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Boletim do LABEM, ano 3, n. 4, jan/jun de 2012
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Origami e Educação Matemática
Eliane Moreira da Costa
FEUFF
Nesta quarta edição do Boletim vou apresentar um pouco do que foi abordado na oficina realizada
no Dia da Matemática, no Município de Santo Antônio de Pádua. Passados seis anos da publicação
do livro “Matemática e Origami Trabalhando Frações”, com trinta e seis páginas que abordam a
proposta de introdução ao estudo de um dos temas que mais perturbam os alunos da educação
básica, aproveito mais esta oportunidade para acrescentar os estudos que tenho feito da articulação
promissora do trabalho com as frações através da arte de dobrar papéis.
Meus primeiros trabalhos realizados com Origami priorizaram as formas geométricas, suas
propriedades e as verificações de resultados próprios da geometria. Hoje, decorridos vinte anos, o
acervo produzido inclui conteúdos da matemática que fazem parte do currículo da educação
básica, desde os primeiros anos do ensino fundamental até as últimas séries do ensino médio,
alcançando estudantes dos sete aos dezoito anos de idade. Algumas atividades também estão
voltadas para as turmas de graduação do Curso de Pedagogia e de Licenciatura em Matemática.
Mesmo com tamanha abrangência, cabe ressaltar que este trabalho com matemática e origami não
é uma nova metodologia, porque não se aplica a todos os conteúdos e não tem a pretensão de
atender a todas as condições e necessidades para o aprendizado da Matemática, mas é fecundo em
sugestões para que o trabalho em sala de aula seja mais prazeroso e significativo, tanto para alunos
quanto para professores.
Grande parte dos alunos, principalmente os que já completaram os primeiros cinco anos da
educação básica, declara não gostar da matemática. É possível que esta afirmação seja de fato uma
ressonância da crença de que a Matemática está voltada para o interesse de poucos privilegiados,
ainda que “ensinada de modo compulsório nas escolas a todos os alunos” (MACHADO, 1991,
p.56). Contudo, convém atentar para o fato de que muitas resistências podem estar vinculadas aos
primeiros obstáculos enfrentados, principalmente com as representações, os símbolos e os seus
diferentes significados. A presença marcante da linguagem matemática acontece quando se
iniciam os primeiros estudos algébricos, exatamente nas séries onde as dificuldades com a
matemática se acentuam. Sobre esta ótica, cabe discutir o papel da linguagem matemática
enquanto uma representação escrita específica, caracterizada pela apropriação de símbolos para os
quais são atribuídos significados próprios e ao uso de regras na manipulação destes símbolos.
Indiscutivelmente, para aprender Matemática é preciso que se tenha o domínio da sua linguagem
específica.
Outros estudos, ainda sobre o mesmo tema, como os de Laborde (1975), permitem
que consideremos a aprendizagem da Matemática como aquisição e o domínio de
uma nova linguagem, de uma língua estruturada e que se revelaria, por este motivo,
estruturante. (SMOLE, 1996, p. 64)
A linguagem matemática é alicerce para a abordagem científica visto que “sem seus muitos
símbolos, grande parte da matemática simplesmente não existiria” (DEVLIN, 2009, p.36). O
reconhecimento da sua relevância para promover avanços conceituais pressupõe uma atenção
especial dos professores em relação ao papel que desempenha, mas nem por isso cabe
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desconsiderar o trabalho mais efetivo, sobretudo na compreensão dos conceitos matemáticos.
Compreender e representar são momentos distintos da aprendizagem e requerem igual cuidado.
Muitos professores ainda não despertaram para a necessidade de criarem oportunidades
para que os alunos possam trabalhar com os conteúdos matemáticos analisando as possíveis
formas de representá-los. Surpreendentemente, as situações em que o aluno trabalha corretamente
no nível conceitual, mas tropeça na escrita simbólica, são entendidas e consideradas como “não
matemáticas”. Por exemplo, no contexto de uma pesquisa, destacada a seguir, evidencia-se na
própria pergunta feita pelo entrevistador a concepção de que a matemática está associada muito
mais à sua representação simbólica do que as ideias de que trata, tanto assim que ele, para induzir
o uso da variável, pede para que a aluna escreva o que pensou “usando matemática” depois dela
explicar oralmente e corretamente seu pensamento:
Uma nave espacial viaja por “etapas”, cada uma com a mesma extensão:
Se a extensão de cada etapa é de 11 anos-luz, o que se poderia dizer sobre a
distância percorrida em y etapas?
