.
Qual
o
procedimento
exigido
pelas
atividades:
há
nomenclaturas/definições sobre o que está sendo abordado, isto é, há
privilégio da metalinguagem? Ou há o privilégio de aspectos metodológicocognitivos como: observação e reflexão, para eventuais atividades de
identificação e classificação, ou seja, das atividades epilinguísticas?
7. Qual a abordagem linguística ou teórica predominante: tradicional,
funcional ou enunciativa?
Linguagens do século XXI
A análise dos volumes permitiu-nos constatar que a coleção efetiva a proposta
de trabalho dada no MP, pois apresenta os objetos de ensino referentes aos
conhecimentos linguísticos conforme as necessidades do texto/gênero em
estudo, o que é coerente com o princípio organizador da coleção, que a cada
unidade didática privilegia o estudo das marcas linguísticas, das situações de
uso e da estrutura de um gênero textual/discursivo específico, em alguns
casos comparando-o a outro gênero. Por conta disso, os objetos de ensino
aparecem em seções específicas para os conhecimentos linguísticos e também
em seções que privilegiam a abordagem de outros eixos. Isso evidencia que
há articulação dos conhecimentos linguísticos com os demais eixos,
especialmente com as atividades de leitura, o “ponto forte” da coleção (Guia,
p. 109).
Há, nos dois volumes, várias questões de compreensão leitora que
focam: i) a intencionalidade do autor de determinado texto em função da
escolha lexical; ii) a interlocução estabelecida com os leitores; iii) as marcas
linguístico-estruturais de dado gênero; iv) os elementos coesivos; v) a
linguagem figurada; vi) a relação entre o título e o texto; vii) contradições e
89
incoerências. Esse tipo de questão também é feito com a oralidade, com
acréscimo do enfoque em aspectos pertinentes ao eixo, como entonação,
níveis de linguagem e a relação entre fala e escrita, havendo, inclusive, duas
unidades específicas para o tema no volume da 7ª série: “Atenção! Tenho
algo a dizer” e “Conversando a gente se entende”, que desenvolve um
trabalho mais aprofundado com o eixo.
O trabalho com a leitura prepara para as atividades de produção escrita,
abordadas sob o viés procedimental proposto na década de 1980 (Bonini,
2002), que consiste em: planejar, elaborar e revisar. O diferencial é que, além
de trabalhar a escrita como um processo, a coleção situa os alunos a respeito
de “para quê” e “por quê” os textos serão produzidos, ou seja, considera os
contextos
de
produção
e
circulação
dos
gêneros
propostos
e,
consequentemente as implicações e necessidades linguístico-discursivas daí
decorrentes; além disso, há várias propostas para a produção escrita com
temas referentes ao cotidiano escolar, como a elaboração de um jornal da
escola, a troca de correspondências entre os alunos, o roteiro de um
programa de rádio, a análise e produção de entrevistas na escola, entre
outras. É por isso que a metodologia de ensino predominante no trabalho com
os conhecimentos linguísticos é a do uso situado (US).
Essa metodologia predomina nos demais eixos de ensino sendo
consequência da organização da coleção, que os aborda de forma integrada.
Por isso, no trabalho com os conhecimentos linguísticos, prevalecem os
objetos de ensino propostos pelos PCN e pela avaliação do PNLD, não
havendo a preocupação em seguir a sequência clássica dos manuais de
gramática tradicional.
Dentre tais objetos, constatamos um trabalho frequente sobre as
diferenças e semelhanças entre fala e escrita, as convenções da escrita
(pontuação, paragrafação), a forma composicional, o estilo e as esferas de
produção e circulação de gêneros/tipos textuais, os recursos coesivos, o léxico
e as redes semânticas, além da linguagem figurada, dos efeitos de sentido
relativos ao humor, à ironia e aos jogos de palavras e das propostas de
reescrita de textos.
As unidades didáticas de cada volume privilegiam temas eminentemente
linguísticos, como a caracterização de dicionários, enciclopédias, cartas,
90
jornais, textos publicitários, entrevistas, lendas, mitos, textos argumentativos,
entre outros, daí a condução metalinguística ser preponderante. Outro dado
que confirma isso são as aberturas das unidades didáticas: todas trazem
explicações situando o leitor quanto ao tema e ao(s) gênero(s) em análise,
dizendo o que o aluno vai aprender, observar, elaborar e aplicar durante o
trabalho com a unidade.
Por conta do princípio organizador, da metodologia de ensino
predominante, da articulação entre os eixos e dos pressupostos da coleção,
que tomam a língua(gem) como um processo de interação do sujeito com o
mundo e privilegiam o estudo do gênero discursivo/textual como um dos
caminhos possíveis para essa interação, concluímos que a abordagem teórica
da coleção é a enunciativa.
Classificamos como próprias da abordagem tradicional atividades de
reescrita de frases dadas de modo descontextualizado, sem explicitação sobre
qual o objeto de conhecimento em exercício. Consideramos sob o enfoque
funcional atividades que partem de trechos de textos, propondo reflexões
sobre sua estrutura, escolha lexical e efeitos de sentido daí advindos. Sob a
abordagem enunciativa, classificamos atividades que propunham um olhar
mais abrangente, com foco no “objeto texto em sua integralidade” (cf. Rojo,
2006d), considerando, além dos aspectos formais que enquadram um texto
em determinado gênero, as situações em que este se manifesta, integrandoo, portanto, a aspectos sócio-culturais.
Português, uma proposta para o letramento
A análise dos volumes nos indica que a coleção desenvolve o trabalho com os
conhecimentos linguísticos em articulação com os demais eixos.
A articulação com as atividades de leitura predomina, uma vez que a
maioria das atividades didáticas parte da leitura de um texto relacionado ao
tema específico da unidade. Isso indica que os objetos de ensino são dados
conforme as necessidades do texto/gênero em questão, em consonância com
as propostas dos PCN e da avaliação PNLD. Mas, diferentemente de LSXXI, a
coleção não privilegia o estudo da forma composicional, do estilo e das
esferas de produção e circulação de determinado gênero discursivo/textual;
91
no próprio MP já sinaliza que o foco são as possibilidades de discussão
temática e as capacidades linguísticas a serem desenvolvidas a partir de
elementos
do
texto.
Por
isso,
várias
atividades
relacionadas
aos
conhecimentos linguísticos partem de um aspecto linguístico tido como
relevante em determinado texto e expandem para análise e sistematização do
que é a generalidade do objeto linguístico em foco. Por conta disso,
identificamos a abordagem teórica funcional como sendo predominante.
A metodologia de ensino predominante nas atividades didáticas é a CR.
Já a condução das atividades é predominantemente epilinguística em ambos
os volumes, havendo maior incidência da metalinguagem no volume da 7ª
série, coerentemente aos PCN
As atividades classificadas como metalinguísticas têm um cunho
reflexivo
e
não
identificamos
nenhuma
em
que
haja
excesso
de
metalinguagem. No volume da 7ª série, há maior incidência de nomenclatura
de classes de palavras, recursos estilísticos e estruturais de textos, mas isso,
aliado à metodologia de ensino predominante, caracteriza-se como uma
abordagem metalinguística reflexiva com “contornos epilinguísticos” _se é que
podemos fazer essa caracterização_ pois é muito tênue a distinção entre um
tipo e outro de condução das atividades.
É válido ressaltar que, ao longo dos volumes, o leitor é o tempo todo
chamado a refletir sobre recursos linguísticos referentes à pontuação, ao
suporte onde os textos foram originalmente publicados e ao significado de
alguns termos, o que entendemos como orientações metalinguísticas, ainda
que não sejam passíveis de classificação em nossa análise de dados, pois não
compõem as atividades didáticas.
Também deve ser ressaltada a progressão na abordagem dos objetos
de ensino, tanto em um mesmo volume como nos dois volumes entre si; dado
que mostra o processo de ensino em espiral sendo efetivado, conforme os
PCN.
Para finalizar, destacamos que entre os objetos de ensino privilegiados
estão: reflexões sobre o léxico e as redes semânticas, expandido para a
inferência sobre pressupostos e implícitos; recursos estilísticos para a
composição de poemas (metáforas, comparações, aliteração, metonímia,
rima, ritmo); variação linguística; elementos coesivos; estrutura textual da
92
argumentação; elementos da narrativa; características das histórias em
quadrinhos e do texto descritivo; discursos direto e indireto; flexão verbal;
concordância
verbo-nominal;
diferenças
entre
notícia
e
reportagem;
pontuação; prosódia; relação entre fala escrita; ortografia, geralmente
partindo do aspecto morfossintático para considerações semânticas (por
exemplo: meio/meia, a ver/haver, senão/se não); dêiticos; gírias; conjunções
adversativas. Ou seja, tópicos que não seguem a sequência dos tradicionais
manuais de gramática e raramente se utilizam da nomenclatura própria da
GNT. Há várias orientações longo dos volumes afirmando que a coleção opta
por uma gramática de usos e, portanto, evita o estudo formal de natureza
sintática ou morfológica e privilegia o aspecto semântico. Desse modo,
concluímos que a coleção efetiva o que estabelece no MP, caracterizando-se
como uma obra que materializa a inovação em relação ao ensino dos
conhecimentos linguístico-gramaticais.
Projeto Araribá
Conforme sinaliza o Guia, e também cumprindo a proposta de ensino que
apresenta em seu MP, essa coleção aborda os conhecimentos linguísticos
privilegiando o viés tradicional, que também prevalece nas atividades de
leitura e produção escrita, pois estas privilegiam aspectos estruturais e marcas
linguísticas de alguns tipos de textos.
O viés tradicional se dá através da apresentação dos objetos de ensino
visando a recobrir todo o conteúdo dos manuais de gramática tradicional
(fonética, fonologia, ortografia, morfologia, sintaxe), feita nas seções “Estudo
da língua” e “Questões da língua”. Ambas as seções trazem o texto como
mero pretexto para definições e exercícios, de modo que não promovem a
articulação com os outros eixos de ensino. Um exemplo de como isso ocorre
está na sequência sobre “adjetivos”, dada no volume da 5ª série, que explora
todos os detalhes sobre o tema, com base nas definições e nos conceitos da
GNT.
A sequência didática tem nove páginas e é retomada na mesma unidade
didática para discorrer, por mais seis páginas, sobre as “flexões do adjetivo”,
esgotando as considerações sobre o tema através de definições da GNT e de
93
exemplos que fogem à realidade do Português contemporâneo falado e
escrito. Este é o estilo das seções que abordam a gramática, indicando-nos
que, na coleção, predominam as atividades gramaticais e não as de uso da
língua.
A articulação com elementos do texto e do discurso ocorre apenas em
atividades de produção e compreensão escrita, que trazem como objetos de
ensino: o léxico (escolha lexical, sinonímia), a pontuação, os recursos da
linguagem poética, a linguagem das histórias em quadrinhos, alguns recursos
coesivos, os discursos direto e indireto e as estruturas dos textos narrativo,
expositivo, descritivo e argumentativo. Não foi identificado nenhum tipo de
articulação com o eixo da oralidade, que, aliás, é pouco explorado nos
volumes analisados. É válido ressaltar que a articulação, quando há, se dá
apenas entre os conhecimentos linguísticos e um dos dois eixos (leitura ou
escrita), não sendo identificada nenhuma atividade que integre os três eixos.
Entendemos isso como consequência da organização da coleção, que faz uma
nítida separação entre as frentes de ensino de Língua Portuguesa, mantendo
a tradicional divisão entre: “gramática”, “redação” e “interpretação de textos”.
A metodologia de ensino é totalmente transmissiva nas seções
específicas para gramática. Nas atividades que relacionam os conhecimentos
linguístico-gramaticais
à
produção
escrita,
predomina
a
metodologia
transmissiva, pois a coleção traz modelos textuais a serem imitados, mas
também se faz presente a construção/reflexão e a vivência, sendo esta
predominante em atividades de leitura.
A condução das atividades é predominantemente metalinguística, com
excesso de nomenclaturas e definições em ambos os volumes.
A metalinguagem é usada como um fim em si mesma nas atividades
específicas para gramática, mas também predomina nas atividades de leitura
e produção escrita, o que entendemos ser consequência da metodologia
transmissiva
de
ensino,
aliada
à
concepção
de
linguagem
como
código/modelo, definida no MP.
Concluímos, a partir da análise dos dois volumes, que a coleção é
coerente com a proposta teórico-metodológica apresentada no MP e tem
como consumidor pretendido o professor afeito às práticas tradicionais de
ensino ou aquele que, porventura, não se interessa pelas propostas de
94
inovação sugeridas nos referenciais, vislumbradas pela política de avaliação do
PNLD e materializadas em LDP como as outras duas coleções aqui analisadas.
Considerações finais
Um dado relevante na observação das três coleções é que o trabalho com o
léxico e as redes semânticas, ou seja, a significação, tem a maior incidência
entre os objetos de ensino abordados em LSXXI e PPL, assim como ocorre em
várias atividades relacionadas à compreensão leitora apresentadas no PA.
Outro dado relevante é a coerência entre o que cada coleção traz como
proposta teórico-metodológica no MP e o que desenvolve nos LDP. Isso
confirma uma orientação clara para o professor a respeito do projeto didático
com que possa eventualmente trabalhar.
Com perfis distintos, LSXXI e PPL possibilitam aos docentes o acesso às
orientações atuais para o ensino de língua materna, e consequentemente para
a prática de análise linguística/ conhecimentos linguísticos, uma vez que
nitidamente se orientam pelos PCN e pelo modelo de LDP almejado pela
avaliação do PNLD, possibilitando um novo olhar para a gramática, com novos
objetos de ensino. Em um outro sentido, o PA mantém o ensino de gramática
tradicional; por isso, essa é uma coleção é voltada a professores que não
estejam interessados em práticas renovadas de ensino.
Bibliografia citada
BRASIL (2007). Guia de livros didáticos PNLD 2008: Língua Portuguesa/
Ministério da Educação. Brasília: MEC/SEB, 2007.
BRASIL (1998). Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto
ciclos do Ensino Fundamental: Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEB, 1998.
EDITORA MODERNA. Projeto Araribá. São Paulo: Editora Moderna, 2007.
SOARES, M. B. Português, uma proposta para o letramento. São Paulo:
Editora Moderna, 2002.
TAKAZAKI, H. H. Linguagens do século XXI. São Paulo: Editora IBEP,
2006.
95
Panorama dos Ambientes Virtuais de Aprendizagem no
Brasil: uma análise da plataforma Eureka1
Overview of Virtual Learning Environments in Brazil: an analysis
of Eureka platform
Raiane Nogueira GAMA, graduanda em Comunicação Social. UFF,
[email protected]
Alexandre FARBIARZ, Doutor em Design. PUC-Rio,
[email protected]
Resumo
Este trabalho dá continuidade ao levantamento e mapeamento de Ambientes
Virtuais de Aprendizagem – AVAs – no Brasil. A partir da análise exploratória
de cursos a distância online pretendemos discutir aspectos da interface gráfica
de AVAs utilizando conceitos de Comunicação Visual e Design.
Palavras-chave: Ambiente Virtual de Aprendizagem, Educação a Distância,
Interface Gráfica
Abstract
This article continues the survey and mapping of Virtual Learning
Environments - VLEs - in Brazil. Through the exploratory analysis of online
distance courses we intend to discuss aspects of VLEs graphical interface,
based on concepts of Visual Communication and Design.
Keywords: Virtual Learning Environment, Distance Education, Graphical
Interface
1 Este estudo foi desenvolvido no âmbito do grupo de pesquisa Discursos em Contextos
Ciberculturais, coordenado pelo prof. Dr. Alexandre Farbiarz, do curso de Comunicação Social,
da Universidade Federal Fluminense.
2 Cursando graduação em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, na Universidade
Federal Fluminense; Bolsista de Iniciação Científica pelo CNPq no projeto de pesquisa
“Comunicação Visual em Ambientes Virtuais de Aprendizagem” na Universidade Federal
Fluminense.
3 Doutor em Design pela PUC-Rio, Mestre em Educação e Linguagem pela USP, Mestre em
Design pela PUC-Rio. Professor Adjunto do Departamento de Comunicação Social da
Universidade Federal Fluminense — na área de ênfase em Design Editorial; Coordenador do
Grupo de Pesquisa no CNPq Sujeitos, linguagens e suportes em contextos ciberculturais.
Introdução
Os Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVAs) são plataformas utilizadas na
internet para a realização de cursos a distância online, transpondo para o
ambiente virtual o espaço de sala de aula. Desenvolvidas por empresas ou
instituições de ensino, podem ser comerciais ou open source. Permitem, entre
outras funcionalidades, a publicação e o acesso a textos, exercícios,
elementos multimídia, notícias e agenda dos cursos, além da comunicação
entre alunos e professores, de forma síncrona ou assíncrona.
Essas plataformas proporcionam uma experiência diferenciada de um
curso presencial em sala de aula. Embora nos dois ambientes os alunos
possam ter acesso aos mesmos conteúdos, o suporte eletrônico apresenta
características distintas, referentes aos recursos didáticos disponíveis e ao
gênero discursivo utilizado. Além disso, na internet, os usuários assumem um
papel ativo de navegação, escolhendo qual link clicar e em que ordem
(FARBIARZ e FARBIARZ, 2008). Chartier (1994) fala sobre a produção de
sentidos do discurso diferenciada conforme o suporte em que se concretize:
É preciso levar em conta que as formas produzem sentidos e que um texto,
estável por extenso, passa a investir-se de uma significação e de um status
inéditos, tão logo se modifiquem os dispositivos que convidam à sua
interpretação. (CHARTIER, 1994, p. 13)
Com o uso do ambiente virtual, também se estabelece uma nova
relação tempo-espaço, dando mais flexibilidade para alunos – que podem
acessar conteúdos a qualquer hora e em qualquer lugar – e professores – cuja
orientação não fica restrita a horários fixos, pré-estabelecidos. Como ressalta
Daumau:
Pode-se dizer que o aluno do ensino tradicional vai à faculdade, tem 4 horas
de aula por semana com o professor e depois só volta a vê-lo na próxima
semana. A Educação a Distância [na qual o AVA é um importante
instrumento], por sua vez, exige que o professor ministre as aulas, responda
a todos os e-mails enviados pelos participantes e tenha um contato interativo
constante. (DAUMAU, 2008 apud OLIVEIRA; MENDES, 2009)
Os AVAs ainda dão mais liberdade para que os alunos tirem dúvidas ou
97
manifestem opiniões sobre os conteúdos do curso. A figura do professor e o
espaço de sala de aula muitas vezes intimidam os estudantes. Na discussão
online, por meio de fóruns e chats, eles ficam mais à vontade para formular
perguntas e respostas.
Existem vários ambientes virtuais de aprendizagem em uso no mundo,
criados por instituições nacionais ou desenvolvidos no exterior e traduzidos.
Oliveira e Mendes (2009) listam alguns desses sistemas: Moodle, Blackboard,
ATutor, Ilias, Claroline, Dokeos, OLAT, Sakai CLE, Learn Loop, Lon-Capa,
.LRN, Site@School, TelEduc, WordCircle, AulaNet, Eureka, Lotus LMS, WebCT.
Dando continuidade ao mapeamento do uso de AVAs no Brasil
(FARBIARZ e FARBIARZ, 2008), neste artigo nos dedicaremos a um estudo de
caso da plataforma Eureka4. A opção pela análise exploratória do ambiente se
justifica por ter sido desenvolvido por uma universidade brasileira, a PUCPR, e
pela facilidade de acesso. Para a descrição do Eureka, um login foi habilitado
pelos administradores do AVA, o que permitiu o reconhecimento de seus
principais recursos, através da navegação e da participação em uma sala de
teste. Além disso, está disponibilizado no site um tutorial, “Eureka Tour”, que
explica passo a passo como navegar pelo ambiente.
O Eureka
Apresentação
O Eureka foi desenvolvido pela PUCPR, como uma ferramenta de mediação
pedagógica e apoio à aprendizagem, ampliando a sala de aula no espaço e no
tempo: “O Eureka permite a comunicação entre os participantes, a
organização das tarefas, o depósito de trabalhos, o acesso aos conteúdos
digitais, entre outros. O ambiente é central para estudar a distância (...)5”.
Disponível em português e inglês, é executado facilmente em
navegadores como Internet Explorer (versão 5.0 ou superior) e Firefox
(versão 1.1 ou superior). O AVA é integrado ao sistema acadêmico da
Universidade – o iGER, com código de usuário e senha unificados. Também é
4
5
https://eureka.pucpr.br/entrada/index.php.
http://eureka.pucpr.br/apresentacao/conteudo/comecar/org_agenda.html
98
possível cadastrar-se como um usuário externo, porém, nesse caso, não é
permitido o acesso a salas acadêmicas, vinculadas diretamente à matrícula na
PUCPR. E, mesmo para entrar em salas não-acadêmicas, esse tipo de usuário
precisa ser habilitado pelo moderador da sala.
Navegação
Na página inicial do Eureka, aparece em destaque para o aluno uma lista de
links das salas em que ele está inscrito (“salas ativas”), seus últimos “editais”
– avisos referentes a estas salas – e uma agenda, que traz as atividades
definidas no plano de trabalho de cada uma delas. Na parte superior, um
menu horizontal (menu principal) também dá acesso à agenda e às salas,
além do “correio geral”, “pasta pessoal” e “informações”.
Figura 1: Página inicial do Eureka
O “correio geral” pode ser associado ao e-mail externo do usuário,
permitindo que ele seja constantemente avisado sobre as novidades do
Eureka e suas tarefas, o que facilita a organização do aluno. A “pasta pessoal”
permite o armazenamento de arquivos no sistema. Na opção “informações”,
estão dispostos em um menu horizontal links para o manual do aluno, em
formato PDF; uma lista de avisos sobre cursos e eventos, classificados por
cores entre novos, antigos ou importantes; e um relatório de pesquisas feitas
99
pelo usuário. Os avisos mais recentes também aparecem logo após o login no
Eureka, como uma tela pop-up.
Figura 2: Pop-up de avisos sobre cursos e eventos
No Eureka, o acesso a atividades pode ser feito a partir da “agenda” ou
pelo item “salas”. Na “agenda”, estão em destaque todas as atividades
previstas para o mês ou semana (o usuário pode alterar o modo de
visualização), classificadas por cores de acordo com o tipo de tarefa. Ao
passar o mouse por cima dos eventos marcados, o aluno vê o nome da
atividade, a sala, a data de início e fim. Clicando-se sobre a data, abre-se uma
janela com mais informações, oferecendo o acesso à atividade na sala em que
ela foi proposta.
Figura 3: Agenda de atividades do Eureka
100
O usuário também pode acessar uma sala através da opção “salas”, no
menu principal. A partir daí, ele tem a alternativa de selecionar a sala
pretendida na “lista de salas ativas”, que aparece em destaque na tela, ou nos
campos logo abaixo do menu (“nome e navegação de salas”), através de
barras de rolagem. Na mesma tela, há um segundo menu horizontal
(“categorias das salas”), que permite ao usuário ver salas encerradas,
canceladas ou inscrever-se em novos grupos:
A metáfora adotada no Eureka é a de salas virtuais, que são espaços que
incluem grupos de participantes compartilhando recursos e funcionalidades.
