DIREITO E LITERATURA: ESTUDO DO CONTO “O ALIENISTA
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DIREITO E LITERATURA: ESTUDO DO CONTO “O ALIENISTA
DIREITO E LITERATURA: ESTUDO DO CONTO “O ALIENISTA” SOB A PERSPECTIVA DO ARGUMENTO DE AUTORIDADE RESUMO Leandro Sandes Oliveira Discente de Direito – Faculdade de Balsas/UNIBALSAS – [email protected] Rafael Pitta Docente em Direito - Professor da Faculdade de Balsas/UNIBALSAS - [email protected] Direito e Literatura, duas matérias distintas, mas ao mesmo tempo próximas, começando pela base fundamental de ambas, que são as palavras, seus respectivos profissionais se destacam pela maneira única e eficaz de escrever, descrever e argumentar. Dessa forma o Direito com suas várias técnicas de argumentação, tem destaque, dentre elas, o argumento de autoridade. A relação entre o Direito e a Literatura pode ser exemplificada de diversas formas e, no presente trabalho tal relação será demonstrada através do olhar do argumento de autoridade no conto O Alienista, obra de Machado de Assis. Com isso, a proximidade entre as duas matérias focada na argumentação se faz de uma maneira única, onde uma complementa a outra. O argumento de autoridade deve ser utilizado com muita atenção, pois o mesmo pode valorizar ou desvalorizar uma tese, tais fatos serão demonstrados, exemplificado através da Literatura e do Direito, sempre focando nesta proveitosa relação. Palavras Chaves: Argumento de autoridade. Direito e Literatura. ABTRACT Law and literature, two distinct matters, but at the same time, starting with the fundamental basis of both, which are the words, their respective outstanding professionals for effective and unique way to write, describe and argue. In this way the right with their various techniques of argument, has featured, among them, the argument of authority. The relationship between law and Literature can be exemplified in a number of ways and, in this work such a relationship will be demonstrated through the eyes of the argument of authority on the short story The alienist by Machado de Assis. With that, the proximity between the two focused on the argument is a unique way where one complements the other. The argument of authority must be used very carefully, because it can enhance or devalue a thesis, such facts are stated, exemplified through literature and the law, always focusing on this fruitful relationship. Key words:. Argument of authority. Law and Literature. INTRODUÇÃO O presente trabalho científico tem como objetivo demonstrar uma das relações possíveis entre o Direito e a Literatura. Tal objetivo será especificado através do argumento de autoridade, que representará o Direito, e o Conto O Alienista de Machado de Assis, que representará a Literatura. O tema será abordado de maneira bastante direta e de fácil compreensão, expondo desde os simples conceitos até complexas maneiras de utilização dos argumentos. Além disso, a relação entre Direito e Literatura será exemplificada através do conto, onde o personagem principal utiliza de maneira brilhante e muitas vezes exagerada do argumento de autoridade. Tal fato condiciona o relacionamento direto entre Direito e Literatura, sendo possível a exemplificação do argumento de autoridade através das duas matérias. O Direito e a Literatura vêm sendo estudados de maneira que a literatura possa dar base ao direito, não somente através de obras literárias, mas também relacionado argumentações e problematizações do direito, partindo, nesse caso, de pressupostos teóricos encontrados na Literatura e aplicando em casos concretos dentro do Direito. O argumento de autoridade, matéria intrínseca ao direito, foi estabelecido de uma forma sagaz na obra o Alienista, condição esta que tornou possível o relacionamento tanto na parte teórica quando prática entre o Direito e a Literatura. MATERIAL E MÉTODOS Para a realização do presente artigo cientifico, foram utilizadas obras doutrinárias, um conto literário e revistas cientificas relacionadas ao âmbito jurídico. Em seguida, e na mesma linha de raciocínio, utilizou-se o método qualitativo, método este em que o objeto de estudo é a obtenção de dados descritivos mediante contato direto e interativo do pesquisador com a situação, onde o pesquisador procurou entender os fenômenos, segundo a perspectiva dos participantes da situação estudada, situando a sua interpretação dos fenômenos. Quanto