Cristianismo: unidade e diversidade

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Cristianismo: unidade e diversidade
EMRC - AMOSTRA
UNIDADE LECTIVA
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Cristianismo: Unidade e Diversidade
• A unidade do Cristianismo
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Nesta unidade vamos reflectir sobre:
• O cisma do Oriente e a separação das Igrejas católica e ortodoxa
• O cisma do Ocidente
• A identidade das Igrejas católica, ortodoxa e protestantes
• A organização interna da Bíblia
• A formação do Antigo e do Novo Testamentos
• A revelação, a inspiração e o cânone da Bíblia
• A unidade dos cristãos nos textos bíblicos
• O ecumenismo
• A construção de pontes para a unidade
• A criação das Igrejas da reforma
Unidade 2
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Roger Schutz, irmão da comunidade de Taizé
Olá!
Chamo-me Roger. Nasci na Suíça em 1915, mas em 1940,
durante a segunda guerra mundial, fui viver para França. Já
desde alguns anos que sentia em mim o desejo de me juntar a
outras pessoas para concretizarmos um grande desafio: viver
todos os dias a reconciliação entre os cristãos.
Sabes… eu nasci numa família protestante (o Cristianismo
dividiu-se em três grupos principais: católicos, ortodoxos e
protestantes), mas sentia-me fascinado pelo Catolicismo e
pela Ortodoxia e sempre me fez sofrer ver pessoas sinceras e
honestas a recusarem relacionar-se fraternalmente só porque
pertenciam a famílias religiosas diferentes. O sofrimento
que vi, durante o terrível conflito mundial, deu-me ainda mais
consciência de que, unidos, podíamos fazer um bem maior.
Juntei-me a outras pessoas e fundámos, em Taizé, uma
comunidade onde, na simplicidade, cada um expressa a sua fé
cristã, oramos em conjunto a Jesus Cristo, acolhemos quem
nos procura e servimos os desfavorecidos. Queremos, os
irmãos de Taizé, ser um sinal concreto de reconciliação entre
cristãos divididos e povos separados.
Unidade 2
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Comunidade de Taizé
Comunidade de Taizé — Borgonha, França
SABER +
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Nesta Unidade Lectiva procura entender as razões históricas, culturais e religiosas que provocaram as várias divisões no Cristianismo, mas, sobretudo, abre-te à beleza da
unidade na diferença e descobre o que podes fazer para tornar possível a fraternidade entre os povos, a comunhão entre
os cristãos e a harmonia nas relações entre as pessoas da tua
escola.
O irmão Roger Schutz foi assassinado em 2005, durante a oração da tarde, por uma mulher que sofria de perturbações mentais.
A comunidade de Taizé continua a ser um sinal de encontro entre os povos e de construção da paz.
Para além dos programas semanais em Taizé, a comunidade promove, desde 1978, encontros anuais de oração pela
paz em diferentes cidades da Europa. Em 2004, este encontro — Peregrinação de Confiança através da Terra —
realizou-se em Lisboa.
Unidade 2
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SABER +
A palavra ‘cisma’ — do
grego skhisma («fenda;
separação»), por via do
latim schisma — significa dissidência religiosa,
separação de uma determinada religião.
CRISTIANISMO – UMA FÉ,
VÁRIOS CAMINHOS
Pormenor do Crucifixo, por Miguel Ângelo
O Cristianismo, que assenta a sua fé e a sua esperança em Jesus
Cristo, é uma religião que está profundamente inserida na vida das
pessoas e dos povos. Jesus e os apóstolos viveram num período histórico em que o império romano dominava grande parte do mundo
conhecido e Roma era a capital desse imenso império.
Os cristãos, porque pessoas reais e concretas, sempre viveram
no espaço público em que estavam inseridos, adaptando-se às condições sociais. Herdeiro do Judaísmo e enriquecido pela civilização
greco-romana, o Cristianismo, apesar de três séculos de perseguições, criou raízes na vida de muitos homens e mulheres que, em
Jesus Cristo, encontraram sentido para a vida. A universalidade que
o Cristianismo alcançou deu-lhe vitalidade, mas também é verdade
que a submissão a interesses particulares, de indivíduos ou de grupos,
fragilizaram a comunidade cristã.
Ao longo do primeiro milénio, apesar de pequenas divergências
e separações, o Cristianismo manteve-se globalmente unido. Logo
no início do segundo milénio acontece a grande ruptura na Igreja
cristã — o cisma do Oriente.
Unidade 2
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O diálogo entre o Oriente cuja capital era Constantinopla (antiga
Bizâncio e actual Istambul, na Turquia) e o Ocidente, com capital em
Roma, já várias vezes tinha sido posto em causa.
Com a queda do império romano no Ocidente, em 476 — após a
divisão do império romano em duas partes (império romano do Ocidente, com capital em Roma, e império romano do Oriente, com capital em Constantinopla) — a cidade de Constantinopla adquiriu progressivamente uma maior importância. As diferenças entre o mundo
ocidental (que falava latim) e mundo oriental (que falava grego) vão-se acentuando a nível cultural, político e até religioso.
Pictos
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Império Romano no início do século IV
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O Cisma do Oriente
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Unidade 2
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Progressivamente, as relações entre Roma e Constantinopla
foram-se degradando. Os bispos de Roma (papas) e os bispos de
Constantinopla (patriarcas do Oriente) foram, cada um à sua maneira, procurando afirmar a sua autoridade sobre o outro. O conflito
acentuou-se de tal forma que cada um deles acusou o outro de se
estar a afastar da mensagem de Jesus Cristo.
DOC 1
Bizâncio e Roma: razões de uma separação
As diferenças entre as Igrejas do Ocidente e do Oriente, já evidentes no século IV, tornam-se mais precisas durante os séculos seguintes. As suas causas eram múltiplas: tradições culturais distintas (greco-oriental por um lado,
romano-germânica por outro); a ignorância mútua, não só das línguas, mas também das respectivas literaturas
teológicas; as divergências de ordem cultural ou eclesiástica (o casamento dos padres, proibido no Ocidente; o
uso do pão ázimo no Ocidente, e do pão com fermento no Oriente; a água acrescentada ao vinho da Eucaristia no
Ocidente, etc.).
Certos desenvolvimentos do culto e das instituições
eclesiásticas conferem ao Cristianismo oriental uma
fisionomia peculiar. A importância da veneração dos
ícones no Império Bizantino e a adição do filioque ao
Credo de Nicéia-Constantinopla — o trecho passava a
ter a seguinte leitura: «O Espírito procede do Pai e do
Filho».
Tudo isto levou a que aumentasse a animosidade dos
ocidentais contra os orientais.
Mircea Eliade, História das Ideias e Crenças Religiosas
Interior de Igreja Russa Ortodoxa, em Florença
No ano de 1054, numa tentativa de diálogo e conciliação, um
enviado do papa (cardeal Humberto) foi a Constantinopla, mas a
tentativa saiu frustrada e aconteceu a separação (cisma). O cardeal,
em nome do papa Leão IX, dirige-se à Basílica de Santa Sofia e excomunga o patriarca Miguel Cerulário. Este, como resposta, excomunga o cardeal. Com estes gestos, repletos de falta de compreensão e de
caridade, cada um considera-se portador da verdade e expulsa dessa
fé e dessa comunhão o outro.
Surgem assim dois ramos no tronco do Cristianismo: a Igreja
latina a que vulgarmente chamamos ‘católica’ e a Igreja oriental a que
chamamos ‘ortodoxa’.
Esta fractura na unidade do Cristianismo ainda hoje tem as suas
consequências. Católicos e ortodoxos, apesar dos encontros e abraços fraternos entre os seus líderes, continuam separados.
Unidade 2
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DOC 2
A veneração dos ícones
Por volta do final do século VII, as imagens tornaram-se objecto de devoção e culto, tanto nas igrejas como nos
lares. Os fiéis oravam, prostravam-se diante dos ícones, beijavam-nos, levavam-nos a desfilar por ocasião de certas cerimónias. Durante esse período, cresce o número de imagens milagrosas — fontes de poder sobrenatural
— que protegiam cidades, palácios, exércitos. Essa crença no poder sobrenatural das imagens, que pressupõe
uma certa continuidade entre a imagem e a pessoa que ela representa, é a característica mais importante do
culto dos ícones. O ícone é uma extensão da própria divindade.
No que diz respeito aos ícones dos santos, escreve João Damasceno: «Enquanto viviam, os santos estavam plenos do Espírito Santo e, depois de mortos, a graça do Espírito Santo está sempre próxima das suas almas, das
suas sepulturas, das suas santas imagens». Os ícones, sem dúvida,
não devem ser adorados da mesma forma como se adora Deus.
Pertencem, porém, à mesma categoria de lugares e objectos santificados pela presença de Jesus Cristo — como, por exemplo,
Nazaré, o Gólgota, o lenho da Cruz. Esses lugares e objectos tornaram-se «recipientes da energia divina», porque é através deles
que Deus opera a nossa salvação. Actualmente, os ícones tomam
o lugar dos milagres e dos outros actos de Jesus Cristo que os seus
discípulos tiveram o privilégio de ver e admirar.
Mircea Eliade, História das Ideias e Crenças Religiosas
Igreja Católica
(latina)
Detalhe da Transfiguração de Cristo, Mosteiro
de Daphni
Cisma do Oriente
(séc. XI)
Roma (papa)
Renascimento
O final do século XIV e o século XV é um tempo de grandes
transformações culturais. Após a peste negra, que assolou a Europa
na década de 40 do século XIV, surgiram novas visões da vida que
conduziram ao aparecimento da burguesia, ao incremento da vida
Igreja Ortodoxa
(oriental)
Constantinopla
(Patriarca)
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urbana e a um maior apreço pelo pensamento racional, pela arte e
pela beleza. A imitação dos modelos da antiguidade clássica, grega e
latina (Renascimento), vem colocar o homem no centro da vida e do
pensamento (Humanismo). Esta nova perspectiva sonha com uma
época de esplendor e luz que se irá concretizar com a exaltação do
ser humano através da literatura, da escultura, da história, da religião,
das ciências naturais.
Partindo das grandes cidades italianas (Florença, Veneza, Roma,
Siena…) este movimento difundiu-se por toda a Europa, assumindo
particularidades e estilos específicos.
São desta época os grandes artistas e pensadores que ainda hoje
admiramos nas suas criações: o poeta Dante (A Divina Comédia); os
pintores, escultores e arquitectos Giotto, Miguel Ângelo, Leonardo
da Vinci…
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Anunciação, 1489-1490 [Sandro Botticelli, 1445-1510]
Cúpula da Catedral de Florença, 1434 [Filippo Brunelleschi, 1377-1446]
Detalhe da Fuga para o Egipto, 1304-1306 [Giotto di Bondone, 1266-1337]
Detalhe de David, c. 1430 [Donatello 1386-1466]
Jesus e José de Arimateia, 1554-1559 [Baccio Bandinelli, 1488-1560]
Porta do Paraíso, baptistério de S. João Baptista, em Florença, 1429-1452 [Lorenzo Ghiberti, 1378-1455]
Unidade 2
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A partir do século XII foram surgindo, na Europa medieval, vários movimentos religiosos que apelavam a uma vida cristã mais autêntica, menos opulenta, mais centrada na Bíblia e menos ritualista.