Existem vários tipos de salas, cada qual com suas características próprias e
destinadas a determinado grupo de alunos6.
Figura 4: Página de acesso às salas do Eureka
Figura 5: Página de inscrição em novos grupos de discussão
6
http://eureka.pucpr.br/apresentacao/conteudo/comecar/org_salas2.html
101
Para se inscrever em um novo grupo de discussão, o usuário deve ir
selecionando sub-áreas (menu vertical do lado esquerdo da página) da área
escolhida, até chegar a lista de salas correspondente (que vão aparecendo ao
lado do menu). Então, basta clicar no botão “inscrever” ao lado da sala que o
interessa. Após essa solicitação, o usuário deve aguardar que o administrador
da sala habilite seu acesso. Além das salas da PUCPR, o Eureka disponibiliza
grupos de discussão de outras instituições, que possuem convênio de
pesquisa com a Universidade.
Recursos disponíveis
As salas virtuais do Eureka apresentam diversas funcionalidades. Ao
selecionar o grupo de discussão pretendido, um novo menu horizontal (“menu
das salas”) aparece logo abaixo dos campos de nome e navegação, dando
acesso aos seguintes recursos:
•
Arquivos: é a pasta da sala, em que os usuários podem
compartilhar conteúdos. Na pasta “Arquivos”, o acesso dos
alunos fica restrito à visualização e ao download do material
disponibilizado pelo moderador da sala. Já no “Espaço aberto”
são permitidas a eles a criação de novas pastas e a inserção de
arquivos.
Figura 6: Opção “Arquivos”
•
Comunicação: dá acesso a um sub-menu, com cinco opções:
-
edital: traz avisos referentes ao grupo de discussão
acessado e ao plano de estudo do aluno (atividades
programadas), escritos pelo moderador da sala;
102
-
fórum: permite a leitura, resposta e criação de
tópicos pelos usuários;
Figura 7: Página do “Fórum”, dentro da opção “Comunicação”
-
chat: dá acesso a chats previamente agendados pelo
moderador da sala. Ao entrar no chat, abre-se uma
nova janela, no padrão da maioria das salas de batepapo: há uma lista de participantes (em forma de
link, dando acesso ao perfil de cada um), a sequência
da conversa e uma caixa de texto (que permite ao
usuário escolher com quem fala e se em reservado
ou não);
Figura 8: Janela de chat do Eureka, dentro da opção “Comunicação”
103
-
correio: é o correio geral, que também pode ser
acessado pelo menu principal;
-
contatos: traz uma lista com os nomes do moderador
e dos participantes da sala acessada. Quando
selecionados, levam ao perfil de cada um, que
aparece ao lado da lista. Ao criar seu perfil, o usuário
pode inserir uma imagem de identificação.
Figura 9: Lista de contatos em uma das salas do Eureka, dentro da opção
“Comunicação”
• Estudos: também dá acesso a um sub-menu, com quatro opções:
plano de trabalho: apresenta uma lista com todas as
tarefas previstas para a sala em questão, que podem
ser diretamente acessadas e realizadas pelos alunos,
de acordo com o planejamento do curso. Aqui, os
professores podem inserir módulos, propor atividades
(exercícios,
avaliações,
leituras,
chats,
fóruns,
encontros presenciais, trabalhos, seminários, etc.) e
disponibilizar material de apoio (links, arquivos,
referências bibliográficas e vídeos). Ao lado de cada
tarefa, um símbolo indica se ela já foi cumprida ou
não. Na medida em que as executa, o aluno tem a
opção de mudar o status para uma “atividade
104
finalizada”,
alterando
essa
indicação,
conforme
mostram as figuras 10 e 11:
Figura 10: Atividade não finalizada, com “!” destacada em vermelho
Figura 11: Atividade finalizada, com “√” destacado em verde
-
webgrafia: permite aos usuários a indicação de sites,
que ficam listados na página em forma de links,
visíveis para todos os participantes da sala;
Figura 12: Página “Webgrafia”, dentro da opção “Estudos”
-
material didático on-line: abriga conteúdos multimídia
desenvolvidos
pelo
NTE
–
Novas
Tecnologias
105
Educacionais,
da
PUCPR,
em
colaboração
com
professores da Universidade. Ao acessar essa opção,
o aluno visualiza uma lista de materiais (“temas de
estudos”), para diferentes áreas de conhecimento.
Caso haja interesse por um dos temas, ele deve
solicitar ao professor que libere o acesso ao material
na sala em questão.
Figura 13: Lista de temas de estudos disponibilizados no Eureka
É interessante destacar que cada tema de estudo disponível na
plataforma apresenta um layout diferenciado, de acordo com a área de
conhecimento e a proposta da atividade, como podemos ver nas duas figuras
a seguir:
Figura 14: Páginas de acesso aos módulos do tema de estudo “Design”
106
Figura 15: Páginas de acesso aos módulos to tema de estudo “Inglês”
-
agenda
de
provas:
traz
uma
planilha
com
informações sobre eventuais avaliações, como data
de início e fim, notas, correções e estatísticas.
•
Painel de Bordo: com um sub-menu, apresenta estatísticas,
relatórios e dados sobre a sala acessada.
•
Sair da Sala: redireciona o usuário à página inicial da opção
“salas”.
Para os moderadores das salas, no menu principal aparece a opção
“recursos”, que permite a esses usuários a inserção de avaliações, vídeos e a
edição e criação de novos temas de estudo.
Análise da plataforma
O Eureka se configura como um ambiente bastante funcional, oferecendo
recursos básicos de uma plataforma de ensino a distância, como repositório
de arquivos, correio eletrônico, quadro de avisos, chats e fóruns de discussão.
Em relação à interatividade, o AVA permite uma significativa troca de
informações entre os usuários, principalmente através das funcionalidades da
opção “Comunicação”.
Na plataforma, a maior parte da navegação se dá na mesma janela,
com algumas telas flutuantes (pop-ups). O trajeto feito pelo usuário é
destacado na cor vermelha, o que evita que ele se perca durante o acesso ao
sistema. As estruturas das telas são muito semelhantes, tanto no que se
107
refere às cores quanto à disposição dos elementos nas páginas, e há um uso
reduzido de ícones.
Embora o Eureka se apresente como uma plataforma que abriga salas
diferenciadas, de acordo com o perfil de seus participantes, conforme o texto
de apresentação disponível no site, a análise nos mostrou que na verdade o
AVA é pouco configurável. Os moderadores não têm, por exemplo, a
possibilidade de alterar o layout das salas. O ambiente só oferece espaço para
personalização na opção “material didático on-line”, que permite aos
professores, além do uso dos “temas de estudos” já disponíveis no sistema, a
edição e criação de novos conteúdos e objetos de aprendizagem.
Outra característica identificada ao longo da navegação se refere à
linguagem adotada no ambiente. No Eureka, predomina o conteúdo verbal,
com a reprodução no suporte eletrônico de uma estrutura discursiva
característica de materiais didáticos impressos, adotados no ensino presencial.
Dessa forma, desconsidera-se o fato de que, como ressalta Chartier (1994),
suportes diferentes possuem linguagens próprias e produzem sentidos
distintos para o mesmo conteúdo.
A partir dessas observações, procuramos classificar o AVA segundo
princípios educacionais apontados por Valente (2002), referentes ao uso da
Internet para EaD. O autor distingue três propostas de ensino-aprendizagem
mediadas pelo suporte eletrônico, de acordo com o grau de interação entre
alunos e professores:
•
Broadcast: os conteúdos são disponibilizados em pacotes para os
alunos, que realizam as atividades e as enviam aos professores.
Nesse caso, a comunicação é unidirecional, sem nenhum tipo de
interação, o que não dá uma perspectiva real se a informação foi
assimilada e convertida em conhecimento para o aluno;
•
Virtualização da Sala de Aula: prevê uma interação, porém
reproduz o modelo do ensino presencial. Apesar de fazer uso de
recursos tecnológicos, nesse tipo de ambiente o professor é tido
como o centro da informação. Não há muito espaço para a
comunicação entre os alunos, que são avaliados de acordo com
o somatório das atividades propostas. Desconsideram-se outros
aspectos da sua participação;
108
•
Estar Junto Virtual: envolve múltiplas interações entre os
participantes
do
curso,
reconstrução
coletiva
do
permitindo
uma
conhecimento.
construção
Os
alunos
e
são
estimulados trocar informações entre si e buscar outras fontes
além do espaço do curso. O professor assume um papel de
mediador,
acompanhando
e
orientando
os
alunos
no
desenvolvimento de suas habilidades e competências. Nesse
modelo, todos os elementos que compõem o curso são
importantes, desde a organização e os recursos oferecidos pelo
AVA até os materiais didáticos utilizados. O aluno é avaliado não
só pelo conhecimento apresentado, como por sua participação e
envolvimento com o grupo.
Com base nos conceitos de cada abordagem, identificamos o Eureka
com o modelo de “Virtualização da Sala de Aula”. Apesar de apresentar
recursos interativos e permitir o compartilhamento de arquivos e links entre os
participantes das salas, o AVA tem pouca flexibilidade, sem muitas opções de
configuração e personalização, o que limita o uso de elementos gráficos e a
adequação da plataforma a diferentes propostas didáticas. Além disso, com
uma estrutura linear de linguagem, em que predomina o verbal, o ambiente
se assemelha às salas de aulas tradicionais, refletindo o modelo do ensino
presencial.
Considerações
Na elaboração de um curso a distância online, percebemos que o foco
principal normalmente fica atrelado à produção de conteúdos verbais, a
despeito de aspectos referentes à interface gráfica e ao potencial de
navegação do ambiente. Porém, acreditamos que, no discurso mediado pelo
suporte
eletrônico,
esses
aspectos
potencializam
a
recepção
e
o
desenvolvimento das habilidades e competências dos alunos, contribuindo
para o processo de ensino-aprendizagem. Como destacam Farbiarz e Farbiarz:
O aluno-usuário não somente acompanha o projeto didático de um curso EaD
online pelo verbal como pode ser levado a uma imersão virtual através dos
elementos gráficos que compõem o sistema de navegação e ambientação do
109
curso (...). (FARBIARZ e FARBIARZ, 2008, p. 13)
Diante desse contexto, é de extrema importância o uso de Ambientes
Virtuais de Aprendizagem que atendam às necessidades dos cursos online,
explorando toda a potencialidade da Internet, com o uso de hipertextos e
recursos multimídia; oferecendo ferramentas que possibilitem uma interação
efetiva entre os usuários; e permitindo uma adaptação do AVA de acordo com
as diferentes propostas didáticas desses cursos, integrando o sentido do
texto. Assim, os alunos poderão ser estimulados a buscar os conteúdos e
realizar as atividades disponibilizadas nessas plataformas não só pelo seu
caráter acadêmico, mas também por proporcionar um espaço de lazer.
Agradecimentos
Agradecemos à Universidade Federal Fluminense – UFF, através da PróReitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação, assim como ao CNPq pelo
apoio à pesquisa PIBIC realizada. Agradecemos à PUCPR e à Cesar Ferenc
pela permissão de acesso e pesquisa na plataforma de ensino Eureka.
Referências
CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na
Europa entre os séculos XIV e XVIII. São Paulo: Editora Universidade de
Brasília, 1994.
FARBIARZ, Alexandre; FARBIARZ Jackeline. A educação a distância online: a
dicotomia no ciberespaço. In: II Simpósio ABCiber – Associação Brasileira
de Pesquisadores em Cibercultura. Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo: PUC-SP, 2008.
OLIVEIRA, Gustavo Magno de; MENDES, Thiago Manoel de Oliveira. Sistema
Interativo da Aprendizagem em Sala de Aula Utilizando a Plataforma
Moodle – um caso de uso. Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em
Ciência da Computação. Universidade Federal Fluminense, UFF. Rio de
Janeiro, 2009.
VALENTE, J. A. A espiral da aprendizagem e as tecnologias da informação e
comunicação: repensando conceitos. In: JOLY, Maria Cristina (Ed.)
Tecnologia no ensino: implicações para a aprendizagem. São Paulo: Casa
do Psicólogo, 2002, p. 15-37.
110
Pesquisando (com) (no) o livro didático de língua
estrangeira
Researching (with) (in) the foreign language course book
Renato Caixeta da Silva, CEFET-MG / PUC-Rio, [email protected]
Resumo
Este artigo relata uma oficina ministrada no III SILID / II Simar, em que os
participantes foram instigados e motivados a pensar e debater sobre pesquisa
e aspectos a ela relacionados, bem como sobre pesquisa envolvendo livros
didáticos de língua estrangeira. As atividades e discussões abarcaram
definições de pesquisa, temas de investigação, métodos, justificativas,
questões de paradigma de pesquisa, credibilidade, validade e consistência.
Neste trabalho, apresento, além do embasamento teórico da oficina, as
atividades, as respostas dos participantes às atividades, reflexões acerca
dessas respostas, e um panorama de pesquisas sobre esse material de línguas
estrangeiras.
Palavras-chave: pesquisa, livro didático, ensino de línguas estrangeiras
Abstract
This article is a report of a workshop at III SILID / II Simar, in which the
participants were asked and motivated to think and debate about research
and the related aspects, as well as about research related to foreign language
teaching course books. The activities and discussions involved research
definitions, themes for investigations, methods, reasons, research paradigms,
credibility, validity and consistency. In this work, I present the participants’
answers to the activities, a reflection upon these answers, and an overview of
researches involving this teaching material in Brazil, beyond the theoretical
basis of the workshop.
Keywords: research, course book, foreign language teaching
A proposta de oficina
A oficina Pesquisando (com) (no) o livro didático de língua estrangeira foi
proposta com o objetivo de instigar os participantes a pensar e debater sobre
a definição de pesquisa e sobre pesquisas relacionadas com livros didáticos de
língua estrangeira. Para tanto, foram feitas atividades individuais e em grupos
e
discussões
plenárias
envolvendo
temas
de
pesquisas, metodologia,
justificativas, e público-alvo das pesquisas, ou seja, o que pesquisar com
relação a livros didáticos de língua estrangeira, como, por que e para quem
(Lankshear & Knobel, 2008). As atividades e as discussões foram norteadas e
permeadas pelas noções de paradigmas de pesquisa em Ciências Sociais
(Guba & Lincoln, 1994), abordagem de investigação qualitativa, e definições
de consistência, validade e credibilidade (Allwright & Bailey, 1991; Edge &
Richards, 1998; Silverman, 2006). Também pretendeu-se mostrar aos
participantes que pesquisas relacionadas ao livro didático podem ser sobre o
livro didático em si, ou sobre algo ali veiculado (no livro didático), ou ainda
ser sobre algo que acontece em sala com o material. Nessa oportunidade, foi
também apresentado um panorama de pesquisas recentes sobre livros
didáticos de línguas estrangeiras no Brasil (Silva, 2010a), e uma bibliografia
sobre o assunto.
As atividades da oficina envolveram os participantes tanto em
momentos de reflexão em dupla ou individual como em momentos de
discussão e apresentações. Primeiramente, os seis participantes responderam,
em dupla, a três perguntas:
•
O que é pesquisa?
•
Como se faz pesquisa?
•
Para quem se faz pesquisa?
Em segundo lugar, foi feita uma apresentação das respostas a essas
perguntas e uma reflexão e confrontação com o que propõem Lankshear &
Knobel (2008), Leite Garcia & et allii (2003), Guba & Lincoln (1994), Allwright
& Bailey (1991), Silvermann (2009), dentre outros. Os pontos mais
importantes das respostas dos participantes foram anotados para a
composição deste artigo.
Em seguida, foi proposto que cada participante pensasse em um tema
112
de pesquisa, e a partir desse tema indicasse uma pergunta de pesquisa, uma
ou mais formas de pesquisar, os meios para coletar e analisar dados. Também
deveria ser apresentado pelo participante um enquadramento dessa proposta
quanto ao tipo de pesquisa, uma justificativa envolvendo por que investigar
tal tema, e ainda, para quem se pesquisaria.
Durante as apresentações das respostas a tais perguntas pelos
participantes, houve anotação para gerar dados para este artigo. Também foi
feita uma classificação das pesquisas propostas quanto ao fato de serem
pesquisas sobre o livro didático, pesquisas no livro didático e pesquisas com o
livro didático.
Por fim, seguiu-se uma apresentação de dados sobre temas de
pesquisas mais recentes envolvendo livros didáticos de língua estrangeira com
base em Silva (2010a). Esses dados referem-se a pesquisas de mestrado e
doutorado feitas em algumas universidades brasileiras, a artigos publicados
em periódicos importantes, e ainda trabalhos inscritos nas duas primeiras
edições do SILID na Puc-Rio (I SILID, 2007 e II SILID / I SIMAR, 2008)
Alguns pontos justificam a proposta desta oficina e sua configuração.
Em primeiro lugar, há necessidade de pesquisas relacionadas a livros didáticos
de línguas estrangeiras em que novos temas sejam abordados, sem
desconsiderar os vários trabalhos já produzidos no Brasil. No entanto, para
empreendimento de pesquisas sobre esse material, é pertinente refletir sobre
o processo de pesquisa em si, e conhecer os temas e a quantidade de
trabalhos recentes. Em segundo lugar, a prática de pesquisa deve considerar,
além da comunidade científica, o público-alvo a que a pesquisa se destina em
última instância, ou a quem se pretende que ela chegue. Isso reforça a
necessidade de fazer as pesquisas sobre livros didáticos transporem os limites
da academia e gerarem retorno para agentes produtores (autores, editores,
designers, etc.) e usuários (professores e alunos). Em terceiro lugar, é
importante dizer que a oficina criou (e este era um de seus objetivos) um
momento de interação entre pessoas que já pesquisam o livro didático de
língua estrangeira, ou que pretendem desenvolver pesquisas a este respeito,
dentre essas pessoas, o próprio proponente.
Por fim, mas não menos importante, ressalta-se que a oficina sobre
pesquisa e livros didáticos de línguas estrangeiras se justifica pelo que é em si
113
este material de ensino. O livro didático de modo geral, e em específico o de
língua estrangeira, é elemento norteador da atividade docente, que assume o
papel de autoridade do saber (Souza, 1996). Um livro didático (do inglês
“course book”) é definido por Tomlinson (1998) como o livro texto provedor
dos materiais mais importantes ou centrais de um curso de língua. Seu
objetivo, nesse sentido, é prover o máximo possível de trabalho em
gramática, vocabulário, prática de habilidades, de pronúncia, funções da
língua. Daí, depreende-se a importância que vem sendo conferida ao livro
didático no ensino de línguas estrangeiras, e muitas vezes torna-se o único
referencial sobre a língua alvo e da cultura desta língua para professores e
estudantes (Coracini, 1999). Ele é também veiculador de representações da
língua, da cultura, do país e dos seus usuários (Bolognini, 1991; Grigoleto,
2003), tido como estruturador e organizador do que “se ensina” e “aprende”
em sala de aula (Hemais, 2009), visto pelos seus usuários e defensores como
mapa, guia, fonte de recursos, suporte, apoio da atividade docente e do
aprendizado (Silva, 1998; Silva, 2010b; MacGrath, 2006).
Nas próximas seções exponho as idéias apresentadas aos participantes
sobre os tópicos acima mencionados e apresento, em conjunto, respostas e
propostas dos participantes.
Sobre pesquisa
Com relação às três perguntas iniciais apresentadas aos participantes, foi
possível anotar o que se segue a partir das respostas dadas:
•
O que é pesquisa?
Investigar a partir de uma inquietação ou de uma situação problema; a
pesquisa pode surgir a partir de algo que já se tem, da vontade de se
conhecer mais sobre algo, mesmo sem uma questão definida; a pesquisa
surge também a partir do histórico do pesquisador, de uma necessidade.
•
Como se faz pesquisa?
Com o outro, antes de ser projeto é co-construção de conhecimento,
consideração do sujeito pesquisado; depende do objeto de pesquisa, podendo
114
ser em campo, sistematizando; tem a ver com a representação de
pesquisadores.
•
Para quem se faz pesquisa?
Para o pesquisador em si, inquieto; para pessoas envolvidas no
processo, para quem encomenda, podendo ser empresas, o governo, outras
instituições; para exigências de instituições, os pares, professores, sistemas
de ensino, ...
Percebo que as respostas dos participantes foram ao encontro da
definição de pesquisa adotada na oficina com base em Lankshear & Knobel
(2008). Segundo esses autores, pesquisa é uma prática discursiva, é passível
de reconhecimento porque existe uma comunidade científica ou instituições
que podem reconhecer o caráter científico de uma determinada investigação.
Entendo prática discursiva como “linguagem em ação” (Spink & Medrado,
2004: 45), que são as maneiras de as pessoas produzirem significado e se
posicionarem nas relações sociais.
Sendo assim, existem exigências básicas de uma investigação dessa
natureza. Uma pesquisa deve ser sistemática e não casual ou arbitrária.
Também é necessário ter uma questão ou tema, claramente estruturados
palpáveis, e construir um projeto mostrando um planejamento adequado.
Neste projeto é essencial informar a questão de pesquisa e como lidar com
ela, e também apresentar uma abordagem adequada para coleta de dados e
componentes adequados de análise e interpretação de dados selecionados
com critérios. Por fim, espera-se que a pesquisa seja relatada de modo a
elucidar as características acima e o que se concluiu do estudo, inclusive
implicações (Lankshear & Knobel, 2008).
As palavras utilizadas pelos participantes em suas respostas, anotadas e
apresentadas acima revelam de alguma forma o que foi exposto nos
parágrafos anteriores. Se pesquisas surgem de inquietações, de situações
problemas, do desejo de conhecer algo, pode-se dizer que elas surgem da
maneira como significados são produzidos, ou melhor, da atribuição de
significados das pessoas a um objeto sobre o qual se deseja ou é necessário
conhecer. Esse desejo ou essa necessidade está relacionado(a) ao histórico de
115
quem pretende pesquisar, e daí surgem os temas e as questões de pesquisa.
Enquanto prática discursiva, a pesquisa envolve uma relação entre o
pesquisador e a sociedade, o que significa dizer comunidade científica,
instituições que encomendam e financiam pesquisas, outros professores e
pesquisadores (dentre eles os pares). Com a comunidade científica, e em
alguns casos, com os pares, são co-construídas formas de se pesquisar
determinado assunto, considerando também objetos e sujeitos pesquisados.
Para essas pessoas também deve ser relatada a pesquisa, sendo que alguns
membros dessas comunidades atribuirão o caráter de “pesquisa” – sistemática
- à investigação realizada.