ao objetivo, a pesquisa foi exploratória, proporcionando maior familiaridade com o problema e ao mesmo tempo levantando dados bibliográficos ou estudos de caso. Foi utilizado o método dedutivo, que diante da existência de uma teoria, trabalha para provar que os fenômenos observados se enquadram naquela teoria, ele é empregado para provar que um fato é uma amostra de algo que já foi estudado e fundamentado. Portanto, é um método de tentativas de eliminação de erros, reconhecendo que o conhecimento absolutamente certo e demonstrável não é alcançado. Segundo Marconi (2002, p. 19) “É dedutivo o raciocínio que parte do geral para chegar ao particular, ou seja, do universal ao singular, pela argumentação dedutiva, o fato encerra em si a explicação de outro igual, mas menos geral. O processo dedutivo leva o pesquisador do conhecido para o desconhecido, mas também de alcance limitado”. RESULTADO E DISCUSSÃO CONCEITO DE ARGUMENTO Segundo Abreu (2007) a palavra argumento pode ser definida etimologicamente como vencer junto com o outro. O argumento pode ser definido como sendo uma arte, a arte de convencer e persuadir, onde o convencimento é dependente do gerenciamento das relações, onde mais do que falar a razão do outro, se faz necessário demonstrar e provar tais asseverações. Da mesma forma, segundo Voese (2006) a argumentação, mais especificamente, a argumentação jurídica, é o objeto, a linguagem e a ferramenta de trabalho do profissional do Direito, pois, no momento em que ele interpreta, conduz as referências linguísticas, e quando justifica o que se foi produzido, expõe em cena recursos da língua e do discurso, ou seja, a argumentação. Argumentar é a arte de convencer e persuadir. Convencer é saber gerenciar informação, é falar à razão do outro, demonstrando, provando. Etimologicamente, significa vencer junto com o outro (com + vencer) e não contra o outro. Persuadir é saber gerenciar relação, é falar à emoção do outro. A origem dessa palavra está ligada à preposição per, ”por meio de” e a Suada, deusa romana da persuasão. Significava ”fazer algo por meio do auxílio divino”. Mas em que convencer se diferencia de persuadir? Convencer é construir algo no campo das ideias. Quando convencemos alguém, esse alguém passa a pensar como nós. Persuadir é construir no terreno das emoções, é sensibilizar o outro para agir. Quando persuadimos alguém, esse alguém realiza algo que desejamos que ele realize. (ABREU, 2006, p.07). ARGUMENTO DE AUTORIDADE NO ÂMBITO JURÍDICO Dentro do âmbito jurídico, o argumento de autoridade pode se estabelecer de diversas formas, sendo utilizado normalmente por meio de citação de doutrina no discurso forense, ou por algum tipo de jurisprudência. Desta forma, Rodríguez (2006) afirma que: A citação da doutrina representa o uso mais comum de argumento de autoridade em nosso discurso forense atual. Reconhecendo-se professores com vasto conhecimento e obras de notório valor cientifico, buscam-se manifestações suas que estejam de acordo com a tese estabelecida pelo argumentante, de tal modo que prevaleça sua opinião contrária em relação à parte adversa. ( RODRÍGUEZ, 2005, p. 112) No mesmo sentido, Voese (2006) analisa que o argumento de autoridade dentro do Direito é trabalhado geralmente por meio de exemplificação, ou seja, toma-se um julgamento já ocorrido como orientação para a interpretação e avaliação duma nova situação. Com isso o argumento de autoridade pode se tornar importante arma, sempre dando atenção no tocante ao limite em que se puder sustentar, onde a distância histórica não torna imprópria a comparação dos dois momentos, o da utilização do argumento de autoridade e o próprio argumento, sendo necessário e obrigatório para o profissional ter uma doutrina e jurisprudência atualizada. Da mesma forma, mas com um olhar mais crítico, Perelman (1996) ressalta a importância do argumento de autoridade relacionado aos juristas posto que, na busca da justiça, o argumento de autoridade se torna inevitável, observando que: Mas não‚ uma ilusão deplorável crer que os juristas se ocupam unicamente com a verdade, e não com justiça nem com paz social? Ora, a busca da justiça, a manutenção de uma ordem equitativa, da confiança social, não podem deixar de lado as considerações fundamentadas na existência de uma tradição jurídica, a qual se manifesta tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Para atestar