DIREITO E LITERATURA: ESTUDO DO CONTO “O ALIENISTA

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DIREITO E LITERATURA: ESTUDO DO CONTO “O ALIENISTA
DIREITO E LITERATURA:
ESTUDO DO CONTO “O ALIENISTA” SOB A PERSPECTIVA DO
ARGUMENTO DE AUTORIDADE
RESUMO
Leandro Sandes Oliveira
Discente de Direito – Faculdade de
Balsas/UNIBALSAS – [email protected]
Rafael Pitta
Docente em Direito - Professor da Faculdade
de Balsas/UNIBALSAS - [email protected]
Direito e Literatura, duas matérias distintas, mas ao mesmo tempo
próximas, começando pela base fundamental de ambas, que são as
palavras, seus respectivos profissionais se destacam pela maneira
única e eficaz de escrever, descrever e argumentar. Dessa forma o
Direito com suas várias técnicas de argumentação, tem destaque,
dentre elas, o argumento de autoridade. A relação entre o Direito e a
Literatura pode ser exemplificada de diversas formas e, no presente
trabalho tal relação será demonstrada através do olhar do argumento de
autoridade no conto O Alienista, obra de Machado de Assis. Com isso, a
proximidade entre as duas matérias focada na argumentação se faz de
uma maneira única, onde uma complementa a outra. O argumento de
autoridade deve ser utilizado com muita atenção, pois o mesmo pode
valorizar ou desvalorizar uma tese, tais fatos serão demonstrados,
exemplificado através da Literatura e do Direito, sempre focando nesta
proveitosa relação.
Palavras Chaves: Argumento de autoridade. Direito e Literatura.
ABTRACT
Law and literature, two distinct matters, but at the same time,
starting with the fundamental basis of both, which are the words, their
respective outstanding professionals for effective and unique way to
write, describe and argue. In this way the right with their various
techniques of argument, has featured, among them, the argument of
authority. The relationship between law and Literature can be
exemplified in a number of ways and, in this work such a relationship will
be demonstrated through the eyes of the argument of authority on the
short story The alienist by Machado de Assis. With that, the proximity
between the two focused on the argument is a unique way where one
complements the other. The argument of authority must be used very
carefully, because it can enhance or devalue a thesis, such facts are
stated, exemplified through literature and the law, always focusing on this
fruitful relationship.
Key words:. Argument of authority. Law and Literature.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho científico tem como objetivo
demonstrar uma das relações possíveis entre o Direito e a
Literatura. Tal objetivo será especificado através do
argumento de autoridade, que representará o Direito, e o
Conto O Alienista de Machado de Assis, que representará
a Literatura.
O tema será abordado de maneira bastante direta e
de fácil compreensão, expondo desde os simples
conceitos até complexas maneiras de utilização dos
argumentos. Além disso, a relação entre Direito e
Literatura será exemplificada através do conto, onde o
personagem principal utiliza de maneira brilhante e muitas
vezes exagerada do argumento de autoridade. Tal fato
condiciona o relacionamento direto entre Direito e
Literatura, sendo possível a exemplificação do argumento
de autoridade através das duas matérias.
O Direito e a Literatura vêm sendo estudados de
maneira que a literatura possa dar base ao direito, não
somente através de obras literárias, mas também
relacionado argumentações e problematizações do direito,
partindo, nesse caso, de pressupostos teóricos
encontrados na Literatura e aplicando em casos concretos
dentro do Direito. O argumento de autoridade, matéria
intrínseca ao direito, foi estabelecido de uma forma sagaz
na obra o Alienista, condição esta que tornou possível o
relacionamento tanto na parte teórica quando prática entre
o Direito e a Literatura.