O século XIV é um período conturbado para a Igreja: durante
cerca de setenta anos os papas passaram a residir em Avinhão, cidade francesa (até 1377), e desde 1378 a 1417 houve dois papas: um
em Roma, outro em Avinhão. A Igreja estava também demasiado
envolvida em questões políticas e económicas, em prejuízo das preocupações espirituais. Havia, por isso, um forte movimento de crítica
às instituições da Igreja, exigindo a sua reforma.
Palácio dos Papas, Avinhão, França
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O Cisma do Ocidente
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Unidade 2
SABER +
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Em 1305, o bispo de Bordéus foi eleito papa com o nome de Clemente V. Sendo francês e submisso ao rei de França
— Filipe, o Belo (1285-1314) — e argumentando com a época de instabilidade que se vivia em Roma, o papa decidiu
ficar em França, na cidade de Avinhão. Foram sete os papas, todos eles franceses, que orientaram a vida da Igreja a
partir desta cidade do sul de França que assim se tornou a capital da cristandade.
Em 1377, o papa Gregório XI, depois de contínuas insistências por parte de muitos
cristãos, retornou a Roma, que passou a ser novamente o centro do mundo cristão
no Ocidente. Quando este morreu, é foi eleito, em 1378, um italiano (Urbano VI). Homem de bom coração, mas pouco sensato, incompatibilizou-se com os cardeais que
acabaram por escolher outro papa — Clemente VII — que foi viver para Avinhão.
À morte de cada um dos papas sucederam-se outros… a cristandade (países, reis,
bispos, cidades) viveu, assim, dividida em duas obediências religiosas.
Esta divisão, na vida da Igreja, terminou quando o Concílio de Constança, em 1417,
elegeu o papa Martinho V.
Papa Clemente V
A Reforma Protestante
O movimento humanista, fundado na redescoberta da cultura
greco-romana (Renascimento), aliado ao descontentamento das pessoas pelos abusos da Igreja, faz emergir a necessidade de um retorno
à mensagem original de Jesus Cristo.
Causas da Reforma Protestante
Cisma do
Ocidente
Abusos da Igreja
católica
Pensamento
renascentista
Movimentos
renovadores
– Descrédito do
papado
– Indulgências
– Poder temporal
dos papas
– Ritualismo
– Redução da
ingerência
dos papas
em assuntos
nacionais
– Conquista, pelo
poder, dos bens
da Igreja
– Purificação da
vivência cristã
Lutero, o grande reformador
Martinho Lutero traduzindo
a Bíblia, 1898 [Eugene
Siberdt, 1851-1931]
Martinho Lutero (1483-1546), padre católico, e monge agostiniano e professor, preocupado em corrigir alguns comportamentos
e ritos da Igreja, afixa em 1517, na porta da igreja de Wittenberg
(Alemanha), 95 teses onde apresenta as suas ideias sobre a salvação e
condena a venda das indulgências.
A prática das indulgências era habitual desde há vários séculos e
significava o perdão dos castigos relacionados com os pecados. Para
a Igreja, o perdão dos pecados era oferecido ao crente através da celebração do sacramento da reconciliação (confissão). Este perdão era
condição para a salvação do indivíduo. No entanto, segundo se acreditava, se a pessoa morresse reconciliada com Deus mas não tivesse
expiado os seus pecados com o sofrimento adequado, teria de passar
transitoriamente pelo purgatório antes de ingressar no céu. As indulgências eram uma maneira de obter a remissão dos castigos, sem
ter de passar por eles nesta vida ou no purgatório, depois da morte.
Nunca a Igreja pregou que a indulgência correspondia ao perdão dos
pecados. O baptismo e o sacramento da reconciliação sempre foram
as únicas formas de obter a remissão do pecado. A indulgência permitia apenas o perdão da pena correspondente ao pecado.
A comutação do castigo em penas pecuniárias era conforme
às regras de remissão do direito romano. Em termos populares, as
indulgências eram «um bilhete para o céu» sendo certo que, para recolher benefícios, a Igreja não contrariava convenientemente esta explicação. No início do século XVI, esta prática envolvia vastas somas
de dinheiro e de interesses financeiros internacionais. Para Roma, a
venda tornara-se uma fonte de rendimentos regulares e extraordinários nomeadamente para a construção da nova basílica de S. Pedro.
Lutero revolta-se contra esta prática da Igreja, põe em causa a
função e o poder do papa, apresenta a Bíblia como única autoridade
em matéria de fé e afirma que a salvação se alcança pela fé e não pelas
obras.
Em 31 de Outubro de
1517, com o objectivo de
promover um debate entre
professores e estudantes que
contribuísse para a renovação da Igreja, Lutero afixa
95 Teses na porta da igreja
do castelo de Wittenberg, na
Alemanha.
Estátua de Martinho
Lutero, na Praça de
Wittenberg
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Unidade 2
Estátua de Martinho
Lutero na praça da cidade
de Wittenberg (Alemanha)
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Unidade 2
DOC 3
Teses de Lutero
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Com um desejo ardente de trazer a verdade à luz, as seguintes teses serão defendidas
em Wittenberg sob a presidência do Rev. Frei Martinho Lutero, Mestre de Artes,
Mestre de Sagrada Teologia e Professor oficial da mesma. Ele, portanto, pede que
todos os que não puderem estar presentes e disputar com ele verbalmente, o façam
por escrito.
Martinho Lutero
7. Deus não perdoa a culpa de qualquer pessoa sem, ao mesmo tempo, sujeitá-la, em
tudo humilhada, ao sacerdote, seu vigário.
21. Erram, portanto, os pregadores de indulgências que afirmam que a pessoa é
absolvida de toda a pena e salva pelas indulgências do papa.
24. Por isso, a maior parte do povo está a ser ludibriada por essa magnífica e indistinta
promessa de absolvição da pena.
37. Qualquer cristão verdadeiro, vivo ou morto, participa de todos os benefícios de
Cristo e da Igreja, que são dons de Deus, mesmo sem carta de indulgência.
43. Deve ensinar-se aos cristãos que, dando ao pobre ou emprestando ao necessitado,
procedem melhor do que se comprassem indulgências.
44. Ocorre que, através da obra de amor cresce o amor e a pessoa torna-se melhor,
ao passo que com as indulgências ela não se torna melhor, mas apenas mais livre
da pena.
45. Deve ensinar-se aos cristãos que quem vê um necessitado e o negligencia para
gastar com indulgências obtém para si não as indulgências do papa, mas a ira de
Deus.
50. Deve ensinar-se aos cristãos que, se o papa soubesse das exigências dos pregadores
de indulgências, preferiria reduzir a cinzas a basílica de S. Pedro a edificá-la com a
pele, a carne e os ossos de suas ovelhas.
53. São inimigos de Cristo e do papa aqueles que, por causa da pregação de
indulgências, fazem calar por inteiro a palavra de Deus nas igrejas.
54. O
fende-se a palavra de Deus quando,
num mesmo sermão, se dedica tanto
ou mais tempo às indulgências do que
a ela.
62. O
verdadeiro tesouro da Igreja é o
santíssimo Evangelho da glória e da
graça de Deus.
Unidade 2
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DOC 4
Teologia luterana
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Lutero interpreta assim o sentido da expressão «a justiça de Deus»: é o acto pelo qual Deus torna um homem justo,
ou seja, o acto pelo qual o crente recebe, graças à sua fé, a justiça obtida pelo sacrifício de Cristo. Essa interpretação
de São Paulo — «o justo viverá da fé» (Rom. 1, 12) — constitui o fundamento da teologia de Martinho Lutero. «Eu
senti-me renascer», dizia ele mais tarde, «e percebi que tinha penetrado no Paraíso pelas suas portas abertas».
O homem é justificado e salvo unicamente pela fé em Cristo. Tal como a fé, a salvação é concedida gratuitamente
por Deus.
Mircea Eliade, História das Ideias e Crenças Religiosas
Martinho Lutero prega com a sua
tradução da Bíblia, enquanto preso
em Wartburg,
por Hugo Vogel (1882)
DOC 5
Exageros de Lutero
Lutero afirma: «Não admito que a minha doutrina possa ser julgada pelos homens, ou mesmo pelos anjos. Aquele
que não aceita a minha doutrina não pode obter a salvação». Tendo recebido a revelação que é a liberdade absoluta
de Deus-Pai, que julga, condena e salva segundo a sua própria decisão, Lutero não pode tolerar mais nenhuma outra
interpretação.
Afirmava: «Se a vontade não é livre, o pecado não pode ser imputado aos homens, já que ele só existe se for
voluntário. Além disso, se o homem não fosse livre para escolher, Deus seria responsável tanto pelas más como
pelas boas acções».
Mircea Eliade, História das Ideias e Crenças Religiosas
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Unidade 2
A insatisfação sentida por gente do povo, comerciantes, príncipes e reis foi terreno fértil para a adesão às ideias de Lutero que,
excomungado pelo papa em 1521, inicia outra vivência cristã a que
vulgarmente se chama Igreja protestante.
SABER +
EMRC - AMOSTRA
Por razões políticas, Lutero defendia que cada príncipe deveria escolher e impor a religião no seu Estado. Em 1529,
no encontro de Spire (Alemanha), Lutero e os seus seguidores protestaram contra a negação da liberdade de os
príncipes escolherem a religião adoptada nos seus domínios… daí o nome de Protestantes.
Estátua de Joao Calvino,
Genebra
Os dois caminhos da Religião, representação da divisão entre Protestantismo e Catolicismo,
pela Escola Francesa
Outros reformadores
João Calvino (1509-1564), francês, seguidor dos ideais de Lutero, afirma que a salvação da pessoa se deve ao trabalho justo e honesto. Esta declaração foi muito bem aceite por banqueiros e burgueses
a quem a Igreja condenava pela sua riqueza, muitas vezes conseguida
através de juros elevados.
Calvino defende a ideia da predestinação: a pessoa, quando nasce, já tem o seu destino definido. Esta crença nega a liberdade da
pessoa e, ao afirmar que o ser humano nada pode fazer para alterar o
seu destino, torna-o completamente impotente perante um Deus que
não permite a liberdade do ser humano.
Calvino vai para Genebra (Suíça), onde as suas ideias religiosas
são muito bem acolhidas, e aí estabelece uma comunidade fortemente
trabalhadora e próspera, de comportamentos sóbrios e rigidamente
controlados, negando todos os prazeres da vida (puritanismo).
Ulrich Zuínglio (1484-1531), humanista e padre suíço, apelava ao regresso da Igreja à simplicidade original. Na linha de Lutero,
defende que a Bíblia é o único fundamento da fé e da autoridade
religiosa. Na liturgia, faz uso do alemão e não do latim. Preocupou-se muito com a santificação dos cristãos e com a transformação da
sociedade.
Os únicos sacramentos aceites, tal como acontece em todo o
Protestantismo, são o baptismo e a ceia, como recordação da morte
e ressurreição de Cristo. Recusa imagens, vestes e músicas sagradas.