a existência de semelhante tradição, o recurso ao argumento de autoridade é inevitável. (PERELMAN, 1996, p. 349). RESUMO SOBRE O CONTO: O ALIENISTA O conto de Machado de Assis, denominado de O Alienista, se passa durante o século XIX, narrando à história de um médico Simão Bacamarte, que se casa com a Dra. Evarista na tentativa de ter futuros herdeiros e vê suas esperanças frustradas. Dessa forma, decidiu dedicarse ao estudo do cérebro humano, mais especificamente sobre a sanidade e a loucura. Foi dessa forma que decidiu construir uma residência, sendo utilizada unicamente para receber e tratar os loucos da cidade, servindo dessa forma para aprofundar nos seus estudos sobre a razão e a loucura. Tal local ficou conhecida como a casa verde. No início a casa verde foi bastante elogiada por todos, pois era algo novo, revolucionário, onde a maioria da população acreditava que tal projeto só teria a beneficiar os mesmos. Mas toda essa situação se inverte quando a casa verde começa a internar qualquer pessoa que cometesse pelo menos uma única vez um desvio, o qual não condizia com o comportamento mediano visualizado pelo Dr. Bacamarte. Desta forma, muitas pessoas cuja loucura foi atribuída, a população de Itaguaí(?) não acreditava. Com isso, o Dr. Bacamarte foi acusado de internar as pessoas por ódio, ou cobiça, capricho, ou ganância, ou tudo junto, menos por motivos científicos. Com toda essa indignação, começou de forma gradativa uma rebelião, liderada pelo barbeiro Porfírio, que aproveitou do momento para se autopromover e alcançar ambições pessoais, utilizando sempre de bons argumentos seguiu em frente com a rebelião das canjicas. Porfírio e sua rebelião acabam vitoriosos, mas em seguida compreende a necessidade da Casa Verde e alia-se a Simão Bacamarte, fato este que não durou muito tempo, pois logo em seguida o Porfírio caiu, entrando em seu lugar o seu rival de profissão, o barbeiro João Pina, gerando uma intervenção pelo vice-rei, colocando tudo novamente em ordem, com isso o Dr. Bacamarte voltou a se sobrepor mais do que nunca como uma autoridade na sua área, com isso boa parte da população foi internada, situação esta que fez toda a cidade ficar apavorada, tudo isso acabou fazendo o Alienista (Dr. Bacamarte) repensar nos seus métodos, soltando todos os recolhidos da casa verde e adotar critérios inversos para a caracterização da loucura, onde os loucos agora seriam todas as pessoas que tivessem um perfeito equilíbrio, sem desvio de condutas, enfim, depois de vários estudos e reflexões o alienista conclui que ele próprio seria o único sadio e reto na cidade, ou seja, segundo a sua teoria ele seria o único anormal dentre todos, com isso o sábio Alienista internou-se na sua própria Casa Verde, morrendo dezessete meses depois, recebendo honras póstumas. (ASSIS, 1994). DIREITO E LITERATURA: O ALIENISTA SOB O OLHAR DA ARGUMENTAÇÃO DE AUTORIDADE A obra O alienista é repleta e abundante quando o tema é argumentação, onde os seus personagens utilizam de um vasto repertório para defender suas opiniões e causas. No desenrolar do enredo, é perceptível os tipos de argumentações utilizados, tais como a argumentação de reciprocidade e, sobretudo, a argumentação de autoridade, conforme Assis (1994) descreve: Mas a ciência tem o inefável dom de curar todas as mágoas; o nosso médico mergulhou inteiramente no estudo e na prática da medicina. Foi então que um dos recantos desta lhe chamou especialmente a atenção, o recanto psíquico, o exame de patologia cerebral. Não havia na colônia, e ainda no reino, uma só autoridade em semelhante matéria, mal explorada, ou quase inexplorada. Simão Bacamarte compreendeu que a ciência lusitana, e particularmente a brasileira, podia cobrir-se de "louros imarcescíveis", — expressão usada por ele mesmo, mas em um arroubo de intimidade doméstica; exteriormente era modesto, segundo convém aos sabedores. (ASSIS, 1994, p. 02) Nessa parte supracitada é perceptível a intenção do narrador, em que o médico utilizaria o seu notório conhecimento dentro de uma determinada área para alcançar seus futuros objetivos, que seria convencer o governo a construir uma casa para suas experiências científicas. Tal conceito pode ser definido como argumento de autoridade. Neste mesmo sentido, segundo Voese (2006), o argumento de autoridade é valorizado de acordo com as falas, ou seja, de acordo com o prestígio do lugar social