MATERIAL E MÉTODOS
Para a realização do presente artigo cientifico, foram
utilizadas obras doutrinárias, um conto literário e revistas
cientificas relacionadas ao âmbito jurídico. Em seguida, e
na mesma linha de raciocínio, utilizou-se o método
qualitativo, método este em que o objeto de estudo é a
obtenção de dados descritivos mediante contato direto e
interativo do pesquisador com a situação, onde o
pesquisador procurou entender os fenômenos, segundo a
perspectiva dos participantes da situação estudada,
situando a sua interpretação dos fenômenos.
Quanto ao objetivo, a pesquisa foi exploratória,
proporcionando maior familiaridade com o problema e ao
mesmo tempo levantando dados bibliográficos ou estudos
de caso. Foi utilizado o método dedutivo, que diante da
existência de uma teoria, trabalha para provar que os
fenômenos observados se enquadram naquela teoria, ele
é empregado para provar que um fato é uma amostra de
algo que já foi estudado e fundamentado. Portanto, é um
método de tentativas de eliminação de erros,
reconhecendo que o conhecimento absolutamente certo e
demonstrável não é alcançado.
Segundo Marconi (2002, p. 19) “É dedutivo o
raciocínio que parte do geral para chegar ao particular, ou
seja, do universal ao singular, pela argumentação
dedutiva, o fato encerra em si a explicação de outro igual,
mas menos geral. O processo dedutivo leva o pesquisador
do conhecido para o desconhecido, mas também de
alcance limitado”.
RESULTADO E DISCUSSÃO
CONCEITO DE ARGUMENTO
Segundo Abreu (2007) a palavra argumento pode
ser definida etimologicamente como vencer junto com o
outro. O argumento pode ser definido como sendo uma
arte, a arte de convencer e persuadir, onde o
convencimento é dependente do gerenciamento das
relações, onde mais do que falar a razão do outro, se faz
necessário demonstrar e provar tais asseverações.
Da mesma forma, segundo Voese (2006) a
argumentação, mais especificamente, a argumentação
jurídica, é o objeto, a linguagem e a ferramenta de trabalho
do profissional do Direito, pois, no momento em que ele
interpreta, conduz as referências linguísticas, e quando
justifica o que se foi produzido, expõe em cena recursos da
língua e do discurso, ou seja, a argumentação.
Argumentar é a arte de convencer e persuadir.
Convencer é saber gerenciar informação, é falar à
razão do outro, demonstrando, provando.
Etimologicamente, significa vencer junto com o outro
(com + vencer) e não contra o outro. Persuadir é saber
gerenciar relação, é falar à emoção do outro. A origem
dessa palavra está ligada à preposição per, ”por meio
de” e a Suada, deusa romana da persuasão.
Significava ”fazer algo por meio do auxílio divino”. Mas
em que convencer se diferencia de persuadir?
Convencer é construir algo no campo das ideias.
Quando convencemos alguém, esse alguém passa a
pensar como nós. Persuadir é construir no terreno das
emoções, é sensibilizar o outro para agir. Quando
persuadimos alguém, esse alguém realiza algo que
desejamos que ele realize. (ABREU, 2006, p.07).
ARGUMENTO DE AUTORIDADE NO ÂMBITO JURÍDICO
Dentro do âmbito jurídico, o argumento de
autoridade pode se estabelecer de diversas formas, sendo
utilizado normalmente por meio de citação de doutrina no
discurso forense, ou por algum tipo de jurisprudência.
Desta forma, Rodríguez (2006) afirma que:
A citação da doutrina representa o uso mais comum de
argumento de autoridade em nosso discurso forense
atual. Reconhecendo-se professores com vasto
conhecimento e obras de notório valor cientifico,
buscam-se manifestações suas que estejam de
acordo com a tese estabelecida pelo argumentante,
de tal modo que prevaleça sua opinião contrária em
relação à parte adversa. ( RODRÍGUEZ, 2005, p. 112)
No mesmo sentido, Voese (2006) analisa que o
argumento de autoridade dentro do Direito é trabalhado
geralmente por meio de exemplificação, ou seja, toma-se
um julgamento já ocorrido como orientação para a
interpretação e avaliação duma nova situação. Com isso o
argumento de autoridade pode se tornar importante arma,
sempre dando atenção no tocante ao limite em que se
puder sustentar, onde a distância histórica não torna
imprópria a comparação dos dois momentos, o da
utilização do argumento de autoridade e o próprio
argumento, sendo necessário e obrigatório para o
profissional ter uma doutrina e jurisprudência atualizada.