Wendy: Há uma letra aí.
Entrevistador: O que significa essa letra?
W: Está indicando quantas etapas.
E: Certo. Você seria capaz de dizer alguma coisa sobre a distância que a nave
percorre?
W: O quê? É para eu escrever o que faria? [Escreve “Se y fosse um número, eu o
multiplicaria por 11”.]
E: Agora você é capaz de escrever isso sem usar palavras, isto é, usando
matemática?
W: O quê? Como assim? É 11 vezes y?
E: isso mesmo. (BOOTH, p.24)
Para Smole (1996) “exprimir-se com rigor não é uma condição prévia da atividade
matemática e sim o efeito dessa atividade” e para tanto cabe ao professor propor e estimular
atividades através das quais os alunos possam estar de fato explicitando suas ideias,
argumentando entre si, tomando emprestada a oralidade da língua materna para que, a partir
destas situações, despertem para a necessidade e função da linguagem matemática. Este momento
precisa ser reconhecido como parte de qualquer proposta pedagógica que articule o pensar e o
fazer matemática.
Neste sentido o Origami em sala de aula revela-se um excelente recurso auxiliar. Pelo
menos é o que têm comprovado as experiências realizadas no Projeto de Ensino “Educação
Matemática e Origami” realizado na Universidade Federal Fluminense desde 1991.
De modo geral, a escolha de um modelo em origami é feita de acordo com o assunto que
será gerado a partir das etapas de elaboração observadas no processo de sua construção, do quanto
exigirá em relação ao desenvolvimento psicomotor dos alunos e do quanto o modelo possa
despertar o interesse deles. Uma vez estimulados pela vontade de construir o modelo e imersos
num ambiente que valoriza o pensamento expresso espontaneamente, sem as amarras e exigências
do rigor e formalismo, gradativamente são introduzidas as representações simbólicas pertinentes,
dando maior significado a linguagem matemática pertinente ao contexto do tema.
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Dentre os conteúdos básicos da matemática, as dificuldades dos alunos com as frações,
estão entre as primeiras apontadas por eles mesmos e pelos professores. De fato, com frequência,
ainda encontramos alunos do ensino médio com sérias dificuldades em operar e em lidar com
ideias fundamentais sobre frações. Encontramos também professores desejosos por modificar esta
realidade, mas sem recursos didáticos além dos tradicionais, exaustivamente aplicados sem
sucesso. Não basta repetir informações e tentar mecanizar os processos. Os professores e os alunos
estão fartos disso. Por estes motivos, quando tive a oportunidade, publiquei um livro propondo o
trabalho com frações através do origami.
Quase sempre os materiais concretos usados para as frações partem da exploração de
conjuntos de objetos (quantidades discretas), da comparação entre comprimentos ou entre regiões
(quantidades contínuas). O Origami é um dos poucos recursos que pode orientar explorações das
ideias fracionárias nestes três modos de representação, dando suporte para a compreensão das
primeiras noções, das equivalências e das operações, inclusive as frações ditas impróprias e os
números mistos.
Iniciar o estudo das frações com figuras ou materiais que se baseiam na comparação de
regiões e áreas tem sido um bom começo há bastante tempo. Infelizmente alguns professores, por
acreditarem nas facilidades que eles consideram advir da compreensão das representações e da
memorização das regras e dos procedimentos usados nas simplificações e nas operações, muito
precocemente abandonam as figuras e os materiais. Não são poucos os casos observados de
professores que, em sala de aula, ilustram partes fracionárias de tal forma que, em seus desenhos
feitos de improviso, conceitos fundamentais ficam distorcidos, como por exemplo, a condição das
partes ou porções serem iguais quando se trata de frações, tamanha confiança pedagógica
concedida às representações simbólicas.