que o individuo ocupa, onde não só a força ou poder determina tais segmentos sociais, mas também, à importância que se dá a certas atividades acadêmicas e profissionais. Da mesma forma seguia-se um debate entre o Alienista e o boticário Soares: A caridade, Sr. Soares, entra decerto no meu procedimento, mas entra como tempero, como o sal das coisas, que é assim que interpreto o dito de São Paulo aos Coríntios: "Se eu conhecer quanto se pode saber, e não tiver caridade, não sou nada". O principal nesta minha obra da Casa Verde é estudar profundamente a loucura, os seus diversos graus, classificar lhe os casos, descobrir enfim a causa do fenômeno e o remédio universal. Este é o mistério do meu coração. Creio que com isto presto um bom serviço à humanidade. .(...) Um excelente serviço, corrigiu o boticário. (ASSIS, 1994, p. 04). Neste trecho supracitado, nota-se a clara utilização do argumento de autoridade, onde em meio à discussão na qual o Sr. Soares discordava sobre qual seria a verdadeira intenção da construção da casa verde, Dr. Bacamarte afirmou que a sua principal motivação seria aprofundar seus estudos, classificá-los e descobrir a causa do fenômeno, e com isso, estaria prestando um bom serviço para toda a humanidade, assegurando sua tese, muito sabiamente, por meio de um trecho escrito pelo “Apóstolo” São Paulo, sendo que este foi uma das pessoas mais importantes na sua área, ou seja, autoridade, quando o assunto era prestação, caridade e ajuda para a humanidade. (ASSIS, 1994). Seguindo o mesmo exemplo, Rodríguez (2005) afirma que o argumento de autoridade é aquele que se utiliza de pessoa conhecida e reconhecida em determinada área para assegurar e concretizar a sua própria tese, ou seja, tal argumento serve para prevalecer o seu argumento ou silenciar o seu opositor. Da mesma forma pode ser definida como utilizar-se da opinião de uma terceira pessoa para poder construir o seu próprio argumento, ganhando, dessa forma, um tipo de reputação ou autoridade na sociedade, onde poucos questionam aqueles que têm tal qualificação específica. No desenrolar do conto de Assis (1994), percebe-se que o Dr. Bacamarte, denominado “o Alienista”, torna-se a verdadeira figura de autoridade, utilizando seus próprios argumentos de autoridade. Fato é que começou a internar pessoas que a própria população duvidava da sua loucura, como por exemplo, o Sr. Costa, que se tornou muito rico depois que recebera uma herança do seu avô, porém, ao conceder vários empréstimos a amigos e até desconhecidos, não recebendo nada de volta, ficou mais pobre do que era antes. Da mesma forma a Prima do Costa, que foi à procura do Alienista para interceder sobre a condição do seu primo, explicando que não era culpa do Costa a situação em que ele se encontrava, mas sim de uma praga jogada no mesmo. Analisando tal fato, o Alienista não pensou duas vezes, estendeu sua mão para convidá-la a falar com o primo, não imaginando, sequer por um instante, que a mesma estava andando para o seu confinamento na casa verde. No mesmo contexto, sobre o argumento de autoridade, Perelman (1996, p. 351) afirma: “Muitas vezes, antes de invocar uma autoridade, costuma-se confirmá-la, consolidá-la, dar-lhe a seriedade de um testemunho válido. Com efeito, quanto mais importante é a autoridade, mais indiscutíveis parecem suas palavras”. Em continuação ao conto, a cada dia que passava o alienista internava mais e mais pessoas, sem um tipo de padrão especifico e, muitas vezes, sem dar a real explicação dos porquês de tais pessoas serem internadas, fazendo com que a população ficasse atônita. Aproveitando-se de tal condição o Barbeiro Porfírio decidiu começar uma Rebelião contra o Alienista e a Casa verde, indo à Câmera(câmara) de vereadores, assegurando a sua opinião com diversos argumentos, como ratifica Assis (1994): A irritação dos agitadores foi enorme. O barbeiro declarou que iam dali levantar a bandeira da rebelião e destruir a Casa Verde; que Itaguaí não podia continuar a servir de cadáver aos estudos e experiências de um déspota; que muitas pessoas estimáveis e algumas distintas, outras humildes, mas dignas de apreço, jaziam nos cubículos da Casa Verde; que o despotismo científico do alienista complicava-se do espírito de ganância, visto que os loucos ou supostos tais não eram tratados de graça: as famílias e em falta delas a Câmara pagavam ao alienista. (ASSIS, 1994, p. 