Da mesma forma, mas com um olhar mais crítico,
Perelman (1996) ressalta a importância do argumento de
autoridade relacionado aos juristas posto que, na busca da
justiça, o argumento de autoridade se torna inevitável,
observando que:
Mas não‚ uma ilusão deplorável crer que os juristas se
ocupam unicamente com a verdade, e não com justiça
nem com paz social? Ora, a busca da justiça, a
manutenção de uma ordem equitativa, da confiança
social, não podem deixar de lado as considerações
fundamentadas na existência de uma tradição
jurídica, a qual se manifesta tanto na doutrina quanto
na jurisprudência. Para atestar a existência de
semelhante tradição, o recurso ao argumento de
autoridade é inevitável. (PERELMAN, 1996, p. 349).
RESUMO SOBRE O CONTO: O ALIENISTA
O conto de Machado de Assis, denominado de O
Alienista, se passa durante o século XIX, narrando à
história de um médico Simão Bacamarte, que se casa com
a Dra. Evarista na tentativa de ter futuros herdeiros e vê
suas esperanças frustradas. Dessa forma, decidiu dedicarse ao estudo do cérebro humano, mais especificamente
sobre a sanidade e a loucura. Foi dessa forma que decidiu
construir uma residência, sendo utilizada unicamente para
receber e tratar os loucos da cidade, servindo dessa forma
para aprofundar nos seus estudos sobre a razão e a
loucura. Tal local ficou conhecida como a casa verde.
No início a casa verde foi bastante elogiada por
todos, pois era algo novo, revolucionário, onde a maioria
da população acreditava que tal projeto só teria a
beneficiar os mesmos. Mas toda essa situação se inverte
quando a casa verde começa a internar qualquer pessoa
que cometesse pelo menos uma única vez um desvio, o
qual não condizia com o comportamento mediano
visualizado pelo Dr. Bacamarte. Desta forma, muitas
pessoas cuja loucura foi atribuída, a população de
Itaguaí(?) não acreditava.
Com isso, o Dr. Bacamarte foi acusado de internar as
pessoas por ódio, ou cobiça, capricho, ou ganância, ou
tudo junto, menos por motivos científicos. Com toda essa
indignação, começou de forma gradativa uma rebelião,
liderada pelo barbeiro Porfírio, que aproveitou do momento
para se autopromover e alcançar ambições pessoais,
utilizando sempre de bons argumentos seguiu em frente
com a rebelião das canjicas. Porfírio e sua rebelião
acabam vitoriosos, mas em seguida compreende a
necessidade da Casa Verde e alia-se a Simão Bacamarte,
fato este que não durou muito tempo, pois logo em seguida
o Porfírio caiu, entrando em seu lugar o seu rival de
profissão, o barbeiro João Pina, gerando uma intervenção
pelo vice-rei, colocando tudo novamente em ordem, com
isso o Dr. Bacamarte voltou a se sobrepor mais do que
nunca como uma autoridade na sua área, com isso boa
parte da população foi internada, situação esta que fez
toda a cidade ficar apavorada, tudo isso acabou fazendo o
Alienista (Dr. Bacamarte) repensar nos seus métodos,
soltando todos os recolhidos da casa verde e adotar
critérios inversos para a caracterização da loucura, onde
os loucos agora seriam todas as pessoas que tivessem um
perfeito equilíbrio, sem desvio de condutas, enfim, depois
de vários estudos e reflexões o alienista conclui que ele
próprio seria o único sadio e reto na cidade, ou seja,
segundo a sua teoria ele seria o único anormal dentre
todos, com isso o sábio Alienista internou-se na sua própria
Casa Verde, morrendo dezessete meses depois,
recebendo honras póstumas. (ASSIS, 1994).