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Unidade 2
Ulrich Zwingli, reformador
suíço (1484-1531)
DOC 6
O Protestantismo: unidade e diversidade
O Protestantismo, que constitui um dos três grandes ramos do Cristianismo, nasceu no século XVI na Europa e
estendeu-se, de maneiras diversas, a todos os continentes. Forma religiosa muito diversificada, está organizado em
múltiplas Igrejas e muitos movimentos.
No momento do nascimento do Protestantismo, podemos já verificar a sua pluralidade: existem vários reformadores, enfrentam-se várias convicções. Existem amplos pontos de vista comuns sobre os fundamentos da Reforma,
mas basta uma só divergência para não se conseguir estabelecer uma Igreja protestante única. O pluralismo é fruto
da recusa de uma hierarquia e da possibilidade de cada crente interpretar a Bíblia. Ainda em vida de Lutero, surgiram
várias divergências. Este conflito mostra igualmente que, se é certo que Lutero é o primeiro a ousar o rompimento
com a Igreja católica e é, portanto, o «pai fundador», bem depressa passa a ser um reformador entre outros e não o
chefe incontestado de todos os protestantes.
A Reforma proclamou três grandes palavras de
ordem: apenas a Fé, apenas a Escritura, apenas a Graça — Sola Fide, Sola Scriptura, Sola Gratia. A sua radicalidade identifica-se pela vontade de suprimir os acrescentos que, segundo
os seus adeptos, terão, ao longo dos séculos, desfigurado o Cristianismo primitivo. O mesmo é dizer que o
seu movimento consiste precisamente em purificar,
em «depurar» o Cristianismo.
Sendo certo que a família protestante tem muito em
comum, a verdade é que cada um dos seus membros
tem a sua própria especificidade; existem, de resto,
por vezes, querelas internas.
Adaptado de Jean Delumeau,
História das Ideias e Crenças Religiosas.
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Unidade 2
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O Anglicanismo
Henrique VIII
Contemporaneamente à reforma luterana e calvinista, aconteceu outra separação no Cristianismo: o Anglicanismo. O seu nome
deriva do facto de ter ocorrido em Inglaterra. Em 1509, Henrique
Tudor torna-se, com 18 anos, rei de Inglaterra com o nome de Henrique VIII. Grande devoto e defensor da fé católica, mandou queimar em 1521 os escritos de Lutero e escreveu contra ele um tratado
denominado «Sete Sacramentos». Por esta atitude, o papa atribuiu-lhe o título de «defensor da fé».
Henrique VIII era casado com Catarina de Aragão, mas apaixonou-se por uma dama da corte, Ana Bolena. A relação amorosa levou
Henrique VIII a rejeitar a esposa, solicitando ao papa a declaração
de nulidade do casamento. O pontífice não lhe reconhece a nulidade
matrimonial, afirmando a indissolubilidade do matrimónio. Após várias ameaças ao papa, Henrique VIII, em 1531, obriga o parlamento
inglês a aprovar várias leis que o tornam chefe da Igreja de Inglaterra,
separada do papa.
A Igreja anglicana é a Igreja oficial de Inglaterra e tem, ainda
hoje, como primeiro responsável o rei ou rainha de Inglaterra, tendo,
em questões religiosas, o arcebispo de Cantuária um papel primordial. No culto, segue fundamentalmente a perspectiva da Igreja católica; na doutrina, segue a orientação calvinista. É hoje uma federação
internacional de Igrejas independentes mas em comunhão.
Catedral de Cantu†ria, Reino Unido
Unidade 2
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DOC 7
O espelho quebrado
EMRC - AMOSTRA
No final do século XVI, o mapa religioso da Europa parecia um espelho quebrado, deformando a imagem da Igreja.
No Norte, o Protestantismo dominava: o Luteranismo conquistou dois terços da Alemanha; o Imperador Carlos V
reconheceu, pelo tratado Augsburgo, em 1555, a existência oficial de Igrejas e Estados protestantes no império onde
os súbditos deveriam acatar a religião dos seus príncipes. O Catolicismo manteve fortes posições no sul e no oeste
da Alemanha.
Os países bálticos e a Escandinávia romperam com Roma. A Holanda e a Escócia tornaram-se calvinistas. A Suíça, a
Boémia e a Hungria foram profundamente marcadas pelo Zuinglianismo. Na França, a par do Catolicismo, viveu-se
um Calvinismo por vezes em lutas atrozes. O reino de Inglaterra confundiu-se com a Igreja anglicana. A Irlanda — à
excepção do Norte — permaneceu fiel a Roma, assim como a Itália, a Espanha e Portugal.
Facto relevante para o Catolicismo: a Espanha e Portugal — países de navegadores — foram pioneiros dos
descobrimentos e fundadores de impérios, nos quais os soberanos católicos se comprometiam a converter ao
Catolicismo os povos e as terras descobertas.
Adaptado de Pierre Pierrard, História da Igreja.
NORUEGA
ESCÓCIA
SUÉCIA
Edimburgo
IRLANDA
Ordem
Teutónica
DINAMARCA
Königsberg
Dublin
Calvinistas
Pomerania
União dos
Varsóvia
Mecklemburgo
Países Baixos
Igreja anglicana
Brandenburgo
Luteranos
Amesterdão
Berlim
INGLATERRA
Wittemberg
Amberes Münster
Londres
Católicos
Sajonia
P O L Ó N I A
Católicos com minorias protestantes
Hesse
Praga
Praga
Sacro Império Romano/Germânico
Bohemia
Bohemia
Fronteiras ocidentais da
Baviera
Estrasburgo
Igreja ortodoxa grega
Áustria
Paris
Nantes
La Rochelle
Basileia
Munique
Zurique
SUÍÇA
Viena
HUNGRIA
Genebra
Savoya
Milanesado
F R A N Ç A
I MPÉRI O OTOMANO
Génova
POR
TUG
AL
Estados da Igreja
Roma
NÁPOLES
ESPANHA
Mar Mediterrâneo
600
Mapa da Europa com a diversidade religiosa do séc. XVII
20
Unidade 2
1054
JESUS CRISTO
Ortodoxos
Cristãos
Católicos
1517
Protestantes
Ortodoxia
Protestantismo
‘Católico’ significa ‘universal’.
‘Ortodoxo’ significa ‘puro’, ‘verdadeiro’.
O nome deriva do protesto na Dieta de
Spire, em 1529.
É a Igreja cristã latina, que reconhece
o bispo de Roma como principal
autoridade.
É o conjunto das Igrejas cristãs do
Oriente (desde 1054), separadas de
Roma.
Surge com Martinho Lutero, no
século XVI, e desenvolve-se com
Calvino e Zuínglio.
É o conjunto de Igrejas ocidentais
separadas de Roma.
Valoriza não apenas a Bíblia mas
também a Tradição.
Valoriza a Bíblia e a Tradição.
A Bíblia é a única fonte de verdade.
A salvação provém da fé e das obras.
A salvação provém da fé e das obras.
A salvação acontece unicamente por
via da fé em Jesus Cristo.
O papa, sucessor de S. Pedro,
preside à unidade e à comunhão das
comunidades.
Não reconhece o papa como pastor
universal.
A dignidade mais elevada nesta Igreja
é a de patriarca ecuménico (bispo de
Istambul, Constantinopla).
Não reconhece o papa como pastor
universal.
Não há nenhuma autoridade máxima;
cada Igreja é autónoma.
Os padres ou presbíteros e os bispos
são mediadores entre Deus e as
pessoas e são celibatários.
Os membros do clero são mediadores
entre Deus e as pessoas e podem casar
(excepto os bispos e os monges).
Os pastores não são mediadores entre
Deus e as pessoas; todos os cristãos
são ‘sacerdotes’.
Reconhece Maria, mãe de Jesus, e os
santos como mediadores entre Deus e
as pessoas, prestando-lhes veneração.
Venera os santos dando particular
importância à Virgem Maria.
Não presta culto aos santos nem
à Virgem Maria. Jesus é o único
mediador entre Deus e as pessoas.
O centro da vida litúrgica é a missa
(eucaristia).
O centro do culto é a eucaristia.
Na liturgia há variedade de ritos onde é
particularmente característico o uso de
ícones (imagens sagradas).
Reconhece os sete sacramentos.
No culto, sublinha o valor do anúncio e
a escuta da palavra de Deus.
EMRC - AMOSTRA
Catolicismo
Reconhece sete sacramentos
como sinais visíveis e eficazes da
graça divina: baptismo, eucaristia,
confirmação, reconciliação, ordem,
matrimónio e unção dos enfermos.
Só reconhece dois sacramentos: o
baptismo e a ceia (eucaristia).
Unidade 2
21
30-313
Concílio de Jerusalém.
Expansão do Cristianismo através das viagens missionárias de Paulo.
Perseguição aos cristãos.
313
Édito de Milão: Constantino decreta o fim das perseguições.
380
Decreto de Teodósio I: o Cristianismo torna-se a religião oficial do
império.
395
Divisão do império: império romano do ocidente e império romano do
oriente.
476
Queda do império romano do ocidente.
1054
Cisma do Oriente: separação das Igrejas católica e ortodoxa.
1378-1417
Cisma do Ocidente: um papa em Roma e outro em Avinhão.
1453
Queda do império romano do oriente.
1517
Lutero inicia a Reforma na Alemanha.
1519
Zuínglio dirige a Reforma na Suíça.
1531
Henrique VIII cria a Igreja anglicana.
1541
Calvino introduz a Reforma em Genebra.
1545-1563
Concílio de Trento: reforma da Igreja católica romana.
A BÍBLIA
— FONTE DE COMUNHÃO
A Bíblia é a fonte e a norma da fé de todos os cristãos: católicos,
protestantes e ortodoxos. É o testemunho escrito da palavra de Deus
a todos os discípulos de Jesus Cristo.
EMRC - AMOSTRA
Marcos históricos do cristianismo
Unidade 2
EMRC - AMOSTRA
22
Antigo Testamento
Novo Testamento
46 livros, escritos antes do
nascimento de Jesus.
Contém a história do encontro e da aliança de Deus com o
povo de Israel.
27 livros, escritos depois da
morte e ressurreição de Jesus.
Contém a mensagem, as acções e o destino de Jesus, bem
como a nova aliança com o
novo povo de Deus: os crentes
em Cristo.
Iluminura do séc. XV
David e Golias, decoração
do salmista Macclesfield,
c.1330, pela Escola Inglesa
– Séc. XIV
Organização interna da Bíblia
A Bíblia é uma colecção de 73 livros, é, portanto, uma autêntica
biblioteca. Tanto judeus (só relativamente ao «Antigo Testamento»),
como cristãos consideram-na Escrituras Sagradas.
Há várias maneiras de arrumar os livros nesta biblioteca. Os do
Antigo Testamento, na tradição judaica, aparecem agrupados por ordem de importância: primeiro a Lei ou Torah, que é constituída pelos
5 livros do Pentateuco; depois, os livros históricos (Profetas Anteriores); a seguir, os livros proféticos (Profetas Posteriores) e, finalmente,
os livros sapienciais (os Escritos). Mas nem todas as edições cristãs
mantêm esta ordem.