Também é para os pares, para os acadêmicos, que as pesquisas são
pensadas, assim como para os órgãos fomentadores – empresas, centros de
pesquisas, fundações. As respostas à terceira pergunta “para quem
pesquisar?” vai ao encontro das palavras de Soares (2003:75), de que os
pesquisadores escrevem
para responder às expectativas com relação a seu desempenho como
estudioso e como pesquisador, ou, menos pragmaticamente, se escreve para
dar a público conhecimento que produziu, seu Leitor-Modelo (para usar o
termo de Umberto Eco) são os seus pares, os que pertencem a seu mundo
acadêmico e profissional, os que estão produzindo conhecimento em sua
área.
A pesquisa na área de ensino e aprendizagem de línguas ainda se pauta
muito pela dualidade entre quantitativo e qualitativo, embora se pense
atualmente que a consideração de investigações sistemáticas deva ir além
dessa dicotomia (Spink & Menegon, 2004; Guba & Lincoln, 1994). No entanto,
é difícil não considerar essa dicotomia mesmo considerando outras formas de
conceber os paradigmas de pesquisa. Não obstante os pontos positivos e
negativos tanto de pesquisas qualitativas quanto quantitativas, é importante
para o pesquisador ter em mente as características mais pertinentes a cada
um desses dois tipos. Por isso, foi apresentado, na oficina aqui relatada, uma
síntese de tais características. O quadro a seguir foi construído para mostrar
essas características, com base em Silvermann (2009), Lankshear & Knobel
(2008), Allwright & Bailey (1991):
116
Pesquisa quantitativa
e
Pesquisa qualitativa
Mensuração
Análise e Interpretação
Dados numéricos
Dados discursivos, observados
Freqüência, quantidade,
Ocorrências espontâneas
Porcentagens
Intervenção, Controle e
Entendimento e reconstrução
previsão
Experimentação, contagem
Observação, entrevistas, questionários,
documentos,
Comparação
Relativização
Testes e pontuações
Textos
Variáveis
Eventos
Aleatoriedade
Contextualização
Padronização
Entendimento local, relativização
Objetividade
Subjetividade
Quadro 1: Pesquisa quantitativa X Pesquisa qualitativa
Embora pareçam aspectos estanques, pertencentes de um tipo apenas
de pesquisa, não o são. Uma característica aqui elencada como pertencente a
um tipo de pesquisa pode também fazer parte de uma pesquisa de outro tipo.
Uma pesquisa descritiva sobre como algo é proposto para exploração em
livros didáticos, como textos literários (em Silva, 1998, por exemplo), pode
levar em conta a quantidade e a freqüência do que se pesquisa – portanto
dados numéricos, porcentagens – e ainda a classificação em categorias e
interpretação dos textos e atividades contidos nos livros didáticos. Uma
observação de como professores utilizam determinados gêneros discursivos
em sala de aula apresentados pelo livro didático em uso pode levar em conta
padronização de formas de observação (ficha ou modelo do que observar),
contagem de vezes em que o professor utiliza determinados gêneros,
entendimento e reconstrução por parte do observador pesquisador de como o
uso acontece em sala, e ainda a produção de seu entendimento local,
referente àquela sala de aula e àquele professor em específico. Assim, a
dualidade qualitativo - quantitativo deve ser entendida como um continuum
117
sendo que as pesquisas de modo geral podem ter características que as fazem
mais ou menos quantitativas ou qualitativas (Allwright & Bailey, 1991).
Guba & Lincoln (1994) também vão além dessa dicotomia, e consideram
quatro paradigmas de pesquisas na área de Ciências Sociais. Essa proposta
leva em conta não apenas como acontecem as pesquisas, mas também o que
se entende por realidade (ontologia), como o pesquisador se relaciona com a
realidade (epistemologia), e também como podem ser encontrados o que se
acredita existir (metodologia). A proposta desses autores foi sintetizada aos
participantes da oficina Pesquisando (com) (no) o livro didático de línguas
estrangeiras na forma do quadro seguinte:
Positivismo
Póspositivismo
Ontologia
A realidade é
possível de ser
apreendida,
regida por leis
imutáveis.
A realidade
existe mas
apenas
parcialmente e
imperfeitamente
apreendida.
Epistemologia
Objetividade;
dados são
achados
verdadeiros,
investigador e
objeto
pesquisado
são entes
independentes.
Experimentos,
manipulação,
controle
e
verificação,
quantificação.
Objetividade;
dados são
provavelmente
verdadeiros,
mas possíveis
de falsidade.
Metodologia
Experimentos
modificados
podendo incluir
métodos
qualitativos;
falsificação de
hipóteses.
Teoria
crítica e
outros
Realismo
histórico –
realidade
moldada pelo
social, o
cultural, o
econômico,
etc.
Subjetividade;
dados são
dependentes
de valores.
Construtivismo
Dialogismo
entre
investigador e
sujeito
pesquisado.
Construções
individuais
elicitadas
na
interação entre
investigador
e
público
pesquisado.
Relativismo,
realidade local e
especificamente
construída.
Subjetividade;
dados são
criados pelo
pesquisador no
processo de
pesquisa.
Quadro 2: Paradigmas de pesquisa segundo Guba & Lincoln (1994)
118
Pesquisa e livro didático de línguas estrangeiras
A segunda parte da oficina em questão foi desenvolvida mais especificamente
em torno de propostas de pesquisas relacionadas a livros didáticos de língua
estrangeira, trazidas pelos participantes. Individualmente, cada participante
elaborou um esboço de um projeto de pesquisa refletindo e respondendo aos
itens:
l Tema de pesquisa relacionado com o livro didático de LE.
l Qual é a pergunta de pesquisa?
l Como pesquisar?
l Como coletar e analisar dados?
l Por que pesquisar isso?
l Que tipo de pesquisa seria?
l Para quem pesquisar?
Seguem as anotações feitas sobre as propostas apresentadas na oficina.
Participante
Tema
1
2
3
4
5
6
O
manual
do
professor de
livro
didático
de
inglês
Pronome
contrastivo em
espanhol
Expectativas de
alunos
com
relação a
livro
didático.
Gramática de
inglês
em livros
didáticos
Transposição
didática
de
conteúdo
teóricometodológico de
inglês
para
ensino
médio.
Relação
professor –
livro
didático em
sala de
aula:
as
decisões
do eu.
119
Pergunta
de
pesquisa
Como
pesquisar
Como
construir
diretrizzes
para
manuais de
professores?
Analisar
o
gênero
e configuraçõe
s
Análise
de
material
didático
(o
manual
do
professor) e
entrevista
com
autor
O
pronome
contrastivo é
ensinado
no Brasil
via livro
didático
de espanhol?
Como?
O que os
alunos
esperam
aprender?
O que
aprendem
éo
esperado?
Como
professores
gostam
de trabalhar a
gramática?
Em que
medida
essa
transposição
ocorre
em livros
didáticos
para
ensino
médio?
Como
eu uso
o livro
didático?
Livros de
Ensino
Médio,
Análise
de livros
nacionais
verificando a
existência desse
assunto.
Entrevistas com
alunos de
Ensino
Fundamental 2
(EF2).
Análise
em
livros
didáticos
de como
a
gramática é
trabalhada e
quais
professores
utilizam
dessa
forma.
Avaliação
a partir
de um
livro
didático.
Gravações
de
aulas,
e
debates
com os
alunos.
120
Coleta
de dados
e análise
5 coleções
estrangeiras,
5 coleções
nacionais,
entrevistas
Análise
de
materiais
didáticos
mais
vendidos
Entrevistas e
questionários com
alunos de
EF2 que
não sejam
filhos de
estrangeiros,
tenham
um
mesmo
nível, e
sem
contato
anterior
com a
língua.
Entrevistas com
professores, e
análise
de
materiais
Tipo de
pesquisa
Quantitativa e
qualitativa
Elaboradores
,
professores,
editores
,
pesquisadores
Quantitativa e
qualitativa
Autores,
professores e
alunos.
Quantitativa e
qualitativa
Quantitativa e
qualitativa
Para
mim
mesma,
para
responsáveis
pela
produção
de livros,
instituições.
Para
quem
pesquisar
Para os
produtores
de livros
didáticos
(autores e
editores)
Identificar
conceitos
teóricometodológicos
no
manual
do
professor,
levantar
quantidade de
gêneros
e atividades, e
verificar
desenvolvimen
to da
línguagem.
Quantitativa e
qualitativa
Para
mim
mesma
que
pesquiso nessa
área.
Filmagens, e
gravações
de
aulas,
e
debates
com os
alunos
para
saber
suas
opiniões
sobre
as
decisões
tomadas em
sala.
Qualitativa
exploratória
Eu
mesma
...
121
Por que
pesquisar
Ajudar
na
elaboração
do
manual
do
professor,
contribuir na
formação
docente
Há
ruídos de
comunicação
entre
usuários
brasileiros e
nativos
de
espanhol
quanto
ao uso
destes
pronomes.
Para que
haja
melhor
produção
para o
aluno,
porque o
foco
geralmente é o
professor
e não o
aluno.
Para
gerar
dados
para
produzir
materiais
que
atendam
ao
professor
O livro
usado é
o
primeiro
a partir
deste
construto de
transposição.
Autoentendi
mento
a
respeito de
quais
decisões
são
tomadas.
Quadro 3: Anotações sobre as propostas apresentadas pelos participantes.
As propostas dos participantes da oficina parecem coerentes, isto é,
cada uma apresenta um tema desenvolvido numa questão de pesquisa
tangível, e se desdobra em formas aplicáveis pesquisar que se pretende. Isso
revela que os participantes aplicaram adequadamente as idéias apresentadas
e discutidas na primeira parte, até mesmo porque já tem contato ou já fazem
ou tem feito pesquisa. Suas propostas parecem consistentes (Allwright &
Bailey, 1991), portanto, dentro do limite que se apresentam. Resta saber se
essa coerência se revelará também na relação com as teorias de
embasamento dessas propostas, aqui não explicitadas.
É interessante notar que todos ainda pensam em suas pesquisas em
termos da dualidade quantitativa X qualitativa, buscando uma aproximação
entre os dois pólos desse continuum. Nenhum dos participantes se propôs de
maneira explícita a pesquisar numa perspectiva construtivista ou seguindo
uma teoria crítica, segundo apresentado por Guba & Lincoln (1994). Mas,
percebo que, implicitamente, as propostas aqui em questão apresentam
características desses paradigmas. O participante 6, por exemplo, propõe uma
investigação em busca de autoentendimento, uma compreensão de sua
realidade local, e acredita haver co-construção de conhecimentos quando se
propõe a debater com os alunos os dados produzidos, aproximando-se do
paradigma construtivista. O participante 4 mostra uma preocupação em
122
pesquisar para seu contexto de trabalho (uma instituição produtora de livros
didáticos), da mesma forma que o participante 3 pensa em contribuir com a
melhoria da produção de livros (também seu contexto de atuação)
procurando saber o que querem os alunos, mudando o foco geralmente
direcionado para o professor, aproximando-se do paradigma crítico, com algo
também relacionado ao construtivista.
Durante as apresentações das respostas pelos participantes, foram-lhes
apresentadas as três possibilidades de pesquisas relacionadas com livros
didáticos, as quais constituem o título deste artigo e também da oficina.
Apresento a seguir o que entendo por pesquisar com o livro didático,
pesquisar no livro didático e pesquisar o livro didático.
Pesquisar com o livro didático implica em investigação, por exemplo, de
atitudes ou atuação de professores e ou alunos frente a algo trazido pelo livro
didático. Podem ser foco as atividades orais, a produção escrita, tratamentos
a determinados gêneros, aspectos culturais, ou outros mais que são tratados
em sala de aula a partir do que é proposto no livro didático. O pesquisador,
aqui, pode lançar mão de recursos de audio e video para coleta de dados,
entrevistas, observação, questionários, e não se pode perder de vista que a
investigação alia o que acontece em sala com o que é trazido pelo livro
didático. É o caso das propostas dos participantes 3 e 6.
Pesquisar no livro didático refere-se a entender como determinado
assunto, habilidade, tópico gramatical, gênero discursivo, aspecto cultural, ou
outro item é tratado em um ou mais livros didáticos. Isso significa entender,
com base em pressupostos teóricos, o que é proposto para uso em sala de
aula via livro didático, independente do uso que dele é feito. O pesquisador
pode utilizar pesquisa descritiva, características quantitativas e qualitativas, ou
apenas de um tipo, recorrer ao livro do aluno apenas, ao livro do professor e
do aluno, aos recursos de áudio e de vídeo contidos numa coleção,
dependendo do assunto da investigação. Esta tem sido a forma de pesquisa
mais realizada com esse material didático conforme detectado em Silva
(2010a), e refletido também nas respostas dos participantes 2, 4, e 5.
Pesquisar o livro didático pode envolver a investigação do processo de
criação de um livro, e dos agentes mediadores responsáveis pela sua
concepção, editoração, e ainda a comercialização. Também se pesquisa o livro
123
didático quando acontece a avaliação e seleção de um determinado título para
uso em sala de aula, ou ainda quando títulos são pilotados para verificação de
pertinência a contexto, consistência de atividades propostas (esta, uma
investigação que pode ocorrer durante a produção do material). Outra
possibilidade é quando se pesquisam o papel de livros didáticos na sociedade,
as representações construídas, sua importância social e econômica, enfim,
quando se pensa o livro não apenas em termos pedagógicos apenas. Nestes
casos, podem ser usadas fichas de avaliação estruturadas, entrevistas,
questionários, observação, e podem ser analisados também textos trazidos
nos manuais dos professores, e discursos de autores, editores, designers,
professores e alunos. Os participantes 1 e 4 propõem pesquisas desse tipo.
Pesquisas recentes sobre livro didático de língua estrangeira
no Brasil
A terceira parte da oficina constituiu-se de uma exposição de dados relativos a
estudos realizados no Brasil a respeito de livros didáticos de línguas
estrangeiras. Os dados, também constantes de Silva (2010a), referem-se ao
período de 1998 a 2008. As informações e reflexões apresentadas referem-se
a trabalhos de dissertações e teses desenvolvidas em algumas universidades
brasileiras, artigos publicados em revistas importantes na área de Lingüística
Aplicada, e os trabalhos inscritos para apresentação e constantes dos
programas das duas versões anteriores do Simpósio sobre livros didáticos de
língua materna e língua estrangeira e o Simpósio sobre materiais e recursos
didáticos (I SILID e II SILID e I SIMAR). Ressalto que após a publicação de
um livro específico sobre livros didáticos de línguas estrangeiras por Coracini
(1999), apenas em 2009 surge uma nova publicação em forma de livro (Dias
& Cristóvão, 2009). Isso não quer dizer que trabalhos não tenham sido
realizados, mas sim que são pouco divulgados, que circulam de maneira ainda
tímida pela sociedade em geral, inclusive no meio acadêmico.
Seguem os quadros apresentados com algumas reflexões.
124
Universidade
Trabalhos
Mestrado
Época
Doutorado
UFRJ
4
2004-2008
PUC-Rio
5
UFF
6
2004-2007
PUC-SP
3
2003
UFSM
5
1998-2008
UFRGS
2
1
2004-2007
UNICAMP
4
2
1999-2008
USP
6
2001-2007
UFMG
10
1998-2008
UECE
4
2005-2008
TOTAL: 10 programas
49
1
2006-2008
4
Quadro 4: Levantamento quantitativo da produção de dissertações de mestrado
e teses de doutorado envolvendo livros didáticos de línguas estrangeiras em
programas de pós-graduação no Brasil
As informações do Quadro 4 mostram um aumento significativo desse
tipo de produção acadêmica sobre o livro didático de línguas estrangeiras em
período mais recente – 2003 a 2008 – e em nível de mestrado. Em nível de
doutorado a produção ainda é tímida. Percebe-se aí a escassez de trabalhos
de pesquisa sobre esse material didático a que se refere Coracini (1999) em
comparação com sua importância no fazer de sala de aula em diversos
contextos educacionais.
Através dos títulos e resumos disponíveis no site da CAPES e nos sites
das universidades, foi possível mapear os tópicos enfocados nesses trabalhos,
apresentados no Quadro 5.
Tópicos
Habilidades
Leitura
Produção Escrita
Compreensão Oral
Número de dissertações e
teses
10
4
2
Total 16
125
Conteúdo
Lingüístico
Representações
Atos de Fala
Verbos
Adjetivos
Colocações
Variação
Lingüística
Vocabulário
Por parte de
professores
Da escola em
livros
De povos,
identidades e
culturas
De gêneros
(masculino e
feminino)
Gêneros Discursivos
Multimodalidade (imagens)
Aspectos de autoria
Aspectos de produção do livro didático
Aspectos do uso
Por alunos
Por professores
Análise do discurso do LD como um todo
(incluindo discurso ideológico)
Tratamento de aspectos culturais
Avaliação de atividades
Literatura e ensino de língua
2
3
1
1
1
Total 9
1
2
1
4
Total 8
1
4
2
1
1
2
1
4
Total 3
3
1
1
Quadro 5 Tópicos de pesquisas desenvolvidas para dissertações de mestrado e
teses de doutorado envolvendo livros didáticos de línguas estrangeiras em
programas de pós-graduação no Brasil.
A maioria das dissertações e teses desse período pesquisado ainda
versa sobre o ensino das habilidades (sobretudo leitura e escrita),
demonstrando uma preocupação com o tratamento dado em livros didáticos à
modalidade escrita da língua estrangeira. É marcante a quantidade de
pesquisas no livro didático, ou seja, a maioria delas refere-se ao que é
veiculado no livro didático, e consequentemente trazido para a sala de aula,
como se vê pela quantidade de trabalhos sobre representações, aspectos
culturais, habilidades, atividades, e conteúdo linguístico. Pesquisas dessa
natureza podem ajudar na conscientização do que é proposto para as aulas, e
126
podem auxiliar os profissionais a assumirem uma postura crítica frente à
necessidade de adaptação e complementação do que é posto no livro
didático.
Ainda era pequena, nesse período, a prática de pesquisas sobre
questões relacionadas aos agentes mediadores da produção do livro (autores,
designers e editores, por exemplo), seleção e avaliação de livros, e os
aspectos ligados ao uso desse material pelo professor e pelo aluno dentro e
fora de sala de aula.
A partir dos resumos e títulos disponíveis na Internet, foram delineados
os tópicos dos artigos de periódicos importantes na área de Lingüística
Aplicada. As informações encontram-se no quadro abaixo.
Periódico
The ESPecialist (PUCSP)
DELTA (PUC-SP)
Trabalhos
em
Lingüística
Aplicada
(UNICAMP)
Revista Brasileira de
Lingüística
Aplicada
(UFMG / ALAB)
Linguagem e Ensino
(UCPEL)
Quantidade de
artigos / Ano de
publicação
1 / 2002
0
5 / números 35 a
47
2 / 2006 e 2007
2 / 2004 e 2005
Tópicos
Inglês para fins empresariais:
visão
panorâmica
de
materiais disponíveis
Visão de alunos, imagens,
gêneros,
avaliação,
eurocentrismo
Futuridade, avaliação
Gênero, implementação
habilidades orais
de
Quadro 6: Quantidade e tópicos de artigos sobre livros didáticos em periódicos
nacionais de Lingüística Aplicada.
As informações sobre os artigos acadêmicos também corroboram a
escassez a que se refere Coracini (1999), e mostram que nem mesmo para os
pares, em periódicos importantes na área, pesquisas sobre livros didáticos de
língua estrangeira têm sido publicadas. Nos anos de 1998 a 2008, embora
tenham sido produzidas mais dissertações e teses nas universidades
brasileiras sobre livros didáticos de línguas estrangeiras, ainda é pequena a
publicação de artigos, os quais servem para divulgar tais pesquisas. Tal
divulgação acontece através de publicação de resumos e títulos nas páginas
das universidades e da CAPES na Internet não se tendo tanto acesso a dados,
127
procedimentos de análise, e conclusões. Mais uma vez fica a pergunta para
reflexão: para quem pesquisar?
Os quadros a seguir foram construídos a partir dos programas das duas
primeiras edições do Simpósio sobre livros didáticos de língua materna e
língua estrangeira (I SILID em 2007, e II SILID / I Simar, 2008). Em cada
programa foram detectados 30 trabalhos concernentes ao livro didático de
língua estrangeira.
Grupo Temático
1-Agentes mediadores do
livro didático: pluralidade
autoral - 2
2- Livro didático como
suporte de leitura para
gêneros discursivos
específicos - 6
3- Propostas, abordagens
metodológicas e sistemas de
avaliação no livro didático 7
Título do trabalho
O papel do autor no livro didático de Língua
Inglesa como língua estrangeira: um estudo da
identidade autoral
Recepção e produção de materiais didáticos de
Língua Espanhola.
A gramática visual e o livro didático
O livro didático como suporte para o trabalho
com diferentes gêneros discursivos
A importância da multimodalidade no livro
didático de Língua Inglesa para a geração
digital
Fotografias em livro didático de Inglês: funções
e significados
Os gêneros didatizados no ensino de inglês
O que quer dizer esse desenho? As imagens
em livros didáticos de língua estrangeira
Dialogues in New Interchange 2
Conteúdo lingüístico para o ensino de Inglês: o
desafio de adequá-los às necessidades do
aluno brasileiro
Uma proposta de avaliação para livros didáticos
ilustrada pelo tratamento de vocabulário em
Língua Inglesa
O desenvolvimento de material didático com
base no ISD: propostas, dificuldades e
contribuições
Gêneros textuais em materiais didáticos de
inglês
Construindo critérios de relevância para escolha
de novos livros didáticos: a (in)experiência dos
monitores do projeto CLAC
128
4- O ensino das habilidades
de escrita e leitura no livro
didático -3
5- Pluralidade cultural,
representação social e
identidade no livro didático 12
Aplicando a gramática do material didático: a
(in)experiência dos monitores do projeto CLAC
Seguindo os rastros da leitura no livro didático
O uso do texto literário em livros didáticos de
inglês
O livro didático de língua estrangeira:
atividades de compreensão e habilidades no
processamento de textos na leitura.
A mediação do livro didático na constituição de
uma nova identidade durante aprendizagem de
PLE
A representação das diferenças em livro
didático de Português para estrangeiros
Representação de gênero em livros didáticos
de língua estrangeira
Pedagogia pós métodos e pedagogia crítica no
ensino de línguas estrangeiras
Análise crítica do manual didático “Civilisation
Progressive du Français”
Questões de identidade e pluralidade cultural
no livro didático de Espanhol produzido no
Brasil
A identidade da mulher nos livros didáticos de
Italiano língua estrangeira
As imagens, os textos e os sentidos nos livros
didáticos de Língua Francesa na Argélia dos
anos 50 e 60
Aspectos sociais e culturais no material didático
para o ensino de inglês como língua
estrangeira
O livro didático de inglês em uma abordagem
sócio-discursiva: culturas, identidades e pósmodernidade
O material didático na era pós-comunicativa
A cultura no livro didático: a prática dos
monitores do projeto CLAC
Quadro 7 Trabalhos sobre livros didáticos de línguas estrangeiras na área de
Lingüística Aplicada apresentados no I SILID na PUC-Rio em 2007
Grupo Temático
1-Agentes mediadores
do livro didático:
pluralidade autoral - 6
Título do trabalho
“Get real!” O conceito de autenticidade no livro
didático de língua estrangeira
Reflexões a respeito do LD no Brasil
129
2- Gêneros discursivos
em livros, materiais e
recursos didáticos - 9
3- Propostas,
abordagens
metodológicas e
sistemas de avaliação
no livro didático - 5
4- O ensino das
habilidades de escrita e
leitura no livro didático
-3
A Pluralidade Autoral sob o prisma da Teoria da
Atividade
Gênero e cronicidade: anseios e tropeços de uma
autora de livro didático de espanhol com LE.