Nos livros didáticos, material de apoio ao trabalho dos professores, os exemplos de pizzas,
laranjas e similares, não ajudam tanto quanto outros, porque dividir pizzas e laranjas em partes
iguais não é tão simples assim. Recentemente, ao ligar para o restaurante, a atendente, muito
atenciosa, me informou que entregavam pizzas nos tamanhos pequeno, médio e grande. Quando
perguntei a diferença do tamanho médio para o grande ela respondeu: “na pizza grande são oito
fatias” como se não pudéssemos dividir as pizzas menores também em oito fatias.
Definitivamente, esta situação revela que as noções básicas sobre frações não ficaram bem
resolvidas.
Nos trabalhos iniciais com Origami o papel é considerado o todo (a unidade) e o modelo de
representação que fundamenta esta abordagem é o de regiões ou superfícies.
Os desenhos formados pelas sucessivas dobras feitas no papel vão descrevendo malhas
subdivididas em formas geométricas congruentes e variadas, colocando o aluno ativamente em
contato visual e bem elaborado com partes fracionárias. Tanto as primeiras noções sobre frações
quanto as operações e equivalências podem ser facilmente compreendidas desde que observadas e
consideradas a adequação do modelo em origami às características de cada turma em questão e
aos conteúdos que se quer analisar.
Nas operações com frações não se pode perder de vista o caráter introdutório das atividades
com modelos, considerando-se a conveniência das malhas formadas no papel. Por exemplo,
dificilmente poderemos representar a adição de frações com denominadores três e quatro,
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respectivamente, porque precisaríamos de uma malha com, no mínimo, doze divisões em partes
iguais. É possível encontrar uma figura em Origami que transforme o papel em tal malha, mas não
poderemos garantir que esta figura seja exequível num grupo iniciante na arte do Origami. Tal
complexidade não atenderia as prioridades da proposta que compreende o Origami com mediador
e não como meta.
No trabalho com as frações impróprias e as representações em forma de número misto são
muito apropriados os modelos em origami conhecidos como modulares. Um origami modular
resulta da composição de unidades iguais. É o caso, por exemplo, do Cubo Sonobè. Para esta
figura são dobrados, pelo mesmo processo, seis papéis quadrados do mesmo tamanho dando
origem as seis unidades que juntas formarão o cubo (figura 1). Como a malha obtida em cada
unidade mostra a divisão do papel em quatro retângulos congruentes esta pode ser uma boa
oportunidade para se considerar a interpretação de cinco quartos, seis quartos, um inteiro e um
meio, um inteiro e três quartos, dois inteiros e um quarto, e outros.
Figura 1: Unidades Sonobè e Cubo
As experiências realizadas nas escolas constatam que as aplicações do origami nas aulas de
matemática despertam o interesse dos alunos e atraem a atenção mesmo daqueles que costumam
ficar alheios as propostas. Durante a construção dos modelos é possível observar comportamentos
e estimular atitudes favoráveis ao aprendizado. A comunicação dos alunos com o professor e entre
eles próprios tende a transcorrer em um clima de amenidades e, assim, há mais receptividade. A
compreensão dos conceitos matemáticos e, posteriormente, as suas representações são facilitados
quando mediados pela construção dos modelos em origami.
Figura 2: Diagrama do Cubo Sonobè
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Referências bibliográficas
BOTH, L.R. Dificuldades das crianças que se iniciam em álgebra. In: COXFORD, A. F. & SHULTE, A. P.
(Orgs.) As Idéias da Álgebra. São Paulo: Atual, 1995. p. 23-36.
COSTA, E. M. Matemática e Origami Trabalhando Frações. Rio de Janeiro: Ciência Moderna, 2007.
DEVLIN, K. J. O Instinto Matemático. Rio de Janeiro: Record, 2009.
MACHADO, N. J. Matemática e Língua Materna: análise de uma impregnação mútua. São Paulo:
Cortez, 1993.
SMOLE, Kátia C. S. A Matemática na Educação Infantil: a teoria das inteligências múltiplas na prática
escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
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