DIREITO E LITERATURA: O ALIENISTA SOB O
OLHAR DA ARGUMENTAÇÃO DE AUTORIDADE
A obra O alienista é repleta e abundante quando o
tema é argumentação, onde os seus personagens utilizam
de um vasto repertório para defender suas opiniões e
causas. No desenrolar do enredo, é perceptível os tipos de
argumentações utilizados, tais como a argumentação de
reciprocidade e, sobretudo, a argumentação de
autoridade, conforme Assis (1994) descreve:
Mas a ciência tem o inefável dom de curar todas as
mágoas; o nosso médico mergulhou inteiramente no
estudo e na prática da medicina. Foi então que um dos
recantos desta lhe chamou especialmente a atenção, o recanto psíquico, o exame de patologia cerebral.
Não havia na colônia, e ainda no reino, uma só
autoridade em semelhante matéria, mal explorada, ou
quase inexplorada. Simão Bacamarte compreendeu
que a ciência lusitana, e particularmente a brasileira,
podia cobrir-se de "louros imarcescíveis", —
expressão usada por ele mesmo, mas em um arroubo
de intimidade doméstica; exteriormente era modesto,
segundo convém aos sabedores. (ASSIS, 1994, p. 02)
Nessa parte supracitada é perceptível a intenção do
narrador, em que o médico utilizaria o seu notório
conhecimento dentro de uma determinada área para
alcançar seus futuros objetivos, que seria convencer o
governo a construir uma casa para suas experiências
científicas. Tal conceito pode ser definido como argumento
de autoridade. Neste mesmo sentido, segundo Voese
(2006), o argumento de autoridade é valorizado de acordo
com as falas, ou seja, de acordo com o prestígio do lugar
social que o individuo ocupa, onde não só a força ou poder
determina tais segmentos sociais, mas também, à
importância que se dá a certas atividades acadêmicas e
profissionais.
Da mesma forma seguia-se um debate entre o
Alienista e o boticário Soares:
A caridade, Sr. Soares, entra decerto no meu
procedimento, mas entra como tempero, como o sal
das coisas, que é assim que interpreto o dito de São
Paulo aos Coríntios: "Se eu conhecer quanto se pode
saber, e não tiver caridade, não sou nada". O principal
nesta minha obra da Casa Verde é estudar
profundamente a loucura, os seus diversos graus,
classificar lhe os casos, descobrir enfim a causa do
fenômeno e o remédio universal. Este é o mistério do
meu coração. Creio que com isto presto um bom
serviço à humanidade. .(...) Um excelente serviço,
corrigiu o boticário. (ASSIS, 1994, p. 04).
Neste trecho supracitado, nota-se a clara utilização
do argumento de autoridade, onde em meio à discussão na
qual o Sr. Soares discordava sobre qual seria a verdadeira
intenção da construção da casa verde, Dr. Bacamarte
afirmou que a sua principal motivação seria aprofundar
seus estudos, classificá-los e descobrir a causa do
fenômeno, e com isso, estaria prestando um bom serviço
para toda a humanidade, assegurando sua tese, muito
sabiamente, por meio de um trecho escrito pelo “Apóstolo”
São Paulo, sendo que este foi uma das pessoas mais
importantes na sua área, ou seja, autoridade, quando o
assunto era prestação, caridade e ajuda para a
humanidade. (ASSIS, 1994).
Seguindo o mesmo exemplo, Rodríguez (2005)
afirma que o argumento de autoridade é aquele que se
utiliza de pessoa conhecida e reconhecida em
determinada área para assegurar e concretizar a sua
própria tese, ou seja, tal argumento serve para prevalecer
o seu argumento ou silenciar o seu opositor. Da mesma
forma pode ser definida como utilizar-se da opinião de uma
terceira pessoa para poder construir o seu próprio
argumento, ganhando, dessa forma, um tipo de reputação
ou autoridade na sociedade, onde poucos questionam
aqueles que têm tal qualificação específica.