Autoria e recepção no livro didático de língua
inglesa
A imagem no livro didático e a relação autor-editorpesquisador iconográfico
Tecnologia Digital no Papel: o e-mail na perspectiva
dos gêneros do discurso dentro do Livro Didático de
Língua Estrangeira.
A multimodalidade da propaganda presente no livro
didático de Inglês como Língua Estrangeira
A imagem no ensino/aprendizado de phrasal verbs:
uma análise de atividades em livros didáticos.
O ensino de gêneros discursivos no livro didático de
Inglês: uma avaliação teórico-prática.
Academic Writing: estudo de livros didáticos para o
ensino e aprendizagem de escrita acadêmica em
Inglês sob a perspectiva de gêneros do discurso.
O tratamento da expressão oral em livros didáticos:
uma seqüenciação para o estudo dos gêneros orais.
A multimodalidade no livro didático de Língua
Inglesa
Material didático de inglês para EFI e os gêneros do
discurso
Texto e imagem no livro didático de língua inglesa
Gêneros textuais em apostilas no ensino de leitura
em Inglês.
Leitura em questão: um estudo sobre as atividades
propostas em um livro didático de Inglês como LE.
Os gêneros discursivos escritos em materiais
didáticos de Português Língua Estrangeira para
negócios
O livro didático de língua estrangeira e língua
materna: análise crítica
A análise do livro didático de língua inglesa e a
frmação do professor de línguas estrangeiras
Ilustrações do livro didático em atividades de escrita
em Inglês – Língua Estrangeira.
Formando leitores: reflexões sobre a abordagem de
leitura presente no livro didático de E/LE.
Professor: um agente mediador da leitura
130
5- Pluralidade cultural,
representação social e
identidade no livro
didático - 7
Perspectivas interculturais nos livros didáticos de
português para estrangeiros
O homoerotismo em questão: movendo-se para
além das fronteiras temáticas do livro didático.
Notas sobre algumas relações de poder travadas no
interior do Livro Didático
O livro didático de inglês na era pós-método: por
uma abordagem educacional e conscientizadora
O livro didático como ferramenta motivacional na
construção e defesa de pontos de vista
Pode um livro produzido internacionalmente
adequar-se às diferentes realidades do mundo pósmoderno?
Livro didático e ESP: muito além dos conteúdos
Quadro 8 Trabalhos sobre livros didáticos de língua estrangeira na área de
Lingüística Aplicada apresentados no II SILID / I SIMAR na PUC-Rio em 2008
Sobre essas edições do SILID e SIMAR, destacam-se os seguintes
pontos:
l Um caráter inter/ multidisciplinar - artes e design, linguística
aplicada, educação, cultura, multimodalidade, dentre outros;
l Diálogos entre teorias que têm considerado novos modos de
produzir
conhecimento
em
ciências
humanas
e
sociais
-
pluralidade autoral, representações e identidades, e questões
relacionadas aos diversos gêneros discursivos;
l Aumento no número de trabalhos sobre o processo de produção
e também preocupação com aspectos de editoração;
l Conteúdo de livros didáticos ainda tem sido analisado sob
diferentes óticas;
l Uma
crescente
preocupação
com
as
imagens
e
outras
modalidades de uso da linguagem;
Considerações Finais
Em primeiro lugar, considero ter sido proveitosa a oficina ministrada no III
SILID / II SIMAR. Os participantes mostraram ter depreendido as noções
iniciais apresentadas, o que é revelado nas propostas rápidas de pesquisa
construídas
naquele
momento.
Também
participaram
ativamente
131
das
discussões, opinaram sobre as propostas dos colegas, sobre o que era
exposto,
havendo,
portanto
interação
entre
pessoas
diferentes
que
desenvolvem ou pretendem desenvolver pesquisas relacionadas a livros
didáticos de língua estrangeira.
Em segundo lugar, apresento parte do que os participantes expuseram
como aquilo que concluíram. Conforme disseram ao final, foi bom ter tido a
oportunidade para pensar nas propostas que se faziam latentes em suas
mentes, discutir e saber mais sobre as pesquisas na área, saber que outras
pessoas podem estar pesquisando coisas parecidas. Enfatizo uma questão
tratada na oficina e que, segundo uma das participantes, foi o que mais a
marcou: para quem pesquisar? Esta participante em questão relatou já estar
pensando sobre isso há algum tempo, preocupando-se com o fato de as
pesquisas acontecerem sem realmente atingirem as pessoas que deveriam.
Entendo, com isso, que é preciso que as pesquisas realmente cumpram não
apenas as justificativas teórico-metodológicas, mas de fato cumpram as
justificativas práticas e aplicadas normalmente pensadas no planejamento de
um estudo investigativo. Para nós que fazemos pesquisas relacionadas a livros
didáticos, um material de extrema importância no processo ensino e
aprendizagem de línguas, como exposto neste artigo, continua o desafio de
fazer com que as pesquisas ultrapassem o meio acadêmico e cheguem de fato
aos diversos contextos de ensino a que se referem, sendo apresentadas a e
discutidas com professores e alunos, os destinatários destes materiais
pedagógicos. Também é preciso que as pesquisas se aproximem mais dos
agentes responsáveis pela produção do material – autores, editores e
designers.
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134
Polifonia e Gêneros Textuais em um livro didático de
Língua Portuguesa
Polyphony and genres in a Brazilian Portuguese coursebook
Rogério Tilio, Doutor em Letras, UFRJ, [email protected]
Terezinha Fatima Martins Franco Brito, Mestranda em Letras e Ciências
Humanas, Unigranrio; IIC SEE/CES, D. Caxias, RJ, [email protected]
Resumo
Com base na análise crítica do discurso, este trabalho objetiva analisar textos
e gêneros textuais presentes em um livro didático da série Português:
Linguagens (Ensino Fundamental II), com o intuito de observar se há polifonia
que garanta uma perspectiva sociointeracionista de discursividade crítica,
estabelecendo um diálogo entre esta análise e as atuais políticas públicas, tais
como o Programa Nacional do Livro Didático e os Parâmetros Curriculares
Nacionais.
Palavras-chave: livro-didático; gêneros textuais; polifonia
Abstract
Based on critical discourse analysis, this paper analyzes texts and genres in a
coursebook from the series Português: Linguagens (Ensino Fundamental II),
aiming at observing the presence of polyphony to support a sociointeractionist
perspective of critical discursivity and an eventual dialogue between this
analysis and the current Brazilian public policies, such as Programa Nacional
do Livro Didático and Parâmetros Curriculares Nacionais.
Keywords: coursebook, genres, polyphony
Introdução
O presente trabalho propõe-se a analisar os gêneros textuais presentes em
um livro didático destinado ao Ensino Fundamental II de Língua Portuguesa, e
a articulação, de cada um dos textos, enquanto documentos e representantes
de seu gênero, com as exigências dos contextos culturais e das interações
discursivas da realidade que vivenciamos na contemporaneidade. Pretende-se,
a partir do estudo voltado à apresentação e análise desses gêneros e textos,
verificar se há polifonia que garanta uma perspectiva sociointeracionista de
discursividade crítica. A partir da fundamentação de teóricos na área de
análise do discurso (tais como: Bakhtin (1929, 1979); Bronckart (1999);
Fairclough (1992); Foucault (1969, 1971, 1979); Fiorin (2007); Freitag (1989);
Marcuschi (2008); entre outros), pretendemos investigar a importância e
relevância social dos gêneros e textos para a realidade do aluno e para seu
processo educacional de aprendizagem e formação cidadã.
Será também
estabelecido um diálogo entre esta análise e as atuais políticas públicas, tais
como o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN).
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, em que serão analisadas as
abordagens interacionais envolvidas no processo de leitura e interpretação de
textos e gêneros contidos em um livro didático da série Português:
Linguagens (Ensino Fundamental II), de William Roberto Cereja e Thereza
Cochar Magalhães, e os discursos neles, e a partir deles, envolvidos. É
relevante observar se os gêneros e textos selecionados – e os trabalhos
desenvolvidos com os mesmos – persistem em certos estereótipos ou buscam
problematizar criticamente diversas vozes, e como as identidades se
constroem através de discursos proclamados e possibilidades críticas. Além
disso, é fundamental examinar se os textos e atividades promovidas com base
nestes contribuem para a formação identitária do indivíduo como agente de
transformações sociais, para uma vivência cidadã.
Para desenvolvermos este trabalho pretende-se investigar a importância
e relevância social dos gêneros e textos para a realidade do aluno e para seu
processo educacional de aprendizagem e formação cidadã. Torna-se
136
importante observar se há polifonia nos textos selecionados pela obra didática
e se estes são explorados pelo viés dos gêneros discursivos nos quais se
inscrevem, e ainda se há diálogo com as propostas das políticas públicas,
precisamente os PCN e o PNLD. Utilizaremos os textos contidos na obra
didática citada, que aparecem no volume do nono ano.
Percebemos uma necessidade urgente, sobretudo para as práticas
interdisciplinares, de que se identifiquem a importância do discurso nas
abordagens textuais e, nesse discurso, os olhares da Linguística Aplicada (LA)
e da Análise Crítica do Discurso (ACD) nas práticas sociodiscursivas. Neste
sentido, elaboramos as seguintes questões de pesquisa:
l Quais gêneros estão presentes no LD?
l Há predominância de alguns gêneros? Quais?
l Os gêneros são efetivamente trabalhados?
l Pode-se dizer que o LD faz um trabalho de ensino de LP a partir
de textos e da análise de gêneros? Como?
l O trabalho do LD dialoga com as atuais políticas públicas, tais
como o PNLD os PCN? De que forma?
l Há polifonia nos textos presentes na obra, colaborando para uma
perspectiva sociointeracionista de discursividade crítica?
Antes de partirmos para responder estas perguntas, porém, discutimos
brevemente a questão dos gêneros textuais e sua inserção social, entendendo
que estes podem contribuir para concretizar objetivos de vivência cidadã na
contemporaneidade.
Gêneros textuais, contemporaneidade e livro didático
Embora tenha sido explorado desde a antiguidade, com Aristóteles e por
tantos outros autores e grupos de estudos como o círculo Bakhtiniano, o
conceito de gênero certamente assumiu um papel relevante na Linguística
Aplicada (LA) ao final dos anos 90 e início dos 2000, quando surgem novos
olhares sobre os gêneros discursivos, com freqüente referência aos escritos
Bakhtinianos e à análise crítica do discurso, de Norman Fairclough. A Escola
137
Sistêmico-Funcional de Sydney, representada por Halliday e Hasan também
compartilha com esses estudos de grande contribuição para os aportes
teóricos, para os quais destacamos os contextos sociais. Por situarmos a ação
de linguagem analisada por meio de textos, também consideramos importante
acrescentar a este arcabouço o Interacionismo Sociodiscursivo , da chamada
escola suíça, representada por autores como Jean-Paul Bronckart, Bernard
Schneuwly e Joaquim Dolz.
O
modelo
sociointeracionista
se
torna
muito
produtivo
na
contemporaneidade porque para essa teoria os fatores de textualidade estão
intimamente
relacionados
à
discursividade.
Em
termos
gerais,
essa
perspectiva, entende o processo de produção textual como uma atividade
humana interacional (discursiva) e intencional (Bakhtin, 1929). Um dos
teóricos igualmente preocupado com as formas de interação é Van Dijk, que,
em sua proposta por um modelo estratégico de compreensão textual, orientanos que:
A análise estratégica depende não somente das características textuais, como
também das características do usuário da língua, tais como seus objetivos ou
conhecimento de mundo. Isso pode significar que o leitor de um texto
tentará reconstruir não somente o significado intencionado do texto - como
sinalizado de diversas formas pelo autor, no texto e contexto - como também
um significado que diga mais respeito aos seus interesses e objetivos (van
Dijk, 2000, p. 23).
Pretende-se que esse arcabouço teórico possa dialogar com as
propostas das políticas públicas, como os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN), o PNLD e os textos trabalhados sob a ótica dos autores da obra em
análise. Para desenvolvermos a discussão de gênero, mapeados no volume de
nono ano da obra Português: Linguagens e que apresentaremos mais adiante,
pensamos inicialmente na nova Lei de Diretrizes e Bases para a Educação
Nacional (LDB) que foi promulgada, em 1996, e que apresenta diversos
desafios que não podem ser negligenciados.
Por isso não nos restringimos apenas a observar as orientações dos 3º e
4º ciclos, que abrangem do sexto ao nono ano do Ensino Fundamental, mas
também o olhar do documento do Ensino Médio, porque este também faz
138
parte da educação básica, contemplada na Lei. Destacamos que nosso
enfoque conta com a importância da inter e transdisciplinaridade, visto que os
PCN
apresentam
uma
abordagem
que
notadamente
apresenta
uma
perspectiva social da linguagem muito importante de ser observada,
considerando-se que
além da memorização mecânica de regras gramaticais ou das características
de determinado movimento literário, o aluno deve ter meios para ampliar e
articular conhecimentos e competências que possam ser mobilizadas nas
inúmeras situações de uso da língua com que se depara, na família, entre
amigos, na escola, no mundo do trabalho. (BRASIL, 2002, p.55)
Podemos verificar, então, que os PCN revelam o quanto é necessária a
formação cidadã que, além do conhecimento conteudista, também se
possibilite aplicar à vida conhecimentos sobre questões sociais e problemas
cotidianos do educando, especialmente quanto a sua identidade, como
também podemos observar no documento quanto ao que diz que:
Nas Ciências Humanas, a problemática da identidade, por exemplo, é objeto
de estudo da Psicologia, da Sociologia, da Filosofia e da História. A identidade
estará presente na afirmação e na auto-estima do jovem estudante, no
estudo antropológico das organizações familiares, das culturas alimentares,
musicais ou religiosas, nas questões de identidade nacional diante da
globalização
cultural.
Seu
tratamento
articulado,
resultante
de
um
entendimento entre professores de uma mesma escola, poderia promover um
recíproco reforço no trabalho dessas e de outras disciplinas da área. A
identidade cultural em associação com o conceito de estética pode articular
ainda as disciplinas da área de Linguagens e Códigos. Por sua vizinhança e
caráter complementar, artes ou jogos, literatura ou teatro, dança ou esporte,
figura ou cena, música ou gesto podem ser apreendidos como integrantes de
um todo expressivo, não como mero mosaico de formas de representação.
(BRASIL, 2002, p.21-22)
O exposto assinala apenas exemplos encontrados no documento citado,
mas já destaca o quanto se torna essencial a articulação entre as diferentes
disciplinas da matriz curricular. Isto significa que é fundamental a interação e
contextualização do conhecimento para que os objetivos de educação sejam
mais plenamente alcançados.
139
A Lei 9394 de 1996 é um marco para a educação em nosso país porque
a partir dela o Ensino Fundamental passa a ser obrigatório e gratuito, com
progressiva extensão dessa obrigatoriedade e gratuidade até o Ensino Médio.
Com base na lei surgiram políticas públicas, tais como os PCN e o Programa
Nacional do Livro Didático (PNLD), “uma iniciativa do Ministério de Educação e
Cultura (MEC), (...) [cujos] objetivos básicos são a aquisição e a distribuição,
universal e gratuita, de livros didáticos para os alunos das escolas públicas do
ensino fundamental brasileiro” (BATISTA, p.25).
Por causa desses documentos, o livro didático passou a ser observado
com mais rigor quanto a aspectos sociais estritamente importantes para a tão
falada “formação cidadã”, que parecia uma proposta inalcançável, típica de
falares de reuniões e que ilustravam planejamentos, mas não saiam do papel.
Haja vista o fraco desempenho de muitas escolas recentemente divulgado
pela mídia, os efeitos de uma nova proposta oferecida pelos PCN e pelo PNLD
ainda não foram efetivamente evidenciados.
Contextos
culturais
e
interações
discursivas
na
contemporaneidade
Se pretendermos verificar se essas exigências dos contextos culturais e das
interações discursivas da realidade que vivenciamos na contemporaneidade
são atendidas, é importante destacar que contemporaneidade é essa, uma
vez que vivemos num contexto “marcado pela afirmação da diversidade e
flexibilidade das formas de organização escolar, originadas pela necessidade
de atender aos diferentes interesses e expectativas gerados por fatores de
ordem cultural, social e regional” (BATISTA, 2003, p.49). Retomamos a
inquietação quanto a reconhecer nessas falas a consonância com o que é
proposto na obra em análise, com seus textos e a polifonia dos mesmos, pois
de acordo com o que Rojo (2003, p.98) destaca, embora
os procedimentos de avaliação do PNLD tenham contribuído para a melhoria
de qualidade em alguns aspectos do material didático distribuído em nossas
escolas, o LD ainda está a exigir um enorme montante de esforços, para o
140
incremento de sua condução didático-metodológica nos campos
específicos do ensino de língua materna.
É importante ressaltar que, no presente estudo, consideramos o LD
enquanto documento (TADEU DA SILVA, 2000), com textos pertencentes a
determinados gêneros e inerentemente dialógicos (talvez polifônicos), numa
perspectiva sócio-histório-político-cultural, do ponto de vista da Análise Crítica
do Discurso (ACD) e que se organiza considerando-se exigências de
documentos oficiais baseados nas necessidades estabelecidas pelas Políticas
Públicas, mais especificamente o PNLD.
Nesse sentido, a figura 2.1, a seguir, procura apresentar o LD, uma obra
também considerada um gênero discursivo, visto sob a ótica da Linguística
Aplicada e em diálogo com a ACD, atendendo a interesses variados, tais como
os de seus autores, editores, mercado consumidor, instituições de ensino,
comunidades etc.
A
C
D
Polít
A
Públ
GÊNERO
D
S
Polifonia
C
PCN
Ativid
PNLD
ades
Figura 2.1: O livro didático nas práticas sociais
Queremos frisar também, na figura 2.1, que entendemos “o texto como
um
evento
comunicativo,
particularmente,
da
com
a
situacionalidade.
análise
Vai-se
da
do
intencionalidade
cotexto
ao
e,
contexto”
(MARCUSCHI, 2008, p. 83). Um evento discursivo é considerado, portanto,
nessa perspectiva, um texto, um exemplo de prática social e um exemplo de
141
prática discursiva – cf. concepção tridimensional do discurso (FAIRCLOUGH,
1992), segundo a qual não se pode “analisar um texto sem considerar as
práticas discursivas e sociais que envolvem tal texto” (TILIO, 2006, p.). Ainda
seguindo essa visão de Marcuschi, podemos perceber o texto como algo
observável e que apresenta nele e em seu entorno todos os elementos que
dão acesso a diferentes aspectos que possam ser analisados e que, numa
visão interdisciplinar, possa avançar para a articulação entre as disciplinas.
Sob o olhar da Linguística Aplicada pretendemos observar nos gêneros
textuais selecionados na obra didática em análise essa interdisciplinaridade
que problematiza, investiga, promove articulações com o mundo e a
linguagem em uso.
Podemos visualizar, portanto, na figura 2.1, algumas
representações do que abordamos e que apresenta esse olhar da LA em
diálogo com a ACD de forma que se envolvem no estudo do texto, sua
intencionalidade (cotexto) e situacionalidade (contexto), onde suas vozes
(polifonia) abordam para as possibilidades de gênero e que também negociam
com as atividades elaboradas pelos autores do livro didático em estudo nesse
trabalho, que por sua vez precisam evidenciar e responder às propostas das
políticas
públicas
e
promovam
práticas
cidadãs
num
espaço
social
transdisciplinar, revelando a análise intertextual como uma forma em que se
articulam as análises textuais e socioculturais em interação. São essas práticas
de grande importância dentro de uma obra didática.
Textos e gêneros no LD analisado
Ao lemos os estudos Bakhtinianos sobre gêneros discursivos, podemos
notar que estes estudos serviram como base teórica dos PCN, conforme
podemos verificar em Costa Val (2003, p. 128-129), quando esta aponta que:
segundo Bakhtin, quando escolhemos um determinado tipo de frase, não o
escolhemos somente em função do que queremos expressar com a ajuda
dessa frase; selecionamos esse tipo de frase em função do todo do texto
completo que se apresenta à nossa imaginação verbal e determina nossa
opção. A ideia que temos da forma de nosso texto, isto é, do gênero preciso
a que ele deverá se adequar, dirige-nos em nosso processo discursivo. O
gênero escolhido dita-nos o seu tipo, com suas articulações composicionais e
142
seus recursos linguísticos, num contexto histórico social. Essa compreensão
está na base da proposta dos PCN e orientou o estabelecimento de critérios
de avaliação de livros didáticos no PNLD.
Costa Val (2003, p. 142) critica a presença, em alguns livros didáticos
analisados, de atividades com comandos vagos, tais como aquelas que não
indicam nem mesmo o gênero textual a ser produzido. Segundo ela, há
coleções que nem apresentam modelo que represente o gênero textual com o
qual se pretende desenvolver uma atividade.
Ao propormos uma análise de elementos textuais com os elementos do
contexto de acordo com a Análise Crítica do Discurso, estabelecemos
possibilidades problematizadoras, que vão confrontar situações de práticas
sociais. Um documento, no caso a obra didática, que não considera esses
aspectos, não está de acordo com propostas importantes para a formação
cidadã tão proclamada. Não queremos discursos “ocos”, simplesmente
ilustrativos, feitos apenas para causar boa impressão. Queremos observar
como se apresentam essas propostas de variedade de gêneros nos textos
trabalhados, em sua prática mesmo, se atendem a essas perspectivas sociais.
No quadro 3.1 elaboramos um mapeamento dos gêneros textuais
encontrados na obra, seguindo a divisão em seções do LD. O objetivo foi não
apenas reconhecer a presença dos gêneros textuais, mais também seus
objetivos ao serem incluídos na obra, o que pode ser sinalizado pela seção do
LD em que se encontra. Foram considerados apenas os textos que deveriam
ser efetivamente utilizados pelos alunos, tanto para leitura quanto para
execução de atividades. Dessa forma, algumas gravuras, por exemplo,
meramente ilustrativas de exercícios, mas sem aparente função em relação ao
seu gênero, não foram mapeadas.
