PARECER SOBRE A OBRA ELOGIO DA LOUCURA Izadora

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PARECER SOBRE A OBRA ELOGIO DA LOUCURA Izadora
PARECER SOBRE A OBRA ELOGIO DA LOUCURA
Izadora Rodrigues Guerreiro
ROTERDÃ, Desidério Erasmo de. Elogio da Loucura. Porto Alegre: LPM Pocket, 2008.
Desidério Erasmo (1467-1536), conhecido como Erasmo de Roterdã, foi ordenado
sacerdote em 1492, mas obteve dispensa, a seu pedido, dos ofícios sacros e do hábito. No
entanto, tal decisão não chegou a abalar seus interesses religiosos. Em seus posicionamentos
teóricos relacionados a crítica à Igreja e ao clero antecipou, mesmo que sutilmente, algumas
ideias de Lutero e lhe foram dirigidas acusações acerca da preparação do terreno para o
surgimento do protestantismo. Entre as obras mais relevantes de sua carreira estão: O manual
do soldado cristão (1504), Provérbios (1508), Elogio da Loucura (1509) e Sobre o livrearbítrio (1524).
É na obra Elogio da loucura que se manifesta a autenticidade do espírito erasmiano,
sendo sua produção mais famosa. Contudo, uma definição clara e simples da loucura não
pode ser visualizada no pensamento deste autor, visto ser apresentada por meio de aparentes
contradições, sendo ao mesmo tempo a manifestação daquilo que de mais negativo se oculta
na natureza humana e na fé de Cristo (a loucura da Cruz). Entre os extremos mencionados
Erasmo apresenta gradações da loucura como dilacerante denúncia da corrupção dos costumes
da Igreja.
Erasmo traz discussões impensáveis no seu tempo como, o papel da mulher, as
virtudes da infância e da velhice, e o faz colocando como narradora a própria loucura. Ela
aparece como um ser divino que assume sua própria defesa articulando, de modo bastante
convincente, sua importância indispensável à vida humana. Vista muitas vezes como algo
negativo e importuno, a Loucura descrita e personificada por Erasmo decide tecer elogios a si
mesma, quer mostrar aos homens o quanto seus feitos e intervenções deram à vida inúmeras
vantagens, dentre elas, por exemplo, o casamento e a amizade que segundo o próprio autor:
“[...] é tão necessária à vida quanto a água, o fogo e o ar [...]” (ROTERDÃ, 2008, p. 31).
Desprovida de crédito pela ingratidão humana, a loucura neste autoelogio desenvolve
e propõe reflexões sobre as diversas áreas da vida e mostra, o quanto ela é vital para a
sobrevivência da raça humana. Outro ponto extremamente relevante na obra é a forte crítica
Acadêmica do 3º período noturno do curso de Letras, do Instituto Superior de Educação da Faculdade Alfredo
Nasser, sob orientação do professor Ms. Milton Luiz Pereira, no semestre letivo 2009/1.
que Erasmo faz aos estóicos, vendo–os como seres soberbos, hipócritas e insensíveis às
sensações e sentimentos humanos que, segundo a loucura, derivam dela. O texto em questão
tece também críticas aos escolásticos e aos racionalistas, neste ponto o autor busca discutir e
assim promover, uma reflexão acerca da submissão do homem à razão.
O autoelogio presente na obra propõe um homem livre das amarras do cristianismo e
das concepções maniqueístas medievais. Essa proposta se faz entender como algo vital por ser
ela (Loucura) a responsável pelo deslumbramento da vida, pelo momentâneo esquecimento
das más experiências vividas que impulsionam o homem a vivê-las novamente, como o
casamento: “[...] quantos acontecimentos funestos não veríamos diariamente, se a adulação, a
complacência, a dissimulação [...], não sustentassem e não mantivessem constante a união do
homem e da mulher! [...]” (ROTERDÃ, 2008, p. 33).
Para o autor (2008) o convívio dos homens em sociedade os torna seres chatos e
demasiadamente racionais, e é esse extremismo racional, essa obstinação presente na tradição
filosófica é que a Loucura quer atacar, pois a vida e o próprio homem seriam insuportáveis se
não houvesse todos os divertimentos, prazeres e esquecimentos que ela pode proporcionar. A
mulher, que antes nunca fora assunto, é descrita por Erasmo como um ser apreciável e
indispensável ao homem. A Loucura a descreve como sendo uma de suas filhas, que assim
como ela serve aos homens que muitas vezes se mostram ingratos. “[…] Aliás, têm elas outro
desejo na vida senão o de agradar aos homens? […]” (ROTERDÃ, 2008, p. 30). Desse modo,
Erasmo de Roterdã quer apresentar a todos, uma sociedade machista, formada por religiosos
hipócritas. Alguns religiosos pareciam ter se esquecido das próprias características que o
fazem humanos ao se afastarem dos sentimentos e prazeres para se colocarem a serviço do
fanatismo e da falsidade.
Uma ilusão indispensável à vida humana! Eis a concepção de Loucura que Erasmo
apresenta nesta obra, essa comédia e ao mesmo tempo drama que é a vida do homem. A
eterna busca por algo que faça sentido, as mentiras, verdades, amores, ódios, reflexões,
crenças, enfim, todas as insondáveis sensações e sentimentos tipicamente humanos revelam a
hipocrisia que mascara e esconde todos os anseios vividos pelo homem no decorrer da
história. Por isso é possível afirmar que a loucura erasmiana arranca os véus, fazendo com que
todos vejam a comédia da vida e a verdadeira face dos que se escondem sob máscaras, assim
a loucura é reveladora da verdade.
Na história do homem, a razão e a religião o tornaram submisso e essa submissão, a
hipocrisia frente aos sentimentos e prazeres indispensáveis, são as verdades que Erasmo
buscou revelar, ao mostrar que a infância e a velhice são etapas pelas quais o homem passou
ou passará, tendo mais prazeres do que razão, por serem as etapas da vida em que o homem
abandona as máscaras e a submissão e goza os prazeres sem o véu da interdição religiosa ou o
crivo da racionalidade. Assim, a obra Elogio da Loucura pode ser vista como um convite à
liberdade, à reflexão acerca da importância dos sentimentos humanos e principalmente como
uma nova maneira de enxergar o comportamento humano e a sociedade em que se vive.

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