No desenrolar do conto de Assis (1994), percebe-se
que o Dr. Bacamarte, denominado “o Alienista”, torna-se a
verdadeira figura de autoridade, utilizando seus próprios
argumentos de autoridade. Fato é que começou a internar
pessoas que a própria população duvidava da sua loucura,
como por exemplo, o Sr. Costa, que se tornou muito rico
depois que recebera uma herança do seu avô, porém, ao
conceder vários empréstimos a amigos e até
desconhecidos, não recebendo nada de volta, ficou mais
pobre do que era antes. Da mesma forma a Prima do
Costa, que foi à procura do Alienista para interceder sobre
a condição do seu primo, explicando que não era culpa do
Costa a situação em que ele se encontrava, mas sim de
uma praga jogada no mesmo. Analisando tal fato, o
Alienista não pensou duas vezes, estendeu sua mão para
convidá-la a falar com o primo, não imaginando, sequer por
um instante, que a mesma estava andando para o seu
confinamento na casa verde.
No mesmo contexto, sobre o argumento de
autoridade, Perelman (1996, p. 351) afirma:
“Muitas vezes, antes de invocar uma autoridade,
costuma-se confirmá-la, consolidá-la, dar-lhe a seriedade
de um testemunho válido. Com efeito, quanto mais
importante é a autoridade, mais indiscutíveis parecem
suas palavras”.
Em continuação ao conto, a cada dia que passava o
alienista internava mais e mais pessoas, sem um tipo de
padrão especifico e, muitas vezes, sem dar a real
explicação dos porquês de tais pessoas serem internadas,
fazendo com que a população ficasse atônita.
Aproveitando-se de tal condição o Barbeiro Porfírio decidiu
começar uma Rebelião contra o Alienista e a Casa verde,
indo à Câmera(câmara) de vereadores, assegurando a
sua opinião com diversos argumentos, como ratifica Assis
(1994):
A irritação dos agitadores foi enorme. O barbeiro
declarou que iam dali levantar a bandeira da rebelião e
destruir a Casa Verde; que Itaguaí não podia continuar
a servir de cadáver aos estudos e experiências de um
déspota; que muitas pessoas estimáveis e algumas
distintas, outras humildes, mas dignas de apreço,
jaziam nos cubículos da Casa Verde; que o
despotismo científico do alienista complicava-se do
espírito de ganância, visto que os loucos ou supostos
tais não eram tratados de graça: as famílias e em falta
delas a Câmara pagavam ao alienista. (ASSIS, 1994,
p. 17).
Conforme supracitado, o Barbeiro acusou e
argumentou de diversas formas para ter o seu objetivo
alcançado. Nesse sentido Voese (2006) afirma que:
Outras técnicas para produzir argumentos, e que
podem servir de exemplo ilustrativo para explicar o
processo, são as que buscam apoio, quer seja no
pressuposto de que o ponto de vista da pessoa de
prestígio social é importante, quer seja na concepção
de que a comparação de fatos Pode ajudar a
interpretar e julgá-los melhor, quer seja, ainda, na
definição da importância da história, da educação e
das emoções na conduta dos indivíduos. (VOESE,
2006, p. 52).
Seguindo com o conto, não demorou muito para a
Rebelião, denominada de Rebelião das Canjicas,
aumentar o numero de integrantes, indo em direção a Casa
Verde com o objetivo de derrubar a mesma. Chegaram ao
local acusando e difamando o Alienista de todas as formas,
pedindo a presença do mesmo. O Alienista foi em direção a
Rebelião com passos vagarosos, com uma calma e
paciência que assustou a todos. Logo em seguida escutou
qual seria a pretensão da rebelião e afirmou de uma forma
segura que, a ciência é coisa séria, e merecia ser tratada
com seriedade, que não daria razão dos seus atos de
alienista a ninguém, salvo aos mestres e a Deus, se eles
queriam emendar a administração da Casa Verde, estaria
pronto para ouví-los, mas se exigissem que se negasse a
ele mesmo, não ganharia nada, e que poderia até ir com
ele ver os loucos reclusos, mas não faria, pois isto seria dar
razão do seu sistema, o que não caberia a leigos e nem
rebeldes. (ASSIS, 1994).