17). Conforme supracitado, o Barbeiro acusou e argumentou de diversas formas para ter o seu objetivo alcançado. Nesse sentido Voese (2006) afirma que: Outras técnicas para produzir argumentos, e que podem servir de exemplo ilustrativo para explicar o processo, são as que buscam apoio, quer seja no pressuposto de que o ponto de vista da pessoa de prestígio social é importante, quer seja na concepção de que a comparação de fatos Pode ajudar a interpretar e julgá-los melhor, quer seja, ainda, na definição da importância da história, da educação e das emoções na conduta dos indivíduos. (VOESE, 2006, p. 52). Seguindo com o conto, não demorou muito para a Rebelião, denominada de Rebelião das Canjicas, aumentar o numero de integrantes, indo em direção a Casa Verde com o objetivo de derrubar a mesma. Chegaram ao local acusando e difamando o Alienista de todas as formas, pedindo a presença do mesmo. O Alienista foi em direção a Rebelião com passos vagarosos, com uma calma e paciência que assustou a todos. Logo em seguida escutou qual seria a pretensão da rebelião e afirmou de uma forma segura que, a ciência é coisa séria, e merecia ser tratada com seriedade, que não daria razão dos seus atos de alienista a ninguém, salvo aos mestres e a Deus, se eles queriam emendar a administração da Casa Verde, estaria pronto para ouví-los, mas se exigissem que se negasse a ele mesmo, não ganharia nada, e que poderia até ir com ele ver os loucos reclusos, mas não faria, pois isto seria dar razão do seu sistema, o que não caberia a leigos e nem rebeldes. (ASSIS, 1994). Tais argumentações deixaram os integrantes da Rebelião indecisos se poderiam continuar ou não com os seus objetivos. Diante da situação em que se encontrava o barbeiro Porfírio não pensou duas vezes em incentivar novamente a Rebelião com seus bons argumentos, como descreve Assis: Meus amigos, lutemos até o fim! A salvação de Itaguaí está nas vossas mãos dignas e heróicas. Destruamos o cárcere de vossos filhos e pais, de vossas mães e irmãs, de vossos parentes e amigos, e de vós mesmos. Ou morrereis a pão e água, talvez a chicote, na masmorra daquele indigno. E a multidão agitou-se, murmurou, bradou, ameaçou, congregou-se toda em derredor do barbeiro. Era a revolta que tornava a si da ligeira síncope e ameaçava arrasar a Casa Verde. (ASSIS, 1994, p. 21). No trecho supracitado é perceptível a utilização de varias técnicas argumentativas, dentre elas a argumentação de reciprocidade, onde, segundo Voese (2006), é necessário principalmente saber interpretar e construir o contexto das situações, ou seja, é preciso que exista uma reunião de dois fatos diferentes para poder localizar uma semelhança entre eles e seus elementos contextualizadores, ou seja, tal argumento se foca especificamente na propriedade das relações para construir uma aproximação ou simetria entre dois fatos ou ideias. Relacionado à continuação do conto, o fato é que a rebelião entrou em conflito com os “Dragões”, denominação dada à polícia militar que andava a cavalos, e sem muita explicação, os Dragões aliaram-se à rebelião, sendo esta vitoriosa, derrubando em seguida os atuais vereadores e presidente da câmara, tendo como governador o barbeiro Porfírio. Esta situação, no entanto, não perdurou por muito tempo, pois a disputa pelo poder era grande, e outro Barbeiro chamado de João Pina, argumentando que o Porfírio estava vendido ao ouro do Alienista, gerou grande revolta em toda a comunidade. Com isso não demorou muito para Porfírio ser deposto, assumindo seu lugar o seu rival João Pina, nesse meio entrou uma força mandada pelo vice-rei, restabelecendo a ordem. Com isso a autoridade do Alienista novamente voltou a imperar, exigindo que suas novas medidas fossem cumpridas. (ASSIS,1994). Conforme supracitado, Assis descreve: Este ponto da crise de Itaguaí marca também o grau máximo da influência de Simão Bacamarte. Tudo quanto quis, deu-se-lhe; e uma das mais vivas provas do poder do ilustre médico achamo-la na prontidão com que os vereadores, restituídos a seus lugares, consentiram em que Sebastião Freitas também fosse recolhido ao hospício. O alienista, sabendo da extraordinária inconsistência das opiniões desse vereador, entendeu que era um caso patológico, e pediu-o. (1994, p. 26). De acordo com o trecho supracitado, é visível o nível em que chegou a influência dos argumentos e da autoridade do Alienista, pois toda a