143
Figura 3.1: Quadro representativo de gêneros mapeados do vol. de 9º ano do
Ens. Fundamental II da obra Português: Linguagens.
A partir dos PCN de Língua Portuguesa podemos entender que os textos
representam um objeto de importante qualidade nesse documento oficial.
Eles, os textos, procedem de alguém e se dirigem a alguém.
Um texto produzido é sempre produzido a partir de determinado lugar,
marcado por suas condições de produção. Não há como separar o sujeito, a
história e o mundo das práticas de linguagem. Compreender um texto é
buscar as marcas do enunciador projetadas nesse texto, é reconhecer a
maneira singular de como se constrói uma representação a respeito do
mundo e da história, é relacionar o texto a outros textos que traduzem
outras vozes, outros lugares. (BRASIL, 1998, p.40-41)
Com base no mapeamento ilustrado no quadro 3.1, obtemos o seguinte
144
gráfico para a ocorrência de gêneros discursivos no volume do nono ano da
obra em questão (figura 3.1):
Figura 3.1: Quadro mostragem dos gêneros identificados, sem considerar as
abordagens em exercícios meramente ilustrativos, no vol. de 9º ano do Ens.
Fundamental II da obra Português: Linguagens.
Nossa análise partiu da percepção da importância do estudo de textos
como pertencentes a esses gêneros textuais e sua relevância para a vida
social. É preciso entender se essa variedade de gêneros visualizada no gráfico
é efetivamente trabalhada, ou seja, se a função social desses textos para a
prática discursiva está sendo acessada.
Em nosso trabalho com gêneros na obra Português: Linguagens de
Cereja & Magalhães, no volume destinado ao nono ano, pudemos chegar às
seguintes observações:
l na maior parte, o gênero é simplesmente nomeado:
o
Ex. 1: após a leitura de uma reportagem, os autores
enunciam: "Como a notícia, a reportagem também é um
gênero“ (p. 17)
o
Ex. 2: “Leia esta tira” (p. 23);
145
o
Ex. 3: “Leia estes versos da canção ‘Tarde em Itapuã’, de
Vinícius e Toquinho (p. 27);
o
Ex. 4: “Leia este poema de Elias José: Saudades” (p. 28)
l em algumas destas vezes, são explicitadas também algumas
características deste gênero (de forma assistemática)
o
Ex: “Os textos jornalísticos apresentam, de modo geral,
uma linguagem impessoal” (p. 18)
l em poucas vezes, o gênero é trabalhado de forma indutiva. Neste
caso, o texto não é identificado como pertencente a determinado
gênero, ou seja, o gênero não é apresentado explicitamente; os
autores conduzem os alunos, através das atividades propostas, à
identificação das “marcas” do gênero e, no final, o gênero pode
ser nomeado ou não, como pode ser verificado na figura 3.2.
Figura 3.2: Atividade indutiva para o reconhecimento do
gênero textual (p. 12-13)
146
Vale ressaltar, entretanto, que tal abordagem indutiva trata-se de uma
exceção na obra.
Portanto, a obra, embora rica em apresentar gêneros textuais, falha ao
não trabalhá-los como processos sociais. Mesmo quando as características de
um determinado gênero são exploradas, isto é feito de maneira assistemática,
impressionista, e focando apenas na sua estrutura. O texto é tratado apenas
como um produto com características fixas determinantes de seu gênero, e
não é entendido como resultante de escolhas situadas socialmente e feitas
com intenções específicas.
No entanto, a presença de grande diversidade de gêneros acaba por
tornar a obra bastante dialógica – e polifônica, uma vez que este dialogismo
parece ser adequadamente explorado pelos autores. Tal polifonia é
trabalhada, sobretudo, pelo viés temático. Em outras palavras, a abundância
de gêneros permite ao autor apresentar uma gama de temas que são
efetivamente explorados em seu dialogismo com outros discursos.
Como exemplo trazemos um capítulo intitulado “Os Brasis”, que abre
com um cartum seguido de atividades de interpretação que pretendem
visibilizar vozes atemporais sobre questões de injustiças sociais, tal qual nos
mostra a figura 3.3.
Figura 3.3: “Os Brasis” – exemplo de exploração de polifonia na obra (p. 220)
147
Com este texto e estas atividades (que continuam em número maior na
página seguinte), os autores parecem pretender instigar os alunos a tecer
relações dialógicas entre o texto e seus outros conhecimentos (textuais,
discursivos, de mundo etc.) e convidá-los a trazer esses outros conhecimentos
para a sala de aula e para o debate. Ressaltamos, no entanto, que tal
abordagem da polifonia poderia ser otimizada caso os autores explorassem
também as características dos gêneros em diálogo.
Considerações finais
O presente trabalho buscou analisar como um livro didático para o ensino de
LP no 9º ano do Ensino Fundamental efetivamente explora gêneros textuais e
polifonia, em consonância com as atuais políticas públicas, em especial o
Programa Nacional do Livro Didático e os Parâmetros Curriculares Nacionais, e
conforme discurso de seus autores e editores. Essa perspectiva torna-se
importante para que o discurso tenha um sentido amplo, transdisciplinar, e
possa, assim, evidenciar a relação existente entre textos, gêneros e contextos
sociais.
Concluímos que apesar da presença de diversidade de gêneros, suas
características e funções ainda são pouco exploradas. Falta maior integração
entre leitura, análise e produção. Além disso, a distribuição dessa grande
quantidade de gêneros ao longo da obra aponta para uma espécie de
“cânone”, que setoriza os gêneros de acordo com as atividades propostas
pelos autores. Dessa forma, o texto principal de uma unidade é, em 90% dos
casos, um texto “tradicional”, linear, organizado em frases e parágrafos, a
saber, conto ou crônica; o gênero tirinha, por sua vez, está distribuído em três
seções, todas voltadas à “diversão” do aluno.
A obra atende às exigências do PNLD, na medida em que traz a
diversidade de gêneros, mas falha em ressaltar a função social destes, como
esperam os PCN, e, desta forma, apresenta o risco de associar o conceito de
gênero ao de estruturas fixas e rígidas.
O estudo da obra também mostrou que a diversidade de textos e
gêneros pode trazer uma multiplicidade de vozes de situações heterogêneas e
problematizadoras do meio social em que vivemos, pois a polifonia é bastante
148
explorada ao longo do LD. Tal exploração, contudo, é conduzida pelo eixo
temático, e não pelo gênero, o que poderia enriquecer ainda mais a discussão
da polifonia. Acreditamos que seja fundamental atrelar análises linguísticas à
práticas sociais, pois entendemos estas como integradas e articuladas com a
formação para a cidadania.
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Fabiana P. Marsaro, Graduanda, IEL/UNICAMP, [email protected]
Resumo
Trazemos resultados da análise comparativa de duas obras didáticas
recomendadas pelo PNLD/2008 com pareceres distintos acerca do projeto
gráfico-editorial. Através da coleta e quantificação de dados, procuramos
verificar de que maneira a ação editorial pode influir na proposta de ensinoaprendizagem dos autores e na formação crítica e multiletrada dos alunos.
Palavras-chave: livro didático, projeto gráfico-editorial, letramentos
Abstract
This article brings results of comparative analysis of two Portuguese school
books collections, recommended by PNLD/2008, with different opinions about
graphic design. By collecting and quantifying data, we see how the editorial
action may influence the authors’ teaching-learning proposal and the critical
apprentice of students in multiple literacies.
Keywords: school books, graphic design, literacy
Introdução
Nas últimas décadas o livro didático (doravante, LD) estabeleceu seu lugar
como material de ensino-aprendizagem majoritário nas escolas brasileiras,
principalmente públicas. Atualmente, o LD está inserido em uma esfera
mercadológica e seu status de produto comercial traz fortes impactos à sua
constituição. As mudanças ocorridas na configuração dos LDs ao longo dos
anos foram particularmente bem recebidas pelo mercado editorial brasileiro,
que viu na sua comercialização um campo de atuação bastante seguro e
rentável. Segundo Batista (2003), em 1997, os LD corresponderam a 58% do
total de exemplares vendidos pelas editoras no Brasil, dado que prova a
importância deste tipo de produto para o setor. A produção do LD é um
processo complexo, que mobiliza diversos agentes com interesses específicos,
entre os quais autor e editor podem ser considerados os mais relevantes.
Para produzir um LD, o autor assume uma postura ideológica e define
uma proposta pedagógica para a obra. A partir dos Parâmetros Curriculares
Nacionais e de outros referenciais, ele seleciona objetos de ensino, define a
maneira como vai ensiná-los e determina a coletânea que vai ser utilizada
para cumprir esses objetivos. Isto faz com que consideremos o LD um gênero
secundário do discurso, conceito definido por Bakhtin (2003[1952-53/1979]),
caracterizado pela interlocução de gêneros e pelo acabamento estético
realizado pelo autor. Quanto ao editor, entendemos que sua atuação se
relacione principalmente à esfera mercadológica, defendendo os interesses
das editoras que tem o LD como um de seus produtos e, portanto, uma fonte
de lucro. Dada a comercialização dos LDs ser vinculada à avaliação do PNLD,
torna-se importante adequá-los aos critérios do Programa, assim como
respeitar limites de orçamento e outros fatores de ordem técnica. Por essas
razões, o editor pode intervir na seleção dos textos, escolha de imagens,
disposição dos elementos na página, agindo como co-autor da obra.
Nesse artigo, elegemos como objeto de investigação o projeto gráficoeditorial de LDs de Língua Portuguesa, por nós definido, a partir dos trabalhos
de Chartier (1999[1945], 2001[1985]) e Pivetti (2005), como o planejamento
e realização da forma, conteúdo e composição visual de um material, ou seja,
152
da sua configuração gráfica. Entendemos que estudar o projeto gráficoeditorial de um LD compete à Linguística Aplicada se considerarmos que “o
conhecimentos de outros meios semióticos está ficando cada vez mais
necessário no uso da linguagem, tendo em vista os avanços tecnológicos: as
cores, as imagens, [...] o design etc., [...] disponíveis na tela do computador e
em muitos materiais impressos [que ampliam] a noção de letramento para o
campo [...] das outras semioses que não somente a escrita” (ROJO et AL, s/d:
2). Através da análise documental comparativa de dois LDs de Língua
Portuguesa, procuramos determinar quais elementos do projeto gráficoeditorial poderiam trazer impactos negativos e positivos ao projeto pedagógico
do autor, buscando compreender quais motivações justificavam sua presença.
Materiais e metodologia
As obras que constituem o corpus deste artigo foram escolhidas a fim de
permitir uma análise comparativa de seus projetos gráfico-editoriais. A partir
da leitura do Guia do Livro Didático do PNLD/2008, optamos pelos volumes de
6º e 7º anos do Ensino Fundamental II das coleções Leitura do Mundo, de
Lúcia Teixeira e Norma Discini, publicada pela Editora do Brasil, e Trabalhando
com a Linguagem, de Givan Ferreira, Isabel Cristina Cordeiro, Maria Aparecida
Almeida Kaster e Mary Marques, uma publicação da Quinteto Editorial/FTD.
Atentamos à apreciação distinta dos avaliadores quanto aos aspectos gráficoeditoriais das obras. Nas respectivas resenhas, a coleção Leitura do Mundo
tem seu projeto gráfico-editorial classificado como inadequado, enquanto que
o da coleção Trabalhando com a Linguagem é elogiado e considerado de boa
qualidade.
Para realizar a análise, partimos das Bases de Textos das Coletâneas
organizadas pelo Projeto Integrado de Pesquisa Livro Didático de Língua
Portuguesa – Produção, Perfil e Circulação (LDP-Properfil, Grupo de Pesquisa
cadastrado no Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq) cuja pesquisadora
responsável é a Profª. Drª Roxane Helena Rodrigues Rojo. A Base contém
informações sobre os textos das coletâneas de obras avaliadas nos PNLD de
2002, 2005 e 2008. Foram levantados os títulos dos textos, autoria ou veículo,
suporte, gênero e esfera de circulação. Apropriamo-nos dessa planilha e
153
acrescentamos novos campos, criados para gerar dados que fossem
pertinentes à nossa análise.
Procurando identificar ocorrências em
interferissem
em
elementos
pertinentes
que interesses comerciais
ao
projeto
pedagógico,
acrescentamos à planilha original os campos: APARECE COMO NO SUPORTE
ORIGINAL,
EXTENSÃO
(INTEGRAL OU EXCERTO),
MULTIMODAL, ILUSTRAÇÃO
MODALIDADE
(UNIMODAL OU
e DIREITOS AUTORAIS. A partir dessa planilha de textos,
baseada no levantamento do LDP – Properfil, desenvolvemos uma outra, que
pudesse dar conta dos elementos visuais dos LDs. Nosso maior interesse era
determinar a pertinência do uso das imagens nas obras, considerando que, na
maioria das vezes, a pesquisa iconográfica é responsabilidade apenas da
editora, o que não consideramos ideal. O PNLD refere-se aos elementos
visuais do LD genericamente, com o termo “ilustração”. A nosso ver, os
critérios para análise da ilustração de um LD são definidos de maneira vaga
pelo documento. O Guia do Livro Didático do PNLD/2008 traz que as
ilustrações
devem estar bem distribuídas nas páginas e colaborar para a consecução dos
objetivos das atividades a que se relacionam, além de evitar os estereótipos,
os preconceitos, a propaganda e a doutrinação ideológica e reproduzir
adequadamente a diversidade étnica da população brasileira, a pluralidade
social e cultural do país. (BRASIL, 2007B: 17)
Na versão do Guia de 2011, o texto limita-se a dizer que as ilustrações
devem “ser adequadas às finalidades para as quais foram elaboradas; quando
o objetivo for informar, ser claras, precisas e de fácil compreensão” (BRASIL,
2010: 16). Nas duas versões do documento, não é levado em conta que as
imagens também contribuem para o letramento do alunado, devendo
apresentar variedade e complexidade.
Pensando
em
levantar
dados
que
pudessem
trazer
exemplos
relacionados a essas questões, criamos uma planilha para as imagens com os
seguintes campos: DESCRIÇÃO, OBSERVAÇÃO (onde descrevemos sua função no
material: INICIA UNIDADE, ACOMPANHA TEXTO, ILUSTRA EXERCÍCIO, INTEGRA
EXERCÍCIO, DICA), AUTORIA OU VEÍCULO, EDITORIAL, ORIGINAL DE MATERIAL, BANCO DE
DADOS, DIREITOS AUTORAIS, NACIONAL OU INTERNACIONAL, REPRODUÇÃO DO SUPORTE,
154
MODALIDADE (UNIMODAL OU MULTIMODAL), GÊNERO
e ESFERA DE CIRCULAÇÃO.
Resultados e discussão
Através da geração de dados e análise crítica do corpus, pudemos traçar um
perfil dos projetos gráfico-editoriais das coleções Leitura do Mundo e
Trabalhando com a Linguagem, que passaremos a chamar de LDM e TCL,
respectivamente.
Os dois volumes de cada uma das coleções apresentam regularidades
entre si quanto à quantidade de imagens e textos da coletânea. A média que
se estabelece em LDM é de, aproximadamente, 1 texto a cada 4 páginas e 1
imagem a cada 2 páginas. Já em TCL, temos 1 texto a cada duas páginas e
cerca de 1 imagem por página. Esta configuração traz impactos diretos à
legibilidade das obras. Enquanto em LDM predomina a mancha de texto, em
TCL são as figuras, grandes e em maior quantidade, que têm mais destaque.
Há bastante contraste também no uso de cores e da tipografia. Não há
dúvidas de que a legibilidade da obra seja um elemento importante na sua
composição, principalmente quando se trata de um material utilizado para fins
didáticos. No entanto, é interessante perceber que este parece ser o único
critério considerado pelo Guia do PNLD/2008 para avaliar os projetos gráficoeditoriais das obras que constituem nosso corpus.
Na resenha de LDM, o
grande
são
problema
apontado
pelos
avaliadores
as
características
tipográficas da coleção:
O projeto editorial tem a inadequação de apresentar páginas carregadas com
textos e atividades, com letras muito miúdas. O sumário é relativamente
funcional, facilitando a localização de unidades e seções. Os textos vêm
arrolados por número e não pelo título (ex.: Texto 1, Texto 2), o que
impossibilita sua identificação. (BRASIL, 2007B: 60)
Já na resenha TCL, os avaliadores elogiam a boa legibilidade conferida à
coleção pelo projeto gráfico-editorial: “A obra conta com um projeto gráficoeditorial de boa qualidade, que facilita a localização das diversas seções e
unidades através do livro e proporciona conforto visual durante a leitura de
textos e atividades” (BRASIL, 2007B: 102). Nas duas resenhas, o parâmetro
155
de avaliação é a legibilidade das coleções, e o que prevalece na apreciação
dos avaliadores são características técnicas e objetivas.
A questão das
ilustrações, que já apareceu de forma bastante vaga nos critérios do
Programa, como citamos no item 2 deste relatório, é completamente
suprimida no texto dos avaliadores.
A seguir, listamos os dados obtidos em nossa análise. Por questões de
espaço, reproduziremos aqui apenas os resultados relativos aos volumes do
6º ano de TCL e LDM. Em LDM, temos:
Textos em “Leitura do Mundo” – 6º ano
Sim
Não
Possuem direitos autorais?
41
2
São acompanhados por ilustração?
24
19
Quanto à modalidade, são multimodais? 5
38
Quanto à extensão, são integrais?
26
17
Aparecem no suporte original?
0
43
Tabela 1
Imagens em “Leitura do Mundo” – 6º ano
Sim
Não
Quanto à modalidade, são multimodais? 1
85
São reprodução do suporte?
0
86
Quanto à origem, são nacionais?
80
6
Possuem direitos autorais?
19
67
São de banco de imagens?
8
78
São originais de material?
0
86
Quanto à autoria, são editoriais?
64
22
Tabela 2
Imagens em “Leitura do Mundo” – 6º ano
Esfera de circulação % Função no material % Gênero
%
Artes visuais
3
Acompanha texto
40 Fotografia
22
Burocrática
0
Dica
0
76
Cotidiana
20 Ilustra exercício
49 Pintura
Divulgação científica
0
10 Reprodução 1
Inicia unidade
Ilustração
1
156
Escolar
76 Integra exercício
Jornalística
1
1
Tabela 3
Em LDM, a maior parte dos textos (41) possui direitos autorais. Este
dado é positivo, na medida em que mostra a prioridade dada a textos
autênticos, que, antes de serem didatizados, circularam em contextos nãoescolares. Ainda quanto aos textos em LDM, 55% são acompanhados por
imagens. Verificamos, porém, que grande parte delas é redundante e tem
função meramente decorativa, como exemplificaremos mais adiante. Os dados
mais significativos na análise da coleção e também os únicos com resultados
expressivamente diferentes em TCL, foram a presença ínfima de textos
multimodais (5) e a ausência total de textos reproduzidos com a mesma
configuração do suporte original do qual foram extraídos.
Para melhor avaliar a importância das relações entre imagem e texto
verbal numa obra didática, consideramos interessante voltar-nos mais uma
vez para o trabalho de Gribl (2009) que, buscando compreender como se dá
esta parte dos processos de significação na leitura, apóia-se nas reflexões
semiológicas de Roland Barthes acerca dos conceitos de ancoragem e de
relais:
Na ancoragem, o texto faz referência aos significados da imagem,
direcionando o olhar do leitor para alguns aspectos em detrimento de outros.
[...] Na relação de relais, o texto e a imagem se encontram em relação
complementar. As palavras, assim como as imagens, são fragmentos de um
sintagma mais geral e a unidade da mensagem se realiza em um nível mais
avançado (Barthes, 1990 [1964], p. 34). [...] Nesse sentido, pode-se dizer
que as relações possíveis de ancoragem entre texto e imagem estejam no
eixo da informatividade [...]e da redundância (GRIBL, 2009: 25)
Analisando LDM, pudemos observar de que forma estas duas relações
intertextuais acontecem. Quando existem imagens acompanhando os textos,
na maioria dos casos, como os dados mostraram, predomina a relação de
ancoragem no eixo da redundância. Geralmente imagens editoriais, elas se
limitam a ilustrar palavras e idéias do texto de forma pouco criativa, sem
oferecer nenhum desafio à interpretação, tanto que poderiam ser facilmente
157
suprimidas ou eliminadas sem trazer prejuízos ao material. A baixa
complexidade das ilustrações em LDM torna-se mais grave quando nos
deparamos com os poucos exemplos de imagens que integram texto verbal,
classificadas em nossa análise como textos multimodais. A tabela 1 nos
mostra que pouco mais de 10% dos textos em LDM são multimodais. Este
dado deixa claro que a configuração do material praticamente impossibilita
situações em que a significação na relação de relais possa acontecer, ou seja,
em que imagem e texto se complementem a fim de estabelecer uma unidade
de sentido. Gribl aponta que a “relação de relais é facilmente encontrada em
charges, histórias em quadrinhos, infográficos, mapas cartográficos, anúncios
publicitários e notícias jornalísticas acompanhadas de imagens” (GRIBL, 2009:
26). Porém, percebemos que o projeto gráfico-editorial de LDM contribui para
que, mesmo nestes gêneros, esta significação seja prejudicada.
Figura 4 - Anúncio em LDM, vol. 2, pág. 190
158
Figura 5 - Anúncio original, disponível no Acervo Digital da revista Veja
Acima, na figura 1, temos o exemplo de um anúncio, reproduzido da
página 190 do volume 2 de LDM, totalmente redesenhado para adequar-se ao
layout do LD. Na figura 2, temos o anúncio reproduzido tal qual em seu
veículo de circulação. Originalmente veiculado em página dupla, ele foi
reconfigurado para ocupar cerca de um sexto deste espaço, menos da metade
da página do livro. Acreditamos que isso tenha levado à substituição dos tipos
originais pelo tipo padrão usado em todo o LD, em corpo menor, mas que
garante a legibilidade do texto. Ainda que esta seja uma alteração justificável,
houve comprometimento da constituição do texto no gênero e, cremos, de
sua apropriação pelos alunos. No anúncio do LD não foi respeitada a
disposição original do texto e a diferenciação entre os tipos que constituem o
texto de apoio e as legendas explicativas do produto. O logo do Serviço de
Atendimento ao Cliente ganhou mais destaque que a marca e o nome do
produto, enquanto que a referência à agência de publicidade responsável pela
criação, originalmente localizada no canto superior esquerdo, simplesmente
foi suprimida. Estas ações, ao apagarem elementos importantes do contexto
de produção e circulação do anúncio, acabaram por transformá-lo em mais
um texto acompanhando de ilustração, impossibilitando que os alunos
apropriem-no como um texto autêntico, com suas estratégias de leitura e
159
interpretação específicas preservadas. Os exercícios relativos ao anúncio
sequer consideram as especificidades do gênero publicitário e o utilizam como
dado para atividades de análise textual somente.