Tais argumentações deixaram os integrantes da
Rebelião indecisos se poderiam continuar ou não com os
seus objetivos. Diante da situação em que se encontrava o
barbeiro Porfírio não pensou duas vezes em incentivar
novamente a Rebelião com seus bons argumentos, como
descreve Assis:
Meus amigos, lutemos até o fim! A salvação de Itaguaí
está nas vossas mãos dignas e heróicas. Destruamos
o cárcere de vossos filhos e pais, de vossas mães e
irmãs, de vossos parentes e amigos, e de vós
mesmos. Ou morrereis a pão e água, talvez a chicote,
na masmorra daquele indigno. E a multidão agitou-se,
murmurou, bradou, ameaçou, congregou-se toda em
derredor do barbeiro. Era a revolta que tornava a si da
ligeira síncope e ameaçava arrasar a Casa Verde.
(ASSIS, 1994, p. 21).
No trecho supracitado é perceptível a utilização de
varias técnicas argumentativas, dentre elas a
argumentação de reciprocidade, onde, segundo Voese
(2006), é necessário principalmente saber interpretar e
construir o contexto das situações, ou seja, é preciso que
exista uma reunião de dois fatos diferentes para poder
localizar uma semelhança entre eles e seus elementos
contextualizadores, ou seja, tal argumento se foca
especificamente na propriedade das relações para
construir uma aproximação ou simetria entre dois fatos ou
ideias.
Relacionado à continuação do conto, o fato é que a
rebelião entrou em conflito com os “Dragões”,
denominação dada à polícia militar que andava a cavalos, e
sem muita explicação, os Dragões aliaram-se à rebelião,
sendo esta vitoriosa, derrubando em seguida os atuais
vereadores e presidente da câmara, tendo como
governador o barbeiro Porfírio. Esta situação, no entanto,
não perdurou por muito tempo, pois a disputa pelo poder
era grande, e outro Barbeiro chamado de João Pina,
argumentando que o Porfírio estava vendido ao ouro do
Alienista, gerou grande revolta em toda a comunidade.
Com isso não demorou muito para Porfírio ser deposto,
assumindo seu lugar o seu rival João Pina, nesse meio
entrou uma força mandada pelo vice-rei, restabelecendo a
ordem. Com isso a autoridade do Alienista novamente
voltou a imperar, exigindo que suas novas medidas fossem
cumpridas. (ASSIS,1994).
Conforme supracitado, Assis descreve:
Este ponto da crise de Itaguaí marca também o grau
máximo da influência de Simão Bacamarte. Tudo
quanto quis, deu-se-lhe; e uma das mais vivas provas
do poder do ilustre médico achamo-la na prontidão
com que os vereadores, restituídos a seus lugares,
consentiram em que Sebastião Freitas também fosse
recolhido ao hospício. O alienista, sabendo da
extraordinária inconsistência das opiniões desse
vereador, entendeu que era um caso patológico, e
pediu-o. (1994, p. 26).
De acordo com o trecho supracitado, é visível o nível
em que chegou a influência dos argumentos e da
autoridade do Alienista, pois toda a população estava
aceitando suas ideias sem sequer contradizer suas ordens.