população estava aceitando suas ideias sem sequer contradizer suas ordens. Nesse sentido Rodríguez (2005) afirma que deve sempre colocar o argumento de autoridade à prova, estabelecer a sua validade, pois do mesmo modo a autoridade pode mudar o seu posicionamento, admitindo um engano ou ilusão passageira quanto ao que expressou. Dessa forma, uma citação de uma autoridade pode construir um posicionamento científico errado, mas se esta falha não for apontada no contraditório, passa como boa afirmação, como um argumento de autoridade persuasivo. E são vários modos de contradizer um argumento de autoridade, tal como certificar o crédito do autor como autoridade, analisar a compatibilidade do argumento com a área estabelecida, além disso, visualizar a questão da opinião, ou seja, relacionar toda a estrutura de onde foi fundada a opinião da figura autoritária, com isso, permite-se ao ouvinte atestar o raciocínio lógico da autoridade, validando de uma forma eficaz a sua conclusão. Enfim, o Alienista internou quatro quintos da população, onde qualquer desvio de conduta, por menor que fosse, era motivo para acusar de loucura. Todos andavam assombrados e tais fatos fizeram com que o Alienista repensasse sobre as suas próprias condutas, concluindo que ele estava enganado quanto aos seus métodos e argumentações sustentadas. Para ele a convicção de que a verdadeira doutrina não era aquela, mas a oposta, e, portanto, que se devia admitir como normal e exemplar o desequilíbrio das faculdades, e talvez como hipóteses patológicas todos os casos em que aquele equilíbrio fosse ininterrupto, com isso liberou todos os que se encontravam presos na Casa Verde. Desta forma, o Alienista adotou um novo método, em que, depois de um longo exame e inquérito sobre o passado e presente da pessoa escolhida, sobre o seu perfeito equilíbrio, recolheria a mesma para iniciar novos estudos científicos. Tais pessoas que se demonstravam firmes em suas personalidades só seriam soltas e consideradas normais quando tivessem algum desvio de conduta. Desta forma, curou um por um, até a casa ficar vazia novamente. Contudo, depois de pensar muito, o Alienista concluiu que seu segundo método era falho, pois ninguém naturalmente tinha uma personalidade reta, perfeita, com exceção dele, sendo que depois de muita reflexão e de ter convocado um conselho de amigos na qual o interrogaram com franqueza, e segundo a sua teoria, concluiu que na cidade inteira, o único anormal era ele próprio, o Alienista. (ASSIS,1994) Conforme supracitado percebe-se a contradição em que se encontrou o Alienista, derrubando sua própria teoria, seu próprio argumento de autoridade, inserindo outros métodos e argumentos, totalmente opostos aos do princípio. Nesse mesmo sentido, Rodríguez (2005) afirma que quando se estuda um tipo de argumento, é preciso conhecer seus pontos fortes e fracos e diante de um argumento de autoridade, a melhor arma é uma boa pesquisa e aprofundamento na matéria, pois, se há opinião diversa, muito provavelmente outra autoridade haverá articulado, ou seja, o argumento de autoridade pode ser substancialmente forte, mas nunca absoluto. No mesmo sentido, mas com uma visão mais filosófica, Perelman expõe que: A incompetência do competente pode servir de critério para desqualificar todos aqueles que não temos razão alguma de acreditar mais competentes do que aquele que se confessou incompetente. Essa forma de argumentação pode ter alcance filosófico eminente, pois pode visar destruir não só a competência, em tal matéria, de um indivíduo ou de um grupo, mas da humanidade inteira. Quando pensadores eminentes denunciam as deficiências da razão em geral, e apenas a autoridade que eles usufruem permite semelhante extrapolação. Entretanto, não está excluído que realmente certas deficiências, particulares à pessoa, é que lhe aumentam a autoridade. (1996, p. 352). Da mesma forma sustenta Rodríguez (2005), afirmando que no âmbito jurídico, quando se trata de argumento de autoridade, é sempre bom dar uma atenção em especial, pois geralmente tais argumentos são manifestados através da doutrina ou da jurisprudência, onde o foco deve ficar sempre na distância histórica entre os determinados acontecimentos, para que tais comparações não se tornem impróprias, ou seja, manter sempre as doutrinas e jurisprudências atualizadas, pois é de praxe que o Direito é condicionado a fatos, fatos estes