Nas tabelas 2 e 3, temos uma panorama da utilização das imagens em
LDM, brevemente explorado nos exemplos já citados. Os dados que
levantamos apresentaram um grande contraste com a apreciação do
PNLD/2008, logo abaixo:
A coletânea traz tipos e gêneros variados da cultura da escrita (nas esferas
jornalística, científica, publicitária e literária) e das linguagens visuais. Oferece
produções artísticas diferenciadas (literatura, pintura, escultura, desenho,
fotografia) e produtos de comunicação de massa, como jornal, revista,
quadrinhos e infografia (BRASIL, 2007b: 58).
Ao contrário de uma coletânea variada e diferenciada, os dados nos
mostram que 75% das imagens de LDM são editoriais, ou seja, produzidas
especificamente para o LD, com circulação restrita à esfera escolar. Esta
característica justifica a ausência de imagens originais de materiais.
Concluindo esta primeira parte da análise, concordamos com o parecer
negativo dos avaliadores do PNLD/2008 sobre o projeto gráfico-editorial de
LDM, mas não pelos mesmos motivos. A nosso ver, mais grave que a
tipografia e disposição do texto no material, justificativa dos avaliadores para
sua apreciação, é o predomínio de textos e imagens com contextos de
produção e circulação apagados, pouca diversidade nas referências e muitas
ilustrações redundantes, sem uma real função no material que não seja a de
decorar as páginas. A configuração de LDM, mais do que desestimular a
leitura e ser pouco atrativa, não contribui para os múltiplos letramentos
exigidos em nossa sociedade, que pede novas formas de ler, interpretar e
relacionar textos, imagens e informações de forma dinâmica e ativa, nas mais
diferentes mídias (ROJO et al., s/d).
A partir da observação de TLC, obtivemos as seguintes tabelas:
Textos em “Trab. com a Linguagem” – 6º ano
Possuem direitos autorais?
Sim
Não
92
29
160
São acompanhados por ilustração?
38
83
Quanto à modalidade, são multimodais? 47
74
Quanto à extensão, são integrais?
81
40
Aparecem no suporte original?
42
79
Tabela 4
Imagens em “Trab. com a Linguagem” – 6º ano
Sim
Não
Quanto à modalidade, são multimodais? 48
107
São reprodução do suporte?
24
131
Quanto à origem, são nacionais?
133
15
Possuem direitos autorais?
50
105
São de banco de imagens?
15
140
São originais de material?
21
134
Quanto à autoria, são editoriais?
104
51
Tabela 5
Imagens em “Leitura do Mundo” – 6º ano
Esfera de circulação % Função no material % Gênero
%
Artes visuais
3
Acompanha texto
57 Fotografia
17
Burocrática
0
Dica
9
68
Cotidiana
23 Ilustra exercício
11 Pintura
Divulgação científica
4
6
Escolar
67 Integra exercício
Jornalística
3
Inicia unidade
Ilustração
2
Reprodução 13
17
Tabela 6
Foi interessante observar que, com exceção de alguns itens, os dados
de LDM e TCL são bastante parecidos. Em TCL, porém, o número de textos e
imagens chega a ser, no mínimo, duas vezes maior que em LDM, ainda que
ambas as coleções tenham aproximadamente 200 páginas em cada volume. O
fato da mancha de texto não ser predominante no material torna TCL legível e
atrativa, com um arranjo visual mais bem-sucedido que o verificado em LDM.
Na resenha do PNLD, os avaliadores elogiam a coletânea de textos de
TCL por suas temáticas relevantes e diversidade de gêneros:
161
Os textos que compõem a coletânea estimulam discussões temáticas e
linguísticas posteriormente efetivadas nos livros. Abordam temas importantes
para a formação da cidadania e da cultura do aluno – sexualidade, meio
ambiente, saúde, trabalho – e exploram gêneros textuais de relevância social
– notícias, crônicas, debates, conto, entrevista, reportagem, gráficos,
anúncios publicitários, conto, poesia, pintura, romance. (BRASIL, 2007b: 100)
Diferentemente de LDM, em que o cuidado na escolha da coletânea não
foi mantido na sua transposição para o material, em TCL o arranjo visual
contribui para seu aproveitamento. Tomando o gênero anúncio publicitário,
para contraste com o exemplo fornecido na análise de LDM, podemos
observar a figura 3, reprodução da página 49 do volume 1 de TLC. Notamos
que os anúncios escolhidos pelos autores para integrar a coletânea foram
reproduzidos
de
maneira
fac-similada
ao
suporte
original,
em
uma
configuração da página permite o contato do aluno com um texto autêntico.
Figura 6
Apesar dos gráficos revelarem um padrão bastante semelhante ao já
observado em LDM, notamos uma maior qualidade na coletânea de TCL e no
seu aproveitamento pelo projeto gráfico-editorial, deixando indícios, muitas
162
vezes, de que foi realizado um trabalho conjunto entre autor e editor.
Uma ocorrência interessante, que apareceu mais de uma vez, foi a de
textos autorais “ilustrados” por outros textos, multimodais, como no exemplo
da figura 4, reproduzido da página 17 de TCL. Sob o título Importância da
Leitura, há um texto autoral de motivação seguido por um exercício que deve
ser resolvido em casa. TCL se afasta do óbvio ao usar como ilustração a
inserção de um texto autêntico, produzido por uma aluna do 7º ano,
relatando sua experiência de leitura da obra Éramos Seis, acompanhada de
uma ilustração da história. Notemos que esta imagem não tem implicações
diretas para a atividade e poderia ser retirada, mas não sem prejuízo do
projeto pedagógico.
Figura 7
Mais uma vez, notamos que a resenha do PNLD/2008 se ateve a
características de menor relevância ao avaliar o projeto gráfico-editorial de
TCL, afirmando que “a obra conta com um projeto gráfico-editorial de boa
qualidade, [por]que facilita a localização das diversas seções e unidades
através do livro e proporciona conforto visual durante a leitura de textos e
atividades” (BRASIL, 2007b: 102). Para nós, o projeto gráfico-editorial de TCL
se mostra superior ao de LDM não apenas porque possui melhor legibilidade,
mas porque, em vários momentos, contribui efetivamente para o processo de
ensino-aprendizagem.
163
Conclusão
Nossa principal hipótese na pesquisa na qual se baseia este artigo, era de que
ações na edição e diagramação do livro, sob responsabilidade do editor,
poderiam interferir na proposta pedagógica do autor, ora comprimindo-a
numa configuração visual não condizente com os objetivos de ensinoaprendizagem, ora contribuindo para o aproveitamento do material por alunos
e professores.
Em nossa análise, pudemos verificar ocorrências dos dois tipos. A
coleção Leitura do Mundo, que teve seu projeto gráfico-editorial considerado
inadequado pelo PNLD, realmente apresentou características que não
consideramos positivas para o aproveitamento da obra. A coletânea da
coleção mostrou-se pouco diversificada, fato agravado pela forma como foi
inserida na obra. As ilustrações, pouco complexas, ficaram aquém do
esperado, não contribuindo para o letramento do alunado em outras
semioses. Já a coleção Trabalhando com a Linguagem, além de contar com
uma apresentação visual mais atrativa, possui um projeto gráfico-editorial
mais consciente que, em vários exemplos observados, foi significativo para o
aproveitamento das atividades propostas. O material destacou-se por
favorecer a coletânea optando sempre que possível pela reprodução facsimilada de textos e imagens. Esta configuração mostra que houve
colaboração do autor no seu processo de diagramação.
Ainda que, como previsto inicialmente, Trabalhando com a Linguagem
tenha mostrado um projeto gráfico-editorial mais adequado que o de Leitura
do Mundo, as duas coleções apresentaram características já conhecidas entre
os LD, abusando das ilustrações editoriais, utilizando imagens para decorar ou
preencher espaços em branco e apresentando os textos de forma pouco
criativa. Os bons exemplos encontrados em Trabalhando com a Linguagem,
infelizmente, ainda podem ser considerados exceção entre os LDs.
Consideramos que o projeto gráfico-editorial ainda não é devidamente
explorado por autores e editores e que o PNLD, que desde seu surgimento
teve o objetivo de regular e forçar melhorias na produção dos LDs, ainda
apresenta critérios insuficientes para sua definição nas obras. Houve avanços
entre as edições de 2008, que simplesmente considerava a legibilidade do
164
material: “Quanto aos aspectos gráfico-editoriais, um livro dedicado ao
ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa precisa ser legível e bem
ilustrado” (BRASIL, 2007b: 17), e a de 2011, que passa a considerar a relação
dos aspectos gráficos com o projeto pedagógico: “A proposta didáticopedagógica de uma coleção deve traduzir-se em um projeto gráfico-editorial
compatível com suas opções teórico-metodológicas, considerando-se, dentre
outros aspectos, a faixa etária e o nível de escolaridade a que se destina”
(BRASIL, 2010: 15). Porém, ainda faltam exemplos, prescrições claras e, mais
importante, a devida atenção dos avaliadores para com estes aspectos.
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Proposta Curricular do Estado de São Paulo para o Ensino
de Língua Portuguesa: Primeiras Impressões
São Paulo State Curriculum Proposal for Portuguese Language
Teaching: First Impressions
Fernanda Félix Litron, Doutoranda em Linguística Aplicada. Unicamp,
[email protected]
Resumo
Análise do currículo
dos apostilados que
para o professor, e
tais documentos a
organização.
da rede estadual de São Paulo, implantado em 2008, e
transpõem seus princípios em orientações metodológicas,
em atividades e tarefas, para o aluno. Apresentação de
partir de uma primeira apreciação de seu conteúdo e
Palavras-chave: Currículo. Didatização de Conteúdos de Língua Portuguesa.
Abstract
Analysis of São Paulo State curriculum, established in 2008, and of the books
that transpose its principles in methodological guidelines, for teachers, and in
activities and tasks, for students. Presentation of these documents from a first
impression of its content and organization.
Keywords: Curriculum. Didatictization of Portuguese Language Contents.
No ano de 2008, a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo propôs
uma vultosa reforma pedagógica a ser implantada de forma imediata em
todas as escolas da rede pública. Tal reforma apresentava um novo currículo
para as disciplinas do Ensino Fundamental e Médio, criação alicerçada no
levantamento e revisão bibliográfica de toda documentação oficial produzida
na história recente da Secretaria, em consulta e análise de publicações e
projetos existentes na rede, assim como em pesquisa às escolas e professores
sobre práticas e experiências bem sucedidas no cenário educacional paulista.
A partir desse embasamento, originou-se a Proposta Curricular do
Estado de São Paulo, documento que busca “apoiar o trabalho realizado nas
escolas estaduais e contribuir para a melhoria da qualidade das aprendizagens
de seus alunos” (SÃO PAULO, 2008b, p.8). Para que isso ocorra, a proposta
curricular é apoiada por outros materiais pedagógicos que a subsidiam, tais
como: o conjunto de apostilas curriculares de todas as disciplinas, direcionado
às escolas; documentos de apoio aos diretores e coordenadores para que
estes se tornem “líderes” na implantação do currículo; cadernos bimestrais de
orientação para o professor, bem como vídeos e cursos de apoio sobre a
fundamentação teórica de sua disciplina; e, finalmente, cadernos bimestrais
para o aluno executar tarefas segundo o caderno do professor.
Dessa maneira, a proposta curricular foi apresentada ao corpo docente
estadual, indicando a ele, a partir daí, os conteúdos a serem trabalhados em
cada disciplina. O texto de apresentação do currículo é assinado pela então
Secretária Maria Helena Guimarães de Castro, que justifica a necessidade de
um currículo oficial ao afirmar que
a criação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que deu autonomia às escolas
para que definissem seus próprios projetos pedagógicos, foi um passo
importante. Ao longo do tempo, porém, essa tática descentralizada mostrouse ineficiente. Por esse motivo, propomos agora uma ação integrada e
articulada, cujo objetivo é organizar melhor o sistema educacional de São
Paulo. (SÃO PAULO, 2008b, p.5)
Por conta desta ineficiência, a Secretária da Educação do Estado de São
Paulo salienta que sua proposta vai além de uma simples orientação, pois esta
é composta por um grande material de apoio que apresenta uma ação com
168
foco definido.
O
discurso
de
Castro
quanto
à
“ineficiência
de
uma
tática
descentralizada” e o “estabelecimento de um foco definido” refere-se à
situação em que as escolas se encontravam no momento em que ela assume
a pasta da Educação em 2007.
Segundo Martins (1996), as últimas discussões sobre currículo datavam
de 1986, quando a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas
constituiu equipes de especialistas, técnicos pedagógicos e professores das
disciplinas para um estudo e organização do currículo oficial do Estado que se
concretizou e foi implantado em 1992.
Após a sanção da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação e o
lançamento dos Parâmetros Curriculares Nacionais em 1996, o Estado de São
Paulo procurou se adequar a tais propostas federais a partir da formação
continuada de seus docentes, publicações de apoio à prática dos PCNs e
projetos para desenvolvimento da aprendizagem de seus alunos de acordo
com os novos parâmetros.
No que concerne a esta última ação, a teoria da aprendizagem a partir
da metodologia de projetos esteve em bastante evidência na gestão anterior à
da Secretária Maria Helena de Castro. A escola se organizava em torno de um
número grande de projetos desenvolvidos pelos órgãos centrais, que
formavam professores através de videoconferências e cursos periódicos
ministrados por renomados especialistas das principais universidades do país.
Ao final dessa gestão, as escolas se encontravam em meio a um número
exacerbado de projetos que, apesar de sua qualidade, acabavam tomando a
maioria da carga horária das disciplinas, cujo conteúdo mínimo estava
relegado a um segundo plano.
Diante desse histórico, pareciam ser necessários o estudo e a criação de
um currículo que redirecionasse o ensino e a aprendizagem das escolas
públicas e redefinisse as bases e princípios pedagógicos fundamentais.
Sendo assim, o documento curricular estadual de 2008 apresentaria,
portanto, tais bases teóricas, das quais destacamos duas, a saber: a noção de
competências como referência para a aprendizagem e a centralidade da
linguagem no currículo.
Inicialmente, o currículo estadual se propõe a relacionar as atividades
169
disciplinares às expectativas de aprendizagem dos alunos, dando maior
atenção à promoção e ao desenvolvimento de suas competências e
habilidades.
Este seria o fundamento central da nova proposta que se autodenomina
um “currículo referido a competências”. De acordo com esse princípio, as
competências se caracterizariam como “modos de ser, raciocinar e interagir
que podem ser depreendidos das ações e das tomadas de decisão em
contextos de problemas, tarefas ou atividades” (SÃO PAULO, 2008b, p. 14). É
através delas que o aluno se relacionará com o mundo de maneira crítica,
compreendendo-o, expressando suas ideias e compartilhando suas formas de
ser, “na complexidade em que hoje isso é requerido” uma vez que o currículo
também se compromete com os desafios contemporâneos.
O foco no desenvolvimento de competências se justifica uma vez que a
Secretaria, por meio da iniciativa da reforma curricular, se empenha em
realizar uma mudança de concepção de seus educadores quanto à noção do
que é ensinar. Para isso, o documento faz breve histórico de um tempo em
que o plano de trabalho escolar indicava o que seria ensinado ao aluno e
listava uma quantidade de conteúdos disciplinares a serem cumpridos.
No entanto, com a revisão da Lei de Diretrizes e Bases em 1996, esse
modelo desloca o foco do ensino para a aprendizagem, o que garantiria, mais
do que a liberdade do professor de se ensinar um conteúdo, o direito do aluno
de aprender o que lhe for ensinado.
Tal
filosofia
apresenta
a
noção
de
“competência”
como
uma
possibilidade de maior democratização da escola, já que a tornaria igualmente
acessível a todos, ao dar ênfase nas habilidades que seriam indispensáveis
que todos tenham desenvolvido ao final de um processo.
Para que essa transição do ensino para aprendizagem se concretizasse e
institucionalizasse no Estado de São Paulo, a proposta curricular torna-se
também portadora desse conceito, ressaltando que
“cabe às instâncias condutoras da política educacional nos estados e nos
municípios elaborar, a partir das Diretrizes e dos Parâmetros Nacionais,
Propostas Curriculares próprias e específicas, prover os recursos humanos,
técnicos e didáticos para que as escolas, em seu projeto pedagógico,
estabeleçam os planos de trabalho que, por sua vez, farão das propostas
170
currículos em ação – como no presente esforço desta Secretaria.” (SÃO
PAULO, 2008b, p. 15)
Por fim, além de centrar-se no desenvolvimento de competências, a
proposta curricular preocupa-se ainda com o desenvolvimento de duas delas
especificamente, quais sejam, as competências de leitura e escrita.
Tal prioridade existe uma vez que o documento apresenta a linguagem
enquanto um sistema simbólico a partir do qual o homem representa o que
está ao seu redor e em seu interior; é com a linguagem que ele se comunica e
expressa sua articulação com o mundo. Assim, a concepção do currículo oficial
paulista é de que
“o ser humano é um ser de linguagem e, portanto, em virtude da
centralidade da linguagem no desenvolvimento da criança e do adolescente
que esta Proposta Curricular prioriza a competência leitora e escritora.” (SÃO
PAULO, 2008b, p. 18)
Segundo as orientações curriculares específicas para a disciplina de
Língua Portuguesa, podemos compreender ainda melhor que a principal razão
de qualquer ato de linguagem é a produção de sentido, e por isso a
linguagem é a capacidade humana de articular significados.
Todas essas assertivas a respeito da linguagem estão em consonância
com as proposições tecidas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua
Portuguesa. Estes apresentam a importância do domínio da língua, tanto oral
quanto escrita, como base para a participação social efetiva, pois “é por meio
dela que o homem se comunica, tem acesso à informação, expressa e
defende pontos de vista, partilha ou constrói visões de mundo e produz
conhecimento” (BRASIL, 1997, p. 15).
Tanto os PCNs quanto a proposta curricular paulista evidenciam a
concepção de linguagem que adotam para embasar o ensino de língua
materna. Esta nos remete à noção de linguagem como forma de ação ou
interação que, para Koch (1992, p.9), “possibilita aos membros de uma
sociedade a prática dos mais diversos tipos de atos”.
Essa noção procura romper com a ideia de que a linguagem é expressão
do pensamento ou instrumento de comunicação. Rompe, também, com a
171
ideia de que a linguagem representa a realidade. Linguagem, de acordo com
essa visão teórica, é compreendida como processo de significação do mundo,
das coisas e das pessoas.
Segundo Geraldi (1985, p.43),
“mais do que possibilitar uma transmissão de informações de um emissor a
um receptor, a linguagem é vista como um lugar de interação humana:
através dela o sujeito que fala pratica ações que não conseguiria praticar a
não ser falando; com ela o falante age sobre o ouvinte, constituindo
compromissos e vínculos que não preexistiam antes da fala.”
De acordo com tal concepção, quando alguém utiliza a linguagem, está
realizando ações de natureza bastante variadas, como mandar, ameaçar ou
defender. Assim, quando uma pessoa se expressa verbalmente não se está
representando uma realidade, mas as intenções de quem produziu o
enunciado, visando determinados efeitos sobre o seu interlocutor.
A partir desse ponto de vista, portanto, o interlocutor é sujeito ativo no
processo de construção de sentidos do texto, porque tem de reconhecer as
prováveis intenções de quem produziu determinado enunciado. Isto diferencia
fundamentalmente essa concepção das anteriores.
Como se vê, a proposta curricular entende que se deve ensinar língua
materna para desenvolver no aluno sua competência comunicativa, “já que tal
desenvolvimento implica a aquisição de novas habilidades e uso da língua”
(TRAVAGLIA, 2002, p. 40).
Esse arranjo da proposta curricular não é novo ou recente. De fato,
remete a uma transformação de ideias sobre a linguagem que vem
acontecendo desde a década de 1980. A partir daí, muitos estudos se
voltaram não mais para a maneira como se ensina, mas para como se
aprende. Segundo teorias da psicogênese da língua escrita, as crianças têm
conhecimento prévio, e a alfabetização não é um processo baseado em
perceber e memorizar, mas na exposição a uma grande variedade de textos.
Foram esses estudos que se consolidaram e deram origem a práticas de
ensino que têm como ponto de partida e de chegada o uso da linguagem.
172
O Currículo de Língua Portuguesa e os Cadernos Bimestrais do
Professor
Desta forma, o ensino da língua está organizado a partir de duas vias
inseparáveis, quais sejam: a) como objeto, matéria a ser analisada
minuciosamente; e, b) como meio para o conhecimento, que proporciona ao
sujeito a construção e compreensão de conhecimento de mundo.
Contudo, no currículo oficial (SÃO PAULO, 2008a), a linguagem é menos
objeto e mais meio para o conhecimento. E quando é objeto de
conhecimento, este deve se dar a partir de sua dimensão comunicativa, em
um processo centrado na prática da expressão e da argumentação.
Se por um lado, o sujeito fala, escuta, lê e escreve, compondo-se como
um sujeito constituído pelo uso, de outro, aprende a pensar sobre sua ação,
elaborando um conhecimento sobre a língua e suas estruturas de
funcionamento.
Por essa razão, os objetivos da proposta curricular para a área de
Linguagens e Códigos são o domínio da linguagem a partir de seus princípios
geradores – ler, escrever, falar e ouvir; o processo de criação, recepção e
crítica
de
textos
com
foco
na
interação
autor-texto-leitor;
e,
a
intertextualidade como forma de relação entre objetos culturais.
A fim de transpor essas noções linguísticas para um material didático, a
Secretaria contratou uma equipe de especialistas com o intuito de instruir o
que deveria ser ensinado em cada série, a cada bimestre do ano. As
orientações chegaram, primeiro, mediante o Caderno do Professor e
videoconferências; segundo, em videoaulas componentes de um curso de
formação a distância; e, finalmente, no formato do Caderno do Aluno.
O Caderno do Professor é um material diferenciado dos demais livros
didáticos e dos tradicionais cursos apostilados. É organizado por situações de
aprendizagens que preveem o conteúdo a ser trabalhado, as competências e
habilidades mobilizadas para a aprendizagem de tal conteúdo, as estratégias,
recursos e avaliações sugeridas ao professor, além do tempo previsto para
gerir
o
tema.
As
situações
de
aprendizagem
são
intencionalmente
sequenciadas, e não se organizam por assunto, mas pretendem mobilizar e
desenvolver habilidades nos alunos que dependem da sequência proposta e
173
da forma como as atividades se desenrolam.
Em Língua Portuguesa, o conteúdo das séries do Ensino Fundamental se
organiza em torno das noções de gênero do discurso. Portanto, além de se
estudar o texto em suas propriedades formais e estilísticas, é preciso entendêlo também como um exemplar de gênero. Segundo Bakhtin (2006), todo
enunciado fatalmente fará parte de um gênero, uma vez que suas formas
linguísticas entram em uma determinada composição e são articuladas a
elementos não verbais da situação.