Nesse sentido Rodríguez (2005) afirma que deve sempre
colocar o argumento de autoridade à prova, estabelecer a
sua validade, pois do mesmo modo a autoridade pode
mudar o seu posicionamento, admitindo um engano ou
ilusão passageira quanto ao que expressou. Dessa forma,
uma citação de uma autoridade pode construir um
posicionamento científico errado, mas se esta falha não for
apontada no contraditório, passa como boa afirmação,
como um argumento de autoridade persuasivo. E são
vários modos de contradizer um argumento de autoridade,
tal como certificar o crédito do autor como autoridade,
analisar a compatibilidade do argumento com a área
estabelecida, além disso, visualizar a questão da opinião,
ou seja, relacionar toda a estrutura de onde foi fundada a
opinião da figura autoritária, com isso, permite-se ao
ouvinte atestar o raciocínio lógico da autoridade, validando
de uma forma eficaz a sua conclusão.
Enfim, o Alienista internou quatro quintos da
população, onde qualquer desvio de conduta, por menor
que fosse, era motivo para acusar de loucura. Todos
andavam assombrados e tais fatos fizeram com que o
Alienista repensasse sobre as suas próprias condutas,
concluindo que ele estava enganado quanto aos seus
métodos e argumentações sustentadas. Para ele a
convicção de que a verdadeira doutrina não era aquela,
mas a oposta, e, portanto, que se devia admitir como
normal e exemplar o desequilíbrio das faculdades, e talvez
como hipóteses patológicas todos os casos em que aquele
equilíbrio fosse ininterrupto, com isso liberou todos os que
se encontravam presos na Casa Verde. Desta forma, o
Alienista adotou um novo método, em que, depois de um
longo exame e inquérito sobre o passado e presente da
pessoa escolhida, sobre o seu perfeito equilíbrio,
recolheria a mesma para iniciar novos estudos científicos.
Tais pessoas que se demonstravam firmes em suas
personalidades só seriam soltas e consideradas normais
quando tivessem algum desvio de conduta. Desta forma,
curou um por um, até a casa ficar vazia novamente.
Contudo, depois de pensar muito, o Alienista
concluiu que seu segundo método era falho, pois ninguém
naturalmente tinha uma personalidade reta, perfeita, com
exceção dele, sendo que depois de muita reflexão e de ter
convocado um conselho de amigos na qual o interrogaram
com franqueza, e segundo a sua teoria, concluiu que na
cidade inteira, o único anormal era ele próprio, o Alienista.
(ASSIS,1994)
Conforme supracitado percebe-se a contradição em
que se encontrou o Alienista, derrubando sua própria
teoria, seu próprio argumento de autoridade, inserindo
outros métodos e argumentos, totalmente opostos aos do
princípio. Nesse mesmo sentido, Rodríguez (2005) afirma
que quando se estuda um tipo de argumento, é preciso
conhecer seus pontos fortes e fracos e diante de um
argumento de autoridade, a melhor arma é uma boa
pesquisa e aprofundamento na matéria, pois, se há opinião
diversa, muito provavelmente outra autoridade haverá
articulado, ou seja, o argumento de autoridade pode ser
substancialmente forte, mas nunca absoluto.
No mesmo sentido, mas com uma visão mais
filosófica, Perelman expõe que:
A incompetência do competente pode servir de
critério para desqualificar todos aqueles que não
temos razão alguma de acreditar mais competentes
do que aquele que se confessou incompetente. Essa
forma de argumentação pode ter alcance filosófico
eminente, pois pode visar destruir não só a
competência, em tal matéria, de um indivíduo ou de
um grupo, mas da humanidade inteira. Quando
pensadores
eminentes denunciam as deficiências da razão
em geral, e apenas a autoridade que eles usufruem
permite semelhante extrapolação. Entretanto, não
está excluído que realmente certas deficiências,
particulares à pessoa, é que lhe aumentam a
autoridade. (1996, p. 352).