Os livros do Novo Testamento aparecem agrupados da mesma
maneira em todas as Bíblias, sejam elas da tradição católica, ortodoxa
ou protestante. Em primeiro lugar, temos os quatro evangelhos, que
narram a vida e a mensagem de Jesus Cristo; depois o livro dos Actos
dos Apóstolos, que narra o nascimento e a vida da Igreja, após a ressurreição de Jesus; a seguir, catorze
epístolas ou cartas que São Paulo
escreveu às primeiras comunidades
cristãs, mais sete cartas redigidas
por vários autores e dirigidas aos
cristãos em geral; e, finalmente, o
livro do Apocalipse, que tem como
tema central o fim dos tempos.
Na Igreja [Theodore Gerard, 1829-95]
Unidade 2
23
Shema Israel, 2000 [Richard Mcbee, 1947- ]
A Bíblia não foi redigida num curto lapso de tempo. Foi fruto
de muitos anos de relação entre o povo de Israel e Deus e da fixação
dessa experiência por escrito. Sabe-se que os textos da Bíblia, antes
de terem sido escritos, eram relatos orais, transmitidas de geração em
geração, até ao momento em que alguns redactores (muitos deles,
desconhecidos) as escreveram. Foram surgindo da experiência comunitária de vida e da vontade de transmitir essa experiência religiosa às
gerações vindouras.
Tal como a história do povo de Israel se desenrolou em muitos
séculos, assim também os livros do Antigo Testamento foram gradualmente aparecendo ao longo de mais de mil anos. Por trás dos textos
escritos temos os acontecimentos que marcaram a vida e a história do
povo judeu na sua relação com os outros povos e, especialmente, na
sua relação com Deus.
EMRC - AMOSTRA
Formação do Antigo Testamento
Sh’ma Yisroel , por Richard
Mcbee
24
Unidade 2
EMRC - AMOSTRA
Formação do Novo Testamento
Bíblia, página do genesis
Hebraico
– Maior parte do Antigo
Testamento.
Os vinte e sete livros que constituem o Novo Testamento foram
redigidos ao longo da segunda metade do séc. I.
Os primeiros escritos foram as Cartas de S. Paulo, redigidas na
década de 50. Tendo Jesus morrido por volta do ano 30, temos pelo
menos vinte anos de distância entre os acontecimentos e a sua narração. Foi o período da pregação oral. É que antes de ser fixada por
escrito, a Boa Nova foi proclamada, escutada e vivida.
Após a morte violenta de Jesus, os apóstolos começaram a anunciar que Jesus havia ressuscitado e estava vivo, pelo poder de Deus.
A este anúncio fundador da fé cristã, chama-se o kerigma. A consciência da presença de Jesus no meio deles, leva-os a fundar uma comunidade nova em Jerusalém, que rapidamente se difunde pela Samaria,
Galileia, Ásia Menor, Grécia, Roma… Atraídos por esta mensagem
de esperança, pessoas de vários povos e culturas integram as comunidades cristãs. Por ser necessário dar formação aos novos discípulos
de Cristo, por se tornar urgente a organização de textos litúrgicos e
ainda por estarem a desaparecer os que contactaram com Jesus, a tradição oral é fixada por escrito: nasce, assim, o Novo Testamento.
Línguas da Bíblia
Aramaico
Grego
– Livro de Tobias (AT);
– Livro da Sabedoria (AT);
– Livro de Judite (AT);
– 1º e 2º Macabeus (AT);
– Fragmentos de Esdras, Daniel
e Jeremias (todos do AT).
–E
clesiástico ou Ben Sira (AT);
–P
artes dos Livros de Ester e de
Daniel (AT);
– Todo o Novo Testamento.
Unidade 2
25
Os cristãos acreditam que Deus se deu a conhecer na história do
povo de Israel e, de forma definitiva, em Jesus de Nazaré. A este processo de manifestação de Deus à humanidade chama-se ‘revelação’.
A Bíblia também faz parte deste processo, pois é nela que encontramos escrita a história da relação de Deus com a humanidade, através
da história do povo de Israel e dos acontecimentos da vida de Jesus.
Os redactores bíblicos tinham consciência de que não estavam
a escrever uma história qualquer, mas a história da manifestação de
Deus, como salvador e libertador da humanidade.
EMRC - AMOSTRA
Revelação
Judeu a ler torah
Inspiração
Uma vez que a Bíblia contém a história da relação de Deus com
a humanidade, os crentes acreditam que Deus assistiu os escritores
sagrados no acto de escreverem a mensagem que ele queria transmitir à humanidade. Esta acção de Deus junto dos escritores chama-se
‘inspiração’. Num texto do Novo Testamento afirma-se que «toda a
Escritura é inspirada por Deus» (2 Tim 3, 16).
Mas o facto de os textos bíblicos serem inspirados não significa
que sejam autoridade segura a respeito de todos os temas. Na verdade, a inspiração apenas diz respeito a matéria religiosa. Os autores,
pelo facto de serem inspirados, não sabiam mais de ciência do que
as pessoas da sua época. Eles apenas dispunham do saber comum
do seu tempo. A verdade das Escrituras consiste no valor religioso da sua mensagem, ou seja, no facto de transmitir a vontade
salvadora de Deus, orientando o percurso de cada pessoa através das
vicissitudes da vida.
26
Unidade 2
EMRC - AMOSTRA
Cânone
O cânone é a lista de livros considerados sagrados pelas comunidades de crentes. Por vezes passavam muitos anos desde o momento
em que um era livro era escrito até ao momento em que era integrado
no cânone. Outras vezes, um determinado livro nunca chegava a ser
integrado (livros apócrifos).
No tempo de Jesus, havia dois cânones para a Bíblia judaica (o
correspondente ao nosso Antigo Testamento): o da Palestina, que só
aceitava como sagrados textos escritos em hebraico; e o de Alexandria, que incluía também livros escritos em grego.
A Igreja cristã acabou por aceitar o cânone alexandrino, enquanto o Judaísmo oficial adoptou o cânone palestiniano. Por isso, hoje,
o Antigo Testamento usado pela Igreja católica não coincide exactamente com a Bíblia hebraica. Chamam-se ‘deuterocanónicos’ os textos que não fazem parte do cânone judaico, mas que faziam parte do
cânone alexandrino e, por isso, estão integrados nas Bíblias católicas.
As Igrejas da reforma rejeitaram os textos deuterocanónicos, adoptando, para o Antigo Testamento, apenas o cânone palestiniano.
O cânone do Novo Testamento demorou três séculos a ser fixado. Hoje, o cânone do Novo Testamento é universalmente aceite por
todas as Igrejas cristãs.
SABER +
Os textos deuterocanónicos são os seguintes:
Tobias, Judite, Ester
(grego), Sabedoria, Ben
Sira, Baruc, Carta de Jeremias, Suplementos
de Daniel, 1º Livro dos
Macabeus e 2º Livro dos
Macabeus.
Escritos bíblicos em hebraico
TEXTOS BÍBLICOS
SOBRE A UNIDADE
DOS CRISTÃOS
Os dois textos seguintes inserem-se no chamado ‘Discurso de
Despedida’. Este discurso é uma espécie de testamento de Jesus; são
as últimas palavras de um amigo que, à beira da morte, transmite a sua
sabedoria de vida e a sua última vontade.
U
m mandamento novo
Jesus disse: «Deixo-vos agora um mandamento novo: amem-se uns aos outros. Assim como eu vos
amei, é preciso que vocês se amem também uns aos
outros. 35Se tiverem amor uns aos outros, toda a gente
reconhecerá que vocês são meus discípulos.»
34
Jo 13, 34-35
Dirigindo-se aos discípulos, com quem estava a celebrar a última
ceia — depois de lhes ter lavado os pés em sinal de serviço e anunciado a traição de um deles —, Jesus despede-se e deixa as suas últimas
recomendações: «Amem-se uns aos outros». Estas palavras de despedida — resumo coerente de uma vida feita de amor e partilha — são,
assim, o seu testamento final.
27
EMRC - AMOSTRA
Unidade 2
Unidade 2
EMRC - AMOSTRA
28
O ponto de referência do mandamento do amor
é o próprio Jesus («assim como eu vos amei»). Amar
consiste em acolher, em pôr-se ao serviço dos outros,
em reconhecer-lhes dignidade, sem limites nem discriminação alguma, respeitando absolutamente a liberdade de cada um (cf. episódio de Judas). Este amor
é a marca distintiva do discípulo de Cristo. Na comunidade cristã, na medida em que é uma comunidade
autêntica, não deve haver espaço para o ódio, a inveja,
o ciúme.
A Última Ceia, 1610-1621 [Peter Paul Rubens,
1577-1640]
P
ara que sejam um
Jesus levantou os olhos para o céu e disse: «Eu
deixo o mundo e vou para junto de ti, mas aqueles que
me confiaste ainda ficam no mundo. Pai santo, protegeos pelo teu poder, poder que tu me deste, para que eles
sejam um, como tu e eu somos um.
20
Não te peço apenas por eles, mas também por
aqueles que acreditarem em mim por meio da sua pregação. 21Peço-te para que todos eles vivam sempre unidos. Pai, que eles estejam tão unidos a nós, como tu o
estás a mim e eu a ti. Desta maneira, o mundo há-de
acreditar que tu me enviaste. 22Dei-lhes a mesma glória
que tu me deste, para que vivam intimamente unidos
entre si como eu e tu vivemos unidos também. 23Eu vivo
neles e tu vives em mim. Deste modo a sua união será
perfeita. E o mundo há-de saber que tu me enviaste e
que os amas como a mim.»
11
Jo 17, 11.20-23
A Última Ceia [Francesco Bassano, 1549-1592]
Depois de ter dado aos discípulos as suas últimas recomendações, Jesus dirigiu-se ao Pai, em quem depositava toda a esperança.
Nesta oração, solicita a presença protectora de Deus, de modo que os
seus discípulos vivam o mandamento do amor, mantendo a unidade.
A relação entre o Pai e Jesus — relação de profundo amor e
íntima unidade — é o modelo da relação entre os elementos das comunidades cristãs. O apelo de Jesus é que os seus discípulos vivam
quotidianamente a superação dos seus próprios limites, até construírem relações duradouras de verdadeira amizade. A unidade dos cristãos corresponde à derradeira e definitiva vontade de Jesus: como
um testamento para ser executado todos os dias na relação entre os
crentes.
Mas, ao olharmos para a história da Igreja cristã, verificamos
que as limitações da natureza humana foram mais fortes do que o
apelo de Cristo. A unidade sofreu várias fracturas, como ficou explícito atrás. Para que a vontade de Cristo se cumpra só há uma atitude
possível: procurarmos restabelecer a unidade perdida até que o amor
vença todas as barreiras.
29
EMRC - AMOSTRA
Unidade 2
30
Unidade 2
J
esus o único alicerce
Irmãos, peço-vos, em nome de nosso Senhor Jesus
Cristo, que vivam sempre em harmonia. Não haja divisões
entre vocês, mas vivam unidos no mesmo ideal e no mesmo
pensamento. 11É que, meus irmãos, eu recebi informações
a vosso respeito pela família de Cloé. Disseram-me que há
desentendimentos entre vocês. 12Refiro-me àquilo que vocês
andam por aí a dizer: «Eu sou de Paulo!», «Eu sou de Apolo!», «Eu sou de Pedro!», «Eu sou de Cristo!». 13Será que
Cristo está dividido? Será que Paulo morreu na cruz por vocês, ou foram baptizados em nome de Paulo?