Os
gêneros
provenientes
de
são
“tipos
necessidades
relativamente
produzidas
estáveis
em
de
diferentes
enunciados”
esferas
da
comunicação humana. Assim, ao nos comunicarmos, utilizamos de gêneros
orais e escritos, que possuem características próprias.
Rojo (2002) explica que os gêneros fazem a mediação entre a prática
social e as atividades de linguagem dos indivíduos. De acordo com ela, os
falantes reconhecem todo evento comunicativo enquanto modelo de um
gênero. Este apresenta-se, dessa forma, como um modelo comum para os
membros de uma comunidade, intermediando as práticas sociais e as
atividades de linguagem.
Os Cadernos trazem os gêneros agrupados segundo sua tipologia que é,
grosso modo, a organização interna básica dos diferentes textos. Dolz e
Schneuwly (2000) sugerem um agrupamento de gêneros regido pelas
capacidades da linguagem envolvidas em sua produção. Estas são distribuídas
em cinco campos: o narrar, o relatar, o expor, o argumentar e o instruir.
É desta maneira que os gêneros se estruturam na proposta curricular. A
cada ano, uma tipologia se destaca e as situações de aprendizagem
apresentam
diversos gêneros que têm
uma organização interna de
determinado tipo. De forma bastante simplificada, expomos aqui o quadro
curricular do Ensino Fundamental:
6º ano
Tipologia:
Narrar
7º ano
Tipologia:
Relatar
8º ano
Tipologia:
Prescrever
9º ano
Tipologia: Expor e
Argumentar
174
Fábula
Crônica Narrativa
Conto
Letra de Música
Narrativa
Trecho de
Romances
Relato
Autobiográfico
Relato de
Experiência
Notícia
Relatório
Resumo
Carta
Bilhete
Receita
Folheto
Anúncio
Publicitário
Cartaz
Publicitário
Verbete
Artigo Científico
Crônica
Artigo de Opinião
Resenha
Debate Regrado
Relatório de
Experimento
Tabela 1 – Organização Geral de Tipologias e Gêneros no Ensino Fundamental
Obviamente, muitos outros gêneros permeiam a lista base de textos
acima. O que se pretende aqui é apenas a demonstração de uma divisão
estrutural fundamentada na noção de tipologia e gênero e que ainda
permitisse, por sua variedade, o letramento dos alunos. Estes são letrados na
medida em que reconhecem uma variedade cada vez maior de textos em sua
situação social de produção e recepção.
Trata-se do princípio do letramento que, segundo Soares (2001), referese ao estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas
também cultiva e exerce práticas sociais que usam a escrita.
O conceito de letramento considera os níveis de intimidade do indivíduo
com usos e funções da escrita e da leitura. Quando alguém sabe ler, mas só
compreende textos elementares, tal pessoa é alfabetizada, mas tem um baixo
grau de letramento. Esse grau aumenta à medida que se aprende a lidar com
variados materiais de leitura e de escrita, dos simples aos complexos. Quanto
mais textos alguém é capaz de ler e entender, mais letrado se torna.
Nessa perspectiva, por meio do letramento, o aluno reconhece o gênero
fora da sala de aula e isto significa ampliar a noção de ensino de gênero para
além de suas características. No contexto do letramento, os estudos
pressupõem
inevitavelmente
um
outro
paradigma
metodológico,
que
demonstram que os gêneros são usados para alguma coisa, não são apenas
uma lista de características. Essa é a grande mudança de paradigma que
subverte a visão estática do ensino de Língua Portuguesa.
Por essa razão, o gênero não é o centro das aulas de língua materna,
mas um instrumento pelo qual se aprende e se faz outras coisas.
175
Considerações finais
Todas essas ressalvas consistem, para nós, no cerne do questionamento de
nossa pesquisa: até que ponto todo esse arcabouço teórico foi incorporado
pelo professor da rede pública? Como ele lida com a noção de gênero e em
que grau ele compreende seus pressupostos? De que modo ele aplica as
situações de aprendizagens pressupondo um processo de desenvolvimento da
competência leitora e escritora? A concepção de linguagem do professor é
interacionista como a da Proposta Curricular? De que maneira um professor
com diferente concepção de linguagem aborda um material como a Proposta?
Nosso trabalho está iniciando essa investigação, mas podemos afirmar
que, de acordo com nossas participações de fóruns, seminários e capacitações
cujo tema foi a nova implantação do currículo do Estado, e junto a
professores que o utilizam, parte deles aplicam diariamente os cadernos de
forma mecânica, sem entender o processo de construção do conhecimento e
dos conteúdos em sua disciplina.
Essa é uma das hipóteses que temos e que se sustenta no discurso
presente em relatórios, pesquisas e cursos de formação. Dele, destacam-se
reclamações concernentes à falta de gramática nos cadernos, à repetição de
tipologias e gêneros, e à necessidade de complementar o Caderno do
Professor com listas de exercícios de fixação, por exemplo.
São reclamações que revelam, de fato, o descompasso entre o discurso
da Proposta e sua real aplicação em sala de aula. Contudo, sabemos também
que os professores da rede não foram surpreendidos por teorias totalmente
novas das quais nunca haviam ouvido falar. Antes mesmo da implantação do
currículo em 2008, inúmeros projetos da Secretaria enfocaram o ensino na
perspectiva de gêneros por um período de tempo considerável.
Ainda assim, o que observamos é uma constante prática docente que
procura rotular o gênero, deixando de ensinar gramática para ensinar o texto,
mas tratando-o da mesma forma estruturalista como se tratava os conteúdos
gramaticais.
De acordo com essas questões, estabeleceremos nossos objetivos e
metodologia de investigação, ressaltando a análise de conceitos que saíram
da universidade, instituição, segundo Dionísio, Machado e Bezerra (2005), em
176
que a polêmica e a ausência de consenso fazem parte de todo e qualquer
programa de pesquisa, mas que passam a circular na escola e que, a partir de
então, precisam de definição, ordem e classificação.
Finalmente, ainda para Dionísio, Machado e Bezerra (2005, p.12),
se considerarmos todo processo de didatização como uma forma de
construção de conhecimento na prática social segundo os parâmetros da
instituição, o trabalho do analista será o de descrever a heterogeneidade
constitutiva dos textos pertencentes a um gênero e o do professor o de
realizar as transformações necessárias para retextualização do gênero na aula
– o processo conhecido como transposição didática – que, bem realizado,
permita desenvolver no aluno a capacidade (...) de usar o gênero de forma
competente e critica, ao fornecer-lhe uma matriz externa, porém sem
aprisioná-lo num clichê pré-determinado.
Por essa razão Brait (2000) nos alerta a não rotular os gêneros, uma vez
que estes apresentam uma dinamicidade de conceituação que não se presta a
aplicações mecânicas. Segundo ela, Bakhtin não acreditava em modelos
acabados como objetos fixos, mas entendia que seus princípios contribuíam
para uma “atitude dialógica diante da linguagem” que não encerra o trabalho
em modelos preestabelecidos, contrários a um estudo histórico do texto.
Referências
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
BEZERRA, M. A.; DIONÍSIO, A. P.; MACHADO A. R. (Orgs.). Gêneros
Textuais e Ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.
BRAIT, B. “PCNs, gêneros e ensino de língua: faces discursivas da
textualidade”. In: ROJO, Roxane H. R. (Org.). A prática de linguagem em
sala de aula: praticando os PCNs. Campinas: Mercado de Letras, 2000. p.
15-25.
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nacionais: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1997.
DOLZ, J; SCHNEUWLY, B. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas:
Mercado de Letras, 2000.
177
GERALDI, J. W. (Org.). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 1985.
KOCH, I. G. V. A inter-ação pela linguagem. São Paulo: Contexto, 1992.
MARTINS, M. do C. A construção da proposta curricular de história da
CENP no período de 1986 a 1992: confrontos e conflitos. Tese de
Mestrado. Campinas, SP: [s.n.], 1996.
ROJO, R. H. R. (Org.). A prática de linguagem em sala de aula:
praticando os PCNs. Campinas: Mercado de Letras, 2000.
________. A concepção de leitor e produtor de textos nos PCN: ler é melhor
que estudar. In: M. T. A. Freitas; S. R. Costa (Orgs.). Leitura e escrita na
formação de professores. São Paulo: Musa/UFJF/INEP-COMPED, 2002, p.
31-52.
SÃO PAULO. Cadernos do professor: língua portuguesa, ensino
fundamental: 5ª – 8ª série, 1º - 4º bimestre. São Paulo: SEE, 2008a.
_______. Proposta curricular do estado de São Paulo: língua
portuguesa. São Paulo: SEE, 2008b.
SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2001.
TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de
gramática no 1º e 2º graus. São Paulo: Cortez, 2002.
178
Redes Sociais e Educação
Social Media and Education
Mariana de Souza COUTINHO, Graduanda em Comunicação Social. UFF,
[email protected]
Alexandre FARBIARZ, Doutor em Design. PUC-Rio,
[email protected]
Resumo
As redes sociais virtuais tornaram-se um fenômeno mundial, possibilitando um
canal de comunicação dinâmico e abrangente entre usuários e criando
mecanismos de integração e socialização no ambiente virtual. Todavia,
rapidamente propiciaram significativas mudanças nos hábitos de comunicação
online, especialmente no Brasil, inaugurando novos usos para suas estruturas
e recursos multimidiáticos. Nossos estudos buscam levantar indícios da
utilização de redes sociais com propósitos pedagógicos. O objetivo é
compreender o potencial dessas redes em processos de ensino-aprendizagem,
aliando os recursos de interação ali disponíveis a um status lúdico do
ambiente, mais próximo do repertório do jovem discente.
Palavras-chave: Redes Sociais, Educação, Web 2.0
Abstract
Social Networking sites became a world phenomenon. They built a wide and
dynamic way of communication between the users and create integration
mechanisms in the virtual environment. However, it quickly spread changes in
the online communication, especially in Brazil. Our principal objective in this
work is to understand the potential of these sites in pedagogical proposals,
putting together the interactivity and the novelty status of this environment.
Keywords: Social Media, Education, Web 2.0
1 Cursando graduação em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, na Universidade
Federal Fluminense; Monitora do Laboratório de Design Editorial na Universidade Federal
Fluminense.
2 Doutor em Design pela PUC-Rio, Mestre em Educação e Linguagem pela USP, Mestre em
Design pela PUC-Rio. Professor Adjunto do Departamento de Comunicação Social da
Universidade Federal Fluminense — na área de ênfase em Design Editorial; Coordenador do
Grupo de Pesquisa no CNPq Sujeitos, linguagens e suportes em contextos ciberculturais.
Introdução
Em meados dos anos 2000 as redes sociais virtuais ganharam popularidade na
internet e se tornaram um verdadeiro fenômeno entre os internautas de todo
o mundo, possibilitando um canal de comunicação dinâmico e abrangente
entre usuários e criando mecanismos de integração e socialização no
ambiente virtual.
Para Tomaél, Alcará e Dichiara (2005, p. 8, apud SOUZA e BORGES,
2009, p. 2) as redes sociais “constituem uma das estratégias subjacentes
utilizadas pela sociedade para o compartilhamento da informação e do
conhecimento, mediante as relações entre atores que as integram”. Esse
pensamento é compartilhado por Levy (1999, apud, SOUZA e BORGES, 2009)
quando explica que as redes sociais constituem-se por uma série de
participantes autônomos que unem ideias e recursos em torno de valores e
interesses em comum, sem depender de proximidades geográficas ou filiações
institucionais.
A chamada Web 2.0 inaugurou novas possibilidades de interação. Antes,
a grande maioria dos softwares para criação de conteúdo para a web era
paga e de difícil manejo. Com isso, as possibilidades de interação eram
limitadas. Atualmente, as ferramentas são mais simples e há diversas delas
gratuitas permitindo a quase qualquer pessoa poder gerar e receber conteúdo
no ciberespaço (COUTINHO & BOTTENTUIT, 2007).
(...) com a introdução da Web 2.0 as pessoas passaram a produzir os seus
próprios documentos e a publicá-los automaticamente na rede, sem a
necessidade de grandes conhecimentos de programação e de ambientes
sofisticados de informática. (COUTINHO & BOTTENTUIT, 2007, p. 1)
Nesse contexto, as redes sociais emergem como os componentes mais
relevantes da Web 2.0, já que, por meio da utilização do ciberespaço de
forma colaborativa, as informações podem ser compartilhadas. Neste
contexto, a autoridade é, de certa forma, descentralizada, “com liberdade
para utilizar e reeditar” (COUTINHO & BOTTENTUIT, 2007, p. 2). O número
de redes e as possibilidades de interação crescem a cada dia. Cresce também
180
a importância dessas redes e o tempo despendido nelas pelos usuários.
Uma pesquisa da Nielsen Consultoria3 indica que 17% do tempo gasto
na internet nos Estados Unidos em agosto de 2009 era dedicado a redes
sociais e blogs. A pesquisa também indica um aumento de 6% nesse tempo
em relação ao ano anterior.
Rapidamente, as redes sociais propiciaram significativas mudanças nos
hábitos de comunicação online, especialmente no Brasil, inaugurando novos
usos para suas estruturas e recursos multimidiáticos. Nossos estudos buscam
levantar indícios da utilização de redes sociais com propósitos pedagógicos. O
objetivo é compreender o potencial dessas redes em processos de ensinoaprendizagem, aliando os recursos de interação ali disponíveis a um status
lúdico do ambiente, mais próximo do repertório do jovem discente.
Na primeira parte do estudo, examinamos os recursos disponibilizados
nesses ambientes e procuramos entender como se processam as interações
entre os usuários. Em seguida, apresentamos uma comparação das redes
examinadas, destacando o uso dos recursos disponíveis que possam ser
utilizados em um processo de ensino-aprendizagem.
As redes sociais analisadas são o Facebook, o maior site dessa categoria
no mundo; e o Orkut, rede mais popular entre os brasileiros.
O Construtivismo e o uso de redes sociais no processo de
ensino-aprendizagem
As discussões que perpassam o construtivismo vão além do âmbito desse
artigo. No entanto, é importante ressaltar alguns conceitos dessa linha de
pensamento para enfatizar nosso investimento nas redes sociais como aliadas
no processo de ensino-aprendizagem.
Paulo Freire (1970) critica a transmissão de conteúdos didáticos de
forma descontextualizada, desconsiderando a realidade do aluno e não
propondo reflexões. No contexto descrito por Freire, o educador apenas narra
o conhecimento que é recebido passivamente pelos educandos, no que o
autor chama de Educação Bancária:
3 Online Display Ad Spending on Top Social Networking Sites More than Doubles in August
2009. Acesso em 17 de julho de 2010.
181
Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados” e depósitos que os
educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e
repetem. Eis aí a concepção “bancária” da educação (...) Na visão “bancária”
da educação, o “saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos que
julgam nada saber. (FREIRE, 1970, p.33)
Nessa perspectiva, Freire (1970) propõe a Educação Libertadora, em
que o processo de ensino-aprendizagem não é imposto, mas ocorre em uma
troca de experiências entre educador e educando, por meio do diálogo e da
reflexão:
Ambos [educador e educando], assim, se tornam sujeitos do processo em
que crescem juntos e em que os “argumentos de autoridade” já, não valem.
Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo
com as liberdades e não contra elas. (FREIRE, 1970, p. 39)
Diferente da Educação Bancária, a pedagogia Construtivista defendida
por Freire prevê que o aluno construa seu próprio conhecimento e possa ter
espaço para refletir e questionar. A Educação Libertadora também considera o
aluno individualmente com seu repertório e particularidades. Assim, esse
processo não se dá de um (professor) para muitos (alunos), mas respeita o
processo de aprendizagem individual.
Em vista disso, as redes sociais apresentam-se como um meio
interessante para esse processo já que, por meio delas, os alunos podem
compartilhar rapidamente conteúdos multimídia entre si e com o professor. O
ciberespaço possibilita que todos a ele integrados possam produzir e consumir
conteúdo. A web é um espaço interativo e colaborativo em que o aluno pode,
por exemplo, postar um vídeo relacionado à aula anterior no grupo de
discussões da turma no Facebook ou tirar dúvidas e levantar discussões pela
comunidade da disciplina no Orkut. O professor, dentro do contexto das redes
sociais, pode ficar mais próximo da realidade dos alunos que já são nativos da
era digital e já usam as redes em seu cotidiano.
Dada a importância da inserção de educadores e educandos no
ciberespaço e nas ferramentas da Web 2.0, vamos explorar a seguir o
funcionamento de duas dessas redes e quais de suas ferramentas e
particularidades podem nos ser úteis ao propósito pedagógico.
182
Explorando os recursos do Facebook
O Facebook4 é a maior rede social do mundo com mais de 400 milhões de
usuários ativos em julho de 2010 5 . Segundo pesquisas do Google 6 , o
Facebook lidera a lista dos sites mais acessados em toda a web. A rede foi
criada pelo norte-americano Mark Zuckerger em 2004 e era fechada nessa
época. Desde setembro de 2006, no entanto, qualquer internauta com mais
de 13 anos de idade pode criar um perfil no Facebook.
O site apresenta opções para mais de 70 idiomas, já que 70% dos
usuários moram fora dos Estados Unidos. São mais de 180 países interligados
pelos recursos da rede, e
A participação de brasileiros na plataforma vem crescendo nos últimos
anos. De acordo com relatórios do Google, o Facebook recebeu mais de 5,1
milhões de visitantes únicos brasileiros em abril de 2010, apenas um quarto
dos que acessaram o Orkut no país.
Para começar a usar o Facebook basta cadastrar um e-mail e preencher
o perfil, adicionando informações pessoais, fotos, vídeos, links e selecionando
amigos. Os usuários podem se associar a grupos, utilizar diversos aplicativos e
usar a opção “Curtir” para compartilhar conteúdos produzidos por outros
usuários com os amigos ligados à sua rede.
Página Inicial e Perfil
Na figura 1 vemos a “Página Inicial” de um usuário do Facebook. A página é
divida em três colunas: a central, onde são apresentadas as atualizações de
amigos e há a opção de compartilhamento de conteúdo multimídia; a da
esquerda com as informações do perfil do usuário e o menu de ações com
opções como “Mensagens”, “Eventos”, “Fotos”, “Aplicativos”, “Grupos” e
outros, sempre precedidos de um ícone relacionado; e a da direita onde o
Facebook sugere usuários a serem adicionados como amigos, aplicativos, e
apresenta propaganda de patrocinadores. Na parte de baixo da página um
4 Acesso em www.facebook.com.
5 http://www.facebook.com/press/info.php?statistics. Acesso em 17 de julho de 2010.
6 Os relatórios do Google levam em consideração apenas os visitantes únicos que usaram o
serviço de busca para chegar ao seu destino.
183
pequeno box é usado para bate-papo ao vivo com os amigos conectados na
rede.
Figura 1: Página principal de usuário do Facebook7
(acesso em junho de 2010)
O perfil público dos usuários (fig. 2), que pode ser acessado também
por quem não tem conta no Facebook, mais uma vez é divido em três
colunas: a da esquerda com foto, informações e amigos do usuário; a da
direita com sugestões de aplicativos e a coluna central onde se abrem as
páginas do menu superior – “Mural”, “Informações”, “Fotos”, “Links” e
“Vídeos”.
Figura 2: Perfil de usuário no Facebook (acesso em junho de 2010)
7 Imagens e nomes aparecem borrados nas imagens desse trabalho para preservar a
privacidade dos usuários.
184
No “Mural” ficam as atualizações do usuário, ou seja, suas ações no site
de relacionamento (amigos adicionados, participação em grupos, aplicativos,
etc) e tudo o que foi compartilhado por ele (texto, foto, vídeo, link). Na
dinâmica do Facebook os internautas compartilham multimídia em seus
murais – um usuário pode escrever no mural do outro ou enviar um link, por
exemplo.
Na parte de “Informações” entram os dados do perfil de usuário, como
data de nascimento, interesses e informações de contato. Na opção “Fotos”
aparecem todas as imagens compartilhadas pelo usuário em seus álbuns.
Assim como nas opções “Links” e “Vídeos”, aparece todo o material
compartilhado pelo internauta nessas categorias.
Compartilhamento
Nas páginas iniciais do Facebook, o usuário pode compartilhar informações
através do microblogging8 que pergunta “No que você está pensando agora?”,
e permite o anexo de fotos, vídeos, eventos e links. Na opção para anexo de
imagem, o usuário pode escolher entre as subopções: “enviar foto de sua
unidade”, “tirar uma foto com uma webcam” e “criar um álbum com muitas
fotos”. Uma imagem compartilhada aparece na opção “Fotos” dentro do
álbum “Fotos do Mural”.
Para compartilhar um vídeo o internauta deve optar por “gravar um
vídeo com uma webcam” ou “enviar um vídeo de sua unidade”. No
compartilhamento de um evento é necessário apenas que se preencha
“Título”, “Local” e “Horário”. Já para mandar um link para todos os usuários
ligados à sua rede, o internauta deve copiar o endereço do site e enviar. O
link aparecerá com o título do site, url, imagem e uma parte de texto.
Cada ação efetuada no Facebook apresenta as opções “Comentar”,
“Curtir” e “Compartilhar”.
8 Microblogging é uma forma de publicação que permite atualizações breves de texto, alguns
com limite de caracteres por mensagem, sendo a mais famosa ferramenta atualmente desta
categoria o Twitter.
185
Grupos
Os grupos de discussão no Facebook são os recursos de maior interesse neste
estudo. Tomaremos como exemplo o grupo “Niterói” (fig .3) com mais de
1.100 membros.
Figura 3: Mural do grupo “Niterói” no Facebook
(acesso em maio de 2010)
Todos os grupos no Facebook têm um nome especificado pelo
administrador, uma imagem que representa o grupo e uma descrição. O
administrador pode convidar outros internautas, amigos ou não, com perfil no
Facebook ou não, para integrar seu grupo. Os que não tiverem perfil deverão
criá-lo para integrar-se ao grupo. O mural é um espaço livre em que os
membros do grupo podem compartilhar conteúdo, seja por meio de texto,
imagem, vídeo ou link. A visualização do mural apresenta o conteúdo
compartilhado pelo usuário além de sua imagem pessoal e nome. O
administrador de um grupo no Facebook pode convidar outros usuários para
fazer parte do grupo. O convite é feito por e-mail, de modo que internautas
que ainda não participam do Facebook podem ser convidados a fazer uma
conta no site e entrar no grupo.
Na parte de “Informações” são exibidos: nome, categoria, descrição,
tipo de privacidade e informações de contato do grupo. A opção “Fotos”
permite o compartilhamento de imagens pelos membros do grupo e a seção
186
“Discussões” abriga todos os tópicos do fórum, bastando clicar no título para
visualizar as mensagens. Dentro do fórum o usuário pode responder a um
tópico postado e participar da discussão. Os comentários são exibidos mais
uma vez com a imagem e nome do usuário.