que são instáveis, pois o que não é aceito hoje legalmente, amanha poderá ser atribuído como ato legalmente expresso em lei. Com isso, nem sempre a citação atribuída hoje pelo argumentador poderá servir de base para a sustentação da sua teoria amanhã. CONCLUSÃO Concluí-se que a relação entre Direito e Literatura pode existir sob diversas formas. Sabe-se que o direito é um produto cultural, que tem como base a sociedade, dessa forma, necessita de outras áreas para ter uma estrutura mais complexa e, é nesse sentido que o Direito e a Literatura se relacionam, ajudando tanto na argumentação quando na problematização do Direito. O presente trabalho estabeleceu o relacionamento entre o Direito e a Literatura de uma forma mais especifica, ou seja, sob o olhar da argumentação, mais precisamente a argumentação de autoridade. A condição na qual foi estabelecida e encontrada entre as duas matérias deu-se de forma bastante precisa e peculiar, em que uma matéria exemplifica e complementa a outra. Tal fato é possível graças ao jeito perspicaz e a forma única de Machado de Assis em escrever os seus contos, onde as suas ideias, organização e argumentações se revelam totalmente precisos. Com isso o foco do conto foi estabelecido pela maneira e tipos de argumentação do Alienista. Este que era um homem sagaz, com conhecimento notório dentro da sua área, ou seja, uma verdadeira autoridade. Com isso, usou e abusou do argumento de autoridade para alcançar seus objetivos, tão grande tornou-se a sua autoridade que ninguém mais tinha coragem de contradizê-lo, e foi em um desses momentos em que ele mesmo percebeu, mesmo com todo o seu conhecimento, que os seus métodos e argumentos que deram base a estes, estavam errados, ou seja, eram inválidos. Dessa forma o conto O alienista deixa uma lição muito importante, especialmente para o Direito, que é a atenção que se deve dar não somente ao argumento de autoridade, mas ao argumento em geral, a importância do questionamento, não se conter em aceitar qualquer argumento antes de ter certeza que este é confiável e digno de crédito. Com isso se faz necessário toda a análise da base do argumento, se este segue uma linha argumentativa lógica, se possui ou não a condição de imparcialidade, a questão do momento histórico ou cultural do argumento utilizado e os fatos narrados, além dos posicionamentos opostos dos determinados argumentos. No âmbito jurídico, o argumento de autoridade é encontrado e utilizado principalmente por meio da doutrina e jurisprudência, as quais devem ser usadas sempre com muito cuidado, pois tal argumento pode tanto valorizar quando desvalorizar um posicionamento, sendo necessário citações de doutrinadores que possuam créditos e que sejam confiáveis no determinado assunto proposto, por isso é importante atualizar os posicionamentos acerca das jurisprudência e doutrina. O Direito condiciona a sociedade e a sociedade condiciona o Direito, são feitos e refletidos de fatos, ambos evoluem dia a dia, e o que é errado hoje, amanhã pode ser expresso em lei como ato legal, com isso a doutrina e a jurisprudência, ou seja, o Direito em geral necessita de constantes revisões críticas, no sentido do seu aprimoramento, e a Literatura, neste contexto, exerce um importante papel. A literatura guia o direito na intenção de maximizar os seus valores axiológicos no momento de suas decisões baseadas no texto positivado, tendo em vista que, nem sempre o Direito encontra respostas adequadas para os seus dilemas, dentro das suas próprias estruturas ou dentro dos seus próprios códigos e doutrinas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, Antônio Suarez. A Arte de Argumentar: Gerenciando Razão e Emoção. 4ª ed. São Paulo: Ateliê,2001. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática metódica da língua portuguesa. 40 ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995. ASSIS, Machado de. O Alienista. Vol. II, Janeiro : Nova Aguilar, 1994. Rio de DUCROT, Oswald. Provar e Dizer: leis lógicas e argumentativas. São Paulo: Global, 1981. IDE, Pascal. A arte de pensar. São Paulo: Martins Fontes, 2000. MACCORMICK, Neil. Argumentação Jurídica e Teoria do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2006. MARCONI, M.A. METODOLOGIA CIENTÍFICA. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2001. PERELMAN, ChaimChaim. A Nova Retórica. 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