5
Quem é Apolo? E quem é Paulo? São apenas pessoas
encarregadas de vos transmitir a fé, que vocês receberam.
E cada um deles fez o que o Senhor lhe encomendou. 6Eu
plantei, Apolo regou, mas Deus é que faz crescer. 7Por isso,
nem o que planta nem o que rega tem importância, mas sim
Deus que faz crescer.
11
Ninguém pode colocar outro alicerce além daquele
que já existe e que é Jesus Cristo.
21
Portanto, ninguém se deve orgulhar de ser seguidor
de qualquer homem. Pois tudo está ao vosso serviço: 22seja
Paulo, ou Apolo, ou Pedro; seja o mundo, a vida, ou a morte;
seja o presente ou o futuro. Tudo é vosso. 23Mas vocês são de
Cristo e Cristo é de Deus.
EMRC - AMOSTRA
10
1Cor 1,10-13; 3,5-7.11.21-23
São Paulo, o Apóstolo, por
Marco Pino (1520-1579)
SABER +
Cidadão romano de uma família judaica da tribo de Benjamim, Paulo (ou Saulo) nasceu em Tarso (Cilícia, na actual
Turquia), por volta do ano 10.
Até aos 30 anos perseguiu ferozmente os cristãos, porque acreditava ser essa a vontade de Deus.
A partir do seu encontro com Cristo ressuscitado, o qual provocou uma alteração radical na sua visão do mundo,
anunciou a boa nova em Tarso, em Antioquia, na Ásia Menor, na Grécia e em Roma. Entretanto, para comunicar com
as comunidades que ia fundando, escreveu cartas.
Foi decapitado em Roma, por volta do ano 67.
Unidade 2
31
Mapa dos lugares-chave na êpoca de S. Paulo
O Cristianismo corria o perigo de se tornar mais uma escola
de sabedoria, cuja validade dependia do brilho dos mestres e da sua
capacidade de persuasão. Mas o Cristianismo não é apenas mais uma
filosofia de vida, que se impõe pela retórica, se for defendida brilhantemente por um mestre qualquer. O Cristianismo é a adesão a
uma pessoa e não a uma doutrina: Jesus Cristo, o único e verdadeiro
mestre. Por isso, Paulo reage com veemência: é Cristo e só Cristo
a única fonte de salvação. Ser baptizado não é aderir à doutrina de
um mestre qualquer, mesmo que seja tão ilustre como Paulo; é estar
em comunhão com Cristo e participar no acontecimento salvador
do qual Cristo é o único mediador. Dizer que se pertence a Paulo ou
EMRC - AMOSTRA
Depois de, na cidade de Corinto, ter anunciado Cristo e de se
ter dirigido para outros locais, Paulo manteve-se em contacto com a
comunidade cristã de Corinto, acompanhando a sua vida. Os cristãos
coríntios eram fervorosos, mas debatiam-se com todos os problemas
resultantes da inserção da mensagem cristã numa cultura diferente
daquela em que tinha sido anunciada originalmente.
Unidade 2
EMRC - AMOSTRA
32
a Pedro é, portanto, deturpar gravemente a identidade da fé cristã.
Paulo deixa ficar bem claro que o importante não é quem baptizou
ou quem anunciou o Evangelho; o ponto de referência absoluto é
Cristo, do qual os apóstolos são simples e humanos servidores. Os
coríntios são, pois, intimados a não fixar a sua atenção em mestres
humanos, mas a redescobrir Cristo, morto na cruz para dar a vida a
todos, como eixo de uma fé comprometida. Só assim a comunidade
poderá ser uma verdadeira família de irmãos, que recebe de Cristo a
vida, a unidade e a comunhão.
A experiência cristã é, marcada pelo encontro com Cristo e a
vivência da fé não pode depender da personalidade de quem dirige
as comunidades. Para além da forma mais ou menos brilhante ou
coerente como tal pessoa anuncia o Evangelho, a aposta definitiva do
cristão é Jesus de Nazaré. Sabendo que o Mestre não pode estar dividido, as facções, os ciúmes, os conflitos que surgem nas comunidades
são um sinal evidente da fraqueza da nossa humanidade, muitas vezes
refém de interesses mesquinhos.
U
m só corpo e um só espírito
Peço-vos, portanto, eu que estou preso por causa
da minha fé no Senhor, para que vivam de maneira digna
do mandamento que Deus vos dirigiu. 2Sejam modestos,
humildes, pacientes e tolerantes, manifestando assim que
se amam uns aos outros. 3Esforcem-se por conservar a
unidade que vem do Espírito, vivendo em paz uns com os
outros.
4
Vocês formam um só corpo e um só espírito, do
mesmo modo que a esperança para a qual foram chamados é uma só. 5Existe um único Senhor, uma só fé e um só
baptismo; 6Há um só Deus, Pai de todos, que está acima
de todos e que actua através de todos e em todos.
1
Ef 4,1-6
O Apóstolo Paulo na Prisão [Rembrandt, 1606-69]
Este texto, da carta aos Efésios — que Paulo teria escrito na
prisão, em Roma, por volta do ano 62 —, é uma exortação aos crentes para que vivam o seu compromisso com Cristo, promovendo a
unidade com os outros membros da comunidade.
Na perspectiva de Paulo, a mensagem cristã exige que os crentes vivam unidos. Ora, há comportamentos e atitudes que são condição necessária para que essa unidade se torne efectiva. Antes de mais,
Paulo refere a modéstia e a humildade, como caminhos de superação
do egoísmo, do orgulho e da auto-suficiência que afastam os irmãos
e erguem, entre eles, barreiras intransponíveis. Depois, Paulo refere
a paciência e a tolerância, que permitem compreender o outro, com
os seus limites e falhas, e aceitar as diferentes maneiras de ser e agir.
Em resumo, trata-se, fundamentalmente, de cumprir o «testamento»
de Jesus: o amor como suporte das relações humanas. A unidade é
um dom de Deus; mas, a sua efectivação depende do contributo e do
esforço de cada um.
33
EMRC - AMOSTRA
Unidade 2
Unidade 2
EMRC - AMOSTRA
34
Basílica de São Paulo fora
de muros, Roma
Na segunda parte do texto, Paulo apresenta os fundamentos da
unidade dos crentes: «Vocês formam um só corpo e um só espírito».
Tal como o corpo é formado por muitos membros, todos eles diversos, assim a comunidade cristã inclui uma diversidade de membros.
No entanto, o corpo só funciona se todos os membros colaborarem
entre si. O mesmo acontece na Igreja: a comunhão, a convergência
de todos os membros para a realização de um mesmo objectivo, a
cooperação entre todos é essencial à saúde da vida das comunidades.
Formam, portanto, uma unidade que se baseia na existência de uma
única fé, um único baptismo — sinal de adesão a essa fé —, um único Senhor — Jesus Cristo — e um único Deus, que é Pai de todos e
em todos actua. Os cristãos têm um projecto comum (o projecto de
Jesus) com vista a construir laços de fraternidade e a alcançar a vida
em plenitude, caminham na mesma direcção, animados pelo mesmo
Espírito e têm a mesma missão que consiste em dar testemunho do
projecto de amor que Deus tem para a humanidade. Por isso, nesta
comunidade, não fazem qualquer sentido as divisões, os ciúmes, as
rivalidades, as invejas que, tantas vezes, dividem os irmãos.
A Igreja é, pois, uma unidade; mas é, também, uma comunidade de pessoas muito diferentes, em termos de etnias, de cultura, de
língua, de condição social ou económica, de maneiras de ser… Estas
diferenças não podem ser interpretadas como algo negativo, promotor de conflito e divisão. São, pelo contrário, fonte de enriquecimento
para a vida comunitária. A diversidade é um valor que não anula a
unidade e o amor nas relações interpessoais. Se for aceite como enriquecedor e desde que não ponha em causa os valores fundamentais
da relação com os outros, a pluralidade é determinante para a
vida da Igreja.
O ECUMENISMO
O termo ‘ecumenismo’ provém do vocábulo grego oikouménê,
que significa «terra habitada» ou «casa habitada» e que, na cultura
helénica, se referia ao mundo conhecido de então. Para os gregos,
oikouménê era não apenas uma zona geográfica, mas também cultural
(o mundo civilizada helénico). Já sob a influência da cultura romana,
a mesma palavra adquiriu também um significado político (o império romano). O Cristianismo acrescentou, aos sentidos anteriores, a
dimensão espiritual.
Fica assim completo o conjunto de significados que o termo
‘ecumenismo’ envolve, o qual remete para as dimensões geográfica, cultural, política e espiritual. O ecumenismo refere-se, assim, à
humanidade enquanto família que partilha um espaço comum,
habitado harmoniosamente por todos.
Neste sentido, era entendido como ‘ecuménico’ aquilo que contribuísse para a unidade e tivesse uma dimensão universal. São exemplos disso os primeiros concílios, designados ecuménicos por neles
estar representada a universalidade dos cristãos. Com o decorrer do
tempo, o ecumenismo foi assumindo uma preocupação marcadamente religiosa e, fruto de diferentes desavenças entre os cristãos,
passou a designar, mais recentemente, um movimento conciliador
que pretende congregar e unir a Igreja de Cristo. Passa a ser visto
como um movimento promotor da unidade dos cristãos e da
vivência da paz. O ecumenismo é, portanto, um movimento de reconciliação dentro do Cristianismo, promovido pelo diálogo entre as
diferentes tradições cristãs.
Enquanto movimento cristão, o ecumenismo fundamenta-se na
vontade de Jesus: «que todos sejam um».
35
EMRC - AMOSTRA
Unidade 2
36
Unidade 2
DOC 8
Movimento Ecuménico
EMRC - AMOSTRA
Por «movimento ecuménico» entendem-se as actividades e iniciativas que são suscitadas e ordenadas no sentido
de favorecer a unidade dos cristãos. Tais são: primeiro, todos os esforços para eliminar palavras, juízos e acções que
não correspondem à condição dos irmãos separados e, por isso, tornam mais difíceis as relações com eles; depois,
o «diálogo» estabelecido entre peritos competentes, em que cada qual
explica mais profundamente a doutrina da sua Comunhão e apresenta
com clareza as suas características. Com este diálogo, todos adquirem
um conhecimento mais verdadeiro e um apreço mais justo da doutrina e
da vida de cada Comunhão. Então, estas Comunhões conseguem também
uma mais ampla colaboração em certas obrigações que a consciência
cristã exige em vista do bem comum. E onde for possível, reúnem-se em
oração unânime.
Excerto de Concílio Vaticano II, Unitatis Redintegratio, n.º4.
O ecumenismo é o esforço de entendimento, respeito, diálogo
e reconhecimento da dignidade do outro; não é fusão nem anulação.
Em síntese, o ecumenismo é:
– Diálogo que reconhece e respeita a diversidade;
– Valorização de tudo o que já une as Igrejas;
– Trabalho conjunto na construção de um mundo melhor;
– Criação de laços de afecto fraterno entre as Igrejas;
– Oração em comum a partir da mesma fé;
– Busca sincera de caminhos para curar as feridas da separação;
– Valorização leal de tudo o que de bom as diferentes denominações cristãs realizam.