Os grupos de discussão no Facebook têm um sistema de moderação, de
forma que o administrador pode apagar postagens ou tópicos inteiros que
considerar ofensivos, assim como acontece no Orkut. O administrador do
grupo tem também o poder de incluir ou banir um participante.
Não é à toa que o Facebook é a maior rede social do mundo, além de
todos
os
recursos
citados,
o
site
conta
com
variados
aplicativos,
especialmente jogos, sendo muitas as opções de interatividade.
Sobre a interface gráfica, o Facebook apresenta fundo branco em todas
as suas páginas e detalhes em azul. Os textos vêm em preto com fonte
cursiva. A identidade visual se mantém na barra superior em azul com o nome
do site, ícones que ficam coloridos quando há novas solicitações de amizade,
mensagem ou notificações. Além disso, há um campo de busca nessa barra
superior, e um menu com “Página Inicial”, “Perfil” e “Conta”.
A navegação pelo Facebook é simples. A rede é de fácil manejo e as
ferramentas são bastante intuitivas. Uma ressalva em relação à organização
do conteúdo é a dificuldade de busca dentro de um grupo de discussões. A
busca do Facebook se refere a todo o material da rede e não especificamente
ao conteúdo inserido em um grupo ou perfil específico.
Orkut: a rede social mais usada no Brasil
O Orkut não só é a rede social mais visitada do Brasil como é dominada pelos
brasileiros, com mais de 50% do público do site segundo dados do próprio
Orkut.
A rede foi criada em 2004 pelo engenheiro turco Orkut Büyükkökten.
Logo em 2005 o Orkut ganhou sua versão em português. Em setembro do
mesmo ano, o site de relacionamento passou a fazer parte do sistema Google
Account, ou seja, para entrar na rede o usuário precisava ter uma conta do
Google.
Recentemente, o site apresentou uma nova versão, mais semelhante ao
187
Facebook, com mais recursos de interatividade e personalização. Vamos
examinar essa nova plataforma a seguir.
Página Inicial e Perfil
A página pessoal do usuário do Orkut permite personalização, ou seja, o
usuário pode trocar as cores de fundo e o tema da página de acordo com
alguns modelos pré-definidos. A página inicial (fig. 4) apresenta duas colunas.
Na coluna da esquerda está a foto do usuário junto às suas informações
pessoais, dispostas em um box geralmente de cor mais escura. Neste mesmo
box uma ferramenta de microblogging sugere: “Conte algo para seus
amigos!”, e apresenta a opção de postar um texto com no máximo 140
caracteres.
Figura 4: Página inicial de usuário do Orkut (acesso em junho de 2010)
Ainda do lado esquerdo, abaixo desse box, o usuário pode acessar um
menu com as opções “perfil”, “recados”, “fotos”, “vídeos” e outros aplicativos.
Abaixo, ficam as sugestões de amigos e os próximos aniversariantes da sua
rede de relacionamentos. Em seguida, estão dispostas as atualizações dos
usuários ligados à rede do internauta. Na coluna da esquerda são
relacionados os amigos e comunidades do usuário, organizados com imagem
e nome, ou título, no caso das comunidades.
No perfil do usuário, a parte inferior da coluna esquerda é destinada
somente às suas atualizações e aos depoimentos recebidos de outros
188
usuários.
Comunidades
Uma das ferramentas disponíveis no Orkut são as comunidades. Todos que
possuem um perfil na rede podem criar ou participar de um número ilimitado
de comunidades. Nesses espaços os usuários se reúnem em torno de
determinado assunto de interesse comum e podem abrir tópicos de discussão
ou responder a tópicos já existente nos fóruns.
Tomando
como
exemplo
a
comunidade
“Niteroi/Niterói”
(fig.5),
podemos observar como é composta uma página inicial das comunidades do
Orkut. Uma foto que representa a comunidade fica no canto superior
esquerdo da página. Ao lado está o nome da comunidade, seguido da
descrição, categoria, moderadores e demais informações.
No lado direito da página, encontramos um box com os nomes e
imagens dos membros da comunidade. Abaixo, outro box com as imagens e
títulos de outras comunidades relacionadas escolhidas pelo dono do grupo em
questão.
Na parte inferior da página ficam os links para os fóruns, tópicos de
discussão, seguidos dos aplicativos da comunidade, como enquetes e eventos.
Figura 5: Comunidade “Niteroi/Niterói” no Orkut (acesso em junho de 2010)
Dentro de cada tópico de discussão, as postagens dos usuários são
189
dispostas verticalmente na página. A data da postagem aparece no lado
direito do bloco.
Figura 6: Tópico da comunidade Niterói/Niteroi no Orkut
(acesso em julho de 2010)
As comunidades do Orkut têm um sistema de moderação, de forma que
o proprietário e os moderadores podem apagar postagens ou tópicos inteiros
que considerarem ofensivos. O proprietário da comunidade tem também o
poder de incluir ou banir um participante do grupo.
Dentro dos fóruns, os usuários só têm a opção de compartilhar textos,
sem poder agregar fotos ou vídeos em suas mensagens, por exemplo. Para
tanto, eles têm de se valer de recursos externos ao Orkut.
Sobre a interface gráfica, o Orkut costuma ter fundo claro colorido e
apresenta o conteúdo em boxes em branco. As opções do menu vêm sempre
acompanhadas de ícones relacionados. As interfaces das comunidades
aparecem sempre em tons de azul. A barra superior está presente em todas
as páginas com a logomarca do Orkut, menu com opções de “Início”, “Perfil” e
“Comunidades” e campo de busca. Assim como no Facebook, a navegação no
Orkut é simples, com muitos links.
Comparação de recursos das redes sociais nos fóruns de
discussão
190
A partir da observação dessas duas redes, podemos estabelecer algumas
diferenças entre elas no que se refere aos fóruns de discussão: grupos no
Facebook e comunidades no Orkut. Tais fóruns seriam as ferramentas mais
interessantes para nosso objetivo de trabalhar com redes sociais na educação,
já que os discentes e o docente poderiam ter seus próprios perfis na rede e
ter um ponto de encontro para a discussão e o compartilhamento de conteúdo
no ambiente desses fóruns.
Compartilhamento de
texto
Compartilhamento de
fotos
Compartilhamento de
vídeos
Compartilhamento de
áudio
Compartilhamento de
link
Bate-papo
FACEBOOK
(grupos de
discussão)
Pode ser feito no mural
ou dentro dos tópicos
de discussão. O campo
de resposta aparece ao
final das postagens na
mesma página.
Apenas no mural da
comunidade. Dentro dos
tópicos de discussão
não há essa
possibilidade.
Apenas no mural da
comunidade. Dentro dos
tópicos de discussão
não há essa
possibilidade.
Não é possível.
Sim, diretamente pelo
mural. Mas não pode
ser anexado às
respostas em tópicos do
fórum.
Sim.
ORKUT
(comunidades)
Apenas dentro dos
tópicos listados no
fórum. Abre-se uma
nova janela para a
resposta.
Não é possível.
Não é possível.
Não é possível.
Não diretamente. O link
pode ser copiado na
resposta. Mas não há
opções de anexo.
Sim, pelo Google Talk.
Tabela 1: Comparação dos recursos interativos das redes sociais nos fóruns de
discussão
Como podemos observar na tabela 1, o Facebook apresenta maiores
possibilidade de compartilhamento multimídia por apresentar um “mural” nas
páginas dos grupos de discussão. Fotos, links e vídeos podem ser
compartilhados no mural, mas não dentro dos tópicos específicos.
191
Já no Orkut não há possibilidades de se anexar conteúdo multimídia às
respostas do fórum.
Quanto à navegação, o Facebook apresenta maior dinamismo com o uso
do mural nos grupos de discussão. O Orkut, por outro lado, apresenta busca
por tópicos dentro do fórum, o que facilita a seleção de informação.
A duas redes são de simples manejo. A interface gráfica do Facebook,
no entanto, é menos poluída que a do Orkut com mais brancos e o uso de fios
para dividir as colunas.
Exemplo de investida bem sucedida no uso da Web 2.0 em
educação
Na continuação do presente trabalho pretendemos aplicar o uso de rede social
no processo de ensino-aprendizagem de uma turma do curso de graduação
em Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense. Para melhor
planejamento e entendimento do processo nos remetemos a um exemplo
bem-sucedido na Universidade do Minho, em Braga, Portugal, descrita em
artigo de Clara Coutinho & João Bottentuit Junior (2007).
A pesquisa aplicou o uso de blogs, wiki9 e da rede Del.ici.ous10 em uma
turma da disciplina Prática Pedagógica I do 2º ano do curso de Licenciatura
em Ensino da Biologia e Geologia da referida universidade. Os alunos dessa
turma não se configuravam apenas como discentes, mas como futuros
professores que ao entrar no âmbito da Web 2.0 não iriam apenas
compartilhar conteúdo para a disciplina proposta, como aprenderiam a lidar
com essas ferramentas com seus futuros alunos em sala de aula.
No âmbito das atividades da disciplina os 15 alunos se dividiram em 5
grupos e montaram blogs, wikis e Del.ici.ous sempre com a orientação e
acompanhamento da professora. Ao final do processo foram distribuídos
questionários anônimos para a discussão dos resultados: muitos alunos nunca
tinham ouvido falar nos termos “Web 2.0” e “wiki” antes da atividade, e
depois dela todos afirmaram considerar essas ferramentas extremamente
9 Um wiki é um site na web que permite o trabalho coletivo de um grupo de autores, onde
todos podem editar o conteúdo. O maior exemplo de wiki atualmente é a Wikipedia.
10 O Del.ici.ous é uma rede de bookmarking em que se pode compartilhar links.
192
importantes
no
processo
de
ensino-aprendizagem
e
afirmaram
que
pretendiam usá-las com seus futuros alunos.
Considerações finais
Está clara, portanto, a importância da inserção de educadores e educandos
nas redes sociais virtuais. As duas redes analisadas neste trabalho são
populares entre os alunos e fazem parte de seu repertório.
Percebemos na análise das redes, diferenças quanto a navegação e o
compartilhamento de conteúdo, além da interface gráfica. O Facebook
apresenta mais opções de compartilhamento. No entanto, nada impede que
se compartilhe vídeos e fotos por meio de links e de sites como o Scribd11
dentro dos tópicos do Orkut.
Uma ressalva já explicitada quanto ao Facebook é a dificuldade de se
categorizar e buscar conteúdo dentro de um grupo de discussão. Uma opção
pode ser a utilização de outros recursos, como blogs ou wikis, em conjunção
com as redes sociais.
Por ora, acreditamos que o Facebook é a rede mais indicada para uma
investida de redes sociais na educação, devido a suas possibilidades de
compartilhamento e ao dinamismo da própria rede.
Agradecimento
Agradecemos à Universidade Federal Fluminense (UFF), através da PróReitoria de Assuntos Acadêmicos pelo apoio à pesquisa realizada.
Referências
COUTINHO, Clara P; BOTTENTUIT JUNIOR, João B. Blog e Wiki: Os Futuros
Professores e as Ferramentas da Web 2.0. Anais do IX Simpósio
Internacional de Informática Educativa, Porto, Portugal, 2007, p.199204.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo. Paz e Terra, 1970.
11 O Scribd é um site para compartilhamento de conteúdo que pode ser acessado em
www.scribd.com.
193
SOUZA, Samuel Mercês; BORGES, Luzineide Miranda. As redes sociais virtuais,
os nativos e imigrantes digitais. Anais do III Encontro Nacional Sobre
Hipertexto. Belo Horizonte, 2009, p.2-9.
194
Variação linguística e pluralidade cultural: como, por que
e para quem elaboramos propostas didáticas
Linguistic variation and cultural plurality: how, why
and for whom we elaborate didactic proposals
Ângela Marina Bravin dos Santos, Doutora em Língua Portuguesa.
UFRRJ,[email protected]
Resumo
Esta oficina teve por objetivo discutir impropriedades conceituais presentes
nos livros didáticos de português no tocante à relação entre variação
linguística e pluralidade cultural, o que ocorreu no primeiro momento do
trabalho; na segunda etapa, foram desenvolvidas propostas didáticas em que
se relacionaram fenômenos variáveis à modalidade escrita do português.
Palavras-chave: Variação linguística; Livro didático; Língua Portuguesa
Abstract
This workshop aimed to discuss conceptual inadequacies present in
Portuguese textbooks concerning the relationship between linguistic variation
and cultural plurality, what was done in the first stage of the work; in the
second stage, we developed didactic proposals in which variable phenomena
were related to the written form of Portuguese.
Keywords: Linguistic variation; Textbook; Portuguese language
Introdução
Este trabalho teve por objetivo discutir propostas didáticas que contemplam a
variação linguística como parte integrante da competência linguística do
indivíduo. O que se pretendeu mostrar é a possibilidade de o professor poder
explorar os fenômenos variáveis do português brasileiro de forma a levar os
alunos a se sentirem competentes no uso da sua língua materna, seja na
modalidade escrita, seja na falada.
Variação linguística e PCN de Língua Portuguesa
No que se refere ao ensino de Língua Portuguesa, os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs), com base em pressupostos da Sociolinguística, propõem a
participação crítica do aluno diante das variedades linguísticas inerentes a
qualquer idioma. Para dar conta desse aspecto, alguns livros didáticos
adotados por escolas urbanas, especialmente da cidade do Rio de Janeiro,
desenvolveram
atividades
relacionadas,
quase
sempre,
às
variantes
estigmatizadas sem, contudo, levar em conta a competição entre as formas
lingüísticas, bem como os contextos estruturais e sociais em que elas se
realizam. Além disso, não se considera a variação parte da competência
linguística de qualquer falante. A abordagem restringe-se à necessidade de
levar o aluno a conhecer e respeitar os diferentes registros sociais e regionais.
A impressão que se tem é a de que só ocorre variação lingüística na fala de
pessoas de regiões interioranas ou de indivíduos com baixo grau de
letramento. Como ilustração, vejamos um tipo de atividade (AMARAL et alli,
2003, p.334) que confirma essa afirmação:
VÍCIO NA FALA
PARA DIZEREM MILHO DIZEM MIO
PARA MELHOR DIZEM MIÓ
PARA PIOR PIÓ
PARA TELHA DIZEM TEIA
PARA TELHADO DIZEM TEIADO
E VÃO FAZENDO TELHADOS.
OSWALD DE ANDRADE
196
Questão proposta:
O autor está censurando, isto é, criticando as pessoas a quem ele se refere ou
revela respeito a elas? Justifique.
Veja que o poema serve de apoio para reflexões acerca do preconceito
linguístico em relação a variantes estigmatizadas que, nesse texto, estão
representadas pela despalatalização da lateral, como se vê em mio, teia,
teiado – e pelo apagamento da vibrante em mio e pió. A resposta esperada
seria a de que o poeta revela respeito por pessoas que realizam tais variantes:
“Ao afirmar “vão fazendo telhados”, ele revela respeito por esses falantes,
valorizando-os pela importância de sua função social” (AMARAL, 2003:334).
Não há preocupação em mostrar para o aluno que, no poema de Oswald,
deveria estar registrado também o alteamento da vogal média posterior /o/
nas palavras mio e teiado, uma vez que o indivíduo que despalataliza a lateral,
provavelmente, também eleva as vogais médias. Nesse último caso, tem-se
uma variação lingüística comum a falantes não só de diferentes regiões, mas
de níveis de escolaridade diversos.
Como não se considera a elevação das vogais um fenômeno
estigmatizado, a variação das médias não é discutida em sala de aula. Não se
apresentam também outras estruturas menos estigmatizadas e, por isso,
frequentes na fala do aluno, como a supressão do [r] em infinitivos verbais (
desenvolver>desenvolvê, nas formas do futuro do subjuntivo estiver > estivê)
e nos adjetivos , substantivos e advérbios polissilábicos ( melhor> melhó;
regular>regulá, amor>amo), reforçando-se a idéia de que alunos de escolas
urbanas estão livres de variação lingüística, o que, decididamente, constitui-se
num equívoco com conseqüências graves para o ensino da língua portuguesa.
Na visão estruturalista, considera-se a língua um objeto homogêneo.
Isso significa que, nesse modelo, a variação linguística fica à margem do
sistema linguístico, domínio, por excelência, da invariância, com o qual o
paradigma variacionista rompe ao pressupor uma concepção de língua em
que a heterogeneidade é característica inerente ao sistema e, por
consequência, parte integrante da competência lingüística do falante. È
justamente nesse pressuposto que os Parâmetros Curriculares Nacionais se
pautaram para a elaboração das diretrizes do ensino de Língua Portuguesa:
197
...o estudo da variação cumpre papel fundamental na formação da
consciência linguística e no desenvolvimento da competência discursiva do
aluno, devendo estar sistematicamente presente nas atividades de Língua
Portuguesa. (PCN, 1998:81-82)
Considerar, portanto, a variação como aspecto fundamental no
desenvolvimento da competência discursiva do aluno é reconhecer o fato de
que sua fala e escrita são construídas discursivamente por formas linguísticas
que competem entre si. Trata-se do que a Sociolingüística chama de variantes
linguísticas, ou seja: as “diversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um
mesmo contexto, e com o mesmo valor de verdade” (TARALLO,1985:8).
À medida que o indivíduo alcança um grau de letramento mais
avançado, aumenta seu conhecimento linguístico, levando-o a optar por uma
ou outra variante a depender da sua necessidade discursiva. Logo, não
constitui nenhuma impropriedade teórica pressupor que o sujeito mais letrado
possui mais variação linguística, o que deveria nos levar a desfazer o equívoco
de considerar os eventos orais e escritos produzidos na escola, principalmente
nas urbanas, isentos de variação.
Mas constitui um equívoco classificar dicotomicamente oralidade e
escrita, admitindo-se a demarcação de limites entre uma e outra modalidade
como se construções do oral não estivessem presentes nos textos escritos.
Para explicar essa interpenetração da fala na escrita, ou vice-versa, BortoniRicardo (2006) propõe uma linha imaginária a que chama de contínuo
oralidade – letramento, ao longo do qual dispõe eventos de letramento e
eventos de oralidade. A diferença é a de que, nos primeiros, há o apoio do
texto escrito, como em uma aula, por exemplo, onde também podem ocorrer
minieventos de oralidade em que não se tem um roteiro escrito previamente.
Propostas didáticas
Discutidos tais pressupostos, foram apresentados aos participantes da oficina
textos da modalidade escrita que servissem de base para propostas didáticas.
A ideia era a de que eles desenvolvessem itens de múltipla escolha acerca dos
fenômenos variáveis do português que ocorrem dentro do contínuo proposto
por Bortoni-Ricardo (2006), mas, na verdade, a pedido dos participantes,
198
procedeu-se a um debate sobre as questões de variação nas escolas urbanas
do Brasil no tocante à postura do professor de português em sala de aula.
Discutiu-se, principalmente, uma possível abordagem didática do fenômeno
da concordância nominal.
As formas da concordância nominal são apresentadas pela tradição
gramatical como se sua realização fosse invariável, ou seja: como se a
combinação entre os elementos em acordo ocorresse sempre diante da
presença fonética da flexão e em todos os contextos. Ora, a concordância
nominal, no PB, constitui um fenômeno variável em que competem realização
e não-realização da regra. A escola, na avaliação dos textos dos alunos,
valoriza apenas a primeira variante, estigmatizando a segunda, especialmente
nos contextos em que o determinante figura bem próximo ao elemento
determinado. Assim, dificilmente, encontraremos na escrita dos alunos uma
estrutura como em (1):
(1) Aqueles menino bonito
Por outro lado, o monitoramento escolar não atua tão ferozmente quando se
trata de contextos menos marcados, conforme se vê em (2) e (3):
(2) Foi descartada as possibilidades de entendimento entre o Governo e os
professores, ficando os alunos a se sentirem perdidos.
(3) Foram retirado das letras musicais sete palavras, aleatoriamente.
Ocorrendo um adjetivo em construções predicativas/passivas, numa
posição anteposta ao sujeito, a ausência da flexão não é tão estigmatizada
quanto em (1). Entretanto, tais estruturas competem com formas como as
que aparecem em (4) :
(4) Foram percebidas as piadas que o Prefeito fez.
Diante disso, como o professor de português deve proceder? Esse
questionamento direcionou o debate final, sistematizado pela proposta de
199
Brandão (2007:80-81), que se mostra consoante os Parâmetros Nacionais de
Língua Portuguesa. Segundo a autora, devemos:
(a) chamar a atenção do aluno para o fato de haver, em português, pelo
menos dois padrões básicos e opostos de aplicação da categoria de número
plural no âmbito do SN:
I) um, redundante, em que se usa a marca em todos os constituintes
flexionáveis do SN;
II) outro, simplificado, em que se utiliza a marca no primeiro constituinte, ou
nos constituintes pré-nucleares…
(b) enfatizar que todos esses padrões são funcionais, isto é, atingem os
mesmos objetivos comunicativos e, por isso, são igualmente válidos;
(....)
(e) levar o aluno a selecionar SNs de textos orais/escritos tipologicamente
diversos, mas, a princípio, próximos de sua realidade social, de modo que ele
identifique os mecanismos predominantes nas diferentes variedades e
modalidades da língua e, assim, introjete a noção de norma e, sobretudo, a
de pluralidade de normas; (...)
Considerações finais
Parece que a oficina apresentada suscitou questões veladas no ensino de
lingua portuguesa no Brasil, uma vez que o comportamento dos participantes
foi de surpresa diante dos problemas apontados nos livros didáticos. A
conclusão a que se chegou é a de que se torna necessária uma revisão, nas
escolas brasileiras, das abordagens didáticas sobre variação linguística. Ficou
clara a importância de as propostas pedagógicas considerarem o fato de que
a variação linguística ocorre em quaisquer registros linguísticos, estando os
fenômenos distribuídos num contínuo oralidade-letramento e que resultam
numa diferença de grau muito mais do que de natureza entre a fala de
pessoas do interior ou de indivíduos menos escolarizadas e a fala dos
moradores das grandes cidades com maior grau de escolaridade.
200
Referências
AMARAL, Emília e outros. Novas palavras. São Paulo:FTD.2003, p.334.
BORTONI-RICARDO, S. M. Educação em língua materna:
sociolingüística na sala de aula. São Paulo: Parábola, 2004.
a
BRANDÃO,S.F.Concordância nominal In: Ensino de gramática:descrição e
uso. São Paulo:Contexto, 2007 p. 56-83.
BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÂO FUNDAMENTAL/MINISTÉRIO DA
EDUCAÇÃO. Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua Portuguesa – 5a
a 8a série do Ensino Fundamental. Brasília/DF:SEF/MEC.1998.
TARALLO, Fernando. A pesquisa sociolinguística. São Paulo, Ática. 1985.
201
Projeto gráfico
Ricardo Artur Pereira de Carvalho
Arte
Barbara Jane Necyk
Diagramação
Maíra Lacerda
Site
http://www.letras.puc-rio.br/2silid/
Romulo Miyazawa Matteoni