Da mesma forma sustenta Rodríguez (2005),
afirmando que no âmbito jurídico, quando se trata de
argumento de autoridade, é sempre bom dar uma atenção
em especial, pois geralmente tais argumentos são
manifestados através da doutrina ou da jurisprudência,
onde o foco deve ficar sempre na distância histórica entre
os determinados acontecimentos, para que tais
comparações não se tornem impróprias, ou seja, manter
sempre as doutrinas e jurisprudências atualizadas, pois é
de praxe que o Direito é condicionado a fatos, fatos estes
que são instáveis, pois o que não é aceito hoje legalmente,
amanha poderá ser atribuído como ato legalmente
expresso em lei. Com isso, nem sempre a citação atribuída
hoje pelo argumentador poderá servir de base para a
sustentação da sua teoria amanhã.
CONCLUSÃO
Concluí-se que a relação entre Direito e Literatura
pode existir sob diversas formas. Sabe-se que o direito é
um produto cultural, que tem como base a sociedade,
dessa forma, necessita de outras áreas para ter uma
estrutura mais complexa e, é nesse sentido que o Direito e a
Literatura se relacionam, ajudando tanto na argumentação
quando na problematização do Direito. O presente trabalho
estabeleceu o relacionamento entre o Direito e a Literatura
de uma forma mais especifica, ou seja, sob o olhar da
argumentação, mais precisamente a argumentação de
autoridade.
A condição na qual foi estabelecida e encontrada
entre as duas matérias deu-se de forma bastante precisa e
peculiar, em que uma matéria exemplifica e complementa a
outra. Tal fato é possível graças ao jeito perspicaz e a forma
única de Machado de Assis em escrever os seus contos,
onde as suas ideias, organização e argumentações se
revelam totalmente precisos.
Com isso o foco do conto foi estabelecido pela
maneira e tipos de argumentação do Alienista. Este que era
um homem sagaz, com conhecimento notório dentro da
sua área, ou seja, uma verdadeira autoridade. Com isso,
usou e abusou do argumento de autoridade para alcançar
seus objetivos, tão grande tornou-se a sua autoridade que
ninguém mais tinha coragem de contradizê-lo, e foi em um
desses momentos em que ele mesmo percebeu, mesmo
com todo o seu conhecimento, que os seus métodos e
argumentos que deram base a estes, estavam errados, ou
seja, eram inválidos.
Dessa forma o conto O alienista deixa uma lição
muito importante, especialmente para o Direito, que é a
atenção que se deve dar não somente ao argumento de
autoridade, mas ao argumento em geral, a importância do
questionamento, não se conter em aceitar qualquer
argumento antes de ter certeza que este é confiável e digno
de crédito. Com isso se faz necessário toda a análise da
base do argumento, se este segue uma linha
argumentativa lógica, se possui ou não a condição de
imparcialidade, a questão do momento histórico ou cultural
do argumento utilizado e os fatos narrados, além dos
posicionamentos opostos dos determinados argumentos.
No âmbito jurídico, o argumento de autoridade é
encontrado e utilizado principalmente por meio da doutrina
e jurisprudência, as quais devem ser usadas sempre com
muito cuidado, pois tal argumento pode tanto valorizar
quando desvalorizar um posicionamento, sendo
necessário citações de doutrinadores que possuam
créditos e que sejam confiáveis no determinado assunto
proposto, por isso é importante atualizar os
posicionamentos acerca das jurisprudência e doutrina.
O Direito condiciona a sociedade e a sociedade
condiciona o Direito, são feitos e refletidos de fatos, ambos
evoluem dia a dia, e o que é errado hoje, amanhã pode ser
expresso em lei como ato legal, com isso a doutrina e a
jurisprudência, ou seja, o Direito em geral necessita de
constantes revisões críticas, no sentido do seu
aprimoramento, e a Literatura, neste contexto, exerce um
importante papel. A literatura guia o direito na intenção de
maximizar os seus valores axiológicos no momento de
suas decisões baseadas no texto positivado, tendo em
vista que, nem sempre o Direito encontra respostas
adequadas para os seus dilemas, dentro das suas próprias
estruturas ou dentro dos seus próprios códigos e doutrinas.
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