Unidade 2
37
O ecumenismo nasceu no coração de todos aqueles que, tocados por Deus, sentiram a necessidade de pôr fim às divisões dentro
do Cristianismo. Viam na unidade a concretização do sonho e projecto de Deus. Estas vontades individuais motivaram o nascimento
do ecumenismo institucional, entre as diferentes Igrejas cristãs. Foram muitas as iniciativas, diversos os esforços e significativos alguns
acontecimentos que marcaram o movimento ecuménico, a partir do
século XIX.
Um dos primeiros passos concretos nasceu na tradição protestante, em 1864 — a criação da Aliança Evangélica com o objectivo
de congregar as várias denominações que fragmentavam a tradição
protestante.
O ano de 1948 viu nascer, em Amesterdão, o Conselho Mundial
das Igrejas. Foi a primeira grande ponte de unidade entre cristãos,
que contou com 197 denominações cristãs, as quais estavam unidas
pela vontade de estabelecer a comunhão. Genebra foi a cidade escolhida para sede do então recém-criado organismo. A Igreja católica
não faz parte integrante dele, embora esteja representada.
Movimento ecuménico nas ruas
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Um movimento com história
Unidade 2
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38
Papa João XXIII
Abraço entre o papa
Paulo VI e o patriarca
Atenágoras I
A Igreja católica, por sua vez, preocupada com as divisões históricas dos cristãos, desempenhou um papel significativo no desenvolvimento do espírito e movimento ecuménicos, através de acções
distintas:
— Em 1908, o padre Wattson, um episcopaliano (ramo do
Anglicanismo) convertido ao Catolicismo, fundou o «Oitavário pela
Unidade dos Cristãos»: oito dias de oração e estudo para promover
a unidade dos cristãos, de 18 a 25 de Janeiro. Este «Oitavário» atinge
actualmente dimensões mundiais.
— Em 1925, organizaram-se os «Diálogos de Malinas», entre o
cardeal Mercier, arcebispo de Malinas (Bélgica), e os anglicanos.
— Em 1930, o padre José Metzger fundou a associação «Una
Sancta».
— Em 1960, o papa João XXIII fundou o «Secretariado para a
União dos Cristãos».
— Em 1962, ocorreu o encontro histórico do papa Paulo VI
com o patriarca ortodoxo Atenágoras.
— Durante o Concílio Vaticano II, a Igreja católica convidou
observadores das Igrejas anglicana, luterana, reformada, metodista,
entre outras.
— Em 1964, durante o Concilio Ecuménico Vaticano II, o
papa Paulo VI promulgou o «Decreto Conciliar sobre o Ecumenismo» — Unitatis Redintegratio — que apresenta as bases doutrinais e
as linhas de acção prática do ecumenismo católico.
— Em 1965, Roma e Constantinopla levantaram mutuamente as excomunhões lançadas em 1054.
— Em todas as suas viagens, o
papa João Paulo II promoveu momentos de oração comum com os representantes dos irmãos separados.
— Em 1980, aconteceu em Patmos, Grécia, a reunião entre representantes da Igreja católica e das Igrejas
ortodoxas.
— Por todo o mundo, a Igreja católica tem promovido encontros ecuménicos de oração.
Unidade 2
39
Max Josef Metzger
Nasceu a 3 de Fevereiro de 1887, na Alemanha. Tornou-se padre católico em 1911 e trabalhou como capelão militar
durante a primeira guerra mundial. Esta experiência levou-o a perceber que a paz e a unidade entre todos os povos,
a começar pela unidade entre os cristãos, eram essenciais para o futuro da humanidade.
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Defendeu convictamente a ideia ecuménica da paz, estabelecendo laços com movimentos pacifistas mundiais.
Em 1938, fundou a associação «Una Sancta» para promover o restabelecimento da união entre as Igrejas cristãs
separadas.
Depois da subida ao poder do ditador Adolfo Hitler, Metzger foi encarcerado várias vezes pela Gestapo (Polícia
Secreta do Estado). Através de meios não violentos, lutou, desde o primeiro instante, contra o Nazismo, promovendo
a cultura da paz e da unidade entre os povos.
Em 1943, escreveu um memorando com as suas ideias para a reorganização da Alemanha e a sua integração num
futuro sistema de paz mundial. Quando enviou este memorando ao arcebispo sueco de Upsala, Erling Eidem,
foi denunciado pelo carteiro e encarcerado a 29 de Junho de 1943. O memorando nunca chegou às mãos do seu
destinatário. Julgado por traição, foi condenado à morte e decapitado, na guilhotina, a 17 de Abril de 1944, em
Brandenburg-Görden.
Durante o tempo em que esteve preso, à espera da execução da pena, escreveu várias cartas. Com as mãos
permanentemente algemadas, manteve sempre a lucidez, a alegria de viver e o cuidado pelos outros, ao contrário
do que acontecia com muitos outros prisioneiros. Estas cartas são um testemunho inequívoco da força imortal
da verdade: nelas podem-se ler perspicazes ideias sociopolíticas, de forte espessura ecuménica e de grande
profundidade mística e espiritual.
Metzger morreu como mártir pela paz no mundo e pela unidade da Igreja.
Fé, esperança
e amor
Tolerância
Humildade
UNIDADE
Paciência
40
Unidade 2
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A experiência dos Focolares
Chiara Lubich
O movimento dos Focolares foi fundado por Chiara Lubich,
em Trento (Itália), em 1943. Chiara tinha 23 anos quando, num ambiente de ódio, dor e destruição causado pela segunda guerra mundial, encontra no amor de Deus o sentido e o ideal para a sua vida.
Esta descoberta foi uma luz de esperança.
Chiara e as suas amigas começaram por dar apoio a quem mais
necessitava: pobres, doentes, feridos e crianças. Tratava-se, portanto,
de amar a Deus através do amor às pessoas, aos irmãos. Este amor
fez nascer nela a convicção da necessidade de construir a unidade
entre as pessoas. Para Chiara, viver a unidade era viver a presença
amorosa de Jesus Cristo.
Concílio de Trento – Itália
Este estilo de vida despertou a atenção de muitas pessoas e, desta vontade de viver o amor e a unidade fraterna entre todos, nasceu
o movimento dos focolares. Depressa ultrapassou as fronteiras de
Trento, de Itália, da Europa e, actualmente, é um movimento composto por pessoas de todo o mundo de diversas condições sociais,
faixas etárias e opções religiosas. Pela sua universalidade e missão, é
um movimento verdadeiramente ecuménico, que muito tem contribuído para a fraternidade universal, promovendo o diálogo constante
entre cristãos de várias Igrejas e, também, destes com membros de
outras religiões ou com pessoas de convicções não religiosas.
O grande objectivo deste movimento é contribuir para a fraternidade universal e para a unidade da humanidade, entendida como
uma família fundada no amor. Este objectivo inspira-se nas palavras
de Jesus «amem-se uns aos outros» e «que todos sejam um».
O movimento foi reconhecido oficialmente pela Igreja católica
com o nome de “Obra de Maria”. O contributo dos focolares para a
unidade entre os cristãos foi reconhecido pelos diferentes líderes das
Igrejas cristãs, que viram em Chiara e no seu movimento um testemunho de comunhão fraterna.
41
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Unidade 2
Fundadora Focolares —
Chiara Lubich
42
Unidade 2
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A comunidade de Santo Egídio
Andrea Riccardi, fundador
da Comunidade de Santo
Egídio
A comunidade católica de Santo Egídio constitui outro testemunho em prol do ecumenismo. Foi fundada pelo professor Andrea
Riccardi, em 1968, ano em que se viveram tempos de grandes mudanças na Europa, muitas delas protagonizadas por jovens empenhados
na construção de um mundo mais justo, pacífico e fraterno. Andrea
Riccardi foi um destes jovens que, aos 18 anos de idade, se deixa interpelar pelo Evangelho de Jesus Cristo e funda uma comunidade de
vida, com vista à construção da fraternidade e da paz universal.
A comunidade Santo Egídio orienta-se por quatro princípios
nos quais encontra o seu fundamento:
– A oração: A escuta e meditação das Escrituras, em particular
dos Evangelhos, com vista à conversão permanente, à mudança de
vida, ao encontro com o outro, sobretudo com os irmãos mais fragilizados da sociedade.
– O anúncio do Evangelho: Do encontro com Deus pela
escuta das Escrituras nasce a alegria de ser discípulo e, portanto, a
necessidade de anunciar o Evangelho. A actividade missionária dos
membros da comunidade leva-os a fazer a experiência da fraternidade universal, pois a vontade de testemunhar o carinho de Deus pela
humanidade é tão forte que não conhece fronteiras, culturas, raças
ou credos.
– A atenção aos pobres: São os pobres quem mais sofre com
as injustiças sociais e foram eles que, desde o início, motivaram Andrea Riccardi e seus amigos a viver o Evangelho. A solidariedade
para com os pobres é fruto do serviço voluntário e gratuito de quem
abraça a comunidade.
– O ecumenismo e o diálogo inter-religioso: Santo Egídio
é uma comunidade que valoriza e integra, une e respeita a diferença entre crentes, sejam eles cristãos ou crentes de outras religiões.
O ecumenismo é vivido com amizade, oração e procura da unidade
entre os cristãos. O diálogo é valorizado na procura de caminhos de
entendimento, através da realização de encontros entre líderes religiosos e políticos, tal como foi experimentado pela primeira vez em
Assis, no encontro inter-religioso promovido pelo papa João Paulo
II, em 1986. Por isso, esta comunidade é referida como aquela que,
pelos encontros que promove, continua o «espírito de Assis», um
espírito ecuménico e inter-religioso.
SABER +
Oceanos de Paz
Entre os dias 24 e 26 de Setembro de 2000, ano jubilar,
decorreu em Lisboa o encontro ecuménico e inter-religioso que juntou líderes de várias confissões religiosas.
Este foi o XIII encontro promovido pela comunidade
de Santo Egídio, que, tal como os anteriores, procurou
congregar pessoas para a oração a favor da paz. «Oceanos de Paz» foi o tema escolhido.
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Unidade 2
Encontro Ecuménico pela
Paz em Assis, entre João
Paulo II e líderes religiosos
O diálogo, a amizade, o respeito recíproco fizeram emergir as diferenças e as riquezas de cada um: isto não nos
afastou uns dos outros, pelo contrário, tornou-nos mais próximos, mais empenhados no trabalho comum para
tornar mais humano e mais habitável o nosso planeta.
Viemos a Lisboa como quem procura a paz e vimos crescer nestes dias uma comunidade da qual o mundo precisa,
a comunidade dos que procuram a paz. É uma comunidade feita de religiões, de histórias, línguas e sensibilidades
diferentes. É a nossa riqueza, é o nosso futuro. Nesta comunidade dos que procuram a paz, está depositada a semente
que nos ajuda a sermos mais humanos e mais crentes. Quem se unir a ela aprende melhor a viver sem inimigos.
Empenhamo-nos em alargar, com os nossos irmãos e irmãs, este espaço do diálogo com a arte do encontro.
Um jovem
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Unidade 2
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Taizé — Primavera da Comunhão
O papa João XXIII, em 1960, acolheu o irmão Roger com estas
palavras: «Oh, Taizé, essa pequena Primavera». Estas palavras dirigidas pelo líder dos cristãos católicos a um pastor protestante significavam a esperança na renovação da vontade ecuménica.
A comunidade de Taizé nasceu no coração do jovem protestante Roger Louis que encontrou, nesta pequena aldeia, numa colina da
província da Borgonha, em França, o espaço que tanto procurava.
Tocado pela calma, simplicidade e beleza de Taizé, não resistiu ao seu
convite (através da voz de um casal acolhedor) de ali permanecer e
viver a aventura do amor.
Taizé, França
A comunidade de Taizé iniciou-se no Domingo de Páscoa de
1949, quando sete jovens protestantes, tocados pelo testemunho de
Roger e depois de uma caminhada de encontro e reflexão, decidem
comprometer-se por toda a vida numa entrega a Deus pela oração e
serviço aos irmãos, partilhando um estilo de vida simples e humilde.
Em 1960, entram para a comunidade membros da Igreja anglicana;
em 1969 entrou o primeiro católico, um jovem médico. A comunidade não parou de crescer dali em diante, contando hoje com irmãos
provenientes de diversos continentes, nacionalidades e confissões religiosas.
Na origem de Taizé está, pois, a intenção ecuménica do irmão Roger. O seu objectivo foi reunir uma comunidade que acolhesse pessoas das diferentes confissões cristãs e
mesmo não cristãs. Desde o seu nascimento
que Taizé está orientada para a unidade dos
cristãos. Esta comunidade não pertence a nenhuma confissão religiosa. Todos têm lugar na
fé que os une – a fé em Jesus Cristo. Por isso,
a missão de Taizé é ser parábola e primavera
de uma vida cristã reconciliada. A Igreja da
Reconciliação em Taizé é o sinal visível deste
desejo de unidade entre os cristãos. Nela todos são chamados para o encontro com Jesus
Cristo na oração silenciosa, cantada, partilhada… Esta tem sido a experiência de muitos
jovens que por lá têm passado.
Oração num encontro Taizé
DOC 9
Compromisso
– Queres, por amor a Cristo, consagrar-te a ele com todo o teu ser?
– Quero.
– Queres realizar, de ora em diante, o serviço de Deus na nossa comunidade, em
comunhão com os teus irmãos?
– Quero.
– Queres renunciar a toda a propriedade e viver com os teus irmãos, não só na partilha
dos bens materiais mas também na partilha dos bens espirituais, esforçando-te por
viver a abertura do coração?
– Quero.
(…)
– Queres, reconhecendo sempre Cristo nos teus irmãos, zelar por eles nos bons e nos
maus dias, na abundância e na pobreza, no sofrimento e na alegria?
– Quero.
Irmão Roger, La Règle de Taizé
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Unidade 2
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Unidade 2
EMRC - AMOSTRA
O Concílio Vaticano II
SABER +
Concílio Vaticano II
Este concílio, como é
tradição na Igreja, tomou o nome do lugar
onde se realizou, ou
seja no Estado do Vaticano, local em que já se
havia realizado um outro concílio: o Concílio
Vaticano I, entre 1869 e
1870. Por isso, ficou conhecido como Concílio
Vaticano II. A Basílica de
São Pedro foi preparada para receber os 2540
padres conciliares que
nele participaram com
direito a voto.
Concílio Ecuménico Vaticano II, basílica de S. Pedro
Em resposta a um desejo antigo de muitos cristãos católicos, o
papa João XXIII convocou o Concílio Vaticano II com o objectivo
de de atender às mudanças e exigências dos tempos modernos e de
renovar a Igreja católica nas suas várias dimensões.
O concílio Vaticano II (1962-65), chamado ‘ecuménico’ por
causa da sua dimensão universal, reflectiu sobre a seguinte questão
de alcance ecuménico: qual o contributo dado por cada Igreja para
a divisão dos cristãos e o que poderá cada uma fazer em ordem à
reconciliação e unidade? Esta foi uma das tarefas principais do Concílio: identificar os obstáculos ao diálogo e à unidade e encontrar
caminhos para a reconstrução da comunhão, através do contributo
da Igreja católica.
O papa João XXIII manifestou a sua vontade ecuménica: o reconhecimento público dos erros cometidos no passado pela Igreja católica; da criação do Secretariado Romano para a Unidade dos
Cristãos e do convite dirigido a vários representantes de outras confissões cristãs para participarem no Concílio como observadores.
A posição e compromisso da Igreja católica a respeito das questões ecuménicas ficou registado num importantíssimo documento, o
Decreto Unitatis Redintegratio («Restauração da Unidade»), no qual a
Igreja católica refere que o fundamento da unidade de todos os cristãos vem do baptismo em Jesus Cristo e é dom do Espírito Santo.
Unidade 2
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SABER +
Concílios
Um concílio é uma reunião geral de bispos de todo o mundo para tomar decisões
importantes a respeito da vida da Igreja e da sua relação com o mundo.
Eis alguns dos principais concílios:
– Concílio de Niceia (325), em que se afirmou a divindade de Jesus;
– Concílio de Constantinopla (381), em que se afirmou a divindade do Espírito Santo;
– Concílio de Calcedónia (451), em que se afirmou que a única pessoa de Jesus tem
duas naturezas: humana e divina;
–C
oncílio de Constança (1414-1418), em que se resolveu o cisma do Ocidente e se
elegeu o papa Martinho V.
– Concílio de Trento (1545-1563), em que se respondeu ao Protestantismo, afirmando,
entre outros aspectos, a existência de sete sacramentos.
Os cristãos na construção
do ecumenismo
Viver o ecumenismo é trabalhar pela unidade de todos os que
reconhecem Cristo como o fundamento da sua fé. Neste contexto,
unidade não significa uniformidade; não se trata de anular as tradições das diferentes confissões cristãs e impor aos cristãos de todas as
denominações uma única maneira de viver a fé. Isto não seria ecumenismo, mas uniformismo. A unidade refere-se apenas ao essencial da
fé, ao núcleo central do Evangelho de Cristo. Tudo o que for acessório deve estar aberto à diversidade e à pluralidade.
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–C
oncílio de Jerusalém (49), em que se decidiu que os não judeus convertidos ao
Cristianismo não precisavam de se submeter à Lei judaica;
Concilio de Trento
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Unidade 2
DOC 10
Como se Cristo estivesse dividido
EMRC - AMOSTRA
Todos, na verdade, se professam discípulos do Senhor, mas têm pareceres diversos
e caminham por rumos diferentes, como se o próprio Cristo estivesse dividido. Esta
divisão, porém, contradiz abertamente a vontade de Cristo e é escândalo para o
mundo.
Cada qual afirma que o grupo onde ouviu o Evangelho é Igreja sua e de Deus. Quase
todos, se bem que de modo diverso, aspiram a uma Igreja de Deus una e visível, que
seja verdadeiramente universal e enviada ao mundo inteiro, a fim de que o mundo se
converta ao Evangelho e assim seja salvo, para glória de Deus.
Concílio Vaticano II, Unitatis Redintegratio, n.º 1
DOC 11
Devemos promover a formação ecuménica sobre aquilo que nos une e o que ainda
nos divide. A ignorância e a indiferença da própria fé e da fé do próximo são impedimentos para um verdadeiro ecumenismo.
O ecumenismo progride graças ao intercâmbio de dons, que não consiste num empobrecimento, mas que constitui um enriquecimento.
Cardeal Walter Kasper, (teólogo católico),
Retrospectiva e Perspectiva no Caminho Ecuménico
Que se pode esperar do diálogo ecuménico? Permitam-me
responder a esta questão com toda a confiança, dizendo que
não se trata de um diálogo unilateral, de um diálogo em que
cada um se empenhe em falar mais forte do que os seus interlocutores, sem querer ouvir os outros. Mas não creio que
corramos este risco, pois, a partir do momento em que duas
pessoas começam a dialogar, sabem já que entre elas há algo
em comum.
Roger Mehl (teólogo protestante)
O movimento ecuménico depende menos de estruturas estabelecidas do que de pessoas inspiradas, cristãos jovens e
velhos, ricos e pobres, de todas as denominações e culturas,
que acreditam numa Igreja continuamente renovada na sua
fé, unidade, missão e serviço.
Conselho Ecuménico das Igrejas
DESAFIOS
PARA UMA VIVÊNCIA
ECUMÉNICA
Relativismo e Fundamentalismo:
dois extremos a recusar
O relativismo é uma corrente de pensamento que afirma ser
impossível aceder à verdade. Isto porque a verdade ou não existe ou
está fora do alcance do conhecimento humano. Em última instância,
nega a possibilidade de as pessoas chegarem a consensos fundados
em argumentos racionais. Relativismo não significa o reconhecimento da relatividade do conhecimento humano. Negar que o conhecimento humano é imperfeito e que qualquer afirmação é apenas
uma aproximação à verdade é uma atitude de arrogância intolerável.
O relativismo vai mais além: nega a possibilidade de nos aproximarmos, por tentativas sucessivas, da verdade. Por isso, acredita que tudo
o que se diga, se pense ou se faça é igualmente válido e igualmente
bom. Todas as decisões, todas as atitudes estão justificadas à partida: cada um tem «a sua verdade». Assim sendo, tudo é relativo; não
existem verdades absolutas, nem pontos de orientação seguros. Caminhamos às cegas pelo mundo. No fundo, o relativismo é, em muitos casos, uma forma de desculparmos as nossas acções ou palavras
menos boas. Qualquer que seja a nossa posição, temos sempre razão,
uma vez que não existe um padrão de conduta, não existe uma hierarquia de valores, não há bens maiores e bens menores. Poderemos
até manipular a verdade (as opiniões) conforme mais nos convier;
aquilo que hoje afirmamos, amanhã poderemos negar, dependendo
dos nossos interesses pessoais.
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Unidade 2
Unidade 2
EMRC - AMOSTRA
50
Para quem acredita em Jesus Cristo, a verdade é ele mesmo,
a verdade é Deus. É claro que nunca chegaremos a compreender
plenamente Deus. Só nos aproximamos dele, através de um esforço
de compreensão e de compromisso na vida. Todas as nossas produções são relativas, o que não significa que não sejam válidas. Dentro
destes limites, será mais simples conversar com os cristãos de outras
Igrejas cristãs. Sem renunciar à verdade, mas sabendo que ninguém
está na posse da verdade total, estamos dispostos a ouvir as razões
dos outros.
O fundamentalismo é o oposto do relativismo. Consiste não
apenas na convicção de que a verdade absoluta existe, mas também de
que o grupo a que se pertence está na posse dessa verdade. Não admite, por isso, qualquer dúvida ou posição diferente. Nesta perspectiva,
o diálogo é impossível, uma vez que se acredita que todos os grupos
(religiosos ou não) que têm posições diferentes navegam no erro.
Utiliza-se este termo principalmente em relação a grupos religiosos (fundamentalismo religioso) ou a grupos políticos que afirmam a sua posição de forma absoluta. Acreditam estar na posse
dos fundamentos da sua religião ou ideologia política. Não admitem
qualquer outra interpretação ou alteração nos usos e costumes de um
grupo religioso, recusando toda e qualquer tentativa de diálogo. Os
fundamentalistas tornam-se, quase sempre, dissidentes e fanáticos e,
não raras vezes, dão origem a pequenos grupos muito fechados a que
vulgarmente se chamam «seitas», em constante conflito com o resto
da sociedade.
É muito saudável e de grande importância que não nos deixemos levar por posições extremistas. A recusa tanto do relativismo
como do fundamentalismo é essencial para a construção de sociedades humanistas, que aceitam a existência da verdade e a possibilidade
de se aceder a ela, mas também consideram que toda e qualquer posição é relativa porque marcada pelos limites do conhecimento humano. Só assim se torna possível o diálogo, a escuta sincera de opiniões
diferentes da nossa, bem como a abertura a novas formas de pensar,
desde que se mostrem melhores aproximações à verdade.
Esta consciência está na base do ecumenismo, que significa
a busca da unidade entre as Igrejas cristãs, procurando a superação
das divisões. O diálogo tem diferentes níveis: começa, em primeiro
lugar, dentro das fronteiras da própria Igreja, alarga-se à relação com
as outras Igrejas cristãs e, por fim, dirige-se à relação com as outras
religiões, com a finalidade de criar comunidades humanas fraternas e
cooperantes, para além das diferentes perspectivas e opiniões.
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EMRC - AMOSTRA
Unidade 2
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Unidade 2
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Purificação da memória
Premissa fundamental para a realização do diálogo é o reconhecimento dos próprios erros. Sem a aceitação dos erros cometidos
pela própria Igreja, não é possível estar aberto ao diálogo com as
outras Igrejas. Assim, perdoar e pedir perdão — a que o papa João
Paulo II chamou de «purificação da memória» — são duas atitudes
complementares e construtivas. A memória não é só a faculdade que
armazena acontecimentos do passado; pelo contrário, influencia determinantemente o presente. O que recordamos afecta frequentemente as nossas relações com os outros. Se uma ferida do passado
permanecer na memória, é, sem dúvida, um obstáculo ao estabelecimento de relações de amizade.
João Paulo II, no Ano Santo de 2000, afirmou:
«Como sucessor de Pedro, peço que neste ano de
misericórdia a Igreja se ajoelhe diante de Deus e implore o perdão para os pecados passados e presentes
dos seus filhos», renovando o pesar pelas “dolorosas
memórias” que marcaram a história das divisões entre cristãos e atendendo também o pedido de perdão
a um conjunto de factos históricos nos quais a Igreja
ou grupos particulares de cristãos estiveram implicados.
É urgente que este reconhecimento de culpa contribua
para um real caminho de reconciliação.
Visita de João Paulo II ao Rabi Elio
Toaff — Sinagoga de Roma
DOC 12
Perdoemos e peçamos perdão
Reconhecer os desvios do passado serve para despertar as nossas consciências diante dos compromissos do
presente, abrindo a cada um o caminho da conversão. Perdoemos e peçamos perdão! Enquanto louvamos a Deus,
não podemos deixar de reconhecer as infidelidades ao Evangelho. Pedimos perdão pelas divisões que surgiram entre
os cristãos, pelo uso da violência que alguns deles fizeram no serviço à verdade e pelas atitudes de desconfiança e
de hostilidade às vezes assumidas em relação aos seguidores de outras religiões.
Ao mesmo tempo, enquanto confessamos as nossas culpas, perdoamos as culpas cometidas pelos outros em
relação a nós. No decurso da história, inúmeras vezes os cristãos sofreram maus-tratos, prepotências, perseguições
por causa da sua fé. Assim como as vítimas dessas injustiças perdoaram, de igual modo perdoamos também nós.
Homilia do «Dia do Perdão» do papa João Paulo II, 12 de Março de 2000
Unidade 2
53
Sempre que fracassamos na conquista de um objectivo, vivemos
inquietos com o forte desejo de o alcançar. Quando nos aborrecemos com alguém por quem nutrimos afecto, procuramos reconquistar a sua atenção e amizade. Ora, assim acontece no Cristianismo,
justamente depois das diversas cisões.
Entre s várias iniciativas em ordem ao entendimento, compreensão e cooperação comuns destacam-se, o Oitavário de Oração pela
Unidade dos Cristãos e a Tradução Ecuménica da Bíblia.
SABER +
Tradução Ecuménica da Bíblia
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Passos de unidade
A Bíblia foi traduzida, ao longo dos séculos, em mais de 2400 línguas e idiomas diferentes, incluindo a língua portuguesa. Desde as primeiras traduções parciais em português arcaico, no século XIII, diversas versões estão disponíveis ao público em livrarias, bibliotecas e na internet.
Duas traduções para o português ficaram famosas: a de João Ferreira de Almeida (protestante do séc. XVII) e a do
padre António Pereira de Figueiredo (séc. XVIII).
Em 1993 é publicada a Tradução Interconfessional da Bíblia em português corrente, produzida por uma comissão
que integrou católicos e protestantes. Os especialistas implicados nesta tradução afirmam que «pertencendo a várias confissões cristãs, descobrimos com alegria que isso nunca constituiu qualquer dificuldade para este trabalho,
antes constituiu um factor de mútuo enriquecimento e agradável surpresa.»
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Unidade 2
DOC 13
Cristãos rezam há mais de cem anos pela unidade
EMRC - AMOSTRA
A Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos tem já um século de caminho e gerou
um movimento ecuménico notável. A colaboração entre anglicanos, protestantes,
ortodoxos e católicos na preparação e na celebração desta Semana de Oração
tornou-se familiar e apresenta-se como fruto de uma longa caminhada.
A primeira Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, com o nome de oitavário,
foi promovida em 1908, de 18 a 25 de Janeiro, pelo americano Paul Wattson, então
sacerdote episcopaliano (anglicano). Outro promotor notável da iniciativa foi o
abade católico Paul Couturier, de Lyon, França, em meados dos anos trinta. A partir
de 1968, a Semana de Oração começou a ser preparada em conjunto pelo Conselho
Mundial das Igrejas e pela Igreja católica. Todos os anos, fiéis das diversas Igrejas
escolhem um tema (2009 — «Eles serão unidos na tua mão» — Ez. 37, 17) e preparam
um pequeno livro com sugestões para a celebração desta Semana.
É significativo que João Paulo II tenha convidado, repetidas vezes, à purificação da
memória. Só se contribui para a unidade da Igreja, quando se transmite o amor de Deus
aos outros. Desde o início do seu pontificado, Bento XVI mostrou-se determinado a
«trabalhar sem poupar energias na reconstituição da unidade plena».
A capacidade de diálogo vai para além do ecumenismo. Dirige-se também aos
seguidores de outras religiões e ao mundo secularizado. Aí, espera-nos uma tarefa
imensa, que só podemos enfrentar se estivermos unidos a Deus, entre nós, os
católicos, e com todos os cristãos.
Adaptado de Revista Fátima Missionária, Janeiro de 2009
Visita do papa Bento XVI ao Rabi Arthur Schneier na Sinagoga de Nova Iorque
Unidade 2
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DOC 14
O Ecumenismo é um imperativo do Evangelho de Cristo
Agência Ecclesia — A impressão com que se fica é que o Oitavário de Oração pela Unidade dos Cristãos é o momento
«essencial» do ecumenismo. Que iniciativas marcam o caminho ecuménico em Portugal?
EMRC - AMOSTRA
D. António Marto (bispo católico) — Para melhor se perceber esta questão temos de distinguir três dimensões
essenciais no ecumenismo: em primeiro lugar a do amor, a fraternidade reencontrada entre os cristãos das várias
confissões; em seguida, a dimensão da verdade, que diz mais respeito ao diálogo teológico; por último, o ecumenismo
da vida, que consiste em aproximar as Igrejas e comunidades eclesiais na sua vida, percebendo que é mais forte o
que nos une do que o que nos divide. Quanto mais nos aproximarmos de Jesus Cristo e da vida no seu Espírito mais
nos aproximamos entre nós.
Convém ainda recordar que as iniciativas dependem muito das exigências do meio em que se vive e o dinamismo
ecuménico entre nós não é muito grande em parte devido à maioria católica que retira algum elan ao ecumenismo.
Ainda assim, há sinais concretos que alicerçam e promovem o diálogo comum a nível das bases, como foi o pavilhão
inter-religioso na Expo 98 e continua a ser o Programa «A Fé dos Homens» na RTP2.
AE — Como viver bem, então, o Oitavário de Oração?
AM — Esta iniciativa é sinal para despertar para a dimensão ecuménica. Para além dos encontros de oração deveria
fazer-se uma formação ecuménica e fomentar uma espiritualidade aberta aos valores das outras confissões cristãs.
Além disso, é importante estar unidos em causas concretas como a paz ou o acolhimento do imigrante, o estudo
comum da Bíblia, a entreajuda no campo da paz, da conservação do ambiente, da justiça.
AE — É necessário aproximar o ecumenismo do diálogo inter-religioso ou são «apostas» diferentes?
AM — Há uma diferença qualitativa entre eles, porque no diálogo inter-religioso procura-se uma convivência pacífica
e respeitosa entre os crente das várias religiões, para trabalhar nas grandes causas da humanidade; o diálogo
ecuménico procura a plena comunhão na mesma Fé, mas não pode ficar fechado em si, devendo levar os cristãos a
dialogar com os homens das diferentes religiões.
AE — E ainda é longo o caminho ecuménico?
AM — Estamos numa fase de menos entusiasmo, mas isso às vezes é providencial para um maior aprofundamento.
Não nos podemos fechar às surpresas de Deus, que manda homens que destroem os muros…
http://www.ecclesia.pt/(14-01-2003)
D. António Marto
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Unidade 2
EMRC - AMOSTRA
Projectos ecuménicos
de solidariedade
Não podemos, no entanto, ficar de braços cruzados, à espera
que os líderes religiosos se entendam em relação àquilo que os divide!
É preciso que cada crente, nas comunidades onde está inserido, procure impulsionar a unidade e a paz, através de acções concretas.
Para promover a unidade, os cristãos devem:
– Eliminar juízos, palavras e acções que afastem os cristãos e as
comunidades umas das outras;
– Promover o diálogo entre peritos, sobre a identidade de cada
comunidade a fim de procurar consensos;
– Organizar momentos de oração comum entre pessoas de comunhões diferentes;
– Facilitar a transformação interna de cada comunidade para
que seja testemunha fiel da fé cristã;
– Desenvolver o acolhimento generoso do outro;
– Proporcionar atitudes de amor fraterno;
– Reconhecer os próprios erros e os erros das comunidades de
que se faz parte.
Unidade 2
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– Defender e promover os direitos humanos;
– Participar em iniciativas a favor dos marginalizados, dos imigrantes, dos pobres, dos sem-abrigo;
– Salvaguardar os valores humanos e cristãos no mundo do trabalho, da política, da cultura, da educação, do desporto, da
saúde;
– Promover campanhas em favor de grandes causas da humanidade: perdão da dívida aos países pobres; aplicação das despesas com armamento na luta contra a pobreza; rejeição da
pena de morte; recusa da guerra como solução de problemas;
repúdio de todas as formas de discriminação;
– Orar pela unidade dos cristãos; rezar juntos pela paz e pela
justiça.
EMRC - AMOSTRA
É urgente deitar mãos à obra para:
«Como é bom e agradável viverem os irmãos
em harmonia» (Sl 133,1)

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